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CURSO DO PROF.

DAMÁSIO A DISTÂNCIA

MÓDULO I

DIREITO CIVIL
Lei de Introdução ao Código Civil

__________________________________________________________________
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DIREITO CIVIL

Lei de Introdução ao Código Civil

Prof. Vitor Frederico Kümpel

• DECRETO-LEI N. 4.657/42

A Lei de Introdução ao Código Civil estabelece os alicerces de nosso sistema jurídico


e constitui o nosso Direito Internacional Privado, sendo considerada norma de sobredireito,
de acordo com a definição da doutrina, apresentando institutos e regras que abrangem todos
os ramos do Direito. Podemos encontrar vários objetos para a referida lei. Os principais são:

• tratar da obrigatoriedade das leis, discorrendo sobre a vigência e eficácia destas;


• estabelecer o início e o fim da produção de efeitos das normas;
• apresentar todas as fontes do Direito;
3. conferir ao intérprete princípios hermenêuticos e integrativos;
1. solucionar o conflito das leis no tempo;
_ resolver o conflito das leis no espaço.

1.1. Etimologia da Palavra Direito (Origem)


A palavra Direito tem origem em duas expressões latinas distintas:

• Directum (linha reta): a nomenclatura vem do conceito geométrico "linha reta",


simbolizando a retidão do sistema jurídico. A palavra apresenta o maior valor do
Direito, que é o "justo". Todos os institutos jurídicos, sem qualquer exceção, visam
a busca do justo, de forma implícita. O valor "justo" é objetivo, sendo encontrado
nas fontes do Direito, principalmente nos princípios e regras constitucionais.

• Jus, juris (vínculo): a palavra em questão traz a idéia de relação jurídica, isto é, a
relação lógica do sistema, estabelecida por uma premissa maior (norma), uma
premissa menor (fato) e a conclusão, que é a subsunção do fato à norma.

1. Conceito de Direito
Direito é a norma que rege as ações humanas e suas conseqüências na vida real,
estabelecida por uma organização soberana, com caráter sancionatório.
2. Acepção/Significado do Direito
Conforme conceito acima mencionado, podemos extrair quatro significados
fundamentais para o Direito.

1.3.1. A busca do justo


Como já exposto, o justo é valor fundamental do Direito e se viabiliza por meio de três
espécies de justiça, citadas a seguir:

• Comutativa: espécie de justiça particular, cujo maior objeto é o bem privado, onde
um particular confere ao outro aquilo que lhe é devido, por meio de uma igualdade
simples. Enxergamos a justiça comutativa na Teoria Geral dos Contratos. Existe
uma equivalência entre os dois objetos, como ocorre na troca entre uma jóia e um
automóvel.

• Distributiva: seu objeto é o bem privado, cuja divisão se dá por meio de uma
igualdade proporcional. Estabelece-se por uma repartição feita pelo grupo social
ao particular, conforme a necessidade, o mérito e a importância de cada indivíduo.
As pessoas não são vistas de forma assemelhada, como na justiça comutativa. Na
distributiva ocorre um tratamento diferenciado. Tem-se, como exemplo, o imposto
sobre grandes fortunas, que incidirá sobre um grupo restrito de pessoas, quando de
sua criação.

• Geral ou social: decorre de uma igualdade proporcional. Nessa relação


proporcional, os membros da sociedade dão à comunidade o bem que lhe é devido.

1.3.2. Norma agendi (direito objetivo)


Norma agendi é a norma de agir. São as disposições típicas do sistema jurídico. É
considerado o direito estático, porque não há incidência em casos concretos, havendo apenas
abstração normativa, positivada e vigente no ordenamento jurídico.

1.3.3. Facultas agendi (direito subjetivo)


Facultas agendi é a faculdade de agir. Para alguns autores é o direito subjetivo; é a
subsunção da norma ao caso concreto. É também considerada parte do juízo de concreção.

A norma agendi, que é estática, dinamiza-se na facultas agendi.


1.3.4. Direito enquanto sanção
Embora a sanção não seja da essência do Direito, já que a essência do Direito é o justo,
a sanção compõe a natureza do Direito. Toda norma jurídica contém um preceito secundário
explícito, dentro do sistema jurídico. Todas as normas jurídicas têm sanção; porém, a sanção
não é encontrada no texto normativo, devendo o intérprete fazer uma integração com outros
textos para encontrar a sanção adequada. Assim, podemos citar, como exemplo, uma das
obrigações do casamento, disposta no 1.566, inciso I, do Código Civil, ou seja, "fidelidade
recíproca". A sanção para o descumprimento dessa norma não está no Código Civil e sim no
artigo 5.º, caput, da Lei n. 6.515/77, conjugada com os artigos 10, 17 e 19 da mesma Lei do
Divórcio. Logo, o infiel, na ação de separação judicial litigiosa, pode ser condenado à perda
da guarda dos filhos, à obrigação do pagamento de pensão alimentícia e à perda do direito de
uso do nome do outro cônjuge.

3. Causas de Direito
As causas de Direito são as formas como o Direito se estabelece, os fatores que
determinam os efeitos do Direito. Quatro são as causas fundamentais:

• Causa eficiente: é a origem histórica do Direito. Discute-se se a origem advém do


direito natural ou do direito positivo, devendo as questões filosóficas serem
abstraídas para fins de concurso, limitando-se a uma sucinta abordagem. Segundo
o direito natural, o sistema seria oriundo de princípios morais imutáveis que teriam
sido incorporados ao ordenamento. Para alguns juristas é o famoso "dever-ser". De
acordo com a corrente positivista, a origem do Direito se dá por meio de normas
estabelecidas pelo poder político e que regulam a vida social, sendo tais normas as
únicas capazes de definir comportamentos e impor sanções pelo descumprimento
destes.

• Causa final: conforme já abordado, a maior finalidade do Direito, ou seja, seu valor
fundamental, é a busca do "justo", que vem estabelecido nos princípios e regras
constitucionais, nas leis infraconstitucionais e nas demais fontes adotadas pelo
sistema.

• Causa material: embora o Direito em si seja uno, para fins didáticos sofre divisões
que se prestam a uma melhor compreensão tópica. Uma das principais divisões é a
dicotomia Direito Público e Direito Privado. O Direito Público tutela as relações
em que uma das partes é o Estado, as normas são cogentes e o vínculo é de
subordinação. O Direito Privado é aquele em que as partes são exclusivamente
particulares, as normas são dispositivas e o vínculo é de coordenação. Como a
classificação é insuficiente e imprecisa, temos os direitos sociais, uma categoria
intermediária, limite entre o Direito Público e o Direito Privado.

• Causa formal: forma de exteriorização do Direito; fontes do Direito.


1.5. Fontes do Direito
A matéria é tratada no artigo 4.º da Lei de Introdução ao Código Civil que estabelece:
"Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os
princípios gerais de direito". É sabido que o intérprete é obrigado a integrar o sistema
jurídico, ou seja, diante da lacuna (ausência de norma para o caso concreto) ele deve sempre
encontrar uma solução adequada. Aliás, basta verificarmos o verbo "decidirá" para
entendermos que o sistema jurídico ordena a decisão do caso concreto.
Com efeito, diante da hipótese de anomia (ausência de normas), o ordenamento
jurídico de um Estado deve adotar um entre os três sistemas conhecidos para solução da
ausência de norma para o caso concreto, a saber:
• “Non liquet”: sistema pelo qual o magistrado decide pela não-solução da relação
jurídica, por não haver respaldo legal. Esse sistema é criticado por não atender aos
fins primordiais da jurisdição (realização da justiça, pacificação social e resolução
da lide).
• Suspensivo: por este, o intérprete suspende o andamento do feito, e
conseqüentemente suspende a decisão para a relação jurídica, comunicando o
legislativo da ausência de norma regulamentadora, para fins de edição.
• Integrativo: sistema pelo qual, ante a ausência de lei aplicável à relação jurídica
sob decisão, o intérprete não pode se furtar à sentença, devendo fazer uso da
analogia, dos costumes e dos princípios gerais de Direito. É o sistema adotado por
nossa Lei de Introdução ao Código Civil.
O artigo 4.º, já mencionado, fez questão de estabelecer uma hierarquia entre as fontes,
pois só autorizou o juiz a valer-se de outras fontes quando houvesse omissão na lei e
impossibilidade de aplicação da analogia, buscando resoluções legais para casos semelhantes.
Assim, temos o seguinte quadro:
• fonte principal: lei;

• fontes secundárias ou acessórias: analogia, costumes e princípios gerais do Direito,


doutrina, jurisprudência e brocardos jurídicos.

A doutrina diverge quanto às fontes secundárias. Alguns autores entendem que apenas
a analogia, os costumes e os princípios gerais de Direito são fontes secundárias, não
admitindo a doutrina, a jurisprudência e os brocardos jurídicos. A maioria, porém, entende
que estas últimas, fontes secundárias, também estão presentes no sistema jurídico.

1.5.1. Lei

Lei é o preceito jurídico escrito, emanado do legislador e dotado de caráter


geral e obrigatório. É, portanto, toda norma geral de conduta, que disciplina as
relações de fato incidentes no Direito, cuja observância é imposta pelo poder
estatal.

• Classificação das leis

A classificação das leis, para o nosso estudo, tem por objetivo resolver o problema da
antinomia, ou seja, o problema do conflito e da contradição das normas, hipótese em que mais
de uma norma incide sobre o caso concreto. Antinomia deve, normalmente, ser resolvida por
meio dos critérios mencionados a seguir, já que o hermeneuta (intérprete) só deve se valer de
uma única norma para a solução de um determinado caso concreto, devendo eliminar as
demais.
a.1. Quanto à hierarquia

As leis não estão todas no mesmo plano, ou seja, existe uma hierarquia entre elas.
Como forma ilustrativa, podemos adotar o sistema piramidal preconizado por Kelsen,
simbolizando a estrutura hierárquica das normas.

Constituição Federal

Leis complementares e leis ordinárias

Decretos, portarias e demais atos administrativos

No topo da pirâmide, temos o Texto Constitucional. Abaixo da Constituição Federal,


temos as leis complementares e as leis ordinárias, ambas como substrato da Constituição
Federal, havendo divergência na doutrina a respeito da supremacia das leis complementares
em relação às leis ordinárias, ou da igualdade entre estas, existindo apenas campos
diferenciados de competência. Encontramos, ainda, as normas regulamentares, base do
sistema piramidal, formadas por decretos, portarias e outros atos administrativos.

Existem alguns juristas que colocam as leis complementares em uma posição


hierarquicamente superior às leis ordinárias, pelo fato dessas terem um processo de
elaboração mais rígido, com um quorum maior para aprovação. Outros juristas entendem que
as leis complementares e as leis ordinárias estão situadas em um mesmo nível hierárquico,
uma vez que ambas retiram eficácia direta do Texto Constitucional. Não há uma posição
melhor, devendo o intérprete adotar uma das existentes.
Na realidade, além da diferença formal quanto ao quorum de aprovação entre leis
ordinárias e complementares, existe uma diferença material, já que o Texto Constitucional,
quando exige elaboração de norma complementar, menciona expressamente "mediante lei
complementar" e quando exige lei ordinária cita apenas "lei".

Por fim, na base da pirâmide estão os regulamentos e os decretos, além de todos os


demais atos administrativos, sendo o substrato de todo o sistema hierarquicamente inferior às
leis.

a.2. Quanto à especialidade


O critério hierárquico, acima explanado, é o primeiro instrumento do intérprete
para resolver o fenômeno da antinomia e prevalece, inclusive, diante dos demais
critérios de solução. Porém, tal critério é insuficiente ante o fato da grande maioria dos
conflitos de normas ocorrer entre normas de mesmo nível hierárquico.

O segundo critério de classificação leva em consideração a amplitude das normas,


tendo por postulado o fato de que se o legislador tratou com maior acuidade de um
determinado ponto do Direito, ele deve prevalecer sobre outro tratado de maneira geral.

• Normas gerais: são as normas que discorrem sobre todo um ramo do Direito.
Temos, como exemplo, o Código Civil que é a norma geral do ramo civil.

• Normas especiais: são as que regulam determinado ramo do Direito. Exemplo claro
é a Lei do Divórcio, que trata de um aspecto dentro do ramo civil. Dentre as leis
especiais, há as de caráter extravagante, que têm por objetivo cuidar de tema já
codificado. É o caso da Lei de Locações que modificou parte do Código Civil
quanto ao referido contrato que, por sua vez, também era abordado de maneira
geral.

A lei especial revoga a lei geral, ante o fato da primeira ter sido elaborada com
maior rigor pelo jurista, versando sobre uma determinada matéria com maior acuidade.

a.3. Quanto à cronologia

O critério cronológico leva em consideração o momento em que a norma jurídica entra em


vigor, passando a regulamentar uma determinada matéria e revogando as normas de igual conteúdo
que já estavam no sistema jurídico. É a exata regra do artigo 2.º da Lei de Introdução ao Código
Civil. Tal critério só incide sobre as leis permanentes, já que as temporárias apresentam um regime
jurídico próprio.

• Leis permanentes: não têm prazo certo para vigorar, ou seja, têm prazo de vigência
indeterminado, vigendo até que outra a modifique ou revogue (artigo 2.º da Lei de
Introdução ao Código Civil).

• Leis temporárias: têm prazo certo para vigência, subdividindo-se em:


1. expressas: os prazos de vigência estão expressamente disciplinados na própria
norma. Nesse caso, a norma tem conteúdo auto-revogatório (leis de vigência
temporária);

2. tácitas: apesar de tais normas não terem prazo de vigência, são leis que vigoram
apenas para uma situação especial. Com a cessação do fato, ou da situação,
cessa também a norma (leis excepcionais).

A norma poderá ser eficaz e não ser efetiva, como no caso do casamento pelo regime
dotal. É uma norma eficaz, considerando sua não-revogação; no entanto, não é efetiva, pois
caiu em desuso.

O princípio fundamental é de que a lei posterior revoga a anterior.

b) Antinomia das leis

Como já mencionado, a classificação só tem interesse para resolver o fenômeno da


antinomia, ou seja, o conflito de leis. Todo conflito de leis tem solução, já que o juiz é
obrigado a decidir o caso concreto. Porém, alguns conflitos não podem seguir um critério
rígido de solução, devendo ser solucionados caso a caso (conflito real). Outros conflitos,
porém, adotam os princípios fundamentais para a solução, podendo ser seguido um critério
uniforme de solução, chamado conflito aparente de normas.

Assim, os critérios que podem ser adotados são:


• critério hierárquico: a lei superior revoga a inferior;

• critério da especialidade: a lei especial revoga a geral;

• critério cronológico: a lei posterior revoga a anterior.

1.5.2. Analogia
Analogia é fonte formal mediata do direito, utilizada com a finalidade de integração da
lei, ou seja, a aplicação de dispositivos legais relativos a casos análogos, ante a ausência de
normas que regulem o caso concretamente apresentado à apreciação jurisdicional (a que se
denomina anomia). Sua forma de utilização está melhor explicitada no item 3.4. deste
módulo.

1.5.3. Costumes
O direito consuetudinário ou costumeiro pode ser conceituado como a norma aceita
como obrigatória pela consciência do povo, sem que o Poder Público a tenha estabelecido.

O direito costumeiro apresenta os seguintes requisitos:


• subjetivo (“opinio necessitatis”): é a crença na obrigatoriedade, isto é, a crença
que, em caso de descumprimento, incide sanção;

• objetivo (diuturnidade): constância na realização do ato.

A diferença existente entre o costume e o hábito está no elemento subjetivo, que


inexiste neste último. Isso significa que no hábito existe a prática constante, porém, sem
a crença da sua obrigatoriedade.

Os costumes classificam-se em:

• “Contra legem”: o costume não respeita as normas constantes do sistema jurídico.


É a desobediência reiterada do comando legal com a crença na inefetividade da lei.
Temos, como exemplo, o costume de não respeitar o sinal vermelho, por questão
de segurança, após um determinado horário.

• “Praeter legem”: é aquele que amplia o preceito da lei. É previsão de uma conduta
paralela, não prevista pela lei; porém, não proibida por esta, podendo-se citar,
como exemplo, o cheque que, apesar de ser uma ordem de pagamento à vista,
funciona como uma garantia de pagamento, respeitando-se sua dupla condição. O
cheque pós-datado deve respeitar a data consignada para apresentação junto ao
sacado, embora a apresentação à vista garanta o pagamento.

• “Secundum legem”: é o costume segundo o qual, o próprio texto da lei delega ao


costume a solução do caso concreto. Esse caso é exemplificado pelo artigo artigo
569, inciso II, do Código Civil , que determina ao locatário pagar pontualmente o
aluguel segundo o costume do lugar, quando não houver ajuste expresso.

1.5.4. Jurisprudência
A jurisprudência é uma função atípica da jurisdição. São decisões reiteradas,
constantes e pacíficas do Poder Judiciário sobre determinada matéria num determinado
sentido. Não há necessidade de a jurisprudência ser sumulada para ser fonte. Aqui, cabe
ressaltar que a jurisprudência não pode ser confundida com a orientação
jurisprudencial, que é qualquer decisão do Poder Judiciário que esclareça a norma
legal. A orientação jurisprudencial é apenas um método de interpretação da lei e não
precisa de uniformidade, sendo rara a adoção da jurisprudência como fonte.

Existem três posições quanto à jurisprudência:

• corrente negativista: para essa corrente, a jurisprudência não é fonte e Direito;

• corrente jurisprudencialista: tudo se resolve pela jurisprudência;

• corrente eclética (realista): a jurisprudência pode ser usada desde que tenha
conteúdo científico.
SÚMULA VINCULANTE

Pontos Favoráveis Pontos


Desfavoráveis
Igualdade sistêmica. Torna o Direito estático.

Limita o número de Há a necessidade de


recursos para matériasmelhor sistematização dos
amplamente discutidas,métodos de criação e
desafogando o Judiciário. desconstituição sumular
atualmente existentes

1.5.5. Doutrina
Chamada Direito Científico, é o conjunto de indagações, pesquisas e pareceres dos
cientistas do Direito. Há incidência da doutrina em matérias não-codificadas, como no Direito
Administrativo e em matérias de Direito estrangeiro, não previstas na legislação pátria.

Há duas orientações:

• formalista: o doutrinador é o doutor em Direito. Até a década de 60, essa


orientação era pacífica;

• informal: não precisa ser escrita por doutor, bastando que seu autor consiga
imprimir ao trabalho coerente conteúdo científico.

1.5.6. Princípios gerais do Direito


São postulados que estão implícita ou explicitamente expostos no sistema jurídico,
contendo um conjunto de regras. Os princípios gerais de Direito são a última salvaguarda do
intérprete, pois este precisa se socorrer deles para integrar o fato ao sistema. De acordo com
as lições de Celso Antônio Bandeira de Mello, princípios são vetores de interpretação, que,
por sua generalidade e amplitude, informam as demais regras, constituindo a base de todo o
ramo do Direito ao qual se aplica.

1.5.7. Brocardos jurídicos


Brocardos jurídicos são frases, sentenças concisas e de fácil memorização, que
encerram uma verdade jurídica (exemplo: ne procedat judex ex officio – princípio da inércia
da jurisdição). Funcionam como meio integrativo, estando configurada hipótese de anomia.
Aplicam-se a todo o sistema jurídico, sendo muitas vezes traduzidos como normas do
ordenamento positivo. Exemplo: Exceptio non adimpleti contractus , que vem devidamente
previsto no artigos 476 e 477 do Código Civil.

2. EFICÁCIA DA LEI NO TEMPO

2.1. Princípios
Os princípios que regem a eficácia da lei no tempo são os seguintes:

• Princípio da obrigatoriedade (artigo 3.º da Lei de Introdução ao Código Civil):


segundo esse princípio, somente a norma jurídica publicada é obrigatória a todos e
ninguém poderá descumpri-la, alegando ignorância. Portanto, o erro de direito é
inescusável (ignorantia legis neminem excusat).

• Princípio da continuidade (artigo 2.º, “caput”, da Lei de Introdução ao Código


Civil): tal postulado estabelece que uma norma permanente só perderá a eficácia se
outra, de mesma ou superior hierarquia, vier modificá-la ou revogá-la. Portanto, a
norma jurídica não perde vigência pelo mero decurso do tempo.

• Princípio da irretroatividade (artigo 6.º da Lei de Introdução ao Código Civil): a


lei nova não pode retroagir para abarcar situações consolidadas por lei anterior.
Visa estabelecer a segurança jurídica do sistema, por intermédio do direito
adquirido, do ato jurídico perfeito e da coisa julgada.

2.2. "Vacatio Legis"

2.2.1. Conceito
Denomina-se vacatio legis o período de tempo que se estabelece entre a publicação e a
entrada em vigor da lei. A lei não produzirá efeitos durante a vacatio legis (artigo 1.º da Lei
de Introdução ao Código Civil), incidindo a lei anterior no sistema. Existem dois motivos
para sua existência:

• cognitivo: para que a lei seja levada ao conhecimento do destinatário antes de sua
vigência;

• instrumental: para que os órgãos da administração se aparelhem, para que a norma


ganhe efetividade.

2.2.2. Sistemas de "vacatio legis"


Exitem três sistemas distintos de vacatio legis, quais sejam:

Sistema simultâneo ou sincrônico: de acordo com esse sistema, que é o sistema


brasileiro, a lei sempre entra em vigor na mesma data em todo o território nacional.
Há, portanto, uma sincronia na entrada em vigor da lei.

Sistema progressivo: era o sistema da Lei de Introdução ao Código Civil anterior, no


qual a vigência era distinta para locais distintos do território nacional. Substituído por
gerar insegurança jurídica.

Sistema omisso: segundo esse sistema, não existe vacatio legis e toda lei entra em
vigor na data de sua publicação.

2.2.3. Espécies de “vacatio legis”


Há três espécies de leis referentes à vacatio legis:

– Lei com “vacatio legis” expressa: é a lei de grande repercussão, que, de


acordo com o artigo 8.º da Lei Complementar n. 95/98, tem a expressa disposição
do período de vacatio legis. Temos, como exemplo, a expressão contida em lei
deteminando "entra em vigor um ano depois de publicada".

– Lei com “vacatio legis” tácita: é aquela que continua em consonância com o
artigo 1.º da Lei de Introdução ao Código Civil, ou seja, no silêncio da lei entra em
vigor 45 dias depois de oficialmente publicada.

– Lei sem “vacatio legis”: é aquela que, por ser de pequena repercussão, entra
em vigor na data de publicação, devendo esta estar expressa ao final do texto legal.
2.2.4. Contagem
A Lei Complementar n. 107/01 estabelece em seu artigo 8.º, § 1.º, o seguinte: "A
contagem do prazo para entrada em vigor das leis que estabeleçam período de vacância far-
se-á com a inclusão da data de publicação e do último dia do prazo, entrando em vigor no dia
subseqüente a sua consumação integral".

2.3. Errata
Os erros encontrados na lei podem ser de duas espécies:

• Erro irrelevante: não influi na interpretação da norma, não havendo necessidade de


correção. É erro material, a ser corrigido de ofício pelo juiz.

• Erro substancial: implica divergência de interpretação e poderá ocorrer em três


fases distintas do processo legislativo:

• antes da publicação: a norma poderá ser corrigida sem maiores problemas;

• no período de “vacatio legis”: a norma poderá ser corrigida; no entanto, deverá


contar novo período de vacatio legis;

• após a entrada em vigor: a norma poderá ser corrigida mediante uma nova
norma de igual conteúdo.

Obs.: a Lei de Introdução ao Código Civil tratou da matéria no artigo 1.º, §§ 3.º e 4.º,
preocupando-se com o erro substancial antes da entrada em vigor.

2.4. Revogação da Norma


É a hipótese em que a norma jurídica perde a vigência porque outra norma veio
modificá-la ou revogá-la. A norma jurídica é permanente e só poderá deixar de surtir efeitos
se a ela sobrevier outra norma que a revogue. O desuso não implica a perda da vigência da
norma, e sim, a perda de sua efetividade.

A revogação de uma norma jurídica pode ser feita de duas formas:

• revogação expressa: um novo comando normativo dispõe expressamente a respeito


da perda da eficácia da norma anterior;

• revogação tácita: a nova norma jurídica se torna incompatível com a norma


anterior, ficando esta última revogada.

Essas duas modalidades de revogação podem se dar por ab-rogação ou derrogação:


• ab-rogação: é a revogação total da norma, ou seja, a norma antiga perde sua
eficácia na totalidade;
• derrogação: é a revogação parcial da norma, ou seja, a norma antiga continua
vigorando com alguns pontos revogados pela nova lei.

Para a verificação de revogação das normas, três critérios devem ser utilizados:
• hierárquico: verificar qual das normas é superior, independentemente da data de
vigência das duas normas (exemplo: um regulamento não poderá revogar uma lei
ainda que entre em vigor após esta);
• cronológico: a norma que entrar em vigor posteriormente irá revogar a norma
anterior que estava em vigor;
• especialidade: as normas gerais não podem revogar ou derrogar preceito ou regra
disposta e instituída em norma especial.

2.5. Não-repristinação da Norma


A não-restauração da norma é a impossibilidade que uma norma jurídica tem de, uma
vez revogada, voltar a vigorar no sistema jurídico pela simples revogação de sua norma
revogadora, ou seja, o “aniquilamento” da norma revogadora não restaura a norma revogada.
O motivo dessa não-restauração de normas é o controle do sistema legal para que se saiba
exatamente qual norma está em vigor. Admite-se, no entanto, a restauração expressa da
norma, ou seja, uma norma nova que faça tão-somente remissão à norma revogada poderá
restituir-lhe a vigência, desde que em sua totalidade.

2.6. Conflitos da Lei no Tempo

2.6.1. Introdução
O direito intertemporal visa solucionar os conflitos entre as novas e as velhas
normas, entre aquela que acaba de entrar em vigor e a que acaba de ser revogada. Isso
porque alguns fatos iniciam-se sob a égide de uma lei e só se extinguem quando outra
nova está em vigor. Para solucionar tais conflitos existem dois critérios:

– disposições transitórias: o próprio legislador no texto normativo novo concilia a


nova norma com as relações já definidas pela norma anterior;

– princípio da irretroatividade: a lei não deve retroagir para atingir fatos e efeitos
já consumados sob a lei antiga.

2.6.2. Direito adquirido


O direito adquirido é conceituado, de acordo com Gabba, como aquele que já se
incorporou definitivamente ao patrimônio e à personalidade de seu titular, ainda que de
efeitos latentes, de modo que nem a lei e nem fato posterior possa alterar tal situação
jurídica.O direito adquirido apresenta os seguintes limites:

• não prevalece contra normas constitucionais, exceto, para alguns doutrinadores,


se e quando decorrentes de emenda constitucional, pois o Direito adquirido é
cláusula pétrea, por ser direito previsto no artigo 5.º da Constituição Federal/;.

• retroage normas administrativas e processuais;

• retroage normas penais benéficas ao réu;

• retroage normas que dizem respeito ao estado e à capacidade das pessoas.

Dentro do conceito de Direito adquirido, existem dois que são espécies do gênero,
quais sejam:

• Ato jurídico perfeito

É o ato que tem aptidão para produzir efeitos. Alguns doutrinadores entendem que o
ato jurídico não difere do negócio jurídico; no entanto, outros entendem que a diferença
reside nos efeitos de um e de outro, tendo em vista que no ato jurídico os efeitos ocorrem
independentemente da vontade das partes (exemplo: pátrio poder), enquanto no negócio
jurídico os efeitos são perseguidos pelas partes (exemplo: contratos em geral).

O ato jurídico pode ser:

• instantâneo: aquele que, no momento de seu nascimento, já produz efeitos e, neste


caso, não existe conflito de leis (exemplo: compra e venda à vista de um imóvel);

• diferido: é o ato que produz efeito em momento único; todavia, a concretizar-se em


momento posterior à sua prática (exemplo: compra e venda, com entrega e
pagamento a prazo);

• de trato sucessivo, ou execução continuada: ato que produz efeitos periodicamente,


enquanto a relação jurídica se protrai no tempo (ex: contrato de locação com
pagamento de parcelas periódicas).

O ato jurídico perfeito divide-se em duas espécies:

• condicional: há manifestação de vontade; porém, os efeitos dependem de evento


futuro e incerto, diferente de mera expectativa de direito;

• termo: há manifestação de vontade; porém, os efeitos dependem de evento futuro e


certo.

b) Coisa julgada

De acordo com a doutrina de vanguarda, coisa julgada é a qualidade dos efeitos


da sentença, no sentido de lhes traduzir imutabilidade. Somente o dispositivo da
sentença, cuja função é analisar o pedido, fará coisa julgada, não podendo haver coisa
julgada quanto à fundamentação, em que se analisa a causa de pedir. A coisa julgada é
soberana, ou seja, não pode ser alterada por ação rescisória, se decorrido o prazo legal
para propositura desta (após o período de dois anos de trânsito em julgado, a questão
ficará inquestionável).

3. HERMENÊUTICA JURÍDICA

3.1. Conceito
Hermenêutica jurídica é a ciência, a arte da interpretação da linguagem jurídica. Serve
para trazer os princípios e as regras que são as ferramentas do intérprete. A aplicação, a
prática das regras hermenêuticas, é chamada exegese.

3.2. Espécies de Interpretação


Sob o critério da natureza, ou meios de fazê-la, temos as seguintes espécies de
interpretação:
• gramatical: busca o significado literal da linguagem, aplicando regras de
sistematização da língua;
• lógica: busca contextualizar a norma, visando o seu alcance, e tem por base as
normas anteriores e posteriores e o sistema em que está incluída;
• histórica: busca a intenção do legislador tanto no momento da feitura da norma
quanto na origem do seu instituto, preponderando a análise da situação fática
existente quando da edição do texto legal;
• teleológica (sociológica): busca a adaptação da norma ao contexto social existente
ao tempo de sua aplicação, alcançando a denominada interpretação evolutiva;
• sistemática: busca a interpretação contextual da norma, sua colocação nos textos
positivos, suas subordinações a outros textos, sua ordem na espécie legislativa que
a prevê e sua conseqüente seara de aplicação.

3.3. Sistemas de Interpretação


São três os sistemas de interpretação existentes:

• Sistema da livre pesquisa: o intérprete deve buscar a finalidade social da norma, ou


seja, deve buscar o bem comum. A livre pesquisa é o sistema utilizado no Brasil
(artigo 5.º da Lei de Introdução ao Código Civil).

• Sistema dogmático: o Direito só pode ser interpretado com base na lei. É inoperante
no sistema brasileiro.
• Sistema histórico-evolutivo (Savigny): é aquele que procura abrandar o sistema
dogmático. Como o anterior, também é inoperante no sistema brasileiro.

3.4. Passos na Interpretação e Integração da lei


São cinco os passos utilizados na interpretação da lei:

• primeiro passo: interpretação literal (gramatical);


• segundo passo: verificação dos quatro outros critérios (lógica + histórica +
teleológica + sistemática);
• terceiro passo: utilização da analogia, e no tocante a esta aplicação, cumpre
informar a existência de regra básica de hermenêutica apta a informar a aplicação
do meio integrativo analógico, traduzida na expressão latina ubi idem ratio, ibi
eadem dispositio (onde há a mesma razão, aplica-se a mesma disposição);
• quarto passo: uso das fontes secundárias (costumes + doutrina + jurisprudência);
• quinto passo: utilização dos princípios gerais do Direito.

1. Resultados da Hermenêutica Jurídica


Por fim, quanto aos resultados encontrados na aplicação dos meios de interpretação das
leis, a doutrina nos aponta três hipóteses de resultados, de acordo com a extensão da
mensagem legal:

• declarativo: hipótese prevista quando o intérprete entende ter a lei dito exatamente o que
pretendia em seu texto, sem restrições ou ampliações (também chamado resultado próprio);

• restritivo: assim denominado quando, na interpretação, o exegeta crê ter a lei dito mais do que
precisaria dizer, restringindo, portanto, o alcance da norma interpretada;

• extensivo: é o resultado encontrado quando se considera que o texto legal determina menos do
que queria, sendo necessária ampliação de seu campo de atuação para regulação normativa de
determinados casos concretos.

1. A Lei de Introdução e o Novo Código Civil


O Decreto-lei n. 4.657/42 não sofre nenhuma alteração ou revogação em qualquer de seus
dispositivos, com a entrada em vigor do Novo Código Civil (Lei n. 10.406/01). Isto porque,
conforme afirmamos no início do capítulo, o objeto tratado pela Lei de Introdução é distinto
do objeto do Direito Civil. Aliás, a Lei de Introdução não informa somente o Direito Civil,
inserindo princípios e regras de todo o ordenamento jurídico. Aqui cabe destacar que a Lei de
Introdução é posterior ao Código Civil de 1916 (Lei n. 3.071/16). Dessa forma, verificamos
que já não introduzia o Código Civil de 1916 e, portanto, não introduz também o novo
Código.
CURSO DO PROF. DAMÁSIO A DISTÂNCIA

MÓDULO II

DIREITO CIVIL
Parte Geral do Código Civil

__________________________________________________________________
Praça Almeida Júnior, 72 – Liberdade – São Paulo – SP – CEP 01510-010
Tel.: (11) 3346.4600 – Fax: (11) 3277.8834 – www.damasio.com.br
DIREITO CIVIL

Parte Geral do Código Civil

Prof. Vitor Frederico Kümpel

Os dispositivos da Parte Geral do Código Civil são informadores e servem de suporte


para os dispositivos da Parte Especial. Assim como em outros sistemas jurídicos, o estudo da
Parte Geral é pressuposto para o conhecimento dos dispositivos da Parte Especial.

Exemplificando temos o artigo 210 do Código Civil, que dispõe: “A anulação do


casamento contraído pelo coacto ou pelo incapaz de consentir, só pode ser promovida:”.
Estamos tratando de legitimados para promover a ação anulatória de casamento. Porém, para
sabermos quem é o coacto, ou quem é o incapaz de consentir, precisamos analisar,
respectivamente, tanto as disposições dos artigos 98 a 101 como dos artigos 5.º e 6.º do
Código Civil. Portanto, para entendermos aquele dispositivo da Parte Especial, ou seja, o
artigo 210 do Código Civil, acima transcrito, necessitamos ter uma clara noção dos institutos
a que nos referimos na Parte Geral do Código Civil. O legislador pressupõe o conhecimento
da Parte Geral quando disciplina a Parte Especial; por isso o cuidado no estudo.

A Parte Geral do Código Civil subdivide-se em três títulos, a saber:

• das pessoas: trata dos sujeitos da relação jurídica, isto é, pessoas físicas e
jurídicas que interagem em direitos e obrigações, visando o objeto do direito;

• dos bens: trata dos objetos da relação jurídica, podendo ainda ser dividido em
duas partes, quais sejam, dos bens considerados em si mesmos e dos bens reciprocamente
considerados;

• dos atos e fatos jurídicos: trata dos atos e fatos que formam a relação jurídica
entre os sujeitos e os objetos, e discorre sobre os defeitos dos atos jurídicos, abordando as
modalidades, forma e prova, culminando com nulidades, atos ilícitos, prescrição e
decadência.
1. DAS PESSOAS NATURAIS

Pessoa natural é o ser humano considerado como sujeito de direitos e obrigações. Para
ser uma pessoa, basta existir; basta nascer com vida, adquirindo personalidade.

O artigo 2.º do Código Civil dispõe: “Todo homem é capaz de direitos e obrigações na
ordem civil”. Com a palavra “homem”, o legislador afastou toda e qualquer situação em que
os animais fossem capazes de direitos e obrigações (ex.: um animal não poderá ser
beneficiado por testamento). O legislador utilizou a palavra “homem” como gênero da raça
humana, inserindo no conceito o homem e a mulher. Ademais, o artigo 2.º é o princípio
fundamental do Cristianismo em que todos são iguais, independentemente de qualquer outra
condição, em estrita obediência ao artigo 1.º, inciso III, da Constituição Federal, que
apresenta como pilastra fundamental da República do Brasil a dignidade da pessoa humana.

1.1. Capacidade
Capacidade é a medida da personalidade. Essa é a que confere à pessoa a qualidade de
ser titular de direitos; é adquirida com nascimento com vida. Há duas espécies de capacidade:

• Capacidade de direito: é a capacidade de aquisição de direitos, independendo


esta de qualquer qualidade ou pressuposto, sendo pura decorrência do nascimento com vida
(artigo 2.º do Código Civil). Isso significa que, se duas pessoas nasceram, uma sadia e outra
com acefalia, e morreram logo a seguir, ambas têm os mesmos direitos e obrigações na ordem
civil.

• Capacidade de fato: é a capacidade de exercício de direitos, de exercer, por si


só, os atos da vida civil. O Direito visa preservar a capacidade de exercícios de direitos, para
que só aqueles que têm plena cognição possam, por si, exercer direitos e obrigações. Os
demais deverão ser representados ou assistidos.

As pessoas que possuem os dois tipos de capacidade têm a chamada capacidade plena,
e aqueles que não possuem a capacidade de fato são chamados absoluta ou relativamente
incapazes, tendo a denominada capacidade limitada. No sistema brasileiro não existe
incapacidade de direito, visto que, se a pessoa nascer com vida tem capacidade de direito e se
não nasceu com vida não tem essa espécie de capacidade, ou seja, de direito. Ou a pessoa tem
personalidade ou não tem.
1.2. Incapacidade
Incapacidade é a restrição legal ao exercício pleno ou não dos atos da vida civil.

Não se pode confundir incapacidade com falta de legitimação. O critério para falarmos
em incapacidade é genérico. Assim, não pode o absolutamente incapaz praticar sozinho
nenhum ato da vida jurídica, podendo o relativamente incapaz praticar atos mediante
assistência. A falta de legitimação impede apenas a prática de um determinado ato da vida
jurídica, sendo, portanto, um critério específico.

Caso o absolutamente incapaz pratique sozinho qualquer ato da vida civil seu ato será
nulo, e na hipótese do relativamente incapaz, será anulável.

A classificação da incapacidade leva em consideração o grau de cognição da pessoa. É


uma classificação quanto ao grau, dividida em duas espécies:

• absoluta: acarreta a proibição total da prática dos atos da vida civil, sob pena de
nulidade; é suprida pela representação;

• relativa: permite a prática dos atos civis, desde que o incapaz seja assistido por
seu representante, sob pena de anulabilidade (artigo 147, inciso I, do CÓDIGO CIVIL); é
suprida pela assistência.

Existem algumas exceções em que os relativamente incapazes podem praticar atos


sozinhos, como, por exemplo, fazer um testamento, aceitar mandato para negócios, celebrar
contrato de trabalho com 18 anos etc. São atos que o sistema jurídico entende que a
assistência macularia a manifestação de vontade do incapaz.

Há uma grande preocupação no Código Civil quanto à proteção dos incapazes, tanto na
sua Parte Geral quanto na sua Parte Especial, todavia tal proteção, além de não ser absoluta,
integral, se submete a alguns requisitos. Por este motivo, o artigo 8.º do Código Civil
declarou expressamente que no sistema brasileiro de proteção que o Código dedica aos
incapazes, não se inclui o restitutio in integrum (benefício de restituição).

No Direito romano havia o instituto do benefício de restituição, que era a possibilidade


de se anular um negócio válido unicamente porque se demonstrou, com o tempo, que não foi
benéfico ao incapaz. O instituto desprestigiava o terceiro de boa-fé, mesmo nos negócios em
que nenhuma das partes tinha qualquer prejuízo patrimonial. Obviamente, o sistema brasileiro
não podia compactuar com este instituto.
1.2.1. Incapacidade absoluta – artigo 5.º do Código Civil
São considerados absolutamente incapazes os:

• menores de 16 anos;

• loucos de todo o gênero;

• surdos-mudos;

• declarados ausentes pelo juiz.

a) Menores de 16 anos

São os menores impúberes. O legislador utilizou o critério biológico, considerando a


maturidade da pessoa. Os menores de 16 anos apresentam desenvolvimento mental
incompleto, sendo carecedores de auto-orientação. Alguns sistemas jurídicos entendem que
só deveriam ser absolutamente incapazes os menores de 14 anos.

b) Loucos de todo o gênero

O Decreto-lei n. 24.559/34 trata minuciosamente da situação dos loucos. Autoriza o


juiz, na sentença de interdição, fixar os limites à curatela.

Para garantir que não ocorram interdições de pessoas capazes, o interditando deverá
ser citado no processo, para que exerça sua defesa. Havendo sentença de interdição, esta
deverá ser publicada, pelo menos, três vezes em jornal local.

Sempre que um louco, já interditado, praticar qualquer ato jurídico sozinho, este será
nulo, ainda que a terceira pessoa não soubesse da existência da sentença de interdição,
considerando-se a presunção da publicidade. Nosso ordenamento não admite os denominados
intervalos lúcidos.

Para se decretar a interdição, é fundamental o exame médico que comprove a doença


mental. O juiz deverá, ainda, realizar um exame pessoal do interditando, na forma de
interrogatório com perguntas básicas, como, por exemplo, nome de parentes, endereço,
número de telefone etc.

O Código Civil é omisso com relação ao ato jurídico praticado por loucos antes da
interdição. Como não existe a presunção da publicidade, a jurisprudência se manifestou nesse
sentido da seguinte forma: “Em princípio é nulo o ato praticado por louco, ainda que não haja
interdição, tendo em vista o Código Civil haver mencionado loucos de todo o gênero. No
entanto, se terceira pessoa envolvida alegar boa-fé, ou seja, demonstrar que o negócio foi
realizado em condições normais (sem abuso) e que a loucura não era notória (aparentemente o
louco parecia normal e a loucura não era de conhecimento de todos), pode-se validar o ato
jurídico”.

O Decreto-lei n. 891/38 regulou a interdição dos toxicômanos, ou seja, aqueles que, em


virtude do uso de tóxicos, perdem sua capacidade mental. Como nem sempre a dependência
de tóxicos torna o toxicômano absolutamente incapaz, o referido Decreto-lei permitiu a
fixação de limites para a curatela em caso de interdição, ou seja, o juiz pode considerar o
toxicômano relativamente incapaz, entendendo que ele poderá praticar alguns atos jurídicos.
Com base nesse Decreto-lei, podem-se interditar, também, os alcoólatras.

O Decreto-lei n. 24.559/34 distingue ainda o psicopata em absoluta ou relativamente


incapaz, devendo o juiz fixar os limites de sua interdição. Dependendo da hipótese, o
interditando deverá ser representado ou assistido para os atos da vida civil. Como já exposto
anteriormente, os psicopatas são equiparados aos toxicômanos para os mesmos efeitos
jurídicos.

A sentença de interdição é uma sentença meramente declaratória e não constitutiva,


gozando, conforme já visto, de eficácia ex tunc (retroativa). Existem alguns autores que
entendem que a sentença é constitutiva em seus efeitos.

c) Surdos-mudos

Apesar do artigo 5.º do Código Civil citar os surdos-mudos, nem todos podem ser
considerados absolutamente incapazes. Serão considerados como tal somente aqueles que não
tiverem condição alguma de se comunicar. Em caso de interdição, o juiz fixará os limites da
curatela do surdo-mudo, baseando-se na sua sanidade mental.

De acordo com o grau de comunicação, os surdos-mudos poderão ser considerados


capazes, relativamente incapazes ou absolutamente incapazes.

Atenção para o fato de o Código Civil não ter considerado o cego incapaz, já que este
gozou de presunção de fácil adaptabilidade à vida social e ao trabalho.

d) Ausentes declarados por ato do juiz

Os ausentes são aquelas pessoas que desaparecem de seu domicílio sem dar notícia de
seu paradeiro e sem deixar um representante. O ausente é aquele que possui patrimônio a ser
protegido. Portanto, para que a ausência surta efeitos, precisa restar caracterizado: 1) o
desaparecimento da pessoa; 2) a inexistência de representante; 3) a existência de bens.

O processo de ausência exige o decurso de determinado lapso, exigindo a publicação


de editais por, no mínimo, um ano, de dois em dois meses. Após esse período, torna-se
possível o requerimento de abertura da sucessão provisória (conseqüentemente declarando a
ausência), e, prolatada a sentença, esta só produzirá efeitos após seis meses da publicação
(artigo 1.165, do Código de Processo Civil).

A declaração provisória de ausência não considera o ausente como morto, provocando


apenas efeitos patrimoniais. Em caso de retorno do ausente, ele terá seu patrimônio de volta.

Para se resolver o problema de pessoas que desaparecem em catástrofes (todos sabem


que faleceu, mas o corpo não é encontrado), a Lei n. 6.015/73 (Lei de Registros Públicos), em
seu artigo 88, previu uma justificação de óbito que deverá ser feita na comarca do local onde
a pessoa desapareceu.
Na realidade, o ausente não é um incapaz. O ausente apenas tem natureza jurídica de
morto, conforme determina o artigo 10 do Código Civil.

1.2.2. Incapacidade relativa – artigo 6.º do Código Civil


São considerados relativamente incapazes:

• os maiores de 16 e menores de 21 anos;

• os pródigos;

• os silvícolas.

a) Maiores de 16 anos e menores de 21 anos (menores púberes)

Embora exista um sistema de proteção aos menores incapazes, os menores púberes


perdem essa proteção caso pratiquem qualquer ato disposto nos artigos 154 a 156 do Código
Civil.

Para efeitos civis, os menores púberes são equiparados aos maiores quanto às
obrigações resultantes de atos ilícitos dos quais forem culpados (artigo 156 do Código Civil).

Os atos praticados pelos relativamente incapazes são meramente anuláveis, sendo que
a validade de tais atos depende da assistência por um terceiro capaz. Porém, se o menor
relativamente incapaz praticar um ato doloso ou buscar se eximir de uma obrigação legal, ou
ainda, obtiver ganho com seu ato, não poderá invocar sua menoridade para anular o negócio
jurídico. Aliás, haverá sempre responsabilidade solidária com o maior.

b) Pródigos

Os pródigos são aqueles que não conseguem reter os seus bens e acabam chegando à
miséria. O pródigo não é considerado louco; apenas possui um desvio de personalidade,
podendo ser, no entanto, interditado a fim de se proteger sua família. O conceito de família é
restrito ao cônjuge, aos descendentes e aos ascendentes.

A interdição do pródigo apresenta três características:

• se ele tiver família, poderá ser interditado;

• se ele não tiver família, não poderá ser interditado, tendo em vista não haver a
quem proteger;

• a restrição que sofre é muito pequena, apenas se limitando à prática de atos


que acarretem a redução de seu patrimônio (exs.: alienação, doação etc.).
No caso de casamento de pródigo interditado, este deverá ter autorização de seu
curador (artigo 183, inciso XI, do Código Civil). Alguns juristas, no entanto, baseados no
artigo 459 do Código Civil, que limita ao pródigo tão-somente atos que dilapidem o seu
patrimônio, entendem que este poderá casar-se sem autorização do curador.

O Ministério Público poderá requerer a interdição se houver somente filhos menores,


não existindo qualquer pessoa da família que tenha capacidade para requerê-la. A
jurisprudência incluiu a companheira no rol da família para requerer a interdição do pródigo.

c) Silvícolas

Existe uma lei federal (Estatuto do Índio - Lei n. 6.001/73) que regulamenta a tutela
dos silvícolas, que ficam sob a proteção da União (tutela estatal). Na vigência da lei anterior à
Lei n. 6.001/73, foi criado um órgão para tutelar os silvícolas em nome do Estado: a
Fundação Nacional do Índio (Funai).

Os silvícolas não possuem registro de nascimento civil, mas sim registro específico, na
própria Funai.

Se um silvícola se adaptar à civilização, poderá requerer sua emancipação, tornando-


se, assim, pessoa capaz. Para a emancipação, os silvícolas devem comprovar que já
completaram 21 anos de idade, que conhecem a língua portuguesa e que estão adaptados à
civilização, podendo exercer uma atividade útil.

O Estatuto do Índio (Lei n. 6.001/73) dispõe que todo ato praticado por silvícola, sem a
assistência da Funai, é nulo. O próprio Estatuto, no entanto, dispõe que o juiz poderá
considerar válido o ato se constatar que o silvícola tinha plena consciência do que estava
fazendo e que o ato não lhe foi prejudicial.

1.3. Cessação da Incapacidade


Cessa a incapacidade quando desaparece a sua causa ou quando ocorre a emancipação
(ex.: se a causa da incapacidade é a menoridade, quando a pessoa completar 21 anos, cessará
a incapacidade).

A emancipação pode ser de três espécies (artigo 9.º, § 1.º, do Código Civil): voluntária,
judicial e legal.

a) Emancipação voluntária

É aquela decorrente da vontade dos pais. A idade mínima para a emancipação é 18


anos. Apesar de o artigo 9.º, § 1.º, do Código Civil, em sua redação original, se referir tão-
somente ao pai como capaz para conceder a emancipação ao filho, isto foi superado pela Lei
dos Registros Públicos, que fala em emancipação concedida pelos pais.
O mais comum é emancipar comparecendo ao cartório e fazendo uma escritura
pública. Pode-se emancipar, no entanto, por instrumento particular que, obrigatoriamente,
deverá ser levado a registro para que produza efeitos. Depois de devidamente registrada, a
emancipação não poderá ser revogada, visto que é irretratável.

Hoje a jurisprudência é dominante no sentido de que os pais que emancipam os filhos


por sua vontade não se eximem da responsabilidade solidária em relação aos atos ilícitos
praticados pelos filhos menores púberes, até a maioridade destes.

b) Emancipação judicial

É aquela decretada pelo juiz. O menor sob tutela só poderá ser emancipado por ordem
judicial, considerando que o tutor não pode emancipar o tutelado.

c) Emancipação legal

Decorre de certos fatos previstos na lei (exs.: casamento, estabelecimento do menor


com economia própria, recebimento do diploma de curso superior etc.).

Independentemente da idade, o casamento emancipa os menores. É um ato previsto em


lei, que culmina na emancipação. No caso de casamento nulo, os efeitos da emancipação não
serão válidos, voltando os menores à condição de incapazes, salvo em relação ao cônjuge que
contraiu o casamento de boa-fé, que por ser putativo em relação a este, produz todos os
efeitos.

No caso de leis especiais, como o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), o


Código de Trânsito Brasileiro etc., sempre irão se sobrepor ao Código Civil em relação à
emancipação de menores, ou seja, mesmo emancipados, os menores não poderão praticar atos
não permitidos pelas leis especiais (ex.: um rapaz emancipado com 17 anos não pode obter
carteira de habilitação para dirigir, visto que a idade mínima para adquirir permissão ou
habilitação é de 18 anos).

Há somente dois casos em que o menor poderá se emancipar antes de completar 18


anos, quais sejam:

• com o casamento: mesmo que o casamento seja nulo ou anulável, (nestes dois
primeiros casos, surtindo efeitos somente em relação ao cônjuge de boa-fé) ou ocorra a
separação, ou mesmo o divórcio, uma vez tendo se tornado capaz, não volta o menor à
incapacidade;

• com obtenção de diploma de nível superior.


1.4. Início da Personalidade Natural
Inicia-se a personalidade natural a partir do nascimento com vida. De acordo com o
disposto no artigo 4.º do Código Civil, a personalidade civil começa a existir do nascimento
com vida; porém, a lei protege, desde a concepção, os direitos do nascituro. Os direitos do
nascituro, entretanto, estão condicionados ao nascimento com vida, ou seja, se nascer morto,
os direitos eventuais que viria a ter estarão frustrados.

O nascituro é titular de direitos eventuais não deferidos, ou seja, são direitos sob
condição suspensiva, que só serão deferidos a ele a partir do nascimento com vida. O
nascituro é um ser em expectativa, tendo em vista ainda não ter personalidade. Sendo um
titular de direitos eventuais, aplica-se ao nascituro o previsto no artigo 121 do Código Civil,
que permite ir a juízo a fim de se tomar precauções em relação aos seus direitos.

De acordo com o artigo 53 da Lei n. 6.015/73 (Lei dos Registros Públicos), os


natimortos deverão ser registrados. Se a criança nascer e respirar durante alguns segundos
antes de morrer, adquiriu personalidade civil e deverá haver um registro de nascimento e um
de óbito. A importância de se constatar se a criança respirou ou não, adquirindo ou não
personalidade, está, por exemplo, em casos de herança, visto que, se a criança adquiriu
personalidade, estará na qualidade de herdeiro.

A docimasia hidrostática de Galeno consiste numa experiência realizada para verificar


se a criança respirou ao nascer. Com base em tal experimento, retirava-se o pulmão da
criança, mergulhando-o em um recipiente com água. Se o pulmão flutuasse, constatava-se que
nele havia entrado ar, ou seja, a criança havia respirado.

1.5. Extinção da Personalidade Natural


De acordo com o disposto no artigo 10 do Código Civil, termina a existência da pessoa
natural com a morte (morte real), presumindo-se esta quanto aos ausentes nos casos dos
artigos 1167, II, do Código de Processo Civil e 482 do Código Civil.

A doutrina chama a declaração de ausência “morte presumida”. Seus efeitos, no


entanto, diferem da morte real, tendo em vista só atingirem a esfera patrimonial.

A morte simultânea é o falecimento de duas ou mais pessoas no mesmo lapso. Essas


pessoas são chamadas comorientes. Se não houver meios de saber qual das pessoas morreu
primeiro, aplica-se o disposto no artigo 11 do Código Civil, ou seja, a presunção de que
morreram todas simultaneamente. Essa presunção de comoriência tem como conseqüência a
impossibilidade de transferência de direitos entre estes, ou seja, os comorientes não herdam
um do outro.

Ocorre o resquício da morte civil quando uma pessoa, embora viva, é tratada como
morta, perdendo os seus direitos civis. No Direito brasileiro está prevista no artigo 1.599 do
Código Civil, só apresentando efeitos em relação à herança.
1.6. Individualização da Pessoa Natural
Três são os elementos individualizadores da pessoa natural:

• nome;

• estado;

• domicílio.

1.6.1. Nome
O nome apresenta dois aspectos:

• aspecto individual: diz respeito ao direito que todas as pessoas têm ao nome;

• aspecto público: é o interesse que o Estado tem de que as pessoas possam se


distinguir umas das outras; nesse sentido, regulamentou a adoção de um nome por meio da
Lei n. 6.015/73 (Lei dos Registros Públicos).

O nome integra os direitos da personalidade e é composto por até cinco elementos:

• prenome;

• patronímico;

• agnome;

• título (axiônimo);

• partícula.

a) Prenome

O prenome pode ser simples ou composto e é escolhido pelos pais. A regra é de que o
prenome é definitivo (artigo 58 da Lei n. 6.015/73). O nome não goza de imutabilidade,
apenas de definitividade. Com o advento da Lei n. 9.807/99, além da Lei n. 9.708/98, o
prenome, que até então era imutável, passou a ser definitivo, sendo alterado em algumas
hipóteses acrescidas a outras já existentes antes da reforma. São elas:
• Em caso de evidente erro gráfico: quando o escrivão grafou o nome equivocado
e necessita de uma correção (ex.: o nome deveria ser escrito com Ç e foi escrito com SS). A
mudança pode ser feita por requerimento simples ao próprio cartório e será encaminhada para
o juiz-corregedor deste, sendo ouvido o Ministério Público. Se o juiz verificar que realmente
houve um erro, autorizará a sua correção.

• Prenomes que exponham o seu portador ao ridículo: hoje é mais difícil alguém
registrar o filho com prenome que o exponha ao ridículo, visto que, com a Lei n. 6.015/73, o
escrivão tem o dever de não registrar tais prenomes. Os pais poderão requerer autorização ao
juiz no caso de o escrivão não registrar o nome escolhido. Caso haja necessidade da mudança
do prenome por este motivo, deve-se propor ação de retificação de registro e, se o juiz se
convencer, autorizará a mudança. Em todos os pedidos de retificação, o Ministério Público
requer que o juiz exija do requerente a apresentação da folha de antecedentes.

• Artigo 58 da Lei de Registros Públicos: foi dada nova redação ao citado artigo
que dispôs sobre a mudança do prenome para o apelido popular (exs.: Pelé, Xuxa etc.).

• Lei de Proteção às Testemunhas: as pessoas que entrarem no esquema de


proteção à testemunha podem mudar o prenome e, inclusive, o patronímico, visando
permanecerem no anonimato.

• ECA: o Estatuto da Criança e do Adolescente criou nova exceção, no caso de


sentença que determina a adoção plena, em que se cancela o registro da criança, podendo os
adotantes mudar tanto o prenome quanto o patronímico.

• Também é possível a mudança para o prenome de uso, ou seja, aquele nome


que todos conhecem; porém, não é o que consta do registro geral (jurisprudencial).

• É possível ainda mudar o prenome para a tradução de prenome estrangeiro.


Temos, como exemplo, o nome William que traduzido para o português é Guilherme, bem
como James, que traduzido torna-se Tiago.

b) Patronímico

Patronímico é o que designa a origem familiar da pessoa. Não é escolhido pelos pais,
visto que a pessoa já nasce com o patronímico deles. O patronímico também poderá ser
mudado:

• Em caso de adoção plena.

• Com o casamento ( visto que tanto a mulher quanto o homem poderão utilizar o
patronímico um do outro). Trata-se de uma faculdade do casal, e se a mulher não quiser, não
será obrigada a fazer uso do patronímico do marido.

• A dissolução do casamento poderá mudar o patronímico, ou seja, a mulher que


utilizou o patronímico do marido, quando do casamento, com a dissolução poderá voltar a
usar seu nome de solteira. A Lei dos Registros Públicos dispôs que a companheira também
pode utilizar o patronímico de seu companheiro, mas se colocaram tantos obstáculos que
raramente se vê um pedido deferido feito pela companheira.

De acordo com o artigo 56 da Lei de Registros Públicos, qualquer pessoa poderá, no


primeiro ano após completar a maioridade, fazer mudanças no seu nome completo, desde que
não modifique seu patronímico. Combinando-se, no entanto, esse artigo com o artigo 58 da
mesma lei (prenome imutável), admite-se somente a inclusão de patronímico dos pais que não
foram acrescentados, para se fugir dos homônimos. Se transcorrer o período disposto no
artigo 56, poderá, ainda, fazer a mudança pelos mesmos motivos (artigo 57). A diferença é
que no artigo 56 a mudança será administrativa e no caso do artigo 57 deve ser o pedido
motivado e mediante ação judicial.

c) Agnome

Agnome é a partícula acrescentada ao final do nome para diferenciar as pessoas do


mesmo tronco familiar e que possuam o mesmo prenome e nome. Como exemplo, o nome
João Manoel da Silva. Outra pessoa da família receberá o nome João Manoel da Silva Júnior,
Neto, Sobrinho, Segundo, a depender do grau de parentesco.

d) Título (Axiônimo)

Título é o designativo da pessoa advindo de um grau acadêmico, nobiliário ou


profissional. Incluem-se também os pronomes de tratamento, como, por exemplo,
Desembargador Fulano de Tal. O título acompanha o nome onde quer que seja usado. Outro
exemplo é Doutor Fulano de Tal, incorporando ao nome o título acadêmico.

e) Partícula

Partícula é a preposição que dá sonoridade ao nome. Exemplo: João da Silva.

1.6.2. Estado
O estado é a soma das qualificações da pessoa na sociedade. Apresenta três aspectos:

• aspecto individual: diz respeito ao modo de ser das pessoas; são as


características pessoais que representam a individualidade (ex: altura, peso, cor etc.);

• aspecto familiar: diz respeito à posição que ocupam na família (ex: casado,
solteiro etc.);

• aspecto político: diz respeito à qualificação de nacionalidade e cidadania.

O estado possui três características importantes:

• irrenunciabilidade: não se pode renunciar aquilo que é característica pessoal;

• inalienabilidade: não se pode transferir as características pessoais;


• imprescritibilidade: o simples decurso do tempo não faz com que as pessoas
percam o estado.

1.6.3. Domicílio
Domicílio é a sede jurídica da pessoa; é o local onde ela é encontrada. De acordo com
o artigo 31 do Código Civil “é o local em que a pessoa estabelece a sua residência com ânimo
definitivo”.

Assim, o conceito do artigo 31 do Código Civil apresenta dois elementos:

• elemento objetivo: é a residência;

• elemento subjetivo: é o ânimo definitivo.

É possível que a pessoa tenha mais de um domicílio. O artigo 32 do Código Civil


dispõe que a pessoa poderá ter mais de um domicílio quando tiver:

• mais de uma residência onde alternadamente viva;

• vários centros de ocupações habituais.

Existe a possibilidade de a pessoa ter domicílio, mas não ter residência. É o caso
daquelas pessoas que viajam muito a trabalho, vivendo em hotéis e que antigamente eram
chamados “caixeiros-viajantes”. O artigo 33 do Código Civil dispõe que as pessoas que não
tiverem residência fixa terão como domicílio o local onde forem encontradas.

Existem duas espécies de domicílio:

• Necessário: é aquele determinado pela lei (ex.: os incapazes têm por domicílio o
mesmo de seus representantes; o domicílio do funcionário público é o local onde exerce suas
funções etc.). A mulher não tem mais domicílio necessário, visto a isonomia prevista na
Constituição Federal/88.

• Voluntário: o domicílio voluntário pode ser:

- Comum: aquele escolhido pela pessoa e que poderá ser mudado por ela; sua
conduta é que irá mostrar se teve ou não intenção de mudar o seu domicílio.

- Especial (artigo 42 do CÓDIGO CIVIL): aquele que possibilita aos contratantes


estabelecer um local para o cumprimento das obrigações (foro de contrato) ou
um local para dirimir quaisquer controvérsias surgidas em decorrência do
contrato (foro de eleição). A pessoa privilegiada poderá, no entanto, renunciar
ao foro eleito para se utilizar do foro do domicílio do réu. Não terá validade o
foro de eleição em contrato de adesão, salvo se não prejudicar o aderente.
A seguir, são apresentados comentários a respeito das modificações processadas pela
Lei n. 10.406/02, que institui o Novo Código Civil.

1.7. Alterações da Lei n. 10.406, de 10.1.2002 – Novo Código Civil


• O
novo Código Civil não contém mais disposição preliminar, por não considerar mais
importante a divisão do Direito Público com o Direito Privado.

• A
expressão “todo homem” do atual artigo 2.º é substituída pela expressão “toda
pessoa”, que é mais abrangente e mais próxima da nomenclatura utilizada pela lei.

• Nã
o se utiliza mais a expressão “obrigações”, referentes aos direitos e obrigações na
ordem civil, comum a todas as pessoas; tal expressão é substituída pela palavra
“deveres”, no texto do artigo 1.º.

• M
antém-se a divisão das pessoas em pessoa natural e pessoa jurídica, em que pese à
tentativa de substituição do termo “pessoa natural”, por pessoa física, pessoa
humana.

1.7.1. Capacidade e Maioridade Civil


o O Novo Código não diferencia em seu texto, a capacidade de aquisição de
direitos (de direito, ou de gozo), da capacidade de exercício (de fato, ou processual). Assim,
mantém-se a dificuldade de o interprete diferenciá-las, notadamente no que tange à
necessidade de assistência e representação para a proteção dos direitos conferidos.

o Nota-se no novo diploma civil o tratamento dos incapazes de forma evolutiva,


partindo da incapacidade absoluta, que passa a ter somente três classes, à incapacidade
relativa, e em determinados casos, a depender do grau em que os fatores de incapacidade se
expressam, poderão ser enquadrados nas causas de incapacidade relativa ou absoluta.

o Segundo o artigo 2.º do Novo Código, o nascituro permanece titular de direitos


eventuais, subordinados à condição suspensiva traduzida no seu “nascimento com vida”,
determinada no artigo como momento de início da personalidade. Os representantes
continuam capacitados a tomar as medidas necessárias à proteção dos direitos eventuais do
nascituro (art. 130). Registra-se que, em relação às emendas à nova parte geral, em trâmite no
Congresso, de autoria da doutrinadora Maria Helena Diniz, uma delas propõe o afastamento
da expressão “concepção”, para colocação de proteção aos direitos eventuais não só do
nascituro, mas também aos embriões, em razão da expressa previsão de estabelecimento de
parentesco e proteção sucessória a estes últimos, mesmo oriundos de inseminação artificial
homóloga, a exemplo do artigo 1597, incisos III e IV, do Novo Diploma.

1.7.2. Absoluta e Relativamente Incapazes

• Entre os absolutamente incapazes não constam mais “os loucos de todo


gênero”. Expressão pejorativa que foi substituída por "enfermidade ou deficiência mental".
Os menores de 16 anos permanecem no rol.

• Atualmente, o louco é civilmente irresponsável. Quem responde é o curador, e


se este não possui bens, a vítima permanecerá irressarcida.

• Pelo novo Código Civil, de acordo com o artigo 928, o curador responde pelos
atos de seu curatelado. Todavia, há a possibilidade de responsabilização subsidiária do
deficiente mental, caso este possua bens e fique demonstrada a ausência de culpa de seu
curador, atendendo ao princípio da vedação do enriquecimento sem causa. Por este artigo, a
vítima foi beneficiada.

• A expressão “surdos-mudos”, com o novo texto, fica absorvida como


modalidade de deficiência capaz de tornar a pessoa “excepcional”. Assim, os excepcionais,
sem desenvolvimento mental completo, qualquer que seja a sua causa, são considerados
relativamente incapazes. Note-se que se a eficiência for tal, que venha a suprimir toda a
capacidade de discernimento do indivíduo, será considerado absolutamente incapaz.

• “Aqueles que transitoriamente não conseguem exprimir sua vontade”, passam a


ser considerados, por via de regra, absolutamente incapazes. Podem, todavia, mediante
perícia, ser considerados relativamente incapazes, a depender do grau de deficiência”.

• Os ébrios habituais, toxicômanos, demais assemelhados, e todos os que tenham,


por doença mental, o discernimento reduzido, passam da lei especial (Decreto de assistência
aos psicopatas) para o novo Código Civil, para serem tratados como relativamente incapazes.
Aqui se incluem aqueles que, mesmo por causas transitórias, não consigam exprimir sua
vontade, desde que comprovado mediante perícia.

• Os pródigos permanecem no rol dos relativamente incapazes, e os índios são


remetidos à legislação especial, ressaltando-se que já existe regulação pelo Estatuto do Índio
(Lei n. 6.001/73).

• A morte presumida pode ser declarada sem prévia declaração de ausência,


quando for extremamente provável a morte daquele que estava em perigo de vida ou daquele
que desapareceu por dois anos após o término de guerra. Desta forma, transporta-se para o
texto do Novo Código (art. 7.º), regra anteriormente prevista na Lei dos Registros Públicos. É
de ressaltar que o procedimento de ausência permanece previsto no diploma civil, todavia,
para fins sucessórios, não se considerando mais como causa de absoluta incapacidade. Por
fim, nos casos do artigo 7.º, o cônjuge da pessoa presumivelmente morta poderá se casar
novamente, e caso o morto presumido reapareça, deverá ser declarada a nulidade do segundo
matrimônio contraído por seu cônjuge, todavia, será considerado putativo em relação a este,
surtindo todos os efeitos, notadamente os de cunho patrimonial.

1.7.3. Maioridade Civil

• O maior de 18 anos passa a gozar de capacidade plena, substituindo a antiga


regra que previa a capacidade plena somente aos 21 anos.

• A maioridade se inicia aos 18 anos (artigo 5.º, “caput”). Desta feita, os pais só
responderão pelos atos ilícitos dos filhos menores; por sua vez, as vítimas poderão acionar
somente os autores do ilícito, quando forem maiores de 18 anos.

• Antes, quando o agente de um ilícito tinha até 21 anos, a vítima poderia acioná-
lo, bem como aos seus pais. Era melhor para a vítima (art.156 do CC).

• Com o novo Código Civil, só os pais podem ser acionados quando menores de
18 anos cometerem atos ilícitos. Mas se os responsáveis não têm bens, ou não têm a
obrigação de fazê-lo, pode-se voltar contra o incapaz (artigo 928).

• Assim, a responsabilidade dos menores do novo Código Civil é subsidiária e


mitigada.

• A emancipação pode ocorrer a partir dos 16 anos e não mais a partir dos 18
anos. Porém, só pode ocorrer por escritura pública, diferente do sistema anterior.

• O maior de 16 anos, que se estabeleça civil ou comercialmente, ou assuma


relação empregatícia, desde que, em função do estabelecimento ou emprego, venha possuir
economia própria, também passa a gozar de maioridade.

• O Novo Código Civil não contempla mais, de forma expressa, o dispositivo que
vedava a “restitutio in integrum”, que é previsto pelo artigo 8.º do atual Código Civil. O
texto do Código Civil de 1916 não confere proteção integral ao incapaz, impossibilitando o
desfazimento de qualquer negócio jurídico válido e regular que o envolva, simplesmente pelo
fato de envolvê-lo . O novo sistema presume a impossibilidade de proteção integral, todavia
não traz a vedação expressa em seu texto.

1.7.4. Personalidade

• Os direitos da personalidade, encontram proteção expressa no texto do novo código,


permanecendo em regra intransmissíveis e irrenunciáveis, além de, por óbvio, imprescritíveis.
A lei pode, excepcionalmente, permitir a disposição de tais direitos, a exemplo da doação de
órgãos, em vida, para fins de transplante a terceiros, conforme a Lei n. 9434/97 dispõe. Em
regra, a cirurgia ablativa (mudança de sexo), realizada pelos transexuais, permanece vedada.
• A nova lei, em seu artigo 16, contempla o direito a todo ser humano de ter nome e
sobrenome, consagrando assim a expressão coloquial “sobrenome”, e preterindo, por
conseqüência, a expressão técnica “patronímico”, ou apelido de família, há muito utilizada
pela legislação civil, notadamente a lei de registros públicos.

• O artigo 19 possibilita também ampla proteção, agora pela lei geral, do pseudônimo
consagrado, desde que utilizado para fins lícitos, mesmo sem necessidade de registro, ao
menos a priori.

• A vida privada das pessoas alcança proteção judicial preventiva e repressiva, não só
com o direito a reparação, mas também com direito a medidas judiciais que venham a tolher
lesões iminentes, conforme reza o artigo 21 do Novo Código Civil.

Em relação ao domicílio, a mudança importante que se registra é a criação do domicílio


profissional, que pode ser interpretado como nova nomenclatura do “centro de ocupações
habituais”.
CURSO DO PROF. DAMÁSIO A DISTÂNCIA

MÓDULO III

DIREITO CIVIL
Pessoas Jurídicas
Bens

__________________________________________________________________
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DIREITO CIVIL

Pessoas Jurídicas

Bens

Prof.Vitor Frederico Kümpel

1. DAS PESSOAS JURÍDICAS

1.1. Conceito
A necessidade cada vez maior de circulação de riquezas para a sociedade, como fator
de desenvolvimento coletivo, social, econômico e tecnológico, fez com que se
desenvolvessem em nossa sociedade grupos afins de atuação conjunta na busca de objetivos,
quando menos, semelhantes. Assim ocorreu com as corporações de ofício que, ao lado dos
feudos da Idade Média, transformaram não só as práticas comerciais da época, mas todo o
direito comercial, sendo considerados verdadeiros embriões das revoluções industriais e
comerciais posteriores. Todavia, ante a necessidade crescente de agilidade nas negociações
operadas por entes coletivos, bem como a necessidade de resguardo ante aos atos por estes
praticados, são criadas as pessoas jurídicas, objeto deste estudo, abaixo conceituadas.

Assim, pessoas jurídicas são entidades às quais a lei empresta personalidade,


capacitando-as a serem sujeitos de direitos e obrigações. A principal característica da pessoa
jurídica é o fato de ela possuir personalidade própria distinta da personalidade de cada um de
seus membros, nos termos do artigo 20, do Código Civil.

1.2. Natureza jurídica


Várias foram as teorias criadas para fundamentar a existência das pessoas jurídicas
que, por sua vez, dividiram-se em dois grandes grupos: as teorias da ficção e as teorias da
realidade. De acordo com os preceitos defendidos pelas “teorias da ficção”, a pessoa jurídica
não possui personalidade, sendo considerada uma verdadeira ficção doutrinária ou ficção
legal. Essas teorias não foram admitidas no sistema jurídico brasileiro, tendo em vista ser o
próprio Estado uma pessoa jurídica de Direito Público, da qual emana o Direito pátrio. Assim,
as regras emanadas de uma ficção seriam, por óbvio, fictícias e, portanto, de observância
facultativa.

Prevaleceram, então, outras teorias, pertencentes ao grupo das “Teorias da Realidade”.


Essas teorias da realidade se dividem em teoria da realidade objetiva; teoria da realidade
técnica; e teoria da realidade jurídica. A teoria mais aceita é a Teoria da Realidade Técnica,
que possui como um de seus principais expoentes Rudolph Von Ihering e que dispõe que a
pessoa jurídica resulta de uma técnica utilizada pelo ordenamento jurídico. Assim, o
legislador, percebendo que as pessoas costumavam unir-se às outras na busca de fins
determinados, entendeu que esse agrupamento de pessoas, caso preencha determinados
requisitos, pode adquirir personalidade própria.

As teorias da realidade jurídica e da realidade objetiva não foram aceitas, tendo em


vista nenhuma delas explicar como o agrupamento de pessoas adquire personalidade própria.

O artigo 20 do Código Civil dispõe que a pessoa jurídica tem personalidade jurídica
distinta da de seus membros, ou seja, não se confunde a pessoa jurídica com a pessoa de seus
componentes. Isso significa que, entre outros exemplos de diferenciação, não se podem
penhorar bens dos sócios para pagamento de dívidas da pessoa jurídica, ao menos ab initio.
Para que as conseqüências oriundas do texto do artigo 20 não fossem utilizadas com a
finalidade de lesar terceiros, surgiu, dentre outros mecanismos legais, a teoria da
desconsideração da pessoa jurídica.

Por meio dessa teoria, é permitido ao Juiz, em casos de má-fé, fraude, abusos, atos de
insolvência, falência e extinção de atividades em caso de má-administração, etc.,
desconsiderar a regra do artigo 20 para permitir a penhora dos bens particulares dos sócios,
sem, todavia, extinguir a pessoa jurídica ou ainda interferir em sua administração, o que se
considera bem menos lesivo a esta, notadamente em razão de um de seus princípios basilares,
a saber, o de sua preservação. Assim, se ficar provado que os sócios agiram
inescrupulosamente para lesionar terceiros, o Juiz poderá desconsiderar a pessoa jurídica,
passando a enxergar os sócios como pessoas com personalidades próprias.

Cumpre registrar que esta teoria teve origem no direito anglo-saxão, com o nome de
disregard of the legal entity, posteriormente difundida no direito norte-americano, onde
recebeu o nome de lifting of the corporate veil, entre outros países como Espanha e
Argentina. No Brasil
era adotada por meio de analogia ao artigo 135 do Código Tributário Nacional até a edição de
leis como o Código de Defesa do Consumidor (artigo 28), Lei de infrações à Ordem
econômica (artigo18) e a Lei dos crimes praticados contra o Meio Ambiente (artigo 4.º). Em
que pese à previsão de aplicação, em sede contratual, somente no Código de Defesa do
Consumidor, poder-se-á aplicá-la, por analogia, inclusive para contratos não regidos por este.

Por fim, de acordo com o Novo Código Civil, que prevê em seu artigo 50 a teoria da
desconsideração, adota-se não somente atos objetivamente reveladores de utilização ilícita da
pessoa jurídica, mas também atos subjetivamente apreciáveis, a exemplo da confusão
patrimonial, seguindo orientação de juristas do jaez de Fábio Konder Comparatto.

1.3. Requisitos para a Constituição da Pessoa Jurídica


A doutrina aponta três requisitos para a constituição de uma pessoa jurídica, a saber:
1.3.1. Vontade humana criadora
É necessário que o grupo de pessoas, ao se reunir, tenha a intenção de criar uma pessoa
jurídica. Quando há vontade para a criação de uma pessoa jurídica, que exercerá atividade
empresarial, esse requisito é denominado affectio societatis.

1.3.2. Licitude de seus objetivos


É necessário que o objetivo da pessoa jurídica seja lícito. Se uma pessoa jurídica for
constituída com fins lícitos e, com o decorrer do tempo, passa a distorcer suas finalidades,
praticando atos ilícitos, poderá ser extinta. Registre-se que a expressão licitude de objetivos
deve ser entendida de modo amplo, de forma a inserir em seu conceito a moralidade dos atos
e objetivos perseguidos.

1.3.3. Observância das condições legais


As condições que a lei impõe também devem ser observadas pelas pessoas jurídicas,
até porque elas só existem em razão de um expediente técnico criado pelo ordenamento, em
razão das finalidades perseguidas. São condições impostas pela lei:

a) Elaboração do ato constitutivo

Sendo uma associação, que tem por natureza a inexistência de fins lucrativos, deve-se
elaborar um Estatuto como ato constitutivo. Se a pessoa jurídica tiver fins lucrativos, seja
uma sociedade civil ou comercial, elabora-se um Contrato Social como ato constitutivo. As
fundações possuem como ato constitutivo o testamento ou a escritura pública.

b) Registro do ato constitutivo

Somente a partir do registro a pessoa jurídica passa a ter existência legal. O artigo 18
do Código Civil dispõe que a existência legal da pessoa jurídica começa com o registro dos
seus atos constitutivos. Esses atos deverão ser registrados no Cartório do Registro Civil das
Pessoas Jurídicas. No caso de sociedade comercial, porém, o contrato social deverá ser
registrado na Junta Comercial. Uma sociedade de advogados terá seu registro na subseção da
Ordem dos Advogados do Brasil mais próxima. Para a maioria das pessoas jurídicas basta o
registro para que elas tenham existência legal.

Enquanto o ato constitutivo não for registrado, a pessoa jurídica não passa de uma
mera sociedade de fato. O artigo 20, § 2.º, do Código Civil dispõe que a sociedade de fato não
tem legitimidade ativa, mas tem legitimidade passiva. Tal disposição restou derrogada em
razão do texto do artigo 12, inciso VII, do Código de Processo Civil que deu legitimidade
tanto ativa quanto passiva, no aspecto processual, às sociedades de fato.
c) Autorização do governo

Algumas sociedades necessitam dessa autorização para constituição e funcionamento


válido. O artigo 20, § 1.º, do Código Civil menciona, exemplificativamente, algumas das
sociedades que precisam da autorização do governo, a exemplo das Cooperativas, Caixas
Econômicas etc. Esse rol é meramente exemplificativo, visto que hoje todas as instituições
financeiras, consórcios e muitas outras foram inseridas nessa relação por meio de lei,
necessitando da autorização do governo.

1.4. Classificação das Pessoas Jurídicas


Vários são os critérios adotados para a classificação das pessoas jurídicas, dentre os
quais passamos a explicitar, para fim de entendimento, os que abaixo seguem:

1.4.1. Quanto à nacionalidade


De acordo com o critério da nacionalidade, as pessoas jurídicas classificam-se em:
nacionais e estrangeiras.

