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ANIMAIS BIOGRÁFICOS:
um estudo de Poliedro, de Murilo Mendes
Belo Horizonte
Faculdade de Letras da Universidade Federal de Minas Gerais
2010
Ficha catalográfica elaborada pelos bibliotecários da Biblioteca FALE/UFMG
CDD : B869.13
À minha avó, Enid.
AGRADECIMENTOS
ABSTRACT
INTRODUÇÃO................................................................................................. 10
BIBLIOGRAFIA.............................................................................................146
ANIMAIS BIOGRÁFICOS: 10
um estudo de Poliedro, de Murilo Mendes
Filipe Amaral Rocha de Menezes
INTRODUÇÃO
1
MENDES, Murilo. A idade do serrote. Rio de Janeiro: Record, 2003.
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Filipe Amaral Rocha de Menezes
2
SENNA, Homero. República das letras: 20 entrevistas com escritores. 2. ed. rev. e aum. Rio de
Janeiro: Olímpica, 1968.
3
MENDES, Murilo. Microdefinição do autor. Poliedro. Rio de Janeiro: José Olympio, 1972.
4
MENDES, Murilo; PICCHIO, Luciana Stegagno. Poesia completa e prosa. Rio de Janeiro: Nova
Aguilar, 1994. p. 394.
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5
MENDES, Murilo. Poliedro. Rio de Janeiro: José Olympio Editora, 1972.
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por meio dos bestiários, obras de copistas que do século IX ao XVIII recriaram o
original acrescentando ou excluindo verbetes conforme o enfoque da cópia.
A partir desse primeiro estudo, será desenhado o que se poderia chamar de
um gênero bestiário e suas apropriações em diversas obras, como Li Bestiaires
d’Amours di Maistre Richart de Fornival,6 de Richard de Fournival, do século XII,
que já não mais fala de moral e religião, mas de amor no melhor estilo Fin’amors,
ou amor cortês. Serão ordenados cronologicamente livros que buscaram na obra
de Fournival um arcabouço e uma forma, um deslocamento: falam de animais,
mas introduzem uma diversidade de temas. É dos finais do século XIX em diante,
como em Bestiário ou o cortejo de Orfeu,7 de Guillaume Apollinaire, nas Histórias
Naturais,8 de Jules Renard, ou em Bichos,9 de Miguel Torga, que o gênero
bestiário parece assumir outros sentidos na obra dos escritores citados.
As aproximações com os bestiários também serão feitas a partir do
conceito de um zoológico textual. Definidas as origens dessa instituição e seu
formato, serão delimitados na literatura textos que vão além do bestiário, mas
partem para o reflexo da estrutura dos zoológicos, como as jaulas que separariam
os leitores dos seus animais textuais. Outros textos serão introduzidos para essa
análise, como Ave, palavra,10 de Guimarães Rosa, ou Bestiário,11 do mexicano
Juan José Arreola, ou as zoologias de Jorge Luis Borges.
Estabelecidas as primeiras aproximações com um estilo ou gênero
bestiário, nas mais variadas formas apresentadas, o próximo passo será uma
revisão da obra de Murilo Mendes, com ênfase nos animais. No capítulo segundo,
6
FOURNIVAL, Richard de. Le bestiaire d'amour et la reponse de la dame. Paris: Auguste Aubry,
1860.
7
APOLLINAIRE, Guillaume; FALEIROS, Álvaro. O bestiário ou cortejo de Orfeu. Trad. Álvaro
Faleiros. São Paulo: Iluminuras, 1997.
8
RENARD, Jules. Histórias naturais: o dia-a-dia dos animais, nossos amigos. Trad. Renata
Cordeiro. São Paulo: Landy Editora, 2006.
9
TORGA, Miguel. Bichos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1996.
10
ROSA, João Guimarães; RONAI, Paulo. Ave, palavra. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001.
11
ARREOLA, Juan José. Bestiário. México: Joaquín Mortiz, 1972.
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1.1 Os bestiários
panorama das histórias das idéias e das ciências, discutindo como se deram as
diferentes soluções de se classificarem os seres vivos. Ele afirma que, antes dos
séculos XVII e XVIII, algumas obras, como as de Aldravandi, que tratavam da
história de um ser vivo, compreendiam toda uma “rede semântica que o ligava ao
mundo”,14 versando sobre suas características físicas, habitat, utilização alegórica,
lendas e possíveis propriedades mágicas, numa enorme miscelânea de informações
desconexas. A partir destes, outros sistemas mais simples, como o de Jonston ou o
de Lineu, propuseram certo distanciamento.
Os bestiários seriam, assim, uma forma de se classificar estabelecida em
redes, liberando espaço para a representação concisa e classificável15 de
semânticas semelhantes, cuja origem, na Europa na Idade Média, deu-se,
principalmente, nos mosteiros, os centros difusores de conhecimento e de ciência,
em reflexo às necessidades da sociedade. Segundo o Dicionário da literatura
medieval galega e portuguesa,16 no verbete “Bestiário”, Ettore Finazzi-Agrò afirma:
18
LE GOFF, Jacques. Raízes medievais da Europa. Trad. Jaime A. Clasen. Petrópolis: Vozes, 2007.
19
RENDELL, Alan Wood. Physiologus: a metrical bestiary of twelve chapters by Bishop Theobald.
London: John & Edward Bumpus Ltda., 1928. p. 7.
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Sobre os movimentos dos animais e progressão dos animais, sobre sua motricidade;
por fim, Geração dos animais, um estudo sobre a reprodução animal, incluindo o
homem.20 Aristóteles tenta, assim, esgotar o tema do mundo animal em seu
primeiro trabalho, entretanto, não podendo realizar tal tarefa apenas nessa obra,
percebe a necessidade de entrar em minúcias nas seguintes.
No início de História dos animais, alerta: “Os animais diferem uns dos
outros por seus modos de subsistência, suas ações, seus hábitos, e suas partes”.21 O
texto se divide em partes constitutivas dos animais de sangue e sem sangue,
reprodução e alimentação; nos últimos livros, há ainda uma discussão sobre
doenças de alguns animais, seu comportamento diante do clima e ocorrência das
espécies, castração, ruminação e, até, sobre migrações de alguns pássaros. No
primeiro livro, Aristóteles classifica os animais por meio de vários pontos de vista
diferentes: os que procuram ter abrigos e os que não, aqueles que têm separação
em dois sexos e muitas outras categorias tentando não deixar nenhum animal fora
das classificações.
Aristóteles procura, desse modo, apresentar uma obra profundamente
embasada nas suas observações e pesquisas. Havia, também, o registro da
experiência de outros estudiosos, visto que não seria possível analisar todos os
animais. Como um texto basilar, sua obra influenciou toda uma literatura sobre
os animais e foi fonte de consulta para muitas gerações de estudiosos. Os animais
descritos e analisados são reais e contemporâneos. Sendo assim, ele elimina do seu
corpus qualquer referência a animais mitológicos, imaginários ou monstruosos. Ao
contrário, ele inclusive fala sobre problemas de má formação que gerariam
animais deformados, mas não os cita como prodigiosos ou coisa semelhante.
Entretanto, alguns estudiosos ainda continuam afirmando haver em seu texto
algo de mítico e maravilhoso quando, por exemplo, Aristóteles simplifica a relação
entre o predador e a presa, dizendo ser uma relação de inimizade. Não por acaso,
20
ARISTOTLE; BARNES, Jonathan. The complete works of Aristotle: the revised Oxford
translation. Princeton: University Press, 1984.
21
ARISTOTLE, 1984, p. 775.
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22
ARISTOTLE, 1984, p. 1535.
23
ARISTOTLE, 1984, p. 1171-1172.
24
ARISTOTLE, 1984, p. 908 e 910.
25
PLÍNIO; NISARD, Charles; LITTRÉ, Emile. Histoire naturelle de Pline. Paris: F. Didot, 1865.
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26
AELIANUS, Claudius; SCHOLFIELD, A. F. On the characteristics of animals. Cambridge:
Harvard; London: W. Heinemann, 1971.
27
ISIDORO. Etimologías. 2. ed. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, 1994.
28
PLÍNIO, Livro 8, 1865, p. 3.
29
PLÍNIO, Livro 8, 1865, p. 16.
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Com rigor ainda menor que o de Plínio e deixando ainda mais de lado a
sistemática de Aristóteles, Sobre a natureza dos animais, de Claudius Aelianus, não
segue nenhum tipo de ordem ou classificação aparentemente lógica. As descrições
e os comentários sobre os animais vão seguindo uma a outra e, em alguns casos, é
possível perceber uma relação entre os textos subsequentes. Sua obra se aproxima
do estilo que viria a ser utilizado nos bestiários, entretanto, as histórias
fantásticas não são utilizadas para ensinar ou moralizar, mas apenas para
satisfazer a curiosidade dos leitores.
No livro 3, Aelianus enfoca os leões da Mauritânia e como esses animais
teriam sido domesticados. Cada família moura teria o seu leão, que acompanha o
chefe da família onde quer que ele vá e, mesmo em épocas de fome, quando a
família não pode alimentá-lo satisfatoriamente, o seu instinto selvagem de
carnívoro é inibido por meio de uma simples reprimenda da dona da casa.
Segundo Aelianus, os mouros teriam lhe dito que esses leões se comportariam
assim porque, desde filhotes, são tratados com os mesmos cuidados dispensados
aos filhos e passariam a conhecer a língua moura, e, “consequentemente, não há
30
CHAMBEL, Pedro. A evolução do bestiário letrado medieval: uma síntese. Lisboa: Instituto de
Estudos Medievais IEM / FCSH-UNL, nov. 2006. Disponível em: http://www2.fcsh.unl.pt/iem/
investigar-estudos/estudo-chambel02.htm. Acesso em: 12 nov. 2009, p. 7.
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31
AELIANUS, 1971, p. 159-161.
32
AELIANUS, 1971, p. 45.
33
AELIANUS, 1971, p. 45.
34
AELIANUS, 1971, p. 93.
35
AELIANUS, 1971, p. 91.
36
AELIANUS, 1971, p. 327.
37
AELIANUS, 1971, p. xiii.
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38
AELIANUS, 1971, p. xiv.
39
ISIDORO, 1994, p. 903.
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40
ISIDORO, 1994, p. 901.
41
ISIDORO, 1994, p. 901.
42
ISIDORO, 1994, p. 889.
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43
BIANCIOTTO, Gabriel. Le Bestiaire dans la literature médiévale. Études de Langue et Littérature
françaises de l'Université de Hiroshima. Hiroshima, n. 15, p. 1-13, 2006. Disponível em:
<http://ir.lib.hiroshima-u.ac.jp/metadb/up/kiyo/AN00000085/ELLF_15_1.pdf> Acesso em: 25 out.
2009.
44
BIANCIOTTO, 2006, p. 4.
45
BIANCIOTTO, 2006, p. 4.
46
LE GOFF, Jacques. O maravilhoso e o cotidiano na Idade Media. Lisboa: Edições 70, 1985. p. 28.
47
LE GOFF, Jacques. La civilizacion del occidente medieval. Trad. F. de C. Serra Rafols. Barcelona:
Editorial Juventud, 1969. p. 161.
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48
LE GOFF, 1985, p. 162.
49
LE GOFF, 1985, p. 164.
50
LE GOFF, 1985, p. 164.
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51
BIANCIOTTO, 2006, p. 4.
52
RENDELL, 1928, p. 54-56.
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53
BÍBLIA SAGRADA. A. T. Cântico dos Cânticos de Salomão.2. ed. rev. e atual. São Paulo: Vida
Nova, 1997. cap. 5, p. 975.
54
BÍBLIA SAGRADA. A. T. Salmos. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Vida Nova, 1997. cap. 121, p.
893.
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compara-o com o Diabo, pois este mantém os seus olhos maus sobre o homem e os
persegue assim como o lobo aos cordeiros.55
Para Bianciotto, o plano do Physiologus foi constituído pelos animais
bíblicos e o texto bíblico foi uma grande fonte de informação para o seu criador;
por isso, afirma:
57
ALLEN, J. Romilly. Early Christian Symbolism in Great Britain and Ireland before the Thirteenth
Century. Londres: Whiting & Co., 1887. p. 4.
58
ALLEN, 1887, p. 4.
59
BIANCIOTTO, 2006, p. 6.
60
WRIGHT, Thomas. The Bestiary of Philippe de Thaon. London: Society of Antiquaries of
Scotland, 1841, p. 4.
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61
WRIGHT, 1841, p. 49.
62
ALLEN, 1887, p. 5.
63
RENDELL, 1928.
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64
RENDELL, 1928, p. 53.
65
RENDELL, 1928, p. 58
66
RENDELL, 1928, p. 60.
67
WHITE, 1960.
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68
WHITE, 1960, p. 134-135.
69
LÚLIO, Raimundo. Livro das Bestas. Trad. Ricardo da Costa. São Paulo: Editora Escala, 2006.
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70
LÚLIO, 2006, p. 25.
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comparada ao Diabo; o leão é lembrado por sua altivez, majestade, força e beleza,
eleito rei e comparado a Cristo; o boi e o cavalo são animais servis, exemplos de
vida para um cristão.
Os animais estão, no texto de Lúlio, num constante debate moral a fim
de oferecer ensinamento. O escritor se preocupava com a educação dos
governantes, que devia ser cristã e com ênfase no questionamento, pois só assim
eles conseguiriam aliados na sua luta contra os muçulmanos. Além disso, seus
pontos de vista e filosofia estão pulverizados em toda a sua obra. Numa das
passagens, por exemplo, o boi concorda com a serpente: “a pior e mais falsa besta
que existe neste mundo é o homem”.71 Assim, Lúlio estabelece a relação entre o
ingênuo governante leão com qualquer outro príncipe ou rei que se deixa levar por
maus conselheiros e pelos ardis de uma raposa, simbolicamente, a encarnação do
Diabo.
