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RESENHAS 161

sobre determinada função) atuaram como impe- Encontros e desencontros


dimentos à profissionalização, favorecendo a pre-
dominância da política convencional. Os delega- da sociologia e educação
dos são, portanto, os mais distantes da ideologia no Brasil
profissional e, não por acaso, trata-se, de todas as
carreiras jurídicas analisadas, de menor status so- Graziella Moraes DIAS DA SILVA. Sociologia da
cial e menor poder aquisitivo. A falta de legitimi- sociologia da educação: caminhos e desafios de
dade dificulta, segundo Bonelli, assumir a “autori- uma policy science no Brasil (1920-1979). Bra-
dade técnica” com “mandato moral”. gança Paulista, Editora da Universidade São Fran-
Em contrapartida, a autora sustenta que a cisco. 203 páginas
análise dos dados de um survey realizado entre os
delegados revela uma momento de importantes Carlos Benedito Martins
mudanças. As respostas mostram o desconforto
dos delegados com o peso da política convencio- Após uma fase de acentuado recuo no inte-
nal que incide sobre sua carreira. O survey mostra rior das ciências sociais brasileira, assiste-se a par-
também a valorização do profissionalismo pelos tir da década de 1980 a retomada de uma reflexão
delegados, certamente associada à preocupação sistemática e da realização metódica de trabalhos
dos membros dessa carreira com a legitimidade da teóricos e empíricos sobre o tema da educação e
autoridade policial – daí a importância atribuída de sua articulação com outros campos sociais. Em
por eles à prestação de serviços à comunidade. recente publicação da Anpocs O que ler na ciên-
Além disso, as respostas dos delegados parecem cia social brasileira (1970-2002), Clarissa Baeta
indicar que, pelo menos em relação à autopercep- Neves, ao realizar um balanço crítico do estágio
ção, houve mudanças, mas resta saber de que for- atual dos estudos sociológicos sobre educação no
ma isso se reflete na sua atuação profissional. Mu- Brasil, destacou não só o seu significativo volume,
danças mais profundas, de qualquer modo, mas também uma riqueza de linhas de pesquisa e
enfrentariam resistências não só de membros da uma pluralidade de enfoques analíticos, bem
carreira, como também da própria estrutura da Po- como a existência de diversos grupos de pesqui-
lícia Civil – organização burocrática com mescla sa dedicados a essa temática, a maioria deles, em
de profissionalismo, como aponta a autora. estreita conexão com os programas de pós-gra-
duação em sociologia, localizados em várias re-
Cátia Aida Silva é doutora em Ciência giões do país. O trabalho de Graziella Silva é uma
Política pela Universidade de São Paulo. contribuição relevante para resgatar determinados
momentos dos caminhos e dos descaminhos per-
corridos pelas afinidades estabelecidas entre a so-
ciologia e a educação no país. Uma das motiva-
ções que orientaram sua realização foi entender
as condições que conduziram o desinteresse da
sociologia brasileira pela temática da educação,
de modo destacado durante o período que se es-
tende do golpe militar até o início do processo de
redemocratização do país. Esse desinteresse não
deixa de ser intrigante, quando se tem em conta
a própria origem da sociologia no Brasil, a qual,
na visão da autora, nasceu em estreita relação
com a temática educacional.
Ao longo do trabalho, Graziella esboça os
contornos históricos e institucionais que permea-
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ram as complexas relações entre educação e o de- versa. Ao comparar a construção dos sistemas
senvolvimento das ciências sociais no país, parti- educacionais de quatro países europeus, Rússia,
cularmente da sociologia da educação, assim França, Inglaterra e Dinamarca, Archer assinala
como enfoca a movimentação de determinados como esses sistemas educacionais se transforma-
atores que ocuparam posições estratégicas na ram em virtude da ação dos agentes que atuaram
construção dessa conexão. Analisa de forma deta- em seu interior e da relação que o sistema educa-
lhada não apenas a constituição da sociologia da cional mantém com outras instituições sociais.
educação, no período compreendido desde a dé- Graziella retém da reflexão de Archer a retomada
cada de 1920 até o início da transição democráti- da perspectiva macrosociológica presente em de-
ca, em final dos anos de 1970, mas também os di- terminados pensadores clássicos da sociologia,
lemas e os conflitos manifestos e/ou latentes em oposição às visões individualistas e voluntaris-
quanto à definição do seu status disciplinar. Nes- tas de algumas abordagens sociológicas contem-
se sentido, a autora destaca que a institucionaliza- porâneas, assim como a centralidade do papel
ção da sociologia da educação no país oscilou en- dos atores sociais na construção dos sistemas
tre uma concepção, próxima de uma policy educacionais. Dessa forma, o estudo assume o
science, desejosa de aplicar os conhecimentos pressuposto de que para compreender a dinâmi-
científicos à formulação de políticas públicas, par- ca histórica dos sistemas educacionais, engendra-
ticularmente no campo da política educacional, e da pelas disputas de poder no interior das ativida-
outra que buscou se constituir como uma discipli- des educacionais, é preciso analisar quem ganhou
na estritamente acadêmica, próxima do modelo ou perdeu determinadas lutas específicas e quais
mertoniano de comunidade científica. Além de ter os custos para os atores dessas disputas.