1.4.2. Quanto à estrutura interna


a) Corporações

O que caracteriza a corporação é a existência de seus membros. Toda corporação é


representada por um grupo de pessoas, sendo que o patrimônio não é essencial. No Direito
Romano, as corporações eram conhecidas como universitas personarum.

As corporações têm por objetivo sempre o bem-estar de seus membros, ou seja,


existem para beneficiar os seus membros, a exemplo de uma Sociedade Comercial, que tem
por finalidade a geração de lucro a estes.

O gênero corporações se subdivide em:

• As
sociações: são corporações sem fins lucrativos. Podem ter variadas finalidades, no
entanto não visam ao lucro.

• So
ciedades civis ou comerciais: as sociedades, tanto civis quanto comerciais, visam
sempre ao lucro. Somente as sociedades comerciais praticam atos de comércio. As
sociedades civis, em geral, são constituídas por profissionais liberais e prestadores
de serviço, a exemplo de sociedades de advogados, sociedades de médicos etc.
b) Fundações

Fundação é um patrimônio destinado a um determinado fim, ou seja, o que é essencial


na fundação é o seu patrimônio. No Direito Romano, as fundações eram conhecidas como
universitas bonorum.

O objetivo das fundações será sempre o bem-estar da sociedade, ou seja, as fundações


existem para beneficiar a sociedade, a coletividade, e não o instituidor ou sua diretoria. Como
exemplo, pode ser citada a Fundação de Combate ao Câncer.

As fundações poderiam ser comparadas às sociedades civis, no entanto não têm fins
lucrativos. Sendo um patrimônio destinado a um determinado fim, esse objetivo é
determinado pelo seu instituidor, ou seja, o dono do patrimônio é quem vai determinar a
finalidade da fundação.

Para melhor memorização, apresenta-se abaixo organograma explicativo:*


Classificação quanto à estrutura:
Fundações:
U
Associações
n
Corporações: i
Universitas v Civis
personarum e
Sociedades
r
Pessoas s Comerciais
Jurídicas: i
t
a
s

b
1.4.3. Fases de Criação de uma Fundação o
n
o
A criação de uma fundação passa por quatro fases:
r
u

m
1.ª
fase – ato de dotação: é o momento em que o instituidor destina determinados bens
para a criação da fundação. O artigo 24 do Código Civil dispõe que o ato de
dotação poderá ser feito por escritura pública ou por testamento. Se o ato de
dotação for feito por testamento e o patrimônio for insuficiente para a finalidade da
fundação, ele será convertido em títulos da dívida pública para ser aumentado a fim
de que se atinja o montante necessário para que a fundação possa funcionar;

• 2.ª
fase – elaboração dos estatutos: pode ser elaboração própria ou elaboração
fiduciária. A elaboração própria se dá quando o instituidor elabora pessoalmente o
estatuto. A elaboração fiduciária é a modalidade de elaboração em que esta fica a
cargo de alguém de confiança do instituidor. O Código de Processo Civil, em seu
último capítulo, dedica uma grande importância ao Ministério Público, quanto à sua
atuação junto às fundações. Determina a lei que o Ministério Público tem o dever
de fiscalizar, ingressar com ação para destituir a diretoria e até extinguir a
fundação, em caso de ilicitude de seu objeto. O artigo 1.202 do Código de Processo
Civil dispõe que, se a pessoa que ficou encarregada da elaboração dos estatutos não
a fizer dentro de 6 meses, esta elaboração ficará a cargo do Ministério Público,
passando por uma apreciação do juiz;

• 3.ª
fase – aprovação dos estatutos: em geral, sendo elaborados pelo próprio instituidor
ou pela pessoa de sua confiança, os estatutos passarão pela aprovação do Ministério
Público. Caso o Ministério Público não os aprove, poderão passar pela apreciação
do Juiz da comarca, de forma subsidiária, para que seja pelo magistrado suprida a
aprovação do Ministério Público(artigo 27 do Código Civil). Sendo os estatutos,
entretanto, elaborados pelo Ministério Público, deverão, sempre, passar pela
aprovação do juiz;

• 4.ª
fase – registro: após vencidas todas as fases anteriores, a fundação deverá ser
registrada no Cartório do Registro das Pessoas Jurídicas.

Havendo necessidade de alteração dos estatutos, esta alteração não poderá contrariar a
finalidade da fundação, devendo ser aprovada pela maioria absoluta dos seus membros e
passar pela aprovação do Ministério Público.

Os bens de uma fundação são inalienáveis, entretanto, admite-se a venda de seus bens,
desde que o produto da venda seja aplicado na própria fundação, que o pedido de alienação
passe por prévia audiência do Ministério Público e que haja autorização judicial.

Em relação às hipóteses de extinção das fundações, determina o artigo 30 do Código


Civil os casos em que pode ocorrer a extinção de uma fundação, quais sejam:

• qu
ando vencer o prazo de sua duração (entretanto é raro, tendo em vista que
normalmente não se dispõe prazo de duração);

• qu
ando se tornar nociva, o Ministério Público poderá ingressar com uma ação visando
à sua extinção;

• qu
ando se tornar impossível a sua manutenção (a causa mais comum, nessa hipótese,
é o surgimento de dificuldades financeiras.

Quando uma fundação se extingue, deve-se verificar se o próprio instituidor já previu a


destinação dos bens. Se não o fez, o artigo 30 do Código Civil dispõe que os bens deverão
ficar com outra fundação de fins iguais ou semelhantes, sendo sempre no mesmo Município.
Caso não haja fundações de fins iguais ou semelhantes no mesmo Município, os tribunais
aplicam, por analogia, o critério do parágrafo único do artigo 22 do código, destinando os
bens para o Município.
1.4.4. Classificação das pessoas jurídicas quanto à extensão de sua
atuação

Em relação à seara de atuação das pessoas jurídicas, estas se classificam em:

a) Pessoas Jurídicas de Direito Público

As pessoas jurídicas de Direito Público se subdividem, por sua vez, de acordo com
seus objetivos e extensão de sua área de atuação. São elas:

• Pe
ssoas Jurídicas de Direito Publico Externo: são os diversos países, as diversas
nações, incluindo-se organismos internacionais tais como a ONU, a OEA, a OTAN
etc (artigo 42 do novo Código Civil).

• Pe
ssoas Jurídicas de Direito Público Interno: são aquelas cuja atuação se restringe
aos interesses e limites territoriais do país. Podem ser: Administração Direta
(União, Estados, Municípios) ou Administração Indireta (autarquias, fundações
públicas, sociedades de economia mista e empresas públicas (artigo 43 do novo
Código Civil).

b) Pessoas Jurídicas de Direito Privado (artigo 44 do novo Código Civil)

Conforme anteriormente verificado, as pessoas jurídicas de Direito Privado se


subdividem em corporações e fundações de Direito Privado, com todas as subdivisões antes
estudadas.

1.5. Responsabilidade das Pessoas Jurídicas


A responsabilidade civil , notadamente a extracontratual, tem por norte o princípio da
individualização, ou seja, cada um responde pelos danos decorrentes de seus atos. Em relação
às pessoas jurídicas, pessoas reais criadas em razão de uma necessidade social, para melhor
atendimento dos fins a que se destinam, a regra geral é a de que as pessoas jurídicas
respondem pelos atos dos seus prepostos e empregados (artigo 1.520 do Código Civil). Com
efeito, o comando do artigo 1.522 do Código Civil dispõe que também as pessoas jurídicas de
Direito Privado respondem pelos atos de seus empregados. O artigo 1.522, pelo fato de conter
a expressão “abrange as pessoas jurídicas, que exercerem exploração industrial”, foi
interpretado de forma restritiva durante muito tempo, de modo a entender que somente as
pessoas jurídicas com fins lucrativos respondessem pelos atos de seus empregados.

O entendimento hoje da doutrina e da jurisprudência é, no entanto, no sentido de que


todas as pessoas jurídicas respondem pelos atos praticados por meio de seus prepostos e
empregados, independentemente de terem ou não fins lucrativos.
1.5.1. Pessoas jurídicas de Direito Público. Histórico de sua
Responsabilidade. Fases.
A responsabilidade das pessoas jurídicas de Direito Público é estudada por nossos
administrativistas desde que o Estado se fortaleceu como tal, e assume conotações
diferenciadas desde a Idade Média até o presente momento histórico, passando por três fases
principais, a saber:

• 1.ª Fase – irresponsabilidade do Estado: de ampla aplicação na Idade Média,


notadamente em períodos monárquicos, previa que se o funcionário público causasse dano a
alguém, somente ele responderia por esse dano. Essa fase durou, conforme dito, enquanto
persistiu a monarquia dos déspotas, enfraquecida pelos ideais da revolução francesa. Era
conhecida por um jargão identificador, qual seja, a expressão “The King do not wrong”. No
Brasil essa fase terminou somente com a edição do Código Civil vigente, em 1916;

• 2.ª
Fase (prevista no artigo 15 do Código Civil) - fase civilista da responsabilidade
civil do Estado: a responsabilidade do Estado passou a ser subjetiva, ou seja, para
que o Máquina Pública fosse responsabilizada pelo dano decorrente de sua ação ou
omissão, a vítima precisava provar a culpa aquiliana (lato sensu) do funcionário;

• 3.ª
Fase (prevista a partir da Constituição de 1946): a responsabilidade do Estado foi
regulamentada no texto constitucional, notadamente em razão da criação dos
denominados direitos individuais de segunda geração, passando a ser tratada como
matéria de Direito Público. Nesta fase, denominada fase publicista, a
responsabilidade do Estado passou a ser objetiva, ou seja, a vítima não precisa mais
se preocupar em provar a culpa do funcionário, somente devendo provar que sofreu
um dano, além da relação de causalidade entre esse dano e o ato ou omissão de
algum funcionário público no exercício de suas funções, ou pela execução, ainda
que por particulares, de um serviço público, a exemplo dos concessionários e
permissionários de serviços públicos.

No Direito Administrativo, surgiram algumas teorias que fizeram com que as


Constituições a partir de 1946 acolhessem essa responsabilidade objetiva, tendo como
fundamento o fato de que o Estado, na prestação de serviços de risco, deverá assumir todos os
riscos que possam ocorrer no serviço público. Dessas teorias sobressaíram-se duas para
justificar a responsabilidade objetiva do Estado:

• Te
oria do Risco Integral: é muito rigorosa para com o Estado. Parte do princípio de
que o Estado teria assumido integralmente todos os riscos dos danos que os
particulares sofressem por conta dos serviços públicos. Não admite qualquer escusa
por parte do Estado, nem mesmo a alegação de caso fortuito ou força maior. Por
essa rigidez, ela não foi acolhida pelo sistema jurídico brasileiro, ao menos em
regra. Registra-se que, para determinada parcela da doutrina, essa modalidade de
risco é adotada pelo ordenamento para fins de responsabilização do Estado,
decorrente de atividades nucleares por este praticadas, em razão de sua notória
periculosidade.

• Te
oria do Risco Administrativo: consiste em responsabilizar objetivamente o Estado,
todavia, com a permissão de que o Estado afaste totalmente a sua responsabilidade,
caso consiga com êxito provar a culpa exclusiva da vítima, ou ainda a ocorrência de
caso fortuito ou força maior. Desse modo, tal teoria tem a excelente técnica de
inversão do ônus da prova, determinando a presunção relativa de ser o Estado
culpado, todavia, permitindo que este prove a ocorrência de uma das excludentes
anteriormente expostas. Assim, a título de exemplo, a inexistência de testemunhas
em favor do Estado o prejudica, tendo em vista que será ele quem deverá provar
eventual culpa da vítima ou casos fortuitos.

O Estado responde objetivamente, de acordo com a maioria da doutrina pátria, não só


por ação, mas também por omissão. Registra-se, em relação a esse tema, opinião em contrário
do doutrinador Celso Antonio Bandeira de Melo, para quem os atos omissivos da
administração dependem da demonstração de culpa, pelo lesado, para que se possibilite a
indenização. Por fim, em casos de culpa concorrente da vítima, a indenização será reduzida
pela metade.

A Constituição Federal de 1988 trata da responsabilidade do Estado no artigo 37, § 6.º,


trazendo duas inovações em relação às Constituições anteriores:

• a
substituição da palavra “funcionário” por “agente”, tendo em vista ser a expressão
agente, mais ampla;

• est
endeu a responsabilidade objetiva às pessoas jurídicas de Direito Privado
prestadoras de serviço público, ou seja, as concessionárias e as permissionárias de
serviço público também terão responsabilidade objetiva, a exemplo das empresas
de recolhimento de lixo, de administração de pedágios etc.

O artigo 37, § 6.º, da Constituição permite que o Estado mova uma ação regressiva
contra o funcionário, ou seja, se o Estado vier a ser condenado por culpa de seu funcionário,
terá direito a uma ação regressiva contra este. A responsabilidade do funcionário nesse caso,
entretanto, é subjetiva, ou seja, depende de prova, pelo Estado, de culpa na atuação do
funcionário contra o qual se pretende o regresso.

Sempre que alguém tiver direito a uma ação regressiva contra outra pessoa, poderá
utilizar-se da denunciação da lide, de forma a agilizar a indenização possível pelo direito de
regresso, atendendo assim, ao princípio da economia processual (artigo 70, III, do Código de
Processo Civil). Assim, caso o Estado tenha direito à ação regressiva contra o funcionário,
poder-se-ia vislumbrar a possibilidade de o Estado denunciá-lo da lide quando da
apresentação da contestação. A lide principal será aquela que a vítima move contra o Estado e
a lide secundária será aquela que o Estado requer o regresso ao funcionário. Nesses casos, o
Juiz deverá, em uma única sentença, decidir as duas ações. O Juiz, entretanto, poderá julgar
procedente a lide principal e improcedente a lide secundária, caso o Estado não demonstre a
culpa do funcionário.

Existe uma corrente doutrinária e jurisprudencial que entende não ser possível
denunciar da lide ao funcionário público, em razão da diversidade de formas de
responsabilização, causando conseqüentemente um atraso injustificado da lide principal, em
que o lesionado requer indenização estatal. Assim, nesses casos, a denunciação da lide
deveria ser indeferida, tendo em vista que a responsabilidade do Estado é objetiva e a do
funcionário é subjetiva, havendo necessidade de demonstração de culpa. Essa mesma corrente
também alega que não haveria sentido a denunciação da lide, tendo em vista o antagonismo,
ou seja, o Estado contestar alegando culpa exclusiva da vítima e denunciar a lide alegando
que a culpa foi de seu funcionário.

É possível que a vítima mova uma ação contra o funcionário e não contra o Estado. A
vantagem é que a execução seria mais rápida, no entanto a vítima teria que demonstrar a
culpa, tendo em vista que a responsabilidade do funcionário é subjetiva, além de arcar com os
riscos da insolvência do agente causador do dano.

2. DOS BENS

2.1. Conceito
Considera-se bem tudo aquilo que existe no universo e que é útil ao homem. Há uma
distinção entre bem e coisa. Bem é gênero e coisa é espécie. Somente são chamados de coisa
aqueles bens que podem ser apreendidos pelo homem (bens corpóreos) e que têm valor
econômico. Registra-se na doutrina divergência a respeito da conceituação de bem e coisa.
Assim, Sílvio Rodrigues, diversamente da maioria, entende coisa como gênero, e bem como
espécie.

Há uma classificação que não consta do Código Civil, mas que é adotada pela
doutrina, porque trazida desde o Direito Romano: bens corpóreos e bens incorpóreos. Bens
corpóreos são os que têm existência material, a exemplo de uma cadeira, de um livro etc.
Bens incorpóreos são os que têm existência abstrata somente, a exemplo de créditos, direitos
de autor, direito à sucessão aberta etc. Existem algumas expressões sobre os bens que eram
utilizadas no Direito Romano e passaram a ser utilizadas até hoje:

• res nullis (é a coisa de ninguém, que existe no universo, mas não pertence a
ninguém, como peixes e animais selvagens);

• res derelicta (é a coisa abandonada, que já pertenceu a alguém e foi


abandonada).
O patrimônio das pessoas é formado por bens corpóreos e bens incorpóreos. A
classificação do Código Civil é uma classificação científica que agrupa os bens por sua
natureza.

2.2. Classificação dos Bens

2.2.1. Dos bens considerados em si mesmos


O código classifica os bens, em primeiro lugar por si mesmos, não os comparando ou
ligando com nenhum outro. Na classificação de bens móveis e bens imóveis, a intenção do
homem deve ser considerada. Exemplo: se o indivíduo planta uma árvore para corte, esta é
chamada de bem móvel por antecipação.

a) Bens imóveis

São os que não podem ser transportados sem destruição de um lugar para outro. Nos
artigos 43 e 44, o Código Civil classifica os bens imóveis em:

• Be
ns imóveis por natureza: preliminarmente, consideram-se bens imóveis por
natureza o solo e seus acessórios e adjacências, ou seja, tudo aquilo que adere ao
solo naturalmente, a exemplo das árvores, frutos e subsolo. Alguns autores
entendem que deveria ser bem imóvel por natureza somente o solo; acessórios e
adjacências deveriam ser chamados bens imóveis por acessão natural.

• Be
ns imóveis por acessão industrial (artificial): é definido como tudo aquilo que
resulta do trabalho do homem, tornando-se permanentemente incorporado ao solo.
São as construções e as plantações.

• Be
ns imóveis por acessão intelectual (por destinação do proprietário): a lei considera
bem imóvel por acessão intelectual aqueles bens móveis que aderem a um bem
imóvel pela vontade do dono, para dar maior utilidade ao imóvel ou até mesmo
para o seu embelezamento, aformoseamento, a exemplo de um trator comprado
para melhor utilização em uma fazenda, pois, enquanto o trator estiver a serviço da
fazenda, será considerado como bem imóvel por acessão intelectual. São aqueles
bens móveis incorporados ao bem imóvel pela vontade do dono. Assim como o
proprietário imobilizou o bem móvel, ele poderá, conseqüentemente, mobilizá-lo
novamente quando não for utilizá-lo mais para aquilo a que se destinava.

• Be
ns imóveis por determinação legal: são determinados bens que somente são
imóveis porque o legislador resolveu enquadrá-los como tal, para que se possibilite,
em regra, maior segurança jurídica nas relações que os envolvam. Podemos citar o
direito à sucessão aberta, ainda que o acervo seja composto única e exclusivamente
de bens móveis; os direitos reais sobre imóveis e as ações que o asseguram; as
apólices da dívida pública, quando oneradas com cláusula de inalienabilidade.

b) Bens móveis

Determina o artigo 47 do Código serem bens móveis os bens suscetíveis de movimento


próprio, ou de remoção por força alheia. Podem ser classificados da seguinte maneira:

• Be
ns móveis por natureza: são bens móveis por natureza não só aqueles que têm
movimento próprio, como também aqueles que não têm movimento próprio.
Subdividem-se em bens móveis propriamente ditos (aqueles que não têm
movimento próprio) e bens semoventes (aqueles que têm movimento próprio).

• Be
ns móveis por antecipação: aqueles bens imóveis que têm uma finalidade última
como móvel. Assim, mesmo temporariamente imóveis não perdem o caráter de
bem móvel, em razão de sua finalidade, a exemplo das árvores plantadas para corte.

• Be
ns móveis por determinação legal: são alguns bens que a lei considera móveis por
determinação legal, e conseqüentemente, aplicando as disposições sobre bens
móveis nas relações que os envolvam. São eles: Os direitos reais sobre objetos
móveis e respectivas ações; os direitos de obrigação, e respectivas ações; além dos
direitos do autor.

A lei permite, por exceção, que navios e aviões, que são bens móveis, sejam dados em
hipoteca, todavia, sem perder a característica de bens móveis.

c) Bens fungíveis e bens infungíveis

O artigo 50 do Código Civil aplica essa classificação apenas aos bens móveis. São
bens fungíveis aqueles bens móveis que podem ser substituídos por outros da mesma espécie,
natureza e qualidade. Com efeito, certos bens são infungíveis porque possuem características
especiais que os tornam distintos de outros da mesma espécie e qualidade, não permitindo,
destarte, a sua substituição.

Registra-se que, de acordo com as lições do eminente Prof. Carlos Roberto Gonçalves,
excepcionalmente, bens imóveis podem ser considerados bens fungíveis, a exemplo de várias
pessoas proprietárias, em condomínio, de um conjunto de lotes ainda não divididos, ocasião
em que cada um é proprietário de um número determinado de lotes, fungíveis, posto que
ainda não identificados os seus proprietários.

A fungilibilidade ou a infungibilidade, podem decorrer também da vontade das partes,


a exemplo de bens fungíveis emprestados para ornamentação e posterior devolução, a que a
doutrina dá o nome de comodatum ad pompam vel ostentationem.
d) Bens consumíveis e bens inconsumíveis

O artigo 51 considera consumíveis os bens móveis cuja utilização acarreta a destruição


da sua substância, a exemplo dos alimentos, e os destinados à alienação, como um livro, um
disco, ou demais bens expostos para venda. Assim, há bens consumíveis de fato, ou
materialmente consumíveis, como os alimentos em geral, e há bens consumíveis de direito,
juridicamente consumíveis, como veículos, aparelhos elétricos colocados à venda etc.

O usufruto somente recai sobre os bens inconsumíveis, entretanto o artigo 726 do


Código Civil admite que o usufruto recaia sobre bens consumíveis, ocasião em que é
denominado usufruto impróprio, ou quase-usufruto.

e) Bens divisíveis e bens indivisíveis (artigo 52 do Código Civil)

São divisíveis as coisas que podem ser partidas


em porções distintas, formando, cada porção, um todo perfeito. Assim, o bem é divisível
quando cada porção continua com as características do todo.

A indivisibilidade pode resultar da natureza, da lei e da vontade das partes:

• Be
m indivisível por natureza: é aquele que, se for dividido, perde a característica do todo,
a exemplo de um animal.

• Be
m indivisível por lei: existem alguns bens que por natureza talvez fossem considerados
divisíveis, entretanto a lei os torna indivisíveis. Como exemplo, podemos citar o
Estatuto da Terra que, nos casos de área rural, exige que os terrenos rurais tenham, no
mínimo, três alqueires. Assim, numa área rural, o terreno de três alqueires torna-se
indivisível para evitar que se tenham partes de terra muito pequenas.

• Be
m indivisível por vontade das partes: há a possibilidade, nos casos de condomínio, de
as partes convencionarem a indivisibilidade do bem. Essa indivisibilidade poderá valer
por cinco anos no máximo (artigo 630 do Código Civil), podendo ser prorrogada por
mais cinco. Nos casos de testamento e doação, não se pode, se o bem for considerado
indivisível por vontade do doador ou testador, entende-se que o foi somente por cinco
anos, sem possibilidade de prorrogação do prazo.

f) Bens singulares e bens coletivos

Os bens são singulares ou coletivos conforme a maneira como são encarados. Desse
modo, se encararmos uma árvore isoladamente, ela será um bem singular, se encararmos
várias árvores numa floresta, será um bem coletivo.

O Código Civil chama as coletividades de universalidades, que podem ser de fato ou


de direito. O Código, ao falar das universalidades de direito, menciona como exemplos a
herança e o patrimônio, mesmo se constituídas somente de direitos e obrigações, sem demais
bens materiais.
2.2.2. Dos bens reciprocamente considerados
Após o estudo dos bens considerados em si mesmos, passamos ao estudo dos bens,
quando reciprocamente considerados. Nessa ótica, dividem-se em principais e acessórios.
Bem principal é aquele que existe por si, ou seja, não depende da existência de nenhum outro
bem, possuindo existência própria. Por sua vez, bem acessório é aquele que depende da
existência do bem principal. Exemplo: a árvore é bem principal, já os frutos são bens
acessórios. Essa classificação transfere-se também para os contratos, como exemplo, o
contrato de fiança, que somente existe como forma de garantia fidejussória de pagamento de
um outro contrato, muito comum nos contratos de mútuo e de locação.

O artigo 59 do Códex dispõe que a coisa acessória segue a principal, salvo disposição
especial em contrário. Essa regra, que atende ao conteúdo disposto no brocardo jurídico
accessorium sequitur suum principale, causa várias conseqüências:

• presume-se que o dono do principal também é dono do acessório;

• determina ter o acessório a mesma natureza jurídica do principal;

• extinto o principal, extingue-se também o acessório, mas a recíproca não se


mostra verdadeira.

a) Categoria dos bens acessórios

Entram na categoria dos bens acessórios os frutos, os produtos e os rendimentos. Na


doutrina, apresentam-se críticas à determinação de Clóvis Beviláqua, de considerar
rendimentos como categoria de bens acessórios, pois, com efeito, os rendimentos nada mais
são que os frutos civis da coisa, a exemplo dos juros cobrados pela disposição de numerário
mediante contrato de mútuo feneratício. Diferem-se frutos e produtos, visto que os primeiros
se renovam quando utilizados ou separados da coisa, não consistindo em extinção parcial do
bem principal. Destarte, colhendo frutas de uma árvore, nascerão outras tantas. Já os
produtos, se exaurem com o uso, pois extinguem, ainda que parcialmente, a própria fonte.
Exemplo: após anos de extração de determinado poço de petróleo, chegará o momento em
que ele se exaurirá.

Acrescenta o diploma civil que também são acessórios da coisa as benfeitorias, salvo a
pintura em relação à tela, a escultura em relação à matéria-prima e qualquer trabalho gráfico
em relação ao papel utilizado. Essas exceções foram criadas para valorizar o trabalho
artístico. Assim, os acessórios dos trabalhos artísticos serão, nesses casos, a tela, a matéria
prima e os papéis. Benfeitoria é todo melhoramento ou acréscimo feito em coisa já existente.
Há uma diferença entre benfeitoria e acessão industrial (construções e plantações), uma vez
que esta representa toda construção ou plantação nova. O artigo 63 do Código Civil apresenta
e conceitua três espécies de benfeitorias. Estas podem ser:
• Necessárias: são aquelas benfeitorias destinadas a conservar a coisa,
indispensáveis; são aquelas que, se não forem feitas, a coisa pode perecer, ou seu uso ser
impossibilitado. São entendidas de forma ampla, como o pagamento de impostos, medidas
judiciais de conservação da coisa etc.

• Úteis: são as benfeitorias que aumentam ou facilitam o uso da coisa; não são
indispensáveis, mas, se forem feitas, darão mais aproveitamento à coisa, a exemplo da
construção de mais um cômodo em uma casa.

• Voluptuárias: são as benfeitorias de mero deleite ou recreio, que vêm a


aformosear o bem, aumentar-lhe o valor, embora não interfiram na normal utilização da coisa,
como exemplo, a construção de uma piscina com cascata, ao redor de jardins, em uma casa.

Por fim, relativamente às benfeitorias, salienta-se que a classificação acima não tem
caráter absoluto, devendo ser analisada de acordo com o caso concreto, a exemplo de uma
piscina, que em regra é conceituada como benfeitoria voluptuária, mas que, para alguém que
necessita fazer hidroterapia, ou ainda para uma escola de natação, mostra-se como benfeitoria
útil.

2.2.3. Dos bens quanto aos titulares do domínio


Sob esse aspecto, os bens se dividem em públicos e particulares. O artigo 65 do
Código Civil considera públicos os bens que pertencem à União, aos Estados, ao Distrito
Federal e aos Municípios; todos os demais são considerados particulares. Tem-se, no caso,
verdadeira definição por exclusão.

Os bens públicos dividem-se em (artigo 66 do Código Civil):

• de
uso comum do povo: todos aqueles de utilização comum, sem maiores ônus, pela
coletividade, a exemplo das estradas, ruas, mares, praças; ressalte-se que é uma
enumeração meramente exemplificava;

• de
uso especial: bens destinados ao funcionamento e aprimoramento dos serviços
prestados pela máquina estatal, de utilização, por vezes, concedida aos particulares,
em regra mediante contraprestação. Temos como exemplo os edifícios onde
funcionam os serviços públicos;

• do
minicais (ou dominiais): aqueles que pertencem ao domínio privado do poder
público, e desde que desafetados de qualquer utilização pública, podem ser
alienados, de acordo com as regras previstas para alienação de bens da
administração, a exemplo da licitação.

Os bens públicos têm características especiais, seguindo regras próprias, não sendo
tratados no Direito Civil. Os bens dominicais, entretanto, ainda que sejam bens públicos,
seguem as regras dos bens particulares, com algumas modificações operadas em sede de
legislação especial, como a Lei de Licitações (Lei n. 8.666/93).

O artigo 67 do Código dispõe que a inalienabilidade, que é peculiar dos bens públicos,
somente poderá ser afastada por lei, que por sua vez retira do bem a função pública à qual
este se liga. A tal procedimento dá-se o nome de desafetação. Quando um bem dominical for
utilizado para uma finalidade pública, ele será tratado como bem público, portanto,
inalienável, em razão de sua afetação a uma função eminentemente pública. A afetação não
depende de lei. Os bens públicos, desde a vigência do Código Civil de 1916, não podem ser
objetos de usucapião, visto serem inalienáveis. Tal entendimento também é expresso na
Constituição Federal e na Súmula n. 340 do Supremo Tribunal Federal.

Em síntese: ocorre a desafetação quando a lei autoriza a venda de um bem público,


desligando-o da função pública a que ele serve. Ocorre a afetação quando o bem dominical
passa a ser utilizado como bem público.

2.2.4. Dos bens fora do comércio


O artigo 69 do diploma civil considera bens fora do comércio, ou seja, bens que não
podem ser objeto de apropriação ou demais atos de alienação:

• Aqueles que não podem ser apropriados pelo homem, a exemplo do ar


atmosférico, dos oceanos etc.

• Bens legalmente inalienáveis: essa expressão legalmente inalienável abrange tanto


os bens públicos quanto aqueles que se tornam inalienáveis em razão da vontade
do testador ou do doador. Com efeito, a Súmula n. 49 do Supremo Tribunal
Federal dispõe que a cláusula de inalienabilidade acarreta a impenhorabilidade e a
incomunicabilidade dos bens. Ressalte-se que a impenhorabilidade foi estendida ao
disposto nessa súmula pela jurisprudência.

3. Alterações da Lei n. 10.406/02, de 10.01.2002 - Novo Código Civil

3.1. Pessoas Jurídicas


• A tradicional divisão das pessoas jurídicas em Corporações e Fundações, as
primeiras se subdividindo em sociedades e associações, é mantida. Todavia, em
relação às sociedades, uma vez trazidas para o novo código, qualquer que seja o
seu objeto, e ante a adoção pelo Novo Código Civil da teoria da empresa,
desaparece a subdivisão de sociedades civis e comerciais, que passam a se chamar
empresariais, quando regidas pelo regime jurídico comercial, e simples, quando
suas obrigações forem regidas pelo sistema civil.
• Ponto polêmico é a restrição imposta pelo texto do artigo 62, parágrafo único, do
Novo Código, às finalidades para as quais as fundações podem ser criadas
(assistenciais, culturais, morais e religiosas somente). Ficará a cargo da doutrina a
interpretação desse dispositivo, em razão de suas amplas possibilidades de
entendimento.

• A nova lei, apesar de não reproduzir em seu texto a regra que dispõe ter a pessoa
jurídica personalidade distinta dos seus membros, adota tal princípio de forma
integral, notadamente em razão da instituição da “desconsideração da
personalidade jurídica” (artigo50, interpretado a contrario sensu), adotando
inclusive critério subjetivista em relação aos atos que possibilitam sua aplicação,
conforme o texto do dispositivo, atribuído ao jurista Fábio Konder Compartatto.

• De acordo com o artigo 63 do Novo Código Civil, em relação à criação de


fundações, se o patrimônio destinado à sua instituição não for suficiente, deve-se
perquirir a finalidade objetivada pelo instituidor e transferir o patrimônio em
questão para fundações de finalidade igual ou semelhante, afastando a regra do
Código de 1916, que determina a transformação de tal valor em títulos do Governo
Federal.

• Em relação ao domicílio, a mudança importante que se registra é a criação do


domicílio profissional, que pode ser interpretado como nova nomenclatura do
“centro de ocupações habituais”.

3.2. Dos Bens


Em relação aos bens, são apresentadas as seguintes mudanças de vulto, conforme
abaixo se expõe.

• O instituto do “Bem de Família” é deslocado para o capítulo referente ao Direito


de Família, todavia, são mantidas as disposições a respeito deste instituto, previstas
no Decreto n. 3.200/41 e na Lei n. 8.009/90 (será estudado junto às modificações
atinentes à família).

• Por considerar o legislador, desnecessárias as disposições a respeito das coisas fora


do comércio, este capítulo foi suprimido do texto do Novo Código Civil.

• Atendendo à necessidade de circulação de riquezas, ligada à natureza da maioria


dos bens corpóreos, o legislador passa a considerar como fator de indivisibilidade
de bens a excessiva diminuição ou perda do valor econômico deste, quando
possível sua ocorrência em razão da divisão. Logo, nesses casos, fica vedada a
divisão de um bem, quando acarretar perda de seu valor econômico, a exemplo de
um “raro diamante”, de acordo com as lições de Carlos Roberto Gonçalves.

• O artigo 93 do novo texto civil cria o instituto das “pertenças”, consideradas bens
móveis, principais, que sem pertencerem a determinado imóvel, o guarnecem,
ampliando sua utilidade ou aformoseando-o. Desta feita, acaba a classificação
consagrada dos “bens imóveis por acessão intelectual”, como eram consideradas as
pertenças até a instituição do Novo Código Civil.

• Em relação à impossibilidade de usucapião de bens públicos, já expressa no


enunciado n. 340 do Supremo Tribunal Federal, cumpre observar que essa regra
passa da seara jurisprudencial para a seara legal, de acordo com o texto do artigo
102 da lei.

A inalienabilidade dos bens públicos permanece relativa, podendo ser destituída, em relação
aos bens de uso especial, observadas as regras legais, a exemplo da desafetação (consistente
em retirar a inalienabilidade e a função para qual o bem era destinado, por meio de lei
específica). Os bens dominicais, de domínio privado do Estado, continuam alienáveis,
observadas as regras legais, a exemplo da licitação (aplicável a todos os casos, salvo as
exceções da Lei n. 8.666/93).
CURSO DO PROF. DAMÁSIO A DISTÂNCIA

MÓDULO IV

DIREITO CIVIL
Fatos Jurídicos

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Tel.: (11) 3346.4600 – Fax: (11) 3277.8834 – www.damasio.com.br
DIREITO CIVIL

Atos e Fatos Jurídicos

Prof. Vitor Frederico Kümpel

1. INTRODUÇÃO

Fato jurídico é todo acontecimento que tenha relevância para o Direito. Esses
acontecimentos podem ser provenientes da natureza (situação em que a doutrina os denomina
fatos naturais), ou podem decorrer da ação humana (fatos humanos, ou atos jurídicos lato
sensu), ainda que involuntária.

A primordial diferença entre fato jurídico e ato jurídico é que o primeiro é gênero do
qual o último é espécie.
.Ordinários: Nascimento,
morte,etc...

Fatos Naturais .Extraordinários:


Fato jurídico strictu sensu. . Decorrentes de Caso Fortuito;
. Decorrentes de Força Maior.
FATOS JURÍDICOS
(Gênero Maior)
Fato jurídico lato sensu. FONTES DAS
OBRIGAÇÕES
Fatos Humanos
Atos jurídicos lato sensu.
. Atos meramente lícitos
Ato jurídico strictu sensu.

. Negócios Jurídicos
Observar na doutrina posição
divergente quanto à sua
existência ou não.

. Declarações Unilaterais de
Vontade

. Atos ilícitos

Os atos jurídicos lato sensu podem ser classificados, de acordo com a doutrina, em
atos lícitos e ilícitos, conforme descrito a seguir.
• Ilícitos: quando a sua prática é contrária às disposições legais, ocasionando
lesão a direito e conseqüente dever de reparação. Com efeito, cumpre ressaltar que, em sede
de Direito Civil, licitude está intimamente ligada ao conceito de voluntariedade, no que tange
aos efeitos pelos atos produzidos, sendo os efeitos dos atos ilícitos, involuntários para seu
autor, que passa a ter o dever de reparação.

• Lícitos: são os atos que, de acordo com as regras positivas de ordem pública,
se perfazem válidos, decorrem da lei ou da vontade das partes e objetivam os fins neles
previstos, sempre decorrentes da observância de manifestação lícita da vontade das partes.

Questão tormentosa para o estudioso do Direito diz respeito à divisão ou não dos atos
lícitos em atos meramente lícitos e negócios jurídicos. Com efeito, para Caio Mário da Silva
Pereira a diferenciação é procedente, uma vez que, nos negócios jurídicos, seus efeitos são
mais amplos, decorrem da vontade das partes e não da lei e devem ser perseguidos por quem
seja beneficiado, não se produzindo, via de regra, automaticamente. De forma contrária,
encontramos na doutrina a respeitável posição de Rubens Limongi França, para quem não há
diferença de fundo, ou ainda de regime jurídico a ser aplicado, sendo ambos negócios
jurídicos, mormente em razão de suas finalidades, sendo desnecessária tal diferenciação.

Concluindo, observa-se que os negócios jurídicos podem ser:

• Unilaterais: assim classificados os negócios jurídicos em que só há uma


declaração de vontade, podendo ser receptícios ou não-receptícios, conforme
dependam ou não de aquiescência da outra parte. Como exemplos de negócios
jurídicos unilaterais podemos citar os testamentos, a promessa de recompensa, o
reconhecimento de paternidade de menores de 18 anos, a emissão de cheques
etc.

• Bilaterais: há um acordo de vontades, que possibilita a produção de efeitos a


ambas as partes, no exato limite de suas declarações.

Para um acontecimento ser considerado um fato jurídico é necessário que esse


acontecimento, de alguma forma, reflita no âmbito jurídico, ou seja, fato jurídico é todo
acontecimento da vida relevante para o direito, mesmo que seja ilícito.

O ato ilícito é fonte de obrigação, ou seja, gera a responsabilidade de indenizar. Desta


forma, em razão da existência de vontade do autor, quando de sua prática, gerando, por
conseguinte, o dever de indenizar, ainda que não previsto, ou seja, involuntariamente, o ato
ilícito é relevante para o direito, podendo ser considerado modalidade de ato jurídico de
efeitos involuntários.
2.CLASSIFICAÇÃO DOS FATOS JURÍDICOS

Em atenção ao quadro anteriormente exposto, cumpre classificar e explicitar os atos e


fatos jurídicos, de forma sucinta, conforme se faz a seguir.

2.1. Fatos Naturais


Os fatos naturais, também denominados fatos jurídicos strictu sensu, podem ser:

• Ordinários: são aqueles que normalmente acontecem e produzem efeitos relevantes


para o direito, a exemplo do nascimento ou morte de seres humanos, a ocorrência de
casamentos etc.

• Extraordinários: são aqueles a que denominamos derivados de caso fortuito e força


maior, tendo grande importância para o direito porque, na maioria das vezes, quando
provados excluem qualquer responsabilidade. Registra-se que, embora tratados como
expressões sinônimas, o caso fortuito e a força maior são diferenciados pela doutrina, que
reserva aos casos de força maior os eventos da natureza, a exemplo das tempestades e etc, e
aos casos fortuitos aqueles que ocorrem sem previsão, involuntariamente, como exemplo, o
desabamento de parte de um prédio, ponte antiga etc.

2.2. Fatos Humanos


Também denominados atos jurídicos em sentido amplo, os fatos humanos podem ser:

• Atos Ilícitos: os atos ilícitos têm relevância para o direito por gerarem obrigações e
deveres, ainda que de modo involuntário, aos autores de ilícito civil.

• Atos Meramente Lícitos (Atos jurídicos em sentido estrito): a conseqüência da


prática de um ato lícito é a obtenção do direito a que ele se destina. O Código Civil no artigo
185 trata do ato jurídico em sentido estrito e do negócio jurídico como sendo ambos atos
jurídicos, apesar da existência de divergência doutrinária, conforme anteriormente exposto. O
ato meramente lícito é pobre em conteúdo, ou seja, não permite a obtenção de vários e
múltiplos efeitos, como o negócio jurídico. Quem o pratica obtém apenas um único efeito já
preestabelecido na lei, ou seja, não obtém nada que nela não esteja expresso, a exemplo de
uma notificação – quem notifica uma outra pessoa obtém um único efeito já previsto na lei
que é constituir em mora o devedor. O ato jurídico em sentido estrito será sempre unilateral
(tendo em vista se aperfeiçoar com uma única manifestação de vontade) e potestativo (visto
que influi na esfera jurídica de outra pessoa sem que ela possa evitar).

• Negócio Jurídico: é mais amplo porque permite a obtenção de múltiplos efeitos não
necessariamente previstos em lei, que podem advir da vontade das partes. Quando se fala em
negócio jurídico, sempre se lembra de contrato. Quando um ato qualquer tem por finalidade
modificar, criar ou extinguir direitos e obrigações, não será apenas um ato jurídico, mas sim
um negócio jurídico. Por sua vez, se estes direitos e obrigações gerados, forem dotados de
conteúdo econômico, patrimonial diretos, serão considerados contratos. Logo, pode-se dizer
que o negócio jurídico ao possibilitar a obtenção de múltiplos direitos sendo bilateral, tem por
finalidade criar, modificar ou extinguir direitos.

O novo Código Civil, em seu artigo 104, apresenta um conceito de negócio jurídico,
substituindo a expressão genérica de “ato jurídico”, desta forma adapta o diploma legal
consoante entendimento já estabelecido na doutrina.

Existe, entretanto, alguns negócios jurídicos que podem ser unilaterais. O negócio
jurídico unilateral é aquele que se aperfeiçoa com uma única manifestação de vontade e
permite a obtenção de múltiplos efeitos. Dentre os negócios jurídicos unilaterais encontram-
se também as declarações unilaterais de vontade, que, do mesmo modo, ante uma única
declaração, tem o condão de imprimir efeitos ao ato, vinculando o autor, a exemplo da
promessa de recompensa e dos títulos ao portador. Um exemplo de negócio jurídico unilateral
é o testamento, visto que, por meio dele, o testador pode obter variados efeitos, ou seja, o
testamento pode ser utilizado com outros fins além da doação de seus bens aos seus herdeiros,
como exemplo: para reconhecer filhos; perdoar pessoas e dívidas; etc. Assim, o testamento
estará perfeito somente com a manifestação de vontade do testador (unilateral) e poderá
produzir os mais diversos efeitos nele constantes.

3. REQUISITOS DE EXISTÊNCIA DOS ATOS JURÍDICOS

A teoria da inexistência dos atos jurídicos surgiu primordialmente em sede de Direito


de Família, para resolver problemas como casamentos inexistentes, visto que a lei civil
dispunha somente sobre casamentos nulos e anuláveis. Como o rol do artigo 1521, que prevê
as causas de nulidade, anulabilidade e sanções a casamentos irregulares, é taxativo, os
doutrinadores passaram a adotar a teoria dos atos inexistentes, dentre outras hipóteses, para o
afastamento de qualquer efeito decorrente de casamento entre pessoas do mesmo sexo.

Assim, todos os atos jurídicos se submetem aos requisitos de existência e validade. Em


relação aos requisitos de existência, embora não previstos na legislação, esses surgem,
conforme dito, em decorrência da necessidade de decretar a invalidade de atos não
considerados nulos por ausência de texto legal expresso, contornando errônea disposição
traduzida em brocardo jurídico oriundo do Direito Francês, cujo texto determina, in verbis:
“ne pas de nullité sans text” (não há nulidade sem previsão textual).

Apresentam-se como requisitos de existência do negócio jurídico, a manifestação de


vontade; idoneidade do objeto; e finalidade negocial. Cabe ressaltar que, conseqüentemente
são, os contratos também se submetem a tais requisitos de existência.

3.1. Manifestação de Vontade


Sem a manifestação de vontade o negócio jurídico, qualquer que seja, não chega a
formar-se, sendo considerado inexistente. A vontade é fundamental em matéria de contratos.
Com efeito, o artigo 112 do Código Civil dispõe que “nas declarações de vontade se atenderá
mais à sua intenção nela consubstanciada do que ao sentido literal da linguagem”. Como
exemplo de aplicabilidade desta regra, pode-se apontar o fato de que, se as partes
convencionaram algo, todavia não souberam redigir no corpo do negócio jurídico exatamente
o que foi convencionado, havendo prova, prevalecerá a intenção delas no momento da
formalização do vínculo. A declaração da vontade só não prevalece quando for omissa ou
contraditória, ocasião em que o princípio da confiança determina ao juiz que busque a real
vontade das partes.

3.2. Finalidade Negocial


É a intenção de criar, modificar ou extinguir direitos. Se as pessoas, todavia,
manifestam a sua vontade para obter um direito já previsto em lei, não estarão realizando um
negócio jurídico, mas sim um ato jurídico em sentido estrito, de acordo com as lições do
mestre Carlos Roberto Gonçalves. Assim, um dos requisitos de existência dos atos jurídicos é
a finalidade negocial.

3.3. Idoneidade do Objeto


O objeto do negócio jurídico deve ser apto, jurídica e moralmente, à criação do
negócio que se pretende. Se o objeto for diferente do previsto juridicamente como idôneo à
realização de determinado ato ou negócio jurídico, estar-se-á criando, quando menos, um
negócio diverso daquele que se pretendia, ou então um ato considerado juridicamente
inexistente.
4. REQUISITOS DE VALIDADE DOS FATOS JURÍDICOS

Presentes os requisitos de existência, dever-se-á observar se o ato jurídico é válido ou


não. Os requisitos de validade estão dispostos no artigo 104 do diploma civil, quais sejam:

4.1. Agente Capaz


Para que um negócio jurídico seja válido, o agente deverá ser capaz. No caso, se
existir, a denominada incapacidade absoluta será suprida pela representação, ao passo que a
incapacidade relativa será suprida pela assistência, artigo 1634, inciso V, do Código Civil.

4.2. Objeto Lícito, Possível, Determinado ou Determinável


• Lícito: não pode ser contrário a lei, a moral ou aos bons costume;

• Possível: a possibilidade do objeto, consoante interpretação do artigo 166, inciso II,


do Código Civil, que pode ser física ou jurídica, foi elevada ao patamar de requisito de
validade do negócio jurídico. Assim, a contrario sensu, a impossibilidade física ocorre
quando a prestação não pode ser cumprida por nenhum humano, devendo ser, portanto,
absoluta. Impossibilidade jurídica se dá quando a prestação esbarra numa proibição expressa
da lei, a exemplo do denominado pacta corvina, previsto no artigo 426, que proíbe
disposições negociais sobre herança de pessoa viva.

• Determinado ou Determinável: segundo Renan Lotufo “sem conhecimento prévio


do objeto, ou da existência de critérios que permitam a sua avaliação concreta, ninguém
poderá conscientemente se obrigar. A determinabilidade é condição de existência de
obrigação, pois não poderá haver vínculo entre sujeitos que não permita avaliação e aferição
de sua possibilidade, sob pena de se estabelecer uma relação em que o devedor não tem
condições de dimensionar suas responsabilidades, com o que sua liberdade fica
comprometida”.

4.3. Forma Prescrita ou Não Defesa em Lei


Nos casos em que a lei dispõe sobre a forma sob a qual o ato deverá ser realizado, esta
forma será considerada requisito de validade do ato, a exemplo da venda de imóveis, em que
a lei dispõe que será válida somente por meio de escritura pública. Assim, nos casos em que a
forma é colocada como condição de validade do ato, diz-se que a formalidade é ad
solemnitatem.

Algumas vezes, entretanto, a lei exige uma determinada forma que não será usada
como requisito de validade, mas somente facilitará a sua prova. Essa forma, denominada ad
probationem tantum, se não for observada, não será capaz de tornar o ato nulo; entretanto
haverá uma dificuldade, no campo dos fatos, de se provar o que foi acordado.

Quando a lei, por sua vez, não determinar qualquer forma para a prática de
determinado ato, diz-se que esse ato é dotado de forma livre; neste caso, para a sua validade,
basta que a forma utilizada para formalização do ato não seja considerada defesa, proibida
pela lei.

5. DEFEITOS DO NEGÓCIO JURÍDICO

São aqueles defeitos que decorrem, em geral, da manifestação de vontade e, por isso,
tornam o ato anulável. Os vícios previstos no Código Civil de 2001 são seis, e se subdividem
em vícios do consentimento: erro, dolo, coação; estado de perigo e lesão; além do vício social
configurado pela fraude contra credores.

Nos vícios do consentimento, há uma contradição entre aquilo que a pessoa deseja e o
que ela faz, ou seja, o que a pessoa manifesta não é o que ela realmente desejaria fazer. A
vontade declarada não corresponde com a intenção do agente. No vício social, a vontade
declarada corresponde exatamente à intenção do agente, entretanto, tal ato é exteriorizado
com a intenção de prejudicar terceiros ou fraudar a lei, de acordo com as lições de Carlos
Roberto Gonçalves.

Nos seis casos previstos no Código de 2002, artigo 178, II, o negócio jurídico será
anulável, havendo um prazo decadencial de 4 anos para requerer a anulação. Assim, o
decurso do prazo decadencial vem a sanar o defeito do negócio jurídico. O mencionado
diploma legal também traz regra supletiva, caso não haja disposição legal referente ao prazo
para pleitear a anulação do ato eivado de vício, estabelecendo em seu artigo 179 que será de
dois anos a contar da data da conclusão do ato.

5.1. Vícios do Consentimento

5.1.1. Erro e ignorância


No vício do negócio jurídico denominado erro, a pessoa se engana sozinha a respeito
de uma circunstância importante que, se ela conhecesse, impediria a realização do negócio
jurídico. O erro é de difícil prova, uma vez que, ocorrendo no íntimo do agente, portanto, com
eminente caráter subjetivo, é de difícil apreciação pelo magistrado. O fato de o legislador
dispor algumas exigências (artigo 138 do Código Civil), torna as ações baseadas no erro
muito raras. O erro deverá ser substancial (ou essencial, referente ao objeto do negócio),
escusável (invencível, de acordo com o critério do caso concreto) e real, para que o contrato
seja anulável.
O erro é substancial quando diz respeito a aspectos relevantes do negócio, ou seja, só
se pode falar em erro se a pessoa se engana a respeito de algo que, se ela soubesse, jamais
faria o negócio. Se há um engano a respeito de um aspecto irrelevante, meramente acessório,
a exemplo da diferença de tonalidade de cor de um eletrodoméstico adquirido, não será
considerado um erro substancial, mas sim erro acidental, que não vicia a vontade.

Escusável é o erro aceitável, desculpável, o erro que a maioria das pessoas cometeria.
Por sua vez, real é o erro que causa um efetivo prejuízo.

Na análise quanto a ser ou não escusável o erro, para fins de propiciar a anulação do
negócio jurídico, há dois critérios definidores:

• Critério do Homem Médio (Homo medius): neste critério, toma-se por base a
conduta da média das pessoas de determinado conjunto étnico, a que se aplica o direito. Se
um homem médio também cometeria o engano, o erro seria escusável. Não foi esse,
entretanto, o critério aplicado pelos tribunais.

• Critério do Caso Concreto: é o critério aplicado pelos tribunais, para análise


quanto a presença ou não de invencibilidade do erro. Neste critério, é considerado o grau de
instrução do agente, suas atitudes rotineiras, sua rusticidade, seu conhecimento específico
sobre determinado assunto ou setor, etc.

É aplicado, por analogia, em cada caso concreto, o critério previsto no texto do artigo
152 (que trata da coação), que determina que o Juiz leve em conta as condições pessoais da
vítima (deve-se levar em conta a idade, a saúde, o sexo, temperamento e outras condições). O
Juiz deve levar em conta as condições pessoais para saber se o agente poderia ou não incorrer
em erro. Por exemplo, as chances de uma pessoa semi-analfabeta incorrer em erro na
celebração de um contrato de compra e venda de imóvel são bem maiores que as de alguém
que possui curso superior, notadamente um advogado.

O código dispõe, no artigo 139, as hipóteses em que se configura erro substancial. Será
relevante, para fins de anulação do negócio jurídico, o erro que diz respeito à natureza do
negócio (exemplo: a pessoa se engana a respeito da espécie do contrato que celebrou); ao
objeto principal da declaração (exemplo: a pessoa adquire coisa diferente daquela que
imaginava estar adquirindo); às qualidades essenciais do objeto (exemplo: a pessoa adquire o
objeto que imaginava, mas engana-se quanto às suas qualidades); à identidade da pessoa; ou
sendo de direito e não implicando recusa à aplicação da lei, for o motivo único ou principal
do negócio jurídico.

Em princípio não se poderia alegar erro de direito, ou seja, alegar o desconhecimento


da lei. Todavia, a doutrina, em interpretação criteriosamente correta do artigo 3.º da Lei de
Introdução ao Código Civil, já determinava que a ignorância da lei só não poderia ser alegada
para o fim de descumprimento desta. Assim, seria possível a alegação de desconhecimento da
lei, por exemplo, para justificar a boa-fé (exemplo: firma-se um contrato de importação de
uma determinada mercadoria e logo após descobre-se que existia uma lei proibindo a
importação da mesma mercadoria. Poder-se-á alegar ignorância da lei para anular o contrato).
Questão interessante levantada pela doutrina é ausência, no direito pátrio, do erro
obstativo ou impróprio, que abaixo se destaca, para fins de fixação:

Erro obstativo ou impróprio: não existe no Brasil. Adotado, dentre


outros países, na Alemanha, o erro quanto à natureza do negócio ou o
objeto principal da declaração é um erro obstativo, ou seja, é um erro
tão grave que impede a própria existência do contrato. Assim, o erro
obstativo, se verificado e provado, torna o contrato inexistente.

Cumpre em nosso estudo distinguir o erro quanto às qualidades essenciais do objeto e


o instituto dos vícios redibitórios, que possuem ações e prazos distintos.

Vício redibitório é o defeito oculto, aquele considerado imperceptível à primeira vista,


aos olhos do homem médio, que torna a coisa imprestável ao uso a que se destina, ou lhe
diminui o valor. É vício de natureza objetiva. As ações cabíveis para correção dos vícios
redibitórios são chamadas de Edilícias e são de duas espécies: ação redibitória (para rescindir
contrato); e ação quanti minoris (pedido de abatimento no preço). O prazo dessa ação é
decadencial, nos termos do artigo 445 do Código Civil, de 30 dias para bem móvel e 01 ano
para bem imóvel, contado da entrega efetiva; se já estava na posse, o prazo conta-se da
alienação, reduzido à metade. No Código de Defesa do Consumidor há previsão diversa de
prazo: de 30 dias para bem não durável e 90 dias para bem durável.

De modo diverso, o erro quanto às qualidades essenciais é de natureza subjetiva e a


ação cabível é a anulatória, com prazo decadencial de 4 anos.

O artigo 141 do Código Civil fala do erro em caso de mensagem “truncada”, ou seja,
pode haver erro no negócio quando há algum defeito na mensagem devido ao meio utilizado,
sendo considerado este como vício do consentimento, assim o contrato tornar-se-á anulável,
tal como se o erro fosse derivado de mensagem direta.

O artigo 140 dispõe sobre o falso motivo como razão determinante do contrato. Se o
motivo da realização do contrato, desde que seja colocada expressamente como razão
determinante do negócio, ou como condição suspensiva, for declarado falso, o contrato
poderá ser anulado (exemplo: uma pessoa fica sabendo por terceiros que tem um filho;
tentando ajudar, faz uma doação, mas dispõe expressamente na escritura que está fazendo a
doação porque foi informada que o donatário é seu filho; caso seja comprovado que o
donatário não é filho, a doação poderá ser anulada).

5.1.2. Dolo
No vício do negócio jurídico denominado dolo, a pessoa que objetiva a anulação do
negócio jurídico celebrado o faz por considerar ter sido induzida em erro pelo outro
contratante ou por terceiro. Assim, configurado o induzimento, de caráter eminentemente
objetivo, portanto, de mais fácil prova, o dolo é modalidade de vício do consentimento
argüido de forma mais freqüente que o instituto do erro. Destarte, define-se dolo como o
induzimento malicioso à prática de um ato que é prejudicial ao agente.

Segundo o texto do Código Civil, há várias classificações sobre o dolo, e desta


classificação dependem os efeitos que serão produzidos no negócio em que o dolo se
configura. Assim, o dolo pode ser:

• Principal: aquele que é a causa do negócio, ou seja, é o dolo que foi responsável
pelo negócio. Se não houvesse o induzimento, a pessoa não faria o negócio.

• Acidental: aquele que a seu despeito o negócio teria sido realizado, mas em
condições melhores para a vítima. Como não é a causa do negócio, o dolo acidental não anula
este, todavia, dá à parte lesada o direito de exigir perdas e danos.

Há uma segunda classificação doutrinária, que divide o dolo em:

• Dolus bonus (dolo bom): é o dolo tolerável nos negócios em geral, ou seja, as
pessoas não se sentem enganadas porque já esperam esse tipo de dolo; é normal, fazendo
parte do comércio, e não causa anulabilidade do negócio. Como exemplo, podemos citar o
exagero de certos vendedores a respeito das qualidades apresentadas por determinado
produto.

• Dolus malus (dolo mau): é aquele exercido com a intenção de prejudicar e, se for
provado, causa a anulabilidade do negócio jurídico em que ocorreu.

O dolo pode ser exercido por ação ou por omissão. Geralmente o dolo é praticado por
ação. O artigo 147 do código, no entanto, prevê hipótese de dolo caracterizada por omissão,
qual seja, quando um dos contratantes omite uma circunstância relevante que, se fosse
conhecida pelo outro contratante, não haveria o negócio. O legislador quis, com isso, proteger
a boa-fé nos negócios celebrados. Essa omissão dolosa pode ser chamada, segundo a
doutrina, de reticência.

O dolo pode ser de uma das partes, ou de terceiro. O Código Civil tem uma regra
especial sobre o dolo de terceiro, artigo 148, poderá ser anulado o negócio jurídico se a parte
a quem aproveite tivesse ou devesse ter conhecimento, em caso contrário, ainda que subsista
o negócio jurídico, o terceiro responderá por todas as perdas e danos da parte a quem
ludibriou.

O dolo pode ainda ser classificado em unilateral e bilateral. O dolo bilateral ocorre
quando os dois contratantes tentam enganar-se um ao outro, ou seja, há dolo de ambas as
partes. Neste caso, não há ação cabível para nenhuma das partes, visto terem ambas agido de
má-fé, ocasião em que se aplica conhecido brocardo jurídico, qual seja, o de que “ninguém
pode alegar em seu benefício a própria torpeza” (nemo auditur propriam turpitudinem
allegans).
5.1.3. Coação
Denomina-se coação o fato de alguém obrigar uma pessoa a fazer ou deixar de fazer
alguma coisa. É considerada, pelo Código Civil, vício de vontade do negócio jurídico,
tornando o ato anulável, desde que preenchidos os requisitos reveladores do instituto em
estudo. De acordo com a doutrina, a coação pode ser:

• Absoluta (vis absoluta): denominada coação física, se dá quando o coator usa força
física e a vítima não chega a manifestar a sua vontade, agindo mecanicamente, como mero
instrumento da vontade do coator. Nesse caso, o ato é inexistente, visto que não houve um
dos requisitos de existência do negócio jurídico, que é a manifestação de vontade. Não é um
vício do consentimento, visto que sequer houve o consentimento.

• Relativa (vis compulsiva): também chamada de coação moral, registra-se sua


ocorrência quando o coator faz uma grave ameaça à vítima, que terá a opção de ceder ou de
resistir à ameaça. Neste caso, existe um vício do consentimento, uma vez que houve a
manifestação da vontade, embora sob pressão.

Nos casos de anulabilidade do negócio jurídico, o artigo 151 do Código Civil faz uma
série de exigências para que se caracterize a coação, capaz de tornar o negócio jurídico eivado
de vícios que permitam sua anulação. São requisitos da coação:

• A coação deve ser a causa do negócio, ou seja, se não houvesse a coação não
haveria o negócio.

• A coação deve ser grave, ou seja, quando causa um fundado temor, um receio na
vítima. Para aferição da gravidade da coação praticada, o código determina a utilização do
critério do caso concreto, disposto no artigo 152. Registra-se que o artigo 153 da lei não
considera coação o simples temor reverencial, visto que não tem gravidade suficiente para
causar a anulabilidade do ato; todavia, ameaças operadas pelos ascendentes, ainda que
veladas, por não caracterizarem o simples temor reverencial, mas verdadeira forma de coação,
podem ser capazes de anular o negócio jurídico.

• A coação deve ser injusta, ou seja, coação ilegal. Com efeito, o artigo 153, em sua
2.ª parte, não considera coação a ameaça de exercício normal de um direito.

• A coação deve ser proporcional, ou seja, o legislador exige que haja uma certa
proporção entre os prováveis prejuízos que a vítima possa ter. Deve-se levar em consideração
que essa proporcionalidade é relativa, visto que existem coisas que possuem grande valor
estimativo, portanto, incomparáveis, a exemplo do dano moral.

• A coação deve recair sobre a pessoa do contratante, alguém de sua família ou seus
bens. Se disser respeito à pessoa não pertencente à família do paciente, o juiz, com base nas
circunstâncias, decidirá se houve ou não coação.
Para melhor explicitação do critério do caso concreto, o código, em seu artigo152
dispõe que, ao apreciar a gravidade da coação, o juiz deve levar em conta as condições
pessoais da vítima, ou seja, a idade, a saúde, o temperamento, o sexo e outras circunstâncias
que possam influir na gravidade da coação.

A coação pode ser da própria parte ou de terceiro. O legislador entendeu que a coação é
mais grave que o dolo e, por conseqüência, a coação exercida por terceiro sempre viciará o
ato, ainda que o outro contratante não tenha sabido que houve coação por parte de terceiro.

5.1.4 .
Lesão

Embora já aplicada no sistema jurídico pátrio, em razão de criação doutrinária, a lesão passa a
ser prevista no artigo 157 da lei. É definida como a realização de um negócio jurídico em que
uma das partes, por inexperiência ou necessidade, se obriga a prestação manifestamente
desproporcional à prestação oposta. Diferente da lesão preconizada pela doutrina, a lei não
exige que um dos contratantes se aproveite da inexperiência ou necessidade do outro, ou seja,
em regra, não é exigível o dito elemento subjetivo ao qual a doutrina dava o nome de dolo de
aproveitamento. Na lesão do novo diploma, basta que a parte prejudicada pelo instituto
assuma prestação manifestamente desproporcional, por falta de experiência, ou em virtude de
necessidade, ainda que sem dolo do outro contratante, sendo essa prestação considerada o
elemento subjetivo da lesão prevista pela Lei n. 10.406/02. A convalidação do negócio
realizado mediante lesão é possível; a uma, em razão de sua anulabilidade, e não nulidade; a
duas, desde que seja oferecido suplemento suficiente do valor, ou o consentimento da redução
do proveito, pela parte favorecida.

5.1.5 .O
Estado de Perigo
Incluído no novo diploma civil, e muito assemelhado, para alguns doutrinadores, ao
estado de necessidade, o estado de perigo tem como requisitos, para que torne possível a
anulação do negócio realizado sob sua égide: a situação de perigo que torne necessário que
um dos contratantes salve a si próprio, ou alguém de sua família; a solicitação de auxílio à
outra parte, conhecedora do perigo; e a assunção de obrigação excessivamente onerosa em
razão do auxílio.

Quanto à sua validade, três teorias se opõem: uma delas exige a efetividade do
negócio, em razão do brocardo “pacta sunt servanda”; outra, pugna pela anulabilidade do
negócio, se requerida; terceira e intermediária, oriunda da doutrina italiana, prevê a anulação
somente se a obrigação for excessivamente onerosa, pois, se não houver excesso patente, o
negócio se cumpre, e a decisão sobre ser excessiva ou não a obrigação é do juiz, notadamente
quando a solicitação for realizada com o fim de salvar terceiro que não da família do
contratante (parece ser a teoria adotada pelo texto legal).

5.2. Vício Social


A lei define como vício social do negócio jurídico a fraude contra credores. Neste
vício, denominado social por ferir a coletividade, a vontade se manifesta de acordo com o
desejo dos contratantes, todavia, a intenção é sempre de prejudicar terceiros ou lesar a lei.

5.2.2. Fraude contra credores


A fraude contra credores, vício social do negócio jurídico, tem como seu princípio
embasador a responsabilidade patrimonial, que diz: “é o patrimônio do devedor que responde
por suas obrigações”. Tal princípio consagra em nosso ordenamento disposições existentes
desde o Direito Romano, da Lex Poetelia Papiria, que extinguiu a possibilidade de
pagamento de dívidas com a liberdade do inadimplente, que se tornava escravo do credor.
Assim, a penalidade conferida ao negócio jurídico realizado em fraude contra credores é a
declaração de sua ineficácia, de modo a evitar a ocorrência de prejuízo aos credores do
devedor insolvente. Ocorre a fraude contra credores quando um devedor pratica negócios de
forma maliciosa, ardilosa, que o torne insolvente. Ainda que o devedor aliene bens de sua
propriedade, se restarem bens suficientes para o pagamento de suas dívidas, não será
considerado insolvente, nem serão declarados ineficazes tais atos, em relação aos credores.

Nas disposições a respeito da fraude contra credores, quando de sua elaboração, o


legislador teve de optar entre proteger os direitos dos credores do devedor insolvente que
incorre em fraude, ou dos terceiros de boa-fé que com aquele, sem nada saber, pactuaram.
Demonstra a letra da lei ter decidido o legislador, em regra, proteger os interesses do terceiro
de boa-fé, de modo a privilegiar dentre outros princípios, o da boa-fé e probidade, a exemplo
do que ocorre nas regras a respeito das alienações onerosas. A exceção ocorre nas alienações
a título gratuito, em que, por não haver prejuízo efetivo experimentado pelo terceiro de boa-fé
que recebe os bens, protege-se o direito dos credores, retirando os bens das mãos dos terceiros
de boa-fé que os receberam a título gratuito.

O Código Civil dispõe quatro situações envolvendo negócios jurídicos, em que se pode
vislumbrar a ocorrência de fraudes contra credores, as quais passamos a analisar:

a) Alienações onerosas (artigo 159 do Código Civil)

É a situação mais comum de fraude contra credores. Se o devedor vende seus bens,
tornando-se insolvente, e conseqüentemente causa prejuízos a terceiros, caracteriza-se fraude
contra credores. O terceiro adquirente poderá estar de boa-fé (quando não sabe da situação
real do devedor) ou de má-fé (quando sabe da situação real do devedor). Havendo boa-fé do
terceiro adquirente, aos credores só é permitido o ingresso com ação de indenização por
perdas e danos contra o alienante insolvente, uma vez que os negócios realizados entre este e
os terceiros de boa-fé, conforme visto, permanecem válidos.

São dois os requisitos exigidos para que os credores tenham sucesso na ação contra o
devedor que vende seus bens para fraudar os credores:

• Eventus damni: o credor deve provar que, com a venda, o devedor se tornou
insolvente, não mais possuindo bens suficientes para o pagamento de suas dívidas.

• Consilium fraudis (má-fé do terceiro adquirente): não há necessidade de se provar


que o terceiro adquirente estava combinado com o devedor; em outras palavras, não é
necessário o conluio propriamente dito, bastando a prova de que ele, adquirente, estava
ciente, ou deveria estar, conforme previsão legal, da situação de insolvência do devedor.

O artigo 159 do Código Civil prevê duas presunções de má-fé do terceiro adquirente, a
saber: quando era notória a insolvência do devedor; quando o terceiro adquirente tinha
motivos para conhecer a má situação financeira do devedor. Nesse passo, cumpre observar
que os tribunais estabeleceram hipóteses caracterizadoras da existência de motivos para que o
terceiro adquirente tenha conhecimento da situação financeira do alienante que obra em
fraude contra credores, a exemplo das seguintes ocorrências: parentes próximos, amizade
íntima, negócios feitos anteriormente etc. Essa presunção não é absoluta, visto que é possível
sua queda com prova em contrário, esta a ser produzida pelo réu, uma vez que a presunção
relativa (iuris tantum), tem o condão de somente inverter o ônus probandi.

b) Alienações à título gratuito e remissões de dívidas (artigo 158 do Código Civil)

Quando o devedor faz doações de seus bens, ainda assim, pode ocorrer fraude contra
credores. Com efeito, quando se trata de alienações a título gratuito que levam o doador à
insolvência, o único requisito que os credores devem provar é justamente a insolvência do
devedor. Não há necessidade de prova da má-fé do terceiro adquirente, em razão de não ter
havido perda patrimonial deste; logo, declarado o ato ineficaz, há o efetivo retorno ao status
quo ante, caracterizando a exceção já explicitada. Ocorre, outrossim, fraude na remissão de
dívidas quando o devedor que se torna insolvente com o ato é credor de terceiro e deixa de
cobrar o seu crédito que, com efeito, serviria para a satisfação total ou parcial das obrigações
que possui com seus credores.

c) Pagamento de dívida ainda não vencida, estando o devedor insolvente (artigo 162
do Código Civil)

Caracteriza-se fraude contra credores na hipótese de o devedor, já insolvente,


privilegiar o pagamento a um credor que tem uma dívida ainda não vencida. Se isso ocorrer,
os outros devedores poderão ingressar com uma ação contra o credor que recebeu o
pagamento, de forma que o deposite em juízo. Nesta hipótese, de pagamento de dívida não
vencida, a presunção de fraude (consilium fraudis) se torna absoluta, não sendo elidida nem
mesmo com prova em contrário.

d) Concessão de garantia real a um credor quirografário, estando o devedor


insolvente (artigo 163 do Código Civil)

Quando o devedor, já insolvente, resolve privilegiar um dos credores quirografários,


dando-lhe uma garantia real, a exemplo da concessão de hipoteca sobre imóvel do devedor,
também se caracteriza a fraude contra credores. Neste caso, os outros credores podem
ingressar com uma ação para anular a concessão desta garantia, todavia permanece o credor
titular da garantia afastada, com seus direitos creditórios na forma quirografária.

7. AÇÃO PAULIANA OU REVOCATÓRIA


A ação pauliana, assim denominada em homenagem ao pretor romano “Paulo”, de
acordo com as lições de Carlos Roberto Gonçalves, somente é utilizada nos casos de fraude
contra credores. Não se confunde esta, com a ação revocatória da Lei de Falências.

A ação pauliana foi tratada no Código Civil como uma ação anulatória, portanto de
natureza desconstitutiva. De acordo com as disposições literais da lei, portanto, se o juiz julga
procedente a ação, ele anulará a venda ou a doação do bem. A jurisprudência passou a
considerá-la de natureza jurídica diversa daquela que o código lhe empresta, pois determina
ser a ação pauliana declaratória de ineficácia do negócio jurídico, em face dos credores que a
ajuizaram. Desse modo, não haverá anulação do negócio jurídico e o juiz autorizará os
credores a penhorarem os bens alienados pelo devedor, bem como a execução destes até o
limite de satisfação de seus créditos, inclusive com a devolução do excedente, em caso de
existência, ao devedor insolvente. Assim, ressalta-se que a natureza declaratória de ineficácia
tem interferência bem menos incisiva na esfera da vontade das partes, uma vez que, a título de
exemplo, se durante a ação o devedor vier a adquirir bens que o tornem novamente solvente,
o negócio se manterá válido. Todavia o novo Código Civil manteve o sistema anterior,
portanto, a ação anulatória continua, ao menos legalmente, com natureza desconstitutiva.

6.1. Legitimidade Ativa


O artigo 158 repete a regra que somente o credor quirografário está legitimado para
propor ação pauliana, e desde que já o fosse ao tempo da alienação que tornou o devedor
insolvente, visto que o credor quirografário depende dos bens do devedor para a quitação da
dívida, e se realizou negócio com o devedor após seu estado de insolvência estar
caracterizado, assumiu o risco de não vir a receber seus créditos. Inclui, todavia, o credor cuja
garantia se tornar insuficiente com legitimidade ativa para propor ação pauliana, como nos
casos em que já tenha esgotado os valores obtidos com a garantia, sem conseguir quitar o seu
crédito, por ser aquela insuficiente.
6.2. Legitimidade Passiva
O artigo 161 dispõe que a ação pauliana poderá ser proposta contra o devedor e os
terceiros adquirentes de má-fé. Apesar de o texto legal utilizar a expressão poderá, na verdade
deverá o credor ajuizar ação contra ambos, para que a sentença objeto da ação venha a surtir
efeitos em relação ao adquirente de má-fé, isto em razão da necessidade de observância do
princípio constitucional do contraditório.

O artigo 164 do código dispõe que são válidos os negócios ordinários indispensáveis à
manutenção do comércio do devedor, bem como de sua indústria, de seu estabelecimento
agrícola, ou à subsistência do devedor e de sua família, por serem presumidos como de boa-
fé. O artigo 160 trata de hipótese que a doutrina chama de “fraude não consumada”. Há a
permissão de que o terceiro adquirente de boa-fé, que ainda não efetuou o pagamento do
preço, ao descobrir a situação do devedor, para evitar a consumação da fraude, deposite o
preço em juízo, desde que o valor seja o aproximado ao valor corrente do bem, requerendo a
citação dos credores para, eventualmente, levantarem o dinheiro depositado.

7. DIFERENÇAS ENTRE A FRAUDE CONTRA CREDORES E A FRAUDE À


EXECUÇÃO

Com efeito, em que pese às semelhanças existentes entre os institutos da fraude


contra credores e da fraude à execução, estas possuem inúmeras diferenças, de forma e de
fundo, a começar pelo regime jurídico aplicável, o momento em que se configuram, a
natureza jurídica etc.

Abaixo é apresentado organograma explicativo para melhor entendimento:

FRAUDE CONTRA CREDORES FRAUDE À EXECUÇÃO

É defeito do negócio jurídico, É incidente do processo,


regulada no direito privado regulada no direito público
(Código Civil) (Código de Processo Civil).
Ocorre quando o devedor ainda Pressupõe demanda em
não responde a nenhuma ação andamento.
ou execução.
Só pode ser alegada em ação Pode ser alegada
pauliana. incidentalmente; não
Exige-se a prova da má-fé do Não é exigida a prova da má-
3.º adquirente, em se tratando fé do 3.º adquirente, visto
de alienação onerosa. estar presumida.

Com efeito, no caso da pressuposição de demanda em andamento, para fins de


caracterização de fraude em execução, existem duas correntes na doutrina e na jurisprudência,
que por sua vez, colidem:

1.ª Corrente: considera-se proposta a demanda de conhecimento capaz de levar o devedor à


insolvência, desde o momento da distribuição da ação. Esta é a corrente majoritária na
doutrina;

2.ª Corrente: exige-se, para que se presuma o consilium fraudis, em sede de fraude em
execução, a efetiva citação do devedor para a ação de conhecimento capaz de levá-lo à
insolvência, antes da alienação do bem. Esta corrente é a que prevalece na jurisprudência,
notadamente no Superior Tribunal de Justiça.

6.1. Fraude Contra Credores e Embargos de Terceiro


Em razão de haver ação própria para a declaração de ineficácia do negócio jurídico por
fraude contra credores, há na doutrina e na jurisprudência, divergência sobre a possibilidade
ou não de alegação de fraude contra credores em embargos de terceiro, mais especificamente,
na contestação oferecida pelo credor embargado. Há posição no sentido da admissão de
alegação de fraude contra credores em embargos de terceiros, desde que todos os interessados
participem deste, que possui natureza de ação autônoma de conhecimento. Exemplo: em uma
ação de cobrança, o credor penhora um bem que supõe ser do devedor, e o terceiro que
adquiriu o bem ingressa com embargos de terceiros; o credor se defende, alegando que o
terceiro estava de má-fé, existindo a fraude contra credores. De modo contrário, há posições
na jurisprudência, notadamente do Superior Tribunal de Justiça, no sentido de inadmissão de
alegação e discussão de fraude contra credores em sede de embargos. Com efeito, diz a
Súmula 195 deste tribunal superior que, “em embargos de terceiro não se anula ato jurídico,
por fraude contra credores”, contrariando inclusive entendimentos anteriores da mesma corte,
no sentido de aplicação do instituto em sede de embargos.
CURSO DO PROF. DAMÁSIO A DISTÂNCIA

MÓDULO V

DIREITO CIVIL
Prescrição

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DIREITO CIVIL

Prescrição

Prof. Vitor Frederico Kümpel

1. INTRODUÇÃO

O fator tempo que, de acordo com a boa literatura, “é o único que, sem dizer nada, diz
tudo”, como é cediço, interfere em todas as relações humanas. Dentre as relações humanas
encontram-se as relações jurídicas que, por sua interferência na vida em comum de todos os
integrantes de uma determinada sociedade, são reguladas pelo Direito.

Assim é que o direito, preocupado em imprimir segurança a todas as relações jurídicas,


seu objeto, determina que algumas situações que se prolongam no tempo, por presumirem
considerável satisfação das partes afetadas, devem ser perpetuadas, porque revelam ou,
quando menos, vislumbram pacificação social. Não é outro o entendimento de juristas do jaez
de José Joaquim Gomes Canotilho, para quem o princípio da segurança nas relações jurídicas
se sobrepõe inclusive a princípios como o da legalidade, em determinados casos.

Em síntese: o ordenamento jurídico, atendendo ao princípio da segurança nas relações


jurídicas, determina ter o tempo a capacidade de estabilizar relações jurídicas, no estágio em
que se encontrem, justas ou injustas, a depender da conformação com que as partes a encarem
e submetam ou não seus litígios à análise judicial, e, para tanto, se utiliza de instrumentos a
seguir estudados.

Ainda nessa introdução é bom deixarmos assentado que a tendência moderna é


restringir o lapso de tempo para o exercício de direitos, sendo praticamente intolerável os
extensos 20 anos do Código Civil de 1916, quer para prescrições extintivas quer aquisitivas.
O mundo contemporâneo, principalmente após a virada do milênio e os avanços tecnológicos,
faz com que seja intolerável que as relações jurídicas demorem muito tempo para se
consolidar, de forma que, o novo Código Civil reduz drasticamente, na maioria dos institutos,
os prazos para o exercício da ação que lhe assegura o direito.

2. CONCEITO

Trazendo solução para as discussões doutrinárias e jurisprudenciais até então


existentes, o diploma civil conceituou prescrição como sendo a perda da ação atribuída a um
direito em decorrência do seu não uso no prazo fixado em lei.
Assim, tem por objeto, como acima mencionado, consolidar relações jurídicas de
maneira que restem vedadas eventuais discussões sobre o assunto.

A prescrição, embora una como fenômeno, é vista e tratada pelo ordenamento de forma
dicotômica: de um lado, a prescrição extintiva, tratada na Parte Geral do Código Civil; de
outro, a prescrição aquisitiva, também denominada Usucapião, a ser oportunamente tratada
no Direito das Coisas. Neste módulo, trataremos especificamente da prescrição extintiva, com
o objetivo de imprimir maior didática em nosso trabalho.

