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Volume II 1

Maria de Lourdes Lauande Lacroix

São Luís do
Maranhão
Corpo e alma
2ª edição ampliada

Volume II

São Luís
2020
© 2020 Maria de Lourdes Lauande Lacroix

Coordenação editorial
Flávio Reis
Foto da capa
Arquivo Edgar Rocha
Diagramação
Nazareno Almeida
Tratamento de imagens
Nazareno Almeida e Isis Rost
Revisão
Alberico Carneiro Filho

Studio Edgar Rocha


https://www.instagram.com/fotoedgarrocha/

Lacroix, Maria de Lourdes Lauande


São Luís do Maranhão, Corpo e Alma. 2ª edição ampliada
/ Maria de Lourdes Lauande Lacroix. São Luís, 2020. Vol II.
Edição em recurso digital.

344 p.

ISBN 978-85-64613-22-5

1. São Luís – Maranhão – História 2. São Luís – Expansão


urbana 3. São Luís - História Social. I. Título
À memória de
CDD 981.21 Joseph Alphonse Gilles Lacroix,
CDU 94 (812.1) eterna presença
Sumário
S ÉC U L O X X : C R E S C I MENTO E DEGRADAÇÃO

A cidade na primeira metade do século 11


Plano de remodelação 47
Serviços públicos 66
Limpeza pública 76
Epidemias 80
A Praia Grande 89
Ascensão da Rua Grande 99
Ambulantes e outros serviços 112
Futebol 136
Carnaval 147
Festas juninas 166
Boemia 186
Tipos populares 199
Academicismo resistente e modernismo 208
Fotografia 231
Teatro 242
Rádios 253
Televisão 274
O ocaso da antiga cidade 278
Expansão urbana 278
Uma São Luís mutilada 287

e
Posfácio 303
Fontes e Bibliografia   324
Anexos 337

Rua do Sol. Recepção a D.


Antonio Xisto Albano. Cartão
6 postado em 1908.
SÉCULO XX
CRESCIMENTO E DEGRADAÇÃO
A cidade na primeira metade do século

A primeira impressão de São Luís, vista do mar, é


de uma fortaleza, cuja colina protege um aglomerado de
casas de telhados seculares, ajuntadas em posição estra-
tégica, para vigiar o porto e o mar. De avião, a vista é de
telhados, manchas de água, de lama, de vegetação, braços
de mar, de rios e mangues espessos, disformes, mistura-
dos, sem uma definição urbana. Vindo por terra, a entrada
da cidade se destacava pela feiura, parecendo um fundo
de quintal. Trem ou carro percorriam caminhos ladeados
de casas pobres, pouco ou nada conservadas, de cores ex-
travagantes ou mal pintadas, desalinhadas, chãos vazios
transformados em lixões, quitandas e pequenos comércios
descuidados, dando a impressão de uma enorme favela.1
A cidade ia-se estendendo desordenadamente.
A beleza e emoção estavam na parte antiga por
contar um pouco da história maranhense, com suas pecu-
liaridades e riqueza dos edifícios coloniais. A elite vivia
a belle époque. O ludovicense, deslumbrado com a inteli-
gência, elegância e prosperidade francesas, demonstra-
dos na Exposição Universal de 1900, tratava de seguir a
moda parisiense. Acompanhava os lançamentos através
das vitrines com manequins e grande variedade de mo-
delos para todas as ocasiões e horas, complementados por
acessórios. “Eram pentes, colares, pingentes, broches, brincos,
alfinetes, chatelaines, anéis, cabos de sombrinhas, grampos para
chapéus,... pequeninas obras primas, para satisfação do luxo e
da vaidade: o ouro, a prata, a platina, a tartaruga, o marfim, as
pedras preciosas, as pérolas, os esmaltes.” 2 Os mais favore-


1
Na década de 1940, um dos contrastes era quanto às habitações “quer sob o ponto de vis-
ta do ‘material’, quer sob o do plano e fins.” Casas de palha, de barro de adobe, de tijolo
e de pedra. LOPES, Raimundo. Uma Região Tropical. Rio: Fon-Fon e Seleta, 1970, p. 76.

2
NASCIMENTO, João Affonso do. Três séculos de moda: 1616-1916. (1923) 3ª. Edição.
São Luís: Instituto Geia, 2014, p. 144.

11
cidos seguiam “as ordens” de Paris, enquanto a maioria barro cozido ao sol para brincar de casinha, armada com
da população continuava com a vida simples, compatível caixas de fósforo vazias. A criançada era versátil, criava e
com aquela cidade tranquila, de vida amena, sem a mul- confeccionava seus brinquedos, improvisava divertimen-
tidão trazida pelo êxodo rural ou pelos adventícios que tos. Com tamancos velhos, sem rosto, faziam um furo no
gravitam em torno das poderosas empresas implantadas centro, base do mastro, sustentáculo do pano do barco,
no comércio e distrito industrial, sem compromisso senti- preso atrás por um prego. Soltavam na beira da maré do
mental com os costumes e as tradições locais. Jenipapeiro ou da Madre Deus a pofiar qual velejava mais
De tardinha, os moradores dos bairros costumavam rápido e em maior distância.
colocar cadeiras nas calçadas para apreciar o movimento De ruas estreitas, garbosas, acolhedoras, bafejadas
da rua, conversar com vizinhos e amigos ou improvisar pela brisa do mar e lavadas pelas chuvas, tranquilas como
mesinhas para partidas de dominó, carteado com jogo de seus habitantes, de poucos veículos a trafegar, cavalos,
bisca, barriga inchada, jogo de botão ou cana de braço, carroças, fora os bondes de tração animal ou, no início da
sem descuidar da criançada no futebol com bolas de meia, segunda década, bondes elétricos, em vaivém sem pressa,
partidas de bola de gude, pião e, se o vento favorecesse, deslizando soltos nos trilhos. Ruas a lembrar o passado,
disputa em lances no empinar de papagaios, de variadas pelo traçado singular dos antigos caminhos, de paz e que-
cores, feitios e tamanhos. Adultos e jovens da elite também brantamento, ruas que fazem a sesta, que ficam paradas,
empinavam papagaios. “Guinadores de rabo curto era quase silenciosas para não romper a tranquilidade atávica do
Rua Rio Branco,
uma sciencia, nem todos sabiam fazer uma lanceada com todos andamento histórico, completamente ladeadas pelo casa- preferida para
os requisitos.” 3 As meninas preferiam pular corda, amareli- rio de linhas sóbrias com seus traços originais, ao gosto moradia de
pessoas ilustres.
nha, a saltitar entre os quadrados até alcançar o céu; sen- colonial lusitano: ogivas mouriscas, varandas e balcões de Álbum do Maranhão 1923

tar no meio fio com as mãos postas, esperando a prenda


deixada discretamente entre as mãos de uma participan-
te para advinhar quem tinha o “peixinho de moquém”.
Brincadeira de roda, ao som de “ciranda, cirandinha”,
“bom barquinho”, dentre outras improvisações. Em épo-
ca de chuva, costuravam vestidinhos para suas bonecas
de pano, com traços fisionômicos, mãos, dedos e unhas
perfeitos, vestidas de baiana, portuguesa, à moda france-
sa ou nuas, brancas, mulatas, pretas, muito difundidas e
apreciadas pelo esmero da confecção. O mundo de ilusões
das meninas nas brincadeiras domésticas. Moldavam mi-
niaturas de pratos, bules, bandejas e outros utensílios de


3
VALLE, José Ribeiro de Sá. Maranhão antigo e moderno. Maranhão Typ. M. Silva, 1931,
p. 26/27.

12 13
pedra de cantaria bordados em arabescos ou ornamenta-
dos com adornos de ferro artisticamente trabalhados, uns
com lampiões ou restos de arandelas, portões senhoriais
com arcadas de pedra, de salas amplas, arejadas e beirais
de porcelana. Ruas continuamente observadas das saca-
das das janelas, por pessoas, especialmente mocinhas,
criando calos nos cotovelos ao acompanhar o movimento
dos pedestres e a passagem dos bondes. As portas perma-
neciam sempre abertas de dia e encostadas à noite, até o
último morador chegar para trancá-las. No alto da parede
do passadiço, um quadro do santo protetor. A intimidade
da casa, preservada pela porta do meio, como chamavam,
autênticos biombos na metade do corredor, de madeira
trabalhada, vidros coloridos ou outras variadas decora-
ções, com sineta colada, avisando seu abrir e fechar. Este
conservar da porta da rua sempre aberta refletia a cordia-
lidade e hospitalidade do ludovicense, pronto a receber
o visitante. As sacadas em ferro e as bandeiras em cima
das portas e janelas sem nenhuma intenção defensiva, tão
somente existiam para ventilar as residências. Os miran-
tes, destacados por cima dos telhados vermelhos, belos
adornos dos sobrados avoengos, construídos em épocas
remotas, continuavam espreitando os navios à entrada da
barra. Era uma bela visão do passado artístico, da abastan-
ça, riqueza, do espírito fidalgo dos antigos senhores que
viveram influenciados pela civilização europeia. No canto
de algumas ruas, pilares de cantaria, “frades de pedra”,
persistiam solenes e eretos, com traços semelhantes ao
órgão genital masculino, esculpido na extremidade supe-
rior, símbolo de fecundidade, força e poder. Uns atribuem
o uso dessas esculturas à prática de algum culto fálico
Rua de Nazaré
trazido pelos portugueses. Há quem afirme representar em frente à
o poder dos senhores ao sinalizar a existência do Tronco praça Benedito
Leite.
nos pátios ou quintais das grandes propriedades. Serviria, Cartão Postado em 1920

provavelmente, para amarrar cavalos.

14 15
Na primeira infância do século, excluídas as crian- fortes. O itinerário dos barcos era acompanhado por torci-
ças de dura realidade de vida, os ingênuos meninos “de da animada, com gritaria e corrida dos “barqueiros” pelo
família” ainda acreditavam na vinda de um bebê presen- aguaceiro extensivo às sarjetas, calçadas e ao meio da rua.
teado por Papai do Céu, e entregue pela cegonha ou pela A brincadeira terminava com as “embarcações” desfeitas
parteira. Depois do entrar e sair de pessoas do quarto da e um banho de biqueira nos beirais do casario.
“doente”, com bacias, chaleiras, toalhas e panos, aden- Havia outras distrações, tais como, passeio nos jar-
trava uma mulher de cesta no braço e, depois de resol- dins do Palácio dos Leões para ver macacos, antas, capiva-
ver o problema da “dor de cabeça da paciente”, deixava ras, garças e outros animais.4 Os adultos se deleitavam nas
um recém-nascido. A meninice era prolongada com doce noites de espetáculos líricos onde “os assistentes formavam
inocência. Serviçais banhavam as crianças no quarto dos partidos, cada um ovacionando mais o tenor ou a soprano com
fundos, na “bacia da família”, com cuia, chaleira de água que sympathisavam.”5
fervente para amornar a água fria da lata de querosene. Andança pelas ruas nos quatro dias do Momo, do-
Nos aniversários, vestiam o homenageado com roupa de minós, cheios de guisos a tilintar, carnavalescos empu-
marinheiro. Mesa de doces enfeitada com papel de seda, nhando bisnagas de água de cheiro, sacos de confete e de
tambores, cornetas e apitos completavam os preparativos, serpentina, além de mascarados, à busca do irreconheci-
fundamentais para as brincadeiras. Temporada de guriza- mento da pessoa e a célebre pergunta: me conhece, carnaval?
da obediente e submissa. Ao chegar uma visita, ouviam os Época das empregadas, em suas horas de folga, ga-
dispensáveis elogios e invariáveis perguntas sobre as pre- nharem alguns vinténs, passando, pra fora, colarinhos du-
tensões no futuro, se retiravam a convite da mãe, em si- ros engomados em ferro a carvão, fazendo doce de murici,
lêncio, pois, “criança não pode escutar conversa de gente bacuri, buriti, jaca, banana e outra frutas regionais, mexi-
grande”. Resignados quanto a hora de dormir, depois das do com colher de pau em panela de barro, no fogareiro,
amas secas contarem estórias macabras de assombração, com fogo agitado com abano de pindoba. Algumas negras
da esperteza de animais silvestres perante a ingenuidade teciam e empunhavam rede, confeccionavam renda de
ou distração de outros, de Pedro Malazarte, de João e Ma- bilros, costuravam, transavam artisticamente os cabelos
ria ou fatos inusitados ocorridos no meio rural, o recolhi- das pardas ao gosto africano, seguidas as lições herdadas
mento era imediato. de suas ancestrais. Tempo do benzimento para tirar mau
Tempo das brincadeiras de pegador, boca de forno, olhado, quebranto, encosto ou outros males. Da recorrên-
corrida com rolimã, adivinhação ou amarelinha, traçada cia às experiências caseiras para qualquer mal menor.
na calçada com toros finos de carvão, também usado para A atmosfera do pudor exagerado, especialmente
rabiscar animais, figuras humanas e outros desenhos nos entre serviçais, chegava à proibição dos noivos andarem
muros, paredes, chãos e passadiços. Na expectativa das de mãos dadas em público.
chuvas torrenciais, higienizadoras de muros, telhados,
paredes e ruas de São Luís, a criançada preparava bar-
quinhos de papel para soltar na enxurrada. Navegação 4
O Jardim Zoológico foi inaugurado em 1911 pelo governador Luiz Domingues, no
interrompida por gravetos, outras sujeiras ou ondas mais pátio interno do Palácio do Governo.
5
VALLE, op. cit., p. 13.

16 17
Não rara a cena de um cavalo à porta de uma venda mento da cidade.9 Excluída a zona mais antiga, os bairros
ou da proibição das crianças irem à rua quando o primeiro surgidos até a metade do século XX se formaram sem pla-
automóvel circulou na cidade, espécie de “trem sem loco- nejamento, alinhamento das moradias, critério técnico, es-
motiva”, “caleça que anda sem cavalo”, “sem bicho puxar, credo goto, água canalizada e luz, com arruamento fora de qual-
cruz”, “criação do demônio”, expressões usadas pelas velhas quer disciplinamento do poder público. À medida que as
criadas, incomodadas com o vento ocasionado pelo deslo- palhoças foram substituídas por edificações de alvenaria,
camento da máquina e o barulho dos “estouros apavoran- embora melhorado o aspecto, tornou definitiva a consti-
tes que alvoroçavam corações.”6 A descrição indica o abalo tuição desregrada desses bairros periféricos.
ocasionado ao circular do automóvel: “Deixavam-se os ca- O maior zelo era com o centro. Nos idos de 1900, foi
dernos, os ferros de engomar, as panelas, as costuras, os bilros, construída a Avenida Silva Maia e reformada a Praça do
os trabalhos da casa. Corria toda gente à janela, as mães alar- Desterro. No ano seguinte o intendente pensou em trans-
madas, as criadas recolhendo crianças.”7 Passados o primeiro formar a Rua da Paz em avenida, chegando a ser aprovada
impacto e aumentado gradativamente o número de carros, pela Câmara Municipal a desapropriação do Convento do
o transeunte passou a enfrentar com normalidade o mo- Carmo, mas somente o trecho entre o Largo do Carmo e o
vimento das ruas e, não raro, o pedestre, em atitude de Beco do Teatro foi alargado. Em 1905, nova feição foi dada
solidariedade, orientava o motorista nas esquinas carentes à Avenida Maranhense, com passeios e canteiros, sacrifi-
de semáforo. Esta atitude solidária do pedestre tornou-se cadas as árvores que a sombreavam. Em 1907, as praças e
uma característica do morador da cidade e perdurou por ruas passaram a ser iluminadas a gás com o Pico de Aver.
mais da metade do século. A influência francesa prevalecia nas altas rodas. Casas
O limite do perímetro urbano era o Canto da Fabril, comerciais atraíam a freguesia com artigos importados, a
suficiente ao contingente populacional de noventa mil ha- exemplo da Casa Brasil, quando anunciava o recebimen-
bitantes. Os novos trabalhadores dispuseram de espaços to do que havia de mais moderno em Paris; ou a Notre
nos arredores de velhas quintas e nas fraldas da parte an- Dame, localizada no Largo do Carmo, n. 2, oferecendo os
tiga da urbe. A dinâmica imposta pelas indústrias sacu- tecidos mais chics, semelhante ao reclame do “paletot mo-
dia a cidade com os apressados operários a circular pelas derno” com “corte de seda e fustão para coletes, última creação
ruas, distinguidos por suas “roupas de trabalho”.8 parisiense.” 10
A frágil política relativa a logradouros públicos ca-
receu de uma planta atualizada da cidade, essencial para o
planejamento de sua expansão. O governo dispendia mais 9
Em 1901, como registro da vitória portuguesa frente aos holandeses, foi inaugurado o
com cortesias, deferências e homenagens que no ordena- monumento do Outeiro da Cruz. Em 1910, o obelisco no lugar do suplício de Manuel
Beckmam e simbolicamente de Jorge de São Paio, na atual Avenida Beira-Mar. Em
01.01.1918, inaugurada, em grande solenidade, na entrada principal do Palácio do
Governo, a estátua de João Francisco Lisboa, de autoria do escultor Jean Magrou. Em
08.09.1928, inaugurado pelo prefeito Jayme Tavares o busto de La Ravardière, cujo

6
LESSA, Orígenes. Rua do Sol (romance) 2ª. Edição revista. Rio de Janeiro: Editora modelo foi um cassaco da Estrada de Ferro São Luís/Teresina.
Letras e Artes, Ltda. 1964, p. 73. 10
Paletot Moderno. Jornal dos artistas. São Luís, 20 de Jan 1908. Anúncios. p. 04. Apud

7
Ibidem. SILVA FILHO, José Oliveira da. Tramas do Olhar: a arte de inventar a cidade de São Luís

8
MACEDO, Eurico Teles de. O Maranhão e suas riquezas, dá uma idéia do movimento do Maranhão pela lente do fotógrafo Gaudêncio Cunha. Dissertação de Mestrado, Univer-
fabril ocorrido no início do século. “Cap. VII. Maranhão Industrial”, p. 68 a 84. sidade Estadual do Ceará, 2009. p. 33.

18 19
Além do centro, alguns núcleos foram se formando peiro, às margens do rio Anil. Do Barão de Anajatuba, pró-
pela população mais pobre no entorno dos bairros: de São xima à Madre Deus, a Quinta da Boa Hora, com ermida do
Pantaleão e seus arredores, descendo até a Madre Deus, mesmo nome, disputava em beleza com a Quinta do Ga-
Macaúba, Lira e Belira; dos Remédios, estendendo-se à vião. O antigo Sítio do Timon, chamado Sítio do Brigadei-
Camboa, Matadouro e Diamante; casas se multiplicando ro, depois de comprado pelo lusitano André Leal de Oli-
às margens do Caminho Grande junto ao Cemitério dos veira, emoldurava o Areal, com grande vacaria e soberba
Passos, formando a Vila Passos, os primeiros núcleos resi- casa. Na Fonte do Bispo, a propriedade de Pedro Veríssimo
denciais do Areal; do João Paulo, às margens dos trilhos do contava com organizada vacaria e árvores frutíferas cir-
bonde e do trem e na Vila do Anil, ruas foram surgindo ao cundando a residência em estilo colonial, além dos jardins
meio de sítios e casario de antigos afortunados. com angélicas, lírios de diversos tamanhos, formatos e co-
Ao lado do espraiamento urbano desorganizado, res, estrelas e jasmins a odorisar o espaço, rosas todo ano,
quintas conservavam a beleza da cidade. O Caminho Gran- rosa menina, laura rosas, dálias e angélicas, perfumando e
de, presenteado com as quintas do Barão, do Monteiro, das colorindo o ambiente. No emaranhado das nascentes vie-
Laranjeiras, do Apicum, do Canto, da Vitória, do Sabbas, las se destacavam essas grandes propriedades.
de Lapemberg, com seu belo portão de entrada de ferro Distante dos manguezais, parte da gente proletária,
Mercado de forjado, ricamente trabalhado, quintas concorrentes como absorvida pelas fábricas Camboa,11 São Luís, Santa Isabel,
frutas ou o imponente solar de Manuel Inácio, a Quinta da Vitória, Santa Amélia, Rio Anil e Cânhamo, construiu suas casas.
Galpão. Campo pertencente ao poeta Sousândrade, depois residência do Cidade ainda sem palafitas. Seguindo o modelo comum
d`Ourique.
Cartão Postado em 1906 diretor da Estrada de Ferro São Luís/Teresina, no Genipa- à época, interessada em manter os operários próximos ao
serviço, a direção das fábricas mandou edificar residências
para os empregados mais graduados, como mestres e con-
tramestres. Considerável número de operários, na maioria
mulheres, foi compelido a morar nas adjacências, pelo ri-
gor dos horários, da enérgica chamada das empresas ma-
nufatureiras. As oito unidades do ramo têxtil implantadas
Páginas
em São Luís corresponderam aos oito bairros surgidos nas seguintes: a
respectivas periferias dos estabelecimentos industriais. tranquilidade
A cidade acordava com o silvo dos longos apitos da Avenida
Silva Maia e
das indústrias, com o canto dos verdureiros e leiteiros de a Praça João
porta em porta, com o sino das igrejas chamando para a Lisboa, coração
missa das seis horas ou com o burburinho de patroas e em- da cidade.
pregadas a caminho do Galpão ou do Mercado Grande.

A fábrica Camboa, fundada em julho de 1889, paralisada por execução do Banco do


11

Brasil, em 1928, foi comprada por Cândido José Ribeiro, em 1931.

20 21
22 23
24 25
A Vila do Anil
viveu momentos ines-
quecíveis aos mora-
dores da cidade que
afluíam em busca de
distrações. Na Praça de
Touros, aconteceram
vários espetáculos com
toureiros de fora, hos-
pedados em quiosques
como os preferidos de
Anapurus e o Anilen-
se. A Companhia Fer-
ro-Carril Maranhense
facilitava ao público a
comparecer, fazendo
viagens extras para o Anil, cujo pagamento da passagem Bonde na
incluía o ingresso ao espetáculo. Além das touradas, a Fer- estrada do Anil.

ro-Carril promoveu outros entretenimentos, transforman-


do o vilarejo num dos pontos mais atraentes da capital e
assistido por diferentes segmentos da sociedade. As cor-
ridas de cavaleiros ensacados, tiro ao alvo, lutas romanas,
subida no pau de sebo, foram atrações de muita aceitação.
Recomendações médicas de banhos salgados eram
possíveis nas acanhadas águas da praia do Caju ou do Ge-
nipapeiro. Tempo em que os maiôs eram de fazenda gros-
sa, discreto decote, comprimento à altura dos joelhos e,
cujo pudor, levava a recusa da elite a frequentá-las, alega-
da a precariedade dos banheiros. Como alternativa, famí-
lias do centro da cidade iam, aos domingos, até os sítios e Ao lado,
chácaras do Anil e da Maioba para os famosos banhos de Rua dos
Afogados,
rio, passeios a cavalo e café em casas de amigos. A represa vendo-se ao
do sítio dos Brandão, a chácara dos Cândido Ribeiro, den- fundo as torres
da Igreja da Sé.
tre outras casas de veraneio de várias famílias ricas davam Cartão Postado em 1929.

um ar muito agradável àquelas plagas.

26 27
28 29
Páginas Vez por outra surgia uma novidade. Em 1900, jovens in- Quanto aos entretenimentos, os vários cynematographos
anteriores: telectuais fundam a sociedade literária Oficina dos Novos; foi projetados no Teatro São Luiz e em outros salões, oferecidos no
planta da cidade
por Justo Jansen organizada a Imprensa Oficial do Estado, assim como o Centro século anterior, e o crescimento populacional representaram mer-
Ferreira, membro Artístico Operário Maranhense; em 1904, os padres lazaristas as- cado para o cinema. A atração chamou o público pela novidade
da comissão
organizadora sumiram o comando do Seminário de Santo Antônio; no 1º de dos aparelhos e pelos programas apresentados. Em outubro de
da festa de janeiro de 1906 circulou o primeiro número do Diário Oficial do 1903, a Companhia Italo-brasileira ofereceu o Bioscópio, com pro-
1912. Note-se
que considera
Estado; em 1908 foi fundada a Academia Maranhense de Letras. jeção a luz elétrica. Entre 1904 e 1908, as companhias volantes Cy-
o “terceiro Outra inovação, no mesmo ano, a primeira sociedade maranhen- nematographo Lumière, a Empresa Norte do Brasil S/A, Empresa
centenário do se de seguros e pensões, oferecida pela Caixa Popular. Em 1910, H. Hervet, a Parisiense, a Maurice Linga & Cia, a Fontenele & Cia,
estabelecimento
dos franceses no foi instalado, na Rua Formosa n. 28, o Instituto Oswaldo Cruz. representaram uma nova fase de maior interesse pela imagem ci-
mesmo sítio onde Na segunda década do século foi estabelecida a Empre- nematográfica e despertaram para a diversificação no comércio,
depois se fundou
a cidade”. Nas sa Predial do Norte para ajudar a construção e reconstrução de como, por exemplo, a Casa União, primeira especializada na ven-
comemorações imóveis urbanos e, no mesmo ano de 1911, uma grande lacuna da de material fotográfico e de cinema.
de 1962, esta
distinção foi
foi preenchida com o funcionamento na Rua dos Remédios n. Em 1909, de nômade, o cinema passou a fixo, concretiza-
elidida. 48 da Assistência à Infância. Em 1912, no âmbito das letras, foi do pela Empresa Pathé14, em sala da sede do FAC, na Rua Gran-
fundada a Sociedade Literária Barão do Rio Branco e, na esfera de, n. 220.15 Com salão insuficiente, a empresa transferiu o espe-
social, o Orfanato de Santa Luzia, iniciativa particular de Luzia táculo para o Teatro São Luiz. A pedido dos promotores da festa
Bruce, preocupada com o acolhimento de meninas órfãs des- de Santa Filomena, em 1909, a Empresa Pathé, projetou filme no
validas. Um grupo de médicos fundou, em 1914, a Sociedade Café da Paz, entre os dias 21 e 30 de agosto, maneira de atrair
de Medicina e Cirurgia do Maranhão.12 Uma grande ajuda ao pessoas para o largo. A boa afluência encorajou Martins Santiago
círculo dos empresários foi a instalação da primeira agência do & C., proprietária do Café Chic, a adaptar o espaço e comprar
Banco do Brasil, em 1917. Dois anos depois, a maçonaria edi- móveis adequados para instalação definitiva do Cinema Pathé,
ficou no antigo sítio Pedreira, às margens do rio Anil, o Asilo estreando em 31 de dezembro daquele mesmo ano.16 O Cinema
de Mendicidade, outra premência, a do acolhimento de anciãos São Luiz, funcionando precariamente no Café da Paz e à vista do
sem recursos. Para encerrar a segunda década, algo alvissareiro sucesso do concorrente, logo foi transferido para o Café Mara-
aconteceu. A 12 de setembro de 1920, intelectuais integrantes nhense, providenciou necessária reforma e estreou oficialmente a
de várias associações literárias esmaecidas resolveram se juntar casa de espetáculo, em fevereiro de 1910. O Ideal Cinema, situado
e fundar a Legião dos Atenienses.13 na Rua Grande, n. 1, canto com Largo do Carmo, abriu suas por-
tas também em fevereiro do mesmo ano. A concorrência dos
três cinemas – Pathé, São Luiz e Ideal - favoreceu o público.
A primeira diretoria: Oscar Lamagnère Galvão, Juvêncio Odorico de Mattos, Aníbal
12

de Pádua Pereira de Andrade, Artur José da Silva, Raimundo Mattos, Francisco Xa-
vier de Carvalho Junior, Luís Neto Guterres, Bento Urbano da Costa, Carlos Nunes,
José Murta e Tarquinio Lopes Filho. 14
Os primeiros filmes foram: Paris Elegante, Um drama no Tirol, Sansão Moderno e O Pick-

13
Sociedade Literária Barão do Rio Branco, Legião dos Novos, União Estudantil Silvio -pochet. As sessões de meia em meia hora começavam às 8 horas, ao preço de 1$000.
Romero e Congresso dos Estudantes de Ciências e Letras acordaram em Fran Pache- 15
Conforme Antônio Lopes, foi de Nhozinho Santos a iniciativa de montar a primeira
co ser o primeiro presidente da nova agremiação e a revista O Ateniense ser o veículo sala de cinema, fixo, na cidade.
de propagação dos trabalhos, atuante até julho de 1921. 16
O Café Chic ficava na Rua Grande, n. 3, esquina com o Largo do Carmo.

30 31
Ingressos oferecidos aos exibidoras, motivo de fechamento do Cinema Moderno,
jornais em troca de propa- em 1914. No segundo ano de guerra, somente os cinemas
ganda e críticas das fitas Palace e São Luiz resistiram aos obstáculos. Um violento
deu origem a pequenas incêndio, na segunda sessão da noite de 13 de outubro de
colunas sobre diversões; 1915, destruiu todo o prédio do Cinema São Luiz, inclusive
sorteios; presença de ar- oitenta latas com películas. Só a bandeira escarlate com as
tistas de fama nacional; iniciais C.S.L., içada no mastro do edifício, continuou tre-
orquestras tocando na en- mulando, enquanto da calçada dos Passos ouvia-se imenso
trada ou sala de espera; pranto da família Gonçalves dos Santos. Alguns populares
Terceiro cinema folhetos distribuídos na entrada do cinema; escolha das salvaram móveis do salão de espera, ínfimo valor perante
instalado em melhores fitas, todas essas iniciativas contribuíram para o prejuízo de cinquenta mil contos. O prédio, de proprie-
São Luís.
aprimorar o gosto e divertir o público. Enquanto o Cine- dade de Maria Mendes Dias, estava segurado pela Aliança
ma Pathé fechava em março, o efêmero Cinema Central, da Baía, por trinta mil contos, pequeno valor para a res-
na Rua Grande, n. 45, canto com São João, funcionou entre tauração do vasto imóvel. O Cinema Palace, única sala até
maio e novembro de 1911. A novidade do ano, acontecida março de 1916, foi substituído pelo Cinema Teatro São
em abril de 1912, o Cinema Palace, representou um dos Luiz, no mesmo local do antigo Ideal Cinema, esquina da
melhores da época. “Os cinemas na nossa cidade já constituem Rua Grande com Largo do Carmo. Duas iniciativas para
hoje, um ponto permanente de reunião de nossas famílias, tão a manutenção das empresas: o lançamento do jornal “O
enraizado se acham entre nós. Já entrou no nosso hábito a despe- Cinema”, propagandístico dos programas das casas de di-
sa quazi que diária de mil réis, para uma sessão de cinema...”17 versão e a fundação da Empresa Teatral Cinematográfica,
assim registrou a coluna “Diversão” do jornal A Pacotilha. idealizada pelos dois únicos empresários no ramo. A Em-
As constantes reuniões, às vezes, com batalhas de lança- presa distribuía os mesmos filmes às duas casas de espetá-
-perfumes nas praças e largos da cidade, foram deslocadas culo, recurso momentâneo aos cinemas Palace e Teatro São
para o cinema. Luiz; ambos fecharam, em dezembro de 1917 e em abril de
Esta atividade comercial atingiu as classes menos 1919, respectivamente.
Esforço dos
favorecidas com a abertura do Cinema Moderno, na Rua Naquelas primeiras décadas, o ludovicense se desa- bombeiros no
combate ao
de São Pantaleão, a preços populares. Igual iniciativa acon- bituou do teatro. A Empresa Teatral Cinematográfica, ao incêndio do Cinema
teceu, em 1913, no bairro do Anil, com a inauguração do lançar os fundamentos do Éden, melhor casa de diversão São Luiz.

Cinema Petit. da época, aliou as duas


Devido as complicações no envio de filmes da Euro- atividades artísticas e
pa para o Brasil, no início da I Guerra Mundial, foi difícil conseguiu reintegrar a
às empresas distribuidoras fornecerem películas às casas arte dramática na so-
ciedade. Luxuosa, em
estilo Art Déco, se equi-
A Pacotilha, de 3 de agosto de 1912 apud MOREIRA, Euclides. Primórdios do Cinema em São
17
parava em suntuosidade
Luís. São Luís: UFMA, s/d., p. 27.

32 33
a outras casas brasileiras de es- Houve tentativa de produzir filmes em São Luís, es-
petáculo, com fachada em dois pécie de documentários. O primeiro, A Festa de São Benedi-
pavimentos, portada em cada to, célebre pelo luxo e grande público, registrou a famosa
nível, com ornato Art Déco, no procissão realizada na tarde de 23 de abril de 1911, em co-
alto, uma águia de pedra com memoração ao taumaturgo, com saída da Missa, percurso
a inscrição Éden. Internamen- por ruas da cidade e volta à Igreja; o segundo, realizado
te, o foyer ricamente decorado, três dias depois do primeiro, prestava homenagem a João
duas escadarias artisticamente Lisboa ao registrar uma procissão cívica, levando os res-
trabalhadas e a sala de espera tos mortais do jornalista para o Largo do Carmo, dia da
adornada com espelhos de cris- mudança do nome para Praça João Lisboa e inaugurado o
tal entre as portas laterais em monumento com sua efígie. No cortejo, autoridades civis
arco pleno. Um enorme lustre e militares, alunos das escolas públicas e de colégios par-
ao meio do forro trabalhado ticulares e grande massa popular foram coadjuvantes do
deslumbrava o público pelo filme intitulado As homenagens a João Lisboa em 26 de abril.
ambiente feericamente ilumi- Ambos os documentários de produção local foram exibi-
nado com trezentas lâmpadas. dos no Cinema São Luiz.
O Éden abria “suas por- O Cine Olímpia, situado na Rua Grande, esquina
tas para dar bailes magníficos, com São João, um dos mais chiques da época, destacado
onde respeitáveis matronas e se- pelo ambiente aromatizado com salpique de perfume pelo
nhoritas formosas, de anquinha e chão, foi fechado na década de 1940 e o Ritz, também teve
O Cine Éden, saia de balão davam vida aos salões.” 18A plateia com bom curta vida.
orgulho do arejamento para 39 confortáveis camarotes abria para um Ainda naquela década, o libanês Moisés Tajra esta-
ludovicense
pelo tamanho foyer em comunicação com o peristilo, 700 cadeiras, 200 beleceu uma rede de cinemas. O Éden e o Roxy, preferidos
e beleza, foi lugares nos promenores, afora a segunda classe, proviso- pela elite. No centro, os mais populares, Rival e Rialto, es-
considerado
riamente no palco; bombalinas e pano de boca, obras do pecializados em seriados completos, se distinguiam pela
uma das
melhores casas pintor maranhense Jayme Silva e uma alegoria no telão divisão em duas partes, com entradas distintas: a primei-
de espetáculo com as figuras de Arthur Azevedo, Carlos Gomes e João ra, com poltronas e a segunda com ingressos mais baratos,
da época.
Álbum do Maranhão 1923 Caetano; sala de projeção com material a prova de fogo, bancos corridos, mais próximos da tela e em nível inferior.
longe da boca de cena para melhor exibição dos filmes; Por imposição das senhoras, os cinemas do centro da ci-
palco capacitado a receber companhias teatrais de nume- dade não permitiam a entrada de meretrizes, liberadas
roso elenco. Sua inauguração, revestida da maior apoteo- somente ao Rival. Aos cinéfilos de bairros mais distantes
se já acontecida em São Luís, reanimou a sociedade a fre- foram construídos o Rivoli e o Cine Anil. Outro concorren-
quentar teatro e cinema. te libanês organizou a empresa Duailibe, com três salas:
arrendou o Teatro Artur Azevedo, bem frequentado pela
sociedade, o Cine Passeio e o Monte Castelo.
18
VALLE, op. cit., p. 12.

34 35
A ambiência era de novidades e, estavam muito em Cine Olímpia,
preferido pela
voga, bicicletas e motocicletas. Um número considerável elite local.
de moças e rapazes da alta sociedade agrupava-se como Álbum do Maranhão 1923

ciclistas e motociclistas, animando São Luís no despontar


do século XX. Programavam passeios e provas, com locais
determinados para ambos os esportes. Fora de competição
os “motoqueiros” percorriam preferencialmente a Monta-
nha Russa, a Avenida Beira Mar e a Rua do Sol. Os ciclistas
preferiam a Avenida Pedro II, a Rua dos Remédios e Rua
do Passeio. Em setembro de 1900, foi fundada a União Ve-
locipédia Maranhense e construído o Velódromo no Tívo-
le, na Rua Rio Branco, bairro dos Remédios. A União foi
substituída pelo Velo Club inaugurado em 7 de setembro
de 1929, com uma prova, partindo do Largo do Carmo até
a Vila do Anil. As competições em circuito fechado davam
certo elã aos jovens das tradicionais famílias, empolgados
pela velocidade sobre duas rodas.
A grande movimentação cobrava inovações, inclusi-
ve o uso do diesel. Além das motocicletas, outros transpor-
tes motorizados chegaram a São Luís. O primeiro automó-
vel com motor a explosão, de fabricação inglesa da marca
Speedwell, desembarcou, em São Luís, em novembro de
1905, na bagagem de Joaquim Moreira Alves dos Santos,
o célebre Nhozinho Santos. O veículo veio acondicionado
em duas caixas, uma com o chassi e outra com a carroce-
ria passadas do navio para uma Alvarenga e içadas pelo
guincho do Genipapeiro. O Capitão dos Portos embargou a
descarga da máquina, alegando falta de pessoa habilitada
para conduzi-la. Nhozinho Santos apresentou três cartei-
ras de chauffeur: de Portugal, da França e da Inglaterra. O
carro, montado no ancoradouro da Beira Mar, foi dirigido
pelo proprietário até o Largo do Carmo, sendo acompanha-
do por uma multidão em franca correria. Em 1908, foram
importados três automóveis Peugeot, de fabricação france-
sa, dos quais, dois imediatamente comprados ao preço de seis
contos e quinhentos mil réis e o terceiro ficou algum tempo em
exposição. Os carros eram a sensação do momento. Nhozinho
36 37
Santos, conforme conta o professor Ruben Almeida, pas- res, adquirido por J. Bastos & Filhos para a linha urbana,
seando com seu Peugeot, saiu da Praia Grande rumo ao saindo do Largo do Quartel, atual Deodoro, percorrendo
Largo do Palácio. Considerável número de pessoas se aco- várias ruas. O primeiro giro, acompanhado por automó-
tovelou nas calçadas, em excitada torcida para ver a gran- veis, teve como passageiro o governador Luiz Domingues
de façanha da subida do carro na ladeira da Rua da Estre- e assessores mais próximos. Na segunda viagem, a Banda
la. Superada a dificuldade, risos e palmas demonstraram o de Música do 48º Batalhão ocupou o veículo e, ao som de
grau de expectativa e alegria. marchas, o grande público viu passar o novo transporte,
Os primeiros motoristas particulares foram de Nho- mais rápido e seguro. Em 1913, um segundo ônibus foi
zinho Santos, que selecionou dois operários da Fábrica de colocado na linha para Ribamar.
Tecidos Fabril e os ensinou dirigir carro. Otácio, como o Como divertimento, os bem aquinhoados conser-
primeiro profissional do volante em São Luís, obteve a vavam suas bicicletas e motocicletas. Com a dissolução
Proprietário Carteira de Habilitação n. 1. Motorista profissional, Rai- da União Velocipédia Maranhense, em setembro de 1929,
do seu veículo,
Almir do mundo Rodrigues Barros, vulgo Piau, mecânico-chefe das nova agremiação, o Velo Club deu certo ânimo aos adeptos
Valle Pinheiro oficinas da Companhia Chevrolet, também trabalhou para do esporte festejado no novo clube com uma corrida do
respeitável
chauffeur do proprietários de veículos motorizados. Largo do Carmo até a Vila do Anil.
início do O português Francisco Castro, vislumbrando o Em 1921, a cidade melhorava. Contabilizava dois
século.
bom negócio, comprou o terceiro Peugeot, primeiro auto- parques, quatro avenidas, quatorze praças, setenta e duas
móvel de aluguel, colocando à disposição da população, ruas, vinte e seis travessas, dois becos (sic), duas rampas,
das 8 às 20 horas, com saída do Largo do Carmo, passan- quatro praias, oito arrabaldes (Camboa, Vinhais, Bacan-
do por Remédios até São Pantaleão, pelo preço de trezen- ga, Cutim do Padre, Anil...), em geral, tudo muito aban-
tos réis o passeio. donado. 19
Antes da I Guerra, os maranhenses adquiriram auto- Os habitantes da capital do Maranhão se alegraram
móveis de fabricação europeia. Um Berliet foi inaugurado com alguns passos em diferentes atividades: luz elétrica
pelo governador Luiz Domingues. No decorrer da guerra, em determinadas ruas e praças, teatro novo, matadouro
os Estados Unidos entraram no mercado externo de auto- modelo, mercado moderno e bonde elétrico.
móveis, possibilitando chauffeurs de praça adquirir carros Em 1921, foi inaugurada a estrada de Ferro São
de aluguel. Almir do Valle Pinheiro foi um dos pioneiros. Luís-Teresina. Desde o Genipapeiro, o trem apitava con-
A primeira lei de trânsito, n. 185, foi publicada em tinuamente para evitar acidentes com moradores tão pró-
1913, porém, medidas reguladoras e disciplinadoras foram ximos dos trilhos. Nem as fagulhas, verdadeiros fogos de
adotadas em 1914, dentre elas, o limite de velocidade de artifício, produzidas com a queima do mangue pelas lo-
doze quilômetros por hora no centro da cidade, o exame de comotivas a vapor, apavoravam os moradores dos bairros
habilitação à profissão de chauffeur, exigida a idade de 18 a formados naquela ocasião.
50 anos, além de saber ler e escrever.
No início da segunda década, grande curiosidade do
público no dia da inauguração de um ônibus com 20 luga- Lista fornecida pelo prefeito de São Luís, capitão Luso Torres, apud PACHECO, Fran. Geogra-
19

fia do Maranhão, vol I, p. 20.

38 39
O transporte público atravessou o século com gran-
des deficiências. As três linhas férreas de tração animal
partindo do Largo do Palácio para o Cutim foram alvo de
muitas críticas. O aumento de 50% no preço das passagens
revoltou a população. Em 1902, com forte apoio da Inten-
dência, novos acionistas da firma Camões, Santos, Jorge &
Cia se comprometeram a melhorar o transporte público da
cidade em dois anos, porém não cumpriram. Em 1909, a
Intendência pensou em substituir o transporte animal pelo
eletrificado, aumentar as linhas existentes, reduzir os inter-
valos das viagens, baixar o preço das passagens e instalar
oito linhas para o percurso dos futuros bondes elétricos,
todas na área nobre da cidade. Até o começo de 1923, o mu-
nicípio geria os serviços públicos urbanos. Naquele ano, A cidade ganhou quatro linhas: Gonçalves Dias, São Motorneiro
virando a lança
a Companhia Ferro-Carril foi encampada provisoriamen- Pantaleão, Estrada de Ferro e a linha do Anil. O bonde da li- do bonde no
te pelo Estado, administrando diretamente os serviços de nha Gonçalves Dias iniciava seu percurso na Avenida Mara- fim da linha
Gonçalves Dias.
bonde e luz, até ser aprovado o projeto de modernização nhense, percorria pequeno trecho da Rua da Palma e Nazaré,
dos serviços. Os planos da Intendência ficaram arquivados Largo do Carmo, Rua Grande, uma quadra da Rua do Passeio,
até maio de 1923. Remédios e, na Praça Gonçalves Dias, o motorneiro virava a
As reclamações para melhorar o transporte público lança e o condutor colocava os bancos em posição frontal. Ao
datam dos anos 1890.20 Os gritos do povo e a pressão das retornar da Rua dos Remédios, descia a Rua da Paz até o Lar-
oposições contra as deficiências do bonde de tração animal go de São João, dobrava para seguir a Rua do Sol, Largo do
levou o governo a contratar a Ulen & Company, empresa Carmo, até a Avenida Maranhense, de onde tinha saído. Com
norte americana especializada na implantação de serviços a reforma da Avenida, cortaram os trilhos e o bonde passou a
de infraestrutura, inclusive o bonde elétrico. Em maio de fazer a volta no Largo do Carmo.
1923, foi assinado contrato com a Ulen & Co., incluída a O bonde de São Pantaleão saía do Largo do Carmo,
instalação de bondes elétricos. No início de novembro foi descia a Rua Formosa, dobrava na Rua da Cascata, seguia por
aprovado o regulamento e em 30 de novembro de 1924 São João, Cajazeiras, Passeio até o Largo do Cemitério. Lá, a
aconteceu a viagem inaugural do bonde elétrico no trecho princípio, virava a lança, retornava pela mesma via até encon-
Cutim/Anil. São Luís findou o século XIX e duas décadas trar a Rua da Paz e descia até o abrigo do Largo do Carmo, seu
do século XX dependendo do vigor e vontade dos burros. ponto inicial.21

A população contou com bondes a tração animal a partir de 1871; em 1886, a Compa-
20 21
Duas obras foram feitas na Rua do Norte em fins dos anos 1940: substituição das pe-
nhia Ferro-Carril do Maranhão assumiu a viação urbana. Em 1896, São Luís contava dras cabeça-de-negro por paralepípedo e implantação de trilhos das Cajazeiraas até
com três linhas com partida do largo do Palácio para a Estação Central, para o Largo o Largo do Cemitério, hoje, Praça da Saudade. O bonde passou a contornar o Largo,
dos Remédios e para São Pantaleão, continuando precários os serviços. retornando pela Rua do Passeio.

40 41
O terceiro bonde partia da Estrada de Ferro, seguia
pela Beira Mar, Trapiche, Estrela, Direita, no canto da
Rua Formosa esperava o São Pantaleão passar em sentido
contrário e continuava na Rua Formosa até o Largo do
Carmo, Rua Grande, Passeio, Rua da Paz, São João até o
ponto de partida.
O bonde do Anil saía do pequeno abrigo do Largo
do Carmo, dobrava a Rua Grande, seguindo direto, ser-
via Areal, João Paulo, Jordoa, Filipinho e Sacavém até o
Anil. Parava em alguns desvios para deixar o bonde con-
trário passar. Um reboque mais simples, bancos duros e
mais espaçosos, chamado ‘caradura’, com passagens mais
baratas e usado pela população de baixa renda, também
transportava toda produção agrícola, cofos de frutas, hor-
taliças e produtos granjeiros da Maioba, Paço do Lumiar e
outros sítios do interior da Ilha, para serem vendidos nos
mercados.
A concessionária trocou os bondes abertos da linha
da Estrada de Ferro, mais vulnerável aos maus pagado-
res, por fechados, com portas de acesso nas partes dian-
teira e traseira.
As festividades de inauguração, a 30 de novem-
bro de 1924, com estouro de foguetes, folhetos jogados
do bonde, faixa verde/amarela na lateral do carro com a
frase “O Maranhão assina o seu progresso”, induzia o povo
a encampar o discurso do rompimento das amarras colo-
niais do atraso.
A novidade levou elegantes senhoras e senhoritas
da alta sociedade a passearem de bonde na parte inter-
na do vagão, sentadas ou em pé, imprensadas entre as
pernas das passageiras dos bancos da frente. Homens,
mesmo de paletó e gravata, viajavam no estribo, seguros
no balaústre. Os estudantes pulavam da frente para trás
do estribo, driblando o cobrador, com sua mão cheia de
moedas em atrito constante a chamar a atenção para o
pagamento das passagens.

42 43
Velozes na descida, ao som metálico da campainha capelinha em hon-
acionada pelo pé do motorneiro e, mais preguiçosos na ra de Nossa Senho-
subida das ladeiras, trepidantes e ventilados, seguiam o ra do Socorro, para
horário determinado em cada parada. As linhas de bonde suprir o vazio de
criaram um eixo natural, contribuindo na extensão da ci- um templo, símbo-
dade com subúrbios em novas áreas. A Vila do Anil é um lo da fé católica das
exemplo. famílias em férias.
Certas inovações atingiam mais diretamente o povo, Atualmente o orató-
libertado de antigas convenções. As senhoras e meninas de rio é conservado por
família conservavam usos, costumes e valores transmitidos senhoras residentes
de suas avós. As moças esmeravam nos trajes, completa- no bairro.
dos pelos solidéus, espécie de meio chapéu. As senhoras Em 21 de agosto de 1927, a praia do Olho d’Água foi Francisco
Aguiar, maior
usavam toilette completa, com meias finas e chapéu para pista da primeira disputa de velocidade entre alguns au- comerciante de
passear de bonde ou ir ao cinema. Rigorosa era a censura tomóveis. A novidade contagiou maior número de moto- veículos de São
ao comportamento feminino. Lourdes Leão e Silva, moça ristas e apostadores. Os eventos tiveram ampla cobertura Luís.

avançada, ao trocar o pneu de seu carro, juntou os pas- jornalística e os ganhos, revertidos à Santa Casa de Mise-
santes, causando admiração e comentários. Sua convivên- ricórdia. Em 18 de novembro do mesmo ano, uma com-
cia com americanos da Ulen a fez romper com valores da petição mais entusiasmada provocou discussões entre os
época. A iniciativa da americana M. Anne Isler de fazer expectadores sobre a coragem dos motoristas, a potência
festas ao ar livre, no mês de setembro, na quadra de tênis das máquinas e outros assuntos referentes à mais nova di-
dos funcionários do London Bank, na Beira Mar, foi muito versão de São Luís, o automobilismo na praia. O calendá-
criticada e participadas somente pela fatia mais avançada rio de 1927 foi encerrado com uma prova pontificada pela
e liberal da sociedade. melhor fatia da sociedade, ponto culminante e marco do
Famílias de consideráveis recursos fugiam da cida- fim daquele passatempo: em vez de novas corridas, o au-
de para o Anil, sem, contudo, desfrutarem da beleza da tomobilismo morreu na praia.
praia do Olho d’Água, pelo estreito caminho para cavalo e Os ares bélicos dos anos 1940 eram de revisão de va-
pedestre. Diante das reclamações, em 1917, foi projetada a lores e corrida por novas aspirações. As pessoas buscavam
execução das obras da estrada e, em 1922, o Olho d’Água o hodierno, consumir novos lançamentos. Terminada a II
passou a constituir um centro de veraneio. Casas de alu- Guerra, passaram a trafegar em São Luís, carros grandes
guel e abastecimento diário de gêneros alimentícios servi- e luxuosos (Pontiac, Ford, Chevrolet, Nash, Packard Hud-
ram de apoio para os banhistas. Estava na moda, exercícios son...), médios (Humber, Hillman, Triumph...) e pequenos
físicos e longas caminhadas pela extensa faixa de areia nas (Prefect, Anglia, Austin...).
direções Araçagi ou São Marcos. Na falta de automóveis
particulares ou transporte coletivo, circulavam cavalos ar-
reados e caleças de aluguel. Em 1924, foi edificada uma

44 45
Plano de remodelação

Nas duas primeiras décadas do século XX, o patri-


mônio arquitetônico de São Luís foi preservado, talvez pela
pobreza das famílias naqueles tempos difíceis de economia
declinante e pelos nebulosos dias para os políticos.
Melhoramentos nas áreas centrais com ajardinamen-
to de algumas praças, avenidas e calçamento de ruas me-
diais, aprimorando a cidade, não passavam de paliativos. A
grande parte da verba municipal para logradouros públicos
do orçamento de 1909 foi empregada na reforma da Praça
Gonçalves Dias ou Largo dos Remédios, tradicional bairro
de ricas residências. Outros espaços carecendo de assistência
foram preteridos.
A partir dos anos vinte, os parcos recursos do Esta-
do foram usados pelos regentes da República no “embele-
zamento da cidade”. A indiferença profunda por parte dos
poderes públicos locais e dos particulares em geral, pouco
preocupados com a preservação do estilo colonial português
do casario, raro entre as cidades brasileiras, resultou no “de-
samor responsável por mutilações em velhos sobrados e moradas-
-inteiras, operadas em nome de um suposto modernismo ou pro-
gresso de evidente mau gosto.”22
Os edis locais das primeiras décadas do século, igno-
rando ou indiferentes às atualizadas propostas de traçado a Ao lado:
o ajardinamento
nascentes bairros, para mostrar serviço, cuidaram de esmae- da Praça
cer a memória do passado, colocando nomes modernos nas Odorico Mendes.
Foto Gaudêncio Cunha
ruas, travessas e becos.23 Modernizar seria apagar as pegadas
Largo dos
do passado, a começar pela substituição dos nomes de ba- Remédios
tismo das ruas, tão evocativos, líricos, musicais, pitorescos, reformado.

22
VIEIRA FILHO, Domingos. A Construção Civil e Religiosa no Maranhão. São Luís: Fundação

Cultural do Maranhão, 1978, prefácio.
23
O maior número de nomes de ruas trocado foi em 1924 e 1928. O Prefeito Haroldo Tavares
(1971/1975) resgatou nomes antigos da maioria das ruas e praças. A duplicidade de nomes e a
falta de placas dificultam a orientação do transeunte.

46 47
cômicos, até trágicos. Com o funcionamento das fábricas nas, sobrados como sórdidos albergues e cujos verdes bei-
e vários bairros se formando nesse período, muitas ruas e rais anunciavam a próxima morte da urbe; cabanas como
travessas poderiam homenagear pessoas, porém o gover- escolas; mercado e matadouro classificados como infectos
no municipal não interferiu no planejamento, deixando a pardieiros, vergonha da cidade, além da população rural
cargo do povo, direção, largura e nome dos logradouros. A abandonada. Para completar a descrição, referiu-se à cir-
falta de um planejamento urbano para o século XX contras- culação de boateiros, escritores de banca de café, discursa-
ta com a planificação portuguesa dos primórdios da cidade. dores de ponta de calçada, desocupados intrigantes e uma
Nas três primeiras décadas do século, o casario já classe conservadora resistente a vários impostos lançados
mostrava o envelhecimento imposto pelos anos. Ameaçado com acusações tendenciosas, conforme um memorial diri-
por goteiras, aos poucos foi deteriorando o teto e infiltran- gido ao Governador. O prefeito pretendeu romper com a
do as grossas paredes de pedra, aparentemente indestru- rotina e elaborou o Plano de Remodelação da Cidade, ins-
tíveis. Os sobrados memoravam as páginas da vida social pirado no discurso de modernização, baseado nas ideias do
da cidade de tempos interessantes, desconhecidos ou in- renascimento urbano prevalecente nos países civilizados,
diferentes a muitos. A cidade perdia o viço a olhos vistos inclusive nas capitais brasileiras.
e os problemas se acentuavam. O espírito de valorização A imprensa considerou insultuoso o relatório do Pre-
e conservação da riqueza arquitetônica era ausente numa feito por negar a existência de uma cultura e dignidade da so-
fatia da sociedade, assim como não foi cogitado pelos ad- ciedade maranhense, dos homens de imprensa e classes pro-
ministradores novas construções em espaços disponíveis. dutoras.24 A Associação Comercial, em nota oficial, protestou
Em mensagem apresentada por ocasião da abertura contra as transformações radicais propostas pelo Prefeito, sem
dos trabalhos da Câmara Municipal de São Luís, em agos- condições de elaborar um plano de remodelação da cidade,
to de 1936, o engenheiro José Octacílio de Saboya Ribeiro, “por desconhecimento do meio, da história, das tradições maranhen-
primeiro pefeito nomeado pelo interventor Paulo Ramos, ses, demonstrados através da fúria iconoclástica aos restos do antigo
declarou que São Luís jamais recebeu remodelação siste- esplendor de São Luís”.25
mática ou melhoramentos extensivos, porque sempre víti- Para a referida remodelação, a Comissão de Plano da Ci-
ma de administrações descontinuadas, oriundas de grupos dade deu prioridade à abertura de quatro avenidas: 1) da inter-
profissionais da politicagem que viam a municipalidade secção da Rua Senador João Pedro com Oswaldo Cruz, cortan-
sob o aspecto dos interesses subalternos, deixando o mu- do os campos da Companhia Fabril Maranhense, atravessando
nicípio sacrificado em suas finanças e esgotados seus re- a Quinta do Barão, seguindo pelas ruas Belarmino Matos e Ja-
cursos. Dentre as carências, relacionou: ruas mal calçadas cinto Maia até a Beira-Mar; 2) da Praça João Lisboa, pela Rua da
ou de terra, sarjetas, verdadeiros leitos de águas servidas, Paz e Praça Gomes de Castro, atravessando o Parque Urbano
capins crescidos, proliferação de mosquitos, lixo jogado Santos, atingindo a Oswaldo Cruz na altura do Galpão, seguin-
sem precaução, limpeza pública desoladora decorrente do do a mesma rua alargada até perto do início da primeira ave-
abandono dos operários pela falta de pagamento e precá-
rias condições de trabalho, coletando lixo em velhas carro-
ças de tração animal; prédios em adiantado estado de ruí- 24
O Imparcial, 4 de agosto de 1937, p. 1 e 4.
25
O Imparcial, 8 de agosto de 1937.

48 49
nida; 3) da esquina de Senador João Pedro com Oswaldo Cruz
em direção às fontes do Apicum, Rua José Barreto, passando
pelo lado norte da Praça 1º de Maio, cruzando com Antonio
Rayol até encontrar com o cais sanitário projetado entre a ponta
de Desterro e a praia da Madre Deus; 4) um prolongamento
da Praça João Lisboa até a Av. 5 de Julho (Beira Mar) acompa-
nhando mais ou menos a diretriz da Tarquínio Lopes; da parte
sul, da Praça João Lisboa até o Mercado em construção, cuja
praça constituiria uma rótula do sistema viário, articulando as
zonas comercial, industrial e residencial. Previu um novo cais
do Tesouro, construção pela margem do mangal que contorna
a cidade e ligação da Beira Mar, Pedro II e Rua Portugal com a
Praça João Lisboa, demolindo a escadaria, assim como o pro-
longamento da Pedro II, cortando a sede do Arcebispado até a
quarta avenida. Uma praça defronte da Estrada de Ferro, rótula
do novo sistema viário, convergente de ruas vindas da Rua Rio
Branco, Nina Rodrigues e Ribeirão.
O plano prognosticava a demolição do imponente Ar-
cebispado, de história secular, para prolongar a Avenida Pedro
dência do alferes Mesquita. Abstraída a parte arquitetônica, O imponente
II, assim como a derrubada de igrejas e todos os prédios im- Arcebispado,
o imóvel tinha toda uma importância histórica. Parte do Palá- ameaçado de
peditivos do alargamento das avenidas ou ruas. Em nome da
cio do Comércio, sede da Associação Comercial do Maranhão demolição pelo
modernidade foram demolidos prédios de valor histórico. Jus- prefeito Octacílio
está assentada no local. A outra parte do novo prédio tam- Saboya na
tificando sua atitude, Octacílio afirmou que “muitos dos grandes década de 1930
bém sacrificou o casarão do antigo Correios que compunha o
casarões acabaram adquirindo denominações de todo inverossímeis, Foto Gaudêncio Cunha

conjunto da atual Avenida Pedro II.


que se dizem ligar a factos da história do Maranhão. Entre outros, o
Baseado no art. 493 do novo Código de Postura foram
chamado Palácio dos Holandeses, de archittetura colonial Portugue-
demolidos muitos imóveis com o alargamento das ruas 7 de
sa typica sem nenhum valor de ordem archittetonica ou interesse de
Setembro, Jansen Muller, Tarquínio Lopes, José Augusto Cor-
ordem pittoresca, construído de modo primitivo, sem oferecer nada
rea, entre outras.
que pudesse aconselhar a sua conservação.”26 Entretanto, o referi-
Existiu uma propaganda intensa e sistemática das
do imóvel, localizado na Rua de Nazaré, data dos primeiros
ideias e do plano de melhoramentos e remodelação, através
tempos coloniais, quartel-general dos holandeses, depois resi-
de anúncios diários na imprensa, cartazes espalhados, além
da pressão com sobretaxas especiais sobre casas antigas, de-
sapropriação e demolição de muitos imóveis e amplos favo-
Mensagem apresentada pelo Prefeito José Octacílio Saboya Ribeiro, no dia 28 de julho
26
res fiscais concedidos pela Prefeitura para novas construções
passado, quando da instalação dos trabalhos da Câmara Municipal, 1936. Diário Oficial
06.08.1937, p. 12. ou reformas. Como herança da política de modernização, a

50 51
mados à tributação através de taxas e aumento de impostos
para financiamento das obras, geraram a crise superada com
a substituição do administrador municipal pelo médico Pe-
dro Neiva de Santana.
Incumbido de implementar o programa apresen-
tado por José Octacílio, o sucessor começou pela pavi-
mentação de algumas ruas, incluída a Rua Oswaldo Cruz
com alinhamento e revestimento de paralelepípedo sobre
base de areia. Foi sacrificada a Igreja de Nossa Senhora da
Conceição dos Mulatos, joia do barroco brasileiro, sob a
alegação do perigo de atropelamento dos fiéis pelo bonde
ao saírem da Missa. Em 1938, a soma de construções e re-
construções chegou a trinta e cinco.
Em razão do projeto do poder público, intelectuais do
Platibandas harmonia do casario foi quebrada com a alternância entre be- Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão,27 preocupados
e, ao fundo, o las fachadas ao lado de frentes híbridas, misto de colonial e em proteger o conjunto arquitetônico colonial, apoiados pe-
edifício Colonial,
completam a moderno, com as malfadadas platibandas (muito em voga na los Museu Nacional e SPHAN, conseguiram, em 1940, os pri-
descaracterização época) em lugar dos beirais ou destruição total das fachadas, meiros tombamentos federais: igrejas, a Capela de São José
de um trecho da
Rua do Sol. transformando sobrados em verdadeiros caixotes. Na Rua 14 das Laranjeiras e o Portão da Quinta do mesmo nome.
Foto Edgar Rocha
de Julho um sobrado de pedra e cal, residência do Visconde Em 1942, entre construções, reconstruções e reformas,
de Itacolomi, foi vítima da picareta do progresso, transforman- somaram-se 161 imóveis desfigurados.
do-se em um caixão de cimento armado, dentre muitos ou- A cidade se beneficiou com a pavimentação de cinco
tros exemplos. principais ruas com paralelepípedo sobre base de areia e seis
Longe de embelezar, quebraram o estilo colonial de outras com pedras irregulares sobre base de areia; melhorias
várias quadras e, graças ao discernimento ou à falta de re- das estradas de São Luís para São José de Ribamar, para o
cursos, muitos proprietários resistiram às pressões. A mu- Olho d’Água e do Tibiri, em parte; inauguração de duas alas
nicipalidade se desencantou com a repercussão do discur- principais do Matadouro.
so aquém do esperado e atribuiu à mentalidade tacanha Algumas construções sacrificaram os poucos largos
de certos proprietários o ínfimo resultado de treze cons- existentes. No século XVIII, a área equivalente hoje à Praça
truções e duas reconstruções realizadas em 1937. No mes- Deodoro ligava o interior à parte urbana da cidade. Com
mo ano, o governo federal criava o Serviço do Patrimônio
Histórico Nacional, justamente para evitar desmandos em
nome da modernidade. 27
Fundado em 20.11.1925 por Antonio Lopes da Cunha, Justo Jansen Ferreira, José
Ribeiro do Amaral, José Domingues da Silva, Benedito de Barros Vasconcelos, José
A demolição dos casarões, desaprovada pelos cida- Pedro Ribeiro, Arias Cruz, José Abranches de Moura, Wilson Soares, Domindos e
dãos de bom senso, os duros termos usados pelo Prefeito, so- Castro Perdigão e Pe. José Ferreira Gomes, foi considerado de utilidade pública pelo
Decreto Estadual n. 1.256, de 7.04.1926.