realizado uma minuciosa reconstrução da trajetó- Nessa discussão, a autora introduz uma ou-
ria das diversas concepções que permearam essas tra problemática, qual seja, a tentativa de com-
relações, utilizando-se para isso de uma bibliogra- preender a sociologia da educação no Brasil
fia pertinente, o livro possui também o mérito de como uma policy science, articulando essa idéia
convidar o leitor a refletir sobre as possibilidades, com a dinâmica dos sistemas educacionais nos
os desafios e os problemas inerentes à constitui- termos delineados por Archer. O trabalho retoma,
ção de uma sociologia da educação atualmente, então, o debate em torno do estatuto teórico da
voltada para a avaliação e o refinamento de polí- relação entre conhecimento social e políticas pú-
ticas educacionais empreendidas tanto na esfera blicas, estabelecido por Lerner e Lasswel no livro
federal como estadual e municipal, sem perder Policy sciences, publicado em 1951. Na perspecti-
nessa empreitada o rigor teórico-metodológico va desses autores, as policy sciences não seriam
presente na tradição sociológica. ciências sociais aplicadas a temas específicos, mas
Este estudo incorpora, entre outros autores, um campo de conhecimento interdisciplinar com-
as contribuições teóricas de Margaret Archer. Dis- prometido com temas relevantes, como pleno
tanciando-se das análises funcionalistas e estrutu- emprego, paz, desigualdades sociais etc. As policy
ralistas, Archer procurou em suas diversas investi- sciences não estariam voltadas à procedimentos
gações empíricas articular as relações recíprocas burocráticos, mas deveriam ter valores bem defi-
entre ação e estrutura, integrando as dimensões nidos que determinariam os objetivos a serem al-
micro e macro e captando o sistema educacional cançados. Lerner e Laswell acreditavam que uma
como palco de incessantes disputas entre diferen- vez predefinidas as diretrizes políticas, a objetivi-
tes grupos sociais interessados na sua própria de- dade da pesquisa social encontraria espaço de
finição. Archer salienta que as interações sociais ação científica na análise de contextos específicos
ao influírem na produção da estrutura presente como uma adequação dos melhores meios para
acaba por produzir novas realidades que, por sua atingir determinados fins.
vez, se tornam estruturas, de tal forma que as A discussão sobre o estatuto teórico das po-
conseqüências se transformam em causas e vice- licy sciences é cotejada pelas contribuições forne-
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cidas mais recentemente, por autores como Wag- ções históricas estabelecidas entre educação e so-
ner, Wittrock e Wolmann, contidas no livro Social ciologia no período entre 1920 e 1979, e busca
sciences and modern sate, publicado em 1991, no analisar também as possibilidades e os limites que
qual procuram avaliar os limites e as possibilida- existiram, nesse período, quanto à construção da
des da proposta de Lerner e Lasswell. Esses auto- sociologia da educação como uma policy science.
res examinam a proposta de uma policy science Inicialmente, a autora destaca a forte imbricação
baseados na compreensão histórica da relação en- existente entre educação e sociologia, umas vez
tre ciências sociais e políticas públicas em diferen- que, em sua visão, a institucionalização inicial da
tes contextos societários. Nesse sentido, para eles, sociologia ocorreu no interior das escolas normais,
uma visão estreita da pesquisa sobre políticas pú- por meio da obrigatoriedade do ensino da discipli-
blicas pode acarretar uma excessiva subordinação na sociologia da educação, introduzida no âmbito
dessas ciências a projetos de Estado, transforman- das reformas estaduais ocorridas na década de
do os cientistas sociais em meros tecnocratas e/ou 1920, responsáveis pela criação e/ou reformulação
reformadores sociais. Em contrapartida, assinalam de diversos institutos de educação. A orientação
que uma excessiva “academicização” das ciências dessas reformas era dotar os professores de uma
sociais pode conduzi-las a uma total desvincula- base científica, considerada uma condição essen-
ção das questões relevantes da agenda do debate cial para o processo de transformação do sistema
público. O engajamento das ciências sociais não escolar brasileiro. Além disso, Graziella adiciona a
constitui um fenômeno recente, uma vez que al- promulgação da Reforma Rocha Vaz, realizada em
guns de seus mais expressivos fundadores, no fi- 1925, que determinou a introdução da sociologia
nal do século XIX e início do XX, já apresentavam na sexta série ginasial em todo o território nacio-
preocupação em intervir, demonstrando uma afi- nal. A ocorrência desses acontecimentos conduziu
nidade cognitiva com questões relevantes do de- a autora a contrapor a experiência brasileira à dos
bate público. Por fim, esses autores examinam as países latino-americanos que, segundo ela, incor-
conexões assumidas historicamente entre as te- poraram a sociologia em suas respectivas socieda-
máticas das ciências sociais e as questões de po- des por meio dos cursos de direito.
