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COMO AS INSTITUIÇÕES PENSAM

MARY DOUGLAS

by Syracuse University Press Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Douglas, Mary Como as Instituições Pensam / Mary Douglas ; (tradução Carlos Eugênio Marcondes de Moura). - São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo,
(Ponta, 16)
Título original: How Institutions Think Bibliografia ISBN X 1. Cognição e cultura 2. Comportamento organizacional 3. Instituições sociais Aspectos pedagógicos 1. Título
CDD-306 Índices para catálogo sistemático: 1. Instituição: Pensamento: Sociologia 306 Mary Douglas, antropóloga, pesquisadora e professora, lecionou nas
Universidades de Oxford e de Londres, na Northwestern University e atualmente é professora visitante na Princeton University. Digitalizado a partir de software HP
OCR I.R.I.S. 2

Capítulo 5
AS INSTITUIÇÕES CONFEREM IDENTIDADE
Já se afirmou com muita propriedade que os indivíduos sofrem devido à limitação imposta por sua racionalidade e
é verdade que, ao estruturarem as organizações, eles ampliam sua capacidade de lidar com as informações. Já se
demonstrou como as instituições precisam ser estabelecidas por meio de um aparato cognitivo. A conveniência
múltipla, em várias transações, não cria certeza suficiente sobre as estratégias empregadas por outra pessoa. Ela
não justifica a confiança necessária. O aparato cognitivo fundamenta as instituições na natureza e na razão, ao
descobrir que a estrutura formal das instituições corresponde a estruturas formais em domínios não-humanos. Em
primeiro lugar, para que o discurso seja possível, é preciso que se chegue a um acordo sobre as categorias básicas.
Nada mais, a não ser as instituições, podem definir a uniformidade. A similaridade é uma instituição. Os elementos
são designados para conjuntos nos quais as instituições encontram suas próprias analogias na natureza. Por um
lado, a energia emocional para criar um conjunto de analogias emana de preocupações sociais. Por outro lado,
existe uma tensão entre os incentivos para que as mentes individuais dispendam seu tempo e energia na resolução
de problemas difíceis e entre a tentação de recolher-se e deixar que as analogias fundantes da sociedade que nos
rodeia se sobreponham. É algo que lembra a colocação de Williamson sobre os custos da transação, só que, neste
exemplo, todas as vantagens estão em juntar-se a um esforço conjunto para fazer com que as analogias operem.
Há muito poucas vantagens no ato do corsário que age seguindo apenas sua própria bandeira. Por mais que eles
tentem isolar seu trabalho, os cientistas nunca estão completamente livres das pressões de suas próprias
sociedades contemporâneas, que são necessárias a um esforço criativo. A teoria científica é o resultado de uma
luta entre as classificações que estão sendo desenvolvidas por um grupo de cientistas tendo em vista objetivos
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profissionais e as classificações que são operadas em um entorno social mais amplo. Ambas são revesti das de
emocionalidade. Ambos os tipos de classificação dependem da interação social. Uma delas (a dos cientistas) realiza
um determinado esforço para especializar e refinar seus conceitos de modo a torná-ios adequados para serem
usados em um discurso que difere das idéias entrincheiradas de um grupo social mais amplo, abrangente, embora
esteja contido nelas. Não era exatamente isso que FIeck descrevia ao historiar a emergência de uma idéia científica
a partir de um entrincheiramento místico, moral e social? Conforme veremos no próximo capítulo, as fórmulas
científicas que surgem sempre trazem as marcas de suas origens sociais. No trabalho de tentar compreender, a
desordem e a incoerência são mais prováveis. Quando é encontrado um elevado grau de lógica e de complexidade,
esta é uma questão que provoca surpresa e precisa ser explicada. A complexidade não significa o isomorfismo