Em Li Bestiaires d’Amours di Maistre Richart de Fornival, de Richard de
Fournival, século 13, sãos as mulheres que constituem o mal ao terem o seu amor
comparado ao comportamento dos lobos. Já esse texto se utiliza das lendas e dos
poucos conhecimentos zoológicos para ensinar, de uma forma pseudocientífica,
não sobre política e moral, como o Livro das Bestas, mas sobre as relações
amorosas, tornando-se uma obra original ao unir duas tradições: a do Physiologus
e a do Fin’amors, ou amor cortês.72 Fournival foi autor de várias obras sobre a
experiência do amor cortês, mas o seu bestiário é referência, principalmente, nos
estudos sobre gênero e sobre o feminino na literatura medieval.
Os bestiários e as demais obras que deles se originaram têm sempre uma
característica comum: os animais são instrumentos dos quais os escritores se
valem para expor suas ideias e pensamentos, e não o foco principal. Dessa forma,
a partir da definição de Bruno Roy, ensaísta francês: “Os bestiários não têm por
função primeira observar os animais, propriamente ditos; estes são apenas um
71
LÚLIO, 2006, p. 59.
72
ROY, Bruno. La belle e(s)t La bête: aspects du bestiaire féminin au moyen âge. Études françaises,
Montreal, v. 10, n. 3, p. 309-317, 1974.
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73
ROY, 1974, p. 319.
74
APOLLINAIRE, 1997.
75
FALEIROS, 1997, p. 14-15.
76
APOLLINAIRE, 1997, p. 35, 61, 73, 85.
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77
RENARD, Jules. Histórias naturais: o dia-a-dia dos animais, nossos amigos. Trad. Renata
Cordeiro. São Paulo: Landy Editora, 2006.
78
TORGA, Miguel. Bichos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1996.
79
HUGHES, Ted. O que é a verdade?: poemas de bichos. Trad. Sérgio Alcides. São Paulo:
Companhia das Letras, 2005.
80
RENARD, 2006, p. 12.
81
RENARD, 2006, p. 67.
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mais caçar suas imagens, mas garantindo mais imagens para a próxima
temporada e para os camponeses que lá habitam: “Por um caminho já apagado,
retorno ao vilarejo. Só ele sabe o meu nome. Humildes camponeses o habitam,
que ninguém nunca vem ver, exceto eu”.82
As imagens também habitam o texto de Hughes. Nele, o Criador e Jesus
descem a terra numa noite para que o filho de Deus receba a lição sobre o que vem
a ser a Verdade. Segundo o narrador, a verdade seria contada pelo homem por
meio de suas almas, mas somente quando este estivesse dormindo.83 Assim, os dois
seres divinos se encontram com algumas almas para ouvirem poemas sobre os
animais. O fazendeiro, sua esposa, seus filhos, um caçador, o vigário e o professor
da vila são chamados a apresentar suas visões sobre os animais de seu cotidiano:
os da fazenda, as aves migratórias, os pequenos animais dos bosques das
redondezas.
O bestiário de Hughes é formado por poemas que entremeiam a
narrativa. A obra de 1984, criada pelo autor inglês, já um reconhecido e premiado
poeta e escritor de livros infanto-juvenis, mostra de forma lúdica os animais que
pertencem ao dia a dia de um fazendeiro, sob um pretexto divinal de apresentar o
sentido da verdade. Pelos vários versos, entretanto, o Filho de Deus nunca é
satisfeito com a resolução de sua dúvida, orientado pelo próprio Deus, que diz que
ainda não teria sido apresentado à verdade. Hughes mescla, assim, a religião com
uma estética fantástica para criar um texto direcionado a crianças. Desse modo,
as características dos animais são mostradas de forma lúdica, ressaltadas as
engraçadas e curiosas, como no exemplo abaixo do desabafo do pastor sobre os
cordeiros:
82
RENARD, 2006, p. 110.
83
HUGHES, 2005, p. 12.
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84
HUGHES, 2005, p. 38-40.
85
HUGHES, 2005, p. 117.
86
BÍBLIA SAGRADA. A. T. Gênesis. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Vida Nova,1997. p. 10-11.
87
RONECKER, Jean-Paul. O simbolismo animal. Trad. Benôni Lemos. São Paulo: Paulus, 1997. p
125.
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88
TORGA, 1996, p. 135.
89
MORAIS, Vinicius de. A arca de Noé: poemas infantis. São Paulo: Companhia das Letras, 1991.
90
MORAIS, Vinicius de. A arca de Noé. Rio de Janeiro: Universal, 1980. 1 disco de vinil, 33 rpm.
(remasterizado).
91
MORAIS, Vinicius de. A arca de Noé 2. Rio de Janeiro: Universal, 1981. 1 disco de vinil, 33 rpm.
(remasterizado).
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nos quais vários cantores da MPB, como Elis Regina, Chico Buarque, Ney
Matogrosso, MPB4, cantam os poemas musicados pelo próprio Vinícius de Morais
em parceria com o compositor Toquinho. Em contraposição ao texto de Torga, o
de Morais é lúdico e direcionado ao público infantil. A primeira música, “A Arca
de Noé”, reconta o episódio final da história bíblica do patriarca Noé.92 No disco,
interpretada por Milton Nascimento e um coral de crianças, expressa a intenção
lúdica dos poemas: ensinar as crianças histórias com elementos que estimulam o
seu interesse pelos animais da arca.
Os poemas do início do livro fazem pouca ou nenhuma referência a
animais e apenas compõem um todo com os demais pelo seu espírito lúdico. Os
outros se dedicam, cada um, a um grupo de animais ou animal específico, como
“Os bichinhos e o homem”, “O pingüim”, “O elefantinho”, entre outros. O poema
“O leão”, segundo o próprio livro, foi inspirado no poema de William Blake, “The
Tiger”:
92
BÍBLIA SAGRADA. A. T. Gênesis. São Paulo: Vida Nova, 1997. p. 8-12.
93
MORAIS, 1991, p. 38.
94
MORAIS, 1991, p. 74.
95
THE DEATH and Burial of Cock Robin. In: DELAMAR, Gloria. Mother Goose: From Nursery to
Literature. Jefferson, NC, USA: Mcfarland & Co Inc Pub, 1987.
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Filipe Amaral Rocha de Menezes
postos, e conclui pelo lamentar de “todo o pássaro do ar foi chorar lá no seu ninho,
ao ouvir tocar o sino pelo pobre pintainho”.
A morte é um dos temas de outra obra no formato de bestiário escrita
pelo autor francês Maurice Genevoix. Autor de outros livros como Ceux de 14,96
sobre a Primeira Guerra Mundial, Genevoix passou a infância no interior da
França numa ilha do Loire. Veterano de guerra, reformado por um ferimento de
batalha, o escritor iniciou sua carreira ao voltar a morar no interior do país. Com
uma obra dedicada à natureza e à vida no campo, publicou a trilogia: Terno
bestiário,97 Bestiário encantado,98 ambos de 1969, e Bestiaire sans oubli 99(Bestiário
sem lapsos), de 1971.
A trilogia de alto teor autobiográfico é aberta pelo texto “O
Matadouro”.100 O narrador, aqui, justifica-se e toma a autoridade para si para
falar do campo, da natureza, da vida bucólica, fiando-se no que lhe dá prazer, nas
suas origens e na sua “memória de homem, de homem nascido na província, no
campo, e que lá passou, a depois da infância e da juventude, a maior parte da
vida”.101 Nesse texto fundamental, também expõe o que seria a sua intenção ao
construir esses bestiários, na “oportunidade para reconstruir a amizade com
outras criaturas vivas, os animais livres”.102 Apesar disso, sua obra nasce no
matadouro, onde os mesmos animais são mortos.
Segundo o narrador, por causa dessa palavra forte é que a vida lhe
pareceu mais próxima, de forma que quase não se distingue da dos outros animais.
A história é sobre uma inusitada recomendação médica de sua infância. Após ter a
perna quebrada e imobilizada, deveria dar banhos de sangue para fortalecê-la. O
96
GENEVOIX, Maurice. Ceux de 14. Paris: Seuil, 1996.
97
GENEVOIX, Maurice. Terno bestiário. Trad. José Dinis Fidalgo. Lisboa: Cotovia, 1989.
98
GENEVOIX, Maurice. Bestiário encantado. Trad. José Dinis Fidalgo. Lisboa: Cotovia, 1991.
99
GENEVOIX, Maurice. Bestiaire sans oubli. Paris: Librairie Plon, 1971.
100
GENEVOIX, 1989, p.9-13.
101
GENEVOIX, 1989, p. 9.
102
GENEVOIX, 1989, p. 10.
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barulho do balde sendo enchido pelo sangue do animal morto, o calor e a textura
de sangue coagulado, o forte ruído de sucção ao emergir a perna, “esse barulho,
tenho-o ainda, guardo-o ainda nos meus ouvidos,”103 consolida essa forte imagem.
Nessas memórias mescladas às da guerra, quando teria visto homens sangrar e
morrer, é que o narrador confia para continuar os seus passeios pelo campo em
companhia dos seus vários animais: “claros, alegres, livres e vivos”.
De uma forma, metamorfoseando seus personagens humanos em animais
ou fazendo-os conviver com espécies fantásticas, Julio Cortázar também constrói
o seu elaborado e insólito Bestiário.104 Os diversos contos que compõem a obra
podem ser tomados por verbetes com histórias “realisticamente fantásticas”. O
conto que empresta o nome ao livro105 pode ser considerado um bestiário de um só
animal: o misterioso tigre aparece pelos diversos cômodos da casa e áreas da
propriedade de campo da família Funes, “los Horneros”, entretanto, são diversos
os animais citados que se relacionam e se familiarizam com os personagens, como
Rema, a criada que, frequentemente abusada pelo violento Nenê, identifica-se
com o gafanhoto preso num vidro – ela também presa numa redoma.
É frequente, em alguns desses contos, a identificação dos personagens
com animais, por eles mesmos, ou enredados pelo escritor, para que seu leitor o
faça. A bestialização dos personagens é o que perpassa todos os contos, fazendo-os
um só bestiário de humanos transformados em animais. Em “Casa tomada”,106
Irene e seu irmão, o narrador-personagem, comportam-se como animaizinhos
amedrontados. O que, aparentemente, poderia ser um surto coletivo dos dois
irmãos, é mascarado pela narração claustrofóbica da fuga que fazem a cada
momento em que mais uma parte da casa está sendo tomada – eles pressentem
que há estranhos nos cômodos vizinhos e vão trancando as portas por onde
passam, isolando-se. Da mesma forma, como bichinhos acuados, são descritos os
103
GENEVOIX, 1989, p. 13.
104
CORTÁZAR, Julio. Bestiário. Trad. Remy Corga Filho. São Paulo: Edibolso, 1977.
105
CORTÁZAR, 1977, p. 93.
106
CORTÁZAR, 1977, p. 7.
ANIMAIS BIOGRÁFICOS: 44
um estudo de Poliedro, de Murilo Mendes
Filipe Amaral Rocha de Menezes
107
CORTÁZAR, 1977, p. 35.
108
CORTÁZAR, 1977, p. 15.
ANIMAIS BIOGRÁFICOS: 45
um estudo de Poliedro, de Murilo Mendes
Filipe Amaral Rocha de Menezes
1.2 Os zoológicos
109
BARATAY, Eric; HARDOUIN-FUGIER, Elisabeth. Zoo: a history of zoological gardens in the
West. Trad. Oliver Welsh. London: Reaktion Books Ltd., 2004.
110
BENDINER, Robert. The fall of the wild the rise of the zoo. New York: E. P. Dutton, 1981.
(tradução nossa)
111
BÍBLIA SAGRADA, 1997, p. 9.
112
BÍBLIA SAGRADA, 1997, p. 9.
113
CONWAY, William G. Zoo and Aquarium Philosophy. In: SAUSMAN, Karen. Zoological park
and aquarium fundamentals. Wheeling: American Association Zoological Parks and Aquarium,
1982. p. 3.
ANIMAIS BIOGRÁFICOS: 46
um estudo de Poliedro, de Murilo Mendes
Filipe Amaral Rocha de Menezes
Baratay, autor de uma obra de referência sobre a história dos zoológicos, Zoo: a
history of zoological gardens in the West, a primeira estrutura aproximada ao
conceito moderno de zoológico que existiu pertenceu à rainha Hatasou, da 13ª
dinastia, em Tebas, Egito.114 Outros tipos de confinamento de animais para
exposição se seguiram por toda história até o surgimento dos primeiros jardins
reais, de nobres europeus, os seraglios, grupos de pequenas celas onde eram
expostos animais.115
Nesses jardins, os grupos mais comuns eram constituídos por animais
ferozes, como ursos, linces, lobos, leões, e os mais raros, tigres, guepardos e
leopardos, além de outro grupo de animais de pasto como cervos e veados.116 Esses
animais eram exibidos como símbolo de poder pelos nobres, que mantinham sob
seus domínios as feras que apareciam em seus brasões de armas.117 Paulo Martins
Oliveira, historiador português, acerca da história dos zoológicos em Portugal e da
fundação do zoológico de Lisboa, afirma que:
114
BARATAY, 2004, p. 17.
115
BARATAY, 2004, p. 19.
116
BARATAY, 2004, p. 19.
117
BARATAY, 2004, p. 20.
118
OLIVEIRA, Paulo Martins. As origens e a fundação do Jardim Zoológico de Lisboa. In:
PaleoCiência. Disponível em: http://paleociencia.com/. Acesso em: 10 nov. 2009.
119
BARATAY, 2004, p. 21-22.
ANIMAIS BIOGRÁFICOS: 47
um estudo de Poliedro, de Murilo Mendes
Filipe Amaral Rocha de Menezes
120
BARATAY, 2004, p. 25.
121
BARATAY, 2004, p. 30.
ANIMAIS BIOGRÁFICOS: 48
um estudo de Poliedro, de Murilo Mendes
Filipe Amaral Rocha de Menezes
123
WILLIS, Susan. Looking at the zoo. The South Atlantic Quarterly. Durham: Duke Univeristy
Press, 1999. p. 669-687.
