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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 19, Nº 38: 27-42 FEV.

2011

MINIMALISMO SCHUMPETERIANO, TEORIA


ECONÔMICA DA DEMOCRACIA E ESCOLHA
RACIONAL

Ricardo Borges Gama Neto

RESUMO

A democracia é um dos temas mais discutidos na Ciência Política. Existe uma unanimidade em torno da
legitimidade do regime democrático vis-à-vis seus opositores. Contudo, se a defesa da democracia é
consensual, não há a mesma concordância sobre o que ela significa. O debate sobre o tema ressurge como
conseqüência da crise da representação política nos países de democracia consolidada, da falência dos
regimes autoritários nos países do Leste Europeu, Ásia e América Latina e das incertezas quanto à
consolidação dos regimes democráticos. O artigo analisa alguns pontos de inflexão existentes na teoria
democrática, mormente as questões envolvendo a relação entre democracia, lógica da ação coletiva,
representação política, interesse e accountability. Inicia-se apresentando a influência de Max Weber sobre
a teoria da democracia de Joseph Schumpeter, depois apresenta-se os fundamentos do minimalismo, sua
influência sobre o pluralismo de Robert Dahl, os paradoxos da lógica da ação coletiva e a teoria econômica
da democracia, discorrendo-se também sobre alguns aspectos dos conceitos de representação política,
responsabilização, interesse, formação de preferências e vontade geral. Afirma-se que o sentido da
representação política tem tornado-se cada vez mais complexo, especialmente porque a sua prática não tem
coadunado-se com o “ideal da representação popular na política”, característico da utopia democrática.
Existe um hiato claro entre a exigência de mais representação e como ela efetiva-se nas sociedades.
Contudo, o artigo defende que, apesar de todas as críticas que recebe, a democracia como sistema de
governo sobrevive sob diversas condições sociais e históricas diferentes, e isto ocorre porque existe algo
comum a todos os regimes democráticos: instituições representativas. Sem elas, não há como existir
democracias.
PALAVRAS-CHAVE: democracia; minimalismo; representação política; accountability; escolha racional.

I. INTRODUÇÃO da representação política nos países de democra-


cia consolidada, e, de outro, como resultado da
A democracia é uma das grandes questões do
falência dos regimes autoritários nos países do
mundo contemporâneo. Há um consenso em tor-
Leste Europeu, Ásia e América Latina e da incer-
no da validade e legitimidade da democracia, con-
teza quanto às possibilidades da constituição nes-
traposta a todas as formas de regimes não demo-
tes países de estados democráticos.
cráticos. Toda uma nova literatura surgiu em tor-
no do problema da democracia nas sociedades Existem, grosso modo, duas perspectivas acer-
contemporâneas. Contudo, se a defesa da demo- ca do conceito de democracia: a primeira é co-
cracia é um consenso, o significado do que ela nhecida como “concepção minimalista”, seus fun-
representa não é. damentos encontram-se nos pressupostos de
Joseph Schumpeter do que seja a democracia real.
Qual é o significado da democracia? Esta ques-
Resumidamente, esta pode ser entendida como
tão tem uma posição privilegiada dentro da Ciên-
resultado de um compromisso mútuo entre elites
cia Política, possuindo um papel ímpar nas consi-
políticas sobre as regras e procedimentos que pro-
derações sobre a legitimidade e os desenhos
duzam escolhas pacíficas, por meio do voto e elei-
institucionais dos sistemas políticos. O debate res-
ções competitivas, dentro da pluralidade de inte-
surgiu, de um lado, como conseqüência da crise

Recebido em 15 de março de 2009.


Aprovado em 23 de junho de 2009.
Rev. Sociol. Polít., Curitiba, v. 19, n. 38, p. 27-42, fev. 2011
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MINIMALISMO SCHUMPETERIANO, TEORIA ECONÔMICA DA DEMOCRACIA

resses existentes no interior das sociedades. As de 1917, o colapso econômico da crise de 1929 e
concepções reconhecidas na literatura como as transformações ocorridas nas estruturas soci-
“maximalistas” concebem que os regimes demo- ais das sociedades capitalistas, o liberalismo clás-
cráticos não podem ser resumidos a métodos de sico perde parte de sua legitimidade para outras
escolhas eleitorais, como conseqüência da ação formas de ideologia, como o comunismo e o nazi-
de mecanismos institucionais estritamente políti- fascismo.
cos.
Do final do século XIX ao período entre as
O objetivo deste artigo é tratar de maneira não grandes guerras mundiais, a teoria elitista do fun-
extensiva a teoria minimalista de Schumpeter, o cionamento dos sistemas políticos desenvolve-se
“pluralismo” dahlsiano, a teoria econômica da de- por meio dos trabalhos de Gaetano Mosca, Vilfredo
mocracia, a teoria da escolha racional e alguns Pareto e Robert Michels. Segundo eles, a sobera-
pontos de interconexão que envolvem esses e os nia popular é uma idéia que nunca poderá ser rea-
conceitos de “accountability” e “representação lizada. Qualquer que seja o tipo de regime políti-
política”. Todos são temas extensos, por isso ten- co, sempre uma minoria de pessoas realmente
ta-se partir dos questionamentos à possibilidade governa, detendo o poder político efetivo. Nesse
de uma democracia mais participativa nas socie- sentido, todas as formas de governo são sempre
dades modernas. O artigo compõe-se de dois ca- oligarquias. A teoria das elites surgiu com “uma
pítulos subdivididos: o primeiro discute os funda- fortíssima carga polêmica e antidemocrática e
mentos e razões da teoria minimalista e o proble- antissocialista, que refletia bem o ‘grande medo’
ma do interesse coletivo, analisando alguns as- das classes dirigentes dos países onde os confli-
pectos do paradoxo da lógica da ação coletiva nas tos sociais eram ou estavam para se tornar mais
perspectivas de Kenneth Arrow e Mancur Olson. intensos” (BOBBIO, MATTEUCCI & PASQUINO,
O segundo trata da discussão da democracia na 1998, p. 387).
perspectiva da teoria da escolha racional e do pro-
Em 1942, Joseph Schumpeter (1975) criticou
blema da efetividade da accountability e da repre-
profundamente, em alguns poucos capítulos de
sentação política.
Capitalismo, socialismo e democracia, o que de-
II. SCHUMPETER E WEBER: OS FUNDAMEN- nomina de ‘a doutrina liberal clássica da demo-
TOS DA DEMOCRACIA COMO MÉTODO cracia’. A teoria da democracia de Schumpeter,
DE ESCOLHA DE GOVERNANTES uma percepção da política instrumental e elitista,
é marcadamente influenciada pelas teorias socio-
O cerne do pensamento político liberal, até
lógicas de Max Weber sobre a racionalidade e o
meados do século XIX, consistia na preocupação
desenvolvimento da sociedade capitalista ociden-
de como resguardar os direitos e liberdades indi-
tal. “Max Weber (1864-1920) e Joseph
viduais dos males que poderiam advir da ação ile-
Schumpeter (1883-1950) [...] compartilham uma
gítima do Estado. O regime democrático era visto
concepção da vida política em que havia pouco
como um sistema político destinado a construir o
espaço para a participação democrática e de de-
governo legítimo. Macpherson (1978) denomina
senvolvimento individual ou coletivo, e onde hou-
esse tipo de “democracia protetora”. A partir das
vesse qualquer liberdade de ação, esta era
idéias de John Stuart Mill, o liberalismo adquire
ameaçada constante de erosão por poderosas for-
uma dimensão moral, em que a democracia passa
ças sociais. Ambos os pensadores acreditavam que
a ser vista como um mecanismo de desenvolvi-
um alto preço estava inevitavelmente ligado a vida
mento humano e social. O Estado torna-se um
em uma moderna sociedade industrial” (HELD,
organismo que deve expressar a vontade geral;
1987, p. 157).
em última instância sua função é de ser garantidor
da máxima autorealização pessoal. Macpherson Entre o período do final da II Guerra Mundial
(idem) define esse tipo como “democracia até meados dos anos 1970, a visão schumpeteriana
desenvolvimentista”. de democracia estabeleceu-se como um forte con-
senso entre os cientistas políticos. Seu principal
Nas primeiras décadas do século XX, o con-
atrativo teórico era que ela fornecia a possibilida-
ceito de democracia desenvolvido pelo liberalis-
de de formulação de teorias empiricamente orien-
mo entra em descrédito. Abalado pelas conseqü-
tadas sobre o funcionamento da democracia.
ências da I Guerra Mundial, a Revolução Russa

