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Firmino Wagner Gomes da Silva

A Imago Dei na Antropologia Teológica de


Wolfhart Pannenberg

Dissertação de Mestrado

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-


Graduação em Teologia da PUC-Rio como requisito
parcial para obtenção do título de Mestre em
Teologia.

Orientador: Dr. Mario França Miranda

Rio de Janeiro
Janeiro de 2009
Livros Grátis
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Firmino Wagner Gomes da Silva

A Imago Dei na Antropologia Teológica de


Wolfhart Pannenberg

Dissertação apresentada como requisito parcial para


obtenção do grau de Mestre pelo Programa de Pós-
graduação em Teologia do Departamento de Teologia do
Centro de Teologia e Ciências Humanas da PUC-Rio.
Aprovada pela Comissão Examinadora abaixo assinada.

Prof. Mario França Miranda


Orientador
Departamento de Teologia – Puc - Rio

Prof. Paulo Cezar Costa


Departamento de Teologia – Puc - Rio

Prof. Antônio José Afonso da Costa


ISTARJ

Prof. Paulo Fernando Carneiro Andrade


Coordenador Setorial de Pós-Graduação e Pesquisa do Centro
de Teologia e Ciências Humanas – PUC-Rio

Rio de Janeiro,
Todos os direitos reservados. É proibida a
reprodução total ou parcial do trabalho sem a
autorização do autor, do orientador e da
universidade.

Firmino Wagner Gomes da Silva


Graduou-se em Teologia pelo Seminário Teológico
Batista do Sul do Brasil em 2002. Em 4 de outubro
de 2005 foi ordenado ao Ministério Pastoral pela
Convenção Batista Brasileira e atualmente é pastor
da Igreja Batista na Campanha, na região sul do
estado de Minas Gerais.

Ficha Catalográfica

Silva, Firmino Wagner Gomes da

A Imago Dei na antropologia teológica de


Wolfhart Pannenberg / Firmino Wagner Gomes
da Silva ; orientador: Mario França Miranda. –
2009.
120 f. ; 30 cm

Dissertação (Mestrado em Teologia)–


Pontifícia Universidade Católica do Rio de
Janeiro, Rio de Janeiro, 2009.
Inclui bibliografia

1. Teologia – Teses. 2. Imago Dei. 3.


Antropologia teológica. 4. Criação. 5. Cristologia.
6. Pannenberg, Wolfhart. I. Miranda, Mario
França. II. Pontifícia Universidade Católica do
Rio de Janeiro. Departamento de Teologia. III.
Título.

CDD: 200
Para minha amada e linda esposa Elaine e meu lindo
filho Arthur pela alegria que eles dão a minha vida.
Agradecimentos

À Trindade Santa pelo seu infinito amor que me gerou, sustenta e governa minha
vida, dando-me a honra de desfrutar de comunhão amorosa com Ela e com a
realidade que me cerca.

Ao meu orientador Professor Mario França de Miranda pelo estímulo e parceria


para a realização deste trabalho.

Ao CNPq e à PUC-Rio, pelos auxílios concedidos, sem os quais este trabalho não
poderia ter sido realizado.

Ao meu avô Antonio Malheiros e minha avó Helle-Nice pela grande fonte de
bênçãos que eles são em minha vida, sendo referencial de vida cristã, pais e
amigos.

A todos os meus familiares, tios e primos que sempre me tratam com amor e
confiança.

Aos meus pais Eraldo e Dulcinéa que em toda a minha vida me dispensaram
muito amor e atenção, dedicando as suas vida para me ensinar a Palavra de Deus e
me proporcionar uma vida honrada.

Aos meus irmãos Clayton, Simone, Jacqueline e Carlinhos, que foram grandes
incentivadores nesta empreitada, como também são em todos os momentos de
minha vida.

Aos meus sobrinhos Stephanie, Jonathan e Raphael que sempre são fonte de
alegria, esperança e paz.

A toda a comunidade da Igreja Batista na Campanha, especialmente aquele que


nestes poucos tempos de convivência se tornaram amigos verdadeiros,
dispensando a mim, a minha Elaine e ao meu Arthur um imensurável carinho.

A minha sogra Edna que tem me acolhido como filho.


Aos meus amigos Victor e Raphael que independente do tempo e da distancia
sempre são amigos, ou melhor, irmãos.

Ao Edson e a Elionai que são pessoas importantes para mim e minha esposa.

A professora Marília que com tanta dedicação revisou todo o trabalho, dando uma
rica contribuição. Também ao seu esposo Roberto Silva que é para mim um
grande amigo.

Aos meus primos emprestados Guilherme e Victor por sua tão sincera amizade.

Aos professores que participaram da comissão examinadora.

A todos os professores e funcionários do Departamento pelos ensinamentos e pela


ajuda.

Aos colegas da PUC-Rio.

Finalmente as duas pessoas mais importantes de minha vida, minha esposa Elaine
pelo seu amor, sua dedicação e o apoio constante, sobretudo nos momentos mais
difíceis da minha vida, de meu ministério e de minha vida. e nosso bebê que
mesmo sendo ainda tão pequenino já ocupa um grande espaço em nosso coração.

Termino ciente de que não agradeci à todos nominalmente, mas convicto da


gratidão que tenho no meu coração por cada pessoa que me ajudou a chegar até
aqui.
Resumo

Silva, Firmino Wagner Gomes; Miranda, Mario de França. A Imago Dei na


Antropologia Teológica de Wolfhart Pannenberg. Rio de Janeiro, 2009.
110p. Dissertação de Mestrado – Departamento de Teologia, Pontifícia
Universidade Católica do Rio de Janeiro.

O presente estudo busca, através da antropologia teológica de Wolfhart


Pannenberg, aprofundar o conteúdo da doutrina da imago Dei e sistematizá-la.
Para alcançar tal objetivo este trabalho, logo em sua introdução, elencará algumas
informações a respeito da pessoa, da vida e da teologia de Wolfhart Pannenberg.
Numa segunda etapa nos aproximaremos de nosso tema, fazendo um percurso
histórico que visará apresentar um pouco como se deu a tematização da doutrina
da imago Dei em alguns momentos da história do pensamento cristão. Em
seguida, iniciaremos outra etapa e aprofundaremos o pensamento antropológico
de nosso autor, observando as linhas gerais de sua antropologia. Mais
precisamente os seus pressupostos antropológicos que exprimem a sua visão da
realidade humana e os seus pressupostos teológicos que consistem na sua
interpretação teológica das características ontológicas do ser humano.
Interpretação que se dá a partir de uma leitura bíblica panorâmica e da reflexão
teológica na história. Essas informações nos fornecerão os subsídios necessários
para compreendermos a doutrina da imago Dei em sua teologia e assim nos
permitirão chegar na quarta etapa de nosso trabalho, quando veremos os seus
posicionamentos. Inicialmente explicitaremos porque a seu ver o homem está
numa posição de destaque em relação às demais criaturas, em seguida veremos
porque Pannenberg entende Adão como a imago Dei cópia e qual é na sua visão a
implicação da imago Dei na existência de Adão. Na segunda parte do quarto
capítulo, veremos os motivos que levam Pannenberg a afirmar que Jesus Cristo é
a verdadeira imagem de Deus, ou seja, a imagem-modelo. Raciocínio que faz com
que na sua antropologia teológica Jesus Cristo seja compreendido como o
autêntico homem. Outra questão que levantaremos nesta segunda parte da quarta
etapa é a importância que nosso autor dá à condição filial de Jesus, fato que está
profundamente ligado na sua compreensão da eficácia salvífica da sua missão
ordenada pelo Pai, de reconciliar o mundo. Fazendo com que todo homem através
da ação do Espírito seja capaz de desfrutar de uma comunhão amorosa com Deus,
e desta forma alcançar o destino que foi determinado em sua criação segundo a
imagem divina.

Palavras-chave
Imago Dei; antropologia teológica, criação; cristologia; Wolfhart
Pannenberg
Abstract

Silva, Firmino Wagner Gomes; Miranda, Mario de França (Advisor). The


Imago Dei in Theological Antropology of Wolfhart Pannenberg. Rio de
Janeiro, 2009. 110p. MSc. Dissertation – Departamento de Teologia,
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.

This study seeks through the theological anthropology of Wolfhart


Pannenberg, Deepens the content os the doctrine of Imago Dei and systematize it.
To achieve such a goal, this work in his introduction will present some
informations about the person, the life and the theology of Wolfhart Pannenberg.
In the second stage we will get closer our goal doing a historical journey that will
aim to present a little like happened the development of the doctrine of the Imago
Dei at some moments from the history of the Christian thought. We will begin
another stage ,the anthropological thought of our author observing the general
lines of his anthropology. More precisely his anthropological presuppositions that
express his vision of the human reality and his theological presuppositions that
consist of his theological interpretation of the ontological characteristics of the
human being. Interpretation that happens from a panoramic reading of the Bible
and of the theological reflection in the history. These informations will supply us
with the necessary subsidies in order that we understand the doctrine of the Imago
Dei in his theology that will enable us to reach the fourth stage of our work when
we will see their placements. Initially we will explain the motives in his opinion
man is in a position of prominence in relation to other creatures, then we will
understand the reason Pannenberg affirm to be Adam Imago Dei copy, and wich
is in his point of view the implication of the Imago Dei in Adam’s existence. In
the second part of the fourth chapter we will study the motives that take
Pannenberg affirm that Jesus Christ is the God’s true image, in other words the
image-model. Through this reasoning in his theological anthropology Jesus
Christ is understood like the authentic man. Another question that we will raise in
this second part of the fourth stage is the importance that our author gives to the
condition of Jesus as son of God, Fact that is deeply connected in his
understanding of the salvivic efficiency of his mission ordered by the Father, to
reconcile the world. Doing that so every men through the action of the Spirit is
able to enjoy a loving communion with God, and in this way reach the destiny that
was determined in his creation according to the divine image.

Keywords
Imago Dei, theological antropology, creation, cristology and Wolfhart
Pannenberg
Sumário

1 Introdução 13

1.1. Vida 18
1.2. Trajetória Acadêmica 19
1.3. Obras 21
1.4. Círculo de Heidelberg 21
1.5. Linhas Gerais da Teologia de Pannenberg 22

2 A Imago Dei na História da Teologia 26


2.1. Na Patristica 27
2.1.1. Escola Alexandrina 28
2.1.2. Escola Antioquena 31
2.1.3. Escola Ocidental 34
2.2. Na Idade Média 36
2.2.1. Boaventura 37
2.2.2. Tomás de Aquino 39
2.3. Na Reforma 41
2.3.1. Em Lutero 42
2.3.2. Em Calvino 44
2.4. Na Teologia Contemporânea 47
2.4.1. Tendência Minimalista 48
2.4.2. A Tendência Moderada 49
2.4.3. A Tendência Maximalista 50

3 Linhas Gerais da Antropologia Teológica de Pannenberg 54


3.1. Pressupostos Antropológicos 56
3.1.1. A Dignidade do Homem 56
3.1.2. Homem, Unidade Corpo e Alma 63
3.1.3. Abertura ao Mundo 66
3.2. Pressupostos Teológicos 71
3.2.1. Releitura do Gênesis, Revendo a Concepção do
Estado Original 72
3.2.2. O Ser Imagem de Deus Como Destino do Homem 76
3.2.3. A Miséria Decorrente do Pecado 79
3.2.4. O Homem Como História 83
3.2.5. Cristo, a Realização Proléptica do Futuro do Homem 85

4 A Imago Dei na Antropologia de Pannenberg 88


4.1. A Imago Dei em Adão 90
4.1.1. Homem, Uma Criatura Diferente 90
4.1.2. Adão, a Imago Dei Cópia 93
4.1.3. Imago, o Substrato da Abertura ao Mundo 95
4.2. Cristo, a Imago Dei Modelo 98
4.2.1. Jesus o Autêntico Homem 98
4.2.2. Jesus o Filho Preexistente do Pai 102
4.2.3. O Sentido Salvífico da Encarnação 105

5 Conclusão 111

6 Referências Bibliográficas 113


Abreviações

APT Antropologia en Perspectiva Teologica


EhcP El Hombre como Problema
TS1 Teologia sistemática I
TS2 Teologia sistemática II
1

Introdução

Cada vez mais a reflexão sobre o homem tem ocupado a atenção dos mais
variados ramos da ciência e da sociedade. Então podemos dizer que trata-se de um
assunto de interesse comum entre a sabedoria secular e a sabedoria cristã. Isto se
dá porque aparentemente pode-se até tentar ignorar Deus ou mesmo ignorar outras
questões acerca do mundo, o que não é possível fazer sobre a realidade humana
que está sempre despertando a atenção do homem para sua complexidade. Desta
forma percebemos com relativa facilidade que também na abordagem teológica
moderna a realidade humana tem recebido grande atenção, fazendo com que sua
fundamentação consista cada vez mais numa visão sobre o homem.
O presente estudo está dentro desse campo de interesse, pois se configura
numa tentativa de compreender um pouco mais a realidade humana ao refletir
sobre uma doutrina fundamental da fé cristã que é a imago Dei, que trata do status
da criação do homem e da sua posição na natureza. Faremos nossa reflexão sobre
esse tema capital da fé a partir da antropologia teológica do renomado pensador
alemão Wolfhart Pannenberg. Vale ressaltar ainda que a imago Dei é um dos
temas mais ambíguos da reflexão teológica cristã e na história vemo-la utilizada
com sentidos diferentes. De modo que alguns chegaram ao ponto de sugerir a sua
retirada do vocabulário teológico, por conta de sua tão diversificada interpretação.
Sendo assim, diante de um tema tão complexo, antes de iniciarmos nossa
pesquisa sobre a imago Dei a partir da antropologia pannenberguiana, faremos um
percurso histórico, visando compreender um pouco como foi o desenvolvimento
desse tema na história do pensamento cristão, o que nos dará os subsídios
necessários para entender com mais clareza a sua abordagem na antropologia de
Pannenberg e aprofundar o seu conteúdo.
Este trabalho foi elaborado em quatro capítulos que procuram sistematizar o
tema da imago Dei na visão antropológica de Wolfhart Pannenberg. Para isso no
seu primeiro momento exporemos informações sobre sua vida, alguns fatos que
tiveram tremenda importância na sua reflexão teológica, como foi a sua
participação no círculo de Heidelberg. Veremos também um pouco de sua
15

trajetória acadêmica e sua vasta produção literária. Também neste momento que
traz informações introdutórias sobre Pannenberg, elencaremos
algumas linhas características de sua teologia. Falaremos sobre qual é na
sua visão a tarefa da reflexão teológica, seus pontos focais, sua concepção de
Deus, o postulado da revelação como história e outras características que nos
ajudam a ter uma visão panorâmica do seu pensamento e nos familiarizar com sua
teologia.
No segundo capítulo faremos um percurso histórico, iniciando pelo período
da Patrística, que consiste nas primeiras gerações de homens comprometidos com
o Evangelho que se lançaram no desafio de responder às questões de sua época
baseando-se na fé cristã. Assim trouxeram uma reflexão relevante sobre o tema da
imago Dei, que influenciou todo o pensamento posterior. Nesse período surgiram
os três centros de reflexão teológica da Igreja Cristã primitiva, escolas que tiveram
pensadores de grande quilate como Irineu e Agostinho.
Seguindo nosso percurso pela história do pensamento cristão, examinaremos
um pouco a abordagem feita pela Escolástica Latina, que teve como seus
representantes em nossa pesquisa dois pensadores, Boaventura e Tomás de
Aquino, que seguiram em parte a linha agostiniana, e que devido à influência da
filosofia aristotélica trouxeram algumas novidades para o tema da imago Dei.
Depois veremos como ele foi abordado pelos reformadores protestantes,
como Lutero e Calvino, que se diferenciaram da compreensão católico-romana
corrente em sua época. Porque eles rejeitaram a concepção escolástica de uma
graça suplementária, o que resultou na compreensão dos termos imagem e
semelhança como sinônimos, além de conduzi-los à uma postura muito negativa a
respeito da condição do homem depois da queda devido à perda da imagem
divina.
Vencendo a etapa da reforma, chegaremos ao período contemporâneo em
que os teólogos se aglutinaram mais por suas posturas do que pela pertença a uma
tradição religiosa. Nessa etapa de nossa pesquisa seguiremos a classificação feita
por Battista Mondin que, inspirado no Concílio de Calcedônia, dividiu a
abordagem moderna em três ramos antropológicos: minimalista, moderado e
maximalista. Esta última é assumida pela maioria dos teólogos atuais dos quais
faz parte também nosso autor.
16

No terceiro capítulo abordaremos os pressupostos antropológicos e


teológicos da antropologia de Pannenberg. Veremos como ele compreende a
criação humana expressa pelo relato sacerdotal como uma criação segundo
a imagem divina, que determina tanto a posição de destaque do homem em
relação ao restante da criação e também suas características ontológicas. Tais
características concebidas por ele na união do corpo e da alma como duas
dimensões do ser humano que não podem ser desprezadas e nem desvinculadas e
também na sua abertura ao mundo que é a base da sua interação com a realidade
que o cerca. Então aprofundaremos a relação dessas características ontológicas
com os seus pressupostos teológicos, que são os princípios teológicos que guiam
sua visão do homem.
Então em primeiro lugar veremos claramente a diferença do pensamento de
nosso autor em relação à dogmática clássica protestante, que concebe o estado
inicial do homem como um estado de perfeição. Nessa questão também ficarão
explícitos dois desdobramentos importantes na releitura que ele faz do relato de
Gênesis. Primeiro é a sua ênfase cristológica, pois Pannenberg, ao seguir os
passos de Irineu, não compreende o homem e sim Jesus Cristo como a verdadeira
imagem de Deus. Em segundo lugar porque essa ênfase cristológica também o faz
compreender que o homem será transformado pelo Espírito na imagem de Cristo
que é a imagem-modelo.
Outro pressuposto de nosso autor é a miséria decorrente do pecado que
aliena o homem de seu destino. Tal realidade que é fruto do fechamento do
homem em relação a Deus faz com que ele viva numa condição aquém da
finalidade divina para sua vida. Porque a idéia do destino do homem à comunhão
com Deus desenvolvida pela teologia cristã está em conexão com a afirmação
bíblica de sua criação segundo a imagem divina.
Veremos ainda no terceiro capítulo que o movimento retilíneo do homem
até Deus se dá dentro de sua história pessoal. O que faz com que o entendamos
como um ser inacabado, um ser em devir que a partir das coisas finitas chega ao
infinito. Desta forma nosso autor compreende que o homem tem sua humanização
plasmada a partir de sua história pessoal que se dá com o auxílio da providência
divina.
Em seguida veremos que Jesus Cristo realiza prolepticamente no mundo o
futuro do homem. Pois mesmo ao viver a auto-distinção em relação ao Pai não se
17

fechou no egocentrismo, mas viveu concretamente a abertura a Deus e ao mundo.


Ao abordarmos os pressupostos antropológicos e teológicos mencionaremos
brevemente algumas questões que serão aprofundadas no último capítulo
de nosso trabalho.
Assim, no quarto capítulo trataremos propriamente a doutrina da imago Dei
no pensamento de nosso autor. Veremos que para ele a abordagem da criação, não
pode ser desconectada da existência de Jesus, devendo a reflexão cristã levar
sempre em consideração as afirmações veterotestamentárias à luz das
neotestamentárias. Seguindo essa compreensão de nosso autor, na primeira parte
do quarto capítulo aprofundaremos os significados teológicos das características
ontológicas do homem, ou seja, qual a relação de tais características com a sua
imagem divina. Veremos que ele é realmente uma criatura ímpar, realidade
perceptível nas suas peculiaridades que são: sua estrutura biológica, sua
complexidade, suas capacidades diversas e sua liberdade em interagir com o
mundo que o cerca.
O fato de ser imagem de Deus dá ao homem a condição de conhecer a si
mesmo e conhecer o mundo que o cerca, ou seja, de ser transcendental.
Observaremos que a imago Dei é compreendida por nosso autor em parte dom
natural e em parte possibilidade existencial. Isto porque é a partir de suas
características ontológicas que a providência divina faz com que ele, através do
finito que o cerca, se ponha em comunhão com seu Criador. Assim, na leitura que
Pannenberg faz dos testemunhos vétero e neotestamentários entendendo o homem
como a imagem-cópia, as suas características ontológicas lhe dão condição de
seguir o exemplo de Jesus Cristo sendo capaz de alcançar a comunhão com Deus.
Ainda neste capítulo examinaremos a ênfase cristológica que Pannenberg dá
ao tema da imago Dei, sempre vinculada a vida de Jesus. Nesta questão veremos
que além de ser a verdadeira imagem de Deus, Jesus viveu neste mundo a partir
de sua condição filial. Assim, quando o Filho preexistente assumiu a natureza
humana e abriu-se para Deus, exerceu correta e plenamente a capacidade do
homem de auto-distinguir-se d’Ele e também a importância do Logos, como o
capacitador do homem para que ponha em andamento sua abertura.
E por fim veremos que Pannenberg aprofunda a dimensão do amor no plano
salvífico de Deus que se concretiza na encarnação de Jesus, pois nela Jesus vence
o poder do pecado e da morte, vitória que se comprova na ressurreição. Através
18

dela Jesus dá ao homem condição de participar da própria realidade de Deus e do


seu amor para com o mundo, pois para a compreensão paulina é na
ressurreição que se manifesta a vida imperecível de Jesus. Pelo fato de estar
presente na criação e na salvação há uma ação ininterrupta do Espírito, pois para
Paulo o Espírito de Deus é o Espírito do amor de Deus, manifestado na missão de
Jesus, especialmente na morte de Jesus Cristo pelos pecadores. Podemos concluir
a relevância salvífica da encarnação de Jesus com as palavras do Evangelista
João: Deu-lhes o poder de serem chamados filhos de Deus (Jo 1,12). Veremos
agora alguns dados biográficos da vida de Pannenberg.

1.1.

Vida

Estamos diante de um pensador que teve um contato próximo com


renomados pensadores do século vinte, um bom exemplo disso é o fato que
Pannenberg se hospedou por um período na Basiléia somente para estudar com
Karl Barth e com K. Jaspers1. Além disso, não poderíamos esquecer os renomados
professores de Heidelberg, dentre os quais figuram o grande exegeta Gerhard von
Rad na área do Antigo Testamento e o historiador Hans Von Campenhausen que
lecionava história da Igreja; podemos dizer que esses pensadores o influenciaram
decisivamente.
Wolfhart Ulrich Pannenberg nasceu em 1928 numa cidade chamada Stettin,
que ficava no nordeste da Alemanha e atualmente faz parte da Polônia, recebeu
uma boa educação típica de uma família de classe média. Viveu durante a
Segunda Guerra Mundial, o que fez que lhe fosse exigido pelo III Reich o dever
pegar em armas para defender a pátria alemã; sua vida só não foi ceifada por
causa de uma enfermidade que fez com que ele fosse dispensado2.
Sua aproximação à fé cristã se deu por intermédio de um professor do
Gimnasium, que devido a sua postura lhe causou grande impressão, pois nessa
época Pannenberg não via o cristianismo com bons olhos, mas aquele professor

1
ACORDINI, Giuseppe. Wolfhart Pannenberg. São Paulo: Loyola, 2006, p. 17.
2
Ibidem, p. 16.
19

mudou a sua visão da fé cristã. Por conta disso, pouco tempo depois ele começou
a estudar teologia e filosofia, dando início a sua caminhada cristã e
teológica3. Ainda na sua juventude teve uma forte experiência com
Jesus, uma experiência que o marcaria para toda a vida, visto que ela imprimiu em
Pannenberg a convicção de que naquele momento Jesus se apropriara de sua
vida4.
Esse fato aconteceu num fim de tarde enquanto voltava para casa, ao passar
pela floresta, viu uma luz distante que o atraiu. Seguindo-a, chegou a um
determinado ponto em que foi inundado por ela. Esse episódio foi tão relevante
que Pannenberg baseia a sua chamada vocacional nele, constituindo no
fundamento da grande importância que o ministério pastoral tem na sua vida. Essa
experiência que lhe deu um profundo senso de chamada ministerial fez com que,
no ano de 1955, Pannenberg entrasse para a vida sacerdotal. Devido a sua
marcante experiência na floresta e seu forte amor pelo ministério pastoral ao
olharmos para Pannenberg e sua reflexão, devemos enxergar mais que alguém
simplesmente preocupado com a academia. Mas, alguém profundamente
apaixonado pelo trabalho pastoral a ponto de orientar e incentivar seus colegas
pastores a uma exposição respeitosa do texto sagrado.
Também não podemos deixar de elencar aqui duas observações sobre nosso
teólogo, a primeira é que é injusto falar do teólogo Wolfhart Ulrich Pannenberg
sem fazer menção a sua esposa Hilke Schûtte, visto que ela compartilhou de
praticamente toda a sua caminhada teológica. A segunda é sua grande fé no
ecumenismo, que fez dele um incansável soldado na luta em prol da unidade da
Igreja. De acordo com a sua convicção a unidade é a única maneira que a Igreja
pode se dirigir com credibilidade à sociedade secular mostrando a temporalidade
das instituições humanas, antes da vinda do Reino de Deus5.

1.2.

Trajetória Acadêmica

3
GRENZ, S. J. & OLSON, R., A Teologia do Século XX, Ed. Mundo Cristão, Cambuci, 2003, p.
223.
4
Ibidem, Loc. Cit.
5
Ibidem, Loc. Cit.
20

Vejamos agora a trajetória acadêmica Pannenberg (1928 -) que é


amplamente aceito como um dos maiores teólogos vivos da atualidade, um
erudito que há décadas tem uma vida acadêmica fecunda6. Vale ressaltar
que Pannenberg realizou seus estudos teológicos em importantes centros
teológicos da Europa como Berlim, Gottingen, Basilea e Heidelberg, onde em
1953 conseguiu sua láurea em teologia e pouco tempo depois em 1955 a livre
docência na área de teologia sistemática. Já no ano de 1956 ele começou a
lecionar na Universidade de Heidelberg como professor de teologia sistemática,
período em que também escreveu alguns artigos.
Em 1958 tornou-se professor na Escola Superior Eclesiástica de Wuppertal,
trabalhando por um tempo razoavelmente curto ao lado do renomado teólogo
Jürgen Moltmann. Saindo de Wuppertal foi lecionar em 1961 na Universidade de
Mogúncia, ano que foi decisivo para o reconhecimento de sua carreira teológica,
porque foi nele que Pannenberg publicou o artigo: Offenbarung als Geschichte
“Revelação como História”, escrito que trouxe uma novidade na interpretação da
revelação divina e fomentou um amplo debate no ambiente acadêmico. Tão
grande foi a magnitude desse debate que rompeu os limites territoriais da
Alemanha e do continente europeu, chegando algum tempo depois aos Estados
Unidos da América.
Mogúncia não seria ainda a sua parada, pois iria lecionar por um período em
universidades norte-americanas. No ano de 1963 lecionou na Universidade de
Chicago, em 1966 na de Universidade de Havard e por fim e pouco antes de
retornar para Alemanha no ano de 1967 lecionou na Claremont School of
Theology. Ainda no ano de 1967 tornou-se professor de teologia sistemática na
Universidade de Munique da Baviera na recém-criada Faculdade de Teologia
Evangélica. Nessa época Pannenber assumiu, concomitantemente com a função de
professor na Universidade de Monique, o cargo de diretor do Instituto Ecumênico
de Pesquisa da mesma cidade.
Seu brilhantismo intelectual e seu empenho ecumênico fizeram com que
fosse escolhido para ocupar uma função de grande envergadura, sendo o
responsável da parte luterana pela coordenação de uma equipe de teólogos que em
1985 apresentou o estudo de revisão dos anátemas do século XVI. Este breve

6
ACORDINI, G. Op. Cit., p. 11.
21

relato da trajetória acadêmica de Pannenberg nos dá condição de compreender que


desde o início de sua carreira ocupou posições relevantes no âmbito
acadêmico, sendo muito requisitado e também desempenhou
funções importantes no contexto inter-eclesiástico mundial.

1.3.

