Académique Documents
Professionnel Documents
Culture Documents
INTRODUÇÃO
Nesse ensaio pretendo expor algumas ideias e reflexões acerca da relação entre os
pressupostos básicos de uma cosmovisão e a questão da objetividade na atividade científica.
A tese brevemente defendida é que afirmar a possibilidade, ou não, da objetividade na
atividade científica, depende dos pressupostos básicos da cosmovisão na qual essa atividade é
desenvolvida. Para tanto, defino cosmovisão aqui como: sistema de compromissos básicos do
coração que são expressos em pressupostos básicos, não capazes de serem submetidos a
provas, e a partir dos quais o indivíduo, ou grupo que compartilha desses mesmos
pressupostos, interpreta o mundo à sua volta. E objetividade é aqui entendida como qualidade
de um conhecimento em que a sua factibilidade independe das preferências subjetivas dos
sujeitos que o detém ou o comunicam.
O PRESSUPOSTO ONTOLÓGICO
Seria demasiado extenso elucubrar sobre todas as questões básicas que nossa cosmovisão
responde. Entretanto acredito que a maneira mais intuitiva de entendermos a relação dos
pressupostos básicos de uma cosmovisão e a atividade científica seja elucubrando sobre
questões igualmente básicas que revelam os pressupostos fundamentais. Entre essas questões
podemos enumerar pelo menos as seguintes: “Quem somos (o que é o homem)?”; “Por que
algo e não o nada?”; “O que é o ser e a existência?”; “De onde viemos e para onde vamos?”,
etc.
Ainda que todas essas questões estejam relacionadas, a maneira particular como respondemos
a cada uma delas revela a nossa visão de mundo, revela as lentes pelas quais enxergamos e
interpretamos o mundo. Sem querer ser exaustivo, entretanto, pretendo enfatizar a as questões
relacionadas ao ser a existência. O que é o ser? Por que existe algo e não o nada? Existe
algum propósito na existência? A resposta para essas perguntas revelará o que pressupomos, e
revelará também que esses pressupostos, como o próprio termo exige, não são provados, mas,
dizendo de maneira coloquial, são cridos.
O ponto é que absolutamente ninguém, nem mesmo o mais insensível cientista, consegue
fugir dessas questões. Todas as pessoas no mundo têm uma cosmovisão, ainda que não
consigam descrevê-las e nem as submetam ao prumo da análise teorética. É exatamente nesse
ponto que a neutralidade do sujeito se torna um mito, pois não há uma cosmovisão neutra,
livre de pressupostos, livre de crenças.
Parece-me que nos filosofia da ciência, por diversos motivos que não pretendo analisar, há
certo consenso quando a ausência de neutralidade nos sujeitos. Imagino que por conta dos
usos controversos da ciência principalmente pelos regimes autoritários do século XX fizeram
com que alegar neutralidade dos agentes científicos soasse esteticamente negativo nos dias
atuais. Concordo que a neutralidade dos sujeitos seja um mito, mas por motivos lógicos, e
aqui entra a discussão central desse texto.
Mas chegamos à segunda questão. Dado que é logicamente impossível afirmar uma ontologia
neutra, seria também logicamente impossível afirmar a possibilidade de conhecimento
objetivo? Não logicamente. E aqui a lógica caminha na direção oposta da que refuta a
neutralidade o sujeito. Para afirmar a impossibilidade de conhecimento objetivo é necessário
afirma o relativismo absoluto, o que é logicamente impossível, pois para afirmar o relativismo
absoluto eu necessariamente afirmo um absoluto (tudo é relativo), assim autorrefutando essa
tese. Isso não resolve totalmente a questão, mas nos dá um rumo. Dado a impossibilidade da
relativização absoluta é necessário e plausível que haja sim conhecimento e verdades
absolutas e universais, sem as quais o conhecimento objetivo seria impossível. Pois objetivo,
em última consequência, significa absoluto e universal, ou seja, que não pode ser relativizado
por algo ou alguém.
Nossa cosmovisão, ainda que intuitivamente e não explicada plenamente via elucubração
teorética, se funda no que pressupomos da realidade. Como exemplo, a cosmovisão cristã
pressupõe que a realidade é criação divina, dotada de propósito e significada, e dependente de
um criador pessoal que é a causa absoluta de tudo. O naturalismo filosófico, em linhas gerais,
pressupõe a inexistência de qualquer causa transcendente e, consequentemente, a inexistência
de significado e propósito na realidade. O panteísmo, em suma, entende que o divino é um
elemento imanente que perpassa toda a realidade, que está presa em infinitos ciclos. Todas
essas cosmovisões que usei como exemplos pressupõem ideias acerca da realidade que não
podem ser submetidas à prova, por esse motivo às chamamos de pressupostos.
Se somos capazes ou não de empenharmos essa cosmovisão verdadeira é outra questão. Mas
negar sua existência é logicamente impossível. Depende dela a possibilidade do conhecimento
objetivo. Se nossos pressupostos acerca da realidade estiverem corretos, ou seja, coerentes
com a realidade, então o conhecimento objetivo na ciência ou em qualquer outra forma de
conhecimento é possível. Colocar em dúvida isso é correr o risco de se contradizer
logicamente.