52 53
a construção do prédio do 5º Batalhão de Infantaria, o es-
paço ficou dividido em Largo do Quartel e Campo d’Ou-
rique. O Largo do Quartel tomou o nome de Praça da In-
dependência e, na última década do século XIX, passou a
chamar-se Praça Deodoro, em homenagem ao Marechal.
Em 1911, famílias abastadas residentes em redor da praça
exigiram um passeio para crianças e suas bicicletas, arbo-
rização, colocação de bancos de madeira e ferro e postes de
iluminação. Trinta e quatro anos depois acrescentaram um
coreto ao centro, para apresentação de bandas em retretas
e orquestras em concertos ao ar livre.
O Campo d’Ourique desapareceu sorvido pela Praça
do Panteon, pela Biblioteca Pública Benedito Leite e anexo,
posteriormente, pelo SESC e pelo ginásio de esportes Charles
Moritz. Na reforma da Praça de Santo Antônio para o Centená-
rio do Seminário, construíram, de um lado, o Jardim de Infân-
cia Antônio Lobo e do outro, o novo prédio da Escola Modelo
Benedito Leite. Na reforma da Praça Gonçalves Dias, o largo
dos Remédios foi ocupado por um prédio para os grupos es-
colares Almir Nina e Henriques Leal. As árvores da Pracinha
foram sacrificadas no novo planejamento da Benedito Leite. Iniciada em 1940 e concluída em 1942, uma avenida Vista panorâmica
em diagonal cortou todo o centro da cidade, partindo do pa- da Praça Deodoro,
Parte da vegetação da Praça da Alegria foi substituída pelo Jar- ressaltados o
dim de Infância Decroly. O largo da Igreja de São Pantaleão redão fronteiro ao Cais da Sagração, margem do rio Anil até Liceu Maranhense
passou a ser o Hospital Infantil e o Grupo Escolar Sotero dos as proximidades do rio Bacanga, considerada “de grande vulto e a Biblioteca
Pública Benedito
Reis, no local do cemitério dos ingleses. O amplo espaço cer- e destinada a modificar por completo a feição colonial de São Luís”, Leite.
cado por balaustrada de colunas torneadas, antigo Cemitério conforme relatório do Interventor ao Presidente Getúlio Var-
da Misericódia, foi ocupado pelo Pronto Socorro. A Prefeitura gas.28 Para tal, sacrificou o casario com o alargamento da Rua
liberou alvará para residências ocuparem o Largo de Santiago, do Egito, uma das mais antigas ruas. Atualmente está ladea-
o mesmo acontecendo com o Parque XV de Novembro. da por bangalôs, feios, pobres e arruinados.
Ao lado da mutilação urbana, houve benefícios. Vei- Continuando a empreitada, foram cortadas as árvores
culos motorizados para a remoção do lixo; início da cons- do Largo do Carmo, local onde “funcionava um poderoso me-
trução do novo estádio; restauração de parte do mercado
do Ourique; reforma do prédio da Rua José Euzébio, 273,
para o Grupo Escolar Luiz Serra e meio fio em frente do 28
Relatório apresentado ao Exmo Sr. Dr. Getúlio Vargas, Presidente da República dos Estados
Palácio do Comércio. Unidos do Brasil pelo Dr. Paulo Martins de Sousa Ramos, Interventor Federal do Estado do
Maranhão. Exercício de 1944. Arquivo Público do Estado do Maranhão.

54 55
canismo de censura social”29 para a reurbanização da Praça
João Lisboa. Os protestos da população foram calados com
forte repressão policialesca do Estado Novo. Continuando
a quarta via constante do projeto, foi aberta a Avenida Ma-
galhães de Almeida e demolido o mercado primitivo, plan-
tado no terreno do antigo Gasômetro e a praça, a segunda
rótula do sistema viário. Iniciada em 1940, dois anos de-
pois foi concluída a Avenida Getúlio Vargas e construções
novas foram se alinhando ao longo da recente avenida.
Em boa hora foi criada, pelo Decreto n. 474, de 15 de
maio de 1943, a Comissão do Patrimônio Artístico e Tradi-
cional do Município. Referida Comissão sugeriu ao Prefei-
to “a proibição da demolição de casas de mirante ou revestidas
de azulejos; a retirada da tinta de revestimento das peças de can-
taria lavrada das ombreiras, lumieiras e sacadas de prédios e a
Não obstante a legislação preservadora dos prédios A linha de bonde
fixação das zonas de arquitetura tradicional característica, a fim até o Anil, a mais
históricos, em nome da questão viária, alguns pecados foram longa do antigo
de poderem ser devidamente conservadas na execução do plano Caminho Grande,
cometidos. No relatório referente ao exercício de 1944, foi re-
de reforma urbana.”30 depois a Av. Getúlio
gistrada a reforma da Pedro II com o “desmonte do paredão que Vargas.
Tardiamente esta sugestão foi transformada em nor-
fechava o acesso na extremidade da Avenida 5 de Julho para fácil
mas para defesa e preservação da feição característica da
acesso da rampa de desembarque para a Pedro II com escavação do
cidade, no Decreto-Lei n. 114, publicado no Diário Oficial
leito existente para o estabelecimento de novo nível.”31 Tratava-se
de 11 de julho de 1944, pois a cidade já estava muito afeta-
de parte da cortina do Forte São Phelipe, construído pelos
da em seu aspecto colonial. Em seis artigos, o Decreto-lei
portugueses no século XVII. Na remodelação de outras cida-
impede a demolição ou deformação de parte da cidade co-
des brasileiras foram poupados os fortes, hoje intactos, como
lonial. (anexo II)
no Macapá, Salvador, Vitória e tantas outras.
Os trabalhos extensivos foram necessários. Duas
Na mesma ocasião, reformado e embelezado o Palácio
pistas para duas linhas de bonde, duas faixas rodoviárias
do Governo, terminado o Palácio da Justiça e a nova sede do
e amplos passeios arborizados iniciados na Rua Senador
Banco do Brasil, este último, em descabido estilo, porém no
João Pessoa. O ponto de confluência das três avenidas se
olhar dos administradores, “importantes e suntuosas constru-
alongou até a Estação do João Paulo, de onde partia uma
ções para melhorar a perspectiva da tradicional artéria.”32
via simples até o Anil.

31
Relatório apresentado ao Exmo. Sr. Dr. Getúlio Vargas, Presidente da República dos Estados
29
VIEIRA, 1971 apud Ilha do Maranhão e Alcântara, Guia de Arquitetura e paisagem. Ed. Unidos do Brasil pelo Dr. Paulo Martins de Sousa Ramos, Interventor Federal do Estado do
Bilingue. Sevilha, 2008, p. 31. Maranhão. Exercício de 1944.
30
Relatório referente ao exercício de 1944, p. 179. 32
Ibidem.

56 57
Como primeiro trabalho da segunda avenida cons-
tante do projeto foi derrubada a Capela da Sagrada Família,
mais conhecida como Santaninha, construída em 1791, não
obstante sua augusta idade e a tradição de que era portadora.
Com a substituição de Pedro Neiva, em março de
1945, os trabalhos foram paralisados e os prédios laterais da
Rua da Paz e alguns da Rua Grande, próximo do Galpão, fo-
ram poupados. Posteriormente, a pequena travessa lateral
de Santaninha foi interceptada por muros até o passeio da
Rua do Sol e o espaço da ermida transformado em jardins das
meias-moradas suas vizinhas.
O Olho d’Água se desenvolveu graças à iniciativa de
frequentadores, proprietários de casas de veraneio. Somente
em 1945, o poder público se fez presente, refazendo a velha
estrada e planejando a Cidade Balneária do Olho d’Água,
com traçado dos logradouros e estabelecimentos públicos ne-
cessários, como apoio aos moradores. Em 1949 foi asfaltada A primeira rampa, vítima do mau gosto de nosso tem- Praia do Olho
po, ganhou um quiosque, discordante do conjunto do Cais da d`Água, saída do
a estrada até o Anil, alargados certos trechos e reduzidas dis- isolamento.
tâncias com o corte de algumas curvas. Mais uma vez alarga- Sagração. Antes do viaduto, uma escadaria levava à ladeira do
da, por volta de 1966, ofereceu condições necessárias para a Palácio, sombreada de ficus benjamin até o alto, na Avenida Ma-
constituição do mais elitizado bairro da cidade àquela época. ranhense, em cuja lateral esquerda estão o Palácio do Governo e
O porto, antes tão movimentado, parecia morto. Pou- a Prefeitura Municipal, além de um belo casario. À direita, a De-
cos navios recorriam ao porto natural do Itaqui, em busca legacia Fiscal, a Capitania dos Portos, a sede do Banco do Brasil
do babaçu, pela dificuldade no desembarque em ambos os e o Fórum, sem falar do Edifício João Goulart, feio e discrepante,
ancoradouros do centro. Na maré-baixa, os bancos de areia no local do majestoso casarão dos antigos Correios e Telégrafos.
impediam as embarcações atracarem e os passageiros toma- Em frente, está a Catedral Nossa Senhora da Vitória, cuja ima-
vam uma lancha ou uma catraia, canoa aberta ao sol, para sal- gem pontifica no frontispício do templo. Ao lado, o Palácio Ar-
tarem em terra firme. O catraieiro, homem típico do porto de quiepiscopal, prédio iniciado em 1850 e concluído em 1905, de
São Luís, único conhecedor dos meandros caprichosos dos fachada neoclássica, dois pavimentos, um brasão episcopal es-
canais, conduzia com sabedoria sua embarcação da lancha ou culpido em Lisboa em 1875, colocado na porta de entrada como
navio ao porto. símbolo do poder espiritual no Maranhão.
Duas rampas de desembarque servem a parte antiga A rampa Campos Melo, local de desembarque em frente
da cidade: a de Palácio, por onde subiram os antigos capi- ao Tesouro do Estado, mais modesta, cheia de limo nos ram-
tães-generais e a fidalguia da terra e a de Campos Melo, mais pados, ideal para escorregões, recebe as catraias de passageiros
recente e mais escondida. na maré-grande e fica num recanto protegido dos embates do

58 59
Ao lado mar. Está sempre repleta de barcos a vela, cúteres de navega-
a descida
do Palácio ção fluvial ou costeira, usados no transporte de mercadorias do
antes da interior, em circulação intensa de caboclos e citadinos. Astolfo
construção
Serra retratou muito bem a rampa: “quase madura, porém alegre-
do viaduto
e a rampa mente sacudida pelas vozes e cantorias dos barqueiros pelo movi-
Campos mento dos barcos que entram e que saem...”33 Desemboca na Rua
Melo.
Portugal, rua estreita, de curvas fechadas, a mais antiga sede
do bairro comercial da cidade, cheirando a camarão e a fari-
nha d’água, congestionada por carroças puxadas a burro, ca-
minhões, pequenos comerciantes, lojas, armazéns de secos e
molhados, coração do bairro comercial de São Luís, de casas
e firmas centenárias, umas conservando a rotina portuguesa,
outras modernizando seu comércio, mas todas integradas às
tradições comerciais do velho Maranhão.
Não havia investimento por parte das autoridades na
melhoria das rampas, limpeza e conservação das ruas e dos
espaços públicos da Praia Grande e este quase desprezo pelo
coração econômico da cidade era sentido e reclamado pelas
famílias residentes nos sobrados e pelos negociantes.
O Farol de São Marcos substituiu os antigos fogos ou
Páginas as fogueiras de lenha no alertar dos perigos da barra aos que
seguintes:
a Typographia chegavam. Hoje ele anuncia São Luís aos navegantes, pelo
Teixeira, ao jato de luz branca e suave, testemunha do crescimento, das
tempo em que
a Praça era alegrias e vicissitudes da cidade. Localizado na Ponta de São
um bosque
ajardinado.
Marcos, o farol era visitado pelo povo nos feriados e domin-
gos, recanto agradável e escolhido para residência oficial de
A remodelação
da João Lisboa veraneio dos governadores.
incluiu a Nem o plano de remodelação da urbe nem os sucessi-
substituição do
velho relógio e vos governos se preocuparam em planejar um espaço condi-
o alargamento
da Rua do Egito, zente para depositar o lixo da cidade. Por toda a metade do
vendo-se, ao século a questão da higiene da cidade foi descuidada tanto
fundo, o prédio
do IAPTEC. pelo poder público, quanto pelos cidadãos.

SERRA, Astolfo, op. cit., p. 29.


33

60 61
62 63
64
Serviços Públicos serem transformados em viveiros de mosquitos. Em abril
de 1907, o governo recebeu o projeto para novo serviço de
Ao lado dos pontos pitorescos oferecidos pela natu- abastecimento de água e esgoto, logo arquivado. Diante da
reza, os habitantes enfrentavam dificuldades geradas ou situação apavorante, em 1910, o governador Luiz Domin-
ignoradas pela administração pública. O saneamento ur- gues contraiu o primeiro empréstimo, através do Banque
bano continuava caótico nos primeiros anos republicanos. Argentine et Française, para o fim específico de saneamento
O processo de degradação da qualidade da água urbano. Esta foi a única iniciativa concreta do poder pú-
consumida pela população, com alto grau de contamina- blico visando o saneamento da cidade de São Luís com o
ção resultou em várias epidemias e séria crise sanitária, estabelecimento da rede de esgoto, quando o empréstimo
entre 1903-1904. Nesta ocasião foi aberto um crédito para contraído incluiu este serviço, embora limitado a uma res-
a elaboração de estudos necessários ao estabelecimen- trita parte da cidade. Os trabalhos começariam pela Fonte
to de um serviço de água e esgoto em São Luís. Porém das Pedras, em frente do Gasômetro e se estenderiam pela
medidas de emergência para sustar a epidemia da peste parte mais antiga da cidade: o perímetro situado entre Re-
bubônica esgotaram os recursos destinados à criação da médios, Passeio, São Pantaleão e a malha até o Largo do
infraestrutura de serviços urbanos básicos. A cidade não Carmo.
contava com um bacteriologista nem laboratório capaz de Em 1913, a firma contratada deu por concluída a
identificar a natureza do mal avassalador. Uma solução rede de água, mesmo sem instalar os ramais domicilia-
descabida proposta pelo Serviço Sanitário, a da reforma res, para o qual pediu reajuste. Tensão entre a oposição
ou demolição de prédios insalubres, foi contestada por e governo pelo custo da obra gerou sindicância confir-
proprietários imobiliários. A sujeira, origem dos males, matória da inadimplência da firma contratada. Doenças
poderia ser combatida com desinfecção. Em 1905, os sani- proliferavam, inclusive, em 1918, a febre tifoide, atribuída
taristas acusaram o governo de protecionismo dos interes- à má qualidade da água fornecida pela Companhia das
ses privados em detrimento do bem público, quando agiu Águas. Em 1919, um decreto autorizou a conclusão das
moderadamente evitando a destruição do casario. Mais obras de água e esgoto da capital, prevendo a desapro-
prejudicial à população seria a multiplicação de chãos va- priação de áreas às margens dos rios Batatã, Maracanã,
zios, depositórios de lixo. O mais efetivo seria rigorosa fis- Matafome, Grande, Maruaí, Santa Bárbara e seu afluente,
calização dos prédios, devido à reação dos moradores de Barra, o Cajupé, os vales do Ingaúra e Angelim e afluentes
não aplicar o ácido fênico na higienização das casas, por do Anil. Manifestações a favor do distrato com a Compa-
manchar os soalhos. A constante falta da vacina antiva- nhia das Águas eram baseadas na pouca capacidade de
ríola contribuiu para a permanência da mortalidade. Esta fornecimento da água dos mananciais do Sacavém, Anil
concepção de modernidade e higienização, tendo como e Barreto, ínfimos para suprir os sessenta mil habitantes
solução a destruição do conjunto arquitetônico, perdurou e as instâncias não domiciliares, como fábricas, hospitais,
por quase todo o século, mais pelos governantes e menos quartéis, dentre outros. Duas questões foram levantadas:
pela população. Aconselhada a equivocada construção de a desapropriação dos rios e o valor da indenização a ser
cacimbas e poços, a situação se agravou rapidamente por paga à empresa pelo governo. Resolvidas as pendências,

66 67
o governo reconhecendo a impossibilidade do empreen- abarcou a rede de esgoto. O projeto da Ulen não alterou a si-
dimento às suas custas e a ameaça da peste bubônica, em tuação da maioria, cujas oito mil fossas obrigavam a popu-
1921, reacendeu o projeto de uma alternativa global para lação a respirar um ar viciado. A soma reservada para a ca-
os problemas de gestão e produção de serviços urbanos. nalização do esgoto, inferior às necessidades reais, só atingiu
Em 1923, o Estado adquiriu a Companhia das 800 domicílios, correspondente a 1% das residências, com o
Águas, organizando o Serviço Provisório de Águas da aproveitamento da canalização antiga implantada em 1910.
Capital até a contratação da empresa americana The Ulen Em maio de 1923, a sociedade, surpresa com a rapidez do iní-
Management Company para a construção das redes de cio e conclusão das obras em dezoito meses, antes do prazo
água, esgoto, eletricidade e tração. A conjuntura mostrou estipulado de dois anos, ficou decepcionada com a exclusão
ser indissociável a questão da água e do esgoto. A própria da rede de esgoto. As taxas cobradas pelos serviços sanitários
tecnologia e o convencimento da combinação dos serviços definiram a seleção dos usuários, o que gerou outros motivos
como arma poderosa perante a crise da insalubridade e para as reclamações do povo e o grito oposicionista contra o
saneamento urbano assim o exigiam. Em janeiro de 1925, trabalho da empresa norte-americana, sem contar com o com-
São Luís recebeu água distribuída pela administradora prometimento financeiro do Estado e os avultados lucros em
Brightman & Co, empresa mal vista pela população em troca de serviços de péssima qualidade. A rescisão do con-
razão das elevadas tarifas cobradas pelo consumo, insta- trato com a Ulen, em outubro de 1930, foi anulada depois da
lação e aluguel dos 2.800 hidrômetros correspondentes a batalha diplomática onde o governo federal apoiou o domínio
35% dos domicílios existentes. A população, desconfiada norte-americano no Maranhão, obrigando, em 1931, o gover-
da precisão dos medidores, ágeis na contabilização do con- no local a devolver os serviços públicos à Ulen.
sumo cada vez maior, reagiu à sua instalação. A partir de Somente em 1965, a rede de esgoto foi ampliada para
janeiro de 1928, o preço do metro cúbico da água baixou, cobrir 25% da cidade. Não foram atingidos os bairros da Li-
em função do movimento popular. A notícia, alvissareira berdade, Monte Castelo, Apeadouro, Fátima, Alemanha, João
aos mais aquinhoados, decepcionou os pouco favorecidos, Paulo, Caratatiua, Jordoa e Sacavém até o Anil, bem como as
Carro de sempre dependentes do comércio livre e os muito pobres palafitas (16% da população) que emolduravam as margens
Bombeiro
Gaudêncio Cunha continuaram recorrendo às fontes e rios. dos rios. Desde sua implantação na segunda década do sécu-
O ludovicen- lo, os trabalhos foram limitados à coleta e afastamento, não
se viveu excluído sendo diferente na década de 1970, quando a rede de esgoto
também desse tipo foi aumentada para 600 quilômetros.
de serviço público Antes de 1901, a Alfândega cedia uma velha bomba
nas décadas seguin- manual para debelar os incêndios da cidade. Pelos prejuízos
tes. Necessário ao causados, esta foi remediada no início do século, integrando a
melhoramento da secção dos bombeiros à Polícia Militar.34 Transformada em
infraestrutura, novo Corpo de Bombeiros, funcionou na Rua da Palma, esqui-
empréstimo contraí-
do em março de 1923
A Lei 294, de 16.04.1901, só foi cumprida pelo Decreto n. 6, de 10.12.1903.
34

68 69
na com Sant’Ana até sua extinção e posterior integração à construiu um terminal de passageiros, pequena estação,
Policia Militar, em 10 de dezembro de 1903. espécie de coreto flutuante, para os hidroaviões Clipper.
A cidade precisava de melhorias no porto. Em A respeito do serviço de bondes, a Companhia
setembro de 1911, o Ministro da Viação autorizou uma apenas estabeleceu regras de conduta no interior dos veí-
subcomissão elaborar projeto para o estabelecimento de culos e algumas determinações gerais quanto a horários e
um porto em São Luís. Pela profundidade, pensaram no paradas, sem, contudo, fixá-los. A administração dos ser-
Itaqui, sendo rebatida a ideia pela distância da cidade. viços ficou a cargo da Brightman. Os bondes começaram
Em 1913, companhias estrangeiras de navegação reclama- a trafegar em janeiro de 1925 e logo surgiram as primei-
ram coletivamente às autoridades devido as dificuldades ras reclamações contra o reduzido número de 252 lugares
de acesso e risco aos navios. Sem nenhuma providência, oferecidos. O próprio governo reconheceu a insuficiência
em 16 de agosto de 1918, a Associação Comercial encami- e prometeu encomendar novos carros. As tarifas foram
nhou uma mensagem ao Governo do Estado, endossada aumentadas sob a alegação de cobrir déficits e, no mês
pelo chefe da Capitania, pelo diretor das obras do porto, de junho de 1925, a paralisação dos bondes por treze dias
por diferentes cônsules, comerciantes e funcionários rei- acirrou os ânimos do povo e da oposição. A pressão para
terando as reclamações. Na oportunidade, o engenheiro cancelar o contrato deixou grande impasse ao governo,
Miranda de Carvalho verberou contra a incúria do orça- sem dinheiro para indenizar a firma administradora. A
mento, afirmando que “a administração dos serviços do pôr- solução encontrada pelo governo e pela Ulen & Co., cons-
to custa 35 por cento da verba total, quando esta parcela não trutora e financiadora das obras, interessada moral e ma-
deveria exceder de 10 por cento, segundo a norma adotada em terialmente em resolver o problema, foi a de constituir a
obras bem projetadas.” 35 Em 6 de novembro de 1918, o go- firma Ulen Management Company, subsidiária da Ulen &
verno assinou com a União o Decreto n. 13.270, de obras Co. para administrar os serviços de água, esgoto, energia
no porto de São Luís, modificado em maio de 1919 e de- elétrica para luz, tração (bonde) e força, inclusive linha
finitivamente aprovado em junho de 1921. Em 1923, Fran de viação urbana e instalação de maquinismo para pren-
Pacheco escreveu: “Resta, agora, que se comecem e conduzam sagem de algodão. O novo contrato, assinado em abril de
a bom termo as ambicionáveis obras do porto, para que o fun- 1926, trouxe grandes esperanças, apoiadas no discurso da
deadoiro de S.Luiz deixe de ser um ‘banhado de sapos’, como administradora e do governo de novo aparelhamento e
o qualificou, sem exagêro, um distinto oficial do Lóide brasi- serviços aperfeiçoados. A melhoria constou do comple-
leiro.” 36 As obras necessárias, sempre adiadas, e serviços mento da linha circular abrangente da parte nobre da ci-
públicos mal administrados contribuíram para entravar o dade e um novo sistema de agulhas. Pouco tempo depois,
desenvolvimento de São Luís. em 1927, a população reclamava da insuficiência e das
Por via áerea, somente na década de 1940, entre a tarifas proibitivas aos menos aquinhoados. A animosida-
Ponta d’Areia e o Igarapé da Jansen, a Panair do Brasil de contra os americanos prevaleceu até os serviços serem
encampados por empresa estatal.
As quatro linhas de bonde construídas com tração

35
PACHECO, Manuel Fran. Geografia do Maranhão. São Luís, 1912, p. 45. elétrica contribuíram para a decisiva ocupação dos bair-

36
Ibidem, p. 50.

70 71
ros, deu certo ar de modernização à cidade, ampliando a grandes mudanças na qualidade do serviço e o mesmo
capacidade de atendimento e as linhas, democratizando o repetido aumento das tarifas de consumo.
transporte à medida que ricos e pobres usavam os veícu- O distrato do Estado com a Ulen gerou expectativa
los, não obstante a evidente estratificação. O bonde serviu no povo, uma vez atribuídas todas as falhas dos servi-
para transportar desde pessoas a passeios refinados até o ços de água, esgoto, luz e tração elétrica à administração
operário para seu trabalho. A molecada viajava subindo americana. O órgão estadual responsável pela adminis-
e descendo do estribo, conforme a posição do cobrador. tração dos serviços, a SAELTPA , foi decepcionante. A ga-
Os adultos também usavam o estribo em atitude cordial ragem da Estação de Bonde transformou-se em depósito
ao sexo feminino, deixando os bancos para as moças e de sucata, acentuando a crise do transporte urbano de São
senhoras. A lentidão dos bondes correspondia à calma da Luís. Sem dinheiro, a solução seria aumentar a arrecada-
cidade, berço de uma população sem pressa. ção, o que para tal foi criado o cargo de fiscal dos bondes,
O regulamento aprovado em novembro de 1924 medida agravante, tanto por aumentar a folha de paga-
pelo Presidente do Estado, englobando diversos servi- mento, quanto pelo desvio do dinheiro apurado. Com a
ços administrados pela Brightman & Co. Inc., inseriu luz, crise política nas eleições de 1950, o governo ficou provi-
energia e tração elétricas, permitindo aos usuários, se le- soriamente nas mãos do presidente da Assembleia, César
galmente habilitados junto à Companhia, fazerem suas Aboud, que, dentre as primeiras providências, nomeou
próprias instalações internas de luz elétrica. Em janeiro um novo administrador, Eduardo Viana Pereira, para a
de 1925 São Luís anoiteceu iluminada por luz elétrica. O SAELTPA . Empenhado em demonstrar eficiência e dina-
Contrato Suplementar com a empresa administradora não mismo, conscientizou os funcionários da importância do
perdurou pelos vinte anos previstos, em razão da pressão serviço de transporte e dispensou os fiscais; a receita au-
do público, baseada nas reclamações quanto à qualidade mentou em 40%, possibilitando a recuperação dos carros.
do serviço, a falta constante de energia e as tarifas eleva- Transporte cômodo, ágil, seguro, passagens baratas e boa
das, de 1$500 o kw-hora. 37 A velocidade dos medidores receita, a nova fase foi comemorada com um banquete
provocou sua substituição, diferença compensada com a para os funcionários. O novo governo, no final de 1951,
cobrança de 1$000 por mês pelo aluguel dos aparelhos. nomeou outro administrador e logo o caos foi restabeleci-
O prazo de pagamento até o dia 10 do mês subsequente, do. Aproveitando a situação, Vicente Serejo Dias e Walter
rigorosamente controlado, gerou muitos cortes imediatos Fontoura, dois empresários de fácil trânsito entre os po-
da luz. O alarido dos consumidores pelo contínuo au- líticos, colocaram ônibus em circulação. Notas em jornais
mento de tarifas justificado pelos “déficits” da empresa denunciavam a proteção dos poderosos ao beneficiarem
se avolumava com o discurso da oposição contra o ônus os empresários, pela tirada dos bondes de circulação. O
ao governo pelos adiantamentos à empresa para evitar preço abusivo das passagens dos ônibus e a omissão do
a paralisação dos serviços. Pouco esforço para superar a poder público eram cotidianamente denunciados pelo
crise. Em 1926, a Ulen continuou a fornecer energia, sem Jornal Pequeno e o Jornal do Povo.
Em 1959, a SAELTPA foi desmembrada e criado
o Departamento de Transportes Urbanos de São Luís
No mês de junho de 1925 a cidade ficou às escuras por treze noites consecutivas.
37

72 73
so de dieselização do Maranhão. Os bondes, gerenciados
por autarquia vinculada à municipalidade, conforme a
Lei 1.556, de 6 de janeiro de 1965, foram condenados à
extinção, justificada pela empresa FONTEC , restauradora
do trânsito da capital: os bondes andavam na mão e na
contramão em certas avenidas e ruas. Pretexto sutil para,
no final de 1966, o ludovicense não mais ouvir suas cam-
painhas, acionadas pelo pé direito do motorneiro. Desa-
Início dos parecia o transporte mais acessível à população, pelo pre-
ônibus ço, pela regularidade de horários e pela energia limpa.
urbanos de
São Luís. O abastecimento de carne era precário. Açougues
Álbum do
Maranhão 1950 no Mercado Central, no Galpão e nos mercados do João Praça João
Paulo e do Anil só funcionavam pela manhã, obrigando Lisboa,
confluência de
(DTUSL) , órgão específico para a questão dos transpor- muitas famílias darem este “passeio” matinal para esto- todas as linhas
tes. Nova sobrevida aos bondes entre 1959 e 1960 com a car o produto, pela falta de geladeira. Tudo muito atrasa- de bonde.
honestidade e planejamento do engenheiro Cláudio Ro- do, precário, artesanal, no período enfocado.
land como administrador do DTUSL , que pagou as dívi-
das anteriores, recuperou os bondes, conseguindo supe-
rávit e publicação regular dos balancetes pelos jornais.
A preferência pelos bondes, mais acessíveis à população,
representou queda nos lucros das empresas de ônibus
e incomodou setores do governo, pela popularidade do
chefe do DTUSL , afastado em 3 de março de 1962, sob a
justificativa de ideologia comunista. Para adquirir a sim-
patia e confiança do povo, seu sucessor Edel Azar pro-
moveu sorteio de brindes e divulgação dos balancetes até
meados de 1961, logo voltando a desmandos, boicotes e
perdas. Premeditada política beneficiou os empresários
dos ônibus: o aumento do preço das passagens dos bon-
des coincidindo com a queda de energia elétrica, entre 18
e 20 horas, horário de maior movimento, com prejuízo
para a população. Os governos estadual e municipal, em-
possados no início de 1966, trataram de disputar a lide-
rança política da Ilha, afinando seus discursos ao projeto
desenvolvimentista dos militares, incorporado o proces-

74 75
Limpeza pública A inoperância quanto à limpeza pública pode ser con-
firmada através do Relatório do Intendente Municipal de 27
A Lei 358, de 9 de junho de 1904 atribuiu ao Estado de abril de 1909, denunciador dos velhos problemas e preca-
a organização do serviço sanitário, regulado pelo Código riedades, incluído o reduzido número de quatro fiscais para
Sanitário da mesma data. O enfrentamento do problema os quatro distritos da cidade. Antes do reconhecimento dos
de saúde pública se deu sob o impacto da terrível peste poucos carros de lixo, da falta de pontualidade e muito des-
bubônica, ceifadora de grande número de maranhenses, cuido na remoção dos detritos, o governo atribuía a sujeira
entre julho de 1903 e julho de 1904, e da política de sanea- das ruas, praças e espaços vazios à falta de colaboração dos
mento das cidades brasileiras, frente aos perigos de insa- habitantes, descuidados em colocar os depósitos de dejetos
lubridade urbana. Pela incapacidade administrativa e téc- nas portas das casas. Justificava a limpeza das zonas nobres
nica, os sucessivos governos quase relegaram a legislação da cidade à educação de seus moradores. O cartão de visitas,
a letra morta. A lei determinava obrigações como: ilumi- o centro da cidade, com solares e sobrados ocupados pelas
nar a cidade com luz elétrica, calçar e arborizar todas as elites, foi historicamente priorizado, mais pela influência e po-
ruas e ajardinar praças; irrigar entre 23 horas e 5 da ma- der político que pela educação. Serviço restrito, sob a alegação
nhã, antes de varrer ruas e praças; colocar em circulação de falta de verba, sem considerar a taxa cobrada para amplia-
carros de lixo fechados; proibir terrenos vazios receberem ção dos fundos públicos com inclusão do serviço urbano de
lixo; determinar o horário entre 23 horas e 9 da manhã limpeza.
para recolhimento do lixo; incinerar resíduos, com exce- Em 1912 houve tentativa de transferir a limpeza públi-
ção de trapos para o fabrico de papel; poupar mananciais ca para a firma Domingos Barros & Cia, mas por inexequibili-
do lixo e água servida. Todas essas determinações, exe- dade, a responsabilidade continuou com o poder público mu-
Um dos poucos
cutadas precariamente, tornaram o governo desacredita- nicipal, que providenciou mais carros e burros, chegando ao carros de coleta
do perante a opinião pública. A falta de aparelhamento e total de 46, número considerado então insuficiente para a co- de lixo.
pessoal efetivo impediam a execução do previsto em lei. leta de toda a ci-
O número insuficiente para a execução do vasto rol de en- dade. Em 1915,
cargos do Serviço Sanitário, dez integrantes entre diretor, foram adquiridos
inspetores e funcionários de apoio, forçosamente colocou carroções e o in-
a operacionalidade e disciplinamento do lixo urbano em tendente, mais
posição secundária. atento, proibiu
A adoção de medidas de higiene em hospitais de iso- a circulação de
lamento, fiscalização de farmácias, policiamento na desinfec- aves, gado cava-
ção das habitações coletivas, notificação de moléstias como lar, vacum, muar
febre amarela, peste, cólera, moléstias coleriformes, varíola, e suíno nas po-
difteria, tifo, febre tifoide, lepra, tuberculose, impaludismo, voações, estradas
escarlatina, sarampo e beribéri foram alvo do maior interesse e caminhos da ci-
legiferante. Priorizado o efeito e relegada a causa... dade.

76 77
Em 1916, o Serviço Sanitário do Estado passou por tes em bairros nobres. O jornal Pacotilha, de 2 de outubro
uma reorganização, visando a profilaxia urbana e rural. A de 1926, publicou: “Na cidade toda, principalmente nos bairros
saúde da cidade passou ao largo, pois dos 251 artigos da mais afastados, onde a ação da polícia e dos fiscais da Prefeitu-
Lei n. 736, somente um tratou da questão da limpeza pú- ra é pouco sensível, as ruas apresentam aspecto profundamente
blica, repetindo praticamente as incumbências assinaladas desolador, contrastando flagrantemente, com os nossos foros de
no Código Sanitário de 1904. As normas de higiene eram centro civilizado. Não nos referimos aqui somente ao seu mau
impostas a estabelecimentos comerciais, fábricas, oficinas, estado material, aos defeitos do seu calçamento, sensivelmente
cocheiras e estábulos. A profilaxia das moléstias contagio- estragado; de altos a baixos de que se acham cheias mas, sobre-
sas previstas nos códigos anteriores e mais infecção puer- tudo, à clamorosa falta de higiene de que se ressentem quase to-
peral, oftalmia de recém-nascidos, moléstias filariásicas, das, devido à estagnação da água das sarjetas e ao acúmulo de
meningite cérebro-espinhal epidêmica, tracoma e paralisia lixo à margem dos passeios, exalando dia e noite, gases pútridos
infantil foram controladas com violência pela polícia, sen- que incomodam os transeuntes, com sua intolerável fedentina
do adotados critérios e normas de isolamento, desinfecção, e representam foco perigoso de micróbios de todas as múltiplas
vigilância médica e procedimentos profiláticos e sanitários infecções endêmicas de que se acham neste momento assaltada a
para cada moléstia. Obrigações do povo eram cobradas, nossa cidade.”38 Esta radiografia da cidade justifica as várias
embora mal fiscalizadas. As tarefas do governo, descuida- e constantes doenças endêmicas a vitimar a população.
Rua da Palma. das ou descumpridas. Jamais houve um espaço condizente com as normas
Avista-se o Um edital da Prefeitura, de julho de 1927, induz à exigidas para depositar o lixo da cidade. Tudo recolhido
antigo prédio da
Higiene Pública falta de qualquer medida mais efetiva para mudar o quadro era jogado atrás do Cemitério do Gavião, de cujo entulho
do Maranhão. de deficiências nos serviços de limpeza. São Luís continua- nasceu o bairro do Goiabal. Depois escolheram um espaço
va com os mesmos problemas de latas de lixo abertas, cofos atrás do Mercado Central, atraindo os urubus, imiscuidos
e caixotes à espera dos caminhões de coleta. Nem depósi- com carnes e peixes, dando muito trabalho a magarefes e
tos higiêni- peixeiros. Somente em fins da década de 1950 o lixão saiu
cos e fecha- da vizinhança do Mercado, se perpetuando as falhas desde
dos nem a coleta até o destino final dos resíduos urbanos.
precisão na
coleta do
lixo urbano.
Não obstan-
te a preca-
riedade, o
serviço teve
formas di-
ferenciadas, 38
PALHANO, Raimundo. A Produção da Coisa Pública: Serviços e Cidadania na Primeira
mais atuan- República Ludovicense. São Luís: IPES, 1988, p. 248.

78 79
Epidemias bordo dos navios e quarentena dos negros na ilha do Medo,
não bastaram para frear as mortandades coletivas. A chegada
Desde os tempos coloniais, São Luís apresentava ter- de doentes, as precárias condições sanitárias e a pouca edu-
reno fértil para a proliferação de pestes. Na época invernosa cação da população mantiveram as epidemias no decorrer
os rios e igarapés enchiam, invadindo considerável extensão do século seguinte. Em 1813 a bexiga alastrou-se pela cidade
de terrenos próximos e, na estiagem, deixavam pântanos que, “causada, como sempre acontecia, da entrada da escravatura, que
com o calor do sol, desprendiam emanações miasmáticas. A aqui se vinha vender.” A varíola fez muitas vítimas nos anos de
putrefação de animais e vegetais mortos com as enchentes e 1837 a 1838, de 1854, de 1867 a 1868, de 1870 a 1871 e a grande
outros excrementos jogados pela própria população aumen- epidemia entre 1882/1883, “sendo as três primeiras mortíferas, es-
tavam o odor. A cidade, salpicada de partes alagadas ou la- pecialmente a de 1854, e as outras mais benignas.” Era impossível
macentas, inclusive a litorânea, prejudicava a população, no eliminar as epidemias com um único médico nos quadros da
decorrer dos séculos, vítima de hepatites crônicas, disenteria, municipalidade para assistir aos desvalidos, como denunciou
pneumonia, reumatismo, febre tifoide, tísica pulmonar, febres a Sociedade Philomática, em 1847. A febre amarela de 1851
intermitentes, paludosas, porém, o maior impacto aconteceu acometeu nove décimos da população da capital, 27.000 almas
em ocasiões epidêmicas. As epidemias cumpriram seus pa- com óbito de 255 pessoas, sendo atribuída à irregularidade da
péis mortíferos com mais incidência entre os pobres. Varíola estação invernosa, excessivo calor, pouca ventilação, à exis-
e sarampão dizimaram avultada parte da população. Em 9 de tência de um curral no centro da cidade, esterquilínios em di-
junho de 1696 a Câmara Municipal oficiou ao governo de Lis- versos pontos, águas estagnadas e mistura de água doce com
boa a grande mortandade no ano anterior causada por “enfer- salgada. Em 1856, a disenteria fez grande número de vítimas
midades pestilentas, nos escravos de todas as qualidades e nos fôrros e, em 1859, foi a vez da febre catarral, muito intensa. A beri-
aldeados, além de muita gente branca que eles se julgavam quase to- béri figurou como a grande endemia de 1868. Anualmente, a
dos destruídos à vista da perda de duas mil pessoas”. A chegada em população era agredida pelo sarampão. 39
São Luís de grande número de negros contaminados de bexi- Em 1883, o Barão de Grajaú, Inspetor de Higiene,
ga e varíola agravou imensamente a mortandade dos colonos ainda falava da Província gemendo sob o peso da varíola.
por todo o século XVIII. Doravante, os navios ficavam fora da Como providências, o Barão mandou abrir uma enferma-
barra e os pretos na ilha do Medo, “porque se lembrava do con- ria para varicosos no extremo sul da Rua de São Pantaleão,
siderável estrago que este mal havia causado em 1766.” Em 1785, com imediata transferência dos doentes para a enfermaria
construíram um edifício no Bonfim para abrigar os infectados da Madre Deus, assim como, vacinação, desinfecção e vi-
nas muitas ocasiões em que as epidemias grassavam a cidade. gilância do porto. Nenhuma dessas medidas chegou a ser
As providências tomadas mostraram-se insuficientes para de- rigorosamente cumprida pela população.
belar as epidemias. O documento de 2 de dezembro de 1799 Os familiares escondiam seus doentes, pelo afeto, pelo
participava a Lisboa “que nesta colônia de dois anos para êsse dia, fato da maioria morrer na instituição sem tratamento caseiro
tinha morrido mais de quatro mil pessoas.”
Medidas preventivas de contaminação da população
As informações e citações acima estão contidas no verbete ‘moléstias’. In: MARQUES, César
por epidemias vindas de fora, tais como, visitas sanitárias a
39

Augusto. op. cit., p. 483 a 486.

80 81
aconselhado por curandeiros, pela morte desassistida e enterro Foi mais efetiva a preocupação da municipalidade com
desacompanhado e pelo preconceito da sociedade. Muitas de- a aparência da cidade, melhorando a fachada dos prédios pú-
núncias com nome dos pestilentos, local de moradia ou escon- blicos, calçando ruas e edificando jardins. Como já foi dito,
derijo, deixavam frágeis os laços de solidariedade, especialmen- esqueceu o sistema de esgoto, cujas águas servidas dos quin-
te entre os mais pobres. Raras as denúncias sem fundamento. tais escorriam pelas ruas exalando mau cheiro; a coleta do lixo
Numa casa de palha no Cutim do Padre, seis pessoas foram fla- recolhido por insuficiente número de carroças, cuja trepida-
gradas com varíola. ção fazia transbordar o lixo por onde passavam, reforçando a
A população menos instruída acreditava mais em seus sujeira das ruas raramente varridas; os lixões salpicados nos
próprios métodos de defesa e cura, razão da resistência à vaci- quatro cantos da urbe; animais mortos, matéria fecal, espaço
nação. A direção das fábricas exigia de seus operários o atesta- urbano ideal para a proliferação de ratos. Os ventos gerais de
do de vacina, como condição ao vínculo empregatício. julho e agosto diminuíam a poluição do ar originada do lixo
Quanto à desinfecção, inúmeros procedimentos da porta das casas e dos terrenos baldios.
foram aplicados: o uso do breu queimado como defuma- Os médicos atribuíram grande parcela de responsa-
dor, lavagem de paredes e soalhos com creolina nas casas bilidade aos compartimentos térreos de sobrados alugados
não afetadas, roupas passadas pela estufa a vapor, com- e transformados em habitações coletivas, baixos de sobrados
pra pelo município dos ratos mortos e queimados e uso e aos quartinhos, chamados cortiços, pela falta de higiene e
de ratoeiras e venenos, cuja receita levava sebo derretido, proliferação de doenças, colocando a saúde individual e co-
farinha, arsênico em pó, pó de sapato e essência de anis. letiva em risco. O lixo depositado mais ou menos próximo
A Delegacia Fiscal não repassou os recursos necessários às habitações, exposto à fermentação, representava banque-
para a compra dos ingredientes, razão da inaplicabilidade te aos ratos, retornados às casas pela passagem das águas
da fórmula. Em caso extremo, ventilou-se a queima das fluviais, entrando pelas frestas dos soalhos e se alojando em
moradias dos pestilentos. buracos feitos no reboco envelhecido. Os cortiços, desprovi-
O movimento de gente e barcos em tantos caminhos dos das mínimas condições de higiene, representavam outra
d’água, num litoral de conformação física acidentada, tornou origem de doenças.
quase impraticável a vigilância do porto. Barqueiros e passa- A modernidade impunha a elaboração de leis munici-
geiros burlavam a vigilância. pais, porém pouco exequíveis, especialmente pelas camadas
Em 1893, o governo municipal instituiu a Repartição mais pobres. A defesa da vida por força da lei, sem uma efi-
de Higiene Pública, com quadro efetivo de um inspetor, um caz fiscalização, não convencia grande parte dos habitantes.
ajudante e um secretário. Por falta de diretrizes, imediata- Manter limpa a testada da casa até o meio da rua, não deixar
mente a repartição foi extinta e criado o cargo de médico da animais ou quaisquer objetos malcheirosos a causar incômo-
municipalidade, por motivos óbvios, incapaz de resolver os do aos transeuntes nem despejar água servida na rua, cumprir
problemas de saúde pública da capital. Em 1896, avultado nú- o horário das 22 horas às 3 da manhã para jogar fezes e ou-
mero de óbitos na capital teve como causa mortis a tuberculose, tras “imundícies” no mar e a obrigatoriedade aos carroceiros
consequência da desnutrição e contaminação pelo desconhe- portarem vassoura para colher o lixo transbordado no chão,
cimento de como evitar a sua transmissão. nenhuma dessas exigências legais eram cumpridas. As auto-

82 83
ridades foram pouco eficazes, embora médicos higienistas, a pelo Serviço de Saúde, proibida a condução por boleeiros
Sociedade Philomática e inspetores de higiene tenham alerta- ou carroceiros, porém a Inspetoria de Higiene não tinha o
do os governantes dos perigos expostos à população. número de carros suficiente para a demanda, originando-
Em decorrência da peste bubônica ocorrida entre -se grande pavor da população. Mesmo os parentes mais
1903 e 1904, Fran Pacheco, escreveu: “Morrem por aí, há se- próximos queriam se livrar o quanto antes do perigo de
manas, aos bandos, como tordos”. Foi sugerida a queima das contágio. Veementes protestos contra a demora dos velhos
casas de doentes e parece que, em 1904, isto aconteceu, carros puxados por seis burros cansados eram publicados
conforme assinalou Astolfo Marques em seu estudo sobre diariamente nos jornais, com anúncios de óbitos, com en-
a peste, no trabalho “A vida Maranhense”, na fala da per- dereço completo, hora da morte, tempo de espera e, inclu-
sonagem Euzébia: “a Joana Pau-Bonito teve de mudar-se às sive, o movimento de pessoas a entrar e sair da residência
pressas para tocarem fogo na palhoça em que ela morava”.40 O do de cujus. Outra revolta, a desqualificação dos mortos,
bairro do Codozinho, de casebres de palha sem conforto “defuntos sem choro”, sem dobre do sino da Igreja de São
e higiene, alicerçados no entorno de três fábricas, sofreu a Pantaleão, proibido para não alardear a massa do número
ameaça de extermínio por incêndio. Naquele mesmo ano, de óbitos a cada dia. Entre as 18 horas e as 6 da manhã, o
houve demolição de casas por ordem do Serviço Extraor- carro do Mãe da Lua passava a caminho do cemitério do
dinário de Higiene. A peste bubônica retornou à cidade em Gavião levando os corpos a serem inumados. As famílias
1908 e 1921. Sem estrutura para isolar grande quantidade choravam pela imediata separação do pestilento, imposta
de contagiados, o Código de Postura permitiu o tratamen- por lei e, ao mesmo tempo, reclamavam a demora na re-
to de doentes em casas particulares, assistidos por médi- moção do corpo. Época de conflitos interiores: medo de
co, sendo proibida a orientação de curandeiros. A reação contaminação e vontade de burlar a fiscalização sanitária,
popular de horror ao isolamento de familiares, inclusive por crer na cura através de rezas, novenas e curandeirices.
por ser enterrado em lugar determinado pelo município Houve casos de doentes desconhecidos das auto-
e sem o acompanhamento dos parentes, aliado à pressão ridades, pranteados dentro dos costumes religiosos, com
dos mais aquinhoados, os quais preferiam o conforto de féretro acompanhado e enterrado no cemitério do Moca-
suas casas, também contribuíram para a concessão gover- jituba, sem atestado de óbito, escapando de um enterro
namental. Sem dúvida, os de maior posse tiveram trata- solitário, no Gavião. A falta de conhecimento, a crença em
mento mais adequado com assistência médica efetiva. Aos rezas, benzeduras e a religiosidade do povo, de membros
pobres, na maioria dos casos, foi-lhes reservada a sepultu- de confrarias até o mais humilde devoto não ajudaram na
ra, conforme dados estatísticos. extinção mais rápida de epidemias resistentes, em inacei-
A dificuldade do transporte de infectados e faleci- tável duração. Quase no fim da terceira década, em 1926,
dos imperou nos períodos de epidemia. Uma determinação a população foi maltratada pela última grande epidemia
municipal ordenava o imediato recolhimento do falecido de varíola.
A tuberculose e a hanseníase foram dois problemas
crucias de São Luís. A doença pulmonar, detectada tardia-
Informações e citações de Fran Pacheco e Astolfo Marques apud CORREIA, Maria da Glória
40
mente pela falta de raio x, se alastrava pelo descuido e pouca
Guimarães. op. cit., p. 75, 80, 82 e 85.

84 85
higiene entre contaminados e sadios, resultando em alto e do horror motivado pela desfiguração do corpo. O qua-
percentual de óbitos. Com a ajuda de Felicidade Vascon- dro levou a Irmandade da Misericórdia a providenciar,
celos, esposa de um sócio do Martins & Irmãos, na década em 1870, um abrigo para guardar os morféticos, a Casa
de 1930, o doutor Odilon Soares fundou a Liga Maranhen- da Misericórdia, construída na parte posterior do Cemité-
se de Tuberculose, de grande valia aos pacientes, com in- rio do Gavião, como medida impeditiva da circulação dos
ternação e acompanhamento aos menos favorecidos. doentes pelas ruas. Em 1870, o jornal Folha da Pacotilha re-
Desde a época colonial os hansenianos pobres pe- feriu-se ao abrigo do Gavião como o purgatório dos láza-
Mapa da peste rambulavam pelas ruas, apavorando os sãos pelo perigo ros, denunciou as autoridades pelo envio de carne podre,
bubônica em São
Luís, em 1904. Os de contágio. Os de maiores posses eram isolados dos fa- os doentes vivendo à mercê da caridade pública e criando
pontos vermelhos miliares em suas próprias residências, usando unguentos porcos clandestinamente com risco de propagação da mo-
indicam a
ocorrência de
paliativos indicados por médicos, em tratamento sigiloso, léstia. Em 1933, o interventor Martins de Almeida criticou
casos. pelo grande preconceito perpassado através dos tempos o depósito de pessoas que apodreciam paulatinamente e
pleiteou providências junto ao governo federal. No mes-
mo ano, São Luís tinha localizado 584 portadores do mal
de Hansen. Getúlio Vargas adotou a política de exclusão,
ao criar o Plano Nacional de Profilaxia à Lepra e colônias
agrícolas, apartando os doentes dos sãos, medida prote-
tora da mão de obra sadia, em prol do progresso econô-
mico. Em 1937 foi inaugurada a Colônia do Bonfim, na
ponta geograficamente isolada da cidade que, no século
XVIII, foi albergue para prisioneiros atacados de varío-
la e, no início do século XIX, serviu para quarentena de
escravos vindos da Costa da África. Dentre os inúmeros
prédios construídos pelo Estado, na época da intervento-
ria de Paulo Ramos, a Colônia do Bonfim foi um modelo
de reclusão dos hansenianos. As Filhas da Caridade de
São Vicente de Paula, chegados em maio de 1938, admi-
nistraram a Colônia, depois denominada Hospital-Colô-
nia Aquiles de Faria Lisboa, como reconhecimento da de-
dicação do médico à preconceituosa doença.
Por toda a primeira metade do século XX, a his-
tória da população pobre de São Luís foi pontilhada de
incertezas pela falta de assistência médica e temores ante
a morte.

86 87
A Praia Grande

A Praia Grande, núcleo comercial de São Luís de


permanente agitação, mantinha-se efervescente durante a
semana, prolongando a movimentação pelas vinte e qua-
tro horas do dia de modo ininterrupto, se permanecessem
navios ancorados no porto. Com a evolução dos transpor-
tes marítimos para os movidos a vapor, o animado atracar
de grandes barcaças de ferro, as alvarengas, sob a força de
possantes rebocadores, buscavam nos navios cargueiros
os produtos industrializados vindos do sul do país e ou-
tras praças, assim como levavam de volta, aos mesmos na-
vios, gêneros produzidos no Estado, em especial, algodão,
babaçu, arroz, além de expressiva quantidade de fardos
de tecidos.
Nos primórdios, os sobrados da Praia Grande eram
ocupados integralmente, do piso térreo ao mirante, ser-
vindo de casa de comércio nos baixos e residência do seu
proprietário nos andares superiores. Ocupados por gran-
des e pequenas firmas de exportação e importação, ferra-
gens, secos e molhados, de estiva e miudezas, de tecidos,
enfim, com variados tipos de produtos, os matizes eram
a grande tônica empresarial. A diversificação de ativida-
des levava as empresas a se subdividirem em setores bem
definidos e, não raro, pertencentes aos mesmos proprietá-
rios. Em geral, tomavam outra razão social, para explicitar
a comercialização de determinado produto.
Entretanto, nada impedia uma empresa exportado-
ra de babaçu vender tecidos, farinha de trigo, cimento e
qualquer outro artigo ou uma casa de ferragens comercia-
lizar carros, peças de veículos, material de escritório, entre Ao lado, Rua
da Palma,
outros. Senhoras e moças da alta sociedade costumavam uma das mais
comprar tecidos finos – seda pura, tafetá, linho York Street movimentadas
da Praia Grande,
– no Lima Faria & Cia e, ao lado, em outra seção, no mesmo no início da
espaço, outro vendedor atendia fregueses interessados em década de 1950.

88 89
querosene, óleo combustível, ou outras Sobrinho, Pinheiro Gomes, Romão dos Santos, entre ou-
mercadorias. Todas as oportunidades tros, todos trabalhando com muito afinco.
de comerciar eram aproveitadas. Com- De modo geral, o expediente comercial, sem restri-
pravam e vendiam tudo! ção de dia e limite de horário, incluía o domingo. No repi-
Nos sobrados da Rua do Trapi- car dos sinos, ao término da Missa, depois das seis e meia,
che ou Portugal instalaram-se sólidas já estavam a postos os vinculados aos estabelecimentos
casas comerciais: Lages & Cia, Silva comerciais, iniciando os preparativos para a abertura das
Maia & Cia, Silva Linhares & Cia, Cha- portas do comércio às sete horas. Um verdadeiro burburi-
gas e Penha & Cia, Gaspar Marques & nho, num entrar e sair de patrões, caixeiros, carregadores,
Cia, Rui Abreu & Cia (com o segun- carroceiros, fregueses, homens desempregados à busca
do andar ocupado pelo alemão Fritz de uma eventual ocupação, mulheres e crianças de toda
Schuliebe) e, na esquina com o Beco a ordem, empregadas domésticas em compras na Feira,
Catarina Mina, a casa comercial de Fi- à procura de algo ou mesmo trazendo os mexericos mais
gueiredo & Cia. No sobrado n. 199 da recentes.
Rua do Trapiche funcionava Martins O afluxo domingueiro de poucos fregueses nas lojas
& Irmãos, uma das firmas mais ricas ou armazéns não representava tempo livre aos caixeiros e
da época. Seus sócios mandaram ins- ajudantes, encarregados de colocar em ordem seu local de
talar um elevador, único da cidade, trabalho, quer arrumando melhor as prateleiras onde ex-
uma gaiola de ferro, gradeada, com punham mercadorias, abrindo caixotes, organizando es-
porta pantográfica e capacidade para toques ou fazendo outros serviços que, nas correrias dos
quatro pessoas, fora o ascensorista. dias de intenso e desordenado trabalho, era impossível se-
Tal apetrecho servia à curiosidade dos rem feitos com a perfeição exigida. Nos estabelecimentos
passantes. dedicados à comercialização do couro ou similares, por
Chames Aboud se instalou na exemplo, os empregados ficavam automaticamente obri-
Rua da Estrela, em frente à Rua Por- gados a providenciar a secagem dessas mercadorias, à luz
tugal. Na primeira metade do século, solar, estendendo as peças nas calçadas dos respectivos
outras ruas da Praia Grande comple- prédios. Em outras empresas, a ociosidade dos emprega-
taram o coração econômico de São dos era preenchida com serviços básicos, de acordo com o
Luís com a atividade de empresários ramo de negócio de cada uma delas.
como: Antonio Cruz, Batista Nunes, A Feira do Comércio ou Feira da Praia Grande,
Bento Mendes, José Boueres, Castro como é hoje conhecida, destinava-se ao armazenamento Armazém de
Ferragens e
e Gomes, Cunha Santos, Duailibe, Fi- de mercadorias chegadas em embarcações fundeadas nas Miudezas de
gueiredo, J. Braga, Jorge Santos, José enseadas dos rios Anil e Bacanga. Abrigava algumas de- Andrade & Cia,
Martins, M. Ferreira, M. Santos, Ma- zenas de lojas, todas sempre ocupadas por comerciantes Travessa do
Comércio.
noel Moraes Rego, Meireles, Moreira das mais variadas atividades. Outrora, na parte interna e Álbum do Maranhão 1923

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central existia um imponente chafariz inglês, pertencen- Melo com carregamentos oriundos ou destinados ao in-
te à antiga Companhia das Águas do Rio Anil, rodeado terior do Estado propiciou, nas circunvizinhanças desses
de belo jardim, ambiente de repouso e lazer e quatro so- logradouros, o estabelecimento de casas especializadas
berbos portões, saídas para as quatro ruas. Por desordem em material necessário para a manutenção dos barcos de
da administração pública, o chafariz sumiu, como por casco de madeira e velas de pano. Entretanto, de todas
encanto. Um dos quatro portões encontra-se danificado, elas a mais importante e bem sortida era de José Diniz,
mal utilizado e lojas improvisadas, desfiguram o ambien- um mulato gordo, de bom trato e poucas falas. O invejável
te original. Nas áreas ajardinadas foi construído um ava- estoque do seu negócio, direcionado às necessidades dos
randado em forma circular, espécie de banca de mercado, mestres de barcos, constava de enorme sortimento, com-
onde hoje vendem-se camarão e peixe seco, feijão, farinha posto de cordas, manilhas, carretilhas, correntes, âncoras,
d’água, frutas, tiquira, cachaça, ervas medicinais, vinho piche para calafetagem, óleo, querosene, álcool, fósforo,
de juçara, ao desejo e gosto dos inúmeros visitantes e tu- caldeirões de ferro, foices, terçados, pólvora e outras coi-
ristas, de assídua frequência. É o local de relativa anima- sas necessárias aos homens do mar. Como se dizia à boca
ção desse pequeno centro comercial. pequena, “na casa de seu José Diniz tem tudo.”
Antes do golpe de morte de sua economia, na época A despeito dessas agitações, aos domingos e de ma-
da efervescência comercial, a Praia Grande foi palco do neira geral, o comércio era de calmaria, exceto pela movi-
maior murmurinho da cidade. Vozes se cruzavam em as- mentação portuária ou recebimento de tropas de burros
suntos os mais diversos, em algazarra semelhante ao baru- vindas do interior do Estado com animais carregados de
lho do enxame de abelhas. Carroceiros e carregadores em produtos do meio rural.
fila, à espera de frete ou transporte de volumes, empresta- As empresas de navegação estabelecidas na Praia
vam o tom do movimento com brincadeiras, provocações Grande comportavam almoxarifes, fiéis de almoxarifes,
leves e sérias, comentários inocentes ou maldosos, ape- mecânicos, construtores navais, embarcadiços de lanchas,
lidos aos transeuntes, crítica a patrões menos pródigos, dentre outros ligados à navegação.41 Circulavam diuturna-
elogios aos mais generosos, enfim, construía-se naquele mente, pois o expediente de firmas dessa natureza exigia
ponto uma tessitura social bem característica da época. No horários diferençados, os mais desencontrados, depen-
Beco dos Catraieiros, entre Catarina Mina e Rampa Cam- dendo da tábua das marés. O abastecimento das lanchas
pos Melo a barulheira não era menor: embarcadiços e pas- para as viagens incluía combustíveis provisões e materiais
sageiros do interior com produtos agrícolas e o pescado adequados à navegação.
vindos da costa norte aumentavam a agitação. O movi- No porto do Desterro, consertavam ou construíam
mento congestionado dos barcos, grandes e pequenos, de embarcações. A descrição de um antigo fiel de almoxari-
velas coloridas, ali fundeados, lado a lado, uns serviam fe da Empresa de Navegação, de Aracati Campos, dá um
de ponte a outros, até os Armazéns Gerais do Tesouro do exemplo dessa atividade: “... o grande construtor naval João
Estado, onde as ondas agitadas ou mesmo enfraquecidas
chegavam às calçadas desses prédios. A movimentação de
embarcações menores que aportavam na Rampa Campos 41
As empresas de Navegação Frassineth e a de Aracati Campos eram as mais con-
ceituadas.

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Cabral, rude, analfabeto, mas capaz de traçar a planta dos barcos, Ainda em re-
num papel de embrulho, os desenhos todos tortos no papel, e passá- lação a bares e bote-
-los para a madeira, milimetricamente corretos, com uma facilidade quins, acompanhan-
e competência admiráveis! Media, serrava, aplainava, encaixava e do a fase final de
tudo terminava bem, a embarcação perfeita para singrar as águas de decadência da Praia
mares e rios!”42 Grande como centro
Logo de manhã cedo, tornou-se comum proprietários comercial e financeiro
se reunirem no Café Mamod Chaim para falar das transações do Maranhão, pelos
de ordem econômico-financeiras, da vida de pessoas, mesmo idos de 1960, na Rua
companheiros de jornada, dos amancebamentos, comentários da Estrela, pegado à
sobre mulheres bonitas, em especial as teúdas e manteúdas de Feira do Comércio, es-
homens ricos e respeitáveis da cidade, até a mais inocente das tabeleceu-se a eficien-
amenidades. te garçonete do extin-
Com o declínio do primeiro café pelo desencoraja- to Petit Café, no ponto
mento do velho libanês Mamod Chaim, alguns outros cafés conhecido por Café da Hilda, angariando enorme clientela ao Local de encontro
de comerciantes
surgiram e, seguindo os mesmos passos do pioneiro, foram explorar o ramo de seu profundo conhecimento.
e fechamento de
adquirindo semelhante fama. Desde o final da década de A cordialidade entre os proprietários das firmas era negócios.
Álbum do Maranhão 1923
1940, estendendo-se até a de 1960, o proprietário Zezico San- como um verniz encobrindo as fissuras de uma superfície. A
tos, atendia com gentileza os clientes do seu Petit Café, mais maior capacidade de ganhar dependia da sagacidade do mais
atento nos horários de maior frequência, o das dez da manhã ágil e o infortúnio do seu concorrente. O lucro incentivava só-
e o das três da tarde. Em redor das mesas, reuniam-se regu- cios de duas ou três firmas a se cotizarem para comprar um
larmente os principais comerciantes e industriais a perscrutar grande lote de mercadoria para posterior venda. A maioria
sobre os negócios dos concorrentes, em especial as transações portuguesa agia como um bloco monolítico, uns emprestando
efetuadas com grandes empresas do país e do exterior. dinheiro a outros, sem a necessidade de nota promissória ou
Sem desprezar a importância de tantos outros de me- qualquer documento comprobatório da dívida. Pouquíssimos
nor porte, vale a pena lembrar o Bar do Alemão, localizado comerciantes, notadamente portugueses, superiores numeri-
nos baixos da firma Jorge & Santos, Rua do Trapiche e preferi- camente na praça, recorriam a bancos. Entre sócios de uma
do pelos funcionários da Secretaria da Fazenda do Estado e de mesma firma também existiam tensões. Uns, mais ativos, tra-
outras repartições próximas. Bem perto da Rampa do Palácio, balhavam duro, outros, desinteressados, auferiam os mesmos
o Bar do Piloto, com movimentação bem ao tipo de sua clien- lucros, gerando algum frisson.
tela, reunia marinheiros sem patente, a partir das 5 horas da Certa hierarquia impunha uma organização interna
tarde, hora da chegada das “meninas da 28”, em trânsito livre peculiar a cada casa de comércio, conforme sua natureza e o
rumo ao porto e aos navios. perfil dos patrões. Os muito ricos nem sempre se dirigiam aos
seus empregados mais subalternos, ficando a cargo do chefe
do escritório as ordens, admoestações, contratações, dispen-
Carlos de Lima recordando o tempo em que trabalhou na Empresa de Navegação de São Luís.
42

94 95
sa ou outras iniciativas que se fizessem necessárias. Alguns ças, levavam correspondências ao correio, dentre outros
empregadores passavam altivos, negando um bom dia aos afazeres. Um jovem de 15 anos descreveu seu primeiro
servidores de posição inferior. Outros, mais simpáticos, se labor, como cobrador: “Todos os dias, à tarde, eu saía do so-
permitiam parar e entabular ligeiras conversas com seus bradinho de esquina, no Largo do Palácio com o Beco do Silva,
subordinados. Até a chegada e saída desses magnatas era para percorrer toda a cidade, com um maço de cartões na mão,
diferenciada. Os mais ricos andavam em seus próprios car- batendo de porta em porta para receber uns miseráveis mil-reis,
ros com chauffeur, os medianos iam e vinham nos carros de dados de má vontade pelas dondocas da época, que muitas vezes
praça, no imponente Chrysler, do Dadeco, Oldsmobile, do me obrigavam a sucessivas visitas”. Quando o comercian-
José Serejo ou o Pontiac, do Saladino, e os mais simples, de te se deparava com cliente mau pagador, chamava “Seu
bonde ou a pé. Para evitar grande indenização, com dez Lombas” e o devedor não tinha outra alternativa porque
anos de casa, o patrão elevava o antigo empregado à con- o cobrador “grudava e só deixava em paz o suplicado depois de
dição de sócio. Iludido com a “promoção”, sócio perante receber até o último tostão.” 43
a lei, porém minoritário, ficava em situação inferior, além Depois da adoção das leis trabalhistas no país, ope-
de perder seus direitos trabalhistas. Em certos casos, raros, raram-se transformações profundas nas relações entre o
pequenos sócios continuavam submissos. Houve fato do patronato e as classes laborais, com reflexos no comporta-
“sócio” pedir permissão aos superiores para comprar um mento da sociedade em geral. A Praia Grande, como maior
carro. Alguns, por respeito, deixavam o veículo estaciona- centro comercial do Estado, foi atingida em sua estrutura
do em lugar distante da firma para não afrontar os mais temporal, sem falar em outros aspectos de cunho econômi-
graduados. co. Nos domingos e feriados, ressalvando-se um pequeno
A relação entre caixeiros também era complexa, fru- número de comerciantes resistentes em manter os procedi-
to da preocupação de mostrar serviço junto ao patrão. Um mentos anteriores, o silêncio preponderava nas ruas e so-
Barcos bom freguês era assediado pelos vendedores e os mais rá- bradões, quebrado na Feira do Comércio pelo movimento
ancoravam
no fundo dos
pidos, mais habilidosos, mais inteirados das propriedades de homens e mulheres, especialmente, empregadas e donas
armazéns. das mercadorias conseguiam encher seus talões de venda. de casa nas compras domésticas do camarão mais saboroso
Os meni- e peixe seco de excepcional qualidade, sem falar das fari-
nos de recado, como nhas, dos temperos exóticos, da galinha de terreiro e das
eram chamados os carnes de variados animais, incomuns em qualquer merca-
office-boys de hoje, do da cidade.
começavam a tra- Por força da nova legislação, o expediente dos sába-
balhar no comér- dos ia até o meio dia. Deste modo, o comércio impedido de
cio em tenra idade. funcionar aos domingos e às tardes de sábado, ficou esta-
Aos 12 anos limpa- belecido um novo horário de trabalho, de quarenta e oito
vam os estabeleci- horas semanais, período chamado de “semana inglesa”.
mentos, se ocupa-
vam com cobran-
43
BOGÉA, Lopes, op. cit., p. 290.