líticas sociais em diferentes momentos nos Esta- Por outro lado, a história da sociologia da
dos Unidos e na Europa ocidental. Desta análise, educação no Brasil esteve várias vezes associada às
Graziella Silva apreende a idéia de que a consti- disputas em torno dos temas educacionais Na vi-
tuição possível de uma policy science depende da são da autora, a partir de 1920, a sociologia foi en-
conjunção de fatores institucionais/intelectuais faticamente utilizada na elaboração de projetos so-
existentes em cada contexto societário (dinâmica bre a forma mais adequada de organizar o sistema
do sistema universitário, herança intelectual vi- educacional do país. A análise empreendida pelo
gente, papel desempenhado pelas instituições- trabalho evidencia que a educação assumiu uma
ponte entre política social e produção do conhe- importância não só como tema de intelectuais en-
cimento) e de fatores político/institucionais gajados, mas também como um acirrado campo de
(atores sociais que atuam no sistema educacional batalha ideológico entre defensores de um ensino
e o momento político). A autora compartilha com público e laico, respaldado por concepções impor-
Wagner, Wittrock e Wollman a crença de que é tadas da França e dos Estados Unidos e adeptos do
possível e desejável aliar pesquisa social e políti- ensino privado e religioso, grupo mais influente
cas públicas, afastando-se, portanto, de uma con- politicamente no período em foco.
cepção acentuadamente acadêmica. Ressaltando, Um dos grupos atuantes nesse período que
ainda, que essa postura implica refletir sobre as mereceu uma detalhada análise no presente tra-
prioridades e as diferenças da pesquisa científica balho foi o dos Pioneiros da Escola Nova, forma-
e dos objetivos administrativos. do no pós-1930. Além de se opor ao projeto edu-
Uma vez delineado seu quadro de referência cacional da Igreja, tinha a ambição de transformar
analítico, o trabalho dedica-se a abordar as rela- o país por meio do seu sistema de ensino e seus
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membros acreditavam também na aplicação de derais para investimento em educação foram cer-
princípios científicos no planejamento da educa- tamente influência dos Pioneiros.
ção, embora imperasse uma elevada dose de au- A autora considera que o advento do Estado
todidatismo entre eles. O conhecimento de alguns Novo em 1937 interrompeu as possibilidades de
da sociologia de Durkheim e da filosofia de De- constituição da sociologia da educação como po-
wey seria utilizado para respaldar o pretendido licy science, pois o projeto de alguns desses edu-
diferencial científico. Dessa forma, o documento cadores, comprometidos com a democratização
que os uniu, o Manifesto dos Pioneiros de 1932, da educação e da sociedade, passaram a ver vis-
contribuiu não apenas para defender uma ampla tos como uma ameaça ao regime instalado. Os
agenda de reformas educacionais no país – in- educadores profissionais ficaram relativamente à
cluindo a defesa de uma educação pública e lai- margem da política educacional nesse período, o
ca – mas levantou também o debate sobre a pro- Exército – fortalecido pela época de guerras e de
fissionalização do intelectual como assessor vigência de ideologias autoritárias – foi quem as-
técnico das reformas sociais. Entre os signatários sumiu a sua condução. O projeto educacional
do Manifesto dos Pioneiros destacavam-se Anísio dessa corporação possuía um claro intuito disci-
Teixeira, Fernando de Azevedo, Júlio de Mesqui- plinador, direcionado à enraizar na coletividade
ta, Paschoal Leme, Cecília Meireles, Delgado de brasileira o espírito militar calcado em bases po-
Carvalho, o único entre eles que possuía forma- sitivistas e nacionalistas. Recorrendo ao teor das
ção em sociologia, realizada no exterior. Esses in- publicações da revista Defesa Nacional, a autora
telectuais, embora insistissem na utilização de salienta que vários de seus artigos pregavam a ne-