repetitivo que recria a mesma metáfora básica em todos os contextos. Uma ordenação verdadeiramente complexa
é o resultado de um esforço contínuo. Deve existir alguma indução para explicar por que o esforço é realizado.
Fleck acreditava que a oferta de esforço intelectual na ciência se devia à demanda, não apenas no que se referia à
quantidade de trabalho dispendido, mas também no que dizia respeito à seleção dos problemas a ser pesquisados
(Fleck 1935, p. 78). Presumamos que na ausência de uma forte demanda (isto é, na ausência de induções a uma
concentração especializada), a classificação satisfará necessidades mínimas, ao seguir a trajetória do mínimo
esforço. Tal trajetória levará rapidamente a uma coleção imprecisa de analogias sociais direcionadas para a
natureza e lá ela repousará em paz. De acordo com Geoffrey LIoyd, isto descreve o estado da antiga ciência e
medicina grega. Muitos afirmariam que é uma questão de lealdade para com a ciência grega admitir que as
analogias sociais extraídas da natureza formaram a base da maior parte da medicina praticada no mundo inteiro
até os últimos cem anos ou pouco mais. As características do antigo pensamento especulativo grego, conforme
LIoyd o descreve, baseiam-se em dois esquemas. Um deles era um "apelo periódico a pares de opostos de vários
tipos, ambos encontrados na doutrina cosmológica geral, e em relatos sobre fenômenos naturais" (LIoyd 1966, p.
7). O macrocosmo do mundo foi 68
construído a partir de contrastes: ar e terra, fogo e água, calor e frio. O outro esquema ocorreu por analogia,
imprecisamente compreendida. LIoyd afirma que houve pouco esforço para se distinguir entre a similaridade e a
identidade ou entre graus de diferença entre modos de oposições, que formam alternativas exclusivas e exaustivas,
e aqueles que não as formam. Em relação a este tema, os antropólogos demonstraram que o macrocosmo do
mundo é construído sobre o modelo da sociedade. Seria necessário um grande esforço para pôr em seu devido
lugar as analogias sociais intrusivas. O reconhecimento dos diferentes graus de similaridade e diferença é um
exercício muito especializado de lógica, inteiramente separado do uso da lógica para tornar a ordem social
manifesta. Lloyd assinala corretamente que muitas sociedades primitivas empregam classificações dicotômicas da
realidade que espelham sua organização dualista. Ao discutirmos anteriormente a convenção, argumentamos que
até mesmo as convenções que se auto-reforçam e que todo mundo gostaria que se mantivessem, têm poucas
oportunidades de sobrevivência, a menos que possam fundamentar-se na razão e na natureza. Em um determindo
ponto, próximo do ápice de qualquer organização, a estrutura se baseia, em última análise, numa oposição
equilibrada, a exemplo do que ocorre no nível mais elevado dos sistemas nacionais ou internacionais. No entanto,
se não houver instituições coordenadoras ou outros ordenamentos mais complexos, a imobilização das forças
hostis será a realização coletiva mais significativa que pode ocorrer nesse nível. A ampla distribuição, em todo o
mundo, de povos caçadores organizados em metades e outros sistemas duais atesta os esforços de se produzir
algum bem coletivo, embora as tentativas nesse sentido não sejam muito eficazes. Um sistema totêmico naturaliza
o princípio do equilíbrio mas não o conceito de relações hierárquicas que governam os diferentes clãs totêmicos
(Lévi-Strauss 1963). Por falta de incentivos ou de oportunidade para fazer mais, os povos organizados na base das
metades decidiram equilibrar seu conflito em potencial. Em um meio ambiente difícil isto pode ser reconhecido
como uma realização notável, mas, em termos absolutos, não passa de um pequeno triunfo enquanto organização.
Nossa primeira argumentação foi levada tão longe quanto podia ir. As intenções individuais no sentido de construir
uma instituição podem ser muito 69