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II.1. Max Weber e o ceticismo em relação à de- burocratização ocorre de modo análogo à econo-
mocracia mia privada e à administração estatal. Os parla-
mentos são organismos de representação política
A partir da I Guerra Mundial instalou-se um
administrados por meios burocráticos. Caso a alta
forte ceticismo em relação à política democráti-
administração pública fique sob o controle dos
ca. Max Weber foi o pensador social cuja obra
burocratas, existem dois grandes perigos: a) que
melhor identificou esse sentimento, tornando-se
a burocracia demonstre-se incompetente e irres-
o principal referencial das teorias que criticam a
ponsável, especialmente em situações de crise
idéia da democracia como forma de deliberação
política; b) que os interesses dos capitalistas se-
da vontade popular.
jam colocados acima da sociedade.
Como Weber (1982a; 1985; 1991) vê o papel
Qual a solução para o perigo do poder ilimita-
das instituições políticas (Estado, partidos políti-
do da burocracia? Segundo Weber, a única insti-
cos e parlamentos) nas democracias ocidentais1?
tuição capaz de controlar o perigo de uma buro-
Primeiro, deve-se observar o conceito central do
cracia toda poderosa é um parlamento forte. A
pensamento social weberiano, o de “racionalidade”.
questão central no cerne da política, é que “[...] o
No universo do paradigma sociológico weberiano,
nível do parlamento depende da condição de que
a idéia de processo de racionalização do Ocidente
este simplesmente não debata grandes questões,
significa a disseminação da ação instrumental por
mas de que as solucione decisivamente; em ou-
todas as esferas axiológicas de ação, superando
tras palavras, sua qualidade depende da seguinte
todas as demais formas de pensamento não ins-
alternativa: o que ocorre no parlamento tem real-
trumental, como a religião e os conhecimentos
mente importância ou o parlamento não passa de
místicos na explicação da realidade. Racionalidade
um mal tolerado boi de presépio de uma burocra-
instrumental quer dizer simplesmente o aumento
cia dominante” (WEBER, 1985, p. 15)2.
cada vez maior da regularidade e eficiência das
ações humanas. O processo de desenvolvimento Um parlamento forte e atuante, como um fórum
da economia capitalista de mercado no Ocidente para os debates públicos, que garanta a liberdade
corporifica esse processo de racionalização da vida de expressão e competição de idéias, somente
social. O capitalismo é o sistema econômico que surge se, primeiro, forem construídos os instru-
mais se adequa à lógica da racionalidade instru- mentos institucionais para que o parlamento pos-
mental. sa controlar a burocracia (comissões parlamenta-
res de investigação); segundo, a existência de li-
Para Max Weber, com o desenvolvimento da
deranças políticas talentosas (quase carismáticas)
economia de mercado capitalista e o aumento da
e meios que garantam a responsabilidade política
complexidade das relações sociais, aumenta a ne-
e legal. Este conjunto de ações: partidos políticos
cessidade de uma administração racional. Em con-
em competição eleitoral, lideranças eleitas,
seqüência, há a necessidade de as organizações
responsabilização da burocracia e de dirigentes e
da sociedade, tanto públicas quanto privadas, bu-
comissões parlamentares de investigação assegu-
rocratizarem-se. À medida que a burocratização
rariam um parlamento capaz de assumir o con-
desenvolve-se, aumenta o poder da burocracia em
trole do poder político (idem).
todas as esferas de ação. No Estado moderno,
como detentor do monopólio da violência legíti-
ma sobre determinado território, o poder está sob
o controle da burocracia. É ela quem realmente 2 A análise weberiana do perigo do poder burocrático e as
governa a partir das rotinas que estabelece para o
críticas à democracia representativa ocidental foram
funcionamento das instituições públicas. Nos par- realizadas especialmente em Parlamento e governo numa
tidos políticos, organizações que buscam a con- Alemanha reconstruída (WEBER, 1985) e Política como
cessão de cargos públicos aos seus membros e a vocação (WEBER, 1982b). Em 1917, a derrota da Alemanha
concretização de uma ideologia política, a na I Guerra Mundial era uma possibilidade real. Weber,
como nacionalista, buscou entender com seus estudos sobre
a política alemã quais as razões que levaram a elite política
do país a tomar decisões tão irresponsáveis, como a
1 Max Weber tem uma visão bastante negativa das institui- estratégia de ataque de submarinos a navios mercantes e de
ções democráticas. Isso é bem representado no texto “A passageiros, o que levou outros países a entrarem no conflito
política como vocação” (WEBER, 1982b). contra a Alemanha.

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MINIMALISMO SCHUMPETERIANO, TEORIA ECONÔMICA DA DEMOCRACIA

Embora fosse um defensor da instituição de II.2. Schumpeter e o fim da teoria clássica de


parlamentos fortes, como contrapontos ao poder democracia
crescente das burocracias, Max Weber não acre-
Joseph Schumpeter desenvolve a teoria
ditava nas virtudes dos regimes democráticos re-
minimalista da democracia a partir de uma forte
presentativos de massa. Na realidade, ele não acre-
crítica ao que denomina de “teoria clássica”. Os
ditava que as democracias, como se apresenta-
argumentos básicos agem em torno do significa-
vam no início do século XX, pudessem resolver
do da participação política dos cidadãos na demo-
os problemas sociais das sociedades industriais.
cracia. De acordo com Schumpeter a perspectiva
A crítica de Weber à democracia representativa
clássica está “centrada na proposição de que ‘o
de massas reside, primeiro, na possibilidade de a
povo’ possui uma opinião definitiva e racional so-
emoção vir a predominar sobre a razão na políti-
bre todas as questões individuais e que ele consu-
ca. As massas, psicologicamente, estavam presas
mava esta opinião – em uma democracia – esco-
às influências puramente emocionais e irracionais.
lhendo ‘representantes’ que fariam com que essa
Weber definia a democracia ocidental como
opinião fosse executada” (SCHUMPETER, 1975,
plebiscitária, isto porque ela transforma as roti-
p. 269).
neiras eleições em votos de confiança ou descon-
fiança nos governos, reduzindo a própria A crítica shumpeteriana assenta-se em quatro
credibilidade das lideranças políticas. Os líderes elementos: 1) não existe um ideal coletivo, como
políticos, reconhecidos pela massa, não eram aque- defendia a concepção clássica, que possa ser con-
les surgidos da luta parlamentar, mas sim indiví- siderado como um “bem comum”, um interesse
duos cuja confiança saía das ruas. É o que deno- coletivo determinado com o qual todos no interior
mina escolha cesarista de líderes. A única saída de uma sociedade devam concordar ou, a partir
para o impasse da democracia de massas da deliberação e argumentação racional, devessem
plebiscitárias era o estabelecimento de um siste- concordar como sendo um objetivo ótimo comum.
ma político de democracia restrita, assentado em Simplesmente, a idéia de bem-comum não tem
um parlamento forte. Isso porque “[...] o suces- sentido, os indivíduos não possuem os mesmos
so na política, especialmente na política demo- desejos e valores, tendo significado diferente para
crática – predomina de forma tão mais acentuada indivíduos diferentes; 2) mesmo que exista a pos-
numa tomada de decisão responsável 1) quanto sibilidade da constituição de preferências sociais
menor for o número dos que tomam a decisão e comuns, perfeitamente definidas e independentes,
2) quanto mais claras forem as responsabilidades por meio do qual o processo de decisão democrá-
para cada qual deles e para aqueles a quem lide- tica pudesse racionalmente funcionar, mesmo as-
ram” (idem, p. 81). sim isso não significaria concordância com todas
as questões que representassem visões sociais e
Weber entendia que para a democracia parla-
que pudessem ser entendidas como a “vontade
mentar prevalecer como sistema político, deveria
do povo”; 3) os cidadãos normalmente não se in-
assentar-se sobre um equilíbrio entre autoridade
teressam por política, mesmo que haja abundân-
política, liderança competente, administração pú-
cia de informação, exceto é claro, nos momentos
blica eficiente e responsabilidade política. Aos elei-
que as decisões políticas os afetam diretamente;
tores apenas competia o papel de serem capazes
4) os indivíduos são facilmente manipulados pela
de demitir os líderes incompetentes. As eleições
propaganda política, que modela as opiniões, le-
têm funções restritas: apenas a legitimação do pro-
vando a opinião pública numa dada direção, mes-
cesso político.
mo que seja prejudicial a ela.
Com as idéias de Weber sobre democracia
Em resumo, Schumpeter não acreditava que o
parlamentar em sociedades de massa, surge uma
eleitorado possuísse uma “vontade popular” (fonte
linha de interpretação de forte conteúdo empirista,
da legitimidade) que fosse capaz de produzir idéi-
voltado para explicar como funcionam as demo-
as que, discutidas de maneira racional e coerente,
cracias no mundo real. A discussão centra-se so-
pudessem ser transformadas em um “bem-co-
bre a democracia como um meio ou um fim na
mum” (propósito da democracia), e, claro, muito
participação popular e sobre a natureza e atribui-
menos transformá-las em decisões políticas. A
ções do Estado.
massa somente podia aceitar ou recusar uma lide-