perspectivas científicas no planejamento da edu- cessidade de um “projeto estratégico de mobiliza-
cação, na avaliação da autora, constituíam um ção controlada”, em que a educação era definida
grupo heterogêneo em termos de matrizes de como uma questão de segurança nacional. A ên-
pensamento e de orientação política, como de- fase nos cursos de educação física, no culto à
monstra sua análise quanto à trajetória de vida de bandeira e na educação moral e cívica expressa-
determinados membros do grupo. va por parte do Exército objetivos mais políticos
Os educadores-pioneiros encontravam-se do que pedagógicos. A carta de 1937, juntamente
ativamente envolvidos no debate sobre a criação à opção política de Capanema em se unir à Igre-
de um sistema educacional e disputavam suas di- ja Católica, imprimiu na educação um caráter ho-
retrizes gerais com grupos concorrentes, forma- mogêneo e nacionalista, disposição essa que con-
dos por católicos e também militares. Inicialmen- duziu a política educacional à enfatizar os rituais
te, os Pioneiros foram os intelectuais-educadores patrióticos, a reprimir as escolas de imigrantes e a
mais influentes junto ao novo governo instalado definir um padrão de escolas (Colégio Pedro II) e
em 1930 e na Constituinte de 1933. Nesses anos, de universidades (Universidade do Brasil) a ser
eles, fundamentados em teorias sociológicas, psi- seguidos pelo conjunto do país. À partir de 1937,
cológicas e filosóficas inseriram “cientificamente” o ideal de “educar para a sociedade”, pleiteado
a educação no projeto mais amplo de construção pelos Pioneiros, foi substituído pela concepção
de uma nova sociedade brasileira. A Constituição “educar para a pátria”, conforme expressão utili-
de 1934 registrou vitórias e derrotas, tanto dos zada por Gustavo Capanema em 1940.
Pioneiros, como dos católicos. O princípio liberal Na avaliação da autora, a centralização auto-
de ensino público, contido na Constituição de ritária constituiu um duro golpe nas intenções
1891, deu lugar ao princípio da escolha das famí- “científico-educacionais” dos Pioneiros e repre-
lias pelo ensino laico ou religioso – influência dos sentou a ruptura da possibilidade de uma nascen-
católicos. A previsão de elaboração de um plano te interação entre educação e sociologia. Ao mes-
nacional de educação, com suficiente descentrali- mo tempo, a instauração do Estado Novo
zação para a ação dos Estados, bem a inclusão da contribuiu para a dispersão do grupo. Alguns de
vinculação de uma porcentagem de recursos fe- seus membros apostaram na neutralidade técnica
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de seu conhecimento e permaneceram em deter- acentuado perfil acadêmico. Segundo a avaliação


minados órgãos de planejamento educacional. A da autora, o modelo da FFCL era o de ciência
vertente ligada à psicologia também encontrou pura e sua vocação era formar uma comunidade
espaço no novo governo. O Inep, criado em científica mertoniana. A ELSP estabeleceu rela-
1938, principal responsável pelas pesquisas edu- ções intelectuais com os Estados Unidos, princi-
cacionais no país e interlocutor dos intelectuais palmente com a tradição sociológica da escola de
nas políticas públicas, foi entregue a Lourenço Fi- Chicago, incorporando seu ethos intelectual calca-
lho, que procurou imprimir uma perspectiva de do em análises mais empíricas, apoiadas em no-
psicologia aplicada à educação. Em contrapartida, vas metodologias como os estudos de comunida-
a vertente sociológica do grupo perdeu influência de e os surveys, os quais num momento posterior
nos rumos educacionais do país. Muitos de seus foram fundamentais na criação do CPBE. À medi-
interlocutores afastaram-se ou foram afastados da que, segundo a autora, a ELSP produzia um
das arenas de decisões educacionais, tal como conhecimento mais aplicado, o estilo de trabalho
ocorreu com Anísio Teixeira que, após o fecha- intelectual nessa instituição tornou-se cada vez
mento da UDF em 1938, se “auto-exilou” no inte- mais próximo a uma concepção de policy science.
