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fevereiro de 2015
- Sim.
- Quantas.
- Isso é ruim.
(tempo)
- Estou tentando.
(tempo)
- Tem namorada?
- Não.
- Um pouco.
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Livremente inspirado na Carta ao Pai, de Franz Kafka. Sugestão de divisão das personagens em 3 atores e 2 atrizes.
Ator 1: Pai (que depois vira avô); Ator 2: filho (que depois vira pai); Ator 3: neto e Júlio (o "homem de verdade");
Atriz 1: mãe e Paula (mulher que o pai chama); Atriz 2: todas as outras mulheres.
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- Novinha?
- Mais ou menos.
- Tem peitinho bonito? Eu adoro quando elas tem aqueles peitinhos assim. Ou
- Olha. Assim, ó, elas ficam fazendo assim, sentando em você, olhando pra sua
cara, batendo com os peitos na sua cara assim, pá, pá, pá... e vai embora!...
- Tá, sei.
(tempo)
- Você precisa pagar essa dívida. Uma dívida dessas é a pior coisa na vida da
pessoa. O seu tio, irmão da sua mãe. Está atolado em um barraco com uma dívida
dessas enfiada no meio do cu dele, casado com uma professora gorda e sebosa.Se você
cai nessa, de repente está morando em um barraco sujo e fedido, com câncer no joelho e
uma mulher horrível cuidando de você. E aí você olha para a sua própria vida e pensa,
"meu Deus, como eu vim parar aqui, como é que eu consegui de repente olhar para essa
coisa oleosa e cheia de banha, com essas dobras no corpo, assim, de banha mesmo, você
olha para ela, para essa gorda e diz, "eu te amo", e até não é uma mentira completa, de
certa forma você ama ela mesmo, por conta da sua situação como um todo, ela foi o que
te restou, a sua única opção!... Tudo por causa de uma dívida dessas. Às vezes é dez,
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quinze reais no começo. Depois vai, vai, vai... Essas coisas te fodem totalmente pro
resto da sua vida e te transformam em um arrombado que não tem onde cair morto.
(tempo)
- Vou lá para São Vito acho. Casa da minha tia. Alguma coisa assim.
(tempo)
- ...e até coisa boa, também. Todo lugar tem coisa boa, coisa ruim. Todo lugar é
igual. Em todos os lugares você fica lá tentando dar conta de viver, e não consegue
direito. Aqui também. A vida é assim. Mas a gente vai fazendo o que dá. Não pode
parar de fazer esporte. Eu caminho cinco quilômetros por dia. Olha isso. Não deixo a
barriga crescer. Sequinha. Não é? Por isso eu tenho charme. As mulheres gostam. Quer
- Não precisa.
- Não me conhecem.
- Ah, tudo bem. Elas já te adoram mesmo assim, porque você é meu filho. Você
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- Como não garante!! Eu garanto. Eu falo pra elas: "olha esse aqui. É meu filho.
Puxou tudo de mim." E aí você entra em cena e pá, pá, pá, no lugar do papai. Elas vão
- Não, pai.
- Espera aí. Paula? (...) Oi. Tá à toa? (...) Então, por que você não dá uma
- Não... (...)É que tem um rapaz aqui.Ele disse que quer te conhecer. (...) Isso.
(…) Uns... quinze anos?... (...)Puxou tudo do pai. (...) Quem?... (...) Quem você acha?
Eu! (...) Isso que eu estou te dizendo! Vem pra cá! Ele está louco pra te conhecer!...
(tempo)
(tempo)
- Acabei chamando, agora ela vem para cá. Ela já vai querer cair de boca no seu
(tempo)
- ...mas pai, é ruim isso... Eu fico me sentindo mal... Não sei se eu quero isso...
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- Que velha! É linda! Vai ser bom, você vai ver. Ela vai te ensinar umas coisas
boas.
- Mas, como?...
(tempo)
- É...
- Eu?
- É. Preciso resolver umas coisas. Fica aí. Mas você vai se virando, tá? Fala pra
ela que você é meu filho, tal... Se não gostar manda ela embora!...
- Depois eu volto e te explico mais umas coisas sobre a vida. Você tem muito o
que aprender. Agora não dá tempo, mas eu vou te explicar, te ensinar umas coisas aí,
que eu aprendi com o tempo. Eu tenho experiência para te ensinar umas coisas.
- Mas, que horas você volta? Espera um pouco mais, essa Paula, ela... Vai saber
que sou eu? Pai? Já foi embora. Agora fiquei aqui sozinho, na casa do meu pai.
Esperando uma mulher que costuma ser dele. Eu não quero fazer isso. Faz muito tempo
que estou sozinho aqui. É isso que eu sou então, um filho que sobrou na casa vazia do
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pai, esperando o retorno dele. Agora ela já chegou. Está examinando o meu corpo. Ela
puxou a minha camisa. Depois tirou a minha calça. Eu fiquei olhando. Eu não sei o que
fazer. Ela percorreu o meu corpo inteiro com a língua. Me deitou na cama, como se eu
fosse uma espécie de refeição dela. Ela degustou o meu corpo inteiro como se eu fosse
um frango, ela me mastiga. Ela poderia ser a minha mãe. Ela chupa os meus dedos do
pé, um por um, como se fossem as asinhas do frango. Ela geme e me mostra que tem
(tempo)
- O que significa isso, essa risada? Ela me deixou aqui deitado depois de ter me
degustado inteiro, começou a rir e saiu de cima de mim. Pegou bebidas no armário do
meu pai. Nós bebemos as bebidas. Ela conhece bem essa casa e lida com tudo com
naturalidade. Ela sabe o que fazer. Faz muitos dias que estamos aqui já. Aprendi
algumas coisas sobre viver aqui. Já sei me locomover pela casa no meio da noite,
quando está escuro. Aprendi que ela gosta que eu passe a língua de forma circular nos
mamilos. Ela me ensinou isso na verdade, me disse assim, "passa a língua assim nos
mamilos, roda a língua assim". Eu obedeci, e como resultado ela ficou gritando de
prazer. Ela é bem mais velha que eu, e tem uma barriguinha pequena, projetada para
frente. Comentei com ela que nunca tinha beijado uma mulher com uma barriga dessas.