96 97
Ascensão da Rua Grande

Na primeira metade do século, acertos e desacertos


da administração pública e da iniciativa privada resultaram
em certa movimentação da sociedade, com decaimento de
algumas áreas e florescimento de outras. A Praia Grande,
coração da economia e bairro residencial de famílias po-
derosas, abdicou de seu status de área nobre com o soprar
de novos ventos da modernidade, em direção à parte mais
alta da cidade: o Largo do Carmo, a Rua Grande e demais
artérias em seu entorno.
Aquilatando o valor do casario, descendentes dos Cas-
tro, Dadu, Felix, Lauleta, Leão, Lisboa, Matos, Perfeti, Moha-
na e outros poucos persistiram em morar nos sobradões colo-
niais. Conservaram as lojas na parte térrea e as famílias conti-
nuaram habitando os amplos cômodos do primeiro andar. No
caso de um segundo andar, os cômodos eram reservados para
hospedar aparentados ou amigos, geralmente vindos de fora.
Um dos exemplos é a Casa Mohana, empório da culinária ára-
be, estabelecida na Praia Grande nos idos de 1946, transferida
para a Rua Formosa, em 1950, permanece no velho sobradão
até os dias atuais.
Muitas outras famílias de projeção preferiram residir
na Rua Grande e adjacências. Essas pessoas de influência esta-
beleceram casas comerciais, transformando a via numa suces-
são de residências, intercaladas com finas lojas, para atender a
freguesia daqueles tempos de elegância.
Alguns quarteirões de árabes, os Azar, Aboud, Dadu,
Heluy, Lauande, Moucherek, Naufel, Sekeffe, todos com lojas
de armarinho, casa de couro, de perfumes e tecidos, além de
profissionais liberais, como, por exemplo, a casa do famoso Ao lado,
Rua Grande,
médico Tarquínio Lopes, a do engenheiro Colbert, com atua- centro comercial
ção destacada na cidade e a do desembargador Leopoldo de São Luís com
lojas, escrtórios e
Lisboa, figura proeminente do judiciário local, essas e ou- residências.
tras figuras povoaram aquele perímetro urbano.

98 99
zar Chic e a Casa Waquim, na Afonso Pena. O Bazarzinho, na Rua
do Passeio, próximo a Santiago, essencial à freguesia do bairro de
São Pantaleão e adjacências. Esses bazares com seus estoques va-
riados supriam as costureiras dos acessórios exigidos pela moda,
forneciam utensílios caseiros, brinquedos e outras quinquilharias.
O Salão de Madame Guedes e a loja de Mme. Dauphine,
de chapéus femininos sob encomenda, últimos lançamentos pari-
sienses, vendendo solidéus para as moças e chapéus, peça funda-
mental na toilette das senhoras tiveram seus dias de glória, assim
como a perfumaria do árabe Alexandre Hilal, a Casa Paris, todas
localizadas na rua mais chic de São Luís.
As poucas joalherias eram suficientes para atender à clien-
tela. Garimpo, Real Jóias, A Diamantina, todas na Rua Grande,
Aos poucos, ruas paralelas e transversais foram
vendendo também artigos finos para presente. Enfrentaram a
Rua de Nazaré, ocupadas por famílias ricas e remediadas. Algumas firmas
vendo-se o Bazar concorrência de ambulantes com seus mostruários a persuadir
funcionavam na parte térrea e seus proprietários tinham
do Japão famoso clientes mais comodistas, que preferiam escolher suas jóias nas
pela variedade suas confortáveis residências nos altos dos prédios. No tér-
próprias residências, sem o burburinho exterior, com calma ao
de produtos a reo de um sobrado na Rua Grande, ponto elegante frequen-
venda. escolher, discrição ao comprar e segurança ao discutir preço e pa-
tado pela elite ludovicense, imperou a grã-fina Sorveteria
gamento em módicas prestações mensais. O judeu Gutmam e o
Lauande. “Ali trabalhava o simpático corcundinha Lúcio, mago
maranhense Waldemar eram dois vendedores à domicílio. Uma Parte do
das delícias cremosas que faziam a alegria das moças e da criança-
antiga oficina transformou-se em Pingo de Ouro, com posterior movimento da
da. Quando aquela casa cerrou suas portas, o famoso profissional foi Praia Grande
administração dos irmãos João e Raimundo Nunes Muniz. De- deslocou-se para
contratado pela sorveteria do Hotel Central, na Praça Benedito Leite
pois João inaugurou a Chave de Ouro. Todas essas joalheirias ti- a Rua Grande.
(‘Pracinha’). Só de pensar nos sorvetes de chocolate e de ameixa que
veram seus dias de glória.
fabricava dá água na boca.”44
Bazares proliferaram em pontos dispersos do centro da
cidade. O Bazar do Japão, um dos mais antigos, com endereço na
Rua de Nazaré, esquina com Rua da Palma, fechou suas portas
no período da II Guerra Mundial. O Bazar Maranhense, na Rua
Afonso Pena. O Valentim Maia, na Rua Grande, canto com Beco
do Teatro. O Tabuleiro da Baiana, na Rua Grande, esquina com
Rua da Cruz. O Quatro e Quatrocentos, depois, Lobrás, na Rua
Grande, entre o Sadik Nahuz e o Armazém Gonçalves Dias. O Ba-

MARTINS, J. R. op. cit., p. 30.


44

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Por toda a metade do século, senhoras, moças e crianças Modelo, a Esperança, de Manoel Ramos de Oliveira e a Maciei-
desfilavam, livremente, com seus cordões de ouro, brincos, pul- ra. Na Rua dos Afogados, às 15 horas já se formava uma fila à
seiras e anéis valiosos pelas ruas sem medo de assaltos. espera das famosas bolachinhas, vendidas pela Santa Maria. A
As casas de tecidos de luxo ou populares eram imprescin- Bijou, na Rua de Santana; a Mouchereck, em frente da Fonte do
díveis naquele tempo de roupas feitas sob medida. Dentre elas, Ribeirão e a de Nossa Senhora de Fátima, única de brasileiro,
a Rianil, a Casa dos Tecidos, a Sadik Nahuz, a Loja Otomana, instalada no Monte Castelo. As mercearias dos árabes Abdon
Armazém Abreu, Armazém Gonçalves Dias e, a mais popular, Shabane, Globo Azul, na Rua de São João, esquina com Afoga-
as Lojas Pernambucana. A única fora da Rua Grande era o Lima dos e a do Catebe, em São João canto com Rua do Sol, também
Faria, ainda na Praia Grande porque, ao lado dos tecidos, vendia vendiam pão. Outra padaria de um árabe, localizada no Anil,
óleo, querosene e outras mercadorias. atraía gente da cidade pelo saboroso pão lua. Três padarias ser-
Depois de comprados os cortes de tecido, a passagem viam a ZBM, Maracangalha, Leão da Noite e Quitandinha.
quase obrigatória nos armarinhos à cata de linhas, botões, ren- Os gostos variavam entre pão de massa fina e de massa
das, viezes, debruns, fitas, flores e tudo mais, condizente com o grossa. Homens, a serviço de padarias ou por conta própria,
feitio da roupa. As bordadeiras também recorriam aos armari- pontualmente de madrugada, mesmo na chuva, levavam pães
nhos à busca de telas, bastidores, meadas de linha e lãs de todas em grandes cestos para entrega a domicílio, batendo de leve
as cores, conforme os rascunhos, verdadeiras obras de arte em como aviso de que o saco de pão, ainda quentinho, estava no
leçóis, toalhas de mesa, de banho, enxoval para noivas, blusas, batente da porta. Os moradores de bairros periféricos se abaste-
vestidos infantis, quadros etc. O armarinho A Moderna, loja e ciam de pão das quitandas, fornecidos pelas próprias padarias.
residência dos Azar, na Rua Grande, ainda existe. As mercearias também eram poucas e, a maioria, de
A única movelaria de alto padrão e instalada na Rua portugueses. Por ordem de importância, a Neves, em linda ins-
Grande, a Loja das Noivas, vendia os famosos móveis da Fá- talação e grande sortimento, na Rua Grande, canto com Man-
brica Cimo. gueira; a Aliança, na Praça João Lisboa, esquina com a Ladeira
A Exposição, de moda masculina, com sapatos importa- do Comércio; a Internacional e a São Luís, na Praça João Lisboa;
dos, se destacava pela decoração da loja na parte térrea de um a Brasil, na Rua Grande, esquina com Santaninha; a Lusitana,
prédio no começo da Rua Grande. Os altos eram ocupados pela uma portinha na Rua Grande e, na década de 1960, multipli-
família de Álvaro Mota, o proprietário. Os Diegues, nos altos cou-se como primeira rede de supermercados da cidade; a Cen-
de outra sapataria e a Sapataria Cleópatra abrigava a família tral, na Rua da Palma, canto com João Vital; a Amador, em San-
Pinho, no mesmo prédio. tana com São Pantaleão; a São José, na Estação de Bonde. Um
As padarias, preponderantemente de portugueses, brasileiro concorrente abriu a mercearia Carneiro.
eram poucas. A padaria Cristal, na Rua Grande junto à Exposi- Algumas mercearias tinham um quadro de fregueses fi-
ção, gozava do melhor conceito. Ainda na Rua Grande, a Por- xos com cadernos individuais. Pessoalmente ou pelo telefone,
tuguesa, de Pinho Rosa, destacada pela delícia de seus pães, faziam a relação das compras, assinaladas pelos vendedores no
Página anterior: com especialidade, o pão rosa. A Veneza, na outra esquina da referido caderno. Um carregador levava os gêneros ao domicí-
Rua Grande, lio do comprador, bem arrumados numa caixa de madeira. No
mercearia Brasil e a Duas Nações, na Rua Grande, defronte da
centro comercial
da cidade. padaria Cristal. Três foram abertas na Rua de São Pantaleão: a ato da entrega, o caderno vinha junto para a conferência do pe-

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dido, ticado, passado recibo no próprio caderninho e devolvido elite de São Luís. O Grêmio 1º de Janeiro, para jogos de salão
à mercearia. No caso de pequena compra, o comprador vinha e um fino restaurante no primeiro andar do prédio pegado à
pessoalmente, o vendedor anotava e o gênero era entregue in- Mercearia Aliança; no subsolo do mesmo imóvel, a Confeita-
continente. No fim do mês o gerente mandava o valor total do ria Mignon, de um lado, e do outro, a Colegial, distribuidora
pagamento mensal. As quitandas também usavam anotações de revistas, com fluxo de meninos à procura de Gibi, Guri, Al-
individuais, procedendo o pagamento da mesma maneira. manaque Tico-Tico, Tarzan e outras histórias em quadrinhos,
As famílias não frequentavam com muita assiduidade enquanto os adultos preferiam a Revista do Rádio, Manchete,
os restaurantes, talvez pela facilidade de as casas contarem O Cruzeiro, Vida Doméstica, dentre as diversas publicações se-
com ótimas cozinheiras. O fluxo maior era dos homens, espe- manais ou mensais.
cialmente no Ponto Chic, bar e restaurante de Leôncio Castro, A Casa Brandão e o Ferro de Engomar, próximos aos
localizado na Rua Grande.45 Diários Associados, na Rua Formosa, completavam o comércio
Depois da Praia Grande, o antigo Largo do Carmo, atual na extremidade do Largo do Carmo.
Praça João Lisboa, era o ponto mais importante em termos de Muito comum aos homens escolherem uma praça ou
sociabilidade e convergência da população, inclusive pela pa- um espaço aprazível, no fim das tardes, para os célebres ba-
rada central dos bondes, com abrigo específico para apanhar te-papos. Em tempos idos as conversas eram na área inter-
e deixar passageiros. Três boxes para lanches rápidos e o Café na da Feira da Praia Grande. Com o grande movimento de
Pequeno, mantinham aquele ponto de encontro sempre movi- trasladação, os grupos passaram a frequentar a Praça João
mentado. Defronte, de canto com o Beco do Quebra Costas, a Lisboa. “Nas rodinhas do largo do Carmo o mexerico vive em ple-
Fonte Maravilhosa fornecia refresco de pega-pinto e guaraná na floração. A sua proliferação é espontânea. Nasce, vive alguns
manipulado no Laboratório Jesus, vendido como novidade instantes numa reunião; passa adiante já modificado; adota côres
paraense. Variado comércio de renome, barbearias, farmácias, locais num mimetismo surpreendente.”47 No afamado senadi-
mercearias, distribuidora de revistas, casa de jogos de salão, nho, tendo como espaço bancos sombreados por benéficas
restaurante, engraxates, além dos Correios e Telégrafos, agita- árvores em frente aos Correios, discutiam, debatiam, criti-
vam o coração de São Luís. cavam e comentavam os últimos acontecimentos. Outro lu-
As casas comerciais do Largo do Carmo atraíam clien- gar, o senado, em frente da Igreja do Carmo, ajuntamento
tela requintada. A livraria Universal, de Ramos d’Almeida, de- de gente das diversas categorias e classes sociais onde polí-
fronte do relógio, a Moderna e a Universal, depois mudada para tica, corrupção, falcatruas, até a vida particular de esposas,
a Praça Deodoro, esquina de Passeio com rua da Paz.46 A Casa amantes e filhos dos mais conhecidos vinham à baila nos fins
Dias, esquina com Nazaré, oferecia a última moda masculina, de tarde, amenizado o calor pela brisa marinha, canalizada
Páginas seguintes:
e nos altos, o consultório de Josias Cunha, um dos dentistas da pela Rua do Egito. O quase institucionalizado Departamento principais
quarteirões do
de Informações da Vida Alheia, o DIVA, reunia desde inte- comércio do Largo
lectuais, políticos, jornalistas até desocupados, na Praça João do Carmo.
45
O Ponto Chic, casa de cinco portas abertas para lanche, sorveteria, café, vendia desde
chocolates ao azeite espanhol. Lisboa, para falar de tudo e de todos.
46
Outras livrarias, a Borges, mais afastada, na Rua das Flores com Rua do Sol e a Galeria
dos Livros, ponto de encontro de intelectuais e local de lançamento de livros, na Rua
Grande. Mais recentes, a ABC, na Rua de Nazaré, a JC, na João Lisboa e a Livraria do
Contador, na Rua da Cruz, esquina com rua do Sol.
47
SERRA, Astolfo. op. cit., p. 160.

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Entre as décadas de 1940 e 1950, a Praça Deodoro foi moças da sociedade, sobre as tertúlias dos domingos e outros
outro espaço de sociabilidade. Movimentada quase exclusiva- “lances”. Para muitos, as ideias e comportamento desses jovens
mente por professores e alunos dos colégios próximos, atraídos pareciam radicais e assustadores, ante aquela sociedade tradi-
pela Biblioteca Pública Benedito Leite, aquela área, aprazível cional, conservadora.
pela sombra dos oitizeiros circundantes, foi embelezada com A revoada familiar não tirou da Praia Grande seu por-
um espelho d’água e pela Praça do Panteon com bustos de ilus- tão de entrada e saída de alguns produtos. Até a década de
tres maranhenses. 1960, aquele núcleo concentrava todo o movimento exportador,
Inaugurada em 1951, a Biblioteca Pública foi chamada ferragens e outras vendas a grosso do Maranhão. O conjunto
pela oposição de “bolo de noiva” em crítica injusta pelo dispên- de casarões esvaiu-se aos poucos, fechando as portas das ca-
dio na sua construção e decoração. Atraía os estudantes pelos sas comerciais a cada dia. Muitos órgãos municipais, federais
livros, revistas e jornais bem conservados em estantes, pratelei- e estaduais recuperaram e ocuparam alguns solares. Inúmeros
ras e gavetões e assessorados por uma equipe de funcionários prédios desempenham novas funções.
jovens e orgulhosos daquele ambiente de trabalho. O prédio Em relação ao comércio, hoje praticamente parte do
se impunha pela brancura, beleza e imponência. Mesas para complexo colonial é destinado à exploração de artesanato, tra-
leituras e cadeiras confortáveis em amplo salão claro, arejado e balho atrativo dos turistas visitantes ou de compras por ho-
limpo davam o conforto necessário aos leitores. As exigências mens, donas de casa, empregadas domésticas à busca de co-
regimentais, especialmente o cuidado no manuseio dos docu- mestíveis especiais na Feira da Praia Grande. Biblioteca Pública
mentos e o silêncio, eram observados com o rigor característico Aos poucos, bares, cinema, livraria, museus, repartições Benedito Leite,
ponto de encontro
de todo início de uma instituição. públicas, residências coletivas dão certo movimento à parte co- dos estudantes
Sem terminais ou pontos centrais de ônibus, os poucos lonial, outrora o perímetro mais importante e rico de São Luís. secundaristas.
veículos não poluíam o ar nem ruídos ensurdecedores incomo-
davam os estudiosos. Os bondes davam certa graça com bancos
e estribos plenos de jovens, nos horários do início e término das
aulas. A atmosfera leve da adolescência, brilho nos olhos, sor-
riso e bom humor, característicos da fase esperançosa da vida,
oferecia um sabor especial às conquistas e juras de amor entre
os romeus e julietas. Naqueles idos de 1950, jamais os postes
funcionavam como mictórios nem as sarjetas como lixeiras.
Mais para fins da década de 1950, jovens universitários,
mais especificamente da Faculdade de Direito, se reuniam de-
baixo de uma árvore, o “urucuzeiro” da Praça João Lisboa, a
comentar planos e estratégias de apoio ou resistência aos parti-
dos políticos, aos governos local e federal, às ideias socialistas,
orientados por Bandeira Tribuzi, novos lançamentos musicais
e teatrais e banalidades, comentários sobre namoricos com as

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Ambulantes e outros serviços regavam nos ombros o pau de carga em
cujas extremidades caíam tiras de envira de
O discurso da modernização não incluía obras de olho de tucum prendendo, de três em três, os
infraestrutura, tão necessárias, motivo pelo qual a pressão caranguejos vivos, em constante entrelaça-
de higienistas e políticos adeptos à modenização da cidade mento das unhas cabeludas. Não obstante a
foram insuficientes no combate à venda de comidas típi- gagueira, o falado Mestre Paulo pronuncia-
cas, guloseimas, frutas e verduras pelas ruas da São Luís, va as palavras sem dificuldade quando can-
até a década de 1960. tava, Olha o caranguejo, freguês!, e a cidade já
Afora esses pregoeiros criticados pela saúde públi- sabia tratar-se do mitológico homem conhe-
ca, outros vendedores de utensílios e serviços, anunciavam cido na Madre Deus e adjacências, como o
suas mercadorias com pregões, frases cantadas e relativas maior caranguejeiro, que jamais voltava do
aos respectivos produtos. O canto suave, lento e simples, mangue sem o pau de carga cheio de camba-
de poucas notas e tessitura variada, de soprano a baixo, das do crustáceo. Sua única fonte de renda
ora em vozes cavernosas, esganiçadas, estridentes, metáli- lhe obrigava a aceitar encomenda a qualquer
cas, ora maviosas, refletia vários sentimentos, como valo- hora do dia ou da noite, embrenhando-se
rização do produto, energia, cansaço, desengano, alegria na lama, sem medo nem preguiça. O povo
ou tristeza. Falas musicadas alertavam a população com o conjecturava a venda de sua alma a Lúcifer em troca da fa- Vendedor de
romantismo muito vivo na atmosfera de São Luís. Outros cilidade no seu trabalho. Conforme a lenda, Mestre Paulo caranguejo.
profissionais serviram à comunidade ludovicense, dentro abria o cofo, dava ordem às “crianças” para entrarem, e os
Foto da Revista Cruzeiro, 1968
Vendedor
ambulante na Rua dos limites do tempo. caranguejos obedeciam.
Portugal.
Foto da Revista Cruzeiro, 1968
Da venda in natura, podemos iniciar pelos mariscos. Um dos pregões mais ouvidos em São Luís, Peixe
Caranguejos podiam ser comprados na porta das casas, ofe- fresco!...Tainha fresquinha do Caju, bandeirada ou cangatã da
recidos pelos próprios catadores. Homens toscos, calças Madre Deus, olha o peixe pedra de Ribamar. Peixe fresco!... O
arregaçadas, ca- homem do peixe marcou época. Corajoso ao enfrentar o
misa ou cabeção mar em frágeis embarcações, o pescador, raramente ven-
de fazenda gros- dedor, supria a cidade e garantia seu sustento com o pesca-
seira, aberta, com do apanhado com rede de arrastão, espinhel ou arpão. Na
as pontas amarra- maioria das vezes, entregava o produto na beira da praia
das na altura do ao atravessador, a menor preço, ficando o maior lucro ao
umbigo, de pele vendedor, por transportar nas costas o pau de carga, per-
ressequida pelo correndo ruas e vielas, com o invariável pregão de peixe
sol e lama, mãos fresco, para vender a domicílio. Autêntica figura de inter-
sulcadas pelo mediário, João Caninana, Inspetor de Quarteirão, recebia
corte das caracas o pescado trazido do alto mar e distribuía às raparigas da
do mangue, car- Praia do Caju, para revenda.

112 113
Outro homem do mar, o camaroeiro, levava a puçá Como a maior parte das residências não possuía gela-
para a praia do Boqueirão, escoando o produto pelo porto deira, os alimentos perecíveis eram comprados diariamente,
de Santa Bárbara; os da praia do Panaquatira vendiam aos uns na porta, como o peixe, caranguejo, camarão, siri, suru-
atravessadores pelos portos de Pau Deitado e Timbuba e os ru e outros mariscos. Outros, como as carnes, variavam. As
arrastados na praia do Itapari, levados para Ribamar. Des- de caça e de porco eram encomendadas. A carne de boi, nos
ses portos ou praias, o camarão vinha até São Luís trazido açougues abertos somente pela manhã. Os marchantes distri-
pelo camaroeiro, em latas de querosene capazes a caber buíam a carne de boi aos açougueiros alocados em boxes no
vinte quilos, submersos em água, para conservação. O ca- Galpão, demolido na década de 1960, no Mercado Central,
maroeiro, homem rústico e semianalfabeto, era suficiente- construído no local do antigo gasômetro, nos mercados do
mente inteligente e hábil para enganar as compradoras, no João Paulo e do Anil.
peso, pela água não escorrida e no preço, deixando à vista Afora as iguarias naturais, pessoas se ocupavam em
os graúdos e brancos, colocando embaixo ou intercalando oferecer alimentos prontos. No Beco do Chaves, Felismina,
os miúdos. Até a metade do século, a maior parte era co- neta de Nhá Possidônia, armava no caixote improvisado de
merciada na porta das residências, com o quase grito, Ca- mesa, pratos empilhados, colheres, uma travessa de peixe fri-
marê...ê..ê..u. Com a proliferação dos hotéis, especialmente to, uma panela de arroz e outra de cuxá. D. Perpétua, na Rua
os mais requintados, o lucro passou a ser maior, pois o das Crioulas, Nhá Bernarda, no Canto da Fabril e tantas ou-
camarão é um dos pratos mais caros da culinária mara- tras na Madre Deus, Portinho, Desterro, Praia Grande e Praia
nhense. Os supermercados são bons clientes dos frigorí- do Caju atraíam os compradores com o pregão carinhoso –
ficos ocupados na intermediação dos frutos do mar. No Arroz de cuxá! ... Chega, freguês!... Tá quentinho!... e também pela Mercado
Central, um
Portinho, casas especializadas em vender camarões para limpeza, cuidando da higiene por princípio e para se livrarem dos mais
viagem embalam em caixas de isopor. Nas passadeiras da campanha e fiscalização dos médicos sanitaristas. Muitas importantes da
cidade.
dos aeroportos de outros estados este tipo de embalagem mulheres viviam exclusivamente da venda do arroz de cuxá. Cartão postado em 1954

é facilmente identificada como proveniente do Maranhão,


tal a fama de especiais os tarrafeados nas águas do litoral
maranhense.
Geralmente o catador de sururu vendia seu produto
pelas ruas e um destacado personagem foi Café, por conti-
nuar sua atividade mesmo depois do infortúnio. O povo ex-
plicava sua cegueira como revide de um espírito. Café, depois
de grande carraspana invadiu um tambor de “cura”, moles-
tou a curadeira que servia de “cavalo” a João de Una e, me-
ses depois, um homem se dizendo João de Una o esbofeteou
até deixá-lo desacordado. Ao despertar, estava cego. Mesmo
inválido, continuou sua atividade de tirador e vendedor de
sururu, embora sem o canto peculiar dos pregoeiros.

114 115
José Quirino veio de Penalva servir o exército, parti- mingau da banca do Galpão, de calda quase transparente,
cipando ativamente da Revolução de 1932. Na volta, depois porém de um sabor inigualável, bem diferente da sofistica-
de trabalhar no Tesouro Nacional como estivador, lotado na da receita das famílias, com doses exageradas de leite de
capatazia, resolveu vender frutas de dia e de noite, em uma coco, manteiga e outros ingredientes dispensáveis na recei-
mesa improvisada no Beco da Lapa, canto com Afonso Pena, ta das negras.
‘Boi de Botas’, como era chamado por não abandonar as botas No começo da noite, ouvia-se o canto de homens,
de soldado, batia com a colher de pau na boca do caldeirão Pamonha... Pamonha... Tá quentinha! Chega na pamonha!, com
anunciando arroz de toucinho. cestos de guarimã, oferecendo pamonha, venda muito com-
Negras e mulatas de fina pele, perfumadas, depois batida pelos sanitaristas por ser envolvida na folha de mi-
de um banho cheiroso, sempre com um raminho de jasmim lho ou de bananeira.
ou arruda atrás da orelha ou enfiado na carapinha, com tra- Era costumeiro o percorrer de mulheres humildes
jes típicos da época, carregavam na cabeça tabuleiro leve, de pelas ruas, com tabuleiros à cabeça a levar beijos de moça,
madeira, com dois alguidares, um com caruru e outro com olhos-de-sogra, não-me-toque, rebuçados, cocadas e pasti-
angu de fubá de arroz em bolas, cobertos com toalhas brancas lhas. Ofereciam em casa de freguesia garantida ou em al-
e limpas. Umas, de voz dolente anunciavam, simplesmente: gum canto de praça. Sentavam em frente à banca improvi-
Caruru com... bolas!... Outras, mais incisivas, cantavam: Com- sada, silenciosas, pacientes ao afugentar as moscas atraí-
prem caruru com bola!... das pelos doces, em longas horas à espera de passantes, na
Vendedoras ambulantes tinham orgulho de mostrar maioria, estudantes. Moça Reis, na Rua do Passeio, fazia
suas panelas e concha de alumínio bem areadas, brilhantes, filhós e suspiros, vendidos pelo seu agregado Zequinha,
cobertas com alvas toalhas, guardando quente o mingau de no baú de flandres envidraçado. Outras mulheres vendiam
milho. Mundica Pelada ou Mundica Pretinha, como apeli- pastéis, filhotes, pés de moleque ou cuscuz em iguais tabu-
daram Raimunda, residia no velho casarão, antigo palácio leiros levados à cabeça e anunciados em dolentes pregões.
dos holandeses, na confluência da Rua do Giz com Naza- Fora as vendedoras ambulantes, algumas cozinhei-
ré, conhecido por pombal porque agregava famílias vindas ras preferiam aceitar encomendas de comidas, como peixe
do interior e rameiras. Mulher alta e magra, desfilava pelas moqueado, torta de camarão, mingau de arroz, arroz doce,
ruas de São Luís com seu vestido comprido, colorido, a des- canjica, manuê, beju, broa de milho, puxa de mel escuro,
tacar o avental branco, chapéu de palha, chinelo abotinado alfenin, confeites, assim como o tradicional cardápio ma-
com salto alto, colares coloridos, ereta para não desequili- ranhense oferecido nos tabuleiros.
brar o tabuleiro com suas latas de flandres, cobertas com As negras com seus tabuleiros de arroz de cuxá, peixe
limpas toalhas, chamava a atenção tanto pelo trajar quanto frito, caruru, torta de camarão, doces regionais, foram desapa-
pelo seu canto Aê mingau de milho! Aê, mingau da hora. Vem recendo das esquinas da cidade. Lutando pela sobrevivência,
comer; olha criançada! Tá quentinho. Seu mingau de milho era pessoas do povo vendem lanches nos mercados e feiras, nas
tão gostoso quanto o da negra, postada no Galpão todos portas dos hospitais, repartições públicas, nos largos juninos,
os dias pela manhã. Meninas de família acompanhavam as pontos da folia carnavalesca, feiras eventuais e quermesses.
serviçais nas compras dos domingos só para saborearem o Os doces artesanais cederam lugar a produtos industrializa-

116 117
dos, as verduras, colhidas no mesmo dia e selecionadas maço nhado com sofreguidão por cada comprador exigente. O
por maço na porta das casas, foram substituídas pelas trazi- sorvete de coco, a princípio único sabor fabricado, se nota-
das de outros estados em furgões, empacotadas em bandejas bilizara pela maciez da pasta.
de isopor. João, conhecido sorveteiro pelo lenço vermelho usado
Um menino, portando no ombro um bastão roliço na farda da Revolução de 1932 a que orgulhosamente fez par-
terminado por uma tábua retangular com pequenos orifí- te, de rodilha e barril na cabeça e seu inseparável ornamen-
cios uniformes, acondicionava, em cada furinho, um mela- to encarnado, como de costume, passava pela Campina do
do de frutas regionais, endurecido em forma de cone e en- Matadouro, onde o gado descansava antes de ser abatido.
rolado em papel de seda. Era o saboroso pirulito, atração Chamou a atenção da freguesia do Matadouro Modelo pelo
da criançada sob a forma de versos - Pirulito!...Pirulito!... “cantochão” Sorvetei...ei...ei...ro!... Sorvete de coco!..., e do
Mamãe eu choro, Papai eu grito Me dê um tostão Pra comprar animal, pela cor vermelha do lenço. Uma vaca o atacou e
pirulito. Tem de coco, maracujá, buriti... Gente, compra pirulito! para se defender, João jogou a barrica de sorvete no chão e
Faça a criança sorrir... Pirulito enrolado no papel, enfiado no rompeu o matagal. Tal espetáculo lhe deveu a alcunha de
palito. Quem faz é Dona Julieta, Quem vende é Zé Benedito. No Toureiro, e assim passou a ser chamado um dos afamados
entanto, era alvo de crítica dos higienistas pela maneira sorveteiros da cidade.
artesanal de sua fabricação. A Avenida Gomes de Castro, centro da estudanta-
Corruptela de dez reis só, os derressó, feitos de coco da do Liceu, Maristas, Ateneu, Rosa Castro, Zoé Cerveira
ralado com mel de cana, fatias consistentes e cortadas em e São Luís, ótima freguesia do carrinho Companheiro, de
quadrinhos, camadas acomodadas em baús de flandres com cachorro quente ao gosto maranhense: pão, carne moída,
Sorveteiro, tampa de vidro, na mais rigorosa higiene, anunciado com alface, pepino, tomate e pimenta malagueta, diferente da
vendendo o a exagerada separação dos és, Derres...é...é... só!, foi muito composição americana de salsicha, mostarda e catchup.
tradicional
sorvete de censurado pela provável sujeira das mãos dos vendedores. Picolés só eram vendidos em sorveterias e, para ame-
côco. As constantes observações não diminuíam a venda, desco- nizar o calor, o único recurso encontrado pelos ambulantes
O Estado do Maranhão,
02 de fevereiro de 1976 nhecida a prejudicialidade pelas crianças. para agradar a estudantada foi lançar a “raspadinha”, gelo
Protegida pela rodilha e equilibrada raspado com uma plaina de alumínio com lâmina na parte
na cabeça, a “sorveteria” – pequeno barril inferior e misturado com refresco de maracujá, tamarindo,
de madeira, revestido de metal e circunda- coco, cupu, jacama ou outra fruta da estação.
do de gelo acunhado por estopa – carrega- Negras, como Nhagê e Maria Geralda, muito co-
da pelo sorveteiro provocava verdadeiro nhecidas pela população, saíam pelas ruas de São Luís,
alvoroço entre a criançada, bem na hora com cabeções brancos e rendados, saias longas, de cores
de abrandar o calor da tarde, ao anunciar berrantes, sandália de rosto inteiro, com rodilha na cabeça
Vêt...de coco. O cartucho, tirado de uma lata para equilibrar a típica panela de barro, anunciando em
pendurada ao lado do barril, enchido aos cadente pregão A-ça-a-a-i Olha a juçara, freguês!..., juçara
poucos e lentamente em pequenas porções especial, caroços amassados com as mãos ou com garrafa
laminadas com uma espátula, era acompa- e coado na peneira de guarimã. Outras preferiam vender

118 119
em casa e, para anunciar, era comum folhas do açaizeiro nhões, vindos de outros estados para
na porta dos baixos dos sobrados ou casas mais humil- os grandes mercados e frutarias, o
des, nas zonas do Portinho, Praia Grande, São Pantaleão, caboclo abandonou seu cultivo, sufo-
Desterro, Mercado Central e Praia do Caju. Os fregueses cado pela concorrência. O vendedor
olhavam com naturalidade a disparidade entre suas mo- de abacaxi de Turiaçu, famoso pelo
radias e ambos os locais de venda, sempre lotados, valori- adocicado amenizador da acidez, en-
zando mais o conteúdo que o ambiente onde era servido. frentou a concorrência pela qualida-
Em mesas e bancos toscos, ali mesmo saboreavam na cuia, de diferenciada da fruta, mantendo
acompanhada de farinha seca, d’água ou farinha de tapio- boa venda nos mercados, feiras, pra-
ca e carne, camarão ou peixe seco. Era ponto certo parar ças e ruas.
na Rua de São João para degustar a juçara da Nha Pê, mu- Além da venda nos mercados e
lata simpática, amável e sempre alegre, conservadora da feiras, vendedores ambulantes canta-
tradição, diferente das fornecedoras de juçara amassada rolando anunciavam Banho Cheiroso,
por meios mecânicos. geralmente nos bairros pobres, pela es-
Rolete de cana. É de cana caiana, Olha o rolete. Rolete... treita ligação das ervas aos rituais afro-
de cana!, assim era cantado o pregão da cana descascada, -brasileiros. Os adeptos àquelas práticas
cortada em pedaços e enfiada em taboquinhas de bambu, religiosas consumiam ervas bentas, misturadas com outros in- Assim como
outras frutas,
rachadas em cinco partes e abertas em forma de leque, os gredientes nos banhos miraculosos na cura de mofina, peso, coí- o abacaxi era
roletes de cana, apregoados nas ruas, vielas, largos de fes- ra ou mau-olhado. Leite de janaúba e óleo de copaíba curavam vendido de porta
tas e quermesses. inflamação ginecológica. A crendice chegou aos sobrados e em porta.

Pessoas das famílias ficavam nas janelas à espera de brancos com esses sintomas discretamente mandavam com-
vendedores ambulantes, evitando a ida ao mercado, gal- prar os óleos para uso interno, capim limão, boldo, erva
pão ou pequenas feiras. Esta figura resistiu por décadas do cidreira como chá e jardineira, alfavaca, folha de algodão,
século XX, concomitante aos supermercados. Vendedores mato cheiroso e outras folhas aconselhadas para banhos,
de laranja, com cofos pendurados nas extremidades de pau conforme os males. Diariamente Mato Cheiroso saía da
de carga, circulavam pelos becos, vielas, praças, avenidas Maioba do Mocajutuba com um pau de carga no ombro, na
ou se fixavam em esquinas, porta de colégios, repartições, ponta traseira, o cofo com pecaconha, patchuli, contraerva,
paradas de bonde ou ônibus, assim como eram presença casca de pau santo, cabeça de negro, moleque seco, branda,
obrigatória nas festas populares, arraiais e quadras juni- casca de guisa e outros “remédios pra tudo” e, na frente, o
nas. Ricos, pobres, pretos, brancos, bem ou mal trajados, par de chamató para ser calçado somente em ruas pedre-
todos chupavam laranjas, cujo pregão pouco elegante, La- gosas. Geralmente voltava com o cofo vazio, tal a aceitação
ranja de Anajatuba. Quem não comprar fica com coruba, faci- da medicina alternativa em São Luís.
litava a venda, pela sua procedência daquele município, As figuras do benzedor e do tirador de ladainha foram
tradicionalmente produtor das mais saborosas cítricas. assaz solicitadas nos meios ludovicenses. Sem dotes físicos, fran-
Depois da facilidade do recebimento da fruta em cami- zino e sequelado por paralisia infantil, Aécio escolheu duas ativi-

120 121
dades pouco exigentes de maiores esforços corporais, a de ven- cofos de pindova metidos num pau
dedor ambulante e de benzedor. Aécio Benzedor justificou seu de carga, trazia como medida uma
apelido por saber benzer sobre dor de dente, quebranto, dor de lata de querosene de 18 litros, amas-
cabeça, erisipela e demais queixas. Outro benzedor de clientela sada para diminuir a capacidade in-
apreciável, Pedro Peru, se arvorava de benzer “divinamente bem terna. Na virada do século, o carvão
contra qualquer quebranto, mau olhado ou carne aberta”.48 de varinha, vindo das caieiras, passou
Tão procurado quanto os benzedores era o tirador a ser acondicionado em pequenos co-
de ladainha, Raimundo Nonato da Silva, um condutor de fos, com quantidade e preço certo. No
bonde puxado a burros, de rosto largo com caroços tipo meio urbano, toda a vida da cozinha
bexiga, feições de um bichano, razão da alcunha de Cara dependeu do carvão, com exceção das
de Gato. Fora do expediente, rezava em casas de bairros, habitações de regiões periféricas de
nos trezenários, queimação de palhinha, Mês de Maria e trempe ou fogão a lenha, conservado-
outras novenas. ras dos costumes herdados do meio
Além de fábricas de tecelagem, algodão hidrófilo e sabão, rural. Um tanto em desuso, o carvoeiro ensaca o produto, com- O vozeirão do
carvoerio ao
Martins & Irmão instalou a primeira produção de gelo em escala prado quase exclusivamente para churrasqueiros. oferecer seu
comercial. Era o tempo das geladeiras de madeira revestidas de Antes do estabelecimento de indústrias de vassoura com produto.
zinco, refrigeradas por barras de gelo. As barras eram distribuí- grande capacidade de produção e atendimento às mercearias e
das em carroções puxados a burro, com carrocerias metálicas, supermercados, artesãos abasteciam as casas com vassouras de
porta traseira e balanças pênseis para pesagem. No início da ma- palha de tucum, espanadores e abanos, mais fracos e menos du-
nhã o negro Brás, alto e forte, vinha à fábrica, na subida das Caja- ráveis, porém bem aceitos no serviço doméstico. O pregão do
zeiras pegar barras e gelo moído. Sentado no alto banco à frente vassoureiro, cantado desde as primeiras horas da manhã, Tem
da carrocinha térmica, acomodava o gelo e saía anunciando sua vassoura, espanador, tem abano e vassourão e, também, a vassourinha
passagem com o tilintar do pequeno sino preso a um arco metá- pra limpar o vosso chão, atraía as pessoas interessadas na compra
lico flexível na parte da frente, ao lado do condutor e movimen- dos artefatos tão necessários à limpeza das residências.
tado com o trepidar da carroça nas ruas pedregosas. Obedecia O funileiro, com boa venda de raladores de coco, funis
a certo planejamento conhecido pelos compradores, passando a e quinquilharias úteis nas cozinhas, fazia também boa feira
cada dia em determinadas ruas da cidade onde a maior parte das vendendo lamparinas e outros apetrechos para embarcadiços
residências carecia do produto. e habitações pobres carentes de petromax, candeeiros ou luz
Personagem importante no cotidiano da cidade anterior elétrica. No mesmo ramo, o ferreiro fabricava machado, escá-
ao fogão a gás e ao ferro elétrico, com melodia pungente, era pulas, muito usadas como suporte de rede e otros artefatos,
esperado pelas donas de casa o pregão, Carvoeiro!... Compra, fre- conforme mostra Antônio Guimarães de Olveira na preciosa
guês, o carvão, tá sequinho...tá bonzinho...ele é carvão de varinha!... O coleção de cartões e fotos antigas.49
carvoeiro, sempre sujo de pó de carvão caído pelas brechas dos

49
OLIVEIRA, Antonio Guimarães. São Luís: Memória & Tempo. São Luís em Cartões Pos-
SERRA, Astolfo, op. cit., 271.
48
tais e Álbuns de Lembranças. Segundo volume. São Luís: Nova Graf, 2010

122 123
garrafeiro, a limpeza da cidade ao subtrair do lixo referido
material reciclável e a alegria das crianças pelo bombom,
fruta ou pão garantido com a venda de algum vidro vazio.
Um pregão diferente - Eu já tenho a freguesia de gente
que sabe ler - o da venda de notícias por grupos de garo-
tos, acordados nas primeiras horas da manhã para percor-
rerem as ruas, uns diretamente às residências, outros nos
pontos de bonde, ônibus ou locais movimentados. Assim
como todas as outras fornecedoras do essencial para a po-
pulação, a profissão de jornaleiros compunha a vida da ci-
dade. O dinâmico
jornaleiro Mão de
Faca, de mão e bra-
Outro serviço essencial e geralmente oferecido por ço deformados por
As galinhas homens de meia idade em carrinho de três ou quatro pe- um derrame, saía
penduradas pelos
quenas rodas a percorrer a cidade ou os subúrbios foi o capengando com
pés no pau de
carga, ficavam do amolador de ferramentas, essencial tanto para as do- o maço de jornais
imóveis, até
nas de casa quanto para operários. Afora o pregão, Amola- debaixo do braço
serem soltadas
no quintal do dô...ô...ô...ô..., o barulho da pedra de esmeril em movimento torto, e com muita
comprador. por uma manivela acionada por um pedal chamava a aten- parcimônia depen-
ção de outros candidatos a amolar seus pertences. O preço durava-se no es-
era relativo ao tamanho, trabalho e tempo gasto no afiar tribo dos bondes,
das peças. Hoje, são poucos os amoladores trabalhando em driblando com agi-
portinhas de casas na parte antiga da cidade. lidade o cobrador
A falta de espaços adequados para o lixo sempre foi ao vender jornal
um problema para São Luís. Hoje a cidade vive asfixiada aos passageiros em
pelo volume de sacos, copos, pratos e garrafas plásticas. viagem.
Antes, o volume era diminuído pela subtração de papel Como cambadas de caranguejos, o pau de carga aos O ferreiro era
um profissional
e vidro usados, transformados em fonte de renda. Os vi- ombros, cheio de sandálias penduradas, justifica o apeli- essencial no
dros, comprados pelo garrafeiro, eram reaproveitados nas do de Caranguejo ao vendedor dos calçados populares, as cotidiano da
muito usadas alpercatas, anunciados com o pregão: “Pre- cidade.
fábricas de bebida e farmácias. Era comum o comprador
passar pelas ruas com pesado saco de estopa carregado nas cateiro..ero..ero..Olha precata freguês, protege os pés de pregos,
costas, cheio de garrafas e vidros, com voz dolente, gritan- frieira, mazelas”.50
do: garrafeeeiiiro. Compro garrafa, meia-garrafa, litro e vidro...
Freguês!... Da revenda, três vantagens: a subsistência do 50
BOGÉA, Lopes. Pedras da Rua. São Luís: 1988, n.d., p 79/80.

124 125
O pequeno número de estabelecimentos comerciais sa- Magalhães de Almeida e por se postar no Cemitério do Gavião
tisfazia as classes alta e média. A população pobre recorria ao à espera de corpos para uma oração à beira do túmulo. Den-
comércio mais simples. Tempo das quitandas e botequins em tre os mais destacados ateliers para homens: a Casa Branca, de
cada esquina de bairro pobre. Era o ponto de encontro de pes- propriedade de Albino Nogueira; a alfaiataria de Carlos Sousa
soas de todas as idades, em horários diferentes e com variadas confeccionava farda de gala dos alunos do Colégio Maristas; o
finalidades, desde as compras aos mexericos, deixando as últi- espanhol Vasques, na Rua de Nazaré; a alfaiataria Carioca do
mas horas do dia aos devotos de São Martinho. Os que compra- português Antonio Carolino de Castro, com grande clientela, na
vam fiado mantinham certa dependência junto ao quitandeiro. maioria, comerciantes da Praia Grande, fornecia guarda-chu-
Zeferino, quitandeiro da 14 de Julho, esquina da Rua da Palma, vas, chapéus Ramezoni, meias, gravatas, camisas e capas, indu-
supria desde papel almaço, carrinho de linha de pau preto, agu- mentárias obrigatórias da elite masculina; a Casa Dias de J. B.
lha, até comestíveis. As quitandas especialistas em tudo para Dias, de artigos finos. No tempo das roupas sob medida, outros
papagaio (linha, cerol) eram de Zezé Caveira, no Largo de San- alfaiates supriram pessoas mais simples, a exemplo de Pedro
tiago, Cangapara e Marcelino Nunes, na Rua de São Pantaleão, Gonçalves, músico da Polícia Militar, que diversificava fazendo
Antônio, na Madre Deus, Manduca, esquina de Rua da Alegria ternos. Em ordem alfabética: Albino, na Travaessa da Passagem;
com a estrada da Camboa. Amorim, no Ferro de Engomar; Barbosa, na Rua da Palma; Be-
Carroceiros prestavam grandes serviços à população, nedito, na Antônio Rayol; Cantuária, na Rua de Nazaré; Pedro,
fazendo mudanças, entregando objetos, carretos valiosos, dife- na Praça João Lisboa; Raimundo Alves de Sousa, na Rua 7 de
rente da atual ocupação praticamente de transferir entulhos de Setembro, dentre muitos outros.
partes visíveis para locais indevidos ou alagados, além do trans- As barbearias eram lugares de encontros amistosos onde
porte de pequena quantidade de material de construção. os fregueses passavam boa parte do tempo em intermináveis
Certas figuras foram parte da cidade e são inesquecíveis. conversas. O barbeiro também seguia os assuntos, chegando
De profissão e vocação valorizada, Graça Pega enfeitava sua car- a cruzar pente e tesoura na cabeça do cliente para prosear. A
roça com placas, medalhas e uma enérgica buzina do tipo fon- Barbearia Líbano, luxuosa, com cadeiras com desenhos esmera-
-fon para pedir passagem. O dono da burra Morena levantava dos em ferro, importadas, assim como espelhos de cristal com
o chicote fazendo menção, porém jamais açoitou sua amiga e bancadas de mármore, ladeadas por cômodas trabalhadas em
companheira. Teve ponto fixo na calçada da Alfândega, na Praia madeira e mármore, instalada na Praça João Lisboa era uma das
Grande, juntamente com Pinduri e outros colegas de trabalho. preferidas pelos homens elegantes, nas primeiras décadas. Ou-
Depois do falecimento de sua esposa, saía do Beco da Lapa, tro bem instalado foi o Salão Pompeu, barbearia nos baixos do
deixando sua casa sempre aberta, não temendo ladrões nem as- sobrado ao lado do Moto Bar, na Praça João Lisboa. Com a mor-
saltantes. O povo justificava tal excentricidade, por tratar-se de te do proprietário, João, seu principal auxiliar, manteve o salão
macumbaria. Na verdade, a vigilância de sua casa ficava a cargo até o prédio ser vendido no início dos anos 1980, mudando-se
de uma cobra, um papagaio e um macaco. para a Rua da Viração. Com a morte do segundo titular, Doca
A profissão de alfaiate muito importante no princípio do assumiu a chefia e mudou o salão para o bairro de São Fran-
século foi exercida, dentre outros, por ‘Mandaí’, famoso por sua cisco, com o nome de Salão São Raimundo. O centro era bem
tesoura, pelos discursos inflamados, bajulatórios ao governador servido por barbearias: no térreo do Hotel Central, na Avenida

126 127
novos. Antonio José preferia ficar defronte dos Correios e Mar-
tinho Jacinto Cardoso até hoje trabalha defronte da antiga firma
Pinheiro Gomes.
Raramente as classes intermediárias e as menos favore-
cidas compravam seus calçados nas sortidas sapatarias da Rua
Grande, sofisticadas e de preços inacessíveis. Por esta razão, ti-
veram boa clientela os sapateiros ou lambe-solas, assim chama-
dos porque faziam sapatos costurados, furando com as suvelas
e passando a agulha entre o couro e a sola. José Viana Máximo,
oficial da arte de fazer calçado, o conhecido Boi (como zagueiro
do América Futebol Clube avançava contra o adversário de ca-
beça baixa), trabalhou, com boa freguesia e por longos anos, na
Barbearia de Pedro II; na Travessa do Teatro, de Eurico Santos, Rua de Naza- Rua de São Pantaleão, esquina com Santiago. O sapateiro Luz,
sofisticada
ré junto do Maranhão Hotel, a barbearia de Macaco, que revo- estabelecido na Rua das Flores, atendia pessoas da classe média
decoração na
Praça João lucionou, em plena década de 1940, com a máquina zero para e às alunas do Colégio Rosa Castro, sapatos azul marinho com
Lisboa, 1919. laço na frente, conforme o modelo determinado pela escola. O
raspar os cabelos.51 Raspavam os cabelos da meninada também
para evitar piolho. Tão luxuosa era aquela barbearia a ponto do Colégio Santa Teresa também determinou o modelo de sapatos
móvel com grande espelho de cristal ter sido comprado pelo re- da farda executados pelos profissionais da Sapataria Pinho.
quintado Clube Jaguarema, para decorar sua entrada. Alguns Até os idos de 1950, todos os chauffeurs de praça eram
barbeiros tinham freguesia em dias marcados, assistindo famí- proprietários de seus carros, respeitados, com certa projeção na
lias a domicílio. comunidade e conhecidos pelo nome, dada a pouca quantida-
Outra atividade preferida da clientela masculina era a de daqueles profissionais, em somente quatro pontos de auto-
do engraxate. Algumas cadeiras, altas, com um descansa pés móveis de luxo: o Ita, no canto da Rua do Egito, ao lado da
à altura do cotovelo do profissional, permitia certo conforto na Farmácia Sanitária, o Elite, na Praça João Lisboa em frente ao
execução do trabalho de limpeza, graxa e brilho dos sapatos, Moto Bar, o Vitória e o São Cristóvão e três pontos de carros uti-
rigorosamente espelhados com o vaivém da flanela. Em uns litários: o Ribamar, o Helmam e o Citroen, este último defronte
poucos locais encontravam-se algumas cadeiras de engraxate, do Arcebispado. Na maioria das vezes, as famílias elegiam mo-
porém o núcleo preferido para essa atividade era a Praça João toristas de sua preferência. Como nem todas as residências dis-
Lisboa, sendo o local mais ocupado por cadeiras de engraxate, punham de telefone, alguns chamados eram feitos através de
em frente do Grêmio 1º de Janeiro, fluxo de homens elegantes, um “portador”, diretamente a Astrolábio, Carlos Pindobussu,
com sapatos sociais, reluzentes. Os famosos Magrissa e Cabeça Dadeco, Saladino, Moreira, Vareta, Dico Preto, Jacinto, Caldas
eram donos de várias cadeiras, sublocadas para rapazes mais Marques ou a Pedro Cabeça, que depois do expediente no Ban-
co do Brasil, fazia sua fezinha.
Dentre o quadro de serviçais de uma residência de famí-
Para irem à escola, era moda os meninos rasparem os cabelos, deixando somente
51
lia abastada, além de cozinheira, servente, lavadeira, babá e um
uma pastinha, penteada com Glostora.
garoto para serviços de jardim, quintal e trabalhos de rua, uma

128 129
pessoa mais categorizada, a costureira, trabalhava alguns dias de cortes, cadernos de medidas se sucediam pelo volume de
da semana. A família Matos, na Rua Grande, hospedou Maria freguesas que esperavam sua vez nas intermináveis filas, que-
Luiza de Assis, exímia costureira, disputada pelas senhoras da brada a ordem de atendimento somente em casos excepcionais
época como diarista nas respectivas residências. Até a metade com festas de última hora.
do século, as costureiras a domicílio, quase em regime de ur- Até a década de 1950, existiam somente dois salões de
gência, atendiam as mocinhas de classe média, insistentes por beleza de maior projeção, ambos na Rua Grande: o de Alaíde
um vestido novo a cada semana para o quase obrigatório pas- Martins e o de América Serra de Castro. O primeiro, famoso
seio domingueiro: 15 horas, vesperal do Cine Teatro, seguido por encarapinhar os cabelos lisos das mocinhas com um apa-
de desfile a circular e trocar olhares com os rapazes, sentados relho elétrico a esquentar as mechas ensopadas em um líquido
na balaustrada do recém-inaugurado viaduto da Praça Pedro fétido e enroladas em canudinhos. Era o famoso cabelo no per-
II. Por volta de 18:30 horas, a moçada se dirigia à sede social manente, muito em moda. O salão de América Serra de Castro,
do Lítero, da Praça João Lisboa, para animada tarde dançante, localizado na casa nº 398, funcionou atrás da boutique Rio Mo-
a tertúlia. A festinha não passava das 20 horas, pois “moça de das, cuja função foi guarnecer a elite de chapéus, luvas, obriga-
família não pode chegar tarde em casa.” No fim da matiné, os tórios nos casamentos pomposos, bijuterias finas, tecidos, ren-
bondes ficavam lotados de uma juventude leve, descontraída, das, brocados franceses e maiôs importados. O salão, encontro
sem maiores apreensões em uma cidade calma e segura. da “fina flor” da sociedade, recebeu representantes de Helena
Somada às modistas com trabalho a domicílio, outras Rubinstein, Elizabeth Arden e outras fabricantes de maquia-
mais bem projetadas tiveram seus ateliers. Idna Ramos e Cláu- gem de fama internacional e, como complemento tratava dos
dia, especialistas em enxoval de noivas. O grau de exigência cabelos e cuidava da pele das clientes.
das senhoras era proporcional à disputa entre clientes de qual o Os laboratórios existentes no despontar do século, os
modelo mais bem talhado e moderno. Das mãos de Sinhá Leal, Estabelecimentos Farmacêuticos de Bernardo Caldas, Pedrosa
Regina Sousa, Ana Amélia Pereira, Maria da Graça Arruda, Si- e João Victal de Mattos fabricavam as Pílulas de Paulo Famoso,
nhá Gasparinho, Anicota Rocha, Zuzú Silveira, saíam vestidos Condué, Jalapa, Quatro Humores e Pílula Contra, fora outros
de noiva, de soirré, tailleurs e lindos modelos retirados das revis- medicamentos manipulados. A resina Aloe do Cabo, impor-
tas L’Oficiel, Vogue e outras publicações francesas. As senhoras tada da África do Sul em latas semelhantes às de querosene,
também recebiam figurinos brasileiros, a lembrar, Moda e Bor- diluída em água, misturada com jalapa e tapioca era comer-
dados e Vida Doméstica, trazendo os últimos lançamentos. As cializada em forma de pequenas pílulas. Muito consumidas,
revistas de modelos ultrapassados eram entregues às meninas especialmente pela população de baixa renda do Maranhão, o
para brincarem de bonecas: colavam um papelão no verso dos filho de um farmacêutico local, por sua conta, chegou a fabricar
manequins preferidos, recortavam as figuras e com isto, estava e vender por mês quatrocentas dúzias de pacotes com doze cai-
formada toda uma família de bonecas elegantes. Outras costu- xas, contendo cada caixa doze comprimidos. Laxante de ação
reiras não eram menos assediadas: Noris Maranhão, na Rua do poderosa, a Píula Contra, como o povo a chamava, levou o su-
Passeio, Maria Augusta, na Rua Cândido Ribeiro, Maria José e cesso a impregnar na cultura popular a eficácia do comprimi-
Jesús, ambas no Caminho da Boiada e Zezé, que, além de con- do a todas as doenças mais comuns, estendida a engravidar ou
feccionar vestidos, dava aulas de costura na Rua do Passeio. abortar, calo seco, unha encravada, estupor e tudo mais, pois a
Estas e outras profissionais viviam com seus armários cheio pílula era contra tudo. No balcão de uma farmácia, um compra-

130 131
dor falou da utilização no pé de laranjeira: fez um buraco no boratório e radiografias, embora já dispusessem de alguma tec-
tronco, colocou a pílula e a produção dos frutos duplicou. A nologia. Alguns se notabilizaram por serem grandes clínicos.
pacata cidade, sem os avanços e inovações chegados aos anos Almir Parga Nina, Raimundo Nina Rodrigues, Juvêncio Odo-
sessenta, ainda comportava crendices, umas resistentes, outras, rico de Matos, Oscar Lamagnère Leal Galvão, Aníbal de Pádua
vagarosamente diluídas com o passar dos tempos. Pereira de Andrade, Luís Alfredo Neto Guterres, Tarquínio
O Laboratório Jesus fabricou soros, antigripais em com- Lopes Filho, Genésio Euvaldo de Morais Rego, Marcelino Ma-
primido e injetável, xaropes, leite de magnésia, enxofre gra- chado, Achilles de Faria Lisboa, Hamleto Batista Barbosa de
nulado, dermatocida, pasta dentifrícia, água sanitária, águas Godois, Djalma Caldas Marques, Ático Pires Seabra, Clarindo
tônicas, Kola Guaraná Jesus (“o sonho cor de rosa das crian- Santiago, Luís Lobato Viana, Cesário dos Santos Veras, estes e
ças”), composto em 1920 e que até hoje povoa o imaginário dos outros médicos nascidos no século XIX, assistiram a população
maranhenses. Além dos remédios manipulados, a população ludovicense por algumas décadas do século XX.
consumia outros fabricados fora do Estado. Os primeiros médicos atendiam muito raramente as
Geralmente os farmacêuticos, donos de seus estabele- parturientes e, quando o faziam, eram chamados na própria re-
cimentos, preferiram o centro da cidade. A Farmácia Sanitária, sidência. As senhoras mais bem aquinhoadas, mesmo acompa-
de Jesus Gomes, na Rua do Sol, n. 23, esquina com Rua do Egi- nhadas por médicos, não dispensavam a colaboração das par-
to; a Popular, do Vieira, na Praça João Lisboa; a Garrido, de An- teiras, incumbidas de assistir os recém-nascidos, no banho, na
tonio Garrido, na Rua Grande, com dois consultórios; a Pasteur assepsia do umbigo, na assistência à amamentação, cuidados Um dos
laboratórios mais
e a Santa Terezinha, do Seu Rosa; Menino Jesus, de Manezinho, no asseio e alimentação das mães. Frangas eram criadas nos bem instalados de
São Luís. Rua da
esquina de Rua de Santana com São Pantaleão; São Vicente de quintais, meses antes, período de limpeza e ceva para o preparo Palma, esquina com
Paulo, no Canto da Viração; Farmácia Santos, na rua de Santana da “galinha de parida” com pirão para o almoço da puérpera Beco da Pacotilha.

esquina com São Pantaleão. A população contou com raras e


pequenas farmácias nos subúrbios.
Nem todos os proprietários das farmácias eram farma-
cêuticos formados e não havia regulamentação obrigando um
responsável titulado. Somente em maio de 1922 foi fundada a
Faculdade de Farmácia do Maranhão, depois das insistentes
reivindicações de Achilles Lisboa, Fran Pacheco, Francisco Cos-
ta Fernandes, Bernardo Caldas, Domingos Perdigão e outros,
junto ao governo federal. Em 1925, oito primeiros farmacêuti-
cos colaram grau, inclusive Jesus Norberto Gomes, proprietário
da farmácia adquirida de N. Galvão, em 1908 e, somente em
1911, substituiu o nome de Farmácia Galvão para Farmácia Sa-
nitária.
Os médicos atendiam em consultório e a domicílio. O
diagnóstico advinha dos sintomas e da observação do próprio
corpo do doente. Não dependiam dos inúmeros exames de la-

132 133
e à tarde, caldo de galinha, dieta e repouso rigorosos por qua- Costa; os anestesistas, Antonio João Ferreira Sobrinho, Antonio
renta dias. Entre as mães mais pobres, a assistência era integral Pires Ferreira, Rossini Lopes Mousinho e Carlos Celso Gomes
somente da parteira. Nunes; oftalmologistas, Pedro Neiva de Santana, William Mo-
Na década de 1920, a Associação das Damas de Assistên- reira Lima, Crisanto Carneiro Azevedo, José Venâncio Braga
cia à Infância decidiu criar o Curso de Enfermagem, Parto e Far- Diniz; cardiologista, Clodomir Teixeira Millet, José Duailibe
mácia e, para tal, a presidente mandou buscar uma inglesa, Miss Murad, Haroldo Guimarães Soares, Paulo de Tarso Brandão,
Laureen, para instruir as novas parteiras a serviço do Instituto de Haroldo Silva e Sousa; urologista, Guilherme Gomes dos Reis
Assistência à Infância. Doquinha, menina do Carrapatal, de famí- Macieira; parasitologista, Salomão Fiquene Croce Castelo Bran-
lia açoriana, foi uma das alunas e futura parteira de sucesso. co; clínicos gerais, Fernando Viana, Alfredo Duailibe, Carlos Al-
Mesmo após a inauguração da Maternidade Benedito berto Salgado Borges, Antonio José Jorge Martins; ortopedista,
Leite, em 1950, as crianças continuaram vindo ao mundo sob os Damasceno Figueiredo (1922). Todos esses profissionais deram
cuidados das parteiras. As mais famosas, como Celeste e Gigi continuidade à assistência médica de São Luís.
Amaral, assistiam as famílias da elite, embora a clientela não de- As mães recorriam aos médicos somente em casos com-
terminasse a competência de muitas outras com pacientes mais plicados, preferindo chás, remédios homeopatas ou alopatas.
simples. Cota Gorda assistiu muitos pimpolhos na Camboa do Tosse, Phimatosam; azia, Sal de Frutas Eno; má digestão, Lei-
Mato, acompanhou as parturientes com a mesma capacidade te de Magnésia Phillips; cólica, Elixir Paregórico; inapetência,
de Avelina, residente na Liberdade, segura de sua competência Biotônico Fontoura; fraqueza, Emulsão de Scott; dores nas ar-
em facilitar partos ligeiros por sua assistência às grávidas des- ticulações, Sebo de Holanda; distenção muscular, emplasto Sa-
de o quinto mês, colocando as crianças na posição certa. Mães biá; gripe, aplicação de Vick VapoRub; dor de cabeça, Cibalena;
de outros arrabaldes foram assistidas por dedicadas parteiras problema ocular, colírio Moura Brasil; afta, Violeta Genciana;
muito respeitadas por gerações. gengivite, Maravilha Curativa do dr. Humpheys, problema gi-
A segunda geração de médicos se diferenciou da ante- necológico, Regulador Xavier e todos os males cardíacos, Cora-
rior pelas especialidades. Destacaram-se como pediatras, entre mina. Na primeira semana das férias de dezembro, era tradicio-
outros, Odorico Amaral de Matos, Jaime Pamponet de Cer- nal a profilaxia contra vermes, e pânico nas crianças. Cedinho o
queira, Olavo Alexandre Correia Lima, também antropólogo, adulto entrava no quarto com uma colher de Óleo de Rícino. A
estudioso dos sambaquis maranhenses, Domingos de Matos reação imediata da “vítima” resultava na imobilização de per-
Pereira, Raimundo Nina Rodrigues Junior; os pneumologistas, nas e braços, pressão nas bochechas ou nas narinas e, ao pri-
Odilon da Silva Soares, Antonia Arruda Soares, Milton Ericei- meiro respiro pela boca, o óleo descia goela a dentro. Como pa-
ra, José Ribeiro Quadros, Jackson Kepler Lago; ginecologistas, liativo, um bombom Pipper para tirar cheiro e o gosto da boca.
Benedito Clementino de Siqueira Moura, Laura Guimarães Os fornecedores de alimentos in natura , as quituteiras
Caldas de Vasconcelos, Maria José Aragão, José Benedito Pe- e os profissionais das mais variadas atividades prestaram úteis
nha, Margarida de Freiras Martins, Maria do Socorro Moreira serviços à população ludovicense no tempo em que os ventos
de Sousa, José Henrique Moreira Lima e Irã Amélia Maia Rosa; das inovações sopravam muito lentamente. A grande versatili-
como cirurgiões gerais, Carlos Macieira, João Bacelar Porte- dade fazia funcionar a contento e o cotidiano era mais singelo
la, Benedito Duailibe Murad, Antonio Jorge Dino, Domingos e saudável.