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rança que lhe fosse apresentada em eleições. A de a noção de que um regime democrático é aquele
partir dessa crítica, Schumpeter coloca um novo em que os indivíduos escolhem seus líderes por
papel para a participação popular na política: “[...] meio do voto. A democracia é inerentemente um
o papel do povo é produzir um governo, ou então arranjo institucional para a realização de decisões
um organismo intermédio que irá produzir um políticas. Contudo, eleições não podem ser con-
executivo nacional ou governo” (ibidem). Partin- fundidas com a democracia em si. Para que esta
do dessa premissa afirma que: “o método demo- se realize, é necessário que as eleições sejam “li-
crático é aquele arranjo institucional para se che- vre competição entre aqueles que seriam líderes
gar a decisões políticas em que os indivíduos ad- pelo voto do eleitorado”, em que “um aspecto disto
quirem o poder de decidir por meio de uma luta pode ser expresso pela afirmação que a democra-
concorrencial para o voto do povo” (idem). cia é a dominação do político” (idem, p. 285)3.
A definição schumpeteriana de democracia é São duas as condições adicionais inerentes às
estritamente procedimental: a democracia é so- definições minimalistas de democracia: eleições
mente um método para a escolha de governantes, livres para os principais cargos do governo e ga-
um conjunto de regras que estabelecem como rantias, liberdades ou direitos políticos. Segundo
devem ser escolhidos aqueles que devem realizar O’Donnell (1999), a defesa das eleições livres
as decisões políticas. Aos eleitores cabe apenas como elemento definidor da democracia é ineren-
escolher quais políticos desejam eleger. te aos conceitos mínimos, já as liberdades funda-
mentam-se em seu impacto sobre a liberdade das
A concepção minimalista de democracia de
eleições, assim, enquanto o primeiro é estipulado
Schumpeter é um modelo fundamentalmente
na própria definição, o segundo surge por
empírico, cuja preocupação central é a estabili-
indução4. Isso gera o problema de que, se elei-
dade do sistema político. O problema central da
ções competitivas são claramente explicitadas
teoria da democracia deixa de ser a participação
como uma característica da democracia, no caso
popular e passa a ser a eficácia do regime demo-
dos direitos e liberdades isso é mais complicado.
crático em eleger governos. Na visão do elitismo
Não existem critérios ou linhas demarcatórias cla-
democrático schumpeteriano, o papel do povo não
ras que determinem quais liberdades ou direitos
é o de interferir diretamente na política; ele não
políticos devem ser incluídos dentro do conceito
tem competência para isso. A democracia é um
de democracia. A demonstração da importância
método de escolha de governantes, um sistema
das liberdades é histórica, é resultado dos proces-
político concebido analogamente como uma for-
sos de luta pela construção de regimes democrá-
ma de mercado, em que as decisões dos eleitores
ticos, em que as pessoas lutaram pelos benefícios
são resultado de um cálculo de utilidade, a políti-
derivados dessas liberdades políticas. O’Donnell
ca é resumida ao grau de soberania do consumi-
observa que a tolerância é um elemento importan-
dor no mercado. Assim, a política democrática é
te para a existência das democracias. As liberda-
um sistema que institucionaliza a competição en-
tre partidos e/ou coalizões partidárias, disputando
no mercado eleitoral os votos que lhe darão a opor-
tunidade de apoderar-se do governo. Schumpeter 3 Schumpeter estabelece cinco pré-condições que
estabelece uma divisão do trabalho político, os garantiriam que as eleições fossem livres e competitivas,
eleitores escolhem e os políticos decidem. gerando um regime democrático. Primeiro, uma liderança
preparada; segundo, o leque das decisões públicas não deve
A democracia não é um tipo de sociedade espe- ser excessivo; terceiro, uma burocracia bem treinada, com
cífica ou um conjunto de normas morais (virtudes prestígio social e de esprit de corps; quarto, o “autocontrole
públicas), mas, sim, um sistema em que o poder democrático”, ou seja, a necessidade de os líderes políticos
do eleitor resume-se em simplesmente sancionar aceitarem as medidas legalmente instituídas pelas
autoridades competentes. Por fim, a tolerância política.
ou não os nomes que lhe são oferecidos no merca-
4 O’Donnell argumenta a respeito da percepção de que
do político, por meio de eleições competitivas.
direitos civis são imprescindíveis à democracia. Nenhuma
II.3. O minimalismo e as pré-condições da demo- definição em última instância é na realidade minimalista,
cracia competitiva todas defendem, em algum momento do seu
desenvolvimento, que elementos externos ao processo
Como vimos, a democracia schumpeteriana eleitoral são o suporte para a competição política, o cerne
tem a denominação de minimalista porque defen- do processo democrático.

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des políticas, além de um sistema legal, necessi- corrente de pensamento conhecida como
tam que os indivíduos tenham atitudes compatí- pluralismo. Para os pluralistas o Estado deve ser
veis com um regime democrático. neutro, seu comportamento deve ser resultado das
escolhas do eleitorado que, por meio do voto, to-
A tolerância é o conceito-chave para a existên-
mam decisões políticas que podem não refletir a
cia de pré-condições para a democracia. É o au-
posição da maioria. Contudo, mesmo que a de-
mento da tolerância política que vai propiciar o au-
mocracia não seja reconhecidamente um meca-
mento das liberdades políticas que, incorporadas
nismo ideal de agregação de preferências, “é o
aos sistemas legais, transformam-se em direitos
único que pode desempenhar a função [de esco-
civis. O aumento da tolerância necessariamente não
lher governos], ou o único que a pode desempe-
é o resultado de uma mudança de padrões cultu-
nhar melhor” (MACPHERSON, 1978, p. 88).
rais, mas sim uma “aposta institucionalizada” (no
sentido que O’Donnell dá a essa expressão), na Os pluralistas vêem os eleitores como consu-
construção de um regime político de segurança midores que no mercado político decidem a partir
mútua entre as elites políticas que estão no gover- do reconhecimento de suas necessidades e, con-
no e na oposição. Robert Dahl (1997), em frontados com os vários programas políticos, “com-
Poliarquia, argumenta que a tolerância em siste- pram”, por meio do voto, o melhor programa. A
mas políticos fechados tende a ampliar-se quando concorrência entre os diversos políticos pelo voto
os custos da repressão excederem os custos da do eleitor é a mola mestra do sistema político, é o
tolerância, gerando a possibilidade de o regime fe- que garante seu equilíbrio. O principal ponto de dis-
chado transformar-se em competitivo. córdia entre os pluralistas não está nos fundamen-
tos do modelo teórico, mas sim no grau de autono-
A tolerância política ocorre como o resultado
mia que os cidadãos possuem em sua escolha.
de um processo institucional de incorporação da
oposição ao sistema político, aumentando a com- Carnoy (1994) classifica os pluralistas em dois
petição política. É parte dessa inclusão a constru- grupos: os “pessimistas” e os “otimistas”. Aquilo
ção das liberdades políticas e sua transformação que os divide é a forma como vêem a influência
em regras legais, que cria a possibilidade de prote- dos políticos sobre a formação das preferências
ção contra governos autoritários e permite a busca dos eleitores. Para os primeiros, como Schumpeter,
de novos direitos. Quanto maior for a proporção a vontade dos eleitores-consumidores é moldada
da população incluída no sistema político, mais di- pelos políticos, não havendo muito espaço de li-
ficuldade terá um governo em adotar políticas que berdade para a soberania do consumidor. As elites
impliquem sanções contra a oposição (idem). influenciam a formação das preferências dos ci-
dadãos de uma forma que é impossível, em uma
II.4. A influência das idéias de Schumpeter
curva de demanda real, a escolha dos eleitores. Já
A reflexão schumpeteriana sobre as inconsis- para os “otimistas”, como Dahl, “o processo elei-
tências da teoria clássica da democracia teve toral é um dos dois métodos fundamentais de con-
marcante influência sobre o desenvolvimento dos trole social que, funcionando juntos, tornam líde-
programas de pesquisa na Ciência Política. Vári- res governamentais tão responsáveis perante li-
os autores começam a formular análises empíricas, derados que a distinção entre democracia e dita-
cuja preocupação principal passa a ser a estabili- dura ainda faz sentido. O outro método é a com-
dade institucional dos regimes e não o aperfeiçoa- petição política contínua entre indivíduos, parti-
mento do regime democrático. dos, ou ambos. Eleições e competição política não
significam governo da maioria em qualquer ma-
Mesmo existindo divergências pontuais dos di-
neira significativa, mas aumentam imensamente o
versos pesquisadores em relação a algumas idéias
tamanho, número e variedade das minorias, cujas
de Schumpeter, a ampla aceitação de seu núcleo fun-
preferências têm que ser levadas em conta pelos
damental – a crítica ao papel da participação popu-
líderes quando fazem decisões políticas” (DAHL,
lar, a noção de bem-comum e de racionalidade cole-
1989, p. 131; sem grifos no original).
tiva – fez que a teoria competitiva de democracia
tornasse-se o paradigma relevante da Ciência Políti- Outra perspectiva teórica que sofre forte in-
ca, dos anos subseqüentes à II Guerra Mundial. fluência das idéias de Schumpeter é a teoria eco-
As argumentações de Weber e Schumpeter nômica da democracia, cujos principais expoen-
foram importantes para o desenvolvimento de uma tes são Kenneth Arrow, Anthony Downs e Mancur

