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RESUMO: Este artigo investiga o valor dos objetos biográficos e das per-
formances narrativas na construção da “história oral de vida”. Para tanto,
pretende-se destacar os procedimentos da história oral que valorizam, em
um espaço de subjetividade, as narrativas e as experiências do colaborador.
Cabe, assim, maior atenção aos objetos biográficos enquanto catalisadores
dos aspectos performáticos que compõem o fato comunicativo, conside-
rando as construções/criações desenvolvidas no tempo presente.
tificação.
A “bolsa de betel” representada por Hoskins (1998) como “um saco para
almas e histórias” foi utilizada como pivô para incentivar a narrativa das
experiências de vida do senhor Maru Daku. Este objeto doméstico, uma pe-
quena bolsa de tecido usualmente levada no ombro, presente no cotidiano
dos homens e mulheres da Vila do Kodi, guarda um conteúdo cuidadosa-
mente preparado: o betel - uma pimenta cuja folha tem propriedades ads-
tringentes - envolve a noz de areca - semente da Areca Catechu, conhecida
como palmeira de betel - para formar uma pastilha elástica, uma goma
estimulante que é mastigada e armazenada: “Maru Daku juntou sementes
e histórias em um pequeno saco de tecidos que ele levava ao longo de sua
vida” (HOSKINS, 1998, p. 26).
O senhor Maru Daku usou a “bolsa de betel” como uma metáfora das
suas experiências. O objeto biográfico sugestionou suas recordações an-
cestrais mediando novas percepções. O significado dado por Maru Daku
à “bolsa de betel” foi evidenciado em três momentos da sua narrativa que
apontou a transmissão de conhecimento por gerações: recordações do seu
avô, do seu irmão e do seu filho favorito. A “bolsa de betel” mediou relações,
e até substituiu pessoas, sendo sepultada no lugar do seu dono (indicando
que ele estava “socialmente morto”, apartado do convívio social). O objeto
biográfico é depósito de crenças, rituais e experiências pessoais e coleti-
vas, apontando, assim, uma dupla característica: é um objeto intensamente
pessoal e intensamente social.
Integrando a apresentação narrativa do “eu”, o objeto biográfico não
significa por si, mas por agregar uma gama de experiências. As pessoas
se relacionam com tais objetos, seja de forma empática, animista ou refle-
tindo “mal-estar” em relação a eles. De qualquer forma, torna-se possível
uma leitura dos reflexos dos objetos biográficos nas histórias de vida de
quem os possui, seja porque estiveram presentes em momentos importan-
tes de sua vida ou porque foram eleitos por identificações posteriores que
possuem um sentido subjetivo.
Ultrapassando gerações, o objeto biográfico permite o contato com o
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passado, representando experiências vividas. O objeto interessa, no seu va-
lor inestimável, como instrumento de registro dos momentos considerados
significativos para a construção de histórias de vida. Suscitando um posi-
cionamento reflexivo do colaborador, o objeto biográfico facilita a elabora-
ção de narrativas por meio da atribuição de sentidos a cada um de seus
detalhes3.
3. MORIN, Violet. “El objeto biográfico”. In: Los objetos. Buenos Aires: Tiem-contemporáneo, Biblioteca de
Ciencias Sociales, 1971.
Juniele R. Almeida, Maria A. Amorim, Xênia C. Barbosa, Performance e Objeto Biográfico
4. NOVINSKI, Sonia Waingort. As moedas errantes: narrativas de um clã judaico centenário. Doutorado em
História social. São Paulo: USP, 2001; PETERS, Ana Paula. De ouvido no rádio: os programas de auditório
e choro em Curitiba. Mestrado em Sociologia. Curitiba: UFPR, 2005; KOTRE, John. Luvas Brancas: como
criamos a nós mesmos através da memória. São Paulo: Mandarim, 1997.
5. “Só o objeto biográfico é insubstituível: as coisas que envelhecem conosco nos dão a pacífica sensação
de continuidade” (BOSI, 2003, p. 26).
6. BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2001.
Oralidades, 2, 2007, p. 101-109
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Oralidades, 2, 2007, p. 101-109
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