134 135
Futebol
O Maranhão foi retardatário no cenário desportista
e evoluiu com dificuldades no início da prática esportiva
mais popular do século XX. Estados vizinhos, como Ceará
e Pará, contaram com times de futebol, trazido o espor-
te por estudantes retornados da Europa ou por ingleses,
empregados em indústrias têxteis, em estabelecimentos de
crédito ou serviços públicos.
Joaquim Moreira Alves dos Santos, filho do industrial,
comerciante e banqueiro português Crispin Alves dos Santos,
concluiu seus estudos sobre indústria têxtil em Liverpool, onde
aprendeu também jogar football (na posição de goal keeper), es-
porte muito em voga na Inglaterra. Em sua bagagem de volta
para São Luís, em 1905, trouxe uma equipagem completa - chu-
Os treinos geravam curiosidade de expectadores As equipes Black
teiras, apito, bolas - com o propósito de organizar o novo espor- and White e Red
apostos no cercado da Fabril. Com a visão ampla do lado
te na capital.52 O Diretor Administrativo Geral da Companhia and White, vendo-
de fora da cerca, garotos do Desterro, Madre Deus, São se à esquerda
Fabril Maranhense Santa Isabel reuniu parentes, amigos e in- Nhozinho Santos.
Pantaleão, Largo de Santiago e outras franjas da cidade
gleses em sua residência, na Rua Grande, n. 1018 para tratar da Álbum do Maranhão, 1923

receberam verdadeiras aulas práticas. Com o pouco saber


fundação da associação Fabril Athletic Club. Para conseguir o
sobre o jogo, organizaram suas “peladas” em chãos vazios,
recrutamento de duas onzenas convidou rapazes ingleses tra-
velhas redes de pescaria apoiadas em forquilhas, facilmen-
balhando em São Luís e jovens da elite ludovicense.53 A princí-
te retiradas com o flagrante da polícia, e bola de bexiga de
pio, os treinos foram na Quinta das Laranjeiras até a cidade ter
boi, arranjadas no Matadouro.54 A simpatia da população
seu primeiro campo de futebol, precário, com uma “barreira”
pelo futebol se alastrou num mínimo espaço de tempo.
em sua cabeceira, sem arquibancadas, construído na vasta área
No dia 12 de abril de 1907, uma animada partida de
dos fundos da Fábrica Têxtil Santa Isabel. Este foi o embrião do
cinquenta minutos entre o Black and White e o Red and Whi-
futuro estádio de Santa Isabel. O FAC iniciou treinamentos com
te terminou de maneira tão cordial que as partes resolveram
duas equipes de oito, chamadas Black and White e Red and White,
prosseguir, por mais quinze minutos. O primeiro jogo oficial
gerando rivalidade, essencial para despertar entusiasmo pela
aconteceu a 28 de maio. Enfim, o industrial festejava a reali-
vitória. Estava previsto no seu regimento oferecer à sociedade
zação da primeira agremiação, ao fundar um clube que iria
outras práticas esportivas, além de festas dançantes.
incentivar o ludovicense a praticar esportes e, cujos quadros,
em 1910, contaram com 124 sócios da elite local.55
52
As posteriores equipagens eram importadas da Inglaterra por Jasper Muool, agente
da Booth e vendidas aos colegas de jogo.
53
Ingleses vinculados ao London Bank, Booth Line Co. Ld, Western Telegraph Compa- 54
Raimundo Rocha, vulgo senhor Dico, especializou-se no fabrico de bola de bexiga.
ny, Boot Startship Co. Ld e Mala Real Inglesa compunham o time. 55
Internamente, o FAC formou mais dois grupos, o Blue e o Kati.

136 137
Abriu-se um leque de opções esportivas: a primeira
quadra de tênis, construída pelos ingleses, na Beira Mar,
onde seria a futura sede do Casino Maranhense; uma qua-
dra de squash atrás do prédio do Cabo Submarino (The
Western Telegraph Company), no Olho d’Água; e esgrima,
regata, hipismo, tiro, jiu-jitsu, cricket, atletismo, velódromo,
influenciado pela prática em outros centros do país. O tênis,
considerado um dos mais bonitos esportes, reuniu ingleses e
a nata da sociedade maranhense, entre os mais elegantes ra-
pazes e senhores, preocupados com a forma física. O espor-
te também era praticado num dos campos do FAC destinado
àquele jogo. Outro campo do clube era disponível para cricket,
corrida rasa, lançamento de peso e dardo. Nos salões da sede
social jogavam ping-pong, bilhar e cartas. Os jovens também
praticavam voleibol e basquetebol, porém com menor inten-
sidade e sem atualização das regras. A sede do FAC contou
com salões de festa, de leitura, conferências, peças teatrais e
ao som da orquestra do professor Gronwel, nos salões do clu- Grandes festas
um “american bar”, diariamente à disposição dos associados. aconteceram na
be feericamente iluminados e embandeirados. O inspirador e sede social do
Rapidamente o futebol cresceu em São Luís. Em menos
fundador da família fabrilense entrou ladeado por elegantes Fabril Athetic Club.
de um ano, outro clube, o Maranhense Football Club, forma- Álbum do Maranhão 1923
senhoritas, entre palmas e vivas.
do por rapazes do comércio, competiu com o FAC, numa par-
Outras organizações, tais como o Clube do Mu-
tida em janeiro de 1908. O futebol e o remo eram elitizados.
que, fundado por jovens, em 1917, apoiado pela Escola de
Foi decisiva a influência do grupo promotor, rico e instruído
Aprendizes Marinheiros, dedicou-se à prática do remo,
na liderança do FAC, carro chefe das atividades recreativas da
nas águas dos rios Anil e Bacanga, desenvolvendo passeios
capital, quer nas práticas esportivas, quer nos encontros so-
e competições. O Clube de Regatas Athenas, de iniciativa
ciais, através de festas dançantes e outras atividades lúdicas.
dos remadores José Teixeira Rego e Sílvio Fonseca, sediado
Qualquer acontecimento era pretexto de festejos. A
na Praia do Genipapeiro, velejava nas águas do rio Anil.
volta de Nhozinho Santos em 16 de agosto de 1916, de de-
O Tiro Maranhense, incentivado por militares, por solici-
morada ausência no sul do país, representou o soerguimento
tação do FAC conseguiu se inscrever na Confederação de
do Clube em crise. Para recebê-lo, o FAC organizou uma re-
Tiro Brasileiro, como 3ª categoria.
cepção, a começar com lanchas embandeiradas e conduzidas
Para assegurar melhores condições aos jogos de fute-
por associados devidamente equipados ao encontro do navio.
bol e atender ao grande público, idealizaram a cobrança de
Vivas de fãs e amigos na Rampa de Palácio e uma fila de auto-
ingresso nos jogos. A receita seria para reinvestir na praça es-
móveis seguiu o cortejo até a residência do homenageado. À
portiva, carente de uma arquibancada para trezentas pessoas,
tarde, jogaram os quadros Verde e Amarelo e à noite, um baile
melhoria nos campos de futebol, de cricket, nas quadras de

138 139
tênis e em espaços para outras atividades. Em 1917, estava Em 1917, abertas as inscrições na Rua 28 de Julho, n. 17,
tudo pronto. Com o conforto das arquibancadas, senhoras e para filiação no Anilense Football Club, a estreia em frente da
senhoritas da sociedade passaram a enfeitar o campo, trans- Companhia de Fiação e Tecidos Rio Anil, com duas onzenas, foi
formando-o em ponto de encontro para exibição de elegân- assistida por numerosa plateia, com banda de música animan-
cia e beleza. do o acontecimento. Pela facilidade de transporte, com bondes
O entusiasmo contagiou os alunos do Liceu Maranhense, em circulação, algumas famílias de boas condições financeiras
do Colégio Marista e do Instituto Maranhense que, depois de optaram por morar em belas chácaras na Vila do Anil. A Fábri-
reuniões estimuladas pelos mestres, fundaram entidades com ca também contribuiu para estimular a implantação do Clube.
posterior fusão em clubes de pouca duração. Gentil Silva, No mesmo ano, teve início o Esporte Club Luso-Brasileiro, com
dissidente do FAC, organizou o novo time pensando na adesões capazes de formar duas onzenas para disputas internas
popularização do esporte, sem quadro de sócios nem entrada (Saturno e Júpiter) e com campo próprio na Quinta do Monteiro,
paga. Com duas equipes - Alemão e Francês – alugou o Rua do Passeio, em terreno próprio dos portugueses dirigentes
campo do extinto Fabril, capinou, fez um portão de entrada do Hospital. Derrubadas algumas mangueiras, o terceiro campo
pela Rua Grande e franqueou ao público. Nhozinho Santos de São Luís foi cercado e abrangeu a área ocupada atualmente
resolveu reativar o FAC como Foot-Ball Atlético Clube e, pelo SENAC e a Clínica Pediátrica de Getúlio Albuquerque.
sem campo, o Guarani desapareceu. Os sócios, elitistas, O número de times do esporte bretão carecia da coorde-
mandaram fechar o portão da Rua Grande, preferindo entrar nação de uma entidade para congregar os clubes, promover as
pelo portão da sede do FAC. competições e outras atividades. A Liga Maranhense de Futebol
Continuando a luta pela popularização do futebol, Gen- (LMS), ideia acalentada pelo FAC, desde 1916, foi instalada pro-
til Silva e outros dissidentes reativaram o Onze Maranhense Fu- visoriamente na sede do clube, no dia 1 de abril e empossada a
tebol Clube, convidando empregados do comércio e rapazes dos diretoria em 22 de janeiro de 1919. Sua independência gerou de-
subúrbios para compor o time. Pela necessidade de um campo sentendimentos entre Nhozinho Santos, líder de mais de treze
de futebol próprio, foi ocupado um terreno baldio, no Parque 15 times, e a instituição, resultando na criação da Confederação de
de Novembro, Avenida Beira-Mar, próximo ao Beco do Silva. A Desportos, em agosto de 1919. Duas associações enfraqueceram
cidade passou a dispor do segundo gramado, o campo do Onze o desporto e a crise apontou para dificuldades quase insanáveis.
Maranhense Futebol Clube. A situação precária levou ambas as lideranças decidirem pela
Outros times, como por exemplo, o Ubirajara F. Clube, o extinção da Confederação.57
Bragança F. Clube, o Vasco da Gama F. Club, Internacional Ma- A Liga teve papel importante na união das duas praças
ranhense, Fenix, São Cristóvão, Babaçu, Maranhense Foot-Ball esportivas, a Luso-Brasileira e a FAC, assim como administrou
Club, o Esporte Clube, o Onze, o Brasil Sport Club, São Luís F. os jogos de outros times que foram se organizando no acanhado
Club, Aliança F. Club; o Maranhão Esporte Clube e o Guarani meio ludovicense.
Esporte Clube.56

57
Circunstâncias exigiram da coordenação futebolística, sucessivas reorganizações:
Associação Maranhense de Esportes Atléticos, de 1927 a 1941; Federação Maranhen-
Nome dado em função da iniciativa de Gasparino, numa reunião no Bar Guarani,
56
se de Desportos (Decreto 3.199, de 14.04.1941); Federação Maranhense de Futebol,
situado no Largo do Carmo, esquina de Rua Grande com Godofredo Viana. dez/1994.

140 141
Na segunda década do século XX o clube do FAC, com gestada, da organização de um clube de motos, com o objetivo
a segurança de um clube fechado, promoveu festas carnavales- de melhor desenvolver e representar o motociclismo nas com-
cas nos salões da Rua Grande, fartamente iluminados e elegan- petições e viagens muito em voga no Brasil. Dispostos a levar a
temente decorados, envolvidos no perfume do rodó, ambien- proposta em frente, uns vinte mais animados dos sessenta des-
te propício à alegria de momo. O clube também oferecia festas portistas, reuniram-se na casa de Zayri Moreira, na Rua da Paz,
dançantes em comemoração às vitórias do time no campo. 568, em 13 de setembro de 1937, escolheram o nome da agremia-
O extraordinário fato do pouso do hidroavião Sampaio ção, discutiram as cores representativas do clube, desenharam
Corrêa II nas águas maranhenses, em 14 de dezembro de 1922, o símbolo, uma flâmula, o número de fundadores entre moto-
refletiu no inexpressivo Remo Futebol Clube, de operários do ciclistas e ciclistas, as cláusulas do regulamento e redigiram a
bairro de São Pantaleão, ao mudar o nome da agremiação para ata assinada pelos presentes. Providenciado o registro, estava
Sampaio Correa Futebol Clube, estratégia empregada para sair fundado o Cycle-Moto Club de São Luiz.58
do ostracismo. As cores adotadas também se relacionaram com O português Serafim, empolgado com o fato, adotou ao
o piloto brasileiro, - verde e amarelo - e com o aviador america- seu estabelecimento o nome de Bar Moto Clube e, posterior-
no - o vermelho, combinação posteriormente ligada às cores da mente, Moto Bar.
bandeira da Bolívia. Em 22 de outubro de 1937 o nome da agremiação foi sim-
A importância dos eventos esportivos crescia. Pela pri- plificado para Moto Club de São Luís. Sua apresentação acon-
meira vez, na tarde de 21 de junho de 1925, foi registrada, pela teceu a 30 do mesmo mês, com uma corrida, primeira manifes-
câmera de Botelho Film, a festiva abertura, com lançamento de tação esportiva oficial, seguida de muitas outras competições.59
peso, corrida rasa e salto em altura, culminada com a partida de Os associados dispunham de máquinas próprias de di-
futebol entre Sampaio Corrêa Futebol Clube e Santa Cruz. versas categorias e cilindradas, praticavam este e outros espor-
De campeão suburbano com vitória sobre times da peri- tes. O sócio, capitão Raimundo Pinheiro Filho, do 24 BC, voltou
feria, o Sampaio Correa passou a time de maior projeção ao der- suas atenções à prática do futebol entre os associados do Moto
rotar o Luso Brasileiro, iniciando a trajetória que lhe concedeu Club e, com o apoio da diretoria, o campo ganhou holofotes, es-
prestígio e a maior torcida no Maranhão. treando a primeira partida noturna entre Sampaio e Maranhão,
Surgiu de forma inusitada, outro time que, no futuro, em 17 de fevereiro de 1938.
veio a figurar entre os mais importantes, o Moto Clube. Sua ori- Gradativamente o futebol foi ascendendo a ponto de es-
gem aconteceu no meio de motociclistas que aumentavam em trangular o departamento de motociclismo e fortalecer o depar-
número e se agrupavam, ordinariamente, a partir das 21 horas, tamento de futebol do próprio Moto Club de São Luís. A soma
ao lado do relógio da Igreja do Carmo. Trocavam ideias, expe- de vários fatores levou à proeminência do futebol. As dificul-
riências, ampliavam e estreitavam relacionamentos em ambien- dades beligerantes arrefeceram o entusiasmo dos motociclistas
te fraterno na exibição do potencial de cada máquina, terminan-
do suas conversas no bar de Serafim Tavares. Como de costume,
depois das cotidianas conversas, os motociclistas atravessavam 58
O clube teria cem sócios em seu quadro. As cores adotadas, verde e branco. A flâ-
a praça rumo ao bar do Serafim. Certa noite, a pauta foi como in- mula, com duas asas abertas, envolvendo um pneu e três argolas entrelaçadas, no
alto representavam os esportes a que o clube se propunha ofertar. Previam também
centivar o motociclismo e o ciclismo, surgindo a ideia, há muito promover festivais, excursões na Ilha, pic-nic’s e corridas em pista própria.
59
Cinquenta disputaram a corrida pela Rua do Passeio naquele domingo festivo.

142 143
em seus passeios e divertidas provas pelas ruas da cidade.
Por questões pessoais muitos sócios se desligaram, dimi-
nuindo o quadro, impossibilitada sua renovação pelo alto
preço das motos. A falta de pistas adequadas, o proble-
ma na aquisição de equipamentos e acessórios carentes no
comércio local e o racionamento da gasolina arrefeceram
as corridas, ao mesmo tempo que o público preferia o fu-
tebol. Muitos sócios abandonaram as pistas pelo grama-
do, motivados também pelo profissionalismo apresentado
por clubes como o FAC, o Luso e o Sírio, organizados, com
campeonatos mais lucrativos e preferidos pela população.
Time de jovens amadores, jogadores tirados do pró- Na oportunidade, o interventor Paulo Ramos en- Partida entre Moto
prio Moto Club de São Luís, não remunerados, com ajudas tregou ao Moto Clube o estádio próprio, com mudança na Club e Maranhão
Atlético Clube,
ocasionais chamadas “bichos”, a princípio, não filiado à posição do gramado, conservação da barreira e entrada no estádio Santa
Federação, teve como primeiro diretor técnico, o tenente pela Rua Oswaldo Cruz. O ponto alto das festividades Isabel.
Vitor Santos, responsável pelo departamento de pebolismo do clube de motociclismo, foi o jogo amistoso do Moto,
do Moto Club, criado como outra opção aos sócios. Com oficialmente inaugurado, contra o grupo do Colégio Tei-
Raimundo Pinheiro Filho, substituto do Vitor, o time foi xeira Mendes. 61 Os clubes filiados à AMEA hastearam
aparecendo, com camisa verde e branco, calção branco e a suas bandeiras no pavilhão principal do campo da Rua
flâmula como símbolo semelhante ao original. Até a década Oswaldo Cruz, em homenagem ao novo clube do Moto,
de 1940, os uniformes vinham do Rio ou de São Paulo. “Em de jovens atletas amadores.
setembro de 1947, a Casa Dois Irmãos, de propriedade da firma Por todo o ano de 1939, a associação assumiu a li-
Aziz Heluy, Irmão & Cia, situado à Rua Oswaldo Crus, número derança esportiva, à medida que incentivava esportes va-
361”passou a receber diversos materiais esportivos.60 riados, promovendo concursos e provas numa praça de es-
Creditado ao incansável trabalho do tenente do 24 portes moderna, adequada para inúmeros jogos diurnos e
BC, Vitor Santos, em sessão solene, a 13 de setembro de noturnos, exibições de duas rodas pelas ruas da cidade, e
1938, na sede da Praça Deodoro, foi oficialmente fundado a prática de outras atividades esportivas, em atendimento
o time e, logo a 18 do mesmo mês, o antigo campo do FAC, aos sócios.
foi inaugurado como praça de esportes, em animada festa Na década de 1940, César Aboud assumiu o Moto
com acrobacias e outras provas em motocicletas, voleibol, como primeiro presidente e, nos quinze anos de direção,
basquetebol e um jogo de futebol entre representantes do profissionalizou o time, contratou o treinador uruguaio
24 BC e da Polícia Militar.

61
“Rui Cutrim, que atuou pelo MAC e era irmão do jogador Bilau, que participou do jogo con-
60
RIBEIRO, Hugo José Saraiva. Memória do Rubro-Negro. De Moto Cluba a eterno Papão tra o Ateneu, reivindicava que o primeiro jogo do Moto como clube de futebol ocorreu antes,
do Norte. São Luís: Aquarela, 2021, p.57. contra o time interno do Colégio Centro Caixeiral.” Ibidem, p. 59.

144 145
Carnaval

Ainda em janeiro, depois dos “Reis”, eram iniciadas


as festas pré-carnavalescas, com os famosos assaltos de sur-
presa às residências de famílias foliãs por grupos organiza-
dos com banda de música, transformando as casas em verda-
deiros clubes, regados a sucos, licores artesanais, sanduiches
e outras guloseimas levadas pelos próprios grupos assaltan-
tes. Tempo feliz, tranquilo, onde todos residentes no centro
da cidade se conheciam.
Ao despontar do século XX, o Cassino Maranhense,
conservou a tradição dos clubes anteriores.64
O Baile de Máscaras fez muito sucesso, pela riqueza
Arquibancada Luís Comitante e atletas experientes de outros estados,
do estádio Santa das máscaras exibidas e pela descontração dos participantes.
ampliou o quadro de sócios, criou o departamento de vôlei
Isabel, 1947. Prêmios às mais bonitas máscaras incentivaram o comércio
http://futebolmaranhenseantigo. e basquete e reestruturou o de atletismo. Com a aquiescên-
blogspot.com
das importadas, embora houvesse fabricação local com te-
cia da Assembleia Geral, mudou as cores para vermelho
mas os mais diversos. O jornal A Rua, de 18 de fevereiro de
e preto.62 E melhorou a praça de esportes, constituindo o
1915, registrou: “Dentro de tudo de belo que lá vimos, quatro
Estádio Santa Isabel.63 Papão do Norte foi o cognome do
máscaras nos despertam a curiosidade, representando a lavoura, o
Moto Clube, pelos vários campeonatos vencidos entre os
comércio, a indústria e o zé povo.”65
anos de 1944 e 1950.
Na década de 1920, o mais novo clube da cidade abrasi-
Outro time tradicional da cidade é o Maranhão Atlé-
leirou sua programação, misturando ouverture com sertanejo,
tico Clube, fundado em 1932, como cisão do Syrio Brasi-
tanguinho, ragtime, tango e cateretê e alterou a função social do
leiro. O chamado “Bode Gregório” sagrou-se campeão em
baile de máscaras. Na brincadeira inocente as máscaras eram
1937, firmando-se, ao lomgo das décadas, como a terceira
lindos adereços a completar a fantasia. No correr do tempo,
força da capital.
as máscaras tiveram a função de ocultação da identidade fe-
No início da década de 1950, em homenagem ao
minina, reforçada pelo uso de luvas e meias, salvaguardando
grande incentivador da prática do futebol, foi inaugura-
as características das mãos e a cor da pele. Para os homens, foi
do o Estádio Municipal Nhozinho Santos, na Vila Passos,
simpática a ideia da camuflagem por dispor de mulheres de-
com capacidade para 16.000 expectadores, inicinando uma
sinibidas, permissivas e sem censura, podendo exagerar nos
nova fase do esporte na cidade.
gestos e vivenciar comportamentos mais liberais.

62
Em 1944, César Aboud, pensando em cores mais ao agrado do povo e, fanático pelo
Flamengo, conseguiu substituir o verde e branco, escolhido pela elite. 64
O Cassino Maranhense, fundado em 4.01.1911 pelos sócios do extinto Clube Euterpe,
63
Com recursos advindos da Fábrica Santa Isabel, de propriedade da família Aboud, manteve a tradição de um quadro com a melhor camada social de São Luís.
a instituição pôde investir no essencial para o Moto figurar entre os grandes times 65
MARTINS, Ananias Alves. Carnaval de São Luís. Diversidade e Tradição. São Luís: FUNC,
maranhenses. 1998, p. 33.

146 147
Confete francês, serpentinas coloridas, bisnagas perfu- O carnaval de rua incentivava a população a partici-
madas, embrião dos posteriores lança-perfumes, pó de ouro e par do corso. No Largo do Carmo, defronte do Café Riche,
prata, plumagens, máscaras finas, leques, ventarolas, bolsa para era armado um coreto para a banda de música do Corpo
confetes, macacões, macaquinhos, dentre outros produtos, por de Infantaria do Estado tocar nos três dias. Veículos, des-
todos esses artigos oferecidos nas lojas calcula-se os apetrechos de carros importados até caminhões enfeitados, sempre na
levados pelos foliões aos salões. Os clubes mais modestos ofere- mesma trajetória, percorriam as ruas mais importantes, no
ciam festas para populares, mesma época em que brincadeiras circuito Largo do Carmo, Rua Grande, Rua do Passeio, Rua
de ruas diversificavam, incluindo novos atores e sátiras a servi- dos Remédios, Rua do Sol, Largo do Carmo, nas quatro
ços públicos e a fatos sociais. tardes carnavalescas. Famílias de classe média percorriam
Hilton Silvino da Silva, negro elegante, cabelos alisados o itinerário do corso em seus automóveis, a enfrentar as
no Salão Pompeu da Praça João Lisboa, apelidado de Giboboca, batalhas, jogando e recebendo serpentinas e confetes dos
amealhou alguns recursos, arranjou um casarão na Avenida Ge- pedestres, deixando as ruas de São Luís cobertas de papel.
túlio Vargas, perto da Estação de Bondes e instalou o famoso Alô Semelhante às usadas nos entrudos, verdadeiras guerras
Clube, promovendo bailes nas noites de sábado. Os salões fica- eram travadas nas ruas e praças entre os transeuntes ou
vam pequenos ante o grande número de dançarinos. Frequentar jogadas das janelas do casario: bisnagas, seringas e ca-
o clube dava status. Deslumbrado com o sucesso e muito dinhei- bacinhas aspergindo água suja, anilina, alvaiade e pó de
ro, comprou um carro, pagou um secretário para tratar de seus sapato e limões de cheiro. Os mais simples faziam corso
negócios e se viu cercado de mulheres, indo à falência e, assim em grandes e pequenos caminhões enfeitados, ao som de
findando a fase áurea do Alô Clube. charangas com o repertório do ano. Moças debruçadas no
Uma outra diversão tipicamente carnavalesca, trazida taipá decoravam a lateral dos veículos com saias de chita
pelos portugueses, foi o entrudo. Com muita graça e vibração, estampadas caídas para o lado de fora, cantando, tambori-
os brincantes saíam às ruas, munidos das famosas cabacinhas lando pequenos pandeiros e acenando ao povo. Não raro,
a jogar água de cheiro, pó de arroz, anil, carmim e, mais tarde, no alto da boleia, a mais bonita sentava num trono, dando
degenerando para líquidos malcheirosos. Algumas famílias, especial realce à viatura. Acompanhados por músicos, os
das janelas de suas casas, respondiam às batalhas carnavales- caminhões eram transformados em barco, peixe, ave, car-
cas, jogando confetes, serpentinas ou os mesmos líquidos e ruagem, caricatura humana com barba e bigode, conforme
pós, usados pelos passantes. a imaginação do dono e fantasias dos brincantes compatí-
Desde o domingo magro, mascarados saíam pelas veis ao tema. Era tão divertido e pleiteado que, no início
ruas, atraindo bandos a entrudar os incautos, todos con- da década de 1920, pessoas do governo utilizaram viatu-
vergindo para o Largo do Quartel, um dos pontos altos das ras públicas no corso, originando críticas do povo e da im-
brincadeiras. Grupos de vizinhos, amigos ou companheiros prensa. A princípio espontâneo, logo sofreu intervenção,
de trabalho, fantasiados e mascarados desfilavam nas ma- com itinerário determinado e classificação em concurso
nhãs domingueiras a dizer piadas aos amigos, batucando, oficial promovido pelo município.
dançando até certos pontos da cidade, onde improvisavam As inovações carnavalescas se multiplicaram desde
matinais dançantes. os fins do século XIX até meados do XX. Cordões de ursos,

148 149
de macacos, de fofões, de dominós, de pierrôs, de diabos,
de sujos e muitas outras fantasias desfilavam nas ruas e
nos clubes em excitação contagiante. Os componentes dos
cordões obedeciam ao apito do mestre, marcando a cadên-
cia dos passos. O conjunto de percussão, adulfes, cuícas,
reco-recos etc. acompanhava as marchas lentas e ritma-
das cantadas pelos foliões, com passos chamados letras.
Os cordões de bichos, guarás, carneiros, águias, erguidos
nas pontas das varas, caracterizavam cada um dos gru-
pos vindos da Vila Passos, Baixinha, Canto da Fabril, Alto
da Carneira, Madre Deus, em fila, a fazer cobrinhas pelas
ruas, liderados pelo estandarte, bordado com o nome da
brincadeira e conduzido por uma moça fazendo evoluções.
Entravam nas casas de pessoas receptivas, cantavam, dan-
çavam e recitavam versos em homenagem aos anfitriões.
Caninha Verde, fandangos, dominós, fofões exibin-
do seus guizos barulhentos e máscaras horripilantes, car-
rancas e narizes enormes, caminhões com pessoas cantan-
a sinfonia do carnaval”.67 A visão preconceituosa e crítica ao Grupo de moças
do, jogando água ou maizena nos passantes, blocos carna- da sociedade em
Baralho é evidente. João Caninana, proprietário do Bara-
valescos, brincalhões vestidos de mulher, desfilavam pelo bricadeira de rua.
lho do Cais da Sagração, considerado um dos melhores do Foto cedida por Zezé Cassas
Largo do Carmo e Rua Grande, toda sorte de zombaria a
começo do século, congregou Sina Brava, Ricardo Magro e
políticos ridicularizados, alegorias espirituosas e figuras
outros da turma da pesada, cantados e decantados na Praia
destacadas, em extravasamento de muita alegria, anima-
do Caju como os maiores desordeiros da época. Esta brin-
vam a cidade emprestando euforia contagiante no tradicio-
cadeira mais descontraída é bem característica da época de
nal carnaval de rua.
afrouxamento dos laços da escravidão e parcial integração
Da Rua do Ribeirão saía um célebre Baralho, de ne-
do negro na sociedade, a partir da década de 1870. O negro
gros sarapintados de alvaiade ou tapioca, a correr a cidade
pintado de branco, portando sombrinha ou guarda-chuva
com instrumentos musicais, cantando velho refrão: Arriba
arremedando a nobreza, desfilava aos requebros e trejeitos
siriba, arriba. Cajueiro, cajuá. Arriba, Siriba, arriba. Quero ver,
exagerados à imitação do nervosismo das senhoras com
minha Yayá.66 O Baralho, como afirmou Astolfo Marques,
seus leques tremulantes. Com o fim da escravidão, essas
era uma “fastidiosa assuada, mais um sirigaitamento do que
motivações locais criadas pelos setores mais pobres de
um ato de merecida audição, e que pretende ser agora, entre nós,

67
MARQUES, Astolfo. “O carnaval das ruas”. O Jornal, 17.02.1915 apud MARTINS, Ananias
VIEIRA FILHO, Domingos, op. cit. p. 99.
66
Alves, op. cit., p. 15.

150 151
São Luís, foram estendidas às populações periféricas da
Praia do Caju, Santo Antônio, Praia Pequena e Desterro.
A criatividade e originalidade endógenas foram criticadas
ou pouco valorizadas por alguns segmentos da sociedade,
tendentes a brincadeiras inspiradas em manifestações de
outras regiões.
A fantasia e a máscara desinibiam as pessoas e pro-
porcionavam um nivelamento social. No fundo, o prazer
constituía em pilheriar com as pessoas amigas e celebrar a
vitória do não reconhecido. O Largo do Quartel, palco de
novas e velhas brincadeiras desde o sábado pela manhã –
baralho, cordões de sujo, saruês, blocos de dominó, cruz
diabos, bandas de mascarados – em variados movimentos
e batalhas, atraía pessoas de destaque, postadas à frente de
blocos, em momento democrático, bem à maneira do carna-
valesco. Grupos da alta sociedade, na maioria funcionários
do Banco do Brasil, provocavam risos pelo traje, vestidos,
meias, sapatos altos, bolsas, perucas e maquiagem exage-
rada, inadequados àqueles homens, normalmente sizudos.
No Domingo Gordo, os Bobos, com máscaras care-
cas e narigudas, saíam pelas ruas desde a madrugada, bu-
zinando e rufando tambores. Uma figura original de São
Luís, o Cruz Diabo, vestido com macacão colado ao corpo
ou calção e casaca vermelhos, rabo comprido arrastando
pelo chão, um par de chifres pontiagudos, máscara de pa-
pelão, meias pretas e uma lança tridente de madeira, cor-
ria com menção de atirar a lança na garotada, amedronta-
da pela sua figura e pela emissão de uivos. Francisco, ou
melhor, o Chico Diabo, exemplo de brincante individual,
fantasiado, saía de sua casinha nos fundos do sobradão
Concentração de do Centro Artístico, ouvindo a meninada gritar “cruz dia-
carnavalescos
no Largo do
bo”, maneira de exorcizar o capeta. Em grupo ou solitários
Carmo Carnaval brincavam na rua ou apareciam em grande quantidade
de rua no início nos salões carnavalescos. O Urso, com máscara do animal,
do século XX e
desfile de corsos. vestia-se com um macacão peludo, feito de estopa e um
Revista do Norte

152 153
rabo comprido. Nominavam rancho à variante de cordões
com ursos presos em uma corrente e puxados por maca-
cos. Apareciam como cordão ou como marcha carnavales-
ca. Enquanto o urso dançava na porta das casas ao som
do reco-reco, cavaquinho e pandeiro, o macaco recolhia os
níqueis numa lata.
As ruas, dos Remédios e Grande, enchiam suas cal-
çadas de cadeiras para os moradores e amigos apreciarem
a passagem dos carnavalescos. Fora das convenções sociais
rígidas impostas pelas famílias mais conhecidas, as classes
populares brincavam o carnaval mais livremente, diluído
em meio a várias atrações nos cordões. Turmas de batuca-
da formaram os blocos: o Mandureba (Mário Lauande, Ne-
wton Pavão, Humberto Reis e outros), Oba (Emilio Nazar
e demais árabes), Legionários (Orlando Rodrigues), Bloco
do Comércio, Vira-Latas, Sentenciados, É do Barulho e Fu-
zileiros da Fuzarca. Uns desapareciam e outros se organi- decorrente dos ensaios acontecidos à sombra de frondosa Bloco
zavam, como Coringa, Pif-Paf, Mal-Encarados e Tarados. mangueira próxima ao 24º Batalhão de Caçadores, a Man- carnavalesco da
Espectadores, da janela dos sobrados e das casas, arremes- elite masculina,
gueira foi a primeira escola de samba de São Luís, iniciada o Vira-latas.
savam confetes, serpentinas e jatos de rodó em provocação em 1929. Foto cedida por Terezinha
Moraes Rego
ou alegre revide aos carnavalescos. No final de 1950, vá- O soldado Lousa, mandado para o Rio por ocasião
rios grupos com nome de tribos pele-vermelhas, blocos de da Revolução de 30, frequentou algumas escolas de samba
índios, apresentavam coreografia semelhante às danças e e, ao voltar, em homenagem ao 5º Batalhão, sediado na
batuques dos nativos americanos, em passos lentos e mú- Madre Deus, sugeriu o nome Turma do Quinto, à recém-
sica pouco vibrante. -formada escola, a princípio, combinação de rancho, batu-
Originadas dos blocos ou turmas do samba, nasce- que e cadência lenta.
ram as Escolas de Samba. Os batalhões, como chamavam Florência, mais conhecida como Flor, linda mula-
aos pequenos grupos de homens humildes, cujas fantasias ta procedente de Pindaré, totalmente integrada nas rodas
semelhantes a fardas militares, com galardões, botões dou- boêmias da cidade, presença constante nas festas de carna-
rados, destacados no cetim, quepes e cartolas do mesmo val, arraiais, tambores de crioula, baralho, quadras juninas,
tecido, desfilavam ao compasso dos instrumentos de per- realçava pelo rebolado, pungas e requebros. Numa batuca-
cussão feitos artesanalmente, guiados por meninas e jo- da de pescadores e peixeiros do Desterro rumo à festa do
vens passistas em caprichada coreografia, com movimen- Venâncio nas imediações do Armazém 5, perto da oficina
tos ajudados pelo desfraldar de lenços coloridos. Os laços de Aracaty Campos, Florência se destacava pela animação,
construídos entre grupos de bairros evoluíram. Com nome verdadeira porta-bandeira. Alguns rapazes subiram num

154 155
palco improvisado e determinaram o nome da batucada
de Flor do Samba em homenagem à agitada sambista, a
Nega Fulô. Assim foi criada a escola, paixão dos populares
habitantes do bairro.
A partir dos anos 1930, as várias formas de tradi-
ção carnavalesca maranhense vigoraram com mais ou me-
nos força. Certo desânimo dos foliões foi amenizado, en-
tre 1939 e 1945, com a fundação do Clube Lunáticos, pelos
americanos a trabalho em São Luís. Versões carnavalescas
surgiram desde a década de 1940, vez por outra, aparecen-
do alguma outra novidade.
Em 1947, um dos caminhões mais destacados foi a Casi-
nha da Roça. Em pindoba, papagaio na janela, rede na varanda,
panelas no fogo, trabalhadores fazendo farinha, cacho de baba-
çu, de banana, coco, gaiola, galinheiro, um tambor de crioula,
tocando ininterruptamente durante todo o corso e seus “mora-
dores”, homens e mulheres fantasiados como pescadores, lavra-
dores, caçadores, índios e rendeiras. Embrião do carro alegórico,
este retrato do meio rural surgiu por iniciativa do dono da úni-
ca oficina de carroceria de ônibus de São Luís, com endereço na
Roma Velha, hoje, parte do bairro do Monte Castelo. A Casinha
foi recebida com muita simpatia pelo público e resiste até hoje.
O crescimento das inovações ocorreu paralelamen-
te ao esvaziamento das brincadeiras mais antigas, embora,
por algum tempo, tradição e inovação conviveram no car-
naval a céu aberto. Aos poucos, as famílias foram se re-
traindo das ruas, à vista de abusos e agressões da popula-
ção mais densa e sem limites naquela oportunidade, onde
a democratização da festa de momo permitia certa igual-
dade social. Aconteceu um movimento de recolhimento da
elite aos clubes fechados.
Em meados do século XX, os três melhores clubes
preferidos pela elite eram o Casino Maranhense, o Grêmio
Lítero Recreativo Português e o Jaguarema. Agendavam
seus famosos bailes de carnaval em dias diferentes: o Ja-

156 157
guarema, de menor quadro social e mais seleta frequência,
abria suas portas no sábado para um belo desfile de fanta-
sias. No domingo, o Grande Baile de Gala, festa a rigor ou
fantasia fina, selecionada pelo preço do ingresso, aconte-
cia no Teatro Artur Azevedo;68 na segunda-feira, os foliões
do Casino terminavam a festa, às seis horas da terça feira,
dançando pela rua, da sede nova na Beira-Mar até o antigo
prédio, o soberbo sobrado à Rua Grande, com entrada pelo
Beco do Teatro; o Grêmio Lítero Português encerrava o rei-
nado do momo na terça-feira de carnaval, com exageradas
demonstrações de despedida dos foliões.69
Além de confetes e serpentinas, a grande novidade foi o
lança-perfume. O mais barato lança-perfume, de vidro, da mar-
ca Colombina, era usado pelos jovens para chamar a atenção
nos flertes, cativar as namoradas perfumando-as ou obnubilar
O elitisado
os amigos em agressivo gesto de aspergir o líquido nos olhos Clube
dos incautos. Os mais endinheirados compravam frascos metáli- Jaguarema.
cos mais caros, dourados ou prateados, fabricados pela Rhodia.
Além das usuais brincadeiras, molhavam o lenço ou a camisa
e aspiravam até a embriaguês, vez por outra, provocando des-
maios ou tumultos.
O Clube dos Ex-Combatentes, exemplo de agremiação
de classe intermediária, comemorava todos os anos o fim da
guerra. Com rigorosa triagem, admitia a entrada de pessoas
de família, funcionários federais, estaduais e municipais, ja-
mais baratas (empregadas domésticas) e pipiras (operárias de
fábrica). Tornou-se tradicional o Baile da Chita, com saia ro-
dada daquele tecido, recomendada ao sexo feminino. O úni-
co clube a prorrogar a festa da terça-feira gorda até a manhã
da quarta-feira de cinzas, do clube até a estátua de Duque de

68
Sólido tablado era erguido ao nível das frisas, o salão de dança, era complementado Sede campestre
por duas orquestras localizadas no palco do teatro.
do Lítero
69
O Grêmio Lítero-Recreativo Português, fundado pela elite portuguesa enriquecida, com
cérele progresso, construiu bonita sede social na Praça João Lisboa, local aglutinador da alta Recreativo
sociedade local. Posteriormente transferiu-se para o bairro do Anil. Português.

158 159
Caxias, em frente ao 24º. Batalhão de Caçadores era o Clube polou a cidade. Chiquinho, o Conde de Matarazzo, veio a São
dos Sargentos e Subtenentes. Luís visitar os proprietários da firma Silva Linhares, represen-
Saindo da periferia para o centro e confluindo setores tante dos mais variados produtos Matarazzo. Seu secretário
médios e elite às classes populares, o carnaval continuava ex- mostrou desejo do Conde conhecer o carnaval maranhense,
pressando as raízes folclóricas maranhenses. Sem incorporar sendo levado por um dos diretores ao baile do Moisés. Empol-
as escolas de samba do morro carioca, nem a retaguarda de gado, o visitante mandou prorrogar a festa, às suas expensas,
políticos, “padrinhos” dos grupos com fins eleitoreiros, a es- por mais uma hora e, no fim, exclamou: “Isto aqui é melhor do
pontaneidade das manifestações valorizava e distinguia a fes- que Pigale.”71
ta do momo de São Luís pelas suas peculiaridades. A beleza do Entrada franca, passe livre para o sexo feminino com
carnaval ludovicense alquebrou quando as escolas de samba máscaras inteiras, evitando serem reconhecidas pelos ho-
viraram atração com destaque nos desfiles oficiais. Em 1950, a mens, mas obedecida a exigência da identificação na porta-
Prefeitura de São Luís instituiu comissão julgadora e prêmios ria, para evitar homossexuais disfarçados de mulheres. Mes-
para blocos e escolas de samba, decorou as praças João Lisboa mo com essa precaução, alguns travestis conseguiam burlar
e Deodoro com alegorias nos coretos e determinou o percurso a vigilância. Frequentavam os bailes, empregadas domésti-
do carnaval de rua. Aos poucos, o povo foi perdendo a espon- cas, balconistas de lojas, operárias de fábricas, mulheres da
taneidade e o interesse pelo carnaval de rua. A classe média zona do baixo meretrício, casadas adúlteras na ausência dos
passou a integrar as escolas de samba e a disputa por títulos maridos, outras de bom comportamento em tempo normal,
a incluir pessoas de destaque do cenário político. Esmaeceu a sem qualquer distinção, em equivalência bem ao espírito car-
peculiaridade do carnaval ludovicense com o esforço de igua- navalesco. Os homens pagavam pequeno preço pela entrada
lar-se às exuberantes escolas de samba cariocas. porque o importante residia no lucro pela venda de cerveja,
Os diversos espaços sociais traziam certos traços asse- fartamente consumida nas mesas espalhadas pelo quintal. Os
melhados, embora o poder aquisitivo, nível e estilo de vida os homens casados desfrutavam passe livre para as vesperais,
distanciassem. A máscara foi usada em ambientes desiguais. reservadas as noites para acompanhar as esposas nas festas
Em 17 de janeiro de 1950, o jornal O Imparcial publicou um elegantes. Incalculável o prazer da convivência com amigos,
convite feito pela diretoria do Casino Maranhense aos associa- do ambiente de boemia e a “tentativa travessa de identificar as
dos e distintas famílias para o baile de fantasia ou traje a rigor, mascaradas, enquanto alguma delas bem podia ser um qualira tra-
permitidas meias máscaras.70 Um segmento intermediário da vestido.”72 Espaço para namoro e maiores intimidades jamais
sociedade, mocinhas pobres e de boas famílias dançavam em vistos no cotidiano, a exemplo, de patrão abraçado com em-
vesperais no Éden, no SESI ou no clube Lunáticos, permitidas pregada nos salões carnavalescos, incentivados pela atmosfe-
máscaras como adorno, sem camuflar a identidade. ra democrática, ajudada pela música, bebida e máscara.
O carnaval de São Luís tornou-se famoso por seus bai- Os clubes populares tomavam certos nomes a cada
les de segunda, as célebres gafieiras, a começar no réveillon até ano, conforme as músicas ou alguma circunstância. Paquetá,
a zero hora de quarta-feira de Cinzas. Sua celebridade extra-

Depoimento informal de Fernando Silva.


71

O Imparcial, pequena nota sob o título “Baile de meia máscara”, 17.01.1950, p. 8.


70
ALMEIDA, Bernardo Coelho de. Éramos felizes e não sabíamos. Brasília: 1989, p. 20.
72

160 161
Vassourinha, General da Banda, Flamengo, Dragão da Folia, Os salões, adornados com decorações sugestivas, fun-
Marajá, Pierrot, Bigorrilho, Gruta de Satã, Havaí, Colombi- cionavam com janelas fechadas para evitar os olhares e co-
na, Araçagi, Rasga Sunga, Forró da Rosa, Pelé, Cacareco, do mentários indiscretos do sereno. Em frente ao sobrado, uma
Mundiquinho, da Eulina e outros. Sem sede própria, anual- multidão espreitava, atenta a qualquer anormalidade, cena
mente mudavam de endereço, funcionando em casarões estimulante ou assustadora, qualquer acontecimento notável.
alugados e previamente informados em notas nos vários Em fins de dezembro, em notas pelos jornais, os “clu-
jornais. O capital investido determinava a clientela, haven- bes de segunda” desejavam prosperidade no ano novo e, ao
do certa hierarquia na classificação dos bailes, do mais se- mesmo tempo, informavam os novos endereços, ressaltavam
lecionado ao bem inferior e de menor exigência. Moisés, a fama das respectivas orquestras e, como atração maior, óti-
funcionário da firma Francisco Aguiar, promovia o melhor mas morenas, as garotas mais belas de todos os recantos da Ilha.
e bem-conceituado baile, com uma infraestrutura maior: Um jornal sugeria suplantar a tristeza provocada pela falta
pagava trabalhadoras para arregimentar moças, distribuir de dinheiro pelo reinado da folia e mergulhar na pagodeira.
máscaras, dominós, fantasias e macacões, providenciar o O discurso jornalístico, até meados da década de 1960, elogia-
local para a troca das roupas, articular o transporte, deter- va os bailes mascarados, sua fama pela peculiaridade muito
minar o horário de chegada ao clube, dentre outras tarefas, apreciada inclusive por turistas. O carnaval como válvula de
de conformidade com as normas impostas à parte feminina, escape, hora de esquecer os padrões de comportamento, valo-
decisiva para a reputação do baile. A coordenadora, regia- res morais, vida sofrida e reprimida.
mente paga pelo proprietário, controlava a frequência e o Influenciados pela Igreja e pelo poder municipal, notas
comportamento das mascaradas e, mesmo a serviço, podia e crônicas nos jornais, antes favoráveis aos bailes de másca-
dançar e usufruir de todo o prazer das noites carnavalescas. ra, deram início a uma campanha moralizadora, denuncian-
Era permitido aos homens entrar de fofão, nunca de short. do ousadias e licenciosidades presenciadas nos bailes sórdidos,
Pequenos apuros eram contornados com a colaboração de chamariz de indecência, libidinagem e imoralidade naquelas festas
companheiras e os incidentes mais sérios, resolvidos pelo dançantes. É necessário higienizar e modernizar o carnaval
próprio dono do baile. ludovicense, recuperando os princípios morais nos quais se
A máscara liberava o prazer para moças e velhas, apoiava a sociedade, depunha o Jornal Pequeno, de 25 de janei-
ricas e pobres, embora, nos bailes mais famosos, não fosse ro de 1965. Um repórter apelidado de Camisa Preta foi incum-
permitida roupa fuleira e as negras usavam o disfarce da bido de frequentar para ver e descrever episódios, tais como,
fantasia de nêga maluca, com meias grossas e luvas pretas. vereadores e deputados na gandaia, frei Buzaglo no Bigorri-
A voz feminina era disfarçada em tom anasalado nas brin- lho, destacados comerciantes no Tiptop, um folião para duas
cadeiras com alguém conhecido. Mulheres da elite marca- mulheres, no Paquetá, crianças aos bandos nos salões. Cam-
ram presença naqueles ambientes “de segunda”. Celeste, panha reforçada por artigos de D. Felipe Condurú e Monse-
coordenadora do baile do Moisés, depôs: “A tia de um dos nhor Papp em defesa da reconstrução dos lares. A imprensa
que foi nosso governador, foi várias vezes no nosso grupo.”73 denunciava e a Igreja mostrava a degradação da sociedade,
carecendo de uma legislação municipal. A pressão dos mora-
lizadores e a resistência dos proprietários das festas se arrasta-
NASCIMENTO, Sandra Maria. Mulher e Folia, op. cit., p. 146.
73

162 163
ram por mais de um ano. A dispensa dos impostos e o prêmio de outros espaços de divertimento salpicados pela cidade.
de um milhão de cruzeiros para os promotores de bailes sem “Nesses novos locais de divertimento social (boates e inferninhos),
máscaras oferecidos pelo executivo municipal não convence- pelo seu ambiente aconchegante, coloquial e intimista, aquelas cenas
ram alguns empresários. O dono do Clube Carcará, localizado de licenciosidade, até então, só vistas nos bailes de máscaras, passa-
na Rua da Paz, impetrou um mandato de segurança contra a ram a acontecer em toda a plenitude, sem que para tanto houvesse a
proibição parcial do poder municipal. O judiciário, pressiona- necessidade de se esconder o rosto das mulheres.”76
do pela campanha de restauração da ordem deflagrada pela Prevaleceu na década de 1960 a figura do Rei Momo,
Igreja e pela Associação de Senhoras de Família através da representado por Haroldo Rego, o Primeiro Ministro, figura-
imprensa, usou o instrumento mais eficaz, a morosidade em do por Parafuso, o Bobo da Corte, por Douglas, completado
decidir. Sinais da derrota dos últimos resistentes foram pre- o grupo palaciano com o palhaço Marreta, a Rainha do Car-
sumidos no Jornal Pequeno pela morosidade da Justiça local naval e as Princesas. No sábado gordo, a Corte peregrinava
na apreciação do mandato de segurança impetrado por Wal- pelo Cassino, Lítero, Jaguarema e Clube dos Sargentos, sendo
mir Reis contra o poder municipal. O impetrante solicitava o recepcionados pelas diretorias dos clubes e bem recebidos pe-
direito de organizar bailes de máscaras no centro da cidade, los foliões. No domingo, desfilava a bordo de um caminhão,
praticamente proibido pelo Prefeito Cafeteira. “Comenta-se que acompanhada por um pequeno conjunto musical com o pa-
o caso será protelado e Walmir Reis terminará mesmo sobrando neste trocínio de firmas locais, ora pelas Indústrias Gandra com
Carnaval.”74 Mais um ano de determinação e enfrentamentos propaganda do Sabão Girafa, ora pelo Rum Montila. Depois
com as policias Estadual e Federal. Em janeiro de 1966 os bai- do desfile, assistia ao desfile dos foliões de um palanque ar-
les estavam em plena movimentação, levando a crer a derrota mado em uma das principais praças, momento em que rádios
da prefeitura, mesmo com a promessa de milhão de cruzeiros e televisão transmitiam ao povo os folguedos carnavalescos.
para os que não admitissem máscaras em seus salões. A maio- Fora o Carnaval, as festas de junho e de fim de ano, a
ria concordou, porém Walmir Reis anunciou a realização dos população se divertia em outras ocasiões. Até meados do sé-
bailes de máscara no Carcará, localizado na Rua da Paz, pa- culo, por volta de setembro, a Praça Deodoro transformava-se
gando os impostos previstos em lei. O jornal publicou: “Apu- em feira de amostras, na verdade, um parque de diversões
ramos, contudo, que o Sr. Cafeteira está tentando por todos os meios com espaço destinado a shows, bem ao gosto popular. Por lá
não permitir que o citado baile tenha funcionamento. Contudo, não passaram: Elvira Pagã e Luz Del Fuego, ambas famosas pela
existe amparo legal que lhe assegure esse direito.”75 A luta resvala- nudez em suas apresentações; artistas de renome da revista
da para o âmbito político teve fim com a vitória da Prefeitura carioca, como Oscarito, Grande Otelo, Colé, Chocolate e Zé
Municipal de São Luís, pressionada pela Igreja, apoiada pela Trindade, reis do riso; estrelas do rádio, dentre outros conhe-
imprensa e ajudada por mudanças sócio-econômicas, como a cidos no mundo artístico popular. E as agruras da vida eram
inflação, a queda do poder aquisitivo das camadas médias e momentaneamente esquecidas.
populares, mudança de valores compatíveis com a natureza


74
NASCIMENTO, Sandra Maria, op. cit., p.188. 76
BUZAR, Benedito. “A decadência do carnaval em São Luís”. In: Caderno Especial. “Maranhão de

75
Ibidem, p. 187. outros carnavais”, O Estado do Maranhão, 27/02/1990, p. 7.

164 165
Festas juninas

No mês de junho, quatro santos são festejados: Santo


Antônio, São João, São Pedro e São Marçal. Os católicos reza-
vam a trezena de Santo Antônio, com início no primeiro dia
do mês e o encerramento a 13, dia consagrado ao taumatur-
go. Na Missa das seis horas da manhã, seguida de outras em
vários horários, os fiéis ofertavam flores, velas e distribuíam
pães aos pobres, em agradecimento a graças alcançadas. Cada
saquinho contendo uma moeda era bento por um padre e
distribuído, simpatia para nunca faltar dinheiro no bolso do
beneficiado. No fim da tarde, a procissão percorria ruas do
centro da cidade e o retorno era encerrado com a Missa canta-
da. Senhoras católicas trabalhavam nas barracas do largo, em
benefício às obras da igreja e do seminário.
A festa popular mais tradicional do calendário junino,
a de São João, começava no dia 16 com a novena e terminava,
com especial realce, na noite de 24. Vestígios de ritos antigos
pelo espaço como raios de luz quebrando as trevas, busca-pés, Caboclos de pena,
e consagrados ao culto do fogo denunciavam raízes quase pa- traço indígena da
bombas e morteiros aumentavam o barulho da cidade, músi-
gãs de velhas culturas. As fogueiras crepitavam nas noitadas bricadeira.
ca, cantoria, vozes, ruídos, danças em redor da fogueira de
suburbanas, cultuando a predestinação de João Batista. Como
cunho solidarista reuniam, confraternizavam, provocavam
escreveu Astolfo Serra “... o profeta do fogo, que predicava no de-
parentesco ou compadrio ao “passar-fogueira”. Os arraiais
serto, comia gafanhoto e mel silvestre, não tinha uma túnica para
espalhados nos diversos pontos envolviam a cidade pelo
se cobrir, mas apenas uma pele de leopardo, e cuja voz provocava
dançar nas quadrilhas caipiras, conjunto de bumba meu boi,
temores de consciência e paixões violentas nos corações, mas cuja
celebração de casamento na roça, adivinhações e sortilégios,
santidade pairou mais alto que a tentação da carne, assegurando-lhe
numa variada demonstração de alegria. O Largo do Quartel
a glória do martírio, cuja lembrança se invoca nesse culto joanino.”77
era ponto de animação junina, venda de fogos, bebidas e gu-
Fios de bandeirinhas coloridas enfeitavam casas e ruas, ilumi-
loseimas em barracas. Maxixe, carimbó e outras danças da
nadas pelas fogueiras vivas, bonitas, à porta de quase todos
época aconteciam em bailes ao ar livre, debaixo de árvores. As
os lares, como escreveu o poeta: “Símbolos imortais de velhas
ruas, bairros, largos, praças e praias da cidade brilhavam com
tradições ainda, hoje, vivendo, crepitando, ardendo, no braseiro an-
os raios luminosos incandescentes, tornando linda e alegre a
cestral de nossos corações.”78 Fogos de artifício e balões vagando
noite de São João.
Os clubes de elite ofereciam festas caipira. Em 1941,
Fulgêncio Pinto, estudioso do folclore maranhense, apresen-

77
SERRA, Astolfo. op. cit., p. 106.

78
Ibidem, p. 106. tou no salão nobre do Casino, músicas típicas, cantigas po-

166 167
pulares e toadas estilizadas do bumba meu boi, em noitada cereais e frutas. A lavagem do Santo é um ritual especial. A
tipicamente regionalista. A repercussão levou, no ano seguin- imagem de São João era levada até o rio por devotos com velas
te, a diretoria do Lítero Recreativo Português a oferecer uma acesas, ladainha específica para o evento e versos alusivos.
festa caipira. Festas desta natureza passaram a fazer parte do O ponto culminante das homenagens joaninas é a
calendário junino dos mais finos aos mais populares clubes da festa do bumba meu boi, trazida pelos africanos e levada
cidade. Em 1956, os comentários sobre a festa do Jaguarema, a diversas regiões maranhenses. Sua origem é confirmada
com sócios vestidos a caráter, alguns chegando em carroça, o pelos cantos, ritmo fogoso e vibrante, fantasias vistosas com
salão transformado em um grande arraial, adequado para a chapéus cobertos de longas fitas, golas e saiotes semelhan-
encenação de Tambor de Mina, expressaram a paulatina acei- tes às usadas em várias tribos africanas, danças utilizando
tação pela alta sociedade do bumba meu boi como elemento as ancas, braços, cabeça e pernas, sobrepassos miúdos e re-
mediador da identidade regional. pisados, também encontrados no samba, tambor de crioula
As quadrilhas, danças do meio rural francês, de pares e alguns ritmos de mina.
a executar uma série de movimentos, entraram em São Luís A coreografia, ajudada pelo sacudir dos cocás de pena
pelos salões, extrapolando para as ruas, especialmente nas e outras vestimentas de efusivo colorido e ao meio de gritos,
festas juninas. passou a exibir o caldeamento das três raças que se cruzaram
Alguns costumes interessantes prevaleceram até os e impuseram traços de suas culturas naquele festejo. Mistura
anos 1940, como a festa dedicada à Árvore de São João rea- de boi Apis, Corricôco, Pajé, Negro Velho, Preta Mina, o cocar
lizada na Estrada da Vitória. Mais raro é o levantamento do ameríndio do caboclo de pena, a máscara feita de estopa, do
Os pandeirões Mastro, madeira cortada na sexta-feira de quarto minguante, africano no Cazumbá, o Pai João cavalgando na burrinha, a
completam o som
das matracas e por quatro pessoas, das quais uma é designada pelo dono do Mãe Catarina, dançando no terreiro e o lusitanismo dos va-
levam os brincantes terreiro, o padrinho do corte. O capitão prepara o mastro, o queiros de roupas brilhantes de lantejoula, calções de seda
ao transe.
Foto Franz Krajcberg alferes da bandeira a coloca no cume, além de decorá-lo com como dos toureiros de Castela e Portugal.
Os cordões de boi eram organizados por um indiví-
duo, cumprindo promessa ao Santo, como incumbência de
um ancestral da família e passada de geração a geração ou
encomendado por alguém incapaz de pagar sua própria pro-
messa, como foi o caso de José Francisco das Chagas, entrega-
dor de jornais em São Luís, promotor do Boi Afrontador, em
1934. O líder impunha regras disciplinares, ideologia, contra-
to, pagamentos e marcava ensaios. Como verdadeira irman-
dade, familiares, aparentados, conhecidos do mesmo lugar ou
de povoados diferentes compunham o grupo.
Erguido por um brincante chamado miolo do boi, o boi
rodopia, atacando ou se protegendo dos brincantes. O pro-
prietário da fazenda, amo ou cantador, Pai Francisco e Mãe

168 169
canecas de cachaça ou tiquira consumidas até o amanhecer,
concluíam o ensaio com mingau de milho. Período de grande
movimentação, tanto para os brincantes em ensaios semanais
ou quinzenais, quanto para artesãs na confecção de capas, go-
las, chapéus, cocás e blusas dos caboclos de pena. O dia 23 de
junho, sempre reservado para o arremate das roupas e organi-
zação geral. Fazia parte da tradição, um almoço com cardápio
pesado às doze horas do Dia de São João como preparação
para a apresentação triunfal.
O povo febril, vivo, sacudindo a alma dos mara-
nhenses com sua batida de pés no chão, sapateado e dança
ao ritmo dos maracás de flandres, dos tambores e matra-
cas de madeira rija, participando do São João, com o tom
pomposo da sua mais rica festa popular. Pelo trafegar dos
transportes até a madrugada, deduz-se o considerável vo-
O variado colorido Catirina são os principais personagens da dramaticidade his- lume da população urbana que se deslocava para os locais
das fitas completam
o espetáculo. toriada através de toadas. No rol dos instrumentos: tambori- de exibição.
Foto Edgar Rocha
nho, tambor-onça, zabumba, tambor de fogo e maracá. Este Do sábado seguinte em diante, algumas famílias
traço africano foi passado para o nativo, com alguns acrésci- contratavam os “brincantes” para dançar defronte de suas
mos ou exclusões. O grupo indígena exclui o zabumba e os casas em troca de algumas garrafas de cachaça. O movi-
tambores de fogo, preferindo o tambor-onça, pandeirões, ma- mento inverso de cordões de boi a circular pela cidade,
tracas e maracás. Com ritmo menos fogoso, vibrante e agres- como foi registrado em 1949, demonstra certa imposição
sivo, o grupo indígena prefere um tempo dolente. “O africano da cultura popular, não obstante as críticas e antagonis-
incita. Este, convoca, solicita.”79 As penas de avestruz ou pavão mos às tradições atenienses. Parte da gente de São Luís,
compõem as palas altas, os capacetes e os penachos. O cabo- assistente daquela velha manifestação folclórica, de ritos,
clo real veste volumosa e colorida fantasia toda de pena. No danças e toadas tiradas de improviso, integrava as cama-
bailado, poucos meneios e gingados e mais movimento de das menos favorecidas.
pernas dentro do ritmo. A brincadeira de negros passou a ab- A temporada finalizava com a morte do boi e para
sorver grande parte da massa rústica da ilha, o ano inteiro no os três a oito dias de festa eram cevados boi gordo, capados
preparo das fantasias. e capões, transformados em assados e guisados, mocotós e
O primeiro ensaio, sempre no sábado da aleluia, co- sarrabulhos. Os padrinhos e pessoas amigas recebiam as
meçava com a limpeza das gargantas. Depois de incontáveis partes nobres do boi – fígado, filé – como recompensa às
ajudas recebidas. Geralmente a despedida era realizada
em julho, em relações sociais mais amplas. Até a primeira

79
AZEVEDO NETO, Américo. Bumba-meu-boi no Maranhão. 2ª. Edição. São Luís: Alumar, metade do século XIX acontecia o enterro do boi, sepul-
1997, p. 39.

170 171
tado no Apicum, dia de São Marçal, quando a carcaça era
arrebentada a pauladas e queimada. Convites para a morte
do bumba meu boi Rei do Gado, na Vila Correia, em 17 de
julho de 1954 e para a morte do boi da Mata, em 14 de julho
de 1962, com festejos ao ar livre, leilões e bailes demons-
tram que a tradição da cerimônia subsistiu por muito tem-
po. Com o financiamento da festa pelo governo, a tradição
foi alterada.
Cada ano os bois apresentavam um couro ricamente
bordado em canutilhos e desenhado seu nome. Os nomes su-
geriam autoafirmação, auto identificação, realeza, fama, de-
licadeza, beleza, valentia, o lugar de origem, a nação e seus
feitos, o infinito, a fé, a coragem, dentre outros atributos.
No encontro dos Bois da Ilha, brincavam: o Boi de
Fátima, de Newton, natural de Guimarães, afamado repen-
tista, comandante de um pequeno grupo de zabumba, cé-
lebre pela organização; Boi da Fé em Deus, de Laurentino, propriedade de Canuto, natural de Guimarães, mas, sediado Os couros de
bois variam a
negro de Guimarães, radicado em São Luís, organizador de um em São Luís, vez por outra, contava com o famoso e antigo cada ano.
dos principais e mais famosos bois de zabumba; Boi da Liberda- cantador do Maranhão, o lendário Alecrides, como também Foto Edgar Rocha

de, de zabumba, liderado por Leonardo, nascido em Guimarães com o maestro João Carlos, autor das melodias mais bem can-
e domiciliado em São Luís, extraordinário pelo número de brin- tadas entre os bois de zabumba.
cantes, organização e luxo; Boi da Madre Deus, caso único de Dois grupos de boi desapareceram pelo falecimento
matraca com índias de penacho alto, tangas curtas e pequenos dos proprietários: o Boi da Fé em Deus, de Laurentino e o de
corpetes de pena, destacado pelos cantadores Marciano, Vavá, Fátima, de Newton. Esses fatos levaram os bois a se organiza-
assassinado em 1980, e Manoel Onça, muito popular e solicita- rem como instituição, dirigidos por diretorias eleitas. Muitos
do em São Luís. Seu regente, Tabaco, falecido em 1983, deixou cantadores faleceram, outros morreram em vida ao trocar de
um grupo numeroso, rico e supersticioso. Excluiu a figura do grupo por interesse pecuniário. Fora os bois da cidade, os bois
caipora, pois “quem brinca num ano morre antes do outro São de matraca do Iguaíba, do Maracanã, da Maioba e da Matinha
João”. Dois bois do Monte Castelo: o Boi de Lauro, vimarense vinham participar do grande encontro joanino. O discurso de
residente em São Luís, cujos autos se distanciaram do original, intelectuais consolidou a ligação do boi à violência.80 Hum-
mostrando a cada ano uma estória com personagens requeridos
no momento e o Boi de Antero, conjunto novo de zabumba, com
a inovação de perneiras, polainas ou botas, com novas alegorias 80
Domingos Vieira Filho em seu dicionário de linguagem popular do Maranhão atribui ao ver-
e personagens, singularidade nas matanças, em verdadeiras bete batucar, vencer na briga ou no jogo; inflingir derrota a outrem. Ao verbete obra do povo,
conflito, arruaça. BARROS, Antonio Evaldo Almeida, O Pantheon Encantado. Culturas e He-
apresentações teatrais. O Boi da Vila Passos, de zabumba, de ranças Étnicas na Formação da Identidade maranhense (1937-65). Dissertação de Pós-Gra-
duação em estudos Étnicos e Africanos. FFCH/UFBA. Salvador, 2007, p. 127.