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Olson5. A principal problemática desse modelo ana- suas metas perfeitamente – é compartilhada por
lítico é entender as inter-relações causais entre a todos os homens; ninguém pode atingir todos os
racionalidade no plano micro (individual) e suas seus objetivos. Em suma, todo cidadão de uma
conseqüências coletivas6. É o chamado parado- democracia é necessariamente um tanto irracio-
xo da “lógica da ação coletiva”, que resumida- nal em sentido puro” (DOWNS, 1965, p. 161;
mente pode ser posto nos seguintes termos: a ação sem grifo no original).
racional dos indivíduos no nível micro (atores in-
II.5. Ações coletivas e interesse coletivo em Arrow
dividuais ou coletivos de escala reduzida) parece
e Olson
resultar em conseqüências irracionais em nível
macro, gerando a frustração individual e coletiva. Na seção anterior observamos rapidamente o
“Racionalidade individual significa perseguir nos- problema principal da teoria econômica da demo-
sos objetivos da maneira mais eficiente. Mas os cracia, o paradoxo da lógica da ação coletiva. O
homens vivem em uma sociedade e num mundo exercício empírico da democracia, em qualquer
de recursos escassos, então, quando cada um per- lugar, é um problema de ação coletiva7. A recons-
segue seus próprios objetivos, suas ações afetam trução schumpeteriana fez que a teoria da demo-
outros homens. Além disso, estes homens nunca cracia deixasse de ver a obrigação cívica coletiva
têm precisamente os mesmos objetivos que ele. do bem-comum como mola mestra dos regimes
Portanto, conflitos entre os homens surgem ine- democráticos, passando a análise teórica a perce-
vitavelmente. ber a luta política por interesses sociais e econô-
micos como principal motivação da competição
Política é o sistema de resolver estes confli-
política. Os trabalhos de Kenneth Arrow (1971) e
tos, de modo que cada indivíduo possa atingir al-
Mancur Olson (1971) são considerados seminais
guns de seus objetivos. Os homens não podem
na questão da análise dos problemas de ação e
chegar a atingir todos os seus objetivos simulta-
decisão coletivas.
neamente, porque quando algum homem o faz,
suas ações impedem que outros o façam; isto é o A teoria econômica da democracia tem como
que conflito significa. Portanto, a própria nature- um dos seus postulados mais importantes a idéia
za da sociedade coloca limites à racionalidade in- da instabilidade inerente dos resultados democrá-
dividual – nem todos os indivíduos podem atingir ticos. Partindo da noção de que o comportamento
a pura racionalidade ao mesmo tempo. político é racional, Kenneth Arrow formulou o
“teorema da impossibilidade”. Segundo Arrow,
Em uma democracia, o poder político é teori-
nenhum procedimento de decisão coletiva, reali-
camente o mesmo para todos os homens – isto é,
zado por indivíduos racionais em determinado
cada um tem supostamente a mesma oportunida-
momento, é capaz de produzir uma ordenação de
de de atingir seus objetivos que todos os outros.
preferências majoritária entre pelo menos três al-
Portanto, a irracionalidade é inevitável em qual-
ternativas. Nas democracias, em que aos cida-
quer sociedade – isto é, a incapacidade de atingir
dãos é permitido terem preferências individuais,
expressas por meio do voto, nenhuma preferên-
5 Przeworski (1995, p. 37) acha um equívoco dar a
cia individual é decisiva e os resultados não irão
Schumpeter o título de pai intelectual da “teoria econômica produzir uma preferência coletiva. Os resultados
da democracia”. No seu entender, apesar de Schumpeter
da eleição não têm relação com o desejo dos elei-
considerar a democracia como um mecanismo de competição
entre elites em busca do poder político, ele percebe o tores, a não ser que o sistema de decisão viole
processo em termos de persuasão política, em que as “pelo menos uma das seguintes condições:
preferências coletivas são menos genuínas e mais racionalidade coletiva, domínio irrestrito, eficiên-
manufaturadas. No entanto, consideramos a teoria cia de Pareto, independência frente a alternativas
econômica da democracia como um desenvolvimento “neo-
shumpeteriano”, em um sentido próximo ao de Elster
(1997). 7 Downs coloca que o problema fundamental da teoria
6 Para Przeworski (1995), as teorias econômicas da política é explicar “como se podem desenvolver objetivos
democracia fundamentam-se em quatro pontos sociais a partir de valores sociais diferenciados?” (DOWNS,
questionáveis: a) as preferências individuais são fixas; b) 1965, p. 160). Já no caso de Mancur Olson podemos
os políticos competem por apoio do eleitorado; c) os argumentar que a questão seria: por que as pessoas
indivíduos são representados; d) eleitos, os governos são participam das decisões políticas, dados os claros ganhos
agentes perfeitos do interesse público. individuais do comportamento do carona?

33
MINIMALISMO SCHUMPETERIANO, TEORIA ECONÔMICA DA DEMOCRACIA

relevantes e não-ditadura” (REIS, 2002, p. 3). é que os indivíduos racionais que não têm “incen-
Riker (1982) coloca que, a partir do teorema da tivos seletivos”, tenderão a não participar de ações
impossibilidade, a única maneira de garantir a con- coletivas.
sistência de decisões coletivas é concentrando
Segundo Ward, o trabalho de Olson “consti-
poderes nas mãos de ditadores, oligarquias ou
tui uma crítica fundamental ao pluralismo e ao
colegiados.
marxismo ortodoxo, que afirmam que dividir um
A impossibilidade, demonstrada por Arrow, da interesse comum é suficiente para que mobiliza-
construção de uma ordenação transitiva de prefe- ções políticas ocorram” (WARD, 2002, p. 66).
rências coletivas via votação, reforçou a interpre-
O teorema olsoniano traz para a teoria demo-
tação do sentido do processo democrático inicia-
crática questões analíticas sérias, a mais conheci-
da por Schumpeter. Existem, em geral, duas in-
da é o “paradoxo da participação”. Como o valor
terpretações sobre o significado do teorema de
do voto nas grandes sociedades é infinitesimal, e
Arrow. A primeira, de Robert Dahl (1989), argu-
pela teoria de Olson quanto menor é o valor da
menta que maiorias estáveis, além de não serem
participação, sem ganhos seletivos adicionais,
possíveis, são indesejáveis, porque podem opri-
menos incentivos tem o ator para participar, e
mir minorias. A segunda, de Riker (1982), argu-
como argumenta Reis (2002), analisando o fenô-
menta que o teorema da impossibilidade invalida
meno da apatia política, se todos os indivíduos
por completo a visão de que eleições representam
assumissem o comportamento político do caro-
a vontade popular.
na, fica impossibilitada a “operação de um regime
As teorias econômicas da democracia partem político democrático nos moldes contemporâne-
do pressuposto de que os interesses individuais os: se ninguém comparecer para votar, ou mes-
são a força motivadora básica da ação política. mo se ninguém se dispuser a participar do debate
Dessa forma, a argumentação lógica é que as or- público, o sistema se inviabiliza em seus mais ele-
ganizações políticas funcionam porque os indiví- mentares mecanismos de operação” (idem, p. 2)
duos, ao participarem delas, buscam executar
Se todos os indivíduos fossem atores pura-
ações coordenadas a partir de seus próprios inte-
mente racionais, sem incentivos seletivos, o re-
resses e dos comuns à coletividade. Mancur Olson
sultado possível seria uma falha na lógica da ação
(1971) argumenta que o auto-interesse pessoal não
coletiva que poderia conduzir a um desastre polí-
faz parte da ação coletiva na promoção de um bem-
tico. Para nossa sorte, a lógica individual egoísta
comum divisível ou não. Para ele, a idéia de que
não é o único determinante para o comparecimento
os grupos conseguirão atingir seus objetivos co-
eleitoral. A incerteza quanto aos resultados demo-
letivos, partindo da premissa de que o comporta-
cráticos tem um papel forte sobre o comporta-
mento racional dos indivíduos, centrado em seus
mento dos eleitores. A história política não é feita
próprios interesses, fá-los agir de forma coorde-
de certezas totais ex-ante. A democracia, como
nada, é equivocada. Na realidade, Olson afirma
um sistema institucionalizado de resolução de con-
que, a menos que o número de indivíduos do gru-
flitos, tem na incerteza dos resultados um dos ele-
po seja pequeno, que haja coerção externa ou al-
mentos incentivadores à participação. Como co-
gum mecanismo capaz de fazê-los agir em inte-
loca Przeworski “a indeterminação inerente a um
resse próprio, os indivíduos racionais não agirão
sistema democrático proporciona a todos a opor-
para promover seus interesses comuns8. Quanto
tunidade de realizar alguns de seus interesses ma-
maior for o tamanho do grupo, menor é a utilida-
teriais. A democracia é um mecanismo social que
de marginal da contribuição de cada indivíduo para
permite a qualquer um, como cidadão, reinvidicar
a obtenção do objetivo perseguido pelo grupo.
direitos sobre bens e serviços” (PRZEWORSKI,
Sabendo disso, o mais lógico para o ator é a ina-
1989, p. 172).
ção. Isto porque, o carona (free-rider) ganhará o
que todos ganham, com uma vantagem sobre os
que participaram, isto é, sem custos. O resultado
veria ser melhor aplicada a grupos de interesses econômi-
cos e não a filantrópicos, por exemplo. No entanto, a ad-
vertência de Reis sobre a aplicabilidade da teoria da ação
8 Bruno Reis (2002, p. 6) observa que a teoria olsoniana coletiva nas sociedades atuais é válida, pois à medida que
não tem aplicação universal. O próprio Olson (1971, p. cresce o número de indivíduos “as oportunidades para se
64-65) sugere que sua teoria da lógica da ação coletiva de- comportar como carona se multiplica” (REIS, 2002, p. 6).

