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Aspectos éticos da quebra da

relação médico-paciente
Marcelo de Sousa Tavares

Resumo: A relação entre médicos e pacientes sempre foi extremamente complexa e rica. O
presente artigo analisa os diversos fatores pré, intra e pós-consulta que podem interferir sobre a
consulta. Os fatores aceitos como justificáveis de determinadas atitudes, tanto por pacientes e
médicos, são explicitados. A visão do médico a respeito do conceito de justiça ligado ao ato da
consulta, bem como a influência de fatores individuais, são igualmente discutidos. A situação
ideal referente à relação entre consultado e consultor deve refletir a compreensão por ambas as
partes dos diversos fatores que influenciam essa relação.

Palavras-chave: Ética. Relação médico-paciente. Justiça.

A consulta médica pode ser definida como uma intera-


ção complexa, multidimensional, entre dois agentes
sociais, médico e paciente. A priori, a situação permite
reconhecer diferenças estruturais entre os mesmos, que
se refletem na percepção que cada um tem dessa rela-
ção. Na seqüência, serão descritas algumas dessas dife-
Marcelo de Sousa Tavares renças, identificados padrões de expectativas que, obje-
Nefrologista pediátrico,
assistente do Centro de tiva ou subjetivamente, regulam os comportamentos
Nefrologia da Santa Casa de nessa relação e, por fim, analisados os aspectos éticos
Belo Horizonte
referentes a situações nas quais os envolvidos percebem
que há quebra nesses padrões.

O médico e o paciente

A relação entre médico e paciente é, a priori, assimé-


trica, pois o primeiro é detentor do conhecimento
técnico necessário para buscar a solução para os pro-
blemas de saúde do segundo. O paciente é aquele
que se encontra em situação de ameaça à sua inte-

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gridade física e mental, pelo intercurso Hipócrates e no CEM. A visão do médi-
da doença, em decorrência da qual se co apenas como provedor de serviços é
reporta ao médico. No entanto, essa fruto da visão mercantilista da saúde,
assimetria, instituída pela própria rela- que sob essa ótica torna a saúde uma
ção em si, não precisa significar, neces- mercadoria ou produto como outro qual-
sariamente, desequilíbrio na inter-rela- quer 2. Essa visão torna passível conside-
ção entre médico e paciente, implican- rar o paciente cada vez mais como
do, apenas, em considerar que o pacien- “cliente”, em detrimento de uma per-
te procura alguém com mais conheci- cepção humanística da relação que se
mento que ele próprio para resolver seus pode estabelecer entre ambos 2.
problemas de saúde. Para que o profis-
sional possa alcançar esse intento, o Como o paciente procura o profissional
artigo 5 o, Capítulo 1, do Código de em função da doença e sua sintomatolo-
Ética Médica (CEM) recomenda que o gia, pode-se identificar algumas expectati-
profissional aprimore continuamente vas específicas à relação, que lhe são ine-
seu conhecimento e use, da melhor rentes e a moldam, antes mesmo de o
maneira possível, o progresso científico vínculo interpessoal ser estabelecido. A
em benefício do paciente¹. principal delas é que o médico diagnosti-
que o mal que acomete o paciente e pro-
Outra peculiaridade dessa relação é que mova alívio à sua dor e sofrimento.
o médico utiliza o conhecimento para
prover sua própria subsistência. Esse Daí decorrem outros anseios do paciente,
fato, contudo, faz com que sua percep- relacionados ao comportamento esperado
ção do paciente oscile de forma dicotô- do profissional e à forma como conduz a
mica, ora o considerando como provedor consulta:
de recursos – direto (quando consulta
particular) ou indireto (nos casos de • Atenção do médico, ou seja, que o escu-
transferência de recursos por institui- te e dê importância a seu relato;
ções ou sistemas de saúde) – ora perce- • Complacência do médico quanto à sua
bendo-o segundo a perspectiva inerente necessidade de se expressar;
ao ethos da profissão, onde o paciente é • Compreensão, por parte do médico,
visto como ser humano doente, que do contexto social de quem procura
necessita de cuidados. Esas perspectivas seu auxílio, examinando-o e prescre-
por vezes antagônicas, refletem o hiato vendo conforme as expectativas e pos-
entre doutrinas neoliberais e materialis- sibilidades 3.
tas e o conceito humanístico do pacien-
te como ser, remetendo diretamente à As expectativas do paciente em relação ao
concepção exposta no juramento de médico, e vice-versa, são mediadas por