- Meu útero tem cinquenta anos de idade. Já saíram dois seres humanos bebês
daqui de dentro.
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- Tá bom. Ela sai e volta muitas vezes. Nem sempre ela dorme aqui. Me ligaram
do trabalho do meu pai. Ele não foi lá. Eles disseram que ele é empacotador lá. Eu fui
no lugar dele. Agora eu trabalho lá também. Mas vão me demitir hoje. Eu não sirvo para
o trabalho dele. Eu arrumo outro, eles disseram. Me deram um dinheiro pela demissão,
o pagamento pelo que trabalhei no mês. Agora eu tenho que achar um outro emprego.
Eles disseram que eu tenho que fazer uma coisa que exija menos das mãos. Eu disse que
vou tentar. Pelo menos eu tenho onde morar, eles disseram. Mas, eu não sei o que eu
estou fazendo nessa casa há mais de dois anos, vivendo com essa mulher que não é
minha, é do meu pai. Ela me diz que isso não importa mas muitas vezes eu já disse isso
para ela, que ela não é minha. Que mesmo essa casa não é minha. Nada disso é meu.
- Como assim?
- Você está me controlando demais. Eu acho que é isso. Como se eu fosse seu.
Mas eu não sou. Eu não sou seu, nem meu! Eu só estou solto por aí, vagando de um
jeito estranho, por lugares que eu não conheço. Mas você está me guiando o tempo todo
ultimamente.
- Não consigo entender o que é isso que você está dizendo, Bruno.
- Você me indica os caminhos, sabe? Tudo o que eu faço passa por você antes.
Eu tenho a impressão de que isso é ruim.... Aí, às vezes eu tenho muito medo de você
sumir, porque eu só sei fazer as coisas que te agradam, e só sinto prazer quando eu te
agrado, sabe?
(tempo)
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- Você precisa ir embora. Sabe? Você escutou isso? Eu não sei se você me
escuta quando eu digo isso. Você às vezes não escuta. Eu peço para você ir embora mas
muitas vezes não funciona, são palavras que não geram nada! Eu quero que você vá
- Sim.
- Então?
- Eu não acredito que seja verdade. É mentira. Você me ama. Eu sinto isso aqui,
- Mas eu quero que você vá embora... Porque eu preciso estar longe de você para
aprender umas coisas. O meu pai me deixou um monte de coisas, casa, mulher, mesmo
o meu corpo de certa forma foi ele que deixou para mim, de repente eu me dou conta
disso, ele deixou para mim mãos, pés, unhas, garganta, pinto. Mas não me ensinou
como usar nada disso!!! Eu olho para essas mãos aqui, que eu não sei para que
servem!... Estamos sentados comendo, na mesa da sala. Tem um prato na minha frente.
Ela cozinhou uns peixes. Tem um peixe em cima do meu prato. O meu papel agora é
comer esse peixe aqui. Pegar um pedaço dele com a ponta do garfo. Colocar dentro da
boca. Mastigar, engolir, digerir... Esse tipo de coisa. Estou comendo o peixe que você
cozinhou.
possíveis. Eu te amo.
(tempo)
- Obrigado. Você não vai mais comer? Por que você está vindo aqui? Por que
está ajoelhada aí? Ela abriu a minha calça e agora me puxa para fora de mim, pelo pinto,
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colocando ele na boca. Ela me mostra como eu ocupo espaço dentro dela, faz isso
sempre. Ela me mostra o quanto eu existo realmente, porque senão às vezes eu acho que
eu poderia ficar em dúvida. Já que realmente a única coisa que me dá algum tipo de
certeza é a presença dessa mulher. Já faz mais de dois que é assim. Hoje ela disse que
vai embora. Como assim, vai embora? Eu já pedi muitas vezes para ela sair, mas ela não
saiu quando eu pedia. Achei que ela não iria mais e aprendi a aceitar. Eu ia morrer com
ela aqui. Mas agora ela disse que vai embora. Por quê?
- Eu preciso ir.
- Por quê?
- Cansei.
- Por quê?
- Cansei de você.
- Por quê? Você precisa me dizer o que eu fiz de ruim!... Eu preciso saber dessas
- Você não fez nada de errado. Eu me cansei de você, mesmo. Do seu jeito,
sabe?
- Ele??
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- É. O Júlio. Você não precisa ficar andando de um lado para o outro assim pelo
apartamento, só porque eu estou dizendo que vou embora. Aceite isso. Ele foi ao
banheiro agora e me deixou um pouco sozinha aqui, o que é um alívio. Ele fica o tempo
todo em volta de mim, agarrado, mesmo até sem perceber que está fazendo isso. Eu
gostava dele. Mas depois começou a ficar cansativo, porque eu gosto de ter liberdade
própria. No fundo ele é muito dominador, me demanda demais. Você me força a ser
sua, não pela força, mas pela necessidade. O que é ainda pior. Olha aí, já voltou do
banheiro, não precisa ficar com a cara vermelha de chorar. Estava chorando?
as lágrimas brotarem de dentro dos meus olhos, dos cantos dos meus olhos.
(tempo)
- Você vai ver. Ele está vindo para cá. Eu já estou tendo relações com ele há
muito tempo, porque é melhor para mim ficar com ele do que ficar aqui com você.
- Por quê?
- Como assim.
- Ele já chegou. Está aqui. Olha para ele. Vê se você entende. O nome dele é
Júlio.
- Vim.
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- Ela morava comigo até agora!
- Essa mulher aí! Ela morava aqui comigo, eu não sei como eu vou fazer agora.
- Como é isso?
- Cala a boca.
- Cala a boca mesmo. Sabe por quê? Porque eu estou mandando. Eu sou o
homem de verdade aqui. Eu sei chegar e dizer assim: "Vem cá. Pega aqui. Senta aqui.