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 19, Nº 38: 27-42 FEV. 2011

III. ESCOLHA RACIONAL, ACCOUNTABILITY rem-se em agregados de preferências coletivas.


E A TEORIA DEMOCRÁTICA. Os mais conhecidos são o teorema da impossibi-
lidade de Arrow e o paradoxo da participação de
Existe na Ciência Política uma rica pluralidade
Olson. A estes é dada muita atenção dentro da
de paradigmas. Temos trabalhado de uma forma
abordagem da escolha racional; ambos expõem o
geral com duas das principais abordagens que uti-
exercício da democracia como um problema de
lizam a racionalidade e a intenção dos atores in-
lógica da ação coletiva.
dividuais na explicação da ação política: o
pluralismo e a teoria econômica da democracia. O cerne da questão é de forte conteúdo
Agora, discutiremos a teoria da escolha racional a conceitual. Como comparar preferências indivi-
partir de algumas problemáticas desta com a teo- duais de diversos atores, dentro de um processo
ria da democracia. de decisão coletiva? Além disso, os paradoxos ins-
talam a seguinte questão: a democracia tem al-
A Ciência Política é uma disciplina que, ao
gum conteúdo moral? Outras teorias da demo-
mesmo tempo em que estuda o fenômeno do po-
cracia, como as deliberativas, enfatizam um tipo
der como resultado da teia de relações sociais,
de ideal de interesse coletivo: um regime demo-
expõe as razões das escolhas políticas dos atores.
crático é aquele em que as decisões políticas são
Seus paradigmas e teorias têm como objetivo ex-
resultado de uma deliberação de indivíduos livres
plicar o comportamento dos atores em situações
e iguais. Parte da contemporânea argumentação
de conflito. A teoria da escolha racional é uma
da teoria da escolha racional vai buscar invalidar
abordagem que tem como ponto de partida a no-
essa proposição, mesmo que alguns pensadores
ção de que as ações coletivas e seus resultados
tenham certa atração por ela10; no fundo, todos
têm de ser compreendidos a partir das escolhas
concordam que o exercício da democracia não se
que os atores9, indivíduos ou não, fazem em uma
materializa como um ideal coletivo.
determinada estrutura de oportunidades, isto é, de
constrangimentos e oportunidades institucionais Riker (1982), ao analisar o teorema da impos-
que alteram o comportamento dos atores em con- sibilidade de Arrow, é categórico em afirmar que
flito. Metodologicamente, a teoria analisa primei- a intransitividade das preferências coletivas de-
ro quais as restrições existentes à ação dos atores monstra a impossibilidade das eleições serem in-
(físicas e sociais), depois analisa qual estratégia terpretadas como uma expressão dos desejos do
que o ator escolhe como uma função de utilidade povo. Ele parte da classificação da democracia11
no curso da ação. Assim, a análise explica como o em dois tipos: o populista e o liberal, afirmando
indivíduo atingiu ou não seus objetivos. Podemos que a teoria da escolha social demonstra a incoe-
argumentar, simplificadamente, que a escolha ra- rência da primeira, que se sustenta na idéia de um
cional é uma abordagem essencialmente instru- desejo popular racional e coerente, e argumenta
mental, guiada pela busca em descobrir quais os que a concepção liberal de democracia, que se
meios mais eficazes que os atores utilizam para sustenta na noção da democracia como liberdade
atingir seus fins. negativa, é a única capaz de evitar o surgimento
III.1. A teoria democrática sem o ideal do inte-
resse coletivo 10 A teoria deliberativa é atrativa por ela própria; quem
Partes substantivas dos problemas teóricos pode por convicção ser contra um ideal de democracia como
enfrentados pela escolha racional, em relação à produto da argumentação de todos? Elster (1997) demonstra
democracia, são fornecidos por um conjunto de- uma forte atração pela democracia deliberativa, no entanto,
ele percebe que a democracia e a política são mais
terminado de situações paradigmáticas, teoremas instrumentais do que orientadas para a realização de um
e paradoxos, que se sustentam na idéia da impos- bem-comum. Elster cita o paternalismo, as limitações de
sibilidade de preferências individuais transforma- tempo, o ideal de uma sabedoria coletiva, a unanimidade
como conformidade e o egoísmo de grupo como
impedimentos à democracia deliberativa. Isso o leva a
9 Um dos pressupostos mais importantes da teoria da concluir que a deliberação e a participação podem ser boas
em si mesmas, por causa de seu conteúdo moral.
escolha racional é o individualismo metodológico, que afirma
somente ser possível entender a ação dos atores a partir da 11 O conceito de democracia populista utilizado por Riker
compreensão de sua motivação – no sentido weberiano (1982) baseia-se na tipologia de regimes democráticos feita
dessa expressão. por Dahl (1989).

35
MINIMALISMO SCHUMPETERIANO, TEORIA ECONÔMICA DA DEMOCRACIA

de regimes ditatoriais. As críticas de Riker susten- método de escolha de governantes. Às críticas,


tam-se em dois pontos básicos: primeiro, não po- ele acredita, são inócuas, já que a teoria democrá-
demos definir o que é vontade popular e segundo, tica não possui conseqüências causais que não
não existem mecanismos capazes de reproduzir, seja a escolha do governo.
em nível coletivo, as preferências individuais. Ele
Ainda segundo Przeworski (idem), o teorema
acredita que a noção de vontade popular é em si
do júri de Condorcet é o fundador do argumento
mesma confusa, e não há como saber o que ela
de que a democracia é racional no sentido de existir
significa objetivamente. Ao povo não pode ser atri-
um bem-comum a todos e que, a partir de argu-
buído nenhum desejo de realizar políticas governa-
mentações, ele será encontrado. De acordo com
mentais. Segundo, não existe um método de vota-
o teorema, cada indivíduo dotado de razão em um
ção capaz de refletir uma ordem de preferências
processo deliberativo deverá decidir de acordo com
coletivas. Em termos institucionais, é impossível
o bem-comum. O argumento de Condorcet pode
saber qual forma de sistema eleitoral é capaz de
ser, no que se restringe à questão da racionalidade
reproduzir fielmente a vontade popular: “[...] dife-
da democracia, criticado basicamente de duas
rentes métodos produzem diferentes resultados.
formas: a) decisões coletivas identificam um inte-
Para a maioria dos métodos de uso geral, não há
resse comum, mas este não é um agregado de
suficiente informação sobre como a ordem de pre-
interesses individuais, e b) decisões coletivas po-
ferência é coletada para revelar como os atuais re-
dem favorecer interesses majoritários, mas estes
sultados diferem do resultado que poderia ter sido
não são interesses comuns. A conclusão de
se fosse selecionado por outro método. Isto signi-
Przeworski é clara, uma decisão coletiva identifica
fica que, mesmo se alguns métodos mostram uma
um interesse comum, contudo, este não é um agre-
razoável capacidade de fusão, nós não sabermos
gado de interesses individuais. Decisões democrá-
como (idem, p. 235).
ticas não possuem racionalidade intrínseca.
Se não podemos definir o que é vontade popu-
Os problemas dos governos e da representa-
lar e se as eleições não podem ser qualificadas como
ção política da democracia é que os eleitores so-
um mecanismo capaz de refletir uma preferência
mente possuem um único instrumento – o voto –
coletiva, as políticas sociais executadas pelos go-
com o qual têm de atingir dois objetivos: eleger
vernos não podem ser vistas como reflexo dela.
bons governos e criar incentivos para que o go-
No fundo, poderíamos fornecer o seguinte axio-
verno eleito possa comportar-se bem. Para
ma: para o liberalismo, decisões políticas coletivas
Przeworski (idem), a escolha de governantes por
são incoerentes e naturalmente autoritárias, por isso
eleição não garante racionalidade, representação
não podem sobrepor-se às liberdades individuais.
ou igualdade. Segundo ele, análises demonstram
Riker argumenta que um sistema político jus- que por vários outros critérios normativamente e
to é aquele baseado em direitos e liberdades nega- politicamente desejados, como ter justiça e
tivas, uma democracia liberal clássica e não uma performance econômica, as democracias não têm
populista. A essência do voto nas democracias li- melhor desempenho se comparadas às ditaduras.
berais, como um ideal da liberdade negativa, é que
O autor argumenta que as críticas ao conceito
ele é um mecanismo de eliminação de líderes in-
minimalista de democracia não têm fundamento,
desejáveis. O resultado da eleição é apenas uma
e que deveríamos “[...], colocar a visão
decisão, e não tem caráter especial moral. Para
consensualista de democracia ao lugar que a per-
seus críticos, Riker argumenta que sua definição
tence – no Museu do Pensamento do século XVIII
de democracia, “pode, de uma perspectiva
– e observar que todas as sociedades possuem
populista, ser uma espécie de democracia
conflitos econômicos, culturais ou morais” (idem,
minimalista, mas é a única forma de democracia
p. 44). Ele é cristalino ao colocar que,
realmente viável. Este é o tipo de democracia que
schumpeterianamente, o que define a democracia
nos Estados Unidos, e é o tipo de democracia muito
são eleições competitivas. Sua defesa da defini-
admirada por todos aqueles que vivem em socie-
ção minimalista ocorre por duas razões: primeiro,
dades fechadas” (idem, p. 246).
a democracia é a única forma de alterar governos
Para Przeworski (1999), os críticos ao con- sem o uso da violência e, segundo, sendo capaz
ceito minimalista de democracia têm atribuído a de fazer isso pelo voto, tal ato tem conseqüências
este características que não fazem parte dele como morais próprias. “No final, o milagre da demo-