Obras

De acordo com Giuseppe Accordini a bibliografia primária de Pannenberg já


no ano de 1996, contabilizava mais de 550 títulos7. Vale ressaltar que em sua
vasta produção acadêmica ele aborda vários temas da teologia tais como:
cristologia, teologia fundamental, teologia moral, teologia prática, teologia
espiritual e ecumenismo. Recentemente foi publicada a síntese de seu pensamento
num compêndio de três volumes de Teologia Sistemática.

1.4.

Círculo de Heidelberg

Antes de falarmos sobre o círculo de Heidelberg, mencionaremos uma


relevante observação que Giuseppe Accordini faz no seu livro sobre Pannenberg,
pois ela, ao situá-lo no contexto teológico do século vinte, ajuda-nos a
compreender melhor a sua postura teológica. Accordini frisa sobre a importância
de atentarmos para três gerações de teólogos que se sucederam no século XX, a
partir da forma como elas desenvolveram teologicamente o tema da história.

A primeira geração teológica foi a da Teologia Dialética8, que numa atitude


à reacionária à teologia liberal ficou marcada pela postura da defesa da super-

7
Ibidem, Loc. Cit.
8
A principal característica do pensamento de Karl Barth em relação à Revelação, esta contido na
máxima: “O Deus totalmente outro”. Com isso ele rompeu com a Teologia Liberal. Seu
22

historicidade da Revelação e da fé, ou seja, uma visão altamente negativa da


história como meio de revelação divina. A segunda é a Teologia
Existencialista, que assumiu uma postura mais equilibrada, sendo aberta para
as perspectivas da historicidade subjetiva (filosofia existencial) e objetiva (nova
hermenêutica). A terceira geração é a da Teologia da História, que tem como
pressuposto a Revelação como História9.

Essa terceira geração está diretamente ligada ao famoso círculo de


Heidelberg (Heidelberger Kreis), movimento que teve uma decisiva participação
de Pannenberg, tão forte foi sua participação que esse círculo de estudiosos entrou
para história também como círculo de Pannenberg. A postura dessa geração é
mais audaciosa que a de sua geração anterior e diametralmente oposta à primeira
geração, postulando a historicidade do real e da Revelação e assim afirmando que
Deus se revela indiretamente nos fatos históricos.

Os trabalhos do círculo de Heildelberg começaram a partir da década de


1950 através das freqüentes reuniões de um grupo de estudantes de várias
disciplinas teológicas, formado por mestrandos e doutorandos a que logo se juntou
Pannenberg10. Foi a partir do trabalho conjunto desse grupo de teólogos, que se
realizou um congresso no ano de 1960 que publicou um manifesto programático
intitulado: Revelação como História. Na área de ciências bíblicas desse manifesto
colaboravam Rolf Rendtorff e Ulrich Wilckens e na área de ciências históricas
Trutz Rendtorff e Wolfhart Pannenberg11.

As linhas fundamentais do pensamento do círculo eram: entender a


revelação como auto-revelação, revelação histórica e revelação no contexto da
história universal buscando dar uma resposta aos problemas levantados pelo
iluminismo, conforme o próprio Pannenberg diz na conclusão da discussão
americana. O círculo de Heidelberg submeteu a instância da autoridade da

aparecimento no cenário teológico se inicia com a publicação de: Der RömerBrief, obra que caiu
como uma bomba no mundo de sua época, em que ele mostra seus posicionamentos acerca da
revelação divina, referindo-se a Deus como: “o totalmente outro”, reagindo assim a teologia
natural, que tinha a ambição, de através da razão subir até Deus.
9
ACORDINI, G. Op. Cit., p. 13.
10
GRENZ, S. J. & OLSON, R., Op. Cit., Loc. Cit.
11
GIBELLINI, R., A Teologia do Século XX. São Paulo: Loyola, 1998, p. 271.
23

revelação à crítica, produzindo um deslocamento no foco da teologia da palavra


para a história.

1.5.

Linhas Gerais da Teologia de Pannenberg

Antes de vermos algumas características do pensamento teológico de


Pannenberg relembramos que não é nosso intuito aqui aprofundarmos no
conteúdo deles, pois nosso intuito é somente ter uma visão panorâmica da teologia
de nosso autor e por conta disso não nos preocuparemos em tratar de todos os
traços de seu pensamento:

• Revelação como História, para Pannenberg uma conclusão só pode se


sustentar se ela passar pelo crivo da razão, sendo então necessária a
articulação de uma sólida fundamentação intelectual. Assim ele rejeita toda
e qualquer tentativa de endossar conclusões teológicas em decisões
subjetivas de fé, fruto da sua privatização que fica restrita somente ao nível
da devoção pessoal. Um dos motivos desse seu posicionamento é o fato que
hoje em dia a religião é na maioria das vezes vista como algo irracional.
Nessa questão de uma possível irracionalidade da fé cristã e da revelação
somente como algo supranatural, pode-se falar da historicidade da revelação
divina a partir da manifestação de Deus na história do povo de Israel por
meio de seus atos que lhe causaram experiência12. Pannenberg por conta
dessa visão entende que Deus, à medida que se revela, está no mundo, pois a
história consiste na sua ação sobre a criação13. Porém, não se pode pensar
que há no pensamento de Pannenberg uma super-valorização da razão, isto
porque no seu ponto de vista também o instrumental da razão deve ser
entendido como limitado, visto que nem tudo pode ser compreendido neste

12
ROBINSON, J. M. & COBB, J. B. (Ed.), New Frontiers in Theology. Discussions among
continental and american theologians. Vol. III, in: Theology as History, New York, Evaston and
London: Harper & Row, 1965, p. 119.
13
PANNENBERG, W., Fé e Realidade. São Paulo, Novo Século, 2004, p. 114.
24

tempo estando muitas coisas reservadas ao futuro quando a verdade será


totalmente compreensível.
• Ontologia Escatológica, Pannenberg enxerga Deus como a
realidade que determina todas as coisas, assim o futuro tem uma
importância crucial em sua teologia. Para ele a realidade presente está
totalmente vinculada ao seu destino futuro que é possibilitado a partir da
ação divina que a direciona para a razão porque o mundo foi criado14. Por
isso na sua reflexão é no “eschaton” que a realidade atual será plenamente
realizada, mas o caráter futuro e definitivo de toda a criação se fez presente
na história de Jesus, porque n’Ele está o futuro definitivo do Reino de
Deus15.
• Função Pública, para Pannenberg a ciência teológica tem a função de
prover consistência racional à fé cristã, e para isso ela deve se entender
como uma disciplina pública relacionada à busca da verdade universal16.
Uma função que segundo ele, deve servir para mudar o rumo da teologia
contemporânea e conduzir à superação da privatização da crença religiosa
feita pela teologia após o Iluminismo, quando ela substituiu a visão de um
testemunho autoritário do conhecimento histórico ensinado por Agostinho e
Lutero, pelas conclusões científicas. Então, para não depender do endosso
da pesquisa histórica, a teologia deslocou o fundamento da fé dos
acontecimentos históricos e passou a colocá-lo sobre a experiência subjetiva
da conversão17. Diante dessa tendência da teologia pós-iluminista,
Pannenberg relembra a afirmação de Lutero que a fé não pode ser derivada
de si mesma, mas somente além de si mesma, ou seja, em Cristo, o que
endossa a função pública da teologia mostrando que para tanto a fé é
dependente de uma base histórica como fundamento da verdade.
• Razão e Esperança, para ele por causa de sua função a teologia precisa
voltar a dois pontos focais: razão e esperança. Isso significa que todo seu
exercício racional deve se orientar para no futuro “eschaton”, ou seja, estar
vinculado à vida e morte de Jesus, o que nos garante essa participação

14
GRENZ, S. J. & OLSON, R., Op. Cit., p. 237.
15
PANNENBERG, W., Teologia y Reino de Dios. Salamanca: Sigueme, 1974, p. 116.
16
ZEUCH, M., A Teologia na Universidade do Século XXI Segundo Wolfhart Pannenberg, Vol. I,
São Leopoldo: UNISINOS, 2006, p.14.
17
GRENZ, S. J. & OLSON, R., Op. Cit., Loc. Cit.
25

futura18. Por conta disso, o conceito Reino de Deus tem grande relevância
para o seu sistema teológico significando a realização plena do
senhorio final de Deus sobre a criação, senhorio já introduzido
na história com a vinda de Jesus.
• Concepção Cristã de Deus, Pannenberg nessa questão segue a tradição
clássica afirmando que a teologia sistemática como um todo é
essencialmente a doutrina de Deus. Para ele a doutrina da Trindade é um
diferencial em relação às demais religiões e consiste no centro da concepção
cristã de Deus, pois na fé cristã a doutrina da Trindade revela o caráter
relacional do ser pessoa, ou seja, a realidade de dependência mútua que
mostra que ser pessoa é dar a si mesma para outra, a partir de uma forte
idéia de dependencia19.
• Transcendência e Imanência, para Pannenberg Deus não se reduz a uma
mente porque Ele é um campo dentro do qual a criação e a história existem.
Por isso Panenberg se preocupa em desenvolver uma pneumatologia que
seja mais ampla e mais bíblica e possibilite alcançar uma chave para a
compreensão da transcendência e imanência divina. Desta forma ao falar de
pneumatologia ele fala também de Trindade e economia salvífica, visto que
ela é o fundamento da revelação divina porque a relação do Filho com o Pai
é mediada pelo Espírito20. Além disso, na sua compreensão o Espírito é o
agente responsável pela elevação das criaturas acima de seu ambiente sendo
ele mesmo quem dá a direção para o futuro, ou seja, conduz a auto-
transcendência, pois é da ação imanente do Espírito que surge a
transcendência.
• Jesus como Filho, acabamos de ver que a relação entre Deus e o mundo na
compreensão de Pannenberg está direcionada para o futuro. Além disso,
esse futuro entra radicalmente na história através da vida de Jesus, visto que
Ele experimentou dentro da História a transformação escatológica à qual
toda a humanidade desde a sua criação está destinada, a comunhão com

18
PANNENBERG, W., Fé e Realidade, p. 100.
19
PANNENBERG, W., Filosofia e Teologia. Tensões e convergências de uma busca comum. São
Paulo: Paulinas, 2008, p.43.
20
PANNENBERG, W., Teologia Sistemática, Tomo I, Madrid: Universidade Pontificia Comillas
de Madrid, 1996, p. 355. A partir da presente citação, quando nos referirmos a um dos volumes
desta obra indicaremos o autor, página e o seu título abreviado por TS1, TS2.
26

Deus. Porque Jesus veio promover a reconciliação entre Deus e o homem e


só pôde fazer isto a partir da missão que o próprio Pai o mandou
cumprir de viver uma vida referida a Ele, dessa forma Jesus se
constituiu no lugar do encontro da essência divina e humana21.
• A Revelação e a Bíblia, na teologia protestante a Bíblia é o depósito
autoritário da revelação divina, no entanto Pannenberg vê a religião de
Israel como a tradição que dá origem à Bíblia. Dando grande importância à
história das religiões, ele afirma não ser mais sensato que se requeira uma
autoridade inquestionável da Bíblia, sugerindo que sua autoridade deva ser
vista como um objetivo e não como pressuposto.
• Revelação e Espírito, segundo alguns críticos esse é um ponto de difícil
compreensão na teologia Pannenberg, por causa da grande ênfase que ele dá
à revelação como história. Pois a afirmação da salvação como história e a
sua compreensão por meio da razão faz parecer irrelevante o papel do
Espírito Santo, no processo epistemológico de apropriação da revelação22.

Do que elencamos sobre a teologia de Pannenberg, podemos frisar que ela é


fortemente marcada pelo postulado da Revelação como História, que advoga a
perceptibilidade da ação divina na história concreta, ação que está estreitamente
vinculada ao destino para o qual Deus fez toda a criação. O que faz com que ele
ressalte a dimensão provisória do estado atual da realidade apontando para o seu
estado futuro.

21
PANNENBERG, W., Fundamentos de Cristologia, Salamanca: Sigueme, 1974, p. 428.
22
GRENZ, S. J. & OLSON, R., Op. Cit., Loc. Cit.
2
A Imago Dei na História da Teologia

Começaremos agora a primeira etapa de nossa pesquisa, que consistirá num


breve apanhado histórico sobre a doutrina da imago Dei. Nosso intuito com ele é
examinar o desenvolvimento do tema da imago Dei em alguns períodos da
história do pensamento cristão. Pois observando, mesmo que brevemente, como
se deu a tematização deste tema central da antropologia cristã, conseguiremos
entender com maior profundidade como no pensamento de nosso teólogo se dá a
abordagem desta doutrina tão complexa. Nessa breve caminhada estaremos
sempre atentos para encontrar informações que nos ajudem a compreender como
se deu esse desenvolvimento histórico e sua influência na antropologia
pannenberguiana, podendo melhor situá-la no contexto maior da reflexão cristã
sobre esse tema.
Iniciaremos este percurso histórico vendo como surgiram as primeiras
reflexões sobre esse tema, e como ainda exercem grande influência na abordagem
cristã hodierna. Para isso, começaremos nossa caminhada pela Patrística, período
pós-apostólico em que surgiram os primeiros pensadores da Igreja Cristã. Homens
que foram desafiados pelas questões levantadas em sua época, e buscaram a partir
da Bíblia dar a elas uma resposta cristã, e por conta disso, transmitiram de forma
coerente e compreensível a mensagem do Evangelho. Após a Patrística
seguiremos nossa caminhada pelo desenvolvimento rumo à Idade Média, quando
examinaremos o que os escolásticos pensaram e disseram a este respeito, de modo
especial Boaventura e Tomás de Aquino, por serem representantes insignes do
pensamento cristão daquele período.
Olharemos também para o momento histórico da Reforma Protestante que
aconteceu no século XVI, período marcado por grandes mudanças no pensamento
e na configuração religiosa mundial. Período que devido a sua magnitude
influenciou fortemente o pensamento teológico. Veremos qual foi nesse período a
postura dos reformadores Lutero e Calvino e também a postura das denominações
protestantes originadas desse período. Segue-se o estudo do tema da imago Dei,
no século vinte, quando se dá o rompimento das barreiras existentes entre o
pensamento protestante e o católico concernente ao nosso tema. De modo que já
28

no século XXI os limites confessionais que eram bem definidos, deixam em parte
de existir fazendo com que os pensadores sejam classificados não primeiramente
pelas tradições a que pertencem, mas pelas correntes antropológicas e teológicas
que seguem.

2.1.
Na Patrística

Na Patrística, o tema da imago Dei teve grande importância de modo que o


relato sacerdotal, texto base para essa doutrina, foi interpretado pelos Padres
Apostólicos de diversas maneiras1. Cabe ressaltar que ele foi desenvolvido dentro
de um contexto maior de controvérsia, ou seja, em reação às correntes intelectuais
do Velho Oriente, da antiguidade helenista e da teologia do judaísmo ulterior2.
Nesse momento dizem alguns estudiosos que havia dentro da Igreja Cristã três
centros teológicos que assumiam posturas diferentes na abordagem antropológica:
Alexandria, Antioquia e o Ocidente3. Partindo desta afirmação, o nosso percurso
no período patrístico será baseado nos posicionamentos dessas escolas.

2.1.1.
Escola Alexandrina

A escola alexandrina foi muito influenciada por Filón que tinha um


substrato filosófico platônico4. Ele via na alma, e mais concretamente na alma
superior que significava o noûs, a característica da criação do homem à imagem

1
FRIES, H., Conceptos fundamentales de la teologia. Madrid: Ediciones Cristandad, 1966, p. 349.
2
LENZ, B., O homem como imagem de Deus, in: (Lídio Peretti & Frei Antônio Moser)
Mysterium Salutis. vol. II/3, Petrópolis: Editora Vozes, 1972, p. 232
3
LACOSTE, J.Y., Dicionário Crítico de Teologia. Verbete: Antropologia, p. 150, São Paulo: co-
edição Paulinas e Loyola, 2004.
4
Filon teve duas fontes de inspiração para a sua reflexão, baseando-se na filosofia grega, mais
precisamente o pensamento de Platão, ele concebeu o homem, essencialmente composto de corpo
e alma. A partir da exemplaridade e dupla narração bíblica, ele deduziu a teoria do homem ideal,
que serve de modelo para todos os homens, pois para ele, o fato de haver duas narrações,
comprova duas criações distintas; a primeira relativa ao homem ideal; e a segunda à humanidade
histórica. Unindo a filosofia platônica e a Sagrada Escritura, Fílon produziu a doutrina do homem
como eikon, afirmando que o homem é imagem indireta de Deus e direta do Logos, porque para
ele, Deus fez o homem se servindo de um modelo: o homem ideal “o Lógos”. Cf. Battista Mondin.
Antropologia Teológica, História e Problemas. São Paulo: Edições Paulinas, 1979, p. 100-107.
29

de Deus5. Na escola de Alexandria podemos destacar Clemente, um pensador que


se preocupou em dar uma interpretação cristã da realidade humana. Para essa
tarefa ele recorreu ao instrumental filosófico, dando assim origem ao que ele
mesmo chamou de filosofia cristã6. Seguindo o caminho traçado por Fílon,
Clemente foi capaz de falar de três espécies de imago Dei: a do Lógos, a do
cristão e a de todos os homens7. Para falar das duas imagens, cujo sujeito é o
homem, ele usou dois termos gregos diferentes: eikón e homoiosis8.
Eikón é termo grego que traduz o hebraico “zelem” que significa imagem,
foi usado por Clemente para designar a imagem natural que pertence a todos os
homens, ou seja, o intelecto e a razão. Homoiosis é o termo grego usado na
tradução do termo hebraico “demut”, que significa semelhança, sendo usado por
ele para designar a imagem sobrenatural. Uma Imagem que está restrita aos
cristãos e consiste essencialmente no conhecimento (gnose) e no amor9. Isso
porque para ele o que o homem comum possui é a imagem natural “ícone” e
somente o cristão possui a imagem sobrenatural “essência”. Dessa forma
Clemente falava que o homem ao nascer é um ícone “imagem” de Deus, e
somente mais tarde quando convertido é que ele passa a possuir a semelhança, ou
seja, a essência d’Ele.
Podemos resumir seu pensamento dizendo que ele entendia a imago Dei,
como a condição racional do homem que o faz capaz de participar do Logos
divino, sendo ela que lhe possibilita agir em semelhança com seu criador podendo
bem-fazer e comandar10. Clemente entendia que o homem espiritual, que vive sob
a forma do homem terrestre, precisa diligentemente se esforçar para ser libertado
dos limites impostos pela existência concreta, alcançando através de seu esforço a
semelhança com Deus11.

5
LADARIA, L. F., Introdução a Antropologia Teológica, São Paulo: Ed. Loyola, 1998, p. 53.
6
MONDIN, B., Op. Cit., p. 103.
7
Ibidem, p.104.
8
O termo eikon, está relacionado não com o ser “essência”, mas, com o agir que significa uma
semelhança no plano da ação, assim o homem se assemelha a Deus enquanto faz o bem, e exerce o
domínio sobre as coisas. O termo homoiosis, significa a consumação e o caminho que à ela
conduz, de modo que a semelhança com Deus não é uma qualidade humana fechada em si mesma,
senão uma orientação dinâmica rumo a própria consumação na semelhança do protótipo divino. A
imagem tende a retornar à sua origem, e esse retorno é ao mesmo tempo o caminho para um
cumprimento cada vez mais perfeito de sua semelhança. Cf. LENZ, B. Op. Cit., p. 234.
9
MONDIN, B. Op. Cit., p. 105.
10
LADARIA, L. F. Op. Cit., p. 53.
11
LACOSTE, J.Y. Loc. Cit.
30

Ao falarmos de Clemente e da Escola Alexandrina não podemos ignorar os


seus herdeiros que são os Padres capadócios. Entre os Padres capadócios foi
Gregório de Nissa quem deu uma contribuição de grande relevância à doutrina da
imago Dei. Para Battista Mondin, em se tratando do tema da imago Dei, ele pode
ser considerado o representante da Patrística Grega, pois sua obra: “De hominis
opificio”, é um tratado de antropologia filosófico-teológica. Nela Gregório afirma
que o fato de ser o homem imagem de Deus é uma verdade revelada. Ao tentar
explicar o termo imago, ele diz que uma imagem corresponde à reprodução fiel e
integral do modelo, porque para ser verdadeiramente uma imagem, ela precisa
possuir todos os atributos de seu modelo. Desta forma a aplicação desse conceito
de imagem à doutrina da imago Dei fez com que ele afirmasse que sendo Deus o
conjunto de todos os bens, o homem enquanto sua imagem também é dotado de
todos eles.
Entretanto essa plenitude de bens que há no homem, observa Gregório, se dá
dentro de uma diferença existente entre ele e Deus. Isso porque Deus é uma
realidade subsistente, incriada e o homem recebe tais qualidades pela criação, ou
seja, participando da natureza divina, mas sempre como uma criatura que está
fundamentalmente separada dele. Próximo também do pensamento de Fílon,
Gregório de Nissa afirma que Deus efetuou duas criações, a imago Dei ideal e a
real, histórica12. Assim, na sua visão, todos os traços fundamentais da alma
(espiritualidade, liberdade, incorruptibilidade) fazem com que ela seja semelhante
a Deus. Mas é a característica humana da liberdade que é atribuída por Gregório
como o traço mais marcante da semelhança do homem com Deus. No entanto ele
fala que não é qualquer exercício da liberdade que torna o homem semelhante a
Deus, mas somente aquele em que o homem lhe permanece submisso13.
Ele ainda afirma que o corpo é indiretamente imagem de Deus e para isso
endossa sua posição nos traços de semelhança com Deus presentes no corpo
humano. Além disso, ele diz que em comparação com os animais, o homem tem
um corpo que é adaptado a sua alma racional. A primeira característica desse fato
é a posição vertical, que consiste num sinal expressivo de sua dignidade superior,
além de outros traços como: a mão, os sentidos, o rosto e os órgãos da fala. Ao

12
Ibidem, p. 108.
13
Ibidem, p. 110.
31

abordar a imago Dei real, histórica, ele diz que a semelhança opera em duas
direções: em direção a Deus, através da alma e de suas faculdades e em direção
aos animais, através do corpo e de sua sexualidade14. A segunda direção em que
opera a imago Dei histórica, mencionada por Gregório traz à tona a sua visão
pessimista em relação à sexualidade humana, concebendo-a como a corrupção da
“Imago Dei”, visto que ela está intimamente ligada à dimensão corporal, que é
fonte de muitas paixões. Em sua antropologia não se consegue ver diferença entre
ícone e essência15, pois em sua opinião a Imago deve conter à reprodução fiel e
integral do modelo, e conseqüentemente uma estreita semelhança com ele, mesmo
que diferente em sua identidade.

2.1.2.

Escola Antioquena

Junto à Escola Alexandrina, temos também a linha asiática e africana que


ficou conhecida na história como a Escola de Antioquia. Essa escola uniu as duas
narrativas da criação, fazendo as mesmas acentuações cristológicas do apóstolo
Paulo. Nela podemos mencionar um grande pensador, Irineu16. Irineu foi antes de
tudo um pastor que estava no vale do Ródano, diante de seitas gnósticas que
propagandeavam suas posições. Nesse contexto suas preocupações pastorais o

14
Ibidem, p. 109.
15
Se a imagem não é exata, não é imagem, a partir dessa afirmação de Gregório podemos dizer
que há dois pontos obscuros em sua antropologia. O primeiro diz respeito a imago ideal, pode-se
concluir que em seu pensamento ele não a considera do mesmo modo de Fílon, isto é, como
realidade criada antes do início da história para servir de modelo na produção de cada homem.
Mas a considera como um projeto, um programa ideal que Deus excogitou para a humanidade,
mas que historicamente nunca existiu. Assim a imago Dei, é ainda uma meta que o homem
alcançará depois da vida presente caso tenha vivido de acordo com os preceitos divinos a exemplo
de Jesus Cristo. O segundo ponto obscuro é o papel que Gregório atribui à sexualidade encarando-
a entre as causas do desmerecimento da Imago Dei, porém também vê um papel positivo na
sexualidade depois do pecado original, pois Deus se serve dela para assegurar a propagação da
humanidade. Esta postura revela a influência do Platonismo sobre o seu pensamento. Cf. Battista
Mondin. Op. Cit., p.111.
16
Ladaria afirma que na escola de Alexandria, há uma forte referência cristológica ao tema da
imagem, pois ao fala de uma criação não à imagem de Deus Pai, mas à do Logos. Assim, entende-
se que a criação à semelhança divina só pode ser compreendida a partir do Filho (Lógos eterno), a
imagem verdadeira de Deus, cf. Luis, F. Ladaria, Op. Cit., p. 53.
32

levaram a escrever suas obras, cuja mais importante foi Contra as Heresias, que
tem como título original: Exposição e Refutação da Falsa Gnose.

Devido a sua grande capacidade intelectual, seu pensamento exerceu grande


influência sobre os teólogos posteriores como o próprio Tertuliano mencionado
acima, Hipólito de Roma e Atanásio17. Além disso, inspirando-se na teologia da
Ásia Menor, Irineu foi o primeiro pensador cristão em sua doutrina da economia
divina a esboçar uma teologia sistemática da imagem. Seu raciocínio tinha como
substrato o plano salvífico de Deus, um plano que vai desde o início até o fim da
história18. Outro traço de seu pensamento, é que ele também foi fortemente
influenciado pela visão escatológica da antropologia paulina, o que fazia com que
ele entendesse que além do Verbo invisível, o homem tinha sido criado a partir do
Verbo encarnado, dando assim uma importantíssima valorização à humanidade de
Cristo19. Foi a partir desse princípio que chegou a afirmar: no momento em que
Deus estava modelando o primeiro Adão no barro, Ele pensava no seu Filho que
se faria homem para ser o Adão definitivo20.

Na sua compreensão o homem era composto de três dimensões: o corpo, a


alma e o espírito. O espírito consiste na sua participação em Deus, por conta disso
ele dizia que, antes do pecado, Adão possuía somente em germe e de maneira
frágil a imagem e semelhança divina, vendo o homem como um ser sempre em
crescimento, em devir, ou seja, inacabado21. Essa postura de Irineu estava
intimamente ligada à distinção entre ícone e essência, que ele mesmo introduziu
na antropologia patrística. De modo que ele identificou o ícone com a razão
humana e a essência com o livre-arbítrio, que consiste na capacidade da fé e da
obediência. Desta forma, defendia que a semelhança consiste na essência divina
no homem, sendo ela que traz a revelação do seu destino à comunhão com Deus.

Assim, com a perda da semelhança que Adão tinha com Deus, resultado do
pecado, Irineu entendeu que a consumação plena da imago Dei só poderia
acontecer em Jesus Cristo, que manifestou plenamente a imagem de Deus modelo,

17
LIÉBAERT, J. Padres da Igreja, vol. I, São Paulo: Edições Loyola, 2ª. Edição 2004, p. 56.
18
FRIES, H., Op. Cit., p. 350.
19
LADARIA, J. L., Op. Cit., p. 53.
20
LATOURELLE, R. & FISICHELLA, R., Dicionário de teologia fundamental, Aparecida: co-
edição Ed. Vozes e Ed. Santuário, 1994, p. 68.
21
Ibidem, p. 66.
33

por ser o Lógos preexistente22. Nesse sentido Irineu relacionava as afirmações


paulinas e deuteropaulinas sobre Jesus Cristo como imagem de Deus, com o
Logos feito homem23. Daí ser o fato de Jesus Cristo como a verdadeira imagem de
Deus, a base de sua teologia histórico-salvífica24. Também devemos observar que,
ao ressaltar a importância da humanidade de Jesus Cristo na salvação do homem,
Irineu valorizou juntamente o ser humano concreto e seu universo25. E essa
valorização da dimensão corporal em oposição ao dualismo pessimista, aparece de
modo contundente em sua máxima: “A gloria de Deus é o homem vivo”.