rior da Bahia. Uma vez afastada do planejamento Entre 1920 e 1945a autora assinala que a
educacional, a vertente sociológica recolheu-se produção intelectual no campo da sociologia da
nas novas instituições de ensino, como foi o caso educação era extremamente modesta, em função
de Fernando de Azevedo, que se voltou para o do caráter incipiente do sistema universitário,
projeto de criação da USP e, posteriormente, as- apesar de já terem sido publicados trabalhos clás-
sumiu a cátedra de sociologia nessa instituição, sicos, como os de Sérgio Buarque de Hollanda,
publicando à partir daí os manuais Princípios de Gilberto Freyre, Caio Prado Junior, Roberto Si-
sociologia (1935) e Sociologia educacional (1940). monsen etc. Em sua avaliação, embora tenha se
O afastamento da possibilidade de uma inte- formado na área do direito, Fernando de Azeve-
ração mais estreita entre a sociologia e o planeja- do foi o principal responsável pela produção pro-
mento correspondeu ao início do processo de ins- priamente sociológica nesse período, sobretudo
titucionalização da sociologia como disciplina no campo da sociologia da educação, fortemente
universitária. Nesse sentido, a autora destaca a influenciado pelo pensamento de Durkheim. Mes-
criação dos cursos de sociologia em São Paulo, na mo ele tinha uma avaliação pessimista: ao criticar
Escola Livre de Sociologia e Política – ELSP (1933) a falta de ênfase dada à sociologia da educação,
e na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras – somente abria exceção a seus alunos Florestan
FFCL (USP, 1934), e no Rio de Janeiro, na Univer- Fernandes e Antonio Candido. Ele assinalava tam-
sidade do Distrito Federal (1935-1938). A expe- bém que o projeto da sociologia da educação de-
riência da UDF, em larga medida concebida por veria ser prioritariamente científico, ou seja, o so-
Anísio Teixeira e interrompida de forma autoritá- ciólogo deveria distanciar-se de objetivos práticos
ria pelo governo Vargas, foi muito curta para con- no momento da realização de suas pesquisas, por
tribuir com o processo de institucionalização das mais que tivesse consciência de suas possíveis
ciência sociais no país. No entanto, a autora des- aplicações práticas. Além de Fernando de Azeve-
taca que as instituições paulistas, ao buscar novas do, Delgado de Carvalho também publicou al-
referências de organização do trabalho científico guns manuais voltados para as escolas normais.
no campo das ciências sociais, recrutando profes- Diante da escassez de trabalhos, seria o caso de
sores e pesquisadores no exterior para integrar se questionar a existência de uma sociologia da
seus quadros docentes, se diferenciaram, de for- educação nesse período.
ma significativa, da tradição ensaística de conhe- Entre 1945 e 1964, o trabalho destaca o pro-
cimento social até então predominante no país. A cesso de democratização do país, depois de qua-
USP absorveu professores da Europa, sobretudo se dez anos de ditadura do Estado Novo, assim
da França, e procurou imprimir um trabalho com como a emergência de um discurso nacional-de-
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senvolvimentista, que buscou conferir ao Estado to das próprias ciências sociais, ainda incipientes
um papel estratégico no planejamento de diversas no país, ao mesmo tempo em que estimularia os
atividades socioeconômicas do país. A nova confi- cientistas sociais a se interessarem pelo estudo de
guração política, se bem que não tenha marcado problemas educacionais. Com a criação do Cen-
uma ruptura radical com o período anterior, pro- tro, as pesquisas educacionais passaram a contar
piciou o surgimento de tanto de instituições latino- com orçamento e espaço institucionalizados, con-
americanas (Cepal, Claps, entre outras) como bra- dições raras no campo das ciências sociais naque-
sileiras (Iseb, CBPE, entre outras) para planejar as le momento. Anísio Teixeira propôs também,
opções de desenvolvimento nacional, e com isso além do CPBE a criação de centros regionais, os
alargou a participação dos cientistas sociais em di- quais foram implantados nos Estados de Rio de
versos orgãos estatais. Este momento marcou tam- Janeiro, Minas Gerais, Bahia, Rio Grande do Sul e
bém a volta de alguns membros do grupo Pionei- Pernambuco, sob o comando de Gilberto Freire,
ros à vida pública – Anísio Teixeira, por exemplo, e em São Paulo, sob orientação de Fernando de
foi diretor da Capes, fundada em 1951, durante o Azevedo. A inclusão Azevedo e Freyre – os quais
segundo governo Vargas (1951-1954)Nessa dire- não realizaram qualquer estudo sobre a temática
ção, em meados da década de 1950 é criado o educacional – fazia parte da estratégia de Anísio
Iseb, segundo a autora, um centro importante no Teixeira em absorver nomes já consagrados nas
desenvolvimento das ciências sociais no Rio de Ja- ciências sociais brasileira, com o propósito de
neiro, embora sua atuação tenha se destacado despertar o interesse desse campo disciplinar para
mais como locus de criação de uma ideologia de- a temática da educação.
