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INOVANDO O ENSINO DE BIOLOGIA ATRAVÉS DO TRABALHO COLABORATIVO DE


PESQUISADORES EDUCACIONAIS E PROFESSORES-INVESTIGADORES

Resumo
Mariangela Cerqueira Almeida
Este trabalho relata resultados do projeto “Desenvolvimento e Teste de
Graduada em Ciências Biológicas (UEFS).
Sequências Didáticas para o Ensino Médio de Biologia em Redes Colaborativas
Estagiária do Grupo Colaborativo de Pesquisa em
de Professores e Pesquisadores”. O projeto apresenta como resultados a
Ensino de Ciências (UEFS).
manutenção de uma comunidade virtual de prática para professores de biologia
almeida.biologia@gmail.com
do estado da Bahia e de outros estados, a ComPratica; a implantação de
Núcleos de Pesquisa em Ensino de Ciências (NUPECs) em três escolas públicas
Thiago Serravalle de Sá
do Estado da Bahia; a construção de um modelo de pesquisa colaborativa
envolvendo professores-investigadores do ensino médio e pesquisadores
Mestrando em Ensino, Filosofia e História das
universitários, além de licenciandos, graduandos e pós-graduandos; o
Ciências (UFBA/UEFS). Graduado em Ciências
desenvolvimento de novas concepções e ferramentas para a pesquisa
Biológicas (UEFS). Pesquisador do Laboratório de
educacional realizada pelo professor-investigador do ensino médio; e a
Ensino, História e Filosofia da Biologia
construção e investigação de três inovações educacionais, voltadas para o
(LEHFIBio/UFBA). Thiago.de.sa@gmail.com
ensino de evolução, de biologia celular e de reações químicas.
Ana Lucia Albuquerque Costa Pereira Amarante
Palavras-chave: Inovações educacionais. Sequências didáticas. Pesquisa
colaborativa. Comunidade de prática.
Professora do Instituto de Educação Gastão
________________________________________________________
Guimarães (IEGG), Feira de Santana-BA.
Graduada em Ciências Biológicas (UEFS).
Claudia de Alencar Serra e Sepulveda
Especialista em Política do Planejamento
Pedagógico (UNEB). Professora-Investigadora do
Professora do Depto. de Educação (UEFS). Mestre e Doutora em Ensino,
Grupo Colaborativo de Pesquisa em Ensino de
Filosofia e História das Ciências (UFBA/UEFS). Coordenadora do Grupo
Ciências (UEFS) analuciaamarante@yahoo.com.br
Colaborativo de Pesquisa em Ensino de Ciências (UEFS).
causepulveda@ig.com.br
Vânia Jaciara Bispo Costa
Cássia Regina Reis Muniz
Professora do Colégio Estadual Hermano Gouveia
Neto, Lauro de Freitas-BA.Graduada em Ciências
Professora do Colégio da Polícia Militar (CPM), Unidade Dendezeiros, Salvador-
Biológicas (UFBA). Professora-Investigadora do
BA. Graduada em Ciências Biológicas (UFBA). Professora-Investigadora do
Laboratório de Ensino, História e Filosofia da
Laboratório de Ensino, História e Filosofia da Biologia (LEHFIBio/UFBA).
Biologia (LEHFIBio/UFBA).
casmuniz@gmail.com
vaniajaciara@yahoo.com.br
Vanessa Perpétua Garcia Santana Reis
Natália Rodrigues da Silva
Professora do Instituto de Educação Gastão Guimarães (IEGG), Feira de
Professora do Colégio da Polícia Militar (CPM),
Santana-BA. Bióloga-Analista Universitária da UEFS. Graduada em Ciências
Salvador-BA. Graduada em Ciências Biológicas
Biológicas (UEFS). Mestre em Ciências Agrárias (UFBA). Professora-
(UFBA). Especialista em Novas Metodologias da
Investigadora do Grupo Colaborativo de Pesquisa em Ensino de Ciências
Educação (FBB). Professora-Investigadora do
(UEFS). vanesreis@yahoo.com.br
Laboratório de Ensino, História e Filosofia da
Biologia (LEHFIBio/UFBA)
Jorge Bugary Teles Junior
nataliagreen20017@yahoo.com.br
Professor do Colégio Estadual Hermano Gouveia Neto, Lauro de Freitas-
Maria Aparecida dos Santos Santana
BA.Graduado em Ciências Biológicas (UCSal). Especialista em Competências
Educacionais (FTC). Professor-Investigador do Laboratório de Ensino, História e
Graduanda em Ciências Biológicas (UFBA).
Filosofia da Biologia (LEHFIBio/UFBA). jbugary@hotmail.com
Estagiária do Laboratório de Ensino, História e
Filosofia da Biologia (LEHFIBio/UFBA)
Maria da Conceição Lago Carneiro
kcatbio@hotmail.com
Professora do Instituto de Educação Gastão Guimarães (IEGG), Feira de
Anna Cássia de Holanda Sarmento
Santana-BA. Bióloga-Analista Universitária da UEFS. Graduada em Ciências
Biológicas (UEFS). Especialista em Educação Ambiental para a Sustentabilidade
Professora do Colégio da Polícia Militar (CPM),
(UEFS). Professora-Investigadora do Grupo Colaborativo de Pesquisa em
Unidade Dendezeiros, Salvador-BA. Graduada em
Ensino de Ciências (UEFS). concelago@gmail.com
Ciências Biológicas (UCSal). Especialista em
Competências Educacionais (FTC). Professora-
Valter Alves Pereira
Investigadora do Laboratório de Ensino, História e
Filosofia da Biologia (LEHFIBio/UFBA)
Professor do Colégio da Polícia Militar (CPM), Salvador-BA. .Graduado em
anna.cassia01@hotmail.com
Ciências Biológicas (UCSal). Mestrando em Ensino, Filosofia e História das
Ciências (UFBA/UEFS). Professor-Investigador do Laboratório de Ensino,
Charbel Niño El-Hani
História e Filosofia da Biologia (LEHFIBio/UFBA). valteralves10@yahoo.com.br
Professor Associado I do Instituto de Biologia
Tânia Costa Caldas
(UFBA). Graduado em Ciências Biológicas (UFBA),
Mestre em Educação (UFBA), Doutor em
Professora do Colégio Estadual Hermano Gouveia Neto, Lauro de Freitas-
Educação (USP). Coordenador do Laboratório de
BA.Graduada em Ciências Biológicas (UFBA). Professora-Investigadora do
Ensino, História e Filosofia da Biologia
Laboratório de Ensino, História e Filosofia da Biologia (LEHFIBio/UFBA).:
(LEHFIBio/UFBA). charbel.elhani@pq.cnpq.br
taniacostacldas2@hotmail.com
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1 INTRODUÇÃO