Usando a clássica conceituação de Bevilácqua, “prescrição é a perda da ação atribuída


a um direito, e de toda a sua capacidade defensiva, em conseqüência do não-uso dela, durante
um determinado espaço de tempo”.

3. REQUISITOS

Para que se verifique a prescrição, faz-se necessário o decurso de determinado lapso


temporal (previsto em lei), sem que o titular de um direito violado se manifeste acerca deste
direito.

Portanto, o fenômeno impede que o titular de determinado direito exerça ação a ele
afeta, pois, no prazo deferido para seu exercício, demonstrou-se desinteressado.

Com isso, tornam-se visíveis os denominados requisitos da prescrição, quais sejam, a


inércia do titular ante a violação do seu direito bem como o decurso do prazo legal.

Podemos relacionar quatro requisitos fundamentais:

3.1. A Existência de Ação Exercitável


O
objeto da prescrição é a existência de ação exercitável, pois a todo direito
corresponde uma ação que lhe assegure. Uma vez violado o direito, surge a
pretensão e, por sua vez, o exercício da mesma pelo direito de ação,
começando a correr o prazo de prescrição. Aliás, toda obrigação, além de um
elemento fundamental chamado dívida schuld, tem um elemento processual
chamado haftung, que é exatamente a exequibilidade garantida pelo exercício
de ação. Tanto que o não exercício da ação transforma a obrigação legal em
obrigação natural, pois a dívida passa a ser inexeqüível.
3.2. Inércia do Titular Ante a Violação do seu Direito
Restando violado um direito seu, o titular deixa de apresentar qualquer medida que se
demonstre contrária àquela situação, concordando e se conformando com o ocorrido. Ou seja,
a pessoa não propõe nenhuma ação quando tem seu direito violado. Há por parte do
prescribente a abstenção do direito de ação.

3.3. Decurso do Prazo Estabelecido em Lei


O artigo 205 do Código Civil dispõe que tanto as ações pessoais quanto as reais
prescrevem em 10 anos, quando a lei não lhe haja fixado prazo menor. Cabe aqui salientar
que agora não há distinção entre ações pessoais e reais para fins de prescrição: o prazo
prescricional máximo é uno tanto para as ações pessoais quanto para as reais. Assim,
ressalvadas as hipóteses do artigo 206, o prazo prescricional será de 10 anos.

A simples leitura dos artigos 205 e 206 poderia levar à conclusão de que toda e
qualquer pretensão está sujeita à prescrição. Entretanto, a regra geral trazida pelo Código
Civil deve ser entendida dentro de algumas limitações, pois, como veremos, tanto as ações
meramente declaratórias quanto as ações desconstitutivas ou constitutivas são, em tese,
imprescritíveis.

3.4. Ausência de Causas Suspensivas, Impeditivas ou Interruptivas da


Prescrição

São fatores neutralizantes da prescrição que serão oportunamente apreciados.

4. AÇÕES IMPRESCRITÍVEIS

A leitura dos artigos de lei que tratam do tema prescrição pode levar o intérprete à
conclusão precipitada de que não existem ações imprescritíveis. Entretanto, faz-se necessário
ponderar que alguns direitos nunca poderiam restar desguarnecidos de uma ação que os
assegurasse, nem mesmo em decorrência do decurso temporal.

Nessa esteira, e a título de exemplo, não se poderia admitir que, em razão do decurso
de determinado prazo sem manifestação, um filho fosse privado de intentar uma ação de
investigação de paternidade.

Assim, o entendimento majoritário na doutrina e jurisprudência é no sentido de que


existem ações imprescritíveis. Via de regra, são elas:
4.1. Ações que Versem Sobre os Direitos da Personalidade
Em razão de sua indisponibilidade, não há no ordenamento prazo prescricional para
ações que defendem direitos como vida, liberdade etc, além de todos aqueles decorrentes do
princípio da dignidade da pessoa humana.

4.2. Ações que Versem Sobre o Estado da Pessoa


As ações de interdição, separação judicial, divórcio, investigação de paternidade,
declaração de ausência, dentre outras, por tratarem do estado da pessoa, assim considerado
em seu tríplice aspecto (individual, familiar e político), também são consideradas
imprescritíveis, porque igualmente decorrentes do princípio da dignidade da pessoa humana.

4.3. Ações que têm por Objeto Bens Públicos


Em face da indisponibilidade dos interesses que o Poder Público representa, e ante o
necessário aparelhamento estatal para que a Administração exerça de forma eficiente suas
funções, em regra há impossibilidade de prescrição, notadamente a aquisitiva (usucapião),
relativa a pretensões sobre bens de propriedade da administração. A Súmula n. 340 do
Supremo Tribunal Federal dispõe que os bens públicos não podem ser objetos de usucapião
(que é uma forma de prescrição).

4.4. Ações de Exercício Facultativo


Ações de exercício facultativo são aquelas que protegem direitos potestativos das
partes, ainda não exercidos porque não violados, e que operam modificação nas relações
jurídicas em que seus titulares figuram e são, em regra, constitutivas (positivas ou negativas).
Têm-se como exemplos clássicos: as ações de divisão, de demarcação e de dissolução de
sociedade. Assim, ressalte-se que tais ações podem ser propostas ainda que não tenha havido
violação de direito algum e, por conseguinte, não há prazo prescricional para a propositura
destas.

4.5. Ação Reivindicatória


A ação reivindicatória é modalidade de ação real, prevista com a finalidade de
perseguir e reaver o bem das mãos de quem quer que o detenha (corolário do direito de
seqüela). Por proteger o maior dos direitos reais, qual seja, a propriedade, que tem como
principal característica a perpetuidade justamente por não ser perdida pelo não uso, mas
somente por causas legais, a ação reivindicatória não prescreve. Podemos também falar na
ação reipersecutória que é a ação que visa a obtenção de imóvel em razão de obrigação
assumida pelo réu. É a ação oriunda de relação de direito pessoal, tendo por finalidade a
aquisição de um direito real ou esclarecimento de dúvidas sobre determinado bem. Podemos
citar como exemplo a ação anulatória de compra e venda de imóvel, não cumulada com a
reivindicação do prédio vendido.

Pode-se, entretanto, perder o domínio caso se verifique a ocorrência de qualquer das


causas previstas em lei, a exemplo do usucapião em favor de terceiro, desapropriação,
renúncia, abandono etc. Não ocorrendo nenhuma dessas causas, o proprietário não perde o
domínio.

5. INSTITUTOS CORRELACIONADOS AO FATOR TEMPORAL

Há institutos que, por serem influenciados pelo decurso do tempo, guardam alguma
semelhança com o tema em estudo. Entretanto, com este não se confundem, pois possuem
características próprias e são aplicáveis a casuísticas diversas.

5.1. Preclusão
Preclusão é a perda de uma faculdade processual por não ter sido exercida no momento
oportuno. Com efeito, em cada fase do processo, a lei faculta às partes praticarem certos atos.
Caso as partes não pratiquem os atos na fase em que a lei lhes faculta (preclusão temporal),
escolha e pratique um, dentre os atos possíveis de serem praticados (preclusão consumativa)
ou ainda pratique ato anterior incompatível com o ato posterior praticado no processo
(preclusão lógica), o feito passará à fase seguinte, ocorrendo o que se denomina preclusão,
mecanismo de estabilização da relação jurídica processual. Difere da prescrição por ser
instituto que se manifesta apenas dentro de determinado processo, não projetando, ao menos
por via de regra, efeitos exteriores, a outras relações jurídicas processuais.

5.2. Perempção
Também de natureza processual, consiste na perda da ação atribuída a um direito pelo
autor contumaz (aquele que reitera no erro) que deu causa a três arquivamentos sucessivos
(artigo 268, parágrafo único, do Código de Processo Civil). Se houver três extinções por
abandono da causa, ocorrerá o fenômeno da perempção, que impede que o autor proponha a
ação uma quarta vez.

O direito material, neste caso, não se perde, mas não poderá mais ser exigido por meio
de ação. Este direito somente poderá ser alegado em defesa. Interessante salientar que a
diferença existente é bastante sutil, uma vez que, ocorrida a perempção, haverá a perda da
ação, enquanto que a prescrição faz perecer toda a pretensão atribuída àquele direito.
5.3. Decadência
Éa
extinção do direito pela inação de seu titular que deixa escoar o prazo legal ou
voluntariamente fixado para o seu exercício. O efeito direto é a extinção do direito em razão
de inércia do titular para o seu exercício. No dizer de Maria Helena Diniz “extingue
indiretamente a ação correspondente, se ela nasceu juntamente com o direito, representando o
modo de seu exercício, e impede o seu nascimento, se ela não originou do mesmo fato
gerador do direito, mas deveria protegê-lo, futuramente, depois de definitivamente efetivado,
sobrevindo algum obstáculo ao seu livre exercício” (Dicionário Jurídico, Vol. II, p. 12).

Chamada também de caducidade. O Código Civil de 1916 não se referia à decadência,


ficando um pouco difícil distinguir quais os prazos prescricionais e quais os decadenciais. A
doutrina e a jurisprudência sempre foram pacíficas em admitir os vários prazos decadenciais
do Código Civil de 1916.

O atual Código Civil traz capítulo próprio para a decadência, a qual é tratada nos
artigos 207 a 211.

6. DISTINÇÃO ENTRE PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA

6.1. Hipóteses de Distinção

6.1.1. Quanto aos efeitos


A prescrição não corre contra determinadas pessoas e a decadência corre contra todas as
pessoas. A título de exemplo, temos o inciso II do artigo 169 do Código Civil, segundo o qual não
corre a prescrição contra os ausentes do Brasil em serviço público da União, dos Estados ou dos
Municípios.

6.1.2. Quanto à origem


O critério acima dispõe que na prescrição o direito antecede a ação, que só nasce e
passa a ser possível de ser validamente exercida quando aquele direito é violado. Na
decadência, o direito e a ação nascem no mesmo instante, a exemplo da ação negatória de
paternidade, que possui prazo decadencial, visto que no momento em que a criança nasce, já
começa a correr o prazo para a propositura da referida ação.

Portanto, a decadência extingue diretamente o direito e, com ele, a ação que o protege,
enquanto a prescrição extingue a ação e, com ela, o direito que a protege.
6.1.3. Quanto à natureza
Enquanto, ocorrida a prescrição, se constata o perecimento da pretensão do autor com
relação à ação que protege determinado direito, verificada a decadência verifica-se o
perecimento do próprio direito.

6.2. O Critério Científico (atribuído a Agnelo Amorim Filho)


Visando dirimir dúvidas quanto ao instituto aplicável às hipóteses de perda da
possibilidade de invocar, em juízo, determinados direitos, se decadência ou prescrição,
Agnelo Amorim Filho desenvolveu o que convencionou chamar de “critério científico” de
diferenciação de prescrição e decadência, divulgado na seção de doutrina do periódico
jurídico “Revista dos Tribunais” (RT), n.º 300, nos idos de 1960. O referido doutrinador
partiu da divisão das ações em declaratórias, condenatórias e constitutivas ou
desconstitutivas. Em breves linhas, ousamos resumir tal critério, que dispõe o seguinte:

• Se a ação for de natureza condenatória, o prazo será prescricional, uma vez que o
direito subsistirá após a prescrição da ação para compelir o réu ao cumprimento das
obrigações, todavia, na esfera do direito natural somente.

• Se a ação for de natureza constitutiva ou desconstitutiva, o que a doutrina também


denomina de constitutivas positivas ou negativas, as soluções serão diversas a depender da
existência ou não de previsão de prazo legal para seu exercício: com prazo previsto em lei,
esse prazo será decadencial, uma vez que o direito de desconstituir, modificar ou constituir
determinada relação jurídica estará diretamente fulminado, de forma a garantir efetividade ao
princípio da segurança nas relações jurídicas, por perpetuá-la; de modo diverso, serão
imprescritíveis tais ações caso não haja prazo previsto em lei, por se tratarem de verdadeiros
direitos potestativos, subjetivos, a exemplo da ação de divórcio.

• Por sua vez, as ações meramente declaratórias serão sempre imprescritíveis, pois
visam apenas à obtenção de uma certeza jurídica a respeito da existência ou inexistência de
determinada relação jurídica, o que não interfere nas conseqüências fáticas decorrentes desta
declaração.

Anteriormente havia discussão quanto à ação negatória de paternidade, tendo sido


apresentada solução jurisprudencial utilizando-se das regras do artigo 227 da Constituição
Federal e do artigo 27 do Estatuto da Criança e do Adolescente, o que levava ao entendimento
no sentido de que a ação negatória de paternidade era imprescritível, por tratar de direitos
personalíssimos e irrenunciáveis. O novo diploma civil fulminou quaisquer discussões
relacionadas ao tema, prevendo a imprescritibilidade de tal ação, conforme consta do artigo
1.601.
7. DISPOSIÇÕES GERAIS SOBRE PRESCRIÇÃO

O artigo 191 do Código Civil dispõe sobre a renúncia da prescrição, ou


seja, a renúncia ao direito de argüi-la em ação já prescrita. Admite-se a
renúncia à prescrição quando esta já estiver consumada e quando não houver
prejuízos a terceiros. A renúncia anterior à consumação é vedada, pois a
prescrição é matéria de ordem pública e não um direito potestativo. Assim,
não podem as partes dispor sobre ela.

O próprio artigo dispõe que a renúncia pode ser expressa ou tácita. Geralmente, a
renúncia é tácita, decorrendo da conduta do devedor, como é o caso do inadimplente que, por
vontade própria, solve dívida já fulminada pela prescrição. A renúncia à prescrição não pode
ser antecipada, pois, caso fosse possível a renúncia prévia, haveria instabilidade nas relações
jurídicas e o instituto perderia sua finalidade. A única vedação existente à renúncia apresenta-
se naqueles casos em que esta se demonstra prejudicial a terceiros (em geral, outros credores).
Assim, caso um credor ingresse com uma ação que está prescrita e reste verificado que o
devedor, com o pagamento da dívida, não terá forças patrimoniais para saldar seus
compromissos com outros credores, impedida será a renúncia à prescrição. É o que se extrai
do texto do artigo 191 do Código Civil.

Por tratar-se de matéria de ordem pública, e considerando-se a determinação do artigo


193 do Código Civil, a prescrição pode ser alegada a qualquer tempo. Entretanto, deve-se
levar em consideração a previsão expressa do artigo 22 do Código de Processo Civil, segundo
o qual o réu que não alega matéria no primeiro momento que se manifestou nos autos perderá
o direito aos honorários. Trata-se de sanção de ordem processual. Caso o réu alegue a
prescrição na contestação, o autor da ação arcará com o ônus da sucumbência.

Além disso, não se pode esquecer da necessidade da existência de pré-questionamento


para que sejam alegadas quaisquer matérias perante os tribunais superiores (Supremo
Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça), conforme seus regimentos internos.
Portanto, a falta de argüição da matéria na fase cognitiva (juízo singular e tribunais) impede
que seja a matéria trazida à discussão quando interposto o Recurso Especial ou
Extraordinário. A esta regra o Código de Processo Civil traz exceção no artigo 741, inciso VI,
ao tratar da prescrição superveniente à sentença.

O artigo 194 substituiu o artigo 166, simplificando o significado do dispositivo


anterior: via de regra, o juiz não pode reconhecer, de ofício, a prescrição. A única exceção,
prevista no próprio dispositivo, é o reconhecimento em favor de absolutamente incapaz
(artigo 3.º do Código Civil).

No tocante à decadência, por prévia determinação legal, esta pode ser reconhecida de
ofício pelo juiz, conforme previsto no artigo 210 do estatuto civil.

Arrematando, as partes poderão dilatar a prescrição já em curso, uma vez que a interrupção da
prescrição é um prolongamento do seu curso. Assim como o titular pode interromper a
prescrição por ato de vontade, é evidente que pode prolongá-la. As partes não podem
diminuir o prazo da prescrição, pois seria uma forma de inviabilizá-la.

A
renúncia expressa ou tácita da prescrição requer plena capacidade do agente, pois é ato de
liberalidade, sendo inadmissível a sua prática pelo incapaz. Sendo um ato pessoal, a renúncia
apenas afeta seu renunciante e seus herdeiros. A renúncia à prescrição pelo devedor
insolvente é fraude contra credores, podendo ser anulada por intermédio de ação pauliana.

8. IMPEDIMENTO, SUSPENSÃO E INTERRUPÇÃO DO PRAZO


PRESCRICIONAL
O
impedimento e a suspensão da prescrição fazem cessar temporariamente o seu curso.
Desaparecida a hipótese de impedimento ou a causa de suspensão, a prescrição retoma o seu
curso normal, computado o tempo anteriormente decorrido, caso este tenha existido.

Não há, segundo nosso legislador, distinção entre impedimento e suspensão, aplicando-se os
artigos 197, 198, 199 e 200 a ambas as situações.

Os prazos existem para que, em determinado lapso temporal, sejam praticados os atos
processuais. Assim, delimitam o “espaço temporal” de atuação das partes, evitando que, a
qualquer momento, a parte venha a praticar ato anteriormente sonegado (preclusão).

Entretanto, há casos em que esse lapso temporal deve ser suspenso ou interrompido
exclusivamente por força de previsão legal (artigos 197 e seguintes, e 202 do Código Civil).

Nos casos em que ocorre a suspensão, o curso do prazo é paralisado e, a partir da


cessação da causa prevista em lei para sua paralisação (artigo 197 e seguintes), o prazo será
retomado computando-se os dias já decorridos.

Com relação à interrupção, verificada a atitude prevista na lei como causa interruptiva
(artigo 202), o prazo cessará o curso, desconsiderando-se o período já transcorrido. O traço
marcante da interrupção é a provocação do credor, ou seja, exige-se um comportamento ativo
seu.

Importantes inovações trazidas pelo artigo 202 do diploma civil são a possibilidade de
interrupção do prazo prescricional por intermédio de protesto cambial (inciso III), bem como
a possibilidade de interrupção do lapso uma única vez (artigo 202, caput).

Portanto, havida a suspensão, o prazo recomeça a correr pelo período faltante, ou seja,
somam-se os períodos. Na interrupção, o prazo recomeça a correr por inteiro a partir do ato
interruptivo. A interrupção devolve o prazo inteiro da prescrição.
O Código Civil trata separadamente da suspensão e da interrupção, ou seja, as causas
que impedem ou suspendem a prescrição estão nos artigos 197 e 198, e as causas que
interrompem a prescrição estão no artigo 202 do Código Civil.

8.1. Causas que Impedem ou Suspendem a Prescrição


A suspensão e a interrupção do prazo prescricional decorrem dos mesmos fatos, tanto
que se encontram previstos na mesma seção. A única diferença existente é o momento da
ocorrência de tais fatos.

Assim, haverá impedimento da prescrição quando ela não iniciou seu curso, enquanto
os mesmos fatos suspenderão a prescrição quando esta já teve seu curso iniciado. O artigo
197 do Código Civil tem quatro incisos que tratam de pessoas que possuem um
relacionamento com base na confiança. Para evitar que haja discórdia entre essas pessoas, a
prescrição está impedida ou suspensa.

8.1.1. Artigo 197, incisos I a IV, do Código Civil


O artigo 197 possui quatro incisos que tratam de pessoas que possuem relacionamento
baseado na confiança. Assim, determina o impedimento ou a suspensão do lapso nestes casos,
com o fim de evitar que haja discórdia entre essas pessoas.

Nessa esteira, não corre prescrição entre os cônjuges na constância da sociedade


conjugal (frisa-se que a expressão sociedade conjugal é mais abrangente que a expressão
matrimônio); entre ascendentes e descendentes, tutores ou curadores e seus pupilos e
curatelados, até o fim do poder familiar, tutela ou curatela.

Uma das discussões jurídicas é de ser o rol do artigo 197 taxativo ou exemplificativo. O rol é
exemplificativo, conforme determina o artigo 219, § 2.º, do Código de Processo Civil,
podendo ser dado o exemplo da desídia do escrivão do processo que gera suspensão da
prescrição.

8.1.2. Artigo 198, incisos I, II e III do Código Civil


O artigo 198 do estatuto civil dispõe três fatos que impedem ou suspendem a
prescrição. Nesses casos, o legislador tem por objetivo proteger certas pessoas.

Em primeiro lugar, dispõe não correr prescrição contra os absolutamente incapazes. É


de se ver, contudo, que a prescrição corre a favor deles, ou seja, se a prescrição for para
beneficiar o absolutamente incapaz, ela correrá normalmente.
Também não corre prescrição contra os ausentes do país, desde que estejam a serviço
da União, dos Estados, dos Municípios ou do Distrito Federal, bem como não flui o lapso
prescricional em desfavor daqueles cidadãos que estejam servindo o país em tempo de guerra,
nas Forças Armadas. Nesse caso, não importa se está dentro ou fora do país.

8.1.3. O princípio da “actio nata”


O princípio da actio nata pode ser extraído da interpretação dada ao artigo 199 do
estatuto civil, e determina não correr o lapso prescricional enquanto não nascer a ação
possível de ser ajuizada para correção da lesão ao direito protegido. Assim, enquanto não
vencida a dívida, pendente condição suspensiva ou ação de evicção em curso, não flui o prazo
prescricional. Somente começa a correr o prazo prescricional a partir do momento que o autor
tiver o direito de ingressar com a ação.

Oportuno se faz mencionar a denominada prescrição intercorrente, a qual ocorre no


curso da demanda, durante o andamento da ação. Nem todos os autores admitem a existência
desta modalidade. Os tribunais admitem, nos casos de execução de título, em que o autor não
dá andamento na ação, a possibilidade de ocorrência da prescrição intercorrente, caso o
período em que o feito ficou estagnado seja suficiente para tanto.

8.3. Das Causas Interruptivas do Prazo Prescricional


As hipóteses em que a prescrição pode ser interrompida estão previstas no artigo 202.
Conforme dito, interromper a prescrição depende de comportamento ativo do credor,
reiniciando-se o curso do prazo a partir do ato que a interrompeu.

O artigo 204 dispõe sobre as obrigações solidárias e divisíveis. Quando existem vários
credores solidários e um deles toma a iniciativa de interromper a prescrição, todos os outros
credores serão beneficiários. Se a obrigação for, entretanto, divisível, a prescrição somente se
interrompe para aquele credor que tomou a iniciativa de interromper a prescrição.

Entre as hipóteses interruptivas da prescrição, podemos salientar:

8.3.1. O despacho judicial determinando a citação como causa


interruptiva
Dispõe o inciso I do artigo 202 que o despacho do juiz determinando a citação causa a
interrupção da prescrição.

O texto desse inciso difere do que determinava o inciso de mesmo número do artigo
172 do estatuto civil de 1916, alterado, o qual previa que a citação pessoal feita ao devedor
interromperia o prazo prescricional, encontrando-se em harmonia com o texto do artigo 219 e
seus parágrafos, alterados pela Lei n. 8.952/94.
Como é de se imaginar, com a redação do dispositivo acima mencionado do novo
Código Civil, confrontante com a redação dada pelo Código de Processo Civil, divergências
quanto à interrupção da prescrição surgiram.

Há posição abalizada na doutrina no sentido de que o disposto no inciso I do artigo 202


do estatuto civil deverá ser interpretado de acordo com o que prevê o artigo 219 e parágrafos
do diploma processual, uma vez que o projeto do estatuto de 2002 encontrava-se tramitando
no Congresso Nacional há período longo, o que o fez ingressar em nosso ordenamento
jurídico com relativas impropriedades, como é o caso do descompasso entre os artigos retro
mencionados.

Assim, talvez a solução mais viável (encontrada no artigo 219 e parágrafos do Código
de Processo Civil) seja considerar que o despacho poderá ser exarado por juiz incompetente,
entretanto, a citação promovida pela parte no prazo legal é que interromperá a prescrição (§
2.º) a qual será considerada virtualmente interrompida desde a data da propositura da ação
(§ 1.º).

Cumpre esclarecer que, apesar de o dispositivo prever que a incompetência do


magistrado não tem o condão de tornar nula a citação, não se pode tomar isso por verdade
absoluta. Nas hipóteses em que ocorrer, faz-se necessária análise do caso concreto, com o
intuito de verificar se não houve dolo por parte do credor ao ajuizar a ação perante órgão
incompetente apenas para se livrar dos efeitos da prescrição.

8.2.2. O protesto judicial


O segundo modo de interrupção da prescrição é o protesto, ainda que ordenado por juiz
incompetente. Esse protesto, a que se refere o artigo 202, inciso II, do Código Civil, é o
protesto judicial que está disposto no rol das medidas cautelares, integrantes do processo
cautelar, previsto no código de processo.

O artigo 202, inciso V, dispõe que também interrompe a prescrição qualquer ato
judicial que constitua em mora ao devedor. Dessa forma, viabiliza-se a utilização de institutos
como o das notificações judiciais para fim de interrupção da prescrição.

8.2.3. Protesto cambial


Inovação trazida pelo novo diploma civil, no inciso III, verifica-se que o protesto
cambial interrompe o curso do prazo prescricional. Assim, resta “revogada” a Súmula n. 153
do Pretório Excelso, segundo a qual “simples protesto cambiário não interrompe a
prescrição”.

Esta modificação traz maior dinamismo às relações e coaduna-se com o ordenamento


jurídico uma vez que a interrupção do prazo prescricional, em seu âmago, depende de uma
atuação do credor, de uma atividade sua que denote a intenção de agir, de ver saldado seu
débito, de ver cumprido direito do qual detém a titularidade. Assim, é o protesto cambial uma
forma de manifestação inequívoca de sua intenção.

8.2.4. Habilitação de crédito em juízo de inventário ou concurso de credores


O inciso IV do artigo 202 do Código Civil dispõe que a habilitação de crédito em
inventário ou em concurso de credores também interrompe a prescrição. Quando o credor
habilita o crédito, entende-se que ele tem interesse em receber e, por esse motivo,
interrompido restará o prazo prescricional.

8.2.5. Atos inequívocos que importem reconhecimento do direito pelo devedor


O inciso VI do artigo 202 prevê a única hipótese em que há interrupção da prescrição
sem que haja qualquer atuação por parte do credor. Assim, dispõe que qualquer ato
inequívoco do devedor que importe reconhecimento da dívida interrompe a prescrição, a
exemplo de documentos comprobatórios de solicitação de ampliação do prazo de pagamento,
pelo devedor.
CURSO DO PROF. DAMÁSIO A DISTÂNCIA

MÓDULO VI

DIREITO CIVIL
Atos Ilícitos
Responsabilidade Civil
Dano

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DIREITO CIVIL

Atos Ilícitos

Responsabilidade Civil

Dano

Prof. Vitor Frederico Kümpel

1. ATOS ILÍCITOS

As disposições sobre os atos ilícitos, no Código Civil, são encontradas nos artigos
18615 a 188. Dispõe o artigo 186 do diploma civil que aquele que, por ação ou omissão
voluntária, negligência ou imprudência, violar direito ou causar dano a outrem, ainda que
exclusivamente moral, comete ato ilícito. A verificação da culpa e a avaliação da
responsabilidade regulam-se pelo disposto nesse código, nos artigos 927 a 943 e 944 a 954.

Ato ilícito é, portanto, a infração ao dever de não lesar outrem. A lesão abarcada pelos
dispositivos legais trata-se daquela que cause dano, tanto de natureza patrimonial quanto de
natureza moral.

O
referido artigo impõe a todas as pessoas o dever de não lesar outrem (neminen laedere). Todo
aquele que causa um dano deve repará-lo, desde que a vítima prove que o causador do dano
agiu com culpa. Assim, o diploma civil pátrio adotou, como regra, a teoria subjetiva, segundo
a qual deve-se proceder na análise da existência de culpa do agente.

A
“culpa” pelos atos ilícitos, a que se refere o artigo 186, tem sentido amplo, abrangendo tanto o
dolo quanto a culpa em sentido estrito (imprudência, negligência ou imperícia) e recebe a
denominação de culpa aquiliana, em decorrência de sua origem (Lex Aquilia).

Em alguns casos, o ato poderá ser ilícito tanto na esfera civil quanto na penal, podendo, ainda,
ser somente um ilícito penal. Entretanto, deve-se salientar que, na maioria das vezes, o ilícito
penal é também ilícito civil, pois este sempre, ou quase sempre, gera um prejuízo à vítima.

As
implicações decorrentes de um ilícito civil são diferentes daquelas que decorrem de um ilícito
penal, uma vez que aquele tem como conseqüência tornar o agente responsável pela reparação
do dano, a teor do que dispõe o artigo 186 do Código Civil (responsabilidade civil) sendo tal
responsabilidade de cunho patrimonial. Com relação aos ilícitos penais, ao agente é imputado
castigo corporal, sendo a responsabilidade de cunho pessoal, não se transferindo a terceiros
como é possível de ocorrer na responsabilidade civil. A título de exemplo, temos a
responsabilidade civil do pai que responde pelo ato do filho, do patrão que responde por ato
de seu empregado, do Estado que responde pelos atos do servidor.

2. RESPONSABILIDADE CIVIL

Na
apreciação da responsabilidade, como anteriormente mencionado, o Código Civil adotou a
teoria clássica chamada teoria subjetiva, segundo a qual a vítima tem o ônus de provar a
culpa (em sentido amplo) do causador do dano. Essa teoria passou a ser injusta para a vítima,
uma vez que, em alguns casos, é muito difícil provar a culpa do causador do dano. Em
decorrência dessa dificuldade, adotou-se a presunção de culpa em certas situações, como é o
caso da presunção de culpa do dono de animal que causa dano, como se verifica no artigo 936
do Código Civil.

Surge, então, uma nova teoria chamada teoria objetiva, segundo a qual aquele que obtém
vantagens no exercício de determinada atividade deve responder pelos prejuízos que essa
atividade lucrativa venha a causar. É o brocardo jurídico “quem aufere os cômodos, arca
também com os incômodos”. Nessa teoria a culpa não é discutida, a responsabilidade baseia-
se no risco (princípio da eqüidade).

Concluindo, é possível afirmar que a responsabilidade, via de regra, se baseia na culpa e, em


alguns casos (leis especiais), adotou-se a teoria objetiva.

2.1. Responsabilidade Objetiva

Trata-se daquela em que a vítima está dispensada de provar a culpa do causador do dano, seja
porque essa culpa é presumida, seja porque a própria lei dispensa a prova.

A
responsabilidade objetiva comporta graus. O grau mais elevado é aquele em que a lei exige,
daquele que causou o dano, a indenização, sem que seja conferida ao agente qualquer
possibilidade de provar sua inocência.

No grau menos elevado, há possibilidade de inversão do ônus da prova, no caso de


culpa presumida. Por isso, a doutrina classifica essa responsabilidade objetiva em imprópria
ou impura, pois o causador do dano pode provar que não teve culpa. Essa responsabilidade se
encontra no diploma civil em alguns casos, como no artigo 936, que admite a inversão do
ônus da prova.

A
responsabilidade imprópria ou impura (que admite inversão do ônus da prova) é a que impera
no Código de Defesa do Consumidor.

2.2. Responsabilidade Contratual e Extracontratual


A
responsabilidade extracontratual advém de situação de fato, e não de um contrato entre as
partes. É exemplo desta responsabilidade aquela decorrente de um acidente de trânsito.

O artigo 186 fundamenta a responsabilidade extracontratual quando dispõe que toda


pessoa que causar prejuízo a outrem ficará obrigada a indenizar. Impõe a todos, como já
mencionado anteriormente, o dever legal de não lesar outrem.

As pessoas também podem, entretanto, ser obrigadas a reparar danos decorrentes de


inadimplemento contratual, ou seja, da quebra do dever contratual. Esta é a chamada
responsabilidade contratual, a qual se resolve com a verificação das perdas e danos sofridos, a
teor do que dispõe o artigo 389 do Código Civil. Assim, pode-se afirmar que há divisão na
responsabilidade civil, podendo ela ser classificada em extracontratual e contratual. Em
ambas a conseqüência é a mesma, qual seja, reparar o prejuízo causado. A diferença está no
ônus da prova.

No caso de responsabilidade contratual, todo inadimplemento considera-se culposo


(presunção relativa), não havendo necessidade de a vítima preocupar-se com a prova da
culpa; quem deverá provar é o inadimplente. A menos que essa presunção de culpa seja
ilidida pelo inadimplente, este deverá indenizar. O contrato será elidido pelo inadimplente,
caso prove a ocorrência de caso fortuito ou força maior. Culpa e caso fortuito ou força maior
não são compatíveis entre si.

Quando se trata de responsabilidade extracontratual, não existe presunção de culpa,


salvo casos especiais, sendo da vítima o ônus da prova, não bastando a demonstração do
prejuízo (artigo 186 do Código Civil).

A responsabilidade extracontratual exige alguns pressupostos:

• ação ou omissão: omissão daquele que não podia se omitir;

• culpa em sentido amplo: dolo e culpa em sentido estrito;

• dano: pressuposto inafastável de uma ação civil;

• relação de causalidade.

Se presentes os pressupostos acima transcritos, o causador do dano fica obrigado a


indenizar. Na responsabilidade objetiva, os pressupostos se reduzem a três, uma vez que o
requisito “culpa” é dispensado.

2.3. Responsabilidade por Ato Próprio

Via de regra, o indivíduo será responsabilizado pelo ato que praticou. Temos, entretanto, no
Código Civil, alguns casos de responsabilidade por ato de terceiros, como é o caso do artigo
932, no qual há presunção de culpa. Em se tratando de pai e filho, a presunção é relativa, ou
seja, provada a culpa do filho, presume-se a do pai, mas o pai ainda tem uma chance de
provar que não teve culpa. Diferente é a presunção no caso da relação entre empregador e
empregado, a qual é absoluta (o empregador assume o risco da atividade).

A vítima pode escolher quem acionar, no caso de mais de um autor, uma vez que o
artigo 942 do Código Civil determina a solidariedade da responsabilidade. Saliente-se que a
solidariedade não se presume; ela resulta da lei ou da vontade das partes.

2.4. Responsabilidade pelo Fato da Coisa ou Animal


O
dano pode ser causado não só pelo agente, como também por coisas que se encontram sob sua
responsabilidade, como é o caso da coisa que cai da janela, vindo a atingir quem passa pela
calçada.

O artigo 1.384 do Código Napoleônico responsabilizava o guarda da coisa inanimada.


A palavra “guarda” foi usada no sentido de dono. Assim surgiu a teoria do guarda da coisa
inanimada, que responsabiliza o dono das coisas em geral.

Essa teoria é acolhida pelo Código Civil pátrio em alguns artigos, tais como os artigos 936 e
937.

O
artigo 938 responsabiliza o dono do prédio de onde é atirado ou cai algum objeto. Por
analogia, este dispositivo é aplicado em todas as hipóteses ao dono da coisa em geral.

Esses artigos são mencionados como exceções à teoria subjetiva, pois é presumida a culpa do
dono da coisa, mas não de forma absoluta. No Brasil, portanto, a responsabilidade pelo fato
da coisa ou do animal trata-se de responsabilidade excepcional, uma vez que se trata de
responsabilidade objetiva imprópria ou impura.

Entende-se que o dono da coisa só responde se tinha domínio sobre a coisa no momento em
que ocorreu o fato. Se ele perde a disponibilidade da coisa (furto, roubo etc.), não justifica a
sua responsabilidade. Se, por sua negligência, concorreu para a perda da disponibilidade da
coisa, será, porém, responsabilizado (artigo 186 do Código Civil)

2.5. Responsabilidade das Pessoas Jurídicas de Direito Público

Passou por três fases históricas:

• 1.ª fase – irresponsabilidade do Estado: se o funcionário público causasse dano a


alguém, somente ele responderia por esse dano. Essa fase durou enquanto durou a Monarquia,
e era representada pela célebre frase The King do not wrong. No Brasil, essa fase terminou
com a edição do Código Civil;

• 2.ª fase – artigo 15 do Código Civil de 1916: a responsabilidade do Estado passou


a ser subjetiva, ou seja, a vítima precisava provar a culpa do funcionário para que o Estado
fosse obrigado a indenizar pelo dano;

• 3.ª fase – Constituição de 1946: a responsabilidade do Estado foi regulamentada,


passando a ser tratada como Direito Público (Fase Publicista). A responsabilidade do Estado
passou a ser objetiva, sendo regulada como matéria constitucional. À partir dessa
modificação, a vítima não precisa mais se preocupar em provar a culpa do funcionário,
somente deverá provar que sofreu um dano e a relação de causalidade entre esse dano e o ato
de algum funcionário público no exercício de suas funções ou pela execução de um serviço
público.

No Direito Administrativo, surgiram algumas teorias que fizeram com que as


Constituições, a partir de 1946, acolhessem essa responsabilidade objetiva, tendo como
fundamento que o Estado presta serviços de risco e deverá assumir todos os riscos de dano
que possa haver no serviço público. Dessas teorias, sobressaíram-se duas para justificar a
responsabilidade objetiva do Estado:

• Teoria do Risco Integral: é muito rigorosa para com o Estado. Parte do


princípio de que o Estado teria assumido integralmente todos os riscos dos danos
que os particulares sofressem por conta dos serviços públicos. Não admite
qualquer forma de defesa para o Estado, não podendo alegar , nem mesmo, caso
fortuito ou força maior. Por essa rigidez, ela não foi acolhida pelo sistema jurídico
brasileiro.

• Teoria do Risco Administrativo: consiste em responsabilizar objetivamente o


Estado, mas ao mesmo tempo permitir que o Estado possa afastar sua
responsabilidade, provando a culpa exclusiva da vítima, caso fortuito ou força
maior. Essa teoria inverte o ônus da prova, ou seja, hoje quem deverá provar a
culpa é o Estado e não mais a vítima. Então, a inexistência de testemunhas
prejudica o Estado, pois a ele incumbe a prova da culpa da vítima. Nos casos em
que há culpa concorrente da vítima, haverá mitigação da indenização (indenização
será reduzida pela metade).
O Estado responde não só por ação, mas também por omissão.O que se discute é se,
em relação à omissão, o Estado também terá responsabilidade objetiva. Alguns autores
entendem que quando o Estado se omitir, ele não será responsabilizado objetivamente,
cabendo à vítima a prova da culpa. Deve haver a relação de causalidade entre o dano causado
e a omissão do Estado.A Constituição Federal de 1988 trata da responsabilidade do Estado no
artigo 37, § 6.º, trazendo duas inovações em relação às constituições anteriores:

• a substituição da palavra “funcionário” por “agente”, o que causa ampliação no


espectro da responsabilidade, uma vez que “agente” é expressão mais abrangente;

• estendeu a responsabilidade objetiva às pessoas jurídicas de Direito Privado


prestadoras de serviço público, ou seja, as concessionárias e as permissionárias de serviço
público também serão responsabilizadas de maneira objetiva pelos atos praticados, assim, a
título de exemplo, as empresas de serviço de transporte coletivo serão responsabilizadas
objetivamente pela prática de atos lesivos.

O § 6.º do artigo 37 da Magna Carta permite que o Estado mova ação


regressiva contra o funcionário, ou seja, se o Estado vier a ser condenado por
culpa de seu funcionário, terá direito de regresso contra ele. A
responsabilidade do funcionário nesse caso, entretanto, é subjetiva, ou seja,
depende de prova de culpa.

Com efeito, sempre que alguém tem direito a uma ação regressiva contra outrem, pode fazer
uso da denunciação da lide para economia processual, nos termos do artigo 70, inciso III, do
Código de Processo Civil. Então, caso o Estado tenha direito à ação regressiva contra
funcionário, poderá fazer uso do instituto quando da apresentação da contestação. A lide
principal será aquela que a vítima move contra o Estado e a lide secundária será aquela em
que o Estado requer o regresso do funcionário. Nesses casos, o juiz deverá, em uma única
sentença, decidir as duas ações. O juiz poderá, entretanto, julgar procedente a lide principal e
improcedente a lide secundária se o Estado não demonstrar a culpa do funcionário.

Importante frisar a existência de corrente que entende que não se poderia denunciar da lide
nos processos em que isso acarretasse um atraso na lide principal. Então, nesses casos, a
denunciação da lide deveria ser indeferida, pois a responsabilidade do Estado é objetiva e a do
funcionário é subjetiva, havendo necessidade de demonstração de culpa. Então, como a
sentença será única, a lide principal será atrasada. Essa mesma corrente também alega que
não haveria sentido a denunciação da lide, tendo em vista o antagonismo na defesa do Estado,
ou seja, contesta alegando culpa exclusiva da vítima e denuncia a lide alegando que a culpa
foi de seu funcionário.

Oportuno se faz lembrar que há possibilidade de a vítima mover uma ação contra o
funcionário e não contra o Estado. A vantagem é que a execução seria mais rápida, no entanto
a vítima teria que demonstrar a culpa, tendo em vista que a responsabilidade do funcionário
público é subjetiva.
3. DANO

Dano é o efetivo prejuízo sofrido pela vítima de um ato.

Este pode ser:

• patrimonial (material): atinge os bens da pessoa;

• extrapatrimonial (moral): atinge a dignidade, a honra, ou seja, ofende os direitos da


personalidade.

Há possibilidade de cumulação das duas “modalidades” de dano.

Ao
tratar do dano patrimonial, cabe ao prejudicado pleitear o “ressarcimento” do prejuízo.
Quanto ao dano moral, pleiteia-se a “reparação”.

O
dano pode ser:

• direto;

• indireto: chamado de dano em ricochete, que é aquele que atinge uma pessoa, mas,
indiretamente, atinge um terceiro. Exemplo: matar o marido que paga pensão à esposa.

Todo prejuízo deve ser indenizado. Para se calcular o valor do dano, não se leva em
conta o grau de culpa. O cálculo da indenização é feito com base na extensão do prejuízo.
Todo prejuízo que a vítima puder provar será indenizado.

O
dano deve ser certo e atual, ou seja, não se pode indenizar o dano futuro e meramente
hipotético. Em casos de lesões corporais, tem-se admitido o reexame das lesões.

O
dano material segue, para sua apuração, a regra do artigo 402 do diploma civil (perdas e
danos). Esse artigo explica em que consistem as perdas e danos: o que a pessoa efetivamente
perdeu (dano emergente) e o que ela razoavelmente deixou de lucrar (lucro cessante). A prova
do lucro cessante é mais difícil, pois é sempre baseada no pretérito, ou seja, no quanto vinha
rendendo em determinado período.

Além das perdas e danos, outras verbas costumam ser acrescidas, tais como a correção
monetária, que incide desde a data em que a pessoa sofreu o prejuízo, assim como os juros,
que podem ser simples ou compostos. Os juros legais são da ordem de 0,5% ao mês.
Juros simples são contados sempre sobre o montante inicial do prejuízo e incidem desde a
data do fato, conforme se verifica na Súmula n. 54 do Superior Tribunal de Justiça: “Mesmo
quando o fato é mero ilícito civil, sobre o valor do prejuízo incidem os juros moratórios desde
a data do fato”.

Na
indenização podem incidir outras verbas, como no caso de morte do chefe de família, em que
cabe a título de exemplo, o pagamento de 13.º salário. Quando o falecido se trata de arrimo de
família, esta passa a receber 2/3 (dois terços) dos rendimentos mensais que o falecido
ganhava, assim, considera-se que o restante (um terço) era gasto pelo próprio do falecido.

O
dano moral é aquele que afeta não o patrimônio, mas os direitos da personalidade (honra,
dignidade, intimidade etc.), e podem, conforme anteriormente mencionado, ser indenizado. O
dano moral tem o sentido de compensação, sem preocupação de encontrar um valor que
corresponda exatamente ao valor que supra a dor experimentada pela vítima. Trata-se de
“consolo” à vítima.

As
pessoas legitimadas a ingressar com ação pleiteando indenização por danos morais são as
diretamente prejudicadas, que também teriam direito à compensação do dano material.

A
cumulação de pedidos de dano moral e dano material é possível, conforme se verifica na
Súmula n. 37 do Superior Tribunal de Justiça : “São cumuláveis as indenizações por dano
material e dano moral oriundos do mesmo fato”. Assim, Permite-se a cumulação do
ressarcimento do dano moral com a indenização do dano material.

A Constituição Federal/88 acolheu o princípio de que o dano moral é indenizável. O


artigo 1.º da Constituição assegura certos direitos básicos, dentre eles, o direito à dignidade.
Além disso, determina o artigo 5.º, incisos V e X, da Constituição Federal que é assegurada a
reparação do dano moral junto com o material quando ocorre ofensa à honra, à imagem ou à
intimidade.

O
dano moral atinge também a honra objetiva, que se trata daquilo que outras pessoas pensam
sobre o indivíduo. Tanto é que as pessoas jurídicas podem pleitear o ressarcimento pelo dano
moral. As pessoas jurídicas têm honra objetiva (bom nome, conceito na sociedade).

Surge o problema de como calcular o dano moral. Hoje, fala-se em buscar o valor como
forma de compensação. Esta compensação tem duplo caráter, pois visa ao ressarcimento e à
sanção, não deixando de observar o princípio da reserva legal (não há pena sem prévia
cominação legal), posto que se trata de princípio aplicável a todo o ordenamento jurídico, e
não apenas no Direito Penal.

No
Brasil não é seguido o sistema do tarifamento para apuração do prejuízo sofrido em
decorrência do dano moral. Aqui, utiliza-se o sistema aberto, ou seja, arbitramento pelo juiz a
cada caso (artigos 944 a 946 do Código Civil).

O
Código Brasileiro de Telecomunicações de 1962, que foi revogado pela Lei de Imprensa de
1967, trazia alguns critérios para apuração do dano moral (situação econômica do ofendido e
do ofensor etc.) Essas leis estabelecem os valores mínimo e o máximo, que podem variar de 5
a 200 salários mínimos.

O
Supremo Tribunal Federal diz que esse limite máximo estaria revogado tacitamente pela
Constituição Federal, que não estabeleceu limite, o que impede que haja interpretação
restritiva.

Por esse motivo, a jurisprudência entende que devem ser levados em conta alguns
critérios, como a situação econômica do ofensor e do ofendido (“a dor do pobre vale menos
que a dor do rico”).

Como falamos acima, o Novo Código Civil além de diferenciar já no artigo 186 o dano
moral do dano material, outorgou absoluta liberdade ao juiz para fixar o montante da
indenização por danos morais, no mesmo pensamento já adotado tanto pelo Supremo
Tribunal Federal quanto pelo Superior Tribunal de Justiça. Além da norma acima citada,
temos o disposto no artigo 944: "A indenização mede-se pela extensão do dano. Parágrafo
único. Se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz
reduzir, eqüitativamente a indenização".
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MÓDULO VII

DIREITO CIVIL

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Prof. Vitor Frederico Kümpel

1. TEORIA GERAL DAS OBRIGAÇÕES

1.1. Considerações Gerais


O Direito pode ser dividido em dois grandes ramos: direitos não patrimoniais (que tratam dos
direitos da personalidade, direito à vida, à liberdade, à honra etc.) e direitos patrimoniais (que tratam
dos direitos que envolvem valores econômicos).
O Direito das obrigações e o Direito das coisas integram os direitos patrimoniais. Entretanto,
apesar de integrarem o mesmo ramo, não podem ser confundidos, porque o primeiro trata de direitos
pessoais e o segundo trata dos direitos reais.
Direito pessoal é o direito do credor contra o devedor, tendo por objeto uma determinada
prestação. Forma-se uma relação de crédito e débito entre as pessoas.
Direito real é o poder – direto e imediato – do titular sobre a coisa, com exclusividade
e contra todos. Cria um vínculo entre a pessoa e a coisa (direito de propriedade), e esse
vínculo dá ao titular uma exclusividade em relação ao bem (erga omnes).

Há, ainda, outras diferenças entre os direitos pessoais e os direitos reais:


a)
Quanto à formação

• Direitos reais: têm origem na lei, não podem ser criados em um contrato entre duas
pessoas, sendo, por esse motivo, limitados. Seguem o princípio do numerus clausus
(número limitado).

• Direitos pessoais: não resultam da lei, nascem de contratos entre pessoas. Há 16


contratos nominados pela lei, entretanto, é possível a criação de contratos
inominados, pois, para exsurgir um direito pessoal, basta que as partes sejam
capazes e o objeto seja lícito. Segue o princípio do numerus apertus (número
aberto.)

b) Quanto ao objeto

• Direito das coisas: o objeto é sempre um bem corpóreo.


• Direito pessoal: o objeto é a prestação. Sempre que duas pessoas celebram um
contrato uma delas torna-se devedora de uma obrigação em relação à credora.

c) Quanto aos sujeitos

• Direito pessoal: os sujeitos são o credor e o devedor (sujeito ativo e sujeito


passivo).

• Direitos reais: costuma-se dizer que o direito real somente possui o sujeito ativo
porque esse é ligado à coisa (de um lado o titular e do outro lado a coisa). A
explicação, entretanto, é didática. Nos direitos reais, em princípio, o sujeito passivo
é indeterminado porque todas as pessoas do universo devem abster-se de molestar o
titular (são direitos oponíveis erga omnes). No instante em que alguém viola o
direito do titular, o sujeito passivo se define.

d) Quanto à prescrição

A ação que protege os direitos pessoais é chamada de ação pessoal e


prescreve em 10 anos, a não ser que exista uma regra especial (exemplo: ações
pessoais contra a Fazenda Pública prescrevem em 5 anos).
As ações reais também prescrevem em 10 anos, adotando o Código Civil uma única
sistemática para ambas as ações.

Pela sistemática do Código Civil de 1916 é que as ações pessoais prescreviam em 20


anos e as reais em 15 ou 10 anos, dependendo se era entre ausentes ou presentes.

e) Quanto à duração

• Direitos pessoais: são transitórios, pois nascem, duram um certo tempo e se


extinguem (pelo cumprimento, pela compensação, pela prescrição, pela novação
etc.).

• Direitos reais: são perpétuos, significa dizer que não se extinguem pelo não uso,
entretanto, extinguem-se pelas causas expressas em lei (por exemplo:
desapropriação, usucapião em favor de terceiros, perecimento da coisa, renúncia
etc.).

1.2. Conceito de Obrigação


Obrigação é o vínculo jurídico que confere ao credor o direito de exigir do devedor o
cumprimento da prestação. Se há um direito pessoal, é porque duas pessoas se obrigaram uma com a
outra.

1.3. Fontes das Obrigações


Pode-se dizer que a obrigação resulta da vontade do Estado, por intermédio da lei (exemplo:
obrigação de prestar alimentos, obrigação do patrão responder pelo ato do empregado, obrigação do
pai responder pelo ato do filho etc) ou da vontade humana, por meio dos contratos (obrigação de dar,
fazer ou não fazer), das declarações unilaterais da vontade (promessa de recompensa e título ao
portador) e dos atos ilícitos (obrigação de reparar o prejuízo causado a terceiro– ato ilícito civil,
previsto na Parte Geral do Código Civil).
Alguns autores entendem que a única fonte de obrigação é a lei, porque
é ela quem obriga as pessoas a cumprirem os contratos que celebram ou as
declarações de vontade que expressam ou, ainda, a repararem os danos que
causam.

Pode-se dizer, então, que algumas vezes a lei é a fonte imediata (direta)
da obrigação (exemplo: a obrigação alimentar), outras vezes, porém, ela é a
fonte mediata (indireta) da obrigação.

1.4. Elementos Constitutivos da Obrigação

1.4.1. Elemento subjetivo


Diz respeito aos sujeitos da obrigação. Os sujeitos da obrigação são
chamados de credor (sujeito ativo) e devedor (sujeito passivo). Os sujeitos
podem ser pessoas naturais ou jurídicas, devendo ser determinados ou, ao
menos, determináveis. Não se considera, como capaz de gerar uma obrigação,
um contrato em que os sujeitos sejam indeterminados.

Pode haver contrato em que, a princípio, um dos sujeitos seja


indeterminado, mas no qual existam elementos que permitam determinar o
sujeito (exemplo: alguém coloca um anúncio prometendo recompensa para
quem encontrar um cachorro; de imediato não se sabe quem é o credor da
obrigação, mas a declaração traz elementos que podem determinar o sujeito
ativo: quem encontrar o cachorro).

1.4.2. Elemento objetivo


Toda obrigação tem o seu objeto. O objeto da obrigação é sempre uma
conduta humana que se chama prestação (dar, fazer ou não fazer). A
prestação também tem o seu objeto, que se descobre com a pergunta: o quê?
(alguém se obriga a fazer – fazer O QUÊ?)

Pode-se dizer que o objeto imediato da obrigação é a prestação, e o


objeto mediato da obrigação é aquele que se descobre com a pergunta o quê?.

1.4.3. Vínculo jurídico


É aquele que nasce das diversas fontes e que liga o credor ao devedor e
vice-versa.

1.5. Obrigação e Responsabilidade


A obrigação difere da responsabilidade. A obrigação, quando cumprida,
extingue-se. Não cumprida, gera a responsabilidade por perdas e danos (artigo
389 do Código Civil). Pode-se dizer, então, que a responsabilidade somente
nasce quando não for cumprida a obrigação.

Há, entretanto, dois casos de obrigação não cumprida e que não geram
responsabilidade: dívidas prescritas; e dívidas de jogo (não podem ser
cobradas).

1.6. Classificação das Obrigações

1.6.1. Quanto ao objeto


É sempre uma conduta humana – dar, fazer ou não fazer alguma coisa – e se chama
prestação. Duas delas são positivas (dar e fazer) e uma é negativa (não fazer).

1.6.2. Quanto aos elementos constitutivos


Leva em conta o número de sujeitos e o número de objetos. As obrigações, quanto aos
elementos constitutivos, podem ser simples e compostas (complexas). Obrigação simples é
aquela que tem um único sujeito ativo, um único sujeito passivo e um só objeto. Basta que um
desses elementos seja em número de dois para que a obrigação seja composta.

Quando possui mais de um objeto, a obrigação é chamada de obrigação composta pela


multiplicidade de objetos; quando possuir mais de um sujeito, é chamada de composta pela
multiplicidade de sujeitos.

a) Compostas pela multiplicidade de objetos

Podem ser cumulativas (também chamadas de conjuntivas) e alternativas (também


chamadas de disjuntivas). Nas obrigações cumulativas, os vários objetos estão ligado pela
conjunção e (exemplo: o devedor obriga-se a entregar ao credor um automóvel e um animal).
Nas obrigações alternativas os vários objetos estão ligados pela disjuntiva ou (exemplo: o
devedor obriga-se a entregar ao credor um automóvel ou um animal).
Obrigação facultativa é alternativa apenas para o devedor, que tem a faculdade de
entregar o objeto principal ou substituí-lo por outro. Se o objeto principal perecer sem culpa
do devedor, resolve-se a obrigação e o devedor não estará obrigado a entregar o segundo
objeto, porque esse consistia apenas numa faculdade prevista pelo contrato. Para o credor,
que só pode exigir o objeto principal, a obrigação continua sendo simples.

b) Compostas pela multiplicidade de sujeitos

As obrigações podem ser divisíveis, indivisíveis e solidárias. São divisíveis quando o


objeto da prestação pode ser dividido entre os vários credores ou os vários devedores. São
indivisíveis quando o objeto da prestação não pode ser dividido entre os vários credores ou os
vários devedores.

Quando o objeto é indivisível e um só dos devedores é encontrado– embora cada um


deva cumprir sua quota-parte –, esse terá de cumprir integralmente a obrigação, tendo direito
de regresso em face dos demais devedores.

Nas obrigações solidárias não se toma por base a divisibilidade ou não do objeto,
devendo-se observar se existe alguma cláusula contratual ou um dispositivo de lei que
disponha ser a obrigação solidária.

Quando a obrigação é solidária, cada devedor responde sozinho pela dívida integral. O
artigo 932 do Código Civil dispõe que os pais respondem pelo atos dos filhos menores; que o
patrão responde pelos atos dos seus empregados; etc. A obrigação dessas pessoas é solidária
(artigo 942 do Código Civil).

Quanto aos efeitos, há uma certa semelhança entre a indivisibilidade e a solidariedade,


pois nas duas, ainda que haja vários devedores, somente de um o credor poderá cobrar a
obrigação integral.

OBRIGAÇÃO INDIVISÍVEL OBRIGAÇÃO SOLIDÁRIA


Embora um dos devedores possa ser obrigadoNesse caso, o devedor poderá ser obrigado a
a cumprir sozinho a obrigação integral, isso cumprir sozinho a obrigação integral porque
só ocorrerá porque o objeto é indivisível, pois cada devedor responde pela dívida inteira.
na verdade cada devedor só deve sua quota-
parte.

Converte-se em perdas e danos se o objeto Se a obrigação se converter em perdas e


perecer por culpa dos devedores, passando a danos, continuará sendo solidária porque a
ser, portanto, divisível. solidariedade não depende da indivisibilidade
ou não do objeto.

Há várias outras modalidades de obrigações tratadas pela doutrina.


• Obrigações de meio: a obrigação é de meio quando o devedor não se responsabiliza
pelo resultado e se obriga apenas a empregar todos os meios ao seu alcance para
consegui-lo.

Se não alcançar o resultado, mas for diligente nos meios, o devedor não será
considerado inadimplente (exemplo: obrigações dos advogados, obrigações dos
médicos).

• Obrigação de resultado: a obrigação é de resultado quando o devedor se


responsabiliza por esse. Se o resultado não for obtido, o devedor será considerado
inadimplente (exemplo: médicos que fazem cirurgia plástica , trabalho de natureza
estética; a não ser que seja para correção de doença).

• Obrigações civis: aquelas cujo cumprimento pode ser exigido porque encontra
amparo no direito positivo (a todo direito corresponde uma ação que o assegura). O
ordenamento jurídico dá apoio ao credor.

• Obrigações naturais: são as dívidas prescritas, dívidas de jogo e os juros não


convencionados. Não podem ser cobradas em Juízo.

• Obrigações de execução instantânea: as contraídas para serem cumpridas


instantaneamente (exemplo: compra e venda à vista).

• Obrigações de execução diferida: aquelas que devem ser cumpridas em momento


futuro. É diferida porque transferida para data futura.

• Obrigações de prestações sucessivas: são cumpridas em vários atos, como ocorre


com as prestações periódicas.

• Obrigações puras e simples: são aquelas sob as quais não pesa nenhum ônus
(exemplo: doação).

• Obrigações condicionais: aquelas cuja eficácia está subordinada a um evento


futuro e incerto, geralmente aparecem com a partícula se.

• Obrigações a termo: aquelas cuja eficácia está subordinada a um evento futuro e


certo.

• Obrigações com encargo: aquelas sob as quais pesa um determinado encargo.


Verifica-se nas doações e nos testamentos, que são chamados atos de liberalidade.

• Obrigações híbridas: as que constituem um misto de direito real e de direito pessoal


(exemplo: obrigação propter rem, que recai sobre uma pessoa em razão de sua
condição de titular de um determinado direito real).
2. OBRIGAÇÕES EM GERAL

2.1. Obrigação de Dar Coisa Certa


Na obrigação de dar coisa certa, o credor não pode ser compelido a aceitar coisa diversa,
ainda que mais valiosa. A dação em pagamento (dar coisa diversa) depende da concordância do
credor e extingue a obrigação (artigo 313 do Código Civil).

2.1.1. Perecimento e deterioração da coisa


Prevalece a regra res perit domino, ou seja, a coisa perece para o dono. Portanto, se a coisa
desapareceu antes da alienação, quem perde é o alienante.
• Perecimento: havendo o perecimento (perda total) da coisa, deve-se verificar se houve ou
não culpa do devedor. Não havendo a culpa, resolve-se a obrigação, sem qualquer
responsabilidade. Se o perecimento ocorreu por culpa do devedor, haverá obrigação de
pagar o equivalente em dinheiro – mais perdas e danos –, desde que provado o prejuízo.

• Deterioração: é a perda parcial da coisa; também nesse caso deve-se observar se houve ou
não a culpa do devedor. Não havendo culpa, o credor poderá optar por desfazer o negócio,
ou ficar com a coisa mediante abatimento do preço avençado. Se houve culpa do devedor,
as opções continuam as mesmas, acrescidas do pedido de perdas e danos, desde que
provado o prejuízo.

2.2. Obrigação de Dar Coisa Incerta


A coisa incerta não deve ser entendida como coisa totalmente indeterminada. Ao
menos,deve ser determinada pelo gênero e quantidade (artigo 243 do Código Civil). Há coisa incerta
quando alguém se obriga a entregar coisa sem determinar sua qualidade. Faltando, porém, a
determinação do gênero ou da quantidade, não existe obrigação.
A escolha da qualidade caberá ao devedor, se o contrário não for convencionado. Pode-se,
no contrato, convencionar que a escolha caberá ao comprador ou a um terceiro. Quando a escolha
couber ao devedor, ele não poderá escolher a pior qualidade, entretanto, também não será obrigado a
entregar a melhor qualidade. O legislador optou pelo princípio da qualidade média nos casos de
escolha pelo devedor. Se existirem apenas duas qualidades, e a escolha couber ao devedor, o critério
lógico seria poder escolher qualquer delas, entretanto a lei é omissa nesse caso.
Feita a escolha, a coisa não é mais incerta. A obrigação de dar coisa incerta passa a reger-se
pelas regras da obrigação de dar coisa certa. A escolha, depois de manifestada, exteriorizada, chama-
se concentração (é uma denominação doutrinária).
Antes da escolha o devedor não poderá alegar caso fortuito ou força maior (artigo 246 do
Código Civil), porque antes da escolha não existe coisa certa. Tem-se apenas o gênero e esse nunca
perece (genus nunquam perit).

2.3. Obrigação de Fazer


Três são as espécies de obrigação de fazer:
• infungível (personalíssima ou intuito personae);

• fungível (impessoal);

• emissão de declaração de vontade.


2.3.1. Obrigação de fazer infungível
Obrigação infungível é aquela que não pode ser substituída por outra de mesmo gênero,
quantidade ou qualidade.
A obrigação sempre será infungível quando a pessoa for contratada em razão de suas
condições pessoais, de suas qualidades técnicas ou artísticas. O credor ainda pode dispor, nesse tipo
de contrato, que somente aquele devedor poderá cumprir a obrigação. Então, pode-se dizer que há
duas hipóteses de obrigações de fazer infungíveis:
• quando é evidente que a pessoa foi contratada em razão de suas
qualidades pessoais (exemplo: contrato de show com um artista conhecido);

• quando houver cláusula expressa, no contrato, dizendo que somente o


devedor poderá cumprir a obrigação.

As obrigações infungíveis algumas vezes podem não ser cumpridas, ou por impossibilidade
ou por recusa.
• Impossibilidade: se a obrigação se tornar impossível, sem culpa do
devedor, resolve-se a obrigação; se o devedor der causa a essa impossibilidade, responderá
por perdas e danos.

• Recusa: o devedor não cumpre a obrigação porque não quer. Será


sempre culposa e, por este motivo, o devedor responderá por perdas e danos. Às vezes o
credor não exige indenização, querendo que o devedor cumpra a obrigação.
2.3.2. Obrigação de fazer fungível
A obrigação será fungível sempre que o devedor ou a coisa puder ser substituída, por não
haver necessidade de determinadas qualidades para o cumprimento da obrigação.

2.4. Obrigação de Não Fazer


O contratante lesado pode exigir o desfazimento do que foi feito, sob pena de desfazer-
se às suas custas, mais perdas e danos. Há casos de obrigação de não fazer em que a única
saída que resta ao lesado é perdas e danos porque, se foi feito, não poderá ser desfeito.

Extingue-se a obrigação do devedor se se tornou impossível cumpri-la (exemplo: se


uma lei sobrevier ao contrato obrigando a fazer o que o devedor se obrigou a não fazer, torna-
se impossível o cumprimento da obrigação de não fazer e, por esse motivo, ela se extingue).

2.5. Obrigações Alternativas


Obrigação alternativa é aquela composta pela multiplicidade de objetos, ligados pela
disjuntiva ou. Alguém se obriga a entregar ou restituir – uma coisa ou outra –, bastando a
entrega de um dos objetos para que o devedor seja considerado adimplente. Quando são mais
de dois objetos, há uma obrigação alternativa múltipla.

Não se deve confundir obrigação alternativa com obrigação de dar coisa incerta. A
obrigação alternativa tem sempre dois ou mais objetos. A obrigação de dar coisa incerta tem
um único objeto e ele é indeterminado quanto à qualidade.

No silêncio do contrato, a escolha cabe ao devedor. Pode haver convenção no sentido


de que a escolha caberá ao credor ou a um terceiro, previamente determinado e de comum
acordo. O Código se omite no caso de, após a assinatura do contrato, o terceiro – escolhido
de comum acordo – não aceitar a incumbência da designação. Acabou sendo adotada a
seguinte solução: aplicar por analogia o artigo 485 do Código Civil, que trata da fixação de
preço. Se o terceiro não aceitar a incumbência, os contratantes devem, de comum acordo,
escolher uma outra pessoa; se não houver acordo para a substituição, a solução é desfazer o
negócio.

O devedor não pode obrigar o credor a aceitar parte de um objeto e parte de outro
(exemplo: se há a obrigação de entregar 10 sacas de arroz ou 10 sacas de feijão, o devedor
não pode obrigar o credor a aceitar 5 sacas de cada espécie).

Quando as prestações forem anuais, elas podem se alternar (exemplo: um testador,


para deixar um legado, impõe ao legatário a condição de, uma vez por ano, entregar 10 sacas
de arroz ou 10 sacas de feijão à uma instituição de caridade; o devedor poderá alternar,
entregando em um ano arroz, no outro feijão).

Em alguns casos fica impossível para o devedor cumprir a obrigação.Ex.: perecimento


do objeto. Se não ocorreu culpa do devedor, a obrigação se extingue. Se houver, entretanto,
culpa do devedor pelo perecimento da coisa, há duas soluções:
• Se a escolha for do devedor: perecendo um dos objetos, a
obrigação se concentra no outro. Se perecerem os dois objetos, o devedor pagará,
em dinheiro, o equivalente do último objeto que pereceu, mais perdas e danos.

• Se a escolha for do credor: perecendo um dos objetos, o credor


poderá ficar com o remanescente, ou exigir em dinheiro o equivalente do que
pereceu, mais perdas e danos. Havendo o perecimento dos dois objetos, o credor
pode exigir, em dinheiro, o equivalente de qualquer deles, mais perdas e danos.

2.6. Obrigação Solidária


A solidariedade pode ser de três espécies: ativa (quando há uma pluralidade de
credores); passiva (quando há pluralidade de devedores) ou mista (quando há vários credores
e vários devedores).

Para que haja solidariedade é preciso que essa resulte da lei ou da vontade das partes
(artigo 265 do Código Civil), não podendo ser presumida. Se não existir lei ou contrato
dispondo que a dívida é solidária, a mesma será divisível (cada credor somente poderá cobrar
a sua parte, e cada devedor responderá somente pela sua cota).

O único caso de solidariedade ativa que resulta de lei é a forma de pagamento dos
débitos dos pecuaristas (Lei Rural n. 209/48).

Nos casos de solidariedade ativa, o devedor se exonera pagando a qualquer dos


credores antes de a dívida estar sendo cobrada judicialmente. Se a dívida já estiver sendo
cobrada em Juízo, o devedor somente poderá pagar ao credor que ingressou com a ação.

Nos casos de solidariedade passiva, o credor pode cobrar a dívida de qualquer dos
credores ou de todos eles (artigo 275 do Código Civil). Quando o credor escolhe somente um
dos devedores, esse, que paga a dívida, terá direito de regresso contra a cota parte de cada um
dos co-devedores solidários, pois entre eles a obrigação é divisível (artigo 283 do Código
Civil).

O devedor principal é aquele a quem a dívida interessa exclusivamente. Se um dos co-


devedores pagar a dívida na íntegra, terá o direito de cobrar a mesma do devedor principal
(artigo 285 do Código Civil). Quando o co-devedor move ação contra o devedor principal,
sub-roga-se no crédito.

O credor poderá renunciar à solidariedade em favor de um ou de vários credores


solidários, entretanto, para cobrar dos outros deverá descontar a cota-parte daquele a quem
remitiu.

2.7. Obrigações Naturais

2.7.1. Conceito
Como já vimos, as obrigações são civis ou naturais, conforme o fundamento.

O nosso Código Civil não trata da matéria, havendo uma definição sobre o
tema no artigo 2.º do Código Libanês. Ali está estabelecido: "A obrigação natural
é um dever jurídico cujo cumprimento não pode ser exigido, mas cuja execução
voluntária tem o mesmo valor e produz os mesmos efeitos de uma obrigação
civil".

2.7.2. Obrigação natural e obrigação civil


A obrigação natural, conforme verificamos acima, é aquela da qual não se pode exigir
o cumprimento, enquanto a obrigação civil é aquela cujo cumprimento pode ser exigido,
porque encontra respaldo no direito positivo.

Aplica-se o disposto no artigo 75 do Código Civil de 1916, pois a cada direito


corresponde uma ação. Apesar de não haver coação no cumprimento, caso haja ajuizamento
voluntário, os efeitos são os mesmos.

2.7.3. Elementos
Temos quatro elementos para cumprimento da obrigação natural:

• Não são obrigações morais: os efeitos são jurídicos.

• Sanção não plena: ao contrário das obrigações civis, a sanção não tem caráter
pleno.

• Previsão no sistema positivo: a obrigação natural, para ter tal característica, tem
que ter expressa previsão no sistema jurídico.

• Previsão pelo direito costumeiro: a obrigação natural pode ser prevista pelo
direito costumeiro, espécie de direito positivo.

2.7.4. Sistema legal


O Código Civil prevê a obrigação natural.

Os artigos 882 e 883, ao tratarem do pagamento indevido, dispõem: não se pode repetir
o que se pagou para solver dívida prescrita ou cumprir obrigação judicialmente inexigível.
Como bem assinala o Professor LIMONGI, com a prescrição ocorreu o desaparecimento da
ação, persistindo o direito ao crédito. Já, no artigo 883, a obrigação natural aparece como
forma de sanção para os que querem violar a ordem jurídica e a ética.

O artigo 564, inciso III, do Código Civil, ao tratar da doação, diz que não se revogam
por ingratidão as doações que se fizerem em cumprimento de obrigação natural.

O artigo 814 do Código Civil, quando trata do jogo de aposta determina: "Não obriga a
pagamento; mas não se pode recobrar a quantia que voluntariamente se pagou, salvo se foi
ganha por dolo, ou se o perdente é menor, ou interdito”. Aqui a obrigação natural tem o
caráter de sanção.

2.7.5. Direito costumeiro


A primeira hipótese é a do pagamento de gorjeta aos empregados de restaurantes,
hotéis e congêneres – o cliente não está obrigado por lei a arcar com os 10%. Na realidade,
quem efetua o pagamento o faz a título de obrigação natural.

Outro exemplo é o do pagamento de comissão amigável para intermediar os ocasionais


em negócios com imóveis. Não são corretores profissionais e não há obrigatoriedade de
remuneração pela intermediação. O pagamento é feito a título de obrigação natural.

3. DA CLÁUSULA PENAL

Era tratada pelo Código Civil de 1916 como uma das modalidades das obrigações.
Porém, de maneira acertada foi relacionada no Título IV "Do inadimplemento das
obrigações", como uma das formas de inexecução das obrigações.

É a multa estipulada nos contratos para as hipóteses de total inadimplemento da


obrigação, de cumprimento imperfeito ou, ainda, de mora. Qualquer contrato aceita cláusula
penal.

A cláusula penal é também chamada de pena convencional ou multa contratual. A


cláusula penal, em geral, é estipulada para pagamento em dinheiro, mas também pode tomar
outras formas, como a perda de um benefício.

Tem natureza acessória, ou seja, não existe por si, devendo sempre estar
acompanhando um contrato principal, podendo, entretanto, ser estipulada na obrigação
principal ou em separado (artigo 409 do Código Civil). A nulidade da obrigação principal
importa a da cláusula penal. Resolvida a obrigação principal, resolve-se também a cláusula
penal.

A cláusula penal tem uma função principal (forçar o cumprimento da obrigação,


atuando como elemento da coerção) e uma função secundária (evitar o total descumprimento
da obrigação, sendo que o CP atua com a prefixação das perdas e danos, quando estipuladas
para o caso de total inadimplemento da obrigação).

Quem não cumpre a sua obrigação, no tempo e no modo devido, responde por perdas e
danos (artigo 389 do Código Civil). As perdas e danos abrangem não só aquilo que a pessoa
efetivamente perdeu, mas também o que ela deixou de lucrar (danos emergente e lucros
cessantes). Quem pleitear perdas e danos deve provar o prejuízo alegado.

Para cobrar o valor da cláusula penal, não se deve provar o prejuízo (artigo 416 do
Código Civil). A multa, portanto, apresenta-se como uma convenção entre as partes.

Se a cláusula penal não cobrir todo o prejuízo, a parte prejudicada pode ingressar com
ação de perdas e danos, mas terá o ônus de provar o prejuízo (artigo 416, parágrafo único,
Código Civil).

4. PAGAMENTO EM GERAL

4.1. Conceito
Pagamento – em sentido amplo – ou execução é o mesmo que implemento,
adimplemento, prestação, resolução e solução.

Pode ser definido como a prestação daquilo a que o sujeito se obrigou. Muitos
consideram a execução um efeito da obrigação, porém execução é o pagamento, o
adimplemento da obrigação.

O pagamento põe termo à relação jurídica. É uma forma de extinção das


obrigações e dos contratos, pelo seu cumprimento

4.2. Classificação
− quem deve pagar
− a quem se deve pagar
objeto do pagamento
PAGAMENTO PURO E SIMPLES
(execução voluntária da obrigação) − lugar do pagamento
− tempo do pagamento

4.3. Pagamento Puro e Simples


4.3.1. Conceito
Como já vimos, pagamento é o mesmo que execução e adimplemento. O pagamento
puro e simples é aquele em que não há modificação relevante fundada em lei, não há
alteração da substância do vínculo.

É a solutio. Isso porque aquele que deve tem que pagar.

Com o pagamento, alcança-se o objeto, e a relação jurídica entre devedor e credor se


extingue, liberando a ambos.

O Professor SILVIO RODRIGUES entende que pagamento é espécie do gênero


adimplemento. O vocábulo adimplemento abrange todos os modos, diretos ou indiretos, de
extinção da obrigação, pela satisfação do credor. Inclui, por conseguinte, a novação, a
compensação etc. Já o termo pagamento fica reservado para significar o desempenho
voluntário da prestação, por parte do devedor.

4.3.2. Elementos
O pagamento é composto de três elementos:

• Sujeito ativo: é aquele que deve pagar (solvens).

• Sujeito Passivo: é aquele a quem se deve pagar (accipiens).

• Objeto: é o vínculo obrigacional que justifica o pagamento (dar, fazer ou não


fazer).

O pagamento põe termo à relação jurídica, realizando o conteúdo do negócio jurídico.

Novação
Modo Direto
Compensaçã

Confusão
PAGAMENT Modo Indireto

O
Remissão
Transação
Forçad

o
Quadro Ilustrativo:
Quem deve A quem se deve
pagar pagar
Pagamento
Sujeito Sujeito
Ativo Passivo

Quitação
Solvens Accipiens

4.3.3. Sujeito ativo do pagamento


Sujeito ativo é aquele que deve efetuar o pagamento. É óbvio que é o devedor que tem
o principal interesse e a própria obrigação de pagar, cabendo ao credor a obrigação de quitar.

Em primeiro lugar é preciso questionarmos se a obrigação é personalíssima. Caso seja,


somente o obrigado pode efetuar o pagamento; não sendo, qualquer um pode pagar, até os
herdeiros.

Dos arts. 304 e 305 do Código Civil depreendemos cinco regras:

• Pagamento por qualquer pessoa: a dívida pode ser paga por qualquer
pessoa, tenha ou não ela legítimo interesse.

• Irrelevância da vontade do credor: o pagamento pode ser feito mesmo


contra a vontade do credor– basta que o terceiro se utilize dos meios próprios para
tal (por exemplo, a consignação em pagamento).

• Terceiro interessado: é imperiosa a distinção entre o terceiro interessado e o


não interessado. O terceiro interessado sub-roga-se nos direitos do credor.

• Terceiro não interessado: se o terceiro não é interessado, não se sub-roga.


Se o credor era hipotecário, o terceiro tem o direito de reembolsar-se, porém sem os
privilégios da hipoteca.

• Pagamento em nome do devedor: mesmo o terceiro não interessado se sub-


roga nos direitos do credor ao pagá-lo, não em seu próprio nome, mas em nome e
por conta do devedor (arts. 304, parágrafo único, e 305).

O artigo 304 do Código Civil dispõe que qualquer terceiro – até mesmo o não
interessado – pode pagar a dívida, , desde que o faça em nome e por conta do devedor. Na
realidade, pouco importa para o credor quem faça o pagamento, desde que o faça
corretamente. Para o credor, o importante é receber o que lhe é devido, isto é, o seu crédito. O
devedor também só tem vantagens, pois vê a dívida retratada, já que sua obrigação em nada
se agrava, só atenua. Do ponto de vista social, o cumprimento da obrigação também só traz
vantagem , já que a ação judicial é um elemento de intranqüilidade social.

O terceiro não interessado pode pagar a dívida em seu próprio nome ou em nome do
devedor.

Se pagar em nome do devedor, não surge outra relação obrigacional, pois seria como
se o próprio devedor tivesse efetuado o pagamento. Ocorre mera liberalidade por parte do
terceiro. É a interpretação do artigo 305, a contrário senso. Como o dispositivo legal
mencionado determina que o terceiro não interessado que pague a dívida em seu próprio
nome tem direito a reembolsar-se, evidente que, se pagou em nome do próprio devedor, não
tem direito ao reembolso.

Se o terceiro não interessado paga a dívida em seu próprio nome, com fundamento no
artigo 304, tem direito ao reembolso, porém sem qualquer sub-rogação nos direitos do credor.
Não há animus donandi. Quis apenas ajudar o devedor.

O credor não pode recusar o pagamento efetuado pelo terceiro não interessado, desde
que seja feito em nome do devedor. Esse terceiro não interessado é aquele que não tem
vínculo com o contrato.

O cumprimento da obrigação, por qualquer um, é elemento de paz social, de forma que
é sempre estimulado pelo Direito.

Resumindo:

• O terceiro que paga a dívida em nome do devedor pratica essa liberalidade


(exemplo: amigo, amante, parente). É a regra do artigo 305 do Código Civil. Não há
direito ao reembolso.

• O terceiro que paga a dívida em seu próprio nome, tem direito ao


reembolso, mas não se sub-roga nos direitos do credor (artigo 305 do Código Civil).
Aqui não há só liberalidade. O pagamento não pode nem deve gerar o
enriquecimento sem causa.

O artigo 305 do Código Civil diz que o solvens não se beneficia com a sub-rogação
porque, quando paga ao credor, desaparece a relação jurídica originária e surge outra, sem
relação direta com a anterior.

No pagamento com sub-rogação, a relação jurídica originária não se extingue,


subsistindo o vínculo obrigacional entre o devedor e a pessoa que sub-roga, já que o sub-
rogado assume o lugar do credor, satisfeito na obrigação.