O pensamento de Irineu é visto como um pensamento positivo e dinâmico,


além disso, se harmoniza bem com a compreensão da ciência contemporânea
sobre as origens humanas26. Aqui está algo marcante no pensamente de Irineu que
também é defendido por Pannenberg, que Adão na verdade não era a imagem de
Deus, mas foi criado segundo ela27. Como vimos acima, ao classificar Cristo
como a imagem-modelo, ele classifica o homem como a imagem-cópia que será
convertida pelo modelo.

Irineu exerceu uma imensurável influência no pensamento cristão,


proclamando uma visão positiva da corporeidade, contrapondo-se ao gnosticismo
de sua época. Sua influência conseguiu resistir à forte influência que o
gnosticismo já vinha exercendo na fé cristã, através de grandes pensadores como
Clemente e Gregório de Nissa. Estes, a partir de uma visão platônica, enfatizavam
a semelhança do homem com Deus somente na alma, desprezando totalmente a
dimensão corporal do ser humano, pois conforme vimos acima, Clemente e
Gregório seguiram os passos de Fílon, e conceberam a semelhança do homem
com Deus somente através do Lógos pré-existente.
No entanto, tal redução da semelhança do homem com Deus somente à
razão devido à influência platônica, se impôs tanto no oriente como no ocidente.

22
LENZ, B., Op. Cit., p. 234.
23
PANNENBERG, W., TS2, p. 239.
24
Ibdem, p. 238.
25
LIÉBAERT, Op. Cit., p. 66.
26
Ibidem, p. 69.
27
Foi a sua postura em distinguir categorialmente imagem e semelhança, que lhe permitiu afirmar
que após a queda, o homem perdeu a semelhança ficando somente a imagem. A teologia de Irineu
se apóia no conceito de semelhança em distintos graus de intensidade, afirmação que para
Pannenberg é demasiadamente problemática, visto que ela não pode ser sustentada
exegeticamente.
34

Primeiramente devido à influência exercida por Gregório de Nissa, mas,


principalmente por causa de Agostinho que através de suas obras impactou toda a
teologia cristã ocidental. O enraizamento do pensamento agostiniano foi tão
profundo na antropologia cristã que vigorou na escolástica latina, também ficando
implícita na teologia da reforma e pós-reforma28. Assim diante da imensa
influência agostiniana, temos uma explicação para o fato de que os
posicionamentos de Irineu ficaram soterrados.

2.1.3.
Escola Ocidental

A escola ocidental, em sua maioria, desenvolveu uma antropologia


influenciada pelo platonismo29. Nela também é sensível a influência da
antropologia estóica, o que conduziu a uma forte ênfase na liberdade como
característica da semelhança do homem com Deus30. Seu maior teólogo foi
Agostinho de Hipona, também considerado o mais influente teólogo cristão, de
modo que não poderíamos nesse percurso histórico sobre a doutrina da imago Dei
deixar de estudar seu pensamento.
A doutrina da imago Dei é o tema dominante da reflexão antropológica
agostiniana sendo tratada nas suas obras de maior importância31. No entanto, por
causa da controvérsia ariana, ele enfatizou nesta doutrina a unidade divina. Por
conta disso chegou até a eliminar categorias que podiam dar lugar a interpretações
subordinacionistas32. Agostinho elaborou a partir da realidade humana a
sistematização do conceito de Deus trino, para isso ele desenvolveu sua definição
da imago, entendendo que ela é imagem do Filho e também da Santíssima
Trindade33.
Em relação à concepção de que o Verbo gerado pelo Pai é sua imagem
perfeita, e que o homem criado por Deus é sua imagem imperfeita, semelhante
mas não idêntica à realidade divina, Agostinho faz diferenciação da imago em

28
PANNENBERG, W., TS2, p. 237.
29
LACOSTE, J.Y., Op. Cit., p. 153.
30
FRIES, H., Op. Cit., p. 351.
31
MONDIN, B., Op. Cit., p. 112.
32
LADARIA, L. F., Op. Cit., p. 55.
33
XAVIER, O. de M. & SILANES, Nereo, Dicionário Teológico: O Deus Cristão, São Paulo: Ed.
Paulus, 1988, p. 48.
35

duas espécies: uma imago que é da mesma substância do modelo e outra que é de
substância diversa. Para ele toda imagem é semelhante, mas nem tudo que é
semelhante chega a ser imagem, sendo necessário haver uma relação de causa e
efeito. Também para Agostinho, a imagem de Deus consiste na alma e mais
precisamente na mente. Em relação à mente, ele distingue duas razões: uma é a
razão inferior, voltada para as coisas deste mundo; e outra é a razão superior,
incorruptível, que é a imago Dei, que está voltada para as verdades eternas34.
Para alcançar um conhecimento melhor de Deus através do homem e uma
compreensão mais adequada do homem, Agostinho em sua obra “De Trinitate”
colhe na alma humana todas as analogias que essa apresenta da SS. Trindade35.
Ao ver no entendimento, na vontade, e na memória uma correspondência da
imagem da SS. Trindade, Agostinho aponta para o caráter trinitário da vida
psíquica humana, como uma grande analogia (analogia entis) da vida triúna de
Deus36. Mas para Agostinho é evidente que o pecado não pôde destruir ou
corromper completamente a imago Dei, porque ela faz parte da essência do
homem.
Mas o pecado deformou a Imago Dei de tal forma, que o homem não
consegue com as suas próprias forças colocá-la em ordem. Por isso Deus decidiu
restaurar a imago Dei enviando seu Filho Unigênito para comunicar ao homem
um novo poder de conhecimento e amor pelas verdades eternas37. Desta forma a
imago Dei restaurada viabiliza a participação na vida divina, do mesmo modo que
atuava a imago Dei originária, através do conhecimento de Deus, da prática da
justiça e santidade.

Conclusão

Como já falamos, a influência de Agostinho foi dominante no pensamento


ocidental. Para ele o homem é ímagem de Deus ao participar de sua essência, mas

34
MONDIN, BATTISTA. Op. Cit., p. 118.
35
São três as principais: (a) mens, amor, notitia; (b) memória, intelligentia, voluntas; (c) memória,
intelligentia, amor. Cf. Battista Mondin, Op. Cit., p. 119.
36
BRAATEN, C. E. & JENSON R. W., Dogmática Cristã. São Leopoldo: Editora Sinodal, 1987,
p. 333.
37
PANNENBERG, W., Antropologia en Perspectiva Teológica. Implicaciones religiosas de La
teoria antropológica, Salamanca: Ediciones Sigueme, 1993, p. 121. De agora em diante ao
citarmos esta obra procederemos da seguinte forma: usaremos o nome do autor, a página e a
abreviação APT, para indicar o seu título.
36

teve com o pecado a conturbação dessa imago Dei (deformação da imagem). Por
causa a influência deste pensamento no ocidente, perdeu-se em ampla medida a
compreensão do homem como criado segundo a imagem de Cristo, como também
a referência ao Lógos eterno38. No entanto foi sobre o pano de fundo do
entendimento da imago Dei a partir de dois tipos de imagem “modelo e cópia”,
que se desenvolveu a teologia patrística da imagem e semelhança divina39. Os
Padres da Igreja primitiva, apesar de suas diferenças, estiveram em completo
acordo que a imagem de Deus no homem consistia principalmente nas suas
faculdades, ou seja, nas características racionais e morais do homem, na sua
capacidade para a santidade, ainda que alguns tenham pensado também em
características físicas40.
Na perspectiva platônica era muito compreensível atribuir à natureza do
homem a imago Dei, no sentido de uma relação de modelo e cópia entre o divino
e o humano, vinculando-a com a razão humana, e não levando em consideração as
afirmações neo-testamentárias que falavam sobre Jesus, como a verdadeira
imagem de Deus. Assim tornou-se praticamente um consenso que do ponto de
vista cristão só se chega a ser justo pela Graça divina, e foi dessa forma que a
teologia cristã tem pensado a homoiosis, a saber como um dom da Graça divina
que concedido ao primeiro homem foi perdido no pecado original, sendo então
restaurado em Cristo na justificação do pecador41.

2.2.
Na Idade Média
Na Idade Média veremos somente os dois mais destacados teólogos
escolásticos, pois eles podem representar o que foi pensado sobre a doutrina da
imago Dei naquela época. São eles Tomás de Aquino e Boaventura, que
desenvolveram a doutrina agostiniana da imagem a partir de conceitos
aristotélicos42. Tais conceitos geraram a distinção entre justiça original e imago
Dei, fazendo com que na Escolástica Latina se concebesse além da imago Dei a
existência de uma graça extrínseca, chamada justiça original. Era a justiça

38
LADARIA, L. F., Op. Cit., p. 55.
39
LENZ, B., Op. Cit., p. 233.
40
BERKHOF, L., Teologia Sistemática. México: Editora T.E.L.L., 4ª. Edição, 1979, p. 238.
41
PANNENBERG, W., APT, p. 59.
42
FRIES, H., Op. Cit., p. 352.
37

original, uma graça externa que viabilizava a comunhão entre Adão e Deus, um
dom que não fazia parte da essência humana e perdido por causa do pecado não
incidiu na perda da imago Dei43.

2.2.1.

Boaventura

Começaremos nossa incursão pela Idade Média através de Boaventura, um


filósofo franciscano que a exemplo de Fílon, Clemente de Alexandria, Gregório
de Nissa e Agostinho fundamentou sua doutrina da imago Dei sobre motivos de
ordem filosófica ou bíblica. Assim na sua compreensão todas as coisas são
imitações de Deus, mas em graus diferentes: algumas são simplesmente um
vestígio (vestigium), outras imagem (imago) e outras, enfim, perfeita imitação
(similitudo) de Deus. Encarando o mundo como uma espécie de livro que reflete a
Trindade que o produziu.

O motivo de vestígio é encontrado em todas as criaturas, o motivo de


imagem em todos os intelectos espirituais de caráter racional e o motivo de
semelhança somente naqueles que são realmente conforme Deus44. Boaventura
seguindo o uso que já se tinha firmado junto aos escolásticos no século XI,
modifica e subverte o significado que Agostinho havia atribuído aos termos imago
e similitudo. Pois enquanto para o doutor de Hipona, similitudo significava uma
semelhança genérica e imprecisa, e imago indicava uma semelhança marcada e
precisa, para Boaventura, similitudo indica uma semelhança ainda mais perfeita
do que a indicada pelo termo imago em Agostinho.

Porém na distinção dos significados do termo imago, Boaventura segue


Agostinho, ao fazer a distinção principal entre imago naturalis, que corresponde à
imagem que se assemelha ao modelo por sua própria forma natural (essencial), e
imago artificialis, em que a semelhança se dá por um aspecto, de forma acidental.

43
PANNENBERG, W., APT, p. 58.
44
PANNENBERG, W., APT, p. 124.
38

Outra divisão importante em Boaventura é entre a imago naturalis, que significa


uma semelhança que depende da própria natureza da coisa em si, e imago
connaturalis, que se dá por uma semelhança ao modelo45. Esclarecidos os
significados dos termos imago, vestigium e similitudo, e fixados os vários tipos de
imago, Boaventura defende que a imago Dei pertence à própria essência da
criatura.

Seguindo esse raciocínio, ressalta os modos pelos quais o homem pode


assemelhar-se a Deus, para isso afirma ainda que há uma semelhança de três tipos:
proporcionalidade, causa e efeito, modelo e cópia. Pois para ele a imago Dei não é
o resultado automático da estrutura ôntica interior do homem. Tal estrutura torna-
o capaz da imago Dei, mas não o constitui de fato semelhante a Deus, isso porque
Ele nos criou à sua imagem, somente porque nos fez racionais, colocando em
nossa alma inteligência, vontade e sensibilidade. De forma que essas
características são as potências de nossa alma e não partes dela, porque a alma
sendo simples não tem partes, e por isso é imortal. Assim como nós temos
inteligência e vontade finitas, Deus também tem Inteligência e Vontade, no
entanto na dimensão infinita. Da mesma maneira que Agostinho, Boaventura
entendia a atuação da imago Dei, ligada à tomada de consciência do homem. Pois
somente quando ele se torna consciente de sua semelhança com Deus reagindo de
acordo com essa realidade, ou seja, dirigindo sua atenção e seu amor a Deus é que
ele se torna a verdadeira imago Dei.
Seu pensamento se separa de Tomás de Aquino no fato de ver a semelhança
do espírito humano com Deus primordialmente no ato de dirigir-se a Ele46. Nele a
história da salvação tem grande importância, visto que é através da salvação que
se dá a restauração da imago Dei que foi deformada. Desta forma ele enfatiza que
foi através da encarnação da segunda pessoa que a deformação causada pela
soberba dos progenitores e a restauração desejada pelas três pessoas da Trindade
realizou-se. É por isso que a seu ver Jesus é o exemplo e o modelo, ou seja, o
protótipo que o homem deve seguir para realizar plenamente em si a imagem de
Deus47. Além disso, Deus quis dar a Adão uma semelhança com Ele, através da

45
Ibidem, p. 125.
46
FRIES, H., Op. Cit., p. 352.
47
PANNENBERG, W., APT, p. 128.
39

elevação do homem à vida sobrenatural. E assim o fez infundindo em Adão uma


Graça sobrenatural, que significava a participação na vida divina, que tornou
Adão santo como Deus é santo.

2.2.2.
Tomás De Aquino

Vejamos agora o posicionamento de Tomás de Aquino que na teologia da


Idade Média, proseguiu de uma forma muito peculiar na linha de Agostinho. Ele
compreendia que por causa da sua natureza intelectual a alma humana tinha a
imagem de Deus, acreditando ser a alma o que capacita o homem a amar e
conhecer Deus. Tomás então, acompanhando a maior parte dos padres e teólogos
medievais, reconhece que a imago Dei é eminentemente propriedade da alma, já
que possuidora das faculdades espirituais, próprias também da natureza divina,
isto é, o conhecer e o querer48. No entanto, para conhecê-lo, o homem precisava
da ajuda divina, que lhe dava condições de continuar no caminho de santidade.
Mas em sua visão a intervenção divina dependia do esforço e resolução de Adão
em crer e obedecer. Assim a manifestação da Graça na “imago Dei” concebida
por Tomás é dependente do mérito humano.
Em sua teologia da imagem, Tomás se desliga por completo da cristologia,
discernindo entre imagem e semelhança, concebendo tal distinção a partir do
pensamento de Agostinho da existência de um estado de graça original49. Ao
vincular a imagem à capacidade intelectual e ao livre-arbítrio do homem, Tomás
entendia a semelhança como algo acrescentado pela graça concedida a Adão.
Então do mesmo modo que Agostinho e Boaventura, Tomás afirmou que a imago
Dei deriva própria e principalmente da natureza intelectiva do homem50. Seguindo
nessa linha de raciocínio, Tomás de Aquino afirmou que o pecado não causou a
perda da imago Dei, mas somente a perda da graça original que era desfrutada por
Adão. Porque a seu ver se o homem tivesse perdido a imagem de Deus, ele se
tornaria como os demais animais. Tomás busca resolver a questão da queda em
perfeita coerência com a sua doutrina sobre os elementos constitutivos essenciais

48
PANNENBERG, W., APT, p. 133.
49
FRIES, H., Op. Cit., p. 153.
50
PANNENBERG, W., APT, p. 134.
40

da imagem humana de Deus, levando em consideração os elementos que


pertencem às faculdades espirituais do conhecer e do querer. Assim ele se refere a
imago Dei de três formas diferentes:

* Imago Criationis, considerada em relação a criação.


* Imago Similitudinis, considerada em relação a Trindade.
* Imago Recreationis, considerada em relação a graça.

Para Tomás de Aquino o homem, com o pecado, perdeu a imago


recreationis e pelo fato que essa imagem não fazia parte de sua essência, ao perdê-
la continuou sendo homem51. Segundo ele pode-se dar na imago criationis a
igualdade de tipo proporcional, mas não de paridade. Sendo assim frisa que são
três as propriedades fundamentais do modelo (exemplar): imitação, prioridade e
originalidade52. Deus é o modelo supremo do homem e único de todas as coisas,
por isso é reproduzido por elas de modos e graus diferentes. Da proposição de que
Deus é a causa eficiente principal e, portanto também a causa exemplar de todas
as coisas, ele chega à conclusão que o homem é cópia da imagem de Deus. Desta
forma afirma que a exemplaridade não se refere somente a uma parte, mas ao
homem inteiro porque abrange a alma e o corpo.
Vale lembrar que alguns autores de inspiração platônica agostiniana antes
dele haviam restringido a imago Dei à alma e à razão. Entretanto a compreensão
da imago Dei de Tomás de Aquino presta-se magnificamente para ilustrar não só
os aspectos estáticos, mas também os dinâmicos da realidade humana, podendo
proporcionar uma compreensão e uma explicação de todas as fases principais da
história da salvação: a elevação ao estado sobrenatural (como o dom de uma
semelhança mais marcada com Deus); queda (como deformação da imago Dei);
redenção (restauração da semelhança com Deus)53.

Conclusão

51
PANNENBERG, W., APT, p. 138.
52
PANNENBERG, W., APT, p. 131.
53
PANNENBERG, W., APT, p. 139.
41

Na compreensão de Boaventura, como Deus é o autor de todas as coisas,


não há no universo uma criatura sequer que em grau mais ou menos acentuado
não se pareça com ele. Isto porque ele diz que Deus colocou na natureza criada
vestígios de sua imagem e semelhança. Os vestígios são as marcas da ação de um
agente, como as marcas dos cascos de um cavalo na areia de uma praia não são
imagens do cavalo, mas apenas vestígios dele. Seguindo a linha de interpretação
de Agostinho, Boaventura deu uma relevante contribuição.
Também diante do que vimos podemos frisar a ampliação da noção de
imago Dei feita por Tomás de Aquino. Vale ressaltar ainda que os historiadores
vêem nele o iniciador de uma nova antropologia teológica, porque ao recorrer às
categorias da metafísica hilemorfista e substancialista de Aristóteles para
interpretar os dados da revelação cristã, ele foi além das categorias da metafísica
exemplarista de Platão e dos neoplatonicos ao assumir como base a perfeição do
ser54. Por isso a metafísica de Tomás oferece uma chave para a solução também
dos problemas mais difíceis e espinhosos da antropologia.
A recente historiografia expôs duas questões importantes. Primeiramente na
visão filosófica de Tomás de Aquino há uma significativa contribuição platônica e
em seguida mesmo utilizando muitas categorias colhidas nos filósofos
precedentes, Tomás é criador de um sistema filosófico original. Esse período da
Idade Média teve uma grande influência no pensamento católico a respeito da
imago Dei. Vendo o estado original de Adão como um estado de perfeição,
perfeição que era devido à Graça divina extrínseca a natureza do homem e
possibilitando sua comunhão com Deus.

2.3.

Na Reforma

A antropologia teológica da Reforma se distancia da compreensão da imago


Dei de Irineu e da escolástica medieval ao entender que ela não é só o fundamento
da comunhão efetiva com Deus, mas também a justiça do primeiro homem. Assim

54
PANNENBERG, W., APT, p. 129.
42

para os reformadores, por causa do pecado não somente se perdeu a “similitudo”,


mas, a própria imago Dei. Essa compreensão gerou um distanciamento da
concepção medieval e católica sobre a doutrina da imago Dei, entendendo que é a
natureza mesma do homem que foi corrompida pelo pecado55. Esse
distanciamento teve uma base exegética, já que os reformadores não fizeram
distinção entre os termos imagem e semelhança, considerando que no texto os
dois termos tinham o mesmo significado, e por serem sinônimos deviam ser
entendidos como equivalentes.

Com a imago Dei, os reformadores protestantes tinham compreendido


especialmente o estado de pureza do homem, em conformidade com o relato
sacerdotal de Gênesis 1 e 2. Foi a justiça original que foi atingida pelo pecado, e
dessa forma o homem caído ficou totalmente corrompido. Por causa disso os
reformadores deram grande ênfase à graça de Deus, descrevendo o homem depois
da queda como dependente inteiramente da ação misericordiosa divina, já que sua
razão e o livre-arbítrio ficaram profundamente afetados e condicionados pelo
pecado, fazendo-se necessário que Cristo libertasse o homem de sua escravidão e
restabelecesse a justiça original que Adão perdeu56.

2.3.1.

Em Lutero

Os reformadores, começando por Lutero, como vimos acima rejeitaram a


distinção entre imagem e semelhança, entendendo os dois termos como a justiça
original e algo pertencente à própria natureza do homem em sua condição
originária. Lutero afirmou que de posse dessa imagem divina o homem era como
os anjos, e após perdê-la inteiramente tornou-se como os animais. Então o
homem, para Lutero, após a queda não tinha nada de grande significação que o
distinguisse dos animais, por não poder mais chegar a Deus. Num debate acerca

55
PANNENBERG, W., APT, p. 60.
56
LACOSTE, J.Y. Op. Cit., p. 154.
43

do homem, Lutero disse que a partir da definição filosófica do ser humano,


podemos ver que a sua faculdade principal é a razão, que consiste na qualidade
que o distingue do animal. No entanto ela não tem mais nenhum valor teológico
porque após os efeitos da queda ela já não tem utilidade para conduzir o homem à
comunhão com Deus57.
Pela queda sua inteligência foi entenebrecida, suas emoções pervertidas e
seu livre-arbítrio anulado. Segundo Lutero, estando o homem totalmente
depravado não há nele nenhuma possibilidade de esperança, fora a misericórdia
divina. Pois pelo fato de ser possuidor duma natureza caída, está morto em seus
delitos e pecados, sem Deus e sem esperança no mundo. Logo a conseqüência do
pecado foi diretamente o fato que a imago Dei foi anulada ou negativizada, não
tendo mais o efeito original.
Segundo o teólogo de tradição reformada calvinista, Louis Berkhof, o
conceito de imago Dei que Lutero tinha era limitado às qualidades espirituais com
que o homem fora dotado originalmente, ou seja, a justiça original58. Ao pensar
desta forma ele não pôde reconhecer suficientemente a natureza essencial do
homem, como distinta dos anjos de um lado e dos animais de outro. Para Lutero a
semelhança “similitudo” e justiça original “iustitia originalis” do estado primitivo
são a mesma coisa, e juntamente com a justiça original perdeu-se a semelhança
divina59. Então com a perda completa da imago Dei por causa do pecado, o que o
distingue dos animais tem pouca relevância religiosa e teológica, ou seja, por
causa do efeito devastador do pecado o homem carece totalmente da graça divina
para poder desfrutar da comunhão com Deus novamente.

Lutero permanece na linha agostiniana de uma visão pessimista do homem e


por conta disso glorifica fortemente a misericórdia de Deus60. De modo que no
seu entendimento, só Cristo com a sua graça é capaz de trazer de volta o homem à
comunhão com Deus. Podemos ressaltar aqui que em sua antropologia, Lutero
compreende o homem a partir de seu relacionamento com Deus, e mesmo pecador
está ele destinado à justificação. Adão é retratado como quem foi feito para a

57
Martinho Lutero, Obras Selecionadas, Vol. 3, Debates e Controvérsias, Porto Alegre: co-edição
Ed. Sinodal e Ed. Concórdia, 1992, p. 193.
58
BERKHOF, L., Op. Cit., p. 245.
59
FRIES, H., Op. Cit., p. 352.
60
MIRANDA, M. F. A Salvação de Jesus Cristo. A doutrina da graça, São Paulo: Edições Loyola,
2004, p. 25.
44

comunhão racional, moral e espiritual com o seu criador, e por isso desfrutou de
suas capacidades em plena perfeição. O destino, a justificação que conduz o
homem à comunhão com Deus, é sublinhado por Lutero, pelo fato de que Adão,
enquanto imagem de Deus, vivia num estado de perfeição original e desfrutava de
um conhecimento especial d’Ele, tendo condição de crer que Ele era bom, atitude
que gerava comunhão entre ele e Deus61.

2.3.2.
Em Calvino

Calvino também concebia a imagem e semelhança do homem com a


integridade, justiça e santidade. No entanto sua visão não é tão pessimista como a
de Lutero. Para ele, com o pecado de Adão não houve uma total destruição da
imagem, ou seja, ela não foi totalmente apagada, mas corrompida a tal ponto que
o que restou foi uma horrível deformação62. Dessa forma só foi apagada a imagem
celeste que ele trazia, o que também foi o suficiente para que o homem ficasse
alienado de Deus. Mas o homem, ao alienar-se de Deus, alienou-se também de
todos os bens que fazem parte da comunhão com Ele63. No lugar da virtude, da
santidade e da justiça, ornamentos de que estava revestido originalmente quando
tinha em si a semelhança com Deus, vieram os horríveis males, a saber, a
ignorância, a fraqueza, a torpeza, a vaidade e a injustiça.
Calvino entende ainda que o pecado passou aos descendentes por geração e
não por imitação, pois Deus colocou em Adão os bens espirituais que quis dar à
natureza humana, mas Adão os perdeu e por causa dele nós também os
perdemos64. Portanto somos produtos de semente imunda, nascemos maculados
pela infecção do pecado, pois Adão como representante da raça humana fez com
que toda ela se corrompesse pela sua corrupção. A teologia reformada que segue a
linha de Calvino, enfatiza o papel de Adão e a nossa relação com ele, e ao tratar
disso, alguns teólogos defendem a existência de uma solidariedade da espécie
humana. Segundo eles, o Antigo Testamento, em vários textos, apresenta uma

61
BRAATEN, C. E. & JENSON R. W., Dogmática Cristã. São Leopoldo: Editora Sinodal, 1987,
p. 334.
62
FRIES, H., Op. Cit., p. 155.
63
CALVINO, J., As Institutas, São Paulo: Editora Mundo Cristão, 2006, p. 85.
64
Ibidem, Loc. Cit.
45

unidade coletiva do grupo65, consistindo num profundo vínculo grupal, ou seja,


numa responsabilidade mútua pelas ações de cada indivíduo66.

O resultado disso é a extensão vertical da personalidade do grupo, que é a


aplicação de um mérito ou demérito àqueles que não participaram
individualmente do ato em si. Para alguns estudiosos uma declaração sucinta
desse princípio encontra-se no livro de Êxodo 20,5-667:

“não te prostrarás diante deles nem lhe prestarás culto, porque sou o Senhor
teu Deus, Deus zeloso, que castigo os filhos pelos pecados de seus pais até a
terceira e quarta geração daqueles que me desprezam, mas trato com
bondade até mil gerações aos que me amam e obedecem os meus
mandamentos”.

Na compreensão de Calvino, Deus criou somente uma raça humana e Adão


como o primeiro homem era o seu representante, sendo que naquela ocasião toda
a raça humana estava presente nele. Então quando ele pecou e caiu, toda a espécie
também caiu com ele. Calvino nessa questão entende que a imputação do pecado
a toda humanidade se dá por causa da unidade da espécie. De tal modo que,
quando Adão tornou-se pecador, todos os seus descendentes também se tornaram
pecadores juntamente com ele. Os pensadores reformados em sua maioria lêem o
versículo doze do quinto capítulo da carta de Paulo aos Romanos dessa forma, a
partir de dois princípios tradicionais: o realismo e o federalismo68.