Este trabalho relata resultados do projeto “Desenvolvimento e Teste de Sequências


Didáticas para o Ensino Médio de Biologia em Redes Colaborativas de Professores e
Pesquisadores” (PET0005/2009), apoiado pelo Edital n.008/2009 da SEC/IAT e da
FAPESB, “Apoio à Pesquisa com Foco em Inovações Educacionais”. O projeto teve o
seguinte objetivo geral: elaborar, aplicar e avaliar sequências didáticas1 sobre temas
variados do ensino de biologia, a partir de discussões feitas entre professores numa
comunidade virtual de prática. Ao longo do mesmo, contudo, não somente este objetivo
geral foi cumprido, mas também uma série de outros resultados adicionais foi alcançada.
O projeto apresenta, entre seus resultados, a manutenção de uma comunidade de
prática (LAVE; WENGER, 1991; WENGER, 1998)2 para professores de biologia do estado
da Bahia e de outros estados implementada em meio virtual, a ComPratica (El-HANI;
GRECA, 2009, no prelo). Além disso, ele resultou na implantação de Núcleos de Pesquisa
em Ensino de Ciências (NUPECs) em três escolas públicas do Estado da Bahia, criando
um lócus institucional para a pesquisa nestas escolas. Outro resultado importante diz
respeito à construção de um modelo de pesquisa colaborativa envolvendo professores-
investigadores, situados nas escolas do ensino médio, e pesquisadores universitários,
além de licenciandos, graduandos e pós-graduandos. Atualmente, estão envolvidos neste
trabalho colaborativo professores de seis escolas públicas, sendo também um indicativo do
sucesso do projeto a duplicação da rede de escolas, em relação àquelas que estiveram
engajadas no mesmo desde o início (em número de três). Além disso, este trabalho
colaborativo também resultou no desenvolvimento de novas concepções e ferramentas
para a pesquisa educacional realizada pelo professor-investigador do ensino médio. E, por
fim, temos a construção e investigação, em várias salas de aula das três escolas
envolvidas, de três inovações educacionais3, voltadas para o ensino de evolução, de
biologia celular e de reações químicas. Nas seções seguintes, discorreremos brevemente
1
A expressão “sequência didática” está usada com sentido próximo ao proposto por Zabala (1998, p. 18), referindo-se a um conjunto de
atividades ordenadas, estruturadas e articuladas para a realização de certos objetivos educacionais, que têm um princípio e um fim
conhecidos tanto pelos professores como pelos alunos.
2
Sobre comunidades de prática de professores, ver Barab et al. (2002), Schlager et al. (2002), García et al. (2005, 2008), Dalgarno;
Colgan (2007). Sobre o papel das comunidades de prática na aproximação entre universidade e sociedade, ver Buckley; Du Toit (2010).
3
Inovações educacionais são aqui entendidas como intervenções educacionais desenvolvidas, aplicadas e avaliadas de modo
colaborativo por professores de diferentes níveis de ensino para solucionar problemas da prática pedagógica e/ou da aprendizagem, que
tenham um caráter emancipatório e não regulatório. Segundo propõe Veiga (2003), a inovação emancipatória (ou edificante) se
caracteriza por buscar o diálogo com saberes locais e diferentes atores, realizar-se em um contexto que é reconhecido como histórico e
social, implicar rupturas epistemológicas e ter lugar em situações concretas nas quais quem as aplica está existencial, ética e
socialmente comprometido com o impacto da aplicação. Deste modo, a inovação emancipatória se opõe ao caráter normativo, regulador,
burocrático e uniformizador das inovações regulatórias.
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sobre cada um destes resultados.