Vira. Abre a boca. Vira de costas. Não mexe. Fica parada. Levanta. Anda até ali."
Coisas assim. Entendeu? Sou homem de verdade. Ela gosta porque onde eu estou eu
boto ordem.
- O que eu gosto, eu vou lá e faço. Pego as coisas que eu quero para mim. Vou
até as coisas e pego elas para mim. Coisas, pessoas. Agora você não pode mais falar.
- Porque se você não ficar quieto eu vou quebrar a sua cara. Sabe como quebra
uma cara que nem a sua? Eu cato você assim e arregaço com a sua cara. É isso que eu
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- Não. Acho que não.
- Quero.
- Espera. Olha. Pega aqui. Pode pegar. Agora mexe a mão. Deixa eu abrir o zíper
e colocar ele para fora. Olha pra ele. Abre a boca. Fica com a boca aberta. Fica parado
assim mesmo. Olha o que eu faço. Olha o que eu faço. Viu? Eu enfio ele na sua boca e
tiro. Enfio de novo. Sentiu? Está sentindo? Viu o que eu faço? Não se mexe não. Agora
eu vou tirar. Viu como eu faço? E você fica quieto. Você faz o que eu mando.
(tempo)
- Espera. Você vai embora? Ele foi embora. Ele organizou o lar aqui um pouco.
Mandou em mim. Enfiou o pinto na minha boca aberta. Ele sabe como dominar um
lugar. Eu preciso aprender a fazer isso. Pelo jeito não é tão difícil assim. É só ordenar.
Dar umas ordens. Eu não sei quais são as ordens para serem dadas. Agora por exemplo.
(tempo)
- Não sei. Agora estou sem mulher aqui. Vivendo nessa casa que não é minha.
Com esse corpo que no fundo também não é meu. Esse corpo era dela, ela foi a última
dona dele. Agora ela deixou ele aqui, virou um tipo de resto. Faz muito tempo, mais de
um ano que eles foram embora, mas eu ainda lembro de tudo. Continuei vivo, andando,
comendo, dormindo. Conheci outras mulheres. Tenho a sensação de que naquela época
eu era mais completo. Minha vida continua acontecendo, mas eu não sei como. Sei que
eu tenho ido a alguns lugares, onde me dão dinheiro em troca das coisas que eu faço ali.
Empilho coisas, lavo talheres. Outro dia uma dessas mulheres que eu conheci veio aqui
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e disse "você vai ser pai". Ela ficou grávida do meu pinto. A sua barriga já está grande e
ela veio morar aqui. A barriga está crescendo mais. Vai nascer uma pessoa de dentro
dela. Um tipo de pessoa. Que nem eu, por exemplo. Ela fica o dia inteiro jogada na
cama. Eu não sei o que fazer com isso. Quando vai nascer?
- Hoje?
- É. Talvez agora.
Ficamos aqui no hospital algum tempo já, esperando para nascer. Eu estou na sala de
espera. Ele nasceu. Estou com o bebê no colo. É pequeno, e vivo. Ele fica com os olhos
abertos. Ele olha em volta. Olha para a minha cara. De repente eu me transformei nisso.
Em um pai. Ele é muito pequeno. É muito ruim ser pequeno assim, e sem nenhuma
capacidade de sobreviver sozinho. Com medo de tudo. Eu sei o que é isso. Pai? O que
- Quero.
- É esse aqui.
(tempo)
- Pode pegar.
- Posso?
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- Pode.
- Acabou de sair.
- Está.
(tempo)
- Não sei. Em algum lugar por aí. Numa sala. Deixaram o bebê comigo.
- Não tem ninguém para olhar o bebê nesse hospital inteiro? Que absurdo! É isso
que se faz com a população. Cospe na cara dos desgraçados. Larga o bebê na mão do
- Acho que não. Ele não está com fome. Eu sei como ele está se sentindo.
(tempo)
- Assim, como?
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(tempo)
- Olha como ele move os olhos. Está vendo? Ele move os olhos em volta. Não se
fixa em nada. Ele não consegue manter o olhar parado em lugar nenhum, porque não
tem onde se apoiar. Ele se sente assim, solto, vagando, boiando em um espaço
outro, expelido para fora, que sobrou e não tem como se apoiar em nada que ele mesmo
sustente. Sabe?
(tempo)
- Você não?
- É horrível.
(tempo)
- É.
- Não sei. Alguma coisa que você não fez. Eu também não vou saber fazer. Nem
sempre é possível dar as ordens corretas. Não sei quais são as ordens. Você também não
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- Normalmente quando você sai assim você só volta depois de muitos anos. É
isso que você vai fazer dessa vez? Já saiu. Agora somos só nós dois de novo. Não sei o
que nós dois podemos fazer. Do que você precisa? Do que eu preciso? Do que o mundo
precisa? Você tem essas respostas?... A mãe dele já veio aqui, e fomos para casa. Ela
colocou a pequena boca dele no peito dela. O que você está fazendo?
- Por quê?
- Faz mal para ele, olha como ele acha que fica feliz!
- Não gosto de ver isso. Não gosto! Ele vai ficar muito, muito triste depois! Isso
vai acabar matando ele, essa ilusão de felicidade, que depois vai acabar, e ele vai ficar
decepcionado, deprimido, querer se matar e tudo o mais. Eu saio do quarto e venho para
a sala. As paredes estão muito mal pintadas. Nunca tinha me dado conta disso. São
beges. Eu nunca tinha reparado, mas elas realmente são horríveis. Elas me incomodam.
Muitas coisas de repente estão me mostrando que me fazem mal. O apartamento inteiro
parece nunca ter sido pensado para que morassem nele. O sofá fica no meio da sala, a
janela sempre esteve fechada e uma outra janela pequena tem os vidros quase brancos
de tanto tempo sem limpar. Vou pintar essas paredes pelo menos. Esse sofá está mal
posicionado. Desloco o sofá para o outro lado. Aqui fica melhor. Volto para o quarto.