172 173
berto de Campos achou que medidas policiais poderiam brincadeira. Em contrapartida a grupos subalternos pres-
acabar com aludida brincadeira no Norte. Até meados do sionavam pela liberação dos cordões de boi no perímetro
século XX, conceituada como festa de pretos cachaceiros, urbano. Leis, códigos de postura, portarias e ações poli-
foi evitada no centro da cidade. O argumento usado para ciais variavam entre permitir, limitar ou proibir. Nota de
justificar o afastamento ou eliminação dos bois era o uso jornal de 15 de junho de 1861, assinalou a permissão dos
desenfreado da tiquira, bebida destilada da mandioca, bumbas nos festejos juninos do Maranhão e logo no ano
combustível indispensável aos brincantes. Na verdade, seguinte até 1867 foi proibido o “bárbaro brinquedo”.
os caboclos não podiam pensar em boi sem a branquinha, Na Primeira República houve alternância entre per-
a pinga, a meladinha ou cachaça, como se referiam à ti- mitir ou proibir, determinar ou não a brincadeira, confome
quira. Ela animava, amofinava, inflamava, incentivava e fosse na cidade, no subúrbio ou no interior da Ilha. Entre
1902 e 1904, encontros entre bois nos subúrbios e na cidade
encorajava a caboclada à valentia e brutalidade. Também
foram violentos. O governo reagiu, em 1905, com a proibi-
estimulava a alegria, a força para cantar e tocar “até o dia
ção dos bumbas para evitar “cenas lamentáveis” como as
clarear”. Durante os festejos juninos, a tiquira, cachaça e ocorridas nos anos anteriores. Nos anos subsequentes, não
seus derivados eram proibidos nos subúrbios de São Luís, houve maiores confrontos entre grupos, mas, em 1910, as
porém vendidos em qualquer boteco. Para burlar a vigilân- autoridades exigiram requerimento de licença dos grupos
cia, muitos enchiam pequenas bilhas de barro de bebida para brincarem na cidade e no interior da Ilha.
pela necessidade de se “calibrar” antes de brincar. As constantes reclamações publicadas no jornal A
Grande parte da população citadina e uma minoria Pacotilha contra os “prejudiciais divertimentos” no perímetro
de pessoas da elite procuravam justificar a bebida e afastar urbano, alegando barulho e brigas depois de muita cacha-
ça, resultaram, em 1918, na definitiva decisão do delegado
do boi o estigma da violência, considerando natural
de polícia de proibir os bumbas no “perímetro da capital”,
A maioria das “brincadeiras” acontecia nos subúr- tendo como limite o Apeadouro. Intelectuais, igreja e famí-
bios, nos arrabaldes: festa do Anil, do João Paulo, do Cami- lias de projeção social, até os anos 1920, mais depreciaram
nho Grande e outros espaços distantes da zona residencial que sugeriram a proibição da “brincadeira”.
do centro. Uma das características do governo entre 1930 e
A tendência da europeização cultural da Atenas 1937 foi de alternância entre permitir e proibir os bumbas
Brasileira aumentou a reação contra os divertimentos con- na zona urbana. Em 1933, o capitão Mochel recomendou
siderados primitivos. Desde o início do século XIX, o bum- as danças “da Fabril para lá”. Os bumba meu boi da Madre
ba boi foi visto como traço do barbarismo e incivilidade. Deus, Codozinho e Belira, bairros suburbanos posteriores
Violentos confrontos ocorreram entre grupos de boi e po- à Fabril, tiveram que descer a Rua do Passeio até o Cami-
liciais, em cumprimento à proibição oficial solidária com nho da Boiada, prosseguindo a brincadeira “nos rumos do
parte da sociedade preconceituosa. Por ocasião das lutas Caminho Grande”.
pela independência aconteceram provocações através de O interesse da elite franco-ateniense não era elimi-
toadas insultuosas a soldados e portugueses e, no auge nar o bumba meu boi, autêntica personificação das mani-
do entusiasmo, capoeiristas chegaram a agressões físicas. festações culturais bárbaras da negrada e caboclada, mas
Esses fatos só vieram a fortalecer a tese de banimento da servir de comparação e distanciamento, sobressaindo sua

174 175
civilidade. Para desencanto da nata ludovicense narcísica, to mais o policiamento era reforçado, mais os cordões de boi
o distanciamento jamais foi absoluto. cresciam a cada ano, ampliando seus espaços.
Como reação às diferenças cada vez mais difusas, a Algumas alegações justificavam a perseguição aos cor-
partir de 1938 até 1952 foi adotada uma política de Estado (in- dões de boi. Fora a rejeição de identificar o “incivilizado” bumba
dependente da personalidade, tendência ou opinião de um ou meu boi como manifestação cultural maranhense, católicos exe-
outro chefe de polícia), sistematizando portarias proibitivas da cravam os grupos de boi dos terreiros de mina, os bois de encan-
entrada dos bumba meu boi no perímetro urbano de São Luís. tado, pertencentes a entidades espirituais. Neste caso, donos e
É compreensiva esta atitude no momento em que agonizava brincantes eram tocadores de mina. Em 1950, crianças participa-
a Atenas Brasileira, o erudito e o euro-brasileiro emergiam in- ram de um boi sob a proteção de uma entidade, organizado pelo
tensamente novos tipos de relações e desenhavam-se novas curador e pai de santo Euclides.
fórmulas como tradições maranhenses. Conforme Almeida Uma agravante enfraquecia a defesa aos bumbas: a
Barros, “O disciplinamento dos bumbas do final dos anos 1930 violência no encontro de grupos. Disputas antigas emergindo
ao início dos anos 1950 soa como uma tentativa desesperada de e ocasionando violência, antagonismos deflagrados interna-
manter vivo e central algo que, aos quatro cantos, é anunciado mente entre membros ou tensões entre povoados ou mandan-
como morto e disperso, a Atenas Brasileira. Embora efetivamente tes, luta de contrários.
a divisão entre a Atenas Brasileira e o Maranhão Negro-Popular Os incidentes fizeram parte da história dos bumbas.
nunca tenha sido totalmente possível, ela ao menos era aparente- Insultos de membros de um grupo a outro ou toadas de im-
mente mantida até os anos 1930 e, em última instância, poucos proviso depreciando outro boi, de verbal passava a confronto
duvidavam de que cada coisa estivesse em seu devido lugar. O físico. Até a década de 1960, os jornais mostravam a frequên-
que parece chocar as elites maranhenses nos anos 1930 é que até cia de conflitos com feridos e mortos em encontros de bumba
a visibilidade e a aparência se apresentam em ruína. Embora se meu boi. É de justiça não generalizar a todos os grupos e mo-
pudesse reconhecer algo como fusões raciais e hibridismos cultu- mentos nem igualar intensidade e forma. Considere-se tam-
rais, não se podia admitir que as distinções, mesmo quando mais bém que os atritos não eram exclusividade das festas suburba-
imaginadas que reais, fossem desrespeitadas.”81 nas ou interioranas. Pessoas do centro da cidade afluíam aos
O desrespeito às portarias foi frequente no Estado subúrbios, de ônibus, bondes, locomotivas e caminhões para
Novo. As práticas e os direitos costumeiros dos brincantes, assistir às festas do boi e, na volta, o número insuficiente, de-
dançando em frente de igrejas do centro por pagamento de mora e precariedade dos veículos, além do aumento do preço
promessas ou atendendo a solicitações de famílias interessa- das passagens, suscitava irritação, altercações e depredação
das em assistir às danças em suas portas, enfraqueciam a lei, dos transportes. Conforme a nota em jornal de 25 de junho
resultando num espaço entre luta e barganha. Em 1939, houve de 1902: “... ‘o pau cantava’ no Anil, despedaçaram-se a pauladas
casos de cassação de licença de dois grupos de bois – o Impe- os bancos e lampeões da locomotiva que havia parado por defeito.”82
rador da Ilha, da Maioba e o Reparador, da Madre Deus - por Talvez pelas tensões entre “batalhões”, alguns amos re-
desobediência à portaria. Especialmente no João Paulo, quan- provavam a participação de mulheres no grupo e até mesmo

Barros, Antonio Evaldo Almeida, op. cit., p. 120.


81
82 Ibidem, p. 129.

176 177
os personagens femininos eram representados por homens. representando Pai Francisco, Cazumbá e Dom João e vinte
Até 1940, as esposas, amantes, filhas e outras parentas dos mulheres nas funções de amo, vaqueiros, rapazes, delegado,
brincantes que acompanhavam eram apelidadas de mutucas soldados, criados, corda e mãe Catirina, e o segundo boi fe-
e, posteriormente, de torcedoras. Sua função era carregar as minino, o El Dourado, do interior da Ilha, apresentando-se no
roupas, chapéus, instrumentos, comida, bebida, ajudando João Paulo.
os cambaleantes ou defendendo seus companheiros no caso A transformação do bumba meu boi de brincadeira
de embriaguez. Era incumbência das mulheres o trabalho de execrada até sua incorporação como um dos símbolos mais
bastidores: costurar, lavar, passar, cozinhar, arrumar a sede fortes da identidade cultural maranhense foi um processo
e zelar pelos pertences do boi, comprar materiais para novas que combinou resistência dos grupos no decorrer dos sécu-
vestimentas ou recuperar antigas, preparar o couro diferente los, enfrentando os aparelhos repressores, e a mudança nos
a cada ano, recuperar instrumentos, organizar ladainha, en- discursos governamentais sobre a importância da cultura
feitar altar, compor a mesa de doces, contatar com padrinhos, popular e das tradições para o turismo. A oficialização do
angariar recursos e demais providências ligadas à organiza- bumba meu boi se deu com apresentações em solenidades
ção dos conjuntos na fase preparatória do ritual da festa. Mes- no Palácio dos Leões, no final da década de 1960. A agres-
mo sem participar como personagens, as mulheres estavam sividade entre os grupos aos poucos diminuiu, o mesmo
sempre presentes, inclusive nos confrontos entre grupos, de- acontecendo com os incidentes e atos de perseguição à
fendendo seus homens ou como pivô das brigas. No encontro brincadeira, até o entendimento histórico entre os donos
de “batalhões”, o tempo fechava com pauladas, facadas e pos- de Bois e o Comandante do 24º Batalhão de Caçadores, em
teriores licenças cassadas pelas desordens praticadas. Confor- 1985, em torno do encontro dos grupos no bairro do João
me depoimento do brincante Canuto Santos, em 1963, a ri- Paulo, o antigo marco para a circulação.
validade sempre existiu: “É rivalidade. Estavam querendo brigar Passado de diversão bárbara para cultura popular, os
desde as três horas da manhã. Nós estávamos brincando na Madre governantes determinaram espaços “nobres” para as brinca-
Deus e eles chegaram e ficaram no início da rua. Para nossa salva- deiras do bumba meu boi, perdendo, aos poucos, sua origi-
ção e deles, quando passou o piquete, seu Joca chamou o sargento e nalidade. A Fundação Cultural do Maranhão cadastrou, em
mandou debandarem. Saímos e fomos brincar no Diamante, Camboa 2003, duzentos e vinte e três grupos: 88 de sotaque de orques-
e na Liberdade, onde pegamos um engana bucho (pequena refeição) e tra, 44 de matraca, 53 de baixada, 20 de zabumba, 5 de costa
saímos. Quando chegamos perto da estação de Bonde, nos pegaram, de mão e 13 alternativos.84
aí foi bala, pau, faca. Virgem! Saiu gente ferida. Mas graças a Deus O dia 29 é de homenagens a São Pedro e São Pau-
que nem do meu grupo e nem do dele mataram ninguém. Isso no lo, porém a maior ênfase é dada ao “Chaveiro do Céu”.
interior dava muita confusão. A rivalidade sempre existiu: era um No alvorecer do dia, grupos de bumba meu boi, principal-
querendo ser melhor do que o outro.”83 mente os de sotaque da ilha, de sons estridentes de matra-
Como caso esporádico, em 1930, brincaram em São
Luís bumbas de mulheres, o Prenda de Amor, três homens
84
OLIVEIRA, Andrea. “Nome aos bois: tragédia e comédia no bumba meu boi do Maranhão”.
São Luís [s.n.], 2006.In: CAMÊLO, Júlia Constança Pereira. Fachada da Inserção a saga da
Ibidem, p.126.
83
civilidade em São Luís do Maranhão. São Luís: Café & Lápis. Editora Uema, 2012, p. 110.

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cas, pandeirões e orquestras, em chegada desordenada e maioria de pescadores, uma vez que a Ilha Grande conta
impressionante miscelânea de estilos, vindos de todos os com relativa produção pesqueira. Depois da Missa cam-
cantos da Ilha, se dirigem para o porto da Madre Deus, pal, no Largo de São Pedro, cantadores, violeiros e grupos
para encontro dos “batalhões” pesados, com seus brilhos de Boi animam o largo, sem hora para terminar. Fogos de
e sotaques, maiores ou menores, com a finalidade de lou- artifícios e bombas debaixo de latas, em dezenas de uma
var o Santo padroeiro dos pescadores. Todos unidos cum- só vez, explodem no arraial.
prem a devoção, com reverência, quase obrigação de fé O quarto festejo do calendário junino maranhense
ao protetor dos boieiros. Conforme a maré, o Santo dava é o de São Marçal. Em 1928, um morador do João Paulo,
uma volta na baía do rio Bacanga, na maior canoa, toda empolgado com o espetáculo exibido no Anil, solicitou de
enfeitada, seguida de igarités, canoinhas e cascos dos pes- comerciantes do bairro ajuda para contratação de bois a se
cadores. Depois de construída a Barragem do Bacanga e a reunirem no dia 30 de junho em homenagem a São Marçal.
capela, o Santo passou a ser conduzido no carro do Corpo A afluência dos grupos aumentou a cada ano. O fato dos
de Bombeiros, seguido de carreata até o porto do Geni- diversos grupos serem convidados especificamente para o
papeiro, para a procissão marítima. A imagem, na lancha mesmo local e no último dia do mês levou os brincantes
Encontro
de Bois, maior, bem enfeitada e com banda de música, seguida por a considerarem uma espécie de despedida do São João e,
homenageando lanchas menores, barcos, igarités, canoas grandes e pe- como toda despedida, o momento exige congraçamento,
São Marçal, no
bairro do João
quenas, todas embandeiradas, em meio ao foguetório, de- alegria e união. O ambiente contrário ao estereótipo estru-
Paulo. sembarca na Madre Deus, onde é recebida pela multidão, turado pelas elites, de confusão, sangue e morte, desapon-
tou até os militares do 24º BC que passaram a acolher e
alimentar os brincantes visitantes do João Paulo, em festa.
O grande evento mobiliza bois de matraca de toda a Ilha e
uma multidão de acompanhantes, lição de persistência de
uma linda e rica manifestação cultural do povo vencedor
das tentativas de proibição e banimento do folguedo ao
longo da história do Maranhão.
Nas últimas décadas, a brincadeira vem sofrendo
muitas alterações por conta da exploração comercial e o fi-
nanciamento dos órgãos de cultura estaduais e municipais.
As toadas tornaram-se bajulatórias, o auto foi reduzido
pelo tempo corrido das apresentações, a escolha de figu-
rantes passa por critérios televisivos de beleza, quebran-
do a antiga espontaneidade do caboclo, tudo determinado
pela comercialização dessa manifestação cultural, antes tão
reprimida e hoje tão valorizada pelo turismo como marca
de nossa identidade.

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São Luís se colore no mês
de junho. Vista do Largo
de São Pedro. Figuras do
Bumba-meu-boi: caboclo
de fita, couro de boi,
máscara de cazumbá,
chapéu de vaqueiro e
caboclo de pena.
Páginas seguintes:
Roda de Tambor de
Crioula.
Fotos Edgar Rocha

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184 185
Boemia

Na São Luís do começo do século, homens, mulheres


e crianças transitavam pelas ruas estreitas do centro ou pelos
bairros rumo ao trabalho, a escola, a igreja, de volta a casa,
na maioria a pé, pelas curtas distâncias da tranquila cidade
servida por bondes, poucos ônibus e automóveis. Nos fins de
semana, fora passeios pelas ruas, praças ou banhos de mar,
era comum cadeiras nas calçadas e conversas entre vizinhos.
Cidade pequena, sem muita violência, permitia sono tranqui-
lo com janelas abertas no tempo do calor e a porta da rua en-
costada até o retorno do último farrista.
O romantismo do século anterior prevalecia entre
jovens. Falas de improviso, citações clássicas, declamação
de seus próprios versos, verdadeiro culto à arte de dizer e
escrever bem. Nos bancos do Largo do Carmo, em bares,
jardins, cafés, grêmios, centros acadêmicos, infalivelmen-
te surgiam discussões calorosas sobre gramática, literatura
e política, no mais puro português. Preferiam expressões de sobrevivência do espírito ateniense, tornou-se obrigatório. Na 5ª e 6ª
Devoção ao culto poético longínquo. O povo, indiferente, des- portas da
ou adágios antigos a gírias. A colocação de um pronome direita para
ou uma regrazinha de sintaxe gerava discussões intermi- conhecia e preferia o carnaval, festa de São João, o futebol, aos a esquerda
devaneios românticos da centúria passada. funcionava o
náveis. Não raro, em rodas de jovens na famosa sorveteria famoso Moto
do Hotel Central, homens de jornal, velhos professores, in- Em tempos áureos, sobradões foram ocupados por Bar.
telectuais renomados, participavam e aproveitavam o mo- membros do Senado da Câmara, magistrados, conselhei- Revista do Norte

mento para proferir minipalestras de relevância intelectual. ros, barões, grosseiros negociantes, capitalistas e proprie-
Afrânio Peixoto assinalou que “o piedoso Maranhão teve a in- tários, advogados, médicos renomados, importadores e ex-
fluição de saber dizer: lá se fala bem porque se vive bem.” Uma portadores europeus. O luxo e lustre dos soalhos e portais
pequena parcela da sociedade vivia bem. garantidos pela mão escrava, no decorrer dos anos, foram
Os oradores apareciam em qualquer circunstância, em substituídos por pobreza e poeira e a quebra dos privilé-
tom dramático, gesticulando, construindo frases, criando dra- gios seculares forçaram os potentados, saudosos do brilho,
mas e arrebatadas imagens ao impulso da inteligência acesa, poder e dinheiro, um por um, debandarem, deixando o ca-
evocando cenas históricas da terra, reverenciando o passado sario em claros sinais de decadência. O silêncio sepulcral
em franco exagero. O apego às tradições cultuadas apenas denunciava a morte em seus interiores, enquanto fachadas
por uma pequena fatia da sociedade que havia ancorado no imponentes mascaravam o sepultamento anunciado a par-
passado colonial e imperial, verdadeira veneração em atitude tir da segunda metade do século anterior.

186 187
Pela carência de habitação, família pobres ocuparam os tinho. O chefe de polícia proibiu o trânsito de prostitutas
baixos do casario colonial. A prostituição era disseminada em nos locais onde houvesse residências familiares, atenden-
outros bairros ou ruas do centro da cidade, desqualificados por do à parte da sociedade feminina ludovicense ciumenta
tradicionais “entreveros nas casas suspeitas”. Na Rua da Im- dos maridos, assíduos frequentadores do bairro. A repul-
prensa havia o cortiço da Rosa Percevejo onde, vez por outra, ar- sa às ‘mariposas’ não chegava a impedir o trânsito livre,
ruaças promovidas por cabras e capoeiras, especialmente gente nas estreitas ruas da Praia Grande e em um determinado
egressa do mal afamado bairro Carrapatal, resultavam em cabe- cinema, o Rival. Esta movimentação era bem controlada
çadas, confusões e correrias. pela Chefatura da Polícia, estrategicamente instalada nas
Na Rua do Norte, um estabelecimento comercial, intitu- imediações da zona do meretrício.
lado Cabana de Pai Tomás, reunia parte da boemia da cidade e, Aquela região sossegada passou a movimentada,
vez por outra, quando a temperatura aumentava pela cachaça- especialmente nos sábados e domingos, embora todos os
da sem limite, os beberrões chegavam às vias de fato com pan- dias houvesse fluxo de pessoas. A classe média, especial-
cadaria e cacetadas. A polícia desconhecia as denúncias dos jor- mente estudantes universitários, em verdadeiro ritual,
nais contra a Cabana, pelas injunções de pessoas influentes. Ou- obedecia a certo itinerário: cerveja no Hotel Central, Moto
tro bar com o mesmo nome, no começo da estrada Turu/Olho Bar, no Jorge, o grego, no de Henrique Gago ou outro bar
d’Água, além de bebidas, mulheres e música, dispunha de um nas imediações, ligeira encostada no Abrigo da João Lisboa
balneário às margens do rio Ingaúra, local discreto e convenien- e, por fim, um reconhecimento com entrada nas pensões
te à classe alta masculina por ser distante do perímetro urbano. até decidir onde ficar por mais tempo.
No começo do século, dois movimentos contribuí- As donas de pensão, mulheres com grande expe-
ram para a expansão urbana: a instalação do parque fabril riência no ramo da prostituição, alugaram geralmente os
e melhoria da infraestrutura de transportes e, como políti- andares de cima de prédios desocupados, fizeram refor-
ca de profilaxia, a expulsão dos moradores dos baixos dos mas necessárias para a nova função, sublocando a parte
sobrados, cortiços e palhoças do centro da cidade. térrea para bares ou restaurantes.
Movimento contrário, no que se refere à ocupação As moças, muitas vindo do interior, recebiam orienta-
do casario colonial, aconteceu na década de 1940. O in- ções necessárias para o desempenho do ofício: como se trajar,
terventor Paulo Ramos concordou com o chefe de polícia, se portar, aceitar pessoas destacadas para passar algumas ho-
Flávio Bezerra, em acabar com as casas suspeitas dissemi- ras do dia ou da noite, não admitir excessos ou degenerações,
nadas pela cidade, confinando as raparigas nos velhos pré- exigir respeito dentro dos limites estabelecidos na época, tra-
dios da Praia Grande. tar bem os parceiros, ter compostura no salão sem excessos em
Para o Interventor, reunir as meretrizes num só pe- bebidas, enfim, uma série de normas valorativas da própria
rímetro significou medida de segurança. Oficializada a casa. As proprietárias ou madames, umas com docilidade e
prostituição com a constituição da Zona do Baixo Meretrí- outras com dureza, exploravam as “inquilinas”e exerciam cer-
cio, bem no coração do Centro Histórico, muitas boites se ta autoridade junto aos clientes. Um episódio lembrado por
instalaram na Rua Direita, da Palma, do Giz, da Saúde, da antigo frequentador confirma: certo freguês assíduo pediu a
Estrela, Formosa, da Manga, nas travessas Feliz e do Por- Maroca uma moça inteligente. Com presença de espírito, a

188
senhora mostrou o engano rior da parte térrea abrigavam as meninas, no primeiro andar,
do freguês ao entrar em en- o salão de dança ou salão da casa e, no segundo pavimento, os
dereço errado. “É na Rua da aposentos de Maroca e uso de pessoas mais ilustres. A clien-
Paz a Academia Maranhense de tela cativa formada por cidadãos de maior poder aquisitivo,
Letras. Vá dormir com um dos trajados de paletó e gravata, verdadeiro desfile de moda mas-
imortais. Lá a inteligência está culina da época e as toilettes das anfitriãs com vestidos longos,
à escolha. Aqui, compadre, o que decotes generosos e bons perfumes, davam um ar solene ao
posso lhe servir é uma linda mu- ambiente. O barzinho na frente do térreo servia bebidas quen-
lher.”85 Risos e conversa ter- tes, Martini, Rum, Bacardi, Montila e cerveja. A pensão de
minaram com a apresentação Maroca foi a primeira a servir whisky. Nas pensões de menor
ao cliente de uma bela cabo- prestígio, Bangalô, Bela Vista, Boate Azul, City, Crás, Cristal,
cla do interior da Ilha: “aqui Elite, Fênix, Hollywood, Internacional, Itu, Jurupiranga, Laví-
está sua querida inteligência, nia, Monte Carlos, Night and Day, Oásis, Pau de Arara, Rabo
faça bom uso dela”. A moça foi de Saia, Sonho Azul, Sonho Amarelo, Zilda Branca, Zilda Pre-
apelidada de “Inteligência ta, e outras tantas, predominavam estudantes, malandros e
da Maroca”. homossexuais. Embora houvesse um nivelamento, nenhum
Existiu uma classifica- preconceito e diferença havia entre classes. Homens de todas
ção dos cabarés: logo na entrada da Rua da Estrela, os de nível as categorias sociais frequentavam qualquer das casas, con-
Prédio onde mais baixo, assim como na Rua Afonso Pena, só espeluncas; graçados pela alegria e descontração ou cabeçadas, confusões
funcionou
o cabaré da melhorava o padrão das pensões na Rua 28 de Julho; os me- e correrias.86 Certas ruas do centro eram desabonadas pelo as-
Maroca. lhores prostíbulos ficavam na Rua da Palma, centro da ZBM. sentamento de algumas boites muito inferiores, como a Mata
Núcleo aglutinador de todos os segmentos da sociedade, a Homem, na Rua Formosa, canto com a Travessa da Lapa, a
frequência variava conforme o prestígio da casa. Intelectuais, Espoca, no final da mesma rua e a Couro Grosso, na esquina
artistas, poetas, empresários, políticos, magistrados se diver- da Lapa com Portinho. Os chamados Rodos, da Rua da Saú-
tiam na pensão da Maroca, a “Rainha da Zona”, da Regina, de e do João Paulo, acolhiam os quase miseráveis. A cacha-
ambas na Rua da Palma, somadas à da Lolita. Estas mais tra- ça predominava em bares simples para pessoas mais pobres.
dicionais e elitizadas, formavam o Triângulo de Ouro da área. As mulheres de pensões mais modestas usavam trajes menos
Madame Maroca, carismática, famosa e querida por todos, es- dispendiosos, porém vestiam-se bem, mantinham-se limpas
pecialmente pela nata da sociedade local, atraía pela maneira e cheirosas, enquanto os homens podiam entrar de manga de
peculiar de tratar, conversando e apresentando mulheres ao camisa, jamais de bermuda.
gosto dos clientes especiais. O controle, supervisão, cobrança Uma série de meias-moradas transformadas em casas
das “inquilinas” e venda de bebidas eram administradas pela de cômodos, na Rua Jacinto Maia, descendo para o Mercado
“madame”, espécie de gerente do sobrado. Quartos no inte-

86
Embora haja gradações em matéria de importância, optamos pela relação de algumas pensões
85 REIS, José Ribamar Sousa dos. ZBM: o reino encantado da boêmia. São Luís, Lithograf, 2002, p. 63. em ordem alfabética.

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e na Rua da Estrela, em direção ao Quartel, não tinham as a zona recebia a maioria dos homens em verdadeira revoada.
características das pensões. As moradoras faziam ponto nos Certa ocasião, ao meio da maior animação, surgiu um tumulto,
bares da redondeza, em algum cabaré ou em trechos de de- corre-corre, mesas, cadeiras e garrafas derrubadas. A briga ces-
terminadas ruas, mas, na maioria das vezes, concluíam suas sou quando Maroca ameaçou expulsar os desordeiros, alertan-
aventuras na própria casa de cômodos, semelhante a motel. do: estão pensando que a pensão da Maroca é o Casino Maranhense?
Era uso geral as prostitutas estenderem suas roupas Depois da conversa com namoradas, noivados, festas de
íntimas nas sacadas de ferro dos sobrados, tremulando como aniversários, casamentos, os varões habitualmente terminavam
bandeiras ao vento, como chamariz aos clientes. a noite na zona do meretrício. Grandes empresários, autoridades
A vida calma de São Luís foi alterada com a chegada militares, membros dos poderes executivo e judiciário, do mais
dos soldados americanos da Segunda Guerra Mundial para a alto aos baixos segmentos sociais marcavam presença constante
construção do aeroporto do Tirirical, imprescindível na escala no ambiente, amálgama de mulher, música, dança e cabaré.
a Natal, ponto estratégico para os voos diretos a Dacar. A dança constituía um dos principais lucros pelo con-
Os salões do último andar do Hotel Central funciona- sumo de bebidas, razão pela qual uma das exigências das
vam como casino de poker e bacará para os ianques que, bê- donas de pensão no ingresso das “damas da noite” era saber
bedos, em algazarra, saíam perturbando o sossego de alunos dançar. Bons dançarinos davam uma esticada até a 28 e ad-
internos e professores do Colégio Marista, naquela ocasião, jacências em busca das andorinhas pés de valsa ou pés de ouro.
alojados no Palácio do Arcebispado.87 Aconteciam verdadeiros shows nos principais salões das pen-
Uma das opções de distração dos soldados americanos sões. Casais flutuando ao som de valsas e a vibração da plateia
foi a ZBM. Lá, deixaram bons trocados em dólar. Veio com eles a exigir dos pares coreografias e passos inovadores resultavam
um jazz para distrair os soldados aquartelados no Tirirical. O ba- em disputas acirradas. As cortesãs preferiam dançarinos com-
terista Mister John se radicou em São Luís, optando por morar e petentes e muitos homens aprenderam a bailar no ambiente
trabalhar na ZBM, razão da difusão do suingue, logo substituído descontraído da zona, verdadeira escola de danças variadas:
pelas músicas românticas. Em 1948 surgiram mambo, guaracha, samba, samba-canção, bolero, fox, foxtrote, valsa, tango ao
rumba, merengue e outras novidades. som de orquestras do Jazz Alcino Bílio, João Jazz Maranhão,
O clima de guerra assustava a população quando a cida- Jazz Vianense, Jazz Guarani, João Carlos Nazaré, músicos no-
de ficava às escuras, em treinamento de defesa a possíveis ata- táveis ao piano, saxofone, trombone, trombone-de-vara, pis-
ques. Terminado o período belicoso tudo voltou ao normal. ton, violino, contrabaixo, bateria, pandeiro, como Chaminé,
A mesma clientela masculina, frequentadora dos melho- Roque, Mundico Pereira, Zé Hemetério e muitos outros e can-
res clubes sociais da cidade, terminava muitas de suas noites na tores denominados de crooner. Moacir Neves, grande frequen-
Zona do Baixo Meretrício. Depois dos grandes e animados bai- tador, muito cantou na Cristal e na Cras. Somente as pensões
les a rigor ou festas com exigência de rigoroso traje a passeio, classe A dispunham de orquestras ou música ao vivo. As mais
promovidos pelo Casino Maranhense ou outros clubes de elite, simples instalaram “radiolas”, com músicas ecléticas e confor-
me o sucesso das emissoras.
Os mais bem pagos trabalhadores maranhenses, os es-
87 Em 1949, o Colégio foi transferido para as novas instalações da Rua Grande, esquina com tivadores, com seus paletós de linho acetinado ou casimira, se
Outeiro.

192 193
destacavam pelos grandes gastos nas noitadas. Naqueles salões Uma casa de jogo com realce do bingo, entre a Rua For-
circulava muito dinheiro e tudo podia acontecer, especialmente mosa e da Palma, chamada Quino do Simão Félix, completava o
nos de primeira classe: paixões violentas, amores, casamentos, quadrante de diversões das meretrizes e frequentadores da zona,
negócios, confabulações políticas, conversas amenas, declama- somada à distração, a esperança de algum trocado a mais para
ções, números musicais como nos saraus familiares, festejos de uns e outros.
aniversários, vitórias comemoradas com muita e boa bebida, Com as regras da moral modificadas, o conjunto de pros-
comida e música, complementados com o charme feminino. tíbulos, cabarés, pensões da Praia Grande, soma de boemia e
Ao brindar uma grande alegria ou ganhar uma questão, o fe- prostituição, território de democracia sexual, perdeu o en-
lizardo costumava fechar o cabaré e tudo corria por sua conta canto, a partir dos anos 1970, com as enormes mudanças
em demonstração de poder e esnobismo. Era também palco de dos valores sociais e maiores possibilidades econômicas.
desenganos e frustrações. Adolescentes, levados por familiares, O espraiamento contínuo da cidade com a ponte de São
amigos ou companheiros, eram iniciados na arte do amor, com Francisco, inaugurada em 1970, e a moda dos motéis, flats
profissionais do sexo na ZBM. e apartamentos de solteiros de mil feitios e maneiras, pul-
Entre as décadas de 1940 e 1960, a ZBM representou um verizados por toda São Luís, descentralizou os “ninhos de
dos locais de grande frequência, devido sua peculiaridade de re- amor sem compromisso”. O Baixo Meretrício substituído
unir mulheres agradáveis a todos os gostos masculinos. Os bares pelo Alto Meretrício. A Praia Grande transformou-se em
e restaurantes da zona do meretrício viviam cheios pela deliciosa ponto de convergência dos segregados da sociedade. Pou-
cozinha servida a qualquer hora do dia ou da noite e pela co- cos casebres-pensões resistem, sem nem sombra da fama
Sobrados na
modidade dos boêmios de curtir a ressaca ou levantar a moral dos tempos áureos, onde o luxo e o fluxo de dinheiro equi- Zona do Baixo
da turma da noite. Caldo quente de carne com ovos, além de re- valiam ao de muitas atividades sociais e comerciais. A ZBM Meretrício.
feições mais caras, servidos em louça limpa, ambiente azulejado
e espelhado no bar e restaurante Maracangalha, nos baixos da
Cristal, se igualava aos restaurantes mais elitizados de São Luís.
Uma pequena garagem transformada em venda de carne assada
de panela, mocotó, baião de dois, cuxá, arroz de cuxá, caças e
outras guloseimas, a Base de Maria Camelinho, atraía a melhor
clientela da Ilha, com fila de espera pela pequena quantidade de
mesas improvisadas. Outros bares vizinhos das boites contabili-
zavam bons lucros garantidos pela assídua freguesia.
A Zona do Meretrício figurou como um dos pontos
de diversão noturna com salões elegantes, bons conjuntos
musicais, encontro de homens, embalados pelo charme de
meninas da Ilha, do interior e de outros estados, ao som de
animada música, luzes e cores e, de quando em vez, arrua-
ça, bebedeira, faca, bala e sangue.

194
virou um aglomerado de cortiços, de casas de prostituição, com a Avenida Magalhães de Almeida, no porão de um sobra-
pobres, com poucas condições sanitárias, em ruas quase de- do, funcionou o Para Todos, do cearense Raimundo Cavalcante,
sertas, prédios escorados, muitos interditados, acolhedores pouco frequentado pelos poetas, relutantes em serem servidos
de algumas antigas meretrizes, sobrevivendo de biscates, ao pé do balcão. O Bar Atenas, do Raimundo, na Rua de Nazaré
vendendo bebidas e frutas em barraquinhas improvisadas. reunia pintores, escritores, poetas e, como se expressou Bernardo
A Segurança Pública não mais licencia casas para pensões e Coelho de Almeida, noviços da confraria; o Bar de Jorge, o grego,
similares na área da Praia Grande. Alguns sobradões estão de Zois Sotirious Gantzias, na ladeira da Rua Humberto de Cam-
ocupados por cursos universitários, repartições ou residên- pos, entre a Praça João Lisboa e a Rua Herculano Parga, ponto
cias de funcionários públicos. A parte térrea de outros, len- de convergência de farristas; outro ponto de reunião e relaxe aos
tamente sendo ocupada pelo comércio e os altos, moradia apreciadores da culinária árabe, o Estômago de Aço, ficava na
coletiva para famílias. Como falou José Ribamar Reis: “Neste Ladeira do Comércio, canto com a Rua da Palma.
palco de sonhos, ilusões e frustrações perdeu-se a Cidade do Pecado, pas- Da esquina da Rua de Nazaré até a Rua Afonso Pena um
sa para a história são-luisense, esse pedaço de chão úmido, cheirando a conjunto de bares se instalou no Largo do Carmo, a começar pelo
maresia e beira de cais, devido ter o mar aos seus pés, como testemunha e de Chico Preto com seu café expresso e ponto de afluência de
sendo o reflexo das saudades infinitas de dezenas de gerações.”88 intelectuais, jornalistas, advogados e grandes comerciantes para
A vida boêmia acontecia em outros pontos da cidade. discutir fatos em evidência; o Garoto, de Abraão; o Moto Bar,
Intelectuais, poetas afamados pela capacidade de beber noite a do Serafim Tavares, famoso pelo tira-gosto de pernil; o Pife-pafe
dentro, circulavam pelas ruas e frequentavam bares e botequins de Manoel Português; o Café Brasil, na esquina da Rua João Vi-
tradicionais. Esses boêmios muito conhecidos pelas cantorias, tal, do português Manoel Barroqueiro. Do outro lado da Praça
serenatas ao violão, intercalando músicas, recitativos, discursos João Lisboa, o de Henrique Gago, na Rua do Sol nos baixos do
e polêmicas, não raro, continuavam a algazarra pelas ruas, acor- sobrado defronte aos Correios e Telégrafos, com sua clientela
dando o casario com rumores alegres ou chorosos, taciturnos ou de políticos. Todos esses espaços são inesquecíveis pela cerve-
tagarelas, discretos ou escandalosos, conforme o sentimento de ja gelada, pelos tira-gostos e por serem ponto de confluência
euforia ou tristeza. Esses encontros revelaram talentos. de muitos segmentos da sociedade. O Bar do Jorge, no Abrigo
O Bar do Hotel Central, de Antônio D’ Oliveira Novo da Praça João Lisboa, antecedia o primeiro quarteirão da
Maia, em frente à Praça Benedito Leite, local aprazível de Rua Grande, com Narciso, proprietário da Mercearia Portuguesa
ventilação constante, onde os jovens iam saborear o célebre que, num amplo salão instalou um bar, servindo cerveja muito
sorvete do velho Lúcio, marcou época tanto pela cerveja gelada e deliciosos camarões secos como brinde da casa. Na es-
gelada, quanto pelos tira gostos. quina do cinema Eden, o bar do Pataquinha também atraía boa
Grandes lucros obtiveram quando os soldados ianques freguesia. De todos os bares da cidade, nenhum se comparou
acampados no Tirirical pagavam suas farras em dólares. O Café em ambiente, amenidade e tradição, ao Bar do Castro, do espa-
Paulistano, dos irmãos Nicolau, ficou famoso pelas batidas de nhol Leôncio Castro, situado na Rua do Sol. Foi o último reduto
limão, laranja da terra ou maracujá. Na esquina da Rua Grande da boemia de São Luís, graças ao cavalheirismo e bondade do
Cônsul espanhol: além de aceitar vales, na hora de fechar, ainda
emprestava dinheiro aos fregueses endividados. Uma turma de
REIS, 2002, op. cit., p .29.
88

196 197
intelectuais se reunia para discutir os planos editoriais da revis- Tipos populares
ta Grupo Legenda, reunião alongada com acaloradas discus-
sões, récitas, toadas de bumba meu boi, concerto de saxofone, As ruas de São Luís foram palmilhadas por tipos po-
flauta, em meio de pileques fantásticos e sem hora para ter- pulares, perambulantes sadios ou doentes mentais, desocupa-
minar. Seu Castro jamais se alterou com os esturros de uns, dos, mendigos, sem família, sem teto, idosos carentes, tipos
gargalhas ou cara enfarruscada de outros, nem com a bagunça com mania de grandeza, esmolando ou não, alcoólatras de-
generalizada. José Mario Santos, reunia jovens vestibulandos sencantados com a vida, indiferentes ao seu aspecto físico e
e davam aulas gratuitas de literatura no Bar do Castro. Certa geralmente recorrendo à bebida paga por companheiros de
vez os habitués cerraram as portas do bar para, em ambiente boteco. Inúmeras figuras pitorescas encheram de humor a his-
fechado e à luz de velas, homenagearem Ferreira Gullar. Al- tória de São Luís. Alguns, limpos e bem vestidos, moravam e
guém insistentemente forçou a porta. Ao abrirem o requinta- eram assistidos por suas famílias. Outros viviam da caridade
do círculo privado, entrou um rapaz magro, alvo, tímido, de pública, compostos com roupas usadas herdadas de pessoas
olhos brilhantes, indagadores. Só um do grupo o conhecia em generosas, alimentados pela solidariedade de particulares ou
conversa sobre poesia. Indiferentes ao intruso, seu conhecido instituições privadas e dormindo de favor nos fundos das re-
falou ao homenageado de sua poesia ao estilo Castro Alves. O sidências, em escadarias, debaixo de marquises ou ao relen-
rapaz tímido era o poeta Nauro Machado, que se tornaria um to. Deficientes mentais, esmoleres ou desocupados, vivendo
dos maiores nomes das letras maranhenses.89 personagens imaginárias se destacavam pelos trajes, manias,
Bares mais afastados do centro da cidade atraíam os boê- posturas altivas e alguns alcoólatras, frequentando sempre os
mios. O Cajueiro, próximo à Rádio Gurupi, e perto da Rádio Ri- mesmos lugares, durante o dia, perambulando ou fazendo
bamar, o bar do Carlos, à sombra da barrigudeira do Parque do ponto em lugares esparsos da cidade.
Bom Menino, eram lugares de grandes cervejadas, assim como Os provocadores, exímios em colocar apelidos, insul-
uma quitanda no largo da Madre Deus. A base do Cabral, na Vila tavam suas vítimas, com a intenção de vê-los contrariados.
Passos, o Bar Astória, muito serviu à clientela do bairro de São Com maneiras diferentes de reagir, ao ouvir os malditos ape-
Pantaleão e o Filipinho Bar, de Eliezer Silva, reunia amigos da lidos, alguns se irritavam, ameaçando com cacete, outros, com
noite. Quando a Difusora se estabeleceu na Camboa, bares sur- palavrões e uns raros, indiferentes aos brados imbecis.
giram como por encanto, tais como, Bar do Urbano, bar de Dona Pelos idos de 1905, General Cancão, em dias Santos e
Maria José, apelidado de Casa Amarela, entre menores. de festas cívicas, vestia uma farda surrada de General, com ga-
A vida dos locais de boemia é cíclica. Quando uns atin- lões e abotoaduras douradas. Da Baixinha, onde morava, saía
gem o auge, outros declinam. Um pouco mais tarde, aos sába- envergando seu fardamento, batendo os calcanhares, prestan-
dos, a Base do Rabelo, no Lira, com seu frango na brasa e, a Base do continência e assumindo postura de um militar, se alguém
do Germano, na Macaúba, pela gostosa caldeirada, bem como a gritasse General Cancão. Nas procissões ia à frente, imponen-
Base do Adilson no decurso da rua da UME, tiveram seus mo- te, desconhecendo as chacotas de rapazes e mocinhas.
mentos de afluência. Por volta de 1912, uma figura alta, magra, espigada, de
fraque ou terno completo, camisa de mangas compridas, gravata,
colete, cartola, roupas e acessórios usados, guarda-chuva des-
ALMEIDA, op. cit. p. 65.
89

198 199
botado, doação de pessoas magnânimes, desfilava pelas ruas gude para engolir ganhando apostas, papel e lápis para fazer
com ares de autoridade, envaidecido quando o chamavam de cálculos, estava sempre servindo ou alegrando as crianças.
Governador. Sempre falava de uma audiência para tratar de Na greve de 1951, colocaram Bota Pra Moer empunhando
assuntos de grande interesse de São Luís e Caxias, sua cidade a bandeira do Maranhão na frente da marcha rumo ao Pa-
natal. Era convicto de ser o mandatário de sua cidade, por isso lácio dos Leões. Chegando na Pedro II, ao ver o batalhão
apelidado de Governador de Caxias. com arma em punho, falou: “Até aqui eu vim, daqui pra frente
Um tenor, depois de passar de boteco em boteco, ia arranjem um mais doido que eu...”
para a Fonte das Pedras tomar banho, momento de soltar Humberto Pavão Coelho ia até Rosário, onde passou
seu vozeirão e gritos eufóricos ouvidos até a Rua da Saú- sua infância, seguindo a linha férrea em corrida disparada
de, esquina com Formosa. Pelos seus estrondos de voz, a para comprar charutos, de fabricação local. Sol, chuva ou
população lhe deu a alcunha de Te Arrombo. Em 1923, o sereno não o perturbavam tanto nas andanças quanto ao
homem, de inestimável potencial de voz e carente de um ouvir o apelido de Vassoura. Nas pontas dos pés, braços
tratamento, faleceu depois de uma vida atribulada pelos levantados e rosto rubro revidava com palavões, especial-
meninos a gritar seu apelido em vez de valorizá-lo como mente quando via mulher por perto. Convicto de ser um
um grande cantor desafortunado. operário têxtil, corria apressado pelas ruas de São Luís para
Entre as décadas de 1920 e 1930, perambulou pela ci- bater o ponto em qualquer das fábricas de tecidos, razão de
dade Sátiro Cardoso, vulgo Comendador Trauira, desfilando ser conhecido pela totalidade da população.
com inúmeras medalhas de todo tamanho trazidas no peito Leocádia demonstrava sua insanidade mental como
e consideradas comendas doadas por vários Presidentes da inimiga mortal do ex-presidente Washington Luís, através
República, pseudoamigos. Seu faro localizava qualquer ajun- de falatórios desvairados pelas ruas, logo tomando como
tamento popular ou comício e, com gestos, ameaçava falar. alcunha o nome do presidente. Por correlação, o neto que
Aplaudido ou vaiado, continuava com mímicas, sem emitir a acompanhava foi apelidado de João Pessoa. O menino,
um som. Forçado pela assistência, dizia: “Para um público im- habitualmente trajado com fardas velhas do Liceu, do Ate-
becil como este os gestos falam mais do que as palavras”, e dava neu, do São Luís, do Cisne, quepes, estrelas, condecorações,
uma banana. Apedrejado, saia às pressas do local. Publicou espadas de madeira, talabartes e perneiras, como um ge-
Embofias de um cérebro ilustrado, festival de besteiras esgotado nuíno oficial, não dispensava no canto da boca um charu-
no dia do seu lançamento. to de fabricação maranhense, os “Mata-Rato”, os mesmos
Antonio Lima ou Bota Pra Moer, famoso pela inteli- usados por Vassoura e outros tipos populares. A mania de
gência, distraía o público, fazendo cálculo de quantos anos, João Pessoa era pedir as garotas em casamento e os mole-
meses e dias a pessoa tinha vivido, depois de saber do ano, ques logo gritavam: Tu não casa, João Pessoa. Em prantos, o
mês, dia e hora do nascimento. Lia um jornal de cabeça para homem respondia: Eu caso, eu caso. Sou oficial, rico e bonito.
baixo com a maior naturalidade e em seguida repetia tudo Sou general, posso mandar prender vocês todos. O sadismo dos
de cor. Morava de favor na residência do farmacêutico Garri- meninos e a choraminga de João Pessoa se alongaram até
do e, em troca, fazia mandados. Placas na frente e nas costas sua internação na Colônia Nina Rodrigues, de onde saiu
com propaganda de firmas comerciais, bolsos com bolas de seu corpo, em 18 de fevereiro de 1953.

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Fazia ponto no café do Chico Preto, Durval Dilamares, um personagem conhecido na Praça João Lisboa. Ajudava no
vulgo Periquito. Discreto, bem vestido, com uma chibatinha bar do Chico Preto em troca de cafezinho. Depois do café na
de madeira amarrada num barbante-cordão tipo alça enfiado xícara, Picardia pegava e largava a colher em cima do balcão
no antebraço, batia na perna, e, vez por outra, tirava do bol- uma dezena de vezes sem adoçar, enervando quem estava ao
so papel e lápis para redigir bilhetinhos, em francês, pedindo lado. Adoçado e depois de cinco ou seis menções de tomar o
dois cruzeiros. Sempre bem-humorado, demonstrava a boa café, só o fazia depois de Chico Preto, armado de pau, o obri-
educação recebida no Seminário de onde saiu por doença, fa- gar a beber imediatamente.
zendo parte dos diletos tipos populares da cidade. Bofe, esmoler muito conhecido na Praça João Lisboa, al-
Perdeu-se no tempo o nome verdadeiro de Bonitinho, moçava nos Maristas, colégio anexado à Igreja da Sé, fazia pon-
caboclo baixo, chapéu de palha de carnaúba de abas largas, ca- to e dormia na escadaria do Palácio de Justiça. Inconveniente
beleira ondulada e ajeitada a todo instante. Convencido que, com palavrões em momentos de usura dos advogados e magis-
por sua beleza, todas as mulheres queriam namorá-lo, ao avis- trados, foi expulso, passando a esmolar e dormir nas escadarias
tar qualquer moça, fazia bichinho, balançava os cachos da tes- dos Correios. Com a inauguração do Estádio Municipal mu-
ta e se empavonava. Dizia ser comprometido com a ciumenta dou-se para os baixos das arquibancadas do Nhozinho Santos
filha do Governador e, quando passava pela Rosa Castro ou e de dia, esmolava no Canto da Fabril. Bastava alguém chamar
Ateneu, as meninas faziam roda, o chamavam para confirmar seu apelido, nomes escabrosos eram proferidos.
sua euforia, resultando em grande algazarra. Na época junina, Ceguinho, ficava na Praça João Lisboa tirando esmola
fantasiava-se de “rajado”, sempre bem recebido em qualquer ora ao som de seu pistão, ou cantando a mover a cabeça de
grupo de bumba meu boi. um lado para o outro sem parar, como se marcasse o com-
Rafael Gonçalves Costa ou simplesmente Seu Rafa, de passo da música.
peito estufado, braços abertos ou a girar sobre os calcanhares São Luís necessitava de uma instituição específica para
como numa praça de esportes, praticou dois homicídios em acolher as pessoas sem teto, doentes mentais não agressivas
crises mentais associadas a muita cachaça. “Hospedou-se” vá- ou pessoas sadias. Na falta de casa de acolhimento, especial- Os ceguinhos,
rias vezes na Colônia Nina Rodrigues e nas temporadas mais mente mulheres mais frágeis e expostas aos perigos mun- tipos populares
calmas perambulava pelas ruas de São Luís, orgulhoso de sua danos vagaram pelas ruas. Várias figuras femininas, umas da cidade.

força, valentia e físico de atleta. sem rumo, ou-


Rei dos Homens, um doente mental inofensivo, con- tras com pon-
victo de sua capacidade de conquista das mulheres, sempre tos certos para
com um sorriso no canto da boca, andava pelos cafés da Praça beber, esmolar
João Lisboa a pedir um “moca” ou, com porte altaneiro de au- ou não, confor-
toridade, passos largos e gingado, se aproximava das moças, me o papel as-
deixando-as amedrontadas. sumido, faziam
Seu Picardia, assíduo frequentador do DIVA, destaca- parte das cenas
do pelo terno, tique nervoso de ajeitar a gravata a cada instan- urbanas em seu
te e de mexer o pescoço de um lado para o outro, tornou-se cotidiano.

202 203
Circulava pela cidade, entre 1915 a 1920, uma negra espaço para se adornar. Fazia compras para famílias co-
frequentadora de barracas e bodegas à espera de um “pa- nhecidas em troca de comida, roupa e acessórios. De pas-
gão” de uma pinga. Depois de várias doses, demonstrava so arrastado geralmente nas imediações da Rua da Paz,
extremado patriotismo em discursos enaltecendo Salda- perdia a calma, quando ouvia a Co-co-ro-có da molecada,
nha da Gama, Deodoro, Floriano, Campos Sales e tantos desfilando nomes indecorosos de sua coleção.
outros. Por seu nacionalismo verde-amarelo foi apelidada Lenço ou fita prendendo os cabelos, enfeites dou-
de Brasilamado. Destacada também como baliza, emper- rados, berloques, brincos vistosos, colares, pulseiras de
tigada à frente de bandas, marchava com cadência e se segunda mão, cinto largo com fivela, apertando o avan-
realizava com os aplausos do povo. tajado ventre, sandálias nos pés, bolsa levada a tiracolo
Formiga Neném, mulher vista pelas ruas até 1920, para guardar os trocados, fruto de esmolas, no canto da
sem rumo, sem parentes nem amigos, não tinha local para boca resto do fumo de corda escorrendo entre as falhas
anoitecer ou amanhecer. Quando os meninos pronuncia- dos dentes, Jovina Eusébia da Silva se distinguia pelo sor-
vam “formiga, neném” ela reagia coçando-se sem cessar, o riso meigo e seu dócil pedido: Cheiroso(a), me dá um trocado
bastante para divertir a molecada. Daí proveio sua alcunha. para comprar criosene... Certo carnaval, foliões incomoda-
Muito asseada, com raminho de jasmim na cabe- dos com o mal cheiro do corpo, agravado pelo odor do
ça, Cheirosa, mulata magra, saia comprida e cabeção, ares fumo Faria, resolveram dar um banho de lança-perfume
de grandeza, saía todos os dias bem cedo com um molho ou rodó, apesar dos protestos e gritaria de Euzébia. Deste
de chaves para abrir suas fábricas Santa Amélia, São Luís, momento em diante tomou a alcunha de Rodó. Morava no
Camboa e Fabril. Não pedia esmolas, não se irritava e sua Bairro de Fátima, com uma tia. Mais velha, ficava no terra-
postura era de uma senhora de grande cabedal. ço do bangalô Vila Ana Luiza, na Avenida Getúlio Vargas,
Maria do Espírito Santo, moradora na Vila do Anil, acariciando seu cachorro até o meio dia, horário em que
criava porcos, galinhas e outros animais domésticos com recebia o almoço da acolhedora família, até sua morte, ví-
boa renda para seu sustento. Frequentadora diária de bo- tima de um acidente vascular cerebral.
tequins em busca da “branquinha”, quando muito em- Caco de Grude, remissa a banho, de odor desagra-
briagada e ao ouvir a música Jardineira, interpretada por dável, pele impregnada de sujeira, justificava seu novo
Orlando Silva, dançava nas ruas e praças, ao compasso nome. Esmolava pelas ruas e dormia nas calçadas do Mer-
das palmas dos moleques, logo encampando à dançarina cado Central. Enfurecia-se com a alcunha, jamais decli-
o cognome de Jardineira. Quando alguém gritava seu ape- nando de seu verdadeiro nome.
lido, reagia com um desfile de nomes obscenos. Devido verdadeiros pranchões descomunais sus-
De cor escura, baixa, olhos esbugalhados, nariz tentando o imenso corpo da mulher que circulava pelas
achatado, lábios grossos, vestido escuro, sapatos folgados ruas a pedir esmolas, os moleques acharam mais adequa-
garantiram o apelido de Galinha Choca a uma mulher des- do a chamarem de Pé de Anjo. Sua irritação ocasionava
tacada pelos cordões e medalhões pendurados ao pescoço, palavrões em plena via pública até entrar numa igreja e,
anéis de latão de todas as formas, cores e tipos nos dez em plena Missa, o padre era obrigado a suspender o ofício
dedos das mãos e bugigangas de plaquê por onde tivesse religioso para acalmá-la. Para infelicidade da vítima, esta-

204 205
va nas paradas de sucesso a música Pé de Anjo, agravando a circunstância e sua inteligência. Fazia brilhar os olhos
a fúria da esmoler. da vítima, com promessas mirabolantes de casa, mobília,
Estas e diversas outras criaturas muito conhecidas carro, joias, especialmente depois da confirmação de sua
fizeram parte da paisagem da cidade, das ruas da antiga mentira por um de seus “assessores”. Despedia-se das de-
São Luís.90 liciosas noites sem pagar tostão, com fugas espetaculares,
Algumas pessoas, por suas atitudes criticáveis, caí- depois de truques os mais variados.
ram no domínio público, especialmente nas duas primei- Neste cadinho da sociedade ludovicense se mistura-
ras décadas do século XX. Funcionários governamentais ram homens íntegros ao lado de hipócritas, cínicos, pobres
de projeção ou membros de associações beneficentes, com dissimulados, flaneur e gigolôs, fazendo jus à inteligência,
a melhor das aparências, trajados com ternos de linho bel- cultura, ironia, cinismo, sutileza, vaidade e sedução.
ga, escocês ou casimira inglesa, chapéu de panamá, ben- A variedade de pessoas, com as mais diversas afe-
gala com castão de ouro ou prata, anel de brilhante, de tações, procedimentos, usos e costumes movimentava a
comportamento irrepreensível no seio familiar e nas al- pacata São Luís da primeira metade do século.
tas rodas sociais, quando nos meios populares, se mos- Vista do final da
travam pródigos e sedutores antes do defloramento ou Rua 28 de Julho.
adultério. Alguns militares, com o brilho de seus galões
e botões dourados, completavam o grupo dos “importan-
tes” da fina flor da sociedade ludovicense, ocultando o
cinismo praticado nos prostíbulos e bairros pobres, “tipos
esses adaptáveis ao século das mentiras convencionais da nossa
civilização.”91
Um personagem que borboleteava pelas ruas e
vielas da cidade foi descrito num romance do folclorista
Fugêncio Pinto, com o pseudônimo de Dr. Bruxelas. Na
vida real, esta pessoa liderava um grupo, cuja principal
ocupação foi a de se locupletar desde as mocinhas mais
ingênuas às “rameiras mais vaidosas”. O chefe, com certa
leitura e ares de filósofo, sedutor e cativante, embora de
bolso vazio, se apresentava como negociante, engenhei-
ro, magistrado, farmacêutico, estancieiro, proprietário,
capitalista, industrial ou grande exportador, conforme

90
Alguns tipos populares foram rememorados, outros, encontrados em BOGÉA, Lopes. Pedras
da Rua. São Luís, 1988.
91
PINTO, Fulgêncio. Dr. Bruxelas & Cia. 2ª. Edição. São Luís: Instituto Geia, 2013, p. 24.

206 207
Portão da Quinta
do Barão, tela de
Newton Pavão Academicismo resistente e modernismo
(1942), um dos
fundadores do
Salão Arthur O romancista Manoel Bethencourt, celebrado entre os
Marinho jovens por suas aulas de Filosofia no Liceu Maranhense, preo-
Pinacoteca do Palácio dos Leões
Foto Edgar Rocha
cupado com o desânimo do veio literário local, tão cantado
anteriormente, procurou impulsionar periódicos iniciados em
fins do século XIX, como o “Filomatia”, “A Alvorada” e “O
Estudante”, tentando um soerguimento cultural. Outros inte-
lectuais tiveram o mesmo ímpeto, fundando, em 1900, a Ofi-
cina dos Novos. Foram vinte, os primeiros “operários”, como
fundadores, alargando seu quadro de sócios para trinta, em
Palácio dos
1904.92 De passagem por São Luís em campanha política, Coe-
Holandeses, no lho Neto animou seus conterrâneos a revigorarem a Oficina
pincel de Telésforo dos Novos, resultando na organização do quadro de sócios
Rego (1950).
Verdadeiro poeta da (efetivos, correspondentes e honorários), no estabelecimento
policromia, registrou do programa de culto aos antepassados, incentivo a novas
muitas paisagens de
São Luís, em óleo ou produções literárias, promoção de eventos, organização de
aquarela uma biblioteca e lançamento de um periódico cultural.93 Os
Pinacoteca do Palácio dos Leões
Foto Edgar Rocha Novos Atenienses, como se intitulavam, foram muito atuan-
tes e, de seu quadro, saíram os doze fundadores da Academia
Maranhense de Letras.94
Foi uma época em que emergiram várias sociedades
da mesma natureza, como o Grêmio Literário Maranhense,
Cooperação Sotero dos Reis, Clube Nina Rodrigues, Grêmio
Odorico Mendes. Esses grêmios, revistas e jornais tiveram

92
Iniciativa de Francisco Serra, João Quadros e Astolfo Marques, atraiu Nascimento
Moraes, Otávio Galvão, Leôncio Rodrigues, George Gromwell, Xavier de Carvalho,
Rodrigues de Assunção, Leslie Tavares, Caetano Sousa e alguns dos futuros funda-
dores da Academia Maranhense de Letras.
93
Alguns dissidentes fundaram a Renascença Literária, mantendo convivência saudá-
vel com a Oficina dos Novos.
94
Fundada em 1908 por doze intelectuais. Por ordem alfabética: Alfredo de Assis Cas-
tro (1881-1977), Antônio Batista Barbosa de Godóis (1860-1923), Antônio Francisco
Leal Lobo (1870-1916), Armando Vieira da Silva, Clodoaldo Severo Conrado de Frei-
tas (1855-1984), Domingos Quadros Barbosa Alves (1880-1945), Fran Pacheco (1874-
1958), Godofredo Mendes Viana (1878-1944), Inácio Xavier de Carvalho (1871-1944),
José Ribeiro do Amaral (1853-1927), Raimundo Corrêa de Araújo (1885-1951) e Raul
Astolfo Marques (1876-1918). Posteriormente oito foram eleitos e gozam das honras
de fundadores.

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vida curta. Em 1920 muitas associações literárias fundiram-se Nos idos de 1912, no campo das artes era inconcebí-
na intitulada Legião dos Atenienses, liderada e presidida por vel ao maranhense, enfocado nos problemas de interpreta-
Fran Pacheco. 95 A revista O Ateniense foi o veículo de publica- ção ou representação, promover uma exposição de lingua-
ção dos trabalhos, vindo a circular até julho de 1921. Somente gem expressionista, inquieto com a afirmação da vida e a
a Academia Maranhense de Letras e o Instituto Histórico e procura da verdade. Esta indiferença pode ser percebida
Geográfico do Maranhão, organizado em 1925 pelo esforço de na mesmice dos temas – retratos e paisagens – preocupa-
Antônio Lopes, prevaleceram, à semelha de suas congêneres dos com a boa composição e segurança no desenho, regras
brasileiras, embora ambas tenham enfrentado períodos de do classicismo, longe da polarização entre o acadêmico
“deserções, esmorecimentos e descasos.”96 e o moderno. O desenho, o acabamento, o modo de pin-
Ventos bons sopravam no campo das artes. Em tar paisagens e retratos, lições do século anterior, foram
1910, o Governo do Estado comprou, da viúva de Arthur conservados por Arthur Marinho, Newton Pavão, Rubens
Azevedo, 23.119 peças, imediatamente tombadas no Palá- Damasceno e Osmar Palhano de Jesus, representantes dos
cio dos Leões. Livros raros, mobiliário, louças de porce- padrões tradicionais.
lanas, cristais, prataria, esculturas em bronze, inúmeras Em 1924, os ex-alunos de Paula Barros participa-
gravuras e 92 telas, formando a primeira pinacoteca de ram do I Salão dos Novos, com telas dentro dos padrões
São Luís. 97 Trabalhos, em sua maioria, ligados ao aca- das escolas de Belas Artes, conservadoras da vocação aca-
demicismo dos meados do século XVIII, ao lado de pro- dêmica. Estes e outros poucos jovens com relativa expe-
duções com certa emoção característica do romantismo, riência pictórica, uns autodidatas, outros, com alguma
temas bucólicos, apontando para o naturalismo, sociais, orientação obtida fora do Maranhão, continuaram a expri-
do dia-a-dia, com tendência ao realismo ou paisagens mir seu poder interpretativo da natureza ou exterioriza-
muito iluminadas e de cores vibrantes, características do ram seus sentimentos em telas, porém longe do sentido de
impressionismo. Este verdadeiro passeio pela história da revolta ensinado pelo expressionismo alemão.
pintura foi sacrificado pelo descaminho ocorrido em me- O isolamento, a carência material, a falta de ensino em
nos de quatro décadas, considerando que somente 48 te- escolas especializadas, com técnicas elaboradas e informações
las foram arroaladas no catálogo de 1947, da Pinacoteca sistematizadas, a exiguidade de mercado da sociedade pouco
do Palácio dos Leões. 98 habituada a valorizar, admirar e possuir obras de arte também
foram elementos ausentes e essenciais para a aceitação das no-
vas linguagens e revoluções efetuadas pelo realismo, art nouveau,
95
As agremiações incorporadas: Sociedade Literária Barão do Rio Branco, Legião dos impressionismo, pós-impressionismo, fauvismo, ou outras ex-
Novos, Uniao Estudantil Sílvio Romero e Congresso dos Estudantes de Ciências e
Letras. periências mais avançadas. A notícia das inovações europeias
96
Ambas funcionando provisoriamente em vários locais. Somente na presidência de
Clodoaldo Cardoso, a Academia Maranhense de Letras teve seu prédio próprio, na não sensibilizou os artistas plásticos maranhenses. O ambiente
Rua da Paz, 84, concedido, em 1950, pelo governador Sebastião Archer da Silva ao local ainda tacanho não fez abdicarem do caminho acadêmico,
transferir a Biblioteca Pública para as novas instalações na Praça Deodoro.
97
Dentre os pintores do século XIX estavam, Antonio Parreiras, Aurélio Figueredo, Rubem Damasceno, bom professor em perspectiva e pontos de
Belarmino de Almeida, Castagneto, Desidério de Barros, Eliseu Visconti, Gustavo fuga, Newton Pavão, paisagista e pintor figurativo e Telésforo de
Dall’Ara, Henrique Bernadelli, Raimundo Ribeiro, Vitor Meireles, dentre outros.
98
DUBOC, Maria Helena. Palácio dos Leões. Pinacoteca. São Luís: Governo do Estado do Moraes Rego, destacado artista em aquarelas.
Maranhão, s/d., p. 21.