A
anuência é expressa ou tácita, advinda do próprio silêncio, cujas conseqüências já foram
vistas.
4.3.4. Sujeito Passivo do Pagamento
Credor - parte

Terceiro interessado  mandatário

Terceiro alheio  gestor  vontade

O sujeito passivo (accipiens) é aquele que deve receber, ou a quem se deve pagar. Para
BEVILÁQUA, o credor é também o sucessor causa mortis ou inter vivos, a título particular ou
singular.

O princípio está no artigo 308, quando esse dispõe que o pagamento deve ser feito ao
credor ou a quem de direito o represente, sob pena de só valer se ratificado pelo credor ou se
reverter em proveito dele.

Caso não haja, portanto, pagamento corretamente feito ao credor ou seu representante,
compete ao devedor provar que houve ratificação ou que houve reversão em proveito do
credor.

Aplica-se o velho brocardo de que quem paga mal, paga duas vezes.

Nem sempre, portanto, a regra geral de que o pagamento deve ser efetuado ao credor é
válida.

O pagamento, às vezes, efetuado ao credor não é válido (exemplo: pagamento ao


menor que não pode quitar).

O pagamento efetuado para terceiro, às vezes, quita.

Exemplo: credor ratifica pagamento ao credor incapaz.

pagamento

CREDOR

DEVEDOR

quitação
Com o pagamento da obrigação, compete ao credor a quitação. A quitação
é a prova de que a obrigação se extinguiu, total ou parcialmente, pelo seu
adimplemento.
O credor incapaz não pode praticar ato jurídico sem estar representado ou assistido, de
forma que não pode, de per si, quitar. Tanto que o artigo 310 do Código Civil considera
viciado o ato jurídico, não valendo o pagamento ao menor que não pode quitar. Ex.:
pagamento ao menor impúbere e não ao pai. Aqui não é só a quitação que é inválida, já que o
próprio pagamento é considerado não realizado. A própria lei prevê uma exceção (artigo 310
do Código Civil) quando diz que o pagamento efetuado ao incapaz de quitar será válido
quando reverter em benefício desse. O ônus da prova é do devedor desidioso. Exemplo: se o
menor gastar o dinheiro, o devedor pagará novamente.

A regra geral visa proteger o incapaz. Tal benefício, porém, para não gerar
instabilidade jurídica ou enriquecimento indevido, não aproveitará ao incapaz, quando ele,
apesar da idade, fizer bom uso do dinheiro.

Observação: O devedor deve saber que o menor é incapaz ou ter mecanismos para
conhecer tal situação. Se o devedor for induzido em erro quanto à idade, erro escusável,
poderá anular o negócio jurídico e o pagamento prevalecerá. (O artigo 310 do Código Civil
fala em "cientemente".)
a) Crédito penhorado (artigo 312 do Código Civil)

Se o devedor vier a ser intimado da penhora, feita sobre seu crédito por outras dívidas,
não poderá utilizar o bem penhorado para pagar dívidas com terceiros.

O patrimônio do devedor responde por suas dívidas. Tal patrimônio contém bens
corpóreos e incorpóreos (créditos). Tais bens devem estar desobstruídos para pagamento.
Portanto, mesmo pagando ao credor real, se o bem estiver penhorado, tal pagamento será
ineficaz.

Tanto a penhora quanto o embargo sobre a dívida retiram do credor o poder de receber.
O devedor ciente da constrição, se efetuar o pagamento, apesar da penhora ou impugnação, se
sujeita a fazê-lo duas vezes. A solução não prevalece sobre o exeqüente ou embargante. Cabe
ação regressiva ao devedor, para devolver (repetir) o que transferiu.

b) Representante do credor

O pagamento pode ser feito ao representante do credor.

Legal: designado por lei (exemplo: pais, tutores e curadores).

Representante Judicial: nomeado pelo juiz (exemplo: depositário judicial).


Convencional: advindo de contrato (exemplo: portadores de
mandato).

O pagamento em qualquer dos casos é válido, desde que o representante tenha poderes
para representar.

O artigo 311 do Código Civil diz que o portador da quitação é mandatário do credor.
Há presunção juris tantum de mandato. Isso porque haveria uma negligência se o credor
permitisse que o terceiro, contra sua vontade, trouxesse consigo a quitação do crédito de que é
titular. A presunção não é irrefragável e pode ser elidida por prova em contrário (exemplo: se
o mandatário parecer vadio, a presunção será elidida).

c) Validade do pagamento a terceiro

• Credor ratificado: é um gestor de negócios com eficácia ex tunc, isto é, reatroage


até a realização do negócio e produz todos os efeitos do mandato (artigo 873 do
Código Civil).

• Pagamento aproveita ao credor: mesmo sem a ratificação por parte do credor ou do


portador de mandato, caso o pagamento aproveite ao credor, ocorre a extinção da
obrigação pela quitação, para evitar o enriquecimento indevido. É de quem paga o
ônus de provar o benefício. Exemplo: homem paga ao filho em vez de pagar à
mulher, mas o numerário é usado na escola.

• Pagamento ao credor putativo: o credor putativo é aquele que não é, mas se


apresenta, aos olhos de todos, como o verdadeiro credor. Exemplo: Herdeiro
aparente. É o caso do herdeiro afastado posteriormente da herança, por indignidade.

4.3.5. Objeto do pagamento


Apesar de o Código apresentar 14 artigos a respeito do objeto do pagamento, na
realidade a maioria deles diz respeito à prova do pagamento.

Isso porque – o tema já foi analisado anteriormente –, na realidade o objeto do


pagamento, por ocasião da elaboração do Código anterior, tinha pouca importância, pois não
havia inflação, sendo um período de estabilidade monetária. Da mesma forma, o Código de
2002 também vem num período de baixa inflação consagrado pelo Plano Real, de forma que
o objeto do pagamento não sofreu grandes avanços.

Ademais, o Brasil adotou o princípio do nominalismo em seu Código Civil, segundo o


qual, nas obrigações em dinheiro, o devedor se libera pagando em moeda corrente em lugar
do cumprimento da prestação, conforme preceitua o artigo 315 do Código Civil combinado
com o artigo 586 do mesmo diploma. Porém, o próprio artigo 316 determinou que as partes
podem convencionar aumento progressivo de prestações sucessivas. Também artigo 317
disciplina a teoria da imprevisão autorizando o juiz a corrigir distorções em relações jurídicas
de trato sucessivo.
O Código autorizava, até mesmo a estipulação em moeda estrangeira, matéria que foi
revogada pela Medida Provisória n. 1.675-43 de 26.10.1998. A vedação ao pagamento em
ouro ou moeda estrangeira surgiu ao partir do Decreto n. 23.501 de 1933, pois passamos de
um período de liberalismo, em que a moeda era um instrumento de troca, para uma política
intervencionista estatal, na qual a moeda passa a ser um mecanismo de controle da economia.

a) Princípio do nominalismo

Segundo tal princípio, o devedor tem o direito de se liberar da obrigação, pagando a


mesma quantidade de moeda recebida. O legislador parte de uma ficção, na qual a moeda
constitui um valor fixo, imutável, e as outras coisas aumentam e diminuem de valor. Desse
modo, o devedor de uma importância em dinheiro se libera pagando o valor nominal da
moeda corrente no lugar do cumprimento de uma obrigação. Independentemente da alteração
do valor intrínseco da moeda, portanto, o devedor de uma importância em dinheiro se libera
da dívida oferecendo a quantidade de moeda inscrita no título da dívida. Hoje resta evidente
que o caráter inflacionário torna imperiosa a adoção da correção monetária, para evitar o
enriquecimento indevido de uma parte em relação a outra.

b) A cláusula de escala móvel

Tal recurso surgiu exatamente porque a moeda estrangeira não poderia ser utilizada
como fator de indexação para fins de pagamento da obrigação, sendo considerada objeto
ilícito pelo sistema jurídico pátrio. Portanto, a cláusula de escala móvel é aquela que traz uma
variação na prestação do devedor, segundo os índices de custo de vida ou segundo os preços
de determinadas mercadorias. Para fugir do efeito inflacionário, o credor estipula o
pagamento em moeda, em valor que corresponda ao de determinadas mercadorias – tais
como cesta básica –, gêneros que são sensíveis à desvalorização da moeda. Outro fator de
indexação utilizado é o salário mínimo, muito embora ele seja descaracterizado como fator de
correção monetária pela Lei n. 6.205/75 que, ao lado de proibir o reajustamento clausular
com base no salário mínimo (artigo 1.º), autorizou a aplicação da ORTN (Obrigações
Reajustáveis do Tesouro Nacional). A Lei n. 6.423/77 proibiu a estipulação em qualquer
escala móvel que não fosse a ORTN. Com a criação do Plano Cruzado (Dec. -lei n. 2.284/86)
ficou proibida, sob pena de nulidade, cláusula de reajuste monetário nos contratos inferiores a
um ano. Com o Cruzado Novo (Lei n. 7.730/89) houve o congelamento de preços, de forma
que não havia mais correção monetária no sistema e só os contratos com prazo superior a 90
dias poderiam sofrer reajuste. A Medida Provisória n. 57/89 e a Lei n. 7.777/89 fixaram o
BTN, até mesmo o BTN Fiscal.

Há divergência doutrinária quanto à conveniência da utilização da escala móvel. O


Professor SILVIO RODRIGUES entende que a mesma gera inflação, enquanto os Professores CAIO
MÁRIO DA SILVA PEREIRA e ARNOLDO WALD defendem o instituto. Não há nada na lei brasileira
que invalide a cláusula de escala móvel, de maneira que a mesma é lícita, segundo a opinião
do Professor VILLAÇA.
4.3.6. Prova do pagamento
A quitação é prova do pagamento. Aliás, o artigo 319 já dispõe nesse sentido. A
quitação consiste em um escrito, no qual o credor reconhece o recebimento do que fora
estipulado e libera o devedor até o montante que foi pago. A quitação geral libera o devedor
do vínculo geral que o prendia ao credor.

O devedor tem o direito de reter o pagamento caso o credor se recuse em fornecer a


quitação, sendo esse o mandamento do artigo 319. Tal retenção não implica em mora, pois o
artigo 396 estabelece que não havendo fato ou omissão imputável ao devedor, não incorre
esse em mora. Haverá a mora do credor por meio da recusa indireta, chamada de mora
credendi (artigo 394 do Código Civil).

A pergunta feita pelos juristas SILVIO RODRIGUES e RUBENS LIMONGI FRANÇA, à luz do
Código Civil de 1916, diz respeito ao fato de a quitação ser ato solene, por ter forma prescrita
em lei, ou ato não solene. Aliás, havia uma aparente contradição, pois o artigo 940 apresenta
requisitos para quitação enquanto o artigo 1.093 diz que a quitação pode ocorrer por qualquer
forma.

SILVIO RODRIGUES, transcrevendo lição de CERPA LOPES – que já seguia orientação de


BEVILÁQUA –, diz que a quitação não precisa ter a forma do contrato, bastando que se perfaça
por escrito e satisfaça os requisitos do artigo 940 do Código Civil. O Mestre entende que o
legislador exigiu forma escrita de quitação – a assinatura do credor. O Professor RUBENS
LIMONGI FRANÇA afirma que se trata de forma fixa genérica e não única, podendo a quitação ser
por escritura pública ou particular devendo obedecer aos ditames do artigo 940 do Código
Civil.

O artigo 320 do Código Civil continua a apresentar o mesmo formalismo do artigo 940
para quitação, porém apresenta um parágrafo único que diz: "Ainda sem os requisitos
estabelecidos neste artigo valerá a quitação, se de seus termos ou das circunstâncias resultar
haver sido paga a dívida". Portanto, o legislador foi flexível e, muito embora não tenha dito
que a quitação pode ser por qualquer forma, garantiu validade a mesma nas hipóteses de
comprovação do pagamento da dívida.

A quitação, muito mais do que uma obrigação do credor, é um direito do devedor.


Além de incidir em mora, o credor incide em contravenção penal, conforme a Lei n. 4.494/94,
artigo 17, inciso II.

4.3.7. Do lugar do pagamento


Em primeiro lugar devemos fazer uma distinção entre a dívida QUESÍVEL (querable)
e a dívida PORTÁVEL (portable).

Quesível é a dívida que se paga, por princípio, no domicílio do devedor. Portável é a


dívida que se paga em qualquer lugar determinado.
A regra geral é que a dívida seja normalmente quesível, isto é, deve ser paga no
domicílio do devedor. Compete ao credor, portanto, ir até lá para receber o pagamento. O
próprio artigo 327 estabelece esse princípio, afirmando que, salvo disposição em contrário, o
pagamento deve ser efetuado no domicílio do devedor.

As partes podem transformar uma dívida portável em quesível, por estipulação


expressa ou tácita entre as partes. Exemplo: uma dívida está estipulada para ser paga no
domicílio do credor; porém, se o credor for cobrar a dívida na casa do devedor, transforma a
natureza do local de recebimento.

O Código, quando fala que a lei pode estabelecer o local do pagamento, normalmente
diz respeito às dívidas fiscais.

De toda forma, o local do pagamento é importante para caracterizar a mora. Assim, se


a prestação deve ser cumprida no domicílio do credor e o devedor não comparece, incide em
mora. Porém, se o credor não comparece no domicílio do devedor para receber a dívida
quesível, não há mora, já que não há culpa por parte do devedor.

O artigo 328 do Código Civil apresenta uma lógica necessária quando estabelece que o
pagamento, se consistir na compra e venda de imóvel, far-se-á no lugar onde o imóvel se
encontra, até porque o imóvel só se transmite com a transcrição do registro imobiliário (artigo
1245 do Código Civil). Portanto, o registro só pode ser feito no cartório da Circunscrição
Imobiliária. Há autores que criticam a redação do artigo 328 do Código Civil, afirmando que
o contrato tem caráter pessoal e que a relação imobiliária só nasce num momento posterior,
tornando irrelevante o local do pagamento. Não podemos nos esquecer que disposição nova
foi estabelecida pelos artigoss. 329 e 330 que determinam: "Ocorrendo motivo grave para que
não se efetue o pagamento no lugar determinado, poderá o devedor fazê-lo em outro, sem
prejuízo para o credor. O pagamento reiteradamente feito em outro local faz presumir
renúncia do credor relativamente ao previsto no contrato".

4.3.8. Do tempo do pagamento


A importância do tempo do pagamento está no fato de que a obrigação só é exigível
quando da ocorrência do termo final, isto é, do vencimento; nenhuma dívida pode ser
reclamada antes do vencimento, pois não existe dívida antes de vencida a obrigação.

As obrigações se dividem em dois grupos, quanto ao tempo do pagamento: as


obrigações com tempo certo e as sine die (sem tempo certo).

Obrigações com tempo certo

Quando as partes estabelecem data para o pagamento. Não há dificuldade para saber o
vencimento nem o momento em que a obrigação deve ser cumprida – sob pena de
inadimplemento, face à impontualidade.

Temos, porém, duas exceções:


• Antecipação do vencimento por força da lei

Não pode o credor exigir a prestação antes do seu vencimento, já que o prazo,
ordinariamente, é o benefício do devedor. A lei pode, porém, para resguardar direitos
do credor, antecipar o vencimento da obrigação, conforme dispõe o artigo 333 do
Código Civil. O objetivo da disposição legal não é simplesmente o de proteger o
credor, de garantir que ele venha realmente receber o seu crédito; ela visa
precipuamente garantir a segurança das relações de crédito, preservando o próprio
interesse social – tanto que as hipóteses são excepcionais, apresentando o disposto em
lei numeração taxativa.

− Inciso I : o credor pode cobrar desde logo sua dívida, se o devedor falir ou abrir o
concurso de credores, isto é, se tornando insolvente. Isso porque o concurso não
só demonstra a impontualidade do devedor como também que a dívida excede a
importância dos bens do devedor (artigo 955 do Código Civil). Temos, portanto,
o binômio impontualidade e insolvência do devedor. O concurso é um processo,
no qual os credores insolventes vão ratear o ativo para cobrirem, em parte e de
forma proporcional, seus créditos. A imperatividade do vencimento antecipado
está no fato de que, se aquele credor tivesse que aguardar o prazo certo para
cobrar o crédito, já não encontraria qualquer bem a executar.

− Inciso II : a cobrança antecipada pelo credor pode ocorrer se outro credor


executar direitos reais de garantia. Nessa hipótese, o crédito está resguardado por
bem certo e específico, dado em garantia pelo devedor. Isso garante ao credor
preferência sobre outros no rateio de bens. É lógico, portanto, que, se antes de
vencida a dívida um outro credor vier a penhorar o bem já dado em garantia, não
deve o primeiro credor ter que aguardar o vencimento de seu prazo, sob pena de
não lhe ser resguardado privilégio sobre a dívida.

− Inciso III : também haverá a antecipação da obrigação se as garantias que


asseguram o débito cessarem, ou se tornarem insuficientes, e o devedor, uma vez
intimado, negar-se a reforçá-las. Isso porque o credor só realizou negócio tendo
em vista que o devedor dispunha de garantias fidejussórias. Se, porém, tais
garantias se deterioraram ou se extinguiram, há uma sensível redução na
perspectiva de o credor receber o crédito. Pode, portanto, o credor exigir reforço
na garantia, para defender seus interesses. Com a negativa do devedor, há o
vencimento antecipado para não trazer maiores prejuízos ao credor.

• Antecipação do pagamento, por conveniência do devedor– quando o prazo houver


sido estabelecido em seu favor.

A antecipação do pagamento, por conveniência do devedor, ocorre porque há uma


presunção relativa de que o prazo, nos contratos, sempre é estabelecido em favor do devedor
(artigo 133 do Código Civil). Dessa maneira, o devedor pode abrir mão do prazo concedido,
antecipando a prestação.
O devedor só não tem essa benesse quando o prazo for estabelecido em favor do
credor, pois esse último pode recusar a prestação até o dia do vencimento. Normalmente, é
irrazoável a recusa do credor.
CURSO DO PROF. DAMÁSIO A DISTÂNCIA

MÓDULO VIII

DIREITO CIVIL

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DIREITO CIVIL

Prof. Vitor Frederico Kümpel

1. PAGAMENTO INDEVIDO

1.1. Pressupostos
No Código Civil de 1916, o pagamento indevido está localizado no Título II, Seção
VII, Dos Efeitos das Obrigações (artigos 964 a 971). No atual Código Civil, a matéria foi
deslocada para o Título VII Dos Atos Unilaterais, com previsão nos artigos 876 a 883.

O pagamento indevido, na verdade, é princípio do Direito, pois é um pagamento sem


relação causal, apresentando o princípio do enriquecimento indevido ou sem causa e está
consagrado no artigo 876 do Código Civil , que determina que todo aquele que recebeu o que
não lhe era devido fica obrigado a restituir. Temos, como exemplo, a impossibilidade de um
credor, incapaz de reclamar o segundo pagamento (artigo 310 do Código Civil).

O novo Código Civil também criou um Capítulo novo tratando especificamente "Do
enriquecimento sem causa". Determina o artigo 884: "Aquele que, sem justa causa, se
enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a
atualização dos valores monetários".

1.1.1. Ação in rem verso


A ação in rem verso é a que procura equilibrar as relações jurídicas, indenizando o
empobrecido, restabelecendo o seu patrimônio, que foi prejudicado pelo enriquecimento da
parte contrária, já que o lucro daquele equivale ao prejuízo deste.

São pressupostos da ação in rem verso:

• enriquecimento por parte do réu;

• empobrecimento por parte do autor;

• relação de causalidade entre os dois fatos;

• ausência de causa justificadora;

• inexistência de ação específica para resguardar a vítima.

1.2. Regras Gerais


Pelo sistema francês, a matéria é singela, pois aplica apenas e tão-somente a teoria da
causa, segundo a qual, se o pagamento não tem causa jurídica que o legitime, deve ser
restituído. Para o sistema francês são requisitos do negócio jurídico: o consentimento, a
capacidade das partes, a idoneidade do objeto e uma causa lícita da obrigação. O sistema
brasileiro não prevê esta última hipótese.

O artigo 876 do Código Civil estabelece a regra da restituição, cabendo a devolução


em todas as hipóteses em que não era devido o pagamento. O solvens deve reclamar do
accipiens a repetição do que lhe pagou.

O
artigo 877 do Código Civil fixa o ônus da prova do pagamento indevido para aquele que
procedeu com erro. Em primeiro lugar, temos de observar se o pagamento foi feito
involuntariamente por meio de coação ou sem coação. Na hipótese de haver coação, em que o
solvens foi forçado a pagar, o direito de repetição ocorre até por causa do vício de vontade. Se
o constrangimento, porém, não atingir o grau da coação, precisa ser visto no campo do erro.

Na
segunda hipótese, ocorre um pagamento voluntário, que precisa ser verificado na hipótese do
erro. Aqui, o ato é consciente e voluntário, havendo liberalidade, podendo cair no campo da
doação. Para que isso não ocorra, é necessário que a parte prove o engano. Há quem entenda
que tal prova é um ônus duro para o solvens, pois a este somente bastaria a prova da própria
inexistência da causa; porém, isso não é aceito no nosso sistema.

O
solvens tanto pode demonstrar a ocorrência de uma simulação inocente, na qual não se
pretendia enganar ninguém como o dolo do accipiens; porém, em todas as hipóteses, a
anulação se daria com base no vício ou no social do negócio.

1.3. Regras Especiais


Duas regras gerais foram tratadas no item anterior: a primeira que obriga a restituição
daquele que recebeu o que não lhe era devido, e a segunda, o ônus da prova por parte do que
pagou indevidamente, quando procede por ato voluntário, pois quando procede por ato
involuntário anula o negócio com base nos vícios. Vejamos, a seguir, as regras especiais.

A primeira regra especial é a do artigo 879, parágrafo único, do Código Civil, segundo
o qual a repetição de indébito pode acontecer em relação a bem imóvel, sendo que o
proprietário que indevidamente transmite pode reivindicar o imóvel, cabendo provar que o
adquirente agiu de má-fé. As partes retornam ao status quo ante. O accipiens (pessoa que
recebeu) deve ser tratado como possuidor de boa-fé, tendo direito: aos frutos percebidos e
colhidos; à indenização pelas benfeitorias úteis, necessárias e voluptuárias; à retenção pelas
benfeitorias úteis e necessárias, não respondendo por perda ou deterioração da coisa.
O
artigo 879 do Código Civil informa a hipótese do accipiens (pessoa que recebeu) vir a alienar
o imóvel a um terceiro. Quanto a essa questão, a lei aponta as seguintes soluções:

• Em estando todos de boa-fé, responde o accipiens (pessoa que


recebeu) apenas pelo preço recebido, pois há um conflito de vários interesses
colidentes: há o interesse do solvens (o que transmitiu), querendo o patrimônio de
volta e há o direito do adquirente de boa-fé, terceiro que precisa também ser
prestigiado. Nesse caso, o terceiro adquiriu de quem aparentemente era o dono e,
pelo princípio da estabilidade das relações jurídicas, melhor prestigiar o terceiro de
boa-fé que agiu diligentemente. Isso porque o solvens (pessoa que deve pagar)
pagou indevidamente e mediante erro. Já o terceiro de boa-fé não fez nada de
errado de molde a ser prejudicado.

• Se a alienação ocorreu a título gratuito e de boa-fé, a solução é


diversa. Nesse caso, confere-se ao accipiens o direito de reivindicar o imóvel por
força do direito de seqüela. Somente o accipiens teria prejuízo, pois o terceiro de
boa-fé não obteve lucro.

• Aqui, verifica-se a hipótese da má-fé por parte do terceiro, sendo


claro que o accipiens tem direito de reivindicar o imóvel, quando o terceiro obra
de má-fé, pois não há razão nenhuma para a lei proteger o terceiro de má-fé,
cabendo, portanto, a reivindicatória.

• Em havendo má-fé do accipiens, e o terceiro adquirente estar de boa-


fé, o negócio será mantido e a ação reivindicatória será julgada improcedente. O
artigo 879 do Código Civil esclarece que, nesse caso, aquele que recebeu sabia que
teria que restituir e, ainda assim, vendeu para um terceiro. Não há ação
reivindicatória, como já dito, podendo apenas reclamar o preço, pois entre a boa-fé
do solvens e a do terceiro, prefere a lei a boa-fé do terceiro.

A segunda regra especial é a do artigo 876 do Código Civil , que trata da restituição quando
do pagamento indevido. Esse artigo sofre exceções no artigo 880 do mesmo diploma, no qual aquele
que pagou fica isento de ser restituído.
• A primeira hipótese ocorre quando aquele que recebeu (accipiens)
inutiliza o título da dívida, deixa prescrever a ação ou abre mão das garantias do
seu direito. Nessas situações não cabe a repetição. Quem pagou, nada devia, porém
inutilizou o título, comportamento normal e ordinário. Aliás, desmuniu-se da prova
do direito, perdendo a possibilidade de cobrar do verdadeiro devedor. De um lado,
temos o interesse do solvens que pagou por erro e, de outro, do accipiens que
recebeu e deu por quitado o débito. Esse accipiens não tem o dever de restituir, até
porque agora está desmunido de crédito. Não haveria motivo para o accipiens se
preservar de qualquer crédito, pois com o pagamento houve a extinção da
obrigação. Caso o solvens demonstre ser indevido o pagamento, nessa hipótese,
não cabe repetição, pois o accipiens estaria desguarnecido contra outros. Cabe ao
solvens, pessoa que pagou mal, apenas o direito regressivo contra o verdadeiro
devedor da quantia que despendeu. É também uma ação in rem verso porque não
há relação entre as partes, havendo apenas o mesmo fundamento do
enriquecimento indevido. Temos como exemplo um contrato de locação, na
hipótese de um terceiro, fora da relação jurídica contratual, vir a pagar
indevidamente por erro ao locador. Esse, por sua vez, se desfaz do contrato e de
eventuais garantias, deixando prescrever seu direito de cobrança, de forma que não
cabe repetição contra o locador, mas sim ação in rem verso contra o locatário e
seus fiadores.

• Também não se aplica a regra geral da restituição quando o


pagamento se destina a solver a obrigação natural, porque a obrigação natural vem
destituída de sanção, cumprindo ao devedor se lhe aprouver. É uma obrigação
suscetiva de obrigação voluntária, não podendo o devedor ser compelido a cumpri-
la. É o chamado negócio de consciência. O devedor transforma essa obrigação em
obrigação civil perfeita, sendo que o negócio não pode ser repetido. Está mais no
campo da moral do que no campo do direito, porque, em tese, não existe direito
sem sanção. Nessa situação não há empobrecimento injusto nem indevido porque a
pessoa cumpre um dever que acha que está vinculado. Quem recebe a obrigação
natural nunca enriquece, pois tal obrigação apenas visa reequilibrar o patrimônio
desfalcado. Por tudo o que foi exposto é que não existe a ação in rem verso.

• Não cabe repetição quando o pagamento visa obter fim ilícito. Se o


objetivo era alcançar um fim imoral ou ilícito, de acordo com o artigo 883 do
Código Civil , não terá direito o solvens de repetir, pois ninguém pode alegar a
própria torpeza ou malícia em juízo. O solvens, portanto, não pode reclamar a
repetição do que pagou de forma ilícita ou imoral, obrando de má-fé, até para
evitar essas práticas. Nesse sentido, pouco importa se o accipiens, pessoa que
recebeu, obrou ou não de má-fé, pois não existe demanda com causa vil, até pela
própria dignidade da própria justiça. Estabelece o parágrafo único do artigo 883:
"No caso deste artigo, o que se deu reverterá em favor de estabelecimento local de
beneficência, a critério do juiz".

2. DO PAGAMENTO POR CONSIGNAÇÃO

2.1. Conceito
Consignação é o depósito judicial da dívida. Tal depósito é feito ou porque há dúvida
com relação ao credor, ou porque esse é incapaz de receber, ou ainda, porque o credor se
recusa em aceitar o pagamento ou não quer quitar a obrigação. É um modo indireto do
devedor se liberar da obrigação.

O
próprio Beviláqua diz que um modo indireto do devedor se liberar da obrigação consiste no
depósito judicial da coisa devida.
A
consignatória gera três efeitos imediatos:

• evita discussão sobre o culpado pelo atraso;

• demonstra que o devedor queria cumprir a obrigação;

• retira o trabalho pela guarda da coisa a ser prestada.

2.2. Hipóteses da Consignação


O
artigo 335 do Código Civil apresenta seis hipóteses em que a consignatória tem lugar. Os
Professores Washington de Barros Monteiro e Silvio Rodrigues entendiam, porém, quando
comentavam a disposição análoga do artigo 973 do Código Civil de 1916 que a alteração do
dispositivo legal era meramente exemplificativa e citavam, como exemplo, o artigo 591,
parágrafo único, do Código Civil de 1916, em que o Poder Público podia fazer uso dos bens
particulares no caso de perigo ou comoção, cabendo ao ente público, quando o particular não
quer receber o valor, depositar judicialmente. Analisemos as hipóteses do artigo 335:

• Na hipótese do inciso I, o credor, que sem justo motivo, não puder ou


recusar-se a receber o pagamento ou dar quitação, incorre em mora. Surge, nesse
instante, uma faculdade do devedor, pois apenas está provando não ser faltoso, já
que a mora é da outra parte. Exemplo: numa locação ex locato, o locador muitas
vezes não quer receber o valor da locação para ter motivo para o despejo. Aqui, o
depósito vale como pagamento. Este inciso ainda prevê a hipótese de consignação
no caso do credor negar-se em ofertar a quitação. O devedor, então, retém o
pagamento (artigo 319 do Código Civil) ou deposita em juízo (artigo 335, inciso I,
do Código Civil). A segunda hipótese é a melhor porque evita a alegação de
impontualidade.

• O inciso II trata da hipótese da dívida quérable, em que o credor deve


ir buscar o crédito no domicílio do devedor, ao contrário da dívida portable, em
que o devedor deve ir efetuar o pagamento. Aqui, a inércia do credor faz com que
incida em mora, devendo o devedor depositar o numerário.

• O inciso III menciona que, tratando-se de dívida portable, o devedor


deve levá-la ao domicílio do credor. Se, porém, este for incapaz de receber, for
desconhecido, estiver declarado ausente ou residir em local incerto ou de difícil
acesso, exigindo esforço extraordinário, pode o devedor depositar o numerário.

• O inciso IV trata da dúvida sobre quem deve receber o objeto do


pagamento. Nessa hipótese, para que o devedor não pague mal, melhor é que
deposite em juízo. Exemplo: o depósito é justo quando o casal de locadores se
separa e os dois exigem o pagamento por parte do inquilino.
• Pendendo litígio sobre o objeto do pagamento, deve o mesmo ser
depositado. É o que especifica o inciso V: não paira dúvida sobre a pessoa que o
deve receber, porém o litígio garante o bom pagamento por parte do devedor. O
artigo 344 do Código Civil esclarece que, caso o devedor pague para um dos
litigantes, assume o risco de pagar mal e ser obrigado a pagar duas vezes.

2.3. Requisitos
O
artigo 336 do Código Civil apresenta quatro espécies de requisitos para a consignatória ser
válida e eficaz:

• Quanto às pessoas: a ação deve ser proposta contra o credor ou seu


representante, devendo figurar no pólo ativo o devedor ou terceiro que tenha
jurídico interesse, muito embora possa até não ter interesse na demanda. Exemplo:
é o caso da nora que paga a locação do sogro, pois para o credor é indiferente
quem efetua o pagamento.

• Quanto ao objeto: a prestação oferecida precisa ser íntegra, isto é,


precisa consistir na entrega do bem combinado na quantidade e qualidade
dispostas pelas partes. Exemplo: não cabe consignação da diferença quando o
pagamento precisa ser do total. Nesse caso estão incluídos os juros vencidos e os
legalmente devidos.

• Quanto ao tempo: a consignação deve ser efetuada no tempo


convencionado ou precisa vir acompanhada dos encargos da mora, quando em
atraso. Em havendo inadimplemento absoluto, isto é, quando as prestações forem
inúteis ao credor, o mesmo pode recusar o recebimento. Se o prazo foi estipulado
em benefício do devedor, e normalmente o é, o pagamento pode ser anterior ao
vencimento. Se, porém, o prazo foi estipulado em benefício do credor, o devedor
precisa aguardar a data aprazada para efetuar o pagamento.

• Quanto ao lugar: segundo artigo 337 do Código Civil o depósito


deve ser feito no lugar convencionado entre as partes.

3. DO PAGAMENTO COM SUB-ROGAÇÃO

3.1. Conceito e Natureza Jurídica

Sub-rogação é a substituição do credor, que recebe o pagamento, por quem paga a dívida ou
fornece a quantia para o pagamento.
O
pagamento é a forma mais pura de extinção das obrigações, pelo próprio cumprimento. Aqui,
o pagamento não foi efetuado pelo devedor ao credor, mas sim por uma terceira pessoa que
não é o devedor, muito embora a obrigação se extinga em relação ao credor satisfeito.
Remanesce, porém, uma relação jurídica entre o terceiro e o devedor, sendo chamada sub-
rogação. Exemplo: no caso da locação, o fiador é tão responsável pelo cumprimento da
locação quanto o locatário, muito embora o locatário seja o principal devedor. O fiador pode,
esponte própria, pagar ao credor a dívida e se sub-rogar, na qualidade de credor, em relação
ao devedor locatário. A dívida, em vez de ser extinta, é substituída em relação aos pólos da
ação. Não há, portanto, uma extinção, mas sim uma substituição do pólo ativo da relação
jurídica, pois o credor passa a ser outro, remanescendo o mesmo devedor.

A
sub-rogação pode derivar por força de lei, sendo chamada sub-rogação legal, ou por vontade
das partes, sub-rogação convencional. A hipótese da fiança é uma hipótese de sub-rogação
legal. Dois familiares ou amigos podem estipular que um deles pagará a dívida pelo outro ao
credor, sub-rogando-se nos direitos.

Existem acessórios que seguem a dívida, de natureza real ou fidejussória, sendo que tais
acessórios remanescem no caso de sub-rogação, pois o pagamento não extingue a obrigação.
Em havendo, portanto, uma hipoteca na obrigação, transfere-se para o novo credor em relação
ao devedor. Neste caso, temos a grande vantagem da sub-rogação, já que a dívida transfere ao
novo credor que a pagou ao antigo credor com todos os acessórios e garantias que a
guarnecem ,
não sendo necessário estabelecerem-se novas anuências.

O
Prof. Silvio Rodrigues, citando Cole Capitant, diz que ambos, e mais Pothier, acreditam que a
sub-rogação é uma ficção de direito, pois a obrigação sobrevive com principal e acessórios,
muito embora tenha ocorrido o pagamento em relação ao pagador primígeno. Apesar dos três
verificarem a hipótese dessa ficção, acreditam que o Direito moderno não precisa recorrer à
ficção do Direito romano.

O
Prof. Silvio Rodrigues acaba concluindo que a sub-rogação é um instituto autônomo, não se
encaixando em nenhuma das classificações jurídicas e seus institutos, anteriormente vistos.

3.2. Espécies de Sub-rogação


A sub-rogação pode ser legal ou convencional, dependendo da fonte da qual derive.

A
sub-rogação legal tem por fonte a lei,porque o próprio legislador contempla a hipótese em que
terceiros saldam os débitos de outrem, conferindo-lhes a qualidade de credores. Essa sub-
rogação independe da vontade dos interessados. Já a sub-rogação convencional é a que emana
da vontade das partes, tendo caráter puramente contratual.

3.2.1. Sub-rogação legal

Essa espécie de sub-rogação está estribada na idéia de uma convenção tácita entre o credor e
o sub-rogado, segundo a qual o credor cede ao sub-rogado os direitos que tinha em face do
devedor. O artigo 346 do Código Civil estabelece as hipóteses de sub-rogação legal:

• A hipótese do inciso I é aquela em que, em havendo dois ou mais


credores em relação ao débito, aquele que paga em nome do devedor se sub-roga
em todas as preferências dos demais credores. Ex.: em havendo dois credores,
sendo um deles credor hipotecário e outro credor quirografário, pode o credor
quirografário pagar ao hipotecário, passando a ser credor hipotecário.

• A hipótese prevista no inciso II diz respeito à sub-rogação legal


quando o adquirente do imóvel hipotecado paga ao credor hipotecário, bem como
do terceiro que efetiva o pagamento para não ser privado de direito sobre o imóvel.
Nesse caso, o adquirente paga a dívida do alienante para elidir a execução sobre o
imóvel, remanescendo a sub-rogação. Essa hipótese é inútil e rara. Apenas tem
utilidade quando existe mais de uma hipoteca, pois, caso contrário, o adquirente
sub-rogado terá seu crédito assegurado por seu próprio imóvel. No caso de
hipoteca, caso resgate a primeira, adquire preferência sobre os outros credores
hipotecários. A hipótese é rara porque ninguém adquire o imóvel sem a certidão
negativa de ônus reais.

• Também há sub-rogação legal, conforme o inciso III, quando o


terceiro interessado, na qualidade de solidário, paga a dívida na qual podia ser
compelida a fazê-lo no todo ou em parte. Nesse caso, o devedor solidário, que
paga a totalidade da dívida, paga muito além do que deve, incluindo débitos de co-
obrigados. Ele se sub-roga nos direitos do credor. O mesmo ocorre em relação a
coisas indivisíveis, como a fiança, já mencionada.

3.2.2. Sub-rogação convencional


A sub-rogação convencional ocorre por iniciativa do credor, pois este,
independentemente da vontade do devedor, procura alguém para assumir o seu crédito.
Também pode acontecer por iniciativa do devedor, sem a ciência do credor, para que alguém
venha a saldar a dívida sub-rogando-se nos direitos da obrigação. Sempre precisa ocorrer a
sub-rogação contemporânea ao pagamento; caso contrário o pagamento extingue a obrigação.
Surgindo obrigação nova, não haverá sub-rogação, mesmo que os acessórios sejam idênticos,
pois a obrigação morta não ressuscita.
De
acordo com o inciso I do artigo 347 a sub-rogação é convencional quando o credor recebe o
pagamento de terceiro, que expressamente lhe transfere todos os seus direitos. Aqui temos o
instituto análogo à cessão de crédito, até porque pode ter valor especulativo.

O
artigo 347, em seu inciso II, apresenta a hipótese de uma terceira pessoa emprestar ao devedor
a quantia para solver a dívida, remanescendo o mutuante nos direitos do credor satisfeito,
independente da vontade do credor. O devedor passa a transmitir um bem que, na realidade,
encontra-se em patrimônio alheio. O credor primitivo não pode se opor, já que, por questão
lógica, o que ele quer é a satisfação de seu crédito. Para que ocorra esta última espécie de sub-
rogação, é necessário que a mesma seja simultânea ao pagamento, que o empréstimo quite a
dívida anterior e que o pagamento sub-rogue o mutuante nos direitos do antigo credor.

4. DA DAÇÃO EM PAGAMENTO

4.1. Conceito
A
dação em pagamento é uma forma de alteração do vínculo, em que o credor pode consentir
em receber coisa que não seja dinheiro, substituindo a prestação devida (artigo 356 do Código
Civil).

O
artigo 313 do Código Civil já esclarecia que o credor não era obrigado a receber outra coisa,
ainda que mais valiosa, quando o objeto era coisa certa. Esse critério advém da segurança das
relações jurídicas. O credor pode, entretanto, consentir em receber um bem substituindo
outro, ocorrendo uma dação em pagamento.

A origem da dação em pagamento é a datio insolutum do Direito romano, no qual, no


processo da execução, o devedor podia substituir um bem por outro para que o bem não fosse
vendido por preço vil. No início era até proibido pelo Digesto. A dação em pagamento,
portanto, é a execução do débito por meio de objeto não avençado, consentindo o credor.

A
dação em pagamento tem natureza jurídica própria, porém tem muito da compra e venda e
muito da cessão de crédito. Há quem entenda que a dação em pagamento é uma modalidade
de novação por mudança de objeto. O credor consente em substituir seu crédito antigo por um
novo, cujo objeto é diferente. Esse crédito novo vigora por pouquíssimo tempo, isto é, desde a
convenção até o efetivo pagamento. A dívida passa, portanto, a ser renovada, ou melhor,
novada. Nesse sentido, a dação está embutida numa novação subentendida, conforme
preceitua o grande Planiol.

4.2. Requisitos para a Dação


• A coisa dada em pagamento deve ser diferente do objeto pactuado.

• O credor deve concordar com a substituição.


5. DA NOVAÇÃO

5.1. Conceito
A
novação é uma forma de pagamento por meio da alteração da natureza do vínculo, em que
ocorre a transmudação em outro, do débito anterior, alterando a causa da relação jurídica. As
partes criam obrigação nova para extinguir uma antiga.

Ocorre o perecimento da obrigação originária, surgindo outra que toma o seu lugar. Surge um
processo de simplificação, pois, num único ato, extingue-se uma obrigação antiga, iniciando-
se uma nova. Temos como exemplo a hipótese do mutuário que, por ocasião do vencimento,
indica um devedor seu para liquidar a prestação, obtendo a concordância de todos. Nasce uma
nova dívida entre outras pessoas, não originariamente vinculadas.

Temos novação tanto na modificação do objeto quanto na modificação do sujeito ativo ou


passivo da obrigação, ocorrendo a novação objetiva ou subjetiva.

5.2. Espécies

Objetiva

Novação

Ativa

Subjetiva

Passiva

A novação será objetiva quando a obrigação nova apresentar um elemento novo no


campo do objeto ou da causa da obrigação. Sendo o esse elemento o sujeito da obrigação,
temos a obrigação subjetiva, que pode trazer esse elemento tanto no pólo ativo quanto no pólo
passivo, novação subjetiva passiva.
O
artigo 360 do Código Civil apresenta a classificação, dispondo no inciso I, a novação
objetiva. Aqui, o objeto da obrigação se altera. Ex.: o devedor concorda em receber uma
indenização em dinheiro. Pode haver mudança na causa da obrigação. Exemplo: o devedor de
aluguéis declara-se vinculado a um contrato de mútuo. O inciso II trata da novação subjetiva
passiva, pois a pessoa do devedor se altera. Há uma delegação, na qual o devedor indica um
terceiro para resgatar o débito.

Temos também o instituto da expromissão, figura na qual o terceiro assume o débito sem
haver pedido do devedor, havendo apenas a concordância do credor. O artigo 362 do Código
Civil autoriza, afirmando que a novação, por substituição do devedor, pode ser efetuada
independentemente do consentimento deste.

No
artigo 360, inciso III, do Código Civil, é apresentada a novação subjetiva ativa em que a
figura do credor sofre alteração. Por meio de nova obrigação, o primitivo credor deixa a
relação jurídica e o outro toma o seu lugar.

Esse instituto tem pouca valia porque outros são mais interessantes, como a cessão de crédito
e a cessão de contrato, além da sub-rogação. Até por isso, alguns códigos mais modernos
deixam de disciplinar a matéria. A novação extingue a dívida primitiva, fazendo surgir uma
nova, sem os acessórios da dívida originária. Segundo o artigo 364 do Código Civil as
garantias das dívidas e dos acessórios remanescem extintos pela novação, pois o acessório
segue sempre o principal. Ademais, a novação é interessante para a transmissão das
obrigações, pois a rigidez do sistema do Direito romano tornava as obrigações imutáveis,
sendo a novação um mecanismo flexível. A novação somente era admitida quando o objeto
da dívida permanecia o mesmo (no sistema romano).

5.3. Pressupostos da Novação


Os
autores variam com relação ao número de pressupostos para caracterizar a novação. O Prof.
Silvio Rodrigues, porém, apresenta cinco:

• Existência de obrigação anterior: a própria finalidade da novação é a


extinção da obrigação anterior. Se não há obrigação anterior, não há finalidade
para a novação, porque a novação equivale ao pagamento e pressupõe uma dívida.

• Criação de uma obrigação nova: a novação só pode ser concebida


por meio do surgimento de uma nova relação jurídica ou da extinção da primeira
obrigação, havendo uma substituição automática. Assim há uma correlação direta
entre a nova relação jurídica, que surge com a extinção da anterior, que, caso haja
nulidade absoluta ou relativa do segundo negócio, faz com que as partes retornem
ao negócio originário com todas as suas características (artigo 182 do Código
Civil).

• O elemento novo: a segunda obrigação para traduzir uma novação


precisa inserir um elemento novo que recaia sobre os sujeitos ou sobre o objeto da
ação. Se a dívida e as partes continuam as mesmas, não há novação.

• “Animus novandi” esse é o elemento subjetivo psicológico do


negócio. Para tal, as partes precisam desejar a extinção de uma obrigação e a
criação de outra e, além disso, precisam querer que, com a segunda obrigação, haja
a extinção da primeira. Caso não haja essa vontade de criar uma obrigação nova, a
segunda obrigação apenas confirma a primeira, conforme o artigo 361 do Código
Civil. Por isso, a obrigação nova, para ter eficácia , precisa resultar de ato
inequívoco das partes em novar. Tal ônus é sempre pesado para a parte, que é o de
demonstrar que houve a vontade de novar, pois o que normalmente acontece é a
subsistência das duas ações.

• Capacidade e legitimação das partes: todo o negócio jurídico


necessita que as partes sejam capazes, principalmente no caso de novação em que,
além da criação de uma obrigação, há a extinção de outra. A questão da
legitimação também é muito importante, pois o procurador só pode novar se tiver
poderes expressos para isso. A capacidade necessária é a de contratar e transigir,
pois há o perecimento da primeira obrigação.

5.4. Efeitos da Novação


O
principal efeito da novação tem como preceito precípuo a extinção da obrigação anterior em
relação ao seu principal e aos seus acessórios. Isso porque o acessório segue o principal, de
forma que, extinguindo-se o primeiro, extingue-se o segundo. Exemplo: juros.

O
segundo efeito, conforme previsto no artigo 364 do Código Civil, permite que as partes
expressamente convencionem no sentido de possibilitar a sobrevivência dos acessórios na
obrigação nova, o que pode acontecer em relação a arras, cláusula penal, juros etc. Tais
acessórios, porém, são novos, já que há uma nova obrigação entre as partes e, por serem
novos, não vinculam terceiros que, expressamente, não consintam. Aliás, o artigo 366 do
Código Civil, confirma a regra no sentido de que o fiador, devedor-acessório, apesar de ser
solidário, não pode ser executado na hipótese da novação sem o seu expresso consentimento.
Para isso, ele precisa prestar uma nova fiança. O mesmo se diz em relação ao artigo 364 do
Código Civil, que aborda os direitos reais em garantia e em relação à solidariedade, prevista
no artigo 365 do Código Civil.
6. DA COMPENSAÇÃO

6.1. Conceito
A
palavra "compensação" deriva do verbo compensar (pensare cum), e traz a idéia da balança
com um peso em cada um dos lados. Se os dois pesos forem iguais, haverá um perfeito
equilíbrio, anulando-se a obrigação. Se os pesos forem desiguais, o equilíbrio não ocorrerá até
a concorrência do peso mais fraco.

Compensação, portanto, é a extinção recíproca de obrigações até a concorrência dos


respectivos valores entre pessoas que são devedoras uma da outra. O artigo 368 do Código
Civil informa que, na hipótese em que duas pessoas forem, ao mesmo tempo, credoras e
devedoras uma da outra, haverá extinção das obrigações até o montante da compensação. Até
o ponto da equivalência haverá extinção das obrigações.

6.2. Espécies

Temos três espécies de compensação:

• legal: compensação que advém por mandamento de lei.

• voluntária: que ocorre por convenção entre as partes.

• judicial: que decorre de sentença do juiz em reconvenção.

A compensação convencional decorre apenas da vontade das partes. O Brasil não adota
esse sistema, porém o mesmo vem disposto no Código Suíço das Obrigações.

Importante esclarecer que, apesar de o Brasil não adotar o sistema da compensação


convencional, podem as partes convencionar a compensação, em que esta não ocorre por
faltar algum pressuposto para tal.

A
compensação judicial também é chamada reconvencional, porque o juiz verificará, em sede
de reconvenção, a matéria, hipótese em que, mesmo sendo uma dívida ilíquida, o juiz poderá
torná-la líquida e compensá-la. O Prof. Silvio Rodrigues discorda da possibilidade de o juiz
compensar créditos, pois ou eles existem por força da lei, ou não existem, e o juiz deve
abster-se de agir.
6.3. Pressupostos da Compensação

Para que a compensação opere de forma automática, independentemente da vontade das


partes, por força exclusiva da lei, precisa decorrer de pressupostos cumulativos e
indispensáveis à sua configuração:

• Reciprocidade das obrigações: é o elemento mais importante na


compensação, pois as obrigações contrapostas extinguem-se por haver direitos
opostos. É exatamente a hipótese em que duas pessoas são reciprocamente
credoras e devedoras uma da outra.

• Liquidez das dívidas: segundo o artigo 944 e seguintes do Código


Civil a obrigação líquida é certa quando a existência é determinada quanto ao
objeto. As dívidas devem ser líquidas, vencidas e fungíveis (artigo 369 do Código
Civil). Não é concebível a compensação se não há certeza e não se sabe o
montante da dívida. O Código Civil brasileiro não adotou a tese do Código
italiano, que permite a compensação da dívida ilíquida quando a liquidez for fácil e
rápida.

• Exigibilidade atual das prestações: é óbvio que a compensação só


pode ocorrer quando as dívidas estiverem todas vencidas, pois o devedor tem
direito ao prazo, não precisando o mesmo abrir mão para que se opere a
compensação. Se uma dívida está para vencer, impossível a compensação.
Exemplo: moratória.

• Fungibilidade dos débitos: não basta as prestações serem fungíveis,


devem também ser fungíveis entre si. Animais e produtos agrícolas são fungíveis,
porém não há compensação entre eles, pois não há homogeneidade. É necessário
que os objetos sejam permutáveis. O artigo 452 do Código Civil confirma que a
própria qualidade, além da espécie, pode ensejar a não-compensação.

6.4. Dívidas Não-compensáveis


O
artigo 375 do Código Civil determina que, no caso de renúncia de um dos
devedores, não poderá haver compensação. Apesar de a lei,
compulsoriamente, dispor da compensação, as partes podem dispensá-la por
ato unilateral de qualquer uma delas.

O
legislador, no artigo 373 do Código Civil, impediu a compensação nos seguintes casos:

• Se uma das causas provier de esbulho, furto ou roubo: tais


créditos são incompensáveis, pois não geram obrigações voluntárias, sendo de
fonte ilícita. Sendo o fato jurídico um fato ilícito, é certo que o ilícito não gera
conseqüências no mundo jurídico, gerando apenas responsabilidade.

P.: Há compensação quando o débito do agente do esbulho, furto ou roubo, for em


dinheiro, por ter se convertido em indenização?

R.:
Duas teses são defendidas. O Prof. Silvio Rodrigues entende que, no momento em que o
objeto criminoso deixou de ser coisa certa e se converteu em moeda, pode a compensação
ocorrer porque o credor não precisa perscrutar da origem do dinheiro.

• Se uma das dívidas se originar de comodato, depósito ou


alimentos: no caso de comodato, temos o empréstimo de um bem infungível, que é
incompensável. No depósito, a parte também tem obrigação de devolver a coisa
certa, não cabendo compensação. O débito alimentar é incompensável, pois o
mesmo tem a natureza de bens da personalidade a fim de garantir a sobrevivência
da pessoa.

• Se uma das dívidas for coisa não suscetível de penhora: se o


bem é impenhorável é porque está fora do comércio ou o legislador quis proteger o
devedor. Dessa forma, se houvesse a compensação, haveria a alienação, frustrando
o escopo da impenhorabilidade.

Por fim, as dívidas fiscais, conforme o artigo 374 do Código Civil, também não podem ser
compensadas.

6.5. Renúncia à Compensação


A
renúncia pode acontecer de maneira unilateral (artigo 375 do Código Civil), isso é, por
vontade de uma das partes, quando essa for a desfavorecida, ou de maneira bilateral (artigo
376 do Código Civil), por convenção das duas partes.

O
artigo 376 do Código Civil é supérfluo, pois as partes podem convencionar a compensação,
até porque estamos tratando de direitos disponíveis, ainda que os requisitos legais não estejam
presentes.

A
dificuldade está no prejuízo que a compensação pode trazer a terceiros. É bom deixarmos
assentado que a renúncia só pode ocorrer nesse caso se o terceiro, por exemplo, o fiador, não
restar prejudicado, sob pena de vedação do instituto.
A
renúncia unilateral impede a compensação (artigo 375 do Código Civil) anterior à efetivação,
pois, se fosse posterior, ressuscitaria a dívida por vontade de uma das partes, o que é
impossível. Ela ocorre quando o devedor previamente abre mão de benefícios que adviriam
da compensação.

7. DA TRANSAÇÃO

7.1. Conceito

Transação é o ato jurídico pelo qual as partes, fazendo concessões recíprocas, extinguem
obrigações litigiosas ou duvidosas.

O
artigo 840 do Código Civil menciona claramente que os litígios podem se extinguir por meio
de concessões mútuas. A transação, portanto, é um meio de concessões recíprocas.

P.:
Por que as partes optam pela transação?

R.:
Para evitar os riscos da demanda; para liquidar pleitos em que se encontram envolvidas; para
evitar a morosidade das lides.

7.2. Natureza Jurídica

Várias são as posições sobre a natureza jurídica da transação. Muitos encaram a transação
como um contrato, e vários Códigos europeus (França e Itália) discorrem sobre a transação no
capítulo dos contratos. No Brasil, o Código Civil disciplinou a matéria entre os modos de
extinção das obrigações.

Beviláqua diz que a transação é um ato jurídico bilateral, sendo um contrato, muito embora
também diga que não é propriamente um contrato.

Para Carnelucci a transação é a solução contratual da lide. É “o equivalente contratual da


sentença”, e o artigo 849 do Código Civil informa que a transação só se anula por vício de
vontade e não se anula por erro de direito.
7.3. Elementos de Transação
• Acordo entre as partes: é claro que, se a transação tem natureza
contratual, o acordo entre as partes, nesse negócio bilateral, é conditio sine qua
non da transação.

• A vontade de pôr fim em relações contrapostas: como já vimos,


conforme o artigo 840 do Código Civil a transação é a forma de extinção de
vontades contrapostas. É indispensável a existência de dúvida na relação jurídica,
poisas partes jamais fariam acordo se tivessem absoluta certeza de seus direitos.
Tal dúvida pode recair no resultado da demanda e em outros elementos incidentais,
ainda que a parte creia que será vitoriosa na demanda. Se não pairar nenhuma
espécie de dúvida, não há que se falar em transação.

Tanto isso é verdade que, se já há sentença transitada em julgado, é nula a transação quando
qualquer uma das partes não tenha ciência a respeito desse fato (artigo 850 do Código
Civil),porque, até o trânsito em julgado, não há mais res litigiosa.

• Concessões recíprocas: para haver transação, as partes precisam abrir


mão de seus direitos ou de parte deles. A parte sacrifica seu direito em prol de paz.

7.4. Formas de Transação

Existem duas espécies de transação:

• judicial: celebrada em juízo;

• extrajudicial: celebrada fora dele.

A transação judicial pode ser feita por termo nos autos, por meio de escritura pública ou,
ainda, por instrumento particular, conforme dispõe o artigo 842, do Código Civil.
A
transação extrajudicial deve ser feita por escritura pública, conforme o artigo 842 do Código
Civil ou, ainda, por escritura particular, quando não for exigida escritura pública. O Prof.
Washington de Barros Monteiro diz que não é necessária a forma sacramental nas hipóteses
de escrito particular, podendo constar de simples recibo.

7.5. Objeto da Transação

Segundo o artigo 841 do Código Civil a transação só existe em direitos patrimoniais de


caráter privado. Os bens fora do comércio e os bens de caráter privado, inclusive os
publicistas, estão eliminados do objeto da transação.
• Direitos personalíssimos: tanto os direitos personalíssimos quanto as
coisas inalienáveis não podem ser negociados. Incluímos, ainda, todos os bens e
direitos de família. Ex.: guarda de filho não pode ser transacionado com dinheiro.

• Ordem pública: todas as questões que envolvem ordem pública não


são transacionadas. A transação concernente a obrigações resultantes de delito não
perime a ação penal da Justiça Pública, mesmo se as partes fizerem acordo na
esfera cível, afora as hipóteses da Lei n. 9.099/95, na qual a transação penal põe
termo à própria ação penal. Nos demais casos não põem.

7.6. Efeitos da Transação


• Eficácia inter partes: por estarmos falando de contrato, a transação só
pode vincular as partes que, voluntariamente, se obrigam, motivo pelo qual a
transação não aproveita e nem prejudica os intervenientes e os interessados (artigo
844 do Código Civil).

• A transação é contrato extintivo: desaparecendo a obrigação litigiosa,


desaparecem os acessórios, inclusive a fiança. Por isso, o § 1.º do artigo 844
dispõe que, na compensação principal, restará desobrigado o fiador. Para
sobreviver à fiança, é indispensável a anuência expressa do fiador. O mesmo
acontece em relação aos devedores solidários, pois a transação feita por qualquer
um deles em relação ao credor, extingue com relação aos demais (artigo 844, § 3.º,
do Código Civil), sendo que, para manter obrigados os demais devedores, é
indispensável uma nova relação jurídica.

• Efeitos declaratórios da transação: a transação não transmite


direitos, apenas os reconhece e os declara (artigo 843 do Código Civil). O
legislador presume iures ad iure, presunção absoluta de que os direitos
reconhecidos na transação já estão incorporados no patrimônio de cada uma das
partes; portanto, não são passíveis de aquisição. Essa é uma ficção do direito, pois
na realidade as partes estão abrindo mão de parcelas de seus direitos na transação.
O efeito da transação é declaratório, não constitutivo.

8. CESSÃO DE CRÉDITO

8.1. Conceito
Cessão de crédito é um negócio jurídico bilateral, gratuito ou oneroso, pelo qual o
credor de uma obrigação (cedente) transfere, no todo ou em parte, a terceiro (cessionário),
independentemente do consentimento do devedor (cedido), sua posição na relação
obrigacional, com todos os acessórios e as garantias, salvo disposição em contrário, sem que
se opere a extinção do vínculo obrigacional.
Trata-se de um contrato em que o cedente transmite seu direito de crédito, no todo ou em
parte, ao cessionário, que o adquire, assumindo sua titularidade.

O
cedido (devedor) não intervém no negócio jurídico, pois sua anuência é dispensável. Basta
que se lhe comunique a cessão, para que se saiba quem é o legítimo detentor do crédito para
que se efetue o pagamento no momento oportuno. O cedente ou o cessionário notifica o
cedido.

8.2. Modalidades
• Gratuita ou onerosa: o cedente pode exigir ou não uma
contraprestação do cessionário.

• Total ou parcial: se total, o cedente transferirá todo o crédito; se


parcial, o cedente poderá permanecer na relação obrigacional, caso retiver parte do
crédito.

• Convencional, legal ou judicial: a convencional é a que decorre da


livre e espontânea declaração de vontade entre cedente e cessionário. A legal
resulta da lei, independentemente de qualquer declaração de vontade,
determinando, a mesma, a substituição do credor. Ex.: sub-rogações legais (artigo
346 do Código Civil). O sub-rogado adquire os direitos do credor primitivo. A
judicial advém da sentença judicial. Exemplo: sentença condenatória que supre
declaração de cessão por parte de quem era obrigado a fazê-la.

• “Pro soluto” e “pro solvendo”: cessão pro soluto é aquela em que há


quitação plena do débito do cedente para com o cessionário, operando-se a
transferência do crédito, que inclui a exoneração do cedente. O cedente transfere o
seu crédito com a intenção de extinguir imediatamente uma obrigação preexistente,
liberando-se dela, independentemente do resgate da obrigação cedida. O
cessionário corre o risco de insolvência do devedor (cedido), desde que o crédito
exista e pertença ao cedente, considerando-se extinta a dívida antiga desde o
instante da cessão. A cessão pro solvendo é a transferência de um direito de
crédito, feita com o intuito de extinguir uma obrigação, o que não acontecerá de
imediato, mas apenas na medida em que o crédito cedido for definitivamente
cobrado.

8.3. Requisitos
De
acordo com o artigo 104 do Código Civil, temos como requisitos a capacidade das partes, o
objeto lícito e a forma legal.
• Capacidade das partes: a cessão exige tanto a capacidade genérica
como a capacidade especial do cedente e do cessionário. O cedente precisa ter
poder de disposição. Se o cedente for incapaz, necessita de prévia autorização
judicial (artigo 1.691 do Código Civil). A cessão por procuração exige
instrumentos especiais. Tratando-se de cessão de direito real é necessária a
anuência expressa do outro cônjuge. O cessionário também deverá ter o poder de
tomar o lugar do cedente, pois estará adquirindo direito creditício. Exemplo: o
tutor não poderá, de nenhuma forma, constituir-se cessionário de crédito do pupilo
(artigo 1.749 do Código Civil).

• Objeto da cessão: qualquer crédito pode ser cedido (artigo 286 do


Código Civil). São incedíveis:

- direitos personalíssimos. Exemplo: créditos alimentícios, salários;

- direitos legalmente incedíveis. Exemplo: herança de pessoa viva (artigo 426 do


Código Civil), os pactos adjetos à compra e venda, como, por exemplo, pacto
de melhor comprador (artigo 1.158 do Código Civil de 1916);

- direitos convencionados com o devedor.

• Forma da cessão: o sistema legal não exige forma específica para a


cessão de crédito. A cessão é um negócio não solene, podendo ser aperfeiçoado
com a simples declaração de vontade do cedente e do cessionário. Para surtir
efeitos em relação a terceiros, de acordo com o artigo 288 do Código Civil, a
mesma deve ser celebrada por instrumento público ou particular. Se efetuada por
instrumento particular, deverá ser subscrita por duas testemunhas e transcrita no
registro competente (arts. 127 e seguintes da Lei de Registros Públicos).

8.4. Efeitos Jurídicos


• Entre as partes contratantes (cedente e cessionário): o cedente
assume uma obrigação de garantia, responsabilizando-se perante o cessionário pela
existência do débito ao tempo da cessão. O cedente responde:

- caso o crédito não exista no momento da cessão, o negócio será nulo por falta
de objeto;

- quando o cedente não for o titular do crédito;

- quando houver vício no crédito;

- quando o crédito for incessível.

São obrigações do cedente:


- prestar as informações solicitadas pelo cessionário;

- entregar os documentos para que o cessionário possa realizar o crédito.

O
principal efeito da cessão é transmitir para o cessionário a titularidade da relação jurídica.
Com o óbito do cedente, o cessionário poderá prosseguir na causa, juntando aos autos seu
respectivo título e provando sua identidade (artigo 404 do Código Civil). O cessionário terá
direito de promover a execução ou nela prosseguir (artigo 567, inciso II, do Código de
Processo Civil).

• Em relação ao devedor:

- antes da notificação: o devedor poderá pagar válida e legitimamente ao credor


originário como se não tivesse havido cessão. Aliás, até a notificação, o
cessionário só pode acionar o cedente (artigo 292 do Código Civil);

- após a notificação: a cessão passa a vincular o devedor ao cessionário, de tal


forma que deverá pagar o débito a ele. Se, por ventura, mais de uma cessão for
notificada, pagará ao cessionário que lhe apresentar o título da cessão da
obrigação cedida (artigo 292 do Código Civil). Caso nenhum cessionário
apresente o título da dívida, o devedor deverá consignar em juízo para obter a
exoneração. O devedor poderá opor as exceções tanto ao cessionário quanto ao
cedente. Se a obrigação for passível de anulação por vício, o devedor poderá
argüir tal exceção contra o cedente e contra o cessionário.
CURSO DO PROF. DAMÁSIO A DISTÂNCIA

MÓDULO IX

DIREITO CIVIL
Contratos

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DIREITO CIVIL

Contratos

Prof. Vitor Frederico Kümpel

1. INTRODUÇÃO

Fato jurídico é todo acontecimento que tenha relevância para o Direito. Esses
acontecimentos podem ser provenientes da Natureza (fatos naturais) ou da ação humana (atos
jurídicos).
A diferença entre fato jurídico e ato jurídico é que o primeiro é gênero do qual o último
é espécie.

Os atos jurídicos podem ser classificados em:


• ilícitos;

• lícitos.

Os atos jurídicos lícitos, por sua vez, dividem-se em:

• meramente lícitos, ou atos jurídicos em sentido estrito;

• negócios jurídicos.

Ambos contém declaração de vontade; a diferença encontra-se nos seus efeitos. No ato
jurídico em sentido estrito, os efeitos são previstos pela lei; no negócio jurídico, pelas partes.

Os negócios jurídicos podem ser:

• unilaterais: só há uma declaração de vontade (exemplos: testamentos,


promessa de recompensa, reconhecimento de paternidade de menores de 18 anos, emissão
de cheques etc.);

• bilaterais: há um acordo de vontades.

1.1. Conceito de Contrato


Contrato é um negócio jurídico bilateral, um acordo de vontades, com a finalidade de
produzir efeitos no âmbito do Direito.

1.2. Requisitos de Validade do Contrato


São os seguintes os requisitos de validade do contrato:

• agente capaz;

• objeto lícito, possível e determinado, ou pelo menos determinável, como,


por exemplo, a compra de uma safra futura;

• forma prescrita ou não defesa em lei.

O contrato ilícito é gênero, do qual o contrato juridicamente impossível é espécie. O


contrato juridicamente impossível só ofende a lei. Já os contratos ilícitos ofendem a lei, a
moral e os bons costumes.

O contrato de prostituição é um contrato juridicamente possível, mas ilícito.


Forma prescrita é a forma que a lei impõe, sendo de observação necessária se exigida.

1.2.1. Requisito especial dos contratos


É o consentimento, podendo ser expresso ou tácito.

O consentimento tácito ocorre quando se pratica ato incompatível com o desejo de


recusa.

Há contratos em que a lei exige o consentimento expresso, não valendo o silêncio


como aceitação. Aqui não se aplica o brocado: quem cala consente. Nada obsta que a lei
determine, em casos excepcionais, que o silêncio valha como aceitação tácita.

1.3. Princípios do Direito Contratual

1.3.1. Princípio da autonomia da vontade e princípio da supremacia da ordem


pública
Esses dois princípios devem ser vistos harmonicamente.
Autonomia da vontade é a liberdade de contratar. Os contratantes podem acordar o que
quiserem, respeitando os requisitos de validade do contrato.

Quando o Estado intervém nas relações contratuais, mitiga o princípio da autonomia da


vontade e faz prevalecer o princípio da supremacia da ordem pública. Exemplos:
Consolidação das Leis do Trabalho, Lei de Locações, Código de Defesa do Consumidor etc.
1.3.2. Princípio do consensualismo
O contrato considera-se celebrado com o acordo de vontades. A compra e venda de
bem móvel, por exemplo, é um acordo de vontades, sendo a tradição apenas o meio de
transferência da propriedade.

Há alguns contratos, no entanto, que exigem, para se aperfeiçoarem, além do acordo de


vontades, a tradição. São chamados contratos reais. Exemplos: mútuo (empréstimo de coisa
fungível), comodato (empréstimo de coisa infungível), depósito, doação de bens móveis de pequeno
valor (também chamada doação manual).

1.3.3. Princípio da relatividade


O contrato é celebrado entre pessoas determinadas, vinculando as partes contratantes. É
possível, entretanto, a alguém que não seja contratante exigir o cumprimento de um contrato. O
princípio da relatividade ocorre nas estipulações em favor de terceiro (exemplo: seguro de vida, em
que o beneficiário é terceira pessoa).

1.3.4. Princípio da obrigatoriedade e princípio da revisão dos contratos


Os contratos de execução prolongada no tempo continuam obrigatórios se não ocorrer
nenhuma mudança - Princípio rebus sic stantibus.

Opõe-se ao Princípio pacta sunt servanda - o contrato faz lei entre as partes.

A nossa legislação acolhe em parte a regra rebus sic stantibus, trazida pela Teoria da
Imprevisão, que tem os seguintes requisitos:

• contratos de execução prolongada;.

• fato imprevisível e geral;

• onerosidade excessiva.

A primeira atitude a ser tomada deve ser a revisão do contrato com a tentativa de se
restaurar as condições anteriores. Não sendo possível, rescinde-se o contrato.

1.3.5. Princípio da boa-fé


Até prova em contrário (presunção iuris tantum), presume-se que todo contratante está
de boa-fé.
1.4. Fases da Formação do Contrato
Os contratos começam com as negociações preliminares. Quanto maior o valor dos
bens, maiores serão as negociações preliminares.

Essas negociações não obrigam e não vinculam os contratantes, pois ainda não passam
de especulação de valores e condições.

É possível que, após essa fase, surja, de um dos contratantes, uma proposta, a qual vinculará
o proponente. Essa proposta também é chamada policitação ou oblação. Quem faz a proposta deve
sustentá-la.
O Código Civil faz distinção entre proposta feita a pessoa presente e proposta feita a pessoa
ausente.
Se a proposta é feita a uma pessoa presente e contém prazo de validade, esse deve ser
obedecido; se não contém prazo, a proposta deve ser aceita de imediato. É o famoso “pegar ou
largar”.
Se a proposta é feita à pessoa ausente, por carta ou mensagem, com prazo para
resposta, esta deverá ser expedida no prazo estipulado. Se a proposta não fixar prazo para
resposta, o Código Civil dispõe que deve ser mantida por tempo razoável (que varia de
acordo com o caso concreto). Núncio é o nome que se dá ao mensageiro.

A proposta feita por telefone é considerada "entre presentes". A proposta feita pela
Internet é considerada "entre ausentes".

A proposta ainda não é o contrato: este só estará aperfeiçoado quando houver a


aceitação.

A aceitação da proposta "entre ausentes" pode ser feita por carta ou telegrama,
aperfeiçoando-se o contrato quando da expedição daqueles.

Existem outras teorias a respeito da aceitação da policitação entre ausentes, teorias da


Declaração, da Recepção e da Cognição, porém não foram adotadas pelo nosso sistema.

É possível arrepender-se da aceitação feita por carta, bastando para isso que a
retratação chegue ao conhecimento da outra parte antes ou concomitante à aceitação (artigo
433 do Código Civil).

O Decreto-lei n. 58/37 dispõe que os contratos de compromisso de compra e venda de


imóveis loteados são irretratáveis e irrevogáveis, salvo previsão em contrário.

Segundo a Súmula n. 166 do Supremo Tribunal Federal, é inadmissível o arrependimento no


compromisso de compra e venda sujeito ao regime do Dec.-lei n. 58 de 10.12.1937. O compromisso
de compra e venda de imóvel loteado é sempre irretratável e irrevogável.
O compromisso de compra e venda de imóvel não-loteado é irretratável e irrevogável,
salvo previsão em contrário. Há, portanto, a possibilidade de o contrato ter cláusula de
retratação.

Se o vendedor se recusa a passar a escritura, o comprador pode requerer a sua


adjudicação compulsória.
1.5. Peculiaridades dos Contratos Bilaterais
Os contratos bilaterais são aqueles que geram obrigações recíprocas para os contratantes.

1.5.1. Contratos bilaterais com prestações simultâneas


Nesses contratos, nenhum dos contratantes pode exigir judicialmente a prestação do outro
enquanto não tiver cumprido a sua (artigo 476 do Código Civil). A parte contrária defende-se
alegando a exceção do contrato não cumprido – exceptio non adimpleti contractus.
Deve ser argüida na contestação. É uma exceção e não uma objeção, pois o juiz não
pode conhecê-la de ofício.

Há quem diga que a exceção do contrato não cumprido configura falta de interesse de
agir, devendo o processo ser extinto sem exame do mérito. Há vozes no sentido de existir, na
hipótese, julgamento de mérito. Em ambos os casos é permitida a repropositura da ação,
desde que a parte cumpra primeiro sua obrigação.

É possível argüi-la tanto se o autor não cumpriu sua parte no contrato como se a
cumpriu incorretamente.

Se o contrato não for cumprido corretamente, a defesa se chama exceptio non rite
adimpleti contractus. Também gera a extinção da ação.

1.6. Arras
Arras é o sinal depositado por um dos contratantes no momento em que o contrato é
celebrado.

Tem natureza de contrato real, só se aperfeiçoa com a efetiva entrega do valor ao outro
contratante.

As arras não se confundem com a cláusula penal, que tem natureza de multa.

Há dois tipos de arras: penitenciais e confirmatórias. O ponto em comum que existe


entre as arras penitenciais e as arras confirmatórias é a simultaneidade à celebração do
contrato, devendo haver a efetiva entrega da quantia.

As arras penitenciais aparecem se no contrato constar cláusula de arrependimento.


Caso contrário, as arras serão sempre confirmatórias.

a) Arras penitenciais
Previstas no artigo 420 do Código Civil, atuam como pena convencional quando as
partes estipularem o direito de arrependimento, prefixando as perdas e danos.

Se quem desistir do contrato for quem deu as arras, perdê-las-á; se quem desistir for
aquele que as recebeu, deverá devolvê-las em dobro.

Não gera direito de exigir perdas e danos, pois estas funcionam como prefixação
daquelas. Não há possibilidade de desistir das arras para pedir perdas e danos.

b) Arras confirmatórias

De acordo com o artigo 417 do Código Civil, as arras confirmatórias têm a função de
confirmar o contrato e torná-lo obrigatório.Não se confundem com prefixação de perdas e
danos. Se houver rescisão do contrato, aquele que deu causa responderá por perdas e danos,
nos termos do artigo 396 do Código Civil.

Se quem inadimpliu o contrato foi quem recebeu as arras, cabe ao outro contratante
pedir rescisão do contrato mais perdas e danos e a devolução das arras. Se o inadimplemento
for de quem deu as arras, o valor das perdas e danos será abatido desse montante.
1.7. Classificação dos Contratos

1.7.1. Unilateral e bilateral


O critério diferencial é o número de obrigações. Os contratos unilaterais geram obrigação
apenas para um dos contratantes. Os contratos bilaterais geram obrigações recíprocas, são chamados
contratos sinalagmáticos.

1.7.2. Gratuito e oneroso


Diferenciam-se no que diz respeito à vantagem patrimonial. Os contratos gratuitos trazem
vantagens econômicas e patrimoniais somente para um dos contratantes (exemplo: doação pura); os
onerosos, para ambos (exemplos: compra e venda; seguro de vida etc.).
Via de regra, o contrato bilateral é oneroso, e o unilateral, gratuito.
No Brasil só existe um contrato unilateral e gratuito: é o contrato de mútuo feneratício
(empréstimo de dinheiro a juros).
É contrato unilateral porque se aperfeiçoa com a entrega do numerário ao mutuário, não
bastando o acordo de vontades. Feita a entrega, o mutuante exime-se de sua obrigação, restando
apenas deveres ao mutuário.
Os contratos onerosos subdividem-se em:

• comutativos: aqueles de prestações certas e determinadas; no momento


da celebração, as partes já conhecem suas vantagens e desvantagens;

• aleatórios: aqueles que, no momento da celebração, as partes não


conhecem as suas vantagens e desvantagens. Há sempre um elemento de risco
neles. Exemplo: compra e venda da safra de arroz do ano seguinte.

1.7.3. Paritários e de adesão


No contrato paritário as partes têm possibilidade de discutir, estabelecer cláusulas, modificá-
las.
O contrato de adesão é o contrato redigido inteiramente por uma das partes; a outra apenas
adere a ele. O Código de Defesa do Consumidor (Lei n. 8.078/90) regulamenta e conceitua essa
espécie de contrato no seu artigo 54.
A interpretação dos contratos de adesão, quando de cláusulas obscuras, deve ser em favor do
aderente. Exemplos: contrato de cláusulas abusivas (artigo 51 do Código de Defesa do Consumidor):
• eleição de foro, só vale se não trouxer prejuízo ao aderente;

• cláusula que impõe a perda das parcelas pagas;

cláusula de plano de saúde que restringe cobertura de doenças epidêmicas e AIDS.


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1. EFEITOS DOS CONTRATOS

1.1. Vícios Redibitórios (artigos 441 a 446 do Código Civil)


Vícios redibitórios são os defeitos ocultos que existem em um determinado bem,
tornando-o impróprio ao uso a que se destina, ou diminuindo-lhe o valor.

A coisa já é adquirida com um defeito oculto. Se o defeito é aparente, presume-se que


o comprador o conheça.

No presente texto serão estudados os vícios previstos no Código Civil.

1.1.1. Diferença entre vício redibitório e erro


• Erro é a falta de percepção da realidade. No erro a pessoa adquire uma coisa que
não é a que desejava. Vale o brocardo popular: a pessoa compra “gato por lebre”.

• No vício redibitório a pessoa compra exatamente o que queria, porém a coisa vem
com defeito oculto.

• No erro, a coisa não tem nenhum defeito; apenas não corresponde ao desejo íntimo
da pessoa. É subjetivo.

• No vício redibitório o erro recai na coisa. Daí dizer-se que é objetivo.

1.1.2. Fundamento jurídico

Ensina o Prof. Carlos Roberto Gonçalves que “o fundamento da responsabilidade pelos vícios
redibitórios encontra-se no princípio de garantia, segundo o qual todo alienante deve
assegurar ao adquirente, a título oneroso, o uso da coisa por ele adquirida e para os fins a que
é destinada. A ignorância dos vícios pelo alienante não o exime da responsabilidade, salvo se
esta foi expressamente excluída, de comum acordo (CC, art. 443)”.
1.1.3. Requisitos do vício redibitório
a) Só existe em contrato comutativo

É subespécie de contrato oneroso. É aquele contrato em que, no momento da celebração, os


contratantes já sabem quais são suas vantagens e desvantagens.
b)
O vício tem de ser oculto

Vício oculto é aquele que não é percebido quando um homem normal examina a coisa.
c) A existência do vício deve ser anterior ao contrato

d)
O vício deve tornar a coisa imprópria ao uso a que se destina, ou lhe reduzir o valor

1.1.4. Ações edilícias


Havendo vício redibitório cabem ações edilícias.Essas ações podem ser:
• Ação redibitória: objetiva rescindir o contrato;

• Ação quanti minoris ou estimatória: o comprador fica com a coisa, mas com o
valor reduzido, ou seja, com abatimento no preço. A opção cabe ao adquirente.

Pode-se mover a ação edilícia esteja o vendedor de má-fé ou boa-fé. Se o vendedor agiu de
má-fé, pode-se pedir a restituição do que o mesmo recebeu, ou a redução do valor, cumulada com
pedido de perdas e danos. Se estava de boa-fé, cabe ao adquirente pedir somente a rescisão do
contrato ou o abatimento no preço.