2 A COMPRATICA

Na comunidade virtual de prática ComPratica, professores do ensino médio,


licenciandos, pesquisadores educacionais, graduandos e pós-graduandos interagem
regularmente, o que resulta em desenvolvimento profissional dos professores em serviço e
em formação, bem como na construção e discussão de inovações educacionais, fomento a
novos projetos de investigação etc. A ComPratica foi criada em 2007, com apoio do CNPq,
e sua manutenção nos anos de 2009 a 2011 foi possível devido ao apoio fornecido no
âmbito do presente projeto. Atualmente, a comunidade conta com 119 participantes, a
maioria deles professores de Biologia do ensino médio.
A ComPratica foi pensada e implementada como uma ferramenta para, de um lado,
diminuir a lacuna pesquisa-prática4 no ensino de ciências e, de outro, promover o
desenvolvimento profissional de professores (ERAUT, 1994; MCINTYRE, 2005).
Como argumenta McIntyre (2005), a superação da lacuna pesquisa-prática depende
de um duplo movimento: do conhecimento produzido pela pesquisa rumo às
particularidades das salas de aula, por meio do desenvolvimento e da implementação
gradual de propostas para a prática pedagógica, e do saber experiencial dos professores
rumo a um maior grau de generalidade e, portanto, a uma maior facilidade de ajuste a
novas situações, a partir da reflexão docente. Estes movimentos são mais poderosos e
empoderadores se professores e pesquisadores estiverem reunidos em grupos
colaborativos, nos quais todos atuem como pares, em relações menos verticalizadas do
que as que costumam ocorrer na pesquisa educacional.
No projeto, este duplo movimento, da pesquisa para a prática, e da prática para a
pesquisa, culmina na execução de projetos de investigação situados nas salas de aula dos
professores e construídos em consonância com seus interesses e suas preocupações.
Estes projetos são conduzidos por meio do modelo de pesquisa colaborativa discutido na
seção 4.
Como mencionado acima, a ComPratica é também uma ferramenta de
desenvolvimento profissional dos professores, entendido aqui como um processo que se
inicia na formação inicial, mas se estende por toda a vida dos professores, ao longo de

4
Sobre lacuna pesquisa-prática, ver, por exemplo, Pekarek et. al. (1996), Kennedy (1997), McIntyre (2005), Pena; Ribeiro Filho (2008) e
Vanderlinde; Van Braak (2010)
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toda a carreira docente. Como sugere Gatti (1992, p. 73), a profissionalização de


professores deve ocorrer num continuum, desde o período de formação inicial até a
formação continuada. O presente projeto, em seu caso particular, incide sobre aspecto
específico da formação docente, o desenvolvimento da capacidade do professor como
investigador de sua própria prática, que tem sido largamente reconhecida na literatura
como um fator importante do desenvolvimento profissional docente (MOREIRA, 1988;
COCHRAN-SMITH; LYTLE, 1999; THORNLEY et. al., 2004; VOGRINC; ZULJAN, 2009;
HULME et al., 2009; VILLANI et al., 2009; CHRISTIE; MENTER, 2009). Além disso, este
desenvolvimento tem lugar no contexto de projetos de pesquisa estruturados na forma de
intervenção em sala de aula, tendo como resultado a produção de inovações educacionais,
mas, mais do que isso, inovações educacionais investigadas no contexto das próprias
escolas, com envolvimento dos professores-investigadores do ensino médio em todas as
etapas da pesquisa e, em geral, tomando como base questões de pesquisa oriundas da
prática dos próprios professores.

3 OS NUPECs

Também com apoio do projeto financiado pela FAPESB e SEC-IAT, foram


implantados Núcleos de Pesquisa em Ensino de Ciências (NUPECs) nas três escolas
parceiras (Colégio da Polícia Militar, Unidade Dendezeiros; Instituto de Educação Gastão
Guimarães, Colégio Estadual Hermano Gouveia Neto). Estes núcleos são equipados com
materiais bibliográficos, equipamentos e materiais de consumo necessários à pesquisa
docente. Contudo, o mais fundamental é que núcleos desta natureza são de grande
importância quando pensamos em tornar a pesquisa e inovação mais do que iniciativas
pontuais, dependentes da parceria com a universidade, mas características das próprias
escolas, de modo que gozem de maior autonomia e, ainda que a parceria com a
universidade seja desejável, deixe de ser um requisito necessário para o engajamento com
a pesquisa e inovação. É dessa maneira que poderá ocorrer, acreditamos, a multiplicação
do efeito da pesquisa e da inovação no sistema escolar, de tal modo que possamos chegar
a escolas e sistemas escolares produtores de conhecimento, como proposto por
Hargreaves (1999).
Pesquisadores educacionais e seus grupos de pesquisa podem, isoladamente,
interagir com dezenas a, quando muito, centenas de professores. Mudanças num sistema

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educacional do porte do brasileiro requerem, contudo, um impacto na escala dos milhares


