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SCHNAIDERMAN
é professor aposentado
da FFLCH-USP, tradutor e
ensaísta. É autor de, entre
outros, Dostoiévski Prosa
Poesia (Perspectiva).
s
artigo “Um Mergulho no Universo
Álvaro Machado (org.), de Aleksandr Sokúrov”, publicado
São Paulo, Cosac & Naify, no jornal O Estado de S. Paulo em
2002. 5 de janeiro de 2003.
A arca de
o
BORIS SCHNAIDERMAN
r
v
i
l
Sokúrov
REVISTA USP, São Paulo, n.56, p. 203-205, dezembro/fevereiro 2002-2003 203
outros, que não temos a mesma rica vivência
de filmes e estamos muito marcados pela
montagem e pela própria teorização de
Eisenstein, só podemos admirar, mesmo
assim, o belo trabalho realizado por
Sokúrov, embora cônscios de que, neste
caso, a própria superação leva em conta os
grandes resultados obtidos anteriormente.
(Devo fazer uma confissão: eu só li a
respeito do agora famoso “plano-seqüên-
cia” depois de ver Arca Russa. Pois bem,
assisti ao filme como se estivesse vendo
uma criação eisensteiniana: em meu “cine-
ma interior”, as imagens foram se agrupan-
e
do contrapostas, muitas vezes com um sen-
tido metafórico. Por exemplo, as figuras de
mbora uns poucos filmes El Greco e de Rembrandt, em sua espiritua-
de Aleksandr Sokúrov já lidade profunda, contrapunham-se às tra-
tenham aparecido em São vessuras dos jovens oficiais com suas com-
Paulo, foi somente com a panheiras, numa das escadarias do Palácio
26a Mostra Internacional de Inverno. Assim, se houve uma revolu-
de Cinema (em outubro de ção no cinema, com aquele “plano-seqüên-
2002) que nosso público cia”, ela aconteceu diante de meus olhos,
tomou realmente contato com um conjunto mas não foi percebida por mim. Surge,
maior. Isto se deu com surpreendente atra- porém, uma dúvida: além de um hábito
so, pois eles são muito conhecidos na Euro- pessoal de agrupar as imagens numa se-
pa e nos Estados Unidos desde a década de qüência de montagem, aquela contrapo-
80 e causaram ali sensação nos festivais mais sição não terá muito de eisensteiniano, mes-
importantes. Por conseguinte, nada mais mo com a ausência completa de cortes?)
oportuno do que o livro de ensaios sobre a Aliás, o ensaísta chega a atribuir ao pro-
sua obra, publicado pela Cosac & Naify. cedimento do diretor um sentido filosófico:
Ele se inicia com um texto do organi-
zador do volume, Álvaro Machado, “O “Imagens virtuais da memória do Her-
Planeta Sokúrov”. Era necessário, realmen- mitage mescladas a suas imagens atuais –
Acima, cena te, dar aos leitores uma série de informações, é isso que o cinema digital de Sokúrov am-
do grande baile mas o autor não se limitou a isso, transmitin- biciona capturar. A opção por registrá-las
do também sua própria visão da obra, a par de numa única e fantástica tomada não é um
que encerra
formulações muito felizes, como, por exem- capricho – o continuum é absolutamente
o filme Arca plo, a afirmação de que Sokúrov tem uma necessário como experiência do movimen-
Russa habilidade rara de “transformar materiais de to do espírito em contato com os ‘espíritos
arquivo em manifestos urgentes”. do lugar’. Não pode haver montagem, por-
O texto de Laymert Garcia dos Santos, que nesse encontro não há interrupção, mas
“Entrando na Arca Russa”, é sobretudo um apenas percepção direta do labirinto da me-
ensaio muito bem articulado. Ressaltando, mória; não pode haver corte, mas apenas
de início, que “antes ou depois da filma- fluxo; não pode haver dialética porque não
gem, antes ou depois da exibição, o que há pólos em oposição; a rigor, não pode
torna Arca Russa um filme único é sua exe- haver pensamento, porque tudo se passa no
cução num formidável plano-seqüência de plano da experimentação”.
96 minutos”, ele afirma uma verdadeira re-
volução no cinema, que teria chegado as- Laymert está certo quando aponta para
sim à “mise-en-scène quase insana”. Nós a “arca russa”, com a sua clara alusão à