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diversos outros fatores. Dentre os quais se • Tempo da consulta menor do que con-
destacam a expectativa do próprio médico sidera necessário, circunstância que,
como detentor do saber e poder, o que conseqüentemente, associa-se à avalia-
implica em que o paciente siga a prescri- ção sobre a atenção que o médico
ção recomendada. O tipo de mal acome- provê;
tido pelo mesmo também interfere sobre • Discrepância entre o tempo de consulta
a relação. Dentre as diferentes especiali- e o valor pago, análise na qual são con-
dades médicas, a abordagem de problemas trapostos o seu esforço pessoal, por
psiquiátricos talvez seja a que mais difi- meio do trabalho, para remunerar a
culdades apresenta nas interações entre instituição/plano de saúde frente ao
profissionais e pacientes4. benefício recebido;
• As informações desejadas não são as
A perda do equilíbrio na relação fornecidas pelo médico;
médico-paciente • Insatisfação no resultado do tratamen-
to (expressa, atualmente, por uma
A situação em que as expectativas do minoria, considerando-se que as situa-
médico e paciente são preenchidas resulta ções acima referidas não ocorreram).
numa relação a princípio adequada. Essa
condição não indica necessariamente o Em relação a esses tópicos faz-se preciso
diagnóstico ou prescrição correta, mas a tecer algumas considerações adicionais.
relação eticamente correta. Não obstante, Grosso modo, quando o tempo da consul-
em muitas ocasiões, essa relação mostra- ta é menor do que o paciente considerava
se frágil e insatisfatória, na maioria das necessário, tal avaliação relaciona-se ao
vezes para o paciente e, em raras, para o conceito de mérito auto-reconhecido,
médico. Tal situação insatisfatória ocor- produzida no paciente pela conjugação de
rerá, basicamente, quando houver discre- valores inconscientes (fruto da história
pância entre qualquer das expectativas de pessoal de cada um) e conscientes (escla-
ambos – o que, de fato, acontece no aten- recimento de seus direitos como cidadão).
dimento. Quando a percepção da “injustiça” decor-
re da discrepância entre o tempo de con-
Segundo a perspectiva do paciente, a sulta e o valor pago, vale dizer que se pode
quebra da relação ocorre no momento identificar como senso comum entre pes-
em que recebe algo diferente do que soas de baixa renda a justificação da má
merece – em seu julgamento, uma injus- qualidade de serviços públicos pela “gra-
tiça. Nessa circunstância, é comum que tuidade” aparente dos mesmos.
sinta que seus direitos foram lesados,
identificando essa injustiça nos seguin- De maneira semelhante, também o médi-
tes aspectos: co pode sentir-se prejudicado na relação.