124
WILLIS, 1999, p. 671.
125
WILLIS, 1999, p. 672.
ANIMAIS BIOGRÁFICOS: 50
um estudo de Poliedro, de Murilo Mendes
Filipe Amaral Rocha de Menezes
O homem impõe como o animal deve ser visto, não lhe permitindo
nenhuma escapatória. Nos zoológicos modernos, há uma preocupação em oferecer
conforto aos animais,129 entretanto, a imposição humana nesses ambientes, fonte
126
BERGER, John. Le Zoo. Critique: revue générale des publications française et étrangères. Paris, v.
34, n. 375-376, p. 821-824, août/sept.1978. p. 822.
127
BERGER, 1978, p. 822-823.
128
WILLIS, 1999, p. 675.
129
Cf. BERENGER, 1981, p. 90-105.
ANIMAIS BIOGRÁFICOS: 51
um estudo de Poliedro, de Murilo Mendes
Filipe Amaral Rocha de Menezes
130
BERGER, 1978, p. 824.
131
Cf. CONWAY, 1982.
132
BARATAY, 2004, p. 13.
ANIMAIS BIOGRÁFICOS: 52
um estudo de Poliedro, de Murilo Mendes
Filipe Amaral Rocha de Menezes
133
ROSA, João Guimarães; RONAI, Paulo. Ave, palavra. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001.
134
ROSA, 2001, p. 16.
135
ROSA, 2001, p. 131 e 273.
136
ROSA, 2001, p. 57.
ANIMAIS BIOGRÁFICOS: 53
um estudo de Poliedro, de Murilo Mendes
Filipe Amaral Rocha de Menezes
aquário temos nenhuma naturalidade”137, ele se coloca na posição dos animais que
perdem a sua naturalidade pela prisão zoológica.
A influência dos jardins zoológicos também é amplamente encontrada
pelos verbetes de Bestiário,138 do mexicano Juan José Arreola. Segundo Yulan
Washburn, no artigo The Beast Book of Juan Jose Arreola, o escritor teria
atribuído a idéia de construir seu bestiário aos trabalhos do artista Héctor Xavier,
que estava retratando os animais do zoológico de Chapultepec. Ao usar a técnica
antiga de desenho e animado pelas suas gravuras, Arreola passou a acompanhá-lo
em suas visitas ao zoológico.139 Nas palavras de Arreola:
137
ROSA, 2001, p. 59.
138
ARREOLA, Juan José. Bestiário. México: Joaquín Mortiz, 1972.
139
WASHBURN, Yulan M. An Ancient Mold for Contemporary Casting: The Beast Book of Juan.
Hispania, New York, American Association of Teachers of Spanish and Portuguese: v. 56, p. 295-
300, abr. 1973. Disponivel em: http://www.jstor.org/stable/339020. Acessado em: 10 nov. 2009. p.
296.
140
ARREOLA, Juan José. Punta de Plata. México, Universidad Nacional Autônoma do México,
1958 apud WASHBURN, 1973, p. 296.
ANIMAIS BIOGRÁFICOS: 54
um estudo de Poliedro, de Murilo Mendes
Filipe Amaral Rocha de Menezes
141
ARREOLA, 1972, p. 3.
142
ARREOLA, 1972, p. 3.
143
ARREOLA, 1972, p. 6.
144
ARREOLA, 1972, p. 10.
145
BORGES, Jorge Luiz; GUERRERO, Margarita. Manual de zoología fantástica. México: Fondo de
Cultura Económica, 1966.
ANIMAIS BIOGRÁFICOS: 55
um estudo de Poliedro, de Murilo Mendes
Filipe Amaral Rocha de Menezes
146
BORGES, Jorge Luis; GUERRERO, Margarita. O livro dos seres imaginários. Trad. Heloisa Jahn.
São Paulo: Companhia das Letras, 2007.
147
BORGES, 2007, p. 16 e 71.
148
BORGES, 2007, p. 21, 67 e 159. Os contos são traduções dos textos originais em alemão,
respectivamente: “Hochzeitvorbereitungen auf dem Land”, “Eine Kreuzung” e “Die Sorge des
Hausvaters”.
149
BORGES, 2007, p. 18 e 181.
150
LEWIS, C. S. Perelandra. New York: Scribner, 1996.
ANIMAIS BIOGRÁFICOS: 56
um estudo de Poliedro, de Murilo Mendes
Filipe Amaral Rocha de Menezes
Os outros escritores são Max Brod e H. G. Wells citados por terem criado
os seus próprios animais e monstros. Esses animais, inventados e construídos,
pertencem aos seus zôos ficcionais particulares. São animais aprisionados em suas
memórias, em seus livros, monstros que assombram seus personagens – criados e
recriados por meio das infinitas possibilidades de combinações e arranjos.
O imaginário das crianças tal qual em Borges também possibilita a
Sérgio de Castro Pinto criar o seu Zôo Imaginário.151 Esse livro é composto de
poemas já publicados anteriormente pelo escritor brasileiro e também por textos
inéditos sobre animais. Como um passeio por um zoológico preso na imaginação,
compõe-se de animais construídos a partir de trocadilhos e palavras de um mesmo
contexto semântico, como se pode encontrar nos poemas dedicados à girafa ou à
coruja. As características físicas dos animais se mesclam a outras tantas
associações criadas pelo poeta. Da coruja, são ressaltados “os olhos de vigília [...]
olhos acesos, luzeiros de sabedoria”.152 Para a girafa, “olhem o pescoço que a
girafa tem!” e “ergue-se a girafa, edifício frágil”.153
Nesse livro, o conceito de imaginário aproxima-se da proposta de Borges
em seu prólogo ao O livro dos seres imaginários, da construção das imagens por
uma criança: mesmo esta fazendo um passeio pelo zoológico e vendo de perto os
animais, cria ainda outras associações e reinventa no campo das idéias e da
imaginação: o leão, “sol de pêlos”, é como uma estrela; a girafa, por seu pescoço
enorme, “mastro de um circo”; o elefante, por sua cor cinza e sua tromba, “barril
de pólvora mansa”; a garça de perna encolhida, “ariano saci”, assim como outras
muitas associações. Apenas em “Poeta x poema”154 se apresenta uma noção
diferente de imaginário:
poeta x poema
151
PINTO, Sérgio de Castro. Zôo imaginário. São Paulo: Escrituras, 2005.
152
PINTO, 2005, p. 17.
153
PINTO, 2005, p. 24 e 26.
154
PINTO, 2005, p. 15.
ANIMAIS BIOGRÁFICOS: 57
um estudo de Poliedro, de Murilo Mendes
Filipe Amaral Rocha de Menezes
155
MENDES, Murilo. Poliedro. Rio de Janeiro: José Olympio Editora, 1972.
156
ZAGURY, Eliane. Murilo Mendes e o poliedro. In: MENDES, Murilo. Poliedro. Rio de Janeiro:
José Olympio Editora, 1972. p. xi.
ANIMAIS BIOGRÁFICOS: 58
um estudo de Poliedro, de Murilo Mendes
Filipe Amaral Rocha de Menezes
157
MENDES, 1972, p. 7.
158
MENDES, 1972, p. 7.
ANIMAIS BIOGRÁFICOS: 59
um estudo de Poliedro, de Murilo Mendes
Filipe Amaral Rocha de Menezes
159
MENDES, Murilo. Microdefinição do autor. Poliedro. Rio de Janeiro: José Olympio Editora,
1972.
160
DERRIDA, Jacques. O animal que logo sou. Trad. Fábio Landa. São Paulo: Editora UNESP,
2002.
161
PICCHIO, Luciana Stegagno. Cronologia da vida e da obra. In: MENDES, Murilo. Poesia
completa e prosa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994. p.67-81.
162
PEREIRA, Maria Luiza Scher; SILVA, Terezinha Vânia Zimbrão da; MENDES, Murilo.
Imaginação de uma biografia literária: os acervos de Murilo Mendes. Juiz de Fora: Editora UFJF,
2004.
ANIMAIS BIOGRÁFICOS: 60
um estudo de Poliedro, de Murilo Mendes
Filipe Amaral Rocha de Menezes
teatro, literatura e artes na belle-époque juiz-forana. Por toda a sua vida, a crítica
de arte foi a sua segunda ocupação, além da criação literária.
Mendes se aproximou de grandes artistas durante a sua vida por meio de
sua atuação literária e seu interesse por todas as formas de arte, em especial as
pictóricas e a música. Seu grande amigo, Ismael Nery, múltiplo artista, pintor,
arquiteto, filósofo, poeta e dançarino, exerceu grande influência e fascínio sobre
sua personalidade.163 Ao final de sua vida, Mendes possuía uma pinacoteca de
respeito em sua residência, na Via del Consolato, número 6, em Roma, com ampla
representatividade, com peças de Picasso, Portinari e Guignard, de vários pintores
italianos contemporâneos a sua vivência na Itália, especialmente Magnielli, e,
também, diversas obras dos amigos Ismael Nery, Arpad Szenes e Vieira da Silva.164
Essa convivência com artistas aparece na obra muriliana por meio de
poemas e textos em prosa muito visuais e repletos de referências a pinturas de
influência surrealista ou abstratas. A exemplo de muitos pintores, Mendes desenhou
um autorretrato no texto “Microdefinição do autor”.165 A epígrafe, no início deste
capítulo, é uma das afirmações de suas autodefinições. Mendes se intitula “minúsculo
animal” frente ao universo, orgânico e sistematizado, “enorme Animal”.
Nos livros de Mendes, animais e outros seres mitológicos aparecem com
certa frequência e estão presentes em quase toda a obra. Eles são seres insólitos,
com raras caracterizações físicas, mas, sobretudo, oníricas e surrealistas – são
animais metaforizados. Os seres imaginários ou mitológicos presentes serão
contados neste breve panorama, pois são combinações de animais reais com uma
zoologia dos sonhos.166 Neste capítulo, pretende-se uma revisão da obra muriliana,
tanto de textos em prosa quanto em verso, na mesma ordem apresentada em
163
GUIMARAES, Julio Castañon. Murilo Mendes. Rio de Janeiro: Brasiliense, 1986. p. 28.
164
Cf. PEREIRA, Maria Luiza Scher. Tempos de Murilo Mendes - Visita ao acervo do poeta: as
obras e as margens. Ipotesi, Juiz de Fora, Editora UFJF, v. 6, n. 1, p. 09-18, 2002.
165
MENDES, 1972, p. xvii-xx.
166
Cf. BORGES, Jorge Luis, GUERRERO, Margarita. Manual de zoología fantástica. México:
Fondo de Cultura Económica, 1966.
ANIMAIS BIOGRÁFICOS: 61
um estudo de Poliedro, de Murilo Mendes
Filipe Amaral Rocha de Menezes
Poesia completa e prosa.167 Este panorama dos animais na obra de Murilo Mendes
culminará com a análise de seu zoológico particular e poliédrico no “Setor
microzoo”, de Poliedro.168 Cada livro será brevemente apresentado, e, para aqueles
que registram alguma ocorrência animal ou de seres imaginários, será direcionado
um olhar mais atento, devendo-se começar por Poemas,169 de 1930.
Primeiro texto publicado pelo poeta – anteriormente, só havia feito
esparsas contribuições em jornais ou revistas literárias –, completamente
financiado pelo seu pai, é citado por Mário de Andrade em “A poesia em 1930”,
como “historicamente o mais importante dos livros” daquele ano.170 Andrade
afirma que em Poemas “o abstrato e o concreto se misturam constantemente,
formando imagens objetivas”, e Mendes com leveza e elasticidade passa do plano
do corriqueiro para o da alucinação, numa dicotômica e confusa dança. Luciana
Stegagno Picchio, estudiosa italiana da obra muriliana, concorda em parte que
esse primeiro volume tem “cunho declaradamente modernista”, principalmente
por conta dos poemas-piadas;171 porém discorda de Andrade, afirmando que,
apesar de modelado em clima modernista, Poemas tem uma origem “singular e
individualíssima carga estética e numa comovida e ao mesmo tempo pudica
freqüentação de congeniais personalidades poéticas”, ressaltando-se os clássicos
portugueses e brasileiros, os românticos, os portugueses Antônio Nobre e Cesário
Verde, os espanhóis Góngora, São João da Cruz e Manrique e os surrealistas
Aragon, Reverdy, Éluard.172
167
MENDES, Murilo; PICCHIO, Luciana Stegagno. Poesia completa e prosa. Rio de Janeiro: Nova
Aguilar, 1994.
168
MENDES, Murilo. Poliedro. Rio de Janeiro: José Olympio Editora, 1972.
169
MENDES, Murilo. Poemas 1925-1929. Juiz de Fora: Editorial Dias Cardoso, 1930.
170
ANDRADE, Mário de. A poesia em 1930. In: ______. Aspectos da literatura brasileira. Rio de
Janeiro: Americ, 1943.
171
PICCHIO, Luciana Stegagno. O itinerário poético de Murilo Mendes. Revista do Livro, Rio de
Janeiro, v. 4, n. 16, p. 61-73, dez. 1959. p. 64.
172
PICCHIO, 1959, p. 64-65.
ANIMAIS BIOGRÁFICOS: 62
um estudo de Poliedro, de Murilo Mendes
Filipe Amaral Rocha de Menezes
173
MENDES, Murilo. Poesias (1925-1955). Rio de Janeiro: José Olympio Editora, 1959.
174
MENDES, 1959, p. 15, 36, 37, 40.
175
MENDES, 1959, p. 6.
176
MENDES, 1959, p. 18 e 24.
ANIMAIS BIOGRÁFICOS: 63
um estudo de Poliedro, de Murilo Mendes
Filipe Amaral Rocha de Menezes
são de múltiplas cores. Eles trabalham muito, constroem “o trabalho dos homens,
agitam o mar, armam a mão dos padres e operários”. O eu lírico lhes atribui a
inspiração, dizendo que eles “ajuntam imagens e reflexos na cabeça dos poetas” e,
noutro ponto, diz que “debruçam-se nos olhos da gente, no bico da minha pena”.