1.1.5. Observações
Quando ocorre erro, a ação cabível é a ação anulatória, que tem prazo prescricional de quatro
anos, contados da efetivação do negócio.
Não pode reclamar por vício redibitório quem adquirir a coisa em hasta pública, pois se trata
de uma venda forçada, sendo injusto permitir essa ação contra o expropriado do bem.
O Código Civil, sensível à necessidade de alterar prazos, estabeleceu no artigo 445 que o
direito de obter a redibição ou abatimento no preço decai no prazo de 30 dias se a coisa for móvel ou
de um (1) de for imóvel. O prazo é contado da entrega efetiva, e da alienação reduzido à metade se
quando o negócio jurídico o comprador já estava na posse do bem. Para o vício oculto o prazo só
conta do momento em que ele se exterioriza, estabelecendo-se um prazo máximo de 180 dias para
exteriorizar nos bens móveis, e em um ano se foram imóveis.

1.2. Evicção (artigos 447 a 457 do Código Civil)


Segundo o Prof. Carlos Roberto Gonçalves: “Evicção é a perda da coisa em virtude de
sentença judicial, que a atribui a outrem por causa jurídica preexistente ao contrato”.
Exemplo: quando o agente compra um carro furtado e a Polícia o apreende o adquirente ficará
sem o carro e sem o dinheiro. “O art. 447 do Código Civil prescreve que, nos últimos
contratos onerosos, o alienante será obrigado a resguardar o adquirente dos riscos da perda da
coisa para terceiro, por força de decisão judicial em que fique reconhecido que aquele não era
o legítimo titular do direito que convencionou transmitir”.
1.2.1. Requisitos da evicção
a) Somente existe em contrato oneroso

Se ocorre em contrato gratuito, o adquirente não está sofrendo prejuízo.

b) Perda da propriedade, posse ou uso do bem

c) A causa da evicção deve ser anterior ao contrato

De acordo com o Prof. Carlos Roberto Gonçalves: “O alienante só responde pela perda
decorrente de causa já existente ao tempo da alienação”.

Exemplo: A é dono de um terreno. A celebra um contrato de compra e venda com B.


Ocorre que C habitava o terreno. C move ação de usucapião contra B. B tem ação de evicção
contra A? Depende, se os requisitos do usucapião tiverem sido preenchidos antes da venda, B
terá ação contra evicção sofrida por causa de A. Se os requisitos não estavam preenchidos na
época da venda, B não tem direitos e deverá arcar com os prejuízos.

d) Sentença que atribua o bem a terceira pessoa

A apreensão administrativa também gera a evicção. Deve ser ato de autoridade


judiciária ou administrativa.

e) Denunciação da lide (artigo 70, inciso I, do Código de Processo Civil)

Para grande parte da doutrina é a única hipótese em que a denunciação da lide é


obrigatória.

Exemplo: C vende a B um imóvel, mas A acha que o imóvel é seu. Se A move uma
ação reivindicatória contra B e essa é julgada procedente, B sofrerá evicção. Para B
resguardar-se da evicção, deve promover a denunciação da lide de C. O denunciante é o
comprador que corre risco de sofrer a evicção. O denunciado é o vendedor. Se B não
denuncia, perderá o direito ao ressarcimento dos prejuízos sofridos com a evicção.

Tratando-se de ação de procedimento sumário, não cabe nenhuma modalidade de


intervenção de terceiros, salvo a assistência; portanto, não cabe a denunciação da lide. Os prejuízos
da evicção serão requeridos por meio de ação autônoma.
A denunciação da lide é decorrente da evicção; portanto, deve ser obrigatória quando
for possível; não o sendo, os prejuízos da evicção são requeridos por meio de ação autônoma.

A pessoa que sofre a evicção tem direito de cobrar do vendedor os seguintes valores:
• restituição integral do preço pago;

• se o vendedor vendeu o bem de má-fé, o comprador pode requerer perdas e danos;

• custas e honorários; a pessoa que deu causa à evicção poderá ser condenada nos
honorários da denunciação da lide e a ressarcir o comprador dos honorários
advocatícios que despendeu com a ação principal; o comprador não sofrerá
nenhum prejuízo.

1.2.2. Evicção parcial (artigo 455 do Código Civil)


É sofrer a evicção de uma parte do bem que foi objeto do contrato.
Havendo evicção parcial, se essa for de parte considerável do objeto, o evicto pode
optar entre requerer a rescisão do contrato e o dinheiro de volta, ou ficar com o que sobrou do
objeto e pedir abatimento no preço, o qual será proporcional à perda.

Se a evicção parcial for de pequena área, não considerável, o evicto só poderá pedir
abatimento no preço.

2. EXTINÇÃO DOS CONTRATOS (artigos 472 a 480 do Código Civil)

A
classificação e delimitação das formas de extinção dos contratos é controvertida. Seguindo a
orientação mais completa e didática trazida pelos Professores Carlos Roberto Gonçalves,
Maria Helena Diniz e Orlando Gomes, tem-se o seguinte gráfico:
instantânea

FORMA NORMAL DE EXTINÇÃO –

execução

diferida

continuada

absoluta


nulidade

relativa


Anteriores ou

contemporâneas

expressa

ao
contrato –
condição

resolutiva
tácita

direito de arrependimento
FORMA

ANORMAL

DE


inadimplemento voluntário
EXTINÇÃO


Resolução

inadimplemento involuntário


onerosidade excessiva


Supervenientes

bilateral

à
formação –
Resilição

do
contrato

unilateral

– Morte de um dos contratantes


– Rescisão

2.1. Forma Normal de Extinção dos Contratos


O
contrato extingue-se, em regra, com o cumprimento do seu objeto. A execução pode ser
instantânea (pagamento à vista, entrega imediata de um bem etc.), diferida (entrega do bem
no mês seguinte), ou continuada (pagamento em prestações).

O
cumprimento do contrato é provado pela quitação, feita pelo credor de acordo com o artigo
320 do Código Civil.

2.2. Forma Anormal de Extinção dos Contratos

Ocorre com a inexecução do contrato por fatores anteriores, concomitantes ou supervenientes


a ele.

2.2.1. Causas anteriores ou contemporâneas ao contrato

a) Nulidade

O não-preenchimento dos requisitos necessários à perfeição do contrato gera sua


nulidade. As condições a serem observadas para validade do acordo são: capacidade das
partes e livre consentimento (subjetivos); objeto lícito e possível (objetivos); forma prescrita
em lei (formal).

A nulidade decorrente da não-observação dessas exigências pode ser absoluta –


quando ferir norma de ordem pública, ou relativa – quando o vício contido for passível de
convalidação.

b) Condição resolutiva

Deve ser verificada judicialmente e pode ser tácita – os artigos 475 a 477, do Código
Civil, permitem à parte lesada pelo inadimplemento requerer a rescisão do contrato com
perdas e danos, ou expressa – quando convencionadas pelas partes as conseqüências da
inexecução do contrato.

Todo contrato bilateral possui, implicitamente, cláusula resolutiva tácita.

c) Direito de arrependimento

As partes podem ajustar, expressamente, o direito de arrependimento, que possibilita a


extinção do contrato sem que seja cumprido. Os efeitos do arrependimento estão previstos no
artigo 420 do Código Civil.
2.2.2. Causas supervenientes ao contrato

a) Resolução

− Por inadimplemento voluntário: sucede da culpa de uma das partes, que não
cumpre o avençado, causando prejuízo ao outro contratante. As conseqüências
estão previstas nos artigos 476 e 477, do Código Civil, sujeitando ainda o
inadimplente à cláusula penal (arts. 409 e seguintes do Código Civil).

− Por inadimplemento involuntário: origina-se no caso fortuito ou força maior,


de acordo com o artigo 393 do Código Civil; o devedor não responde pelos
prejuízos ocasionados, salvo na hipótese do artigo 399 do Código Civil – se
estiver em mora e não conseguir demonstrar que o dano sobreviria mesmo que
a obrigação fosse cumprida a seu tempo.

− Por onerosidade excessiva: deve decorrer de fato extraordinário; extingue o


contrato pela aplicação da teoria da imprevisão, que impõe a regra rebus sic
stantibus.

b) Resilição (artigos 472 e 473 do Código Civil)

Deriva da manifestação de uma ou ambas as partes. A manifestação bilateral verifica-


se no distrato, e a unilateral é vista como exceção, porque, em regra, apenas um contratante
não pode romper o avençado.

c) Morte de um dos contratantes

É forma de extinção anormal dos contratos personalíssimos, que não permitem a


execução pelos sucessores do de cujus.

d) Rescisão

Utilizado como sinônimo de resolução e resilição, trata-se de modo específico de


extinção de certos contratos celebrados em estado de perigo (quando uma parte tem a
intenção de prejudicar a outra com o contrato), ou decorrentes de lesão (quando uma parte
aproveita-se da inexperiência ou necessidade da outra para auferir vantagem).
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1. CONTRATO DE COMPRA E VENDA

1.1. Conceito
Contrato de compra e venda é o contrato pelo qual o vendedor se obriga a entregar um bem
corpóreo ou incorpóreo, e o comprador compromete-se a pagar o preço em dinheiro ou valor
fiduciário correspondente (título de crédito).
O contrato de compra e venda não transfere a propriedade: trata-se de um justo título, uma
causa para que a propriedade se transmita. O artigo 481 do Código Civil demonstra que o acordo
apenas obriga as partes reciprocamente, ocorrendo a transmissão do domínio com a tradição (para
bens móveis, artigo 1.267, parágrafo único, do Código Civil), ou registro (para imóveis, artigo 1.246
do Código Civil).

1.2. Características do Contrato de Compra e Venda


• Bilateral: gera obrigação para ambos os contratantes;

• Oneroso: os contraentes auferem vantagem que corresponde a um sacrifício,


existindo equilíbrio econômico;

• Consensual: a manifestação de vontade torna perfeito o contrato (artigo 482 do


Código Civil);

• Informal: não exige forma predeterminada, salvo se o bem for imóvel;

• Comutativo e aleatório: em princípio é comutativo – pode-se antever as


obrigações das partes; no entanto, será aleatório na incidência dos artigos 458 a
461 do Código Civil.

Contrato aleatório, como o próprio nome explica, é aquele que possui uma álea (risco,
sorte) que torna impossível a previsão da prestação de uma ou das duas partes.

Há dois tipos de álea no contrato de compra e venda:


a) Álea de coisa futura

É aquela em que o risco recai sobre um objeto que não existe no plano real, no momento da
manifestação de vontade. Existem duas hipóteses de coisa futura:
• Artigo 458 do Código Civil – emptio spei (esperança de venda): o objeto é
imaterial, existindo mera probabilidade de sua existência. No momento do
cumprimento da obrigação (por exemplo, lançar a rede para pegar os peixes), o
comprador obriga-se a pagar pelo lanço, ainda que nada advenha.

• Artigo 459 do Código Civil – emptio rei speratae (esperança sobre a coisa
vendida): compra-se um objeto futuro indeterminado em sua quantidade (diz a lei)
e qualidade (acrescenta a doutrina). Tomando o exemplo anterior, o comprador
obriga-se a pagar pelo peixe, não pelo lanço da rede, o que traz maior segurança
para o comprador.

Obsesrvação: o artigo 1.119 do Código Civil contém um erro gráfico em seu parágrafo
único – não é adquirente, é alienante. O erro foi corrigido na atual redação do parágrafo único
do artigo 459.

b) Álea de coisa exposta a risco

O objeto é certo e determinado; porém nem o comprador nem o vendedor conhecem


sua qualidade no momento do cumprimento da prestação.

Dispõe o artigo 460 do Código Civil que, se o risco for assumido pelo adquirente, o
alienante terá direito ao preço, ainda que a coisa não exista, no todo ou em parte, no instante
do cumprimento do contrato – por exemplo, envio de mercadoria por meio de transporte de
segurança duvidosa.

1.3. Elementos do Contrato de Compra e Venda

1.3.1. Objeto

a) Existência

A existência deve ser real ou potencial.


b) Comerciabilidade

O objeto deve estar no comércio. Estará fora do comércio se a lei, a ordem natural ou a
vontade das partes (cláusula de inalienabilidade – artigo 1.911 do Código Civil) assim
estipular. Não se pode colocar cláusula de inalienabilidade em negócio oneroso; somente em
doação ou testamento.

c) Exeqüibilidade

O objeto deve ser possível de ser levado à hasta pública e possuir liquidez; para isso
deve-se conhecer o gênero e a quantidade.

d) Transferibilidade

Poder que o vendedor tem sobre a coisa para transmiti-la ao comprador. Exceção:
transferibilidade retroativa – ocorre quando o alienante transfere a propriedade de um bem
que adquirirá posteriormente. Exemplo: A empresta uma caneta para B, que a vende para C
(alienação de coisa alheia, não permitida pelo nosso Direito); acontece que, em ato seguinte,
A vende a caneta a B – deu-se, então, a superveniência do domínio que torna perfeita a
alienação de B para C.

1.3.2. Preço

a) Pecuniariedade

O bem deve permitir sua conversão imediata em dinheiro.

b) Seriedade

Seriedade é a equivalência do preço com o objeto.

c) Certeza

É a determinação do preço no momento da manifestação de vontade das partes.


Exceções:

• quando houver fator de indexação (preço estabelecido em bolsa ou mercado de


balcão);
• quando as partes nomearem árbitro, mandatário, para fixar o preço. Esse
mandato é irrevogável.

1.3.3. Consentimento
O consentimento é uma limitação subjetiva ao poder de contratar e requer capacidade
das partes.

Um cônjuge não pode alienar bem imóvel ao outro cônjuge (fere o regime de bens).
Dissolvido o casamento, não há qualquer impossibilidade. Ainda: um cônjuge somente
poderá alienar um bem imóvel com expressa autorização do outro.

O ascendente, para alienar um bem a um descendente, precisa da expressa anuência


dos demais descendentes, sob pena da anulabilidade da compra e venda. Para doação não há
necessidade de anuência.

Ocorrendo a venda, o bem não é chamado à colação, visto ter havido pagamento em
troca do bem.

• Doação aos descendentes: há presunção de que recai sobre a legítima;

• Doação a terceiros: sai da parte disponível.

1.4. Efeitos da Compra e Venda


O vendedor deverá fazer a entrega da coisa e o comprador pagar o preço.

Se houver ausência de determinação no contrato, o comprador deve pagar primeiro,


seguindo-se a entrega do objeto pelo vendedor (artigo 491 do Código Civil).

No caso de perecimento do bem, quem perde é o vendedor (res perit domino – a coisa
perece para o dono), se ainda não ocorreu a tradição da coisa móvel ou o registro do imóvel.

1.5. Compra e Venda de Imóveis

a) Ad corpus

É aquela em que o comprador adquire um bem certo e determinado,


independentemente da metragem desse objeto, como, por exemplo, compra do imóvel X, seja
qual for sua medida.

b) Ad mensuram
A metragem é fator essencial do negócio; o preço é avaliado com base na extensão do
imóvel.

O nosso sistema autorizou as duas hipóteses: quando houver dúvida, o juiz deve
considerar a venda como um todo, ad corpus, sendo a referência dimensional apenas
enunciativa, conforme dispõe o § 1.º do artigo 500, do Código Civil.

O Código de Defesa do Consumidor proíbe a compra e venda ad corpus, pois a


publicidade e as informações as sempre essenciais.

O Código Civil, no artigo 501, estabeleceu que o prazo para propor ação redibitória ou
ação "quanti minoris" ou mesmo a "actio ex empto" (complemento da área) é de um (1) ano
decaindo a contar do registro do título. Lembre que o prazo anterior era de 20 (vinte) anos.

1.6. Cláusulas Especiais da Compra e Venda


Cláusulas especiais da compra e venda são preceitos que implicam uma variabilidade
no contrato de compra e venda, dando poder de disposição às partes contratantes. As
cláusulas podem ser adjetas ou adjetivas.

1.6.1. Retrovenda
Cláusula acessória, acidental ou adjeta é a que vem unida ou jungida à principal,
estando subordinada a ela. A retrovenda ou pactum de retrovendum é a cláusula adjeta à
compra e venda, pela qual o vendedor se reserva o direito de reaver, em certo prazo, o imóvel
alienado, restituindo ao comprador o preço, mais as despesas por ele realizadas, inclusive as
empregadas em melhoramentos do imóvel (artigos 505 e seguintes. do Código Civil).

Exemplo: Fulano, em dificuldade financeira transitória para arranjar capital, vende seu
imóvel a Sicrano, sob a condição de recobrá-lo no prazo pactuado ou legal, mediante
restituição do preço e demais despesas feita pelo comprador.

O pacto de retrovenda só é admissível se o objeto for bem imóvel e torna a propriedade


resolúvel, já que tem o condão de restituir as partes ao status quo ante. O imóvel vendido
retorna ao patrimônio do alienante que restituir ao adquirente o preço e todas as demais
despesas, inclusive as de escritura, impostos de transmissão de bens imóveis, emolumentos de
registro e melhoramentos.

O vendedor conserva ação contra terceiros adquirentes do imóvel em que se estipulou


a retrovenda, ainda que esses desconheçam a cláusula de retrato (artigo 507 do Código Civil);
isso ocorre porque o comprador tem propriedade resolúvel do imóvel (artigo 1.359 do Código
Civil). É o próprio exercício do direito de seqüela do vendedor que, pelo princípio da
aderência, buscará o bem onde quer que se encontre. Resolve-se a propriedade mesmo que o
pacto de retrovenda não tenha sido averbado no Registro Imobiliário.
Dispõe o artigo 505 do Código Civil que o prazo para o retrato não pode exceder três
anos, reputando-se não-escrito o excesso convencionado pelas partes e presumindo-se
estipulado o máximo do tempo se os contratantes silenciarem.

1.6.2. Venda a contento e sujeita a prova


A venda a contento é a cláusula que subordina o contrato à condição de ficar desfeito o
negócio se o bem não agradar o comprador. É a venda que se realiza sob a condição de só se
tornar perfeita e obrigatória se o comprador declarar que a coisa adquirida lhe satisfaz. O
comprador precisa aceitar o bem alienado.

Qualquer que seja o objeto, é possível estabelecer a cláusula que terá mais eficácia nos
contratos de gêneros que se costuma provar, medir, pesar, ou experimentar antes de aceitos
(artigo 509 do Código Civil). Exemplo: venda de roupas sob medida.

Nesses contratos estabelece-se uma condição suspensiva, não se aperfeiçoando a avença até
que o adquirente se sinta satisfeito. É possível, porém, o estabelecimento de cláusula resolutiva,
dissolvendo-se o contrato ante o desagrado do comprador. Se estabelecida a condição suspensiva, o
comprador assume a condição de comodatário (artigo 511 do Código Civil), com o dever de restituir
a coisa que lhe foi emprestada, respondendo por perdas e danos em caso de culpa ou mora. O
comprador não se responsabiliza pelo caso fortuito.

1.6.3. Preempção
A preempção ou preferência, de acordo com Caio Mário, é o pacto adjeto à compra e
venda em que o comprador de coisa móvel ou imóvel fica com a obrigação de oferecê-la a
quem lha vendeu, para que esse use de seus direitos de prelação em igualdade de condições,
no caso de pretender vendê-la ou dá-la em pagamento (artigo 513 do Código Civil). Tal
cláusula dá ao vendedor a condição de readquirir o bem que já foi seu, caso o comprador
resolva aliená-lo.

O prazo decadencial varia conforme a natureza do objeto: tratando-se de bem móvel, decai em
três dias; se bem imóvel, em sessenta dias, contados da oferta, isto é, da data em que o comprador
notifica o vendedor (artigo 516 do Código Civil). Ressalte-se que o prazo anterior para o bem imóvel
era de 30 dias segundo o velho artigo 1.153. Após esse prazo, o comprador poderá vender a terceiros.

P.: É possível a prelação parcial?

R.: Segundo Caio Mário, não é possível. Porém, se a pessoa adquiriu cotas ideais de
diversos condôminos, a preferência poderá ser exercida pró-parte.

Se o comprador não notificar o vendedor da alienação, responderá por perdas e danos (artigo
518 do Código Civil). O atual dispositivo legal acresceu que o adquirente responde solidariamente
quando procede de má-fé. Tal disposição não existia no Código Civil de 1916. Não é possível ao ex-
proprietário reaver o bem e somente será indenizado pelas perdas e danos. O mesmo ocorre na
desapropriação, caso o poder expropriante pretender vender o imóvel expropriado e deixar de
oferecê-lo ao ex-proprietário pelo mesmo preço. O expropriado tem cinco anos para mover ação de
retrocessão, pleiteando perdas e danos – que consistem no valor do bem no instante que deveria ter
sido oferecido ao expropriado, caso o expropriante respeitasse a preferência.

1.6.4. Pacto de melhor comprador


O instituto foi revogado pelo atual Código Civil, porém era previsto no sistema
anterior e deve ser mantido apenas para um conhecimento histórico –evolutivo.

O pacto de melhor comprador ou pactum addictiones in diem era a estipulação em que


se dispunha que a venda de imóvel ficaria desfeita caso se apresente, dentro do prazo não
superior a um ano, outro comprador oferecendo preço mais vantajoso.

O prazo de um ano era decadencial, não se prorrogando nem se suspendendo.

1.6.5. Pacto comissório


O instituto acima era previsto pelo Código Civil de 1916, não tendo sido acolhido pelo
atual sistema legal, pelo simples fato do instituto da compra e venda com reserva de domínio
ser muito mais moderno e abarcar todas as situações prestigiadas pelo pacto comissório. A
manutenção do instituto também tem apenas um cunho histórico – evolutivo. A venda com
reserva de domínio, muito embora prevista pelos artigos 521 a 528 do Código Civil, não deve
ser estudada no Direito Civil, pois já que se trata de instituto processual devendo ser
analisado quando da análise modular do Código de Processo Civil.

O pacto comissório, pactum de comissium, era a cláusula inserida no contrato pela qual
os contraentes anuíam que a venda se desfizesse, caso o comprador deixasse de cumprir suas
obrigações no prazo estipulado.

A venda remanescia sob condição resolutiva; se no prazo estipulado o comprador não pagasse
o preço, poderia o vendedor desfazer o negócio ou pedir o preço.
O vendedor podia optar, no caso de inadimplemento, em pedir o preço ou desfazer a venda,
sendo que, passados dez dias do vencimento do prazo e não existindo reclamação do preço pelo
vendedor, estaria desfeito o negócio. Desnecessária era a interpelação para a constituição em mora.
Prescindia de pronunciamento judicial resolutório do contrato, porque esse produzia seus
efeitos automaticamente. Desfeita a venda, a coisa voltava a integrar o patrimônio do vendedor, que
repunha ao comprador as quantias que dele recebeu. Nada impedia que o direito do vendedor fosse
exercido pelos seus sucessores e contra os sucessores do comprador.

1.6.6. Da venda sobre documento


É uma nova cláusula especial estabelecida nos artigos 529 a 532 do Código Civil. É
uma modalidade de compra e venda na qual a tradição da coisa é ficta, isto é, é substituída
pela entrega de um título que representa o objeto do contrato de compra e venda.
O comprado ao receber o documento, que corresponde ao objeto não pode se recusar
em pagar o preço. O pagamento deve ser feito na data e no local da entrega do documento, já
que a entrega do documento é a entrega do próprio objeto.

2. CONTRATO DE TROCA OU PERMUTA

2.1. Conceito
Segundo Clóvis Bevilácqua, contrato de troca ou permuta é o contrato pelo qual as
partes se obrigam dar uma coisa por outra que não seja dinheiro.

2.2. Características
É um contrato bilateral, oneroso, comutativo, consensual e informal (salvo se um dos
bens for imóvel, quando será realizado por escritura pública).

A propriedade não se transfere com o contrato, mas sim com a tradição (bem móvel)
ou registro (bem imóvel).
2.3. Objeto
São dois os bens objeto da permuta. Não haverá escambo se a obrigação de uma das
partes for a prestação de serviços. São objetos de troca todas as coisas que podem ser
alienadas, não precisando haver uma correlação precisa de valores. Exemplo: um móvel por
um imóvel.

2.4. Relação com a Compra e Venda


A troca tem a mesma natureza da compra e venda, dela diferenciando-se em primeiro
lugar porque a prestação das partes é sempre em espécie. A segunda diferença é que, no
contrato de troca, a parte tem direito de pedir de volta o que deu, caso não tenha recebido o
outro objeto. No contrato de compra e venda isso não é possível, já que a inexecução de uma
das partes gera perdas e danos. A troca encerra uma dupla venda, enquanto a compra e venda
encerra uma única venda.

O artigo 533 do Código Civil dispõe que: “Aplicam-se à troca as disposições referentes
à compra e venda, com as seguintes modificações: I – salvo disposição em contrário, cada um
dos contratantes pagará por metade as despesas com o instrumento da troca; II – é anulável a
troca de valores desiguais entre ascendentes e descendentes, sem consentimento dos outros
descendentes e do cônjuge do alienante”.

O Código Civil trata nos artigos 534 a 537 do contrato estimatório, porém a matéria
refoge a alçada do Direito Civil, pois o contrato em questão é mercantil e deve ser tratado no
lugar próprio.

3. DOAÇÃO

3.1. Conceito
O artigo 538 do Código Civil define a doação como o contrato em que uma das partes,
por liberalidade, transfere bens ou vantagens do seu patrimônio para terceiro, que os aceita.

3.2. Características
• Contratualidade: o nosso Código Civil considerou expressamente a doação como
um contrato, exigindo para sua formação a intervenção do doador e do donatário.
Dessa maneira, temos a distinção do testamento que é uma liberalidade causa
mortis, ato unilateral.
• “Animus donand”i: é a vontade do doador de fazer uma liberalidade, que
proporciona ao donatário vantagem à custa do patrimônio daquele. O ato do
doador deve ser espontâneo.

• Transferibilidade: consiste na transferência de bens ou de direito do patrimônio do


doador para o donatário. É necessário que o donatário enriqueça e o doador
empobreça.

• Aceitação do donatário: o contrato só se aperfeiçoa quando o beneficiário


manifesta sua aceitação com relação à doação. Portanto, de um lado há o animus
donandi e do outro a aceitação do donatário, consentindo na liberalidade do
doador. Trata-se de um contrato benéfico em que o donatário não precisa ter
capacidade de fato para aceitar a doação, de acordo com o artigo 543 do Código
Civil.

3.3. Classificação
• Unilateral: somente uma das partes tem ônus; a outra aufere a vantagem, não
tendo contraprestação.

• Formal: o artigo 541 do Código Civil exige a escritura pública ou o instrumento


particular para o aperfeiçoamento da doação. A doação verbal só é válida para
bens móveis de pequeno valor, desde que a tradição seja imediata.

• Gratuito: gera para o donatário apenas enriquecimento. Caso seja imposto um


encargo ao donatário, o contrato passa a ter natureza de oneroso.

P.: Pode o nascituro receber doação?

R.: O artigo 542 do Código Civil menciona que o nascituro pode receber doação, desde
que aceita pelos pais. Caso nasça morto, caduca a doação, por ser o nascituro titular de direito
sob condição suspensiva. Se tiver um instante de vida, recebe o benefício e transmite aos seus
sucessores.

O doador pode revogar a doação, enquanto o donatário não a aceitar expressa ou


tacitamente. Após a aceitação, impossível a revogação unilateral pelo doador.

As doações feitas em contemplação de casamento futuro independem de aceitação, que


se presume com o mero casamento (artigo 546 do Código Civil).
3.4. Requisitos

a) Subjetivo

É a capacidade ativa e passiva dos contraentes, limitada pelas seguintes regras:

• os absoluta ou relativamente incapazes não podem, em regra, doar, nem mesmo


representados ou assistidos;

• os cônjuges não podem fazer doação com os bens e rendimentos comuns do casal,
a não ser que seja remuneratória ou de pequeno valor (artigo 1.647 do Código
Civil);

• a doação pelo cônjuge adúltero ao cúmplice gera anulabilidade (artigo 550 do


Código Civil);

• o mandatário do doador não pode nomear donatário; a limitação se dá porque o


próprio mandante é obrigado a, no instrumento, nomear o donatário, pois tal ato é
privativo do doador;

• as pessoas jurídicas de direito público podem receber doação de acordo com as


restrições administrativas, e as de direito privado podem receber doações impostas
pela sua natureza e estatutos constitutivos;

• o falido não pode fazer doações, porque tal ato lesa os credores, além do mesmo
não estar administrando seus próprios bens; a ação pauliana é o remédio para
anular essas doações;

• a doação do pai ao filho representa adiantamento da legítima – artigo 544 do


Código Civil. O bem deve, por conseguinte, no instante do inventário, ser
colacionado, salvo dispensa do doador. Nessa hipótese, o valor deve sair da
metade disponível da herança. Havendo excesso, considera-se doação ineficiosa
(artigo 2007 do Código Civil). É nula qualquer cláusula que altere norma
sucessória.

A capacidade passiva é a aptidão para receber doação. Não possui qualquer limitação. De
acordo com o artigo 543 do Código Civil, até as pessoas que não podem contratar podem receber
doações puras. Os nascituros (artigo 542 do Código Civil) e as pessoas jurídicas podem receber
doações, devendo haver a intervenção dos representantes legais.

b) Objetivo

O objeto da doação precisa ser sempre coisa que esteja no comércio (bens móveis,
imóveis, corpóreos, incorpóreos, presentes, futuros etc.). Restrições:
• É nula a doação de todos os bens do doador, sem reserva de parte ou renda
suficiente para sua subsistência (artigo 548 do Código Civil). O Código quis evitar
a penúria do doador, ainda que o donatário fique com o encargo de prover
subsistência do doador enquanto este viver (RT 515/87). A doação universal só
vale se houver usufruto dos referidos bens para proteger a pessoa do doador,
assegurando-lhe, por conseguinte, meios de subsistência (RT 440/76).

• A doação não pode gerar a insolvência do doador. Nessa hipótese, os credores


prejudicados poderão anular a doação. A doação será válida se o donatário, com o
consentimento dos credores, assumir o passivo do doador, ocorrendo uma novação
subjetiva (artigo 360, inciso II, do Código Civil).

• A doação não pode ultrapassar a parte disponível da herança (artigo 549 do Código
Civil). Nula será a doação se exceder a legítima, não na doação por inteiro. O
herdeiro lesado pode ingressar imediatamente com ação de redução da doação. A
dúvida sobre a matéria está no fato de o herdeiro poder ingressar em Juízo somente
após a abertura da sucessão ou no momento da liberalidade, isso porque estar-se-ia
litigando sobre a herança de pessoa viva. O excesso seria apreciado no momento
da doação e não no momento da sucessão. Procedente a ação de redução,
restituem-se os próprios bens, no que exceder, ou o valor deles, se não mais
existirem.

• Na subvenção periódica, o doador pode doar uma renda a título gratuito ao


donatário (pensão), que se extingue com a morte do doador por ter caráter
personalíssimo, não se transmitindo aos herdeiros. Pode o doador, porém, estipular
que remanescerá pela vida do donatário; entretanto não poderá ultrapassá-la (artigo
545 do Código Civil).

c) Formal

A doação é um contrato solene que deve observar certa formalidade, sob pena de não
ser válida. Pode ser celebrada:

• Por instrumento particular: no caso de móveis com valores consideráveis;

• Por escritura pública: no caso de imóveis sujeitos a transcrição no registro


imobiliário;

• Verbalmente: seguida de tradição, se o objeto for móvel e de pequeno valor (artigo


541, parágrafo único, do Código Civil). É a hipótese da doação de presentes em
aniversários, em casamentos ou para homenagens.
3.5. Espécies de Doação
• Pura e simples: feita por liberalidade, sem nenhuma espécie de condição,
termo, encargo, prazo ou limitação. A doação contemplativa, por mérito do
donatário, é pura e simples. Exemplo: Prêmio Nobel.

• Modal: é aquela em que o doador impõe ao donatário uma incumbência, um


encargo, que pode reverter em seu benefício, de terceiro ou geral. É uma doação
onerosa. O doador pode estabelecer prazo para que o encargo se efetive.

• Remuneratória: aquela em que o doador deseja pagar por serviços prestados


pelo donatário ou por outra vantagem que haja recebido dele. Não se vislumbra o
espírito de liberalidade e sim a necessidade moral de compensar serviços que
foram prestados. Será considerada como doação se exceder o valor do serviço
remunerado; portanto, será pagamento até o montante dos serviços e, a partir disso,
doação (artigo 540 do Código Civil).

• Condicional: é a que depende de acontecimento futuro e incerto. É, por


exemplo, a doação de um imóvel feita em contemplação por casamento futuro. A
doação somente surte efeito com o casamento.

• A termo: é a hipótese de haver um evento futuro e certo final e/ou inicial. Como
exemplo, a doação de um imóvel a duas pessoas, podendo uma usá-lo por dois
anos e a outra, a partir daquela data.

• De pais a filhos (artigo 544 do Código Civil): hipótese já mencionada. Ou a


doação é levada à colação, por corresponder a adiantamento de legítima, ou não, se
sair da parte disponível.

• Conjuntiva: feita em comum a mais de uma pessoa, sendo distribuída por igual
entre os diversos donatários (artigo 551 do Código Civil). Se os donatários forem
marido e mulher, subsistirá na totalidade a doação para o cônjuge sobrevivo.

3.6. Revogação
A revogação é um direito subjetivo que garante a possibilidade, em face de causa
superveniente, de resilição bilateral do contrato – somente pode ocorrer em virtude de lei:

• Pelos casos comuns a todos os contratos (artigo 555 do Código Civil);

• Por descumprimento do encargo (artigo 555 do Código Civil);

• Por ingratidão do donatário, já que esse tinha obrigação moral de ser grato ao
doador. As causas da ingratidão estão previstas no artigo 557 do Código Civil,
cujo rol é taxativo:
- Se o donatário atentou contra a vida do doador ou cometeu crime de homicídio
doloso contra ele: esse ato não pode ser culposo ou em legítima defesa,
devendo ser doloso e admitir a tentativa. Não é necessária sentença penal
condenatória transitada em julgado.

- Se cometeu contra ele ofensa física: é o caso de lesão corporal, grave, leve ou
levíssima, desde que o ato seja doloso;

- Se injuriou gravemente, ou caluniou o doador: não é necessário que sofra


condenação penal, exigindo-se apenas a humilhação;

- Se, podendo ministrá-los, recusou ao doador alimentos de que este necessitava:


é a hipótese de deixar o doador na penúria.
CURSO DO PROF. DAMÁSIO A DISTÂNCIA

MÓDULO XII
DIREITO CIVIL

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Praça Almeida Júnior, 72 – Liberdade – São Paulo – SP – CEP 01510-010
Tel.: (11) 3346.4600 – Fax: (11) 3277.8834 – www.damasio.com.br
DIREITO CIVIL

Prof. Vitor Frederico Kümpel

1. LOCAÇÃO

1.1. Conceito e Espécies


Segundo Clóvis Beviláqua, locação é o contrato pelo qual uma das partes (locador),
mediante remuneração paga pela outra (locatário), compromete-se lhe fornecer, durante certo
lapso, o uso e gozo de um bem infungível, a prestação de um serviço apreciável
economicamente, ou a execução de uma obra determinada.

São três as espécies de locação:

• Locação de coisa (locatio conductio rerum): trata do uso e gozo do bem


infungível; porque, se for fungível, teríamos um mútuo, em que o mutuário deve
restituir ao mutuante outro bem da mesma espécie, quantidade e qualidade. O
locador concede ao locatário tão-somente o uso de um direito, mediante a
remuneração em dinheiro.

• Locação de serviço (locatio conductio operarum): trata-se de uma prestação de


serviço economicamente apreciável, considerada em si mesma, independentemente
do resultado.

• Locação de obra (locatio conductio operis) ou empreitada: é a execução de


determinada obra ou determinado trabalho, visando-se um fim ou efeito.

1.2. Características Gerais


São as seguintes as características gerais da locação:

• Cessão temporária de uso e gozo: tanto na hipótese do objeto quanto da prestação


de serviço ou da execução de obra, não há transferência da propriedade – permite-
se apenas o uso e gozo por prazo certo.

• Remuneração: na locação de coisa, é chamada aluguel; na locação de serviço,


salário; e, na empreitada, preço. Esse é proporcional ao tempo ou à obra realizada.

• Contratualidade: o contrato divide-se em:


− bilateral: as obrigações são recíprocas;

− oneroso: as partes detêm vantagens que provêm de um sacrifício;

− comutativo: as partes sabem o que devem prestar, há equilíbrio na relação;

− consensual: basta a aposição de vontades para formalizar o contrato;

− de execução continuada: “são os que se cumprem por meio de atos


reiterados”1. O vínculo contratual perdura até o fim do prazo avençado para o
término do contrato.

1.3. Locação de Coisas

1.3.1. Conceito e elementos essenciais


De acordo com o artigo 565 do Código Civil, a locação de coisas é o contrato pelo qual
uma das partes (o locador) se obriga a ceder à outra (locatário), por tempo determinado ou
não, o uso e gozo de coisa infungível, mediante certa retribuição. São elementos essenciais da
locação de coisas:

• Consentimento válido: é a manifestação recíproca de acordo entre os contraentes,


com o intuito de obrigar-se, cada um, a certa prestação em relação ao outro. O
contrato será inválido se apresentar vício de consentimento (erro, dolo etc.).
Particularidades:

− o usufrutuário pode alugar o bem dado em usufruto (por exemplo: o pai pode
alugar o bem do filho menor);

− o tutor ou curador pode alugar bem do tutelado ou curatelado;

− o administrador do condomínio pode alugar o bem em condomínio;

− o locatário pode sublocar nas hipóteses nos termos do artigo 13 da Lei n.


8.245/91, desde que haja consentimento prévio por parte do locador
(Washington de Barros Monteiro);

− o credor anticrético pode arrendar a coisa dada em garantia, já que é possível


reter o bem para receber os rendimentos, amortizando o capital fornecido em
garantia.

O condômino não poderá dar isoladamente, em locação, prédio comum, por ter apenas
parte ideal. A locação de bem indivisível só é permitida se os condôminos expressamente
permitirem ou houver vontade da maioria, em caso de divergência. A maioria será calculada
1
GONÇALVES, Carlos Roberto. Sinopses Jurídicas: Direito das Obrigações. 5.ª ed. São Paulo: Saraiva,
2001. tomo I, p. 32.
pelo valor dos quinhões, havendo maioria absoluta quando mais de 50% fizerem opção
(artigos 1.323 e 1.325 do Código Civil). O condômino sempre tem preferência na locação.
Caso venha a ser divisível a locação, cada condômino poderá optar separadamente, sem
depender dos demais.

• Capacidade dos contraentes: a validade do contrato de locação depende da


capacidade dos contraentes ao contratarem. Como regra:

− Pessoa casada não precisa da autorização do outro consorte para locar objeto
que lhe pertence, salvo se for contrato de locação de prédio urbano por prazo
igual ou superior a 10 anos (artigo 3.º da Lei n. 8.245/91). Qualquer um dos
cônjuges pode contratar como locatário; após a morte deste, o outro terá direito
de continuar com a locação (artigo 11 da Lei n. 8.245/91).

− Tutor e curador só podem dar em arrendamento o imóvel do incapaz sob sua


guarda, mediante prévia autorização judicial e praça pública (artigo 1.747,
inciso V, aplicado à tutela e à curatela, conforme referência feita pelo artigo
1.742, ambos do Código Civil).

− O pai poderá, no exercício do pátrio poder, arrendar sem qualquer formalidade.

− A pessoa que não é proprietária do bem locado, só pode dar a coisa em locação
se puder ceder ao locatário o uso e gozo.

− Os absoluta e relativamente incapazes só poderão alugar imóvel se


representados ou assistidos, respectivamente.

• Cessão da posse do objeto locado: deverá ser:

− Infungível: o locatário deve restituí-lo no fim da locação; pode


ser divisível, indivisível, móvel ou imóvel. Exemplos.: livros, roupas,
automóvel, telefone, animais etc. Se o objeto for fungível, não há locação, mas
sim mútuo.

Observação: A locação de imóveis pode recair num todo ou em parte, no principal ou


nos acessórios. Exemplo: alugar o apartamento e a garagem.

Na locação mercantil de prédios, pretende o legislador a proteção do negócio e da


propriedade comercial, em benefício do inquilino comerciante, impedindo que o locador tire
proveito da valorização trazida pela atividade comercial ao seu imóvel. Por isso, o
comerciante, atendendo às exigências legais, permanecerá no imóvel independentemente da
vontade do locador, para ser prestigiado pelos anos de clientela no local. As normas visam à
estabilidade da relação locatícia, garantindo a renovatória quando: I) contrato por escrito, com
prazo determinado; II) o prazo mínimo da locação a renovar deve ser de cinco anos; III) o
locatário deve explorar o mesmo ramo de comércio pelo prazo mínimo de três anos
ininterruptos.

Na soma desses três requisitos, terá o locatário direito de renovar a locação, tutelando-
se o fundo do comércio criado. O direito à renovatória deverá ser exercido dentro do prazo
decadencial – um ano até seis meses da data do término do contrato a prorrogar. Caso o
locador alegue que precisa do imóvel, para uso próprio ou para transferência de fundo de
comércio existente há mais de um ano – e seja ele, locador, seu cônjuge, ascendente ou
descendente, detentor da maioria do capital –,o juiz fixará o quantum de indenização a que o
locatário terá direito pela perda do fundo de comércio, abrangendo as despesas de mudança
(artigo 52, inciso II, e §§ 1.º e 3.º, da Lei n. 8.245/91). Os prazos para desocupação do imóvel
locado vêm descriminados no artigo 63 da Lei de Locação.

− Inconsumível: se consumível, não haveria restituição no término do contrato.

− Suscetível de gozo: significa que o objeto deve ser lícito e possível (artigo 166,
inciso II, do Código Civil).

− Determinado ou determinável .

− Dado em locação por quem tenha capacidade para tal: proprietário, mandatário,
enfiteuta, usufrutuário, inventariante etc.

− Alienável ou inalienável: o bem com cláusula de inalienabilidade pode ser locado.

1.4. Remuneração
Remuneração é a quantia que o locatário paga periodicamente pelo uso da coisa e que
ocorre, em regra, mediante dinheiro. O valor pode ser estabelecido por vontade das partes ou
por ato governamental, como no caso de aluguel de táxi. O preço deve ser certo.

Durante a prolongação tácita da locação, prorrogam-se as cláusulas contratuais, exceto as


que se referem a prazo e preço. O prazo passará a ser indeterminado e o preço será regulado pelos
artigos 16 e 17 da Lei n. 8.178/91.
Os contratos de locação residencial poderão ser livremente pactuados, vedada a
vinculação à moeda estrangeira, taxa de câmbio ou salário mínimo. As partes poderão fixar
novo valor para o aluguel; não havendo acordo, após três anos de vigência do contrato ou do
último acordo, poderá o locador ou o locatário pedir a revisão da quantia a fim de ajustá-la ao
preço de mercado (artigo 19 da Lei n. 8.245/91). Se o contrato por prazo indeterminado tiver
cláusula de reajuste, essa deverá vigorar. Os reajustes poderão ser semestrais ou anuais,
estipulados no corpo do contrato ou no aditamento.

1.5. Tempo Determinado ou Indeterminado


A locação poderá ter tempo determinado ou não, embora não possa ser perpétua. O
contrato é temporário. Não há qualquer limite de prazo locativo, a não ser para pessoa jurídica
de direito público interno. No caso da União, os prazos não podem ultrapassar 10 anos (Dec.-
lei n. 9.760/46). A Lei n. 8.245/91, no artigo 3.º, dispõe que, se o contrato de locação for
superior a 10 anos, dependerá do assentimento do outro cônjuge.

Se houver prazo convencionado, o locador não poderá retomar o prédio antes desse
período nem o locatário poderá devolvê-lo sem o pagamento de multa (artigo 4.º da Lei n.
8.245/91).

No contrato de prazo determinado, igual ou superior a 30 meses, cessará o ajuste, findo


o prazo estipulado, independente de notificação ou aviso. Caso o locador não promova a
retomada do prédio locado, sob denúncia vazia, prorroga-se a locação por tempo
indeterminado (artigo 46 da Lei n. 8.245/91). O contrato não cessa de pleno direito. Se o
locatário permanecer no bem, sem oposição do locador, ocorre a prorrogação tácita. A
interposição da ação de despejo elide a presunção relativa de ausência de oposição.

No contrato por tempo indeterminado, poderá o locatário, notificando o locador, dar


fim ao acordo.

Caso ocorra alienação do imóvel locado, o novo adquirente somente poderá retomar a
coisa nos casos legais (artigo 8.º da Lei n. 8.245/91).

Nas locações não-residenciais, incluídas as comerciais ou industriais, a


retomada do imóvel também é promovida por ação de despejo.

Com a morte do locatário, transmite-se aos herdeiros a locação, por tempo


determinado ou indeterminado, desde que residentes no imóvel (artigo 11 da Lei n. 8.245/91).
Com a extinção da união estável, casamento, separação judicial ou divórcio, a locação
remanesce com aquele que permanecer no imóvel (artigo 12 da Lei n. 8.245/91).

1.6. Forma Livre


O contrato tem em regra a forma livre: não é necessário que seja feito por documento
escrito, podendo ser ajustado verbalmente. A locação independe de forma especial para sua
celebração. Há a presunção de veracidade da palavra do locador, no que se refere à matéria de
locação (RT 117/153). Todos os meios de provas são hábeis a demonstrar a locação, desde
que o valor seja inferior ao décuplo do salário mínimo (artigo 401 do Código de Processo
Civil). A prova escrita é de grande utilidade para provar o contrato; em havendo dúvida, deve
ser entendida em favor do devedor e contra o locador (RT 180/238).

1.6.1. Direitos e deveres do locador


a) Direitos

• Receber o pagamento do aluguel: o locador tem o penhor legal sobre os


móveis que o inquilino tiver no prédio, como garantia do pagamento dos aluguéis
(artigo 1.467, inciso II, do Código Civil).

• Cobrar antecipadamente o aluguel: desde que a locação não seja garantida


por caução real ou fidejussória e também não seja para temporada com prazo não
superior a três meses.

• Exigir do locatário, na locação de prédio urbano (artigos 37 a 41 da Lei n.


8.245/91), as seguintes garantias:

− Caução real em bens móveis, penhor (registrado no Cartório de


Títulos e Documentos) e em bens imóveis, registrada e averbada à margem do
Registro de Imóveis.

− Caução em dinheiro, espécie de garantia real que não poderá


exceder o valor de três meses de aluguel, efetuada mediante depósito em
poupança, em nome do locador e do locatário (conta conjunta), pelo prazo de
duração da locação. As correções monetárias e os juros revertem em favor do
inquilino, quando levantados no término da locação.

− Garantia fidejussória, ou seja, a fiança, nos termos do artigo 818 do


Código Civil, modalidade preferida do locador, que possibilita avaliar a
capacidade patrimonial e econômica do fiador. Esse não precisa ter mais de
um imóvel no município, pelo artigo 41, pois o único bem do fiador torna-se
penhorável pela Lei n. 8.009/90.

− Seguro de fiança locatícia, qual seja, o pagamento de uma taxa


correspondente a um prêmio anual ou mensal ao locador. Garante-se, mediante
prêmio, o valor do aluguel. É a forma mais comum nas locações comerciais.

Não é possível a cumulação de garantias. Na prorrogação contratual, o locador pode


mudar de garantia ou exigir um fiador.

• Mover ação de despejo (artigos 5.º, 59 e 66 da Lei n. 8.245/91): se o imóvel locado


for residencial, a ação de despejo será intentada com base na denúncia vazia ou
condicionada (artigos 46 e 47). Se o imóvel for comercial ou industrial, o pedido
poderá ser intentado com base na denúncia vazia. Em caso de locação mista, em
que o imóvel é utilizado para moradia e fins comerciais, a jurisprudência tem
admitido a retomada com base na preponderância de uma finalidade sobre a outra.
Caso prepondere o uso residencial sobre o comercial, as regras a serem observadas
serão as da locação residencial e vice-versa.

• Reaver a coisa locada após o vencimento da locação (artigo 4.º da Lei n.


8.245/91).
• Autorizar, por escrito, a cessão da locação, sublocação e o empréstimo do prédio
(artigo 13 da Lei n. 8.245/91).

• Pedir a revisão judicial do aluguel ou atualização dos aluguéis nas locações


residenciais (artigo 17 da Lei n. 8.178/91). O prazo para propositura da ação
revisional foi mudado de cinco para três anos, a partir da vigência do contrato ou
da locação anterior, devendo ser comprovada por anúncios de jornais e tabelas
imobiliárias. Visa ajustar o valor do aluguel ao preço de mercado. A ação
revisional deve ser proposta no lugar do imóvel, e o valor da causa deverá
considerar o valor do aluguel que se pretende fixar, multiplicado por 12. Se houver
acordo na pendência da ação, essa ficará prejudicada. O novo aluguel prevalecerá a
partir da propositura da ação, considerando-se a citação (artigo 69 da Lei n.
8.245/91). A ação revisional não tem relação com o reajustamento previsto no
contrato, pois esse tem como objetivo a correção monetária.

• Ser comunicado de sub-rogação na locação: em caso de extinção da sociedade


conjugal por separação judicial, separação de fato ou divórcio, ou da relação
concubinária do locatário, aquele que permanecer no prédio deve comunicar o
locador, que tem direito de exigir novo fiador, ou qualquer outra garantia locatícia
prevista legalmente (artigo 12 da Lei n. 8.245/91).

b) Deveres

• Entregar ao locatário a coisa alugada: em estado que possa servir ao uso a que se
destina (artigo 566 do Código Civil e artigo 22, inciso I, da Lei n. 8.245/91). Os
elementos de fruição, tais como – no caso de imóvel – instalação elétrica, serviço
de água etc. devem estar intactos no bem. Muito se discute a respeito do telefone
integrar a locação; há julgado afirmando que a linha telefônica não integra o
contrato locatício. Caso o imóvel esteja em construção, com obra inacabada no
momento da locação, o locatário poderá pedir a resolução do contrato, com
devolução das prestações pagas e pagamento da multa contratual. A entrega da
coisa locada é o principal dever do locador, por ser o meio indispensável para
fruição do uso e gozo do bem, que constitui elemento essencial do contrato de
locação. Sem tal entrega, a locação não se efetiva. O locador deverá fornecer ao
inquilino, caso esse solicite, descrição minuciosa do estado do imóvel, quando do
início da locação, com expressa referência aos eventuais defeitos existentes (artigo
22, inciso V, da Lei n. 8.245/91).

• Manter o bem no estado em que entregou, pelo tempo do contrato, salvo cláusula
expressa em contrário (artigos 566 do Código Civil e 22, inciso III, da Lei de
Locações): o locador deverá realizar reparações necessárias para que a coisa possa
continuar sendo utilizada. Exemplo: telhado quebrado deve ser reposto. De acordo
com o artigo 567 do Código Civil, se durante a locação, a coisa alugada se
deteriorar, sem culpa do locatário, esse poderá pedir redução proporcional do
aluguel ou rescindir o contrato, se a coisa não servir mais ao fim a que se
destinava.
• Responder pelos vícios ou defeitos do bem locado, anteriores à locação (artigos
568 do Código Civil e 22 da Lei de Locações).

• Garantir o uso pacífico da coisa locada, durante o tempo do contrato (artigo 22,
inciso II, da Lei de Locações e artigo 566, inciso II do Código Civil).

• Pagar impostos, taxas e despesas imobiliárias.

• Fornecer o recibo de aluguel de encargos (artigo 22, inciso VI, da Lei de


Locações). Tal imposição acarreta sanção penal de três meses a um ano,
substituída pelo sursis e multa de 12 a 24 vezes o valor do último aluguel
atualizado (artigo 44, inciso I, parágrafo único, da Lei de Locações).

• Indenizar as benfeitorias necessárias e úteis feitas pelo locatário de boa-fé (artigo


35 da Lei de Locações): o locatário terá direito de reter o imóvel até receber a
indenização (artigo 1.219 do Código Civil). No que diz respeito a benfeitorias
voluptuárias, o locador poderá pagá-las ou deixar que o locatário as remova, desde
que sem detrimento da coisa (artigo 36 da Lei de Locações). Há julgados que
entendem que não são indenizáveis as benfeitorias quando o contrato de locação
expressamente negue esse direito (RT 523/326).

• Dar preferência ao locatário ou sub-locatário na aquisição do prédio: em


igualdade com terceiros, o locatário deve ser notificado pelo locador da sua
intenção de vender e ceder os direitos do imóvel locado (artigos 27 e 34 da Lei de
Locações).

• Não exigir nada além de alugueres e encargos primitivos: o descumprimento


dessa obrigação enseja pena de prisão simples de cinco dias a seis meses ou multa
entre três e 12 vezes o valor do último aluguel (artigo 43, inciso I, da Lei de
Locações).

1.6.2. Direitos e deveres do locatário

a) Direitos

• Exigir do locador a entrega da coisa e do recibo do aluguel e a manutenção do


bem locado pelo tempo previsto: o recibo deverá incluir o valor do aluguel e a
parcela cobrada e paga, bem como impostos, seguro, taxas e encargos.

• Exigir do locador descrição minuciosa do estado da coisa locada (artigo 22,


inciso V, da Lei de Locações).

• Reter o prédio locado no caso de ter realizado benfeitorias necessárias e úteis:


essas devem ser autorizadas por escrito pelo locador (artigo 35 da Lei de
Locações), e a retenção dura enquanto o locatário não receber a indenização. As
voluptuárias podem ser levantadas (artigo 36 da Lei de Locações). As benfeitorias
úteis, feitas sem a licença do locador, são consideradas de má-fé e não garantem o
direito de receber a indenização correspondente. Apesar de não ter direito de
retenção por benfeitorias úteis não-autorizadas, o locatário deverá ser indenizado
pelas mesmas;, caso contrário, o locador enriqueceria indevidamente. Tal matéria
deverá ser alegada em contestação ou reconvenção para reconhecimento em
sentença. Não é matéria de embargos, a não ser que se trate de execução de título
extrajudicial. A não-alegação em contestação implica preclusão.

• Ter preferência para aquisição em caso de alienação do imóvel locado (artigo 27


da Lei n. 8.245/91): não tem direito de preferência no caso de venda judicial,
permuta e doação. O direito caduca se não for exercido nos 30 dias subseqüentes à
notificação. O locatário preterido na preferência poderá reclamar perdas e danos,
desde que o contrato de locação esteja transcrito no Registro Imobiliário (artigo 33
da Lei de Locações e Súmula n. 442 do Supremo Tribunal Federal), ou depositar o
preço mais as despesas com a transferência, havendo para si o imóvel locado – no
prazo de seis meses – desde que o contrato de locação esteja averbado no Registro
de Imóveis há pelo menos 30 dias.

• Purgar a mora: tal direito serve para evitar a rescisão da locação – requerido no
prazo da contestação da ação de despejo – e engloba o pagamento dos aluguéis e
demais encargos, além dos honorários do advogado do locador (artigo 62, inciso
II, da Lei de Locações). Não cabe o pedido de purgação se o locatário utilizou esse
benefício por duas vezes, no prazo de 12 meses anteriores ao novo requerimento.
No caso de obstáculo judicial, poderá purgar a mora além do prazo legal.

• Ser despejado somente nos casos previstos em lei, mediante denúncia cheia
(motivada) ou vazia.

• Ceder, emprestar ou sublocar o imóvel locado, com prévia e expressa anuência do


locador (Súmula n. 411 do Supremo Tribunal Federal).

• Renovar a locação: tanto na hipótese de prorrogação automática da locação quanto


na hipótese de contrato por prazo certo, desde que não se estipule de forma
diversa. Se a locação for mercantil, a renovação é compulsória, desde que atendido
os requisitos da Lei n. 8.245/91 (artigo 51 e seguintes.).

• Impedir a penhora de bens móveis, quitados, de sua propriedade, que guarneçam


o imóvel locado (artigo 2.º, parágrafo único, da Lei n. 8.009/90).

• Possibilidade de participar, se locatário de apartamento em edifício, das


assembléias condominiais na ausência do locador: segundo o artigo 24, § 4.º, da
Lei n. 4.591/64: “nas decisões da Assembléia que não envolvam despesas
extraordinárias de condomínio, o locatário poderá votar, caso o condômino–
locador a ela não compareça” (parágrafo acrescentado pela Lei n. 9.267/96).
b) Deveres

• Usar o bem para o destino da locação: o imóvel residencial só deve ser usado
como moradia, e o comercial para as atividades a que se destina. Não configura
mudança de destinação o advogado ou médico manter escritório ou consultório; o
dentista manter consultório num dos cômodos da residência; manter um instituto
de beleza em casa, e até pequena escola primária.

• Tratar o bem alugado como se fosse seu (artigos 569, inciso I, do atual Código
Civil, e 1.211, do Código Civil de 1916): a desobediência implica rescisão e
indenização das perdas e danos.

• Pagar pontualmente o aluguel nos prazos ajustados ou, na falta de convenção, até
o sexto dia do mês seguinte ao vencido (artigos 23, inciso I, da Lei de Locações, e
569, inciso II, do Código Civil): a dívida, na falta de convenção em contrário, é
quesível e não portável, devendo o locador ir até o domicílio do locatário. Nas
locações de prédio rústico, salvo acordo diverso, a esterilidade ou o malogro da
colheita advinda de fortuito, não autorizam o locatário a exigir abatimento no
aluguel (artigo 1.214 do Código Civil de 1916). Não pode o locatário subtrair-se
ao pagamento, sob alegação de que a coisa locada encontra-se em péssimo estado
de conservação, não servindo às suas finalidades (RT 538/156).

• Apresentar ao locador as turbações de terceiros, fundadas em direito (artigos 23,


inciso IV, da Lei de Locações, e 569, inciso III do Código Civil): não impede que
o locatário utilize os remédios possessórios adequados, quando sua posse for
turbada ou esbulhada, inclusive se a turbação ou esbulho forem cometidos pelo
próprio locador.

• Restituir a coisa ao locador no mesmo estado que a recebeu (artigos 23, inciso III,
da Lei de Locações, e 569, inciso IV, do Código Civil): excluem-se as
deteriorações decorrentes do uso regular da coisa. O contrato que cede a terceiro a
exploração de pedreiras ou salinas é de compra e venda e não locação, exatamente
porque a devolução não será nos moldes em que foi entregue o bem.

• Pagar os encargos e despesas referentes ao uso regular da coisa (artigo 23, inciso
VIII, e parágrafos, da Lei de Locações): incluem-se as despesas de condomínio,
limpeza, taxas, salários dos empregados referentes ao condomínio por unidades
autônomas.

• Cumprir a convenção do condomínio e regulamentos internos.

• Fazer consertos no bem locado (artigo 23, inciso V, da Lei de Locações): não
deixar que a deterioração impere, como, por exemplo, realizando a substituição de
vidros quebrados, goteiras, fechaduras etc.

• Permitir que o locador realize reparos urgentes (artigo 26 da Lei n. 8.245/91): por
ter o locatário a posse, deverá consentir que o locador realize consertos. Se os
reparos durarem mais de 10 dias, terá direito ao abatimento no aluguel
proporcional ao período excedente. Se o conserto demorar mais de 30 dias, terá o
direito de resilir o contrato.

• Dar a garantia exigida pelo locador (artigos 37 a 42 da Lei de Locações).

• Pedir prévio e expresso consentimento do locador para sublocar, ceder ou


emprestar o prédio locado (artigo 13 da Lei de Locações).

• Responder pelo incêndio do prédio (artigo 1.208 do Código Civil de 1916): pode
se eximir da responsabilidade se demonstrar que houve caso fortuito ou força
maior, vício de construção ou propagação de fogo originado em outro prédio. Se o
imóvel tiver mais de um inquilino, cada um responde pela sua parte.

• Não alterar a fachada e a forma interna do prédio sem anuência prévia e escrita
do locador (artigo 23, inciso VI, da Lei de Locações).

• Entregar todos os documentos de cobrança de tributos e encargos, intimações e


multas, ainda que dirigidas ao próprio locatário (artigo 23, inciso VII, da Lei de
Locações).

• Permitir vistoria no imóvel locado (artigo 23, inciso IX, da Lei de Locações):
previamente agendada, podendo o mandatário comparecer no lugar do locador. Em
caso de alienação, o locatário deve permitir que terceiros visitem o imóvel.

• Pagar o prêmio de seguro de fiança (artigo 23, inciso XI, da Lei de Locações).

1.7.

Extinção do Contrato de Locação

a) Causas

− Distrato ou resilição bilateral: basta que o locatário, de comum acordo com o


locador, restitua o bem locado, antes do fim do prazo de duração do contrato
(artigo 9.º, inciso I, da Lei de Locações).

− Retomada do bem locado: por denúncia vazia ou cheia. Basta comprovar o


fato extintivo, como, por exemplo, a necessidade de utilizar o prédio para
residência de familiares sem imóvel próprio. Pode também requerer para uso
próprio, para edificação ou reforma que lhe dê maior capacidade de utilização.
Para maior aprofundamento ver Súmulas ns. 80, 175, 374, 409, 410, 483, 485
e 486 do Supremo Tribunal Federal.

Ao término dos contratos celebrados depois da entrada em vigor da atual Lei e com
prazo igual ou superior a 30 meses, o proprietário poderá pedir a desocupação do prédio sem
precisar justificar, notificar ou avisar, desde que ingresse com ação de despejo (artigo 46 da
Lei de Locações). O locatário terá 30 dias para desocupar o imóvel – artigo 63 da Lei de
Locações.

Nos contratos com prazo de locação inferior a 30 meses, não é possível a retomada do
imóvel com fundamento na denúncia vazia, se o contrato prorrogou-se, automaticamente, por
prazo indeterminado. Para o locador reaver seu imóvel é preciso demonstrar uma das
hipóteses previstas nos incisos do artigo 47 da Lei n. 8.245/91.

Nos contratos assinados antes da vigência da atual Lei, que vigorem ou venham a
vigorar por prazo indeterminado, o locador pode retomar o prédio sem qualquer justificativa,
concedendo ao locatário o prazo de 12 meses para desocupação. Se houve revisão no valor do
aluguel, a denúncia somente poderá ser exercida após 24 meses da data da revisão, se essa
ocorreu nos 12 meses anteriores à data da vigência da Lei de Locações (artigo 78). O prazo
para entrega do imóvel inicia com a notificação do locatário.

− Implemento de cláusula resolutiva: pode ser expressa ou tácita e permite a


resolução do contrato, com perdas e danos, fundada em seu inadimplemento –
artigo 476 do Código Civil.

− Perda total da coisa locada: é a hipótese do perecimento do imóvel tornando-o


inapto para suas finalidades – artigo 77 do Código Civil de 1916.

− Perda parcial ou deterioração do bem: pode ocorrer por culpa do locador ou do


locatário, ensejando perdas e danos ao lesado – artigo 570 do Código Civil.

− Vencimento do prazo contratual estipulado: quando às partes não interessar a


prorrogação ou renovação.

− Desapropriação do prédio locado: com a imissão do expropriante na posse (artigo


5.º, parágrafo único, da Lei de Locações) extingue-se a locação, e o locatário tem
direito de exigir indenização por eventuais benfeitorias necessárias e úteis.

− Morte do locatário (artigo 11 da Lei de Locações): se não deixar sucessor.

− Nulidade ou anulabilidade do contrato locatício (artigo 45 da Lei de Locações).

− Resilição unilateral: o locador pode resilir unilateralmente nas hipóteses de


denúncia vazia ou motivada; ao locatário também é possível na hipótese do artigo
4.º da Lei n. 8.245/91.

− Extinção de usufruto ou fideicomisso: artigo 7.º da Lei de Locações.

− Falência ou concordata de um dos contratantes: é preciso cláusula expressa


dispondo sobre a rescisão contratual por esse motivo (RT 541/219).
− Alienação: artigo 8.º da Lei de Locações – “se o imóvel for alienado durante a
locação, o adquirente poderá denunciar o contrato, com o prazo de noventa dias
para a desocupação, salvo se a locação for por tempo determinado, se o contrato
contiver cláusula de vigência em caso de alienação e estiver averbado junto à
matrícula do imóvel”.

2. CONTRATOS REAIS

2.1. Mútuo

2.1.1. Conceito e características básicas


Mútuo é o contrato pelo qual uma das partes transfere a propriedade de um bem
fungível à outra, que se obriga a lhe restituir coisa do mesmo gênero, quantidade e qualidade
(artigo 586 do Código Civil).

a) Características

Contratualidade: é indispensável a manifestação de vontade de ambas as partes.

Real: o contrato só se perfaz com a tradição, isto é, com a entrega do objeto


emprestado.

Gratuito: no silêncio, o contrato é considerado gratuito; porém, pode ser oneroso,


quando estipulada contraprestação a ser cumprida pelo mutuário. Exemplos:
pagamento de juros nos empréstimos em dinheiro (mútuo feneratício);
repetição de juros pagos pelo contratante não prevista no contrato, pois
consiste em obrigação natural (artigo 882 do Código Civil).

Para Carvalho de Mendonça, o mútuo é mercantil bastando que uma das partes seja
comerciante. O empréstimo bancário é sempre mercantil, mesmo que o mutuário não seja
comerciante, pois é atividade habitual das financeiras (comércio) conceder empréstimos a
curto, médio ou longo prazo.

− Unilateral: é o mutuário que, em regra, tem obrigações.

− Temporariedade: não pode ser perpétuo, caso contrário, transformar-se-ia numa


doação. O artigo 592 do Código Civil trata do prazo do mútuo: se de produto
agrícola, vai até a próxima colheita; se de dinheiro, vence, pelo menos, em 30 dias;
nas demais hipóteses, no prazo convencionado.

− Fungibilidade: o mútuo recai sobre bens que podem ser substituídos por outros do
mesmo gênero, quantidade e qualidade. Exemplo: empréstimo de um livro, desde
que o exemplar não seja raro nem sua edição esteja esgotada.
− Translatividade: significa a transferência da propriedade que acontece com a
simples tradição. O mutuário pode usar a coisa como quiser. Pode consumir,
alienar e dar, inclusive em submútuo. Não precisa da autorização do mutuante.
Assume todos os riscos da coisa, já que há a verdadeira transferência do domínio.

− Obrigatoriedade da restituição: a coisa deve ser restituída na mesma espécie,


quantidade e qualidade. Não fosse assim, haveria troca, ou compra e venda. A
restituição de dinheiro é nominal, não importando se o valor perdeu seu poder de
compra pela incidência da inflação. Pode o mutuante exigir garantia do mutuário,
pois esse poderá sofrer mudança em sua fortuna. Em caso de morte do mutuário,
os herdeiros devem restituir a coisa.

2.1.2. Requisitos
O mútuo apresenta três tipos de requisitos:

• Subjetivos: os contraentes precisam ter capacidade comum e especial. O mutuante


deverá ter aptidão para dispor, alienar a coisa emprestada, pois essa será
transferida ao mutuário; deve ter jus disponendi.

De acordo com artigo 588 do Código Civil, o mútuo feito à pessoa menor, sem
autorização daquele que detém sua guarda, não poderá ser reavido pelo mutuário, nem pelos
fiadores, salvo (artigo 589 do Código Civil):

− ratificação do responsável pelo menor, suprindo a autorização;

− necessidade do empréstimo para os alimentos habituais;

− bens adquiridos pelo magistério, serviço militar ou função pública do menor. A


disposição é ociosa porque o menor passa a ser maior, capaz, em decorrência
de tais fatos;

− na hipótese de o menor dolosamente ocultar sua idade, para obter empréstimos


(artigo 180 do Código Civil).

• Objetivos: o objeto emprestado deve ser fungível, substituível por outro


da mesma espécie, quantidade ou qualidade (artigo 85 do Código Civil).

No mútuo em dinheiro, o devedor se exonera da obrigação, restituindo a mesma soma,


ainda que o valor seja depreciado. As normas sobre o curso forçado da moeda nacional
vedam a estipulação do pagamento em moeda de ouro, prata ou estrangeira. O empréstimo
em moeda estrangeira só é válido se uma das partes residir e for domiciliada no exterior.

O mútuo feneratício (oneroso) é permitido no nosso Direito, com cláusula expressa que
fixa os juros do empréstimo. Os particulares não podem convencionar taxa superior a 12% ao
ano, sob pena de usura.
Os juros constituem o proveito tirado do capital emprestado e podem ser
compensatórios (representam a renda ou o fruto do dinheiro mutuado), compensando o
mutuando pela disponibilidade do dinheiro; ou moratórios, pagos a título de indenização pelo
atraso verificado para o adimplemento do contrato.

A capitalização de juros é proibida pela Lei de Usura – Súmula n. 121 do Supremo


Tribunal Federal, exceto no contrato de empréstimo e de conta corrente. A integridade do
valor emprestado é garantida pela correção monetária – ajuste do valor do débito,
constituindo a própria dívida atualizada para a data do vencimento ou do efetivo pagamento
da obrigação.

• Formais: o mútuo tem forma livre, exceto se for oneroso, caso em que deverá ser
convencionado expressamente (artigo 591 do Código Civil). A prova do mútuo
poderá ser feita pela emissão de nota promissória, confissão formal de dívida ou
recibo da soma emprestada. O mútuo mercantil não requer forma escrita, salvo
para efeito de prova e de registro contábil; se for elaborado verbalmente, a prova
testemunhal só poderá ser admitida se o valor do empréstimo não exceder a 10
salários mínimos (artigo 401 do CPC).

2.1.3. Efeitos jurídicos

a) Obrigações do mutuário

− Restituir o que recebeu: deve o mutuário devolver a coisa da mesma espécie,


quantidade e qualidade, dentro do prazo estipulado. Caso seja impossível,
poderá devolver o equivalente pecuniário.

− Não compelir o mutuante a receber em parte se isso não for convencionado.

− Pagar os juros no mútuo feneratício.

b) Direitos do mutuante

− Exigir garantia da restituição: para o caso de mudança no


patrimônio do mutuário (artigo 590 do Código Civil).

− Reclamar a restituição de coisa equivalente, com o vencimento


do prazo. Caso não haja prazo estabelecido deverá o mutuante notificar o
mutuário concedendo prazo razoável para cumprimento do avençado.
− Demandar a rescisão do contrato se o mutuário não pagar os
juros no mútuo feneratício.

c) Obrigações do mutuante

− Entregar a coisa objeto de mútuo.

− Não interferir no uso da coisa durante a vigência do contrato.

− Não exigir a restituição antes do convencionado.

2.1.4. Causas extintivas do mútuo


As causas de extinção do mútuo são:

• Vencimento do prazo convencionado para sua duração.

• Ocorrência das hipóteses do artigo 592 do Código Civil, quando não estipulado
prazo.

• Rescisão por culpa de uma das partes. Exemplo: não pagamento de juros.

• Resilição bilateral: distrato, acordo entre as partes para extinção do contrato.

• Resilição unilateral por parte do devedor. Há a presunção de que o mutuário tem


direito de pôr fim ao negócio a qualquer momento, oferecendo a prestação.

• Efetivação de uma cláusula terminativa prevista no próprio contrato.


2.2. Comodato

2.2.1. Definição e características básicas


De acordo com Washington de Barros Monteiro, o comodato é um contrato unilateral,
gratuito, pelo qual uma das partes entrega à outra coisa infungível, para ser usada
temporariamente e depois restituída (artigo 579 do Código Civil).

Características

• Contratualidade: decorre de um acordo de vontades.

− Unilateral: apenas uma parte obriga-se em relação à outra.

− Gratuito: acarreta ônus para o comodante e vantagem para o comodatário. Fere o


princípio do equilíbrio das relações contratuais (princípio da equivalência),
porque há cessão sem contraprestação, muito embora o comodatário possa
assumir a obrigação de pagar impostos e taxas sobre o bem, o que não retira a
natureza de gratuidade do empréstimo.

− Real: o comodato só se completa com a tradição do objeto. Com a entrega do


bem do comodante ao comodatário este passa a ter posse direta, remanescendo
a posse indireta àquele. O comodatário pode defender sua posse por meio dos
interditos (RT 236/418). Apesar de ser um contrato real, não gera um direito
real.

− Intuitu personae: o objeto não pode ser cedido pelo comodatário a um terceiro,
porque, diverso do que ocorre com o mútuo, o comodato não transfere a
propriedade, e sim apenas a posse direta.

• Infungibilidade: a coisa emprestada poderá ser móvel ou imóvel, porém não


poderá ser substituível por outra da mesma espécie, qualidade e quantidade. A
mesma coisa cedida deve ser restituída. É possível o comodato de bens fungíveis
desde que destinados à exposição ou ornamentação. Exemplo: uma garrafa de
uísque para exibição numa exposição.

• Não-consumibilidade: o comodato de bem consumível é admitido, como na


hipótese anteriormente mencionada, para exposição ou ornamentação. Exemplo:
frutas não utilizadas para consumo e sim para enfeite (comodatum pompam vel
ostentationem causae).

• Temporariedade (artigo 581 do Código Civil): a coisa dada em comodato é para


uso temporário, podendo o prazo ser determinado ou indeterminado. Na segunda
hipótese, presume-se o tempo necessário para que o comodatário possa servir-se da
coisa. O comodante não poderá exigir a restituição do bem antes de vencer o
prazo, salvo necessidade imprevista urgente, reconhecida pelo juiz. (RT 547/166 e
artigo 581 do Código Civil). Não existe comodato perpétuo, pois tal implicaria
doação.
• Restitutibilidade: caso o comodatário se recuse à restituição, estará praticando
esbulho e o comodante promoverá a devida ação judicial de reintegração de posse.
Com o falecimento do comodante a devolução deve ser feita aos herdeiros.

No comodato é descabida a ação de despejo e o processo de execução, por não haver


relação ex locato. O direito de cobrar o aluguel do comodatário moroso não transforma o
contrato de comodato em locação, pois serve apenas para coagi-lo a devolver a coisa, sendo
mera penalidade. Não é uma retribuição pelo uso do objeto cedido em empréstimo.

No comodato por prazo indeterminado, é preciso o comodante interpelar o


comodatário, para a entrega do bem, ocasião em que ocorrerá a mora, dando ensejo à
reintegração.

2.2.2. Requisitos
São requisitos do comodato:

• Subjetivo: além da capacidade de exercício genérica, o Código Civil, em seu artigo


580, com a intenção de proteger certas pessoas, estabelece incapacidades especiais,
para outorga de comodato. Os tutores, curadores e administradores de bens alheios
não podem dar em comodato, salvo autorização especial, os bens confiados à sua
guarda porque o comodato não é um ato de administração normal; ademais,
diminui o patrimônio de alguém sem compensação, pois não há vantagem ao
administrado. A autorização especial deverá ser do dono, no caso pessoa maior e
capaz, e do juiz, ouvido o Ministério Público, se for um incapaz.

• Objetivo: os bens dados em comodato devem ser:

− infungíveis;

− inconsumíveis;

− móveis ou imóveis.

• Formal: o comodato se estabelece de forma livre. Não se presume; na dúvida entre


locação, essa prevalece, por ser onerosa.

2.2.3. Obrigações do comodatário


Ao comodatário cabem as seguintes obrigações:

• Guardar e conservar a coisa como se fosse sua (artigo 582 do Código Civil): o
comodatário deve procurar não desgastar ou desvalorizar a coisa, sob pena de
responder por perdas e danos. Não pode alugar o bem emprestado nem emprestar
novamente a coisa. O ônus com a guarda e manutenção da coisa correm por conta
do comodatário, que pode cobrar as despesas extraordinárias e as benfeitorias, e
ainda reter o bem até o ressarcimento (artigo 1.219 do Código Civil).
• Limitar o uso da coisa estipulada no contrato (artigo 582 do Código Civil): caso o
comodatário não respeite o acordo, responderá por perdas e danos. O uso indevido
que acarreta, por terceiro, um dano qualquer no bem, é de responsabilidade do
comodatário, podendo o mesmo requerer regressivamente o pagamento efetuado
(RT 487/75).

• Restituir a coisa emprestada "in natura" no momento devido: vencido o prazo do


contrato ou verificada a hipótese do artigo 581 do Código Civil, a coisa deverá ser
restituída. O comodante não pode, sem justificativa, requerer o bem fora desses
casos.

• Responder pela mora: o comodatário, em caso de mora, responde pela perda e


deterioração da coisa emprestada, sendo obrigado a pagar um aluguel, arbitrado
pelo comodante, pelo tempo de atraso na devolução (artigo 582 do Código Civil).
O aluguel inclui os honorários advocatícios (RT 413/381).

• Responder pelos riscos da coisa (artigo 583 do Código Civil): correndo risco, o
objeto do comodato e outros do comodatário, se esse salvar os seus, abandonando
o do comandante, responderá pelo dano, ainda que advindo de fortuito e força
maior. É a hipótese de incêndio e de inundações. Nessas ocasiões o comodatário
não é obrigado a salvar nenhum bem, porém se salvar algum deve ser o do
comodante. Caso proceda em contrário, pagará pelo prejuízo. É o proprietário
(comodante) quem responde pelo caso fortuito e força maior, porém não na
hipótese supramencionada.

• Responsabilidade solidária de vários comodatários (artigo 585 do Código Civil):


cada comodatário é responsável solidário em relação ao comodante, para melhor
assegurar a restituição da coisa, ante a gratuidade do contrato. O comodante pode
acionar qualquer comodatário para devolver a coisa.

2.2.4. Obrigações do comodante


São obrigações do comodante:

• Não pedir a restituição do bem dado antes do prazo: o bem dado em comodato
deve permanecer com o comodatário até o prazo estipulado ou até o fim a que se
destina (artigo 581 do Código Civil).

• Restituir as despesas extraordinárias feitas pelo comodatário.

2.2.5. Extinção do comodato


A extinção do comodato ocorre quando existe:
• Advento do termo: se não houver termo ajustado, extingue-se após o uso regular da
coisa para os fins a que foi emprestada.

• Rescisão por culpa: na hipótese de o comodatário usar o bem de modo diverso do


estipulado, ou ceder a outrem o uso.

• Resilição unilateral: o comodante pode provar que precisa da coisa antes do prazo
acordado, em decorrência de situação urgente e imprevista à época do negócio,
reconhecida pelo juiz. O comodatário pode resilir com a mera devolução
(desinteresse).

• Resilição bilateral: distrato – as partes resolvem extinguir o contrato.

• Morte do comodatário: apenas se o contrato for intuitu personae, porque as


vantagens não podem ser transmitidas aos herdeiros. Podem as partes estipular em
contrário, ou a natureza do contrato dar a entender que o uso não é estritamente
pessoal.

• Alienação da coisa.

2.3. Depósito

2.3.1. Conceito
É o recebimento da guarda temporária de um bem móvel, pelo depositário, até o
momento em que o depositante o reclame (artigo 627 do Código Civil).

2.3.2. Elementos
Cinco são os elementos do depósito:

• Personalíssimo: é um contrato intuitu personae e decorre da confiança que o


depositante imprime no depositário.

• Real: o contrato só está perfeito com a coisa na mão do depositário.

• Temporariedade: quer por prazo determinado, quer por prazo indeterminado, a


relação é sempre temporária.