65
Pannenberg aborda esta questão falando do significado do indivíduo na comunidade, mas,
segundo ele essa concepção foi abolida a partir do profeta Ezequiel (Ez 18,20). Cf. Wolfhart
Pannenberg, El Hombre como Problema. Barcelona: Herder, 1976.p. 14.
66
Vejamos alguns aspectos sobre a unidade grupal entendida no pensamento reformado de linha
calviniana: identificação com o ancestral, que para alguns estudiosos se faz presente no Antigo
Testamento. Em Malaquias 1.3,4; por exemplo, Esaú e a nação de Edom são considerados
equivalentes, os acontecimentos e a história da nação são contados como se fizessem parte da
biografia do ancestral. Outro exemplo está em Oséias 11.1; este texto para alguns aprofunda o
conceito hebraico do nome, pois ao invés de verem o nome como um recurso prático para
distinguir uma pessoa das outras, os israelitas antigos entendiam que os nomes eram portadores do
caráter. A casa levava o nome do pai, e dessa forma, o caráter do patriarca permeava o lar. Cf.
SHEDD, Russel, P. A Solidariedade da Raça, São Paulo: Vida Nova 1ª edição, 1995, p. 17-22.
67
Bíblia Sagrada. Nova Versão Internacional, São Paulo: Vida, 2000.
68
O realismo, interpreta o texto de Rm 5.12 de modo literal, o que significa que todos nós
estávamos presentes e envolvidos no pecado de Adão. Assim a natureza humana genérica
universal, que abrange a natureza individual de todos os homens, achava-se presente de alguma
forma (esta posição traz algumas dificuldades em relação à cristologia). O federalismo (do termo
latino Foedus = aliança) tem em vista o paralelo entre Adão e Cristo, nossa solidariedade universal
46

O resultado do pecado foi que acabou a compreensão genuína do homem a


respeito de Deus, porque após o pecado o homem ficou privado da luz divina.
Assim podemos concluir que, para Calvino, o pecado original é uma corrupção e
perversidade na nossa natureza, fazendo gerar continuamente em nós as obras da
carne. Por isso em Calvino a definição de imago Dei traz luz ao estado original de
pureza do homem, já que sua imagem consiste naquela integridade original da
natureza: a saber, o dom que o homem perdeu por causa do pecado, o qual se
revela no verdadeiro conhecimento, justiça e santidade. Dessa forma em relação a
pergunta se a imagem de Deus pertence à verdadeira essência humana, a teologia
reformada não vacila em dizer que ela constitui a essência do homem69.
Calvino também entendia que o homem foi criado com dons singulares da
parte de Deus, no entanto após a queda ele se encontra numa condição
miserável70. Residindo então a imagem Deus na alma e abrangendo tudo o que
distingue o homem dos animais, não existe diferença em ser ícone e ter a essência,
o que para ele é apenas um realce escriturístico. Ele distingue ainda os elementos
da imagem de Deus que o homem não pode perder sem ficar descaracterizado,
consistindo eles em qualidades e potências essenciais à alma humana. Distingue
ainda as que ele pôde perder e seguir sendo homem, ou seja, as boas qualidades
éticas da alma e suas faculdades. Essa segunda imagem de Deus é idêntica com a
que se chama justiça original, pois é a perfeição moral da imagem que podia
perder-se e que se perdeu por causa do pecado.

Conclusão

Observando um pouco do que os reformadores falaram a respeito da


doutrina da imago Dei, podemos perceber grandes semelhanças, mas também
algumas diferenças, como por exemplo, Lutero que assume uma postura muito
mais pessimista que Calvino. No entanto em linhas gerais podemos dizer que os
dois grandes reformadores concordam que os termos imagem e semelhança são
sinônimos, concordam a respeito da existência de um estado original de perfeição
e que tal perfeição original foi totalmente perdida por causa do efeito devastador

com Adão é da mesma espécie da mantida por Cristo com seus remidos, isto é, de liderança
representativa ou federal.
69
BERKHOF, L., Op. Cit., p. 244.
70
CALVINO, J., Op. Cit., p. 85.
47

do pecado sobre toda a realidade humana. Assim a partir da postura assumida


pelos reformadores, boa parte da teologia protestante ficou calcada num forte
pessimismo antropológico e numa ênfase extremada na Graça e Misericórdia
divina.

2.4.
Na Teologia Contemporânea

Na teologia contemporânea, o aspecto social da imagem de Deus é o que


mais tem sido enfatizado pelos teólogos, pois na teologia atual fala-se muito do
ser humano diante de Deus71. Em Rahner, por exemplo, a dimensão religiosa é
interpretada em termos de aptidão transcendental, e no concílio Vaticano II
também se afirma que Deus não criou o homem como um ser solitário72. A
teologia contemporânea também se baseia numa interpretação cristológica ou
escatológica da imagem de Deus no homem, um bom exemplo disso é
Schleiermacher73, renomado teólogo protestante do final do século XIX que
rechaçou a idéia de um estado original de integridade e de justiça, porque na sua
visão um estado de perfeição moral, de justiça e de santidade pode ser somente o
resultado de um desenvolvimento. Assim afirmou que tal concepção é
problemática cristologicamente, porque a imagem de Deus consiste numa certa
receptividade do divino, na capacidade para responder ao ideal divino e para
crescer na semelhança de Deus74.
Faremos um resumo dos posicionamentos contemporâneos sobre a doutrina
imago Dei, ressaltando suas linhas gerais. Uma observação que já de início
podemos fazer é que, na teologia contemporânea, os estudiosos como já dissemos
agrupam-se mais por posturas assumidas do que por sua pertença a uma confissão.
Por causa disso preferimos nos guiar pela classificação feita por Battista Mondin
em sua obra Antropologia Teológica. Ele, inspirado no Concílio de Calcedônia,
distinguiu as posições antropológicas atuais em três tendências principais:

71
XAVIER, O. de M. & SILANES, Nereo, Op. Cit., p. 50.
72
LACOSTE, J.Y. Op. Cit., p. 156.
73
Enciclopédia Histórico-Teológica da Igreja Cristã, Ed. Vida Nova, São Paulo, 1992, p. 311.
74
BERKHOF, Op. Cit., p. 239.
48

maximalista, minimalista e moderada75. Veremos a partir de sua compreensão


como podemos compreender o desenvolvimento atual da doutrina da imago Dei.

2.4.1.
Tendência Minimalista

A tendência minimalista é a corrente que limita radicalmente a consistência


ontológica do homem. Tal postura devido ao forte pessimismo chega a privar o
homem de sua capacidade natural de alcançar a Deus, ainda que só com a mente.
Essa postura é uma forte reação à possibilidade de uma teologia natural, e consiste
num posicionamento que tem grande tradição entre os teólogos protestantes desde
Lutero76. No século passado ela foi abraçada por Barth, Brunner, Bultmann, Cox,
Van Buren e muitos outros; no âmbito católico, Battista Mondin menciona alguns
autores, a exemplo de González Ruiz.
Barth indubitavelmente é o maior expoente da teologia protestante do século
passado. Ele afirma que o homem decaído não pode alcançar a Deus por suas
forças, e que tudo que é humano (razão, cultura, religião) está em oposição a
Ele77. A seu ver os efeitos desastrosos do pecado atingiram a essência do homem;
e mesmo sem descaracterizá-lo completamente, foram capazes de corromper sua
razão e destruir a imago Dei. Devido a sua radicalidade pessimista em relação ao
homem depois queda, Karl Barth afirma que nasceu entre Deus e o homem uma
imensa oposição, que só pôde ser restabelecida através do sacrifício de Jesus
Cristo, em que a unidade é restabelecia.
Brunner reagiu fortemente à posição de Barth, afirmando que a Imago Dei
ainda é o ponto de contato da Divindade no homem, e mesmo depois da queda
continua capacitando-o a receber a palavra, podendo ele aceitá-la ou não. A
afirmação brunneana do ponto de contato fez com que ele fosse acusado de
heresia por Barth e outros teólogos protestantes. Esse fato se deu porque as
interpretações tradicionais da imago Dei no âmbito protestante geralmente
referem-se a aspectos como: conhecimento humano (razão), consciência moral,
perfeição moral original e imortalidade, além da capacidade para a santidade; ou

75
MONDIN, B., Op. Cit., p. 143.
76
Ibidem, p. 144.
77
Ibidem, p. 145.
49

seja, aspectos que caracterizam o homem como espírito pessoal finito, que foi
corrompido pelo pecado.
A crítica se deu porque, ao falar de um ponto de contato, Brunner se
aproximou da posição católica e tomista, que defende uma preservação da imago
Dei após a queda. Seu argumento dava base à teologia natural, o grande mal com
que a neo-ortodoxia tanto lutou. No entanto Brunner permaneceu na linha
protestante ao afirmar que a essência do homem consiste na relação com Deus e
que ela foi pervertida pelo pecado, aglutinando assim duas posições: a católica e a
protestante. A tendência minimalista, como vimos na sua postura teológica,
contém um forte radicalismo e pessimismo antropológico, que por sua vez foi
abandonado por Brunner e acentuado por Barth na sua disputa com a teologia
liberal.

2.4.2.
A Tendência Moderada

A tendência moderada é inspirada no princípio tomista de que a graça não


destrói a natureza, mas a aperfeiçoa, sem com isso comprometer a gratuidade
divina e sua transcendência. Ela é capaz de enxergar no homem uma consistência
ontológica que faz dele capaz de conhecer Deus78. Battista Mondin, cita em seu
livro alguns pensadores dessa linha antropológica do lado católico entre os quais
figuram: Parente, Maritain, Guardini; e no lado protestante, o brilhante teólogo
norte-americano, Reinhold Neibuhr. Niebuhr, que faz distinção entre imago e
similitudo, diz que a imago Dei é a base da transcendência do homem.
Portanto ela não foi destruída no seu aspecto formal e real pelo pecado,
seguindo na mesma linha de raciocínio que é a base para a afirmação de Maritain,
o qual afirma que no âmbito natural, através da observação, o homem tem a
capacidade de conhecer Deus, pois a razão naturalmente move-se em direção à fé,
para que esta preencha as insuficiências da razão79. Essa postura teológica enxerga
a razão humana como um instrumento para aproximação do homem à Deus.

78
Ibidem, p. 149.
79
Ibidem, p. 179.
50

2.4.3.
A Tendência Maximalista

O maximalismo antropológico é a corrente mais ousada que chega a atribuir


ao homem uma idoneidade tal, que aos olhos de Battista Mondin parecem
incompatíveis com a gratuidade divina e sua absoluta transcendência80. Ele inclui
nesta postura antropológica Pannenberg, o teólogo por nós estudado. Juntamente
com ele figuram outros grandes teólogos do século passado: Karl Rahner, o maior
teólogo católico do século XX, Teilhard de Chardin e Henri De Lubac81. Rahner,
partindo do princípio da vontade salvífica universal de Deus, diz que o homem
tem uma predisposição ontológica à graça divina. Essa postura está baseada na
compreensão de que Deus cria para que a sua autocomunicação tenha um
destinatário, ou seja, para comunicar fora de si a existência trinitária.
Em resposta à concepção tomista que ainda tem grande influência na
antropologia católica, esta postura une no homem a graça incriada e a graça criada
e fala que o homem tem intrinsecamente um dom que não pertence a sua essência,
poderíamos dar como exemplo desse dom a nacionalidade, que é algo intrínseco
do homem, mas não faz parte da sua essência. Dessa forma, fala-se de existencial
sobrenatural frisando que o homem é dotado de inteligência e de liberdade que lhe
possibilitam captar e livremente acolher o convite divino. Além disso, esta postura
enxerga a encarnação mais profundamente, a ponto de afirmar que a vida de Jesus
revela quem é Deus e como responder a Ele, ou seja, só na encarnação acontece a
perfeição da imagem de Deus em nós82.
Podemos dizer que hoje esta é a tendência mais aceita, devido também a
forte ênfase em interpretar toda a realidade a partir de Jesus Cristo, o que mostra
que a intencionalidade salvífica de toda a ação divina e que ela se dirige a todo
homem.

Conclusão

80
Ibidem, p. 187.
81
Ibidem, p. 188.
82
Miranda, M. F. op. cit., p.45.
51

Pudemos ver em toda reflexão sobre a doutrina da imago Dei a existência de


pontos comuns, mas também de grandes divergências. E assim como citamos a
classificação de Batista Mondin, poderíamos citar as de outros teólogos. Porém
cremos que as informações elencadas até o momento, são suficientes para
fazermos uma introdução que constitui o pano de fundo necessário para o estudo
de nosso tema. Agora vale relembrar que a compreensão da doutrina da imago Dei
que mais se fixou no pensamento cristão foi a que se deu sob a influência de
Agostinho. Ele concebia a imago Dei como um estado de perfeição antes da
queda, e devido a sua influência perdeu-se no ocidente o enfoque cristológico que
se dava ao tema, correlacionando-o ao Logos eterno.
Infelizmente seus passos foram seguidos pela escolástica católica através da
compreensão de uma graça suplementaria. Pelos reformadores protestantes, que
mesmo ao entenderem de forma diferente de Agostinho os termos imago e
similitudo, também defendiam a existência de um estado de perfeição original
vivido por Adão antes da queda, e advogavam o acontecimento de um trágico
efeito do pecado sobre a imagem divina no homem. A influência dos
reformadores se faz presente praticamente em todo o pensamento protestante, e
por isso podemos ver claramente essa postura de um estado de perfeição original,
nas Confissões de Fé. Elas desde o inicio do protestantismo tinham o intuito de
normatizar o posicionamento das tradições reformadas. Vejamos, por exemplo, o
que se diz sobre a criação, no segundo parágrafo do quarto capítulo da confissão
de “Fé de Westminster83”:
Depois de haver feito as outras criaturas, Deus criou o homem, macho e fêmea, com almas
racionais e imortais, e dotou-as de inteligência, retidão e perfeita santidade, segundo a sua
própria imagem, tendo a lei de Deus escrita em seus corações, e o poder de cumpri-la, mas
com a possibilidade de transgredi-la, sendo deixados à liberdade da sua própria vontade,
que era mutável. Além dessa escrita em seus corações, receberam o preceito de não
comerem da árvore da ciência do bem e do mal; enquanto obedeceram a este preceito,
foram felizes em sua comunhão com Deus e tiveram domínio sobre as criaturas. Ref. Gen.
1:27 e 2:7; Sal. 8:5; Ecl. 12:7; Mat. 10:28; Rom. 2:14, 15; Col. 3:10; Gen. 3:6.

83
A Confissão de Fé de Westminster aconteceu no ano de 1647, tornando-se sem dúvida um dos
documentos mais influentes do período pós-reforma da Igreja Cristã. Ela consiste numa exposição
cuidadosa da teologia reformada de vertente calviniana do século XVII, e sua tarefa era promover
maior uniformidade de fé e prática para todo reino, revisando os trinta e nove artigos da Igreja da
Inglaterra. Entretanto, no fim essa tarefa se estendeu para viabilização do enquadramento da Igreja
da Inglaterra na doutrina prática da Igreja Presbiteriana da Escócia. Cf. Harmonia das Confissões
Reformadas, Beeke, Joel, R. e Ferguson, B. Sinclair (Org.), São Paulo: Mundo Cristão, 2006. p.
13.
52

Outra característica da compreensão reformada sobre a doutrina da imago


Dei foi sua postura negativa em relação ao seu estado após o pecado original.
Posicionamento que é explicitado na máxima calvinista da Depravação total do
homem. A Confissão de Fé de Westminster, no seu segundo parágrafo do sexto
capítulo expressa claramente esta postura pessimista:
Por este pecado eles decaíram da sua retidão original e da comunhão com Deus, e assim se
tornaram mortos em pecado e inteiramente corrompidos em todas as suas faculdades e
partes do corpo e da alma. Ref. Gen. 3:6-8; Rom. 3:23; Gen. 2:17; Ef. 2:1-3; Rom. 5:12;
Gen. 6:5; Jer. 17:9; Tito 1:15; Rom.3:10-18.

Mas, além de Agostinho, devemos mencionar outros pensadores que


enxergaram a doutrina da imago Dei de uma forma diferente. Boa parte da
teologia patrística desenvolveu seu pensamento, a partir do princípio da existência
de duas imagens: modelo e cópia. Entendeu-se também que a imagem de Deus no
homem consistia nas características morais, racionais e até mesmo físicas. Vale
ressaltar também que as características morais geralmente estiveram associadas à
semelhança, que foi entendida como o poder de tomar decisões morais e fazer
escolhas voluntárias, por isso estando profundamente ligada à condição de pureza
moral original do homem.
A interpretação que vincula a imago Dei à razão humana é muito forte, pois
em todas as épocas não faltou quem entendesse que a imagem e semelhança
divina está na capacidade intelectual, ou pelo menos estreitamente ligada a ela.
Também houve quem atribuiu a imago Dei à estrutura corporal do homem, sendo
tida como uma prova de sua proximidade com Deus.
No entanto há outras posturas que tiveram menos força na história do
pensamento cristão. Uma delas é a de Karl Barth que no século passado destacou
o fato de sermos criados macho e fêmea, com capacidade de desenvolver relações
de diversos níveis. Outra que poderíamos mencionar é a condição do homem
como imagem de Deus vinculada à função do homem de dominar a terra. E
também a tendência contemporânea que enfatiza a condição relacional e espiritual
do homem, que se entende a si próprio e se realiza somente na abertura ao mundo
e no relacionamento com seus semelhantes.
3

Linhas Gerais da Antropologia Teológica de Pannenberg

Após este percurso histórico sobre o tema da imago dei no cristianismo,


estamos mais aptos a iniciar nosso estudo sobre o pensamento de Pannenberg
nesta questão. Veremos os pressupostos que consistem nos princípios que regem a
sua visão da realidade humana, os quais determinam tanto a sua interpretação da
máxima do relato sacerdotal que classifica o homem como criado segundo a
imagem e semelhança de Deus, como também o seu posicionamento diante da
reflexão teológica que já foi feita sobre este tema na história do pensamento
cristão. Entretanto antes de descrevermos os pressupostos antropológicos e
teológicos de nosso autor, faz-se necessário que ressaltemos como deve ser feita
em sua visão uma relevante abordagem da antropologia teológica. Quais inter-
relações ela deve conter para que seja capaz de cumprir verdadeiramente sua
tarefa, ou seja, qual metodologia deve ser adotada pela reflexão cristã ao abordar a
realidade humana.
Para Pannenberg, para ser relevante, a reflexão da antropologia teológica
precisa levar em consideração três inter-relações que são capitais para a correta
compreensão da realidade humana. São elas a relação entre a antropologia
teológica, a doutrina da criação e a cristologia, especialmente porque somente
essas inter-relações possibilitam entender a criação do homem segundo a imagem
divina, que está relacionada à sua posição dentro da criação, com as suas
características ontológicas e com o seu destino à comunhão com Deus, que foi
realizado em Jesus Cristo1. Pois só assim uma reflexão antropológica é capaz de
encontrar as repostas necessárias que a fé cristã deve dar à sociedade e às ciências
humanas, tal reflexão apresenta Pannenberg em sua obra Antropologia em
Perspectiva Teológica2. Ao partir de uma base mais ampla, pôde construir uma
abordagem antropológica mais abrangente. Nela sua abordagem toca a realização
do destino do homem como objeto da providência divina, à luz dos fundamentos

1
PANNENBERG, W., TS2, p. 208.
2
PANNENBERG, W., Antropologia en Perspectiva Teológica. Implicaciones religiosas de La
teoria antropológica. Salamanca: Sigueme, 1993.
54

biológicos da vida humana, de sua situação no mundo, de sua dimensão social e


etc.
Podemos dizer que essa postura de Pannenberg é reflexo da Teologia
Patrística, que é vista por ele como um modelo que precisa ser seguido pela
reflexão da antropologia teológica atual. Isso porque a Teologia Patrística, desde o
início da história cristã, ao refletir sobre o homem, entendeu que a sua natureza
consistia em três dimensões: psíquico, corpórea e espiritual. Assim ela expôs a
complexidade da realidade humana através de uma abordagem profunda levando
em consideração as inter-relações necessárias3. Por causa dessa característica,
Pannenberg afirma que a abordagem patrística tornou-se um marco nas
interpretações bíblicas do homem como imagem de Deus. Essa conclusão aparece
tanto na obra acima mencionada, como no capítulo VIII do segundo volume de
sua Teologia Sistemática, que é uma síntese de seu pensamento antropológico.
Buscaremos em nossa pesquisa seguir esse princípio do pensamento de
Pannenberg, para isso primeiramente elencaremos seus pressupostos
antropológicos e teológicos, procurando compreender os desdobramentos
ontológicos determinados pelo fato de que a criação do homem se deu somente
segundo a imagem de Deus. Na primeira parte deste capítulo, veremos quais são
as características ontológicas que essa condição de imagem divina deu ao homem.
Na segunda etapa nos ateremos aos pressupostos teológicos determinados pela sua
criação segundo a imagem e semelhança divina4. A partir daí faremos a relação
entre as características ontológicas do homem e seu significado teológico, visando
entender à luz da fé qual é a relação das características ontológicas com o seu
destino de desfrutar da comunhão com Deus, de modo que possamos entender
porque, na visão de nosso autor, a realização plena deste destino está
estreitamente relacionada com a cristologia. Visto que na sua compreensão o
destino que foi determinado pelo próprio Deus na criação do homem, cumpriu-se
prolepticamente na vinda e vida de seu filho Jesus Cristo.

3
PANNENBERG, W., TS2, p. 209.
4
Vale fazer aqui uma observação, pois seguindo o posicionamento de Pannenberg usaremos a
terminologia da criação do homem segundo a imagem de Deus, não a imagem de Deus como
normalmente se fala.
55

3.1.
Pressupostos Antropológicos

Para facilitar o nosso aprofundamento na compreensão de Pannenberg sobre


a realidade humana, devemos levantar a seguinte indagação: na sua compreensão,
em que consiste o homem? Buscando responder a essa pergunta, veremos agora
quais são os pressupostos antropológicos, ou seja, em que consiste a realidade
humana na antropologia de Pannenberg. Vale relembrar que estamos seguindo
também aqui, a abordagem antropológica feita em sua Teologia Sistemática5.
Constataremos que ele concebe o homem como possuidor de uma dignidade
peculiar, que fica expressa nas suas características ontológicas e na sua
participação no domínio, ou seja, senhorio do próprio Deus sobre a terra.
Pannenberg também classifica o homem como possuidor de uma complexidade
única, porque sua realidade não é somente psíquico-corpórea, mas contém
também uma dimensão espiritual. Sendo assim veremos que as mesmas
características ontológicas que expressam sua posição de destaque são os meios
usados pela ação divina. Pois através delas a providência divina age sobre o
homem, fazendo dele um ser transcendental, anelante e inacabado, que está
sempre em devir, dessa forma podemos dizer que ela produz uma abertura que
conduz o homem para além das coisas finitas rumo ao seu criador, tornando-o por
isso um andarilho que caminha a partir de sua realidade vital, da concreticidade de
sua existência, de sua história individual rumo ao infinito que o atrai.

3.1.1.

A Dignidade do Homem

Pannenberg começa ressaltando a dignidade peculiar do gênero humano.


Fato que resulta diretamente na diferença e superioridade do homem diante das
demais criaturas de Deus, essa postura assumida por ele é baseada primeiramente

5
Dignidad y Miséria Del Hombre in: Teologia Sistemática. Tomo II, Madrid: Universidade
Pontificia Comillas de Madrid, 1996.
56

no relato sacerdotal, que afirma que a criação do homem se deu segundo a


imagem e semelhança divina. Assim Pannenberg vê que esta criação segundo a
imagem de Deus, faz com que o homem desfrute de uma posição de destaque, o
que implica dois desdobramentos. O primeiro é a superioridade humana, que é
notória por meio de uma simples comparação entre o homem e todo o restante da
criação. O segundo é que essa superioridade é a base da função para a qual ele foi
chamado por Deus a exercer.
Já no início de sua argumentação Pannenberg mostra que a dignidade
peculiar do homem foi percebida desde a época pré-cristã em várias sociedades6.
Mencionando um exemplo disso na antiguidade, Pannenberg cita Cícero (in De
Oficiis I, 30, 106), que a justificou na razão, ou seja, na capacidade racional do
homem que lhe dá condição de se comportar de forma distinta dos animais7.
Como já vimos, além dele outros pensadores dentro da história antiga e recente
também defenderam uma posição de destaque do homem baseada somente na
razão. No entanto não podemos reduzir a superioridade do homem à sua razão,
pois fazendo uma análise comparativa com as demais criaturas, vemos que a razão
do homem não está desvinculada das outras características ontológicas e corporais
que possui. Sendo assim podemos afirmar que ela consiste na força orgânica que
mediante a influência social, e sobretudo, a providência divina, funciona como um
motor, impulsionando todas as capacidades humanas a entrarem em ação.
Ao falar de uma análise comparativa entre o homem e o restante da criação,
e assim descrever a grande superioridade do homem, Pannenberg cita o grande
erudito Johann Gottfried von Herder8, que a seu ver desempenhou uma importante
influência no pensamento antropológico, de modo que pode ser considerado o pai
da antropologia moderna. Herder parte da constatação que o homem tem uma

6
Pannenberg ressalta também em sua abordagem que o principio da dignidade do homem está
presente nas diversas declarações modernas de direitos humanos, cf. Wolfhart Pannenberg, TS2, p.
205.
7
PANNENBERG, W., TS2, p. 204.
8
Cf. http://pt.wikipedia.org/wiki/Johann_Gottfried_von_Herder, 06/01/2009. Johann Gottfried von
Herder foi um filósofo e escritor alemão que nasceu no ano de 1744 em Mohrungen, Prussia
oriental, morreu em Weimar no ano de 1803. Estudou em Konigsberg teologia, fiosofia, e
medicina, onde teve a oportunidade de assistir as aulas de Kant, sendo nomeado pastor, ensinou
em Riga e depois tornou-se pregador. Após diversas obras sobre a arte e a linguagem,
especialmente: Ensaio sobre a origem da linguagem, de 1772, Herder publicou suas prinicpais
obras: Outra Filosofia da História para a educação da humanidade de 1774 e Idéias sobre a
filosofia da história da hmanidade 1784 a 1791. Segundo ele todo o universo poderia ser
entendido a partir de uma perspectiva histórico-evolutiva, pois considerava a história humana
regida por um princípio imanente inteligente.
57

característica ontológica que o diferencia do restante da criação, característica que


consiste na sua abertura ao mundo. Baseado então nas conclusões de Herder,
Pannenberg ressalta a dignidade do homem em contraste com a vinculação que ata
os animais ao ambiente em que vivem9. Dessa forma, o conceito de abertura ao
mundo exerce uma função importantíssima nas conclusões teológicas de nosso
autor, porque a transcendentalidade marca o diferencial do homem, ou seja, sua
dignidade e o fundamento de sua postura no mundo.
Pannenberg em parte fundamenta seu posicionamento em Herder, que
afirma que os animais estão presos por uma necessidade genérica a um ambiente
exterior predeterminado. Nessa questão não podemos deixar de dizer que
Pannenberg recorre também às conclusões das ciências zoológicas, que afirmam
ainda que os animais não percebem o mundo ambiente na sua plena riqueza,
porque a sua percepção do mundo está limitada somente ao que é significativo
para os seus instintos10. Essa questão é tão relevante para Pannenberg que,
segundo ele, ela determina tanto a estrutura biológica do homem como a dos
animais.
Nos animais, o que tem uma influência determinante são os instintos, pois
são eles que mediam e determinam a sua percepção do mundo. Assim, diante dos
sinais perceptíveis pelos seus instintos, eles têm sempre uma reação prevista, ou
seja, programada biologicamente11. Vale ressaltar que a influência de seus
instintos é tão forte, que eles só vivem o que já de antemão conhecem do mundo
numa forma de percepção e comportamento herdados12. Aprofundando ainda mais
essa diferença entre os homens e os animais, Pannenberg menciona o
behaviorismo13, uma corrente científica que interpretou o homem a partir de sua

9
PANNENBERG, W., APT, p. 42.
10
PANNENBERG, W. El Hombre como Problema. Hacia uma antropologia teológica.
Barcelona: Herder, 1976. 13. Ao citarmos novamente esta obra, usaremos o mesmo critério que
estamos usando com as citações da Teologia Sistemática e da Antropologia em Perspectiva
Teológica. Citaremos o nome do autor, a página e a abreviação EHcP, para indicar o seu título.
11
Para exemplificar esta questão, Pannenberg cita a realidade do carrapato que tem apenas três
sentidos: da luz, do odor e da temperatura. Sentidos estes que são suficientes para sua
sobrevivência, assim ele afirma que as demais espécies de animais não podem conhecer o mundo
em sua totalidade, totalidade que somente é acessível ao homem. Cf. Wolfhart Pannenberg, EHcP,
p. 13.
12
Ibidem, p. 14.
13
Cf. http://www.infoescola.com/psicologia/behaviorismo, 09/01/2009, Behaviorismo, deriva do
termo inglês behaviour ou do americano behavior, que significa conduta, comportamento. Teoria
que teve início em 1913, a partir de um manifesto criado por John B. Watson, em que ele defende
que a psicologia não deveria estudar processos internos da mente, mas sim do comportamento,
58

corporalidade. E por conta dessa metodologia impôs sobre ele a mesma limitação
vivida pelos animais e plantas. Pannenberg critica o behaviorismo, dizendo que
para fazer suas afirmações, ele precisou ignorar a noção de consciência e a
capacidade cognitiva do homem.
Pois só ignorando a noção de consciência, o behaviorismo pôde adotar uma
postura tão negativa, ou seja, tirar o homem de um lugar de destaque na natureza,
igualando-o aos demais seres, e afirmando que ele está subordinado aos estímulos
da mesma forma que os outros seres vivos, estando assim enquadrado no mesmo
horizonte de possibilidade de reação14. Ao analisar o princípio científico que
consiste em interpretar o homem a partir da sua corporalidade e, sobretudo, a
partir de sua conduta observável, Pannenberg afirma que os limites do
condutismo, em contrapartida servem como argumentos a favor da posição única e
destacada do homem na natureza15.
Isto porque o que é mais fácil aceitar a partir das descobertas científicas é o
contrário das afirmações baseadas numa interpretação do homem a partir de sua
corporalidade. Porque o homem não está na sua experiência do mundo sujeito a
um ambiente determinado e nem reage somente dentro de uma limitação de
conduta vinculada ao ambiente que o rodeia16. Ele defende que só o homem tem a
faculdade de experimentar objetos no verdadeiro sentido da palavra, pois faz parte
do espírito humano abrir-se, e colocar-se curiosamente diante de algo, deixando-
se penetrar pelo desejo de entender suas peculiaridades17.
Então, para Pannenberg, o mundo ambiente aplicado ao homem não se
constitui na verdade em fronteiras biológicas, mas de instituições culturais de sua
própria criação18. Dessa forma ao rejeitar as limitações biológicas impostas pelo
behaviorismo, Pannenberg enfatiza que em toda a sua vida o homem segue aberto

visto que este é visível e, portanto, passível de observação por uma ciência positivista. Watson é
conhecido como o pai do Behaviorismo Metodológico ou Clássico (estímulo-resposta), que crê ser
possível prever e controlar toda a conduta humana, com base no estudo do meio em que o
indivíduo vive e nas teorias do russo Ivan Pavlov sobre o condicionamento. Skinner, erudito
renomado, propôs uma postura metodológica que foi denominada behaviorismo radical, enfatiza a
responsabilidade do meio ambiente pela conduta humana.
14
PANNENBERG, W., APT., p. 36.
15
Ibidem, p. 43.
16
PANNENBERG, W., EHcP., p. 14.
17
Ibidem, Loc. Cit.
18
Nessa questão, para facilitar a compreensão do leitor, Pannenberg fala que uma floresta é vista
de forma diferente por um lenhador, por um caçador e por um excursionista domingueiro. Além
disso, se um lenhador algum tempo depois se tornar um engenheiro, ele pode ir a floresta e ter a
mesma sensação de alguém que vem somente passear. Cf. Wolfhar Pannenberg, EHcP, p. 14.
59

às possibilidades da existência humana. E que somente animais e plantas se


limitam a conhecer o que está determinado pela pertença a sua espécie, pois no
homem os impulsos não são dirigidos por nascimento, sendo o único ser capaz de
desfrutar de independência em relação aos condicionamentos impostos por
ambientes e instintos.