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Generalizando, porém, sem descaracteri- Discussão
zar a essência da perspectiva do profissio-
nal, pode-se afirmar que tal sensação Em várias compilações de direitos consta-
decorre: a) de o médico sentir-se injusti- ta-se, explicitamente, o direito do ser
çado pelo esforço despendido e, apesar humano à saúde: a Declaração Universal
disso, o paciente não seguir as orienta- dos Direitos Humanos, a Constituição
ções; b) da sensação subjetiva de não Federal, a Lei 8.080 e os contratos de
reconhecimento de seu trabalho, pelo prestação de assistência médica. Em todos
paciente ou empregadores, concorrendo esses documentos, que operam em níveis
para que perceba, subjetivamente, que distintos, a saúde é reconhecida como
teve menor reconhecimento do que mere- direito de cidadania, relacionada à digni-
ceu. É importante salientar, ainda, que o dade humana e à justiça. Porém, grande
médico como provedor de serviços, que parte da questão sobre o estabelecimento
recebe seus proventos direta ou indireta- da adequada relação médico-paciente
mente do paciente, pode experimentar decorre diretamente de questão microéti-
um agravamento dessa sensação de insa- ca, ou seja, envolve basicamente as rela-
tisfação pela dupla (e contraditória) impo- ções interpessoais5, o que implica em
sição de ter que fazer o bem ao paciente refletir sobre como transpor os princípios
e, apesar de seu empenho, sentir-se impo- éticos universalizáveis e generalizáveis
tente para tanto, seja devido às circuns- para a prática cotidiana.
tâncias conjunturais, como falta de exa-
mes ou medicamentos nos serviços públi- O termo “justiça” reporta-se ao que está
cos, por exemplo, seja como conseqüência em conformidade com o que é justo, refe-
de fatores sociais ou, até mesmo, inter- rindo-se ao reconhecimento do mérito de
pessoais, que levam o paciente a não alguém ou de algo. Isso, por sua vez, evoca
seguir as orientações dadas. o que se conhece por “liberdade de proces-
so plena”, que segundo Kolm6 é a liberda-
O desequilíbrio na relação médico-pa- de de beneficiar-se dos resultados dos pró-
ciente e a conseqüente insatisfação e sen- prios atos, o que pressupõe o usufruto de si
sação de injustiça que pode abater-se sobre mesmo. Contudo, no caso da relação
ambos tende a produzir dois modelos de médico-paciente, à justiça se antepõem as
comportamento: o médico tenta melho- limitações da vida prática, onde existem
rar sua comunicação com o paciente, bus- restrições de tempo, excesso de pacientes
cando restabelecer a confiança recíproca e má remuneração do médico, principal-
na relação e o prosseguimento do trata- mente nos serviços públicos, onde fre-
mento 3,5; o paciente quebra o elo de sua qüentemente há hiperlotação. Tal proces-
relação com o médico e procura novo pro- so também remete o médico à situação de
fissional de saúde para atendê-lo. injustiça. Diante de tais obstáculos ao

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exercício profissional com justiça e liber- Essa posição original, transposta à situa-
dade de processo plena, acaba sendo ção pretendida, seria a ideal para uma ade-
necessário que trabalhe sob o princípio da quada relação médico-paciente.
“justiça redistributiva plena”, para ajudar
primeiro os mais vulneráveis, os pacien- Entretanto, médico e paciente estão mui-
tes, quando a igualdade é impossível ou tas vezes privados de alguns conhecimen-
inviável. tos sobre as características e circunstân-
cias particulares que interferem em suas
Considerando a situação estabelecida expectativas quanto ao atendimento:
entre consultando e consultor, as dife- quando o médico encontra o paciente pela
rentes perspectivas éticas aqui levanta- primeira vez ainda não conhece em deta-
das, a adoção do princípio da justiça lhes seu cotidiano, hábitos e condição de
redistributiva plena pelo profissional, vida. Nesses casos, também o paciente,
permite que o paciente, em situação por não conhecer o médico, ignora a
passiva a priori, receba suas orientações maneira como este conduz a relação e
e conhecimento, o que provavelmente propõe a terapêutica – essa situação de
preencherá suas expectativas quanto ao atendimento pode dificultar o alcance da
atendimento e aos cuidados de saúde. posição original.
Pode-se fundamentar a ação ética decor-
rente da justiça distributiva no impera- A necessidade do paciente o leva a buscar
tivo kantiano: age unicamente segundo a tratamento com a expectativa de resolver
máxima que te leve a querer ao mesmo o problema que o acomete. A proposta
tempo que ela se torne lei universal. terapêutica para esse tratamento deve ser
apresentada pelo médico ao paciente da
Além dessa ótica também poderíamos mesma maneira que faria com outrem,
considerar pertinente a consulta médica ressalvando-se, obviamente, a especifici-
como objeto de uma ética contratualista7. dade da doença e do doente. O médico,
A situação contratual é clara: o interesse contudo, precisa atuar valendo-se da ética
do paciente é ser atendido e o do médico, discursiva, habermasiana8, que é uma
atendê-lo. A situação ideal seria aquela na reconstrução processual da ética kantia-
qual, hipoteticamente, ambas as partes na: só podem reclamar validez as normas
teriam seus interesses atendidos, segundo que encontrarem – ou puderem encontrar –
a escolha do paciente. Assim sendo, pode- o assentimento de todos os participantes de
ríamos considerar essa situação como um discurso prático8.
compatível com a “posição original” des-
crita por Rawls, aquela na qual os contra- Como visto, as perspectivas da relação
tantes buscam formular princípios que médico-paciente diferem quanto à expec-
lhes permitem realizar seus interesses. tativa antes mesmo de iniciado o proces-