Eles estão dormindo. Eu prefiro assim. Mas ainda me incomodo com a presença dessa
mulher. É feia. É ruim. O seu corpo é torto, e muito mole. É muito ruim olhar para ela.
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Tem um barulho na sala, vou ver o que é. É o meu pai que acabou de entrar pela porta
da sala.
- Eu voltei.
- Oi?
- Quando eu vi esse gesto seu, de colocar a mala no chão, senti um desgosto que
me embrulhou o estômago. Isso também é claramente algo de ruim para mim. Está
dando para perceber isso neste momento. Não coloque essa mala aí. Ela fica melhor ali.
- Onde?
- Aqui também está ruim. Ela está boa aqui. Do lado de fora do apartamento.
Depois dessa porta, pode deixar em qualquer lugar, para mim fica melhor.
(tempo)
- Não. Não vem para cá também. É bem pior para mim quando você vem. Fica
(tempo)
- Dá licença.
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- É.
(tempo)
- Nunca pensei que fosse escutar isso de você. Eu te dei tudo o que eu pude. Não
sei o que aconteceu que você agora ficou assim. Mas você pelo jeito não quer que eu
- Nesse momento eu estou sentindo isso realmente. Estou sentindo com clareza
- Sinto muito, filho. Agora chegou a sua vez de cuidar do seu pai. O seu pai
- O quê?
- Você fala umas coisas que não dá para entender. Eu só consigo ficar pensando
- Eu tenho que morar aqui. Você precisa me deixar morar aqui. Essa casa é
minha.
- Você precisa ir embora. Mas você não vai. Vai ficar aqui. Dormindo na sala
por muitos dias, meses. É concretamente uma herança indesejada. Agora ela já parou
faz alguns meses de ficar dando o peito para meu filho sugar. Ela parou inclusive de ter
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qualquer tipo de contato com o meu filho. E agora está dormindo o tempo todo lá dentro
do quarto, enfiada na cama. Com o passar dos meses, o meu filho foi parando de
chorar. Eu explico para ele com cuidado “filho, não chore, a vida é muito ruim mesmo,
em geral, você tem toda razão de se sentir desta forma, mas não adianta chorar”. Agora
ele desistiu de chorar. Às vezes eu entro no quarto para olhar para a mãe dele e ver a
desgraça da situação dela. Eu acho ela feia e gosto de tratar ela mal. Você vai ficar até
- Não sei.
- Normalmente você deveria levantar daí, fazer coisas, ir cuidar do seu filho.
- Não quero. Não quero fazer nada. Levantar dessa cama é algo de impensável
para mim. Faz muitas semanas que estou aqui. Se ninguém me trouxer nada para comer
eu vou morrer de vez. Eu era jovem, eu gostava de sexo, eu andava por aí, dançava nas
festas, conhecia pessoas. Mas de repente eu me tornei mãe e isso foi muito trabalhoso,
foi um trabalho infinito que sugou para fora de mim tudo o que eu tinha de vida em
menos de três semanas. Eu não quero mais contato com aquela criança que consome
tudo o que eu sou capaz de gerar e me mata aos poucos. Quando ele vem eu sempre
finjo que estou morta, porque quando ele vem eu morro um pouco mais, de medo e de
desgosto, por não ser o que eu deveria ser, por não ter nada em mim que eu possa dar
para ele. E então, eu fico agora enfiada nessa cama. Olhando para esse teto. Esse é o
meu horizonte. O pai do meu filho de vez em quando também vem até mim e fica me
olhando por muito tempo. Já voltou de novo aqui? Por que você não me mata logo?
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- É? E nesse caso não teria problema?
- Mas pode ser que me culpem. Pode ser que digam, "você não alimentou ela
direito. Era uma pessoa doente. Você deixou ela morrer". Aí eu vou dizer, "mas ela me
pediu para deixar ela morrer sem comida". Mas eu não sei se isso vai servir como
resposta. Pode ser que eles digam assim, "você não poderia ter deixado ela morrer,
- Não quero me matar. Me matar é muito diferente de morrer aos poucos, e por
culpa sua.
deixo você concluir um raciocínio. Vou sair deste quarto. Pode ficar aqui. Vou
economizar ao máximo com você. Você vai continuar comendo sempre o que tiver de
mais barato, e que der menos trabalho para mim. Salsicha, batata... O que foi? Por que
- Fiz xixi.
- O quê?
- Fez aí?
- Nossa, eu preciso sair daqui o quanto antes. Fique aí quieta que você acaba
secando. Eu não vou tocar nesses lençóis. Tem essa criança ali na sala. Eu cuido dessa
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criança. Você não, porque você não me causa nenhum tipo de vontade de cuidar. Você
(tempo)
- Na sala também é ruim. O meu pai está lá. Eu vou embora desse lugar aqui.
(tempo)
- Você não se move. Você precisa me fazer um sinal corporal. Eu vou deixar a
criança então, embora eu tenha um pouco de pena dele. Mas depois passa, acho. Pelo
(tempo)
(tempo)
(tempo)
- Sua puta desgraçada. Você não vai responder nada? Você não quer nem saber,
é isso? O que é isso? Você está sorrindo? É isso mesmo? Tem um sorriso na tua cara? O
que você está fazendo agora? Quer que eu enfie o pinto aí? Já entendi o seu jogo. Tá
(tempo)
(tempo)
(tempo)
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(tempo)
(tempo)
- Você me ama.
- O quê?
- Você me ama. Eu sei disso. Você um dia vai sofrer muito quando lembrar do
que me fez.
(tempo)
(tempo)
(tempo)
ainda é uma criança pequena. Faz dois anos que parou de chorar de uma vez só e não
voltou. De vez em quando o meu filho fica pendurado na janela olhando para fora. A
mulher do quarto vizinho disse que poderia olhar o meu filho para eu poder trabalhar.