O ímpeto do espírito de época pós-moderno, sem pestanejar, apela ao relativismo. Mas, como
vimos o relativismo é ilógico. O relativo só se sustenta se há absolutos, sendo, portanto,
impossível torná-lo absoluto. Entretanto, creio haver outra via mais segura e que caminha na
via do absoluto e do objetivo. É para ela que volto a atenção desse ensaio agora.
Creio que a própria atividade científica (e aqui compreendendo o que comumente chamamos
de ciências naturais) pode nos auxiliar, ainda que de forma limitada, como veremos, a
encontrar uma cosmovisão ontologicamente coerente. Alguns valores da ciência, comumente
chamados de valores cognitivos, e aqui cito apenas alguns — e de forma bem rudimentar —
tais como a previsibilidade, a fecundidade, e o controle do fenômenos naturais. Ainda que
separadamente não possamos absolutizar nenhum deles, eles podem nos indicar um caminho
seguro. De fato, uma teoria científica que não gera previsibilidade, não é fecunda e não nos
auxilia no controle dos fenômenos, ou está equivocada ou está imatura. Sei que a questão não
é tão simples assim. Entretanto, os aspectos físicos, químicos e biológicos, que são o objeto
das ciências naturais, por não serem caóticos, mas ordenados, detêm uma lógica particular que
pode ser investigada e entendida. Os valores cognitivos brotam dessa lógica — aliás, o fato de
a natureza ser ordenada e não caótica é um forte indício da existência de objetividade do
conhecimento na atividade científica.
A realidade, entretanto, não se resume aos aspectos físicos, químicos e biológicos — apesar
de alguns se empenharem nessa direção. Nos outros aspectos ontológicos também podemos
investigar caminhos para uma cosmovisão coerente com a realidade. Mas antes quero destacar
que nada do que apresento aqui é absoluto em si mesmo, nenhum deles, por si só, é capaz de
justificar uma cosmovisão. A realidade é complexa em seus aspectos, por esse motivo é
importante uma cosmovisão coerente esbanje sua coerência em todos os aspectos.
O aspecto ético pode nos ajudar também. O certo e o errado existem objetivamente?
Naturalmente sim. Se não o fossem cairíamos na contradição lógica do relativismo. Mas aqui
não só a lógica nos auxilia, mas também a estética. O senso de justiça se manifesta
esteticamente em qualquer parte do mundo. Não pretendo examinar isso a fundo, mas lanço à
investigação. Entretanto, é nítido o senso de justiça compartilhado entre todos os povos.
Apesar das particularidades, em todas as civilizações vemos — ainda que por vezes
debilmente — assassinos, ladrões, usurpadores e outros criminosos sendo punidos. Porque
nos indignamos com o mal? Porque torcemos pelos heróis nos filmes? Algo nos informa que
compartilhamos um senso de justiça e que esse não coaduna com uma visão relativista de
mundo. Nosso senso estético não parece concordar com a ideia de que os princípios morais
são meras convenções. Parece, portanto, que uma cosmovisão coerente com a realidade deve
andar na direção de uma objetividade dos preceitos éticos e morais.
Se esse método de analisar a coerência da cosmovisão com a lógica dos aspectos ontológicos
parecer insuficiente, outro caminho possível é a coerência interna da cosmovisão, ou seja, das
alegações com os pressupostos. Em relação à ética e a moral podemos imaginar alguns
exemplos. Uma cosmovisão naturalista inevitavelmente nega a existência de teleologia
ontológica e, consequentemente, qualquer objetividade moral. Em última instância, para a
cosmovisão naturalista, os princípios morais nada mais são que acidentes e convenções.
Portanto, qualquer um que afirme os dogmas naturalistas e, ao mesmo tempo, intente
condenar firmemente qualquer crime ou regime opressor cai, pelo menos, em descrédito e,
muito mais provavelmente, em contradição. Por outro lado, algum adepto de alguma das
expressões históricas da cosmovisão cristã que relativize princípios morais básicos como a
imoralidade do assassinato de inocentes é, portanto, completamente incoerente, pois não se
pode afirmar a existência do criador e governador do universo da concepção cristã e ao
mesmo tempo afirmar o relativismo moral.
O aspecto pístico também pode nos dar alguma luz. Qualquer cosmovisão que negue a
existência de poder transcendente não pode conviver com a ideia de milagre, por exemplo.
Por outro lado, uma cosmovisão que afirma um Deus pessoal e onipotente não deve afirmar a
impossibilidade de milagres.
Sei que aqui é mais um julgamento em relação aos adeptos de determinadas cosmovisões do
que às cosmovisões em si. De qualquer modo, quando personalizamos as cosmovisões, como
fazemos na filosofia, fica mais fácil encará-las independentes de seus agentes.
Essas foram algumas breves investigações intuitivas sobre a coerência das cosmovisões.
Destaco novamente que são apenas reflexões intuitivas, e que nenhuma delas por si mesma é
capaz de afirmar categoricamente a coerência de uma cosmovisão seja internamente, seja na
sua coerência com a realidade. Entretanto, o que fica mais evidente é que a nítida existência
de contradições internas e externas de certas cosmovisões as tornam implausíveis.
CONCLUSÃO