Podemos mencionar aqui a realidade da liberdade, que somente o homem


entre toda a criação desfruta, assim ela também pode ser vista relacionada ao seu
diferencial dos animais. Pois liberdade e abertura ao mundo estão vinculadas
fortemente, de modo que não estando predeterminado pelos instintos como os
animais, o homem exerce a sua condição de decidir como vai buscar saciar sua
indigência de Deus19. Daí o seu lugar de destaque na criação por causa de sua
abertura ao mundo e também por causa da liberdade desfrutada, fato comprovado
na própria estrutura do seu corpo, visto que ela lhe dá uma imensurável vantagem
em relação aos animais. Por ter os órgãos humanos uma grande variedade de
funções, como é o caso da mão, podemos compreender como a estrutura corpórea
do homem lhe permite sempre ter a capacidade de fazer novas e distintas
experiências com uma larga gama de variantes, como possibilidade para sua
reação20. Então é mediante a intervenção de excitantes externos que haverá na
vida do homem a polarização21.

19
PANNENBERG, W., EHcP., p. 14.
20
Ibdem, p. 15.
21
Herder com suas considerações, nos ajuda a compreender melhor a diferença entre a percepção
que os homens e que os animais têm do mundo, quando pronunciou a seguinte sentença: “aos
animais Deus deu o instinto e na alma do homem gravou a sua imagem, a religião e o sentido
humanitário”. O que nos permite constatar, que de acordo com o seu pensamento, os contornos da
imagem divina estão prefixados na essência humana. Porque Deus não entregou o ser humano a
uma existência desorientada, na qual ele teria que libertar-se sem outro apoio que o de si mesmo.
Assim a realidade de uma criação segundo a imagem e semelhança divina colocou no homem a
abertura ao mundo, a racionalidade que gera além da auto-referência a predisposição para o auto-
aperfeiçoamento. Vejamos as características da imago Dei elencadas por ele, que são mencionadas
por Pannenberg em sua obra: Antropologia em Perspectiva Teológica: os instintos guiam o
comportamento do animal como a imagem divina guia o homem, o instinto e imagem imprimem a
direção; ser imagem e semelhança de Deus é a noção teleológica do ser homem enquanto tal. No
entanto não podemos deixar de asseverar a compreensão histórica que ele tem do homem, pois a
seu ver não somos homens propriamente dito, mas somos construídos no dia-a-dia; ser imagem e
semelhança de Deus e ser homem mesmo vão juntos, de modo que religião e humanidade se
acham para ele vinculadas estreitamente; no homem se encontra em princípio tão só a
predisposição a razão, o humanitarismo e a religião, precisamente porque cada homem se faz
homem pela força da educação. Além das características acima, Herder lista três fatores
determinantes no processo de humanização: a Tradição e Instrução, que consistem na influência
que recebemos de outros; a Razão e a Experiência, que são as forças orgânicas que contribuem em
60

Os fatores que influenciam drasticamente as formas vitais de existir são para


Pannenberg construções humanas, desta forma o modo como o homem vivenciará
sua abertura é influenciado pela educação recebida, pelos valores culturais e pelos
costumes transmitidos. Pois ele é capaz de distanciar-se e libertar-se vivendo a
auteridade, conjecturando como pode lidar com tais construções. Por causa da sua
liberdade intrínseca, nenhuma circunstância externa que lhe sobrevenha, opressão,
calamidade ou maus tratos pode suprimir a dignidade com a qual foi dotado na
criação. Só ele mesmo pode sacrificar essa imagem, desrespeitando a sua
condição ao levar uma vida contrária ao seu destino divino. Sua dignidade perde-
se quando peca, ou seja, ao comportar-se indignamente, pois assim deprava sua
imagem divina e desvia-se do destino determinado pelo seu Criador. Como ainda
veremos mais a frente, para nosso autor esta atitude de fechamento em relação ao
seu destino que se configura em pecado é a raiz da verdadeira miséria do homem,
visto que ela o aliena de seu destino, como também da razão e do propósito de sua
criação.

Sua abertura transcendental, marca de sua criação à imagem e semelhança


divina, faz o homem desfrutar de uma posição de destaque na criação, a tal ponto
que é convocado para representar Deus, participando do senhorio divino sobre
ela22. Essa função dada por Deus é encarada pelo relato sacerdotal como sinal de
sua proximidade com Ele. Pannenberg também lança mão desse argumento para
expressar a posição de destaque do homem diante da criação23. Mesmo num olhar
superficial, pode-se perceber a magnitude de sua superioridade em relação às
demais criaturas. Expõe ainda outra evidência que corrobora essa interpretação da
diferenciação do homem frente aos demais animais a partir de sua posição de
destaque, mediante o seu privilégio de dar nome as outras criaturas, função que
evidencia as faculdades da linguagem e da inteligência.
Dessa forma sua posição de domínio demonstra a sua proximidade com
Deus que se acha também ligada a sua razão. Devido a sua racionalidade e suas

sua formação, de modo que o homem não está passivo neste processo; a Providência Divina, no
seu pensamento frisa que os dois fatores acima mencionados, cooperam porque a providência
divina, atuando através deles, plasma o homem na direção da meta de seu destino: a imagem e
semelhança de Deus. Assim a influência dos outros, os impulsos da razão e a experiência do
indivíduo se coordenam e se convertem em meios para que ele alcance a Deus. Cf. Wolfhart
Pannenberg, APT., p. 55-57.
22
PANNENBERG, W., TS2., p. 233.
23
PANNENBERG, W., EHcP., p. 27.
61

características corporais, o homem tem condição de reagir positivamente às


diversas situações e adaptar-se a elas com inteligência, capacidade esta que o
caracteriza como a coroa da criação, o ser mais evoluído e o dono de uma
condição insuperável24. No entanto, para o relato sacerdotal, o que diferencia o
homem das outras criaturas é a sua posição frente às demais criaturas que se
expressa na função de participar do senhorio divino e no mandato de dominar a
terra.

Conclusão

Diante do que vimos acima, podemos esclarecer dois pontos de seu


pensamento: o primeiro é o motivo que faz com que Pannenberg conceba a
superioridade do homem intimamente ligada à missão que recebeu de Deus.
Devido ao fato de que a sua capacidade racional lhe dá condição de estar aberto a
uma gama de possibilidades. Essa realidade que confirma a sua superioridade e
viabiliza o seu crescente domínio sobre o mundo, é vista pelo relato sacerdotal
como um claro sinal de sua proximidade com Deus.

Fazendo uma comparação entre as afirmações de Cícero e a do relato


sacerdotal, perceberemos que na sua compreensão, Cícero não conseguiu associar
essa condição única do homem com algo além de uma dimensão ética. Por esse
motivo só falou da obrigação do homem de comportar-se de modo distinto, e
assim não foi capaz de atingir, como o relato sacerdotal o fez, a riqueza de sentido
que tem essa dignidade do homem, reduzindo-a somente à racionalidade humana.
O relato sacerdotal afirma que essa posição confere ao homem o status de
inviolabilidade de sua vida, mesmo não aprofundando seu sentido em relação ao
seu destino de desfrutar da comunhão com o seu Criador25.

O segundo ponto que se esclarece diante do que acabamos de mencionar e


aprofundaremos mais a frente é que a superioridade do homem consiste num sinal
de sua proximidade em relação a Deus, estando totalmente vinculada ao seu

24
PANNENBERG, W., TS2., p. 203.
25
Ibidem, p. 206.
62

destino de viver em comunhão com Ele, fator que lhe concede uma vida
completamente diferente dos animais. Estes não conseguem romper com os
limites impostos pelos seus instintos que são instrumentalizados pelo meio em que
vivem. Um bom exemplo dessa diferença está no fato que os animais não têm
noção de tempo “presente, passado e futuro”, porque lhes falta a auto-referência,
ou seja, a capacidade de se auto-diferenciar diante do outro. Podemos dizer que o
homem recebeu essa capacidade de auto-referência, que lhe dá uma dignidade
intransferível para dominar a terra e se abrir ao que lhe é externo, podendo assim
se pôr em comunhão com Deus. Desta forma, no raciocínio de Pannenberg, a
análise da função recebida de Deus e da diferença entre ele e todo o restante da
criação tem uma grande importância teológica.

Ao enfatizar que o destino do homem à comunhão com Deus foi traçado na


sua criação segundo a imagem divina determinando assim as suas características
ontológicas, Pannenberg frisa que tal destino, pelo fato de conferir ao homem sua
dignidade, não pode ser encarado como algo externo, e assim nada lhe pode retirar
a dignidade que corresponde ao homem concreto; as situações externas podem até
influenciá-lo, mas não privá-lo de sua dignidade. E por fim o que foi dito acima
nos leva a concluir que as tendências humanas não estão determinadas a priori e
sim abertas à amplitude do mundo, e essa abertura consiste na dignidade com que
ele foi criado, e na sua condição de participar do domínio e desfrutar da comunhão
com Deus.

3.1.2.
Homem: Unidade Corpo e Alma

Ao falarmos da unidade que há entre o corpo e a alma humana no


pensamento de Pannenberg a primeira observação que devemos fazer é que para
ele, o homem não pode de forma alguma ser reduzido a somente uma das duas
dimensões, o corpo ou a alma. Além disso, não se pode entender o corpo e a alma
como duas realidades desvinculadas, como muitas vezes aconteceu na história e
no pensamento cristão. Ou até mesmo conceber o corpo como a prisão que só
63

termina com a morte, como postulava o platonismo que por muitas vezes
influenciou a filosofia e a fé cristã26. Diante dessa influência platônica, que
defende uma autonomia da alma frente o corpo, Pannenberg ressalta que essa
postura vai muito além do que permitem os modernos conhecimentos científicos,
porque hoje as conclusões científicas não nos permitem aceitar e nem sustentar o
corpo como a prisão da alma, nem a autonomia de uma das dimensões ou as duas
dimensões humanas desvinculadas uma da outra.
A influência do platonismo trouxe para o cristianismo o dualismo
antropológico, influência que se deu desde as primeiras reflexões. Ela pode ser
percebida em Tertuliano que falava do corpo e da alma como duas substâncias
distintas, ainda que vinculadas entre si. No entanto, Pannenberg observa ainda
que, mesmo tendo o platonismo exercido uma forte influência no cristianismo, a
fé cristã não se rendeu totalmente a ele, pois a concepção moderna da inter-
relação corpo e alma já se fazia presente na antropologia cristã primitiva, desde a
primeira Patrística. Assim diante do platonismo que havia se tornado a filosofia
dominante, a fé cristã teve condição de afirmar que a alma e a consciência estão
profundamente enraizadas na corporeidade do homem.
A reflexão cristã também foi capaz de enfatizar uma visão positiva do corpo,
afirmando que ele, assim como a alma, foi criado bom por Deus, ao sustentar a
visão de que a união dos dois consistia no cumprimento da vontade criadora
divina, e possibilitar ainda a ousada afirmação cristã de que o corpo humano não é
um corpo morto, sendo animado em todas as suas manifestações de vida27.
Pannenberg em sua análise da compreensão cristã dessa questão frisa que a
profundidade da visão bíblica da união da alma e do corpo no homem não foi
alcançada plenamente na antropologia patrística. Este fato se deveu para ele por
causa da limitação imposta pelo modelo da união das duas substâncias, e também
foi devido à grande influência da doutrina agostiniana, que partia de um substrato
antropológico platônico, que fez com que se trabalhasse somente com a idéia de
iluminação, advogando assim uma dependência da razão com relação à luz da
verdade divina. Desta forma, considerou-se mais uma vez a razão, como uma

26
Ibidem, p. 210.
27
Ibidem, p. 211.
64

magnitude autônoma apontada para Deus, contendo por conta disso um fim
sobrenatural28.
Fazendo também um retorno histórico anterior ao período do cristianismo
primitivo, Pannenberg observa que essa concepção dos processos vitais como
funções das partes essenciais constitutivas do homem e de sua alma, só penetrou
no pensamento judeu através do helenismo29, que identificou o pneuma com a
sabedoria, ou seja, com o noûs humano, conexão esta que também conduziu a
uma interpretação helenizante. Porque ela concebeu a razão do homem como esse
pneuma divino que lhe foi soprado na criação, identificando o espírito humano
com a razão que resultou numa aceitação de que há uma parte superior da alma, a
alma espiritual do homem.
No entanto, cabe frisar que a teologia cristã se distanciou da idéia corrente
da divindade da alma espiritual. Segundo Pannenberg, podemos afirmar isso
porque diante da divinização da alma, essa teologia asseverou que todas as
manifestações da vida humana inclusive a razão se remetem à permanente atuação
do Espírito divino. Sendo assim, postulou que a atuação do Espírito vivificante no
homem não pode se identificar somente com a razão, visto que todas as funções
vitais necessitam ser atualizadas pelo Espírito criador de Deus. Para chegar a tal
conclusão, a primitiva reflexão cristã baseou-se no fato de que os escritos
rabínicos e os paulinos não dão base para afirmar que a alma é algo divino no
homem. Essa compreensão paulina é explicitada em I Co 2,10 onde o apóstolo
Paulo contrapõe o Espírito de Deus ao espírito do homem, entendo que a vida
animada não vive por si mesma, mas pelo Espírito de Deus que a vivifica com seu
hálito30. Pois o Espírito no sentido bíblico não significa o entendimento, e sim a
força criadora de vida, explicando o fato que as criaturas sempre estão
dependentes do espírito-vento ou do hálito divino. Pois só com Ele elas podem
continuar vivas, o que não significa que o Espírito divino seja uma parte
constitutiva da criatura31.

28
Ibidem, p. 220.
29
Ibidem, p. 216.
30
Ibidem, p. 214.
31
Pannenberg faz aqui uma observação muito importante, que a Igreja espanhola da antiguidade
rechaçou a afirmação atribuída a Prisciliano, segundo a qual a alma humana seria parte de Deus ou
uma substancia divina, pensamento que é consonante a doutrina platônica que defende a divindade
da alma. Cf. Wolfhart Pannenberg, TS2., p. 215.
65

Na Alta Escolástica da Idade Média, aprofundou-se essa questão a partir da


concepção de Tomás de Aquino que promoveu um grande avanço na antropologia
cristã ao entender a alma como forma substancial do corpo. A sua posição foi
ratificada pela Igreja em 1312 no Concílio de Viena, que considerou que a alma
não é somente uma das partes constitutivas do homem, sendo sim o que constitui
o homem enquanto homem na sua realidade corporal32.

Conclusão

Ao falar do corpo e da alma como uma unidade, o autor por nós estudado
defende a realidade de mútuas e estreitas inter-relações entre essas duas
dimensões do ser humano. Esta posição é endossada a partir da visão que a alma
não é uma parte divina no homem e sim algo que faz parte do ser do homem.
Assim ao seguir a linha do conceito de Paulo sobre o Espírito, Pannenberg pôde
enxergar o Espírito de Deus em Gen 2,7 como uma participação do Espírito de
Deus no homem, concebendo que a função da razão como todas as demais
manifestações da vida se remetem à permanente atuação do Espírito divino33. Na
sua visão a ação divina age sobre o ser humano inteiro com o intuito de conduzi-
lo a partir das coisas finitas para o infinito.

3.1.3.
Abertura ao Mundo

Agora aprofundaremos em que consiste a abertura do homem ao mundo,


base da sua condição de destaque e marca da sua superioridade. Esta abertura do
homem no pensamento de Pannenberg permite afirmar que dentre toda a criação,
pode-se exigir do homem coisas que não se pode das outras criaturas, vejamos
quais exigências Pannenberg elenca: Que ele tenha em conta o mundo em sua
totalidade mesmo diante de seu caráter inacabado; que ele desenvolva uma relação
com a origem do universo; que ele alcance o destino para o qual foi criado, de
modo que nele se resuma e consuma o sentido de toda existência finita.

32
O corpo é a adequada expressão da alma. Cf. Wolfhart Pannenberg, TS2., p.213.
33
Ibidem, p. 219.
66

O próprio Pannenberg explica estas questões, dizendo que a primeira se


cumpre no reconhecimento de Deus como o criador do mundo. A segunda e a
terceira estão intimamente ligadas por causa da sua posição frente à criação que
serve de fundamento para sua realização definitiva, que se dá a partir de uma
relação adequada entre a criatura e o criador. Pannenberg fala ainda que Herder
expôs a diferença entre o homem e o animal da mesma forma como vem fazendo
a antropologia atual. Por isso a dinâmica da moderna antropologia leva até a
teologia cristã e o seu pensamento fundamental sobre Deus. Assim ele resumiu
seus resultados:

1. A abertura ao mundo real no homem conota uma relação com Deus, pois o
homem tem a Deus como meta por estar sempre projetado para além do
mundo.
2. A abertura da vida humana não se esgota em seu significado reduzida
apenas à cultura.

A ligação ambiental e vital que caracteriza o animal corresponde, como


vimos acima, no substrato que permite ao homem uma relação que vai além do
mundo natural, além da cultura, gerando uma dependência indigente de Deus e
dando-nos condição de afirmar analogamente com os demais seres que a
dependência que o mundo ambiente gera para o animal, Deus gera para o homem.
Pois assim como os animais são dependentes do ambiente em que vivem,
ambiente que desperta suas necessidades e as satisfazem, o homem em
contrapartida é dependente de Deus, pois não conhece limites para o seu desejar e
necessitar34.

Vinculando a dignidade intrínseca do homem e sua condição em relação às


demais criaturas, já que foi criado segundo a imagem de Deus, como já vimos
anteriormente, ressalta-se que tudo isso visa ao destino para qual ele foi criado,
que tem sua realização definitiva, no encontro do homem com Deus35. Destino
este que, como aprofundaremos mais a frente, foi levado a termo de forma
suprema e insuperável na vida concreta de Jesus de Nazaré, que em sua

34
PANNENBERG, W., EHcP., p. 22.
35
PANNENBERG, W., TS2., p. 203.
67

encarnação, manifestou o destino do homem como indivíduo e como espécie,


afirma Pannenberg.

Nosso autor vai aprofundar ainda mais o sentido religioso da abertura ao


mundo, ao basear-se no relato javista da criação, chega a dizer que a abertura é
algo intrínseco do ser humano. Expressa essa verdade ao qualificar a realidade
total do homem como alma vivente “nephesh haya”, afirmando que a alma não é
somente o princípio vital do corpo, mas consiste no corpo animado, o ser
enquanto tal. Então, ao enxergar o homem por esse prisma, o define como o ser do
desejo, um ser que está eternamente na busca de suprir uma carência interna, que
é fundamento de sua abertura ao mundo. Nessa questão Pannenberg cita Arnold
Gehlen, que deu uma grande contribuição para o seu entendimento ao dizer que o
homem tem uma “obrigação indeterminada”, que o faz ultrapassar qualquer nível
de vida verificada. Sendo essa “obrigação indeterminada” identificada como o
impulso da atitude religiosa, afirmando que ela exprime a tendência infinita do
homem, sua carência que não encontra satisfação dentro dos limites acessíveis36.

A sua abertura absoluta a um objeto desconhecido fora de si, que foi


entendida pela antropologia moderna como abertura ao mundo
(transcendentalidade), pode ser vista também como a religiosidade colocada na
essência do homem em sua criação, porque é essa abertura que está direcionada
para um campo que a atrai, e que alarga continuamente o desejo do homem.
Desejo este que denominamos Deus, pois Ele é o objeto de inquietude e da
infinita indigência humana. Então diante da argumentação que vimos acima
podemos entender porque que a criação do homem segundo a imagem de seu
criador está intimamente ligada ao seu destino em desenvolver uma relação
intensa e comunhão plena com Ele.

Ao receber um destino diferenciado das outras criaturas, o homem também


recebeu uma posição de destaque em relação a elas. Posição que fez dele um ser
diferenciado tanto ontologicamente como em sua estrutura corporal, sendo criado
como um ser relacional, podendo, além de desenvolver relação com o infinito,
desenvolver relação com o finito. Porque ao receber capacidade para desenvolver

36
PANNENBERG, W., EHcP., p. 22.
68

relações em diversos níveis, e interagir com a realidade que o cerca, o homem foi
capacitado para relacionar-se consigo mesmo enquanto pessoa e espécie, e com as
demais criaturas e com Deus, sendo capaz de cumprir a missão que lhe foi dada,
que é representar no mundo o senhorio do próprio Deus.

Queremos, ainda nessa questão, citar a contribuição de Agostinho e outros


pensadores da Igreja mencionados por Pannenberg. Eles descreveram o caminho
percorrido pela razão humana para conhecer a realidade que a circunda
(epistemologia). Essas contribuições nos auxiliam a compreender como se dá a
abertura do homem ao mundo, ajudando-nos a entender que a razão humana por
estar aberta ao conhecer, faz conjecturas (o conhecer especulativo). E esse
fantasiar da razão humana na verdade está fundamentado numa forma superior de
receptividade, que vai além do receber as informações que os sentidos captam37.
Assim tais pensadores entenderam que o fundamento da razão humana está no
infinito que a atrai, em algo além dos dados finitos da consciência, e então é a
atitude especulativa (a vida da fantasia) que unifica a receptividade e a liberdade,
sendo indispensável à atividade da razão. Isso também nos ajuda a compreender a
afirmação que a razão é dependente da atuação do Espírito divino para poder ser a
base da liberdade e subjetividade do homem, ou seja, o fundamento que viabiliza
a diferenciação do eu e do mundo.

Para Pannenberg, só no campo da intersubjetividade e da relativização do eu


e do mundo é que se pode distinguir o corpo da alma, pois somente frente a alma
como o mundo interior da consciência, se acha o corpo38. Esse impulso
promovido pelo Espírito divino promove a diferença entre o sujeito e o objeto,
transcendendo-os e dando por conta disso à consciência humana a condição de
apreender as mais variadas informações e realidades, viabilizando então a
intersubjetividade. Mais uma vez vale mencionar o contraste da condição do
homem em relação à situação dos animais e plantas. Eles não contêm em si esta
abertura, estando reduzidos a reagir da forma prevista pelos seus instintos, estando
vinculados totalmente ao ambiente que os rodeia. O homem devido a sua abertura,
pode ser encarado como um ser religioso, que de posse de sua liberdade relativiza

37
PANNENBERG, W., TS2., p. 221.
38
Ibidem, p. 223.
69

todo o finito, e vai além dele na direção do infinito, realizando assim o seu
destino.
De acordo com nosso autor também não se pode falar da realização deste
destino fora de Jesus Cristo, como aprofundaremos mais a frente, nele toda
intensa relação do homem com Deus é possibilitada e inaugurada pela relação de
filiação. Pois nenhuma outra forma de relação do homem com Deus é capaz de
superá-la, visto que foi a encarnação de Jesus que tornou possível a todo homem
participar da filiação de Deus. Conforme diz o Evangelho: “...deu-lhes a
prerrogativa de se tornarem filhos de Deus (Jo 1,12)”, ou seja, elevando o homem
como espécie acima do mundo natural e introduzindo-o na dinâmica do amor
divino. Dinâmica que, como veremos a frente, conduz o homem a desenvolver o
amor em dois sentidos, o vertical (Deus) e horizontal (espécie e a natureza). Por
isso a dignidade intrínseca do homem está vinculada ao seu destino de estar em
comunhão com Deus. Porque a comunhão com Ele o introduz na dinâmica do
amor “comunidade de amor”, e tirando-o da situação de inimizade em relação a
Deus e da situação de violência do homem como espécie.

Conclusão

Do que vimos acima podemos afirmar que, de acordo com o pensamento de


nosso autor, essa abertura ao mundo que faz parte da essência do homem é o
substrato de sua vida religiosa, consistindo no seu princípio espiritual e religioso e
fazendo então com que ele, através das coisas finitas, chegue até Deus. Podemos
afirmar então que o homem é abertura por essência, ficando diante de qualquer
experiência ou situação ulteriormente aberto para a imagem do mundo e mais
além dela39. Assim a Bíblia fundamenta esta característica ontológica do homem
no fato de sua criação ter-se dado segundo a imagem divina, vinculando-a ao seu
destino de ter comunhão com Deus, ou seja, com o seu Criador. Podemos então
concluir que, quando se ignora a dimensão religiosa do homem, não se consegue
enxergá-lo em sua totalidade40.

39
PANNENBERG, W., EHcP., p. 19.
40
Ibidem, p. 203.
70

3.2.