210 211
Na década de 1940, esses três promotores das artes Por iniciativa de Pavão e de Figueiredo foi
plásticas transmitiram suas experiências pictóricas em au- inaugurado, no dia 25 de dezembro de 1941,
las particulares nos próprios ateliês, ensinaram desenho o primeiro Salão de Dezembro, com vivos e
nos colégios públicos e particulares, como foi o caso de acirrados debates entre intelectuais e artis-
Damasceno, titular da cadeira de desenho no Liceu Ma- tas, principalmente em torno do confronto
ranhense. Conceberam uma escola de Belas Artes com o entre trabalhos acadêmicos e modernistas.
objetivo de expandir suas atividades, injetando ânimo e Um ano depois aconteceu a segunda e úl-
interesse ao pequeno universo cultural ludovicense, atra- tima Exposição de Dezembro.99 Os artistas
vés de exposições individuais e coletivas. Os jovens ma- mostraram várias tendências.100
ranhenses não experimentaram a liberdade de depurar as Damasceno demonstrou a Telésforo
formas e a ordem discursiva, romper com a tradição aca- sua credulidade oceânica ao sonhar com muitos
dêmica e criar uma nova cultura, onde o regional tocasse alunos à porta de uma escola de Belas Artes. Na
o universal. Os fundamentos acadêmicos como verdades realidade, o sonho foi reduzido a uns poucos discí-
cristalizadas, intangíveis e imunes aos movimentos de pulos. Sem bibliografia disponível, dificuldade de pesqui- Newton Pavão,
promotor do
vanguarda, tais como o cubismo e o futurismo, investi- sa, desilusão, dentre outras adversidades, alguns emigra-
primeiro salão de
gadores do tempo. A notícia das inovadoras experiências ram para o Rio de Janeiro. Daquelas primeiras aulas prá- pintura de São
não suscitou uma adesão imediata à modernidade, predo- ticas oferecidas nos próprios ateliês surgiu nova geração Luís.

minando a unanimidade acadêmica. Não questionavam de jovens pintores, partícipes da I Feira de Amostras do
a unicidade de sua tradição, levada pela pluralidade de Maranhão, em 1943. Animado com o sucesso dos novos
valores, preferindo o conservadorismo a novas experiên- artistas plásticos, professor Telésforo Morais Rego organi-
cias, a qualquer renovação ou modernização, pela difi- zou uma série de exposições anuais, intituladas de Salão
culdade de convivência com o diferente. Até aquele mo- Arthur Marinho, em homenagem ao pintor e desenhista já
mento, era crime ousar-se contrariar o entendimento dos falecido. Com início 1944, o último aconteceu em 1949.101
oniscientes pontífices locais. Os letrados consideravam o
elemento autóctone desprezível, não cultural. O positi-
vismo acatado limitou-se às querelas com a Igreja, pas- 99
No II Salão de Dezembro, instalado na Biblioteca Pública e realizado pelo esforço dos
sando ao largo do debate das ideias. Os arranhões posi- mesmos jovens maranhenses, dois prêmios foram oferecidos pelo Governo do Estado
e pela Prefeitura para os primeiros colocados.
tivistas atingiram somente a tradição da ordem religiosa, 100
Adonai Medeiros escreveu sobre o II Salão, em O Globo: Newton Pavão em Pa-
não facilitando certa modernização no universo das letras lácio dos Holandeses conserva a escola clássica; J. Figueiredo mostra influência de
Picasso e Portinari; Floriano Teixeira, filosofa, na tela Convocados; Cadmo Silva,
e artes de modo geral. supremedita em Cosmopolita; Jorge Brandão apresentou Cartomante; Sálvio Ne-
greiros, Saída da Fábrica; João Torres Filho, cópias de paisagens; Laura Gama ex-
Falar em inovações não significa desvalorizar as es- pôs o busto de Oliveira Cruz; Milton Luz, caricaturas e Eni Moreira de Souza
colas anteriores, porém o que houve no Maranhão foi uma apresentou Viela.
101
Várias saudações na abertura e prêmios no encerramento do VI Salão: Paiva Filho,
resistência muito maior e mais longa em comparação com com Beco do Precipício; Raimundo Ramos, com Praia do Desterro; Ambrósio Amorim,
outras cidades brasileiras, perdendo sua notabilidade em com Bananeiras; Torres Filho, com Beco da Alfândega. Eny Moreira de Souza, com Acá-
cias, conferido pela Associação Comercial e Prêmio Salão Arthur Marinho, com Pan-
termos culturais. deresky (crayon). Tiveram mensões honrosas: Yedo Saldanha, com Virgem na cadeira,
Francisco Costa, com Cabeça de Águia e Carlos Hamilton Costa, com Barcos.

212 213
Exposições individuais, sempre envol- a arte: uma atividade inútil. Alguns jovens trabalhavam em
tas na indiferença da sociedade, contribuí- torno de outros mais conceituados pintores da segunda gera-
ram para desanimar o professor Telésfo- ção. João Figueiredo, Floriano Teixeira, Yedo Saldanha, Cad-
ro de continuar as exposições coletivas. mo Silva, Claudio Castelo Branco, Zaque Pedro, foram entre
No jornal O Imparcial, de 21 de março os mais notáveis que se reuniam eventualmente na Movela-
de 1946, Telésforo se referiu a jovens ar- ria Guanabara, de propriedade do pintor Pedro Paiva Filho,
tistas sem qualquer orientação e ensino para conversas, discussões na elaboração de artigos, feitura
técnico, “simples plagiários, imitadores in- de revistas, debates com poetas e escritores, dentre os quais:
conscientes ou ainda ‘modernos’ improvisa- Bandeira Tribuzi, Carlos Madeira, José Bento Neves, Ferreira
dos.” Faltava o mínimo necessário para a Gullar, Lago Burnett, José Naufel, José Sarney e outros. Os vis-
formação de cursos regulares com pesquisa, contistas, influenciados por Portinari, Picasso, Chagal, Dali,
disciplinas auxiliares e o devido conhecimento Di Cavalcanti e outros vanguardistas, marcaram as tendências
O professor teórico da evolução da pintura, com estudo e análise das es- modernas, instaurando nova estética. 104 Precário era o conta-
Telésforo de
Moraes Rêgo, colas surgidas no decorrer dos séculos. Consciente da impro- to dos artistas maranhenses com outros centros de cultura do
mestre em visação, Damasceno sugeriu a Pavão, Evandro, Figueiredo, país ou do mundo. Conheciam as escolas de pintura através
aquarela.
Floriano, Beatriz Pinto, Rosa Waquim e outros talentos mais de livros e revistas estrangeiras das bibliotecas dos amigos ou
novos, ajudados por Mata Roma, de verbo fascinante, plei- uns poucos viajavam para se inteirar dos movimentos fora da
tearem, junto ao interventor Paulo Ramos, a criação de uma Ilha, trocando informações e experiências. J. Figueiredo foi ao
Escola de Belas Artes. Não atendido o pleito pela via governa- Rio de Janeiro estudar com Santa Rosa e, como um irmão mais
mental, os pintores se articularam, fundando, em 1947, o Nú- velho, sem reservas, transmitiu aos mais moços, doutrinando
cleo Elyseu Visconti, espécie de ateliê coletivo onde artistas e liderando o pequeno grupo de artistas.
se reuniam em uma sala pobre e desconfortável de um velho Além dos artistas plásticos acima nominados, outras
sobrado da Rua 28 de Julho, carecendo do mínimo necessário, pessoas com formação adquirida fora, ao voltarem para sua
sem “nenhuma cadeira”, porém com “belos quadros que, com hu- terra natal, tiveram ímpetos de suprir a lacuna artística. Um
mildade e paciência, vão se acumulando num canto da parede entre dos exemplos foi o da filha do milionário Emílio Lisboa, Lilah
cavaletes, pinceis usados e tintas.”102 É sintomática a escolha do Lisboa de Araújo, educada em Londres e, depois, no Rio de
nome do Núcleo Elyseu Visconti.103 Conforme foi declinado Janeiro. Pelo seu destaque como aluna, Villa-Lobos sugeriu,
na imprensa, o Núcleo objetivava desenvolver o gosto pela em carta ao interventor Paulo Ramos, sua nomeação como
pintura com aulas usando modelo vivo, ao ar livre, promover Coordenadora do Canto Orfeônico do Estado, início de um
exposições e mostrar a utilidade da arte. Esta última obser-
vação detecta como a sociedade, de modo geral, conceituava
Zaque Pedro iniciou seus estudos com Artur Marinho, em 1936, em 1938, foi para o
104

Rio de Janeiro. Na Sociedade Brasileira de Belas Artes estudou com Yoshiya Takaoka.
Trabalhou com o pintor italiano Vitorio Gobbis, produzindo em óleo e aquarela. Ex-
Jornal O Imparcial, Coluna ‘Sociais’, Maria Karla, 02.04. 1947, p. 5.
102
pôs no Salão Nacional de Belas Artes de 1943, com a tela Jucundino; em 1945, com
Elyseu Visconti (1867-1944) foi pioneiro do impressionismo no Brasil. Gravou paisagens ca-
103
Figura (Menção Honrosa); em 1947, Rua do Rezende e Paisagem/Caju (Menção Honro-
riocas e fluminenses em cenas de gênero. Em 1910, participou de uma exposição no Rio de Ja- sa); em 1948, Paisagem e Auto-retrato (Medalha de Prata); 1949, Paisagem (Medalha de
neiro, com motivos urbanos, modalidade diferenciada da paisagem e da pintura de costumes. Prata e Prêmio de Viagem ao País, com duração de um ano).

214 215
O Núcleo e a SCAM realizaram exposições de pin-
turas. Dentre as homenagens prestadas ao Presidente da
República, em São Luís, o Núcleo inaugurou, em 15 de
janeiro de 1948, a Primeira Exposição Interestadual de
Pintura no Maranhão, envolvidos pintores da Sociedade
Cearense de Artes Plásticas, com a novidade do impres-
sionismo em paisagens com grande tratamento de luz e
cor, enquanto entre os maranhenses predominava a pers-
pectiva interior e emotiva. O moderno foi-se revelando
na pintura, com as telas de Figueiredo, Cadmo, Cláudio
Castelo Branco e, na poesia, com Bandeira Tribuzi. Ale-
gravam-se com o surto renovador das letras e das artes
na capital do Maranhão. Conforme Girão Barroso, presi-
dente da S. C. A. P., João Figueiredo, Cadmo Silva, Floria-
no Teixeira e Cláudio Castelo Branco denotavam aguda
sensibilidade e estavam acima das possíveis influências,
Reunião de apostolado pedagógico junto aos alunos das escolas públicas, realizando, cada um à sua maneira, uma pintura de van-
intelectuais e depois estendido à tarefa de ajudar na educação musical da guarda. Poetas, contistas, teatrólogos e ensaístas também
artistas plásticos foram elogiados. Depois de ter lido Alguma Existência, o
na Movelaria sociedade. Das aulas particulares de piano, alguns alunos che-
Guanabara. garam ao patamar de concertistas. cearense considerou Bandeira Tribuzi um dos maiores
Da esquerda para
Alargou seu projeto, fundando a Sociedade de Cul- poetas da novíssima geração maranhense, apesar dos
a direita: José
Olavo, Antonio tura Artística do Maranhão, com programas mensais de seus vinte anos, quase todos vividos em Portugal; Lucy
Sarmenro, Yedo
concertos dos mais variados espetáculos musicais: canto, Teixeira, outro nobilíssimo temperamento poético; Eras-
Saldanha, Carlos
Madeira, Lago piano, instrumentos de sopro, de corda, orquestras de câme- mo Dias, um causeur, sempre brilhante e lúcido, e Correia
Burnett, Antônio ra, sinfônica, balé clássico, danças regionais, grupos folclóri- da Silva, orador eloquente.
Almeida, Antônio Como herança deixada pelos mestres da primeira
Luís, Gladys, cos brasileiros e estrangeiros, conjuntos corais etc., além de
Pedro Paiva, J. atuar em outros setores da arte, promovendo também peças metade do século, alguns pintores, seguros de sua técnica,
Figueiredo, José
teatrais e exposições de pintura. Lutou por condições favorá- ficavam inseguros nas tendências, divagando de escola
Bento Neves e
Cadmo Silva. veis a uma produção intensiva, propostas arrojadas, porém em escola, entre expressionismo, impressionismo, cubis-
as travas incentivaram a debandada dos artistas, a revoada mo, concretismo, abstracionismo, tachismo, conforme o
como a dos pássaros, quando em pacto coletivo de êxodo. O conhecimento das “novidades” mostradas através de pu-
desgaste físico e emocional de Dona Lilah, três décadas de blicações. Outros discutiam sobre arte e seus problemas,
sonhos, trabalhos, dificuldades e decepções resultaram em denotando alguma consciência artística. Como estímulo à
sua ida para o Rio de Janeiro e o consequente fim paulatino atividade, entre 1950 e 1954, a SCAM promoveu um salão
da Sociedade de Cultura Artística do Maranhão. a cada ano.

216 217
O I Salão de Pin- ça, espanto, provocação ou até revolta perante os trabalhos
tura, em dezembro de modernos. De modo geral, prevalecia a ausência de maior
1950, foi classificado compreensão dos trabalhos vanguardistas na sociedade lu-
como inferior aos anti- dovicense, avessa ao estudo mais rigoroso da pintura mo-
gos salões de Dezembro, derna, daquela revolução espiritual à busca de meios de
reveladores de talentos expressão da força criadora do homem sem as amarras da
vivos, cheios de suges- academia.
tões e prenúncios. A Em 1952, a SCAM promoveu o III Salão como sinal
aprendizagem asfixiada de rompimento das barreiras preconceituosas, em ampla
pelas condições ambien- divulgação das tendências da pintura moderna. Com a
tais e a debandada de va- exposição das telas, umas excelentes outras mais fracas
lores contribuíram para nas mais diversas tendências, variedade de visões e pro-
o declínio da pintura no porções inovadoras, abriu-se perspectivas surpreenden-
Estado. Floriano e Fi- tes para a atividade artística e assinalou-se a vitória da
gueiredo mudaram para pintura moderna nos meios ludovicenses. O III Salão da
Fortaleza; Pedro Paiva SCAM criou uma situação nova: ultrapassou a fase do
Filho, para o Rio e Cad- debate inflamado entre acadêmicos e modernos e possi-
mo, para Brasília. So- bilitou uma convivência amistosa. Três concorrentes da
Cadmo Silva, inte- mente o idealismo de J. Figueiredo e o prestígio da SCAM pintura acadêmica apresentaram trabalhos, destacando-
grante do Núcleo não foram suficientes para uma boa exposição. Alguns tra- -se Igreja de São João, do Cônego Osmar Palhano de Jesus,
Elyseu Visconti,
propôs reformar a balhos, tecnicamente inseguros, careciam melhor orienta- com o primeiro prêmio.
arte maranhense ção e algumas aquarelas “não resistem à crítica mais toleran- Esta premiação não significou o desconhecimento
com exemplos de
trabalhos surrea- te”. Telas de alguns pintores da década anterior, a lembrar, do esforço de pesquisa e dos diferentes caminhos denota-
listas e, posterior- J. Figueiredo, Cadmo, Pedro Paiva e Yedo Saldanha, foram dos no vasto campo experimental percorrido pela pintu-
mente, tendeu ao
expressionismo.
apontadas como as melhores. A maior crítica centrou-se na ra moderna. Tardiamente, aceitavam-se no Maranhão os
Sem título - 1964. falta de intercâmbio com outros centros vizinhos. movimentos de rebelião como enriquecedores da história
Para suprir este isolamento, a SCAM promoveu, em da arte.
1951, a vinda do Rio de Janeiro para São Luís do conceitua- As dificuldades enfrentadas pelas sucessivas gera-
do professor Raul Devesa para ministrar aulas de pintura. ções, alternados períodos de marasmo ou de momentâneas
Além de retratos e lições ao ar livre, alunos e mestre, gra- efervescências, perduraram na segunda metade do século
varam em telas neoclássicas, o casario, portais, paisagens e XX. Ambrósio Amorim fala com saudade do período entre
outros enfoques da cidade. 1948 e 1952: “a pintura, a literatura e a poesia se comunicavam
A arte avançada ainda não era bem aceita pelo pú- bastante. Chegamos até a fazer salões de poesia ilustrada pela
blico local, impregnado pelas regras acadêmicas e oposto pintura. Existiam também duas revistas de arte e letras, editadas
aos esforços renovadores. Persistia o olhar de desconfian- pelos próprios artistas, MALLAZARTE e PANORAMA.”

218 219
Quase dez anos depois, O Imparcial, de 25.08.1963,
lembrou a última exposição de pintura promovida pela
SCAM, onde foram expostas telas de elogiáveis velhos pin-
tores, como Palhano de Jesus, Telésforo e Pavão.
No LIV Salão Nacional de Belas Artes de 1949, Za-
que Pedro foi agraciado com dois reconhecimentos, Me-
dalha de Prata e Prêmio de Viagem ao País. Seu sonho foi
realizado, voltando à terra natal com uma pintura de van-
guarda, em processo renovatório, antes tentado por Floria-
no, Cadmo, Figueiredo e outros menores.
Ao lado dos saudosistas acadêmicos, houve quem
falasse de renascimento da pintura por ocasião da exposição
de Zaque Pedro. Quase no encerramento de sua exposição
individual, faleceu repentinamente a 20 de junho de 1950,
A exposição promovida pela SCAM, em 1952, contou indo por terra mais um entusiasta disposto a oxigenar o
Da esquerda com maranhenses, pintores do Ceará e do Rio. No encerra- meio artístico maranhense.106
para a direita:
Rosa Waquim, ?, mento houve a encenação da peça Conflito, audição de duas A falta de ambiente artístico provocou êxodo em
Cônego Osmar pianistas alunas de Dona Lilah, prêmios aos pintores e diplo- massa, conforme observação de Nauro Machado, no Jor-
Palhano de
ma a sócios beneméritos.105 nal de Hoje, de 06.11.1981. Nova fase fecunda, com Péricles
Jesus, Beatriz
Pinto e o Em dezembro de 1954, a SCAM e a Juventude Musical Rocha, Jesus Santos, Rogério Martins, Fransoufer, Antonio
professor Raul Brasileira organizaram o V Salão de Artes Plásticas, mostra Garcês, Miguel Veiga, Lobato, Airton Marinho, Luís Car-
Devesa, dando
aula de pintura considerada fraca, com técnicas e motivos superados, pintu- los, Athaide Filho, João Everton, Edmar Santos, Mondêgo,
ao ar livre. ras concretas com traços e concepções ainda indecisos, não Marlene Barros e outros jovens talentosos, continuaram
obstante a participação de artistas consagrados. Foi grande a pouco valorizados pela sociedade local.
Páginas seguintes:
expectativa da participação de sulistas e decepção, pelo en- Carências de toda ordem, material, cultural, huma- notícia da morte de
vio de telas de menor valor artístico, quiçá em menosprezo à na, enfim, a falta de perspectivas levou alguns a emigra- Zaque Pedro
e telas de
clientela ludovicense. Não obstante o já conhecido ritmo dos rem para o Rio de Janeiro, chegando a gozar de conside- Antonio Almeida e
pintores locais e “a vidinha que aqui levam – longe do mundo e das rável projeção, como por exemplo, Fernando Mendonça, Edson Mondego
artes –”, os quadros da prata da casa foram considerados as Marçal Athayde e Cosme Martins.
melhores presenças no salão, conforme comentário de Manoel
Lopes, no Jornal do Povo, de 19 de dezembro de 1954.

A exposição de Zaque Pedro, sob o patrocínio da SCAM, na sede social do Lítero


106

Recreativo Português, na Praça João Lisboa, foi saudada pelo O Imparcial de 18.05.1950,
na coluna “No mundo das artes plásticas”, em letras garrafais, Pincel que chora ‘de verdade’
A SCAM era praticamente sustentada pelos comerciantes locais. Os sócios beneméritos ho-
105
ressalta uma das maiores reservas de sinceridade artística do país’. A cidade ficou
menageados naquela noite foram Henrique de la Rocque Almeida, Renato Archer, Ademar consternada com sua morte súbita, expressa em todos os jornais e na revista de cultu-
Aguiar, Cunha Machado, Stélio Cavalcanti e Wady Aboud. ra de São Luís, Afluente.

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Jesus Santos

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Péricles Rocha
Fotografia

Desde a Revolução Industrial, a tecnologia ocupou


grande espaço e a corrida para novos inventos foi uma cons-
tante no mundo moderno. A busca pela fixação de imagens
no papel aconteceu concomitantemente no Brasil, pelo francês
Hercules Florence (1804-1879), radicado em Campinas e por
Louis Jacques Mandé Daguerre (1787-1851) e Joseph Nicépho-
re Niépce (1765-1833), na Europa.107
Dentre as novidades vindas de Paris e Lisboa chega-
ram ao Brasil imagens impressas de pessoas e paisagens. Pou-
co depois, itinerantes polivalentes aportaram no Rio de Janei-
ro, Salvador, Recife e São Luís, as cidades de maior projeção
desde os fins da época colonial.
No século XIX, o casario dava certa dignidade à capital
maranhense e seus encantos e modernidade atraíam muitos
viajantes. O casal de botânicos Luiz e Elizabeth Agassiz, de
passagem pela cidade, se surpreendeu por contar com um
hotel, “grande raridade numa cidade brasileira,”108 contudo per-
noitaram no navio por achar a cidade quente e suja. No bojo
dos viajantes chegaram pessoas oferecendo os mais diversos
trabalhos, inclusive o de imprimir retratos e paisagens.
Charles DeForest Fredricks (1823-1894) foi o primeiro fo-
tógrafo itinerante a chegar a São Luís, em agosto de 1846, insta-
lando-se numa casa no Largo do Palácio. O local da residência era A Photographia
importante para referendar o profissional junto à clientela. Vei- União, célebre
pelo registro de
culou a feitura de retratos coloridos, utilizando o daguerreótipo. pessoas e lugares
Ao receber de Nova York, novo material de trab alho, ”perfeitas maranhenses.

107
A invenção de Florence ficou entre amigos, chegando a imprimir diplomas maçôni-
cos, rótulos de farmácia, dentre outros trabalhos. Aparelho semelhante, o daguerreó-
tipo, de Daguerre/Niépce foi anunciado em 19.08.1839 pela Academia de Ciências
e Belas Artes de Paris e divulgado no Brasil no mesmo ano, através do Jornal do
Comércio, Rio de Janeiro.
108
MARTINS, José Reinaldo Castro. Passado e Modernidade no Maranhão pelas lentes de
Gaudêncio Cunha. Dissertação de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação e Ar-
tes, USP. São Paulo, s/d, p. 49.

230 231
lâminas” (chapas), divulgou a elaboração de miniatura, figura em Ory, José Dumas, o cenógrafo Luiz Mello, Higino Soares, entre
alfinete de peito, medalha, caixilhos, cópia de retrato antigo (re- meados de 1870 e início de 1880, pintor, ativo comerciante e, em
trato de fumaça) e reprodução de vistas e estampas. Permaneceu breve temporada, José Leon Righini, paisagista e cenógrafo, esta-
na cidade até fevereiro de 1847, quando partiu para outras plagas belecido na Rua da Paz, n. 7. 113
brasileiras, depois de bom dinheiro saído do bolso de senhores Duas circunstâncias foram fundamentais para a deci-
abastados, fazendeiros, religiosos, comerciantes, autoridades, são de fotógrafos se estabelecerem definitivamente nas praças
funcionários públicos, professores e respectivas famílias.109 brasileiras: a concorrência e, na década de 1870, a diminuição
Vários daguerreotipistas, electrotypistas, cistalografistas, dos preços do material com o aperfeiçoamento das técnicas
ambrotypistas, ferotipistas e outros retratistas passaram pela ci- fotográficas e consequente oferta mais acessível dos serviços.
dade.110 Hospedados pela afabilidade de algum morador de pro- Este fato não impôs o desaparecimento de itinerantes. Bis-
jeção, improvisavam estúdios ou alugavam uma sala, publicita- choff, “andarilho compulsivo”, esteve em São Luís no início
vam o local dos trabalhos, os mais diversificados, inclusive o de do século XX, e percorreu outros locais como fotógrafo itine-
fotografar.111 Teve caso de itinerante ocupar uma sala do Teatro rante, falecendo no Chile, em 1939.
São Luiz. Não raro, os jornais da época, como o Publicador Ma- Gaudêncio Cunha e Gregório d’Oliveira Pantoja, prove-
ranhense de 18 de janeiro de 1855, propagandeavam: “Retratos ao nientes de Belém do Pará, chegaram a São Luís nos idos de 1888.114
daguerreotypo – José Caetano Pereira de Senna e Guilherme Pottes, re- Vendo boas perspectivas, Pantoja retornou a Belém em busca de
tratistas, oferecem o seu préstimo ao respeitável público, e declarão, que material fotográfico. Trabalharam em parceria até agosto de 1895.
a sua demora nesta cidade será de pouca duração. A sua residência é na Aumentado o número de fregueses, Gaudêncio constituiu a firma
sala pertencente ao baile militar na rua grande, onde achará um lindo Gaudêncio R. Cunha & Cia e inaugurou, a 29 daquele mês, o ter-
sortimento de caixas, molduras, e medalhas d’ouro, anneis e pulseiras, ceiro estúdio da cidade, a Photographia União, na Rua da Cruz,
tudo para retratos. O mesmo Senna ensina a jogar Florete, Espada, e a n. 47, entre Alecrim e Afogados. Treinou seus empregados com
Galvanisar a ouro, e prata, tudo por módicos preços. 112 vista ao aprimoramento, pressionado pela concorrência e exigi-
As técnicas primitivas usadas por itinerantes permane- do pela clientela. Seus reclames em jornal ofereciam máquina es-
ceram por pouco tempo. A partir dos anos 1850, o ludovicense pecial para fotografar crianças inquietas, Platinotipia ou Crayon
contou com máquinas mais modernas em alguns ateliês estabe- adequados a grupos ou retratos e a disponibilidade de executar
lecidos. Fotógrafos, profissionais ou amadores, fixados definiti- trabalho de qualquer natureza, fora do gabinete. Era o prenúncio
vamente em São Luís, com endereço próprio, somaram doze em
1866, incluídos Domingos Tribuzi, retratista a óleo, Fortunato
113
O daguerreotipista Gregório Antônio da Rocha Pereira esteve em São Luís entre se-
tembro de 1858 e 1859, instalado na Rua Grande n. 89 e Justino Rocha Pereira chegou
109
Ao retornar para os Estados Unidos montou o maior ateliê fotográfico do país. na cidade em 1861. Especificamente como fotógrafos, estão relacionados no Almana-
110
A mudança do nome do serviço era em função das novas técnicas utilizadas. O elec- que de 1866, Antônio de Freitas Ribeiro, na Rua da Paz, 12; Antônio José de Araújo
trotypista Camilo Pinto da Fonseca Neves, em sua passagem pela cidade, na década Lima e Fortunato Ory, ambos no Largo do Palácio; Henrique Elias Neves, Rua Gon-
de 1850, sugeriu aos retratados o uso de roupas pretas ou escuras, assim como, nas çalves Dias, 11 e dono da Fotografia Imperial, em 1883; José dos Reis Rayol, Rua
horas vagas, ofereceu espetáculos gratuitos com efeitos pirotécnicos. Gonçalves Dias, 102; João Luiz Cerqueira, Rua da Saúde, 25, proprietário do Ateliê
111
Ofereciam aulas profissionalizantes, venda de joias, serviço de ourives, amolador Fotográfico, e Justino Norat, na Rua Grande, n. 5.
de facas e outros, sendo o lucro maior a venda de retratos, muito destacada nos 114
Brasileiros aprenderam as técnicas fotográficas com estrangeiros. Gaudêncio e Pan-
anúncios de jornais. toja foram auxiliares de Felipe Augusto Fidanza, radicado em Belém na segunda me-
112
Gaudêncio Cunha e a fotografia no Maranhão. MORAES, Jomar in Maranhão 1908, p. 8. tade do século XIX.

232 233
da fotografia de paisagem, embora a grande demanda fosse o re- 1908, o Maranhão 1908 e o Álbum Comemorativo da Fundação da Ci-
trato.115 Depois da reforma do ateliê, ambiente confortável e deco- dade de São Luís, Capital do Estado do Maranhão, de 1913.
rado com pano de fundo de autoria do cenógrafo Luiz Luz, foram As paisagens mais antigas até hoje encontradas estão con-
anunciados os mais modernos aparelhos e feitura de imagens em tidas no álbum Maranhão Ilustrado, de 1900. Pela semelhança no
seda, louça, porcelana, vidros, marfim, em colorido duradouro, estilo fotográfico, alguns atribuem a autoria a Gaudêncio Cunha,
reprodução de pequenos grupos e paisagens. Com boa reputa- embora em fins do século XIX e primeira década do século XX,
ção, Gaudêncio buscou ponto melhor, transferindo a União para vários outros fotógrafos trabalharam em São Luís.119
a Rua do Sol, n. 30, local privilegiado pela proximidade com o O Álbum Maranhão (Brasil), lançado pela Editores Gas-
Largo do Carmo e do Largo do Palácio. Nesta ocasião estendeu par Teixeira & Irmãos em 1908, contém 24 fotografias. Por entre
a oferta para cartões com paisagens maranhenses, início do tra- largos, praças, chafarizes, trilhos, prédios maiores e casario, estão
balho em álbuns.116 Com o progresso no campo da fotografia, a estrada de terra, marinhas, barcos e canoas velhas, o cais malcon-
concorrência de amadores levou o profissional a diversificar, lan- servado e casas de pescadores sobre estacas de madeira. Cenas
çando pequenos álbuns de vistas da cidade e ilustrando matérias modernas ao lado da penúria ancestral.
da Revista do Norte.117 O álbum Maranhão 1908 foi encomendado a Gaudêncio
Pelos tempos difíceis para a economia maranhense e Cunha, pelo governador Benedito Leite, para representar o Mara-
consequente crise no mercado de serviços, em 1901, Gaudêncio nhão na Exposição Nacional no Rio de Janeiro, em comemoração
anunciou a venda de grande material estocado abaixo do preço, e ao centenário da abertura dos portos brasileiros às nações amigas.
fechou temporariamente as portas da União, quando viajou pela Embora o álbum não revele a verdadeira São Luís, com maestria,
Província.118 A primeira andança enriqueceu seu arquivo de ce- Gaudêncio soube enfocar o que havia de progresso e modernida-
nas do interior, material propício a álbuns de interesse comercial de – fiação telefônica, telegráfica, trilhos de bonde, fachada e inte-
e governamental do Maranhão republicano. rior de biblioteca, de escolas, fábricas – e a cidade colonial, de ruas
Nas duas primeiras décadas do século XX, quatro álbuns estreitas, velhos casarões, naquele tempo, considerados obsoletos
foram organizados: O Maranhão Ilustrado, de 1899, Recordações do e demolidos em outros Estados. Aliou imagens de serviços pú-
Maranhão (capa), e a contra capa Álbum do Maranhão (Brasil), de blicos e privados com reminiscências do passado. A intenção do
governo de exibir uma cidade aos moldes europeus não foi possí-
vel. O registro iconográfico, mostra a evolução urbana ao lado de
115
Desde os fins do século anterior, o retrato representou a maior fonte de renda para problemas sociais e aponta a descaracterização da cidade com as
a maioria dos fotógrafos. Gaudêncio não fugiu à regra: era de bom tom, famílias da
elite e personalidades importantes como o bispo D. Xisto Antônio Albano, fotografa- demolições. O profissional foi premiado na Exposição Nacional
do oito dias depois de sua chegada, serem fotografadas, porém, sua consagração foi
e recebeu medalha de ouro. O alto padrão para a época, a busca
como fotógrafo de paisagem.
116
As cartes de visite estiveram muito em moda em Paris, precedidas dos álbuns fotográ- da beleza, sem abalar os valores culturais e morais próprios do
ficos de família, dinamizando, sobremaneira, a comercialização da fotografia pelo
mundo. homem velho, de mentalidade aos moldes antigos, verdadeiro
117
Publicada quinzenalmente pela Typogravura Teixeira, em setembro de 1901, passou
a mensal, em 1905, e extinta em agosto de 1906, a Revista do Norte reproduziu gra-
vuras, retrato de celebridades, paisagens, eventos artísticos e religiosos e informações
variadas. Sem crédito de autoria, alguns gravaram seus nomes no próprio negativo
da fotografia. Alguns trabalhos são creditados a Gaudêncio Cunha. No Dicionário histórico-fotográfico brasileiro, de Boris Kossoy estão relacionados
119

118
Ausente desde janeiro, só retornou a São Luís em fins de 1902, se ausentando pelo dez fotógrafos no Maranhão, inclusive a Photographia Popular, de Abdon Coelho.
mesmo motivo, em 1915. MARTINS, op. cit. p. 75.

234 235
guardião de relicários, deu ao fotógrafo credibilidade e grande Talvez com a morte ou dissociado de Gaudêncio, Pan-
projeção no meio social de São Luís. Graças à sua sensibilidade, toja inaugurou o Foto Popular e, ajudado por seus filhos, abriu
auxilia no trabalho de restauração, numa bela confecção sob o uma sucessão de ateliês: Brasil, Paris, Avenida, Berlim e, em 1950,
ponto de vista técnico/artístico. Hoje é referência e será, aos poste- o Foto Londres, o mais duradouro. Adelaide Pantoja foi a única
riores estudos históricos. mulher profissional do ramo e muito conhecida por andar sem-
O Álbum Comemorativo pela Fundação da Cidade de pre com sua máquina fotográfica a tiracolo.
São Luís, Capital do Estado do Maranhão, lançado em 1913, um Nos idos de 1936, o clicherista do jornal Província do Pará,
ano depois das festas, teve cobertura de vários fotógrafos, o que José de Ribamar Figueira de Mendonça foi chamado pelo jornal
indica a participação de diversos profissionais naquele importan- Pacotilha para a mesma função, em São Luís. Em seguida, Assis
te evento. Abdon Coelho fotografou grupos de visitantes com o Chateaubriand o convidou para ser o chefe de reportagem foto-
governador Luiz Domingues, assim como outros. O grupo orga- gráfica de O Imparcial. Casado com Raimunda Belém, moça de
nizador das comemorações, inconformado com o declínio da ci- família conhecida de Cururupu, resolveu colocar seu próprio ne-
dade, excluída da lista dos maiores centros urbanos republicanos, gócio, alugando um espaço no Edifício Sulacap, na Rua de Naza-
O proprietário,
quis traçar um perfil citadino moderno ao meio de cenários anti- ré. Proprietário do imóvel de número 328, na mesma rua, insta-
José Mendoça, gos, resquícios da vida faustosa de outros tempos. A elite política lou melhor o Foto Mendonça, apto a fotografar pessoas e famílias
na porta e econômica, obnubilada aos problemas sociais, ao declínio cul- com máquinas de fole, cobertor para melhor visualização do ob-
esquerda do
studio muito tural, à infraestrutura deficiente e obsoleta, glorificava os novos jeto fotografado, flash com lâmpada incandescente queimada a
frequentado ideais, aspirava à modernidade europeia de progresso ilimitado cada retrato batido, chapa de vidro para posterior impressão. Foi
por 4 décadas.
Arquivo da família num discurso utópico das potencialidades do Estado e da cidade. credenciado pelo Monsenhor Frederico Chaves para ser o fotó-
grafo oficial da Igreja da Sé, em batizado, Primeira Comunhão,
casamento, Missa de colação de grau dos formandos em Direito,
Odontologia e Farmácia e outras celebrações litúrgicas. Por dez
anos, entre 1945 e 1955, a loja de Mendonça teve o monopólio da
venda, no atacado, de material fotográfico para o Pará, Piauí e
interior do Maranhão. Com seu falecimento em 1982, foram en-
cerradas as atividades do Foto Mendonça.
Na primeira década do século XX, o imigrante tur-
co naturalizado grego, Leon Menagem Azoubel aportou em
São Luís, constituiu família com a maranhense Ana Lopes
e sustentou seus filhos Dreyfus e Uziel trabalhando como
escultor, restaurador e fotógrafo amador. O primogênito,
Dreyfus Nabor Azoubel (1919-2002), desde tenra idade, lim-
pava chapas de vidro usadas como negativo, manuseava
produtos químicos na elaboração de fórmulas caseiras no
serviço de vidraceiro, pirotécnico, espelhador, produzindo

236 237
também molduras de madeira, de
gesso e placas esmaltadas. Fascina-
do pela fotografia, ensinada por seu
pai, aos doze anos de idade cobriu
uma solenidade do Governo do Es-
tado realizada no Hotel Central. No
seu primeiro emprego, - Foto Amo-
rim, Rua Grande, em frente ao Éden
– destacou-se fotografando crianças,
paisagens, casamentos, batizados,
sendo chamado para refazer fotos do
interventor federal Paulo de Souza
Ramos. Bem conhecido, em 1946, de-
cidiu inaugurar o Foto Arte, na Rua
da Paz, esquina com Rua da Cruz,
mudado para a Travessa do Comér-
Azoubel em cio, Humberto de Campos, 185-A, para a Praça João Lisboa, 53,
seu gabinete onde ficou mais de vinte anos e, por fim, com o nome de Foto tituí-lo. Foi além de gravador e fotógrafo, enquadrando, dando Azoubel,
de trabalho. no meio da
Azoubel, ficou próximo à Fonte do Ribeirão.120 luz, sombra e outros artifícios para expressar momentos enfoca- multidão,
Azoubel coloria fotos, uma técnica pouco difundida e dos ao fazer cobertura jornalística. Suas fotos continham muitas registrando
momentos da
denominada “viragem” e inventava ou reelaborava técnicas de informações, complementares dos textos e capazes de auxiliar na
Greve de 1951.
reprodução de imagens. Detalhista, perseguia a perfeição, sabia percepção da história. Pela natureza de seus serviços em jornais,
olhar, tinha sensibilidade para aplicar a técnica adequada em ao fotografar momentos importantes da vida da cidade, foi con-
cada circunstância, preocupado com a beleza, fazia arte. Pontual siderado pioneiro do fotojornalismo maranhense.121
e precavido, sempre levava material de reserva aos eventos da Uma exposição individual de fotografia de Azoubel acon-
Interventoria, da Polícia Militar, da Rede Ferroviária Federal, da teceu no Teatro Artur Azevedo em 1951 e, ao completar 75 anos
Loteria do Estado do Maranhão e de outros órgãos púbicos, dos de idade, em 1994, promoveu outra exposição, verdadeira volta
quais era o fotógrafo oficial. Era presença obrigatória nos eventos ao passado, relembrando a história, as transformações da cida-
privados e nas festas familiares. de e a evolução da fotografia, expondo câmaras, equipamentos
Com o falecimento de Olavo Cunha, gravador e fotógrafo e acessórios usados no decorrer de décadas de sua profissão. Ao
do O Imparcial, João Pies Ferreira convidou Azoubel para subs-

121
O incêndio do navio Maria Celeste, em agosto de 1954, defronte da Beira Mar; di-
Com o desmoronamento da parede dos fundos do casarão da Praça João Lisboa,
120
tador argentino Juan Peron, em escala técnica em São Luís, em furo de reportagem
perdeu-se grande parte do acervo fotográfico, razão da mudança de endereço. Ver juntamente com Nonato Masson; Greve de 1951; a chegada do presidente Vargas e
Azoubel, Diogo. Fotografia no Maranhão: perspectiva histórica e percurso de Drey- outras reportagens em O Imparcial, no Jornal do Povo, no Diário de São Luís, no
fus Nabor Azoubel. São Luís: Uniceuma Combate.

238 239
bém finalidades práticas. O número considerável de clientes e a
luta pela sobrevivência resultou no surgimento de ambulantes,
fotógrafos lambe-lambe, em largos, festas populares e religiosas
e, permanentemente, no Mercado Central.122 O “estúdio” por-
tátil é formado de um tripé para sustentar a máquina-caixote,
como pano de fundo um tecido branco esticado numa parede,
um banco tosco para o cliente e tabuletas com fotos em exposi-
ção, maneira seduzir os passantes, além do anúncio da entrega
incontinente do produto. A máquina-caixote é revestida de cou-
ro cru, madeira ou metal e coberta na parte posterior com uma
espécie de saco preto, com três aberturas: dois orifícios para os
Azoubel, participar da coletiva no 1º. Salão de Artes no Maranhão, recebeu braços e um para enfiar a cabeça no momento de bater e revelar
fazendo a
cobertura honra ao mérito do governo Newton Belo. Pela contribuição, no a fotografia. A lente, para captar a imagem, fica na parte frontal e,
jornalística do decorrer de 70 anos de trabalho, recebeu medalhas e títulos. no interior traseiro da caixa, uma banheirinha pequena para o re-
incêndio do
Azoubel concluiu sua história fazendo o que mais gos- velador e outra para o fixador. Logo após ser batida, é procedida
navio Maria
Celeste, tava. A 28 de julho foi a Ribamar e fotografou um anjo da praça a revelação e processo químico para a fixação e impressão em pa-
março de da Igreja e a 2 de agosto de 2002 faleceu, dia em que não mais
1954. pel fotográfico, linho ou brilhante, do retrato em branco e preto.
foi visto andando pelas ruas da cidade, aquele homem aman- Os lambe-lambe representaram o veio democrático da
te da estética, sincero, simples, humilde, carregando máquina e fotografia até a chegada das câmaras com filme, revelados e
apetrechos acima do seu peso, de olhar atento a detalhe de pai- impressos em laboratório e, na atualidade, as fotos digitais.
sagens, aos traços poéticos da cidade, ao sorriso de uma criança.
Outras casas fotográficas pontilharam a cidade. O la-
boratorista e fotógrafo Souto, veio do Pará para trabalhar no
Foto Mendonça. Algum tempo depois, estabeleceu o Foto
Souto, no João Paulo, tendo como concorrente, naquele mes-
mo bairro, o Foto Bezerra; o Foto Sombra iniciou o atendimen-
to aos clientes nos baixos do Lord Hotel; o Foto Itamarati foi
estabelecido na Rua de Santana; o Vic Foto, junto à Farmácia
Garrido e o Foto Hollywood, ambos na Rua Grande; o Foto
Costa, em frente do Socorrão. Lambe-lambe,
A gente simples aspirava imortalizar momentos, guardar no Mercado
Central, à
na memória a aparência presente, o retrato, com a finalidade de espera de
fixar sobre o papel fotográfico algo valioso, num gesto simbó- seus clientes.
lico, de valor emocional. O principal era evitar o esquecimento
imposto pelo tempo, embora o ato de ser fotografado tem tam- Lambiam a placa de vidro para ver o lado da emulsão e a chapa para fixá-la. Ao ver
122

este gesto continuado, o povo apelidou o fotógrafo de lambe-lambe.

240 241
Teatro dores, tendentes ao melodramático, popularesco, muito
raramente retratavam problemas da época, denúncias
Artistas de Companhias europeias ficavam algum sociais ou questões psicológicas. Uma das exceções foi
tempo esperando navio para retornar e por razões pes- uma crítica à Academia Maranhense de Letras em que
soais, resolviam passar temporadas mais longas ou fixar José Brasil, inteligente e com muito senso de humor,
residência em São Luís, dedicando-se ao ensino de algum figurou os imortais com orelhas de asno. A reação foi
instrumento, canto, declamação ou teatro. De certa forma, veemente e a condição de expedicionário do diretor o li-
isto veio a refletir nas gerações futuras, no tempo do de- vrou de uma surra. Continuadas as críticas, foi premido
clínio econômico, quando rarearam os espetáculos ofereci- a fugir para o Rio de Janeiro.
dos no Teatro Artur Azevedo por Companhias de fora. No Nos anos 1940, na direção do Teatro Artur Azeve-
âmbito local, o pequeno público se contentava com repre- do, J. Figueiredo, artista plástico dos mais notáveis no
sentações nos teatrinhos familiares, em pequenos palcos meio ludovicense, recebeu várias Companhias brasileiras
domésticos, varandas, barracões, quintais ou salões paro- de alto nível, inovadoras, destacando-se Henriette Mori-
quiais adaptados para aquele fim.
neau com um espetáculo para crianças. Entusiasmado, o
Em 1924, Jamil Jorge fez sua primeira experiência de
diretor organizou o Teatrinho dos Novos, despertando in-
palco com o grupo da Igreja do Carmo, depois participou
como ator, autor e produtor na Associação Maranhense de teresse da garotada pela arte de representar. Outra expe-
Artistas e Intelectuais (AMAI)123. Do catecismo na Igreja riência com crianças foi a de Camélia Viveiros com os fa-
do Carmo, Cecilio Sá passou a integrar, em 1930, o grupo mosos boizinhos e outras manifestações folclóricas mara-
de teatro da paróquia, reunido ao lado, num prédio aban- nhenses. A educadora apresentou várias peças no Jardim
donado. Os temas religiosos foram os escolhidos por esses de Infância Antonio Lobo, foi muito apoiada e aplaudida
amadores. A Semana Santa era o tempo das encenações pelo público adulto e infantil.
anuais da Paixão de Cristo nas igrejas, teatros e cinemas Um grupo de católicos maranhenses liderado por
por Cecílio Sá e o Grupo Atheniense. Em esporádicas oca-
João Mohana, escritor, e secundado por Ubiratan Teixei-
siões diversificavam para comédias, temas folclóricos e ou-
ra, posteriormente diretor e crítico teatral, já tendia aos
tras expressões culturais maranhenses.124 Carlos Cardénas,
regendo o Grupo Atenas Brasileira, o Minerva organizado propósitos modernistas, através de textos centrados na
por Bibi Geraldino, o Talma sob a direção de Lauro Serra, problemática religiosa de cunho universalista, densos, de
Seu Filu e Telésforo Rego encenavam temas religiosos e es- diálogos profundos, ao mesmo tempo, com suaves cená-
critos variados. rios, completados pela plasticidade das cenas. 125 O elenco
Não havia respaldo teórico e crítico, carecia de saía de integrantes da Juventude Estudantil Católica se-
recursos financeiros, modelo de produção eficiente, es- diada na Catedral Metropolitana. Esta produção teatral-
paço fixo, elenco permanente e continuidade dos traba- mente correta foi efêmera, dadas as condições da época,
lhos, características das empresas teatrais. Esses ama-
sem local definido e parcos recursos materiais, restritivo

123
Jamil Jorge (1916-2002) escreveu 15 textos, a maioria, temas religiosos, muitos le-
vados ao palco entre 1946 e 1991. 125
Entre as peças de autoria do Pe.Mohana: Por causa de Inês, Abraão e Sara, O Ma-
124
Cecílio Sá dirigiu os grupos: Ateniense, Arthur Azevedo, Teatral Renascença e Tea- rido de Conceição Saldanha (monólogo), Os Perseguidos e Ore com os Grandes
tral Recreativo Amador do Maranhão. Orantes.

242 243
a uma continuidade das exibições. Porém esses ensaios
foram o prenúncio do teatro moderno em São Luís.
Antes de o teatro maranhense receber os ventos
da modernidade, Paschoal Carlos Magno e os amado-
res do Teatro de Estudantes do Brasil passaram por São
Luís mostrando a estrutura, consciência e conhecimento
da tradição teatral. Seus conhecimentos equivaliam aos
dos grupos profissionais mais categorizados do Brasil. A
prata da casa, de concepção primária do teatro, percebeu
a necessidade de maiores conhecimentos, mesmo em se
tratando de uma atividade amadorística.
Em 1957, houve uma guinada do teatro maranhen-
se com a chegada de Reynaldo Faray, aluno da Escola
de Teatro de Dulcina de Moraes, do Rio de Janeiro. Com
nova perspectiva teatral, concepção de interpretação, de
montagem, de cenário, substituindo o telão pintado pelo
tridimensional, palco mobiliado para dar mais realismo
às cenas, o novo diretor primou pela beleza dos cenários
e figurinos. Preocupou-se com o problema da continuida-
de, fundamental aos grupos teatrais. Iniciou seu trabalho
no SESC com acabamento diferenciado da dramaturgia.
No Clube das Mães, associou as aulas de dança a espetá-
culos teatrais encenados pelas jovens filhas e amigas das
senhoras fundadoras do Clube. Duas peças para adultos
e quatro para crianças contavam, a cada ano, com casa
cheia, devido à facilidade da venda dos ingressos pela
elite e do deslumbramento da plateia com a beleza dos
Reynaldo figurinos. Após algumas censuras de sócias do Clube,
Faray,
bailarino,
Reynaldo Faray resolveu organizar o TEMA, com elenco
ator e diretor da comunidade, predominando, contudo, pessoas da so-
teatral, entre ciedade local, conservadora do caráter classista do teatro.
Marlise e
Vera Matos Observe-se que, em fins de 1960, o diretor preferia espe-
no festival táculos com cenários bem elaborados, figurinos luxuosos
de balet do
Clube das e textos bem interpretados a temas de cunho político ou
Mães. social, presentes no palco brasileiro.

244 245
Em novembro de 1963, a TV Difusora nomeou Rey- BRAL e percebeu o
naldo Faray seu Diretor Artístico. Neste cargo promoveu inócuo trabalho de
exibições convocando atores locais de projeção social, a alfabetização, que o
maioria do TEMA, fazendo grande sucesso. Em 1966, pro- inspirou a escrever
gramas do Sul, nefastos inclusive pela alteração do bem fa- “Tempo de Espera”,
lar maranhense, preteriram as apresentações locais plenas espetáculo de con-
de criatividade e improvisação. teúdo e enérgica de-
Algumas divergências surgiram entre os atores e núncia, com uma lin-
Reynaldo, pela sua maneira de conduzir os trabalhos sem guagem inovadora,
abrir espaço para discussões, limitando os participantes a apenas com gestos,
ler, decorar o texto e representar. Um dos exemplos de dis- muito significativos
sidência foi Aldo Leite, nome de grande expressão no tea- naquele momento
tro maranhense. Sua trajetória começou na infância, em Pe- político de castra-
nalva, fascinado pelas exi- ção da palavra e, ao
bições circenses. Na ado- mesmo tempo, im-
lescência, como figurante, potência do caboclo.
nas horas de arte do Liceu; Em 1975, aconteceu
foi dirigido por Ubiratan o I Festival Brasilei-
Teixeira e Reynaldo Faray, ro de Teatro Amador.
no Clube das Mães e, so- Aldo Leite se inscre-
bretudo, no TEMA. Quan- veu com a antiga si-
do aluno de Jornalismo gla AMAI, e Tempo de Espera foi indicado como o melhor Cosme Júnior,
do curso promovido pela espetáculo dos festivais estadual e regional. De volta, no- em Tempo de
Espera, 1975.
Secretaria de Educação do meou o grupo de Mutirão. Depois de apresentações locais, Foto Murilo Santos

Estado do Maranhão, co- em São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Paraná, “Tem-
nheceu professores da USP po de Espera” chegou aos palcos de Nancy, Paris, Roterdã,
que vinham ministrar au- Amsterdã, Colônia e Munique. Percorreu, então, todas as
las. Ao verem sua atuação capitais do Nordeste e Norte, sempre recebendo críticas
no palco, sugeriram sua positivas e muitos prêmios. Aldo Leite marcou época no
transferência para a Esco- teatro maranhense como criador do Mutirão, permanecen-
la de Comunicação e Artes do na direção do grupo até sua extinção em 1989. Como
da USP. Ao voltar para São professor da UFMA, dirigiu o Gangorra. Juntando atores
Luís, percorreu interiores do Mutirão com o grupo Gangorra realizou apresentações
do Maranhão com o TEMA em 1978, 1981 e 1987, conseguindo alongar mais um pouco
em programação do MO- a sobrevida dos dois grupos.

246 247
Em 1966, o Teatro Artur Azevedo foi incorpora-
do ao recém-criado Departamento de Cultura do Estado,
aquela casa de espetáculos ficando sem os empecilhos do
prejudicial arrendamento a uma empresa de cinema. O di-
retor Gerd Pflueger promoveu a vinda de Companhias do
Rio de Janeiro, com elencos de grande envergadura, e, ao
encenarem valiosas peças, ofereceram verdadeiras aulas
de formação dramática aos maranhenses, inclusive ao lu-
dovicense Fernando Moreira. Diferenciado por sua erudi-
ção, escreveu peças notáveis, atingindo o mais recôndito
da alma humana, ao expor o caráter e a personalidade de
arquétipos com profundos conflitos existenciais, numa
complexidade dramática, bem ao nível de um escritor con-
temporâneo de invulgar talento.
Na década de 1970, grupos efêmeros e outros mais
duradouros, buscavam uma unidade de ação. Jovens cató-
licos de São Pantaleão organizaram o Teatro de Férias do
Maranhão, dirigido por Cecílio Sá e com a participação de
Tácito Borralho. Ficando na coordenação do TEFEMA, Tá-
cito Borralho, ator, autor e diretor de teatro, articulou-se
com o Grupo Chamató, de danças folclóricas do Ginásio
Costa Rodrigues, coordenado pela bailarina Regina Telles.
Do trabalho conjunto do TEFEMA com o Chamató nasceu
o grupo Armação do Maranhão, embrião do Laboratório
de Expressões Artísticas (LABORARTE), surgido em 1972.
Autêntico laboratório, os participantes discutiam coleti-
vamente as questões sociais e políticas a serem tratadas,
elaboravam o roteiro, depois o texto, sugeriam o tipo de Eugênio
linguagem e os signos a serem adotados e como montar Giusti, Lúcia
Nascimenro e
o espetáculo, práticas inéditas no meio artístico, uma vez Aldo Leite em
que até então ao diretor cabiam todas as decisões e demais Beijo no Asfalto,
de Nelson
providências. Trabalhos montados em mutirão, dirigidos
Rodrigues.
para a rua. Foram usados bonecos de luva, de vara, com Direção
linguagem de rua, circense, destacada a racionalização Reynaldo
Faray, 1969.
da interpretação. Verdadeiro confronto ideológico ante o Foto Murilo Santos

249
cidade”, procurava uma linguagem, forma, atitude e cena
regional e, ao mesmo tempo, universal. Inspirado numa
toada de Boi, em 1973, montou o espetáculo Cazumbá que,
posteriormente deu nome ao grupo, Companhia Cazumbá
de Teatro e Dança.
O reconhecimento que o amadorismo não implica-
va em movimento isolado, desarticulado, especialmente
no período da ditadura, de perseguição política, de censu-
ra, gerou a formação da organização de teatro amador do
Maranhão. Em 1972, a mobilização de pessoas e grupos re-
sultou na Associação Maranhense de Teatro Amador. Ao
mesmo tempo, foi criada a Federação Nacional de Teatro
Amador, de âmbito federal, tendo como presidente Táci-
to Borralho. A Associação transformou-se em Federação
de Teatro Amador do Maranhão com sede no Laborarte,
ponto de encontro para reuniões, discussões, organização,
trabalho de legalização dos grupos como entidades jurídi-
cas para defesa contra a censura e repressão policialesca.
A Federação possibilitou os grupos saírem do isolamen-
to através de contatos com o mundo cênico exterior ao
Nelson Brito e novo teatro de engajamento político não partidário e os
Tácito Borralho Maranhão. Tácito Borralho, Aldo Leite e Nonato Pudim,
em O Cavaleiro do
outros grupos despreocupados em investigar, reelaborar
fizeram parte das diretorias enquanto a Federação sobre-
Destino as formas populares de arte e levar ao povo, não só atra-
Foto Murilo Santos viveu. 126
vés de encenações, mas por meio da música, artes plásti-
cas, literatura, imprensa, fotografia e cinema.
Outros grupos, influenciados pelo Laborarte, tais
como: o Grupo Independente de Teatro Amador (GRITA),
nascido na Liberdade, transferido para o Laborarte e hoje
com sede própria no Anjo da Guarda; o Grupo Gangorra,
de extensão universitária da UFMA; o Teatro Experimen-
tal Anilense e o Teatro Popular do Maranhão, de operários
gráficos.
Américo Azevedo Neto, inquieto com a falta do
que chamou de ‘Cena Maranhense’, ou seja, “um compro-
metimento cultural, um envolvimento verdadeiro, uma mistura
As informações sobre o teatro local contemporâneo foram retiradas principalmen-
126
de raiz e realidade para que possa receber o título de arte da te de LEITE, Aldo. Memória do Teatro Maranhense. São Luís: EdFUNC, 2007.

250 251
Rádios

Em 4 de julho de 1926, entrou no ar a Rádio Clube


do Maranhão, como primeira iniciativa de radioamado-
res, reunidos na Rua do Sol (ou Nina Rodrigues), sede da
Escola Prática de Radiotelegrafia. Funcionou a contento,
embora sem a estrutura indispensável exigida por uma es-
tação radiotransmissora. Em janeiro de 1930, a Casa Auto-
victor, situada na Praça João Lisboa, inaugurou um servi-
ço de altofalante com o objetivo de projetar artistas locais.
Em maio de 1932, a Rádio Clube do Maranhão, melhor
equipada, conseguiu transmitir notícias de interesse de
comerciantes, músicas, discursos, conferências, resoluções
oficiais, notícias mundiais e concertos do Violão Club. Em
maio do mesmo ano, a Radiotelephonia iniciou transmis-
sões em ondas longas para o litoral e o sertão.
Nos idos de 1938, fonógrafos faziam propaganda de
casas comerciais em estridentes alto-falantes, abusando dos
transeuntes da Praça João Lisboa. Um deles chegou a repe-
tir oito vezes por dia o Hino Nacional. A chefia da Polícia,
a pedido do Interventor Federal, mandou encerrar os recla-
mes comerciais ao som do hino. A febre de retransmissores
proporcionou o festival, “Vesperal dos Speakers”, no Cinema
Éden, com dança no salão nobre ao som do Jazz Alcino Bílio,
projeção de filme, brinde oferecido por bazares à senhorinha
vencedora do concurso e a presença dos speakers. Participa-
ram do evento: Marcus Vinicius, de voz pastosa, timbre firme
e volumoso; Joaquim Garrido, amador teatral, apresentador
de crônicas, através da Rádio Propaganda Sonora Rianil; e
Othelo Cavalcante, notável no meio artístico, intelectual e ra-
diofônico, diretor de publicidade da Rianil, pela inteligência
e perfeita dicção como speaker. Verdadeiro laboratório da ra- Prédio onde
diofonia, os jovens rapazes demonstraram zelo pela profissão, funcionou a Rádio
Timbira.
cuidado pelo noticiário de interesse geral, solicitude e respeito Álbum do Maranhão 1950

pelos ouvintes.

252 253
O Circo Nerindo, armado onde mais tarde foi construído Os aparelhos de rádio eram prerrogativas de pessoas
o Liceu do Campo d’Ourique, instalou uma rádio transmissora mais abastadas, justificado com isto, o seleto e reduzido nú-
para sua propaganda e da Rianil. Programas musicais diários ao mero de ouvintes. De programação elitizada, supervisiona-
som do Jazz Alcino Bílio, muito agradáveis e informativos das da pelo diretor geral e intelectual José Ribamar Pinheiro, em
colaboração com a professora Lilah Lisboa de Araújo e pelo
novidades recebidas semanalmente, teve grande audiência por
maestro Adelman Corrêa, era comum a transmissão de canto,
ser de interesse dos milhares de fregueses.
recitativos, duos de violino e piano, de piano e flauta, quar-
Através do decreto de 27 de julho de 1939, o inter-
tetos de corda e a Orquestra de Concertos, como aconteceu
ventor Paulo Ramos, institui a Estação Transmissora P.R.J. 9
por ocasião do aniversário do Interventor. O solo de piano foi
- Rádio Difusora do Estado do Maranhão - e a 6 de outubro
executado por Lilah Lisboa.
o governo do Estado assinou um contrato com a Philips do
Com maior número de aparelhos, fez-se mister a rees-
Brasil, para compra dos equipamentos necessários para a es-
tação de radiodifusão em São Luís. Com o aval do Presidente truturação da programação para atender maior clientela. Lau-
da República, através do Decreto n. 4.657, publicado no Diário ro Serra, no horário “Bolas e Balas” atraiu a meninada para o
Oficial de 25 de novembro do mesmo ano, foi providencia- auditório da própria emissora, dando oportunidade a calou-
da a construção de um prédio na Avenida Municipal, esquina ros e destacando anônimos valores artísticos.
com a Rua Rodrigues Fernandes, antigo Beco do Gavião, hoje Ocasionalmente artistas de projeção nacional usaram
Avenida Ribamar Pinheiro, bairro de São Pantaleão, para ins- o microfone da Difusora, como Orlando Silva, ”o cantor das
talação dos transmissores e a torre de transmissão. O estúdio, multidões”. Em 8 de janeiro de 1942, a rádio transmitiu o Con-
discoteca, diretoria e um pequeno auditório ficaram nos altos
curso de Músicas Carnavalescas; em janeiro de 1943, o Bando
da Imprensa Oficial, na Avenida Antônio Rayol, n. 500. Ed-
Vera Cruz interpretou sambas. Outras transmissões popula-
son Browne de Araújo, trouxe do Rio de Janeiro e montou os
equipamentos. Depois de inspecionadas as instalações e apa- res aconteceram.
relhagens por Walter Freire de Carvalho, do Departamento de Depois de realizado um inventário do acervo existente
Correios e Telégrafos de Belém, a emissora entrou no ar em por uma Comissão, foi celebrado, em 14 de agosto de 1944, o
caráter experimental. contrato em comodato, por cinco anos, prorrogáveis por mais
A inauguração ocorreu a 4 de agosto de 1940 pelo cinco, podendo a Rádio Baré de Manaus, dos Diários Associa-
Interventor Paulo Ramos em presença de autoridades civis, dos, utilizar toda a aparelhagem e pessoal da Difusora, das 11
militares e eclesiásticas, recebidos pelo diretor Fernando Per- às 13 horas e das 18 às 22 horas. Meia hora seria reservada à
digão, pelo chefe das oficinas, Waldemiro Reis e transmitida
transmissão da Hora do Brasil e à divulgação de atos e notas
a solenidade pelos locutores Marcos Vinicius de Almeida e
Durval Paraíso.Este,como Diretor Artístico, foi incumbido de oficiais ou quaisquer notícias urgentes de interesse do gover-
fazer a abertura, anunciar o pronunciamento do Interventor no. Nesta ocasião a rádio passou a chamar-se Rádio Timbira
Federal, seguido da bênção das dependências pelo Arcebispo do Maranhão, norma dos Diários Associados de colocar no-
Metropolitano, Dom Carlos Carmelo de Vasconcelos Motta.127 mes indígenas em suas rádios.
Passaram pela direção da Rádio Timbira o professor
Mata Roma, o político José Burnett, o funcionário estadual
Pessoas qualificadas trabalharam na rádio. Os irmãos Othelo e Ernani Cavalcante, os
127

rádio-atores Nobre Fonseca, Ferreira Novaes, José Brasil, os cantores Newton Vieira,
José Nunes, o jornalista Vilela de Abreu, a pianista Lilah Lis-
o vocalista Ruy Barbosa Pisk, os apresentadores Boanerges de Oliveira e João Santia- boa de Araújo e, por último, Celso Alves. Em março de 1947,
go e o operador Raul Gonzalez.

254 255
a Rádio Timbira foi transferida da Rua Antônio Rayol para Timbira no momento em que os atores estavam ensaiando um
o pavimento superior de um prédio recém-edificado, na Rua capítulo de novela no palco do auditório, com cortinas fecha-
Oswaldo Cruz, n. 175, quase em frente ao Éden. Em 1952, a das. Rodolfo Mayer entrou discretamente, assistindo grande
rádio transferiu sua sede para os altos da loja Casa dos Teci- parte do ensaio e, ao término, o visitante cumprimentou o
dos, Oswaldo Cruz, n. 28, esquina com Avenida Magalhães elenco pelo desempenho, dizendo: “Com os parcos recursos téc-
de Almeida. Algo inusitado aconteceu naquele prédio. Certa nicos de que dispõem aqui, vocês são uns loucos e, ao mesmo tempo,
quinta feira, o auditório da rádio superlotou no programa de grandes intérpretes. ”128
variedades do cantor, seresteiro e empresário Moacyr Neves, Em março de 1948, o Rádio-Teatro da Timbira esteve
na apresentação de Luís Gonzaga, o “Rei do Baião”. No dia a cargo do Centro Cultural Gonçalves Dias e, dentre as apre-
seguinte, ao abrir a Loja dos Tecidos, o gerente José Lamar viu sentações, a peça de autoria de Vera Cruz Santana enfocando
rachaduras na viga mestra da laje, sustentáculo do auditório, a questão social entre patrão e empregado marcou época pelo
motivo da suspensão temporária dos programas com público conteúdo e interpretação de José Bento Neves, Reginaldo Te-
presente. les, Lago Burnet, Marylia de Alencar e José Filgueiras.
Com o empenho de Marcos Vinícius e Othelo Cavalcan- Nos horários entre 10 e 15 horas e das 17 às 22 horas,
te foi criado o Departamento Especial de Rádio Teatro “Ama- a Timbira transmitia Programa de Valsas, Solo de Piano, de
ral Gurgel”, da Rádio Timbira. As novelas eram escritas pelo humorismo com Jararaca, Boêmios da Lua, Postal Sonoro e
apresentador e produtor cearense Jackson Moreira, dirigidas encerrava com o Rádio-Baile, sob a direção artística de Vilela
por Othelo Cavalcante e levadas ao ar de segunda a sábado, de Abreu. Em janeiro de 1949, no horário de “Era uma Vez”,
a partir das 14 horas. Os intérpretes Marcus Vinicius, Nonato o jovem poeta Lago Burnett brindou as crianças com a histó-
Masson, Carlos Celso, Cláudio Ramos, Gérson Barbosa, Do- ria da “Cinderela” e “Gata Borralheira”. Usavam o microfo-
mingos Costa, Rui Pisk, July Miguez, Maria Helena, Francy ne Marylia de Alencar, Iracema Nádia, Lena Maria e Afonso
Batista, Maria Antonieta, Fátima e Elba Gonçalves e Edith Fer- Henrique. Em fevereiro foi a vez de Sandra Maria, Ribamar
nandes faziam parte do elenco das radionovelas, verdadeiros Pacheco e Othelo Cavalcante apresentarem “A Bela e a Fera”.
sucessos. Temas de música instrumental adequadas a cada A fase áurea da Rádio Timbira, sob a direção da pro-
cena eram escolhidos pelo sonoplasta Parafuso, ambientando fessora Lilah Lisboa de Araújo, arregimentou profissionais
com maestria as respectivas cenas. Peças teatrais adaptadas interessantes. Quatro horas do programa domingueiro “No
para o rádio também foram levadas ao ar. Inesquecíveis fo- Mundo das Brincadeiras”, animado por Othelo Cavalcante,
ram, “Trapézios volantes”, de Amaral Gurgel, onde o duelo com calouros, brindes para a plateia e para ouvintes, se tor-
entre o promotor Marcos Vinicius, e o réu Othelo Cavalcante, nou famoso pela grande audiência e verdadeiro laboratório
suscitou grande suspense nos ouvintes. O monólogo escrito de descoberta de muitos cantores, uns contratados pela rá-
por Pedro Bloch, “As mãos de Eurídices” e interpretado por dio e outros migrados para centros mais adiantados.129 Um
Othelo Cavalcante foi outro grande sucesso.
Rodolfo Mayer veio a São Luís em tournée artística
pelo Brasil para apresentações no Teatro Artur Azevedo. Sa- 128
RIBEIRO, José de Ribamar Elvas. Memórias de um Parafuso, São Luís: Gráfica e Editora
bendo do grupo de rádio teatro “Amaral Gurgel”, foi à Rádio Aquarela, 2014, p. 36.
129
A parte musical do programa teve sob a responsabilidade de Newton Vieira.