senvolvimentista do que como uma instituição ela- O CBPE é analisado, de forma bastante de-
boradora de propostas e/ou de avaliação de polí- talhada, como um exemplo clássico de institui-
ticas públicas, o que explicaria, de certa forma, a ção-ponte entre Estado e Ciência, ou seja, um ór-
pouca ênfase que esse instituto conferia à realiza- gão voltado para a realização de políticas públicas
ção de pesquisas empíricas. A esse propósito, a que estabeleceu intensas conexões com os inte-
autora assinala que Guerreiro Ramos, um dos lectuais e com as nascentes universidades. A coor-
principais nomes do Iseb, criticava a utilização de denação inicial das pesquisas sociais do CPBE
surveys e de estudos de comunidade como meto- coube a Costa Pinto, que permaneceu apenas um
dologias frutíferas, uma vez que para ele esses ano no cargo. Com sua saída, Darcy Ribeiro assu-
procedimentos de investigação perdiam de vista a miu a direção, por sugestão de Charles Wagley,
perspectiva geral da sociedade. seu professor na ELSP. Diga-se de passagem, o
Em 1952, Anísio Teixeira assumiu a diretoria CBPE sofreu uma forte influência da concepção
do Inep, acumulando-a com suas funções na Ca- de investigação da ELSP, a qual privilegiava estu-
pes, com o objetivo de tornar esse orgão o res- dos de comunidade que eram analisadas a partir
ponsável pelas pesquisas e estudos que assegura- de uma perspectiva antropológica de cultura –
riam a fundamentação científica da política que, por sua vez, ampliou o conceito de educa-
educacional do MEC. Para dinamizar o instituto, ção para o de socialização, mininizando a análise
que havia se burocratizado de forma significativa do sistema formal de educação –, e, ao mesmo
durante a vigência do Estado Novo, em 1955 foi tempo, utilizava a técnica de surveys. Assim como
criado o CBPE (Centro Brasileiro de Pesquisas Darcy, a maioria dos pesquisadores do CBPE, em
Educacionais). A autora explora a centralidade do maior ou menor grau, não tinha conhecimento ou
CPBE como um órgão de pesquisa aplicada à interesse por questões educacionais tout court. O
educação no qual os cientistas sociais se encon- que a autora procura reafirmar é estratégia utiliza-
travam envolvidos com investigações teóricas e da por Anísio de chamar para o Centro cientistas
empíricas (supostamente) vinculadas ao tema sociais competentes e promissores com o objeti-
educacional. No projeto inicial de Anísio, o CBPE vo de estimulá-los para com o tema da educação.
teria o duplo objetivo de apoiar o desenvolvimen- Nesse sentido, a análise fornece informações va-
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liosas sobre as relações entre os cursos de socio- acadêmicas e pouco contribuíam para a com-
logia das instituições recém-criadas e o recruta- preensão de seus afazeres práticos no cotidiano
mento dos cientistas sociais. A análise demonstra, educacional Em sua avaliação, as tensões entre a
de forma convincente, que mesmo reunindo di- necessidade de afirmação disciplinar das ciências
versos cientistas sociais de duas gerações – os sociais emergentes no país e as necessidades prá-
Pioneiros da Escola Nova e jovens cientistas so- ticas da política educacional acabaram gerando
ciais, como Florestan Fernandes, Darcy Ribeiro, conseqüências positivas para a institucionalização
Fernando Henrique Cardoso e Octávio Ianni – as das ciências sociais, mas, em contrapartida, cor-
pesquisas realizadas pelo CBPE se voltaram mais roeu gradativamente a legitimidade social e a efi-
para a compreensão das condições gerais da so- cácia do CBPE como locus de formulação de po-
ciedade brasileira, abordando temáticas como in- líticas públicas.
dustrialização, urbanização, imigração, mudança Ao abordar as relações entre educação e so-
social, relações raciais, partidos políticos etc, do ciologia Brasil no período 1964/1979, a autora
que para aspectos específicos do sistema educa- afirma que não é fácil definir o seu lugar durante
cional brasileiro. o regime militar. De um lado, houve uma visível
Graziella evidencia que nos 21 números pu- repressão política aos setores de esquerda, que
blicados na revista Educação e Ciências Sociais, redundou no fechamento do Iseb, no controle da
editada entre março de 1956 e setembro de 1962 liberdade acadêmica das universidades, na cassa-
– entre artigos de Anísio Teixeira, Fernando de ção e aposentadorias compulsórias de vários pro-
Azevedo, Antonio Candido, Costa Pinto, Gilberto fessores universitários, esvaziando o espaço aca-
Feyre, Jacques Lambert, Otávio Ianni, Juarez dêmico. A sociologia, que vinha adquirindo uma
Brandão Lopez, Celso Furtado, entre outros –, a gradativa visibilidade no espaço público, perdeu
maioria apresentava tênues relações com o temá- o papel de mapeamento dos rumos da mudança
tica educacional. Essa ausência revelava uma cer- social e de seu planejamento, sendo, em larga
ta crítica dos cientistas sociais ao otimismo educa- medida, alijada das esferas estatais de análises so-
cional, presente entre os educadores-pioneiros. cioeconômicas aplicadas. Entre as ciências so-
De certa forma, os novos pesquisadores estavam ciais, a ciência econômica foi a que conquistou
sugerindo que o insucesso político dos Pioneiros maior legitimidade científica no contexto político.