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 19, Nº 38: 27-42 FEV. 2011

cracia é que as forças políticas conflitantes obe- quer repressão a suas opiniões, quem vai governá-
decem aos resultados da votação. As pessoas que los por um ou mais mandatos. A segunda,
têm armas obedecem aos que não têm. Políticos accountability horizontal, refere-se à capacidade
arriscam perder o governo através de eleições. Os que poderes estatais têm de supervisionar as ações
perdedores esperam sua chance para ganhar. Con- uns dos outros. E caso encontrem atos ilegais, de
flitos são regulados, processados de acordo com aplicar sanções legais mediante uso dos instru-
as regras e, portanto, limitadas. Isso não é con- mentos do ordenamento jurídico existente.
senso, nem é uma mutilação dela. Apenas conflito
O funcionamento efetivo das diversas formas
limitado; conflito sem matar” (idem, p. 49; tradu-
de accountability nas democracias novas e ve-
ção do autor).
lhas tem sido questionado. Em relação à vertical,
III.2. Representação e a accountability sem von- a capacidade dos eleitores de obter informações
tade geral para formular preferências e tomar decisões é re-
duzida. Isso decorre por vários fatores, alguns
A discussão contemporânea da teoria da de-
dos mais importantes são: a complexidade técni-
mocracia na Ciência Política – debate que se de-
ca das questões socioeconômicas; o tempo e o
senvolve em torno do significado da política e da
custo necessários à busca de informações (ou
participação popular – obriga-nos a iniciar uma
paradoxalmente, o excesso de dados, o que pode
compreensão sobre o conceito da representação
gerar indecisão e incompreensão do que realmen-
e analisar a questão das eleições como instrumen-
te ocorre); sentimentos de impotência face às
to central dos regimes democráticos.
mudanças que ocorrem na sociedade e a pouca
As democracias modernas são democracias capacidade que o cidadão comum tem de interfe-
representativas, isto é, o processo de escolha dos rir na composição da agenda pública. Segundo
governantes, por meio de eleições competitivas, é O’Donnell, a accountability horizontal pode ser
o próprio coração desses regimes. Em todos os violada de duas formas distintas: “[...] a primeira
países comumente considerados democráticos, os consiste na usurpação ilegal por uma agência es-
das velhas democracias ocidentais e o Japão, o tatal da autoridade de outra; a segunda, consiste
voto é o instrumento utilizado pelos cidadãos para em vantagens ilícitas que uma autoridade pública
punir ou premiar políticos, votando a favor ou obtém para si ou para aqueles de alguma forma
contra eles, ou, ainda, sancionando ou não os can- associados a ela. Chamarei o primeiro tipo de
didatos que os apóiem em outras eleições . ‘usurpação’ e o segundo, mesmo que inclua com-
portamentos que não se conformam verdadeira-
Historicamente, na teoria política, o significa-
mente ao termo de ‘corrupção’” (O’DONNEL,
do do conceito de representação e dos vínculos
1999, p. 46).
existentes entre os representantes e seus eleitores
oscila entre duas visões opostas: a do mandato No mundo contemporâneo, além do problema
imperativo e a do mandato virtual. Na tradição central da teoria representativa materializado nas
clássica, Rousseau e Mill, de um lado, e Burke, de limitações da accountability, há outras questões
outro. Na primeira, o representante deve ser dire- emblemáticas que são decorrentes da própria
tamente responsivo às preferências dos eleitores; institucionalidade da democracia, que podem ser
na segunda, não existem interconexões causais resumidas em uma pergunta: qual a
que identifiquem a necessidade do representante representatividade das atuais instituições políticas
conhecer as preferências do seu eleitorado. que fazem a democracia funcionar (partidos, par-
lamento e governos) em relação à heterogeneidade
A legitimidade da democracia contemporânea
das preferências dos cidadãos das modernas so-
decorre de que seu funcionamento é resultado de
ciedades capitalistas?
um fino ajuste entre os instrumentos institucionais
de autorização: voto por meio de eleições livres, A principal característica funcional da repre-
fiscalização das ações dos governantes e sentação política é que ela é marcadamente
accountability. Este se divide em dois tipos de multifuncional: o mandato concedido pelos eleito-
arranjos institucionais de verificação das ações dos res aos políticos abrange um número
governantes, a vertical e a horizontal. A primeira, indeterminado de temas. O aumento da complexi-
accountability vertical, designa a necessidade que dade das relações sociopolíticas e econômicas nas
os cidadãos têm de poderem escolher, sem qual- sociedades contemporâneas – e as transforma-

37
MINIMALISMO SCHUMPETERIANO, TEORIA ECONÔMICA DA DEMOCRACIA

ções decorrentes dentro do aparelho de Estado da estrutura social. De uma forma mais objetiva,
em face dessas – fizeram que os representantes a disputa na face normativa da teoria democrática
políticos fossem compelidos a tomar decisões entre minimalistas e maximalistas reflete a clássi-
sobre uma ampla gama de questões, e, em vários ca oposição entre a representação imperativa e a
casos, com um nível de tecnicidade que escapa à representação virtual. O foco da disputa é o signi-
compreensão do eleitor mediano. ficado da deliberação pública via eleições.
Existe um paradoxo na questão da natureza da Os defensores da visão imperativa
representação e a institucionalidade da democra- (maximalistas) reforçam a noção de que a repre-
cia nas sociedades contemporâneas. A sentação política significa representar interesses,
multiplicidade de questões a que os diversos gru- desta forma, os eleitos deveriam não somente de-
pos sociais tentam dar o status de problema soci- cidir de acordo com o que pensam seus eleitores,
al, tornando-se desta forma elementos da agenda a própria cartografia das instituições representati-
política12, exige o aumento e a qualidade da infor- vas deveria mimeticamente espelhar a sociedade.
mação por parte dos cidadãos. Democratização dos mecanismos de representa-
ção significa expansão da esfera pública sobre o
O eleitor deve, para ser capaz de utilizar seu
Estado, a construção de uma cidadania ativa. En-
voto como forma de punir ou premiar os repre-
tre os autores existem claras diferenças de per-
sentantes, produzir uma análise global das ações
cepção quanto à forma de como a representação
do governo em relação às respostas exigidas pela
política deveria ser construída e executada. Aqueles
agenda pública. Contudo, a análise que os cida-
associados a uma perspectiva republicana defen-
dãos fazem da política parte da óptica de suas
dem a representação como a conseqüência de uma
preferências, que necessariamente não são as
razão pública construída sob um ideal de bem
mesmas dos grupos que buscam status público
coletivo por todos os cidadãos, ou, pelo menos,
para suas demandas. Esse fato é também decor-
pelo maior parte da sociedade. O substrato da fi-
rência da “qualidade” da informação, que faz que
losofia política desta visão é que os indivíduos
a avaliação das ações governamentais pelos cida-
nas sociedades buscam o sentido da política como
dãos possa muitas vezes ser insatisfatória, redu-
res publica, desta forma, a política, antes de ser
zindo a efetivação do voto como instrumento de
um resultado das instituições, é conseqüência da
accountability.
“qualidade da virtude cívica” dos cidadãos no in-
Nas sociedades contemporâneas, o sentido da terior da sociedade.
representação política tem se tornado cada vez
Os autores multiculturalistas acreditam que o
mais complexo, especialmente porque sua prática
enfoque das instituições representativas não de-
não tem se coadunado com o “ideal da represen-
ver ser a busca de “uma razão pública construída
tação popular na política”, característico da uto-
sobre uma virtude cívica coletiva”, mas sim, o
pia democrática. O governo do povo para o povo.
reconhecimento das diferentes identidades cultu-
Há um hiato claro entre a exigência de mais repre-
rais existentes nas sociedades contemporâneas
sentação e como ela efetiva-se nas sociedades;
(feministas, homossexuais, ecologistas, étnicas,
propostas de sorteio e quotas são as respostas de
credos religiosos etc.). A teoria social que susten-
grupos mais organizados e intelectuais ao chaman-
ta essa concepção acredita que desafia a cultura
do deficit democrático das democracias contem-
dominante. Dessa forma, ao contrapor-se ao status
porâneas.
quo cultural, os movimentos sociais propõem uma
Parte da argumentação dos que afirmam a exis- forma diferente de fazer políticas sociais e eco-
tência de um deficit democrático nas instituições nômicas.
representativas modernas baseia-se na noção de
A idéia de um aumento da participação popular
que as políticas governamentais não espelham os
na política é fortemente criticado por autores
interesses dos cidadãos e a multidimensionalidade
pluralistas como Norberto Bobbio, Giovanni
Sartori e Robert Dahl. Eles são claros em sua con-
12 O que pode ser considerado como uma maior denação à confusão entre governo para o povo e
democratização das questões sociais – um reconhecimento representação mimética dos interesses sociais. Não
das exigências de maior interferência da sociedade civil na acreditam na necessidade de alteração nos siste-
política. mas de representação política, na busca de uma

38
REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 19, Nº 38: 27-42 FEV. 2011

maior representatividade popular na política, em verifica uma clara compartimentação baseada em


face da ameaça que essa overdose13 pode signifi- diferenças religiosas, ideológicas, lingüísticas,
car para a própria funcionalidade dos regimes de- culturais, étnicas ou raciais, que dão origem a
mocráticos. Sartori observa que os críticos dos subsociedades virtualmente separadas com os seus
sistemas representativos não entendem as exigên- próprios partidos políticos, grupos de pressão e
cias institucionais reais necessárias ao funciona- meios de comunicação, aí não existe a flexibilida-
mento da democracia como forma de governo. de necessária à viabilização da democracia majo-
Segundo o autor, seus argumentos baseiam-se: a) ritária” (idem, p. 41; grifos no original).
em uma “percepção muito pouco clara dos limia-
Em The Conception of Representation, Pitkin
res de tamanho que afetam os custos de tomada
(1972), desenvolve uma tipologia das concepções
de decisão quanto a passagem da regra de comitê
de representação política. Para nossos propósi-
(por assim dizer) para a regra da maioria”; b) “ên-
tos, duas destacam-se: a descritiva e a formalista.
fase na política mais visível, em contraposição as
A primeira afirma que o parlamento, analogamente,
suas áreas de menor visibilidade, sem uma com-
deve ser um microcosmo da sociedade,
preensão clara do que está em jogo”; c) “uma
espelhando mais que possível sua estrutura soci-
hipertrofia das arenas que são inválidas pela polí-
al. A legitimidade da representação vem não do
tica e segundo, politizadas”; e d) “finalmente, um
consentimento de representar, mas da composi-
primitivismo democrático muito ingênuo que co-
ção. As principais críticas de Pitkin a essa visão
loca a democracia direta e participativa em
são: a) ela pressupõe que os cidadãos têm prefe-
contraposição ao controle e à representação”
rências formadas sobre todas as coisas, o que é
(SARTORI, 1994, p. 325; grifos no original).
claramente falso; b) ela negligencia o impacto da
Hanna Pitkin (1972) argumenta que a repre- representação sobre a ação governamental e c)
sentação política é um atributo da democracia ela faz desaparecer o sentido da responsabilização
como sistema de governo e como tal é historica- das decisões dos representantes junto ao eleitora-
mente o resultado de uma miríade de complexos do. A segunda concepção de representação, a
arranjos institucionais. Os diferentes regimes de- formalista, ao contrário da anterior, enfatiza a no-
mocráticos foram moldados em formatos diver- ção de autorização que os cidadãos fornecem aos
sos, com diferentes respostas empíricas para a políticos para que ajam em seu nome. Esta visão
questão da representação. incorpora a independência da ação do represen-
tante em relação aos desejos dos representados.
Lijphard (1989), em um estudo clássico sobre
Uma marca da representação formal nas socieda-
os modelos empíricos de democracia, argumenta
des contemporâneas é a responsabilidade que o
que existem várias fórmulas institucionais para
representante assume pelos seus atos perante seu
viabilizar os regimes democráticos, e essas po-
eleitorado. As eleições, nas modernas democraci-
dem ser classificadas em dois tipos fundamen-
as representativas, incentivam os representantes
tais: majoritária (Westminster) e de consenso. No
para que atuem no interesse dos eleitores. Em
primeiro caso, os arranjos institucionais visam,
outras palavras, eleições e mandato virtual produ-
em essência, “[...] o predomínio da maioria”
zem accountability. Afirmação teórica que conflita
(idem, p. 17; tradução do autor), é especialmente
com os fatos da realidade.
eficaz em sociedades com alta homogeneidade
social. O segundo tipo, o consensual, busca o Bobbio (1999), Sartori (1994) e Pitkin (1972)
equilíbrio político por meio da criação de maiorias argumentam que as críticas ao mandato virtual
governativas, tentando representar o quanto for (ou na terminologia desta última, “formalista”) são
possível os diversos grupos sociais. “No caso ingênuas, não levando em conta as limitações for-
particular das sociedades pluralistas, nas quais se mais à política democrática colocada pela magni-
tude das sociedades contemporâneas.
O problema da argumentação maximalista de
13 Essa noção de overdose é claramente derivada das
democracia e da representação imperativa é que,
conclusões da Comissão Trilateral (composta por Samuel
mesmo que o teorema da impossibilidade de Arrow
Huntington, Michel Crozier e Joji Watanuki) que afirmou
ser o excesso de participação política o principal e o paradoxo da participação de Olson não demons-
responsável pela “ingovernabilidade” que se abatia sobre trem validade empírica para todos os casos, de-
as democracias ocidentais em meados da década de 1970. monstram a questão da incerteza inerente aos re-