• Objeto móvel: algumas legislações latinas admitem o depósito do bem imóvel; no


Brasil é inconcebível.

• Gratuito: no silêncio, o depósito é gratuito, mas podem as partes estipular


remuneração.
2.3.3. Espécies de depósito
São as seguintes as espécies de depósito:

• Voluntário: é o que decorre da vontade das partes.

• Obrigatório ou necessário: independe da vontade das partes, podendo ser:

- legal: decorre da lei, como, por exemplo, artigo 649 do Código Civil;

- miserável: decorrente de calamidade pública (artigo 647, inciso II, do Código


Civil).

• Regular: é o que recai sobre bens infungíveis.

• Irregular: é o que recai sobre bens fungíveis.

2.3.4. Obrigações das partes contratantes


Por ser um contrato unilateral, cria obrigações apenas para o depositário:

• guardar a coisa;

• restituí-la quando exigida;

• ser diligente na guarda do objeto.

O depositante pode exigir a coisa a qualquer momento, sendo o depositário obrigado a


entregá-la, salvo se o objeto for judicialmente embargado, ou se pender execução ou suspeita
de que a coisa foi furtada ou roubada (artigos 633 e 638 do Código Civil).

2.3.5. Extinção do contrato de depósito


O contrato de depósito extingue-se pelo decurso do prazo; pelo distrato; e pelo
depósito judicial da coisa por parte do depositário.

2.3.6. Prisão do depositário infiel


A prisão civil do depositário infiel é a medida coercitiva que visa obrigá-lo a devolver
a coisa depositada. A medida é cabível tanto no depósito voluntário quanto no depósito
necessário, e o prazo máximo da prisão civil é de um ano. A Constituição Federal de 1988,
artigo 5.º, inciso LXVII, admite essa prisão.
3. MANDATO

3.1. Conceito
É o contrato pelo qual alguém recebe de outrem poderes para, em seu nome, praticar
atos ou administrar interesses (artigo 653 do Código Civil).

Importante distinguir representação comercial e preposição. Na primeira, representação


comercial, o titular do direito pratica atos jurídicos em seu nome e em seu interesse, por meio
de terceiros. A representação é a utilização de serviços alheios para a prática de atos jurídicos.
Na segunda, preposição, decorre do contrato de trabalho ou da locação de serviços.

O fundamento do mandato é a fidúcia, confiança, elemento subjetivo. Há um acordo


entre as partes para que uma delas possa agir em nome e por conta da outra, na prática dos
atos jurídicos. A relação é personalíssima.

Mandante: é quem outorga o mandato, investindo o terceiro de poderes para


representá-lo.

Mandatário: é aquele que passa a atuar na vida jurídica em nome e por conta do
mandante.

3.2. Natureza Jurídica


• Unilateral: gera obrigações apenas ao mandatário. Pode ser bilateral
imperfeito quando estipular remuneração a ser paga pelo mandante.

• Oneroso ou gratuito: o mandato mercantil é presumidamente oneroso; o


civil, gratuito. Tal presunção é juris tantum, ou seja, admite prova em contrária.

• Consensual: o contrato torna-se perfeito com a manifestação de vontade das


partes. Precisa da aceitação do mandatário, que pode ser tácita, como, por
exemplo, quando começar a executar o contrato. O silêncio não importa aceitação
tácita, salvo quando o negócio para que foi dado o mandato é da profissão do
mandatário (por exemplo, quando outorgado a advogado ou despachante), ou foi
oferecido mediante publicidade, e o mandatário não fez constar imediatamente a
sua recusa.

• Não solene: não exige forma prescrita em lei para ter validade (artigo 656 do
Código Civil).

3.3. Mandato e Procuração


Embora o Código Civil mencione que a procuração é o instrumento do mandato, a
doutrina moderna entende que a procuração é um negócio jurídico pelo qual se constitui o
poder de representação voluntário. Classifica-se em unilateral, receptício e autônomo, e não
se confunde com o contrato subjacente – tanto que nem sempre esse precisa ser mandato;
pode ser prestação de serviço, compra e venda, corretagem etc.

3.4. Procuração em Causa Própria


O mandato em causa própria é outorgado no interesse do mandatário, que fica isento
de prestar contas, tendo amplos poderes. É um mandato irrevogável (artigo 683, do Código
Civil) e que subsiste após a morte do mandante. Exemplo: o mandante pode nomear um
mandatário para vender o imóvel para terceiro ou transferi-lo para seu nome.

3.5. Obrigações do Mandatário


São obrigações do mandatário:

• ser extremamente diligente na execução do mandato;

• executar pessoalmente os atos do mandato;

• prestar contas ao mandante;

• indenizar os prejuízos advindos de dolo ou culpa;

• atuar dentro dos limites do mandato;

• concluir negócio começado, mesmo tendo ciência da morte, interdição ou mudança


de estado do mandante, para não lhe trazer prejuízos (artigo 674 do Código Civil).

3.6. Obrigações do Mandante


São obrigações do mandante:

• cumprir as obrigações assumidas pelo mandatário em relação a terceiros;

• reembolsar o mandatário nas despesas e nos prejuízos experimentados;

• sendo o mandato remunerado, efetuar sempre os pagamentos.

3.7. Extinção do Mandato


A extinção do mandato ocorre nos seguintes casos:

• renúncia do mandatário;

• revogação pelo mandante;

• morte ou interdição de qualquer das partes;

• fim do termo do mandato;

• consecução do objetivo almejado.

4. SEGURO

4.1. Conceito
Seguro é o contrato pelo qual uma das partes (segurador) obriga-se para com outra
(segurado), mediante o pagamento de um prêmio, a indenizá-la de prejuízo decorrente de
riscos futuros, previsto no contrato (artigo 757 do Código Civil).

O segurador é aquele que suporta o risco, assumido mediante o recebimento do


prêmio, obrigando-se a pagar a indenização.

O prêmio é o valor que o segurado paga à seguradora para obter o direito a uma
indenização, se ocorrer o sinistro oriundo do risco garantido e previsto no contrato. É
denominado por alguns ágio de seguro.

O risco é o acontecimento futuro e incerto, que poderá prejudicar os interesses do


segurado, provocando-lhe uma diminuição patrimonial evitável pelo seguro.

A indenização é a importância paga pela seguradora ao segurado, compensando-lhe o


prejuízo econômico decorrente do risco assumido na apólice.

A atividade do segurador é exercida por companhias especializadas, por sociedades


anônimas mediante prévia autorização do Governo Federal (artigos 192, inciso II, da
Constituição Federal, e 29 da Lei n. 8.177/91) ou cooperativas devidamente autorizadas
(artigo 24 do Dec.-lei n. 73/66); porém, tais cooperativas só poderão operar nos seguros
agrícolas e seguros de saúde.

A autorização para funcionamento será concedida por portaria do Ministério da


Indústria e do Comércio, com a apresentação pela Superintendência de Seguros Privados (S),
com depósito, no Banco do Brasil, da parte já realizada do capital, descrita no Estatuto.

Para fins de constituição, organização e funcionamento das sociedades seguradoras,


deverão ser obedecidas as condições gerais da legislação das sociedades anônimas e as
estabelecidas pelo Conselho Nacional de Seguros Privados (CNSP). O que varia de uma
sociedade seguradora para outra é apenas a dosagem de encargos.

O segurado é aquele que tem interesse direto na consevação da coisa, fornecendo uma
contribuição periódica e moderada, em troca do risco que o segurador assume de indenizá-lo.
O segurado não precisa fazer prova de culpa do causador do dano (RT 433/96); deverá apenas
e tão-somente demonstrar a existência do dano.

Aplica-se a teoria do risco nas relações de seguro: "o pagamento das indenizações será
efetuado mediante a simples prova do dano e independentemente da apuração da culpa".

A noção de seguro, portanto, supõe a de risco. Ocorrendo o evento, o segurador pagará


a indenização, se o dano atingir pessoas ou bens do segurado.

O contrato de seguro é tanto o meio pelo qual a pessoa física ou jurídica se protege
contra os riscos que ocorrem em sua vida como uma garantia de execução contra as
obrigações contraídas, um reforço de crédito, pois as dívidas do segurado estarão afiançadas
pelo contrato de seguro.

4.2. Características Básicas


As características básicas são as seguintes:

• Bilateral: gera obrigações para o segurado e para o segurador, já que esse deverá
pagar a indenização, se ocorrer o sinistro, e aquele pagar o prêmio, sob pena de o
seguro caducar. O segurador tem o direito de haver o prêmio estipulado pelo risco,
mesmo que o sinistro não se verifique (artigo 764 do Código Civil).

• Oneroso: cada um dos contratantes obtém vantagem que corresponde a um


sacrifício.

• Aleatório: não há equivalência nas prestações. O segurado não tem condições de


antever o que receberá em troca de sua prestação. O segurador assume um risco,
elemento essencial desse contrato, e deve ressarcir o dano sofrido pelo segurado,
se o evento incerto previsto no contrato ocorrer. O segurador terá vantagem se não
ocorrer o sinistro, hipótese em que receberá o prêmio sem nada desembolsar. Se
verificado o sinistro, o segurador terá obrigação de pagar a indenização, que
poderá ser muito maior do que o prêmio recebido. O ganho ou a perda dos
contraentes depende de fatos futuros e incertos, que constituem o risco.

• Formal: é obrigatória a forma escrita, considerando-se perfeito o contrato no


momento em que o segurador remete a apólice ao segurado, ou faz nos livros
lançamento usual da operação (artigo 758 do Código Civil).

• Execução continuada: o contrato é satisfeito mediante prestações reiteradas, nos


termos do convencionado.
• Adesão: não há discussão das cláusulas estabelecidas pelo segurador na apólice, de
forma que existe uma aceitação incondicional pelo segurado. O escopo é
justamente por ser um ajuste indenizatório, não podendo o segurado se locupletar
às custas do segurador.

O segurado não pode receber indenização que supere o objeto do seguro


(artigo 778 do Código Civil), com exceção do seguro sobre a vida, por ser um bem
inestimável – é livre a convenção e a fixação do valor, admitindo-se mais de um
seguro sobre a vida.

O próprio Estado exigiu uma padronização, regulada pelo Conselho Nacional


de Seguros Privados. Compete à Susep aprovar condições de coberturas especiais.
Há uma adesão bilateral, pois a própria seguradora obedece às normas de controle
governamental (RT 510/239).

• Boa-fé (artigo 765 do Código Civil): a sanção por não guardar a boa-fé é a perda do
valor do seguro e o pagamento do prêmio vencido (artigo 766 do Código Civil), se
tal se der por parte do segurado; e o pagamento em dobro do prêmio, se por parte
da seguradora.

4.3. Requisitos

a) Subjetivos

• O segurador deve, obrigatoriamente, ser pessoa jurídica: autorizada pelo Governo


federal para operar no ramo.

• O segurado deve ter capacidade civil: o incapaz que desejar fazer um contrato de
seguro deverá estar devidamente representado ou assistido. Se o contrato for feito
mediante procurador, esse também responde perante o segurador pelas inexatidões
ou lacunas que inserir no contrato.

b) Objetivos

• Licitude: o objeto descrito na apólice deve ser lícito e possível. Se for ilícito, como,
por exemplo, seguro de operações de contrabando, nulo será o contrato. Esse é o
teor do artigo 762 do Código Civil.

• Valor determinado: o valor do objeto deve ser certo. A apólice precisa conter o
valor do objeto segurado para cálculo da indenização do risco.

• Equivalência: o pagamento da seguradora deve ser equivalente ao valor real do bem


ou de sua reposição. O segundo seguro de um bem já segurado é anulável por
qualquer das partes. O segundo segurador, que ignorava o primeiro contrato, pode,
sem restituir o prêmio recebido, recusar o pagamento do objeto seguro, ou recobrar
o que por ele pagou, na parte excedente ao seu valor real, ainda que não tenha
reclamado contra o contrato antes do sinistro (artigo 782 do Código Civil).

• Pagamento do prêmio: o segurado deve pagar o prêmio fixado pelas partes quando
suceder o risco. As partes estipulam livremente a taxa do prêmio, cuja forma de
pagamento deve ser prevista na apólice.

c) Formais

• Apólice: o contrato de seguro exige documento escrito para se tornar obrigatório


(artigo 758 do Código Civil) – é a apólice. A apólice deve conter as condições
gerais e as vantagens garantidas pelo segurador, bem como os riscos assumidos, o
valor do objeto, o prêmio devido pelo segurado, o termo inicial e final de vigência
e as demais particularidades.

4.4. Direitos e Deveres do Segurado

a) Direitos

• Receber a indenização: nos limites descritos pela apólice.

• Reter os prêmios: na hipótese de o segurador falir antes de passado o risco. Porém,


as sociedades de seguros não estão sujeitas à falência nem podem impetrar
concordata – passam por um processo de liquidação. Pode, então, o segurado, reter
os prêmios no caso de insolvência ou liquidação da companhia seguradora.

• Não ver aumentado o prêmio: sem justa causa.

• Denunciar a lide à seguradora: artigo 70, inciso III, do Código de Processo Civil.

• Optar pela não utilização do seguro: casos em que o pequeno valor do dano não
compensa acionar o seguro.

b) Deveres

• Pagar o prêmio convencionado, no prazo estipulado.

• Responder por juros moratórios, independentemente de interpelacão do


segurador: os juros legais são de 12% ao ano – artigo 192, § 3.º, da Constituição
Federal – e serão observados se a apólice ou os estatutos não estabelecerem taxa
maior. Devem ser pagos dentro do prazo estipulado na apólice, sob pena de
caducidade.

• Abster-se de tudo que possa aumentar os riscos: não pode dar causa ao aumento
dos riscos, sob pena de perder o seguro. Exemplo: seguro de residência e posterior
instalação de depósito de fogos de artifício.

• Comunicar ao segurador todo incidente: deve o segurado comunicar o imprevisto


possível de agravar o risco, para que o segurador possa tomar as providências
cabíveis, sob pena de perder o prêmio do seguro (artigo 769 do Código Civil).
Exemplo: seguro de residência, com posterior instalação de uma usina nuclear no
bairro.

• Levar, imediatamente, ao conhecimento do segurador a ocorrência do sinistro:


para que o mesmo realize as medidas necessárias, a fim de que o pagamento da
indenização se efetive.

• Ser leal: ser sincero e agir de boa-fé, sob pena de anulação do contrato por dolo
(artigo 765 do Código Civil) ou de perder o valor do prêmio (artigo 766 do Código
Civil).

4.5. Direitos e Deveres do Segurador

a) Direitos

• Receber o prêmio a que o segurado se obrigou, durante a vigência do contrato.

• Isentar-se do pagamento da indenização se:

- o segurado agiu com dolo:por exemplo, se o segurado destruir a coisa segurada


para receber o valor previsto na apólice;

- o segurado deu à coisa segurada valor superior ao real (artigo 778 do Código
Civil);

- existir vício, no contrato, que possa tirar sua eficácia (artigos 766 e 784 do
Código Civil);

- ocorrer caducidade da apólice, pelo não-pagamento do prêmio.

• Responder exclusivamente pelos riscos que assumiu.

• Acionar o autor do sinistro, para reaver o desembolso que teve com o


pagamento da indenização do segurado.
• Reajustar o prêmio para que corresponda ao risco assumido (artigo 778
do Código Civil).

• Comunicar ao segurado as alterações havidas com o risco ou com a


titularidade da apólice.

b) Deveres

• Indenizar o segurado (artigo 776 do Código Civil): se a perda for parcial, a


indenização será apenas sobre os prejuízos apurados. O valor do bem é o
considerado na data do sinistro e não na data do contrato (RT 122/107). A
indenização deve ser feita em dinheiro, a não ser que as partes convencionem o
contrário.

• Pagar a indenização a terceiro quando assim estipulado (artigo 785 do Código


Civil).

• Constituir reservas para garantir as obrigações assumidas: são os fundos especiais.

• Restituir o prêmio, em dobro, se expediu apólice sabendo ter passado o risco


(artigo 773 do Código Civil).

• Tomar medidas para eliminar ou diminuir os riscos que podem afetar a coisa
segurada.

• Tomar as providências necessárias assim que souber do sinistro.

4.6. Extinção do Seguro


A extinção do seguro pode ocorrer nos casos a seguir:

• pelo decurso do prazo estipulado;

• pelo distrato: quando as partes concordam em dissolver os vínculos contratuais;

• pela rescisão: decorrente do inadimplemento da obrigação legal ou de cláusula


contratual;

• pela superveniência do risco que faça perecer o bem segurado: pago o valor pela
seguradora, o contrato perde seu objeto;

pela nulidade: imperfeição antecedente que torna o contrato ineficaz.


CURSO DO PROF. DAMÁSIO A DISTÂNCIA

MÓDULO XIII

DIREITO CIVIL

__________________________________________________________________
Praça Almeida Júnior, 72 – Liberdade – São Paulo – SP – CEP 01510-010
Tel.: (11) 3346.4600 – Fax: (11) 3277.8834 – www.damasio.com.br
DIREITO CIVIL

Prof. Vitor Frederico Kümpel

1. DIREITOS REAIS

1.1. Conceito
É o conjunto de normas que estabelece a relação potestativa entre a pessoa e os bens;
é o estudo da dinâmica da propriedade (o cerne do direito real é a propriedade).

De um lado estudam-se os direitos reais sobre coisas alheias; de outro, estuda-se a


posse (não é direito real e, sim, uma situação de fato, protegida, por se enxergar no
possuidor a pretensão da propriedade); e, no meio, estuda-se a propriedade.

1.2. Características

DIREITOS PESSOAIS DIREITOS REAIS

SA SA SB
SB
Credor Proprietário Indeterminado
Devedor

Relação
Objeto Relação de Objeto Jurídica
Poder
Relação Dívida
Jurídica }Responsabilidade

1.2.1. Eficácia “erga omnes”


O direito real pode gerar efeitos contra todos, tendo em vista ser o sujeito passivo
indeterminado e haver publicidade dos atos processuais.
1.2.2. Direito de seqüela
É o vínculo de subordinação da coisa e da pessoa. Esse vínculo vem alicerçado em
dois princípios:

• princípio da aderência: é o princípio segundo o qual o titular do direito real pode ir


atrás do bem aonde quer que ele se encontre (princípio positivo);

• princípio da ambulatoriedade: é o princípio segundo o qual todos os ônus da


coisa– como tributos, despesas condôminas etc.– acompanham a coisa, aonde quer que ela vá
(princípio negativo).

1.2.3. Ação real


Os direitos reais e a posse têm uma tutela diferenciada pela Teoria do Processo, tendo
em vista a garantia da celeridade dentro do sistema. As duas principais características da ação
possessória são:

• fungibilidade: o pedido é fungível, ou seja, nas relações jurídicas da ação


possessória, o pedido poderá ser mudado, se houver mudança da situação de fato;

• duplicidade: não há reconvenção, é um pedido contraposto.

1.2.4. Exclusividade
Não existem dois titulares com direitos reais análogos, ou seja, duas pessoas não
podem exercer o mesmo direito real sobre a mesma coisa. No caso de condomínios, esses não
ferem a exclusividade, tendo em vista que cada condômino exerce o seu direito real sobre
parte ideal.

1.2.5. Privilégio
O crédito real não se submete à divisão, tendo em vista a existência de uma ordem entre
os credores, estabelecida por meio do princípio cronológico, ou seja, aquele que primeiro
apresentar o crédito em cartório será o credor privilegiado.

1.2.6. Abandono
O abandono do direito real é a perda de efeitos jurídicos devido à disponibilidade
material da coisa. O abandono e a renúncia, no campo dos efeitos, fazem cessar os efeitos
jurídicos. A renúncia, no entanto, difere do abandono, visto que a obrigação cessa pela
prerrogativa que o titular tem conferida por norma jurídica (resilição).

• Renúncia: extinção da obrigação por ato unilateral voluntário.

• Abandono: extinção da obrigação por ato unilateral material.

1.2.7. Prescrição aquisitiva


Somente no direito real a passagem do tempo poderá gerar aquisição de direitos. Não basta,
no entanto, somente a passagem do tempo, deverá haver um ato da outra parte (por exemplo: um
sujeito possui um imóvel e passa 20 anos sem ir até ele; a simples passagem do tempo não prescreve
o direito de propriedade; no entanto, se terceira pessoa toma posse do imóvel, a passagem do tempo,
combinada com o ato de posse dessa pessoa, faz com que o sujeito “perca” o seu direito à
propriedade).

1.2.8. O bem deve ser certo, determinado e existente


Em decorrência do princípio da veracidade de registro, o bem deve ter as
características de certo, determinado e existente.

1.3. Classificação
O direito real, segundo o disposto no artigo 1.225 do Código Civil, classifica-se em:

• direito real sobre coisa própria;

• direito real sobre coisa alheia.

1.3.1. Direito real sobre coisa própria


O único direito real sobre coisa própria é a propriedade, que confere o título de dono
ou domínio. Normalmente, a propriedade é ilimitada ou plena, conferindo poderes de uso,
gozo, posse, reivindicação e disposição.

1.3.2. Direito real sobre coisa alheia


É o desmembramento do direito real sobre coisa própria. Poderá somente ser
temporário, visto que, dentro do princípio da elasticidade, a coisa tende a voltar à situação
original, que é a propriedade plena. Divide-se em três grupos:
• Direito real de fruição: é o desmembramento em relação ao uso da coisa. Pode ser
enfiteuse, servidão, usufruto, uso e habitação.

• Direito real de garantia: é o desmembramento em relação à disposição da coisa


(limita o direito de disposição). Se não cumprida a obrigação principal, o credor irá dispor da
coisa. Pode ser hipoteca, penhor e anticrese.

• Direito real de aquisição: é o desmembramento do direito de aquisição. O titular


transmite a propriedade para terceiros, paulatinamente. Pode ser compromisso irretratável de
compra e venda, e alienação fiduciária em garantia.

Observação: Existem divergências quanto à natureza jurídica da renda constituída


sobre imóveis, havendo alguns autores que entendem tratar-se de um direito de fruição, e
outros que entendem tratar-se de um direito de garantia.

Para alguns autores, essa classificação é exemplificativa. Majoritariamente, no entanto,


os autores entendem que a classificação é taxativa, tendo em vista que o direito real é um
direito público, que deve ser registrado e, ainda, porque não se pode limitar direitos de
terceiros, a não ser por expressa criação legal. Não há, portanto, de se falar em elaboração de
novos direito reais por particulares.

Esse rol do artigo 1.225 é taxativo, mas é rol não exaustivo, visto que os direitos reais
de aquisição foram criados por normas especiais, adotando-se o princípio da taxatividade.

2. POSSE

2.1. Conceito
Para SAVIGNY, posse é “a possibilidade de disposição física da coisa com ânimo de tê-la
como sua e de defendê-la contra terceiros”. Para IHERING, posse é “a exteriorização ou
visibilidade do domínio” (bastaria o ato de propriedade para ser possuidor).

O nosso sistema jurídico adota com maior intensidade o conceito de IHERING, no


entanto, não é um conceito puro, visto que o conceito de SAVIGNY também foi utilizado pelo
Código Civil.

Para o Prof. WALD, posse é “uma situação de fato que gera conseqüências jurídicas”.
Protege-se essa situação de fato, visto que há uma hipótese de que, naquela situação de fato,
exista um proprietário.
2.2. Teorias

2.2.1. Teoria subjetiva (SAVIGNY)


Nessa teoria tem-se um elemento objetivo (corpus), que é a relação material
estabelecida com a coisa, e tem-se um elemento subjetivo (animus rem sibi habendi), que é a
vontade de ter a coisa como sua.

Estabeleceram-se esses dois elementos para se distinguir posse de mera detenção, visto
que em ambas as figuras existe a relação material com a coisa. Na detenção, no entanto, essa
relação material não gera efeitos jurídicos.

2.2.2. Teoria objetiva (IHERING)


Nessa teoria tem-se apenas o elemento objetivo (corpus). Afirma-se que o animus está
inserido no corpus e que o elemento subjetivo é dispensável. Essa teoria é adotada pelo
Direito brasileiro, não havendo, então, necessidade de comprovar o animus.

2.3. Natureza Jurídica


SAVIGNY afirmava que a posse é um direito real, tendo em vista os efeitos serem reais.
IHERING afirmou que não se pode dizer que a posse é um direito real, visto que não existe
registro, sendo, então, um direito pessoal.

O sistema brasileiro, no entanto, adota outro entendimento, no qual a posse é tão-


somente um fato, não sendo direito real, nem pessoal.

2.4. Efeitos
Em primeiro lugar deve-se distinguir jus possidendi e jus possessionis. Jus possidendi
é a posse que tem por substrato uma propriedade– é o proprietário-possuidor. Jus
possessionis é a posse que não tem substrato jurídico. Tem por substrato uma mera situação
de fato.

A posse tem três efeitos básicos:

• Proteção possessória (interdicta): é a tutela possessória, que consiste em a pessoa


poder se valer do instrumento processual para proteger a relação jurídica. São as ações de
manutenção, de reintegração e o interdito proibitório.

• Usucapião: é a possibilidade de transformar a posse em propriedade.

• Legítima defesa da posse (desforço pessoal da posse): sistema de autotutela.


Esses efeitos, entretanto, variam no jus possidendi e no jus possessionis:

• No jus possidendi o titular tem como prerrogativa a proteção possessória e a


legítima defesa da posse, mas não tem direito ao usucapião, tendo em vista ser proprietário-
possuidor.

• No jus possessionis o titular terá as tutelas de possuidor-não-proprietário, quais


sejam: proteção possessória, usucapião e legítima defesa da posse.

2.5. Espécies

2.5.1. Posse direta e posse indireta


A posse direta decorre da efetiva relação material entre a pessoa e a coisa. A posse
indireta nasce por meio de uma ficção, pela qualidade jurídica do titular do direito. Essa
classificação somente será possível no jus possidendi, e poderá acontecer tanto nos contratos
(consensuais ou reais) quanto nos direitos reais limitados (exemplo: usufruto).

Essa classificação tem o efeito de proteção possessória. No caso da posse indireta, o


proprietário será o possuidor indireto da coisa. O possuidor direto tem prerrogativa
possessória, mas não poderá usucapir a coisa, tendo em vista a posse ser precária
(estabelecida por uma relação de confiança), existindo a proteção à posse indireta.

2.5.2. Posse justa e posse injusta


A posse justa é aquela que está em conformidade com o ordenamento jurídico. A posse
injusta é aquela contrária ao ordenamento jurídico, podendo ser:

• violenta: obtida mediante força física injustificada;

• clandestina: obtida às escondidas; não havendo a prática de ato material, como


plantações ou construções;

• precária: obtida por meio de uma relação de confiança entre as partes, mas retida
indevidamente.

A posse injusta poderá tornar-se justa quando o vício for sanável. Esse vício será
sanado após um ano e um dia, cessada a violência ou a clandestinidade. A precariedade,
entretanto, não convalesce jamais, ou seja, o vício não poderá ser sanado.
2.5.3. Posse de boa-fé e posse de má-fé
Trata-se aqui do elemento subjetivo da posse. A posse de boa-fé é aquela cujo titular
desconhece qualquer vício que macule a posse. A posse de má-fé se dá quando o titular sabe do
vício. No nosso sistema, prevalece a presunção da posse de boa-fé, tendo o titular direito a frutos,
benfeitorias e à retenção e notificação.

2.5.4. Posse “ad interdicta” e posse “ad usucapione”


A posse ad interdicta visa à proteção possessória. A posse ad usucapione é aquela que
visa à aquisição do domínio, da propriedade.

2.5.5. Posse nova e posse velha


É a questão temporal da posse. A posse nova é aquela cujo prazo não excede um ano e
um dia. A posse velha é aquela superior a um ano e um dia. A importância dessa distinção é
que um dos requisitos, para que seja concedida a liminar na ação possessória, é que o
possuidor não tenha deixado ultrapassar um ano e um dia.

2.5.6. Posse natural e posse civil


Posse natural é aquela que decorre da relação material entre a pessoa e a coisa. Posse civil é
aquela que decorre de lei. A posse civil pode ser de três formas:

• Constituto possessório: é uma forma de aquisição e de perda da posse em que o


possuidor pleno passa a ser apenas possuidor direto da coisa (ex.: alienação de um imóvel em
que o alienante continua no imóvel como locatário). O constituto possessório jamais pode ser
presumido, devendo vir expressamente disposto, por meio da “cláusula constituinte”, no
contrato entre as partes.

• Traditio breve manu: é aquela situação em que o possuidor direto passa a ser
possuidor pleno da coisa.

• Traditio longa manu: o possuidor da coisa, apesar de não ter tido disponibilidade
material plena, por ficção, passa a tê-la (ex.: adquire-se uma fazenda de vários hectares;
presume-se que, se o adquirente tomar posse de apenas uma pequena área, estará tomando
posse de toda a área, ficticiamente).
2.5.7. Posse quase-posse e composse
Posse quase-posse é aquela que decorre dos direitos reais limitados sobre coisa alheia
(exemplo: posse do usufrutuário, posse do usuário etc.).

Composse é a posse comum, exercida por duas ou mais pessoas, sobre parte ideal da
coisa. A composse gera dois efeitos:

• os compossuidores podem exercer proteção possessória e usucapião;

• os compossuidores podem exercer proteção possessória uns contra os outros.

2.5.8. Posse pro diviso e posse pro indiviso


Posse pro diviso é aquela exercida sobre parte específica da coisa. Posse pro indiviso é
aquela exercida sobre parte ideal.

2.6. Aquisição da Posse


O Código Civil de 1916 tratava da aquisição e perda da posse, nos Capítulos II e IV,
tal qual o Código atual. Porém, a grande crítica em relação ao Código Civil de 1916 é que,
para a aquisição da posse, o Código Civil anterior adotava a teoria de SAVIGNY (corpus +
animus). Se fosse utilizada a teoria de IHERING, não haveria formas de aquisição da posse,
tendo em vista que qualquer relação material geraria a aquisição da posse. O artigo 493 do
Código Civil anterior apresentava um rol exemplificativo das formas de aquisição da posse:

• pela aquisição da coisa (apreender para si);

• pela disposição da coisa (tirar de si);

• por qualquer outra forma.

O atual Código Civil, no seu artigo 1204, por adotar a teoria de Ihering apenas
estabelece: "Adquire-se a posse desde o momento em que se torna possível o exercício, em
nome próprio, de qualquer dos poderes inerentes à propriedade".

2.6.1. Classificação dos modos de aquisição da posse


a) Quanto ao ato de vontade

• Unilateral:

− disposição;
− apreensão: res nullius, quando for coisa de ninguém, ou res derelicta, quando
for coisa abandonada;

− exercício do direito.

• Bil
ateral:

É a posse por contrato (tradição). Na relação contratual, a tradição (entrega da coisa)


pode acontecer de três maneiras:

− efe
tiva: ocorre a entrega da própria coisa na relação contratual;

− si
mbólica: não ocorre a entrega da coisa e, sim, da representação da mesma;

− co
nstituto possessório: não ocorre a entrega efetiva da coisa e, sim, uma mera ficção.

b) Quanto aos efeitos

• Originária: é aquela em que não existe relação de causalidade entre o possuidor


atual e o possuidor anterior (ex.: esbulho).

• Derivada: é aquela em que existe o nexo de causalidade entre o possuidor atual e o


possuidor anterior (ex.: com a morte do pai, a posse transmite-se ao filho).

Os efeitos que decorrem dessa classificação são:

• Ninguém pode transmitir mais direitos do que tem, ou seja, a posse é transmitida
com o mesmo caráter que ela possui (ex.: havendo posse precária, se transmitida,
ainda será precária).

• Acessão da posse: é a soma do tempo da posse atual com o da posse anterior, na


posse derivada. Jamais poderá acontecer na posse originária, tendo em vista que há
necessidade de nexo de causalidade para que seja somado o tempo.

2.6.2. Aquisição a título universal


É a aquisição do conjunto de bens e direitos do indivíduo. Só ocorre na hipótese de causa
mortis, ou seja, não se transmite a universalidade de bens a não ser por herança. Essa transmissão
se dá, sempre, pelo modo derivado. O bem nunca pode ficar sem um titular (Princípio da
Saisine), ou seja, quando morre o titular do bem, esse bem será imediatamente transmitido para
os seus herdeiros.
2.6.3. Aquisição a título singular
Pode se dar inter vivos ou causa mortis (legado). A transmissão do legado pode se dar
tanto pelo modo originário quanto pelo modo derivado, dependendo da vontade do legatário
(artigo 1.207 do Código Civil), ou seja, o legatário irá escolher se a transmissão se fará pelo
modo derivado ou pelo modo originário.

2.7. Sujeitos

2.7.1. Parte
É aquele que tem a relação material com a coisa. É o chamado titular. O incapaz, para
adquirir posse, não precisa estar representado ou assistido, tendo em vista ser a posse uma
relação material e não jurídica.

2.7.2. Procurador
É aquele que recebe, numa relação contratual, o poder de exercer a posse em nome de
outrem.

2.7.3. Gestor
A gestão de negócios é um ato unilateral, ratificado pela parte.

2.8. Perda da Posse

Perde-se a posse por meio de três vias: perda do corpus, perda do animus, ou perda do corpus
e do animus.

2.8.1. Perda do corpus


Perde-se o corpus nas seguintes hipóteses:

a) Perecimento

O artigo 78 do Código Civil de 1916 informava as hipóteses de perecimento:

• perda das qualidades essenciais ou valor econômico (o valor econômico é


fundamental, tendo em vista ser a diferenciação entre coisa e bem);
• quando se torna intangível ou inseparável de outro bem.

b) Fora do comércio, portanto, inalienável

Perde-se o corpus somente em relação a alguns efeitos decorrentes da posse.

c) Afastamento

Perda da relação material com a coisa.

2.8.2. Perda do “animus”


Perde-se o animus por meio do constituto possessório

2.8.3. Perda do “corpus” e do “animus”


Perde-se o corpus e o animus pela tradição ou pelo abandono, tendo em vista que eles
cessam os efeitos decorrentes da relação material com a coisa.

Observação: Pelo disposto no artigo 1.209 do Código Civil, presume-se que o


possuidor do bem imóvel é possuidor de todos os bens móveis que o compõe (presunção juris
tantum), ou seja, ocorre a inversão da prova. Como decorrência disso temos um princípio no
direito de família, qual seja: “Todos os bens móveis no casamento pertencem à comunhão”.

Observação: O artigo 1.224 do Código Civil apresenta o princípio de aderência


(direito de seqüela) dos bens móveis. Estabelece, no caso de perda ou de furto, o
direito de seqüela, ou seja, o titular pode ir atrás do bem onde ele estiver. A doutrina
entende, por meio do princípio da simetria do direito (aplicação de efeitos a institutos
análogos), que esse artigo será estendido ao roubo, não podendo, entretanto, ser
estendido ao estelionato e à apropriação indébita, tendo em vista, nesses dois casos,
haver a entrega voluntária da coisa. Só haverá o direito de seqüela enquanto não
houver o usucapião do objeto móvel.
2.9. Efeitos da Posse

2.9.1. Legítima defesa da posse


Também chamada de desforço físico, é a auto-tutela, em que o titular, usando meios
moderados, repele turbação ou esbulho na posse.

Os requisitos são os mesmos da legítima defesa em Direito Penal, tendo em vista não
existir diferença entre a responsabilidade civil e a responsabilidade penal. São eles:

• uso dos meios necessários;

• moderação;

• ocorrência de injusta agressão;

• atual ou iminente;

• posse.

Na hipótese de excesso na legítima defesa da posse, sendo doloso ou culposo, aplica-se


o artigo 186 do Código Civil, gerando indenização, ou seja, o excesso não gera a perda da
posse, mas sim uma indenização.

2.9.2. Acessórios da coisa


São os frutos e as benfeitorias. Os frutos são melhoramentos internos da coisa, ou seja,
aumento da qualidade ou quantidade interna da coisa. As benfeitorias são acréscimos externos
da coisa, ou seja, aumento da qualidade ou quantidade externa da coisa.

Os frutos podem ser:

• materiais: decorrem da natureza;

• industriais: decorrem da mão humana;

• legais: decorrem da lei.

As benfeitorias podem ser:

• necessárias: aquelas indispensáveis à manutenção da coisa, ou seja, o acréscimo


mantém o valor econômico da coisa;

• úteis: aquelas que aumentam a qualidade econômica da coisa por gerar maior
utilidade;
• voluptuárias: aquelas que aumentam substancialmente o valor econômico da coisa
para lhe garantir maior deleite.

Existem três princípios que regem a matéria:

• ac
essório segue o principal: quem possui o principal possui também o acessório;

• re
s perit domino: a coisa perece para o dono;

• pri
ncípio da boa-fé: existe a presunção de boa-fé; ou seja, no silêncio, presume-se a posse de
boa-fé

2.9.3. Efeitos da posse de boa-fé

a) Em relação aos frutos

O possuidor de boa-fé terá direito aos frutos percebidos e colhidos, direito aos frutos
pendentes, e direito à indenização pela produção e custeio (todos os aparatos da coisa).

b) Em relação às benfeitorias

O possuidor tem direito a indenização plena pelas benfeitorias necessárias, úteis e


voluptuárias, direito de retenção pelas benfeitorias necessárias e úteis (poderá reter a coisa até
que seja indenizado) e direito a levantar as benfeitorias voluptuárias se não houver
indenização por elas.

c) Em relação à deterioração

Em tese, o possuidor é irresponsável pela deterioração natural. Tem responsabilidade


subjetiva.
2.9.4. Efeitos da posse de má-fé

a) Em relação aos frutos

O possuidor de má-fé tem obrigação de devolução dos frutos percebidos e colhidos,


perderá os frutos pendentes e tem o direito de ser indenizado pela produção e custeio (visa ao
não enriquecimento indevido de terceiros).

b) Em relação às benfeitorias

O possuidor perderá as benfeitorias úteis e voluptuárias, terá direito à indenização


pelas benfeitorias necessárias e não poderá reter a coisa, nem levantar, se não houver
indenização por elas.

c) Em relação à deterioração

O possuidor de má-fé tem responsabilidade objetiva. Será responsável por qualquer


perecimento, só podendo se eximir se demonstrar que a deterioração ocorreria em qualquer
hipótese. Há a inversão do ônus da prova.

2.9.5. Prescrição aquisitiva (usucapião)


É um efeito possessório. A passagem do tempo com uma relação de posse gera a
propriedade. É a única em que o proprietário não tem publicidade, tendo em vista que a
sentença do juiz, no usucapião, é meramente declaratória, não havendo registro. Nesse caso, a
propriedade é adquirida com o decurso do tempo, independente de haver ou não registro.

Existem dois sistemas regendo essa matéria:

• Constitucional: trata de imóvel. Trabalha com duas hipóteses: pro labore e pro
misero. Ambas tem prazo de cinco anos.

• Legal (Código Civil): trata de móvel e imóvel. Trabalha com cinco hipóteses– nos
móveis: extraordinário (5 anos) e ordinário (3 anos); nos imóveis: extraordinário (15 anos) e
ordinário (10 ou 5 anos). Menciona ainda as duas modalidades constitucionais e usucapião
coletivo (artigo 1228, § 4.º, do Código Civil).

3. AÇÕES POSSESSÓRIAS (INTERDITOS POSSESSÓRIOS)


Existem dois grupos de ações possessórias:

• Típicas: são aquelas que tratam da relação material da pessoa com a coisa. Podem
ser: reintegração de posse, em caso de esbulho; manutenção de posse, em caso de turbação,
ou interdito proibitório, em caso de ameaça.

• Atípicas: são aquelas que tratam, além da relação material, da relação jurídica e
suas conseqüências no sistema jurídico. Podem ser: embargos de terceiros possuidores,
nunciação de obra nova, ou imissão de posse (necessita de título).

Observação: Exceptio domini ou exceptio proprietatis: é o fenômeno segundo o qual o


réu alega, na defesa, ser titular do domínio nas ações possessórias.

Quanto à alegação de domínio (exceptio domini) nas ações possessórias, existem duas
posições:

• Artigo 505 do Código Civil de 1916: “Não obsta à manutenção, ou reintegração na


posse, a alegação de domínio ou de outro direito sobre a coisa. Não se deve, entretanto, julgar a
posse em favor daquele a quem evidentemente não pertencer o domínio”. O artigo 505, em sua
primeira parte, dispõe que não se pode alegar domínio sobre a coisa; entretanto, na segunda parte,
dispõe que não se deve julgar em favor daquele que não tem o domínio.

• Artigo 923 do Código de Processo Civil: “Na pendência do processo possessório, é


defeso, assim ao autor como ao réu, intentar a ação do esbulho cometido pelo autor”. O artigo
923 proíbe a alegação de domínio sobre a coisa, em caso de ação possessória.

Regra geral, portanto, em matéria possessória, o juiz não irá decidir domínio;
entretanto, existem duas exceções a essa regra:

• Súmula n. 487 do Supremo Tribunal Federal: se as duas partes fundamentarem a


posse em propriedade (se os dois alegarem ser proprietários), o juiz deverá julgar pela
propriedade.

• Julga-se pelo domínio quando não se prova posse, ou seja, se nenhuma das partes
provar a posse, o juiz julgará pelo domínio.

O Novo Código Civil sepulta todo o problema no seu artigo 1.210, § 2.º, pois
determina: "Não obsta a manutenção ou reintegração na posse a alegação de
propriedade, ou de outro direito sobre a coisa". Portanto, pelo novo sistema não existe
"exceptio proprietatis", não podendo ser adotada a Súmula 487 do Supremo Tribunal
Federal.

As ações possessórias, no Código de Processo Civil, são tratadas com quatro regras
fundamentais, quais sejam:
a) Duplicidade

É a hipótese em que a ação possessória dá cognição plena ao juiz, independentemente


da reconvenção. O réu contrapõe, na mesma ação, pedido possessório. Não existe
reconvenção: a contestação tem caráter de reconvenção. O fundamento dessa regra é a
celeridade e, por ser posse, é uma situação de fato.

b) Fungibilidade

A ação possessória pode ter seu pedido alterado no curso da demanda possessória,
entretanto, somente no que diz respeito à tutela possessória. É a mutabilidade do pedido no
curso da demanda.

c) Cumulatividade

O pedido não precisa ser exclusivamente possessório. Poderão ser pedidos, também,
indenização, perdas e danos, e multa. Tem todo um caráter patrimonial, visto que, além da
situação possessória, pode-se cumular quanto ao patrimônio.

d) Rito próprio

É um rito especial para a demanda possessória. Começa com uma petição inicial, que
possui os requisitos gerais do artigo 282 e requisitos específicos de ação possessória:

• existência da posse;

• existência de turbação, esbulho ou ameaça;

• data da turbação, esbulho ou ameaça, para fins de liminar (1 ano e 1 dia);

• perda ou manutenção da posse.

Uma vez presentes esses requisitos, o juiz poderá, ao despachar a inicial, praticar três
atos:

• indeferir a inicial;

• conceder liminar, sem ouvir a parte contrária;

• determinar audiência de justificação: diante da impossibilidade de concessão da


liminar, de plano, poderá o juiz determinar audiência de justificação acerca das determinações
do artigo 927 do Código de Processo Civil.
O réu deve ser citado para a audiência de justificação. Nessa audiência, o réu não pode
apresentar suas testemunhas; não precisa apresentar resposta e não pode apresentar alegações
no termo de audiência. O réu pode contraditar testemunhas do autor e reperguntar às
testemunhas. A partir da audiência de justificação começa a fluir o prazo para resposta, que
será de 5 dias. No mais, segue o rito ordinário da Parte Geral do Código de Processo Civil.

3.1. Ação de Imissão na Posse


Não existe essa tutela no sistema jurídico brasileiro. Era prevista no Código de
Processo Civil de 1939, entretanto, no Código de Processo Civil de 1970 não foi incluída.

É a ação do proprietário não-possuidor (adquirente) contra o possuidor não-


proprietário (alienante). É uma ação típica de proprietário. Inexistindo um rito especial, a
imissão na posse estará revestida de uma ação ordinária ou uma execução de entrega de coisa
certa.

3.2. Nunciação de Obra Nova


É a paralisação de obra nova. É a ação promovida pelo proprietário, possuidor ou
município, para as hipóteses em que haja dano ou desobediência à postura legal ou
administrativa. Tem legitimação para agir:

• proprietário ou possuidor contra qualquer espécie de dano causado pelo vizinho;

• condômino contra modificação da coisa comum;

• município, sempre que houver desrespeito ao Código de Obras ou desobediência à


postura legal.

O pedido na nunciação de obra nova, além da paralisação da obra, pode ser de


modificação ou demolição da coisa, de indenização, ou de multa.

Notificação verbal é um ato formal pelo qual o proprietário ou possuidor comparece na


obra nova, acompanhado de duas testemunhas, e paralisa verbalmente a construção. A única
eficácia que teria esse procedimento é que, na procedência final do pedido, a incidência de
multa pode ocorrer da data da notificação verbal ratificada judicialmente.

Segue-se o mesmo procedimento das ações possessórias. O indeferimento da inicial


pode ocorrer quando o juiz julga que a obra já não é mais nova, visto estar na fase final de
acabamento.

Nessa ação, o prazo de contestação, nos termos do artigo 938 do Código de Processo
Civil vigente é de 5 dias, contados da juntada aos autos da citação feita pelo oficial de justiça,
deferido ou não o embargo, ou da audiência de justificação prévia, quando o juiz considerar
necessária a sua realização.
No caso de nunciação de obra nova proposta contra condôminos com procuradores
diferentes, aplicar-se-á o disposto no artigo 191 do mesmo diploma, caso não haja
substituição processual por um deles (quando apenas um vem a juízo na defesa de interesses
próprios e de terceiro). Logo, nesta hipótese (procuradores diversos para litisconsortes no
pólo passivo), tem-se o prazo em dobro para apresentar contestação (10 dias, contados
conforme acima).

3.3. Embargos do Terceiro Possuidor


É a tutela que garante ao terceiro, que não é parte nem terceiro interveniente em processo
de conhecimento ou de execução, a prerrogativa de obter tutela possessória, a fim de resguardar a
relação material de constrição judicial. O prazo para a interposição desses embargos, na ação de
conhecimento, corre até o trânsito em julgado da sentença; e, na ação de execução, é de 5 dias
contados da hasta pública positiva, ou cinco dias antes da assinatura da carta.

O rol do artigo 1.046 do Código de Processo Civil é meramente exemplificativo. É


possível que um possuidor obtenha liminar nos embargos do terceiro possuidor, desde que
caucione.

3.4. Actio Damni Infecti


É a tutela que tem o possuidor ou proprietário contra risco futuro, que possa incidir em sua
propriedade, proveniente de futura obra de terceiro. É uma preliminar de nunciação de obra nova.
Não há obra nova, serve para resguardar-se de futuro prejuízo que aquela futura obra possa
causar. É uma ação ordinária.

3.5. Ação Publiciana


É uma ação de caráter reivindicatório, na qual o possuidor, que não tem prazo para o
usucapião, mas está em vias de alcançá-lo, requer proteção possessória cumulada com
proteção para futura aquisição de domínio.

O possuidor tem posse justa, prazo próximo para usucapião e justo título, e requer que
seja mantido na posse até que seja completado o prazo. Não se pode propor ação publiciana
contra o proprietário, visto que não há prazo e, em regra, o direito possessório é
imprescritível.

4. POSSE SOBRE SERVIDÕES

Servidão é um direito real limitado em que o terceiro pode utilizar a coisa alheia. Para
que gere um efeito possessório, são necessárias duas características:
• a servidão deve ser aparente (aquela em que há atos materiais exteriores);

• a servidão deve ser contínua (práticas constantes desses atos materiais


possessórios).

A servidão de trânsito ou de passagem é aparente, mas não é contínua (a posse pode


ser esporádica). De acordo com o artigo 1.213 do Código Civil, a servidão de trânsito ou de
passagem não pode gerar efeitos possessórios; entretanto, a Súmula n. 415 do Supremo
Tribunal Federal dispõe que, ainda que não haja continuidade, essa servidão gera efeitos
possessórios.
CURSO DO PROF. DAMÁSIO A DISTÂNCIA

MÓDULO XIV

DIREITO CIVIL

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DIREITO CIVIL

Prof. Vitor Frederico Kümpel

1. PROPRIEDADE

1.1. Conceito
É uma garantia fundamental do homem (artigo 5.º, caput, da Constituição Federal/88).
A lei prevê a inviolabilidade, possuindo a propriedade status de direito fundamental. É a
garantia fundamental do homem, que dá a esse o poder de usar, gozar e fruir da coisa, tendo
poder sobre ela, mas também limitações econômicas e sociais.

O conceito de propriedade passou por três fases históricas: sistema do liberalismo,


interesse estatal e neoliberalismo.

1.1.1. Sistema do liberalismo


A propriedade é vista como direito privado, por isso foi colocada no Código Civil. O
Estado não intervém na propriedade, sendo essa absoluta e ilimitada (poder pleno da pessoa
sobre a coisa).

1.1.2. Interesse estatal


A propriedade passa a ser direito público, ganhando algumas limitações
administrativas, quais sejam:

• Requisição: o ente público pode se valer da propriedade e depois indenizar;

• Desapropriação por interesse social: antes era somente por utilidade ou


necessidade pública.

1.1.3. Neoliberalismo
A propriedade volta a ser direito privado, porém, desde que seja cumprida a função
suprameta-individual. É uma proteção da coletividade e não do Estado. Surgem os interesses
difusos e coletivos, com o controle desses interesses.
1.2. Estrutura da Propriedade (Artigo 1.228, "caput", do Código Civil)

1.2.1. Externa
Na estrutura externa, o sujeito ativo é o dominus (titular), o sujeito passivo são todos
(eficácia erga omnes) e o objeto são todos os bens com apreciação econômica. A relação
jurídica estabelece só o direito do titular, em que sua maior prerrogativa é o direito de seqüela
(artigo 1.228, "caput" do Código Civil). O sujeito passivo tem obrigação de não interferência.

1.2.2. Interna
A estrutura interna é composta pelos direitos de usar (obter a utilidade da coisa – jus
utendi), fruir (diz respeito aos frutos – jus fruendi) e dispor (alienar, abandonar ou auto-
limitar – jus disponendi).

O direito real limitado é o fracionamento dessas prerrogativas para mais de uma pessoa
(ex.: o possuidor tem o direito de usar e de fruir, mas não tem o direito de dispor).

Observação: Princípio da Elasticidade: por mais que se fracione as prerrogativas de


poder, num dado momento reorganizam-se os direitos para um único titular.

1.3. Características da Propriedade


A propriedade é um direito absoluto, exclusivo, perpétuo, aderente e limitado. A
limitação abarca todas as demais características. Pode-se dizer, então, que a propriedade tem
cinco características.

1.3.1. Absoluta
Visto que é um direito pleno, possuindo uma relação de poder, de usar, fruir e dispor.

1.3.2. Exclusiva
Visto que somente um indivíduo pode ter as prerrogativas daquela propriedade
(princípio da exclusividade).

1.3.3. Perpétua
Visto que é transmissível causa mortis. No direito privado, existem duas exceções ao
princípio da perpetuidade:

• Propriedade resolúvel (artigo 1.359 do Código Civil): é uma causa antecedente ou


concomitante à transmissão da propriedade e que gera, por parte do terceiro, o poder de
reivindicar a coisa do novo titular. É uma limitação ao princípio da perpetuidade. Causa
antecedente ou concomitante é uma causa contratual, pré-conhecida das partes, anterior à
tradição (ex.: pacto de retrovenda).

• Propriedade revogável (artigo 1.360 do Código Civil): é uma causa superveniente,


não prevista pelas partes, na qual a propriedade se consolida nas mãos de terceiro de boa-fé,
não cabendo reivindicação por parte do legítimo titular, a não ser em caso excepcional. Causa
superveniente é uma causa que ocorre após a transmissão efetiva da coisa (exemplos: herdeiro
aparente, revogação da doação por ingratidão etc.).

Observação: Herdeiro aparente é aquele que se apresenta aos olhos de todos como se
herdeiro fosse, no entanto, nunca foi herdeiro legal. Acontece nos casos da indignidade.

1.3.4. Aderente
É a prerrogativa do titular de trazer para si a coisa, independentemente de onde ela
esteja, por meio de ação reivindicatória. Têm-se 3 ações decorrentes dessa ação :

• Negatória: é a ação que tutela a propriedade em face à alegação de um direito real


limitado, ou seja, a pessoa vem para negar um direito real limitado.

• Divisória: é a tutela do condômino, para fins de extinção do condomínio e divisão


da coisa comum. O bem não pode ter cláusula de indivisibilidade.

• Demarcatória (actio finium regundorum): é aquela que visa restabelecer marcos


destruídos, arruinados ou apagados, ou seja, visa reconstruir a exata área de um determinado
imóvel.

1.3.5. Limitada
Existem dois tipos de limitação:
a) Limitações voluntárias

Podem ser:

• Limitações que se estabelecem no contrato por meio de cláusulas restritivas de


inalienabilidade, incomunicabilidade, impenhorabilidade e indivisibilidade (somente poderão
estar dispostas em contratos não onerosos).

• Propriedade gravada, ou seja, quando existe a imposição de um direito real limitado


(exemplo: usufruto).

• Bem de família (artigo 1.715 e ss. do Código Civil), que poderá ser compulsório
(Lei n. 8009) e voluntário (artigo 1.715 do Código Civil). A vantagem do bem de família
voluntário sobre o compulsório é que, no primeiro, pode-se gravar qualquer bem como sendo
de família.

b) Limitações legais

Podem ser:

• de direito público (desapropriação, requisição, tombamento, tributação);

• de direito privado (todas as relações jurídicas de vizinhança, que seriam limitações


para construir, sossego e saúde dos imóveis vizinhos etc.);

• de direito social (Lei de Locação, Estatuto da Terra, Código de Defesa do


Consumidor etc.).

1.4. Aquisição da Propriedade Imóvel

1.4.1. Considerações Gerais


O Código Civil faz distinção entre a forma de aquisição mobiliária e a forma de
aquisição imobiliária. Bens móveis são aqueles passíveis de locomoção, sem modificar sua
natureza; os outros serão considerados bens imóveis. A forma mais usada para a aquisição de
bens imóveis é a transcrição, que seria uma tradição formal. Existem, entretanto, outras
formas de aquisição que serão comuns, ou não, entre os bens móveis e os bens imóveis.

A acessão (incorporação ao objeto principal de tudo quanto a ele adere ou aumenta em


volume ou valor) é uma forma de aquisição de propriedade, comum tanto para os bens
móveis quanto para os imóveis. Também comum entre os bens é o usucapião, que é uma
forma de aquisição pelo decurso do prazo.

O direito hereditário é uma forma de aquisição que somente existe para os bens
imóveis, visto que o sistema brasileiro estabeleceu um critério de imobilidade para os bens de
herança, para que não haja o dissipamento do patrimônio. Então, após a morte do de cujus,
todos os bens, móveis ou imóveis, serão considerados legalmente imóveis, a fim de que se
possa fazer um controle dos bens deixados pelo de cujus.

O rol do artigo 1.245 do Código Civil, que trata das formas de aquisição de bem
imóvel, é taxativo: há somente 4 formas de aquisição de bem imóvel. A aquisição de bem
imóvel pode ser classificada quanto ao modo e quanto ao título.

Quanto ao modo pode ser:

• originário (não existe relação causal entre proprietário anterior e proprietário atual);

• derivado (existe relação causal entre proprietário anterior e proprietário atual).

Quanto ao título pode ser:

• universal (conjunto de bens indeterminados);

• singular (bem certo e determinado).

A transcrição é uma forma de aquisição de modo derivado (faz-se somente por


contrato) a título singular (bem certo e determinado). A acessão e o usucapião são formas de
aquisição de modo originário à título singular, e o direito hereditário é forma de aquisição de
modo derivado e pode ser à título singular (através do legado testamentário) ou universal
(através da forma aberta).

1.4.2. Transcrição
Regulada nos artigos 197 e seguintes da Lei n. 6.015/73, é uma forma derivada de
aquisição da propriedade imobiliária, formal, por meio da publicidade do contrato translativo
junto ao Registro de Imóveis. O princípio da publicidade estabelece uma presunção absoluta:
“o ato passa a ser de conhecimento geral, não havendo possibilidade de alegação em
contrário”.

Além desse princípio, têm-se outros três que regem a transcrição:

• Princípio da continuidade: os registros se dão pela ordem cronológica da


apresentação. Esse sistema ordenado é importante para garantir os privilégios dos créditos
reais.

• Princípio da individuação: cada bem imóvel é individualizado no sistema registral,


existindo uma ordem numérica das matrículas.

• Princípio da veracidade registral: apresenta uma presunção relativa de que o


conteúdo da transcrição é verdadeiro.
Para ocorrer a transcrição, segue-se o seguinte rito:

1.º) Realização, elaboração do contrato translativo (compra e venda, doação,


compromisso retratável de compra e venda, troca).

2.º) Apresentação desse contrato ao Registro de Imóveis.

3.º) Prenotação: é um ato administrativo vinculado, no qual o oficial registra o contrato


translativo no livro protocolo – chave geral do registro. É um ato fundamental, visto que a
prenotação dá a prerrogativa real ao titular, e o oficial de registro, depois de prenotar, não tem
como devolver à parte o contrato sem passar pelo crivo do juiz corregedor.

4.º) Na fase da prenotação têm-se três atitudes que poderão ser tomadas pelo oficial:

• poderá fazer nota de exigência (complementar a documentação para fins de registro


no prazo de 30 dias);

• poderá registrar;

• poderá suscitar dúvida (dúvida é o procedimento administrativo no qual o oficial


entende descabido o registro e requer o cancelamento da prenotação pelo juiz corregedor).

5.º) Em caso de dúvida, o oficial deverá remeter ao juiz corregedor e notificar o


interessado, que terá 15 dias para se defender.

6.º) Após a notificação do interessado, esse poderá apresentar defesa, ou não (revelia).

7.º) Deve-se levar à vista do Ministério Público em 10 dias.

8.º) O Ministério Público pode requerer a produção de provas (diligências, audiências);

9.º) O processo poderá ser julgado procedente ou improcedente;

10.º) Dessa decisão cabe apelação, em 15 dias, para o Conselho Superior da


Magistratura. Dessa decisão não cabe recurso administrativo. Havendo qualquer problema,
deve-se recorrer à via judicial.

Observação: Dúvida inversa é um procedimento administrativo intentado pelo


particular nas hipóteses em que o oficial se recusa a prenotar.

Observação: O procedimento de dúvida se aplica analogicamente aos outros sistemas


registrais (assento de nascimento, casamento etc.).
1.4.3. Acessão
É a incorporação a um objeto principal de tudo quanto se lhe adere em volume ou em
valor (exemplo: construir uma casa em terreno vazio). Compõe a espécie do gênero
acessórios da coisa. São três os acessórios da coisa: acessão, frutos e benfeitorias.

Existem duas classificações das acessões: quanto à origem e quanto ao


objeto.

a) Quanto à origem

• naturais: vem da força da natureza, sem intervenção humana. Regulada pelo


Código de Águas (Decreto n. 24.643/34), são as formações de ilhas, os aluviões, avulsão e
álveos abandonados;

• industriais: aquelas feitas pelo homem (construções);

• mistas: aquelas que têm intervenção do homem e da natureza (plantações e


semeaduras).

b) Quanto ao objeto

• imóvel a imóvel: todas as hipóteses naturais;

• móvel a imóvel: construções, plantações e semeaduras;

• móvel a móvel: comistão, adjunção, especificação e confusão.

Algumas considerações devem ser feitas quanto aos objetos da acessão:

• Ilhas: o Código de Águas dispõe que as ilhas podem ser bens públicos ou bens
particulares, dependendo da natureza da água (ilha em água pública é bem público; ilha em
água particular é bem particular). A incorporação de ilha particular ocorre na proporção da
testada do imóvel ribeirinho, através de uma linha perpendicular até o meio do álveo.

No caso de leito abandonado, haverá a incorporação da área seca na proporção da


testada. Ainda que o rio seja público, havendo leito abandonado, poderá a área seca
incorporar bem particular. Não haverá indenização para os particulares que tiverem seus
imóveis atingidos pelo novo curso do rio.

• Aluvião: é uma incorporação imperceptível junto ao imóvel ribeirinho, não gerando


nenhuma espécie de indenização. Aluvião impróprio é aquele que decorre da seca natural da
água (diminuição do volume da água).
• Avulsão: é uma incorporação abrupta que normalmente decorre do deslocamento de
área de um imóvel a outro. É a única hipótese que cabe indenização prevista no Código de
Águas. Estabelece-se um prazo decadencial para requerer a indenização. O beneficiário, nessa
ação indenizatória, pode optar por indenizar ou permitir a retirada da coisa.

• Construções e Plantações: há uma única regra – acessório segue o principal. O


dono do terreno é sempre o dono do principal (critério do bem de raiz). Existe a presunção
relativa de que o dono do principal é o dono do acessório, havendo necessidade de prova em
contrário.

Observação: Principal próprio e acessório alheio: utilização de material de terceiro


para construção em terreno próprio. Se o sujeito estiver de boa-fé, deverá indenizar o terceiro
no valor do material utilizado. Se o sujeito agir de má-fé, deverá indenizar o terceiro no valor
agregado (valor do que foi construído) somado com perdas e danos.

Observação: Principal alheio e acessório próprio: Se o sujeito agiu de boa-fé, terá


direito à indenização. Se o sujeito agiu de má-fé, será obrigado a demolir o acessório e pagar
perdas e danos (deve devolver o imóvel no estado em que estava).

1.5. Usucapião
É uma forma originária de aquisição da propriedade móvel ou imóvel por meio do
exercício da posse, em obediência aos pressupostos legais.

O usucapião classifica-se em:

a) Usucapião imóvel

Pode ser constitucional ou legal. O usucapião constitucional recepcionou o usucapião


legal, ficando este supletivo àquele. Em primeiro lugar, deve-se verificar se é possível o
usucapião constitucional; no caso de impossibilidade, utiliza-se o usucapião legal. O
usucapião constitucional prevê o usucapião urbano e o usucapião rural. Ambas as
modalidades estão expressamente previstas pelo Novo Código Civil nos artigos 1.239 e 1240.
O usucapião legal prevê as modalidades de ordinário e extraordinário (ambos possuem os
mesmos pressupostos).

b) Usucapião móvel
Pode ser extraordinário ou ordinário.

1.5.1. Usucapião constitucional urbano (pro misero)


Existem dois critérios que diferenciam o imóvel urbano do imóvel rural:

• Localização: é o critério topográfico – onde o imóvel se localiza; estando em


município com mais de 20.000 habitantes, será considerado imóvel urbano;

• Destinação: critério adotado pelo Estatuto da Terra, em que pouco importa a


localização; havendo atividade rural, o imóvel será considerado rural.

A Constituição Federal/88 não recepcionou o critério da destinação (utilizado pelo


Estatuto da Terra), então, será considerado urbano todo imóvel que estiver localizado em área
urbana.

A área do imóvel urbano, para ser objeto desse usucapião, deverá possuir até 250m2.
Caso o imóvel possua mais de 250m2, deve-se adotar o usucapião legal– aguardar o tempo
previsto na lei para após, se for o caso, usucapir. Para todas as modalidades de usucapião, a
posse deve, obrigatoriamente, ser justa (não violenta, não clandestina e não precária).

O imóvel deve ainda servir de moradia própria ou familiar e ser o único; o possuidor
deve estar na posse do imóvel por, no mínimo, cinco anos ininterruptos, não se admitindo a
soma do prazo pelos antecessores. A Constituição Federal/88 exige que a própria pessoa
esteja no imóvel por cinco anos, salvo nos casos de sucessão por morte.

1.5.2. Usucapião constitucional rural (pro labore)


O imóvel deve ser rural e com até 50 hectares, devendo haver posse justa. Exige-se,
ainda, a produtividade do imóvel. Para o sistema constitucional, produtividade significa a
subsistência do possuidor, não havendo necessidade de lucro. Deve haver a produção por
cinco anos, no mínimo, e o imóvel deve servir de moradia, sendo o único bem da família.
1.5.3. Usucapião legal
Tem os seguintes pressupostos (tanto para o usucapião ordinário, quanto para o
extraordinário):

• Res habilis (coisa): todos os bens poderão ser usucapidos, salvo aqueles que o
sistema legal veda expressamente. Não podem ser usucapidos: bens públicos, fora do
comércio, servidões não aparentes ou descontínuas, áreas de proteção difusa ou coletiva e
toda área que decorre de posse precária (suspensão ou interrupção do prazo prescricional –
relação contratual).

Observação: Não existe relação de simetria entre a prescrição extintiva e a prescrição


aquisitiva. Quando se trata de prescrição extintiva, o objeto é o direito de ação,
permanecendo o direito material. Na prescrição aquisitiva é necessário um terceiro que venha
exercer a posse.

• Titulus (justo título): é o documento, o contrato translativo que, por vício formal,
não gera registro. No usucapião extraordinário, há uma presunção absoluta de existir o justo
título (artigo 1.238 do Código Civil). Essa presunção absoluta decorre do prazo de 15 anos na
posse do imóvel. No usucapião ordinário, há um ônus do autor, havendo necessidade da
juntada do justo título na petição inicial, não existindo a presunção.

• Fides (boa-fé): é o total e absoluto desconhecimento de qualquer vício na posse. No


usucapião extraordinário, há uma presunção absoluta de boa-fé. No usucapião ordinário,
também há uma presunção de boa-fé, entretanto, essa é relativa (artigo 1.201, parágrafo
único, do Código Civil).

• Possessio (posse): essa relação possessória, para gerar o usucapião, deve ser
sempre justa (não violenta, não clandestina e não precária), devendo convalescer com mais
um ano e um dia e sem interrupção. Nesse caso, cabe o acessio temporis, ou seja, pode haver
a soma do tempo de posse dos antecessores.

• Tempus (prazo): o prazo é de 15 anos para o usucapião extraordinário e de 10 anos


para o usucapião ordinário.

Observação: Alguns autores estabelecem um 6.º pressuposto – “a sentença tem


natureza constitutiva”. É, entretanto, um entendimento equivocado, visto que a sentença do
usucapião é declaratória, tendo efeitos ex tunc. Não há necessidade de registro do imóvel para
que haja a propriedade, somente deve existir os cinco pressupostos anteriores.
2. RELAÇÃO DE VIZINHANÇA

2.1. Considerações Gerais


É o complexo de direitos e obrigações que se estabelece entre os titulares de imóveis
vizinhos. O Código Civil fala em direito de vizinhança, entretanto, o que se estabelece são
obrigações entre vizinhos. Essas obrigações são de sujeição e abstenção.

Tem três institutos importantes:

• uso nocivo da propriedade;

• árvores limítrofes;

• passagem forçada.

As relações de vizinhança são obrigações propter rem (obrigações da própria coisa). A


obrigação propter rem é aquela que vincula a pessoa enquanto titular da coisa. Tem uma
grande característica: está sujeita à figura do abandono, ou seja, não acompanha a pessoa.

É então uma obrigação que acompanha a pessoa somente enquanto essa está na
propriedade da coisa (exemplos: obrigação de silêncio, despesas de condomínio). A obrigação
não recai sobre a pessoa,mas sim sobre a coisa. A obrigação propter rem nasce de norma
legal, nunca podendo nascer da vontade das partes. Não cabe, portanto, aplicação de analogia.

2.2. Uso Nocivo da Propriedade


É o exercício regular do direito de propriedade, porém lesivo, de forma a gerar
obrigações entre titulares de imóveis vizinhos. A tutela desse uso nocivo da propriedade é
daquela actio damni infecti (ação de dano infecto), que é a proteção que se dá contra o uso
nocivo da propriedade.

O ato praticado pelo titular pode ser lícito ou ilícito. Se é um exercício ilícito, ele não
precisará da tutela da actio damni infecti, visto que tem sua própria responsabilidade no artigo
186 do Código Civil (ação ou omissão, nexo de causalidade, dano e culpa), que é a tutela
genérica, não havendo necessidade de uma tutela especial. O exercício se dá em duas ordens:
regular e irregular.

No caso de uso nocivo da propriedade, é um exercício regular do direito, visto que o


exercício irregular é um ato ilícito que tem tutela própria. Então, se o exercício é irregular do
direito, cai na norma geral (lex aquilia). A pessoa não está protegida pela excludente da
antijuridicidade (artigo 188, inciso I, do Código Civil).
Conclui-se, então, que o uso nocivo da propriedade é um exercício lícito e regular. É
nesse caso (ato lícito e regular) que a pessoa será tutelada pela actio damni infecti. Esse
exercício lícito e regular, quando viola a segurança, o sossego e a saúde, configura o ato
lesivo.

A indenização do damni infecti se encontra no artigo 617 do Código Civil. A tutela


será diferenciada se o causador do dano representa interesse individual ou se representa
interesse coletivo.

Se o interesse é individual, será imposto ao causador do dano uma obrigação de não


fazer. Se o interesse é coletivo, será imposto ao causador do dano uma obrigação de fazer e
uma indenização pelos danos causados.

2.2.1. Teoria da pré-ocupação


É uma matéria de defesa alegada pelo causador do dano, retirando o nexo de
causalidade sob o argumento de que a atividade danosa pré-existia à relação de vizinhança.
Os tribunais não adotam a Teoria da Pré-Ocupação como matéria de defesa, tendo em vista
que se entende que o Poder Público tem o privilégio de reordenar as atividades dos
particulares.

2.3. Árvores Limítrofes


São aquelas que se estabelecem entre, pelo menos, dois imóveis contíguos. A árvore
limítrofe é um condomínio especial, chamado de condomínio pro diviso. O condomínio pro
diviso é aquele em que cada um dos titulares exerce posse e propriedade sobre parte certa da
coisa.

2.3.1. Regras
• As raízes e ramos que ultrapassam a linha divisória podem ser cortadas (exercício
direto de direitos). É a auto-tutela do proprietário.

• Os frutos caídos dos ramos passam a pertencer ao titular do imóvel. É a única


exceção do Código Civil ao princípio de que o acessório segue o principal.

Observação: Os frutos, enquanto estão agregados à árvore, pertencem ao titular da árvore.


2.4. Passagem Forçada
É uma prerrogativa do titular de um imóvel encravado para obter saída para a via
pública, fonte ou porto. É o imóvel chamado de “próprio incluso”. Pode-se obter saída por
meio de passagem forçada ou de servidão de passagem.

A servidão de passagem e a passagem forçada diferem-se quanto à origem, quanto à


natureza jurídica e quanto à forma.

2.4.1. Quanto à origem


• A servidão de passagem somente ocorre por contrato, nasce por meio de um
contrato convencionado pelas partes.

• A passagem forçada nasce por intermédio de lei, ou seja, a lei outorga a passagem.

2.4.2. Quanto à natureza jurídica


• A servidão de passagem é direito real sobre coisa alheia.

• A passagem forçada é obrigação propter rem, obrigação real.

2.4.3. Quanto à forma


• A Servidão de Passagem consta sempre no registro de imóveis.

A Passagem Forçada não é registrada (ação confessória – o juiz fixa um rumo,


estabelecendo uma indenização; se o titular do imóvel incrustado deu causa àquela situação,
deverá indenizar em dobro).
CURSO DO PROF. DAMÁSIO A DISTÂNCIA

MÓDULO XV

DIREITO CIVIL

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DIREITO CIVIL

Prof. Vitor Frederico Kümpel

1. PERDA DA PROPRIEDADE IMÓVEL

Há quatro formas de perda da propriedade imóvel dispostas no Código Civil:


alienação, renúncia, abandono e perecimento do bem imóvel.

Nos casos de alienação e renúncia, os efeitos da perda estão subordinados à transcrição


do título de transmissão ou do ato de renúncia no registro do lugar do imóvel.

Perde-se, ainda, a propriedade imóvel, mediante desapropriação por necessidade ou


utilidade pública. Os casos de necessidade pública eram dispostos no art. 590, § 1.º e seus
incisos, do Código Civil de 1916. Por ser matéria de ordem pública, não estão previstas no
Código Civil de 2002.

2. AQUISIÇÃO E PERDA DA PROPRIEDADE MÓVEL

Há quatro formas de aquisição de bens móveis:

• tradição: corresponde à entrega do bem sem formalidades;

• acessão: forma natural de aquisição de mobilidade;

• usucapião: aquisição pelo tempo;

• ocupação: assenhoreamento de bem móvel abandonado.

A forma mais usada na aquisição de bens móveis é a tradição, que é a


entrega efetiva do bem.
A ocupação é uma forma de aquisição somente de bem imóvel, visto que, em nosso
sistema, o bem imóvel abandonado ou de ninguém incorpora-se ao Poder Público.

A acessão e o usucapião são formas comuns de aquisição de bens móveis e imóveis.


Não existe direito hereditário sobre bens móveis, visto que, com a abertura da
sucessão, todos os bens são legalmente considerados imóveis.

3. CONDOMÍNIO

É uma espécie de propriedade em que dois ou mais indivíduos são titulares em comum
de um bem, exercendo cada qual posse e propriedade sobre fração ou parte da coisa. Dentro
desse conceito, tem-se o princípio da exclusividade, em que se verifica que dois ou mais
titulares não podem ter o mesmo direito real sobre a mesma coisa.

O condomínio trabalha com uma ficção, visto que os condôminos são titulares da
mesma coisa em abstrato. O condomínio é instável, ou seja, nasce para ser extinto, visto que
ninguém é obrigado a remanescer em condomínio.

3.1. Classificação

3.1.1. Condomínio tradicional


Regido pelo Código Civil. O condomínio tradicional é bipartido. Pode ser ordinário ou
especial:

a) Ordinário

Chamado de condomínio pro indiviso: todos os condôminos exercem posse e


propriedade sobre o bem em sua integralidade.

b) Especial

Chamado de condomínio pro diviso: todos os condôminos exercem posse e


propriedade sobre parte certa da coisa; pode ser:

• compáscuo: também chamado de condomínio de passagem – segue as mesmas


regras da servidão;

• partes específicas: é o condomínio de muros, cercas, valas etc. – tem natureza


jurídica de relação de vizinhança; somente haverá o condomínio se o muro integrar o imóvel
dos dois titulares.
3.1.2. Condomínio por unidades autônomas
Tal modalidade de condomínio não era prevista pelo Código Civil de 1916, porém,
hoje está estabelecido nos artigos 1.331 a 1.358. A Lei n. 4.591/64 é recepcionada naquilo
que obviamente não contraria o novo Código Civil.

Divide-se em duas espécies:

• condomínio de apartamentos: regido pelo novo Código Civil e pela Lei n.


4.591/64;

• condomínio de casas e terrenos (condomínio “privê”): regido pelo novo Código


Civil, pelas Leis n. 4.591/64 e 6.766/79.

3.2. Estrutura Jurídica

3.2.1. Propriedade
O jus utendi é limitado ao exercício do outro condômino; o jus fruendi é proporcional à
qualidade ou quantidade das cotas; o jus disponendi é ilimitado; no jus serviendi todos os
condôminos são titulares da ação reivindicatória e da nunciação de obra nova. A coisa comum
não pode ser modificada sem a expressa anuência de todos os condôminos.

Observação: condomínio germânico é aquele indissolúvel (ex.: regime de comunhão


de bens entre marido e mulher: enquanto permanece o casamento não se dissolve o
condomínio).

Observação: condomínio romano é aquele que pode ser dissolvido quando as partes
desejarem.

3.2.2. Posse
Todos os condôminos são titulares do jus possidendi. O exercício da posse é pessoal,
dependendo de expressa anuência de todos. A tutela possessória é ampla, podendo ser
proposta contra terceiros ou mesmo contra outro condômino.

Se o bem for divisível por natureza, pode gerar usucapião.

3.2.3. Responsabilidade
A responsabilidade ocorre em relação às despesas e dívidas do bem, que serão
proporcionais às cotas assumidas pelos condôminos. Se a despesa for assumida por um dos
condôminos em benefício do condomínio, haverá sub-rogação e direito de regresso em face
dos demais condôminos proporcionalmente às cotas de cada um.

O condômino que causar dano será responsável por ele. A responsabilidade civil é
personalíssima, não se estendendo aos demais condôminos.

3.3. Extinção
Deve-se observar a natureza do bem:

• Bem divisível: é aquele que pode ser fracionado sem perder suas qualidades. Há
sempre uma presunção de divisibilidade quando houver dúvida.

• Bem indivisível: pode ser indivisível pela sua natureza, quando a fração se tornar
pequena demais, tornando o bem economicamente inviável, por exemplo: um diamante. Pode
ser indivisível por determinação legal, por exemplo: hipoteca. Pode ainda ser indivisível por
vontade das partes, por exemplo: doação com cláusula de indivisibilidade, que tem duração
máxima de cinco anos.

Se o bem for divisível, cada condômino pode alienar sua cota parte,
independentemente do direito de preferência, que somente deverá ser observado quando o
bem for indivisível (preempção).

Preempção, ou direito de preferência, é a prerrogativa que o condômino tem, em


relação ao estranho, de, em igualdade de condições, adquirir a coisa comum. A preempção
pode ser legal ou convencional.

3.3.1. Preempção legal


Quando um condômino desejar alienar a cota parte que possui em um bem indivisível,
deverá notificar o outro condômino para exercer o direito de preferência. Essa notificação é
formal e obrigatória.

No caso de haver dois ou mais condôminos exercendo o direito de preferência, a lei


confere alguns critérios de desempate: 1. Terá preferência o condômino que tenha feito
benfeitorias na coisa. 2. Caso não haja benfeitorias, preferirá quem tiver o maior número de
cotas. 3. No caso de não haver benfeitorias e as cotas serem iguais, preferirá aquele que
primeiro depositar o valor em juízo. 4. Se nenhum dos condôminos depositar o valor em
juízo, deverá ser feito um sorteio.

Se o bem for alienado sem que se outorgue o direito de preferência aos demais
condôminos, estes poderão ingressar com uma ação anulatória no prazo de seis meses da data
da ciência da venda, com o objetivo de anular o contrato e exercer o direito de preferência.
A preempção legal atinge também a relação de locação. O proprietário de um bem
somente poderá aliená-lo se notificar o locatário para que exerça seu direito de preferência na
aquisição da coisa. No caso de sublocação, prefere o sublocador ao locatário. Havendo vários
locatários, o primeiro critério de desempate é a data do contrato (o contrato mais antigo terá
preferência); caso seja um único contrato de locação, terá preferência o locatário mais velho;
por último, se não houver como utilizar os dois primeiros critérios, deve-se fazer um sorteio.

O locatário também terá direito à ação anulatória no prazo de seis meses, caso o bem
seja alienado sem sua notificação, para o exercício do seu direito de preferência.