Esses agitados demônios, que vão e vêm o tempo todo, mesmo não sendo tão
maus, importunam os planos de Deus e, ao atravessar o caminho deles a Virgem
Maria, eles se dobram, “caem no tempo”.
Em seguida, Mendes publicou Bumba-meu-poeta,177 um auto no qual o
poeta assume o lugar do boi do bailado popular cômico-dramático. Segundo
Câmara Cascudo, bumba é uma interjeição, e a expressão “Bumba-meu-boi”
significaria “Bate! Chifra, meu boi!”.178 O poeta é o Boi que chifra a sociedade,
criticando os professores com mirabolantes técnicas de ensino, um deputado, que
procura votos no meio da turba que assiste ao espetáculo, e vários outros
personagens que vão se seguindo pelo poema. São vários os pontos nos quais as
críticas do poeta-boi vão transparecer.
Em uma das falas do Poeta, ele critica o professor, acusando-o e
agradecendo por não ter ensinado nada: “Muito obrigado ao senhor, não me
ensinou coisa alguma”. Mendes, a exemplo dos demais modernistas, também
critica a sociedade brasileira e, num desabafo por meio do personagem Jazbande,
corruptela de jazz band (ing. orquestra ou banda de jazz), exclama: “Este povo
não faz nada sem auxílio musical”. Outro momento relevante é quando o Poeta
responde à primeira fala do Deputado, conclamando “abaixo à demagogia” e
“Passa fora: esta cantiga não pega mais pro pessoal” – reflexo da aversão de
Mendes à política.
São três as referências a seres imaginários, não havendo, porém,
nenhuma a animais, a não ser ao Boi – animal mitológico pertencente ao folclore
177
MENDES, Murilo. Bumba-meu-poeta. In: MENDES, Murilo; PICCHIO, Luciana Stegagno.
Poesia completa e prosa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994. p. 125-140.
178
BUMBA-MEU-BOI. In: CASCUDO, Luiz da Câmara. Dicionário do folclore brasileiro. 10 ed.
Rio de Janeiro: Ediouro, 2007. p. 192.
ANIMAIS BIOGRÁFICOS: 64
um estudo de Poliedro, de Murilo Mendes
Filipe Amaral Rocha de Menezes
179
Mendes, ao concluir que os anjos tentavam as filhas mais sublimes da mulher, referencia o texto
bíblico. Numa colagem comum ao texto muriliano, o poeta remete o leitor à Bíblia no enigmático
texto de Gênesis 6:1-2, em que anjos teriam percebido que “as filhas dos homens eram formosas”
e tiveram relações com elas gerando gigantes terríveis.
180
MENDES, Murilo. História do Brasil. In: MENDES, Murilo; PICCHIO, Luciana Stegagno.
Poesia completa e prosa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994. p. 141-193.
181
MENDES, Murilo. O visionário. In: MENDES, Murilo; PICCHIO, Luciana Stegagno. Poesia
completa e prosa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994. p. 195-242.
182
MENDES, Murilo. Tempo e eternidade. In: MENDES, Murilo; PICCHIO, Luciana Stegagno.
Poesia completa e prosa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994. p. 243-262.
183
Cf. PICCHIO, 1959, p. 67.
ANIMAIS BIOGRÁFICOS: 65
um estudo de Poliedro, de Murilo Mendes
Filipe Amaral Rocha de Menezes
até o fim da primeira república (1930), nos quais são encontrados vários
personagens históricos mesclados com outros literários e mitológicos. A veia
cômica é comum a todo o livro, como nos poemas “Fadistas versus Nassau”,184
sobre a expulsão dos holandeses do nordeste; “Os Pombos do Pombal”,185 sobre o
regente Marquês de Pombal, no qual os pombos matam como aviões jogando suas
bombas, e “Fico”,186 sobre o Dia do Fico, de D. Pedro I, no qual o monarca,
segundo o poeta, manda que as mulatas se preparem e que se afinem as guitarras.
Os animais aparecem em alguns poemas, como “Os Pombos do
Pombal”187 e “Carta de Pero Vaz”,188 poema resumo do documento escrito pelo
escrivão português. Nele, assim como na carta original, há os animais, inúmeros e
distintos dos conhecidos pelos portugueses até então. Eles são relacionados como
mais uma das riquezas da terra descoberta. No outro poema, os pombos são vilões
que “veneno deixaram dos bicos cair” e na volta à casa, levaram “materiais para
reconstrução do pombal”. Nele, o poeta reconta de forma metafórica, por meio de
pombos assassinos, os dois maiores feitos do Marquês de Pombal: a expulsão dos
jesuítas do território brasileiro e a reconstrução de Lisboa, destruída pelo
terremoto de 1755.
Há, ainda, o poema de um só verso, chamado “Homo Brasiliensis”,189
uma paródia do que seria o homem brasileiro. Nele, o poeta faz um trocadilho com
o jogo do bicho, criado, segundo consta, para ajudar a manutenção de um
zoológico particular do Rio de Janeiro.190 Em apenas dois versos, o poeta, pela
primeira vez, afirma a natureza animalesca do homem e o seu prazer nas
184
MENDES, 1994, p. 151.
185
MENDES, 1994, p. 156.
186
MENDES, 1994, p. 162.
187
MENDES, 1994, p. 156-157.
188
MENDES, 1994, p. 145.
189
MENDES, 1994, p. 187.
190
BENATTE, Antônio Paulo. É bicho na cabeça. História Viva. Ed. 54, Abril 2008. Disponível em:
http://www2.uol.com.br/historiaviva/reportagens/e_bicho_na_cabeca.html. Acessado em: 07 dez.
09. esta referência não constava na bibliografia.
ANIMAIS BIOGRÁFICOS: 66
um estudo de Poliedro, de Murilo Mendes
Filipe Amaral Rocha de Menezes
191
MENDES, 1994, p. 187.
192
PICCHIO, Luciana Stegagno. Notas e variantes. In: MENDES, Murilo. Poesia completa e prosa.
Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994. p. 1614.
193
Cf. PICCHIO, 1994, p. 1614.
194
MENDES, 1959, p. 29.
195
MENDES, 1994, p. 197, 199, 225 e 228.
ANIMAIS BIOGRÁFICOS: 67
um estudo de Poliedro, de Murilo Mendes
Filipe Amaral Rocha de Menezes
de uma pirâmide”: “Eu vejo em ti as épocas que já viveste e as épocas que ainda
tens para viver”.196 Já para a abordagem proposta para este capítulo, O visionário
não registra muitos animais. São encontradas algumas referências a anjos e os
únicos poemas que possuem nomes de animais tratam de assunto diverso do
título, são eles: “Metade pássaro”, “A pomba da lancha” e “Poema no bonde-
camelo”. Entretanto, o poema “Jandira” apresenta um ser mítico, espécie de
sereia, deusa e entidade cabocla.
Esse poema, “Jandira”,197 um dos mais famosos do poeta, evoca todos os
seres apresentados acima. Com o verso “O mundo começava nos seios de
Jandira.”, inicia-se como um mito de fundação, de gênese. Quando penteava seus
cabelos, “os mortos acordavam nos caminhos visíveis do ar”. Jandira cresceu “na
vida em graça, beleza, violência”. Seus perfumes, emanados dos seios, seduziam e
matavam seus namorados, que “viviam e morriam por causa de um detalhe de
Jandira”. Assim como a mãe d’água, descrita por Câmara Cascudo,198 a entidade
criada por Mendes canta e seduz: “E surgiram sereias da garganta de Jandira: o ar
inteirinho ficou rodeado de sons”. Eterna, ela já existe desde o princípio do tempo
e não morre, mas “espera que os clarins do juízo final venham chamar seu corpo”
que, segundo o narrador, “ressuscitará inda mais belo, mais ágil e transparente”.
Em seguida, apresentaram-se, em 1935, os elegíacos poemas de Tempo e
eternidade. Primeiro livro após sua conversão ao catolicismo, resultante do choque
da morte prematura do amigo Ismael Nery, Mendes escreveu em parceria com o
poeta Jorge de Lima, também católico e amigo de Nery. O primeiro poema já
exemplifica bem esse tom de lamento, baseando-se no texto bíblico de Jó, e
concorda com o proposto pelos poetas, então da publicação: “Restauremos a
poesia em Cristo”.199 Em oposição ao mitológico “Novíssimo Prometeu”200 de O
196
MENDES, 1994, p. 209.
197
MENDES, 1994, p. 202.
198
MÃE D’ÁGUA. In: CASCUDO, 2007, p. 532.
199
Cf. PICCHIO, 1994, p. 1621.
200
MENDES, 1994, p. 237.
ANIMAIS BIOGRÁFICOS: 68
um estudo de Poliedro, de Murilo Mendes
Filipe Amaral Rocha de Menezes
201
MENDES, 1994, p. 245.
202
MENDES, Murilo. Os quatro elementos. In: MENDES, Murilo; PICCHIO, Luciana Stegagno.
Poesia completa e prosa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994. p. 263-282.
203
MENDES, 1994, p. 266, 268 e 280.
204
MENDES, 1994, p. 268.
205
MENDES, 1994, p. 276.
ANIMAIS BIOGRÁFICOS: 69
um estudo de Poliedro, de Murilo Mendes
Filipe Amaral Rocha de Menezes
206
MENDES, Murilo. Mundo enigma. In: MENDES, Murilo; PICCHIO, Luciana Stegagno.In:
MENDES, Murilo; PICCHIO, Luciana Stegagno. Poesia completa e prosa. Rio de Janeiro: Nova
Aguilar, 1994. p. 373-397.
207
PICCHIO, 1959, p. 68.
208
MOURA, Murilo Marcondes de. Murilo Mendes: a poesia como totalidade. São Paulo: Edusp,
1995.
209
MENDES, 1994, p. 378.
210
MENDES, 1994, p. 245-246.
211
Cf. MENDES, Murilo. Recordações de Ismael Nery. 2. ed. São Paulo: EDUSP: Giordano, 1996. p.
47-54.
ANIMAIS BIOGRÁFICOS: 70
um estudo de Poliedro, de Murilo Mendes
Filipe Amaral Rocha de Menezes
212
MENDES, 1996, p. 47.
213
Cf. ARRIGUCCI JUNIOR, David. Entre Amigos. In: MENDES, Murilo. Recordações de Ismael
Nery. 2. ed. São Paulo: EDUSP : Giordano, 1996.
214
MENDES, 1994, p. 376, 382 e 383.
215
MENDES, Murilo. A Poesia em Pânico. In: MENDES, Murilo; PICCHIO, Luciana Stegagno.
Poesia completa e prosa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994. p. 283-310.
216
MENDES, Murilo. As metamorfoses. Rio de Janeiro: Record, 2002.
217
MENDES, Murilo. Poesia liberdade. Rio de Janeiro: Record, 2001.
218
BOSI, Alfredo. Murilo Mendes. In: ______. História Concisa da literatura brasileira. 43 ed. São
Paulo: Cultrix, 2006. p. 449.
219
PICCHIO, 1994, p. 1639.
ANIMAIS BIOGRÁFICOS: 71
um estudo de Poliedro, de Murilo Mendes
Filipe Amaral Rocha de Menezes
Eros!
Eros Cristus!
Eros Cristina!
Kyrie!
Kyrie Eleison!
Cristina
Tu me amparas me abandonas
220
MENDES, 1994, p. 303.
221
MENDES, 1994, p. 294-295.
222
MENDES, 1994, p. 287.
223
MENDES, 1994, Poema Espiritual, p. 296.
ANIMAIS BIOGRÁFICOS: 72
um estudo de Poliedro, de Murilo Mendes
Filipe Amaral Rocha de Menezes
Violada e intacta
Virgem e prostituta
Maldita e abençoada do Pai.
[...]224
224
MENDES, Murilo. Poema Católico. In: PICCHIO, 1994, p. 1643-1644.
225
ANDRADE, Fábio de Souza. Prefácio. In: MENDES, 2002.
226
MENDES, 2002, p. 45.
227
MENDES, 2002, p. 49.
228
MENDES, 2002, p. 52.
ANIMAIS BIOGRÁFICOS: 73
um estudo de Poliedro, de Murilo Mendes
Filipe Amaral Rocha de Menezes
De características próprias, trafega pelo dia e pela noite, “misto de carne e lenda”,
encarregado da poesia e da música. Ele também se faz “pássaro feito homem” e
fornece o “alimento da catástrofe e ritmo puro”. Numa referência ao texto bíblico,
no qual Noé teria soltado um corvo e depois uma pomba para saber se as águas
teriam baixado, o poeta afirma: “trago comigo a semente de Deus... e a visão do
dilúvio”. Não se sabe se é corvo ou a pomba, mas o poeta expressa sua biografia
nos extremos do dia e da noite.
Em “Cavalos”229, inusitados cavalos azuis passam a galope e criam uma
cena digna de um quadro, muito visual e onírica. O poeta questiona: “Aonde vão
eles?” e também responde que eles vão buscar a cabeça do Delfim. Como se o
poeta descrevesse uma pintura, cada um de seus cavalos exerce uma ação:
229
MENDES, 2002, p. 68.
230
MENDES, 2002, p. 68.
ANIMAIS BIOGRÁFICOS: 74
um estudo de Poliedro, de Murilo Mendes
Filipe Amaral Rocha de Menezes
eternos”,231 o poeta ainda não depara com a besta mitológica, mas apenas com os
seus restos. O eu lírico encontra com o Minotauro em “Novos tempos” e lhe
fornece a sobra de uma magnólia “aberta” em “Abismo”, mas em “A Bela e a
Fera” é que o monstro toma o seu lugar no centro do labirinto, que é o poema.232
Neste, ironicamente, a bela não é uma mulher, como nos contos de fada, mas a
Poesia, entretanto, a fera é mais presente. Ela “desce uivando” de uma carruagem
de raios e tinge o mundo inteiro com o seu sangue, como uma alegoria à
sanguinária guerra, até que a “branca Poesia lhe o mostre o dedo mindinho”,
enfrentando o monstro.