Vou te deixar no quarto vizinho. Você olha ele então? Ela faz que sim. Ela liga a
televisão. Ele senta na frente da televisão. Vou para o bar hoje, não vou trabalhar.
Aprendi a fazer isso quando saí da casa onde eu vivia. Passei a ficar em bares às vezes
por horas, quieto, olhando para a rua, sem pensar em nada. Uma mulher está do outro
lado do balcão, olhando para mim. Ela está vindo para cá. Tem alguma coisa nela que é
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- Oi? O que você disse?
- Você me enche de, me deixa cheio de uma coisa. De uma dor. De vontade de
me enfiar em você.
- É?
- É. Acho que é.
(tempo)
- Não sei o que me deixa assim em você. É uma coisa totalmente diferente. Acho
- O quê?
- Eu não sei por que eu fiquei com tanta vontade de me enfiar em você.
- Aqui que você mora então? Você dorme aqui? Se veste aqui, assim? Você
- É. Deita aí.
(tempo)
- Por que você está me olhando? Por que você está nua, aqui na minha frente, me
olhando?
- Eu estou com muita vontade. Eu tenho total certeza disso, sabe, eu modificaria
tudo, absolutamente tudo para poder continuar aqui o tempo todo, na sua frente, dentro
de você, o mais perto possível desse cheiro de cigarro com cerveja misturado.
- É?
(tempo)
(tempo)
(tempo)
(tempo)
(tempo)
(tempo)
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- O quê?...
- Eu tinha dito que ia ser muito bom ou muito ruim. Foi muito bom.
- Eu poderia não fazer mais nada, nunca mais. Só isso aqui. Respirar. Com a
cabeça aqui, com a nuca encostada na sua batata da perna, inteiramente mergulhado na
- Eu também.
- Deu.
- Eu aprendi essas coisas com uma mulher que me ensinou. Pelo jeito não
- Como assim?
- Putinho. Não me fala dessas coisas. Para mim, você não teve nenhuma outra
mulher na vida inteira. Vai embora agora. Não dá para você ficar aqui.
- Depois eu volto?
- É.Ele me beijou antes de sair. Ele pegou a minha nuca e mordeu a minha boca,
ficou ofegante, segurando os meus lábios entre os dentes, como se fosse a última boca
do mundo. Saio pela manhã, tomo café na padaria, fico o dia inteiro na rua. Não tomo
banho para não tirar o cheiro de sêmen. Deixo os restos dele no meu corpo e caminho
pela cidade. Volto para casa e me masturbo. Fico deitada mais um tempo. Ele veio de
novo aqui. De novo ficamos enfiados na cama. Prefiro mandar ele embora, para
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encontrar de novo depois. De repente essa pessoa parece que ficou necessária e eu
espero ele voltar aqui no meu apartamento de novo todos os dias, como hoje, agora à
- É? Eu não sei o que isso significa. O que é querer ter um filho? O que é querer
- Eu quero que você meta muito, até gozar dentro de mim e que isso gere um ser
- Eu gostei muito de escutar o que você disse. Eu fiquei com o pinto duro
(tempo)
(tempo)
(tempo)
- Eu preciso ir por causa do meu filho. Saio do apartamento dela e fecho a porta.
Fico parado na frente da porta. É como se aqui dentro, atrás dessa porta, ficasse
guardada uma fonte, um tipo de usina, um depósito de energia armazenada. Vou para
casa revigorado e pego o meu filho na vizinha. Nós comemos, dormimos, no dia
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seguinte eu trabalho. Ele vai para a escola, e assim por diante, há muito tempo isso vem
filho cresce mensalmente alguns centímetros. A Julia não quer que eu vá morar lá. Eu
levaria o meu filho comigo e moraria lá com ela hoje mesmo. Eu já tentei diversas vezes
mas ela me impediu. Já deve fazer dois anos que eu vou e volto na casa dessa mulher.
Eu não sei mais viver sem ela. O que foi? Por que você está olhando para a minha cara?
- Estou grávida.
- Oi?
- Nada.
(tempo)
- É. Estou.
- Vai nascer uma pessoa daí de dentro. Um bebê?? Daqui a pouco vai existir esse
- É.
(tempo)
- Eu preciso ir embora.
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- Eu vou embora.
- Eu fui embora dali e fiquei tentando me distanciar dela. Foi uma sensação clara
e inevitável de não querer ver o corpo dela se deformar e de não querer ver o ser
humano sair de dentro dela e sugar tudo o que ela tem. Depois de alguns meses decidi
encontrá-la de novo. Pode até ser que o bebê tenha morrido, que ela esteja como antes.
O cara do bar disse que ela foi para o interior. Ele me deu o endereço dela. Um dia eu
vou lá. Fico muito tempo tentando me organizar para isso. De repente percebo que se a
criança tiver nascido ela já deve estar andando. Decido ir para o interior. A vizinha vai
ficar com o meu filho. Bato palmas na frente do portão. Surgiu uma criança pequena.
- Oi, Bruno.
(tempo)
(tempo)
- Assim.
(tempo)
- Come.
(tempo)
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- É. Está tranquilo.
(tempo)
(tempo)
- Que passarinhos?
(tempo)
- Bruno, isso é uma coisa maravilhosa para ele! Imagina que ele ia poder ter isso
na cidade?
(tempo)
- Na verdade eu não acho bonitinhos. Você fica mostrando isso para ele?
- Claro que eu mostro, ele adora! Quer ver? Filho. Filhinho, onde estão os
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- Mas é lindo, é a vida crescendo...
- Para mim não é nem um pouco agradável olhar para isso. Eles pedem comida o
tempo todo. Eles tem uma pelinha rosa, meio transparente, uma coisa estranha que dá
para ver o corpo deles por dentro um pouco... Onde está a mãe deles?
(tempo)
- Outro dia entrou um cara aqui.Um ladrão... pela janela do quarto do Julio, eu
- Júlio?