boas. Os indivíduos podem dar força a suas próprias resoluções e tentar controlar mutuamente as ações
individuais recorrendo a analogias baseadas na natureza. A esta altura o argumento paira no ar. As mesmas
tendências fissíparas são nocivas ao bem comum não só no nível intelectual como também no nível da colaboração
social. Como uma analogia construída por alguém vence outra analogia nas mesmas condições? Como um sistema
de conhecimento entra em órbita? Como a boa idéia de alguém compete com a de outro alguém? Trata-se de uma
questão fundamental na história da ciência. Ter transferido os problemas do bem coletivo para a esfera intelectual
não os resolve, embora seja necessário proceder à transferência. Os problemas relativos ao excesso de carneiros
que congestionam os pastos e de carros que congestionam as estradas deveriam ser reequacionados como
problemas relativos a idéias que se congestionam mutuamente, sempre competindo e sempre destruindo as bases
necessárias de uma investigação. Começando tudo de novo no que diz respeito à cognição, reflita o quanto a idéia
lógica mais elementar depende da interação social. Trata-se da idéia da similaridade ou parecença. Quando várias
coisas são reconhecidas como membros da mesma classe, o que constitui sua uniformidade? Alegar que a
similaridade explica como as coisas são classificadas juntas parece ser uma colocação evasiva. É ingenuidade tratar
a qualidade da uniformidade que caracteriza os membros de uma classe como se ela fosse uma qualidade inerente
às coisas ou como um poder de reconhecimento inerente à mente. Os antropólogos têm um interesse profissional
na classificação de folk. Ela conduz a muitos níveis taxonômicos e, finalmente, a julgamentos de natureza política e
moral. Uma cultura estrangeira pode funcionar sem ter uma boa classificação científica. Os sentidos em que ela
funciona são políticos, econômicos, sociais, ecológicos. Tendo em vista o entrelaçamento de propósitos práticos, a
classificação de folk constitui um mundo que é confiavelmente inteligível e suficientemente previsível para que se
possa viver nele. Os objetivos da classificação de folk são muito diferentes dos objetivos da classificação científica.
Esta se desenvolve para expressar uma teoria especializada, gerada em instituições especializadas, que também
possuem suas idéias fundantes e também se baseiam na natureza. Cada grupo de cientistas é capaz de resistir à
tentação de confiar nas analogias fundantes da 70

sociedade exterior apenas até o limite em que essas analogias são isoladas dessa sociedade. As misteriosas
complexidades da teoria econômica são exemplos de esquemas conceituais que só podem desenvolver-se quando
se apóiam em um isolamento acadêmico, ainda que se proponham a lidar com os problemas da sociedade mais
ampla. Ainda assim, e paradoxalmente, os economistas, quer queiram quer não, se vêem produzindo provas
técnicas altamente especializadas de opiniões que não derivam em absoluto da teoria econômica. Por exemplo,
Francis Edgeworth inspirou-se em ingressar na economia matemática na década de 1880 devido a sua convicção de
que a teoria da utilidade era perigosamente igualitária em sua interpretação usual (Mackenzie 1980). A comparação
das culturas torna claro que nenhuma uniformidade superficial das propriedades explica como certos itens são
atribuídos às classes. Tudo depende de quais propriedades são selecionadas. Assim, o improvável trio composto
pelo camelo, a lebre e o texugo são classificados no Levítico 11 como ruminantes e, portanto, pertenceriam à classe
dos ungulados ruminantes; como, porém, suas patas não são fendidas como as do restante de sua classe, são
excluídos dela. No mesmo capítulo, o porco é incluído na classe dos ungulados; é a única criatura cuja pata é
fendida e que não rumina. No entanto, esta classificação religiosa arcaica e muitas outras classificações
contemporâneas conhecidas dos antropólogos devem suas divisões muito mais a sua capacidade de modelar as
interações dos membros da sociedade do que a uma curiosidade desinteressada sobre o funcionamento da
natureza. Ocorre uma mudança fundamental, que parte de uma classificação socialmente inspirada em direção a
uma classificação científica. O esforço pela objetividade constitui precisamente uma tentativa no sentido de não
permitir que classificações socialmente inspiradas não se sobreponham à investigação. Não pode haver uma
transição suave de uma classificação socialmente inspirada para uma classificação científica. A primeira não pode
direcionar-se para a segunda ao pressionar cada vez mais sob a superfície das coisas em sua busca do
conhecimento, já que este não é um de seus objetivos (Lévi Strauss 1962). Os antropólogos mostram-se bem
dispostos a seguir o ensinamento de Quine, segundo o qual a identidade ou a uniformidade é conferi da aos
objetos 71