Segundo Antônio Candido, em Na sala de aula,233 ao analisar outro
poema do mesmo livro, “O pastor pianista”,234 afirma que Mendes “funda o seu
discurso poético na ‘anormalidade’, ou seja, na ‘violação do código da linguagem
usual’”,235o que teria por função predominante atrair e perturbar o seu leitor,
além de estética e de efeito visual, causando surpresa ou espanto. Esse exato e
mesmo recurso é utilizado em “A Bela e a Fera”.
A primeira e a terceira estrofes desenham um pano de fundo de
desolação, desespero e falta de diálogo: “As flores se contraíram, o cristal partiu-se
em mil” e “Da cortina azul da nuvem os deuses fazem sinais, eu confabulei com
eles – de nada vale o diálogo”. A segunda estrofe trata do aparecimento da fera,
que, ao contrário da tradição, uiva e desce de uma carruagem de raios, numa
grande demonstração de força e poderes mágicos. Mendes apropria-se das
tradições da forma como lhe convém e ao estilo modernista e antropofágico as
recria profundamente visuais e oníricas. Na última estrofe, momento de
enfrentamento da Bela com a Fera, esta parece estar morta, pois o seu sangue
tinge o mundo todo e só é estancado pelo simples levantar do dedo mindinho da
231
MENDES, 2002, p. 91.
232
MENDES, 2002, p. 95, 96 e 101.
233
CÂNDIDO, Antônio. Na sala de aula: caderno de analise literária. 8. ed. São Paulo: Ática, 2002.
234
MENDES, 2002, p. 87.
235
CÂNDIDO, 2002, p. 86.
ANIMAIS BIOGRÁFICOS: 75
um estudo de Poliedro, de Murilo Mendes
Filipe Amaral Rocha de Menezes
bela Poesia. Por final, quem se mostra com mais poder é Bela, que vai ao socorro,
não só do Minotauro exangue, mas do mundo para que não seja coberto do sangue
da besta – numa ironia típica de Mendes, a Poesia, dita “branca” em uma
associação à candura e à franqueza, tem toda a força.
Outros dois poemas “A criação e o criador”236 e “Maria Helena Vieira da
Silva”237 contêm referências a animais, de uma forma pouco ortodoxa. No
primeiro, o eu lírico descreve um animal chamado “poema obscuro”. O narrador o
chama, como o sopro da vida de Deus que chamou Adão: “‘Levanta-te, toma
essência, corpo’”. Esse bicho tem algumas semelhanças com o Odradek de
Kafka.238 Ambos são muito móveis e não se deixam capturar, assim como afirma
o poeta: “imediatamente o poema corre na areia, sacode os pés onde já nasceram
asas, volta coberto com a espuma do oceano”. Ele muda sua cor ocasionalmente e,
armado de um chicote, persegue o poeta, assim como a idéia da eternidade do
Odradek, em “As preocupações de um pai de família”, persegue e martiriza o
narrador do conto de Kafka.
No segundo poema, “Maria Helena Vieira da Silva”, o poeta transforma
a pintora num personagem animal híbrido, hermafrodita, metálico, ígneo. A
palavra bicho é repetida quatro vezes para enfatizar essa caracterização. Pode ser
alguma aranha, já que “minucioso, tece uma trama há mil anos”. Outras
características desse animal o aproximam dos quadros de Vieira da Silva, como
“minucioso”, “pesquisa sua perfeição”, “em contraponto às formas da cidade
organizada” – em especial referência aos quadros que reproduziam paisagens de
cidades e vilas, portuguesas e espanholas.
O livro Poesia liberdade, de 1947, escrito entre 1943 e 1945, é dedicado
aos “poetas moços do mundo” e, segundo Murilo Marcondes, no seu prefácio da
edição de 2001, está mergulhado decididamente no projeto modernista, de “criar
236
MENDES, 2002, p. 75.
237
MENDES, 2002, p. 104.
238
KAFKA, Franz. Odradek (Tit. Original “Die Sorge des Hausvaters”). In: BORGES, 2007, p. 114-
115.
ANIMAIS BIOGRÁFICOS: 76
um estudo de Poliedro, de Murilo Mendes
Filipe Amaral Rocha de Menezes
244
MENDES, 2001, p. 49.
245
MENDES, 2001, p. 109.
246
MENDES, 1972, p. xx.
ANIMAIS BIOGRÁFICOS: 78
um estudo de Poliedro, de Murilo Mendes
Filipe Amaral Rocha de Menezes
247
MENDES, 2001, p. 117.
248
Cf. UNICORN. In: CIRLOT, J. E. A Dictionary of Symbols. 2 ed. Trad. Jack Sage. London:
Routledge, 2001. p. 357.
249
MENDES, 2001, p. 131.
250
BLAKE, William; PLOWMAN, Max; KEYNES, Geoffrey. Blake's poems and prophecies.
London: Dent, 1927. p. 352.
251
MENDES, Murilo. Sonetos brancos. In: MENDES, Murilo; PICCHIO, Luciana Stegagno. Poesia
completa e prosa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994. p. 441-453.
ANIMAIS BIOGRÁFICOS: 79
um estudo de Poliedro, de Murilo Mendes
Filipe Amaral Rocha de Menezes
252
MENDES, 1994, p. 446, 448, 450 e 452.
253
MENDES, 1994, p. 448.
254
MENDES, 1994, p. 451.
255
MENDES, Murilo. Contemplação de Ouro Preto. In: MENDES, Murilo; PICCHIO, Luciana
Stegagno. Poesia completa e prosa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994. p. 455-540.
ANIMAIS BIOGRÁFICOS: 80
um estudo de Poliedro, de Murilo Mendes
Filipe Amaral Rocha de Menezes
uma nova fase do poeta: “na atenção às coisas, às paisagens, com sua história,
tradição, forma e sentido”.256 Além disso, segundo Laís Corrêa Araújo, sua
mineiridade será assumida, por meio da
256
PICCHIO, 1994, p. 1680.
257
ARAÚJO, Laís Corrêa de. Murilo Mendes: ensaio crítico, antologia, correspondência. São Paulo:
Perspectiva, 2000.
258
MENDES, 1994, p. 473-488. Poema-homenagem faz referência ao livro Guia de Ouro Preto, de
1938, de Manuel Bandeira.
259
MENDES, 1994, p. 470-471. Poema-homenagem faz referência ao livro Romanceiro da
Inconfidência, de 1953, de Cecília Meirelles.
260
MENDES, 1994, p. 535-540.
261
MENDES, Murilo. Parábola. Poesia completa e prosa. In: MENDES, Murilo; PICCHIO, Luciana
Stegagno. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994. p. 541-562.
262
PICCHIO, 1994, p. 1682.
ANIMAIS BIOGRÁFICOS: 81
um estudo de Poliedro, de Murilo Mendes
Filipe Amaral Rocha de Menezes
aos poetas do dolce stil nuovo (“Gentilíssima dama eternidade”) para depois se
romper de improviso na proposição pseudossurrealista”.263
Nos poemas de Parábola, há algumas referências esparsas a animais. Em
“Indicação”, a manhã que se aproxima é comparada a um familiar leopardo.264 Já
em “Insônia”, um branco cão mítico teria poderes de dividir a noite em duas
partes e, se fosse negro, talvez pudesse fazer o poeta dormir.265 Peixes, gaivotas e
outros pássaros marinhos habitam um grande trecho de um poema dedicado ao
artista Osvaldo Goeldi.266
Há ainda outros dois poemas dedicados a animais: o primeiro, “Pássaros
noturnos”,267 fala de pássaros fantasmas que se metamorfoseiam em outros
animais, “nascidos sem lei nem forma”. São pássaros profetas, “anunciadores de
uma vida livre” – animais insólitos criados por uma mente imaginativa, cultora
dos poemas repletos de vida e imagens da vida e do mundo irreal. O outro poema,
pouco menos insólito que o anterior, evoca um animal real, mas em uma função
surrealista, fantástica – “A pulga”.268 O inseto-parasita descrito salta o seu pulo
irônico, “gnomo indefeso, a bicha insistente e insatisfeita” procura perfurar, não a
pele do poeta, mas os poros da poesia. Ela está a serviço da desconstrução, é
opositora à força criativa do poeta. Ao final, o poeta afirma que a pulga o pica
insatisfeita, porém se ri, “sã e salva”.
Além desses, o poema “Pequeno Atlante”269 contém figuras mitológicas,
como Atlas, que teria sido condenado a suportar o firmamento nas costas, e o
gigante Anteu, vencido por Hércules, morto ao ser suspendido no ar pelo herói. O
263
PICCHIO, 1959, p. 71.
264
MENDES, 1994, p. 545-546.
265
MENDES, 1994, p. 552.
266
MENDES, 1994, p. 556-557.
267
MENDES, 1994, p. 545.
268
MENDES, 1994, p. 551.
269
MENDES, 1994, p. 559.
ANIMAIS BIOGRÁFICOS: 82
um estudo de Poliedro, de Murilo Mendes
Filipe Amaral Rocha de Menezes
pequeno Atlante é incitado pelo poeta a suportar o céu, o vácuo, a cinza e seus
subúrbios, mas o mais importante é suportar o bicho-homem:
270
MENDES, 1994, p. 559. Linhas 10 a 15.
271
PICCHIO, 1994, p. 1683.
272
ARRIGUCCI JUNIOR, Davi. O cacto e as ruínas: a poesia entre outras artes. São Paulo: Duas
Cidades; Editora 34, 2000.
273
ARRIGUCCI JUNIOR, 2000, p. 116.
ANIMAIS BIOGRÁFICOS: 83
um estudo de Poliedro, de Murilo Mendes
Filipe Amaral Rocha de Menezes
274
MENDES, 1994, p. 567.
275
MENDES, 1994, p. 567.
276
MENDES, 1994, p. 571.
277
MENDES, Murilo. Tempo espanhol. In: MENDES, Murilo; PICCHIO, Luciana Stegagno. Poesia
completa e prosa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994. p. 575-621.
278
PICCHIO, 1994, p. 1683.
ANIMAIS BIOGRÁFICOS: 84
um estudo de Poliedro, de Murilo Mendes
Filipe Amaral Rocha de Menezes
279
ARAÚJO, Laís Corrêa de. Plenitude e Concreção do Verbo. In: ______. ARAÚJO, Laís Corrêa
de. Murilo Mendes: ensaio crítico, antologia, correspondência. São Paulo: Perspectiva, 2000. p.
115.
280
MENDES, 1994, p. 577-578.
281
Cf. ARAÚJO, 2000, p. 115.
ANIMAIS BIOGRÁFICOS: 85
um estudo de Poliedro, de Murilo Mendes
Filipe Amaral Rocha de Menezes
282
MENDES, Murilo. Convergência. In: MENDES, Murilo; PICCHIO, Luciana Stegagno. Poesia
completa e prosa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994. p. 623-740.
283
MENDES, 1994, p. 627.
284
PICCHIO, 1994, p. 1684.
ANIMAIS BIOGRÁFICOS: 86
um estudo de Poliedro, de Murilo Mendes
Filipe Amaral Rocha de Menezes
285
FUNARI, Pedro Paulo Abreu. Cultura popular na antiguidade clássica. São Paulo: Contexto,
1989. p. 28, 31 e 35.
286
MENDES, 1994, p. 627.
287
MENDES, 1994, p. 628-630.
288
MENDES, 1994, p. 627-628.
ANIMAIS BIOGRÁFICOS: 87
um estudo de Poliedro, de Murilo Mendes
Filipe Amaral Rocha de Menezes
O cavalo Pégaso
Desenhado
Torna-se um cavalo um signo.
O cavalo que eu nunca avistei
É uma metáfora.293
289
MENDES, 1994, p. 644.
290
MENDES, 1994, p. 706.
291
MENDES, 1994, p. 655-656.
292
Cf. ARGAN, Giula Carlo. Arte moderna: do iluminismo aos movimentos contemporâneos. São
Paulo: Companhia das Letras, 1992, p. 630.
293
MENDES, 1994, p. 656. Linhas 5 a 9.
294
MENDES, 1994, p. 735.
ANIMAIS BIOGRÁFICOS: 88
um estudo de Poliedro, de Murilo Mendes
Filipe Amaral Rocha de Menezes
uma Dorinha de sua infância, que também quebrava copos. Os jogos de palavras
são presentes na terceira estrofe e, na última, o poeta apresenta um ditado toscano
(pisano), que menciona a andorinha:
295
MENDES, Murilo. Ipotesi. Poesia completa e prosa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994, p. 1503-
1563.
296
Em as partes de Ipotesi, em português: I – Informação, II – Hipótese, III – Epigramas e outros, IV
– Homenagens, V – Cidades e VI – O programa.
297
MENDES, 1994, p. 1528-1529.
298
MENDES, 1994, p. 1531.
299
MELVILLE, Herman. Moby Dick, or, The white whale. New York: Washington Square, 1949.
ANIMAIS BIOGRÁFICOS: 89
um estudo de Poliedro, de Murilo Mendes
Filipe Amaral Rocha de Menezes
303
MENDES, 1994, p. 818, 821, 822, 823, 824, 832 e 839.
304
MENDES, 1994, p. 820, 829 e 880.
305
MENDES, Murilo. A idade do serrote. Rio de Janeiro: Record, 2003.
306
Para o tratamento desse livro, preferiu-se utilizar o termo “fragmento” em vez de capítulos, pois
esses são pequenos contos intitulados sobre alguns personagens ou fatos específicos.
307
PICCHIO, 1994, p. 1692-1693.