Pressupostos Teológicos

Na primeira parte vimos em que consiste a realidade humana (pressupostos


antropológicos), e de alguma forma tocamos um pouco de seu significado
teológico. Mas devido à importância de aprofundarmos no significado teológico
das características ontológicas do homem e alguns postulados bíblicos sobre a
realidade humana, dedicaremos esta etapa especificamente à visão teológica do
autor. Inicialmente veremos a sua reinterpretação de Gênesis à luz das afirmações
neotestamentárias, que consideram Jesus Cristo como a verdadeira imagem de
Deus. Deixando irreversivelmente de lado a concepção tradicional, que advoga
um início da história humana em que o homem vivia num estado de perfeição e de
justiça original ou graça original.
Constataremos que Pannenberg chega à conclusão que o homem nunca foi
realmente a imagem divina, mas criado segundo ela, baseando-se na contribuição
de Irineu. Irineu, como já vimos, formulou as seguintes categorias: imagem-cópia
e imagem-modelo. Ao partir desta compreensão ele pôde afirmar que na verdade a
verdadeira imagem de Deus é Jesus Cristo, sendo o homem somente imagem-
cópia deste, ou seja, sendo criado para alcançar este destino que significa
converter-se na imagem-modelo que é Jesus Cristo. Por isso não poderíamos
deixar de aprofundar nesta etapa a compreensão de Pannenberg sobre o fato que a
criação do homem segundo a imagem de Deus está profundamente relacionada
com o seu destino de viver em comunhão com Ele, destino que foi interrompido
por causa do pecado que e tem gerado o fechamento do homem em relação a
Deus. Assim em sua abordagem, o pecado é encarado essencialmente como algo
que gera a alienação do homem em relação ao destino para o qual foi criado,
fazendo com que o homem viva na miséria, por estar distante da intenção original
de Deus quando o criou.
Caminhando para o final deste capítulo, veremos que o nosso autor
considera o homem sempre moldado pela sua história, o que significa que o
homem está sempre em devir, ou seja, é um ser inacabado. Além disso, é na
história individual que a providência divina age atraindo-o para Deus, pois ele não
é capaz de por si só elevar-se e colocar-se de acordo com o seu destino. Deste
71

modo a antropologia teológica entende a realização do destino humano, como


objeto da atuação divina, atuação redentora que está totalmente vinculada à sua
consumação futura, escatológica. Por isso Pannenberg defende que as afirmações
antropológicas fundamentais da antropologia cristã sobre a criação do homem à
imagem divina e sobre o pecado, tomadas em conjunto, constituem o pressuposto
da mensagem de que Deus redime o homem por Jesus Cristo, a qual consiste
como veremos na realização do destino do homem, destino que realiza-se
prolepticamente em Cristo, dentro da história concreta da humanidade, possuindo
então uma relevância universal.

3.2.1.
Releitura do Gênesis, Revendo a Concepção do Estado Original

Para Pannenberg, a doutrina da Imago Dei não pode de forma alguma


ignorar que Cristo é a verdadeira imagem de Deus, imagem em que todos os
homens deverão transforma-se41. Desta forma Jesus de Nazaré deve ser visto
como a realização do destino do homem, como paradigma de relação com Deus
que todos os homens devem seguir. Vale ressaltar que este posicionamento de
nosso teólogo está fortemente calcado na sua compreensão de que a criação do
homem aconteceu segundo a imagem de Deus, visando primeiramente à
comunhão com o Criador como defendeu Irineu, o primeiro pensador cristão a
entender que em Gênesis capítulo um; verso vinte e seis; e também no capítulo
cinco; verso um e capítulo nove; verso seis, não se qualificava o homem como
feito a imagem de Deus, mas segundo a imagem d’Ele.

Por causa desta compreensão, Irineu fez uma distinção categorial,


advogando a realidade de uma imagem de Deus modelo que é Cristo e
classificando a imagem divina presente no homem, como uma imagem baseada
não diretamente na de Deus, mas, na de Cristo. Concluindo então que o homem é
uma imagem-cópia dele, a teologia de Irineu além de fazer uma distinção
categorial entre imagem-modelo e imagem-cópia, fala de uma semelhança em

41
PANNENBERG, W., TS2., p. 241.
72

graus distintos42. Desta forma pôde enxergar em Adão a possibilidade de um certo


grau de semelhança com Deus e também a plenificação dessa semelhança somente
em Cristo, ou seja, maior e total representação do reproduzido43.

Pannenberg aplica o conceito de imagem na representação de Deus pelo


homem entendendo que isso significa que ele foi feito segundo a imagem de
Deus, mas nem sempre em igual medida ele a representa. Foi partindo deste
princípio argumenta que a antropologia cristã pôde conceber no começo da
humanidade uma semelhança do homem imperfeita que está destinada à perfeição.
Ainda mais levando em consideração o efeito do pecado, que desfigurou a sua
imagem, o que corrobora a posição de que a plena representação da imagem de
Deus só se realizou concretamente na encarnação de Jesus Cristo. O pensamento
de Pannenberg ao seguir este raciocínio, deixa muito claro o conceito de devir,
entendendo que a imagem de Deus no homem está em processo44. Ela é plasmada
na história da humanidade, num processo vinculado à manifestação de sua
plenitude no Filho. Acontecimento que transformará os homens da humanidade
inteira na imagem de Cristo, a verdadeira imagem de Deus.

Não é preciso ir mais longe para perceber que as afirmações que vimos
acima chocam-se fortemente com os posicionamentos da dogmática clássica tanto
protestante como católica que, apesar de suas diferenças, são influenciadas
fortemente por Agostinho, mostrando que a complexidade deste tema tem gerado
uma compreensão muito diversificada tanto da imago Dei como do estado de

42
De acordo com Pannenberg em relação à imagem-modelo a afirmação bíblica é um tanto vaga,
por causa do termo “façamos” (primeira pessoa do plural), pois este termo não nos permite
distinguir com total clareza se trata do Criador em pessoa ou unicamente de uma qualidade mais
geral da divindade, cf. Worfhart Pannenberg, TS2., p. 249.
43
Segundo Pannenberg, essa posição de Irineu é muito problemática, primeiramente porque faz
distinção entre imagem e semelhança, de modo que, depois da transgressão, Adão pôde manter a
imagem de Deus mesmo perdendo a semelhança, esta posição não se sustenta devido ao seu
conteúdo e nem exegeticamente. Enquanto o seu conteúdo porque uma imagem que não mantenha
a semelhança com o imaginado não pode ser imagem, ele cita Tomás de Aquino, que distingue em
sua exposição sobre este assunto, uma dupla forma de semelhança. Uma semelhança mais geral
que não só concerne a relação de imagem e outra acrescentada a idéia de imagem, pois a imagem
pode ser mais ou menos semelhante com o representado. Exegeticamente porque o aparecimento
no texto das expressões, imagem e semelhança é um paralelismo (leitura da exegese protestante
desde Lutero). Cf. Worfhart Pannenberg, TS2., p. 249.
44
Este caráter inconcluso da imagem do homem tem sido também ressaltado pelos pensadores do
Renascimento, Pannenberg cita Pico de Mirandola, pensador dessa época que enxergava que a
plena realização da imagem de Deus só é possível em Jesus Cristo. Ele menciona também Johann
Gottfried Herder que, quase três séculos depois, assumiu essa conclusão, limitando a
autodeterminação do homem remetendo-a a atuação da divina providência.
73

justiça original. O contraste, como já foi visto, dá-se pelo fato que a dogmática
clássica protestante, concebe o estado original do homem como um estado de
perfeição que foi completamente abalado pelo pecado.

Desde Lutero, toda a linha majoritária da teologia reformada rechaçou


qualquer distinção entre os termos imagem e semelhança, que em contraste com a
posição católica os entendia como sinônimos. Então identificaram a criação do
homem à imagem de Deus, com a doutrina do estado de graça original de
Agostinho. Nisso seguiam uma tradição que se distanciava cada vez mais da
interpretação que Irineu fazia da afirmação do código sacerdotal em Gênesis 1,26;
como também da afirmação neotestamentária da Carta de Paulo aos Colossenses
3,10, que fala da renovação do crente no conhecimento de Deus, segundo a
imagem de Cristo45. Observemos que os reformadores concebiam a imagem de
Deus no homem, incluindo um estado de justiça original (perfeição), que gerava
comunhão com o Criador. Então segundo o pensamento de Lutero tal estado foi
totalmente perdido por causa do pecado. Calvino, como vimos teve uma postura
um pouco menos radical, ao falar não de uma perda, mas de uma tremenda
deformação causada pelo pecado. Tais posicionamentos tornam necessária para
todos os reformadores uma restauração através de Cristo, que obra a renovação do
ser humano e o restabelecimento da comunhão, ou seja, daquele estado ou relação
original antes da queda.

Na diferença de postura entre Pannenberg e os posicionamentos dos


reformadores podemos perceber a influência da concepção evolutiva do ser
humano, uma influência do pensamento antropológico herderiano. Em sua obra:
Antropologia en Perspectiva Teologica, cita Herder como o ponto de partida da
antropologia moderna, afirmando que ele já no ano de 1772 com seu escrito
premiado intitulado: Der Ursprung der Sprache, distanciou-se da concepção
teológica tradicional de sua época. É importante ressaltarmos que Pannenberg em
sua obra acima tem um tópico somente para falar da diferença entre o pensamento
de Herder e a dogmática tradicional.

45
Worfhart Pannenberg, TS2., p. 243.
74

Com a sua concepção da imago Dei em devir, descarta a viabilidade de se


sustentar a historicidade de um estado original de perfeição antes do pecado.
Porque na sua visão a concepção tradicional era problemática devido ao fato da
impossibilidade de se coadunar com a concepção evolucionista. No entanto não
foi Herder, diz Pannenberg, o primeiro a compreender a natureza do ponto de
vista evolutivo. Antes dele já Marcílio Ficino, que foi o fundador do platonismo
florentino, descartou o estado inicial de perfeição ao interpretar a encarnação
como o cumprimento perfeito do destino religioso do homem. Esse pensamento
teve continuidade pelo seu discípulo Pico de La Mirandola, que afirmava que na
conduta ética de Jesus Cristo a imago Dei alcançou a sua realização perfeita. De
modo que ela viabiliza a humanização do ser humano à medida que acontece sua
assimilação a Deus46.

Conclusão

De acordo com nosso teólogo, a solução desta questão só é possível através


de um retorno à linha de pensamento de Irineu, para entender a superação da
debilidade originária de Adão. De fato a dogmática clássica protestante ficou
abaixo do nível da compreensão teológica alcançada por Irineu. Ao contrário, por
exemplo, de Schleiermacher, que percebendo tal inconveniência, fez um retorno à
compreensão de Irineu, afirmando que a manifestação de Cristo deve ser encarada
como a verdadeira criação consumada da natureza humana47. Cita também outros
teólogos e inclusive um conservador, chamado Franz Volkmeier Reinhard que já
no século XVIII, entendeu como insuficiente uma abordagem teológica que
postula um estado de perfeição original.

Pannenberg mostra assim que a concepção de um estado de justiça original


vem se tornando cada vez mais inaceitável na história. Ainda mais depois que
houve na Teologia Protestante o descobrimento do caráter lendário da narrativa
javista da criação e da queda de Adão, sendo que tais afirmações foram se

46
Worfhart Pannenberg, APT., p. 62.
47
Worfhart Pannenberg, TS2., p. 244.
75

dissolvendo desde o século XVIII, no contexto da Teologia Bíblica, fato que


tornou ainda mais aceitável a descrição da Imago Dei não como perfeição
original, mas, como um destino a se realizar48. Dessa forma, Pannenberg afirma
que à luz de uma verificação bíblico-teológica é dificílimo sustentar as idéias
dogmáticas tradicionais sobre uma perfeição original de Adão antes da queda.

3.2.2.

O Ser Imagem de Deus Como Destino do Homem

Ao vermos que a afirmação de um estado de perfeição original é para


Pannenberg insustentável, faz-se necessário que entendamos porque a perfeição
deve ser vista como destino. Buscando então aprofundar o conteúdo deste destino,
logo de início devemos reafirmar que o destino do homem está estreitamente
vinculado à sua criação. Esta criação se funda numa dotação original para uma
comunhão com Deus. Partindo deste fundamento teológico, Pannenberg afirma
que tanto as características ontológicas como a personalidade e as características
corporais do homem concreto se fundamentam nesse destino49. Destino que a seu
ver não está explícito nos escritos veterotestamentários, pelo fato deles não
aprofundarem nada além da condição de domínio dos homens diante das demais
criaturas.
Então ele observa que é preciso que se conceba a imago Dei como destino
vinculado à encarnação de Cristo, e Ele sendo visto como a verdadeira imagem de
Deus. Assim é dada a Jesus uma função maior do que somente retirar da
humanidade o castigo do pecado, porque ao se enxergar Jesus Cristo como a
verdadeira imagem de Deus, condiciona-se todo o gênero humano a ter que
renovar a sua relação com Deus a partir d´Ele. Pannenberg acrescenta que a imago
Dei deve ser pensada em parte como dom original e em parte como destino. Pois a
dissolução da doutrina do estado original fez com que se encare o homem como

48
Worfhart Pannenberg, APT., p. 66.
49
Worfhart Pannenberg, TS2., p. 232.
76

embuído de um dinamismo que não é ainda a sua semelhança atual com Deus,
mas é sua possibilidade.
Esta compreensão tem a vantagem de conduzir ao aprofundamento do
significado e da intuição da afirmação do relato sacerdotal, e também do sentido
das afirmações neotestametárias, que classificam Jesus Cristo como a verdadeira
imagem de Deus, em consonância com as palavras do apóstolo Paulo (I Co 15,44-
49). Porque a abordagem bíblica panorâmica, clarifica a mensagem de Jesus
Cristo no Novo Testamento e vincula a manifestação do Filho de Deus na carne
para vencer o pecado e a morte. Possibilitando a compreensão da manifestação de
Cristo como a realização em si mesmo do destino do homem, que é desfrutar da
comunhão com Deus, a partir da condição de filiação trazida por Jesus.
Pannenberg cita que também Tomás de Aquino relaciona a imagem de Deus
no homem com seu destino, pois em sua compreensão o motivo para o qual ele foi
criado é a comunhão com Deus, ao afirmar que a imagem de Deus no estado
original de Adão deve ser entendida como realização inicial desta imagem que
seria plenamente realizada em Cristo50. Assim mediante o que vimos sobre a
argumentação de Pannenberg e de suas citações até aqui, podemos inferir que o
destino do homem a ser imagem de Deus foi assumido por Jesus em sua
encarnação. Isso porque nela tal destino é levado a termo, através do ser criado
como distinto de Deus que entra em comunhão com Ele51.
Para Pannenberg, de fato o código sacerdotal deixou em aberto no que
consiste a semelhança que vincula a imagem-modelo à imagem-cópia, fazendo-se
necessário vincular o destino do homem com sua criação à imagem de Deus, para
tornar possível o aprofundamento do sentido desta criação. Assim se evita a sua
redução do destino humano na incumbência de dominar a terra, o que para ele é
uma leitura superficial de Gênesis. Então afirmando antes de tudo que a
comunhão com Deus é a razão da criação a sua imagem, rompe as barreiras
impostas pelo código sacerdotal, que condicionou a comunhão de Deus com o
homem à aliança feita com Abraão destinada somente para sua descendência52.
Então nosso autor defende que um discurso sobre o homem à imagem de
Deus deve basear-se na semelhança da essência eterna de Deus. Para isso ele

50
Ibidem, p. 252.
51
Ibidem, p. 266.
52
Ibidem, p. 252.
77

baseia sua argumentação na literatura sapiencial de Israel, visto que ela


aprofundou o sentido da imagem de Deus no homem, determinando-a como
participação em sua glória e em sua incorruptibilidade. Porque ser imagem de
Deus para a literatura sapiencial significa a participação na sabedoria e na justiça
divina e também a comunhão com sua essência imperecível.
Assim, se por um lado a interpretação judia relacionava as afirmações acima
ao estado de magnificência da Adão antes do pecado e da morte no mundo, por
outro lado, o apóstolo Paulo encara as afirmações acima como a manifestação da
imagem de Deus que aconteceu somente em Cristo, porque a partir de sua
ressurreição Jesus Cristo inaugurou a realidade da vida nova imperecível.

Conclusão

Diante do que vimos podemos afirmar que no pensamento de nosso teólogo


o homem no primeiro momento de sua história não era ainda a imagem original de
Deus, pois tal imagem estava antes do pecado vinculada à manifestação do Filho,
que aconteceria dentro da história concreta humana. Por isso a imagem do
segundo Adão é a imagem do Criador da qual todos os crentes serão revestidos,
renovados pela força do Espírito53. Em Paulo a comunhão com Deus apresentada
pela literatura sapiencial no sentido mais profundo do homem como imagem e
semelhança de Deus se reinterpreta escatologicamente como destino definitivo do
homem, manifestado já em Jesus Cristo.
Essas afirmações neotestamentárias segundo Pannenberg têm orientado
desde o início a compreensão cristã da semelhança, como também a reformada e
pós-reformada do homem como imagem de Deus. Mas elas estão fundamentadas
na esperança escatológica da ressurreição de Jesus Cristo, de modo que
desvinculando-as do contexto escatológico-cristológico, só se pode falar da
condição de uma justiça original de Adão ou de uma graça original suplementária
que não condiz com a profundidade das afirmações vétero e neo-testamentárias.

3.2.3.

53
Ibidem, p. 253.
78

A Miséria Decorrente do Pecado

De acordo com Pannenberg, ao falarmos sobre a dignidade do homem não


podemos ignorar a sua realidade existencial de miséria, que consiste antes de tudo
na alienação do homem em relação ao seu destino. Para nosso autor, o discurso
sobre a miséria descreve profundamente a situação de perdição em que se
encontra o homem, realidade resultante do distanciamento (alienação) de sua
relação com Deus. Em sua doutrina do pecado, a teologia trata a desobediência de
Adão como a origem desta situação de distanciamento do homem. Assim
pressupõe sempre a idéia do destino do homem à comunhão com Deus,
desenvolvida pela teologia cristã em conexão com a afirmação bíblica sobre a
criação do homem como Imago Dei54.
No entanto, Pannenberg critica a clássica doutrina do pecado, afirmando que
ela enfatizou mais a postura incorreta do homem do que a sua conseqüência55.
Então devido ao fato de se enfatizar mais o erro do que o seu efeito negativo sobre
o destino do homem, nosso autor aponta que a explicitação do conteúdo bíblico da
mensagem cristã ficou prejudicada. Para fazer esta crítica se apóia na afirmação
de Agostinho, que diz que muitos são miseráveis pelo simples fato de orientar
seus esforços para algo que não é verdadeiramente digno de amor, ignorando
assim o seu verdadeiro destino, vivendo por conta disso uma vida vazia e carente
de sentido56.
Na realidade quando o homem está alienado de Deus experimenta a pior
miséria que é a separação d’Ele, encontrando-se por causa dessa alienação
excluído da própria identidade. Ao colocar a miséria do homem estreitamente
relacionada à condição de alienação do destino para o qual foi criado, nosso autor
enfatiza que o destino de ter comunhão com Deus, mostra que a miséria fere
diretamente imagem de Deus com a qual foi criado e o seu lugar dentro de toda a
criação. Por isso, ao lado do conceito de miséria, Pannenberg coloca o conceito de
alienação, porque à medida que o homem se distancia de seu criador, se vê cada

54
Ibidem, p. 208.
55
Ibidem, p. 207.
56
Ibidem, p. 206.
79

vez mais privado das benesses de sua posição de destaque, estando privado de sua
própria identidade57.
Nosso teólogo faz uma vinculação entre os termos “Miséria e Alienação”,
que o comentário feito pelo tradutor do texto de sua Teologia Sistemática nos
ajuda a entender. Conforme diz o tradutor58, o termo alemão que designa miséria é
“eland”, que denota etimologicamente a idéia de alienação, como um estrangeiro
em terra estranha, alheia. Em português podemos chegar etimologicamente à
mesma conclusão, pois conforme o Novo Dicionário Aurélio59, a palavra
alienação é a junção dos termos alie = alheio e nação = terra, derivado do termo
“Alienatione” proveniente do vernáculo latino. Teologicamente o termo pecado
recebeu a conceituação de miséria, resumindo-se no isolamento e na autonomia do
homem em relação a Deus, em conexão com as conseqüências que dela derivam.
Devemos por isso, ao falar do pecado, associá-lo à abertura do homem, pois
ao fechar-se em si mesmo, ele reprime esta característica de sua essência, de
forma que em sua tendência pessoal a auto-referência, corre o risco de fechar-se
dentro de suas vontades e pensamentos ficando cego para o seu verdadeiro
destino60. Vale lembrar aqui que Pannenberg em sua teologia caracteriza o
conceito de pessoa no ato dar-se a si mesmo para o outro, enfatizando a idéia de
dependência mútua e a condição do homem de insaciabilidade. Porque essa sede
que o faz sair de si, indo através do mundo buscar a Deus, coexiste com uma
infinita necessidade de lançar-se nessa busca contínua e seguir acoplado numa
engrenagem de uma realidade externa mensurável e participável.

Esta questão traz à tona uma tensão que existe no interior do homem, que
por vezes faz com que sua marcha para Deus seja interrompida devido à forte
autonomia do eu, fazendo-se necessário que cada indivíduo em sua história
concreta encontre o equilíbrio entre a auto-referência e a atitude de sair de si, na
busca de saciar a sua sede de Deus. É preciso que assinalemos aqui dois perigos
que o homem corre na sua abertura: o primeiro é que nem sempre o indivíduo, ao
sair de si com o intuito de saciar sua sede intrínseca de Deus, consegue

57
Ibidem, p. 207.
58
Juan A. Martinez Camino.
59
FERREIRA, A. B.H., Novo Dicionário Aurélio. Edição revista e ampliada, Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 2ª. Edição, 32ª. Impressão, 1986, p. 86.
60
Worfhart Pannenberg, EHcP., p. 86.
80

conscientizar-se e tematizar o fato de que a sua busca deva ser por Deus. Muitas
vezes neste afã de saciar sua sede ele coloca outros objetivos no lugar de Deus, e
acaba distraindo-se com eles. O segundo perigo é que uma auto-referência
demasiada resulta na auto-redução. Essa atitude que corresponde à essência do
pecado, pois gera a desordem dos apetites, pois o homem não pode auto saciar-se
em si mesmo, não pode vivenciar eternamente o conflito que se dá entre o eu
egocêntrico e o eu lançado para fora dos próprios horizontes, porque isto resulta
no fechamento a tudo e inclusive para Deus. Isto porque somente a providência
divina pode viabilizar ao homem a harmonia do eu com o outro61. Além disso,
esta auto-redução a si mesmo que o homem perpetua e que consiste na essência do
pecado, o conduz à alienação de seu destino e a uma realidade aquém de sua
ontológica condição.

Então vale ressaltar que a teologia cristã, ao partir principalmente da


sublime concepção de Agostinho, considerou sempre que o verdadeiro núcleo do
pecado estava na auto-referência do eu que se reduz a si mesmo, consistindo em
possuir as coisas62. O que é pecaminoso, entretanto, não é a auto-referência em si
mesma, mas essa postura que conduz o homem ao fechamento do eu contra outros
homens, contra Deus e assim contra o seu próprio destino. A confissão de
Augsburgo resume a duas as características do pecado e nos ajuda a aprofundar
essa questão: 1) a falta de fé pela qual se nega a Deus a fé devida e a agradecida
confiança; 2) e o apetite desordenado pelo qual o homem se faz escravo das coisas
que deseja, pois o amor do homem a si mesmo o impede de relacionar-se com os
demais homens. Pannenberg também cita a conclusão de Kierkegaard, que afirma
que o pecado não corrompe somente a genuína relação do homem com Deus, mas
tal corrupção atinge ainda a sua relação com o mundo, com os demais homens e
também consigo mesmo63, pois quando o homem não vive com a confiança em
Deus, aparece-lhe o medo integral da própria sorte, diz ele64.

Por fim, é relevante mais uma vez fazermos uma comparação entre a
condição existencial dos homens e dos animais. No caso dos animais, quando eles

61
Ibidem, p. 92.
62
Ibidem, p. 93.
63
Ibidem, p. 94.
64
Ibidem, p. 95.
81

se fecham em si mesmos não significa que eles estejam pecando, devido ao fato
de que o egocentrismo não faz os animais se distanciarem ou ficarem abaixo de
seu próprio destino. Mas por sua vez o fechamento do homem em si mesmo se
configura pecado, porque só nele se dá o caso de que a referência de tudo a si
mesmo está em contradição com a sua própria definição da vida que deveria levar
e da realidade que deveria ser65.

Conclusão

Diante dessas últimas palavras podemos afirmar que para o nosso autor as
afirmações antropológicas fundamentais da teologia cristã sobre a criação do
homem à imagem de Deus e sobre o pecado, tomadas em conjunto, constituem o
pressuposto da mensagem bíblica que fala da remissão do homem operada por
Deus em Jesus Cristo. Isso porque o pecado constitui a raiz da miséria do homem,
da sua alienação de Deus e de si mesmo, de modo que só se pode falar de
redenção na perspectiva de um acontecimento que proporciona liberdade ao
redimido66. Para isso o Novo Testamento descreve como alienação a situação dos
pagãos enquanto estão excluídos da vida de Deus, porque não conhecem o Deus
verdadeiro e têm endurecido os seus corações. A análise de Agostinho que foi
citada por Pannenberg, ajudou-nos a explicitar esta questão ao afirmar que o
homem é ainda mais miserável por não ter consciência alguma de sua miséria,
mais ainda que por experimentar a enfermidade, a desgraça e a angústia de morte,
já que a abundância dos bens deste mundo não garantem o bem-estar e a
felicidade, visto que eles não preenchem a vida com um sentido.

Também a patrística cristã, diz Pannenberg, referia-se ao conceito de


alienação na relação do homem com Deus, como um ser alienado de sua
identidade67. Dessa forma fica clara a razão da ênfase que Pannenberg dá ao
destino do homem ao abordar o conceito de pecado. Porque nada pode retirar a

65
Ibidem, p. 96.
66
Worfhart Pannenberg, TS2., p. 208.
67
Ibidem, p. 207.
82

dignidade que corresponde ao homem concreto e retirá-lo da comunhão com


Deus. Nenhuma circunstância externa que lhe sobrevenha, opressão, calamidade
ou maus tratos, só ele mesmo pode sacrificar essa imagem, essa dignidade ao
alienar-se de seu destino, o que acontece justamente através do pecado. Ao pecar,
o homem encontra-se desrespeitando sua condição e levando uma vida contrária
ao seu destino divino. Por isso, ao se comportar indignamente deprava sua
imagem divina, o que para Pannenberg faz com que a sua dignidade e o seu
destino se convertam em juízo contra a sua própria conduta. Com as afirmações
que vimos acima, podemos concluir que Pannenberg endossa a sua posição de que
o pecado é a raiz da verdadeira miséria do homem, como disse Agostinho. Ele é o
causador de sua alienação em relação ao destino para o qual homem foi criado,
que está proposto já desde a sua criação nas suas características ontológicas.

3.2.4.
O Homem Como História

Outro pressuposto teológico da antropologia de nosso autor é a sua


concepção histórica da experiência humana, e do processo de humanização. Pois
em seu ponto de vista a imagem de Deus no homem se constrói no processo de
sua história individual, o que para ele está conectado à concepção de destino do
homem. Tal conexão resulta da idéia de que o destino do homem tenha a ver com
seu futuro definitivo, com o fim e objetivo de sua criação, visto que a condição de
imagem de Deus como já vimos refere-se em parte, à dotação original do homem
enquanto criatura e, em parte, às possibilidades às quais ele está aberto.

Ao sentenciarmos que a imagem divina no homem é em parte dom e em


parte possibilidade, podemos dizer que ele nunca pode ser encarado como um ser
acabado, ou seja, totalmente formado. Isso porque, devido a sua condição
ontológica, está aberto a uma gama de possibilidades podendo a todo momento,
lançar mão de sua capacidade de fazer diversas experiências com o contexto que o
cerca. Pode reagir positivamente às diversas situações que lhe apareçam na vida,
fazendo sua trajetória existencial através das coisas finitas com o auxílio da
providência divina, exercendo desta forma a sua liberdade para aproximar-se ou
83

distanciar-se cada vez mais do seu criador. Ao tocar nesta questão Pannenberg
fala sobre a história das religiões, que são um instrumento na análise das tradições
religiosas. Procura ver se elas cumprem ou não o papel de humanização do ser
humano, o que significa, em outras palavras se o aproximam de Deus e do outro.