de professores, o que somente será possível por meio de uma abordagem institucional do
problema. Esta abordagem institucional é necessária para uma mudança mais sistêmica,
que possa disseminar a pesquisa e a inovação pelo sistema educacional como um todo,
deslocando-o na direção da produção de conhecimento que possa acarretar melhorias no
ensino, na gestão escolar, na aprendizagem estudantil.
O desafio em questão é a conquista de um espaço institucional e de um mérito
próprios da pesquisa docente, de modo que os professores possam realizá-la em seu
ambiente de trabalho (LÜDKE, 2005). Isso pode ser conseguido, primeiro, se os
pesquisadores forem até a escola, como tem ocorrido no presente projeto, e imergirem de
fato nas salas de aula para realizar a pesquisa junto com os professores. Mas, em
segundo lugar, é preciso também criar espaços sociais concretos para a pesquisa nas
escolas, o que foi conseguido, no projeto, pela implantação dos NUPECs, nas três escolas
parceiras.
Nesses termos, uma proposta que deriva do projeto, em termos de política
educacional, é a de que editais de natureza similar ao de inovações educacionais
privilegiem, ao contemplar recursos enviados diretamente da Secretaria de Educação para
as escolas, iniciativas que possam institucionalizar a pesquisa e a inovação nas mesmas, a
exemplo da implantação de NUPECs, envolvendo sempre a estruturação de parcerias
entre grupos de pesquisa educacional e professores do ensino médio. Estas parcerias são
importantes para apoiar os passos iniciais da construção de uma prática de investigação
da prática e de reflexão docente no contexto das escolas. Afinal, a fase inicial de projetos
de pesquisa e desenvolvimento no contexto das escolas é particularmente difícil,
representando desafios não somente para os professores que, porventura, não tenham
ainda experiência com a pesquisa educacional, mas também para os pesquisadores, cuja
competência, não somente em termos de conhecimento, mas também suas habilidades
sociais, comunicativas e organizacionais são bastante desafiadas por tal experiência
(POSTHOLM, 2008).
A implantação de Núcleos de Pesquisa em Ensino de Ciências nas escolas contribui
para a maior disseminação não somente dos resultados da pesquisa realizada, mas,
fundamentalmente, da experiência em si, de modo a atrair mais professores para
participarem dela, como tem ocorrido nas escolas parceiras, nas quais professores de
biologia, química, matemática e história que não estavam antes envolvidos nos projetos de

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inovação passaram a fazer parte dos grupos que os conduzem. Esta institucionalização da
pesquisa nas escolas permite dar mais um passo no questionamento dos papéis sociais
usualmente assumidos por professores e pesquisadores, escolas e universidades, uma
vez que, a partir dos núcleos, o controle da pesquisa deixa de estar nas mãos dos
pesquisadores e da universidade, que, por tradição, costumam tomar para si este papel, e,
inclusive, ser colocados neste papel pelos próprios professores.
Deve ser colocada em foco, em suma, a questão da disseminação, que é central na
literatura sobre o uso do conhecimento científico, em todos os campos, não somente no
educacional. A construção de pontes entre pesquisadores universitários e professores-
investigadores, entre universidades e escolas, requer uma reavaliação do processo de
disseminação de resultados da pesquisa (VANDERLINDE; VAN BRAAK, 2010), de modo
que a pesquisa e a inovação possam ser inseridas na cultura escolar e nas práticas
profissionais dos professores. A construção de um modelo colaborativo de pesquisa é
essencial para que a aproximação entre pesquisa e prática educacionais não fique presa a
um modelo linear de disseminação, que coloca os pesquisadores na posição de
especialistas que devem transferir seu conhecimento para os praticantes, no caso que aqui
nos interessa, os professores. Este modelo se mantém limitado por uma tradição que vê as
inovações como sendo desenvolvidas apenas pelos pesquisadores, que então as
transferem para pessoas envolvidas nas práticas características de um determinado
campo (JOHNSTON, 1996; VANDERLINDE; VAN BRAAK, 2010). A ênfase recai sobre a
disseminação de resultados da pesquisa por meio de publicações em periódicos e revistas
voltadas para professores, ou apresentações em congressos frequentados por estes
profissionais. Atividades de disseminação mais interativas, como formação em serviço ou
pesquisa colaborativa com professores, são raramente usadas. Esta tradição não parece
capaz de diminuir a lacuna pesquisa-prática e pode-se até mesmo dizer que ela é, em
parte, responsável por sua produção e manutenção. A disseminação se torna um processo
linear de distribuição do conhecimento, que não democratiza o acesso dos professores aos
meios de produção e distribuição de conhecimento educacional (GARRISON, 1988).
Por fim, uma contribuição fundamental para a criação de um espaço para a
pesquisa nas escolas reside na recepção pelos professores de bolsas de professor-
investigador, uma iniciativa de suma importância que seria de grande interesse e
contribuição social se mantida e, inclusive, estendida (em termos do número de bolsas)
pela FAPESB e pela SEC-IAT em futuros editais.

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4 UM MODELO DE PESQUISA EDUCACIONAL COLABORATIVA

O projeto se apoia numa perspectiva específica sobre como deve ocorrer a pesquisa
sobre inovações educacionais (bem como outros temas de pesquisa em educação) (EL-
HANI et al., 2011). Em nosso entendimento, tais inovações devem ser construídas e
investigadas por grupos colaborativos que reúnam professores-investigadores e
pesquisadores universitários, e, além disso, incorporem mecanismos que visem
horizontalizar as relações entre estes atores, buscando desconstruir hierarquias que são
muitas vezes reiteradas na pesquisa educacional. Trata-se, em suma, de superar
mecanismos que “... efetivamente excluem os professores do processo ativo de descoberta
e distribuição de conhecimento, atribuindo-lhes, em vez disso, um papel passivo de
consumidores do produto científico final” (GARRISON, 1988, p. 488). Construído desta
maneira, um grupo colaborativo de pesquisa educacional pode funcionar, ele próprio, como
uma comunidade de prática.
O questionamento das posições sociais e institucionais de pesquisadores e
professores, que tem lugar através do modelo colaborativo de pesquisa implementado no
projeto, contribui para a abordagem de um dos problemas centrais envolvidos na lacuna
pesquisa-prática, a falta de colaboração entre pesquisadores universitários e professores-
investigadores através das fronteiras das instituições/organizações em que trabalham.
Afinal, o fosso que em geral se observa entre a escola e a universidade e, por conseguinte,
entre professores-investigadores da educação básica e pesquisadores universitários, é
decorrente não só de fatores estruturais relativos a estas duas instituições sociais, mas
também da posição social que estes atores sociais assumem, em conexão com uma visão
hierárquica que usualmente coloca a universidade acima da escola. O sucesso na
diminuição da lacuna entre pesquisa e prática educacionais envolve, de modo importante,
o questionamento e a superação de tal visão hierarquizada.
Sintomaticamente, a formação de grupos colaborativos de pesquisa envolvendo
professores de diferentes níveis de ensino tem sido vista como um caminho para diminuir a
lacuna entre pesquisa e prática no campo educacional (HARGREAVES, 1999; MCINTYRE,
2005; EL-HANI; GRECA, no prelo), garantir a relevância e qualidade da pesquisa
educacional (ZEICHNER, 1998) e o progresso da pesquisa em educação científica
(MOREIRA, 1988), bem como promover o desenvolvimento profissional e o