39
MINIMALISMO SCHUMPETERIANO, TEORIA ECONÔMICA DA DEMOCRACIA

sultados democráticos como um problema de ação ticos (menos intensos ou indiferentes) mesmo
coletiva. Como afirma Downs, a incerteza da de- quando o subgrupo intenso constitui uma minoria
mocracia “divide os eleitores em várias classes, uma da coletividade em questão” (SARTORI, 1994, p.
vez que afeta algumas pessoas mais do que outras” 301; sem grifos no original).
(DOWNS, 1965, p. 82; tradução do autor).
A política democrática, ou seja, o sistema de
Propostas de alteração dos mecanismos clás- governo que exige a responsabilização via
sicos de representação, como quotas ou direitos accountability dos atos dos políticos, não é igual
especiais de veto, não têm a compreensão analíti- em todos os lugares. Ela vive e sobrevive em di-
ca de que a decisão política é resultado de esco- versas condições locais e históricas diferentes. Se
lhas que os indivíduos fazem a partir de suas pre- isso ocorre é porque existe algo comum a todos
ferências, e estas possuem intensidades desiguais, os regimes, que os faz sobreviver. A resposta é
que podem ser alteradas ou não durante o proces- instituições representativas: partidos, eleições, par-
so político. Além disso, os cidadãos não têm pre- lamentos e governos.
ferências formadas em relação a todas as ques-
Ao contrário do que imaginam os republica-
tões. Em muitas matérias de alta complexidade
nos, muito provavelmente não há essa dita “virtu-
técnica, os representantes simplesmente não po-
de cívica”. Análises empíricas sobre o comporta-
dem decidir com base na opinião de seus eleito-
mento eleitoral realizadas desde a década de 1850
res. Decisões em determinadas áreas, como polí-
demonstram que os eleitores, em geral, são apáti-
tica monetária, que têm impacto direto sobre o
cos e desinteressados pela política. E, como ob-
eleitorado, são tomadas em um ambiente em que
serva, Reis, em uma condição ceteris paribus,
os graus de risco e incerteza são altos e as infor-
quanto menor for “o input de virtudes requerido
mações não podem ser simplesmente publicadas.
pelo sistema político para operar, melhor o siste-
Isto por duas razões básicas: primeiro, se torna-
ma político – pelo simples fato de que isto signifi-
das públicas podem perder seu efeito e, segundo,
ca um requisito operacional a menos. Se eu não
muitas decisões em política macroeconômica,
posso tomar por empiricamente assegurada a vir-
como a questão juros versus inflação, para evitar
tude de meus concidadãos, então é melhor eu não
um prejuízo maior em longo prazo, necessaria-
presumir sua existência quando legislar” (REIS,
mente produzem políticas que geram perdas ime-
2002, p. 8). Poderíamos acrescentar: também
diatas. E apostar no voluntarismo dos cidadãos
quando representar.
não é a melhor forma de fazer política, especial-
mente econômica. IV. CONCLUSÕES
Decisões democráticas, especialmente as to- As sociedades contemporâneas valorizam po-
madas via mecanismos majoritários, tratam virtu- sitivamente a democracia como a melhor forma de
almente como iguais preferências com intensida- regime político, na qual as pessoas, independente-
des diferentes. Como argumenta Sartori: “[...] as mente de suas diferenças, podem conviver. A idéia
regras da maioria baseiam-se numa ficção, na ver- atual da democracia como um valor universal sig-
dade num pressuposto vago e irreal: vamos fazer nifica uma profunda mudança de paradigma, com-
de conta que as [diferentes] preferências têm a parando-se com o período entre as grandes guer-
mesma intensidade. [...] Gostaria apenas de ex- ras mundiais, em que os regimes democráticos
plicar por que o princípio da maioria nunca é aceito foram associados a todos os males, como crises
de forma integral, por que sua aplicação em geral econômicas, corrupção, pobreza e guerras.
não atinge o alvo e principalmente por que mino-
O atual desenvolvimento do conceito de de-
rias intensas contestam o princípio e se recusam
mocracia pode ser colocado da seguinte forma:
decididamente a se submeter a ele.
de um lado o minimalismo, de outro, seus críti-
A realidade da vida é que um Não forte suplan- cos. A visão shumpeteriana tem sido o ponto de
ta regularmente dois Sim fracos e, inversamente, referência para todos os pensadores da democra-
que um Sim obstinado em geral vence dois Não cia. Os defensores não são poucos, os adversári-
débeis. Assim, todas as coletividades provavelmen- os também. Algumas críticas são pertinentes, tanto
te contém - em qualquer momento dado, sobre em termos de conhecimento científico quanto de
determinadas questões – um subgrupo intenso que posições normativas. Teorias de escolha social
aguarda uma chance de vencer os subgrupos apá- estão intimamente ligadas à defesa da concepção

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 19, Nº 38: 27-42 FEV. 2011

mininalista. De Kenneth Arrow a William Riker, to- pia democrática em todas as sociedades. “Gover-
dos são unânimes em negar a possibilidade de que no do povo para o povo” continua uma promes-
interesses privados, possam ser transformados em sa, e provavelmente continuará assim. Existe um
fins coletivos. O problema desta visão é que, na hiato entre exigência de representação dos grupos
realidade cotidiana da política democrática, deman- sociais e sua efetivação na política partidária das
das privadas transformam-se em metas sociais, e sociedades contemporâneas. Como vimos, a de-
estas são materializadas em programas econômi- mocracia como sistema de governo necessita da
cos e sociais. A resposta desses autores é que, se responsabilização dos políticos pelos seus atos. O
isso acontece, é porque a indeterminação dos re- que constitui as instituições representativas demo-
sultados é uma das características mais marcantes cráticas não é um ideal de amor à democracia, e o
da democracia. Elites, por não saberem o dia de voluntarismo não é o melhor caminho para cons-
amanhã, preferem realizar políticas que satisfaçam truir a democracia, mas foi e é um dos principais
os interesses do seu eleitorado. caminhos para seu oposto. Uma das poucas cer-
tezas que temos é aquilo que todas as democraci-
A natureza da representação política demons-
as têm algo comum: instituições representativas;
tra-se ser mais complexa do que o ideal da “re-
partidos, eleições, parlamentos e governos.
presentação popular na política” que marca a uto-

Ricardo Borges Gama Neto (ricardobgneto@gmail.com) é Doutor em Ciência Política pela Universida-
de Federal de Pernambuco (UFPE) e Professor de Ciência Política na mesma Universidade.

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MINIMALISMO SCHUMPETERIANO, TEORIA ECONÔMICA DA DEMOCRACIA

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42
REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 18, Nº 37: 295-300 OUT. 2010
ABSTRACTS