ANIMAIS BIOGRÁFICOS: 91
um estudo de Poliedro, de Murilo Mendes
Filipe Amaral Rocha de Menezes
Primo Nélson era mais velho, por muitos anos passeavam juntos após o
jantar pela Avenida Rio Branco e, nesses momentos, ensinava ao menino muito
sobre literatura e ciência. Noutro momento, experiências amorosas fracassadas e
próprias fazem o narrador-personagem concluir: “O homem é um animal
reincidente no erro, e que se nutre de metáforas”.313
308
MENDES, 2003, p. 63.
309
MENDES, 2003, p. 47-48.
310
MENDES, 2003, p. 112-113.
311
MENDES, 2003, p. 81.
312
MENDES, 2003, p. 87.
313
MENDES, 2003, p. 97.
ANIMAIS BIOGRÁFICOS: 92
um estudo de Poliedro, de Murilo Mendes
Filipe Amaral Rocha de Menezes
314
MENDES, 2003, p. 101;
315
MENDES, 2003, p. 117 e 118.
316
MENDES, 2003, p. 43-46.
ANIMAIS BIOGRÁFICOS: 93
um estudo de Poliedro, de Murilo Mendes
Filipe Amaral Rocha de Menezes
317
MENDES, 2003, p. 44.
318
MENDES, 2003, p. 45.
319
MENDES, 2003, p. 119-121.
320
MENDES, 2003, p. 140-144.
ANIMAIS BIOGRÁFICOS: 94
um estudo de Poliedro, de Murilo Mendes
Filipe Amaral Rocha de Menezes
321
MENDES, 2003, p. 144.
322
MENDES, 1972.
323
MENDES, Murilo. Carta geográfica. In: MENDES, Murilo; PICCHIO, Luciana Stegagno. Poesia
completa e prosa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994. p. 1051-1117.
324
PICCHIO, 1994, p. 1694.
ANIMAIS BIOGRÁFICOS: 95
um estudo de Poliedro, de Murilo Mendes
Filipe Amaral Rocha de Menezes
325
MENDES, Murilo. Espaço espanhol. In: MENDES, Murilo; PICCHIO, Luciana Stegagno. Poesia
completa e prosa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994. p. 1119-1192.
326
MENDES, Murilo. Janelas verdes. In: MENDES, Murilo; PICCHIO, Luciana Stegagno. Poesia
completa e prosa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994. p. 1363-1445.
327
PICCHIO, 1994, p. 1698.
328
PICCHIO, 1994, p. 1698.
ANIMAIS BIOGRÁFICOS: 96
um estudo de Poliedro, de Murilo Mendes
Filipe Amaral Rocha de Menezes
329
MENDES, 1994, p. 1444.
330
MENDES, 1972, p. xvii.
331
MENDES, 1994, p. 1056, 1057, 1059 e 1066.
332
MENDES, 1994, p. 1090.
333
MENDES, 1994, p. 1096.
ANIMAIS BIOGRÁFICOS: 97
um estudo de Poliedro, de Murilo Mendes
Filipe Amaral Rocha de Menezes
334
MENDES, 1994, p. 1101.
335
MENDES, 1994, p. 1121.
336
MENDES, 1994, p. 1122.
337
MENDES, 1994, p. 1123, 1142, 1149 e 1144.
338
MENDES, 1994, p. 1126.
339
MENDES, 1994, p. 1157.
340
MENDES, 1994, p. 1127.
ANIMAIS BIOGRÁFICOS: 98
um estudo de Poliedro, de Murilo Mendes
Filipe Amaral Rocha de Menezes
o poeta se pergunta se a Espanha “se alinhará com outros países onde é falta de
gosto aludir à morte”. Ao considerar as corridas, não um rito esportivo, mas
“espécie de rito sacro”, o narrador conclui lamentando que “o desgaste dos
produtos da indústria da técnica e da arte recorda diariamente ao homem o fim de
todas as coisas criadas”, isto é, a sociedade de consumo, a seu ver, irá suplantar
todos os rituais culturais e artísticos criados pelo homem, a favor do
entretenimento para massas.
Os animais são, ainda, menos presentes em Janelas verdes e apenas no
fragmento “Setúbal”, num único parágrafo, o narrador cria uma pequeníssima
fábula sobre sardinhas. Essa cidade portuguesa ficou famosa por nela terem sido
criadas as primeiras indústrias de beneficiamento e enlatamento do peixe. Na sua
homenagem, o poeta narra um intento de revolta por serem, as sardinhas,
obrigadas a viver em tão pouco espaço, presas e subjugadas pelo homem:
341
MENDES, 1994, p. 1406.
342
MENDES, Murilo. Retratos-relâmpago 1ª Série. In: MENDES, Murilo; PICCHIO, Luciana
Stegagno. Poesia completa e prosa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994. p. 1195-1260.
343
MENDES, Murilo. Retratos-relâmpago 1ª Série. In: MENDES, Murilo; PICCHIO, Luciana
Stegagno. Poesia completa e prosa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994. p. 1261-1295.
344
MENDES, Murilo. A invenção do finito. In: MENDES, Murilo; PICCHIO, Luciana Stegagno.
Poesia completa e prosa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994. p. 1297-1361.
ANIMAIS BIOGRÁFICOS: 99
um estudo de Poliedro, de Murilo Mendes
Filipe Amaral Rocha de Menezes
345
MENDES, 1994, p. 1216.
346
MENDES, 1994, p. 1285.
347
MENDES, 1994, p. 1238.
ANIMAIS BIOGRÁFICOS: 100
um estudo de Poliedro, de Murilo Mendes
Filipe Amaral Rocha de Menezes
348
MENDES, 1994, p. 1344 3 1345.
349
MENDES, Murilo. Conversa portátil. In: MENDES, Murilo; PICCHIO, Luciana Stegagno. Poesia
completa e prosa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994. p. 1449-1500.
350
PICCHIO, 1994, p. 1705.
ANIMAIS BIOGRÁFICOS: 101
um estudo de Poliedro, de Murilo Mendes
Filipe Amaral Rocha de Menezes
[...]
O rugido do tigre anima os pássaros e desanima o leão.
[...]
Os leões voltam delicadamente para casa; delicadamente
ninguém os fuzila. Motivo: suplantados pelos animais atômicos,
os leões estão fora de moda.
[...]
Examino o camaleão: mudo de cor.
[...]
Ir diariamente ao Jardim Zoológico ver o rinoceronte a fim de
redimensionar o físico de certas vizinhas feias do meu bairro.351
351
MENDES, 1994, p. 1454, 1459, 1460, 1462, 1463 e 1466.
ANIMAIS BIOGRÁFICOS: 102
um estudo de Poliedro, de Murilo Mendes
Filipe Amaral Rocha de Menezes
3 ANIMAIS NO POLIEDRO
352
MENDES, Murilo. O discípulo de Emaús. In: MENDES, Murilo; PICCHIO, Luciana Stegagno.
Poesia completa e prosa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994. p. 813-891.
353
MENDES, Murilo. Poliedro. Rio de Janeiro: José Olympio Editora, 1972.
354
POLIEDRO. In: AULETE DIGITAL. Disponível em: http://www.auletedigital.com.br.
355
ZAGURY, Eliane. Murilo Mendes e o Poliedro. In: MENDES, Murilo. Poliedro. Rio de Janeiro:
José Olympio Editora, 1972. p. vii-xii.
ANIMAIS BIOGRÁFICOS: 103
um estudo de Poliedro, de Murilo Mendes
Filipe Amaral Rocha de Menezes
356
ZAGURY, 1972, p. ix.
357
ZAGURY, 1972, p. xi.
ANIMAIS BIOGRÁFICOS: 104
um estudo de Poliedro, de Murilo Mendes
Filipe Amaral Rocha de Menezes
358
VERBETE. In: AULETE DIGITAL. Disponível em: http://www.auletedigital.com.br.
359
MERQUIOR, José Guilherme. À beira do antiuniverso debruçado ou introdução livre à poesia de
Murilo Mendes. In: MENDES, Murilo. Antologia poética. Brasília: Instituto Nacional do Livro,
1976. p. xi-xxii.
360
MERQUIOR, 1976, p. xx-xxi.
ANIMAIS BIOGRÁFICOS: 105
um estudo de Poliedro, de Murilo Mendes
Filipe Amaral Rocha de Menezes
361
BESTIARIO. In: LANCIANI, Giulia; TAVANI, Giuseppe. Dicionário da literatura medieval
galega e portuguesa. 2. ed. Lisboa: Caminho, 2000. p. 83.
362
BIANCIOTTO, Gabriel. Le Bestiaire dans la literature médiévale. Études de Langue et Littérature
françaises de l'Université de Hiroshima, Hiroshima, no.15, p.1-13, 2006. Disponível em:
<http://ir.lib.hiroshima-u.ac.jp/metadb/up/kiyo/AN00000085/ELLF_15_1.pdf> Acesso em: 25 out.
2009.
363
MENDES, 1972, p. 14 e 15.
ANIMAIS BIOGRÁFICOS: 106
um estudo de Poliedro, de Murilo Mendes
Filipe Amaral Rocha de Menezes
364
MENDES, 1972, p. 14.
365
MELVILLE, Herman. Moby Dick, or, The white whale. New York: Washington Square, 1949.
366
MENDES, 1972, p. 14.
367
CONWAY, 1982, p. 3.
ANIMAIS BIOGRÁFICOS: 107
um estudo de Poliedro, de Murilo Mendes
Filipe Amaral Rocha de Menezes
368
MENDES, 1994, p. 735.
369
MENDES, 1994, p. 427.
370
MENDES, 1994, p. 327 e 334.
ANIMAIS BIOGRÁFICOS: 108
um estudo de Poliedro, de Murilo Mendes
Filipe Amaral Rocha de Menezes
baronesa. O vento que seria montado pelo menino carregaria o poeta nas suas
memórias da infância, com os mesmos personagens descritos em Idade do serrote,
como o pobre mendigo Isidoro e sua tia, a baronesa, que afirma: “o grande sonho:
ir do Brasil à China a cavalo”.371
371
MENDES, 2003, p. 25.
372
MENDES, 1994, p. 1510. No tempo da minha infância, queria ir do Brasil à China a cavalo.
373
MENDES, Murilo. Recordações de Ismael Nery. São Paulo: Edusp, 1996. p. 24-25.
ANIMAIS BIOGRÁFICOS: 109
um estudo de Poliedro, de Murilo Mendes
Filipe Amaral Rocha de Menezes
Esses elementos utilizados por Mendes são comuns a boa parte de sua
obra poética e de prosa e, nos verbetes de Poliedro, há grande experimentação na
criação das cenas e dos personagens, como os objetos animados do “Setor
microlição de coisas”: vitrolas com nomes femininos, que tossem e conversam com
o narrador, cantariam para ele as mais diversas músicas; gravatas consideradas
sobrenaturais, algumas de excessiva personalidade; as canetas que conhecem
todos os caminhos e as tesouras de mau humor que sabem se calar. Esses objetos,
de forma antropomórfica, seriam como imagens provenientes de sonhos, das
memórias dos jogos infantis, que, embora sejam nostálgicos e pueris, pertencem
ao campo dos sonhos, do insólito e do intangível. É dos sonhos e do surrealismo
que Mendes extrai sua noção de maravilhoso, além da base transcendental do seu
cristianismo.
374
MENDES, 1994, p. 1238.
375
BRETON, Andre. Manifesto do Surrealismo (1924). In: TELES, Gilberto Mendonça. Vanguarda
européia e modernismo brasileiro: apresentação crítica dos principais manifestos, prefácios e
conferências vanguardistas, de 1857 até hoje. Petrópolis: Vozes, 1978. p. 185.
ANIMAIS BIOGRÁFICOS: 110
um estudo de Poliedro, de Murilo Mendes
Filipe Amaral Rocha de Menezes
compreensíveis pelo inconsciente, como a casa de mil e uma salas paralelas por
onde passeia a girafa. O animal “douce, macia, delicada, atenciosa/ Muito
elegante, veste-se com apuro”, segundo o narrador-personagem, encontra-se em
uma dessas salas, abertas por ele com um fecho éclair. Num dado momento, faz-se
escuro na sala e inicia-se uma projeção numa pequena tela, na qual a girafa atenta
vê diversos filmes, ao que o narrador sai discretamente da sala, pois “o cineminha
é privativo da girafa”. 376
Franco propõe ainda que, mais que combinar idéias contrárias para
originar novos conceitos, o texto muriliano se utiliza dessa técnica para dar maior
concretude e referencialidade direta às suas imagens. Conceitos abstratos,
impalpáveis, tornam-se concretos nos verbetes de Poliedro ao se aproximarem de
seres e imagens reais, palpáveis, como em “O tigre”381 e “A preguiça”.382 No
primeiro, o tigre, por sua força e beleza, é elevado a um status superior à deidade,
sendo comparado ao tempo, como na frase “O tigre não espera o homem. Os
deuses esperam o tigre”.383
380
FRANCO, Irene Miranda. Murilo Mendes: pânico e flor. Rio de Janeiro: 7 Letras; Juiz de Fora:
Centro de Estudos Murilo Mendes – UFJF, 2002. p. 56-57.
381
MENDES, 1972, p. 10-11.
382
MENDES, 1972, p. 29-31.
383
MENDES, 1972, p. 10.
384
MENDES, 1972, p. 11.
ANIMAIS BIOGRÁFICOS: 112
um estudo de Poliedro, de Murilo Mendes
Filipe Amaral Rocha de Menezes
385
COMMELIN, Pierre. Mitologia grega e romana. Rio de Janeiro: Tecnoprint, [s.d.]. p. 76-77.
386
MENDES, 1972, p. 30.
387
MENDES, 1972, p. 29.
388
MOURÃO, Rhéa Sylvia. Da influência do surrealismo na estética contemporânea. Rio de Janeiro:
Pallas, 1985.
389
MOURÃO, 1985, p. 30.
ANIMAIS BIOGRÁFICOS: 113
um estudo de Poliedro, de Murilo Mendes
Filipe Amaral Rocha de Menezes
390
MENDES, 1972, p. 7.