- É. Mas não fez nada. Como eu fiquei quieta, ele foi tranquilo. Mas não tem o
que fazer. Eu moro aqui sozinha. Imagina, só uma mulher e o filhinho, eles sabem que é
fácil roubar.
(tempo)
- Como assim?
- Não. Você pode vir para ver ele se quiser. Mas não vai ficar aqui.
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- Nossa. Estou com o pinto duro.
- É?
- É. Vai.
- Mas eu achei que a gente pudesse transar talvez. Você continua me dando
vontade de transar com você. Eu lembro muito disso. É muito bom sentir o seu cheiro
de novo.
- Então olha bem para a minha cara e tenta escutar cada palavra que eu estou te
dizendo. Vai embora. Se você insistir de alguma maneira em ficar, eu vou chamar a
polícia. Aí eles vem aqui, te pegam e te impedem mesmo, fisicamente. Sabe como é,
- O vínculo está sendo cortado agora. Na verdade faz tempo que ele se desfez
completamente mas de alguma forma se manteve dentro da sua cabecinha. Agora ele
- Pode ser que sim. A não ser que eu passe a viver com outra pessoa.
- Nossa. Eu estou sentindo a pior dor de toda a minha vida. Por favor, fala de
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- Pode ser que eu viva com outro homem aqui. E ele vai ser o pai do menino. E
- É como se você enfiasse uma tesoura aberta dentro da minha barriga, fechasse
as lâminas, cortando alguns órgãos, e depois torcesse a tesoura, dando um nó. Então eu
vou embora assim? É isso que eu faço. Não existe vínculo. Nem mesmo dentro da
minha cabecinha pequena e mole. Eu volto para a pensão onde vivo com o meu filho,
durmo, acordo, me alimento. Repito isso muitas vezes e nada no meu interior se
todos os dias daquela mulher. O meu filho está sentado no chão comendo um pedaço de
pão. O meu emprego está muito melhor do que antes. Fiz um curso de inglês e trabalho
no aeroporto. Acho que o meu filho está utilizando drogas. Eu não sei se eu quero saber
sobre isso, mas de alguma forma eu sinto que deveria perguntar. Você está usando
drogas?
- Eu?
- É.
- Por causa da sua cara. Você está com cara de drogado. Você só fica olhando
(tempo)
- Eu não sei o que fazer com essa informação, agora... Eu, enquanto seu pai. Não
tenho a menor ideia do que eu devo fazer. O que eu devo fazer? Você não pode fazer
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isso, acho, usar drogas... Não é permitido... Sabe? É ruim para você, é melhor você não
- É.
- Posso.
- Você pode ser preso. Para de usar drogas entendeu? Acho que é isso que você
- Tá. Parei, então. Saio. Vou encontrar algumas pessoas.Fico aqui na ruasem
fazer nada, olhando as pessoas na praça, pulando com os skates no concreto. Eu começo
a cheirar um saco de cola que chegou na minha mão. Tem um riso saindo de mim. Eu
não tenho poder sobre esse riso. Tenho a sensação de que estou rindo há muitos
minutos. Caí no chão agora, sinto a pele da minha cara roçando no cimento do chão.
olhando. Ele me entregou uns saquinhos que eu vou vender. Comecei a passar umas
drogas também há um tempo, como uma maneira provar para o meu pai que eu consigo
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encher o meu cu de grana rapidinho, enquanto ele fica fazendo um monte de merda e
não consegue nada, porque ele é cuzão pra caralho. Eu não, eu pego e corro o risco, eu
sei que eu posso me fuder, mas eu vou ficar esperto e vou encher o meu cu de grana e
sair daquela merda, vou morar em um apartamento foda, ter grana. Eu fico indo até o
apartamento onde eu moro com ele, olho para o meu pai com uma superioridade secreta.
Ele não sabe como eu estou começando a ganhar grana pra caralho já. Ele fica me
olhando.
- Que coisas?
- É sobre um outro filho que eu tenho, com uma mulher. Essa mulher ficou
- É, né? Vou mais cedo para o trabalho. Qual é o meu trabalho? Receber as
muito tempo trabalhando aqui. Mais de dois anos. Hoje o aeroporto está cheio. Algumas
documentos que elas me entregam. Normalmente é a última coisa que elas dizem.
"Lerdo", "Tonto", coisas assim. Na verdade é bom trabalhar aqui. Isso acaba virando
uma distração, mesmo. O meu filho tem toda a razão quando ele me manda fazer coisas.
Já faz muitos meses que eu parei quase totalmente de pensar o dia inteiro naquela
mulher. Aqui eu sei o que eu tenho que fazer. Não tenho nenhuma dúvida. Não fico com
medo de errar. É só fazer as coisas que tem para serem feitas. Tarefas. Eu gosto muito
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de tarefas. Eu cuido bem do que eu faço. Um chefe deve saber reconhecer isso. Na
verdade o meu chefe não reconheceu isso e me demitiu ontem. Eu estava muito
desatento, ele disse. Agora eu não sei para onde ir de novo. Trabalhei um pouco de
garçom, alguns meses, mas me disseram que eu não era bom o bastante para aquele
quando. Ontem me deu a ideia de tentar esquecê-la por meio de outra mulher. Por meio
- Você envelheceu. Continua jogada aí? Não está um pouco louca? Não
responde mais nada? Onde está o meu pai? Posso meter o pinto em você? É porque eu
encontrei uma mulher que eu realmente amei, mas ela me impediu de estar com ela,
(tempo)
(tempo)
(tempo)
(tempo)
(tempo)
(tempo)
- Obrigado. Na verdade não adiantou nada. Caminho pela cidade e não estou
nem um pouco melhor, continuo pensando na Julia, mas o meu pinto desaguou um
pouco. Volto para casa, trabalho, como, durmo. Agora o meu filho começou a ajudar a
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comprar coisas para a casa. Continuo arrumando trabalhos e vivendo, por vários meses,
forma. Eu quase nunca lembro da Julia e vivo por aí fazendo coisas. De repente me vem
a ideia de levar o meu filho até a casa do meu pai. Eu li em uma revista que a tradição
familiar é muito importante para as pessoas. A porta da sala está entreaberta, o meu
- Criança?