LAW, STATE AND POWER: POULANTZAS AND HIS CONFRONTATION WITH KELSEN
Luiz Eduardo Motta
The Theory of the State, in the field of Political Science, has undergone moments of crisis, particularly
in the passage from the 1980s to the 1990s, when exponents of certain intellectual currents argued that
the Nation-State and state institutions were losing their central position as objects of analysis. The
present article counters this argument and attempts a comparative analysis of two of the most systematic
authors who dealt with the concept of the modern State and its relationship with modern Law: Hans
Kelsen and Nicos Poulantzas. Our point of departure is the analogy was established between the two
by David Easton, in his article, “The Political System under State Siege”, in which he identifies
Poulantzas’ Marxist work with Kelsen’s systemic and normative work on Law and the State. In fact,
paradoxically, Poulantzas may be seen as in agreement with many aspects of Kelsen’s critique of
liberal thought (a school to which the latter is in fact affiliated) as well as with his definition of the State
of Law as the antithesis of authoritarian States.. Yet despite this convergence, the differences between
Poulantzas and Kelsen are representative of two distinct forms of political and theoretical treatment of
the concepts of Law and the State. For Kelsen, the State is impermeable, not riven by internal
contradictions or fissures, while for Poulantzas, the State is defined as a strategic field of struggles,
permeated by micro-policies and contradictions. The present article consists of an introduction, which
is then followed by two sections that present a synthesis of Kelsen’s and Poulantzas’ positions on the
role of the modern State and the Law, and providing a concluding section in which the major points of
agreement and disagreement in the work of these authors are pointed out.
KEYWORDS: Nicos Poulantzas; Hans Kelsen; Law; the State; Power.
* * *
SCHUMPERIAN MINIMALISM, ECONOMIC THEORY OF DEMOCRACY AND
RATIONAL CHOICE
Ricardo Borges Gama Neto
Democracy is one of the most widely-discussed themes in Political Science. There is unanimous
agreement regarding the legitimacy of the democratic regime in the face of those that oppose it.
Nonetheless, if there is consensus on the defense of democracy, there is no analogous consensus
regarding what the concept really means. Debate on the theme re-emerges as a consequence of
the crisis of political representation in countries where democracy has been consolidated, of the fall
of authoritarian regimes in eastern Europe, Asia and Latin America and the incertainties surrounding
consolidation of democratic regimes. This article analyzes some of the inflections that are present in
democratic theory, particularly on issues that involve the relationship between democracy, the logic
of collective action, political representation, interest and accountability. We begin by presenting
Max Weber’s influence on Joseph Schumpeter’s theory of democracy, followed by the bases of his
minimalism, his influence on Robert Dahl’s pluralism, the paradoxes of the logic of collective action
and of economic theory of democracy. We then go on to particular aspects of concepts of political
representation, responsibility, interest, forming of preferences and general will. We find that the
meaning of political representation has become increasingly complex, particularly because its practice
has not been consonant with the “ideal of popular representation in politics” that is characteristic of
democratic utopia. There is a clear hiatus between the demand for more representation and how in
fact the latter materializes within society. Nonetheless, we argue that, notwithstanding all the criticisms
it has received, democracy as a system of government survives under different social and historical
conditions and this happens because all democratic regimes share one common feature: representative
institutions. Without them, democracy is a mere fiction.
KEYWORDS: Democracy; Minimalism; Political Representation; Accountability.
* * *
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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 18, Nº 37: 303-309 OUT. 2010
RESUMES

DROIT, ETAT ET POUVOIR: POULANTZAS ET LES CONFRONTATIONS AVEC KELSEN


Luiz Eduardo Motta
La Théorie de l’Etat, dans le domaine de la Science Politique, a vécu de moments de crise, en
particulier entre les années 1980 et 1990, quand certains courants intellectuels indiquaient que l’Etat-
nation et les institutions de l’Etat cesseraient d’occuper un rôle central comme objet d’analyse. Cet
article va à l’encontre de cette position et vise établir une analyse comparative de deux des auteurs
les plus systématiques qui ont abordé le concept d’Etat moderne et de la relation de celui-ci avec le
Droit moderne: Hans Kelsen et Nicos Poulantzas. Le point de départ est l’analogie établie entre
tous les deux par David Easton, dans son article “Le système politique assiégé par l’Etat”, qui
identifie l’œuvre marxiste de Poulantzas avec la théorie systémique et normative de Kelsen sur le
Droit et l’Etat. En effet, paradoxalement, Poulantzas converge en beaucoup d’aspects avec Kelsen
quand il critique la pensée libérale (dont Kelsen est un affilié) et quand il définit que l’Etat de Droit
serait l’antithèse des Etats autoritaires. Mais, malgré ces convergences, les différences entre
Poulantzas et Kelsen délimitent deux formes distinguées dans l’approche théorique et politique sur
les concepts de Droit et Etat. Pour Kelsen, l’Etat est imperméable, sans contradictions ni fissures
internes, alors que pour Poulantzas, l’Etat est défini comme un domaine stratégique de luttes, imprégné
de micro-politiques et de contradictions. L’article est composé par une introduction, suivie de deux
sections qui systématisent les principales définitions de Kelsen et Poulantzas sur le rôle de l’Etat
moderne et du Droit moderne; et encore une conclusion, qui délimite les aspects convergents et
divergents entre les deux auteurs.
MOTS-CLES: Nicos Poulantzas; Hans Kelsen; Droit; Etat; pouvoir.
* * *
LE MINIMALISME DE SCHUMPETER, THEORIE ECONOMIQUE DE LA DEMOCRATIE
ET DU CHOIX RATIONNEL
Ricardo Borges Gama Neto
La démocratie est l’un des thèmes les plus discutés dans la Science Politique. Il existe une unanimité
autour de la legitimité du régime démocratique vis-à-vis ses opposants. Toutefois, si la défense de la
démocratie est consensuelle, la même concordance sur son significat n'existe pas. Le débat sur le
thème resurgit comme une conséquence de la crise de la représentation politique dans les pays de
démocratie consolidée, de la faillite des régimes autoritaires dans les pays de l’Est Européen, Asie
et Amérique Latine et des incertitudes par rapport à la consolidation des régimes démocratiques.
L'article analyse certains points d'inflexion existants dans la théorie démocratique, particulièrement
les questions concernant la relation entre la démocratie, la logique de l’action collective, la
représentation politique, l’intérêt et la reddition de comptes. Il commence par présenter l’influence
de Max Weber sur la théorie de la démocratie de Joseph Schumpeter; après, il présente les fondements
du minimalisme, son influence sur le pluralisme de Robert Dahl, les paradoxes de la logique de
l'action collective et la théorie économique de la démocratie, en citant aussi certains aspects des
concepts de la représentation politique, la responsabilisation, l’intérêt, la formation de préférences
et la volonté générale. On affirme que le sens de la représentation politique devient de plus en plus
complexe, spécialement parce que sa pratique ne s'allie pas avec “l'idéal de la représentation populaire
dans la politique”, caractéristique de l’utopie démocratique. Il y a une lacune entre l’exigence pour
plus de représentation et comment elle existe en effet dans la société. Toutefois, l'article défend
que, malgré toutes les critiques qu’elle reçoit, la démocratie tant que système de gouvernement
survit sous diverses conditions sociales et historiques différentes, et cela se produit parce que il y a
quelque chose de commun dans tous les régimes démocratiques : des institutions représentatives.
Sans ces institutions, l’existence des démocraties ne serait pas possible.

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 18, Nº 37: 303-309 OUT. 2010

MOTS-CLES: démocratie; minimalisme; représentation politique; accountability; choix rationnel.

* * *

CAPITAL SOCIAL ET DEMOCRATIE: LA CONFIANCE EST-ELLE VRAIMENT IMPOR-


TANTE?
Manoel Leonardo Santos et Enivaldo Carvalho da Rocha
Actuellement, il est possible de trouver des efforts visant à réconcilier deux approches avant prises
comme antagonistes et inconciliables. Il s'agit d’une tentative de faire la médiation des visions que
d’un côté, soulignent l’importance des choix stratégiques des individus et, d'un autre côté, qui privilégient
l'importance historique des normes et des institutions socioculturelles dans les résultats sociaux et
politiques. Cet article s'insère dans ce débat et, dans ce contexte, la question “la culture est-elle
importante?” est tout à fait logique. En partant de cette question, nous cherchons à analyser
empiriquement l’importance statistique d'une valeur culturelle spécifique, “le capital social”, pour la
qualité de la démocratie. L’effort est de clarifier empiriquement si le capital social (ici compris à partir
des indicateurs de confiance interpersonnelle, confiance dans les institutions et confiance politique),
est lié à la qualité de la démocratie (ici mesurée à partir de deux indicateurs : Freddom House et The
Economic Inteligence Unit). Nous concluons que, si nous prenons en considération seulement le concept
de confiance interpersonnelle comme mesure pour le capital social, nous ne pouvons pas considérer
que celui-ci est une valeur culturelle pertinente pour la démocratie. Par rapport à la confiance dans les
institutions, sa corrélation négative avec le degré de démocratisation des pays étudiés, montre clairement
que le cercle vicieux suggéré par Robert Putnam n’est pas confirmé. L’érosion de la confiance dans
les gouvernements, dans les régimes démocratiques, est une forte évidence que il n’y a pas d’association
positive, vertueuse, entre confiance, culture civique ou n’importe quelle autre dénomination que puisse
être suggérée dans une tentative de construire un mécanisme de cause entre capital social et démocratie.
Malgré les résultats négatifs et les limites indiqués en ce qui concerne le pouvoir de la théorie du
capital social, le texte indique un débat en construction et avec des perspectives prometteuses.
MOTS-CLES: capital social; Théorie de la Démocratie; confiance; développement économique;
culture politique.

* * *

REPRESENTATION POLITIQUE: UN DIALOGUE ENTRE LA PRATIQUE ET LA THEORIE


Daniela Resende Archanjo
Cet article discute la question de la représentation politique à partir du dialogue entre la théorie et la
pratique de la politique. En partant de la caractérisation des trois formes de représentation indiquées
par la bibliographie (représentation tant que délégation, tant que confiance et tant que représentativité
sociologique), l’article cherche à révéler, à partir des discours des députés et sénateurs qui ont participé
du débat autour de l’institution du divorce au Brésil pendant les décennies de 1950, 1960 et 1970,
comment les différentes possibilités du concept de représentation politique ont été comprises et mobilisées
dans le débat politique du Congrès National. Le contexte où sont inscrits le Sénat Fédéral et la Chambre
de Députés, scénario de la politique par excellence, a des multiples facettes, pendant que la pratique
parlementaire se constitue dans le mélange (inconscient) des modèles théoriques, où la nécessité
d’exprimer l’importance de l’entretien du lien avec l’électeur prévaut toujours. Il faut ne pas perdre de
vue que les discours des politiques sont, avant tout, des produits du contexte où ils sont inscrits, masqués
par le significat attribué par les parlementaires à leur fonction de représentants politiques.
MOTS-CLES: représentation politique; Théorie Politique; pratique politique; divorce.

* * *

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