256 257
jovem motorista de taxi inscreveu-se, foi reprovado como can- Antonio Vieira - também compositor -, ao lado do Jazz Alcino
tor, porém, para surpresa de todos, Othelo transferiu a fun- Bílio, com Chaminé ao piano, Lauro Leite ao violino, Roque
ção de animador de auditório para Aderson Lima Junior. A Azevedo no rabecão e Vital Paiva na bateria.
segunda surpresa foi a desenvoltura do jovem ao enfrentar Outro período ascendente aconteceu, em 1954, com a
a plateia, prosseguindo o programa com animações e conse- nomeação de Raimundo Bacelar para diretor geral da Rádio.
guindo aplausos dos assistentes. Nascia a carreira do grande De notável visão empresarial, tratou de comprar equipamen-
animador de auditório, Lima Junior.130 Programas como “O tos mais modernos em aparelhagem sonora,132 promoveu se-
Domingo é Nosso” e “Ritmos da Panair”, ambos com Lima leção e contratação de novos locutores,133 cantores, conjuntos
Junior, “Comando da Alegria”, com Santana Ribeiro, “Postal musicais, solistas, humoristas e radioatores. Intelectuais como
Sonoro”, com Ermelindo Sales garantiam grande audiência Bernardo Coelho de Almeida, Lago Burnett, Nonato Masson,
da rádio. o redator Ribamar Ferreira, com pseudônimo Ferreira Gullar,
Aos sábados, das 22 às 23 horas, Othelo Cavancante José Joaquim Ramos Filgueira, ao lado dos talentosos Claudio
oferecia aos ouvintes a possibilidade de escolha de músicas a Ramos, Elbert Teixeira e Sandoval Guimarães se equiparavam
serem ouvidas. A diária “Crônica da Cidade”, página literária à equipe esportiva comandada pelos irmãos Dejard e Walber
de autoria do poeta e diretor artístico Vilela de Abreu, com- Martins (Canarinho) e o comentarista Sekeff Filho. A rádio
petia em audiência com “Músicas e páginas inesquecíveis”, lançou no ar o primeiro programa social, diário, ao meio dia,
apresentada por Othelo Cavalcante e ansiosamente esperada “Parabéns a Você”, sob a responsabilidade de Francisco Lei-
às quintas feiras.131 tão da Silva Neto.
Na década de 1950, um grupo de cantoras maranhen- A sonoplastia sob a responsabilidade de Elvas Ribei-
ses do melhor quilate, Maria Emília, “a Voz do Maranhão”, ro, vulgo Parafuso e os transmissores sob a direção técnica
Orlandira Matos, Flor de Maria, Elza Lopes, Lourdinha Cos- de Edson Browne garantiram a escuta até no Oriente Mé-
ta, Sandra Maria e Conceição Oliveira, neta de Fulgêncio Pin- dio. As transmissões esportivas chegaram à Bolívia, razão
to, sem esquecer o seresteiro Moacyr Neves, a Dupla Ponto e do governo daquele país ter enviado um cônsul a São Luís
Vírgula (Jorge Barros e Oton Santos), Roberto Muller, Islam para tratar dos interesses de tantos “bolivianos” aqui re-
Perdigão, César Roberto, Newton Vieira, Ribamar Fernandes, sidentes, admiradores do time mais popular da capital.134
José Ribeiro, Fernando Silva, Dick Roney e outros, animavam Foram localizados somente dois mecânicos bolivianos.135
os programas de auditório. Entre os músicos, Sinhazinha Car- É que os torcedores do Sampaio Correa são chamados de
valho, Nhozinho Santos, Pedro Gromwel. O regional da emis- “bolivianos”, pelas cores da agremiação.
sora era formado por Hildebrando Costa Ferreira, Mascote
do Pandeiro, Amilcar, José Ribeiro e Bicudo. Luís Sampaio,
132
Adquiriu novo tipo de gravação em disco long-play, 10 polegadas, 33 rotações por
minuto, com quatro ou cinco faixas musicais em microssulcos.
133
Dentre os aprovados, Maria Frazão, primeira locutora profissional do Maranhão,
em seguida, Ana Rosa, Noeme Ratz Santana, Moacyr Lima, Cleres Santiago, Murilo
130
Do mesmo programa saíram Orlandira Matos, de boa projeção no Maranhão, Rober- Cesar Muniz e Rui Dourado que, além de locutor, funcionou como apresentador,
to Muller, o “pingo de ouro” do rádio maranhense, mais tarde, Ivone Viana, Naná produtor e intérprete em programas de humor.
Ramirez, Maria Diniz e Ivone Mendes. 134
Almeida, 1989, op. cit., p. 52.
131
Informações colhidas do jornal O Imparcial, gentilmente cedidas por José de Jesus Paixão 135
Conforme Parafuso, o cônsul passou um ano tentando localizar os milhares de bolivianos e
Martins. tomando whisky no Hotel Central. Sem sucesso, desativou o consulado.

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tações, com programações bem elaboradas e uma equipe de
pessoas competentes, em curto espaço de tempo, suplantou
qualquer índice de audiência, antes, alcançado pela Difusora.
Esta decisão de Bacelar, aos poucos, foi tirando o espaço dos
artistas locais e introduziu novo linguajar e hábitos diferentes
ao maranhense.
Conforme acordo entre situação e oposição, o auditó-
rio da Timbira deveria ser cedido para reuniões, solenidades
e convenções políticas, muitas vezes, não cumpridos por im-
posição de uma das partes. A Rádio assumiu uma empreitada
jamais prevista. Assis Chateaubriand, fundador dos Diários
Associados e da TV Tupi, São Paulo, candidatou-se a senador
pelo Maranhão. Acompanhado de grande comitiva, técnicos e
artistas, desembarcou em São Luís para oferecer aos eleitores
um espetáculo com demonstração de televisão em circuito fe-
chado. A abertura da noite ficou a cargo de Carlos Frias, leitor
Elvas Ribeiro, A programação da Timbira agradava todo tipo de ou- da crônica “Boa Noite São Luís”, ao som de Moonlight Serena-
conhecido
como Parafuso, vinte. Milhares de discos, no começo, de cera de carnaúba, de, de Gleen Miller. Em seguida, hora musical com cantores
notabilizou-se miolo de papelão, velocidade de 78 rotações por minuto e di- locais, pronunciamento do candidato anunciado por Carlos
como grande
mensões de dez polegadas, continham todos os sucessos na- Frias, e show com elenco da TV Tupi. Os equipamentos fo-
sonoplasta do
rádio. cionais e internacionais da época e nos de doze polegadas, as ram instalados no estúdio e no auditório da Rádio e grandes
Foto cedida por Concita Elvas
edições de música clássica e instrumental.136 monitores, montados no calçadão do Cinema Rival, em frente
Bacelar, em contato com a Rádio Nacional, conseguiu ao Abrigo Novo da Praça João Lisboa. Praça lotada e sucesso
a permissão para grandes intérpretes daquela emissora virem sem precedentes. Nova apresentação com o apoio da Rádio
regularmente nos fins de semana para shows em São Luís.137 Ribamar, lotou a Rua do Apicum.
Os artistas ensaiavam com os músicos locais na sexta feira Uma sucessão de eventos políticos aconteceu na Rádio
de tarde, e Edgar Fontenele, Elbert Teixeira ou Cesar Rober- Timbira. No início de julho de 1954, Juscelino Kubitscheck de
to, apresentavam os astros no sábado. Depois do programa Oliveira, candidato a presidente e João Goulart, a vice-presi-
radiofônico, cantavam nos bailes do Cassino Maranhense ou dente da República, foram recebidos com festa em São Luís,
no Grêmio Lítero Recreativo Português. O nível das apresen- concluindo a estada com uma reunião, promovida pelo sena-
dor Vitorino Freire, no auditório da Rádio. Em fins de setem-
bro, no mesmo local, aconteceu o encerramento da campanha
136
Os toca-discos Garrard tinham braços pesados e agulhas de aço com capacidade de uso até dez
discos. Uma caixa, com duzentas agulhas era gasta em seis dias de trabalho. de Vitorino Freira para senador.
Vieram Orlando Silva, Silvio Caldas, Black Out, Gilberto Alves, Jamelão, Dalva de Oliveira, Os problemas políticos determinaram o declínio da
137

Ângela e Ademilde Fonseca, Trio Iraquitan, Jorge Veiga, Marion, Nelson Gonçalves, Jackson
do Pandeiro, Almira Castilho, Marlene, Emilinha Borba, Orlando Dias, Ester de Abreu, dentre Timbira. Conforme Parafuso: “Acho até que foi por causa da po-
outros.

260 261
lítica que Raimundo Bacelar apressou seu afastamento da direção e Rui Dourado se esforçaram para aumentar a audiência com
geral da emissora e aí eu entendi com toda a clareza que ele estava o programa humorístico “Invertidas” que conseguiu superar a
realmente no firme propósito de montar a sua própria empresa de audiência do programa da Difusora, “Turbilhão de Melodias”,
radiodifusão.”138 de Almir Silva. Três meses depois, Zé Marques participou aos
Pelo acordo entre o PSD, da situação, e o PTB, de oposi- promotores do programa favorito da população, a suspensão
ção, a diretoria geral da Rádio Timbira ficou com o pastor Capi- de “Invertidas”, motivada pela ameaça de Almir Silva deixar a
tulino Lázaro Amorim, por exigência deste último partido. Não Difusora, o que contrariou seu proprietário, Bacelar, temeroso
houve solução de continuidade quanto à vinda de artistas de da ameaça de prejuízos à rádio. Como bem escreveu Parafuso,
fora e programas de auditório, porém questões internas, como “e a audiência da Rádio Timbira novamente foi para o brejo”.141
remanejamento de funcionários, espaços cedidos para fins polí- Um decreto governamental transformou a Rádios Tim-
ticos e descontentamento de alguns, a rádio foi perdendo pes- bira em autarquia, eximindo-se do investimento de recursos fi-
soas competentes e consequente substituição do pastor pelo jor- nanceiros à emissora. Abuso de autoridade do diretor e falta de
nalista Lourival Borba Santos. Na passagem do cargo, uma sur- pagamento aos funcionários culminaram com a suspenção dos
da vaia depois do pronunciamento do ex-chefe culminou com a trabalhos em 1960.
marchinha carnavalesca, “Vigarista”, cujo primeiro verso dizia: Soerguida pelo governador Newton de Barros Belo, em
“Vai vigarista, boa viagem”. 1963, foi nomeado diretor, Dejard Martins, com carta branca
O novo diretor “não conseguiu reverter o processo de deca- para transformar a Timbira na melhor rádio do Maranhão. Ins-
dência instalado pela má política, cuja influência tornara-se nefasta talou-se no 7º andar do Edifício BEM, contratou profissionais
para a emissora. ”139 Parte dos cantores, técnicos e músicos de- competentes da Rádio Bandeirantes de São Paulo para treinar
bandaram. A programação ficou resumida a músicas, notícias, locutores, arregimentou pessoas de bom nível intelectual, ad-
esporte e informativos de utilidade pública. Borba Santos foi vogados, médicos, de boa voz e chamou radialistas destacados
substituído por Eldes Machado Mendes, cujos desentendimen- de outras rádios, oferecendo salário condizente. Foi um tempo
tos com os diretores artístico e técnico tiveram como efeito sua de busca da excelência. Os sentimentais esperavam as 18 horas
substituição por Francisco Harache. Pouco tempo depois, nova para ouvir o advogado Mário Leonardo, de linda voz e dicção
substituição da direção para Walmir de Jesus Moreira Serra. perfeita, ler uma página romântica que levava as mocinhas a
O grande esforço do diretor e funcionários para cumprir tare- suspiros e lágrimas no programa “Em cada coração uma can-
fas, além de suas possibilidades, era respondido pelo descaso ção”. “Timbira faz amigos”, de Herbert Teixeira, embalava
de Governo do Estado, levando Moreira Serra a abandonar o os ouvintes à noite. Outros radialistas como Adiel Carvalho,
cargo abruptamente.140 O deputado estadual Marques Teixeira, Lauro Leite e Salim preferiam os programas de noticiários. O
assumiu a Timbira, porém as questões financeira, material e hu- programa Postal Sonoro, apresentado de segunda a sábado,
mana, o tornava impotente para sustar seu declínio. Parafuso das 13 às 14 horas, atendia por carta ou telefonema, pedidos
de mensagens musicais de ouvinte para ouvinte, atingindo
grande audiência.
138
RIBERIO, op. cit., p. 43.
139
Ibidem, p. 53.
140
Num esforço hercúleo, irradiaram jogos de time locais com o Botafogo e com o Santos 141
ALMEIDA, op. cit., p. 76.
e transmitiram a Copa do Mundo na Suécia.

262 263
A Rádio Timbira foi única no Maranhão até o surgi- atuando. Em abril de 1949, Moacir Neves apresentou
mento da Rádio Ribamar, de José de Ribamar Pinheiro e Ger- uma temporada interpretando canções de Vicente
son Tavares, inaugurada a 1º de junho de 1947 e iniciando Celestino, acompanhado pela orquestra do maes-
seus trabalhos no Edifício Metrópole, no Largo do Carmo. Da tro Pedro Gronwell.
solenidade constou bênção dos transmissores, estúdio e audi- A Rádio Ribamar conseguiu popularida-
tório da emissora pelo Cônego Artur Gonçalves, representan- de por transmitir notícias de interesse do povo
do Dom Adalberto Acciole Sobral; coquetel servido na sede no programa “Senhor Tesoura e dona Tesouri-
do Grêmio Lítero Recreativo Português, da Praça João Lisboa, nha”, noticiando mexericos e fatos da vida parti-
ao governador Sebastião Archer da Silva, autoridades e convi- cular de cidadãos. Contribuíram para a elevação
dados; apresentação da cantora Ademildes Fonseca, da Tupi, da rádio os radialistas, Dom Ivan, Murilo Campe-
Mário Alves, da Ceará Rádio Clube e o violonista Custódio lo, Hélio Lisboa de Moraes Rego, Leonor Filho, Tu-
Silva, da Rádio Timbira, além de outros valores artísticos. Ne- pinambá Moscoso, com especial destaque o professor
cessitando de espaços mais amplos, se estabeleceu na Rua do Marcos Vinícius, eleito em 1953 “legenda viva do Rádio Mara-
Apicum, com um grande auditório. nhense”, em 1954, o “Rei do Rádio” e considerado por Rodolfo Leoncinho,
responsável pelo
Como revelação ao esforço da Rádio Ribamar suplan- Mayer o locutor de timbre de voz mais bonito do Brasil. programa Em
tar sua concorrente em audiência, damos como exemplo, a Com seus dezoito anos de idade, Leôncio Cid Castro Sociedade Tudo se
Sabe.
programação do dia 17 de março de 1948.142 A partir de se- Filho, o Leoncinho, foi solicitado por Gerson Tavares de re- Foto cedida por Zelinda
Lima
tembro, a Rádio Ribamar lançou “Ginástica para todos”, de colher notas para serem lidas na Rádio. Seu sucesso ao levar
6:20 a 6:35 horas e o programa de auditório “O Mundo é um notícias e acontecimentos interessantes da cidade o levou a
Pandeiro”, incluindo a “Escola do Cast” e o ”Jardim de Infân- ocupar o horário de 11:30 sob o programa Em sociedade tudo
cia”, além de cantores inexperientes em ensaios descontraídos se sabe.
e divertidos, de 9 às 11:30 horas. Promovia programa de au- Pelas atividades das rádios e movimentação de pro-
ditório com a animação de Ermelindo Sales, vulgo Caveiri- fissionais da área, o meio exigia uma associação de radialis-
nha. Em seguida, vinham os calouros, candidatos a futuros tas. Em setembro de 1948, foi organizada a associação.143 A
cantores, sujeitos a classificação ou aprovação ao imitarem corrida para pertencer ao quadro de sócios foi considerável,
Cauby Peixoto, Nelson Gonçalves, Alcides Gerardi, Agnaldo visto a profissão oferecer posição de destaque na sociedade.
Timóteo, Waldik Soriano e outros em cartaz. Regionais, como Sem exigências físicas, bastando bom timbre, entonação de
eram chamados os conjuntos musicais, de cavaquinho, acor- voz e leitura fluente, o radialista gozava do status de artista,
deão, violão e instrumentos de sopro, executavam músicas conhecido e reverenciado como ídolo. Na São Luís conserva-
do momento. Os mesmos músicos, José de Ribamar Passos, dora e provinciana, de poucas opções,144 o rádio era a grande
vulgo Chaminé, Lauro Leite, Rui Pisk, Mascote continuavam distração e os radialistas, os grandes astros. A carteira de

Delírio de Valsas, São Luís Bom-Dia, Gravações Variadas, Hora Certa, Ritmos
142 143
Pelo esforço de Lauro Serra, Marcos Vinícius de Almeida, Boanerges de Oliveira, Ruy
da América, Mensagens Musicais, Crônica do Meio-Dia, Sobremesa Musical, Pisk, Ernani Cavalcante, José Joaquim Ramos Filgueiras, Mário França e outros.
Jornal Falado, Ângelus, Boa Noite São Luís, Programa de Estúdio e Música e 144
A praia do Olho d’Água, longe e sem transporte público disponível e a praia da Pon-
Divina Música. ta d’Areia, isolada pelo canal da Jansen.

264 265
radialista, verdadeiro passaporte, proporcionava passe li- interessado na aprendizagem do idioma inglês e na escuta de
vre no cinema, teatro, futebol, bailes carnavalescos ou outra uma rádio de Dallas, ouviu a descrição dos primeiros momen-
qualquer diversão. tos do assassinato do presidente Kennedy e transmitiu em pri-
A solidariedade entre os profissionais era expressi- meira mão aos ouvintes maranhenses.
va: “... antigamente, pra você ter uma ideia, todo mundo falava O comando da Rádio Ribamar passou de Gerson Ta-
com todo mundo. O cara da Rádio Difusora saía, ia na Rádio vares para Raimundo Vieira da Silva, em dezembro de 1978.
Timbira, ia na Rádio Gurupi, na Rádio Ribamar. Ai, nêgo: Ah, Foram providenciadas novas instalações para estúdios, de-
vamos tomar ali uma cerveja! Bora ali e tal. Vamos jogar bo- partamentos, discoteca, gabinetes para a diretoria em edifício
la!”145 No Carnaval, cada um fazia a cobertura em diferen- encravado em terreno do antigo estádio Santa Isabel (na fa-
tes locais públicos e, ao terminar a retransmissão, todos se mosa “Barreira”), Parque do Bom Menino, adquirido do gru-
juntavam para fazer “a festa”. po Lusitana. A inauguração da nova sede, a 5 de novembro de
As tensões entre os diretores das rádios por maior au- 1979, contou com pessoas de destaque político e social.
diência eram demonstradas pelo aliciamento de bons profis- A recém-criada Telebrás, encampou as companhias te-
sionais. No tempo das rádios Timbira e Ribamar, os radialis- lefônicas estaduais e particulares, levando à desocupação da
tas trocavam de emissora conforme as vantagens pecuniárias, antiga sede da Companhia Telefônica do Maranhão, localiza-
atraídos por um determinado tipo de programa ou por opor- da na Rua Joaquim Távora, esquina com 28 de Julho. Vieira da
tunidades comerciais. Nonato Masson, repórter esportivo da Silva resolveu fazer adaptações no interior do prédio para ins-
Timbira, foi para a Ribamar, retornando para a primeira, em talar estúdio, discoteca, departamentos, tesouraria e diretoria
julho de 1948; um mês depois José Ribamar Filgueiras, consi- geral da Rádio Ribamar. Somente os transmissores e antenas
derado o mais completo locutor da cidade, deixou a Ribamar de transmissão ficaram no antigo endereço. As dificuldades
pela Timbira e em sentido inverso, o locutor José Rodrigues. logísticas forçaram o retorno dos departamentos para o Par-
As rádios Difusora, depois Timbira e Ribamar disputavam que do Bom Menino.
bons locutores no comentário esportivo, destacando-se Othe- Uma novidade para a cidade foi o surgimento da Rá-
lo Cavalcante, primeiro locutor esportivo do Maranhão e Rui dio Difusora, dos irmãos Bacelar, inaugurada em 29 de ou-
Dourado. Rayol Filho começou na Ribamar, passou para a tubro de 1955, com a presença de autoridades municipais,
Timbira e finalizou na nova Difusora. Todos os diretores pro- estaduais, civis, militares, religiosas, convidados especiais da
curaram os melhores locutores, redatores de notícias e radio capital, do interior e de outros estados. O locutor e apresen-
escutas.146 As notícias de fora eram recebidas através de te- tador Edgard Fontenele anunciou a palavra do diretor geral
letipos ou telex e quando as antigas máquinas emperravam, Raimundo Emerson Machado Bacelar que comunicou a inau-
alguém ficava escutando para copiar o noticiário da Rádio guração do empreendimento. Dom José de Medeiros Delgado
Nacional, da Globo, de Belo Horizonte, etc. Um rádio escuta, benzeu as instalações dos transmissores e da antena, localiza-
dos em frente à escadaria do meio da Praça Gonçalves Dias.
Encerrada a primeira etapa, todos se dirigiram para o prédio
Entrevista de José Marinho Rayol Filho, 02.07.2005. In: CONCEIÇÃO, Francisco Gonçalves n. 80 da Avenida Magalhães de Almeida, esquina com Rua de
145

da. (org.) Outubro de 71. Memórias Fantásticas da Guerra dos Mundos. São Luís: EDUFMA,
2011, p. 183. Santana, nos altos da firma Cinorte, para a bênção das instala-
146
Graças a uma audição aguçada, um dos melhores rádio escutas foi Mauro Campos.

266 267
ções e aparelhagens do estúdio, auditório, discoteca, departa- nhão”, de propriedade de Almir Silva, trazido da Timbira.
mentos e diretoria da emissora. Outro horário musical, o “Turbilhão de Melodias”, dirigido
Intelectuais se imiscuíam a jornalistas e músicos, par- pelo mesmo radialista, entre as 15 às 16 horas. A “Difusora
ticipando das variadas programações ao vivo e de muita au- Opina” era esperada com ansiedade pelas crônicas de Bernar-
diência. A parte artística era comandada pelas cantoras, por do Coelho de Almeida, intelectual de projeção em São Luís,
jovens amantes do teatro e um conjunto musical.147 Programas também egresso da Timbira. Os “Disc Jockeys”, Almir Silva,
de auditório, de duas ou mais horas de duração, incluíam con- Zé Leite e Zé Branco colocavam músicas conforme pedido dos
cursos com perguntas sobre conhecimentos gerais, descoberta ouvintes. Outro programa similar, a “Caixa de Pedido Euca-
de talentos através da oportunidade a calouros, imitadores de lol”, dirigido por Fernando Sousa e logo substituído por Zé
cantores famosos, exibição de conjuntos musicais, cantores Joaquim de Aragão Pinto, constava de música e respectivo
profissionais da terra e, por fim, sorteio de prêmios. oferecimento com mensagem especial para alguém, assinala-
O grande revôo de excelentes profissionais das rádios do no verso de qualquer invólucro de fabricação da Eucalol.
Timbira e Ribamar aconteceu pela melhor oferta apresentada O horário esportivo ficou sob a responsabilidade de Mauro
pela Difusora.148 Não obstante as várias perdas, a Timbira con- Campos, originário da Rádio Timbira.
tinuou sua programação normal, pela fidelidade de renoma- Outro programa diferenciado, “O Domingo é nosso”,
dos do meio radialista.149 de propriedade de Lima Junior, antes apresentado pela Tim-
Uma das características da estrutura da Rádio Difuso- bira, com grande sucesso por muito tempo no auditório da
ra foi a prevalência de mulheres no trato dos equipamentos.150 Avenida Magalhães de Almeida, passou para a Difusora. No
Para divulgar notícias gerais, em 1956, a Difusora ini- ato da compra das entradas, as pessoas recebiam um bilhete
ciou a programação, das 5 às 7 horas, com “Bom Dia Mara- numerado e correspondente ao número aposto nas cadeiras
do auditório para efeito do sorteio de objetos oferecidos como
propaganda de firmas interessadas. Foi distração quase obri-
147
Parte artística: Hamilton Rayol, Fernando Silva, Miguel Damous e Antônio Figuei- gatória para os colegiais do Liceu, Marista, Escola Técnica e
redo. Música: os irmãos José e Evaldo Cantanhede (violão), Mundinho (acordeão), estudantes em geral, concorrentes em disputa sobre história,
Raça II (percussão), Raimundo Alcântara, o Careca (cavaquinho), Providência (cla-
rinete), Rodrigues (saxofone), Osmário (contrabaixo), Ubiratan Lago (pandeiro) e a geografia e outras áreas do conhecimento em nível médio. A
dupla Ponto e Vírgula, Jorge Barros e Othon Santos.
148
Egressos da Timbira, Bernardo Coelho de Almeida assumiu as diretorias administra-
torcida inflamada impunha ao ambiente um clima de expec-
tiva e artística; Elza Lopes foi para a discoteca e programação; Almeida Filho, Maria tativa quando Lima Junior apresentava o resultado, dizendo
Falcão e Cesar Roberto, locução e apresentação; as cantoras Orlandira Matos, Flor de
Maria e Conceição Oliveira; Canarinho e outros. com exagerada pausa: Perfeitamente Certo ou Errado. Outros
149
Marcus Vinicius, Américo de Souza, Edson Reis, Sandoval Guimarães, Rui Dourado, programas de muita audiência eram transmitidos no decorrer
Noeme Ratz, Déo Silva, Ana Rosa, na locução; Murilo Cesar, Santana Ribeiro, Castro
Martins e Cleres Santiago em programas de auditório; Jorge Holanda, nos noticiosos; da semana, em horários preestabelecidos, assessorados pelo
Aldir Doudement, nas jornadas esportivas; Sandra Maria, Ivone Viana, Lourdinha
Costa, Newton Vieira, Maria Diniz, Sérgio Miranda, Naná Ramirez e Fernando Silva, conjunto musical. O quadro de locutores foi aumentado com
de segunda a sábado, encerravam a noite com música popular brasileira e Dick Ro- Fernando Sousa, Leonor Filho e Evaldo Souza.
ney, com músicas internacionais. Moacyr Neves manteve o programa de variedades,
nas quintas feiras, às 21 horas, com brindes ao auditório e ouvintes de casa. Na época de isolamento quase total das cidades do in-
150
As operadoras da equipe foram: Dalvina, Maria Augusta Frazão, Maria Browne. Hil- terior do Estado, quando telegramas e cartas chegavam com
da Gouveia e Mozeline Rosa. O único homem da equipe, o operador Paulino Pereira,
ficou com o horário de encerramento, às 21 horas à meia noite. Elza Lopes na disco- muito atraso, os ouvintes iniciaram um sistema de aviso a
teca e programação e Dinorá Cutrim, na tesouraria.

268 269
pessoas distantes através da rádio. Isto provocou a iniciati- desenvoltura em programa de animação, sobejamente de-
va de Bacelar e Bernardo Almeida de reservar dez minutos, a monstrado na Rádio Ribamar, foi responsável pelo programa
partir das 20:30h, para o que denominaram “Correio do Inte- de auditório na Rádio Gurupi. Outros bons programas foram
rior”. Os dez minutos foram extrapolados a quase uma hora, lançados, porém, com menos de um ano, funcionários insatis-
a ponto de desorganizar a programação noturna, tal o número feitos pleitearam transferência para outras emissoras, a exem-
de avisos. Havendo a possibilidade dos Correios e Telégrafos plo de Luiz Chung que, na Difusora, regeu o programa “Varig
alegarem concorrência ilegal, Raimundo Bacelar, presidente é Dona da Noite”. Elcine Nova Alves migrou para a mesma
da Assembleia Legislativa conseguiu a aprovação de uma lei rádio, assim como Lauro Leite Filho e Zé Branco, popular pelo
considerando o programa de utilidade pública. Ouvintes de programa de esportes.
cidades, povoados, vilas e propriedades rurais postavam-se Desde a implantação da televisão no Maranhão, em
ao pé do rádio, tanto para receber recados pessoais, quanto para 1963, a perda de audiência das rádios maranhenses aconte-
saber das notícias de modo geral. Foi grande a audiência e o cia progressivamente, à medida que a população, embeve-
tempo utilizado pelo “Correio do Interior”.151 cida pela imagem dos filmes, novelas, musicais, programas
Em 1960, a rádio foi transferida para o 10º andar do humorísticos, noticiários e outros, adquiria seus aparelhos
Edifício João Goulart, local sem espaço para manter um pro- televisores. As dificuldades advindas desta concorrência fo-
grama de auditório. ram compensadas pelo grande esforço de programas simpá-
Em 1962, o grupo de comunicação Diários Associados, ticos ao povo.
de Assis Chateaubriand, lançou ao ar a Rádio Gurupi, cujo A Igreja Católica, por exigência missionária reconheci-
primeiro diretor geral coube a José Pires de Sabóia Filho. Os da por Dom João José da Motta Albuquerque, lançou a Rádio
transmissores foram instalados no Morro da Alemanha, en- Educadora do Maranhão Rural (REMAR). Para abrigar trans-
quanto os estúdios, departamentos, auditório, discoteca e di- missores foi construído um prédio adequado e erguida a torre
retoria ocuparam os segundo e terceiro andares do imponente de transmissão em terreno próprio da Arquidiocese no bairro
sobradão, sede do jornal “O Imparcial”, no começo da Rua Sá Viana. Para acolher estúdio, discoteca, diretoria e depar-
Afonso Pena, 46. Conforme acordo com o Governo do Estado, tamentos foi adaptada a meia-morada n. 535 da Rua do Sol
a discoteca desativada da Timbira, naquela oportunidade, foi e inaugurada a quinta emissora do Maranhão, no dia 12 de
emprestada para a mais nova emissora. Com cardápio seme- junho de 1967. O diretor geral José Ribamar Linhares buscou
lhante às outras rádios, irradiou a Missa celebrada pelo Arce- pessoas experientes no meio radiofônico de São Luís.152 Ini-
bispo Metropolitano, Dom José Delgado e de um Te Deum, na ciante naquele campo da comunicação, a rádio contou com
Catedral Metropolitana, pelos 350 anos da chegada dos fran- Helena Leite, locutora e a norte americana Dorothy Pritchard,
ceses em São Luís. criadora, produtora e apresentadora de “Dona Carochinha”,
Muitos de outras emissoras compuseram o quadro de de muita audiência do público infantil. Depois dela, o progra-
funcionários da recém-criada rádio. Caveirinha, com grande

Dentre eles: Lauro Leite, Mario Leonardo, Luís Chung, Tupinambá Moscoso, Ja-
152

A duração do programa exigiu quatro noticiaristas, Almeida Filho, Fernando Cutrim,


151
phet Mendes Nunes, Mauro Campos, Clovis Buzago, Santos de Oliveira e Elbert
Roberto Rodrigues e Coimbra Filho. Teixeira.

270 271
ma foi assumido por Nicomar de Jesus Costa. O egresso da TV Radialistas autodidatas faziam programas de qualidade,
Difusora, Carlos Henrique Cavalcante, abria os trabalhos da pesquisavam, montavam, elaboravam, redigiam com cuida-
emissora com “O Programa do Galinho”. Em constante luta do e liam com esmero. Antes da concorrência da televisão,
por audiência, outros profissionais colaboraram no início da as rádios tinham grande penetração e importância pelas in-
emissora católica. formações sobre política, economia, esporte, sociedade e, so-
A Rádio Gurupi, comprada pelo grupo Falcão em bretudo, inteirando o povo sobre os lançamentos musicais
1980 e inaugurada a 29 de junho de 1981 com o nome de Rá- numa época de grande evidência dos cantores de rádio no
dio São Luís, ocupou alguns espaços do prédio da Distribui- Brasil. Até a década de 1960, a programação era diferenciada.
dora DIMAPE, na antiga Avenida Médici, 77, hoje Africanos, Ouviam-se nas rádios ludovicenses entretenimento, notícia,
na Areinha. Instalou seus estúdios de gravação e o principal, esporte, dando muita ênfase à parte musical com exibição de
aquele que leva ao ar suas mensagens, ali. Desde seu início foi conjuntos instrumentais, cantores locais e nacionais, anima-
filiada à Rede L & C, primeira rede de rádio do Brasil, criada há dores de auditório, radionovelas, notícias e, em menor per-
35 anos. A programação vinha gravada de São Paulo, em rolos, centual, propagandas. Novas relações econômicas, sociais e
com personagens como a Ana Maria, fazendo a interação com políticas afetaram as rádios. Na década seguinte, a qualida-
os pedidos locais através do material pesquisado pelo repórter de das apresentações baixou, devido ao parco patrocínio e a
musical Euzimar Santana que percorria os bairros da cidade necessidade cada vez maior de vender programas e horários
recolhendo as mensagens dos ouvintes, a serem projetadas no para a sobrevivência das emissoras. A radionovela foi extinta
programa “Bom dia Sucesso”. A rádio em AM se dedicou à com as telenovelas; a recreação nos auditórios findou com o
prestação de serviços e notícias, especialmente quando se filiou falecimento de Leonor Filho, Murilo Campelo, Lima Junior,
à Jovem Pan, permanecendo até hoje com o mesmo formato. grandes animadores; os programas musicais restringiram-se
Em 21 de outubro de 1986, a Universidade Federal do aos sábados e domingos, pela exiguidade do tempo, reser-
Maranhão fez um laboratório para estudantes de comunica- vado para entrevistas, prestação de serviços (tele ouvintes:
ção, ao implantar a Rádio Universitária-FM. Algumas iniciati- reclamações da comunidade para as autoridades, bate-papo
vas tomadas pelo Departamento de Comunicação Social, das via telefônica etc.), notícias diversas com ênfase às policiais,
quais, “Perspectiva do Rádio Maranhense”, seminário realiza- propagandas comerciais e políticas acompanhadas de prefi-
do em 1988, com vários painéis participativos de profissionais xos musicais e informação esportiva.
experientes de outras rádios.153 A qualidade dos programas transmitidos passou a
A Rádio Mirante, pioneira em FM, desde 1981, instalou ser inferior, embora São Luís já possuísse um curso de co-
AM em maio de 1988. municação, que aproveitou pessoas do rádio como alunos e
Interessante o acompanhamento das mudanças no depois se tornaram professores: “aí pegou aquele pouquinho
papel das rádios no seio da sociedade maranhense, de seus de experiência que já tinha em rádio e foi introduzindo alguma
atores, músicos, funcionários e da natureza dos programas. coisa mais de prática lá dentro.”154

No painel “O processo evolutivo do rádio no Maranhão”, participaram, Parafuso,


153

Roberto Fernandes, Dejard Martins, presidido pelo reitor Jerônimo Pinheiro. 154
CONCEIÇÃO, op. cit. p. 193.

272 273
Televisão
O sonho de Raimundo Emerson Machado Bacelar
de implantar no Maranhão um canal televisivo foi realiza-
do no dia 9 de novembro de 1963, com o slogan “A imagem
do progresso no Maranhão”, enchendo de euforia a popu-
lação. A solenidade de inauguração e bênção das instala-
ções do 10º andar do Edifício João Goulart pelo Cônego
Osmar Palhano de Jesus teve como primeira transmissão,
o slide padrão confeccionado por Genes Soares, Bernar-
do Almeida e José Leite, apresentando o empreendimen-
to e anunciando a palavra de seu idealizador, à presença
de autoridades locais e nacionais. Depois da cerimônia, o
Grande Show com artistas locais: o Conjunto Farropilha,
os cantores Francis Bento e Célio Roberto, da TV Jornal do artísticos. Contando com um grupo harmonizado, teve con- Magno
Comércio de Pernambuco e encerrada a noite com a voz da dição de apresentar a cada dia da semana espetáculos va- Bacelar e
Raimundo
carioca Ellen de Lima.155 riados, como “Na Ponta dos Pés” com alunos de sua acade- Bacelar,
Como todo início, a TV Difusora apresentava filmes mia; “Esta Noite Improvisamos”, show de variedades, com ladeados por
técnicos do
para todas as idades, telejornal, shows musicais com artis- canto, dança e dublagem; “Teleromance”, peças românticas Rio de Janeiro.
tas locais e entrevistas. Um dia após a inauguração, Ber- com artistas da casa; “Passarela”, dedicado à moda femini-
nardo Almeida entrevistou o senador Juscelino Kubitschek na e etiqueta social; “O Encontro com Lourdes”, entrevista
de Oliveira, de passagem por São Luís em suas andanças com figuras de projeção social; “Grande Teatro C-4”, peças
como candidato à presidência da República nas próximas teatrais adaptadas para televisão; “Spotlight”, entrevista
eleições de 1965. com personagens relacionadas às artes.156 Alguns traba-
A robustez da TV deveu-se à modificação da equipe lhos, como “Gimba”, adaptada para a televisão; a novela
inicial, especialmente no que se refere à direção artística. “A Grande Estiagem”, inspirada no filme Um Lugar ao Sol;
Reynaldo Faray, bailarino e proprietário de uma academia os musicais “Time Square” e “My Fair Lady”, todos adap-
de balet, coreógrafo, ator, produtor e estilista, atraiu artis- tados e dirigidos por Reynaldo Faray, fizeram grande su-
tas de rádio, teatro e pessoas de projeção social, com dotes cesso. Merecem destaque o guarda-roupa e figurino usados
pelos atores, de responsabilidades de Zelinda Lima.
Conforme o jornal O Imparcial, estiveram presentes Abelardo Jurema, Ministro da
155

Justiça, representando o presidente João Goulart, os governadores, Newton de Bar-


ros Bello, do Maranhão; Miguel Arraes, de Pernambuco; Virgílio Távora, do Ceará; Intelectuais, profissionais da TV da área de produção, o historiador Carlos de Lima e
156

Pedro Gondin, da Paraíba; Aluízio Alves, do Rio Grande do Norte; Seixas Dória, de outros colaboradores. O grupo era composto de: Lourdes Tajra, Gerd Pflueger, Marly
Sergipe e Petrônio Portela, do Piaui. Os generais Justino Bastos, Comandante do IV Boueres, Nielza e Vera Matos, Claudio, Concita e Anamaria Duarte Ramos, Terezinha
Exército e Arnaldo Augusto da Mata, Comandante do Grupamento de Engenharia Rêgo, Leila, Leda e Lúcia Nascimento, Ana e Conceição Mineu, Regina Teles, Lizete
do Exército. Vicente Rotundo, Adido Cultural dos Estados Unidos, Haroldo Caval- Ribeiro, a figurinista Zelinda Lima, Murilo Gandra, Facury Heuy, Eugenio Giusti,
cante, Presidente da Confederação das Indústrias, dentre outros. Carlos Henrique Cavalcante, José Inácio Moraes Rego e José João Lobato.

274 275
necimento de programas por outras emissoras do eixo
Rio-São Paulo, iniciando nova fase com a estreia de “Re-
denção”, novela da Tupi, seguida de “A Grande Viagem”
e outras tantas. Sumiram as novelas locais e bons progra-
mas, como ”Os Anônimos”, onde jovens como Ubiratan
Souza, Chico Linhares, Chico Saldanha e o violonista João
Pedro Borges deleitavam os telespectadores com arranjos
vocais em cenário de luz e sombra. O maranhense passou
a assistir a musicais da jovem guarda, festivais de músi-
ca popular brasileira e festivais internacionais da canção. Professora Rosa
Castro recebendo
Não mais havia necessidade dos cenários produzidos por
homenagem de
Genes Soares, incentivador das artes plásticas na TV, tam- Gerd Pluger,
pouco o espaço de trabalho de artistas e descoberta de Lourdinha Tajra e
Reynaldo Faray.
novos talentos com apresentação de teatro e outras ex- Foto cedida por Vera Matos

pressões artísticas locais.

Os programas artísticos, com poucos recursos e sem


Cena de peça equipamento para gravação, eram feitos ao vivo, exigindo
teatral projetada muita presença de espírito aos atores, devido a impossi-
na TV, com
Reynaldo Faray bilidade de conserto às possíveis falhas. Certa dificulda-
e Vera Matos em de surgiu com a criação do Departamento de Censura Fe-
primeiro plano.
Foto cedida por Vera Matos deral. Qualquer fala, escrita ou canto, era analisado pelo
Exército e, se não condizente com as regras vigentes, os
responsáveis podiam sofrer represália.
Programas cômicos, como “A Comédia da Ilha”
e “São Luís se Diverte”, representando conquistadores,
vigaristas, efeminados, criticando a cronista social da ci-
dade e outras personagens, imortalizaram certas figuras,
tais como Felisberto Rubirosa, Potoquildo e Chuteirinha,
Leleco, passando a fazer parte dos diálogos cotidianos do
povo.
Em 1965 foi adquirido pela TV Difusora aparelho
de vídeo-tape para gravar a programação. De um lado,
facilitou o trabalho interno, de outro, possibilitou o for-

276 277
O ocaso da antiga cidade o centro administrativo, a zona comercial e financeira, os
espaços de lazer e hotéis, as áreas residenciais, diferencia-
Expansão urbana das em classes, com a organização dos lotes, a dimensão dos
quarteirões, a frente média dos prédios, a manutenção de
A necessidade de expansão da cidade era premente áreas verdes e uma série de outras regulamentações e pro-
em fins da década de 1950. O problema da falta de espaço vidências. Embora não tenham sido de todo implantadas,
para atender à população ludovicense exigiu imediata so- muitas das propostas contidas no Plano de Ruy Mesquita
lução do governo, respondida, em 1958, com o Plano de Ex- orientaram importantes intervenções posteriores, mas num
pansão da Cidade de São Luís, elaborado pelo engenheiro tempo bem mais longo do que ele propunha.
Ruy Ribeiro de Mesquita, Diretor Geral do Departamento A ponte do Caratatiua sobre o Rio Anil, que encur-
de Estradas de Rodagens do Estado do Maranhão. Segundo ta o caminho para o bairro do Olho d’Água, somente se-
o diagnóstico apresentado, “a parte central de São Luís está ria inaugurada em 1968. Em 1970, foi concluída a segunda
limitada. Nestas condições, ou a cidade cresce no sentido vertical ponte sobre o rio Anil e uma barragem sobre o rio Bacanga,
ou se expande pelas áreas compreendidas entre o Rio Anil e o mar contrariando o projeto original de uma ponte. No final da
e o rio Bacanga e a baía de São Marcos. (...) O problema das áreas mesma década, foi implantada a terceira ponte sobre o rio
de São Luís será, pois, facilmente resolvido com construção de Anil e, em seguida, o Anel Viário, enquanto a Avenida Lito-
pontes sobre os rios Anil e Bacanga.” rânea somente seria finalizada na década de 1990.
Início da A proposta incluía rodovias para o Itaqui, Maracanã Se parte da regulamentação de bairros, ruas e casas
construção e Ribamar, uma Avenida Contorno, uma Litorânea e outras do projeto fosse cumprida, a cidade não teria sofrido uma
da barragem
ligando pontos da cidade entre si e a locais mais distantes. ocupação desordenada. Com os sérios conflitos no meio ru-
do Bacanga,
interceptando Além do sistema viário em anéis, saindo da porção central ral, São Luís absorveu considerável parte de antigos pro-
o rio do prietários ou posseiros excluídos, entre 1960 e 1970, agra-
mesmo nome,
do território, única solução para o espraiamento de bairros,
1968. o plano previa detalhadamente a ocupação das novas áreas, vando-se os problemas já existentes de desemprego e ha-
bitação. Em 1967 somente 23,7% da população gozava dos
serviços públicos, 50,8%, sem qualquer ocupação formal,
2,5%, aposentados ou pensionistas e 23%, abaixo da idade
para o trabalho.157 Em 1969, aproximadamente quarenta mil
habitantes residiam em palafitas, o equivalente a 16% da
população de São Luís. Os bairros, fora da linha Remédios/
Passeio em direção à parte antiga da cidade, não possuíam
rede de esgoto, correspondendo a 75% da cidade. Os 142
estabelecimentos de ensino primário, insuficientes para as-

RIBEIRO JUNIOR, José Reinaldo Barros. Formação do Espaço Urbano de São Luís: 1612-
157

1991 São Luís: 1997, p. 74/75.

278 279
similar as crianças em idade escolar, assim como os 7 hospi-
tais e cerca de 30 unidades para a devida assistência médica
à população mais carente.
Em fins da década de 1960, o crescimento da cons-
trução civil, a inauguração do Porto do Itaqui e a substitui-
ção da velha rede de esgoto do centro da cidade implanta-
da nos anos 1920, não alteraram tanto a feição de São Luís
quanto duas ações governamentais – a barragem e a ponte –
que romperam os limites naturais impostos pelos rios Anil
e Bacanga, para a expansão da cidade, deixando o centro
histórico entre dois braços: ao norte, em direção às praias
e a sudoeste, parte pouco habitada e menos aprazível, com
possibilidade de ocupação periférica.
O anúncio da construção da ponte sobre o rio Anil A implantação
A ponte A ponte José Sarney, inaugurada em fevereiro de
José Sarney, desencadeou uma corrida de invasores para o São Francis- do Campus da
conhecida 1970, facilitou o fornecimento de serviços públicos, como Universidade
co. A extensa área do Sítio Olaria, com o falecimento, em
como ponte água, luz, transporte, gradativa e paulatinamente a forma- Federal do
do São 1874, de sua proprietária Ana Jansen, foi desmembrada em Maranhão,
ção dos bairros de classe média, São Francisco, Renascença, resultado da
Francisco, Sítio Campinas, Sítio Pedreira e Sítio São Francisco. As in-
promoveu a Calhau, Ponta d’Areia, São Marcos e relativo revivescimen- expansão da
expansão da vasões formaram agrupamentos habitacionais desorganiza- cidade.
to do Olho d’Água. Os conjuntos do BASA, Renascença e
cidade. dos que convivem, até hoje ao lado de espaços planejados.
São Francisco ocuparam a zona nobre praiana para atender
o segmento social de renda média. A zona balneária, consi-
derada privilegiada, em poucas décadas valorizou-se com
negócios imobiliários avultados investidos em belos edifí-
cios, constituindo a parte moderna da capital do Maranhão.
Problemas da antiga cidade como ruas estreitas, cal-
çadas centimétricas e desniveladas, ausência de grandes
áreas arborizadas, águas servidas correndo pelas sarjetas
foram, em sua maioria, trasladados para os novos espaços,
planejados ou não, da área São Francisco/Calhau, carentes
de parques e praças, áreas de lazer, bem como postos de
saúde e creches.
A barragem abriu espaço para o Campus Universitá-
rio do Bacanga (UFMA) e moradia da crescente população
pobre, nos bairros do Sá Viana, Anjo da Guarda, Vila Nova,
Fumacê, Vila Embratel e parte da Vila Maranhão, facilitado

280 281
o acesso ao porto do Itaqui, inaugurado em 1971. A BR-135, grandes projetos – Alumar, Estrada de Ferro Carajás, o porto
estrada que liga o continente à cidade, ao entrar em São da Ponta da Madeira, a Eletronorte - e a constante expansão
Luís se ramifica em duas vias: uma que serve à UFMA e demográfica da população carente proporionou infraestrutu-
ao porto do Itaqui e outra que segue para o aeroporto do ra a milhares de famílias que para São Luís acorreram, resul-
Tirirical. O Anel Viário, complementa o Cais da Sagração tando na construção da Cidade Operária, com 7.500 unidades
na margem do rio Bacanga e o Tirirical pela Avenida dos e o Maiobão, com 4.470 casas.
Africanos, antiga Médici. Da prática da invasão de áreas vazias por líderes atuan-
Em 1969, a SURCAP, empresa de economia mista or- tes de movimentos populares dos “sem teto”, originaram-se
ganizada pelo governo municipal, tinha como objetivo a im- vários bairros, desalinhados, insalubres, cujas populações se
plantação e desenvolvimento urbano da parte nova de São debatem com o município por um mínimo de urbanização
Luís, devendo executar obras necessárias a um melhor padrão na melhoria de suas submoradias. No momento da invasão,
urbanístico. A Sociedade de Melhoramentos e Urbanismo da adequado ao alinhamento da área ocupada, o poder público
Capital, antes de dois anos de funcionamento, foi substituída se omite. Depois de edificados os casebres, passam máquinas
pelo Fundo de Urbanização Municipal (FUM). Muitas leis e nas tortuosas ruas e vielas e permitem a eletrificação.159
instituições para poucas ações. Não aconteceu a implantação Desumana alteração na distribuição espacial de São
da infraestrutura exigida pela alta taxa de crescimento popu- Luís provocada pela desarticulação de pequenos agricultores
lacional, entre 1970-1989, e o caos se estabeleceu nos bairros e extrativistas, deslocados de seu locus de moradia e sobrevi-
pobres da capital. A política federal de superação do proble- vência, em prol de grandes unidades produtivas do Projeto
ma, concretizada pelo Banco Nacional de Habitação, em São Carajás. “Em 1974, o governo estadual entregou mais de 3.000 ha
Luís, refletiu na construção de moradias populares para aten- à CVRD, inclusive a praia do Boqueirão, a praia dos pescadores e
der à demanda dos estratos médio e baixo da sociedade, dos do povo do Anjo da Guarda, sem resolver, no entanto, os problemas
anos 1960 a 1980. Vinte e um conjuntos pontilharam a cidade, habitacionais para os moradores da área. Cinco anos depois, mais
num total de 11.448 unidades em construções na horizontal, de 10.000 ha foram entregues a ALUMAR. Em torno de 4.000 fa-
destruindo antigos sítios arborizados e alterando o clima da mílias perderam, de um dia para o outro, o seu sustento da roça e
Ilha.158 O governo local não pensou em moradias na vertical da pesca. Nos dois casos, as famílias foram indenizadas pelas ben-
poupando áreas verdes e nascentes de regatos que poderiam feitorias, muitas vezes de maneira arbitrária, mas não foram cria-
ser transformados em aprazíveis parques. das novas condições de trabalho, adaptadas à capacidade da popu-
O excedente da população que superlotava as zonas lação.”160 O Estado desapropriou 1.649 famílias com tamanho
alagadas de espaços periféricos do centro, da Madre Deus, médio de quatro pessoas, das quais aproximadamente 55%
Goiabal, Lira, Fátima e Barés, foi deslocado para o Anjo da de lavradores, para a implatação da ALUMAR, sem uma
Guarda a busca de moradia e emprego. A implantação de

Em ordem cronológica, Cohab-Anil I, II e III, Ipase, Maranhão Novo, Coheb-Sacavem, Coha-


158 159
Bairros provenientes de ocupações: João de Deus, São Bernardo, Vila Brasil, Divineia, Vila
ma, Radional, Cohab-Anil IV, Parque Timbiras, Cohatrac I, Cohapam, Cohajap, Cohajoli, Fecury, Vila Janaína, Vila Luizão, dentre outros.
Cohaserma, Vinhais, Bequimão, Turu, Rio Anil e Cohafuma. 160
GISTELINCK, Franz. Carajás, usinas e favelas. São Luís: Ed. do autor, 1988, p. 32.

282 283
O triste
espetáculo das
firme política de relocação.161 O contingente populacional
palafitas às se deparou com uma cidade impotente para absorvê-lo e
margens do Rio com os débeis setores público e privado desorganizados e
Anil, 2010.
incapazes para resolver o problema de subsistência dos re-
cém urbanizados. As políticas públicas foram incapazes de
reverter o processo degenerativo do tecido urbano de São
Luís, de submoradias e déficit habitacional. Atualmente a
rede de esgoto é de 776.8 quilômetros, atingindo o percen-
tual de apenas 34% da cidade. A rede tem 250 pontos de
lançamento, dos quais somente 7% são tratados pelas es-
Ao lado, a
Lagoa da Jansen, tações do Bacanga e Jaracaty, implantadas em 2003 e 2004,
circundada por respectivamente. O grande percentual de 93% do esgoto
construções,
ressaltado
de São Luís, jogado in natura e contaminando os córregos,
o ponto de riachos, rios, lagoas e praias é responsável pela poluição
obstrução entre de todas as águas, doces e salgadas, agravada pelos dejetos
suas águas e o
mar. das cidades ribeirinhas, trazidos pelos rios Mearim e Itape-
Fotos Edgar Rocha
curu, ao desembocarem na baía de São Marcos.

Estudo da SUDAM & UFMA. São Luís, 1990, p. 32 apud RIBEIRO JUNIOR, José Reinaldo, op.
161

cit., p. 90.

284 285
O expansionismo demográfico crescente apresentou Uma São Luís mutilada
problemas insolúveis por toda a década de 1980. Em 1983,
a SEPLAN deu o seguinte diagnóstico da questão habita- O progresso exige a implantação de amplas ave-
cional na capital maranhense: “O quadro habitacional da Ilha nidas, prédios públicos funcionais, espaços para novas
de São Luís apresenta ainda graves problemas, caracterizados construções e áreas para o lazer e diversão. As maiores
pelo elevado número de pessoas vivendo em moradias conside- cidades experimentaram a modernização, porém muitas
radas subnormais. Segundo pesquisa realizada em 1978 pela conservaram seus mais relevantes traços originais, trans-
SEPLAN-MA, com apoio das Organizações das Nações Uni- formando áreas antigas em verdadeiros museus a céu
das, 58,7% dos domicílios urbanos da Ilha de São Luís foram aberto.
classificados como ‘duráveis’ e os 41,3% restantes considerados Na passagem para o século XX, cidades foram am-
‘rústicos’ e ‘improvisados’. Dessa maneira, quase a metade das pliadas e modernizadas sem rompimento com suas carac-
habitações urbanas (ou o equivalente a mais de 37.000 famílias) terísticas primitivas. Em Belém, um exemplo próximo, a
estaria em condições deficientes, concentrando-se na periferia de “cidade nova” foi concebida com ruas e avenidas amplas,
São Luís, mais especificamente nas áreas de manguezais entre dotadas de largas calçadas, praças e bosques similares aos
os rios Anil e Bacanga e nas áreas de ‘invasão’ em terra firme. parisienses, e belos prédios públicos, enquanto a “cidade
As ’invasões’ respondem hoje, pelo lado maior e mais intenso do velha” foi conservada sem demolições significativas. Ma-
processo de expansão urbana da Ilha de São Luís. Em determi- naus teve uma reforma semelhante. 163
nadas áreas de maior concentração de população de baixa renda No período do Estado Novo ocorreram tentativas
na Ilha, verifica-se que mais de 30% do total dos domicílios estão de radical alteração do quadro urbano da São Luís sete-
localizados nos terrenos ‘invadidos’.”162 centista, gravando algumas cicatrizes indeléveis no ca-
Novas atividades industriais, avanço do comércio sario colonial. Estas iniciativas geraram reação, acentua-
varejista e atacadista, aumento dos serviços especializados damente no final dos anos 1950, abrindo-se o debate nas
nas áreas pública e privada e o impulso da construção civil ruas, praças e imprensa local sobre a convivência entre
fizeram surgir, longe das praias, colunas de apartamentos tradição e modernidade, sob duas alternativas: destrui-
simples, pequenos e acessíveis à classe média. Na orla, edi- ção e replanejamento do espaço urbano da velha São Luís
fícios luxuosos, amplos e de preços astronômicos, de modo ou a expansão das áreas de ocupação urbana, sob um pla-
geral, destoantes com o nível econômico do ludovicense. no diretor.
O século XXI encontrou São Luís mergulhada em A resposta para essa questão veio em 1958, com
grandes contrastes, habitações insuficientes, trânsito con- o Plano de Expansão da Cidade de São Luís, de autoria
turbado, violência urbana, marginalização social, mendi- do engenheiro Ruy Mesquita, propondo a expansão pla-
cância e drogas, quebrando o encanto da velha cidade do nejada dos espaços urbanos, para a margem direita do
início do século anterior. Rio Anil e margem esquerda do Rio Bacanga, interligadas

Por ironia, os promotores das reformas nessas capitais foram dois brilhantes maranhenses:
163

o senador Antônio Lemos, intendente em Belém e Eduardo Gonçalves Ribeiro, governador


Relatório da DEPLAN-MA, apud. RIBEIRO JUNIOR, op. cit. p. 85.
162
do Amazonas.

286 287
ao centro histórico por pontes. Não obstante, muitos ain-
da advogavam uma solução imediatista, demolidora do
acervo centenário.
O Diário da Manhã, de 13 de janeiro de 1959, re-
ferindo-se ao aumento populacional e consequente difi-
culdade na circulação, sugeriu à Inspetoria Estadual de
Trânsito a elaboração de um estudo especializado com
técnicas modernas e eficientes para evitar o congestiona-
mento crescente do trânsito. Como única solução, a demo-
lição da parte antiga, de casarões “antiquados, velhos, su-
jos, fétidos e bolorentos que entulham a cidade e está impedindo
o Progresso...” Indo mais além na sugestão de implodir a
parte valiosa da cidade, o redator encerra o artigo: ”Deve-
mos romper com o Patrimônio Histórico, que tudo transforma
em preciosidade inútil e entravante... Chega de tradicionalismo
bobo, ou de passadismo fútil. Uma ‘cidade nova’ deveria rom-
per o olhar com desdém sobre ‘os encardidos’ sobradões dessa
capital.”164 Para alguns maranhenses, modernizar e higie-
nizar a cidade consistia em destruir a parte antiga. Admi-
nistradores, em sua maioria, não escolheram áreas mais
distantes, livres e disponíveis para expandir a cidade com
construções necessárias e modernas. Preferiram preencher
com prédios públicos os espaços centrais.
Ao lado: a Enquanto os administradores eram indiferentes às
Avenida benesses da natureza, os visitantes se deslumbravam com
Maranhense,
ainda sombreada a arborização da cidade. O francês Paul Walle, ficou en-
por um rico cantado com os oitizeiros da Praça do Quartel, escreven-
arvoredo.
do: “Nulle part ailleurs nous nous avons contemplé d’arbres si
A Avenida beaux et fournissant um si agréable ombrage que celui des oitis
Maranhense,
depois da
de São Luís”.165 Os fícus benjamim da Rampa de Palácio,
reforma. que outrora protegiam do sol e amenizavam o calor da

164
Jornal O Diário da Manhã, de 13.01.1959 apud Nascimento Sandra Maria, op. cit, p. 83.
165
“Nenhum lugar fora temos contemplado árvores tão bonitas fornecendo tão agradável sombra
que as dos oitis de São Luís.” WALLE, Paul. Au Brésil – États de Piauhy et de Maranhão, Paris,
1912, p. 36.

288 289
entrada da cidade, foram cortados e substituídos por peque-
nas árvores, “raquíticas, fanadas que nem ornamentam nem dão
sombra”, em nome de um novo traçado. A sombra das árvores
do Largo do Carmo, refúgio dos comerciários depois do almo-
ço, foi tirada para extinguir as reuniões da população crítica
ao autoritarismo estadonovista. O Largo do Areal, sombreado
por várias sumaumeiras de porte gigantesco e popularmente
chamadas de “barrigudas”, criminosamente abatidas, salvan-
do-se uma, pelos veementes protestos da imprensa local. Sem
os devidos cuidados contra cupins e plantas daninhas, a árvo-
re tombou recentemente. O Caminho da Boiada, sombreado
por frondosos oitizeiros, perversamente cortados por ordem
de sucessivos prefeitos inimigos do verde. As árvores acolhe-
doras dos transeuntes da Praça Deodoro estão morrendo por
falta de assistência. Há longos anos a vegetação dos quintais
com frondosas fruteiras, responsáveis pelo tom harmônico ao
casario, está desaparecendo. A política habitacional não pou-
pou sítios seculares onde tamarineiros, jaqueiras, mangueiras A Rua Grande oferece duas visões: o primeiro an- A desfiguração
da Rua Grande.
e madeiras de lei amenizavam o clima, protegendo o solo do dar dos prédios conserva a arquitetura colonial portugue- Foto Edgar Rocha

calor e preservando os olhos d’água. A construção vertical sa, com beirais, janelas sacadas a ferro, pedras de cantaria
facilitaria a conservação de bosques, ausentes em São Luís. emoldurando as aberturas; a parte térrea, desfigurada, ti-
Os manguezais das margens dos rios Anil e Bacanga foram e rados os portais, janelas transformadas em portas, numa
continuam sendo loteados e aterrados paulatinamente, repre- adaptação grosseira, para funcionamento de casas comer-
sentando grande prejuízo para a Ilha por ser uma vegetação ciais, com a devida licença da Prefeitura, indiferença da
antipoluente e defensiva da orla. Câmara de Vereadores e descuido do IPHAN.
O descaso também fez ruir considerável parte do Em nome da modernidade, em 1924, implantaram
acervo colonial português de São Luís, não obstante o bondes elétricos, e, em 1967, retiraram de circulação esta
tombamento, em 1955, pelo goveno federal, dos conjun- parte da história da cidade. Transporte barato, agradá-
tos arquitetônicos e paisagísticos das praças Benedito Lei- vel, utilizando energia limpa, foi retirado sob protesto.
te, João Lisboa, Gonçalves Dias e o Largo do Desterro. A No Brasil, algumas cidades conservaram o bonde. Os car-
medida foi insuficiente perante o entendimento local de ros do Bonde Turístico de Santos foram recuperados pela
modernização da cidade. Os velhos e pequenos fortes de Companhia de Transporte Coletivo do Rio de Janeiro, que
Santo Antônio na Ponta d’Areia e o de São Francisco, na opera a linha de bonde de Santa Teresa. Em Paris, na Bél-
Ponta do mesmo nome, assim como o Tamancão, fazem gica, Lisboa, Londres, Viena e outras cidades da Europa,
parte das lembranças. os bondes são parte ativa dos transportes públicos.

290 291
Os preservacionistas insistiam. Em 1974 instituíram
o Conjunto Arquitetônico e Paisagístico da Cidade de São
Luís, abrangendo Rua Grande, Desterro e Ribeirão, totali-
zando 978 edificações, conforme registro no Guia de Ar-
quitetura e Paisagem, São Luís/Sevilla, 2008. A interpreta-
ção excluía outras edificações que marcavam a história da
cidade e a demolição continuou desenfreada.
Em 1985, trabalhadores da Prefeitura de britadei-
ra em punho levaram três meses demolindo o chamado
Guincho, na ponta do cais da Estrada de Ferro, peça que
marcava uma época de desenvolvimento da cidade. Em
tempos idos, veículos encaixotados, locomotivas e outras
cargas pesadas eram retirados das alvarengas pelo guin-
cho da Estrada de Ferro. Na mesma ocasião e com os mes-
mos instrumentos, outra equipe de firma contratada pela
Prefeitura Municipal de São Luís destruiu parte do túnel
do Genipapeiro, poupando a outra metade por ser o tér-
mino da rua do mesmo nome. Os túneis de São Luís eram
sólidas edificações feitas sob a orientação dos ingleses, de
Área ocupada A produção literária, as artes plásticas e o gosto mu- Construçõe
tijolinhos esteticamente arrumados, genuína composição coloniais
pela estrada sical continuavam dentro dos padrões do século anterior
de ferro São requintada de graça e beleza, testemunhos do tempo das alteradas por
enquanto, no âmbito da arquitetura, a maior parte da nata platibandas.
Luís/Teresina. construções das estradas de ferro no Brasil. Fotos Edgar Rocha
da “Atenas Brasileira” assumia a defesa das transforma-
ções, entusiasmada pelos ventos da atualidade, sem saber
bem do que se tratava. Moderno seria deixar cair o casario,
marca das épocas colonial e imperial.
Parte das altas rodas e dos setores médios ansiava
pela vida moderna, influenciados pelas novidades tecnoló-
gicas implantadas na capital. Trataram de remodelar peças
do conjunto arquitetônico do centro histórico, substituin-
do os beirais por elementos sofisticados em platibandas,
frontões e colunatas neoclássicas, coroamentos em linhas
verticais do Art Déco, arabescos Art Nouveau, dentre outros
floreios. Prédios coloniais da Praia Grande e, em maior nú-
mero, das ruas entre as praças João Lisboa e Deodoro, so-
freram remodelações de suas fachadas.