- O bebê.
- Nasceu ontem. No hospital. Puxaram esse corpo para fora dela e deram pra
mim. Mas eu pedi para colocar ali. Eu acho que vai morrer, se já não estiver morta.
- Morta?
- É. Ela também.
- É sua, Bruno.
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- Minha? Como você conseguiu engravidar e ter uma filha? Você não morreu
ainda
- Pega ela. Precisa dar leite. Senão vai morrer em pouquíssimo tempo.
- É.
- Tipo, ficou grávida e tudo? E teve uma filhinha? Quando você fez isso?
(tempo)
- O seu pai foi um anjo. Ele me dá um pouco de comida quando eu tenho fome.
- Que coisa horrível. É muito ruim para mim fazer parte disso tudo aqui. Eu
odeio estar aqui com vocês dois. Esse bebê está praticamente morto. Ela não chora
porque já desistiu.
- Ela chorou muito de ontem para hoje. Mas eu não peguei. Eu tenho medo de
fazer mal.
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- Eu não vou morrer ainda, filho.
- Isso é muito ruim. Fiquem dentro desse quarto. Vou levar ela para fora. Olhe
(tempo)
(tempo)
- Tem leite.
- Pega isso. Vamos dar leite para esse bebezinho. Quem está aí? Veja na porta.
(tempo)
- Uma velha.
- É.
(tempo)
- Oi, Bruno.
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- Oi mãe.
(tempo)
- Não sei, mãe. Eu não saberia contar. Mas eu fiquei trabalhando, tendo filhos,
coisas assim.
- Bom, o que importa é que... Você está com saúde. Não está?
- Você vai dar leite para ela? Onde está a mãe dela?
- Ela está morrendo há muito tempo. Há vários anos. Desde que ela teve o outro
filho. Ele.
- Eu.
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- Dezesseis.
- E o seu pai?
(tempo)
(tempo)
- Ela é velha.
(tempo)
(tempo)
- Então sai.
(tempo)
- Você consegue tomar isso aqui? Se você não comer nada, você vai morrer bem
(tempo)
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- Pode ser que você esteja em dúvida, se é melhor se manter viva, ou não. Eu
(tempo)
- Eu fiquei algum tempo aqui. Observando você alimentar a minha neta. Você é
um ótimo pai.
(tempo)
- Dentro do quarto está escuro. O seu pai está deitado ao lado daquela mulher,
acariciando a cabeça dela. Eu acho que ele deve ter penetrado ela.
- É?
- Deve ser.
- Isso seria problema deles. Você pode levar ela de volta lá para dentro e ir
embora.
- Você está me aconselhando a deixar ela morrer ali dentro, com eles?
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- Assim você não precisa cuidar para o resto da vida de mais um bebê, alimentá-
- Não morre não. Um bebê como esses dura muito antes de morrer por conta
própria. Mas isso não vai ser mais problema seu. Aproveita. Depois vai ficar impossível
se livrar.
(tempo)
- Você estaria só devolvendo ela para os pais. Por enquanto você não é pai. É só
- Mãe, por que você está me dando esse conselho? Eu nunca esperaria isso de
você.
- Eu?
- É. Eu vim atrás de você para isso, para te ver feliz. Quero voltar a morar aqui,
aposentadoria. Você vai poder comprar algumas coisas que você quiser, passear, não
sei. Eu só quero poder ficar aqui para garantir que vai ficar tudo bem. Faz mais de vinte
anos que eu não te vejo. Sabia que eu ia te encontrar de novo, para poder te dar o
dinheiro. Coloquei nessa bolsa. Você pega isso vai embora. O seu primeiro filho já está
crescido, você pode deixar ele comigo, e essa filhinha não é sua, você deixa ela com a
mãe dela, pega esse dinheiro e vai ser feliz em qualquer lugar do mundo.
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- Eu tenho ainda um outro filho.
- Por que ela não quis que você ficasse? Deve ser louca. Deixa ela para lá então.
Pega isso e vai. Pega. Por que você não está segurando a bolsa que eu estou te dando?
(tempo)
(tempo)
(tempo)
- Nossa. Também é muito ruim para mim quando você está por perto, mãe.
(tempo)
- O quê?
anos. Estar perto de você chega a ser pior do que estar perto do meu pai.
(tempo)
- Não vai ser possível. Sai de perto de mim. Eu estou com muita vontade de te
atacar. De te causar dor física, mesmo. De pegar a sua cabeça e bater com ela no chão
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até abrir um racho. Eu sei o que eu quero, agora. Isso ficou claro para mim de repente.
Eu quero te machucar.
(tempo)
- Você não é bem vinda aqui. Olha como eu faço, te empurro para fora da minha
- Estou.
- Tenta sentir bem mais forte. Agora eu estou me vingando mesmo, de tudo o
que você me fez de mal. Meu pai não me fez quase nada. Ele quase não esteve presente.
Então, ele me fez só um pouco de mal. Mas você me fez muita coisa. Muita coisa ruim.
(tempo)
- Você é a pessoa mais ingrata e cruel que eu já vi. Você não percebe tudo o que
(tempo)
(tempo)
(tempo)
(tempo)
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- Você não vai ficar aqui, mãe.
- Vou. Olha como ela estava com sede. Agora está dormindo!...
- Sai daqui mãe. Vou te empurrar de novo até o lado de fora. Como se você
fosse uma pomba que fica voltando e eu preciso espantar. Fica aí. Do lado de fora. Vou
trancar a porta. Você agora está dormindo, digerindo o leite que tomou. Agora você não
vai mais morrer de fome. Vou deitar dormir também um pouco. Quem está aí? Que
horas são?
- Estou voltando para casa, pai. É madrugada agora. Aquela velha está aqui na
porta.
- A sua avó?
- É.
- Mandar?
- É, né?