por eles se manterem no âmbito de uma estrutura teórica. Conforme sustenta David Bloor, as teorias matemáticas
são instituições e vice-versa. Acrescentaríamos que as instituições desempenham as mesmas tarefas que a teoria.
Elas também conferem uniformidade. Uma vez desenvolvido um esquema teórico, elementos que no estágio pré-
teórico tinham dupla posição perdem sua ambigüidade. Eles adquirem definição quando seu funcionamento
regular no interior do sistema é demonstrado. O convincente ataque de Quine ao status independente da
similaridade remonta a 1960 ou mais. A uniformidade não é uma qualidade que possa ser reconhecida nas
próprias coisas; ela é conferida aos elementos dentro de um esquema coerente. Em seus escritos sobre os usos da
similaridade, Nelson Goodman afirma que ela é "uma fingidora, uma impostora, uma charlatã. Ela tem, sim, seu
lugar e seus usos, porém é encontrada com freqüência onde não pertence, professando poderes que não possui"
(1972, p. 437). Medin e Murphy (1985) contribuem com um valioso exame do trabalho psicológico sobre a coerência
conceitual, particularmente útil na medida em que, para eles, esse trabalho é necessário para dizer a seus colegas
psicólogos que a uniformidade não é uma qualidade que pode ser reconhecida nas próprias coisas é conferida a
elementos dentro de um esquema coerente. O conceito de uma qualidade de similaridade continua a aflorar
porque conjuntos de coisas semelhantes estão de tal forma bem estabelecidos em determinada cultura que sua
uniformidade tem a autoridade da auto-evidência. Construir a uniformidade é uma atividade intelectual essencial
que se mantém inobservada. Quine nos proporciona uma agradável especulação sobre a história natural relativa
ao crescimento da classificação científica. Ele imagina que esta última parte de padrões inatos de similaridade e
pelos erros e ensaios não-guiados, caminha em direção a melhores teorias e classificações. O conceito de
similaridade inata compartilhado por nós com os animais reconhece graus de diferença entre as qualidades
sensoriais, por exemplo, a capacidade de reconhecer gradações de cor ou de espaçamento. Quine trata como um
desenvolvimento homogêneo esse movimento que parte de conceitos de similaridade inata para a teorização, com
novos agrupamentos das coisas em espécies. Em algum ponto essa argumentação apresenta uma falha. Como é
72

possível que a capacidade de discriminar tons de amarelo, elaborar outros julgamentos de proximidade ou de
distância ou outras diferenças de qualidade, poderá levar a agrupar itens em classes? Reconhecer uma classe de
coisas significa polarizar e excluir. Envolve estabelecer fronteiras, uma atividade bem diferente do nivelamento. Vai
uma grande distância entre reconhecer graus de diferença e criar uma classe de similaridades. Uma atividade
jamais pode levar a outra, assim como as instituições não podem evoluir para uma completa organização da
informação, ao começar por convenções espontâneas de autopoliciamento. Quine imagina um padrão primitivo de
similaridade que, por exemplo, apresenta o conceito de peixe, que passa a fazer parte de um padrão de
similaridade modificado, com uma classe para os peixes que exclui as baleias e as toninhas. Recorrendo a outro
exemplo, ele propõe um padrão de similaridade modificado que vai além dos aspectos superficiais ao agrupar
ratos marsupiais e cangurus, excluindo ratos comuns. Mas de onde surgem as classes primitivas de ratos e peixes?
Ele sugere um processo de amadurecimento. O sentido de similaridade ou o sentido das espécies desenvolve-se,
modifica-se e até mesmo torna-se múltiplo à medida que um indivíduo amadurece, contribuindo talvez para uma
previsão cada vez mais confiável. Estabelecem-se finalmente padrões de similaridade que se acoplam à ciência
teórica [u.] As coisas são semelhantes no sentido teórico, na medida em que constituem partes intercambiáveis da
máquina cósmica revelada pela ciência (Quine 1969, p. 143). Ele então passa a discutir as experiências de se
combinar os julgamentos de similaridade com as relações objetivas no mundo. Examina até que ponto os
diferentes ramos da ciência necessitam de diferentes medidas de similaridade. Aborda a idéia de que os ramos da
ciência poderiam ser classificados segundo o conceito de similaridade relativa, próprios a cada um desses ramos, e
até que ponto suas diferentes sistematizações da natureza são compatíveis e capazes de mesclar-se (p. 136).
Finalmente, Quine nota que existe um estágio final para "a maturidade de um ramo da ciência que já não necessita
mais de um conceito irredutível de similaridade e espécie. É o estágio final, quando o vestígio animal é inteiramente
incorporado à teoria" (p.138). 73