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empoderamento5 do professor (GARRISON, 1988; ZEICHNER, 2003; LÜDKE, 2005).


Entre os principais desafios enfrentados pelo grupo colaborativo, esteve o
enfrentamento de questões relativas à viabilidade, ao estatuto epistemológico e aos
méritos acadêmicos da pesquisa realizada no cotidiano da escola. Em particular, foi
preciso dar conta da seguinte questão, para nós colocada por outros pesquisadores em
ensino de ciências e educação matemática: a construção, o teste e o aperfeiçoamento de
sequências didáticas poderiam gerar compreensões teóricas e se constituir de fato em
pesquisa ou se restringiriam a uma ação pedagógica ou extensionista?
A literatura sobre o movimento do professor-investigador revela que estes e outros
questionamentos sobre o estatuto epistemológico da pesquisa realizada no cotidiano da
escola são muito frequentes entre os acadêmicos, e mesmo entre professores da
educação básica. Como destaca Zeichner (1998, p. 208), muitos acadêmicos rejeitam a
pesquisa dos professores, considerando-a “trivial, ateórica e irrelevante para seus
trabalhos”, e mesmo pesquisadores da universidade envolvidos no movimento do
professor-investigador, por vezes, não consideram a investigação realizada pelos
professores como uma forma de produção de conhecimento, restringindo seu estatuto a
uma forma de desenvolvimento profissional. Além disso, este tipo de negação da
legitimidade da pesquisa docente pode ocorrer entre os próprios professores (SIMONS et
al., 2003). De fato, é muito raro ver citações do conhecimento produzido pelos professores
nos artigos de pesquisadores acadêmicos, ou sendo usados por formadores de
professores em seus cursos (ZEICHNER, 1998, p. 208).
Estas constatações nos mobilizaram a investigar a pesquisa realizada em nosso
grupo colaborativo, buscando contribuir com respostas para as seguintes questões: Qual é
concepção de pesquisa assumida pelo grupo colaborativo? Quais são os critérios de rigor
e qualidade aos quais a pesquisa realizada pelo grupo colaborativo busca responder? Ou,
em termos mais gerais, quais opções epistemológicas, metodológicas e axiológicas o
grupo tem adotado para assegurar a qualidade da pesquisa?
Discutiremos como estas questões têm sido trabalhadas no grupo colaborativo, na
próxima seção, a partir de dados coletados por meio de uma abordagem qualitativa,
utilizando observação participante, registro por meio de filmagens das reuniões periódicas
do grupo, análise documental de atas de reuniões, históricos de mensagens trocadas entre

5
Estamos considerando como empoderamento de um indivíduo (aqui colocado em relação a práticas de produção de conhecimento,
embora possa ter também outros direcionamentos) a consciência da possibilidade de participar de modo pleno de processos sociais de
produção e disseminação de conhecimento.

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seus membros por meio de correio eletrônico ou na ComPratica.

5 A CONCEPÇÃO DE PESQUISA QUE ORIENTA A PRÁTICA DO GRUPO


COLABORATIVO

Nas discussões sobre a concepção de pesquisa, o primeiro aspecto reconhecido no


grupo foi a polissemia deste termo, dada a diversidade de atividades que são assim
designadas, desde a realização pelos estudantes de coletas de informações sobre temas
específicos até a pesquisa dita acadêmica ou científica. Tendo em vista esta diversidade,
três aspectos foram considerados definidores da pesquisa no âmbito de uma concepção
mais ampla e diversificada: (i) busca de informação, (ii) interpretação própria, e (iii)
produção de conhecimento.
A partir desta concepção mais abrangente, foram se delineando duas perspectivas,
não excludentes, de interpretação da pesquisa: a busca de uma concepção mais restrita à
atividade acadêmica de pesquisa, a qual se apoiaria em alguns critérios considerados
canônicos por comunidades de pesquisadores; e uma concepção que se apoia na reflexão
sobre a especificidade e o significado da pesquisa desenvolvida por professores da
educação básica que investigam sua sala de aula, a aprendizagem de seus alunos e suas
propostas de ensino. Não surgiu no grupo, contudo, a perspectiva de hierarquizá-las, ou
seja, uma concepção de pesquisa não foi considerada superior à outra.
Em relação à primeira perspectiva, foram considerados os seguintes critérios como
definidores de uma atividade de pesquisa: (1) iniciar-se com a formulação de uma questão
de pesquisa referente a um problema real; (2) ter sistematicidade; (3) apresentar rigor
metodológico; (4) e produzir conhecimento novo. Esta perspectiva encontra-se delineada,
por exemplo, na seguinte fala:
É uma atividade sistemática que apresenta uma metodologia bem definida/ que visa a
produção/ a construção de um conhecimento/ a partir de um problema real. A gente vai
investigar um problema real/ e a partir daí a gente vai produzir um novo conhecimento.
(Po1EC).6