(tempo)
- Vó. Sai daqui. O meu pai está pedindo isso. Você precisa ir embora. Se você
não for embora eu te mato com as minhas mãos, quebro todos os ossos da sua cabeça,
eu não tenho nenhum medo de fazer isso. Já matei um cachorro com um martelo. Eu
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dono quase morreu também, sem conseguir respirar, porque a gente segurou ele e fez
com que ele assistisse tudo. Eu não tenho nenhum vínculo com você, e mesmo que eu
tivesse um vínculo com você eu não teria problema em te espancar até a morte.
(tempo)
- Você sabe falar com firmeza? Com quem você aprendeu isso?
estava enchendo o meu cu de grana. Ia tacar a grana na sua cara e te mostrar como você
é trouxa.
(tempo)
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- Filho, você é muito estranho.
(tempo)
- Tá. Eu vou ficar. Eu vou obedecer o meu próprio filho. Ele tem clareza das
coisas. Ele é um homem de verdade? Com quem ele aprendeu isso? Não tenho a mínima
ideia! O seu irmão foi embora. A sua mãe está dentro do quarto com o meu pai. Nós
estamos vivendo assim há anos. Eu nunca mais consegui sair daqui, porque estou
cuidando da criança e não tenho como pagar aluguel porque não consigo emprego fixo
nenhum. Estão enfiados no quarto. Eu fico por aqui, trabalho, deixo a menina na creche,
pego ela depois, estou trabalhando de forma passageira como cuidador de cavalos na
hípica. Eles disseram que eu faço isso bem. Estamos aqui eu e você, filha. Talvez o meu
pai já tenha morrido. Você agora já está andando. Eu saio para trabalhar e levo ela
comigo. Eu não sei mais de nada sobre o que tem dentro do quarto há mais de dois
meses. No fundo eu prefiro deixar mais algum tempo fechado, para que eles morram de
vez lá dentro. Não tem nenhum ruído vindo lá de dentro. Que barulho é esse na porta do
- Alguns anos. Dá pra ver pelo tamanho dela. Ela já cresceu muito.
- É verdade.
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- Deixa eu sentar aí no sofá. Levanta daí para eu poder sentar, pai. Só mora você
aqui?
- Não. Tem o meu pai e a sua mãe. Eles ainda estão ali dentro. Não sei se ainda
estão.
- Não.
- Não quero.
- Mas eu não estou querendo ver. Eu tenho medo de eles virem falar comigo.
Olha você.
- Eu não vou olhar. Olha lá. Você às vezes demora para entender o que deve ser
feito. Se precisa então eu te empurro. Vai lá para dentro. Se não der para ver direito abra
a janela.
- Entra assim mesmo! Não perguntei sobre o cheiro, he, he!... Você é engraçado
pai! Fica fazendo uns comentários, né? Não entendo essas coisas que você fala só por
falar. Ele faz isso bastante. Na cadeia também tinha uns caras assim. Eles faziam isso
por medo. Agora, se o cara ficava com medo demais a gente enrolava ele no cobertor e
enfiava várias facadas nele por todos os lados. Depois, dá para arrancar a cabeça. Fica
parecendo um... Um peixe morto, sabe? Por que você está com essa cara.
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- Eles já estão podres lá dentro. Umas partes estão pretas, de tantas moscas.
- Então o melhor é enrolar em uns plásticos. Enrola lá que depois eu tiro daqui,
- Ué. Tudo. Limpo tudo de uma vez, entendeu? He, he, você parece que não
entende o que eu falo, pai! Que engraçado isso... Enrola eles em uns sacos por enquanto.
(tempo)
(tempo)
- Muito ruim.
- Não.
- É todo o mundo ruim. Você nunca devia ter me deixado cair lá.
- Esse é o seu problema. Nada do que você faz adianta. Você continua sendo um
mal.
- Um mal?
- É. Terminou de ensacar?
- Onde?
- Me matar?
- É. Para ficar com o apartamento para mim. E porque eu quero te matar mesmo.
- Espera, mas você quer me matar, só que você não pode fazer isso!...
- Por que você quer me matar? Eu vou embora, você fica com a casa.
(tempo)
- É. Mas não faz nenhuma diferença você saber ou não. De qualquer forma você
representa. Daqui a pouco você vai estar morto, vai ser um corpo mole e sem vida.
(tempo)
- O que é isso.
- Trouxe da cadeia. É uma faca enferrujada e mal afiada. Olha. Olha isso que eu
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- Espera! Quantos anos você tem mesmo?
- Dezenove. Olha aqui. Eu subo em cima de você, piso na sua cara e enfio a faca
na sua barriga, pai. Olha, olha isso! Vai, vai, vai, vai, vai!!!
(tempo)
- É. Cinco vezes. Pelos lados aqui, que é para pegar em vários órgãos. Vai
morrer com toda a certeza em alguns segundos. Vem um pessoal mais tarde aqui.
Vamos zuar pra caramba com isso tudo. Com você também. Sabe como é? Aqui em
- Não entendo. Como assim, liberado? O que não estava sendo liberado? Não
- Tudo bem. Para mim não é necessário que você entenda. Morre assim mesmo
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- Pra provar que agora já era.
- Tudo isso. Você. Acabou. Agora eu mando aqui de forma definitiva. Eu bebi o
- Não, é só para te mostrar mesmo. Olha. Estou bebendo o seu sangue. Você já
(tempo)
- Deixa eu ligar a câmera antes. Vou colocar a máscara de volta. Vou filmar isso
aqui pai, você morrendo e tal, e eu me aproveitando da situação para curtir, pra zuar
mesmo.
- Como assim? Por que você vai querer filmar agora?... E a sua irmã... Você
- Isso aqui? É uma dança, sabe? Olha o que eu faço pai. Te matei e fico só na
dancinha. Com o pinto pra fora e tudo. Olha como o meu pinto é grande, pai! Tenta
abrir os olhos. Não consegue mais né? Já era! Não, espera, olha! Está indo agora! Olha
(tempo)
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