No entanto o fato de que na história do pensamento cristão entendeu-se que


a imagem de Deus já estava plenamente realizada no estado original de Adão
obscureceu a compreensão da imagem divina como destino final do homem que
aconteceria no processo de sua história individual68. Porque ao se vincular a idéia
do destino do homem com sua criação à imagem de Deus, afirmou-se que o
destino do homem não se refere unicamente ao seu domínio sobre o resto da
criação, sendo antes de tudo o destino de desfrutar da comunhão com Deus.
Citando Karl Barth em sua Kirchliche Dogmatik III/2, Pannenberg fala que se o
destino do homem vem dado em sua criação à imagem de Deus, também a
descrição de tal destino há de ter em conta as implicações da relação icônica do
homem com Deus. Assim o homem se acha destinado, por sua origem como
criatura de Deus, à comunhão com Ele e à vida com Ele. Então, para Pannenberg,
o sentido da semelhança com Deus é a comunhão com Ele porque a comunhão
com Deus antecede as mútuas relações dos homens entre si e constitui o seu
fundamento ontológico69.

Conclusão

A disposição do homem para seu destino à comunhão com Deus não


depende em sua realização só dele, pois na sua trajetória para seu destino o
homem não é todavia sujeito acabado. Ele é por definição um ser histórico que na
concreticidade da vida e através dos acontecimentos externos plasma a sua
história pessoal70. Herder, considerado por Pannenberg como o ponto de partida

68
Ibidem, p. 236.
69
Pois só na relação com Deus, e a partir do futuro escatológico de seu destino, que se acha uma
base firme e consistente de uma autodeterminação moral do homem, sua autonomia. Cf. Wolfhart
Pannenberg, TS2, p. 259.
70
Worfhart Pannenberg, EHcP., p. 194.
84

da antropologia moderna, disse em aparente analogia com Gehlen que


propriamente não somos ainda humanos, de forma que chegamos a sê-lo dia a dia.
Essa afirmação é uma concepção próxima da idéia iluminista do auto-
aperfeiçoamento, que pode ser vista também em Rousseau, Leibniz e sua escola71.
Mas, como vimos, pode ser também endossada teologicamente a partir da ação do
Espírito divino que age formando no homem a imagem de Deus, revelada em
Cristo, ou seja, revestindo-o da imagem de Jesus.

3.2.5.

Cristo, a Realização Proléptica do Futuro do Homem

O pressuposto teológico de Pannenberg de Cristo, como a realização


proléptica do futuro do homem é de fundamental importância para a compreensão
de seu pensamento antropológico. Neste momento somente introduziremos esse
tema, o aprofundaremos na segunda parte do próximo capítulo em que falaremos
mais sobre Jesus Cristo como o homem genuíno. Ao tratar da questão do homem
como imagem de Deus, Pannenberg parte do pressuposto de que na pessoa de
Jesus Cristo encontra-se o verdadeiro humano encarnado e tornado possibilidade
para todos os homens72. Para ele, Jesus é o autêntico homem que traz em si o
modelo de relação com Deus, que todo o gênero humano deve seguir, porque a
partir das afirmações bíblicas, concluímos que o destino do homem é a comunhão
com Deus. E pode-se afirmar que na encarnação do Filho eterno na figura de
homem, a relação da criatura com o criador acha no homem sua suprema
realização73. Realização de plena comunhão com Deus, que tira o homem da
alienação de seu destino e que o ajuda a vencer as conseqüências, o pecado e a
morte.

Então a participação na imagem de Deus manifestada em Jesus Cristo, se


atribui só aos crentes, pois eles são chamados a participar dela pelo Espírito,

71
Worfhart Pannenberg, APT., p. 54.
72
Fundamentação Cristológica de uma Antropologia Cristã 1973/6, p. 733.
73
Worfhart Pannenberg, TS2., p. 203.
85

conforme a primeira carta de Paulo aos coríntios; capítulo quinze; verso quarenta
e cinco, visto que em Jesus é inaugurado o Reino de Deus, reino em que todos os
homens são convidados a entrar pelo próprio Deus, ao participarem da
comunidade do amor. Por causa do tamanho de sua magnitude, Pannenberg
afirma que a encarnação de Jesus tem uma relevância antropológica universal74.
No entanto nosso autor ainda ressalta que essa questão não se acha totalmente
desenvolvida nas afirmações neotestamentárias. E quando se tenta tematizá-la,s
surge inevitavelmente a tensão devido à afirmação do relato sacerdotal, que diz
que Adão foi criado a imagem e semelhança de Deus.

E as afirmações neotestamentárias que classificam Jesus Cristo como a


verdadeira imagem e a expressão exata de Deus, afirmam ainda que essa imagem
é comunicada por Ele a todos os homens pelo Espírito, levando a termo o
processo que foi iniciado na criação relatado em Gênesis 1,2675. Por conta disso,
no pensamento de Pannenberg a teologia cristã precisa ler a afirmação do relato
sacerdotal tendo em consideração as palavras paulinas e pós-paulinas do Novo
Testamento, vendo que elas qualificam Jesus Cristo como a verdadeira imagem de
Deus (II Co 4.4; Col 1.15; Hb 1.3), e falam da reprodução dessa imagem pelo
crente (Rm 8.29; 1 Co 15.49; 2 Co 3.18)76.

Conclusão

Então o abandono da doutrina do estado original revelou também na era


moderna a fecundidade da concepção cristã do homem como história. Seu ponto
inicial como abertura para uma determinação ainda incompleta, mostra que o
homem realmente deve ser entendido como história77. Uma história que aponta
para a salvação manifestada em Cristo, que determina que a imago Dei em sua

74
A constitutiva abertura da vida consciente do homem à infinitude do Espírito e sua atuação não
se opõe ao fato de que os homens se achem em sua vida submetidos a diversas limitações,
inclusive que possam sucumbir diante desta ou daquela forma de persistente limitação, chegando
ao encerramento em si mesmo Cf. Wolfhart Pannenberg, TS2, p. 249.
75
Ibidem, p. 225.
76
Ibidem, p. 224.
77
CONCILIUM, p. 736.
86

situação inicial deva ser vista como abertura para aquela determinação futura que
foi plenamente revelada em Cristo. Porque mesmo que os textos acima não
tematizem explicitamente a relevância da história de Jesus Cristo para
compreensão do homem enquanto tal ainda, assim eles lançam as bases para o
discurso sobre o homem escatológico, o segundo homem manifestado em Jesus
Cristo.
4

A Imago Dei na Antropologia de Pannenberg

Agora, chegamos à etapa final de nossa pesquisa. A partir do que foi visto
até aqui, aprofundaremos a compreensão de Pannenberg sobre a doutrina da
imago Dei. Veremos que para ele não se pode abordar a criação desconectada da
existência de Jesus, ou seja, a doutrina da criação não pode prescindir da
cristologia. Desta forma é preciso levar em consideração as afirmações
veterotestamentárias à luz das neotestamentárias, o que faz com que na
antropologia teológica pannenberguiana, a figura de Jesus tem uma importância
capital. Conforme o testemunho do Novo Testamento, Ele é o Filho eterno do Pai,
que veio ao mundo com a missão de transmitir sua condição de filiação aos
demais homens.

Em Jesus o Logos preexistente implícito e escondido em sua humanidade


revela a salvação divina, de modo que os testemunhos neotestamentários o
classificam como a verdadeira imago Dei, a imagem divina modelo, em que todos
os homens deverão ser transformados pela ação do Espírito divino. Compreensão
que já foi explicitada no início da história cristã pelo grande Padre Apostólico
Irineu de Lião, que criou as categorias imagem modelo e cópia. As palavras ditas
acima iluminam um pouco a postura de Pannenberg ao entender o sentido
salvífico da vinda e da encarnação de Jesus sob um prisma escatológico. Como a
realização antecipada do destino e do futuro do homem, essa postura se baseia no
fato que todo o Novo Testamento fala veementemente sobre o sentido salvífico da
encarnação de Jesus vinculado a sua filiação. A salvação é tematizada em Jo 1, 12
com as seguintes palavras: “... aos que o receberam deu-lhes o direito de se
tornarem filhos de Deus...1”. Porque através da total abertura de Jesus (o Filho) a
Deus (o Pai) e ao mundo, realiza-se o destino para o qual o homem foi criado que
consiste na comunhão com seu criador.

1
Novo Testamento Almeida Século 21. São Paulo: Vida Nova, Evangelho segundo João 1, 12.
88

Conseqüentemente começamos intencionalmente esta introdução, falando


primeiramente do conteúdo da segunda parte deste capítulo e mostrando que de
modo algum, no pensamento de nosso teólogo podemos falar da Imago Dei no
homem Adão isoladamente, sem relacioná-la com a existência do Filho
preexistente que se manifestou na história através vinda de Jesus. Porque já vimos
anteriormente que o destino do homem criado segundo a imagem de Deus só se
mostra com total clareza na vida e na mensagem do Cristo, pois a salvação
proporcionada pelo Pai está ligada à manifestação do Filho na carne, para vencer
o pecado e a morte. E tal manifestação também está vinculada com a questão do
sentido e do destino da vida humana, que é a comunhão com Deus2.

Tal destino foi plenamente vivido e realizado prolepticamente por Jesus, já


que foi o único homem que viveu plenamente a realidade para a qual todo homem
foi criado, a comunhão com Deus. Veremos ainda neste capítulo mais uma
característica interessante da teologia de nosso autor, que é a ênfase de que essa
comunhão insuperável vivida por Jesus, só é possível a partir de sua condição
filial, a condição filial que não significa a anulação pessoal de Jesus, mas que se
dá principalmente através da preservação de sua auto-diferenciação em relação ao
Pai. Assim, podemos dizer que por meio da auto-diferenciação vivida
concretamente por Jesus, a relação do ser humano com Deus se realiza bem como
o destino último de sua criação.

Resta-nos ainda falar do que será abordado na primeira parte da etapa final
deste estudo. Começaremos aprofundando o significado teológico das
características ontológicas do homem, características que o diferenciam do
restante das criaturas e o colocam numa posição de destaque, fazendo com que ele
seja visto como a coroa da criação. Em seguida abordaremos o motivo dessas
características ontológicas, que lhe fornecem a comunhão com Deus e que são
concebidas por Pannenberg como a essência de sua imagem divina. E por último
entenderemos a classificação de Adão como imagem-cópia, que foi criado não
para permanecer no seu estado inicial, mas para ser moldado conforme a imagem
de Jesus Cristo, que é a perfeita expressão do ser de Deus.

2
PANNENBERG, W., TS2., p. 233.
89

Neste último capítulo faremos várias inter-relações com as afirmações


anteriores, de modo que possamos aprofundar melhor na antropologia teológica
de nosso teólogo e compreender suas afirmações bíblicas e teológicas sobre a
criação do homem segundo a imagem divina.

4.1.

A Imago Dei em Adão

4.1.1.

Homem, Uma Criatura Diferente

Ao olharmos para toda criação de Deus, podemos facilmente enxergar que


há nela um ser que se distancia grandemente dos demais, um ser ímpar devido as
suas peculiaridades que são: sua estrutura biológica, sua complexidade, suas
capacidades diversas e sua liberdade em interagir com o mundo que o cerca. Este
ser é o homem, que segundo o relato bíblico, é a única criatura que foi criada por
Deus segundo a sua própria semelhança. Como vimos no capítulo anterior, muitas
culturas antigas, senão todas, reconhecem no homem tal dignidade. Cícero, já
antes da era cristã, mesmo que tenha enfatizado somente a razão humana,
enxergou no homem essa posição de destaque. Ao focalizar somente na razão,
Cícero não alcançou a magnitude da dignidade do homem na mesma
profundidade alcançada pelo relato sacerdotal, que falou ousadamente que o
homem é semelhante a Deus. Assim pelo fato de afirmar que a criação do homem
aconteceu mediante este fator decisivo, concedeu um valor eterno da dignidade
humana.

Ao dar um significado inédito à dignidade do homem, o relato sacerdotal se


distancia da compreensão das demais culturas, ao defender a partir da dignidade
peculiar do homem a inviolabilidade da vida humana como retrata o texto bíblico
de Gênesis (9,6). Vejamos agora em que consiste essa inviolabilidade peculiar do
90

homem, levando em consideração juntamente com o relato sacerdotal as


afirmações neotestamentárias. A primeira observação que podemos fazer é que
Pannenberg ao considerar essa dignidade sempre estreitamente ligada ao destino,
a saber a sua comunhão com Deus, aprofunda o seu significado através da
reconciliação entre o homem e Deus feita em e por Cristo3.

Pois em Cristo se torna evidente a magnitude da dignidade com que o


homem foi criado, que o torna alvo do incondicional amor divino, fazendo com
que o próprio Deus tome a iniciativa de ir ao encontro do homem, ou seja, por
causa dessa dignidade, Deus ama o homem mesmo antes de ser por ele amado.
Deus toma a iniciativa de amar cada pessoa, interpelando cada indivíduo que na
sua história individual distancia-se dele. O amor incondicional divino fica
explicito nas parábolas do bom pastor que vai atrás da ovelha perdida, da mulher
que procura por toda casa a dracma perdida e também do pai que recebe com
amor e alegria o filho que o abandonou. Dessa forma podemos dizer que a fé
cristã aprofundou ainda mais a dignidade que o relato sacerdotal deu ao homem.
Por isso, Pannenberg é capaz de afirmar que a mais profunda compreensão da
dignidade do homem é a cristã, e que os textos vétero e neotestamentários dão ao
homem uma dignidade e valor eterno4.

Pannenberg observa que podemos encontrar as raízes dessa compreensão


cristã do valor eterno da dignidade humana no humanismo judeu e na religião
judaica. Pois essa idéia se desenvolveu no período posterior ao desterro, quando
ocorreu na mentalidade do povo israelita a eliminação do sentido de participação
na vida comunitária. De fato, a crença religiosa judaica ensinava que um
indivíduo estava passivamente sujeito a culpabilização pelos erros cometidos por
terceiros5. No entanto a atitude do profeta Ezequiel ao falar que Deus não culparia
um pelo erro do outro, e sim cada um por seu próprio erro, provocou não só a
ruína da crença no vínculo entre o indivíduo e a comunidade, mas também uma
reação da fé judaica, que por causa do seu arraigado senso da justiça divina,

3
PANNENBERG. Wolfhart, El Destino Del Hombre. Salamanca, Ediciones Sigueme, 1981, p. 12.
4
Ibidem, p. 13.
5
Tem-se uma versão atual deste pensamento na teologia protestante de viés reformado, que é o
postulado da solidariedade da raça. Visão em que o indivíduo está espiritualmente ligado ao grupo,
de forma que Adão é visto como o representante de toda a humanidade. E no seu ato pecaminoso
toda a humanidade se fazia participante.
91

afirmou que a retribuição dos atos humanos se daria numa vida ulterior,
consistindo este fato o início da crença na ressurreição dos mortos, que portava o
único objetivo de proporcionar um acerto de contas do indivíduo com Deus6.
Assim, por causa de seu objetivo único de acerto de contas, a ressurreição chegou
a ter tamanha importância para o indivíduo a ponto de ocupar o centro de sua
vida.

Os primitivos teólogos por causa da aceitação da magnificência de Adão, ou


seja, de um estado de perfeição original, entenderam que a imortalidade e a
incorruptibilidade consistem somente num aspecto parcial do destino do homem
para comunhão com Deus. E assim desvalorizaram o aspecto eterno da dignidade
humana, desvinculando o destino do homem da manifestação do Filho eterno. No
entanto, ressalta Pannenberg que se o destino do homem vem dado em sua criação
à imagem de Deus, a sua descrição deve também ter em conta as implicações da
sua relação icônica com Deus. Seguindo este raciocínio o destino futuro realizado
na vida de Jesus ilumina o seu estado presente e auxilia a compreensão de sua
personalidade, pois tal destino de Jesus constitui o modo em que o destino futuro
do homem se manifesta atualmente.

Conclusão

Ainda uma observação de Pannenberg: no platonismo a alma não se


identifica com a vida concreta do indivíduo e assim a encarnação não dá à alma
humana nem importância, nem valorização eterna. Em contrapartida, a fé cristã
fala de um Deus que ama ao indivíduo independentemente de seus atos e através
dessa afirmação enfatiza a radicalidade do amor divino, que é explicitamente
expressa na morte de Jesus na cruz. De modo que podemos afirmar que o amor
que Deus tem pelo homem, também o diferencia do restante da criação.

Pois ao relacionarmos o incondicional amor de Deus que continuamente


interpela o homem, entendemos que as características ontológicas do homem

6
PANNENBERG, W., El Hombre como Problema, p. 1.
92

dadas pelo seu próprio Criador, além de lhe proporcionarem uma dignidade
eterna, também consistem em lhe propiciar a condição necessária para responder à
interpelação divina. Deste modo o homem se diferencia da criação em vários
aspectos e por causa disso deve assumir um múnus com relação à criação.

4.1.2.

Adão, a Imago Dei Cópia

Como vimos anteriormente, a verdadeira imagem de Deus se realiza em


Cristo que é o modelo. Essa posição de Pannenberg está em consonância com o
pensamento da vertente oriental do cristianismo, que enfatiza que em Jesus Cristo
acontece a divinização do homem7. Essa conclusão está em parte baseada na
reflexão que Irineu deu ao tema da imago Dei. Pois ao conciliar o testemunho
bíblico, ele entendeu que nos relatos de Gênesis (1.26; 5,1 e 9,1) o homem não é
qualificado já como a imagem de Deus, mas foi criado segundo ela. Essa
valorização dada aos termos “segundo a imagem” e a distinção que faz entre os
termos imagem e semelhança permitiu a Irineu falar dois tipos de imagem: a
imagem-cópia e a imagem-modelo. Entretanto a posição de Irineu de uma
distinção categorial entre os termos imagem e semelhança é rechaçada pelo nosso
autor, pois ele, assim como os reformadores e a exegese protestante, entende
como sinônimas as expressões imagem e semelhança.
No entanto Pannenberg lança mão da conclusão de Irineu sobre a existência
de dois tipos de imagem, refletindo sobre como se relaciona a imagem-cópia
humana com a imagem-modelo divina. Ao entender que para se responder
adequadamente a essa questão é preciso tecer algumas considerações sobre a
realidade da imagem, faz duas observações: a primeira é que ela tem a função de
representar o modelo, a segunda é que para representá-lo precisa assemelhar-se ao
reproduzido8. De forma que afirma que quanto maior a semelhança com o
modelo, mais clara é a imagem, e mais intensa a presença do modelo nela.

7
MIRANDA, M. F., Op. Cit., p. 21.
8
PANNENBERG, W., TS2., p. 249.
93

Aplicando esse raciocínio à leitura dos relatos bíblicos, e também sob a


influência concepção evolutiva, Pannenberg afirma que só em Jesus Cristo se dá a
consumação da imagem divina, pois Ele é a expressão exata do ser de Deus,
realizando em si o destino do homem enquanto criatura9. Irineu fala de uma
semelhança em graus distintos de intensidade de modo que para ele depois da
transgressão, Adão pôde perder a semelhança e permanecer com a imagem. Isso
porque Irineu ao conceber certa semelhança de Deus já em Adão viu que a sua
consumação ou plenificação aconteceria somente em Cristo.
No entanto, Pannenberg opõe-se veementemente à afirmação de Irineu que
fala em graus distintos de intensidade. Pois se a imagem não conservar a
semelhança, não pode ser considerada imagem, já que não é capaz de representar
o reproduzido. Seguindo essa lógica ele diz que o homem é sempre imagem de
Deus, mas não na mesma medida, entendendo que a imagem divina no homem
está em devir. Sua postura dá base para dizer que no começo da humanidade por
causa do efeito do pecado, a semelhança ficou ainda mais desfigurada. No entanto
ela nunca foi a reprodução da imagem divina, pois só na pessoa de Jesus Cristo
manifestou-se com total clareza a imagem de Deus.

Conclusão

Partindo do princípio de que a semelhança é indispensável para representar a


imagem, a criação do homem à imagem de Deus deve sempre estar vinculada à
plena realização da semelhança. Realização estreitamente ligada ao destino do
homem e que se concretizou historicamente em Jesus Cristo, para a participação
de todos os homens10. Diante do que vimos podemos afirmar que a imagem de
Deus não se realizou plenamente desde o começo dos tempos na história da
humanidade. Pannenberg usa o verbo plasmar para falar do processo em que Deus
através da história individual molda o crente à imagem de seu Filho. Assim, como
podemos perceber Pannenberg trabalha a doutrina da imagem seguindo em parte

9
Ibidem, p. 242.
10
Ibidem, p. 250.
94

os passos de Irineu, que falava da existência de duas imago Dei, a cópia e a


modelo11.

4.1.3.

Imago Dei, o Substrato da Abertura ao Mundo

A partir das informações que temos visto até este momento, temos condição
de chegar a algumas conclusões sobre o homem. Levando em conta toda a sua
realidade concreta e a sua complexa existência, concluímos que ele consiste num
movimento retilíneo para Deus. E por causa desse dinamismo, Pannenberg define
a imago Dei como o substrato deste movimento, ou seja, o substrato da
transcendentalidade. Podemos ainda fazer outra observação sobre a imagem
divina, ressaltando que ela é em parte dom natural e em parte possibilidade
existencial. Tais características são empregadas pela providência divina, fazendo
com que o homem através do finito, ele ponha-se em comunhão com seu Criador.

Vejamos agora como a imago Dei se faz presente no homem marcando-lhe a


existência e conduzindo-o ao destino predeterminado por Deus no momento da
criação. Quando falamos sobre a imago Dei ou a transcendentalidade humana
devemos lembrar que ela também foi vivida por Jesus, em sua condição filial.
Esse fato nos dá condição de afirmar que, ao assumir como Filho a natureza
humana e abrir-se para Deus, Jesus exerceu correta e plenamente a capacidade do
homem de auto-distinguir-se de Deus, tornando-se exemplo concreto da relação
do homem com Deus para todo o gênero humano porque em toda a sua vida
nunca caiu na tentação de ser igual a Deus, como fez o primeiro Adão.

Sobressai aqui a importância do Logos como o capacitador do homem para


que ele desenvolva sua auto-referência. Consistindo no princípio generativo da
particularidade do homem, o Logos funda e governa tanto a singularidade, como a
vida consciente de cada indivíduo. Tal fato nos leva a concluir que na sua vida

11
Ibidem, p. 249.
95

consciente o homem se acha de modo específico em possessão do Logos, que lhe


concede a possibilidade de conhecer a si mesmo e a realidade que o cerca12. Então
na encarnação do Logos divino em Jesus de Nazaré, a revelação do destino
criacional do homem é plenificada. Entretanto não devemos pensar que essa
relação entre a plenificação do destino do homem e a encarnação do Logos, se dá
numa correspondência linear entre disposição e realização13. O motivo para a falta
de correspondência está no fato que os homens que ainda não se encontraram com
Jesus estão restritos a ter somente idéias gerais sobre a sua natureza e seu destino,
estando o verdadeiro conteúdo dessas completamente vinculado ao encontro com
Jesus.

Outra característica da imago Dei no homem é que ela faz dele um ser
relacional, capaz de desenvolver vários tipos de relação. Um ser que foi criado
com o objetivo de desenvolver uma relação intensa com Deus, com o finito que
significa consigo mesmo enquanto pessoa e espécie, com as demais criaturas e
com toda a realidade que o cerca, representando no mundo o senhorio do próprio
Deus. Isto porque enquanto imagem de Deus, o homem se acha destinado a honrar
e buscar a Deus através do mundo criado, reconhecendo o senhorio d’Ele sobre si
e sobre toda a realidade. Assim ele é incumbido desse múnus, por mais soterrada
que esteja sua transcendentalidade em casos concretos14.

Essa disposição intrínseca do homem em se relacionar é tão perceptível, que


também foi constatada através da análise antropológica. A antropologia moderna
define o homem como um ser excêntrico ressaltando que ele, diferentemente dos
animais, possui uma percepção do mundo que não está predeterminada pelos
instintos recebidos em sua geração, ou seja, por sua estrutura biológica. Desta
forma como possuidor de uma abertura ilimitada ao mundo em que vive, cabe
somente a ele decidir em que circunstância vai por em marcha a sua vida, como
vai buscar o seu destino. Isso porque nem o mundo da natureza, nem o da
sociedade constituem o critério de inquestionável validade para sua vida. Sendo
assim, é mediante essa indescritível e total abertura que o homem está durante

12
Ibidem, p. 331.
13
Ibidem, p. 334.
14
Ibidem, p. 261.
96

toda a sua vida direcionado para o infinito, e caminha incessantemente para


chegar até Deus15.

Conclusão

Diante do que vimos acima podemos afirmar que a posição destacada


proporcionada pela imago Dei no homem é percebida, tematizada e descrita de
várias formas dentro da história, como também dentro do texto bíblico e da
teologia cristã. No entanto podemos concluir que a realidade da imago Dei além
de ter uma conseqüência ontológica ligada ao seu destino futuro, tem uma
conseqüência ontológica que determina a sua forma de viver, impulsionando o
homem a através do mundo que o cerca, buscar a comunhão com Deus, comunhão
que foi vivida e plenamente realizada, de forma proléptica por Jesus. Por isso Ele
é entendido por Pannenberg como a verdadeira imagem de Deus, a imagem
modelo como já tinha afirmado em seu tempo Irineu de Lião. Pois ao realizar na
história o destino do homem, ou seja, antecipar no mundo o seu futuro, Jesus é
visto como o autêntico homem, como único que numa abertura total a Deus, viveu
totalmente a realidade para a qual todo homem foi criado.

Da mesma forma que a imago Dei não se realizou plenamente no início da


história humana, mas só aconteceu plenamente em Jesus, Pannenberg coloca a
idéia de uma imago Dei em devir como um destino que não está acessível através
da pura atuação humana. Pois só quando o homem se entende distinto de Deus,
em sua finitude é que se aceita como criatura frente a Deus, tributando a Ele a
glória devida, e distinguindo-se de todo o finito16. Devido a essa abertura
constitutiva, o homem chega a pensar poder alcançar seu destino de comunhão
com Deus para participar da vida divina, pois esse desejo de ser como Deus faz
parte de seu destino, sendo então algo tentador para ele. Entretanto a auto-
afirmação do homem só pode acontecer quando ele é elevado sobre si mesmo pelo
Espírito de Deus.

15
PANNENBERG, W., EhcP., p. 81.
16
PANNENBERG, W., TS2., p. 265.
97

Esse Espírito leva-o a seguir o exemplo dado por Jesus através de seu
modelo de obediência, conduzindo-o a configurar-se à imagem do Filho. Ele se
auto-diferenciou do Pai podendo assim ter uma comunhão que serve de modelo
para o gênero humano. É por isso que ao entender que a criação do homem deu-se
segundo a imagem de Deus, o que implica como seu destino a comunhão com Ele,
faz-se necessário considerar a encarnação do Logos de Deus em Jesus como o
cumprimento deste destino17. Pois essa abertura não se opõe às possíveis
limitações que podem alcançar os homens devido às diversas situações onde possa
se encontrar, até mesmo alguma que conduza ao fechamento em si mesmo. Ela
não pode ser identificada de antemão como uma referência a Deus presente já na
consciência. A encarnação ilumina a abertura com que é dotado todo homem de
tal modo que, ignorando ou rejeitando a pessoa de Cristo, o homem possa aderir a
diversas formas de expressão ou fechar-se para Deus. Sendo possível somente
através da consciência histórica de Deus, fato que explica as diversas formas de
religiosidade e também o fechamento existencial frente a Deus18.

4.2.

Cristo, a Imago Dei Modelo

Vamos nos deter mais na pessoa de Jesus Cristo, primeiramente vendo Jesus
como o homem verdadeiro. Jesus é tido como o verdadeiro homem, que cumpre
em sua vida o propósito predeterminado na criação. Depois veremos que Jesus é o
Filho preexistente do Pai, n’Ele o Logos que se encarna, assumindo a realidade
humana. E por fim aprofundaremos a implicação salvífica da encarnação, pois ao
assumir a realidade humana, Jesus está cumprindo o plano do Pai em salvar toda a
humanidade.