Outro grupo de professoras apresentou suas concepções de pesquisa nos termos


da segunda perspectiva, significando alguns dos critérios subjacentes a estas concepções
a partir da reflexão sobre a natureza e finalidade da atividade de pesquisa que realizam
como professoras da educação básica, tendo como objeto de estudo sua sala de aula e

6
Os códigos indicam se o membro do grupo é professor (Po) ou pesquisador da universidade (Pe), e a qual instituição pertencem, a que
escola (E C, G, H) ou a qual universidade (U BA,FS ).
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seu trabalho pedagógico. Nesta perspectiva, a pesquisa é entendida como um instrumento


para promover uma prática reflexiva e buscar uma maior satisfação profissional, ao
preencher uma lacuna existente no saber prático docente. Podemos perceber esta
perspectiva na seguinte fala:
Há uma lacuna/ Geralmente a gente pesquisa aquilo que você está vivendo/(...) você quer
respostas/ você quer preencher uma lacuna/ (...) que você/ realmente/como profissional/
você deseja suprir. (...) isso que às vezes adormece na rotina de trabalho/ e você passa por
cima como um trator/ porque você tem que cumprir/ uma série de metas de tua vida
profissional/ mas que ficam aquelas lacunas que você acha/ que realmente através da
pesquisa/ do nosso trabalho/ da nossa busca/ a gente vai encontrar outras formas de
preencher/ e nos satisfazer profissionalmente/ (Po6EG)

A certa altura, ficou claro para o grupo que a construção e o teste de inovações
educacionais só poderiam se constituir em pesquisa caso fosse possível esta atividade
gerar compreensão teórica sobre o fenômeno pesquisado. Para tanto, seria necessário dar
conta de pelo menos dois requisitos: ter uma questão de pesquisa clara a ser respondida e
um desenho metodológico rigoroso.
A chamada design research foi entendida pelo grupo como um referencial teórico-
metodológico adequado para avançar nessa direção. A design research pode ser
entendida como o estudo sistemático do planejamento (design), implementação, avaliação
e manutenção de intervenções educacionais inovadoras (BAUMGARTNER et al., 2003;
PLOMP, 2009). Em particular, temos realizado investigações que podem ser
caracterizadas, segundo a Nieveen et al. (2006), como estudos de desenvolvimento. Estes
estudos visam resolver problemas educacionais, a partir da produção, via pesquisa, de
uma série de princípios de planejamento de inovações didáticas amplamente aplicáveis.
Eles envolvem, tipicamente, a comparação entre as vias de aprendizagem planejadas na
intervenção e as vias de aprendizagem efetivamente realizadas em sala de aula.
Plomp (2009) apresenta a seguinte fórmula geral para a proposição de questões
que orientam investigações feitas com base na design research: Quais são as
características de uma intervenção x para o propósito de/ou para alcançar o resultado y
(y1, y2, y3...) no contexto z? Segundo Plomp (2009, p. 11), esta questão de pesquisa
permite dar conta da função de qualquer investigação científica, qual seja, a de promover
compreensão ou o conhecimento de um fenômeno, de modo a contribuir para a construção
do corpo de conhecimento teórico de um dado campo. Esta formulação também possibilita,
no entanto, insights para o aprimoramento de práticas e tomadas de decisão, metas
importantes para a pesquisa educacional, em especial diante da lacuna pesquisa-prática.

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Em termos metodológicos, esta questão de pesquisa é respondida por meio de


investigação colaborativa, na qual pesquisadores universitários e professores-
investigadores, informados pela literatura, planejam e desenvolvem intervenções efetivas
por meio de um estudo minucioso de versões sucessivas (protótipos) destas intervenções
em seus contextos alvo. Além disso, ao fazê-lo, refletem sobre seus próprios processos de
pesquisa, com o propósito de produzir princípios de design. Este processo pode ser
descrito, de modo geral, em termos da realização cíclica de três fases: pesquisa preliminar,
fase de prototipagem e fase avaliativa. Na primeira fase, é feita uma análise dos problemas
e das necessidades num contexto z de ensino e aprendizagem, uma revisão da literatura
pertinente e o desenvolvimento de uma estrutura conceitual para orientar o estudo. Esta
fase dá lugar a ciclos de pequenas investigações em que intervenções são construídas,
testadas e aperfeiçoadas (fase de prototipagem). A cada ciclo de investigação de um
protótipo da inovação educacional em aperfeiçoamento, deve haver um aumento do
número de participantes da pesquisa, ou seja, do número de estudantes e de professores-
investigadores. Por fim, na terceira fase, é feita uma avaliação somativa, de modo a
analisar se a intervenção proposta atingiu as expectativas planejadas – em nosso caso
particular, com um interesse focado, sobretudo, em vias de aprendizagem esperadas. Esta
fase também resulta em recomendações e diretrizes para o aprimoramento da intervenção.
Ao longo destas três fases, o grupo de pesquisa deve realizar reflexões e documentação
sistemática, que levará à produção de princípios de design e construtos teóricos relativos à
área do estudo.
Esta é a abordagem metodológica que, por decisão coletiva do grupo, tem sido
seguida na investigação das inovações educacionais desenvolvidas no projeto (ver seção
7). No entanto, cada subgrupo de professores de uma das três comunidades escolares,
envolvido na investigação de uma determinada sequência didática, propôs um desenho
metodológico distinto para conduzir suas pequenas investigações, que se dão nos ciclos
de prototipagem das referidas sequências. De um modo geral, foram empregadas duas
estratégias: (i) a aplicação de pré- e pós-testes para avaliar os resultados das sequências
didáticas em relação aos seus objetivos educacionais e às expectativas postas pelos
princípios de design inicialmente propostos; (ii) a análise de interações discursivas em sala
de aula, registradas através de filmagens, a partir das quais têm sido descritas as vias da
aprendizagem efetivamente realizadas, comparando-as com as vias de aprendizagem
esperadas, dado o planejamento da intervenção.