391
MENDES, 1972, p. 18.
392
MENDES, 1972, p. 54.
393
MENDES, 1972, p. 62.
ANIMAIS BIOGRÁFICOS: 114
um estudo de Poliedro, de Murilo Mendes
Filipe Amaral Rocha de Menezes
394
ANDRADE, Carlos Drummond de. Os mortos de sobrecasaca. In: ______. Sentimento do mundo.
ed. especial. Rio de Janeiro; São Paulo: Record: Fundação Nestlé de Cultura, 1999.
395
MENDES, 1972, p. 32.
396
Cf. NUNES, Cassiano. O humor na poesia moderna do Brasil. In: ______. Breves estudos de
literatura brasileira. São Paulo: Saraiva, 1969. p. 96-112.
397
ANDRADE, Mário de. A poesia em 1930. In: ______. Aspectos da literatura brasileira. Rio de
Janeiro: Americ, 1943. p. 43.
398
VILLAÇA, Antônio Carlos. El humor en la literatura brasileña. Revista de cultura brasileña.
Barcelona, n. 40, dez. 1975, p. 69-78.
ANIMAIS BIOGRÁFICOS: 115
um estudo de Poliedro, de Murilo Mendes
Filipe Amaral Rocha de Menezes
muriliano.399 Para Mendes, o sistema essencialista criado por seu amigo Ismael
Nery é baseado na abstração do tempo e do espaço, e apenas mediante essa
abstração seria possível se alcançar a essência do homem e das coisas. Com um
fundo ideológico aproximado do surrealismo, procurava eliminar o que fosse
supérfluo de forma a libertar o homem para uma vivência plena.
Devido à ausência de qualquer material escrito sobre o tema por Ismael
Nery, apenas suas divagações foram captadas por Mendes e divulgadas em sua
obra.400 Nery estabeleceu um pequeno conjunto de princípios de refinada visão do
mundo, com uma grande obsessão pelo tempo e pela efemeridade da vida – esse
sistema encurtaria a experiência do homem, permitindo-lhe evitar o desperdício
de energia e aproveitar melhor todos os elementos construtivos da vida.401 Assim,
o sistema essencialista seria o que Mendes teria afirmado ser abraçar “o
surrealismo à moda brasileira”.
O essencialismo fora a forma pela qual, Mendes e Nery, puderam manter
sua fé católica e adaptarem-se às novidades do surrealismo, numa época em que a
religião parecia-lhes “como qualquer coisa de obsoleto, definitivamente
ultrapassada”. Para Nery, o essencialismo fora criado para ajudar o homem a ser
homem, isto é, para não se desvirtuar dos seus objetivos de participar da vida do
próximo, o contrário seria a única e grande tragédia, atingindo a justiça divina e
compartilhando experiências e vivências. Além disso, acreditava que o homem
deveria manter-se na eterna busca pelo conhecimento de Deus e que o maior
obstáculo disso seria o tempo e o espaço.
O essencialismo em Mendes é manifesto na sua contínua obsessão pelo
insólito e pelo eterno. Na sua introdução a Poliedro, a “Microdefinição do autor”,
como também em várias partes do livro, o poeta afirma sua obsessão pelas coisas
eternas: diz-se compelido ao trabalho literário pelo “desejo de suprir lacunas da
399
Cf. MOURA, 1995, p. 40.
400
Cf. MOURA, 1995, p. 45.
401
Cf. MENDES, 1996, p. 51.
ANIMAIS BIOGRÁFICOS: 116
um estudo de Poliedro, de Murilo Mendes
Filipe Amaral Rocha de Menezes
402
ARAÚJO, Laís Corrêa. Surrealismo em Murilo Mendes? Suplemento Literário de Minas Gerais,
Belo Horizonte, v. 4, n. 128, p. 14-15, fev. 1969.
ANIMAIS BIOGRÁFICOS: 117
um estudo de Poliedro, de Murilo Mendes
Filipe Amaral Rocha de Menezes
403
MENDES, Murilo. O eterno nas letras brasileiras modernas. Lanterna Verde, Rio de Janeiro, n. 4,
nov. 1936, p. 43-48.
404
MENDES, 1994, p. 821 e 826.
ANIMAIS BIOGRÁFICOS: 118
um estudo de Poliedro, de Murilo Mendes
Filipe Amaral Rocha de Menezes
405
BANDEIRA, Manuel; CARPEAUX, Otto Maria. Apresentação da poesia brasileira: seguida de
uma antologia de poetas brasileiros. Rio de Janeiro: Tecnoprint, [19--]. p. 150.
406
MENDES, 1972, p. 9.
407
RONECKER, Jean-Paul. O simbolismo animal: mitos, crenças, lendas, arquétipos, folclore,
imaginário. Trad. Benôni Lemos. São Paulo: Paulus, 1997.
408
TARTARUGA. In: RONECKER, 1997, p. 336-338.
ANIMAIS BIOGRÁFICOS: 119
um estudo de Poliedro, de Murilo Mendes
Filipe Amaral Rocha de Menezes
409
Tipo de coluna com figura feminina esculpida, originária da Grécia antiga, cuja função é a de
sustentar um entablamento. CARIÁTIDE. In: AULETE DIGITAL. Disponível em:
http://www.auletedigital.com.br.
410
CIRLOT, Juan Eduardo. A dictionary of symbols. Trad. Jack Sage. London: Routledge & Kegan
Paul, 1971.
411
BENJAMIN, Walter. Flâneur. Charles Baudelaire: um lírico no auge do capitalismo. Obras
escolhidas. Trad. José Martins Barbosa, Hemerson Alves Baptista. São Paulo: Brasiliense, 1989. v.
3, p. 51.
ANIMAIS BIOGRÁFICOS: 120
um estudo de Poliedro, de Murilo Mendes
Filipe Amaral Rocha de Menezes
412
MENDES, 1972, p. 10-11.
413
Cf. TIGRE. In: RONECKER, 1997, p. 259-261.
414
BLAKE, William. The tiger. Trad. Ângelo Monteiro. Disponível em:
http://www.casadacultura.org/Literatura/Poesia/g12_traducoes_do_ingles/Tigre_Angelo_Monteiro
.html. Acesso em: 22-mar-10.
ANIMAIS BIOGRÁFICOS: 121
um estudo de Poliedro, de Murilo Mendes
Filipe Amaral Rocha de Menezes
da girafa: gir, girador, girame, girândola, além do inevitável girassol. Serão todas
belas, atraentes, não o nego. Prefiro-lhes entretanto a girafa, volto à mesma”.
Nesse verbete, como nos demais de Poliedro, algumas palavras ou
conceitos funcionariam como hiperlinks de uma enciclopédia virtual. Pode-se
afirmar que seria uma memória enciclopédica na qual existe a tentativa de
inventariar o mundo, de se colocar tudo dentro do texto, num outro sentido: de
um passeio pelo seu intelecto, no qual um conceito puxa outro, ou um assunto
lembra um autor, que lembra um poema, e assim, em Mendes, tudo estaria
entrelaçado por uma corrente intelecto-sentimental. Além disso, faz-se o enorme
trabalho da citação.
Em toda a obra de Murilo Mendes é possível encontrar trechos de textos
de outros autores e a citação direta, com confirmação da fonte, com menção do
nome do citado em notas deixadas em alguns de seus livros. Em nota de Janelas
verdes, o escritor afirma: “Às vezes cito versos de Camões, Bocage, Cesário Verde,
etc., sem aspas. Não faço ao leitor a injúria de pensar que os desconhece”.415 Em
Retratos-relâmpago – 1ª série, confessa: “Em alguns casos, dispensando aspas,
inseri no texto palavras de escritores abordados. ‘Raimundo Corrêa’, logo se vê,
resulta numa colagem”.416
Segundo Julio Castañon Guimarães em Territórios/conjunções,417 sobre o
trabalho de citação de Mendes, o que o escritor pretendia fazer era “construir um
discurso próprio”, ao utilizar-se de diversos excertos das mais variadas obras
literárias, críticas e até mesmo pictóricas e musicais, como as comparações com a
obra mozarteana. Dessa forma, o poeta elabora a sua tessitura costurando os mais
variados trechos de diversas origens, citações e fontes com sua prosa e poética
para criar o seu discurso e seu estilo.
415
MENDES, 1994, p. 1445.
416
MENDES, 1994, p. 1702.
417
GUIMARÃES, Julio Castañon. Territórios/conjunções: poesia e prosa críticas de Murilo Mendes.
Rio de Janeiro: Imago editora, 1993.
ANIMAIS BIOGRÁFICOS: 123
um estudo de Poliedro, de Murilo Mendes
Filipe Amaral Rocha de Menezes
419
BANDEIRA, 1966, p. 310.
420
BANDEIRA, 1966, p. 358.
421
BANDEIRA, 1966, p. 215-216.
422
MENDES, 1972, p. 34-35.
ANIMAIS BIOGRÁFICOS: 125
um estudo de Poliedro, de Murilo Mendes
Filipe Amaral Rocha de Menezes
423
Cf. referência às pequenas embarcações dos portugueses que lutaram contra os franceses
expulsando-os da fortaleza de Villegagnon, na Baía de Guanabara, no lugar onde seria considerada
a França Antártida, no século XVI.
424
COMMELIN, Pierre. Mitologia grega e romana. Rio de Janeiro: Tecnoprint, [s.d.]. p. 114.
ANIMAIS BIOGRÁFICOS: 126
um estudo de Poliedro, de Murilo Mendes
Filipe Amaral Rocha de Menezes
425
Cf. COMMELIN, [s.d.], p. 114.
426
MENDES, 1972, O Ietí, p. 103.
ANIMAIS BIOGRÁFICOS: 127
um estudo de Poliedro, de Murilo Mendes
Filipe Amaral Rocha de Menezes
427
SOUZA, Eneida Maria de. Crítica cult. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2002. p. 113.
428
BARTHES, Roland. Prefácio. Sade, Fourier, Loyola. Trad. Mário Laranjeira. São Paulo: Martins
Fontes, 2005. p. xvii.
429
PERRONE-MOISÉS, Leyla. Roland Barthes. São Paulo: Brasiliense, 1983. p. 15.
ANIMAIS BIOGRÁFICOS: 128
um estudo de Poliedro, de Murilo Mendes
Filipe Amaral Rocha de Menezes
430
MENDES, 1972, p. 7-8.
431
MENDES, Murilo. Meu pai. In: ______. A idade do serrote. Rio de Janeiro: Record, 2003.
ANIMAIS BIOGRÁFICOS: 129
um estudo de Poliedro, de Murilo Mendes
Filipe Amaral Rocha de Menezes
432
MENDES, 1972, p. 12-13.
ANIMAIS BIOGRÁFICOS: 130
um estudo de Poliedro, de Murilo Mendes
Filipe Amaral Rocha de Menezes
433
MENDES, 2003, p. 33.
434
MENDES, 2003, p. 70.
435
MENDES, 2003, p.172.
436
MENDES, 1972, p. 14-15.
ANIMAIS BIOGRÁFICOS: 131
um estudo de Poliedro, de Murilo Mendes
Filipe Amaral Rocha de Menezes
437
THE WHALE. In: WHITE, T. H. The bestiary: a book of beasts. New York: Capricorn Books,
1960.
438
BIBLIA SAGRADA. A. T. Jonas. 1997. cap. 1, p. 1280.
439
Cf. BALEIA. In: CHEVALIER, Jean; GHEERBRANT, Alain. Dicionário de símbolos: mitos,
sonhos, costumes, formas, figuras, cores, números. 7. ed. rev. e aum. Rio de Janeiro: Jose
Olympio, 1993.
ANIMAIS BIOGRÁFICOS: 132
um estudo de Poliedro, de Murilo Mendes
Filipe Amaral Rocha de Menezes
440
MENDES, 1972, p. 19-20.
441
COMAJUNCOSAS, Andreu Van Hooft. Eduardo Chicharro Briones: la obra narrativa y la obra
en verso, estudio y análisis. Tese doutoral (literatura espanhola) - Universitat de Lleida, 1995.
Disponível em: http://www.cervantesvirtual.com/FichaObra.html?Ref=2391&portal=0. Acesso
em: 5 abr. 2010, p. 50.
ANIMAIS BIOGRÁFICOS: 133
um estudo de Poliedro, de Murilo Mendes
Filipe Amaral Rocha de Menezes
442
MENDES, 1972, p. 21-22.
443
RUANTE, OCELADO, FLABELIFORME. In: AULETE DIGITAL. Disponível em:
http://www.auletedigital.com.br.
ANIMAIS BIOGRÁFICOS: 134
um estudo de Poliedro, de Murilo Mendes
Filipe Amaral Rocha de Menezes
ave símbolo, é modelo por sua vida utilitária, ao fornecer as suas penas
industrializadas, e por “ditadores e gerarcas”, que o imitam levantando suas
caudas, ruantes. O poeta ainda se lembra da fêmea do pavão, a pavana, palavra
para ele ignorável, sendo por ele preferidas as pavanas compostas por Jean-
Baptiste Lulli e Maurice Ravel, dança popular de “lentos ademanes”.
Outro microcosmo é detalhado no verbete “O peixe”.444 No seu início, o
poeta já afirma: “o infinito peixe”. São várias as significações, principalmente as
de fundo cristão, sendo esse animal um dos máximos símbolos de Cristo e do
cristianismo, e ali são encontradas três referências: o peixe é chamado de “Alfa e
ômega dos bichos”, assim como um dos títulos de Cristo;445 o poeta afirma que o
homem é um ser piscoso, “por sua vez pescado pelo Peixe”, conforme Lucas 5:10,
no qual Cristo chama Tiago e João para serem “pescadores de homens”.446 Ao
concluir o verbete, comenta sobre o peixe que vivia no lago de Tiberiade, ou seja,
mar da Galiléia, local onde ocorreram alguns milagres segundo o texto do
evangelho envolvendo esse animal, como a multiplicação de pães e peixes447 e a
pesca maravilhosa.448
Segundo o poeta, sua iniciação aos peixes se deu ao conhecer o lambari,
“quando outrora menino”, pequeno peixe de água doce, “mais não podia produzir
o pobre Paraibuna”, rio que corta a cidade natal do poeta, Juiz de Fora. Ele se
encanta com esse animal, recria e compila diversos nomes de espécies de peixes.