A história natural do crescimento e declínio das idéias de similaridade apenas explicaria uma versão contínua do
mundo. Uma ou outra qualidade perceptiva poderia subitamente ligar-se ou desligar-se enquanto outras se
desvanecem suavemente, porém jamais todas ao mesmo tempo. No fluxo contínuo da sensação, distintos objetos
não aflorarão necessariamente. Quine deixou sem explicação o conceito de significado lógico, a começar por um
estado que é em si, único, e não é outro estado. A transição, enganosamente suave, para uma classificação
científica é paralela à transição, enganosamente suave, de Schotter, e que parte das convenções para as instituições
estáveis. Em seu Treatise on Logic and Scientific Method (1874) disse W. S. Jevons: "A criança mais nova sabe qual é
a diferença entre um corpo quente e um corpo frio" (Jevons 1874, p. 24). Ao fazer esta afirmação, ele, com muita
habilidade, introduziu o conceito de corpo na classificação inata das propriedades termais. Quine é sagaz demais
para fazer isto. Ele sabe que o conceito de corpo ou objeto precisa de mais explicações. Sempre parece
surpreendente que as discussões contemporâneas sobre o conceito de espécies naturais deveriam escolher como
exemplos de percepções elementares objetos isolados, tais como uma maçã, um corpo, um objeto ou um animal. A
idéia de que é menos complicado reconhecer objetos do que relações abstratas remonta a muito longe. A citação
de Jevons vai mais além: "O cachorro consegue reconhecer seu dono [...] A dignidade do intelecto começa quando
se separam pontos de concordância e pontos de diferença [...] A abstração lógica, em suma, se põe em movimento
e a mente torna-se capaz de raciocinar [...] Surgem, ao mesmo tempo, conceitos gerais de classes de objetos". Dada
a persuasão do princípio de Quine as espécies são partes da teoria em funcionamento e não elementos
independentes - não esperaríamos que os objetos surgissem antes que uma teoria do mundo começasse a
classificá-ios. E seríamos mais consistentes com a teoria de Quine ao não focalizarmos a questão de espécies
naturais, direcionando-a para itens que já foram classificados em espécies por nossa própria cultura. O problema
das espécies naturais certamente começa com os processos elementares de classificação e os princípios
empregados para se proceder à classificação. Uma teoria do mundo precisaria começar pela divisão, não pela
classificação. 74