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Outro ponto a considerar aqui é a busca por rigor e qualidade no grupo colaborativo.
Desde o início do projeto, os professores tinham clareza de que responder a critérios de
rigor da pesquisa acadêmica seria uma importante meta, dada a desconfiança da
academia em relação à qualidade das pesquisas intimamente relacionadas à prática
pedagógica e realizadas pelos próprios atores desta prática.
Para o grupo de professores, o primeiro requisito consistia na construção de um
desenho metodológico adequado e de instrumentos de coleta de dados que tivessem o
potencial de responder às questões de pesquisa. Desta perspectiva, consideraram
fundamental que a metodologia de coleta e análise de dados fosse objeto permanente de
discussão coletiva. Criou-se uma estratégia, através de comunicação via web, de
discussão de cada um dos passos na elaboração dos instrumentos de investigação, não só
pelo grupo de professores que se dedicava ao teste de uma mesma sequência didática,
mas por todo o grupo colaborativo. Por exemplo, os instrumentos de pré e pós-teste eram
socializados, para que todos opinassem sobre a adequação tanto em relação aos objetivos
pedagógicos quanto no que diz respeito aos objetivos de investigação, uma vez que os
instrumentos cumpriam um duplo papel de avaliação pedagógica e coleta de dados para a
pesquisa. A aplicação dos mesmos só se realizava após a validação por todo o grupo.
A reflexão sobre os critérios de rigor e qualidade da pesquisa se deu tanto ao longo
destes momentos cotidianos da pesquisa coletiva, como também em reuniões presenciais
cuja pauta era destinada especificamente a este fim. Ao longo destas discussões, foi se
delineando no grupo a clareza de que deveríamos partir de critérios canônicos, tais como
os de validade externa e interna (LECOMPTE, 1982), tendo sempre em vista, no entanto, a
tarefa de adequá-los às singularidades da pesquisa realizada no cotidiano da escola
básica, ou até mesmo a possibilidade de definirmos novos critérios que surgissem do
processo da pesquisa e do diálogo com a literatura.
Em relação à validade interna, ocorreram discussões a respeito da importância de
se levar em conta as variáveis relativas ao contexto pedagógico e institucional na avaliação
da eficiência da inovação educacional quanto à promoção da aprendizagem dos
estudantes. Uma estratégia proposta pelo grupo (e que começa a ser usada por ele) foi o
investimento em uma abordagem etnográfica da sala de aula7, na qual, através de
anotações em diários de campo, deve ser registrado e descrito o contexto de aplicação da

7
Uma abordagem etnográfica permite uma descrição rica e profunda das salas de aula, de seus contextos institucionais, dos atores que
estão nelas inseridos (professores, estudantes) ou que com ela se relacionam de variadas maneiras (pais, funcionários da escola),
utilizando para tanto métodos da etnografia.
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inovação educacional da forma mais detalhada e sistemática possível. De posse destas


informações, os resultados advindos da análise do pré- e do pós-teste podem ser
interpretados tendo em vista as variáveis do contexto.
Em relação à validade externa, o grupo tem investido em duas perspectivas de
generalização: (1) a generalização situada, tal como proposta por Simons et al. (2003) e
(2) a noção de generalização potencializada pela maximização da variedade de contextos
(LARSSON, 2009).
A noção de generalização situada foi proposta por professores da educação básica
que participavam de uma pesquisa colaborativa que visava produzir evidências com base
nas quais a prática pedagógica poderia ser aperfeiçoada. Ao perceberem os limites, em
seu contexto de trabalho, da realização de estudos experimentais ou quasi-experimentais
(como propostos na iniciativa de que participavam), um grupo de professores optou por
delinear um novo modelo de investigação, cujo foco era a produção de dados
ideográficos8, isto é, dados que permaneceriam “significativos dentro de contextos únicos”,
por serem delimitados a um grupo específico de alunos, em uma sala de aula, em uma
escola, mas também poderiam, no entanto, oferecer “alguns insights sobre outros
contextos” (SIMONS et al., 2003, p. 356). Numa investigação desta natureza, a
generalização pode ser entendida, então, como a transformação de dados ligados a um
contexto em evidências transferíveis para outros contextos. A evidência, nesta perspectiva,
consiste em informação que indica um curso de ação ou que é incorporada em um
julgamento que precede a ação.
Segundo Simons al. (2003, p. 359), para que esta generalização ocorra, é
necessário que a conexão entre a situação da pesquisa e a situação em que outros
professores trabalham se torne visível, pelo reconhecimento de questões e problemas
compartilhados. Esta condição é também favorecida pela abordagem etnográfica em sala
de aula, já proposta no grupo como estratégia para aumentar a validade interna dos
resultados. Para que outro professor se disponha a aplicar o conhecimento produzido
pelas pesquisas que o grupo colaborativo tem conduzido, é preciso que ele reconheça as
possíveis similaridades entre o contexto da pesquisa e sua sala de aula e, para tanto, é
preciso que seja fornecida uma descrição etnográfica daquele contexto suficientemente