Num parágrafo apresenta dezenove nomes curiosos, que afirma ter encontrado em
um dicionário brasileiro. Já no primeiro parágrafo, enumera os seus geométricos e
oníricos peixes, como “O peixe finito. / O peixe redondo. O peixe estilete. O peixe
oblongo”. Há ainda as maravilhosas espécies que o poeta teria visto no Museu
444
MENDES, 1972, p. 24-25.
445
BIBLIA SAGRADA. N. T. Apocalipse, 1997. cap. 1, v. 8, p. 1759.
446
BIBLIA SAGRADA. N. T. Lucas, 1997. cap. 5, v. 10, p. 1759.
447
BIBLIA SAGRADA. N. T. Mateus, 1997. cap. 14, v. 13-21, p. 1352-1353.
448
BIBLIA SAGRADA. N. T. Lucas, 1997. cap. 5, v. 1-11, p. 1432-1433.
ANIMAIS BIOGRÁFICOS: 135
um estudo de Poliedro, de Murilo Mendes
Filipe Amaral Rocha de Menezes
449
MENDES, 1972, p. 26-27.
450
ARANHA. In: RONECKER, 1997, p. 232.
451
Cf. ARANHA. In: RONECKER, 1997, p. 232-233.
ANIMAIS BIOGRÁFICOS: 136
um estudo de Poliedro, de Murilo Mendes
Filipe Amaral Rocha de Menezes
452
MENDES, 1972, p. 28.
453
GIDE, Andre. Les caves du Vatican. Project Gutenberg. Disponível em:
http://www.gutenberg.org/etext/6739. Acesso em: 6 abr. 10.
ANIMAIS BIOGRÁFICOS: 137
um estudo de Poliedro, de Murilo Mendes
Filipe Amaral Rocha de Menezes
nesse caso, reconstitui o texto colado à sua maneira, dando-lhe sua particular
versão.
O inseto farejador de sangue humano foi utilizado na guerra do Vietnã
pelos norte-americanos para encontrar os vietnamitas em suas trincheiras, o que
faz o narrador afirmar que só pode ser anulado pelas chamas. Desse fogo para seu
combate, são retiradas mais algumas lembranças de sua casa paterna. Apenas pela
eliminação dos colchões queimados no quintal seria possível livrar a família de
uma “esquadrilha de percevejos”. Com esse fato, o narrador, temeroso do inseto
sugador de sangue, sentia-se “meninissimamente vingado e aliviado”, por meio
desse “rito de purgação”.
O menino que observa as chamas consumirem os colchões infestados é o
adulto que visita o jardim zoológico, o espaço próprio da criança. Nos últimos
verbetes abordados, os animais enquadrados são apresentados ao narrador em
zoológicos, “em plena juventude”, no do Rio de Janeiro, “A preguiça”,454 e no de
Antuérpia, “há vários anos atrás”, “A zebra”.455 A preguiça, animal assim
denominado pelos portugueses na época da colonização “por ser tão preguiçoso e
tardo em mover os pés e mãos, que, para subir a uma árvore, ou andar um espaço
de vinte palmos, é mister meia hora”,456 é velho conhecido do narrador, como ele
mesmo afirma: “muito cedo descobri, naturalmente, o bicho-preguiça”.
Entretanto, o seu encontro no zoológico do Rio foi fundamental para que ele
obtivesse a “revelação de sua importância”.
Essa importância é em relação à “lição da preguiça” sobre as limitações
do tempo e do espaço, já discutidas anteriormente neste texto, segundo o poeta,
vividas praticamente pela preguiça. Como em outros verbetes, é feita uma
classificação pseudocientífica, definindo-a como um “mamífero xenartro da
família dos Bradipodídeos”. Ela teria sido encarregada divinamente para corrigir
454
MENDES, 1972, p. 29-31.
455
MENDES, 1972, p. 32-33.
456
PREGUIÇA. In: CASCUDO, 2007, p. 732.
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Filipe Amaral Rocha de Menezes
a noção que o poeta tinha de infinito, mas pouco fez além de lentamente se
movimentar no reservado espaço de sua jaula, deixando assim aberto o espaço
para o desenvolvimento de um raciocínio sobre as limitações do tempo e do
espaço. O poeta esclarece essas teorias com diversos argumentos fundados em
muitos pensadores como Stendhal, Pascal, até Machado de Assis, mas limita-se
também para evitar entrar em contradição com dócil preguiça.
Já a zebra foi encontrada num tempo posterior. “Sendo eu homem
maduríssimo”, assim o poeta se define na época do encontro no Jardim Zoológico
de Antuérpia, mas “ela de aparência jovem”. Um traço característico importante,
os pequenos olhos do animal, remete aos olhos de sua professora primária dona
Isaura, também pequenos e “econômicos”. Defendida pelo narrador do título de
“tapado”, ao lado dos cavalos e dos burros, teria o animal uma inteligência
diversa. A zebra seria um animal muito moderno, segundo afirma, pois as faixas
em preto e branco de seu corpo preanunciariam de longe a pintura concreta. Esse
animal dócil, que teria tentado estabelecer certa comunicação com o poeta que
nada compreendeu – “talvez a zebra falasse flamengo, sabe-se lá” – seria o
exemplo para as listras zebrárias das “faixas horizontais de proteção aos peões”,
com isso, o poeta se sente protegido dos automóveis – “última metamorfose da
serpente daninha” – no confuso trânsito de Roma, ao que conclui: “E depois
venham me dizer que a zebra é estúpida!”
Os pequenos fatos biográficos dispersos pelos verbetes, pistas
memorialísticas poderiam recriar a memória ou uma imagem fragmentada de um
indivíduo, bem a exemplo do conceito de biografema de Barthes. A idéia de um
texto autobiográfico muriliano, mesmo que considerada toda a sua obra literária,
não seria possível nos moldes apresentadas por Philippe Lejeune em O pacto
autobiográfico.457 Para Lejeune, esse texto contém algumas características
peculiares, e “a autobiografia é o gênero literário que, por seu próprio conteúdo,
457
LEJEUNE, Philippe. O pacto autobiográfico: de Rousseau à Internet. Trad. Jovita Maria Gerheim
Noronha e Maria Inês Coimbra Guedes. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2008.
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Filipe Amaral Rocha de Menezes
459
PERRONE-MOISÉS, 1983, p. 15.
460
BARTHES, 2005, p. xvii.
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Filipe Amaral Rocha de Menezes
CONSIDERAÇÕES FINAIS
461
ROY, Bruno. La belle e(s)t la bête: aspects du bestiaire féminin au moyen age. Études françaises,
Montreal, v. 10, n. 3, p. 309-317, 1974.
462
ROY, 1974, p. 320.
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um estudo de Poliedro, de Murilo Mendes
Filipe Amaral Rocha de Menezes
nunca me senti muito à vontade com os bichos; mesmo algumas plantas ou certos
frutos, por exemplo a begônia e o maracujá causavam-me receio. Desde o começo
a natureza pareceu-me hostil”.463 Com essa confissão, pareceu possível depreender
toda uma noção de mundo e de si por meio dos animais, partindo-se de um escritor
que teria todo esse receio com a natureza hostilizada, a não ser pelo fato de ter
reificado os animais, como a lagosta do “Setor microzoo”: “finalmente abatida,
bloqueada, passada à máquina, e máquina de escrever”.464
Os animais surgem, então, na obra de Mendes, como objetos, semelhantes
ao peão que o Jogador de Diabolô465 embala de um lado para outro, em acrobacias
textuais, usando-se como bem entende para criar seus cenários e repassar uma
série de ideias, conceitos, memórias. Os autores dos textos bestiários estudados no
primeiro capítulo desta dissertação também se utilizam de seus animais-objetos
para os mais diversos fins. Nas produções literárias contemporâneas que relêem os
bestiários, como é o caso de Mendes, os autores, tributários de uma herança
européia, escrevem seus livros, não conforme a prosa pseudocientífica ou
moralizante do Physiologus, mas por meio de usos simbólicos, metafóricos, ou
somente como uma retomada lúdica do gênero.
Dessa forma, o estudo desses bestiários contribuiu para um mapeamento
de seu estilo e estruturação. Para o alcance mais aprofundado da obra de Murilo
Mendes, especificamente de Poliedro, foi necessário verificar como os escritores
que releem os bestiários metaforicamente “passam à máquina” seus bichos e
como, a partir disso, dessa textualização, constroem seus textos. Essa releitura
pode ser dividida em dois grupos conforme as estruturas e os conteúdos e pela
presença dos animais. Assim, existe uma literatura bestiária, na qual estão
contidos os livros compostos por verbetes, sobre animais reais ou imaginários, e os
bestiários, propriamente ditos, de origem na Idade Média; há, igualmente, uma
463
MENDES, 1972, p. 7.
464
MENDES, 1972, p. 35.
465
Em referência ao autor. “O jogador de diabolô” é o nome de uma das divisões do primeiro livro de
Murilo Mendes, Poemas.
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um estudo de Poliedro, de Murilo Mendes
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literatura zoológica, na qual estão contidos os livros que tratam de animais, mas
de forma diferente do formato bestiário, retratando-os nesse espaço de
confinamento e de coleção que é o zoológico: eles são ainda mais transformados
em objetos, pois ficam atrás de grades, sob o olhar atento ou distraído de
passantes ou visitantes.
Essa divisão foi planejada em dois grupos para facilitar as comparações e
as associações com suas fontes e obras fundadoras. No primeiro grupo, focou-se a
estrutura dos bestiários medievais como base para as aproximações, levando-se
em conta o fundo comum: os animais como meros instrumentos para uma
determinada intenção do seu autor. Assim, poderiam ser científicos, moral-
religiosos, românticos. No segundo grupo, com maior interesse nos animais em si,
mesmo sendo eles peças de uma exposição, buscaram-se os conceitos da instituição
zoológica, o zoológico em si, para comparar a estrutura dessas entidades com a dos
livros, coleções de animais presos em jaulas de papel e tinta.
O texto abrangente de Poliedro, que se vale desses dois modelos, o bestiário
e o zoológico, pôde, assim, ser estudado em sua estrutura: com verbetes-jaulas nos
quais se introduzem microcosmos compostos por aforismos e pensamentos, além
das memórias fragmentadas. É no espaço da criança, no zoológico, que Mendes
relembra as ingênuas anedotas de uma infância.
No capítulo dois, um estudo panorâmico de sua obra, com ênfase nos
muitos animais ali existentes, proporcionou uma visão mais geral da obra de
Murilo Mendes. Em dois percursos, um poético, que trata dos livros de poesia e
outro, nomeado “Prosa-poesia”, que trata dos livros num formato próximo da
poesia, mas com forte traçado de prosa, o destaque de cada um dos animais já
antecipa sua ligação com traços memoralísticos. Mesmo nos poemas em que esses
seres, reais ou imaginários, são retratados com traços surrealistas, já passam a um
estado de objeto, como os cavalos de crinas azuis, que buscam a cabeça do delfim
em escadarias, num verdadeiro poema-pintura, extremamente visual.
Os animais e seres imaginários descritos nos textos em poesia de Mendes
cumprem a tarefa de criar uma atmosfera insólita. Alguns deles estão ali dispostos
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apenas para criar um pano de fundo, mas em conjunto exercem esse ofício dos
sonhos – são imagens que vão muito além da tipificação de um animal real. Por
um lado, aproximam-se dos bestiários por terem um comportamento
extraordinário, como o pássaro do poema “Começo de biografia”, que traz o
alimento da poesia e da música, metamorfoseado em homem vive no meio deles e
traz consigo “a semente de Deus... e a visão do dilúvio” – esse pássaro trabalha
para a obsessão do poeta com a eternidade e com o divinal, assim como os demais
animais que surgem em outros poemas.
Os animais dos textos em prosa, como pôde ser demonstrado nesta
dissertação, cumprem, em alguns casos, tarefas semelhantes, como os que
compõem as descrições dos campos de visão do poeta-viagem pelos livros que
relatam as viagens de Mendes, como o burro, “animal importantíssimo”, nos
arredores de Atenas, em Carta geográfica, ou “cavalos, cabras e galinhas”, que
tomam o terreno livre a toda parte na cidade de Santillana del Mar, em Espaço
espanhol, ou as sardinhas insurgentes de dentro de suas latas, nas lembranças de
Setúbal, em Janelas verdes. Já em A idade do serrote, eles estão à disposição das
lembranças de infância, como o leão Marrusko, que nenhum perigo oferecia, que
“antigamente era o leão”, ou a lagartixa, que entretém o menino fazendo-o deixar
de lado a animada “batalha de confetes na rua Halfeld”.
Assim, com essa apresentação panorâmica dos animais na obra de Mendes,
procurou-se demonstrar como cada um deles é utilizado para uma função
específica, o que permitiu a análise mais embasada de Poliedro. Nessa obra, as
figurações dos animais sevem a todos os motivos já elencados. As memórias, não
como numa biografia tradicional, mas apenas poucos de seus traços são
encontrados na maioria dos verbetes que se referem aos animais, o que torna
necessário abandonar o conceito de autobiografia de Lejeune, que demandaria um
contrato de leitura mais específico, no qual o escritor se colocaria como narrador-
personagem de sua própria vida, para adotar as idéias de Barthes sobre
biografema.
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um estudo de Poliedro, de Murilo Mendes
Filipe Amaral Rocha de Menezes
Capa: Murilo Mendes em seu escritório em Via del Consolato, 6, Roma (Foto
Bruno Andreozzi - Revista Realidade. Ano VII, n.77. Editora Abril, ago. 1972. p.
80).