residia na excessiva centralidade conferida à edu- O relevo adquirido pelo Ministério do Planeja-
cação formal e aos procedimentos pedagógicos. mento como pólo de desenvolvimento de ciência
Nesse sentido, o trabalho em foco aponta um pa- e tecnologia durante o governo militar, sobretudo
radoxo: num dos momentos em que as ciências depois da criação do Ipea em 1964, ampliou suas
sociais brasileiras, de forma institucionalizada, es- funções a tal ponto que as próprias pesquisas
tabeleceu um diálogo com a temática educacio- educacionais – concebidas à partir da lógica de
nal, essa aproximação não redundou em avanços capital humano – passaram a ser concebidas e
no processo de institucionalização da sociologia realizadas no âmbito desse Ministério. Por outro
da educação no país. lado, o governo militar implementou uma política
Na visão da nova geração, a transformação de desenvolvimento científico e tecnológico com
do sistema educacional dependia de uma mudan- decisiva participação de agências de fomento fe-
ça de processos sociais mais gerais, os quais de- derais, as quais possibilitaram a formação de um
veriam constituir os objetos legítimos de investi- consistente sistema nacional de pós-graduação.
gação. Essa concepção, unida a uma certa Ao mesmo tempo em que ocorreu o afastamento
desvalorização da educação, esvaziou o papel po- entre sociologia e planejamento, a autora consta-
tencial que o CBPE poderia ter exercido como po- ta uma nova etapa no processo de sua institucio-
licy science institute. Além disso, na perspectiva nalização, representada pela criação de progra-
dos professores que atuavam no sistema de ensi- mas de pós-graduação nessa área do
no, as pesquisas do CBPE eram marcadamente conhecimento, assim como a emergência de no-
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vos centros de investigação – baseados em recru- cacional, que vinha, até então, sendo realizada
tamento de professores universitários (cassados nos cursos de ciências sociais em diálogo com os
e/ou perseguidos politicamente pelo regime) cursos de educação. Com o desmembramento das
como foi o caso do Iuperj e do Cebrap. Até que faculdades de filosofia, ciências e letras e a cria-
ponto o processo de formação de um sistema na- ção das faculdades de educação – um subprodu-
cional de ensino e pesquisa, impulsionado pela to da reforma universitária de 1968 –, o debate
criação e pela posterior multiplicação de progra- educacional deslocou-se para as faculdades de
mas de pós-graduação, contribuiu para a lógica pedagogia, com seus próprios sistemas de ensino
de uma academicização da sociologia permanece e pesquisa, o que deu margem para o empobre-
uma questão em aberto que certamente merece cimento da sociologia educacional. O aprofunda-
ser discutida em maior profundidade. mento dessa ruptura dar-se-ia com a criação dos
Nesse contexto, a análise desenvolvida pela programas de pós-graduação em educação, os
autora evidencia que, especificamente na área da quais, em larga medida, elaboraram uma série de
sociologia da educação, a qual havia conquistado trabalhos utilizando categorias analítico-concei-
um espaço em determinados órgãos públicos de tuais das ciências sociais, na maioria das vezes,
planejamento, a confluência da crise do CBPE sem o devido treino e a profundidade necessá-
aprofundada com a instalação do governo autori- rios, acentuando o desprestígio intelectual da
tário e a utilização cada vez maior da economia educação como objeto de estudo junto aos soció-
como referência disciplinar contribuíram para re- logos. Certamente, alguns sociólogos continuaram
definir o modo pelo qual os praticantes da disci- realizando pesquisas sobre educação, caso de
plina passaram a pensar a educação e sua relação Aparecida Joly Gouveia, cujos trabalhos merece-
com a própria sociologia. Concebida inicialmente ram uma atenção especial por parte da autora. No
pelo grupo Pioneiros como instrumento de demo- entanto, o fundamental a ser destacado é que a
cratização e de transformação da sociedade brasi- educação passou a ocupar um reduzidíssimo es-
leira, utilizada em seguida nos anos de 1950 e paço na agenda de prioridades da sociologia:
1960 para analisar o processo de transição do tra- num total de 226 teses defendidas por essa disci-
dicional para o moderno, a sociologia seria em- plina no período 1976/1978, apenas 6% tinham a
pregada intelectualmente no novo contexto para educação como tema central.