8
Dados ideográficos têm o caráter de descrever situações particulares, não tendo um caráter generalizante. Os estudos ideográficos têm
a intenção de descrever um determinado caso ou contexto sem a pretensão de fazer generalizações para outros contextos, mas
buscando contribuir para a descrição de um quadro mais geral, do mesmo modo como o encaixe de uma peça contribui para
completarmos um quebra-cabeça (LARSSON, 2009). Note-se, contudo, que o grupo de professores descritos buscou formular,
precisamente, um tipo de generalização que se ajuste ao caráter ideográfico de seus estudos.

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rica.
Além de adotar esta noção de generalização, o grupo considerou que, à medida que
se investigam os resultados da aplicação de uma mesma sequência didática em diferentes
turmas de uma mesma escola ou em escolas diferentes, é possível aumentar a validade
externa dos princípios de design que fundamentam o planejamento das inovações
educacionais, uma vez que os efeitos desta inovação são avaliados em contextos
pedagógicos e institucionais variados. Como discute Larsson (2009, p. 31), uma maneira
de alcançar generalização em estudos qualitativos é pelo aumento do número de casos
qualitativamente diferentes que compõem a básica empírica, e não pela representatividade
calculada por uma amostragem extensa e randômica.

6 NOVAS PERSPECTIVAS E FERRAMENTAS PARA A PESQUISA EDUCACIONAL


REALIZADA PELO PROFESSOR-INVESTIGADOR DO ENSINO MÉDIO

Ao longo do trabalho colaborativo com os professores do ensino médio, evitamos


limitar a pesquisa apenas às intervenções educacionais propriamente ditas, por
entendermos que a pesquisa do professor deve também se estender a questões de
natureza teórica e metodológica, tal qual faz a pesquisa educacional em termos gerais.
Assim, temos desenvolvido, no grupo, ferramentas que permitam investigar, desde uma
perspectiva teórico-metodológica bakhtiniana (utilizada nas análises de discurso no âmbito
do projeto), a apropriação da linguagem social da ciência escolar por estudantes do ensino
médio (SEPULVEDA et al., 2011).

7 INOVAÇÕES EDUCACIONAIS

Foram construídas ao longo do projeto quatro inovações educacionais, que têm a


forma de sequências didáticas a serem aplicadas na sala de aula do ensino médio,
contemplando conteúdos do ensino de Biologia que, na perspectiva dos professores,
merecem maior investimento, por trazerem dificuldades para seu ensino e/ou serem
particularmente relevantes para a formação do estudante de ensino médio. Uma das
inovações trata do metabolismo energético a partir de textos de divulgação ou jornalísticos
que inserem este conteúdo, em geral distanciado da realidade dos estudantes, no contexto
das práticas sociais e de produção, bem como do cotidiano do estudante. A combinação
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desta sequência didática com outra intervenção desenvolvida no projeto, focada no ensino
de reações químicas, no contexto do ensino de Química (no qual vários professores de
Biologia, inclusive engajados no projeto, têm atuado) traz outro elemento inovador, a
integração interdisciplinar de conteúdos do ensino médio, que se alinha com a mais nova
reforma educacional que incidirá no ensino médio, conforme anunciado pelo MEC (Folha
Online, 2009). Uma terceira sequência didática está voltada para o ensino de evolução e
incorpora uma série de inovações, como o uso de textos históricos para tematizar no
começo da iniciativa de ensino os potenciais conflitos entre a visão de mundo dos
estudantes e o pensamento evolutivo, o uso de jogos educacionais no contexto do ensino
e a aplicação da teoria da evolução por seleção natural na abordagem de problemas sócio-
científicos, como a resistência bacteriana a antibióticos. Por fim, uma quarta unidade
didática foi construída, tratando da crise ambiental, ecologia e funcionamento do sistema
Terra, mas não foi testada no contexto do ensino médio durante o projeto, em virtude de
dificuldades de inserir a unidade no cronograma escolar dos professores envolvidos. Esta
sequência foi testada, no entanto, com estudantes ingressantes do ensino superior, que
são próximos do alunado do ensino médio, em termos de sua escolaridade, e, no
momento, estamos planejando com uma professora de Biologia do ensino médio que atua
no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Bahia (IFBA) sua adaptação e
teste neste contexto educacional.

8 CONCLUSÕES

Em nosso entendimento, diante dos resultados relatados no presente artigo,


podemos considerar o projeto bem sucedido, tanto pela construção e investigação das
inovações educacionais comentadas acima, como, sobretudo, pela construção de um
modelo de pesquisa educacional colaborativa que nos parece capaz de diminuir a lacuna
entre pesquisa e prática na educação. Este modelo pode tornar-se ainda mais poderoso se
complementado por comunidades de prática reunindo professores em formação e em
serviço, e pesquisadores educacionais (incluindo aqueles em formação), e se apoiado
institucionalmente pela criação e manutenção de núcleos de pesquisa nas escolas da
educação básica.

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