3.3.2. Preempção convencional


É uma cláusula especial no contrato de compra e venda, na qual o comprador outorga
ao vendedor a possibilidade de readquirir a coisa, na hipótese de venda, em igualdade de
condições com terceiros. Quando o comprador quiser vender o bem, deverá notificar o
vendedor para exercer seu direito de preferência em 30 dias (para bens imóveis) ou em 3 dias
(para bens móveis). Essa prerrogativa não se transmite aos herdeiros, é personalíssima. Se o
bem for vendido sem que o antigo vendedor exerça o direito de preferência, o prejudicado
não terá direito à ação anulatória, somente à indenização por perdas e danos.

Observação: na preempção, o vendedor tem uma faculdade de comprar o


bem no caso de o comprador vendê-lo. Difere da retrovenda, que não constitui nova
alienação, mas sim pacto adjeto, pelo qual o vendedor reserva-se o direito de reaver
o imóvel que está sendo alienado em certo prazo (artigo 505 do Código Civil).
CURSO DO PROF. DAMÁSIO A DISTÂNCIA

MÓDULO XVI

DIREITO CIVIL

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DIREITO CIVIL

Prof. Vitor Frederico Kümpel

1. PROPRIEDADE RESOLÚVEL

1.1. Introdução
A propriedade é absoluta, perpétua, não tendo termo final nem condição resolutiva
(irrevogável).


Condição Resolutiva
P. Irrevogabilidade  P. Temporária

(ad tempus) 
Termo final

 resolúvel  causa antecedente à transmissão (previsível)


Prop.
Temporária
 revogável (ad tempus)  causa superveniente – não prevista
Ex.: exclusão da herança

1.2. Conceito
É a que implica na perda da titularidade em decorrência de causa anterior ou
superveniente à sua constituição.
1.3. Natureza Jurídica
Há duas correntes a respeito da natureza jurídica:

• 1.ª
corrente: espécie de propriedade (modalidade especial de domínio);

• 2.ª
corrente: regras gerais das obrigações.

1.4. Efeitos
• Dominium revogabilie ex tunc.

• Retroatividade dos efeitos. Ex.: alienante (retrovenda) jamais perdeu propriedade.

1.5. Hipóteses
• Fideicomisso

• Retrovenda

• Contendo condição resolutiva

• Doação com cláusula reversão

• A.F.G.  Fiduciante
Fiduciário

Prop. Aparente

- Boa-fé
+
- Erro invencível

Ninguém pode transferir mais direitos do que tem.

Erro comum faz direito.

Segurança jurídica.
Casos:

• tra
nscrição indevida;

• her
deiro aparente.
2. DIREITOS DE AUTOR

2.1. Natureza Jurídica e Conceito de Direito de Autor


Muitos censuravam o legislador do Código Civil de 1916 por haver colocado no Livro
II, Direito das Coisas, a propriedade literária, científica e artística, o que deve ter ocorrido
porque, tradicionalmente, a propriedade sempre teve por objeto bens corpóreos. Entendem
esses críticos que a propriedade literária, científica e artística teria sua localização perfeita no
âmbito da teoria das pessoas, na parte alusiva aos Direitos da Personalidade.

Conforme assinalava MARIA HELENA DINIZ, transcrevendo o Prof. ANTONIO CHAVES, o


tema é muito controvertido e muitos tentam apresentar a natureza jurídica desse instituto.

O atual Código Civil nem fez menção aos Direitos de Autor pois, independentemente
de sua natureza jurídica, a matéria é tratada e deve continuar a sê-lo por lei especial, em
virtude de autonomia que ganhou o tema dentro do rol dos Direitos Reais.

Teoria Negativista: há autores que chegam a negar a própria natureza jurídica do


Direito Autoral, ante o caráter social das idéias. Manzini afirma que o pensamento pertence a
todos, sendo uma propriedade social e, por isso, a inspiração da alma humana não pode ser
objeto de monopólio. DEBOOR chega a afirmar que as obras do espírito pertencem ao povo. A
obra protegida deveria pertencer à humanidade ou, na pior das hipóteses, ao Estado.

Produto do Meio: outros autores, questionados por MALAPLATE, afirmam que a obra
artística ou científica é mero produto do meio em que surgiu.

Privilégio: de acordo com COLIN, CAPITANT, MEDEIROS e ALBUQUERQUE, o Direito de


Autor seria um simples privilégio ou um monopólio de exploração, outorgado a autores para
incrementar as artes, ciências e letras.

Temos outros autores que verificam uma natureza jurídica desse direito:

• Di
reito da Personalidade: TOBIAS BARRETO e OTTO VON GIERKE, entre outros, entendem
que o Direito de Autor é um direito da personalidade, sendo um elemento da
própria personalidade cujo objeto é a obra intelectual, tida como parte integrante da
esfera da própria personalidade.

• Pr
opriedade Intelectual: IHERING, KOHLER, DERNBURG, entre outros, consideram o
Direito de Autor como modalidade especial de propriedade, ou seja, uma
propriedade incorpórea, imaterial ou intelectual. O próprio CASELLI entende que o
Direito de Autor faz parte da grande categoria dos direitos patrimoniais, situando-
se na subclasse de direitos reais, dentro do domínio ou propriedade. Afirma que o
Direito de Autor é um direito de propriedade, regulando-se a matéria pelas regras
da propriedade sobre coisas materiais, não dispondo a lei de maneira diversa. É
uma relação jurídica de natureza pessoal-patrimonial. É pessoal no sentido de a
personalidade do autor formar um elemento constante do seu regulamento jurídico
e porque, sob certos aspectos, seu objeto constitui uma exteriorização da
personalidade do autor, de modo a manter, constantemente, sua inerência ativa ao
criador da obra. Representa, por outro lado, uma relação de direito patrimonial,
porquanto a obra do engenho é, concomitantemente, tratada pela lei como um bem
econômico. É, portanto, o direito de autor um poder de senhoria de um bem
intelectual que contém poderes de ordem pessoal e patrimonial. Qualifica-se como
um direito pessoal-patrimonial.

Objetivo: O grande objeto do Direito de Autor é o de garantir a criatividade, o maior


atributo que a natureza pode dar ao ser humano. Por isso, protege as obras intelectuais –
musicais, jornalísticas, de engenharia, de arquitetura, de cinematografia, de fotografia, de
literatura etc. Procura dignificar e salvaguardar tanto os direitos do autor quanto os do artista.

O nosso legislador pátrio de 1916 enquadrou o Direito Autoral como propriedade


intelectual ou imaterial, porque a espiritualidade da obra se materializa na sua exploração
econômica, justificando a sua permanência no direito das coisas. De acordo com CLÓVIS
BEVILÁCQUA, o Direito de Autor tem um nítido cunho pessoal, inseparável da sua
personalidade, tendo, porém, um cunho econômico. É um direito perpétuo, inalienável,
imprescritível e impenhorável. Estamos nos referindo ao direito moral do autor, normas que
não se subordinam à sua exploração econômica. Sob o aspecto patrimonial, apresenta-se
como um direito de utilizar economicamente a obra, publicando-a, difundindo-a etc. Sob o
prisma econômico, existe a transmissibilidade da obra.

Direitos e Garantias Individuais: a Constituição Federal de 1988 assegura, no artigo


5.º, inciso XXII, o direito de propriedade. No inciso IX, garante a liberdade de expressão da
atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou
de licença. No inciso XIII, garante o livre exercício de qualquer trabalho. No inciso XXIX,
garante o privilégio temporário para a utilização, por parte dos autores, de seus inventos
industriais. No inciso XXVII, determina: “aos autores de obras literárias, artísticas e
científicas pertence o direito exclusivo de utilizá-las. Esse direito é transmissível por herança,
pelo tempo que a lei fixar”. Por fim, no inciso XXVIII, “b”, estabelece o direito de
fiscalização do aproveitamento econômico das obras criadas.

2.2. Conteúdo dos Direitos Autorais


A Lei n. 9.610/98, em seu artigo 7.º, conceitua a obra intelectual protegida – “as
criações do espírito, expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tangível ou
intangível, conhecido ou que se invente no futuro, tais como: I - os textos de obras literárias,
artísticas ou científicas; (...) V - as composições musicais, tenham ou não letra; (...) XII - os
programas de computador”.
A Lei dos Direitos Autorais, no inciso XIII, inclui ainda “as coletâneas ou
compilações, antologias, enciclopédias, dicionários, bases de dados e outras obras, que, por
sua seleção, organização ou disposição de seu conteúdo, constituam uma criação intelectual”.
O § 2.º faz uma ressalva, não protegendo os dados ou materiais em si mesmos e, entende-se,
sem prejuízo de quaisquer direitos autorais que subsistam a respeito dos dados ou materiais
contidos na obra.

2.2.1. Objeto não protegido


O artigo 8.º informa que não são objetos de proteção como direitos autorais:

• as idéias, procedimentos normativos, sistemas, métodos, projetos ou conceitos


matemáticos como tais;

• esquemas, planos ou regras para realizar atos mentais, jogos ou negócios;

• os formulários em branco para serem preenchidos por qualquer tipo de informação,


científica ou não, e suas instruções;

• os textos de tratados ou convenções, leis, decretos, regulamentos, decisões judiciais


e demais atos oficiais;

• as informações de uso comum, tais como calendários, agendas, cadastros ou


legendas;

• os nomes e títulos isolados;

• o aproveitamento industrial ou comercial das idéias contidas nas obras.

2.2.2. Titularidade
Estabelece o artigo 14 da Lei dos Direitos Autorais que “é titular de direitos de autor
quem adapta, traduz, arranja ou orquestra obra caída no domínio público; todavia não pode,
quem assim age, opor-se a outra adaptação, arranjo, orquestração ou tradução, salvo se for
cópia da sua”. O artigo 652 do Código Civil de 1916, revogado, também protegia o tradutor
ou o escritor, afirmando que esses têm o mesmo Direito de Autor, tanto o tradutor de obra já
entregue ao domínio comum quanto o escritor de versões permitidas pelo autor da obra
originária. O tradutor, porém, não pode se opor à nova tradução.
2.2.3. Tradução
De acordo com o artigo 29, inciso IV, da Lei dos Direitos Autorais, para que se possa
traduzir uma obra é imprescindível a anuência do autor, salvo se a obra já for de domínio
público. A primazia na tradução não confere exclusividade a nenhum tradutor de modo a
impedir que outra pessoa traduza a mesma obra. O primeiro tradutor só pode reclamar as
perdas e danos quando houver tradução que não passe de mera reprodução da sua. O mesmo
ocorre quanto às adaptações, arranjos e orquestrações, que só serão livres desde que a obra já
tenha caído no domínio público, caso contrário, dependerá de autorização do autor. O texto
traduzido ou adaptado é que constitui Direito de Autor do tradutor ou daquele que fez o
arranjo musical.

Acrescenta o artigo 9.º que, à cópia de arte plástica feita pelo próprio autor, é
assegurada a mesma proteção de que goza seu original.

O artigo 10 e seu par. ún. também protegem o título das obras e ainda o de publicações
periódicas, inclusive jornais, durante um ano após a saída do último número, salvo se forem
anuais, caso em que esse prazo se elevará a dois anos.

O artigo 12 da Lei dos Direitos Autorais determina que “para identificar-se como
autor, poderá o criador da obra intelectual usar de seu nome civil, completo ou abreviado, até
de suas iniciais, de pseudônimo ou de qualquer sinal convencional”.

2.2.4. Prazo de proteção


Quando a obra realizada em co-autoria for indivisível, o prazo de 70 anos de proteção
aos direitos patrimoniais será contado da morte do último dos co-autores sobreviventes. Os
direitos do co-autor, que falecer sem sucessores, serão acrescidos aos sobreviventes.

2.2.5. Registro da obra


Continua em vigor o artigo 17 da Lei n. 5.988/73 sobre o registro das obras
intelectuais, devendo o mesmo ser feito na Biblioteca Nacional, na Escola de Música, na
Escola de Belas Artes da UFRJ, no Instituto Nacional do Cinema, ou no Conselho Federal de
Engenharia, Arquitetura e Agronomia. Caso a obra comporte registro em mais de um desses
órgãos, deverá ser registrada naquele com que tiver maior afinidade (§ 1.º). Caso não se
enquadre em nenhuma dessas entidades, o registro deverá ser feito no Conselho Nacional de
Direito Autoral (§ 2.º). A jurisprudência tem entendido que a falta de registro não acarreta
privação dos direitos conferidos ao autor pela lei vigente.
2.3. Direitos Morais do Autor
Além do aspecto econômico do direito autoral, existe também o aspecto moral do
direito do autor. O artigo 22 da Lei dos Direitos Autorais afirma que o autor é titular de
direitos morais e patrimoniais sobre a obra intelectual que criou. Além de recair sobre a
retribuição material da obra intelectual, o Direito Autoral recai também sobre o conteúdo
ideal do trabalho, o que está muito acima de interesses pecuniários, e que consiste na
prerrogativa de fazer com que a obra seja intocável mesmo depois de alienada, de exigir que
ela venha sempre acompanhada do nome do autor e de melhorá-la quando lhe for
conveniente.

O próprio SILVIO RODRIGUES afirma que o direito moral do autor é uma prerrogativa de
caráter pessoal, sendo um direito personalíssimo do autor. Tal direito é inalienável e perpétuo,
enquanto o direito patrimonial é temporário e transmissível.

São direitos morais do autor:

• reivindicar a autoria da obra (não há prazo);

• ter o nome, pseudônimo ou qualquer sinal para caracterizar o titular como autor;

• conservar a obra inédita;

• assegurar a integridade da obra (coibir modificações ou ataques morais);

• modificar a obra, antes e depois de ser utilizada;

• retirar a obra de circulação ou suspender a sua utilização, já autorizada, quando


afrontar a reputação e a imagem;

• ter acesso a exemplar único e raro da obra que se encontre legitimamente com
terceiros.

Não tem direito de autor o titular cuja obra foi retirada de circulação em virtude de
sentença judicial, por ser tida como imoral, pornográfica, obscena ou que fira os artigos 61 a
64 da Lei de Imprensa (n. 5.250/67).

Os sucessores têm, dentre os citados direitos morais do autor, os quatro primeiros. Têm
também os direitos 5.° e 6.°, desde que indenizem terceiros quando couber. Os herdeiros,
além de auferirem as vantagens econômicas do trabalho intelectual, devem defender a
integridade da obra, impedindo quaisquer alterações. Os sucessores do autor não poderão
reproduzir versões anteriores da obra quando o próprio autor tiver dado versão definitiva. Os
direitos morais do autor se restringem à parte econômica quando transmitidos aos herdeiros,
até porque os direitos morais são inalienáveis e irrenunciáveis (artigo 27).

O Estado deve defender a integridade e a autoria da obra caída no domínio público


(artigo 24, § 2.º).
O direito de modificar a obra é personalíssimo do autor, que pode repudiar qualquer
alteração não consentida. Nem mesmo os herdeiros podem modificar a obra, e muito menos o
editor. Esse, de acordo com o artigo 66 da Lei dos Direitos Autorais, não pode nem fazer
abreviações, adições ou modificações na obra, sem permissão do autor.

Como já dissemos, o artigo 27 da Lei dos Direitos Autorais diz que os direitos morais
do autor são absolutos, inalienáveis, irrenunciáveis e perpétuos. O autor pode manter a obra
inédita ou arrepender-se de tê-la publicado e retirá-la de circulação. A obra é intangível e
impenhorável.

2.4. Direitos Patrimoniais do Autor


O autor pode, por ser proprietário, usar, fruir e dispor de sua obra, bem como autorizar
que terceiro o faça (artigos 28 e 29).

2.4.1. Incomunicabilidade
Os direitos patrimoniais do autor, exceto os rendimentos resultantes de sua exploração,
não se comunicam, salvo se ao contrário dispuser o pacto antenupcial (artigo 39 da Lei dos
Direitos Autorais). Tal dispositivo está em confronto com o artigo 263, inciso XIII, do
Código Civil de 1916 .

Segundo o artigo 29, a utilização da obra depende de expressa autorização do autor,


para os fins de:

• reprodução parcial ou integral;

• edição;

• adaptação, arranjo musical ou quaisquer transformações;

• tradução para qualquer idioma;

• inclusão de fonograma ou produção audiovisual;

• distribuição, quando não implícita em contrato;

• distribuição generalizada, via satélite, por exemplo, ou por outro meio equivalente;

• utilização da obra literária ou outra qualquer, por representação, recitação,


declamação, ou por qualquer outro meio pelo qual a mesma seja exposta;

• inclusão da obra armazenada por computador, microfilmagem ou qualquer outra;

• qualquer modalidade de utilização que venha a ser inventada.


É necessária a autorização do autor para reproduzir qualquer obra que não esteja em
domínio público, para comentá-la ou melhorá-la (artigo 30 da Lei dos Direitos Autorais).

É imprescindível a prévia licença do autor para que haja direito de transposição como,
por exemplo, para que de um romance se extraia peça teatral, para que se reduza a verso obra
em prosa. São livres as paráfrases e paródias que não forem verdadeiras reprodução da obra
originária e nem implicarem em descrédito (artigo 47 da Lei dos Direitos Autorais).

2.5. Duração dos Direitos Autorais


Os direitos patrimoniais do autor estão sujeitos, para o seu exercício, a uma limitação
do tempo. Essa temporariedade, convém repetir, só atinge o Direito Autoral no aspecto
patrimonial, ou seja, na expressão externa da idéia, quando ela se materializa ou se
corporifica. No aspecto pessoal ou intelectual, ela é perpétua.

A duração do direito autoral é o tempo de vida do autor da obra intelectual. Com o seu
falecimento, seus herdeiros e sucessores terão o direito de reproduzir sua obra, durante 70
anos, a contar de 1.º de janeiro do ano subseqüente ao de sua morte, obedecida a ordem
sucessória da lei civil (Lei n. 9.610/98, artigo 41). Após esse termo legal, a obra cai no
domínio público, passando a fazer parte do patrimônio da coletividade. Uma vez vencido o
tempo de proteção legal ao seu autor, sucessor ou cessionário, caindo a obra em domínio
público, torna-se possível o seu aproveitamento econômico por qualquer pessoa,. Compete ao
Estado a defesa da integridade e da autoria da obra caída em domínio público (artigo 24, §
2.º).

Quando a obra intelectual realizada em colaboração for indivisível, o prazo de


proteção, ditado pelo artigo 41, será contado da morte do último dos colaboradores
sobreviventes (artigo 42).

Também será de 70 anos o prazo de proteção aos direitos patrimoniais sobre obras
anônimas ou pseudônimas, contados a partir de 1.º de janeiro do ano imediatamente posterior
ao da primeira publicação (artigo 43). Se o autor, todavia, antes do decurso desse prazo, se
der a conhecer, aplicar-se-á o disposto no par. ún. do artigo 41.

Igualmente, será de 70 anos o prazo de proteção aos direitos patrimoniais sobre obras
audiovisuais e fotográficas, a contar de 1.º de janeiro do ano subseqüente ao de sua
divulgação (artigo 44).

Os sucessores do autor falecido têm os direitos arrolados na Lei n. 9.610/98, artigo 24,
incisos I a IV.

Além das obras em relação às quais transcorreu o prazo de proteção dos direitos
patrimoniais, pertencem ao domínio comum: as de autores falecidos que não tenham deixado
sucessores; as de autor desconhecido, ressalvada a proteção legal aos conhecimentos étnicos e
tradicionais (artigo 45).
Não serão de domínio público da União, dos Estados, do Distrito Federal ou dos
Municípios as obras por eles simplesmente subvencionadas (artigo 6.º).

Não há, portanto, é bom frisar uma vez mais, nenhuma contradição entre a imposição
legal desse interregno de 70 anos para o direito autoral e o caráter de perpetuidade peculiar do
domínio porque, na propriedade literária, artística e científica, há aquelas duas relações
distintas, que já mencionamos antes, em que uma, concernente à paternidade da obra, é
perene ou perpétua, e outra, relativa à exploração econômica exclusiva, é temporária. O
legislador pretendeu apenas disseminar a arte e a cultura, permitindo amplamente a
reprodução ou execução dessas obras a preço inferior. O domínio público permitirá, ao
mesmo tempo, a divulgação da cultura e o barateamento da obra pela livre exploração.

3. DIREITOS REAIS SOBRE COISAS ALHEIAS

Nos direitos reais sobre coisa própria há um único titular (dominus) que possui o poder
de usar, fruir e dispor de maneira global (princípio da exclusividade). Nos direitos reais sobre
coisas alheias, há dois titulares. Essa é a única diferença entre direitos reais sobre coisa
própria e direitos reais sobre coisa alheia.

Direito real sobre coisa alheia é aquele em que o titular (ou proprietário) confere a
terceiro fração ou prerrogativas de poder que lhe eram inerentes, ou seja, o titular transfere
parcela do direito que tem a um terceiro (exemplo: usufrutuário). Fala-se em direitos reais
sobre coisa alheia, tendo em vista que se enxerga o direito sob a ótica do terceiro.

O artigo 1.225 do Código Civil traz um rol taxativo dos direitos reais sobre coisa
alheia. O rol é taxativo, tendo em vista a reserva legal, pois não é possível que o particular
crie direitos erga omnes.

3.1. Direitos Reais Limitados de Fruição


É aquele em que o titular transfere a terceiro o direito de usar ou o direito de usar e
fruir, remanescendo com o direito de dispor da coisa. Estão dentro desse direito real limitado
de fruição:

• su
perfície;

• ser
vidão (titular do prédio dominante);

• us
ufruto (usufrutuário);
• us
o (usuário);

• dir
eito de habitação (habitante).

3.2. Direitos Reais Limitados de Garantia


Limitação na qual o proprietário transfere a terceiro a prerrogativa da execução sobre
um bem certo, dado em garantia numa outra relação principal. Estão dentro do direito real
limitado de garantia:

• Hi
poteca.

• Pe
nhora.

• An
ticrese.

O terceiro, nesse caso, tem uma única prerrogativa: execução da coisa; levar o bem à
hasta pública.

3.3. Direitos Reais De Aquisição


• Compromisso de compra e venda

Pacto Comissório é um acordo celebrado entre o credor e o devedor no bojo do direito de


garantia (hipoteca ou penhor), no qual as partes convencionam que a inadimplência do
devedor gera a transmissão automática da propriedade para o credor, ocorrendo uma simples
compensação entre créditos e débitos. No sistema brasileiro, o pacto comissório é
expressamente vedado, por ferir o monopólio da jurisdição estatal (que leva o bem à hasta
pública)

3.4. Direitos Reais Limitados sui generis ou de Aquisição


O rol do artigo 1.225 do Código Civil ampliou o velho artigo 674 do Código Civil de
1916 e, entre outras novidades tratou do compromisso irretratável de compra e venda que
anteriormente era tratado por lei especial. O direito real limitado sui generis é aquele que
permite ao titular transmitir a propriedade para terceiro, remanescendo, também, como titular
da coisa até o pagamento integral do preço pelo terceiro.
4. SERVIDÃO

É a hipótese em que o titular confere a um terceiro o direito de usar ou o direito de usar


e fruir da coisa. Há dois tipos de servidão:

• Se
rvidão Real: é uma limitação na qual o direito de usar e fruir é transmitido
independentemente das qualidades pessoais do sujeito de direito. Isso ocorre
porque existe uma relação de vizinhança (é a servidão propriamente dita).

• Se
rvidão Pessoal: é a hipótese em que o direito de usar e fruir é transmitido ao sujeito
de direito pelas qualidades pessoais dele. São elas: usufruto, uso e direito de
habitação (que são idênticos em sua natureza, mas se diferenciam no tamanho do
uso e da fruição, na prerrogativa que terá o terceiro de usar e fruir). Assim, as
servidões pessoais e reais se distinguem porque as pessoais são inalienáveis e as
reais são alienáveis.

4.1. Servidão Real

4.1.1. Conceito
Servidão real é a limitação da propriedade na qual o titular do imóvel dominante pode
usar e fruir do imóvel serviente para os fins estabelecidos na relação jurídica. O grande
objetivo jurídico da servidão é a proteção do titular de um imóvel dominante. Tem por
natureza jurídica uma limitação real à propriedade.

4.1.2. Princípios
• Ne
cessidade de se ter dois imóveis com dois titulares diferentes. Não
basta os dois imóveis diferentes, deve haver uma titularidade
diferente. Se houver dois titulares em condomínio, não há servidão.

• Im
plica sempre numa obrigação propter rem. Aplica-se o princípio da
ambulatoriedade, ou seja, aonde quer que a coisa vá, a limitação a acompanhará em
seu destino.

• Ali
enabilidade: a servidão pode ser alienada conjuntamente com o bem. No momento
em que o titular do imóvel serviente aliena a coisa, imediatamente ele aliena a
servidão.

• In
divisibilidade: a servidão é indivisível, não havendo possibilidade de se criar
subservidões.

• A
servidão é permanente, ou seja, haverá a servidão enquanto houver a necessidade
de proteção. É permanente, mas não é perpétua.

• O
uso da servidão é um exercício restritivo, pois limita as prerrogativas de poder do
imóvel serviente. Não se pode ampliar o exercício da servidão.

4.1.3. Constituição da servidão


A servidão poderá decorrer da lei, da vontade das partes ou de uma
sentença judicial.

• S
ervidão decorrente de lei: relação de vizinhança.

• S
ervidão decorrente de vontade das partes: pode decorrer de um
contrato ou de um ato unilateral, que pode ser gratuito ou oneroso.

• S
ervidão decorrente de sentença judicial: pode-se estabelecer uma
servidão numa ação de usucapião ou em uma ação confessória (ação
constitutiva de servidão).

4.1.4. Classificação quanto à natureza


• S
ervidão aparente ou não aparente: aparente é aquela que se apresenta
por meio de atos exteriores, atos materiais. A não aparente é aquela
em que não existem atos exteriores (exemplo: servidão de
iluminação).

• S
ervidão contínua ou não contínua: a contínua existe quando o seu
exercício for de ato material ininterrupto. A descontínua é aquela em
que a prática dos atos sofre interrupção (exemplo: servidão de
passagem).
• S
ervidão urbana e rústica: a urbana envolve atividade de natureza
urbana. A rural é aquela em que a atividade desenvolvida é de
natureza rural. O que determina a natureza da servidão é a natureza
da atividade e não a sua localização.

O artigo 1.213 do Código Civil dispõe que somente uma servidão


aparente e contínua poderá ter proteção possessória e gerar ação possessória
e de usucapião. A Súmula n. 415 do Supremo Tribunal Federal, entretanto,
dispõe que há uma exceção a essa regra, tratando-se da servidão de
passagem, que é uma servidão aparente e descontínua, mas, com proteção
possessória.

4.1.5. Direitos e deveres dos titulares


O titular do imóvel tem a obrigação da manutenção da coisa – essa
manutenção implica exercício restrito ao que foi estabelecido – e tem o direito
de usar e fruir.

O titular do imóvel serviente tem a obrigação de sujeição– uma


obrigação negativa de não fazer – e tem o direito de exigir indenização quando
não houver manutenção da coisa ou quando o uso for indevido.

4.1.6. Extinção da servidão


• Se
houver um titular para todos os imóveis, extingue-se a servidão.

• As
partes podem convencionar a extinção da servidão por meio de um
contrato.

• Po
de-se extinguir a servidão por um ato unilateral (renúncia à servidão).

• Pe
recimento do objeto extingue o direito de servidão.

• A
servidão também poderá ser extinta pela desapropriação.

• O
não uso por 10 anos consecutivos extingue a servidão.
5. USUFRUTO

5.1. Conceito
É o direito real limitado pelo qual o titular da coisa transfere a terceiro o
direito de usar e fruir ou o direito de dispor de forma temporária,
remanescendo o titular com prerrogativa real sobre a coisa.

5.2. Natureza Jurídica e Princípios


Há um direito real limitado de fruição, mas, ao mesmo tempo, é um
direito pessoal, personalíssimo.

O usufruto é um direito inalienável (artigo 1.393 do Código Civil). O


usufrutuário não poderá alienar o usufruto, entretanto poderá devolvê-lo ao
nu-proprietário ou ceder o direito de usufruto para terceiros. O que não se
pode fazer é transferir legalmente o usufruto para terceiros. Sendo um direito
inalienável, o usufruto é impenhorável.

O usufruto é um direito divisível, ou seja, pode-se estabelecer um


condomínio de usufrutuários. O usufruto é também um direito temporário,
visto que, uma vez falecendo o usufrutuário, extingue-se o usufruto. Se o
usufruto for feito com pessoa jurídica, vigorará por 30 anos (o Código Civil de
1916 estabelecia o prazo de 100 anos). O uso é ilimitado. A diferença entre
usufruto, uso e habitação está no exercício por parte do titular. No usufruto, o
exercício é amplo; no uso, o exercício é restrito; na habitação, o exercício é
muito restrito.

5.3. Espécies

5.3.1. Quanto à origem


• Por lei: há um usufruto legal no direito de família e um usufruto legal
no direito das sucessões. No direto de família (artigo 1.689, inciso I, do
Código Civil), o pai é usufrutuário do bem do filho menor (o usufruto
serve para proteger o filho, nascendo do pátrio poder). Há somente
uma hipótese em que o pai não se torna usufrutuário do bem do filho:
quando houver disposição penal em matéria de casamento (sanções
de natureza civil e administrativa quando a pessoa se casa, infringindo
impedimento impediente ou proibitivo).

No direito de sucessão sob a ótica do Código Civil de 1916, o cônjuge


ou companheiro sobrevivente era usufrutuário quando concorria com
descendentes ou ascendentes do de cujus (artigo 1.611, § 3.º, do
Código Civil e artigo 2.º, incisos I e II, da Lei n. 8.971/94). Esse usufruto
somente era concedido se o regime de casamento fosse diferente da
comunhão universal de bens. Era o usufruto vidual, visto que somente
o viúvo teria o direito, ou seja, havendo segundo casamento ou união
estável, extinguir-se-ia o usufruto vidual. Se concorresse com
descendentes, o sobrevivente teria usufruto de 25% dos bens; se
concorresse com ascendentes, teria usufruto de 50% dos bens. O
atual Código Civil coloca o cônjuge viúvo como herdeiro necessário e
revogou o instituto do usufruto vidual para todas as sucessões que
abrisse a partir do dia 12 de janeiro de 2003 por entender que o
instituto é antieconômico.

• Por vontade das partes: estabelece-se por ato unilateral (testamento


etc.) ou por ato bilateral (contrato). O usufruto por ato bilateral pode
ser gratuito ou oneroso.

5.3.2. Quanto ao objeto


• Universal: é aquele que recai sobre todos os bens ou sobre uma
fração indeterminada deles.

• Singular ou Particular: é aquele que recai sobre um objeto certo e


determinado.
5.3.3. Quanto à extensão
• Pleno: é aquele em que não há limitação quanto ao exercício.

• Limitado: é aquele em que o exercício deve obedecer a uma finalidade.

5.3.4. Quanto às pessoas


• Sucessivo: estabelecem-se vários titulares sucessivos e há
incorporação aos demais com a morte de um deles. Com a morte do
usufrutuário, não há como se fazer a transmissão do usufruto para o
seu sucessor (no caso, seria um fideicomisso). Portanto, não existe
usufruto sucessivo.

• Conjunto: estabelecem-se vários titulares (usufrutuários)


conjuntamente e com a morte de qualquer deles, ao invés da cota de
fruição retornar ao proprietário, incorpora no sobrevivente.

5.3.5. Quanto ao Tempo


• Temporário: é aquele que tem um tempo certo.

• Vitalício: é aquele que vigora até a morte do usufrutuário ou, se for


pessoa jurídica, por 30 anos.

O
usufruto, conforme a classificação pelo Direito Romano, usada pelo Código
Civil , é:

• Próprio: quando recai sobre bens infungíveis.

• Impróprio: quando recai sobre bens fungíveis ou consumíveis


(chamado de “quase usufruto”), como o usufruto de gado.

O usufruto do índio, previsto no artigo 231, § 2.º, da Constituição Federal,


é um usufruto que, em tese, é perpétuo, visto que a Carta Magna não dispôs
limitações. Foge às regras da relação civil, tendo em vista que o nu-
proprietário (Estado) não pode requerer o bem.
5.4. Estrutura do Usufruto (artigo 104 do Código Civil)

5.4.1. Elemento subjetivo


Tem capacidade para instituir um usufruto todo aquele que tiver o direito
de dispor da coisa (jus disponendi).

5.4.2. Elemento objetivo


O objeto sobre o qual recai o usufruto pode ser móvel ou imóvel.

5.4.3. Elemento formal


Em relação à forma, o usufruto vai ser formal em relação aos bens
imóveis, para que seja registrado no cartório de registro de imóveis. Será
modal quando houver uma condição, um termo ou um encargo.

5.5. Direitos e Obrigações das Partes

5.5.1. Usufrutuário
a) Direitos do usufrutuário

• Us
ar e fruir livremente da coisa, desde que não exista uma causa que
limite essa fruição.

• Di
reito em relação às benfeitorias que venha a fazer na coisa.

b) Obrigações do usufrutuário

• In
ventariar a coisa (descrição pormenorizada da coisa), tendo em vista
que deverá devolver a coisa no mesmo estado em que se encontrava.

• C
onservar a coisa, ou seja, manter o estado em que se encontrava.

• Ca
ucionar a coisa– é uma garantia que o usufrutuário vai apresentar em
face da fruição –; essa caução pode ser dispensada. Se houver a
exigência da caução e o usufrutuário não caucionar, ele perderá a
administração da coisa (não dá margem à extinção do usufruto). Há
duas exceções em que o usufrutuário não é obrigado a caucionar: nas
relações gratuitas (doações) e nas relações de pátrio poder.

• Pr
estar contas ao nu-proprietário.

• O
brigação em relação às despesas. Os encargos que correm por conta
do usufrutuário são: despesas módicas ou ordinárias (de pequeno
valor – artigo 1.404, § 1.º – são as despesas inferiores a 2/3 do líquido
do rendimento anual); obrigações propter rem (impostos, taxas,
contribuições de melhoria, despesas condominiais etc.); e seguro (o
legislador previu um seguro para garantir a coisa contra eventual
perecimento, deterioração ou destruição; esse seguro só pode ser
imputado ao usufrutuário se preexistir à relação de usufruto, ou seja,
o nu-proprietário não pode exigir que o usufrutuário pague o seguro
se esse for constituído após o nascimento do usufruto – se houver o
fato sinistro, o levantamento do dinheiro será feito pelo nu-
proprietário, havendo uma sub-rogação real, ou seja, uma
substituição da coisa, restabelecendo-se o usufruto pelo tempo
remanescente).

5.5.2. Nu-proprietário
São direitos do nu-proprietário:

• ad
ministrar a coisa (quando o usufrutuário se recusar a prestar a caução
pelo usufruto). Como essa administração implica num custo, o nu-
proprietário poderá, por ela, retirar uma porcentagem do rendimento
da coisa;

• ali
enar a coisa (o nu-proprietário poderá alienar a coisa quando e para
quem ele quiser);

• te
m todos os direitos de um possuidor indireto, ou seja, tem todos os
direitos de proteção possessória, não exercida pelo usufrutuário, em
relação a terceiros;

• re
querer a extinção do usufruto por culpa do usufrutuário (quando o
usufrutuário descumprir algo pactuado entre as partes ou quando der
destino diverso à coisa. Exemplo: imóvel com destino residencial, o
usufrutuário o utiliza para comércio).

São obrigações do nu-proprietário:

• su
jeição: o nu-proprietário é obrigado a deixar o usufrutuário usar e
fruir, sem ser incomodado;

• ar
car com as despesas extraordinárias;

• as
sumir a sub-rogação da coisa segurada.
5.6. Extinção do Usufruto
• C
ulpa do usufrutuário.

• Fi
m da causa protetiva.

• Pe
recimento da coisa (bens não caucionados e não segurados).

• M
orte do usufrutuário (a morte do nu-proprietário não extingue o
usufruto – haverá transmissão da nua-propriedade aos herdeiros, mas
a relação de usufruto subsistirá). Se houver dois usufrutuários e um
deles vier a falecer no silêncio, a parte do falecido volta ao nu-
proprietário; se expressamente constituído o usufruto, poderá
incorporar-se ao usufrutuário sobrevivente.

6. COMPROMISSO IRRETRATÁVEL DE COMPRA E VENDA

6.1. Conceito
O contrato de compra e venda gera um direito real limitado, pelo qual o promitente
vendedor aliena, por instrumento público ou particular, um bem imóvel mediante o
pagamento integral do preço pelo compromissário comprador que, nessa ocasião, adquire o
direito à escritura definitiva do imóvel ou à sua adjudicação compulsória (artigos 1.417 e
1418 do Código Civil). Há um direito real limitado, visto que há duas partes com
prerrogativas reais:

• Pr
omitente vendedor: que possui a prerrogativa do jus disponendi. Ele continua com o
direito de dispor, entretanto não pode exercitá-lo.

• Co
mpromissário comprador: no momento em que se realiza o compromisso de
compra e venda, a ele é transferido o direito de usar e dispor da coisa.

O contrato de compra e venda é um contrato consensual que estará perfeito com a mera
aposição de vontade; a parte se obriga a alienar a coisa, mas somente a entregará após o
contrato firmado, podendo haver arrependimento do negócio. No compromisso de compra e
venda, não há a possibilidade de arrependimento do negócio. Então, a diferença entre contrato
de compra e venda e compromisso de compra e venda é: no contrato há um espaço de tempo
entre sua celebração e a produção de seus efeitos, podendo haver arrependimento; no
compromisso não há o espaço de tempo entre a celebração e a efetiva produção de seus
efeitos, não havendo, portanto, a possibilidade de arrependimento.
6.2. Histórico
O contrato de compra e venda nasce de um pré-contrato, que é um acordo de vontades
no qual as partes de obrigam a realizar um negócio definitivo, ou seja, obrigam-se a realizar
um outro contrato. Há uma obrigação de fazer (artigo 1.088 do Código Civil de 1916).

O pré-contrato era uma figura jurídica que causava insegurança, tendo em vista haver a
possibilidade de arrependimento das partes, e, por esse motivo, foi extinto do Código Civil .

A obrigação de fazer, caso descumprida, somente leva a perdas e danos; já a obrigação


de dar, caso descumprida, leva à adjudicação compulsória. Como o pré-contrato era uma
obrigação de fazer, foi extinto do Código Civil .

A única modalidade de contrato que não admite pré-contrato é o contrato gratuito.

Opção é um pré-contrato unilateral em que somente uma das partes pode exigir a
realização do contrato definitivo.

6.3. Espécies
Existem hoje duas espécies diferentes de contrato de compra e venda:

• Co
mpromisso Irretratável: aquele que não admite resilisão unilateral (arrependimento
por uma das partes); é um direito real que vai a registro.

• Co
mpromisso Retratável: aquele que admite a rescisão unilateral; é um contrato que
não vai a registro.

A Súmula n. 166 do Supremo Tribunal Federal dispõe que, no compromisso


irretratável de compra e venda, não existe arrependimento.

Deverá o compromisso retratável possuir uma cláusula expressa da possibilidade de


arrependimento; no silêncio, haverá um compromisso irretratável de compra e venda. O
compromisso irretratável produz eficácia erga omnes e o compromisso retratável produz
eficácia inter partes.

O compromisso retratável não é um pré-contrato, visto que, quitada a última parcela,


não há mais a possibilidade de arrependimento por nenhuma das partes. As partes somente
podem se arrepender até a quitação da última parcela. O compromisso retratável já é um
instrumento definitivo, possibilitando, quando quitada a última parcela, a adjudicação
compulsória.
6.4. Natureza Jurídica
Há grande divergência entre os doutrinadores quanto à natureza jurídica do
compromisso de compra e venda.

Uma primeira posição entende que o compromisso de compra e venda é a própria


transmissão da propriedade, mas de maneira resolúvel, visto que há uma condição resolutiva,
que é o pagamento integral do preço (direito de propriedade resolúvel). Seria como um pacto
de retrovenda, ou seja, se o compromissário comprador se tornar inadimplente, o promitente
vendedor poderá retomar para si a coisa (BARBOSA LIMA). O negócio estaria perfeito, apenas
aguardando um evento futuro que seria o pagamento integral do preço. Essa posição não é
adotada. A diferença entre o compromisso de compra e venda e a condição resolutiva é que,
no compromisso, ambas as partes continuam possuindo direitos reais sobre a coisa; e, na
retrovenda, é transmitido o poder para o novo comprador.

Uma segunda posição entende que o compromisso de compra e venda implica em um


direito limitado de fruição (SILVIO RODRIGUES). O compromissário comprador se equipara a um
usufrutuário e o promitente vendedor se equipara a um nu-proprietário. Essa posição também
não é adotada. Todo direito de fruir tem caráter assistencial e o compromisso de compra e
venda tem o objetivo de alienar um bem, ambos possuindo, dessa forma, objetivos jurídicos
diferentes.

Uma terceira corrente entende que o compromisso de compra e venda é um direito de


garantia, visto que o compromissário comprador é um devedor e o promissário vendedor é o
credor. Há uma relação de garantia da relação jurídica dada pelo próprio bem, ou seja, se o
devedor não pagar todas as prestações, o próprio bem garante o compromisso de compra e
venda. Essa posição não foi adotada porque, no direito de garantia, o bem garante uma
relação jurídica principal (havendo duas relações jurídicas) e, no compromisso de compra e
venda, o bem garante a própria relação jurídica (há uma única relação jurídica). Ainda, no
direito de garantia, caso o devedor não pague as prestações, o credor não poderá tomar o bem
dado em garantia automaticamente; no compromisso de compra e venda, caso o devedor não
pague as prestações, o credor poderá automaticamente tomar o bem para si.

Conclui-se, portanto, que o compromisso de compra e venda é um direito real sui


generis, visto que não há, no ordenamento jurídico, nenhum modelo que a ele se adapte.

6.5. Requisitos
Caso falte um dos requisitos, a relação jurídica passa de obrigação real para somente
relação obrigacional.

Os requisitos do compromisso de compra e venda são:


6.5.1. Irretratabilidade
Não pode haver, no compromisso de compra e venda, nenhuma cláusula contratual que
permita a alguma das partes o arrependimento. Apesar de irretratável, entretanto, o contrato
de compra e venda pode ser resilido bilateralmente ou rescindido por culpa do
compromissário comprador.

Resilição unilateral é a extinção do contrato por ato voluntário da parte não culposa.

Resilição bilateral é a hipótese em que nenhuma das partes quer continuar com o contrato
(distrato). Tem eficácia ex nunc. O distrato deve ter a mesma forma do contrato

Rescisão é a extinção do contrato por culpa de uma das partes.

No compromisso de compra e venda, a rescisão somente poderá ocorrer por culpa do


compromissário comprador, se ele não cumprir com a obrigação de pagar as parcelas. A
rescisão tem efeito ex tunc. Não pode ser efetuada pela parte; somente pode ser declarada
pelo juiz.

6.5.2. Bem imóvel


Há necessidade de ser imóvel registrado.

6.5.3. Pagamento do preço


Pode ser feito à vista ou em prestações. Aplica-se a Súmula n. 412, do Supremo
Tribunal Federal, que dispõe que, no caso de culpa do devedor no compromisso irretratável,
ele perderá o sinal e deverá arcar com as despesas do processo de rescisão. O artigo 53 do
Código de Defesa do Consumidor dispõe que a cláusula que estabelece a perda de todas as
parcelas é nula, para que não haja o enriquecimento indevido. Então, caso haja a rescisão por
falta do pagamento do devedor, o promitente vendedor poderá, como sanção ao devedor,
abater – do valor das parcelas já recebidas e que tenha de devolver – o sinal, as custas
processuais, os honorários advocatícios e o aluguel.

Compensação é uma forma de extinção da obrigação na qual as partes são credoras e


devedoras umas das outras. O compromissário comprador é credor do excedente que foi pago.
O promitente vendedor é credor do bem e de todo o ônus da rescisão. A compensação exige
que as dívidas sejam líquidas, certas e que vençam no mesmo prazo. Há dois tipos de
compensação:

• pr
ópria: aquela em que não existe remanescente na obrigação, tendo em vista que o
valor das dívidas apresenta uma equiparação plena;
• im
própria: aquela em que sempre existe remanescente na obrigação, visto que não há
uma simetria entre as dívidas.

O cálculo da compensação é feito com base no artigo 53 do Código de Defesa do


Consumidor e na Súmula n. 412 do Supremo Tribunal Federal. Como já mencionado acima,
essa Súmula estabelece que, no caso de rescisão por arrependimento, por culpa do
compromissário comprador, este perderá o sinal. Haverá, conforme dispõe o artigo 53 do
Código de Defesa do Consumidor, a devolução das parcelas pelo promitente vendedor, o qual
, entretanto, poderá reter, automaticamente, o sinal (arras penitenciais), além de valores
correspondentes a custas processuais, honorários advocatícios, danos no imóvel, aluguéis. A
retenção tem caráter de sanção pelo tempo que o compromissário comprador passou
indevidamente no bem. A regra do artigo 53 do Código de Defesa do Consumidor só se aplica
quando há ausência de justa causa.

6.5.4. Capacidade das partes


A pessoa pode realizar um contrato de compra e venda, desde que tenha capacidade de
exercício de direitos, ou seja, desde que não seja absoluta ou relativamente incapaz. Mesmo a
pessoa absoluta ou relativamente incapaz, entretanto, pode realizar um contrato de compra e
venda, desde que sua incapacidade seja suprida por representação ou assistência.

6.5.5. Jus Disponendi


É o direito de dispor da coisa.

Há a regra de que o ascendente não pode vender o bem para o descendente sem a
anuência dos demais. Se não houver anuência expressa de um dos descendentes, caberá ação
anulatória, que pode ser promovida pelo Ministério Público caso o descendente que não anuiu
seja menor. A ação anulatória pode ser proposta em 10 anos a partir da venda do bem.

6.5.6. Registro
Deve haver o registro, visto que sem ele não há direito real. Todo direito real sobre
coisa alheia necessita de registro.
6.6. Efeitos do Contrato de Compra e Venda

6.6.1. Oponibilidade erga omnes


Se o contrato de compra e venda for registrado, todos podem consultar o registro.
Quando o oficial recebe o documento para registro, ele deve expedir um edital para, durante
30 dias, chamar terceiros. Havendo dúvidas, o juiz registrará o contrato de compra e venda
para aquele que pagou mais parcelas. Os outros, que não obtiverem o registro, deverão
ingressar com ação de perdas e danos.

6.6.2. Direito de seqüela com prerrogativa real


O compromissário comprador pode ir atrás do bem onde quer que ele esteja.

6.6.3. Ações reais


Ambos se valem dessa tutela porque, normalmente, o compromissário comprador é o
possuidor direto e o promitente vendedor é o possuidor indireto.

6.6.4. Transmissibilidade “causa mortis”


Com a morte, seja do compromissário comprador ou do promitente vendedor, seus
herdeiros devem dar continuidade ao compromisso; a morte não gera perda de continuidade.

6.6.5. Cessibilidade
Apesar de o compromisso de compra e venda não poder ser alienado, ele pode ser
cedido. Tanto o compromissário comprador quanto o promitente vendedor podem ceder seus
direitos.

O compromissário comprador faz cessão de um débito seu, não havendo necessidade


da anuência do promitente vendedor para realizar a cessão. O Decreto-lei n. 58/37 estabelece
uma solidariedade para os cessionários (todos cumprem solidariamente a obrigação, criando
um vínculo de solidariedade do débito). A cessão não está vinculada ao registro. A cessão
com registro garante ao cessionário o direito de exigir do promitente vendedor a escritura
definitiva, sob pena de adjudicação compulsória. Com uma cessão sem registro, o cessionário
fica dependente do cedente (promitente vendedor) para obter a escritura definitiva, visto não
ser titular de direito real.

Por sua vez, o promitente vendedor poderá ceder seu crédito, entretanto terá,
obrigatoriamente, que notificar o compromissário comprador.
6.6.6. Imissão na posse
No momento em que ocorre o compromisso, salvo regras excepcionais, o
Compromissário comprador tem a posse direta.

6.6.7. Purgação da mora


É uma prerrogativa – que a lei concede ao compromissário comprador – de efetuar o
pagamento com atraso, sem lhe atribuir culpa. Deverá ser notificado em 30 dias, sempre via
cartório de registro de imóveis, e o pagamento também é extrajudicial. A lei concede essa
prerrogativa, tendo em vista que o compromisso de compra e venda tem um caráter social.

6.6.8. Adjudicação compulsória


É a outorga da escritura definitiva pelo juiz quando não houver anuência por parte do
promitente vendedor. O rito é sumário, e a petição inicial deve atender a duas condições de
procedimento: prova material (da quitação) e prova da recusa do promitente vendedor em
outorgar a escritura. Não cabe prova testemunhal para essas condições.

7. DIREITOS REAIS DE GARANTIA

7.1. Introdução
Os Direitos Reais de Garantia surgiram no ano 326 a.C. com a lex
poetelia, quando os bens passaram a responder pelas obrigações.
Anteriormente, as relações eram pessoais, ou seja, a pessoa respondia pela
sua obrigação com o próprio corpo (tornava-se escrava).

O nosso sistema constitucional prevê duas exceções ao cumprimento


das obrigações por meio de bens: no caso de alimentos e no caso de
depositário infiel (haverá prisão civil, visto que a liberdade do devedor tem um
valor inferior à obrigação em relação ao credor).

A garantia visa evitar a insolvência do devedor (impossibilidade de


cumprir a obrigação) e evitar o rateio (a divisão do patrimônio em partes
iguais). Há duas espécies de garantia: a garantia fidejussória e a garantia real.
7.2. Garantia Fidejussória
Aquela em que o patrimônio de um terceiro, não diretamente obrigado,
responde solidariamente no cumprimento da prestação do devedor principal.
Isso ocorre por meio de um contrato de fiança (estabelece-se uma relação de
garantia). O nosso sistema trabalha com duas espécies de solidariedade:

• so
lidariedade perfeita: em que os vários coobrigados estão unidos pela
mesma relação causal com o credor, gerando, sempre, uma divisão
proporcional;

• so
lidariedade imperfeita: em que há relações causais diferentes para os
coobrigados solidários, não havendo rateio, mas sim integralidade no
cumprimento da prestação por uma das partes solidárias.

A garantia fidejussória foi insuficiente no sistema, por não resolver o


problema da insolvência, já que pode haver a insolvência do garantidor.

7.3. Garantia Real


São aquelas em que bens certos e determinados respondem pelo
cumprimento da obrigação.

Há o princípio da aderência existente entre o credor e a coisa. Se a coisa


perecer, o vencimento da dívida será antecipado.

7.3.1. Modalidades de garantia real


O nosso sistema estabeleceu duas modalidades de garantia real:

• Hi
poteca e Penhor: em que o titular devedor transfere ao terceiro credor
apenas a prerrogativa na execução da coisa (prerrogativa de levar a
coisa à hasta pública). Não há fruição da coisa, devendo esta
permanecer, normalmente, com o devedor, no caso de hipoteca, e
com o credor, no caso de penhor, que não poderá dela fruir;

• A
nticrese: em que o titular devedor transfere ao terceiro credor apenas
a fruição sobre o bem imóvel, para garantir o cumprimento da
obrigação principal por meio da compensação entre créditos e
débitos. A anticrese somente pode perdurar por 15 anos e nem um dia
a mais, tendo em vista que se tira o bem do comércio. Não se pode
levar o bem à hasta pública.

Compensação é forma de extinção da obrigação, pois as partes são


credoras e devedoras entre si de dívidas líquidas, fungíveis entre si e
vencidas.

A relação de garantia, quer a hipoteca, quer o penhor, quer a anticrese,


não pode ser autônoma.

7.3.2. Princípios
• Pr
incípio da Acessoriedade: O direito de garantia (hipoteca, penhor ou
anticrese) decorre sempre de uma relação principal, de um outro
contrato. É, portanto, um contrato acessório que depende do contrato
principal, não havendo exceções. Em caso de nulidade ou prescrição
da relação principal, haverá também nulidade ou prescrição da
relação acessória (direito de garantia).

• Princípio do Privilégio: O crédito real não está sujeito a rateio. Somente a


hipoteca autoriza a concessão de várias hipotecas sobre o mesmo bem (sub-
hipoteca), visto que é a única hipótese em que o bem remanesce com o
devedor. Havendo várias hipotecas, aplica-se o princípio cronológico, ou seja,
aquele credor que prenotou primeiro terá o privilégio sobre o bem.

O fato de se estabelecer um privilégio real não implica que o crédito


real venha a ser resgatado em primeiro lugar, visto que existem os
créditos públicos que preferem sobre todos os demais créditos,
independentemente da data em que foram prenotados.

• Pr
incípio da Indivisibilidade do Crédito Real: independentemente da
natureza da coisa, com a concessão do direito de garantia, ela se
torna, por lei, automaticamente indivisível. A indivisibilidade implica
que somente o pagamento integral libera o gravame sobre a coisa.

Há uma exceção a esse princípio: o Tribunal de Justiça de São Paulo


estabeleceu o princípio da divisibilidade da garantia para cada
unidade autônoma no caso da Encol (cumprimento parcial da
obrigação).

• Pr
incípio da Publicidade: A publicidade é complexa, ou seja, necessita
de mais de um fator para ocorrer.

Na hipoteca e na anticrese, a publicidade ocorre por meio do registro


no Cartório de Registro de Imóveis, entretanto não basta o registro, é
necessário que o crédito real esteja descrito minuciosamente no
registro. No penhor, não basta somente o registro no Cartório de
Títulos e Documentos; exige-se a posse da coisa junto ao credor,
porque os bens móveis se transmitem por simples tradição (é,
entretanto, uma posse sem exercício).

A descrição minuciosa do crédito no registro (hipoteca e anticrese) e


a posse da coisa junto ao credor (penhor) são necessárias para gerar
circulabilidade da coisa. Deve, ainda, haver no registro o montante da
dívida, a data de pagamento e os frutos (juros) da obrigação
(princípio da especialização).

7.4. Estrutura Jurídica


O artigo 104 do Código Civil exige capacidade, licitude do objeto e forma
(sempre rígida). Para os bens imóveis, a forma é a escritura pública.

7.4.1. Capacidade
Capacidade genérica tem o proprietário (aquele que tem o jus
disponendi da coisa). A lei estabelece uma capacidade específica quando o
proprietário for casado, devendo, necessariamente, haver a outorga do
cônjuge, independentemente do regime de bens.

No direito de sucessão, somente por alvará um bem poderá ser gravado


em garantia, independentemente da anuência de todos os herdeiros.

7.4.2. Objeto
O bem deverá estar no comércio.

Não será possível hipotecar bem de família voluntário, entretanto, bem de família
compulsório poderá ser objeto de hipoteca (artigo 3.º da Lei n. 8.009/90). Nos casos de bens
compulsórios, se o bem for divisível, cada condômino pode gravar a sua parte; se for
indivisível, todos os condôminos devem dar o bem em garantia.
CURSO DO PROF. DAMÁSIO A DISTÂNCIA

MÓDULO XVII

DIREITO CIVIL
Direito de Família

__________________________________________________________________
Praça Almeida Júnior, 72 – Liberdade – São Paulo – SP – CEP 01510-010
Tel.: (11) 3346.4600 – Fax: (11) 3277.8834 – www.damasio.com.br
DIREITO CIVIL

Direito de Família

Prof. Vitor Frederico Kümpel

1. INOVAÇÕES LEGAIS E CONSTITUCIONAIS NO DIREITO DE FAMÍLIA

1.1. Conceito de Família


Hoje, o conceito de família engloba o casamento, a união estável ou qualquer um dos
pais e seus descendentes (família monoparental).

1.2. União Estável


Prevista no artigo 226, § 3.º, da Constituição Federal/88, era regulada pela Lei n.
8.971/94 e Lei n. 9.278/96. Hoje, ambas as leis estão revogadas, vigorando as disposições da
União estável esparsamente estabelecidas nos Livros de Direito de Família e Sucessões.
Consiste na união duradoura, pública e contínua com o fim de constituir família.

1.3. Ampliação e Facilitação do Divórcio (artigo 226, § 6.º, da


Constituição Federal/88)
O divórcio chegou ao Brasil com a Emenda Constituicional n. 9/77 e com a Lei n.
6.515/77. Antes da Constituição Federal/88, porém, o divórcio era restrito aos seguintes
termos:

• só havia divórcio por conversão;

• a conversão em divórcio só poderia ser feita após três anos de separação


judicial;

• só era possível um único pedido de divórcio.

Com a Constituição Federal/88, o divórcio tornou-se mais amplo, nos seguintes


termos:
• pode haver divórcio direto desde que haja, no mínimo, 2 anos de separação de
fato;

• a conversão em divórcio pode ser feita após 1 ano de separação judicial;

• os pedidos de divórcio são ilimitados.

A Lei 6.515/77 também está revogada com o advento e entrada em vigor do novo
Código Civil Brasileiro.

1.4. Igualdade (Isonomia)


Igualdade de direitos entre homem e mulher, prevista nos artigos 3.º e 5.º, caput e
inciso I, e 226, § 5.º, todos da Constituição Federal de 1988.

1.5. Igualdade dos Filhos


Não há mais distinção entre legítimos, ilegítimos, legitimados ou adotados (artigo 227,
§ 6.º, da Constituição Federal/88).

2. DO CASAMENTO

2.1. Conceito
O casamento é a união entre homem e mulher, na forma da lei, com a finalidade de
constituição de família.

2.2. Finalidade (artigo 1.566 do Código Civil)


• Vida em comum

• Fidelidade

• Assistência mútua

• Sustento e criação dos filhos

• Respeito e consideração mútuos


2.3. Natureza Jurídica
A maioria da doutrina considera o casamento um misto de contrato e instituição, sendo
tratado como contrato sui generis, sujeito às normas de ordem pública (regras cogentes,
imperativas).

2.4. Características Essenciais

2.4.1. Diversidade de sexos


O casamento será feito somente entre homem e mulher. Exige-se a heterossexualidade,
sob pena de inexistência do casamento.

2.4.2. Consentimento
Deve haver vontade entre as partes. Para que o casamento tenha validade, deve haver o
consentimento pleno. Inexistindo o consentimento, é inexistente o casamento. Havendo
consentimento mediante coação, o casamento é anulável.

2.4.3. Solenidade
O
casamento é um ato eminentemente solene. Deve ser obedecida a celebração. A autoridade
que celebra o casamento é o Juiz de Casamentos, que é uma pessoa nomeada pelo Poder
Executivo para desempenhar essa função.

A celebração, no entanto, pode ser dispensada em alguns casos:

• na conversão de união estável em casamento;

• no casamento nuncupativo (casamento em que um dos cônjuges corre risco de


vida, devendo haver declaração dos cônjuges comprovada por seis testemunhas
que compareçam perante o juiz em 10 dias) (artigo 1.541 do Código Civil).

Nos casos em que a celebração for feita por autoridade incompetente, o casamento é
anulável (artigo 1.550, inciso VI, do Código Civil); no entanto a anulabilidade deve ser
desconstituída em dois anos, caso contrário o casamento passa a ter validade (artigo 1560,
inciso II, do Código Civil).
2.4.4. Justiça de Paz
Integrante do Poder Judiciário, é eletiva, temporária e remunerada, ou seja, o Juiz de
Paz será eleito, terá um mandato de quatro anos e receberá remuneração. A Justiça de Paz está
prevista na Constituição Federal, mas ainda não foi regulamentada por lei, portanto, é o Juiz
de Casamentos quem faz a celebração.

2.5. Espécies

2.5.1. Casamento civil


Surgiu no Brasil com a República e foi regulamentado por lei em 1926.

2.5.2. Casamento religioso com efeitos civis


Para que o casamento religioso tenha validade, o registro religioso deve ser levado
para registro civil. Existem, no entanto, algumas subespécies de casamento:

a) Conversão da união estável em casamento

Prevista no artigo 226, § 3.º, da Constituição Federal/88, na Lei n. 9.278/96, revogada,


e no novo Código Civil. Os conviventes poderão requerer no registro civil a conversão da
união estável em casamento. É um requerimento administrativo, cujo procedimento foi
regulamentado pelo Provimento n. 10 da Corregedoria-Geral de Justiça nestes termos:

• requerimento de ambos os cônjuges;

• habilitação (edital de proclamas, manifestação do Ministério Público);

• verificando-se não haver impedimentos, dispensa-se a celebração. O casamento


se consuma na data da conversão, não retroagindo à data do início da convivência.

b) Casamento por procuração

Poderá ser efetuado o casamento mesmo se um ou os dois noivos estiverem


representados por procuração.
c) Casamento consular

Celebra-se perante o cônsul do lugar do seu domicílio. Os brasileiros que residem no


exterior e querem casar-se sob o regime brasileiro podem celebrar o casamento no consulado
brasileiro. Se voltarem a morar no Brasil, devem registrar o casamento no Cartório de
Registro Civil para que se faça a publicidade.

d) Casamento putativo (imaginário – artigo 1.561, "caput", do Código Civil)

É o casamento nulo ou anulável que foi celebrado de boa-fé por um ou por ambos os
cônjuges. Ele terá validade até que seja declarada a nulidade. O casamento de boa-fé gerará
efeitos para o cônjuge que assim agiu, tendo este direito a alimentos, herança etc.

2.5.3. Esponsais
É o compromisso solene de casamento. Hoje, não há regulamentação nem efeitos
legais para os esponsais. O exemplo de esponsais hoje no Brasil é o noivado. Em alguns
casos, os esponsais poderão ter efeitos jurídicos, como o rompimento injustificado que cause
ao outro danos materiais e morais, podendo ser requerida indenização por parte do
prejudicado.

2.6. Habilitação
É um procedimento administrativo feito perante o Oficial do Registro de Pessoas
Naturais para verificar se há ou não algum impedimento para a celebração do casamento. Em
regra, a habilitação sempre será prévia, no entanto a lei permite habilitação posterior no caso
de casamento religioso e casamento nuncupativo.

A habilitação é um requerimento conjunto dos noivos afirmando que querem se casar e


não possuem impedimentos. Devem constar declarações de duas testemunhas que conheçam
os noivos e atestem a inexistência de impedimentos. Devem-se juntar a esse requerimento os
documentos que comprovem a idade e o estado civil dos noivos. Em alguns casos são
necessários outros documentos:

a) Casamento de relativamente incapazes

É necessário o consentimento dos pais ou o suprimento do consentimento pelo juiz


(caso um dos pais não tenha dado o consentimento).

b) Casamento de pessoas abaixo da idade núbil


Homem e mulher, menores de 16 anos encontram-se abaixo da idade núbil. Não
possuem capacidade matrimonial conforme o artigo 1.517 do Código Civil. Nesses casos,
além do consentimento dos pais, é necessário o suprimento de idade pelo juiz. Em qualquer
caso de casamento de menores, o regime adotado será sempre o de separação de bens (artigos
1.641, inciso III, do Código Civil).

Após essas providências, o cartório providenciará a publicação de editais de proclamas


com prazo de 15 dias, chamando os interessados para impugnarem ou não a habilitação.
Ainda que não haja impugnação, o Ministério Público verificará todas as habilitações para
que se dê seqüência ao processo. Somente quando houver impugnação o Juiz se manifestará.
Não havendo impugnação, será expedida pelo cartório uma Certidão de Habilitação que terá
validade por três meses. Com a celebração do casamento, será expedida pelo cartório a
Certidão do Registro de Casamento. Essa certidão do Registro de Casamento (artigo 1.543,
caput, do Código Civil) é a prova de que foi celebrado o casamento. Caso se percam todos os
registros, pode-se comprovar o casamento com outros documentos. Neste caso, a prova deve
ser judicial e o casamento reconhecido pelo Juiz.

A lei também dispõe sobre a comprovação do casamento na posse do estado de


casados (artigos 1.545 a 1.547 do Código Civil). A posse do estado de casados é uma
situação de fato em que o homem e a mulher se comportam como casados. Essa posse é uma
prova adicional do casamento.

2.7. Impedimentos Matrimoniais


Os impedimentos previstos no artigo 1.521 estão ligados à capacidade e legitimação
para a prática do ato. São impedimentos matrimoniais certos fatos ou circunstâncias previstos
em lei que impedem o casamento de algumas pessoas. Se essas circunstâncias impeditivas se
concretizarem, terão como conseqüência, dependendo do caso, a nulidade do casamento, a
anulação do casamento ou a aplicação de certas sanções aos contraentes.

Os impedimentos têm graduações, podendo ser mais graves ou menos graves. Os


artigos 1.521 e 1.523, dispõem sobre os impedimentos, que são em número de dezesseis e
divididos em dois grupos, de acordo com o grau de sua gravidade. São eles:

a) impedimentos dirimentes absolutos (artigo 1521, incisos I a VII, do Código


Civil):

São considerados mais graves e por esse motivo são de natureza pública.

Não admitem correção, tornando o casamento absolutamente nulo;

b) impedimentos suspensivos (artigo 1523, incisos I a IV, do Código Civil):


São considerados impedimento de natureza patrimonial e têm como conseqüências
apenas a suspensão do casamento até a regularização da situação, ou o suprimento judicial
quando não houver nenhuma prejudicialidade patrimonial (artigo 1523, parágrafo único, do
Código Civil).

2.7.1. Impedimentos dirimentes absolutos


Sempre que houver os impedimentos previstos nos incisos I a VII, ocorrerá a nulidade
do casamento. A nulidade, no entanto, não poderá ser alegada de ofício, dependendo de uma
ação ordinária.

a) Inciso I

Não podem se casar parentes em linha reta. São os pais e os irmãos. Esse casamento é
chamado incestuoso. Caso haja filhos advindos do incesto, terão todos os direitos de filhos
legítimos.

b) Inciso II

Não podem se casar os afins em linha reta. São as sogras, os sogros, o genro, a nora, o
padrasto, a madrasta, o enteado e a enteada. Esse vínculo de afinidade existirá tanto no
casamento quanto na união estável, lembrando que a união estável também gera parentesco
(artigo 1595, caput, do Código Civil). Não existem impedimentos na linha colateral, como
cunhadas e cunhados.

c) Inciso III

Não podem se casar filho adotivo com cônjuge do adotante.

Não há mais necessidade dessa regra especial, tendo em vista que hoje o filho adotivo
será enquadrado na regra do inciso I.

d) Inciso IV

Não podem se casar irmãos e colaterais até o 3.º grau.

e) Inciso V
Não podem se casar o adotado com o filho do adotante. Isso porque os mesmos são
irmãos.

f) Inciso VI

Não podem se casar pessoas casadas. O segundo casamento não se convalida com a
dissolução do primeiro casamento nem com a viuvez. A nulidade absoluta do primeiro
casamento, no entanto, convalida o segundo casamento.

g) Inciso VII

Não podem se casar o cônjuge sobrevivente com o autor de homicídio ou tentativa


contra seu consorte.

2.7.2. Impedimentos suspensivos


Esses impedimentos apenas suspendem o casamento, não incidindo qualquer sanção
como ocorria no sistema anterior, sendo que o legislador estabeleceu quatro hipóteses em que
o patrimônio de uma pessoa não pode, pelo casamento apenas, se confundir com o patrimônio
de outra. O legislador foi bastante flexível pois autorizou que o juiz suprisse as hipóteses
suspensivas quando verificasse que a proteção é desnecessária.

a) Artigo 1523, inciso I, do Código Civil

Não podem se casar viúva ou viúvo, se houver filhos do casamento anterior, antes de
fazer o inventário. O caso desse inciso (casamento de viúvo(a) antes de ser feito o inventário)
acarretará a perda do usufruto dos bens dos filhos. Portanto, para que incida a suspensão é
necessário que existam filhos do cônjuge falecido; que da morte do cônjuge anterior não
tenha sido feito inventário; que existam bens a serem partilhados e que existam outros
herdeiros na linha descendente ou ascendente.

b) Artigo 1523, inciso II, do Código Civil

Não pode se casar mulher viúva, divorciada ou com o casamento anulado antes de 10
meses. Existe tal impedimento para evitar dúvidas quanto à paternidade de eventual filho. A
jurisprudência, no entanto, entende que, sendo comprovada a não-gravidez, o casamento
poderá ser realizado antes desse prazo. Hoje é desnecessária a regra da jurisprudência já que o
parágrafo único do artigo 1.523 dá pleno poder ao juiz para suprir a hipótese suspensiva.
c) Artigo 1.523, inciso III, do Código Civil

O divorciado, para se casar em novas núpcias, precisa partilhar seus bens com o
cônjuge anterior. Isso porque, a pessoa quando divorcia tem plena liberdade para manter o
condomínio com o cônjuge anterior, estabelecendo cotas para os bens no termo da separação
ou mesmo divórcio. Porém, para se casar vai ter que dissolver esse condomínio que
remanesceu mantido para não gerar qualquer confusão patrimonial.

d) Artigo 1523, inciso IV, do Código Civil

Não podem se casar tutor com tutelado, curador com curatelado, nem com os seus
herdeiros, enquanto não cessar a tutela e a curatela e não estiverem saldadas as respectivas
contas.

2.8. Invalidade do Casamento


O casamento poderá ser inválido se ocorrer alguma falha. A invalidade se distingue
em:

a) Inexistência

É aquele ato que aparenta ser casamento, mas nem chega a existir, como tal, no plano
jurídico (exemplo: união homossexual). Faltam elementos essenciais à sua própria
caracterização no mundo jurídico, inexistindo o casamento inclusive para o cônjuge de boa-
fé. Há necessidade do reconhecimento de que algumas situações de casamento não se
enquadram nem na nulidade nem na anulabilidade.

A relativa capacidade para consentir gera a anulabilidade. O louco pode se casar,


dependendo do grau de loucura. A coação é causa de anulabilidade, porém, se a coação for
absoluta, então será caso de inexistência. Casamento por procuração exige que haja poderes
especiais para consentir. Se o procurador, portanto, não tem poderes especiais, o casamento é
inexistente.

Não há necessidade de ação para reconhecer a inexistência do casamento (posição


majoritária). Se o casamento, porém, apesar do vício de origem, foi celebrado e registrado,
haverá necessidade de ação judicial para o reconhecimento da inexistência do ato e
cancelamento do registro.

b) Nulidade

Prevista em duas hipóteses:


• quando o casamento é celebrado com impedimentos absolutos (artigo 1.521,
incisos I a VII, do Código Civil);

• quando o casamento tiver como um dos cônjuges pessoa enferma mental sem
o necessário discernimento para os atos da vida civil. A hipótese é rara pois a
debilidade mental deve ser constatada pelo próprio oficial de registro civil ou pelo
Juiz de Paz.

c) Anulação

Prevista em seis hipóteses:

• quando o casamento é celebrado com pessoa com idade inferior a 16 anos e


que não foi outorgado o suprimento de idade com base na gravidez ou para não
gerar sanção penal (artigo 1.520 do Código Civil);

• quando o casamento é celebrado com pessoa com idade superior a 16 anos,


porém inferior a 18 anos e não tenha sido outorgada autorização ou pelo
representante legal ou pelo juiz através do processo de suprimento de
consentimento;

• quando o casamento é celebrado com erro essencial sobre a pessoa do outro


cônjuge (artigos 1.556 e 1.557, do Código Civil). Erro é a falsa noção da realidade;
ignorância é o desconhecimento da realidade. Quando a disposição se refere a
“erro”, deve-se entender, também, ignorância. O erro deve dizer respeito a elemento
essencial ao bom casamento e deverá ser unicamente em relação ao outro cônjuge.

O artigo 1.557 do Código Civil dispõe os motivos da anulação do casamento por erro
essencial. É um rol taxativo:

c.1) Inciso I

Erro quanto à identidade do outro cônjuge (física ou moral). O erro quanto à identidade
física poderá ocorrer, por exemplo, no casamento por procuração quando o procurador não
conhece a pessoa do outro cônjuge. A identidade moral da pessoa diz respeito à honra e boa
fama do outro cônjuge.
c.2) Inciso II

Ignorância de crime praticado pelo cônjuge antes do casamento e que resulte em


condenação definitiva (trânsito em julgado), sendo que este crime tem natureza que ofende a
família, como seria o caso do marido seduzir outra mulher. A condenação poderá ser depois
do casamento, mas o crime deverá ter sido cometido antes. Se o crime for praticado depois do
casamento, não enseja pedido de anulação, e sim separação culposa.

c.3) Inciso III

Ignorância quanto a defeito físico irremediável ou doença grave e transmissível. O


defeito físico deve ser um obstáculo para a consumação do casamento (exemplo: impotência
sexual).

A impotência sexual nem sempre anula o casamento, somente anulará quando atingir
sua essência, a prática sexual. Para se auferir a impotência, deve-se distinguir sua natureza e
grau, se absoluta ou relativa, utilizando-se da perícia (avalia-se caso a caso).

• Impotência sexual de caráter instrumental, para a prática da conjunção carnal –


acipiendi (mulher com defeito de formação): sendo o sexo impossível, não há
coabitação, assistência e débito conjugal.

• Impotência quanto à capacidade de ter filhos – infertilidade: não pode ser


anulado o casamento, pois procriar não é da essência do casamento, mas sim os
deveres de criar e educar os filhos.

No caso de grave moléstia transmissível, não é qualquer moléstia que é considerada e


esta deve ser anterior ao casamento; esse caso independe de culpa, de ter dado causa à
doença.

Em relação à AIDS, sabendo-se da doença, não se pode anular o casamento; se


adquirida após o casamento, não se anula, pois não houve erro quando do casamento; se
ocasionada a doença por uma má conduta anterior ao casamento, como uma vida promíscua, é
anulável, com fulcro no inciso I; se não decorrer de má conduta e a doença for posterior, não
se anula o casamento.

c.4) Inciso IV

Inovou o Código Civil atual em considerar que a ignorância sobre doença mental
grave, pode tornar insuportável a vida em comum do cônjuge enganado e, escusar a
ignorância, outorgando à parte a anulação para o casamento. É bom ressaltarmos que a
doença mental é de caráter psicológico, sendo que a pessoa goza de discernimento para os
atos da vida civil. Isto significa que a pessoa não tem uma imbecilidade ou idiotia, pois se
tivesse seria caso de nulidade. A pessoa tem uma esquizofrenia e isso pode causar a
anulabilidade.

Para invalidar um casamento (anulação ou nulidade), é necessário que haja uma ação
ordinária (artigo 1562 do Código Civil). No caso de anulação, a lei dispõe os titulares da ação
de anulação de casamento. O juiz não poderá agir de ofício. Essa ação tem algumas
características:

• Juiz competente é aquele da Vara de Família, quando houver;

• trata-se de uma ação de estado, portanto o direito é indisponível, ou seja, não


se admite acordo nem confissão (a confissão é irrelevante, não bastando como
prova);

• o Ministério Público funciona, necessariamente, como custos legis. No caso da


ação de nulidade, o Ministério Público poderá, inclusive, ser o autor da ação;

• possui um curador ao vínculo, que é um advogado (nomeado pelo juiz) que,


obrigatoriamente, deverá ser a favor da continuidade do casamento;

• não há mais necessidade de observância do reexame necessário, ante as


recentes modificações da Lei n. 10.352/01, restringindo as hipóteses desta
condição de eficácia da sentença de primeiro grau.
CURSO DO PROF. DAMÁSIO A DISTÂNCIA

MÓDULO XVIII

DIREITO CIVIL

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DIREITO CIVIL

Prof. Vitor Frederico Kümpel

1. EFEITOS JURÍDICOS DO CASAMENTO

Esta matéria é tratada no Código Civil em seus artigos 1.565 a 1.570. outros efeitos jurídicos
são previstos no Capítulo da Filiação (artigos 1.569 a 1.606) e no Capítulo das Disposições
Patrimoniais (artigos 1.639 a 1.710). nenhuma distinção é feita entre o homem e a mulher,
pois o novo Código Civil está alinhado com o artigo 226, § 5.º, da Constituição Federal./88
que estabelece o princípio da igualdade dos cônjuges na vigência da sociedade conjugal.

1.1. Efeitos Pessoais


Dizem respeito aos direitos e deveres de ambos os cônjuges, dispostos no artigo 1.566,
do Código Civil.

Por força do artigo 1.565 os cônjuges são companheiros e responsáveis pelos encargos
da família e têm por obrigação decidir o planejamento da mesma, já que o § 2.º do artigo
1565 está em consonância com o artigo 226, § 7.º, da Constituição Federal/88.

1.2. Efeitos Sociais


Atingem não só as pessoas dos cônjuges, mas também a sociedade. O casamento tem
como efeitos sociais:

• entre os cônjuges, instaura-se uma sociedade conjugal (artigo 1.565 do Código


Civil);

• institui-se, com o casamento, a família (artigo 1.565 do Código Civil e artigo 226
da Constituição Federal/88);

• pelo casamento muda-se o status social dos cônjuges. É a mudança do estado civil
da pessoa;

• com o casamento a pessoa se emancipa (artigo 5.º, parágrafo único, inciso II, do
Código Civil).
• cônjuge passa a ter com os parentes do outro um vínculo jurídico por afinidade
(artigo 1.595, do Código Civil).

1.3. Efeitos Patrimoniais


• Dever de assistência patrimonial: refere-se ao sustento, ajuda material que cabe a
ambos os cônjuges (artigo 1.566, inciso III, Código Civil).

• Com o casamento altera-se o sistema de propriedade dos bens, alterando-se, também,


a sua administração. O regime de bens é tratado nos artigos 1.639 a 1.688, do Código Civil, e
que passará a valer a partir do casamento, sendo irrevogável. O pacto antenupcial é uma
escritura com eficácia condicional, tendo em vista que só terá validade se houver o casamento.
A administração dos bens se altera, visto que não será livre.

• Sucessão hereditária (artigos 1.784 e seguintes do Código Civil): o cônjuge torna-


se herdeiro do outro.

2. DIREITOS E DEVERES DOS CÔNJUGES

O Código Civil trata, em primeiro lugar, dos direitos e deveres dos cônjuges (artigo
1.566). Trata-se de um rol de deveres explícitos, mas que não afasta outros deveres, que não
estão ali relacionados, chamados de deveres implícitos.

Os deveres implícitos são a lealdade, a compreensão, o diálogo, o carinho, a tolerância


mútua, a entrega sexual, o amor etc.

Os deveres explícitos são aqueles expressos nos incisos de I a V do artigo 1.566. São
eles:

a) Inciso I

Fidelidade é a confiança depositada no outro cônjuge. Uma das formas mais graves da
infidelidade é o adultério (encontro sexual fora do casamento). O adultério tem como
conseqüência a separação do casal, e na esfera penal é considerado como crime. Além do
adultério propriamente dito, que é de difícil prova, existem, ainda:

• quase adultério: a pessoa pratica atos de envolvimento afetivo, tais como carinhos,
beijos, mas não chega a ter um encontro sexual;

• adultério virtual: praticado pela internet, correspondência ou telefone, não havendo


relacionamento sexual;
• adultério precoce: aquele que se observa no início do casamento e além de ser
causa de separação pode ser causa de anulação do casamento por erro essencial;

• adultério casto: não há relacionamento sexual, mas há gravidez (ex.: marido que
doa espermatozóides sem o consentimento da esposa, ou esposa que se submete a uma
gravidez por inseminação artificial de outra pessoa que não o marido, sem a autorização
deste).

b) Inciso II

A convivência em residência com animus definitivo é pressuposto do casamento.