Ao relatar as primeiras tentativas de um bebê em encontrar ordem no mundo, Melanie Klein nos diz que a
preocupação dominante não é verificar os espaçamentos de qualidade (Klein 1975). Talvez seja importante
começar a indagar: "Este estado é mais quente do que aquele? Aquele estado é mais frio do que este?" O bebê,
entretanto, vê-se, desde o início, confrontado com o problema de uma correção indutiva. Ele precisa escolher,
dentre a multiplicidade de sensações presentes, algumas bases práticas para projetar mais além (para empregar
um termo de Nelson Goodman) uma versão do mundo que funcione (Goodman 1983). O bebê não tem hábitos em
que se apoiar e não há uma versão existente a ser refeita. Exemplos semelhantes não levarão a descri minar as
espécies. De acordo com Klein, o urgente é saber quais são as experiências dolorosas e agradáveis que surgem de
dentro e quais as que surgem de fora. A primeira base das espécies projetáveis é a diferença entre o self e o não-
self (Klein 1975). Este sensação gostosa, ampla, que me proporciona a comida é algo que produzi por mim mesmo?
Ou, na realidade, incorporei algo que era exterior a mim? A próxima confrontação terminará, como já aconteceu
algumas vezes, por meio de uma incorporação bem-sucedida e do ato de dormir? Ou será uma cena tempestuosa
que terminará, conforme ocorreu algumas vezes, em rancor e aflição? John Stuart Mill cita o relato de Coleridge,
quando este analisou a política contemporânea para o Morning Post, recorrendo à comparação entre concordância
e diferenças; ele estabeleceu um paralelo entre a França sob Napoleão e Roma sob os primeiros Césares, a
Revolução Espanhola e a guerra das Províncias Unidas contra Felipe II e daí por diante. MiII não era de opinião que
o sistema de concordância e diferença fosse um método seguro de se chegar a uma previsão militar, devido à
escolha não-sistemática de analogias (MiII 1888). Para o bebê, uma classificação como esta é o único método de
diferenciar gradualmente o outro e o self. As perguntas que ele formula assemelham-se à inteligência militar. Ele
precisa saber se a fonte do leite, caso seja externa, é um seio ou vários e, sendo vários, como distinguir os aliados
dos inimigos? É o seio bom ou o seio mau? Ele está a meu favor ou contra mim? A mais antiga interação social
coloca as bases para polarizar o mundo em classes. A sobrevivência depende de se ter suficiente energia 75

emocional para levar adiante esse empreendimento classificatório elementar por meio do árduo trabalho
necessário para construir um mundo coerente, viável. A interação social fornece aquele elemento que está ausente
do relato da história natural, quando ele se refere ao início da classificação. Agora a outra metade da argumentação
está colocada. Os requisitos ntelectuais que precisam ser atendidos para que as instituições sociais sejam estáveis
combinam-se com os requisitos sociais da classificação. Ambos são necessários às bases de uma epistemologia
sociológicas e nenhum eles é suficiente. A instituição funciona como tal ao adquirir um terceiro apoio da energia
moral de seus membros. Desenvolverei este tema no capítulo 9. Esses três processos operam simultaneamente. Os
indivíduos, à medida em que procuram e selecionam entre as analogias existentes na natureza aquelas a quem
darão crédito, procuram e selecionam, ao mesmo tempo, seus aliados e adversários, bem como o padrão de suas
futuras relações. Ao constituir sua versão da natureza, eles estão controlando a constituição de sua sociedade. Em
resumo, eles estão construindo uma máquina de pensar e de tomar decisões em seu próprio interesse. A esta
altura podemos começar a acompanhar os efeitos de se ligar o pensamento individual a um piloto automático. Em
primeiro lugar, ocorre uma poupança da energia, decorrente da codificação e da inércia institucionais. Esse
princípio tem paralelo em uma característica bem conhecida da linguagem. O uso freqüente torna algumas
palavras resistentes e não apenas as palavras, como também suas declinações, resistem aos desenvolvimentos
sistemáticos que estão acontecendo o tempo todo. As línguas encontram-se em constante estado de mudança,
porém suas palavras mais comuns permanecem imunes às novas inflexões. Por exemplo, o substantivo inglês man
(homem), com seu plural arcaico, men (homens), resistiu ao ímpeto progressivo dos plurais terminados em s. Do
mesmo modo as analogias sociais mais comuns estão presentes e resistem à mudança. Elas estão prontas para
preencher vácuos nas cadeias causais, quando a exigência por um raciocínio denso não é suficientemente forte
para evocar uma classificação complexa. Graças ao peso da inércia institucional, imagens mutanles são
consideradas suficientemente equilibradas para que a comunicação se tome possível. 76