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so de consulta. Considerando o ponto de repensar se esse comportamento continua
vista ético-normativo, kantiano, para o sendo o melhor para o homem. Assim, a
paciente a atitude do médico é que con- ética normativa tem que se converter em
tará como fonte de julgamento (juízo): ética pessoal. Enquanto isso não se reali-
adequada ou inadequada. Na perspectiva za, deve ficar em suspenso o juízo valora-
da ética discursiva, adotada pelo consul- tivo de uma conduta pela qual o homem
tante, a idéia de finalidade, a melhora da se faz bom ou mau ao levá-la a efeito.
saúde, é reformulada a partir da compreen-
são intersubjetiva de direitos e deveres e, Considerações finais
nesse ponto, deve-se contar com as ati-
tudes do paciente. Isto pressupõe a pos- A interação médico-paciente é extrema-
sibilidade (não a obrigatoriedade) de efei- mente complexa e influenciada por diver-
tos colaterais, decorrentes da aplicação sos fatores, tanto a priori, como a expec-
de princípios morais a situações concre- tativa do paciente e do médico, a relação
tas, como, por exemplo, a aceitação de poder entre consultante e consultado,
moral por parte do médico em limitar o as fantasias do paciente durante a consul-
tempo de consulta ou reduzir o número ta, relacionadas ao fornecimento de infor-
de informações se outros pacientes com mação acessível, ao tempo e atenção ade-
maior gravidade precisam ser atendidos. quados e à duração da consulta, como a
posteriori, relacionadas ao sucesso do tra-
Essas considerações pontuais reforçam o tamento e à satisfação do paciente. A
anteriormente afirmado, também aponta- compreensão do dinamismo e de como os
do por Escribano9: a lei universal nem sem- diferentes fatores interagem para gerar
pre abarca as múltiplas características pes- uma adequada relação médico-paciente
soais e nem a enorme e difícil complexidade são desejáveis para o sucesso do
de algumas situações e é preciso sempre tratamento.

Resumen

Aspectos éticos de la ruptura de la relación médico-paciente


La relación entre médicos y pacientes siempre se mostró extremamente compleja y rica. El
presente artículo analiza los diversos factores pre-, intra- y post-consulta que pueden interferir en
la consulta. Los factores aceptos como justificables de determinadas actitudes, tanto por los
pacientes como por los médicos son explicitados. La visión del médico cerca del concepto de
justicia relacionado al acto de la consulta, así como la influencia de factores individuales son
igualmente discutidos. La situación ideal referente a la relación entre consultado y consultor debe
reflejar la comprensión por ambas partes cerca de los diversos factores que influencian esta
relación.

Palabras-clave: Ética. Relación médico-paciente. Justicia.

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Abstract

Ethical aspects of medical-patient relationship

The relationship between patients and physicians has always been considered extremely rich
and complex. This paper analyzes the varied factors affecting this relation, including pre-, intra-
and post-consultation. Factors acceptable as justifiable for certain attitudes, both concerning
patients and physicians are discussed. The physicians´ opinions on the concepts of justice rela-
ted to the act of consultation, as well as influence of individual factors are equally discussed.
The ideal situation referred to the relation between consultant and consulted should reflect the
comprehension by both parts of the varied factors that influence this relation.

Key words: Ethics. relationship between physicians and patients. Justice.

Referências

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[Acessado em 2 fev 2008] Disponível em: URL:
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Recebido: 5.2.2008 Aprovado: 9.6.2008

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