4.2.1.

17
Ibidem, p. 259.
18
Ibidem, p. 264.
98

Jesus o Autêntico Homem

Para Paulo o primeiro Adão é caracterizado como alma vivente e o segundo


como Espírito vivificante19. Essa afirmação segundo Pannenberg está baseada na
idéia da criação do homem segundo a imagem divina, vinculada ao discurso sobre
o homem escatológico. Assim o segundo homem manifestado em Jesus Cristo,
revelou-se como a verdadeira imagem de Deus, uma imagem que pelo Espírito,
todos os crentes são chamados a participar20.

Pannenberg compreende assim que Jesus é a realização antecipada do futuro


do homem, devido à sua total abertura a Deus e ao mundo, que constitui a prova
de que Ele é a verdadeira imagem de Deus. Dessa forma ele entende que na
criação, a imagem divina em Adão tinha um caráter inconcluso o que se estende a
todos homens. Pannenberg cita Ritschl, teólogo de grande renome que entende a
partir de Jesus Cristo o caráter inconcluso do homem. Este rechaçou a idéia de um
estado de perfeição do primeiro homem, porque segundo seu entendimento tal
compreensão dá margem a considerar a pessoa de Cristo como uma manifestação
irregular da história humana, sendo concebido somente como um representante da
reação divina contra o pecado e não como o consumador do destino para o qual o
homem foi criado21.
Segundo a antropologia de Pannenberg é imprescindível que se entenda
Jesus como o realizador do destino do homem, porque a criação do homem à
imagem de Deus implica primeiramente a sua condição de alcançar seu destino,
que é a comunhão com o Deus eterno. Na pessoa de Cristo esta total abertura
chega ao cumprimento22. Podemos concluir que na sua pessoa, manifesta-se o
verdadeiro humano, encarnado e tornado possibilidade para todos os homens23.
Dessa forma ao manifestar o destino do homem, como indivíduo e como espécie,
Jesus eleva todos os homens acima do mundo natural e das relações de violência

19
CONCILIUM, 1973/6, Número X, p. 734.
20
PANNENBERG, W., TS2., p. 239.
21
PANNENBERG, W., TS2., p. 241, citando A. Ritschl: Die christliche Lehre Von der
Rechtfertigung und Versöhnung III, 1883, p. 307.
22
Ibidem, p. 259.
23
Concilium, 1973/6, Número X, p. 733.
99

da vida social, introduzindo-os na comunidade divina do amor e capacitando-os a


amar tanto Deus como o restante da criação.

Essa postura de Pannenberg está em consonância com a apresentação


paulina de Jesus Cristo como a figura escatológica, colocado em contraposição a
humanidade adâmica. Devido a sua obediência a Deus e a sua vitória sobre a
condição corruptível tem uma história de vida relevante para toda a humanidade24.
O que nos dá condição de dizer que o conceito de semelhança com Deus
alcançado plenamente somente em Cristo tem a função de grampo, visto que Ele
une o começo e o fim desse caminho, gerando unidade na história da
humanidade25. Dessa forma a relação da história de Jesus Cristo com o restante da
humanidade está no fato de que Ele, ao assumir a realidade humana, a
transforma26.

Para o relato sacerdotal, Adão é de tal modo o primeiro homem, que sua
história se repete em todos os indivíduos, constituindo na chave para o
esclarecimento das condições do existir do gênero humano. Para a fé cristã, com o
aparecimento de Cristo, todo ser humano precedente foi substituído por uma
forma radicalmente nova de ser homem27. Isso significa que a determinação de
toda a humanidade depende da história especial deste único indivíduo, porque
n’Ele entrou algo novo no mundo vital do homem. Algo que deu ao ser humano
um conteúdo novo, ou seja, é essa nova finalidade e esse essencialmente novo que
consistem na vitória sobre a morte, manifestada na sua ressurreição.

Jesus Cristo viveu a sua vida na co-humanidade, porque para Ele o centro de
sua existência era o Deus que vem. Dessa forma na sua auto-diferenciação em
relação a Deus, Jesus no cumprimento de sua missão, era um com Ele. Pois a
auto-diferenciação do Filho eterno com respeito ao Pai pode ser entendida como
fundamento de toda a sua alteridade diante de Deus28. E deste modo a sua auto-
diferenciação de Deus também consiste na origem histórica e na norma
permanente daquilo que hoje é chamado personalidade do homem, pois no sentido

24
PANNENBERG, W., TS2., p. 336.
25
CONCILIUM, p. 735.
26
Ibidem, p. 733.
27
Ibidem, p. 734.
28
PANNENBERG, W., TS2., p. 421.
100

de que o indivíduo não é pessoa apenas para si mesmo, mas como um eu


contraposto a um tu29. Assim o homem só é homem de fato através da sua relação
com Deus, ao exercer a sua determinação para a união com Ele. Nisso consiste o
seu ser religioso, pois a palavra homem exprime um conceito normativo, uma
história orientada para uma determinação que se realizou somente em Jesus
Cristo30.

A auto-diferenciação com respeito ao Pai, a manifestação do Filho de Deus


na sua obediência humana são os traços essenciais que caracterizam Jesus como o
homem novo. O único homem que se submete em obediência, ao contrário de
Adão que desobedeceu e perdeu a comunhão a que estava destinado31. A
obediência levou Jesus até a situação de extrema separação de Deus e de sua
imortalidade, quando na cruz o distanciamento de Deus alcançou a culminação
última de sua auto-diferenciação com respeito ao Pai.

Por causa de sua obediência Jesus é exaltado, e também por causa dela Ele
glorifica o nome do Pai, manifestando e viabilizando a obediência humana a
Deus. Uma obediência que estava baseada na sua subordinação ao Pai desde a
eternidade e posssibilitou a sua quenosis (Fp 2,6-11), que significa a renúncia de
igualar-se ao Pai. Em sua condição divina, ao ser obediente ao Pai, Jesus é
glorificado por Deus que confirma sua divindade na ressurreição. Dessa forma na
auto-diferenciação do Logos eterno com relação ao Pai, ou seja, no seu “ser-
outro”, Jesus reconhece a Deus como o único Deus, convertendo-se na origem de
toda a existência criada distinta d’Ele32. Jesus ao assumir a realidade humana, dá
ao homem a condição de se auto-diferenciar de Deus não se fechando num
egocentrismo egoísta, mas através de uma postura de obediência, abrindo-se e
desenvolvendo comunhão com Ele.

Conclusão

29
CONCILIUM, p. 747.
30
Ibidem, p. 741.
31
PANNENBERG, W., TS2., p. 419.
32
Ibidem, p. 423.
101

Em Jesus surge na história humana uma nova forma de auto-diferenciação


humana que não ofende a Deus, mas antes O reconhece e Lhe rende a glória
devida. É por isso que a obediência de Jesus a Deus é paradigmática para todos os
homens, pois a sua quenosis consiste no fundamento que lhe permite viver sua
especial vocação ao serviço de Deus. Trata-se de uma nova liberdade que os
crentes possuem pelo Espírito como filhos de Deus.

É a partir deste pensamento que Paulo vê Jesus Cristo como o novo Adão, a
verdadeira imagem de Deus da qual todos nos revestiremos. Pois sendo o Filho
preexistente de Deus que assume a realidade humana, dá ao homem o direito de
desfrutar da sua condição de filiação33. Então como verdadeiro Filho de Deus,
Jesus é ao mesmo tempo o protótipo da filiação que todos hão de receber por Ele,
filiação que concede o acesso imediato a Deus como Pai34. Porque enquanto
Filho, Jesus é também o novo Adão em quem se tem realizado definitivamente o
destino do homem em configurar-se a imagem de Deus. Pannenberg conclui que
essa nova forma de relação entre o homem e Deus tornada realidade no Filho é o
paradigma a ser seguido para que todo homem possa então gozar da condição de
filiação. Assim na história e na pessoa de Jesus se revela e se antecipa o destino
futuro do homem, porque Jesus, precisamente pelo fato de ser o Filho eterno
encarnado, deve ser entendido como o homem novo, escatológico35.

4.2.2.

Jesus o Filho Preexistente do Pai

Em Jesus acontece a vinda do Filho eterno de Deus, que tem a missão de


salvar o mundo. Essa concepção bíblica pode ser vista no anúncio do seu
nascimento transmitido por um anjo, que endossa a filiação divina de Jesus na sua
concepção por obra do Espírito36. Mostrando que a relação de filiação de Jesus em

33
Ibidem, p. 476.
34
Ibidem, p. 479.
35
Ibidem, p. 357.
36
Ibidem, p. 342.
102

relação ao Pai é anterior a sua encarnação, o que nos dá também a base necessária
para concluir que a sua condição como Filho de Deus é tão importante para sua
missão terrena, a ponto de fazer com que a totalidade da sua história seja a
expressão da missão do Filho eterno, que fica historicamente manifestada na vida
concreta de Jesus de Nazaré.

Dessa forma podemos dizer que, pelo fato do relacionamento de Jesus com
Deus ser anterior a sua encarnação, não seria possível a qualquer homem ser
paradigma de comunhão com Deus37. É por isso que a origem da filiação divina
de Jesus só pode ser achada na eternidade de Deus mesmo, revelando a verdadeira
importância das afirmações da preexistência38. A relação filial de Jesus com o Pai
é explicitada a partir da ressurreição dentre os mortos. No entanto, mostra-se
também através das atitudes concretas de Jesus com o Pai ao longo de sua vida39.

Sua condição de Filho e sua obediência ao Pai vão unidas, pois a obediente
subordinação caracteriza a Jesus como Filho.40 A relação filial é o paradigma para
todos os homens seguirem, é através dela que se deu o auto-despojamento de
Jesus que tornou viável a sua subordinação ao Pai41. Porque o tipo de relação que
o Filho eterno tem com o Pai não é superável por nenhuma outra forma de relação
com Deus, e consiste na comunhão com Ele em seu grau máximo42. Só em Jesus
Cristo tem se manifestado plena e definitivamente a relação fundamental de
filiação a que foi destinado o homem, pois n’Ele se fez carne o Filho Eterno de
Deus43.

Por conta disso a sua encarnação é um acontecimento que tem relevância


para toda a espécie humana, pois nela acontece a concretização do destino do
homem, destino que foi determinado na sua criação segundo a imagem e
semelhança divina. Dessa forma em Jesus a relação entre criatura e criador é
superada, deixando o nível de um relacionamento somente criatura e criador,
ultrapassando o nível desfrutado pelos animais e pelas plantas e passando para o

37
Ibidem, p. 414.
38
Ibidem, p. 415.
39
Ibidem, p. 416.
40
Ibidem, p. 357.
41
Ibidem, p. 417.
42
Ibidem, p. 204.
43
Ibidem, p. 358.
103

nível de filiação em que o homem é levado a se relacionar com Deus. Assim Jesus
introduz o homem na dinâmica do amor, amor que conduz à comunhão com Deus
e também à comunhão dos homens entre si44.

Outra observação que podemos fazer é que a encarnação do Filho é de


grande relevância para a divindade do Deus Trinitário, isso porque nela Deus tem
se revelado ao mundo, e também introduzido a criação na comunhão trinitária45.
Os testemunhos bíblicos falam da importância crucial do Espírito, afirmando que
foi por Ele que o Filho eterno adquiriu figura humana na pessoa de Jesus. Como
também é por Ele que Jesus em sua ressurreição tem sido constituído Filho de
Deus com poder46, conduzindo a humanidade ao conhecimento de sua filiação à
luz da confirmação e justificação divina de sua atuação pré-pascoal47. Por isso a
Sua ação nos crentes também é importantíssima, porque é por Ele que eles
desfrutam da participação na filiação de Jesus Cristo.

Como as missões do Filho e do Espírito procedem do Pai, podemos falar de


uma auto-realização do Deus trinitário no mundo através do cumprimento da
missão na obediência pelo Filho capacitado pelo Espírito48, pois no
comportamento do Filho e na obra do Espírito tudo está a serviço da irrupção do
Reino de Deus no mundo. A atuação vivificante do Espírito se refere neste
contexto a Jesus porque Ele foi ressuscitado dentre os mortos pelo Espírito,
garantindo também aos crentes a esperança da nova vida49. Assim a glorificação
do Pai e do Filho nos crentes por obra do Espírito orienta-se, portanto, para a
reconciliação do mundo com Deus, fato que se acha ligado à superação de sua
submissão à morte. A vitória será consumada pela participação na vida eterna que
une o Filho ao Pai pelo Espírito já como futuro da criação realizado na
ressurreição de Jesus dentre os mortos.

Conclusão

44
Ibidem, p. 363.
45
Ibidem, p. 434.
46
Ibidem, p. 358.
47
Ibidem, p. 440.
48
Ibidem, p. 437.
49
Ibidem, p. 440.
104

O ponto central da pregação de Jesus é o Pai e a vinda de seu Reino, e não


uma exaltação de sua própria pessoa tentando-se igualar a Deus. Mediante a auto-
realização do Filho alcança-se também o destino da criatura, já que Ele torna
viável a vivência da verdadeira autonomia em comunhão com Deus. A eterna
auto-diferenciação com respeito ao Pai implicada na quenosis da encarnação, faz
com que o Filho seja a origem da alteridade de uma realidade criada distinta de
Deus50. Assim, na alteridade manifestada em Jesus, o homem é redimido do
extravio de sua independentização frente a Deus e libertado então da opressão, do
poder, da corrupção e da morte. Só numa criatura como o homem que em sua
alteridade se sabe referido a Deus pode expressar-se plenamente o auto-
despojamento ligado à auto-diferenciação do Filho com respeito ao Pai. Desse
modo na manifestação do Filho se ordena a reconciliação do homem com Deus e
mediante ele com toda a criação51.

Dessa forma ao distinguir-se como puro homem e submetendo-se às


exigências do Reino de Deus, a obediência do Filho corresponde à sua entrega ao
Pai, oferecendo-se como sacrifício para a salvação do mundo (Ef 5,2). No entanto,
Jesus foi condenado à morte mediante a acusação de fazer-se igual a Deus, pois a
morte é o castigo do pecador e de sua loucura, de sua autonomia de Deus, visto
que ela lhe devolve a sua finitude. Então como Jesus não merecia a morte de
pecador, pois em momento algum como defende Fp 2, 6-9 fez-se igual a Deus,
sua morte se deu em lugar dos pecadores52. Por isso ela deve ser entendida como
um sinal de Deus sobre o pecado: na cruz a ausência de Deus no mundo alcançou
seu ponto máximo no abandono de Deus sofrido pelo seu Filho. Em sua condição
de Filho possivelmente Jesus sofreu mais profundamente que qualquer outro o
abandono de Deus, e assim todo homem pode reconhecer na morte de Jesus a
própria morte como preço da autonomia de sua vida finita frente a Deus.

4.2.3.

O Sentido Salvífico da Encarnação

50
Ibidem, p. 361.
51
Ibidem, p. 362.
52
Ibidem, p. 418.
105

O Jesus histórico é o ponto de partida e critério de todas as afirmações


cristológicas sobre sua pessoa. Esse tema se delineia com a primitiva interpretação
cristã da pessoa e da história de Jesus de Nazaré como Messias de Deus. E o título
de messias segundo a interpretação de Pannenberg implica a idéia de filiação
divina, visto que desde o início da compreensão cristã o homem Jesus foi
encarado como a manifestação na terra do preexistente Filho de Deus53. Por conta
disso o acontecimento pascal é o ponto de partida histórico da pregação apostólica
e da cristologia da igreja, a partir daí elas fazem releitura ou sem prescindir ambas
se apóiam na história pré-pascual de Jesus54.

Desta forma os relatos cristológicos são considerados como expressão da


interpretação de sua realidade histórica55. No entanto a realidade humano-histórica
de Jesus de Nazaré só pode entender-se adequadamente à luz da sua procedência
divina. O envio do Filho pelo Pai e sua encarnação orientam-se para a salvação do
mundo, daí a importância da peculiaridade humana de Jesus em sua atuação
terrena e em sua história, pois abre o caminho do Reino de Deus entre os homens
para que a comunidade humana seja renovada numa nova forma de se relacionar
com Deus56. Então a partir do princípio de que a encarnação representa o gesto
amoroso de Deus57, ela não pode ser vista como um acontecimento extrínseco ao
ser humano, pois nela se manifesta o destino do homem como indivíduo e como
espécie. Assim podemos afirmar que o destino do homem à comunhão com Deus,
foi realizado definitivamente na encarnação do Filho, elevando cada homem
concreto acima do mundo natural.

Desse modo supera-se o conflito gerado pelo pecado contra a criação, contra
os demais homens e contra si mesmo. Porque os homens só podem alcançar a
libertação do domínio do pecado e da morte quando pela ação do Espírito divino,
configuram-se segundo a imagem do Filho58. Então devemos entender que em
Cristo acontece a realização do destino do homem, realização que traz a salvação

53
Ibidem, p. 315.
54
Ibidem, p. 406.
55
Ibidem, p. 318.
56
Ibidem, p. 441.
57
Ibidem, p. 328.
58
Ibidem, p. 314.
106

para ele. Resta-nos agora aprofundar essa questão, buscando entender cada vez
mais claramente, como se dá essa reconciliação promovida por Ele na encarnação.

De início podemos reafirmar que em Jesus entra algo novo no mundo que de
outra maneira seria impossível. Paulo defende que a encarnação de Jesus trouxe
uma vida que supera a morte, superação manifestada cabalmente na sua
ressurreição59. Podemos dizer que antes de Jesus o homem não tinha um modelo
claro para seguir, não tinha uma noção muito clara de seu destino. De modo que
nele funda-se uma nova etapa da revelação divina (economia da salvação, que tem
dois desdobramentos: o primeiro é sobre o próprio Deus e o segundo é sobre o ser
do homem). Primeiramente mostrando em gestos concretos um Deus amoroso que
incessantemente deseja se relacionar com o homem. Um Deus de amor
incondicional que vai até o homem para salvá-lo. Em Jesus também a relação com
Deus se realiza de forma plena, revelando também a essência humana e trazendo à
tona questões que estavam implícitas dentro do próprio homem, a determinação
específica que Deus gravou no homem em sua criação60.

Assim a obra de Jesus foi trazer a salvação que deve ser entendida na prática
como a reconciliação do homem com Deus61. Porque n`Ele se cumpre
historicamente a determinação definitiva a que o homem está destinado, e a
peculiaridade de Jesus em relação aos homens se dá no fato do senhorio de Deus
sobre a sua vida, pois Ele se tornou o tema dominante da vida de Jesus62.
Podemos então dizer resumidamente que em Jesus se manifesta a essência
humana de duas formas: a primeira através da comunhão com Deus que n`Ele se
concretiza, resultando na salvação escatológica; e a segunda através da sua
ressurreição, que consiste na manifestação do destino do homem, a imagem do
homem reconciliado.

Todo o itinerário terreno do Filho achava-se de antemão de acordo a


providência divina: sua morte na cruz encontrava-se na seqüência contextual de

59
Concilium, 1973/6, Número X, p. 737.
60
Fundamentos de Cristologia, p. 237.
61
Segundo Irineu pela encarnação do Filho se tem cumprido o conjunto de ordem salvífica com
respeito ao homem. Uma história de salvação que começou com a criação do homem e que tem
achado sua consumação na recapitulação em Jesus Cristo do homem caído. Cf. Wolfhart
Pannenberg, TS2., p. 337.
62
PANNENBERG, W., TS2., p. 366.
107

seu anúncio da proximidade e irrupção do Reino de Deus63. Segundo Pannenberg


a vinda de Jesus representa o amor de Deus. Esse tema está tão arraigado em sua
pregação, que não pode ser separado de todo o restante de sua mensagem. Em sua
missão de anunciar o Reino de Deus, ele experimentou o amor de Deus, porque a
presença do Reino de Deus representa o amor salvífico divino, porque se
relaciona com o perdão dos pecados, ou seja, na participação do amor de Deus
que perdoa64.

Pannenberg aprofunda a dimensão do amor no plano salvífico de Deus que


se concretiza na encarnação de Jesus. Diz que o amor de Jesus não pode ser
entendido somente como co-humanidade, mas primeiramente como participação
no amor Deus para com o mundo, a saber, na participação na própria realidade de
Deus. A compreensão paulina sobre a salvação corrobora essa posição assumida
por Pannenberg, pois na ressurreição se manifesta a vida imperecível de Jesus.
Resultando assim numa relação ininterrupta com a origem de toda vida, que é o
Espírito de Deus. Para Paulo, o Espírito de Deus é o Espírito do amor de Deus
manifestado na missão de Jesus, especialmente na morte de Jesus Cristo pelos
pecadores. Portanto Espírito, amor e vida estão relacionados entre si.

O autor ressalta que ainda mais nitidamente que Paulo, João ligou o amor à
presença de Deus que foi manifestada na missão de Jesus. Para ele a co-
humanidade vivida por Jesus baseia-se no amor de Deus e recebe a partir daí
orientação e sentido. Paulo falou de Cristo como segundo Adão não só em vista
de sua nova vida de ressuscitado, como também em vista da obediência de Cristo
à vontade amorosa de Deus65. A formulação paulina de Jesus Cristo como o
segundo Adão, implica ainda uma nova forma de relação social exercida orientada
a comunidade dos homens. Por isso Jesus Cristo deve ser considerado como o
protótipo de uma humanidade que tem de renovar-se à sua imagem, quer dizer,
pela participação em sua obediência, em sua morte e ressurreição66, pois Ele funda
uma nova comunidade de homens no Reino de Deus, uma comunidade libertada
do domínio do pecado.

63
Ibidem, p. 485.
64
CONCILIUM, p. 738.
65
Ibidem, p. 740.
66
PANNENBERG, W., TS2., p. 344.
108

O texto paulino da segunda Carta aos Coríntios capítulo quinze, versos de


vinte e dois a quarenta e cinco; mostra Jesus Cristo como o ressuscitado dentre os
mortos, o homem definitivo que foi transfigurado pelo Espírito e repleto do amor,
da vida imperecível de Deus67. Isto porque nem o destino do homem à comunhão
com Deus pode realizar-se numa relação isolada do indivíduo com Deus, nem
tampouco pode realizar-se sem Deus numa vida de paz na comunidade68. Quem
aceita o anúncio do Reino de Deus não é já um excluído, pois tem parte na sua
salvação e assim com a aceitação de Jesus e sua mensagem desvanece tudo o que
o separa Deus69. Ao reconhecer a soberania divina através do acolhimento da
pregação e salvação manifestada em Jesus Cristo, o pecador é redimido e
reconciliado, desfrutando então a comunhão trinitária e participando da vida
eterna divina70.

Conclusão

Do que vimos até aqui podemos dizer que, em Jesus, o homem pode
participar de uma realidade de comunhão com Deus que até então não era
possível, comunhão que ficou expressa nas suas atitudes, nas suas palavras que
constituem na revelação que Ele trouxe de Deus. Pois o substrato de tudo o que
Jesus fazia era a sua entrega amorosa a Deus, que serve de exemplo para todos os
homens, além de torná-la uma realidade viável a todos eles. É por isso que a fé
cristã se fundamenta na ressurreição de Jesus, relacionando-a com sua missão
terrena e a morte na cruz.

Assim a interpretação que Paulo faz da morte de Jesus como sendo


expressão do amor de Deus. É uma ação reconciliadora que produz, portanto, o
perdão e a libertação da culpa dos pecados. A reconciliação significa então
justamente a superação da oposição a Deus. Dessa forma na morte de Jesus é

67
Ibidem, p. 356.
68
Ibidem, p. 364.
69
Ibidem, p. 372.
70
Ibidem, p. 435.
109

Deus Pai quem tem atuado para a reconciliação do mundo, permitindo-nos dizer
que o Pai e o Filho são sujeitos ativos na reconciliação.

Podemos concluir também que a história de Jesus antecipa o fim da história


da humanidade, pois ela realiza o futuro de Deus, realizando também o destino do
homem. Pois n’Ele o homem tem um modelo concreto de uma existência, que se
auto-diferenciando de Deus, não cai no pecado do fechamento egoísta, mas
permanece submisso a Ele, não se torna autônoma como foi o caso de Adão.
110

Conclusão

Enfim, após fazermos o todo trajeto de nosso estudo podemos sinalizar a


importância da contribuição de Pannenberg para reflexão antropológica cristã e de
modo especial para o tema da imago Dei. A primeira questão que podemos
levantar para advogar a importância de sua reflexão é que na sua visão a
abordagem do tema da imago Dei deve ser mais ampla, pois conforme as suas
próprias palavras, para que haja uma abordagem cristã relevante sobre a realidade
humana é preciso que se leve em consideração algumas inter-relações
importantes, a saber: a antropologia, a doutrina da criação e a cristologia. Quando
se ignora algumas dessas questões, a fé cristã não consegue responder
satisfatoriamente às perguntas sobre a realidade humana.

Pudemos ver na sua abordagem a fecundidade que as inter-relações dão ao


tema da imago Dei e a realidade humana. Dessa forma a reflexão de Pannenberg
nos conduz a uma abordagem mais profunda como era feito pela Patrística, uma
abordagem que leva em consideração a complexidade humana, fato que hoje é de
suma importância pois evita uma abordagem cristã que despreze alguma dimensão
humana.

Essa postura pannenberguiana, além de nos levar à uma postura crítica em


relação à abordagem cristã da realidade humana, também nos desperta para a
necessidade de uma revisão em relação à ação evangelizadora da Igreja Cristã.
Pois sua reflexão desperta-nos para a influência do platonismo sobre a fé cristã,
influência que conduziu a um tão arraigado dualismo antropológico que produziu
e ainda produz na igreja uma evangelização e uma compreensão da vida cristã
reduzida à somente a dimensão espiritual da realidade humana.

Também podemos frisar aqui que a concepção de Pannenberg de uma


abordagem antropológica mais ampla nos mostra que hoje, levando-se em
consideração os resultados científicos, além de não podermos ignorar nenhuma
dimensão humana, também não podemos valorizá-las de forma desigual, porque a
111

corporalidade e a razão humana estão arraigadas entre si e devemos entender as


duas como o substrato para a abertura do homem a Deus, ou seja, as duas
dimensões são importantíssimas para que o homem alcance o seu destino que é
desfrutar da comunhão com Deus.

Vale ressaltar aqui também que, ao se valorizar o homem inteiro, valoriza-se


a dimensão histórica do homem, permitindo-nos vê-lo como um ser inacabado.
Um ser que através da dinâmica da vida sempre deseja algo além do finito, algo
transcendente. Nessa questão a reflexão de Pannenberg é muito relevante, porque
mostra que mesmo sendo em parte condicionado pelo seu quadro existencial, o
homem permanece aberto e possuindo o substrato que faz com que ele caminhe na
direção de Deus, não havendo nada que possa retirar dele a dignidade com que foi
dotado na criação. Esse raciocínio de nosso autor mostra que a fé cristã não pode
ter uma postura neutra diante das afirmações das ciências humanas que desprezam
a abertura intrínseca do ser humano. E por conta disso não abordam como
deveriam o resultado do seu fechamento para Deus, visto que tal fechamento
conduz a uma terrível realidade, a miséria existencial.

A terrível realidade que vivemos entendida como fruto do fechamento do


homem a Deus, mostra que a solução é o exemplo da vida de Jesus Cristo, que
viveu a sua auteridade sem ofender a Deus, sem afastar-se d’Ele. Aqui também
sinalizamos outra importante contribuição de Pannenberg para a reflexão sobre o
tema da imago Dei, a ênfase na importância de enxergar que somente Jesus Cristo
faz com que o destino futuro do homem aconteça dentro da história humana.
Raciocínio que enfatiza a condição filial de Jesus como fator determinante para a
eficácia de sua encarnação salvadora. Assim seu pensamento leva-nos de volta à
ênfase cristológica dada por Paulo e pelos relatos neotestamentários que dizem
que em Jesus entrou algo novo na história, pois n’Ele o homem pode participar da
vida imperecível de Deus, uma participação que se dá através da vivência do
amor, ou seja, desfrutar da dinâmica do amor que existe desde a eternidade na
Trindade Santa.
6

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