As instituições conferem uniformidade. Analogias socialmente fundamentadas atribuem itens disparatados às


classes e as sobrecarregam com um conteúdo moral e político. Por exemplo, as séries que Lévi-Strauss tomou
familiares recentemente, em 1984, começam por meio da natureza que se distingue da cultura e prosseguem em
direção a vários níveis. Elementos que se encontram do mesmo lado, na taxonomia, inevitavelmente são
classificados juntos: os homens com a cultura, as mulheres com a animalidade. cultura : natureza natureza
humana: natureza animal masculino : feminino A classificação submersa justifica uma determinada atribuição
prescrita às mulheres na divisão do trabalho, seja como trabalhadoras agrícolas e carregadoras de carga ou como
coisinhas lindas, incapazes de pensar. Justifica também o comportamento feminino da espontaneidade, lágrimas
fáceis, carências inconsistentes e cuidados com os filhos. A teoria feminista, na antropologia, tem muito a dizer a
respeito dessas equações como justificativas da sujeição das mulheres (Strathern 1980). Mesmo quando o gênero
feminino é associado ao lado mais estimado, ainda assim pode ser usado para justificar o fato de as mulheres
executarem as tarefas fisicamente mais pesadas. Por exemplo, os homens de Bamenda, nos Camarões,
costumavam deixar suas mulheres realizar todo o trabalho agrícola pesado com o pretexto de que apenas elas e
Deus podiam fazer as coisas crescer (Kaberry 1952). Os valores elevados podem situar-se à esquerda ou à direita;
quanto a seu valor, o padrão pode receber maior ou menor peso em qualquer desses dois polos. Um ocidental
moderno, orientado para a tecnologia, daria maior peso ao lado direito e um cristão ou muçulmano
fundamentalista escolheria o lado esquerdo como ideal, no seguinte conjunto de pares opostos: passividade
atividade permanência mudança antiguidade modernidade 77

Existem muitos exemplos instrutivos no que se refere à autodefinição de várias profissões. Os economistas são os
teóricos mais vigorosos no campo das ciências sociais. As instituições que os cercam baseiam-se em muitas
relações de pares ordenados. Seu próprio esquema da cultura muitas vezes é assim descrito: espiritual poesia e
religião filosofia especulativa metáfora vaga intangíveis material economia ciência aplicada teoria rigorosa
economistas Este conjunto de analogias emparelha o trabalho científico com as coisas físicas, as coisas
mensuráveis e as teorias científicas. Algumas vezes os economistas devem determinar uma escala das
necessidades humanas, mas não reconhecem que atingiram os limites de sua competência profissional. Em vez de
admitir paridade com os leigos, eles prosseguem falando com autoridade profissional, ao mesmo tempo em que se
apóiam nas analogias instituídas da cultura ocidental (Douglas & Isherwood 1979). Isto resulta em um
desenvolvimento hierárquico do espiritual: oposição material. espiritual : físico luxos (música, arte) : necessidades
outras necessidades (psíquicas) : necessidades primárias (comida, abrigo) O resultado é que os elaboradores da
política e os administradores prestam atenção nos déficits periódicos da disponibilidade dos alimentos em vez de
se voltarem para o equilíbrio das trocas que se dão na sociedade inteira. De acordo com A. K. Sen, isto resulta em
decisões desastrosas quando a fome se manifesta (Sen 1981). Recorreu-se a dois exemplos: o lugar das mulheres
no mundo e o lugar dos economistas no esquema das profissões. Cada um deles é escolhido para ilustrar como a
divisão do trabalho fornece autoridade a uma analogia que localiza firmemente na natureza uma situação social
estruturada. Enquanto 78
analogia, não seria imune às dificuldades que cercam as coisas naturais. As analogias podem ser vistas em
qualquer lugar e em todos os lugares. Quando, porém, uma analogia compara uma estrutura de autoridade ou
precedência, então o padrão social reforça os padrões lógicos e dá proeminência a essa estrutura. Dois esforços,
um social e outro intelectual, sustentam-se mutuamente. Padrões de autoridade ou de precedência gozam de um
status privilegiado porque, conforme bem disse Thomas Schelling, suas menores partes indivisíveis são as pessoas
(Schelling 1978). Uma pessoa não pode ser dividida, não pode estar simultaneamente em dois lugares, não pode
ser ao mesmo tempo superior e inferior no mesmo contexto, não pode ter um bolo e comê-io. Em algum momento
existe um fim para possíveis recomposições de padrões que envolvem as pessoas. Os padrões de autoridade ou
precedência também são privilegiados porque somos animais sociais, treinados desde a infância para
reconhecermos os materiais elementares da metáfora e da analogia em nossa própria experiência social. À
semelhança do bricabraque, esses elementos prototeóricos estão à nossa volta, prontos para ser postos a serviço
com a finalidade de promover as preocupações sociais mais profundas do pensador ou simplesmente para que a
eles se recorra, sendo usados toda vez que a energia necessária a um trabalho c1assificatório independente se
esgota. Lévi-Strauss (1962) inventou a imagem do pensador como um bricoleur, o artesão amador que transforma
o relógio de parede quebrado em uma prateleira para cachimbos, a mesa quebrada em uma chapeleira, a
chapeleira em uma lâmpada e tudo em outra coisa. O bricoleur usa tudo o que existe para realizar transformações,
recorrendo a um repertório de suprimentos. A bricolage, de acordo com Lévi- Strauss, caracteriza o pensamento
primitivo. Numa sociedade onde a tecnologia e a divisão do trabalho foram fixadas em certo nível durante
gerações, as pessoas podem deixar seu pensamento especulativo correr solto, mas ele não pode ir além dos limites
impostos pela tecnologia estável e pelo padrão de trabalho. Sob a forma de um jogo intelectual, aquilo que Lévi-
Strauss denominou a mente selvagem distribui a ampla gama de paralelos e inversões sagazes, com elaboradas
transformações em seu sortimento de analogias. Lévi-Strauss aceita que a bricolage intelectual também se
encontra na sociedade moderna, mas em esconderijos e fendas protegidos da pressão 79