292 293
casarão de nove janelas sacadas a ferro, vidraças de cristal
Até a metade da década de 1930 esse melhoramen-
bisotado gravadas as iniciais da família Abranches, com
to urbano, incentivado pelo governo municipal, não rom-
larga porta de entrada e amplo hall anterior à imponente
peu com as características da cidade, quando o discurso
escadaria de madeira em dois lances, localizado na Rua
de melhoria do uso e higienização dos prédios, além da
do Sol, entre o Beco do Teatro e a Rua do Ribeirão, sede
adaptação dos espaços públicos e ruas às novas tecnolo-
do Colégio Nossa Senhora da Glória, foi demolido para
gias, defendeu uma intervenção mais contundente em al-
levantarem o edifício Colonial; por fim, a antiga Igreja
guns locais. O conjunto colonial da antiga Avenida Mara-
da Conceição, joia do barroco brasileiro, destruída ainda
nhense foi quebrado com a remodelação dos prédios do
em 1939, foi substituída pelo Caiçara, edifício de dez an-
Palácio do Governo, da Prefeitura e Câmara Municipal e
dares, com quarenta e oito apartamentos. Estes edifícios
do Palácio da Justiça. Além de adaptar as construções às
levantados entre 1957 e 1977, de certa forma, chocaram
novas condições de higiene e funcionalidade, introjetaram
o ludovicense, levando ao tombamento de 2.500 imóveis
as concepções estéticas em voga, criando uma mistura de
abrangidos pela expansão urbana do século XIX, confor-
estilos arquitetônicos, muitas vezes nos mesmos espaços.
me o Decreto n. 10.089, de 06 de março de 1986.
Prédios públicos foram remodelados, tais como, a Impren-
O rio Bacanga, fonte de renda dos pescadores da
sa Oficial, o Tesouro e a Recebedoria do Estado. Outros,
Madre Deus, foi seccionado com a construção da barragem
de estilo neocolonial, como a Escola Modelo, ou de estilo
do Baganga. Reduzida sua piscocidade e toda a beleza que
Art Déco, a exemplo do Palácio do Comércio, ou de estilo
sua foz oferecia, outras consequências danosas houve no
neoclássico, como o Palácio da Justiça, se misturaram aos
que se refere ao antigo porto de São Luís. Desde a época
antigos casarões, culminando com o aparecimento da ar-
colonial, pelos idos de 1760, o porto da cidade já mostrava
quitetura modernista nos anos 1950.166
problemas, confirmados em fins do século seguinte e se
Quatro edifícios agridem o ambiente colonial do
arrastando pelo século XX. A barragem foi desastrosa para
centro, fora outros mais baixos: os edifícios João Goulart,
a foz do rio Bacanga e a do rio Anil que sofreram um acele-
o antigo Banco do Estado do Maranhão, o Colonial e o
rado assoreamento, prejudicando os atracadouros da cida-
Caiçara. O Edifício João Goulart sacrificou o casarão da es-
de. Atualmente, estão reduzidos a pequenos ancoradouros
quina, antigo Correios, dentro do estilo de outros casarões
pelo assoreamento nas proximidades da Praia Grande. Em
que compunham o Largo do Palácio; o prédio do Banco do
1950, o Itaqui foi apresentado como solução e, seis anos
Estado do Maranhão, de dez andares, absurdo semelhante
depois, iniciaram as obras, logo paradas. Ímpetos em 1963
ao da Pedro II, erigido pelo governo estadual na esquina
e recomeço em 1966, somente em 1971 o porto do Itaqui
da Rua do Egito com Afogados, quebrou a harmonia da-
foi oficialmente inaugurado. Referido porto, “abençoado
quele perímetro, completado por um pequeno prédio de-
por Deus” pela sua profundidade natural, e, atualmente
fronte, genuíno caixote de cimento sem nenhum estilo, de
em conjunto com outros portos próximos, compõe um dos
propriedade do Ministério da Previdência Social; o vasto
maiores complexos portuários brasileiros.
Graças às técnicas aplicadas ao porto da Ponta da
Madeira, pela Companhia Vale do Rio Doce e no porto da
PFLUEGER, Grete e LOPES, José Antonio Viana. Arquiteturas do Século XX In São Luís, Ilha
166

do Maranhão e Alcântara: Guia de Arquitetura e Paisagem, op. cit., p. 83-91. Alumar, na confluência do Rio dos Cachorros com o Estrei-

294 295
A esquerda, acima o
edifício do antigo BEM,
construído na década
de 1950; abaixo o
edifício João Goulart; a
direita acima o Caiçara,
primeiro prédio
de apartamentos,
concluído em 1967;
abaixo o edifício
Colonial, sacrificado
o imponente casarão
da família Abranches,
sede do primeiro
estabelecimento para
moças, o Colégio
Nossa Senhora da
Glória.

296 297
to dos Coqueiros, os navios de grande calado das muitas urbano pela comunidade, voltada para a conservação do
nacionalidades transportam grande parte das exportações patrimônio arquitetônico, em revitalização sócio econô-
minerais e de grãos do Brasil. mica. Em 1982, o Programa iniciou as obras pela Feira da
A ligação das duas margens do rio Bacanga era ne- Praia Grande, interferindo na infraestrutura ao substituir
cessária para o alargamento da cidade, o que poderia ser postes de cimento e fiação externa de energia elétrica e te-
resolvido com uma terceira ponte. lefonia por redes subterrâneas e lampiões. Recuperou o
O aterramento das cabeceiras do rio Anil com bar- sistema de água, esgoto e drenagem e reconstituiu as ruas
racos, o desaparecimento dos igarapés tributários do rio e e calçadas com pedras originais.
parte do material da construção da Barragem do Bacanga Em 1997, a UNESCO incluiu a cidade na lista do Pa-
trazido pela correnteza, acabaram com a primitiva beleza trimônio Mundial. Em 2001, foi instituído o PRODETUR,
da outra margem da cidade. Parte do mangue à margem sob a coordenação de Luiz Phelipe
esquerda, na altura do Genipapeiro, foi substituída por ca- Andrès. Sobrados, antes arruinados,
sebres e, na altura da Camboa, por palafitas. permitiram a instalação de escolas
A ligação do bairro de São Francisco à Ponta d’Areia profissionalizantes, de nível técnico
reduziu de dois terços a comunicação da Lagoa ao Igara- e superior, museus, teatros, galerias
pé da Jansen, tendo como consequência a drástica redução de arte, núcleos de cultura popular
dos níveis de oxigenação da Lagoa. Isso tem causado su- e criatividade, cinco sobrados para
cessivas mortandes de peixe, crescimento de algas e insu- uso residencial e lojas nos pavimen-
portável odor em seu entorno, quando na baixa da maré. tos térreos, além da sinalização e
Outro dano à natureza foi o aterramento da comunicação trânsito somente de pedestres, recu-
do outro igarapé próximo ao Asilo de Mendicida que pos- peração de becos, escadarias, merca-
sibilitava a comunicação da Lagoa com o Rio Anil. Peque- dos populares, além de praças nos
nas pontes sobre os igarapés dariam mais encanto à cidade terrenos baldios, oriundos de anti-
e menos agressão à natureza. gos sobradões desabados.
A cidade continuou carente de parques e bosques e Com recursos próprios do
a vegetação local sendo aterrada nas imediações do bairro Estado foram recuperados cerca de
Jaracati e demais espaços, ante a fúria imobiliária. Parte mil edifícios tombados pelo IPHAN,
da ilha é emoldurada pelo mangue e por extensas praias, além de antigas fábricas têxteis do
de areia branca, sem declives perigosos, porém a sujeira século XIX, trabalho diferençado
e contaminação prejudicam os habitantes e pouco atraem pela preocupação de integrar aspec-
os turistas. tos sociais e econômicos à infraestru-
Como política defensiva da jóia arquitetônica da ci- tura urbana.167
dade, o Programa de Preservação e Revitalização implan-
tado pelo Governo do Estado, em 1979, com a designação
de Projeto Praia Grande, acatou o uso diversificado do solo Ver Luiz Phelipe Andrès. Reabilitação do Centro Histórico. Patrimônio da Humanidade. São
167

Luís: Foto Edgar Rocha, 2012.

298 299
Este centro de atração turística e lazer oferecido por
bares, restaurantes, lojas de artesanato, livraria, pousadas,
comércio de alimentos, seria o cartão de visita de São Luís
não fora a má conservação dos passeios, dos lampiões, dos
prédios, das calçadas, sarjetas, depositários do lixo obstru-
tor das grelhas e tubulações nas chuvas torrenciais, res-
ponsáveis pelo mau cheiro dos esgotos, devido a crônica
má administração da coisa pública, bem como a ausência
da iniciativa privada nas ações de conservação.
Esta é a cidade de São Luís, cujo perímetro antigo,
parte integrante e representativa das páginas da história
colonial e imperial, possui atualmente 5.500 edificações,
que deveriam ser melhor cuidadas, numa época de mudan-
ça de concepção e valorização do passado. Hoje, a tendên-
cia é da restauração e conservação de antigos imóveis das
grandes cidades europeias, do casario medieval e moderno
em harmonia com o contemporâneo. O Maranhão, no en-
tanto, continua descompassado das políticas de conserva-
ção do patrimônio histórico e do meio ambiente. As cons-
truções públicas são medianas, com exceção do Palácio dos
Leões, igrejas simples ante a suntuosidade dos templos e
ricos museus como os de Belém, Salvador, Rio de Janeiro
ou das cidades mineiras. As peculiaridades atrativas ao vi-
sitante são o conjunto arquitetônico e as manifestações cul-
turais regionais. A primeira, desaparecendo aos poucos e
a segunda, transformada com invencionices impostas pela
política do turismo local.

Obras de
recuperação
da Praia
Grande.
Foto Edgar Rocha

300 301
Posfácio
Vida e morte da São Luís antiga:
histórias, memórias e imagens


Flávio Soares
Universidade Federal do Maranhão

Um comentário sobre São Luís do Maranhão, Corpo e Alma,


da professora Maria de Lourdes Lauande Lacroix, cujo escopo
não seja, obviamente, apresentar o que a escritora “quis escre-
ver”, mas refletir e problematizar sobre o tema da cidade atra-
vés dessa escrita, deveria começar pela questão do seu valor
no conjunto dos trabalhos da autora.
Característica talvez única entre os escritores do seu gru-
po-geração, esses trabalhos iniciaram e coincidiram, no caso
dela, com o momento em que, abrindo também a terceira ida-
de, a professora proporcionou lugar à escritora. Tal condição,
é certo, dera sinais em outro momento, quando, por exemplo,
escreveu a dissertação de mestrado, A Educação na Baixada Ma-
ranhense, publicada em seguida, em 1983; mas, também é ver-
dade, apenas no final da carreira docente, de fato, a escritora
apareceu. Havia se aposentado antes na Universidade Federal
do Maranhão, no começo dos anos noventa do século passado
(dezembro/1991); lecionou ainda como professora substituta
na mesma instituição e depois integrou o quadro de docentes
do Curso de História da Universidade Estadual do Maranhão,
quando lançou os primeiros livros da fase atual enquanto es-
critora, fechando o ciclo das atividades como professora e
passando a se dedicar a escrever e publicar livros de história. Rua Grande,
após a
Todos sobre São Luís, tema quase absolutamente ausente até recuperação
então no seu campo de interesses, delimitado pela História promovida
pelo IPHAN.
moderna e contemporânea, sobretudo da Europa ocidental, Foto Edgar Rocha
especialmente Inglaterra e França.

302 303
Até o momento, com a segunda edição desta obra, oito Gilles Lacroix, no Canadá, onde também, na Universidade
livros, entre os quais duas reedições ampliadas e revistas do de Laval, especializou-se em História Contemporânea), e du-
primeiro, A fundação francesa de São Luís e seus mitos (2000), rante anos, dividiu-se, profissionalmente, entre as atividades
integrando conjunto relativamente pequeno e rico de traba- na Previdência Social e as da docência no Departamento de
lhos com extensões variadas, fruto de quase vinte anos de História da UFMA.
pesquisa incessante. Importa, aqui, advertir ao leitor quanto Tais elementos de identificação são importantes não só
a, pelo menos, três condições iniciais da relação entre autora, para orientar o leitor, desde logo, quanto ao espírito e propó-
obra e assunto. sitos da obra, mas para começar a compreender a forma por
De início, considerar que a São Luís de interesse da au- ela tomada. Porque não é apena inventário histórico sobre
tora, e com a qual mais se afina, se refere ao ajuntamento ur- a cidade antiga como objeto distante no tempo e espaço; é,
bano gestado nos quadros da colonização moderna do país, igualmente, esforço extraordinário de rememoração, isto é,
impulsionado principalmente a partir da segunda metade de elaboração das histórias e memórias da velha cidade en-
do século XVIII, quando, no contexto da instalação de uma quanto partes também das histórias e memórias da escritora.
colônia de exploração escravista, seus elementos agrários, A segunda condição, além das afinidades naturais e
mercantis e político-administrativos ganharam maior volu- biográficas, diz respeito ao tempo visado: tempo de longa
me, densidade e sentido quase de “comunidade”, fazendo duração, desaparecido ou em desaparecimento. Aspecto de-
com que seu aspecto inicial de fortaleza, burgo senhorial corrente do fato de que a narradora testemunhou, a partir
militar, “grande aldeia” ou povoação de algum tom barro- de determinado momento, em sua cidade, o impacto de um
co, sobretudo pela longa presença jesuítica, fosse superado processo de transformações convencionado chamar “moder-
pela fisionomia mais urbana, de ar neoclássico e, certamente, nização” nas Ciências Sociais, de âmbito nacional e mundial,
eclética, hoje reconhecida como a da “São Luís antiga”. A com particularidades históricas e regionais segundo cada si-
rigor, portanto, surge como um tipo misto de cidade colo- tuação.
nial moderna (leia-se, portanto, a expressão “cidade antiga”
sempre no sentido de antiga modernidade ou modernidade No caso abordado, a ênfase do relato recaiu sobre a
antiga), sede, do ponto de vista do poder dominante e pro- responsabilidade de políticas, planejamentos e administra-
prietário dos solos e imóveis, de grupos oriundos do grande ções de governo equivocadas, decorridas das intercorrências
comércio, das fazendas e da administração real portuguesa, e contradições históricas entre “interesses da cidade” como
em associações as mais variadas. um todo, públicos, e, em especial, interesses de grupos ou
particulares dos seus governantes, potencializadas no perío-
Moradora de São Lu ís até hoje, a autora viveu as úl- do indicado. Tais políticas, se não foram causas exclusivas,
timas décadas do tempo da cidade antiga ou do tempo an- foram decisivas para a convergência entre aquele processo
tigo da cidade, onde nasceu, passou infância, adolescência, nacional de “modernização”, também chamado de “desen-
juventude, estudou, concluiu bacharelado em direito (inicia- volvimento”, e a “mutilação”, ou mesmo desfiguração e des-
do em Belém do Pará), licenciou-se em História, constituiu truição, da cidade antiga. Embora em razão dos objetivos es-
família (após casar-se com o ex-padre e sociólogo canadense pecíficos do livro, a autora não teça ou se detenha em traçar

304 305
paralelos, pois não é um estudo comparativo, trata-se, quan- Também, acrescente-se terceira condição, não é irrele-
to à intensidade, de convergência talvez única no universo vante o leitor ter em conta o surgimento do livro em pauta
das capitais brasileiras. Lembre-se de várias “cidades histó- no decênio ora encerrado, isto é, algum tempo após o perío-
ricas”, Ouro Preto (laboratório da política do patrimônio), do da degradação, entre as décadas de 1930 e 1980, para dar
Belém, Salvador, Recife, Rio de Janeiro, mesmo São Paulo, algumas balizas cronológicas. No período indicado, é difícil
lugar do processo de metropolização e mistura urbana mais imaginar no estado esta obra escrita por quaisquer autores.
radical do país, onde áreas antigas, ou pelo menos suas me- Especialmente a partir de meados dos anos 60, dominado por
mórias, parecem, à primeira vista, mais preservadas. um paradigma desenvolvimentista e autoritário, só depois
Em suma, na situação da capital maranhense, apesar questionado, num ou outro ponto, em seus aspectos ilusórios.
do aspecto de lenta agonia da cidade antiga ligado a um pro- Apenas nas décadas recentes, pós-hecatombe, pós-história da
cesso relativamente vagaroso mas, sobretudo nas últimas cidade velha, mudanças nas “condições de possibilidades”
quatro décadas, cada vez mais acelerado de urbanização, a sociais, no campo cultural e intelectual em particular, permi-
dar a impressão (até por confronto, talvez, com a situação tiram àquela expansão do núcleo antigo ganhar visibilidade
ao lado, mais drástica e reveladora, de Alcântara) de patri- pelo seu avesso catastrófico.
mônio histórico e arquitetônico que resiste “naturalmente” Décadas, por um lado, do fim do relativo isolamento da
à “doença da pedra” e suas “ruínas verdes” e tudo mais, os condição provinciana, quando, como efeito da nova e explosi-
processos de transformações acabaram mesmo foi levando va onda de modernização, decorrentes não apenas de fatores
à hecatombe de um dos acervos de construção “civil” mais econômicos, mas também político-estratégicos (não esqueça
importantes da América Latina, exemplo único de “sucesso o fato de São Luís ser a capital de um estado porta de entra-
urbano antigo”, dando dimensões mais largas ao caso ludo- da para a Amazônia), começaram a aparecer nas paisagens
vicense. Desde que não se reduza a São Luís antiga à sua do interior da ilha e da baia de São Marcos as hoje rotineiras
configuração física, ao traçado e edificações, trata-se de ver- filas de vagões de minérios de ferro da ferrovia Carajás e de
dadeiro colapso de uma experiência urbana, histórica e social, navios “vindos da China”, dizem, conectadas pelo novo Porto
de onde emergiu a São Luís atual. do Itaqui, enquanto, bem perto, do outro lado da mesma baía,
Falência bem mais ampla se considerar que ela se liga no continente, em meio às ruínas de Alcântara e desarranjos
a um processo de modernização, de urbanização, que não no modo de vida das comunidades locais, era assentada uma
surgiu organicamente, de dentro da cidade antiga, obede- base espacial; quando, também, além das pontes – do Carata-
cendo às suas necessidades internas de atualização, mas de tiua, do São Francisco e Bandeira Tribuzi - e da barragem do
fora, dissociado, mesmo em contraposição, e não articulado, Bacanga, de uma hora a outra, sob o império da indústria da
reajustado, à velha matriz urbana. O modo como foram po- construção civil e do mercado imobiliário, apareciam em for-
liticamente conduzidas a “conservação” do núcleo antigo e mas modernas já obsoletas torres e mansões à beira das praias
a construção da cidade moderna além rio Anil, acabou re- de águas escuras (Ponta da Areia, Calhau, Olho d’Água, Ara-
sultando, hoje vemos, numa velha cidade degradada e num çagi), como que formando, de fato, uma nova e gigantesca
simulacro de cidade moderna, para dizer o mínimo. “Praia Grande”, para uso das classes altas e médias, erguidos
ao longo das Avenidas Litorânea e dos Holandeses; às mar-

306 307
gens das Avenidas rasgadas com nomes de personagens evo- Possibilitou um ponto de vista a partir de um horizonte de
cando a memória antiga da cidade – Jerônimo de Albuquer- desaparecimento inédito. Por exemplo, ao contrário da “ideo-
que, Franceses, Daniel de La Touche, São Luís Rei de França -, logia decadentista” oficial, secular, que comporta uma ideia de
acumulavam-se conjuntos habitacionais para uso das classes “abandono”, de “parada no tempo” (reinterpretada, irônica e
médias, altas e baixas, com rótulos em forma de siglas esqui- interessadamente, como “protetora” da parte mais antiga da
sitas e sem graça (COHAMA, COHAFUMA, IPASE, COHAB, cidade histórica) ou da “cidade por um fio”, mas alimentada
COHAJAP, COHATRAC); e, em áreas periféricas cortadas ainda por expectativas desenvolvimentistas de crescimento e
por Avenidas com denominações de sentido histórico tam- ressurreição futura dos bons tempos da “idade de ouro” (no
bém simbólicas – Portugueses, Africanos, Guajajaras -, explo- melhor dos casos cada vez mais ingênuas), agora não há mais
diam cortiços, mocambos, guetos, favelas e palafitas – chama- isso. Sobretudo, depois que, enfim, a velha São Luís foi incluída
dos eufemisticamente de “vilas”, “jardins”, “parques” - das na lista do “Patrimônio Mundial” da UNESCO (Organização
classes populares, trabalhadoras e pobres urbanas, frutos em das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura, cria-
parte das novas guerras de ocupações irregulares e invasões da em 1945), em dezembro de 1997, na administração Roseana
(também, ou sobretudo, dos “ricos”, note-se). Hoje, uma ex- Sarney, a distância entre título, plano e realidade como que se
tensa mancha urbana se formou no noroeste da Ilha, municí- tornou abissal, e, que fique assinalado, graças, em grande par-
pio de São Luís, em processo de deslocamento cada vez mais te, a razões (reconhecidas pela autora) especialmente ligadas a
rápido rumo aos municípios de São José do Ribamar, Paço do medidas e ações de governos, principalmente estadual e mu-
Lumiar e Raposa, no leste da Ilha, gerador de “bairros sem nicipal (em suas três esferas: executiva, legislativa e judiciária),
história e sem cidade” (Frederico Burnett, “São Luís por um claramente insuficientes e omissas, desarticuladas, eleitoreiras
triz”, 2011, p. 108) e emergenciais quando não baseadas em pura maquiagem,
Ao mesmo tempo, a percepção de aspectos, crescentes propaganda e retórica vazias. Revalorização discursiva e des-
dia à dia e sobrepostos ao longo de décadas, de degradação, valorização prática da “cidade histórica” são faces de uma mes-
sujeira, ruínas, enfermidades, em relação àquela área mais an- ma forma de gestão e governo.
tiga e originária ou de modernidade mais envelhecida da São Falência de uma política patrimonialista do patrimônio
Luís atual, ainda que ocupada por famílias humildes, órgãos histórico e cultural da cidade, incapaz de efetivamente sinte-
públicos e algumas atividades de comércio, oficina e serviço, tizar, a não ser como relação caricata, o “antigo” e o “moder-
e, mais ainda, apesar do “promontório” e da construção rápi- no”. No exemplo talvez o mais simbólico de todos, típico de
da de vias de escape e barreiras protetoras ao “patrimônio” Godfather da tribo, da morada cercada de palmeiras frente ao
contra a modernização arrasadora, como as pontes, o “anel mar nos bairros modernos luxuosos e a apropriação pessoal
viário”, a “zona tampão” (de tombamento estadual), etc., pos- do edifício antigo sagrado a título de conservação. O dano his-
sibilitou ver também na expansão indicada o afloramento de tórico e social tornou-se irreparável por quaisquer “política de
elementos até então latentes que lhe deram, para usar uma conservação” possível. Como o instituto do tombamento de
imagem de pensamento, o aspecto de produção de resto ou bens, materiais e culturais, poderia, efetivamente, se aplicar
carcaça de um corpo urbano no espaço da grande São Luís em numa realidade incapaz de dissociar o privado e o público?
gestação. Difícil não ver e sentir que não há mais fio algum...

308 309
Por isto também nada mais longe do espírito deste tra- memória e imaginário da cidade antiga. Um tipo de luto, per-
balho que o desejo da revitalização, restauração ou renasci- gunta-se? Quem sabe em relação às perspectivas e esperanças
mento da São Luís antiga como museu a céu aberto, centro predominantes anteriormente. Em analogia inevitável com a
de atração turística, consumo, investimentos e negócios (se- Coruja de Minerva filosófica, parece que só agora com distân-
gundo linha estabelecida por organismos internacionais no cia e possibilidade real de balanceamento, “Clio” pode inspi-
pós-guerra, como a UNESCO, de transformar cidades antigas rar o trabalho de reconstituição fisionômica e tecelagem dos
em “patrimônios históricos e culturais” e, assim, em oportu- fios esgarçados, fragmentados, do que aconteceu. Momento
nidades econômicas e produtos de mercado), no contexto da em que a cidade antiga ao deixar de ser contemporânea, ao se
sucessão de gestões, de esquerda ou direita, a essa altura tanto tornar “não-contemporânea”, pode, enfim, revelar algo de si à
ou quase tanto faz, precárias, ineficientes, corruptas, armadas nossa contemporaneidade tão insólita...
e assistencialistas de contingentes populacionais da grande A autora pode então voltar várias vezes ao básico. Às
São Luís cada vez mais tomada pelo inchaço urbano, o de- origens coloniais da cidade, à sua pré-história de “grande al-
semprego e a escravização do trabalho, a servidão por dívida, deia”, por assim dizer, rearranjando dados fundamentais e
indústria da construção civil voraz e especulação imobiliária, seus significados míticos e históricos, como a cerimônia re-
a privatização e o desastre ambiental da Ilha, despersonaliza- ligiosa cristã francesa e a Batalha da Guaxenduba, resultante
ção e individualismo patológico, a desumanização e o merce- na vitória portuguesa, mas também aos momentos cruciais e
narismo de hospitais e médicos, o “apocalipse motorizado”, a finais da sua história, nos anos 1940/1950. A pretexto circuns-
violência das rotas e guerras do narcotráfico, a informalidade tancial de “comemoração” dos 150 anos da Associação Co-
administrativa e econômica como forma de camuflar práticas mercial do Maranhão, descreveu em A Campanha da Produção
ilegais e o domínio de milícias, etc., enfim, a dissolução dos (2004), pela primeira vez em seus trabalhos com apoio ilus-
frágeis vínculos históricos e sociais de civilidade ou urbanida- trativo e cru das imagens, o último suspiro da Praia Grande
de pela barbárie. e sua burguesia agroexportadora. Inspirado em Jerônimo de
A compreensão deste livro deve, portanto, partir, além Viveiros, autor do clássico História do Comércio do Maranhão,
das suas afinidades e sentido particular de “final de um tem- escrito nas décadas de 1950 e começos da de 1960 mas sem
po” em relação à São Luís antiga, especialmente das suas chegar até aos anos da Campanha, o estudo permite problema-
relações (circunstanciais ou não) com o agora pós-catástrofe tizar um pouco a história do “alto comércio” a partir da visão
proveniente de e posterior a uma história de intervenções e do historiador.
expansão cujo resultado final em relação ao projetado, menos Faz pensar, por exemplo, que diante da “catástrofe” da
que atualização conservadora ou mesmo “desenvolvimento Abolição da Escravidão, em cuja enxurrada foram juntos a
do subdesenvolvimento”, menos ainda que reforma urbana grande lavoura e o setor açucareiro e de engenhos (incluindo
profunda, evidenciou-se traumático e trágico. Alcântara e outras regiões da Baixada estudadas pela autora),
Eis o dado de atualidade que permite ler essa obra como a “loucura industrial” foi, no fundo, fruto de um cálculo inte-
necrológio, elaboração radical de uma perda, mas, obrigato- ligente e esperto através do qual a alta burguesia prolongou
riamente, também como reinvenção, nos campos da história, sua forma de acumulação por mais 50 ou 60 anos (diferente

310 311
de Recife/Pernambuco, por sua vez, onde se transitou para o mente a partir do Golpe de 1964 e do governo do “Maranhão
sistema de “usina”). No caso em pauta, porém, em princípio Novo”, quando não emigrar do estado, a melhor posição
o maior desafio, imagina-se, era o de manter e fortalecer a po- possível (no limite até de uma vida nova de classe média por
sição competitiva de São Luís/Maranhão diante do processo exemplo) no contexto do inchamento urbano e consolidação
avassalador de integração à nova fase econômica do país fun- da região como periferia do capitalismo industrial brasilei-
dada no capitalismo urbano-industrial baseado no centro-sul. ro dependente. Os “distritos industriais”, sabe-se, com uma
Isso exigiria o aprofundamento da “loucura industrial” além ou outra fábrica estabelecida, nunca passaram das placas. A
da forma de acumulação primitiva característica dos negócios essa altura o valor da produção industrial do Maranhão ha-
da Praia Grande desde o final da era colonial. via declinado de 0,7%, em 1907, para 0,2%, em 1958, enquan-
Era o desafio da industrialização, da tomada ao pé da to São Paulo saltara, nos mesmos anos, de 16,5% para 55,0%
letra do mito da “Manchester brasileira”, que, levado à sério, (Lopes, JB, p.20, 1971).
poderia acabar implicando o enfrentamento de questões de É a partir, portanto, da relação tridimensional da autora
base postas desde a Abolição e Proclamação da República, com a São Luís antiga - repita-se: afinidade biográfica, cons-
como, por exemplo, as reformas agrária e urbana. A Campa- ciência do “fim de um tempo” e escritura pós-catástrofe -, que
nha buscou precisamente, diante dos impasses, aumentar a o livro em foco implica um assunto e um modo de composi-
produtividade dos camponeses com assistência técnica, mé- ção sobre os quais vale refletir.
dico-sanitária, de infraestrutura, sem tocar na estrutura da Começa que, dado o “novo” horizonte, curto e emer-
propriedade das terras e fazendas. Como em várias outras gencial, difícil ou impossível de planejar, é pelo trabalho da
regiões do país, antigas tensões no campo se agravaram, a re- pesquisa que se faz o mergulho direto na matéria histórica
volta dos caboclos foi atiçada e lideranças, como Manuel da constitutiva do núcleo antigo, fonte primeira do relato e de
Conceição, apareceram. seus desdobramentos. É a partir da investigação quase etno-
Com a falência do esquema de negócios “algodão-fábri- gráfica e não conceitual do urbano, além do faro desenvol-
cas têxteis-bancos”, a burguesia local simplesmente foi aban- vido, que o objeto do livro - a experiência histórica da São
donando e/ou fugindo da velha área nobre da cidade, sitiada Luís antiga - foi percebido como “cadinho” ou “cadinhos” de
e ocupada, cada vez mais, pelas classes populares e pobres, várias vivências, práticas, condutas e crenças, valores, ideias.
para as quais, talvez, inicialmente tenha se tornado lugar de Condições ou associações de classes e moradias diferentes,
sobrevivência e “resistência”, mas, hoje, tristemente, desterro, etnias heterogêneas, grupos, categorias sociais e tipos huma-
beco infeliz, sem saída ou de grande precariedade social. Aja nos singulares (nada blasé) e movimentos religiosos, ideoló-
sofrimento e paciência! gicos ou expressões culturais e artísticas distintas. Conjunto
Fato é que o fim daquela cidade mercantil marítima de de situações e processos materiais e imateriais, coexistindo e
mentalidade senhorial, levou junto qualquer veleidade, caso convivendo num mesmo espaço e tempo, ou segundo uma
a “loucura industrial” tenha sido mais que um delírio ou cál- variedade de lugares e ritmos de tempos, estabelecendo en-
culo de adaptação, de tornar São Luís polo competitivo no tre si relações de familiaridade e estranhamento, tensões mas
Brasil, ou mesmo no norte e nordeste. Procurou, principal- também negociações e fusões, sincretismos, miscigenações e

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segregações, liberdade e escravidão, civilização e barbárie. O ou vice-versa; na verdade, a “multidão”, a corporificação so-
traçado da cidade, por exemplo, apesar da geometria regular, cial do fenômeno em questão, percebida na matéria histórica
foi capaz de comportar uma arquitetura de estilos diversos e investigada, não é, porém, percebida como fenômeno de cons-
misturados, principalmente quando São Luís se estende para ciência ou reconhecimento individual e social, com raríssimas
além dos limites das ruas do Egito e Formosa. Enfim, penso exceções, a exemplos de João Lisboa nos seus folhetins (em
eu, a cidade enquanto crisol, se não no sentido pleno de uma um dos quais apresenta a extraordinária visão da multidão
“comunidade urbana” enquanto “cidadania” (inexistente), como serpente de mil cores “sem rabo nem cabeça”, isto é,
certamente no sentido geral de multiplicidade de elementos, como multiplicidade incompleta, diferente da outra serpente,
ou melhor, de fragmentos políticos, sociais, econômicos, cul- a da lenda da cidade, completa e adormecida); a exemplo tam-
turais. Em suma, uma cidade cuja característica principal, por bém de Aluízio Azevedo em alguns parágrafos de O Mulato, e
isso mesmo, é a sua quase indeterminação ou fragilidade de mais um ou outro autor.
caráter no tempo. Trata-se de um dado de realidade, porém não reconheci-
Reparando bem, a compreensão no sentido indicado, da do, latente. Uma multiplicidade cuja lógica específica da inde-
cidade antiga como “multiplicidade”, ou pequeno laboratório terminação aponta mais para uma sociabilidade fragmentada
de heterogeneidades, já aparece, de certa maneira, nas pesqui- e segregacionista que uma genuína comunidade urbana ou
sas dos livros sobre fundação, mito e guerra colonial, quando “cidadã” (associação autônoma, nos termos de Max Weber).
se retoma em outra chave a figura do português Jerônimo de O que se coloca como um passo adiante no entendimento da
Albuquerque Maranhão em relação a determinado modo de “cidade” tendo em vista o modo como normalmente ela foi
olhar o francês Daniel de La Touche. A fundação francesa, vis- percebida.
ta como mítica e fruto da combinação mais recente do galicis- Atingida pelo impacto modernizador, que, apesar de
mo e narcisismo de elites decadentistas, sobretudo letradas e “mutilador” e traumático, carrega novos elementos, a multi-
políticas, é deslocada para a genealogia colonial portuguesa plicidade urbana tradicional, isto é, a velha modernidade, sem
em um sentido não exclusivista, “distinto”, mas “mestiço”, ser efetivamente superada e atualizada (o que implicaria a
“múltiplo”, sem que tal signifique ausência de violência, mas “síntese” indicada), já que nem reconhecida era, passa a girar
um modo de dominação mais mediatizado. no espaço-tempo da São Luís contemporânea, pós-moderna
Mas, é sobretudo neste São Luís do Maranhão, Corpo e e já totalmente tomada pelo fetiche da imagem da mercado-
Alma que a ideia de multiplicidade é levada mais longe. Mas, ria, enquanto ruína de não importa qual cor e puro espetáculo
note-se, a multiplicidade percebida pela pesquisa, nos termos sombrio. Consciência dramática da passagem e possibilidade
indicados, é entendida como característica mais do passado históricas interrompida ou mesmo perdida de vez, mas tam-
que do presente (ou não?), pois, apesar de construída neste bém da necessidade de se insurgir e erguer contrapontos e
tempo caótico, a pesquisa não projeta (até porque não há pro- alternativas à lógica fantasmagórica objetiva que passou a su-
jeção) sobre a São Luís antiga uma diferenciação ou complexi- focar a cidade e suas memórias e possibilidades.
dade, real ou simulada, um multiculturalismo qualquer, por A matéria e a composição da obra, além da pesquisa li-
exemplo, que seria reconhecida na São Luís contemporânea, vre, passam também pelo arquivo da relações de intimidade

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da autora com a velha cidade, escavado no livro; relação in- Ora, essa medida de reconhecimento e status foi pos-
dissociável de uma vida cuja trajetória foi informada, em boa ta também em questão pelas mudanças ocorridas no sécu-
medida, por aquele complexo de “cadinhos”, emaranhado de lo XX. De um lado, pela violência e desmanche causados,
espaços-tempos, lugares ou roteiros nas hierarquias sociais, mas, de outro, porque trouxeram à tona formas diferentes
filtrados nos termos da cultura predominante. Assim como de expressão e comunicação: a oralidade das culturas po-
grande parte da trajetória de vida da autora, mas com teor pulares; a audiovisual da cultura de massas (cinema, rádio,
de percepção, consciência e reflexão mais amadurecido, esta televisão); a científica das universidades; formas atuais de
obra-ensaio é o resultado eclético de várias influências, absor- linguagens estéticas (em poesia, música, literatura, artes
vidas, dosadas, organizadas e sintetizadas, elas mesmas, se plásticas, teatro, arquitetura) e, mais recente, a linguagem
não em regras, em orientações de pesquisa e composição. virtual dos programas de computadores, dos simulacros.
O leitor observará, por exemplo, no uso dos mate- Sem passar ao largo, mas antenado, o escrito em questão
riais, a diversidade das fontes. Desde documentos primá- capta a atmosfera em mutação e, à sua maneira, dialoga
rios do Arquivo Ultramarino de Lisboa, crônicas antigas, com tais meios de expressão, o que lhe dá traços não só de
jornais, legislação, relatórios, mensagens de governo, re- história e rememoração, como já escrevi, mas também de
vistas, bibliografias, mapas, passando por memórias pes- empenho de reconstrução do lugar da Autora e da escrita.
soais, familiares, cada vez mais utilizadas, também de ou- Pela exploração das correspondências entre história
tras pessoas com as quais se relaciona, conhece ou conhe- e memória, palavra, texto e imagem, o artesanato da escri-
ceu, até o emprego variado das imagens, como ilustração ta recria uma espécie de caleidoscópio através do qual his-
e, progressivamente, linguagem estética própria. Mescla tórias são contadas, memória e imaginário reelaborados,
de erudição e crítica, a composição do livro também in- almas e corpos dissecados e mostrados. É daí, talvez, da
corpora um aspecto literário e artístico, crescentemente fricção entre conteúdo da multiplicidade e forma caleidos-
elaborado e refeito. Aspecto de interesse porque marca de cópica, se puder dizer assim, que provém, no contexto das
identificação da São Luís antiga, mas, provavelmente, em transformações indicadas e dos escritores maranhenses
nível cultural mais profundo, como o da língua, traço his- contemporâneos, o fogo, a energia radical, extemporânea,
tórico de elites urbanas oriundas da colonização católica, a força atuante e atualizadora, na base da relação estabe-
ibérica, portuguesa. Em todo caso, recorde-se. Desde os lecida entre autora, livro e assunto: esforço de recompo-
tempos da província, principalmente após o choque anár- sição da linguagem e reelaboração da história, memória
quico da guerra dos bem-te-vis (Balaiada) e da insurrei- e do imaginário da cidade e da autora do ponto de vista
ção escrava (1838-41), a mais radical revolta de caboclos da consciência tanto de uma falência histórica quanto do
e negros ocorrida na história da região, ludovicenses, em ânimo para existir, resistir e persistir.
particular o grupo mais instruído dos senhores e senho- Exagero? Nem tanto se o leitor considerar que aqui
ras, num movimento instintivo de conjuração, assimilação se trata de remoer o testemunho, a percepção e, em parti-
e diferenciação de classe, fundindo recalque, adaptação, cular, afetos vários, complicados e delicados em torno de
sublimação, defesa e generalização, fabricaram para si um uma tragédia urbana e social como a da São Luís antiga.
padrão singular como “atenienses” do Brasil.

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Como, de outra forma, enterrar mortos, exorcizar fantas- Livro para ser ao mesmo tempo lido, visto e sentido,
mas e liberar novas energias? Difícil responder, mas vale implica um tipo de compreensão que toma a vida urbana de
ressaltar um ponto. maneira transversal, aquém e além de uma ciência urbana. E
Não há recusa do envolvimento emocional com o mesmo que, em função de um conjunto de circunstâncias e
tema. Nem poderia. Qualquer tentativa de distancia- condições históricas e sociais, gerais e particulares, a São Luís
mento, adoção exclusiva de postura objetiva, fria, téc- antiga, provinciana e moderna à sua maneira, jamais tenha
nica, ao modo das abordagens científicas, como as que chegado, nem na alucinação “ateniense” mais alta, perto da
proliferaram na chamada área dos “estudos urbanos”, situação das capitais dos centros do capitalismo mundial e
no caso dela, soaria restritiva ou falsa. Afinal se trata da nacional (Londres, Paris, Berlim, São Petersburgo, Chicago,
cidade onde nasceu e cresceu. Então há sim elementos Nova York, Buenos Aires , São Paulo, Rio de Janeiro), e talvez
de nostalgia, saudade, tristeza, dor. Contudo, o traba- por isso mesmo, este trabalho indica ser possível abordagem
lho – elaborador de uma passagem -, não fica preso aí, fora dos lugares comuns e entediantes, sobre a experiência
não se encerra no círculo fantasmagórico do culto aos urbana em zonas periféricas extremas, onde e quando, por
mortos, da melancolia, queixume, percepção autopiedo- conta do domínio dos elementos agrários e rurais, ela se apre-
sa, idealizações escapistas ou otimismos restauradores senta ainda quase como miragem no meio da floresta.
inocentes, comum às reações tradicionalistas, mas não Imaginado e escrito em linguagem clara, distante do jar-
só. Não. Ele dá passos adiante, se insurge e apresen- gão universitário, com liberdade só possível à maturidade da
ta e potencializa outros elementos, de denúncia, indig- vida e também com muitas pitadas de delicadeza, elegância,
nação, revolta, crítica, ironia, etc., os quais funcionam classe e sentido de beleza ou gosto característicos da autora,
como contraponto, contrapeso, e configuram um equilí- São Luís do Maranhã, Corpo e Alma é contribuição rara às biblio-
brio lúcido e sensível, resistente e modulável, singular tecas brasileiras, em particular maranhenses, à espera discreta
em relação ao tema, que, ao ser formulado, deu à obra dos leitores.
da autora força compreensiva, matiz próprio, tom har- Que os deuses da cidade abreviem tal espera!
monioso e dissonante. Basta comparar com obras, es-
critas e iconográficas, existentes sobre São Luís (feitas
por memorialistas, historiadores, geógrafos, urbanistas,
sociólogos, jornalistas, fotógrafos, artistas em geral) ou
outra cidade do estado, como Alcântara de Antônio Lo-
pes, por exemplo, e mesmo fora do Maranhão, elabo-
rados segundo antigos cânones eruditos e literários ou
novas regras e enfoques acadêmicos, teóricos, empíricos
e metódicos, para se dar conta do passo dado e a pers-
pectiva aberta quanto à forma de percepção do tema da
cidade.

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Largo da Conceição Praça Prado Chaves 863 12.09.1957
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VIVEIROS, Jerônimo. Ana Jansen, Rainha do Maranhão. São Luís: Largo da Madre de Deus Avenida Rui Barbosa - -
Largo do Hosp. da Misericórdia Praça Cons. Silva Maia - 08.10.1894
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Praça da Misericórdia - -
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Largo de Santiago Praça 1 de Maio 34 25.04.1910
Largo de Santo Antônio Praça Antônio Lobo - 1918
Largo de São João Praça Henriques Leal - -
Largo do Carmo Praça João Lisboa 14 28.07.1901
Largo do Cemitério Praça da Saudade - -
Largo do Desterro Praça do Desterro - -
336 Largo do Diamante Praça da República - 08.10.1894 337
Largo do Hospital Geral Praça Neto Guterres 308 03.11.1951
Largo do Palácio Avenida Maranhense
Rua das Barraquinhas Frederico Figueira - -
Praça 1º. De Maio - 20.05.1903
Rua das Barrocas Isac Martins - -
Praça da Misericórdia - -
Rua das Cajazeiras José Barreto 396 23.10.1928
Largo das Mercês Praça Luis Domingues - -
Rua das Crioulas Cândido Ribeiro - -
Largo de Santiago Praça 1 de Maio 34 25.04.1910
Rua das Flores Aluisio Azevedo - -
Largo de Santo Antônio Praça Antônio Lobo - 1918
Rua das Hortas Siqueira Campos - -
Largo de São João Praça Henriques Leal - - Rua das Violas/Afogados José Bonifácio 402 26.10.1928
Largo do Carmo Praça João Lisboa 14 28.07.1901 Rua de Nazaré / Joaquim Távora Des. Cunha Machado 458 09.12.1954
Largo do Cemitério Praça da Saudade - - Rua de Santana José Augusto Corrêa 345 14.05.1924
Largo do Desterro Praça do Desterro - - Rua de Santaninha Salvador de Oliveira - -
Largo do Diamante Praça da República - 08.10.1894 Rua de Santa Rita Almir Nina 342 16.11.1923
Largo do Hospital Geral Praça Neto Guterres 308 03.11.1951 Rua de Santo Antônio Tte. Mário Carpentier - -
Largo do Palácio Avenida Maranhense Beco das Laranjeiras Domingos Barbosa 395 11.10.1928
Avenida Pedro II - - Rua de S. João/Odorico Mendes 13 de Maio
Largo do Quartel Praça Deodoro - - Antônio Rayol - 15.08.1865
Largo dos Amores Praça Gonçalves Dias 13 03.11.1900 13 de Maio Aquiles Lisboa 27 29.08.1951
Largo João Velho do Val Praça Benedito Leite - - Rua de São Pantaleão Senador Costa Rodrigues - -
Parque Urbano Santos - - - Rua do Apicum - - -
Praça do Comércio Fran Pacheco 382 28.01.1953 Rua do Coqueiro Otávio Correia 45 14.05.1924
Praça Odorico Mendes - 14 28.07.1901 Rua do Desterro - - -
Praia de Santo Antônio Jansen Muller 345 14.05.1924 Rua do Egito João Lisboa - 25.08.1865
Rua Branca Ulpiano Brandão 323 07.09.1951 Tarquínio Lopes - -
Rua Formosa Afonso Pena - - Rua do Gavião Ribamar Pinheiro 572 19.08.1948
Rua da Alegria Manuel Inácio - - Rua do Giz Vinte e Oito de Julho - -
Rua da Cascata Jacinto Maia - - Rua do Marajá Viana Vaz - -
Rua da Concórdia Vespasiano Ramos - 14.05.1924 Rua do Mocambo José do Patrocínio 402 26.10.1928
Rua da Cruz Sete de Setembro 342 16.11.1923 Rua do Navio Sousândrade 438 02.12.1929
Rua da Cotovia João Henrique 345 14.05.1924 Almirante Tamandaré 425 27.03.1954
Rua do Outeiro Clodomir Cardoso 460 15.12.1954
Rua da Cova da Onça/Alegrim Euclides Faria 345 14.05.1924
Rua do Pespontão Teixeira Mendes 345 14.05.1924
Rua da Estrela Cândido Mendes - -
Rua do Passeio Rodrigues Fernandes - -
Rua da Fonte do Apicum - - -
Rua do Poço do Machado - -
Rua da Fonte das Pedras Regente Braulio 394 25.07.1928
Rua do Portão - - -
Rua da Forca Velha Mangueira - -
Rua do Precipício Carlos Reis 261 27.06.1951
Artur Azevedo
Rua do Ribeirão Paula Duarte 345 14.05.1924
Rua da Independência Barão de Itapary 451 26.05.1903
Rua do Santiago Arão Brito 608 19.01.1955
Rua da Inveja Belarmino de Matos 345 14.05.1924
Rua do Sol Nina Rodrigues - -
Rua da Imprensa F. Marques Rodrigues - - Rua do Trapiche Portugal - -
Rua da Manga José Cândido - - Rua do Veado Celso Magalhães 345 14.01.1924
Rua da Misericórdia Lucano dos Reis - 1931 Rua dos Barbeiros João Gualberto - 1944
Rua da Palha Casimiro Junior 345 14.05.1924 Rua dos Barqueiros Luzia Bruce - -
Rua da Palma Herculano Parga - - Parte da Rua dos Barqueiros Graça Aranha 345 14.05.1924
Rua da Paz Cel. Colares Moreira 15 07.09.1901 Rua dos Craveiros Pereira Rego - -
Rua da Relação 14 de Julho 386 08.05.1928 Rua dos Prazeres Silva Jardim 342 16.11.1923
Rua da Saúde José Euzébio - - Rua dos Remédios Rio Branco 31 12.04.1910
Rua da Saavedra Jansen Matos 345 14.05.1924 Rua Grande Oswaldo Cruz - -
Rua da Tapada Coelho Neto - - Rua Nova Barroso - -
Rua da Viração Carvalho Branco 345 14.05.1924 Leôncio Rodrigues - 25.08.1865
Parte da Rua da Viração Ribeiro do Amaral 412 26.11.1928 Travessa Fluvial Boa Ventura - -
Rua Dezoito de Novembro - - - Travessa da Passagem Virgílio Domingues 404 26.10.1928
Rua das Barraquinhas Frederico Figueira - - Parte da Trav. Passagem Nascimento Morais - -
Rua das Barrocas Isac Martins - - Travessa do Comércio Humberto de Campos - -
Rua das Cajazeiras José Barreto 396 23.10.1928 Travessa do Palácio Couto Fernandes - -
Rua das Crioulas Cândido Ribeiro - - Travessa do Sineiro Beco do Teatro
Rua das Flores Aluisio Azevedo - - Travessa 5 de Outubro 77 02.10.1912
Rua das Hortas Siqueira Campos - - Godofredo Viana - -
Rua das Violas/Afogados José Bonifácio 402 26.10.1928 Vila Caixa Popular Vila Gracinha - -
Rua de Nazaré / Joaquim Távora Des. Cunha Machado 458 09.12.1954 Rua Vitor Castro - -
Rua de Santana José Augusto Corrêa 345 14.05.1924
Rua de Santaninha Salvador de Oliveira - -
338
Rua de Santa Rita Almir Nina 342 16.11.1923 339
Rua de Santo Antônio Tte. Mário Carpentier - -
Beco das Laranjeiras Domingos Barbosa 395 11.10.1928
Anexo II Anexo III
Relação de Intendentes (1889/1921) e Prefeitos (1921/2017)
Decreto-Lei n. 114, Diário Oficial de 11 de julho de 1944. do Município de São Luís.
Adota normas para defesa e preservação da feição característica
da cidade.
Nome Período Observação

Art 1º. Fica entendida como parte colonial desta cidade, a zona Joaquim de Sousândrade 23.12.1889/11.01.1890 Membro da Junta Mun. Provisória de S.Luís
compreendida entre a linha do litoral, a Rua 13 de maio (prolon- Alexandre Collares Moreira Jr. 1897 a 1900 Assume o Governo do Estado

gada até o litoral), a Rua Antônio Raiol até a Fonte das Pedras, Nuno Álvares de Pinho
Afonso Henrique de Pinho
01.01.1901/01.01.1905
01.01.1905/01.01.1906
Eleito
Subintendente
trecho da Rua Jacinto Maia até o cruzamento com a Avenida 10 Alexandre Collares Moreira Jr. 01.01.1906/31.12.1910 Passa o governo p/Benedito Leite e volta
de novembro e um segmento que, partindo deste ponto, em di- Afonso Giffening de Matos
Raul da Cunha Machado
12.04.1908/09.06.1908
09.06.1909/31.12.1909
Presidente da Câmara Municipal
Substituto indicado p/Câmara Municipal
reção ao sul, alcança o litoral. Mariano Martins Lisboa Neto 01.01.1910/01.12.1912 Eleito
Art 2º. Na parte colonial da cidade, as construções e recon- Carlos Augusto Franco de Sá 01.12.1912/01.10.1912 Subintendente
Manoel Vieira Nina 01.10.1912/31.12.1912 Vereador designado p/ Câmara Municipal
struções atendiam sempre ao estilo dito colonial, embora mod- Alexandre Collares Moreira Jr. 01.01.1913/31.12.1915 Eleito
ernizado ou atualizado. Clodomir Serra Serrão Cardoso 01.01.1916/31.12.1918 Eleito
Luso Torres 01.01.1919/28.11.1922 Eleito
Art 3º. Os bairros conhecidos pela denominação de Desterro e Raimundo Gonçalves da Silva 01.01.1922/30.08.1922 Nomeado por Urbano Santos
Praia Grande, que são entendidos como abrangendo a porção da Antônio Brício de Araújo 01.08.1922/10.01.1926 Nomeado por Urbano Santos

zona delimitada no art. 1º, compreendida entre o mar e um poli-


Antônio Lopes da Cunha 11.01.1926/27.01.1926 Nomeado substituto interino
Jayme Tavares 03.031926/28.02.1930 Nomeado por Magalhães de Almeida
gonal formada pela Rampa de Palácio, Travessa do Palácio, Rua Euclydes Zenóbio da Costa 28.11.1927/10.12.1927 Nomeado interino p/ M. de Almeida

Joaquim Távora, Rua Herculano Parga, Rua Henriques Leal, Rua Basílio Torreão Franco de Sá
Lino Rodrigues Machado
29.02.1930/05.10.1930
06.10.1930/05.11.1930
Nomeado por José Pires Sexto
Nomeado pela Junta Governativa interino
Afonso Pena até o mar, serão conservados no seu aspecto atual e Antônio Carlos Teixeira Leite 06.11.1930/11.01.1931 Nomeado pela Junta Governativa
colonial, proibindo-se a execução aí, de qualquer obra que ven- Carlos dos Reis Macieira 12.01.1931/03.06.1931 Nomeado por Astolfo Serra
João Manuel Gomes Tinoco 04.04.1931/16.07.1931 Interino nomeado por Astolfo Serra
ham alterar, no todo ou em parte, o mesmo aspecto. Raimundo Frazão Cantanhede 16.07.1931/18.08.1931 Nomeado por Astolfo Serra
Parágrafo Único – Excetuam-se na proibição constante deste ar- João Inácio Martins 18.08.1931/08.09.1931 Nomeado por Joaquim G. Aquino Correa
Demerval Rosa 08.09.1931/03.05.1933 Nomeado por Lourival Serroa da Morta
tigo a Rua Portugal e o trecho da Rua Cândido Mendes, partin- Alcides Jansen Serra Lima Pereira 04.05.1933/30.06.1933 Nomeado p/Álvaro J. Serra Lima Saldanha
do da junção destas duas vias, até o mar, percurso esse onde Pedro José Oliveira 01.07.1933/13.05.1934 Nomeado por Antonio Martins de Almeida

poderão ser realizadas obras que vizem à melhoria das condições


Antônio Alexandre Bayma 14.05.1934/01.05.1935 Nomeado por Antonio Martins de Almeida
Manoel Vieira de Azevedo 01.05.1935/15.08.1936 Nomeado por Aquiles Lisboa
de tráfego, sem prejuízo, contudo, da feição colonial característi- José Otacílio Saboya Ribeiro 15.08.1936/07.08.1937 Nomeado por Paulo de Sousa Ramos

ca do bairro. Clodoaldo Cardoso


Pedro Neiva de Santana
08.08.1937/04.11.1937
04.11.1937/03.05.1945
Nomeado por Paulo de Sousa Ramos
Nomeado por Paulo de Sousa Ramos
Art 4º. Na parte da cidade que se extende em direção leste, para Turíbio Soares da Silva Santos Filho 03.05.1945/04.05.1945 Chefe de Gabinete da Prefeitura
além do limite indicado no art 1º, poderá ser de livre escolha e Tancredo Segundo de Matos
Edson Teixeira Neto
04.05.1945/30.10.1945
12.11.1945/15.02.1946
Nomeado p/Clodomir S. Serrão Cardoso
Nomeado por Eleazar Campos
estilo das construções, exceção feita às imediações do muro do Antônio Pires Ferreira 16.02.1946/28.08.1948 Nomeado por Saturnino Belo
Seminário de Santo Antônio, pelas faces norte e oeste, às quais se Tácito da Silveira Caldas 28.08.1948/30.08.1948 Procurador dos Feitos Fazenda Municipal
Antônio Euzébio da Costa Rodrigues 30.08.1948/31.01.1951 Nomeado por Sebastião Acher da Silva
torna extensiva a proibição estabelecida no art 3º. para os bairros Alexandre Alves Costa 31.01.1951/ 15.03.1951 Nomeado por Eugênio de Barros
do Desterro e Praia Grande. Edson da Costa Brandão 15.03.1951/18.09.1951 Nomeado por César Aboud
Wilson Rabelo Substituição eventual Chefe de Gabinete de César Aboud
Art 5º. O presente decreto-lei entrará em vigor na data de sua José Ramalho Burnett da Silva 15.09.1951/11.01.1952 Chefe de Gabinete de Edson Brandão
publicação. Otávio Vieira Passos 11.01.1952/07.10.1953 Nomeado por Eugênio de Barros

Art 6º. Revogam-se as disposições em contrário.


José Erasmo Dias 07.10.1953/08.10.1953 Chefe de Gabinete do Prefeito
Eduardo Viana Pereira 08.10.1953/01.06.1954 Nomeado por Eugênio de Barros
Palácio da Municipalidade, em São Luís, 22 de junho de 1944. Dr. Carlos de Sousa Vasconcelos 03.04.1954/23.08.1955 Nomeado por Eugênio de Barros

Pedro Neiva de Santana. José de Ribamar Wakim


Ivar Figueiredo Saldanha
24.08.1955/31.01.1956
01.02.1956/24.03.1956
Nomeado por Eugênio de Barros
Nomeado p/Alderico Machado,Presid Asse
José Ramalho Burnett da Silva 24.03.1956/07.12.1957 Nomeado por Eurico Ribeiro
Emiliano dos Reis Macieira 02.01.1958/31.05.1959 Nomeado por Matos Carvalho

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Ivar Figueiredo Saldanha 01.06.1959/06.07.1962 Licenciado da Assembleia, retornou
Orfila Cardoso Nunes Substituição eventual Chefe de Gabinete da Prefeitura
Ruy Ribeiro Mesquita 06.07.1962/23.04.1963 Nomeado por Newton de Barros Belo
Antonio Euzébio da Costa Rodrigues 24.04.1963/02.07.1965 Nomeado por Newton de Barros Belo
Djard Ramos Martins 02.07.1965/16.10.1965 Nomeado por Newton de Barros Belo
Alexandre Alves Costa 31.01.1951/ 15.03.1951 Nomeado por Eugênio de Barros
Edson da Costa Brandão 15.03.1951/18.09.1951 Nomeado por César Aboud
Wilson Rabelo Substituição eventual Chefe de Gabinete de César Aboud
José Ramalho Burnett da Silva 15.09.1951/11.01.1952 Chefe de Gabinete de Edson Brandão
Otávio Vieira Passos 11.01.1952/07.10.1953 Nomeado por Eugênio de Barros
José Erasmo Dias 07.10.1953/08.10.1953 Chefe de Gabinete do Prefeito
Eduardo Viana Pereira 08.10.1953/01.06.1954 Nomeado por Eugênio de Barros
Carlos de Sousa Vasconcelos 03.04.1954/23.08.1955 Nomeado por Eugênio de Barros Anexo IV
José de Ribamar Wakim 24.08.1955/31.01.1956 Nomeado por Eugênio de Barros
Ivar Figueiredo Saldanha 01.02.1956/24.03.1956 Nomeado p/Alderico Machado,Presid Asse Resumo do Plano de Expansão da Cidade de São Luís*
José Ramalho Burnett da Silva 24.03.1956/07.12.1957 Nomeado por Eurico Ribeiro
Emiliano dos Reis Macieira 02.01.1958/31.05.1959 Nomeado por Matos Carvalho
Ivar Figueiredo Saldanha 01.06.1959/06.07.1962 Licenciado da Assembleia, retornou 1.
Avenida Contorno – Beira-Mar, Ponta do Desterro, Ponta de Madre
Orfila Cardoso Nunes Substituição eventual Chefe de Gabinete da Prefeitura
Deus, Contorno do Morro do Lira, trecho da Senador João Pedro em
Ruy Ribeiro Mesquita 06.07.1962/23.04.1963 Nomeado por Newton de Barros Belo
Antonio Euzébio da Costa Rodrigues 24.04.1963/02.07.1965 Nomeado por Newton de Barros Belo frente à Fábrica Santa Isabel, entroncamento com a Avenida Getúlio
Djard Ramos Martins 02.07.1965/16.10.1965 Nomeado por Newton de Barros Belo Vargas, trecho do atual leito da estrada de ferro e Beira-Mar.
Epitácio Afonso Pereira Cafeteira 02.01.1966/17.10.1969 Eleito depois de 43 anos de nomeações 2.
Avenidas ligando pontos da Avenida Contorno: atual Rua do Egito,
Vicente Fialho 17.10.1969/29.05.197l Indicado p/José Sarney e aprov. p/Assemb
Praça João Lisboa, Avenida Magalhães de Almeida e prolongamento
Haroldo Olympio Lisboa Tavares 29.05.1971/17.03.1975 Nomeado por Pedro Neiva de Santana
Adolfo Alexandre Von Randow 17.03.1975/30.03.1975 Designado p/substituir o titular até a margem direita do rio Bacanga, onde alcançará novamente
Edmilson dos Reis Duarte 30.03.1975/07.04.1975 Nomeado pelo vice-governador José Murad a Avenida Contorno – e Avenida Magalhães, antigo Largo de
Antônio Rodrigues Bayma Jr. 07.04.1975/02.02.1977 Nomeado por Oswaldo Nunes Freire Santiago, Quinta do Barão e Avenida Contorno próximo à Fábrica
Evandro Bessa de Lima 02.02.1977/01.03.1977 Presidente da Câmara Municipal
Santa Isabel.
Ivar Figueiredo Saldanha 04.03.1977/14.08.1978 Nomeado por Oswaldo Nunes Freire
Lia Rocha Varela 14.08.1978/15.09.1978 Presidente da Câmara Municipal
3.
Avenida atual leito da estrada de ferro – ponta do atual Matadouro.
Lereno Nunes Neto 15.09.1978/14.03.1979 Nomeado por Oswaldo Nunes Freire
4.
Avenida Presidente Dutra, partindo da Avenida. Contorno à altura
Lia Rocha Varela 14.03.1979/22.03.1979 Presidente da Câmara Municipal da Fábrica Santa Isabel. Atravessando o Cavaco e encontrando-se
Mauro de Alencar Fecury 23.03.1979/25.03.1980 Nomeado por João Castelo
com a Avenida Getúlio Vargas à altura do 24º. BC.
Roberto de Pádua Macieira 27.03.1980/15.03.1983 Mantido por Ivar Saldanha
Manoel Nunes Ribeiro Filho 15.03.1983/22.03.1983 Presidente da Câmara Municipal
5.
Atual Avenida de entrada e saída da cidade: parte da Avenida
Mauro de Alencar Fecury 22.03.1983/15.11.1985 Indicado por Luiz Rocha e aprov. p/Assemb Contorno, no conhecido largo de Santa Isabel e vai até o Tirirical. O
Maria Gardênia Ribeiro Gonçalves 15.11.1985/31.12.1988 Eleita trecho Areal-Tirirical está sendo construído pelo DER-MA.
Jackson Lago
Carlos Magno Duque Bacelar
01.01.1989/15.03.1991
15.03.1991/20.03.1992
Eleito
Vice Prefeito
6.
Avenida seguindo o atual leito da estrada de ferro – vai da Avenida
Oswaldo H. Deco da Costa Soares 20.03.1992/01.04.1992 Presidente da Câmara Municipal Contorno até o Tirirical, correndo, mais ou menos, paralela à
Mauro de Araújo Bezerra 01.04.1992/15.03.1993 Chefe de Gabinete da Prefeitura anterior.
Conceição Ma. Carvalho de Andrade 15.03.1993/31.12.1996 Eleita 7.
Ponte sobre o rio Bacanga.
Abdelaziz Aboud Santos
Jackson Kepler Lago
Substituição eventual
01.01.1997/31.12.2000
Vice Prefeito
Eleito
8.
Rodovia margem esquerda do Bacanga – Itaqui.
Domingos Francisco Dutra Filho Substituição eventual Vice Prefeito
9.
Rodovia margem direita do rio Bacanga – atual BR-21 próximo ao
Jackson Kepler Lago 01.01.2001/03.04.2002 Eleito Maracanã.
Tadeu Palácio 03.04.2002/31.12.2004 Vice Prefeito 10.
Rodovia Itaqui – atual BR-21, próximo à Maracanã.
Ponte sobre o rio Anil.
Tadeu Palácio 01.01.2005/31.12.2008 Eleito 11.
João Castelo Ribeiro Gonçalves 01.01.2009/ 31.12.2012 Eleito
Edivaldo Holanda 01.01.2013/31.12.2016 Eleito
12.
Avenida Ponta de São Francisco – São Marcos – Tirirical.
Edivaldo Holanda 01.01.2017/ Eleito 13.
Rodovia São Marcos – Calhau – Olho d’Água – Jaguarema – Ponta
Grossa – Olho de Porco – Maioba de Mocajutuba – São José dos
Pesquisa gentilmente cedida por Benedito Buzar. Índios – Ribamar.
14.
Avenida Litorânea: Forte da Ponta d’Areia – limite com o Município
de Ribamar.
15.
Avenida Forte da Ponta d’Areia – Ponta de São Francisco.
16.
Avenida Ponta de São Francisco – Anil.
17.
Rodovia Anil – Ribamar (implantada faltando apenas
pavimentação).
Além da ponte sobre o rio Anil que vai ser construída pelo DER/
MA, em frente à cidade, outras deverão ser construídas na ponta do
atual Matadouro e em Caratatiua.

*Páginas 3 e 4 do Plano apresentado por Ruy Mesquita, 1958. Cópia gentilmente enviada por
Grete Pflueger.

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