captar a contribuição da educação no processo de A esse propósito, não se pode deixar de re-
reprodução das estruturas sociais. Nessa perspec- conhecer que atualmente houve sensíveis mudan-
tiva, Graziella mostra que as opções teóricas utili- ças em relação à retomada do interesse da socio-
zadas nesse momento para analisar o processo logia pela temática da educação. Alguns
educacional esvaziou a temática educacional de programas de pós-graduação em ciências sociais,
um interesse sociológico substantivo e minou particularmente os de sociologia, começaram gra-
também a possibilidade de constituição da socio- dativamente, a partir dos anos de 1980, a criar li-
logia da educação como uma policy science. A nhas de pesquisa relacionadas à temática e, pou-
partir da década de 1970, a recepção e a leitura co a pouco, passaram a incrementar a produção
empobrecida, que tendia a associar de maneira de trabalhos de docentes, dissertações e teses so-
mecânica sistema educacional com reprodução da bre as diversas interfaces entre educação e socio-
ordem social, da récem-chegada teoria estrutural- logia. Seria oportuno também ressaltar o significa-
marxista francesa e do marxismo norte-americano tivo esforço que o GT Educação e Sociedade da
ocasionou uma intensificação por parte das ciên- Anpocs, criado em meados da década de 1980,
cias sociais de um desencanto com o fenômeno vem desenvolvendo com vistas à recuperação
da educação e de sua associação com propostas dessa temática pelos cientistas sociais. Certamen-
de reforma social. te, a ocorrência desses acontecimentos tem con-
Por outro lado, a autora chama atenção para tribuído para que a educação ocupe uma posição
o deslocamento da reflexão sobre a temática edu- destacada no contexto dos grupos de pesquisa
RESENHAS 169

em sociologia cadastrados atualmente no CNPq e da sociologia da educação como policy science –


no interior das ciências sociais brasileiras. além de não excluir um constante trabalho de re-
Sociologia da sociologia da educação desta- visão teórica sobre os temas tratados e de possi-
ca, na sua parte final, a existência de um proces- bilitar um contínuo aprimoramento de procedi-
so complexo e descontinuo tanto no plano da so- mentos de investigação empírica – pode
ciologia como disciplina, ou seja, nos seus representar uma oportunidade para recuperar a
desenvolvimentos teóricos e institucionais, como relevância social da sociologia da educação, de
no contexto político, marcado por mudanças de torná-la um ator mais dinâmico no debate das
regimes políticos e sucessivos rearranjos das elites questões públicas no país, e consolidar a profis-
públicas. Para a autora, a sociologia apresentou sionalização da disciplina para além dos muros da
nas diversas fases enfocadas ao longo do traba- universidade.
lho, esforços de aplicação de seus conhecimentos
à discussão e à formulação de políticas públicas, Carlos Benedito Martins é professor do De-
aproximando-se de uma postura de uma policy partamento de Sociologia da Universidade
science. Em função de uma constelação de fatores de Brasília (UnB) e Diretor-científico do Nú-
institucionais-intelectuais e político-instituicionais, cleo de Estudos sobre o Ensino Superior da
os quais foram examinados de forma minuciosa UnB (Nesub).
neste estudo, a sociologia brasileira, segundo Gra-
ziella, acabou não concretizando a afirmação da
área educacional como policy science. Contudo,
conforme argumenta a autora, as condições pre-
sentes são propícias nesse sentido, uma vez que
quase todos os obstáculos que impediram esse
caminho se encontram ausentes no momento
atual. Instalou-se por meio dos programas de pós-
graduação um sistema nacional de pesquisa em
ciências sociais que vem dando provas de sua
maturidade institucional e acadêmica; a terceiriza-
ção de muitos serviços públicos também tem es-
timulado a elaboração de projetos sociais, seja em
ONGs, fundações privadas, seja em parcerias com
o poder público. Ademais, Graziella não só sa-
lienta a existência de recursos nacionais e interna-
cionais para pesquisa, avaliação e acompanha-
mento de políticas e projetos educacionais, mas
também a visibilidade e a reputação pública do
tema educacional, devido à sua recorrência nos
meios mediáticos. Ressalta, ainda, que após três
décadas da reforma universitária o número de es-
tudantes em ciências sociais aumentou considera-
velmente, de tal forma que torna-se impossível in-
corporar esses contingente em funções de
docência e de pesquisa no interior da academia.
Retomando sua crença de que é possível e
desejável aliar pesquisa social e políticas públicas,
pressuposto presente desde as primeiras páginas
do livro, a autora salienta que o desenvolvimento

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