em favor da mudança. Embora ele não o tenha ampliado, seu conceito de bricabraque descreve bem as analogias
recorrentes e os estilos de pensamento que caracterizam qualquer civilização. O determinismo biológico é um
desses elementos recorrentes na história intelectual do Ocidente. Encontra-se sempre disponível, sob uma ou
outra forma, para provar que uma onda de imigrantes ou um desprivilegiado social são prejudicados por sua
hereditariedade, enquanto os privilegiados possuem uma constituição física mais favorável para transmitir a seus
herdeiros (Gould 1981). Recorrendo a outro exemplo, aquilo que é gradual, paulatino, é colocado repetidas vezes
em oposição a uma mudança súbita e descontínua. A natureza, Deus, a Bíblia, são invocados para apoiar um ou
outra. Os defensores do status quo tendem a achar que a natureza está a favor da continuidade e os defensores da
reforma radical fazem uma leitura um tanto diferente da natureza. Assim, até mesmo a ciência, muito
cuidadosamente protegida das preocupações políticas comuns por sua terminologia, sua formação e seus locai.s
de trabalho segregados, demonstra a mesma tendência em basear suas instituições em analogias com a natureza e
em achar que as estruturas mais gerais de suas controvérsias correspondem ao debate político contemporâneo.
Há uma argumentação permanente sobre o valor da urbanidade em oposição à rusticidade ou, para colocar a
questão em outros termos, sobre a cidade como um poço de iniqüidades em oposição à simplicidade e excelência
da vida rural. Este conjunto de oposições que invocam a natureza versus a cultura é constantemente renovado
recorrendose ao que sobra do bricabraque do último debate com a finalidade de propiciar analogias naturais para
qualquer novo debate que esteja politicamente em primeiro plano. Como a construção das analogias, a partir da
natureza, com a finalidade de apoiar o sistema social existente, é muito conhecida dos antropólogos e de outros, as
novas colocações feitas neste capítulo precisam ser reformuladas. Não é inusitado aplicar a idéia de bricolage como
forma de pensamento institucional a problemas de escolha racional. Os dois campos da investigação, a
antropologia simbólica e a teoria da escolha racional, em geral são mantidos bem distanciados um do outro. Em
segundo lugar, vale a pena insistir nesta questão não somente porque ela proporciona uma nova maneira de
abordar os 80

problemas da ação coletiva, mas também porque modifica nossa maneira de pensar sobre a cognição humana. A
abordagem à cognição humana só pode se beneficiar ao reconhecer o envolvimento do indivíduo com a construção
de uma instituição a partir do início do empreendimento cognitivo. Até mesmo os simples atos de classificar e
lembrar são institucionalizados. 81

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