Pode-se dispensar, entretanto, a vida em comum por consenso, conveniência ou necessidade.
A falta desse dever é o abandono do lar – que não exige mais o tempo de dois anos. É
necessário que o abandono seja voluntário (animus de permanecer fora do lar) e injusto (que
não seja motivado pelo outro cônjuge).

O artigo 1.569 do Código Civil estabelece que o domicílio do casal será escolhido por
ambos os cônjuges, admitindo-se uma ausência ocasional para atender encargos públicos,
para o exercício de profissão ou para atender interesses particulares relevantes.

c) Inciso III

Auxílio, colaboração de um para com o outro. Desmembra-se em assistência material e


assistência moral.

d) Inciso IV

A guarda, sustento e educação dos filhos decorre do chamado pátrio poder, que é o
direito-dever dos pais.

e) Inciso V

Estabeleceu o Código Civil ainda o respeito e a consideração mútuos. Tal disposição é


irrelevante, pois a mútua assistência tem todo o aspecto moral, de forma que apenas reforçou
o legislador algo que já havia estabelecido.
2.1. Direitos e Deveres patrimoniais
Os artigos 1.642 a 1.652 do Código Civil estabelecem efeitos obrigacionais,
contratuais para que marido e mulher possam contratar de maneira livre, ou estabelecendo
uma interdependência entre eles.

É bom ainda ressaltarmos o comando do artigo 1.568 que determina que para
manutenção da família os cônjuges devem concorrer, na proporção de seus bens e do
rendimento do trabalho, qualquer que seja o regime estabelecido. Isso significa que sempre
haverá um rateio entre marido e mulher para manutenção da família, a não ser que as próprias
pares estabeleçam de maneira contrária no pacto antenupcial.

Vejamos as disposições patrimoniais:

a) Artigo 1.647, inciso I, Código Civil

O marido não pode, sem consentimento da mulher, qualquer que seja o regime de bens,
com exceção do regime da separação absoluta ou da participação final nos aqüestos (artigo
1.656 do Código Civil), alienar ou onerar bens imóveis ou direitos reais sobre imóveis. A
aquisição, entretanto, é permitida. Quanto ao compromisso de compra e venda, existem duas
correntes que tratam do assunto. Uma entende que é necessária a outorga e outra entende que
não. Alienar, nesse caso, tem o sentido amplo de transmitir a posse do bem para outra pessoa.
A alienação é proibida qualquer que seja o regime de bens, visto que essa proibição visa à
proteção do patrimônio familiar.

b) Artigo 1.647, inciso II, Código Civil

Nas ações reais imobiliárias é exigida a presença de ambos os cônjuges, tanto no pólo
passivo quanto no pólo ativo.

c) Artigo 1.647, inciso III, Código Civil

É proibido ao homem prestar fiança sem o consentimento da mulher. A meação do


cônjuge que não consentiu não é atingida pela dívida do terceiro (Lei n. 4.121/62, artigo 3.º),
salvo se ficar provado que houve benefício para o outro cônjuge que não consentiu. Boa parte
da doutrina entende que a fiança sem o consentimento é ato nulo; entretanto, o entendimento
dominante é que é ato anulável, tendo em vista ser privativo da mulher; e existe prazo
processual de quatro anos para que se anule a fiança.
d) Artigo 1.647, inciso IV, Código Civil

Não pode o homem fazer doação de bens sem o consentimento da mulher, salvo se for
de pequeno valor ou a título remuneratório. (Nesse inciso, a lei se refere a bens móveis, visto
que os bens imóveis estão protegidos no inciso I)

Antes da Lei n. 4.121/62, o artigo 240 do Código Civil de 1916 dispunha que a mulher
era auxiliar do marido. Essa expressão “auxiliar” foi substituída por “colaboradora,
companheira e consorte”. Pelo Código Civil ambos são companheiros ou consortes um do
outro (artigo 1.565, caput, do Código Civil).

3. REGIME DE BENS NO CASAMENTO

3.1. Classificação
Existem duas classificações do regime de bens no casamento, atendendo aos quatro
tipos básicos previstos no Código.

3.1.1. Quanto à origem


• Convencional: decorre de um contrato feito pelas partes. Faz-se por um pacto
antenupcial. Pode-se realizar por convenção o regime da comunhão universal, o regime da
separação de bens (absoluta ou relativa) e o regime da participação final nos aqüestos. Esses
três regimes devem ser necessariamente decorrentes de contrato.

• Legal: têm-se dois tipos que decorrem da lei. O regime da comunhão parcial é o
regime legal na falta de convenção (artigo 1.640, caput, do Código Civil). Esse regime
também é chamado de regime comum. Essa situação existe desde a Lei do Divórcio (Lei n.
6.515/77), antes dela vigorava o artigo 258 do Código Civil de 1916, que dispunha que o
regime legal seria o da comunhão universal. O regime da separação de bens obrigatório está
previsto para certas pessoas. No artigo 1.641, caput, existem três hipóteses em que a lei
obriga o regime de separação de bens.
3.1.2. Quanto aos efeitos
Pode ser comunitário ou não comunitário, de acordo com a comunicação ou não dos
bens dos cônjuges:

• comunitário: enquadram-se a comunhão universal e a comunhão parcial de bens e


participação final nos aqüestos;

• não comunitário: enquadram-se a separação de bens.

3.2. Princípios

3.2.1. Princípio da liberdade (artigo 1.639, "caput", do Código Civil)


Significa autonomia de vontade, que é uma das características da celebração de um
contrato. Deve haver a livre vontade para a celebração do contrato. Ainda, os nubentes têm
liberdade para estabelecer qual regime de bens querem adotar.

Essa liberdade só existe para os nubentes, visto que os cônjuges devem,


obrigatoriamente, submeter-se ao regime convencionado. O Código Civil autoriza até
alteração do regime de bens, porém depende de autorização judicial e motivo justo. Essa
liberdade, entretanto, é relativa, não podendo os nubentes estabelecer cláusulas no pacto que
contrariem a lei.

3.2.2. Princípio da formalidade


Essa formalidade só existe se o regime de bens for convencional, visto que, se for
regime legal, não há livre vontade para a celebração do contrato.

3.2.3. Princípio da definitividade (artigo 1.639, § 2.º, do Código Civil)


O Código Civil de 1916 determinava que o regime convencionado era irrevogável. O
atual sistema admite a mutabilidade do regime, porém preenchidos alguns requisitos, a saber:
vontade de ambos os cônjuges; proteção ao terceiro de boa-fé; justo motivo para mudança e
decisão judicial.

3.3. Objeto
O objeto do regime de bens são os próprios bens dos cônjuges. Inexistindo os bens,
não há regime de bens.

Os bens serão comunicáveis ou não, de acordo com o regime de bens, não havendo
necessidade de se provar a colaboração do cônjuge na aquisição deles. Comunicar significa a
propriedade em comum dos bens, ou seja, cada um dos cônjuges detém a metade dos bens do
casal. Os bens comunicáveis são chamados de bens comuns, pois pertencem a ambos os
cônjuges, dando a eles o direito de meação.

Os bens não comunicáveis são aqueles particulares de cada um dos cônjuges, não
estando sujeitos à meação. Se houver, entretanto, prova da participação do outro cônjuge na
aquisição deles, poderá, eventualmente, haver o direito à meação.

Os bens também podem ser presentes ou futuros. Bens presentes são aqueles existentes
na data do casamento e só se comunicam no regime da comunhão universal. Bens futuros são
aqueles que serão adquiridos na constância do casamento (aqüestos).

Existiam, ainda, sob a ótica do Código Civil de 1916, os bens reservados (artigo 246
do Código anterior), que pertenciam exclusivamente à mulher, e que não se comunicavam. O
artigo 246 foi introduzido pela Lei n. 4.121/69 (Estatuto da Mulher Casada). Bens reservados
eram aqueles adquiridos pela mulher com produto exclusivo do seu trabalho, sendo
propriedade exclusiva dela, não havendo comunicação com os bens do marido, qualquer que
fosse o regime de bens.

A aplicação dos bens reservados só se mantém para as mulheres que têm direito
adquirido com o casamento anterior a 1988 ocasião em que o benefício não mais se justificou.

Bens dotais são aqueles oferecidos pela mulher ao marido para que este os administre
em nome da família, devendo ser devolvidos à mulher no caso de separação. Os bens
parafernais estão dispostos no Capítulo do Regime Dotal, e são bens particulares da mulher que
não se confundem com os bens dotais. Os bens dotais, estabelecido pelo regime dotal, na
prática nunca tiveram efetividade no Brasil, mais ainda hoje podem ser estabelecidos já que as
partes têm plena liberdade de estabelecer o regime que lhes aprouver.

3.4. Regime da Comunhão Universal de Bens


Disposto no artigo 1.667 do Código Civil, nesse regime comunicam-se todos os bens,
presentes ou futuros, e também as dívidas referentes a esses bens, que se transmitem.

O artigo 1.668, entretanto, traz algumas exceções de incomunicabilidade de bens. Há


um rol muito extenso que vai do inciso I (bens doados ou herdados com a cláusula de
incomunicabilidade e os sub-rogados em seu lugar) ao inciso V (os bens referidos nos incisos
V a VII do artigo 1.659).

Até 1977, o regime da comunhão universal de bens era o regime legal na falta de
convenção entre os nubentes.
3.5. Regime da Comunhão Parcial de Bens
O regime de comunhão parcial de bens é, hoje, o regime legal na falta de convenção ou
na falta de exigência de regime obrigatório de separação de bens (artigo 1.640, caput, do
Código Civil).

É o regime pelo qual se comunicam os aqüestos a título oneroso, desde que não sejam
sub-rogação de bens anteriores. Aqüestos são os bens adquiridos na constância do casamento,
não se comunicando os bens anteriores de cada cônjuge.

Os bens adquiridos a título gratuito não se comunicam (doação e herança), salvo se


houver disposição em favor de ambos os cônjuges (ex.: doação para a filha e o genro).

Os bens não podem ter sido adquiridos com o produto da alienação de bens anteriores
(exemplo: venda de um imóvel adquirido antes do casamento para comprar outro imóvel após
o casamento. Esse segundo bem não se comunica).

O artigo 1.660 dispõe os bens que se comunicam e o artigo 1.659 dispõem os bens que
não se comunicam. Os frutos civis do trabalho se comunicam tanto no regime da comunhão
universal como no regime da comunhão parcial (artigo 1.660, inciso V, do Código Civil).

As benfeitorias feitas em imóveis adquiridos antes do casamento se comunicam.


Também a acessão se comunica, desde que feita na constância do casamento. Os frutos dos
bens particulares comunicam-se; entretanto, os produtos são incomunicáveis.

3.6. Regime da Separação de Bens


Disposto nos artigos 1.687 e 1.688, pode ser convencional ou legal. Nesse regime, os
bens não se comunicam.

3.6.1. Convencional
Feito por pacto antenupcial, convencionam-se quais bens não serão comunicáveis.
Existem duas espécies de regime de separação convencional de bens:

• Absoluta: nenhum bem se comunica. Existem algumas exceções: 1) aquisição


conjunta (a comunicação se faz pelo contrato e não pelo regime de bens); e 2) se houver
prova de esforço comum (decorre do direito obrigacional, entretanto não basta o trabalho
doméstico, deve existir, efetivamente, colaboração financeira na aquisição do bem).

• Relativa: em regra, os bens não se comunicam, mas há no pacto cláusula


estipulando algum bem que irá se comunicar. Depende sempre dos termos do contrato (pacto
antenupcial). No caso de haver silêncio no pacto quanto aos aqüestos, a lei dispõe que se deve
presumir que os bens se comunicam (artigo 1.640 do Código Civil).
3.6.2. Legal
Disposto no artigo 1.641, incisos I a III. Ainda que haja disposição em contrário, não
será válida. Haverá a obrigatoriedade do regime de separação de bens nos seguintes casos:

a) Inciso I

Nos casamentos celebrados mesmo havendo as causas suspensivas estabelecidas.

b) Inciso II

Nos casamentos de pessoas com mais de 60 anos. Pelo sistema anterior os homens
tinham que ser maiores que 60 anos e as mulheres tinham que contar com mais de 50 anos. Já
sob a ótica da Constituição Federal de 1988 a uniformização nos 60 anos era a melhor
solução.

c) Inciso III

No casamento de qualquer pessoa que precise de autorização judicial para se casar.

Nesse regime de separação obrigatória, entende-se que os aqüestos se comunicam.

3.7. Regime Dotal


A matéria apenas se mantém por questão histórica.

Vinha disposto o regime nos artigos 278 a 314 do Código Civil de 1916. Consistia no
oferecimento de um dote pela mulher, ou alguém por ela, ao marido apenas para que ele
administrasse os bens dotais, aplicando rendas em favor da família e após restituía os bens a
quem houvesse instituído (podia ser convencionado um prazo para restauração ou caso
ocorresse separação).

Esses bens eram chamados de bens dotais. Os bens particulares da mulher que não se
comunicassem e não fizessem parte do dote, ficariam sob a administração dela, e eram
chamados de bens paradotais. As doações entre os cônjuges não se confundiam com o dote e
eram permitidas, salvo se o regime fosse o da separação obrigatória.

3.8. Regime de Participação Final nos Aqüestos


É um regime híbrido ou misto, pois na vigência da sociedade conjugal temos as regras
da separação total de bens, com livre administração pelos cônjuges. Porém, com a dissolução
da sociedade conjugal ou pela morte, ou pelo divórcio, ou pela separação judicial, ou mesmo
em caso de nulidade, voltamos a ter o regime de comunhão parcial de bens, pois as partes
passam a ter direito sobre a metade de todos os bens (artigo 1.672 do Código Civil).
CURSO DO PROF. DAMÁSIO A DISTÂNCIA

MÓDULO XIX

DIREITO CIVIL

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DIREITO CIVIL

Prof. Vitor Frederico Kümpel

1. DISSOLUÇÃO DA SOCIEDADE CONJUGAL (Lei n. 6.515/77)

A dissolução da sociedade conjugal é a extinção da sociedade por uma causa


superveniente em que os efeitos não se ultimam, não se esgotam. Há três formas de extinção:

• Imperfeição da sociedade conjugal: existe quando se tem uma causa antecedente ao


casamento que faz com que esse não produza seus efeitos, como é o caso da inexistência,
nulidade e anulabilidade do casamento (artigo 1571, inciso II, do Código Civil).

• Perfeição ou cumprimento: é a hipótese em que os efeitos se esgotam, como é o


caso de morte de um dos cônjuges (artigo 1.571, inciso I, do Código Civil).

• Inexecução: abrange as hipóteses em que o casamento é perfeito, mas os efeitos


não vão até o fim. São os casos da separação judicial e do divórcio (artigo 1571, incisos III e
IV, do Código Civil). A inexecução pode ocorrer por duas causas:

a) Por culpa

Nesse caso, a inexecução gera responsabilidade civil. Ocorre a inexecução por culpa somente
na separação judicial litigiosa culposa (artigo 1.572, caput, do Código Civil). Quando ocorre culpa,
somente poderá ser aplicada sanção a uma das partes.

b) Sem culpa

Pode ser voluntária (resilição da sociedade conjugal) ou involuntária (resolução da


sociedade conjugal).

Pela via voluntária, a sociedade poderá ser dissolvida:

• Bilateralmente: é o distrato. Ocorre na separação consensual, no divórcio direto


consensual e na conversão de separação em divórcio consensual.

• Unilateralmente: ocorre na separação litigiosa (separação falência), no divórcio direto


litigioso, na conversão de separação em divórcio litigioso (quando uma das partes não
cumpre as cláusulas da separação). Em nenhum desses casos a culpa é discutida,
somente as cláusulas da separação são objeto de debate (artigo 1.572, § 1.º, do Código
Civil).

Pela via involuntária, há o divortium bona gratia, disposto no artigo 1572, § 2.º, do
Código Civil, em que as partes gostariam de continuar a sociedade conjugal, entretanto, por
um fato superveniente não há como permanecerem juntas, como no caso de doença grave (é
chamada de separação remédio).

1.1. Diferenças entre a Separação Judicial e o Divórcio


A separação judicial e o divórcio já estiveram regulados na Lei n. 6.515/77. Essa lei
sofreu algumas alterações quando entrou em vigor a Constituição Federal/88 – que no seu
artigo 226, § 6.º, ampliou o conceito de divórcio. Com o advento do Novo Código Civil, a Lei
6515/77 foi revogada e a matéria foi toda tratada pelo Código Civil.

A separação judicial está estabelecida nos dispositivos do Código Civil, pondo fim aos
deveres de coabitação e fidelidade recíproca e ao regime de bens (artigo 1.576 do Código
Civil). Com a separação judicial, entretanto, haverá, ainda, um vínculo permanente entre as
partes, sendo possível, inclusive, restabelecer a sociedade conjugal. No caso de reconciliação,
o regime de bens será o mesmo anteriormente adotado com o casamento.

A separação judicial põe fim a dois dos cinco deveres: o de coabitação e o de


fidelidade. Podem persistir, entretanto, os deveres de assistência mútua, criação de filhos e
respeito e consideração. Também põe fim ao regime de bens, que cessa com a sentença que
dissolve a sociedade conjugal.

Esses efeitos poderão retroagir à data da separação de corpos. A separação de corpos


está prevista nos artigos 1575 e seguintes do Código Civil. Existe um entendimento, adotado
pela doutrina e jurisprudência, que alarga o conceito do artigo 1575 combinado com o artigo
1576, ambos do Código Civil, no qual poderá haver a cessação do regime de bens, inclusive,
com a separação de fato por longo tempo, não podendo se falar em comunicação de bens.

O divórcio põe fim ao casamento civil, extinguindo o vínculo conjugal e os efeitos civis
do casamento religioso (artigo 1571, §§ 1.º e 2.º, do Código Civil), permitindo, com isso, novas
núpcias no casamento civil, visto que algumas igrejas não admitem a extinção do casamento.
Nesse sentido, desaparecem os deveres do casamento.

Não é dado aos divorciados a reconciliação e o restabelecimento conjugal. No


divórcio, só haverá o restabelecimento conjugal por meio de um novo casamento, podendo
haver um novo regime de bens, visto que não há o restabelecimento da sociedade conjugal
anterior.

O divórcio foi introduzido no Brasil de forma restrita, entretanto, com a Constituição


Federal/88 ele foi ampliado, sendo mais facilitado. Poderá se dar de duas formas: por
conversão ou direto.
O divórcio, seja direto, seja por conversão, não admite discussão sobre culpa e não se
admite a reconvenção para discutir se houve ou não o prazo.

2. SEPARAÇÃO JUDICIAL

Basicamente, existem duas espécies de separação judicial: a separação judicial


consensual (artigo 1.574 do Código Civil) e a separação judicial litigiosa (artigo 1.572 do
Código Civil).

2.1. Separação Judicial Consensual


É aquela que decorre de acordo de ambos os cônjuges, por meio de uma petição
conjunta estabelecendo as cláusulas da separação judicial consensual para o juiz. Deve-se
estabelecer a guarda dos filhos, visitas, alimentos e, ainda, se a mulher irá continuar a usar o
nome de casada.

Em qualquer tipo de separação judicial, o juiz é obrigado a tentar uma separação


consensual.

Não basta, porém, o pedido dos cônjuges, devendo haver um prazo temporal, que é de
um ano (artigo 1.572 do Código Civil) de vigência da sociedade conjugal. Esse prazo é um
requisito objetivo. Pela antiga Lei n. 6515/77 o prazo era de dois anos (artigo 4.º). Antes
desse prazo, não se pode pedir separação consensual, entretanto, poderão ser pedidas medidas
cautelares (exemplo: separação de corpos, que poderá ser consensual). Essa cautelar, de
acordo com o artigo 806 do Código de Processo Civil, caducaria; entretanto, há entendimento
de que a cautelar poderá ser prorrogada até que se complete o prazo legal.

Interposta a petição inicial, o juiz fará, num primeiro momento uma oitiva em separado
e, após, uma oitiva conjunta. Somente haverá participação dos advogados na tratativa de
composição quando houver expressa requisição das partes. Após a oitiva, o juiz deverá
ratificar o acordo e remeter ao Ministério Público. Ouvido o Ministério Público, o juiz
homologará o acordo.

2.1.1. Obrigação Alimentar


A obrigação alimentar nasce da obrigação da mútua assistência. Se o casamento foi
celebrado antes da Constituição Federal/88, o marido possui uma obrigação legal de
sustentar a esposa. Após a Constituição Federal/88, surge uma obrigação natural, ou seja,
haverá um ato voluntário, não havendo obrigação legal. Se uma das partes, entretanto,
voluntariamente se obriga, essa obrigação prolonga-se no tempo.
Nos dois casos haverá a cláusula penal, pela qual o culpado pela dissolução da
sociedade conjugal terá obrigação de alimentar.

A obrigação alimentar extingue-se pela morte, novo casamento ou união estável do


credor. O enriquecimento do credor não extingue a obrigação alimentar (Pontes de Miranda
alegava que extinguia, entretanto a Lei n. 6.515/77 não contemplou essa hipótese). Também o
empobrecimento do devedor não extingue a obrigação.

Não poderá haver renúncia aos alimentos, visto que esse é um direito de ordem pública
(Súmula n. 379 do Supremo Tribunal Federal). Poderá haver uma dispensa temporária, mas
nunca renúncia. O Superior Tribunal de Justiça entretanto, entende que essa súmula está
revogada, visto a igualdade de direitos prevista na Constituição Federal/88. Cuidado com o
artigo 1.707 do novo Código Civil que veda a renúncia ao direito a alimentos.

Quanto à transmissibilidade dos alimentos no caso de morte do devedor, havia dois


entendimentos:

• Artigo 23 da Lei n. 6.515/77 (Princípio da Impessoalidade): a obrigação alimentar


era impessoal, fungível, podendo haver substituição dos devedores na ordem de
vocação hereditária. Alguns autores sustentavam que o artigo 23 da Lei n. 6.515/77
havia ab-rogado o artigo 402 do Código Civil e, portanto, sempre haveria
transmissibilidade.

• Artigo 402 do Código Civil (Princípio da Pessoalidade): entendia que a obrigação


alimentar era infungível, não podendo haver substituição dos devedores. Alguns
autores sustentavam que o artigo 23 da Lei n. 6.515/77 somente derrogara o artigo
402 do Código Civil, visto que o artigo 23 da Lei do Divórcio tratava da relação de
cônjuges. Portanto, o artigo 402 somente havia sido revogado na parte dos cônjuges
e não para parentes.

Hoje a questão é tranqüila já que o artigo 1700 determina: "A obrigação de prestar
alimentos transmite-se aos herdeiros do devedor, na forma do artigo 1694".

2.2. Separação Judicial Litigiosa


Prevista no artigo 1572, caput, do Código Civil, é litigiosa, visto que não há acordo
entre as partes quanto às cláusulas do casamento, havendo ainda culpa por uma das partes que
praticou grave violação dos deveres do casamento e tornou insuportável a vida em comum.
Não há prazo exigido para o exercício da separação culposa que pode ocorrer no primeiro dia
do casamento. É requerida por um dos cônjuges em face do outro, fundamentada em uma das
causas previstas em lei.

2.2.1. Separação judicial litigiosa por culpa


Disposta no artigo 1572, caput, do Código Civil, é semelhante ao antigo desquite
litigioso em que se exigia culpa grave. O antigo desquite se baseava em quatro fundamentos:
• adultério;

• tentativa de morte;

• sevícia ou injúria grave;

• abandono do lar por mais de dois anos.

Hoje, a separação judicial por culpa baseia-se na culpa de um dos cônjuges, havendo,
no entanto, uma amplitude que abarca várias situações. Para requerer a extinção da sociedade
por culpa, é necessário não ter falido o casamento e que haja uma das duas hipóteses que
geram a culpa:

• conduta desonrosa: é a antiga injúria grave; é a situação que gera prejuízo moral ou
material ao outro cônjuge durante o casamento (exemplos: atividade criminosa,
embriaguez habitual, envolvimento com vícios etc.);

• grave violação de dever conjugal: os deveres são o de fidelidade, vida em comum e


mútua assistência (exemplos: adultério, falta de assistência material ou moral,
abandono voluntário do lar etc.).

A falta do sustento do filho, em princípio, não é violação aos deveres, entretanto poderá ser
considerada caso haja constrangimento para o outro cônjuge.

Além dos deveres expressos no artigo 1566 do Código Civil, devem-se incluir aqueles
considerados deveres implícitos, tais como amor, entrega sexual, compreensão etc., inerentes
aos deveres dos casados. É necessário que essa grave violação de um dever conjugal leve à
impossibilidade da vida em comum. O artigo 1.572 apesar de não falar mais de maneira
expressa sobre a conduta desonrosa, da forma como era tratada pelo artigo 5.º, caput, da Lei
n. 6515/77, abarcou a hipótese no inciso 5.º do artigo 1566, já que o respeito e consideração
mútuos , no seu descumprimento levam a prática de uma conduta desonrosa. Portanto, as
atuais hipóteses são exatamente as mesmas do sistema anterior. Mesmo o artigo 1.573 que
fala em: adultério; tentativa de morte; sevícia ou injúria grave; abandono voluntário do lar
conjugal, durante um ano contínuo; condenação por crime infamante e conduta desonrosa, é
meramente exemplificativo e até dispensável sob o ponto de vista prático.

Efeitos da culpa

A culpa na relação de família não gera indenização civil. Não se aplica o artigo
389 do Código Civil, mas poderá se aplicar o artigo 186 do Código Civil. A indenização
moral/material não será cabível na esfera de família e, sim, somente na área cível.

Há dois efeitos da culpa (cláusulas penais legais):


• artigo 1.578 do Código Civil: havendo expresso requerimento por parte do cônjuge
inocente, este perderá o nome do cônjuge culpado;

• artigo 1.702 do Código Civil: o cônjuge culpado terá obrigação de alimentar o


cônjuge inocente.

No caso de culpa bilateral, o juiz poderá julgar procedente a ação e a reconvenção,


extinguindo o casamento sem aplicação de cláusula penal (julgamento da 3.ª Turma do
Superior Tribunal de Justiça – somente se aplicam os efeitos da resilição).

O novo Código Civil não foi feliz ao determinar que o cônjuge culpado pode pedir
alimentos ao inocente para lhe garantir o indispensável a sobrevivência (artigo 1702,
parágrafo único, do Código Civil). A disposição é péssima e estimula a culpa na separação.
Podemos citar como exemplo, a pessoa que já está fragilizada por ter sido vítima de adultério
do outro e ainda Ter a obrigação de manter esse outro adúltero.

2.2.2. Separação judicial litigiosa sem culpa


A separação judicial litigiosa sem culpa se dá em duas situações:

• pela ruptura da vida em comum por um ano (separação falência);

• grave doença mental, de cura improvável, de um dos cônjuges, por dois anos, com
manifestação posterior ao casamento.

Se os cônjuges estão vivendo separados de fato por mais de um ano, qualquer


um deles poderá requerer a separação. No caso de grave doença mental, deve haver a
impossibilidade da continuação da vida em comum.

O requerente da separação judicial sem culpa perde o direito à meação dos bens que o
outro trouxe ao casamento. Só haverá, entretanto, essa penalidade quando o regime for de
comunhão total de bens (artigo 1572, § 3.º, do Código Civil).

Nos casos de separação judicial litigiosa, a audiência de conciliação é obrigatória antes


da instrução. O prazo para a contestação começa a correr da audiência de tentativa de
conciliação.

Com relação à separação por culpa, há três correntes sobre a revelia:

• 1.ª corrente: não se aplica a revelia, visto ser ação de estado e haver a necessidade
de prova da culpa;

• 2.ª corrente: aplica-se a revelia, tendo em vista poder ser consensual;


• 3.ª corrente: a revelia não pressupõe a confissão ficta se houver filhos menores
(corrente intermediária).

Nos casos de separação judicial litigiosa sem culpa (separação remédio ou separação
falência), não haverá confissão ficta, tendo em vista a necessidade de prova concreta da
ruptura ou da doença.

2.2.3. Efeitos da separação judicial litigiosa


Põe fim às obrigações conjugais (fidelidade e vida em comum). A assistência
material e moral, entretanto, permanecem. Poderá haver renúncia aos alimentos, mas a
assistência moral sempre permanecerá.

• Fi
m do regime de bens. Não implica a partilha dos bens, que poderá ser feita
posteriormente.

• A
reconciliação poderá ser requerida.

Guarda, visita e alimentos dos filhos não têm qualquer relação com a separação
judicial.

3. DIVÓRCIO

Divórcio é a extinção do vínculo jurídico do casamento sem que as obrigações


assumidas pelos cônjuges sejam cumpridas.

O nosso sistema estabeleceu duas hipóteses de divórcio:

• divórcio direto: é a hipótese em que as partes estão separadas há, pelo menos, dois
anos;

• divórcio indireto (conversão da separação em divórcio): é a hipótese em que há,


pelo menos, um ano da sentença da separação.

O que há em comum entre o divórcio direto e o divórcio indireto é que em nenhum


desses casos se discute a culpa, visto que houve a falência da relação conjugal. Tanto no
divórcio direto quanto no divórcio indireto existem as formas consensual e litigiosa.
3.1. Divórcio Direto
É aquele concedido sem prévia separação judicial, bastando que os cônjuges estejam
separados de fato por, no mínimo, dois anos consecutivos (artigo 1.580, § 2.º, do Código
Civil). Se houver interrupção desse prazo, sua contagem deverá ser reiniciada.

3.1.1. Divórcio direto consensual


Disposto no artigo 1.580, § 2.º, do Código Civil, é aquele requerido por ambos os
cônjuges, de comum acordo, bastando os dois anos de separação de fato. É previsto no artigo
1.580, § 2.º, com remissão aos artigos 1.120 a 1.124 do Código de Processo Civil. O prazo de
dois anos de separação deve ser comprovado. O juiz marcará, obrigatoriamente, uma
audiência de conciliação e ratificação. Não é necessária a prévia partilha de bens (artigo 1.581
do Código Civil).

O rito é o mesmo da separação consensual. A diferença está em que no divórcio direto


consensual deve-se, obrigatoriamente, ouvir testemunhas. Alguns autores entendem que nesse
procedimento o juiz não deve tentar a reconciliação. Outros autores, no entanto, entendem
que o juiz deverá tentar a reconciliação. Não há posição predominante.

3.1.2. Divórcio direto litigioso


Disposto no artigo 1.580, § 2.º, do Código Civil, a previsão do divórcio direto litigioso
é feita de forma genérica. Segue-se o rito ordinário, somente podendo ser discutidas cláusulas
do casamento e o tempo da separação. Exige-se citação do requerido e este poderá apresentar
contestação. Essa contestação só poderá discutir o prazo. Em relação à prévia partilha de
bens, há a Súmula n. 197 do Superior Tribunal de Justiça, dispondo não haver necessidade
nos casos de divórcio direto, podendo ser feita após a sentença. A matéria também já foi
resolvida, como dissemos acima, pelo artigo 1.581.

• Divórcio a vínculo: essa expressão decorre do divórcio do Direito Romano. No


Direito Romano, o divórcio se dava pela simples separação de fato dos cônjuges. Com a
evolução do Direito Romano, passou-se a falar em divórcio a vínculo, o qual extingue o
vínculo conjugal, com todos os seus efeitos. Então, hoje, no nosso sistema jurídico, só existe
o divórcio a vínculo, que é um nome genérico.

3.2. Divórcio por Conversão


O termo inicial para o divórcio por conversão é uma decisão de separação de corpos,
que pode ser concedida por liminar ou mérito. Houve a extinção do artigo 44 da Lei de
Divórcio, que dispunha sobre a contagem do prazo a partir de qualquer decisão judicial em
que se encontrasse presumida a separação (cautelar de arrolamento de bens, cautelar de
alimentos provisionais ou cautelar de guarda provisória). Se concedida a liminar de separação
de corpos e a parte não ingressar com a ação principal no prazo de 30 dias, haverá a
decadência (perda do direito material por decurso de prazo).

O novo Código Civil foi bastante limitativo no artigo 1.580, caput, quando
determinou: "Decorrido um ano do trânsito em julgado da sentença que houver decretado a
separação judicial, ou da decisão concessiva da medida cautelar de separação de corpos,
qualquer das partes poderá requerer sua conversão em divórcio". Uma interpretação literal faz
crer que só a cautelar de separação de corpos autoriza o início da contagem do prazo, sendo
que as demais cautelares não têm tal poder.

No curso da separação judicial, não poderá ser requerida a conversão em divórcio, seja
qual for o tempo que tenha transcorrido no processo de separação. Ainda não é possível se
renunciar ao processo de separação para se ingressar com o divórcio direto. Pressuposto
básico é a sentença definitiva de separação judicial, isto é, decisão com trânsito em julgado.

A conversão poderá ser requerida antes do trânsito em julgado da sentença, quando


houver recurso. A conversão será distribuída em apenso e ficará vinculada ao trânsito em
julgado da decisão da separação. Quando a esposa mudar de endereço, entretanto, a conversão
não será distribuída em apenso, visto que permanece o foro privilegiado da mulher.

Somente poderá ser discutido na conversão o cumprimento da decisão ou do acordo da


separação. Em relação à questão dos alimentos, o TJSP entende que o não cumprimento da
obrigação alimentar não impede a conversão da separação em divórcio. A partilha de bens na
conversão também poderá ser prorrogada e, posteriormente, ser tratada pela via autônoma.

Com o fim do vínculo, haverá a impossibilidade de reconciliação.

O nome do cônjuge somente será mantido quando houver prejuízo patrimonial ou


prejuízo quanto à identidade dos filhos (quem quer manter o nome deverá provar o prejuízo).
3.2.1. Divórcio por conversão consensual
Resulta da vontade de ambos os cônjuges, havendo petição conjunta. É necessário que
haja a partilha de bens, se essa não foi feita na separação. Quanto à guarda dos filhos e
alimentos, presume-se que prevalece o que foi estipulado anteriormente na separação.

3.2.2. Divórcio por conversão litigioso


Significa que um dos separados quer a conversão e o outro não. Nesse caso, será uma
ação ordinária em que o réu será citado e poderá apresentar contestação. Na contestação,
entretanto, só poderá ser alegado o prazo e o descumprimento de obrigações assumidas na
separação. Uma vez contestada, o juiz marca uma audiência de instrução e julgamento, se
houver necessidade, e após dará a sentença. Se não houver, entretanto, contestação ou não
houver necessidade de audiência, o juiz poderá julgar de plano.

4. UNIÃO ESTÁVEL

4.1. Considerações Gerais


É o nome novo do mais antigo fenômeno social, que é o concubinato. Diferem-se, no
entanto, tendo em vista que o concubinato é a união entre homem e mulher sem previsão
legal, e pode ser puro e impuro. A união estável é a união entre homem e mulher sem alguns
impedimentos matrimoniais e visa à constituição de uma família. A união estável é um tipo
de concubinato puro.

A união estável está disposta no artigo 226, § 3.º, da Constituição Federal/88, e foi
disposta pelas Leis n. 8.971/94 e n. 9.278/96. Atualmente está prevista nos artigos 1.723 a
1.727 do Código Civil e, de maneira esparsa, pelo Código Civil.

Historicamente, havia alguns artigos esparsos no Código Civil de 1916 que versavam
sobre o concubinato, mas que somente impunham restrições:

• artigo 1.177: proibia doações ao concubino adúltero;

• artigo 1.474: proibia a inserção do concubino em seguro de vida;

• artigo 1.719, inciso III: proibia que o concubino fosse inserido no testamento.

Existiram, no entanto, algumas leis esparsas que regularizavam e faziam previsão de


direitos entre os concubinos, como:
• Lei da Previdência Social (o concubino de segurado falecido poderia receber
pensão por morte);

• Imposto de Renda (o concubino poderia ser considerado dependente para fins de


declaração de Imposto de Renda);

• Lei de Registros Públicos (a concubina poderia, se quisesse, adotar o patronímico


do concubino).

Muitos autores, então, passaram a defender os direitos dos concubinos, acarretando


mudanças na doutrina. A jurisprudência passou a tratar o concubinato de uma forma diversa
da das leis. O grande avanço da jurisprudência foi a Súmula n. 380 do Supremo Tribunal
Federal, que dava aos concubinos o direito à divisão dos bens adquiridos pelo esforço comum
durante a união, no caso de separação. A jurisprudência da Súmula n. 380 buscou
fundamentação no Direito Societário (sociedade de fato). Essa partilha não seria
necessariamente igualitária, ou seja, havia a possibilidade de partilha pela porcentagem de
colaboração. Essa colaboração poderia ser direta (auxílio com dinheiro) ou indireta (pelo
trabalho doméstico).

Também houve a criação de indenização por serviços prestados, fundamentada no


direito das obrigações, visto que não existia o direito a alimentos. Essa indenização seria
proporcional à necessidade de cada um.

Com a criação da Lei da União Estável, não se aplicou mais a Súmula n. 380. Existem,
entretanto, relações de concubinato que não configuram união estável (p. ex.: união adulterina
fora do casamento) nas quais continuou aplicando a Súmula, tendo em vista não serem
protegidas pela Lei da União Estável.

4.2. Conceito
Segundo a Lei n. 8.971/94, união estável era a união comprovada de homem e mulher,
solteiros, separados judicialmente, divorciados ou viúvos, por cinco anos ou com prole. A Lei
n. 9.278/96 modificou esse conceito, e desde 1996 entende-se que união estável era a
convivência duradoura entre um homem e uma mulher com a finalidade de constituir família.

Alguns autores entendem que, como a Lei n. 9.278/96 não fala em separados judicialmente,
não poderiam esses manter uma união estável. É admitida, entretanto, a união estável, tendo em
vista que a lei anterior dava essa permissão.

A jurisprudência majoritária admitia a união estável para quem já estava separado de


fato por mais de dois anos, fundamentando-se no fato de que aquele que estava separado de
fato por mais de dois anos podia requerer a separação judicial.
Caso houvesse união quando um dos conviventes for casado, o outro teria direito à
meação dos bens adquiridos, fundamentando-se na Súmula n. 380, no entanto, não seria
considerada união estável.

O artigo 1723 do Código Civil é claro: "É reconhecida como entidade familiar a união
estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura
e estabelecida com o objetivo de constituição de família".

4.3. Nome das Partes


A Lei n. 8.971/94 utilizou a expressão “companheiro” para distinguir do concubino,
entretanto a Lei n. 9.278/96 utilizou a expressão “convivente”. Qualquer uma das expressões
poderá ser utilizada para nomear as partes de uma união estável.

O novo Código Civil utiliza a palavra "convivência" e "companheiros". Portanto,


convivente e companheiro são sinônimos para o novo Código Civil.

4.4. Direitos
A Lei n. 8.971/94 dispunha que os companheiros tinham direitos a alimentos, meação
e sucessão. No que diz respeito aos alimentos, entretanto, a Lei n. 8.971/94, no seu artigo 1.º,
estabelecia a utilização da Lei n. 5.478/68 e exigia a comprovação da necessidade (não há
obrigação de assistência).

Quanto à meação, a lei fazia menção somente à pós mortem, o que não era certo, visto
que, havendo separação em vida, deveria ser utilizada a Súmula n. 380, que estabelecia a
divisão patrimonial proporcional à participação de cada agente na constituição de bens. Nesse
caso, o ônus da prova era do autor da ação, aplicando-se o artigo 333 do Código de Processo
Civil.

Quanto à sucessão, teria direito à herança (na totalidade, se não houver descendente ou
ascendente) ou usufruto (que poderá ser sobre 1/4 se houver descendentes ou ½ se houver
ascendentes).

A Lei n. 9.278/96 estabelecia uma presunção de meação dos bens adquiridos após a
união, salvo se houvesse contrato estabelecendo o contrário (presunção de colaboração), não
havendo mais alcance da Súmula n. 380 nesses casos. A súmula continuou, entretanto,
vigente para o concubinato impuro (união homossexual).

A Lei n. 9.278/96 modificou a Lei n. 8.971/94 no que tange ao direito a alimentos,


prevendo expressamente o direito, de acordo com a necessidade. Também não se falava mais em
meação e sim em direito de condomínio em partes iguais. Outro direito disposto na Lei n.
9.278/96 era o direito de habitação, ou seja, em caso de morte, o companheiro sobrevivente tinha
o direito de permanecer no imóvel em que residiam, sem entretanto prejudicar o direito de
sucessão.
Os alimentos na união estável deviam ser requeridos na ação de dissolução de sociedade
de fato, visto que era a única ação em que se discutia a culpa.

Instalou-se na união estável um condomínio em partes iguais, o que significou o direito


à meação. Nesse condomínio, houve uma presunção de colaboração sobre os bens a título
oneroso adquiridos durante a convivência, não havendo necessidade de comprovar a
colaboração (doação ou herança não se incluem no condomínio).

Essa presunção de colaboração era relativa e se excepcionava em duas hipóteses:

• não havia condomínio sobre bens sub-rogados: bens havidos com a venda de bens
anteriores à união estável. Se o bem sub-rogado for de valor maior do que o bem
anterior, só entrava no condomínio o valor que exceder;

• não havia condomínio se houvesse contrato escrito dispondo em contrário:


havendo contrato escrito prevendo que não haveria condomínio, para haver a
meação deveria haver prova do esforço comum para a aquisição dos bens.

O regime remanesceu o mesmo do artigo 5.º da Lei 9278/96 no artigo 1.725 do Código
Civil. Portanto, continua a existir entre as partes um regime de comunhão parcial de bens,
salvo disposição contrária entre as mesmas. A obrigação alimentar é toda ela regulada pelas
mesmas disposições que regulam os alimentos entre cônjuges (artigo 1.694 e seguintes do
Código Civil). A grande mudança está no sistema sucessório, onde o cônjuge é herdeiro
necessário do outro e o companheiro apenas participa da sucessão do outro, matéria que será
vista no módulo próprio.

A união estável, gerando todos esses direitos, é exercitada por meio de ação própria.
Como regra, deve ser uma ação ordinária de reconhecimento da união estável e de sua
dissolução para fins de meação, alimentos etc. Essa ação é de competência da Vara de
Família. O Ministério Público também funciona nessa ação como custus legis, tendo em vista
estar se reconhecendo uma entidade familiar.
CURSO DO PROF. DAMÁSIO A DISTÂNCIA

MÓDULO XX

DIREITO CIVIL

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DIREITO CIVIL

Prof. Vitor Frederico Kümpel

1. PARENTESCO E FILIAÇÃO

1.1. Parentesco
Parentesco é um vínculo jurídico imaterial e permanente que liga uma pessoa a um
ascendente comum.

1.1.1. Espécies
Há quatro espécies de parentesco.

a) Parentesco consangüíneo

Antigamente, fora do casamento, havia dois tipos de parentesco: o natural (filhos


daqueles que, embora não casados, não tinham nenhum impedimento matrimonial) e o
espúrio (filhos daqueles que não eram casados e possuíam impedimentos matrimoniais).
Esses últimos podiam ser adulterinos, incestuosos ou sacrílegos (quando um dos pais havia
feito voto de castidade).

Com a Constituição de 1988, essa distinção entre filhos naturais e filhos espúrios foi
descartada.

b) Parentesco por afinidade

É o parentesco entre um cônjuge e os parentes do outro cônjuge. Há uma relação de


pessoalidade, visto que o vínculo só é criado diretamente, ou seja, o cônjuge é parente dos
parentes do outro cônjuge, entretanto, os parentes de um cônjuge não terão parentesco com os
parentes do outro cônjuge (não há a figura, por exemplo, do concunhado).

Na linha reta, esse parentesco é indissolúvel (sogro e sogra com genro e nora).

c) Parentesco legal

É aquele advindo de adoção.


d) Parentesco espiritual

É o parentesco entre todos aqueles que tenham vínculo pelo batismo. Foi um
parentesco expresso no Código Canônico.

1.2. Filiação
É um parentesco em linha reta de primeiro grau. Sob o aspecto material, a filiação é
absolutamente idêntica, ou seja, todos os filhos são iguais dentro do sistema jurídico. Porém,
obviamente os filhos advindos do casamento têm uma constituição distinta dos filhos
advindos fora do casamento, pis a presunção pater is só pode ser aplicada para os filhos
advindos do casamento.

Além disso, as igualdades entre os filhos também são igualdades no Direito Público,
quer para limitações, quer para concessões. Há, entretanto, diferenças sob o aspecto formal,
havendo uma classificação quanto à origem (filhos havidos no casamento e filhos fora do
casamento).

O Código de 1916 distinguia os filhos em legítimos, legitimados, ilegítimos e adotivos.


O filho ilegítimo podia ser natural ou espúrio (que pode ser adulterino ou incestuoso).

O filho legítimo era aquele havido e concebido durante o casamento dos pais. Era uma
presunção de legitimidade que estava disposta no artigo 338 do Código Civil de 1916. O novo
Código Civil, muito embora entenda que todos os filhos são legítimos, continua a presumir
concebidos na constância do casamento os filhos nascidos 180 dias após a data do casamento
ou nos 300 dias subseqüentes à dissolução do casamento.

O filho ilegítimo era aquele concebido por pais não casados e que não chegavam a se
casar. O filho ilegítimo poderia ser natural, quando os pais não tivessem impedimentos para o
casamento, ou espúrio, quando os pais tivessem impedimentos para se casar. O filho ilegítimo
espúrio poderia ser adulterino (filho de amantes) ou incestuoso (filho de parentes ou afins em
linha reta). O filho espúrio, de acordo com o artigo 358 do Código Civil de 1916, não poderia
ser reconhecido, não tendo os direitos dos filhos legítimos ou naturais. Essas restrições,
entretanto, desapareceram. O artigo 358 do Código Civil de 1916 foi revogado pela Lei n.
7.841/89. Hoje toda a matéria é histórica.

1.2.1. Reconhecimento de filhos havidos no casamento


Para os filhos advindos do casamento, aplicam-se as regras dos artigos 1.596 a 1.606
do Código Civil.

Há uma presunção pater es quem justae nuptiae demonstrant (o pai é aquele que se
apresenta na constância do casamento – artigo 1597 do Código Civil – 180 dias após o início
do casamento e 300 dias após o fim do casamento). No primeiro caso (180 dias após o início
do casamento), o cartório registrava com a anuência do pai. A mãe poderia registrar sozinha,
e o pai poderia ingressar com uma ação negatória para a desconstituição do registro. O pai
não poderia negar a paternidade se houvesse a posse do estado de filho (artigo 1.604 do
Código Civil). A posse do estado de filho implicava três situações:

• nominatio: utilizava o nome do pai;

• tractus: era tratado pelo pai como filho;

• reputatio: todos enxergavam o sujeito como filho.

As causas de pedir dessa ação somente poderiam ser a falta de relação sexual por
impotência coeundi e generandi, a separação judicial sem reconciliação e a ausência. Não
poderia ser invocada a exceptio plurium concubentius (várias relações sexuais da mulher). O
novo Código Civil continuou retrógrado autorizando o marido a contestar a paternidade,
porém não podendo falar exclusivamente no adultério da mulher (artigo 1.600), o que é
irrelevante, pois com os exames modernos de paternidade qualquer alegação (causa de pedir)
é legítima desde que fundamentada. Aliás, essa é a posição do Superior Tribunal de Justiça.

O novo Código Civil não só manteve a presunção de paternidade, aliás, vários autores
entendiam que por força da Lei n. 8560/92 tal presunção já não existia mais, como ampliou a
presunção a presunção. Aliás, em matéria de família muita coisa foi dita e escrita sem o
devido estudo e cuidado que o tema merecia.

Hoje, além das presunções temporais do artigo 1597, incisos I e II, temos outras três
presunções:

• havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido;

• havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de embriões excedentários,


decorrentes de concepção artificial homóloga;

• havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia


autorização do marido.

1.2.2. Reconhecimento de filhos havidos fora do casamento


A Lei n. 8.560/92 dispunha sobre o reconhecimento da filiação de filhos havidos fora
do casamento. Antigamente, os filhos adulterinos não podiam ser reconhecidos, entretanto,
hoje, qualquer filho havido fora do casamento poderá ser reconhecido das seguintes formas:
voluntária, administrativa, judicial. A Lei n. 8.560/92, apesar de na estar totalmente revogada,
está derrogada pelos artigos 1.607 a 1.617, o que significa que em parte está revogada e parte
continua em vigor.
a) Reconhecimento voluntário

É aquele que se dá por vontade do genitor. Pode ser feito por cinco meios:

• Registro civil: o pai vai ao cartório e registra o filho. Se o genitor não for casado,
precisa de consentimento do filho, se esse for maior, ou do representante legal.

• Testamento: pode reconhecer o filho por testamento, como ato de última vontade
(mesmo se o pai fosse casado).

• Escritura pública: o genitor vai ao tabelionato e reconhece o filho no Registro


Civil.

• Documento particular: o pai pode reconhecer o filho por um documento particular


autêntico.

• Declaração judicial: o filho pode ser reconhecido por meio de qualquer


declaração, em qualquer processo.

b) Reconhecimento administrativo

É aquele pelo qual a mãe registra a criança e aponta o nome do pai, que é chamado
pelo juiz e reconhece o filho. A mãe comparece ao Registro Civil e aponta o nome do pai. O
Cartório não pode registrar, tendo em vista que o pai é casado. A mãe deve assinar um termo,
que é enviado ao Juiz-corregedor do Cartório. O juiz instaura um procedimento
administrativo e notifica o suposto pai para comparecer em Juízo em 30 dias.

Se o suposto pai comparecer em Juízo, ele poderá aceitar ou não reconhecer o filho. No
caso de aceitar, o juiz faz um termo e manda reconhecer. Se o suposto pai não reconhece
administrativamente ou não comparece em Juízo, o juiz manda os autos ao Ministério Público
para que se promova uma ação de investigação de paternidade.

c) Reconhecimento judicial

A mãe ou o Ministério Público ingressa com uma ação de investigação de paternidade,


que segue o rito ordinário. No caso de a mãe ingressar, o Ministério Público funcionará como
custus legis.

A ação de investigação de paternidade aceita cumulação com pedidos de alimentos e


petição de herança. No caso de petição de herança, exige-se o ingresso no inventário, com
reserva de bens para garantir a herança do filho investigado. Essa ação admite qualquer tipo
de prova. A perícia é fundamental para se provar a paternidade.
1.3. Efeitos do Parentesco

1.3.1. Impedimentos matrimoniais


O artigo 1.521 do Código Civil dispõe alguns impedimentos por conta do parentesco.
O inciso I dispõe que não podem se casar descendentes e ascendentes. O inciso IV dispõe que
não podem se casar irmãos e colaterais até o 3.º grau. Nos casos dos colaterais até o 3.º grau,
entretanto, poderão se casar se houver autorização judicial baseada em laudo médico. Essa
matéria é bastante discutível pois muito embora os autores que já tratam do novo Código
Civil entenderem que o Decreto n. 3.200/41 continua em vigor, recepcionam a hipótese sem
esclarecer o porque. Todas as leis especiais estão revogadas se incompatíveis com o novo
Código Civil ou se não forem expressamente ressalvadas por ele. Portanto, os colaterais em
terceiro grau não podem se casar de acordo com o novo Código Civil, não podendo estar
recepcionado o Decreto-lei n. 3200/41.

1.3.2. Alimentos
Há um dever de assistência material. A lei estabelece, em alguns casos especiais, as
pessoas que devem alimentos a outras. Entre essas pessoas, incluem-se os parentes.

Os ascendentes e descendentes devem alimentos entre si. Esse direito decorre do


direito natural (artigos 1.694 e 1.696 do Código Civil). O artigo 1.697 do Código Civil dispõe
que, na falta de ascendentes, devem alimentos os avós ou bisavós.

O dever de alimentar é recíproco, isso significa que o pai poderá requerer alimentos
aos filhos. O artigo 1.696 do Código Civil dispõe que os pais necessitados devem ser
assistidos pelos seus filhos maiores. Se os filhos menores tiverem condições de assistir os
pais, deverão também fazê-lo.

Os irmãos também se devem assistência (artigo 1.697 do Código Civil). Um irmão


poderá acionar o outro na falta de ascendentes ou descendentes. Os colaterais até 3.º grau não
têm dever jurídico de assistência.

1.3.3. Sucessão hereditária


O direito à herança é assegurado, constitucionalmente, prioritariamente aos parentes. A
sucessão é normal entre os parentes. Pode ser legítima (quando há previsão na lei) ou
testamentária. O artigo 1.829 do Código Civil dispõe sobre os herdeiros legítimos: I –
descendentes; II – ascendentes; e IV – colaterais até o 4.º grau (primos). Os descendentes
próximos têm prioridade sobre remotos.
Os descendentes, ascendentes e o cônjuge são considerados herdeiros necessários, ou
seja, eles têm direito, necessariamente, a no mínimo metade da herança (artigo 1.846 do
Código Civil). Essa metade a que têm direito não é objeto de testamento.

1.3.4. Afinidade
Está prevista na lei como uma espécie de parentesco. É um parentesco por ficção legal.
A lei estabelece um vínculo que une um cônjuge e os parentes do outro cônjuge. Só existirá
afinidade se houver casamento ou união estável; nos casos de concubinato e união estável,
não há afinidade (artigo 1.595 do Código Civil). Os parentes por afinidade são cunhados,
sogras, sogros, genros, noras, enteados, madrastas e padrastos.

C D E F Não há afinidade entre os parentes


pai mãe pai mãe
de A e os parentes de B (exemplo.:
não há afinidade entre G e H). Há
vínculo entre C, D e B; entre E, F e
A; entre A e L, entre B e J; entre A e
casados H, entre B e G. No caso dos filhos J
(filho somente de A) e L (filho
A B somente de B), eles não possuem
vínculo entre si, não havendo
G H nenhum impedimento, inclusive para
irmão irmão o casamento.

J I L
filho filho filho

Enquanto subsiste o casamento, existem impedimentos que decorrem dessa afinidade.


Após a dissolução do casamento, persiste o vínculo de afinidade em linha reta (artigo 1.595, §
2.º, do Código Civil: “na linha reta, a afinidade não se extingue com a dissolução do
casamento ou da união estável”). Então, o vínculo entre o genro e o sogro não se extingue
com a dissolução do casamento. A persistência da afinidade em linha reta leva ao
impedimento do artigo 1.521, inciso II, do Código Civil. Os afins em linha reta não podem se
casar (sogro, sogra, enteados, genro, nora, madrasta e padrasto).

Diversamente, a afinidade em linha colateral desaparece com a dissolução do


casamento. Então os cunhados, com a dissolução do casamento, perdem o vínculo de
afinidade podendo, inclusive, casar-se.

2. ALIMENTOS
O direito a alimentos está ligado ao direito à vida, tendo como base o direito natural.
Além disso, o direito positivo trata desse direito-dever de alimentar e ser alimentado (artigo
5.º e seu inciso LXVII da Constituição Federal/88; artigos 1694 a 1708 do Código Civil;
artigos 100, inciso I, 852 e 733, do Código de Processo Civil, e Lei n. 5.478/68).

2.1. Conceito
Os alimentos não se referem tão-somente ao sustento da pessoa, mas também a outras
necessidades. Por esse motivo, podem ser definidos como “prestações periódicas devidas por
força de lei, de uma pessoa a outra, a fim de atender às suas necessidades básicas para uma
vida digna”.

2.2. Classificação

2.2.1. Espécies

a) Alimentos naturais

São aqueles que se referem ao próprio sustento da pessoa.

b) Alimentos civis

Visam ao atendimento das necessidades básicas para uma vida digna (sustento, moradia,
vestuário, saúde, educação, transporte e lazer).

2.2.2. Quanto à forma de pagamento

a) Alimentos “in natura”

O pagamento é feito com o próprio bem que atende à necessidade (exemplos: cesta
básica, casa etc.).

b) Alimentos in pecunia
O pagamento é realizado em dinheiro para que se atenda à necessidade. Nesse caso
será fixado um valor.

2.2.3. Processualmente

a) Alimentos provisionais

Requeridos na cautelar.

b) Alimentos provisórios

Concedidos no início da lide, liminarmente, como pedido de tutela antecipada.

c) Definitivos

Concedidos na sentença.

2.3. Características

a) Personalíssimo

Somente cabe à pessoa que tem direito ao alimento.

b) Indisponível

Não se pode passar o direito a terceiros.

c) Irrenunciável

Não se pode renunciar, tendo em vista que se estará renunciando ao próprio direito à
vida.

d) Imprescritível

Não há prazo prescricional para requerer o direito a alimentos.


e) Irrepetível

Os alimentos são irrestituíveis, ou seja, se a pessoa recebe indevidamente, quem pagou


os alimentos não pode requerer a restituição do valor pago.

f) Mutável

Admite revisão, por meio de uma ação revisional, que pode visar à exoneração, redução ou
aumento dos alimentos.

2.4. Requisitos

2.4.1. Legitimidade
Devem ser legítimos, tanto o autor quanto o réu. Podem pedir alimentos:

• cônjuges na constância da união conjugal ou após a dissolução;

• companheiros;

• parentes ascendentes em linha reta (pais e filhos) e colaterais em linha reta (irmãos
entre si);

• tutor e tutelado; curador e curatelado.

2.4.2. Necessidade
Deve-se provar a necessidade do alimentando.

2.4.3. Capacidade
Deve-se verificar se o alimentante possui condições financeiras de alimentar.
2.5. Ações de Alimentos

2.5.1. Cautelar de alimentos provisionais


Prevista no Código de Processo Civil, no artigo 852, é o meio de que se valem os
cônjuges como medida preparatória de uma ação principal, reclamando uma prestação
alimentar de caráter provisório. Além dos alimentos para sustento, podem-se requerer
também os alimentos para o custeio da demanda. Como é uma ação cautelar, depende de uma
ação principal, que deverá ser proposta em 30 dias.

2.5.2. Ação especial de alimentos


Prevista na Lei n. 5.478/68, obedece a um rito sumário. A petição inicial de alimentos
pode ser proposta por meio de advogado ou diretamente pela parte. Quando for proposta
diretamente pela parte, o juiz, ao despachar, deve nomear um advogado, pela assistência
judiciária, para acompanhar o processo.

O juiz fixa, liminarmente, alimentos provisórios, que podem ser modificados na


sentença quando forem fixados os alimentos definitivos. Esses alimentos provisórios podem
ser revistos no decorrer do processo. Fixados os alimentos provisórios, esses serão devidos a
partir da citação do réu. No despacho inicial, além da fixação de alimentos provisórios, o juiz
deve marcar a audiência de conciliação, instrução e julgamento.

Se o réu for revel, a revelia induz o reconhecimento dos fatos; e o juiz pode julgar
procedente o pedido na audiência de conciliação, instrução e julgamento. O Ministério
Público sempre funciona como custus legis.

A sentença julga os alimentos, fixando-os definitivamente, e esses alimentos retroagem


à data da citação. Se o custo dos alimentos definitivos for maior que o dos provisórios, a
diferença deverá ser satisfeita pelo devedor. Se o custo dos alimentos definitivos for menor
que o dos provisórios, não poderá ser devolvida a diferença, visto que os alimentos são
irrepetíveis.

Essa sentença é apelável; entretanto, essa apelação somente terá efeito devolutivo. O
credor, ainda que o devedor apele, já poderá executar a sentença.

2.5.3. Ação ordinária de alimentos


Reserva-se aos casos em que não caiba a ação especial, devendo seguir o rito
ordinário. É utilizada nas ações de alimentos na união estável e na ação de investigação de
paternidade. No caso de união estável, se houver prova pré-constituída da união ou se a união
já foi reconhecida, o companheiro valer-se-á da ação especial. No caso de investigação de
paternidade, o juiz não fixa alimentos provisórios, visto que necessita da prova da
paternidade. Excepcionalmente, é possível a tutela antecipada, quando houver prova
inequívoca da situação.
2.6. Execução de Alimentos
Faz-se em decorrência de ser a sentença de alimentos um título executivo judicial. São
dois os tipos de execução.

2.6.1. Execução comum


É utilizada quando há qualquer espécie de crédito, seja ele judicial ou extrajudicial
(artigo 732 do Código de Processo Civil). É muito demorada, visto que segue um rito longo:
citação, penhora/embargos, avaliação, arrematação (edital), produto e alimentos.

2.6.2. Execução especial


A lei prevê execução especial, visto a urgência da prestação de alimentos. Existem três
formas, que estão previstas nos artigos 733 do Código de Processo Civil, 17 a 19 da Lei de
Alimentos, e 5.º, inciso LXVII, da Constituição Federal:

• Desconto na fonte: é prioritária se o alimentante for assalariado (salários e rendas).

• Usufruto de bens do devedor: utilizado quando o devedor não tiver renda fixa.

• Prisão do devedor: é reservada para situações que revelam má-fé do devedor para
não pagar os alimentos. É um meio coercitivo de exigir a prestação dos alimentos.
A prisão tem natureza civil, por isso não se aplicam os benefícios da prisão
criminal. É um modo especial de execução. A Lei n. 5.478/68, em seu artigo 19,
prevê um prazo máximo de 60 dias, e o Código de Processo Civil, no seu artigo
733, parágrafo único, prevê prazo máximo de 3 meses para a fixação da prisão do
devedor. Alguns autores entendem que o prazo de 60 dias deve ser aplicado para
alimentos definitivos e o prazo de 3 meses deve ser aplicado para alimentos
provisórios. Uma segunda corrente entende que deve ser aplicado o prazo de 60
dias por esse estar disposto em lei especial; e uma terceira corrente entende que
deve ser aplicado o prazo de 3 meses, visto que o Código de Processo Civil é lei
mais nova.

A prisão somente pode ser decretada uma vez para cada débito. O pagamento da dívida
extingue a prisão. Há uma tendência da doutrina e da jurisprudência de somente admitir
prisão por dívidas de 3 meses atrasados. Esses três meses devem ser contados da data do
ingresso do pedido.

A decisão do juiz deve ser fundamentada, e a prisão somente poderá ser decretada se o
devedor não pagar a dívida ou não justificar por que não o fez. O recurso contra essa decisão
do juiz é o agravo de instrumento, sendo admitido, também, habeas corpus.
3. PÁTRIO PODER, TUTELA E CURATELA

Esses três institutos, embora sejam distintos entre si, destinam-se à representação de
certas pessoas que, em razão da idade, sanidade mental ou situação, não podem exercer
plenamente seus direitos (menores incapazes, órfãos, abandonados e doentes mentais
incapazes).

A capacidade é inerente a todo ser humano (artigo 1.º do Código Civil), porém, a
pessoa, em certas circunstâncias, não pode exercer seus direitos. A capacidade do exercício
do direito é que é suprida pela representação (capacidade de fato). O artigo 84 do Código
Civil de 1916 dispõe que os incapazes são representados para exercerem seus direitos
(representação ou assistência). Se a pessoa for incapaz, deverá ser representada, se for
relativamente incapaz, será assistida.

3.1. Pátrio Poder

3.1.1. Considerações gerais


A expressão “pátrio poder” dá idéia, em primeiro lugar, do poder da pessoa do pai
sobre os filhos. Houve, entretanto, uma grande mudança, tanto em relação ao exercente
(também a mãe) quanto aos poderes, que agora abarcam obrigações (artigos 1.630 a 1.638 e
1.689 a 1.693 do Código Civil).

3.1.2. Conceito
Originalmente, no artigo 380 do Código Civil de 1916, dizia-se que o pátrio poder era
exercido pelo pai e na falta dele pela mãe, ou seja, o pai tinha prioridade ao pátrio poder. Esse
conceito foi alterado pelo Estatuto da Mulher Casada, que passou a considerar o pátrio poder
como exercido pelo pai com a colaboração da mãe e, havendo divergências entre eles,
prevaleceria a vontade paterna.

O Estatuto da Criança e do Adolescente, no seu artigo 21, trouxe um novo conceito de


pátrio poder: o pátrio poder é exercido pelos pais, em igualdade de condições, e, havendo
divergências, o Estado intervirá. Diante disso, considera-se pátrio poder “um conjunto de
poderes e deveres dos pais, de forma igual, sobre a pessoa e os bens dos filhos menores
enquanto incapazes”.

O Código Civil, no artigo 1.631, estabelece: "Durante o casamento ou a união estável,


compete o poder familiar aos pais; na falta ou impedimento de algum deles, o outro o
exercerá com exclusividade. Parágrafo único. Divergindo os pais quanto ao exercício do
poder familiar, é assegurado a qualquer deles recorrer ao juiz para solução do desacordo".
3.1.3. Pátrio poder sobre a pessoa dos filhos (artigo 1.634 do Código Civil)
• Cabe aos pais manter os filhos sob sua companhia e guarda.

• Cabe aos pais a criação e educação dos filhos, isto é, prestação de assistência
material e moral.

• Cabe aos pais a representação e assistência dos filhos.

• Cabe aos pais dar consentimento para os filhos casarem (pode ser suprido
pelo juiz).

• Possibilidade de os pais nomearem tutor no testamento.

• Cabe aos pais exigir dos filhos: respeito, obediência e pequenos serviços
domésticos compatíveis com suas limitações próprias.

3.1.4. Pátrio poder sobre os bens dos filhos (artigo 1.689 e seguintes do
Código Civil)
• Cabe aos pais a administração dos bens dos filhos.

• Cabe aos pais o usufruto legal sobre os bens dos filhos.

• A alienação dos bens depende de autorização judicial, para evitar que haja
dilapidação dos bens dos menores.

• A aquisição, como sendo ato benéfico, não depende de autorização judicial,


salvo se a aquisição for onerosa (exemplo: existência de prestações para pagar).

3.1.5. Responsabilidade civil


Alguns artigos do Código Civil falam em responsabilidade dos filhos, relativamente
capazes, se omitirem dolosamente sua idade (artigo 180) ou se praticarem ato ilícito (artigo
181). A regra do Código Civil se alargou com o Estatuto da Criança e do Adolescente em seu
artigo 116, ampliando-se o campo da responsabilidade dos menores se o ato for infracional.

O Código Civil, em seu artigo 932, inciso I, dispõe sobre a responsabilidade dos pais
pelos atos dos filhos, que estiverem em seu poder e companhia, que causem danos a terceiros.
Essa responsabilidade é presumida e solidária.

3.1.6. Suspensão ou perda do pátrio poder


Ocorrem nos casos de infrações graves dos deveres do pátrio poder. A perda supõe
atos mais graves do que aqueles que levam à suspensão. A perda é permanente e a suspensão
é temporária.

3.1.7. Extinção do pátrio poder


Pode ocorrer por fatos materiais ou humanos. A extinção do pátrio poder se dá com a
morte do filho ou dos pais. Também se dá no caso de ausência prolongada, em que não se
tenha notícia do paradeiro da pessoa. O artigo 6.º do Código Civil dispõe que a personalidade
civil da pessoa extingue-se no caso de morte; e presume-se a morte para certas situações,
como no caso de ausência. Ainda, a extinção do pátrio poder pode se dar com a emancipação
ou com a maioridade do menor.

A adoção também faz cessar ou extinguir o pátrio poder em relação aos pais biológicos
e faz nascer o pátrio poder em relação aos pais adotantes.

Dá-se, também, a suspensão ou extinção do pátrio poder quando os pais praticam atos
lesivos à pessoa ou aos bens do menor. Atos menos graves geram suspensão e atos mais
graves geram extinção do pátrio poder. A suspensão é temporária e a extinção é permanente,
entretanto nenhuma delas é definitiva, ou seja, mesmo no caso da extinção, pode-se restituir o
pátrio poder aos pais do menor.

A extinção do pátrio poder desvincula os pais biológicos do menor, entretanto


permanecem os impedimentos matrimoniais e as obrigações pelo sustento do filho.

A suspensão ou a extinção pode inabilitar o pátrio poder em relação a todos os filhos e


não somente àquele sobre o qual recaiu o ato lesivo.
3.2. Tutela

3.2.1. Considerações gerais


A tutela é tratada nos artigos 1.728 a 1.766 do Código Civil. Aparece no Estatuto da
Criança e do Adolescente como uma hipótese de colocação do menor em família substituta.
Também cuidam da tutela os artigos 1.194 e 1.198 do Código de Processo Civil.

Quanto à competência, deve-se examinar o artigo 129 do Estatuto da Criança e do


Adolescente, que dispõe quais casos devem ser de competência do Juízo da Infância e da
Juventude (menor em situação irregular). Caso o menor esteja em situação regular, a
competência é da Vara da Família.

3.2.2. Conceito
Em geral as doutrinas dão um conceito bem simplificado, vendo a tutela como uma
forma de representação dos incapazes quando os pais não puderem dar esta representação.

Tutela é um encargo deferido por lei a uma pessoa capaz (tutor), para a representação
de um menor incapaz (tutelado ou pupilo) que seja órfão ou que esteja com os pais impedidos
de exercer o pátrio poder, para cuidar da pessoa do menor incapaz e administrar seus bens.

Trata-se de um encargo, também chamado de função, que é obrigatório. Todavia, esse


encargo obrigatório admite escusas, quando se têm motivos justos – que estão dispostos no
Código Civil. Esse encargo obrigatório deve ter um prazo mínimo de dois anos. Após os dois
anos, pode-se pedir a substituição da tutela ou prorrogá-la. O rol das escusas que estão
dispostas no Código não é taxativo. Esse encargo é mais uma obrigação do que um direito.

Esse encargo poderá ser deferido por lei ou por testamento (tutela testamentária); nesse
caso, o juiz nomeará o tutor que foi indicado pelos pais do menor, por testamento.

O tutor deve ser capaz. Em geral, o que a lei determina é que o tutor seja um parente
próximo, que tem preferência na tutela (artigo 1.731 do Código Civil).

A representação legal pode abranger a representação (até os 16 anos) e a assistência


(após os 16 anos). É necessário que o menor seja órfão (morte ou ausência dos pais) ou que os
pais não tenham condições de exercer o pátrio poder.

O tutor tem os mesmos direitos e deveres que os pais têm em relação ao menor. Esses
direitos e deveres, entretanto, não possuem a mesma plenitude. O tutor necessita de
autorização judicial para compra e venda de bens, deve prestar contas da administração dos
bens do tutelado e oferecer uma garantia. Essa garantia se exerce pela chamada
“especialização de bens em hipoteca legal”, para a garantia dos bens e rendimentos do menor.
Essa especialização de bens em hipoteca legal tem sido mitigada pelo legislador. O Estatuto
da Criança e do Adolescente praticamente liberou essa obrigação, tendo em vista que há uma
grande dificuldade em se encontrar um tutor que tenha bens para dar em garantia. O Estatuto
da Criança e do Adolescente dispensa essa obrigatoriedade de especialização de bens em
hipoteca legal e também da prestação de contas quando (artigo 37 do Estatuto da Criança e do
Adolescente):

• o tutor for pessoa idônea;

• o menor não possuir bens;

• os bens forem registrados (bens de raízes).

3.2.3. Espécies de tutela


A tutela, ordinariamente, se diz:

• testamentária: é aquela que decorre de testamento (artigos 1.729 e 1730) ou de


instrumento público; é aquela em que os pais ou os avós nomeiam um tutor;

• legítima: é aquela que decorre da ordem prevista na lei (artigo 1.731); é a tutela
exercida pelos parentes do menor;

• dativa: é aquela exercida por nomeação judicial, que pode recair sobre qualquer
pessoa idônea.

3.2.4. Formas anômalas de tutela


• Tutela de fato: o menor é colocado em uma família substituta, sem as formalidades
legais.

• Guarda à brasileira: é o registro da criança como se fosse sua (registro irregular).


Há uma condescendência quanto a esse registro irregular quando ele é feito com
finalidades nobres.

• Tutela ad hoc: tutela especial, quando há divergências entre os interesses do menor


e os interesses dos pais.

• Tutela do índio: proteção do Estado, que se exerce pela FUNAI, visando ao índio
não civilizado.
3.2.5. Cessação da tutela
Em geral, a tutela cessa com a maioridade civil do menor. Pode cessar, também, pela
emancipação, já que essa antecipa a maioridade. Quando o menor estiver sob tutela, a
emancipação exige sentença judicial, antes da qual o juiz ouvirá o tutor.

Pode ainda cessar a tutela nos casos de legitimação, reconhecimento ou adoção.


Quando se fala em legitimação, diz respeito aos menores nascidos antes do casamento e que
se legitimam com o casamento dos pais (hoje não há mais essa expressão). Se o menor não
era reconhecido pelo pai e estava sob tutela, quando for reconhecido, o pai passa a ter o pátrio
poder, cessando a tutela. O pai adotante tem pleno pátrio poder, portanto, se o menor estiver
sob tutela, essa cessará.

3.2.6. Cessação das funções do tutor


Ocorre quando cessam as funções do tutor, mas o menor ainda deve permanecer sob
tutela. Nesse caso, deve-se substituir o tutor. Cessa a obrigação de continuar como tutor:

• Com o término do prazo: quando há prazo determinado, que deve ser, no


mínimo, de dois anos.

• Com escusa: por motivo que justifica a escusa, que pode ocorrer antes ou
após o início da tutela.

• Por substituição: pode ser determinada pelo juiz, ao seu critério ou por
requerimento de alguém.

• Remoção ou destituição: dá-se por decisão judicial quando o tutor for


negligente (omisso), prevaricador (cumprir mal suas obrigações) ou se tornar
incapaz. O procedimento corre perante a Vara da Infância e da Juventude.

3.3. Curatela
A expressão “curatela” vem da expressão “cura”, que significa, amplamente, exercício
de cuidados ou de tomar conta de bens. Difere-se da tutela, visto que a curatela se destina à
proteção dos incapazes mentais, em geral, após os 18 anos. A curatela é necessária após os 18
anos, visto que há a cessão do pátrio poder ou da tutela, ainda que a incapacidade mental seja
absolutamente visível.

Normalmente, a curatela é para maiores de 18 anos incapazes, entretanto, pode-se dar


para menores de 18 anos relativamente incapazes (com idade entre 16 e 18 anos). Se esse
menor for incapaz em razão de doença mental, haverá necessidade de curatela para certos
atos.
Curadoria é a função exercida pelo curador no exercício da curatela. Existe a chamada
curadoria especial (ad hoc), que não se confunde com a curadoria ora estudada. Há, ainda, a
curadoria processual (artigo 9.º do Código de Processo Civil), que também não deve ser
confundida com a curadoria ora estudada.

Curatelado é a pessoa que está sob curatela (incapaz por doença mental). No plano
processual há a expressão “interdição”, da qual provém o interdito, que é o incapaz por
doença mental que sofreu um processo de interdição.

Os artigos 1.767 a 1.783 do Código Civil tratam da curatela, todavia, há uma norma
que prevê que, naquilo que não for incompatível, utilizem-se as normas da tutela. Então, as
disposições sobre tutela previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente , quando não
contrariarem as normas especiais, poderão ser aplicadas à curatela.

O Código de Processo Civil traz algumas regras que tratam tanto da tutela quanto da
curatela. Embora não haja previsão legal da curatela testamentária, nada obsta que o pai
nomeie um curador em testamento. Essa nomeação não é vinculativa.

Se o curatelado tem um filho menor, os poderes do curador estendem-se a ele.

3.3.1. Conceito de curatela


Trata-se de um encargo deferido judicialmente a uma pessoa capaz para representação
legal de incapaz (mental), visando cuidar da sua pessoa e eventualmente de seus bens. Há
uma ordem legal para a nomeação de curador:

• se a pessoa é casada, o cônjuge tem preferência;

• na falta do cônjuge, a preferência é dos ascendentes ou dos descendentes;

• genericamente, o incapaz é doente mental, entretanto o Código Civil dispõe


as hipóteses em que a pessoa pode ficar sob curatela:

– enf
ermos ou deficientes mentais (o Código de Processo Civil usa a expressão,
“anomalia psíquica”);

– aq
ueles que, por outra causa duradoura, não puderem exprimir sua vontade;

– pr
ódigos (pessoas relativamente incapazes que não possuem controle dos seus
próprios atos, dilapidando os seus bens); a curatela para os pródigos é somente
para os casos que envolvam os seus bens;

– os
excepcionais sem completo desenvolvimento mental
– na
scituro (quando ele não tem quem o represente).

3.3.2. Ação de interdição


No Código de Processo Civil, essa matéria está disposta nos artigo 1.177 e seguintes,
que complementam as regras do Código Civil que tratam dessa matéria. A sentença de
interdição não se destina somente a comprovar que a pessoa é incapaz, mas sim a dar,
também, um curador para essa pessoa incapaz.

A ação de interdição corre perante a Vara de Família, visto que altera o estado de
capacidade da pessoa. O Ministério Público obrigatoriamente funciona como custus legis,
mas pode, também, ser o requerente quando as pessoas que deveriam propor a ação se
omitem, são ausentes ou incapazes.

Qualquer pessoa interessada pode pedir a curatela dos incapazes, mas o Código traz
um rol em ordem de preferência:

• pais ou tutor;

• cônjuge ou companheiro;

• filhos capazes;

• outros parentes próximos;

• Ministério Público, quando houver anomalia psíquica e omissão ou incapacidade


dos interessados.

A petição inicial deve conter a causa do pedido (anomalia psíquica, surdo-mudo ou


pródigo) e a comprovação da causa (normalmente um atestado médico). O juiz nomeia um
curador provisório e manda citar o interditando (se ele não puder ser citado, é nomeado um
curador especial).

Citado o interditando, o juiz marca um interrogatório com ele. Esse interrogatório


poderá ser feito no Fórum (quando o interditando puder se locomover) ou em qualquer outro
lugar.

Após o interrogatório, aguarda-se o prazo de defesa. O interditando pode constituir um


advogado, ou o próprio Ministério Público pode ser seu defensor (quando não for o
requerente). Quando o Ministério Público é o requerente e o interditando não constitui
advogado, há nomeação de um curador à lide.
O juiz nomeia um perito psiquiatra para verificar se existe a incapacidade alegada e
qual o grau de incapacidade (a interdição pode ser plena ou relativa). O juiz pode dispensar a
perícia se houver provas suficientes nos autos que comprovem a incapacidade (por exemplo:
laudo oficial).

Se houver mais provas a produzir, o juiz deverá marcar uma audiência de instrução e
julgamento, que pode ser dispensada caso haja provas incontestáveis em relação à
incapacidade do interditando.

A sentença declara a incapacidade, o grau de incapacidade e nomeia um curador


definitivo. A sentença, entretanto, fica sujeita à averbação no Registro Civil, visto que na
Certidão de Nascimento da pessoa irá constar sua incapacidade, para resguardar interesses de
terceiros. A sentença de interdição deve ainda ser publicada pela imprensa local, também para
resguardar interesse de terceiros. O incapaz, então, passa a ser conhecido como interdito.

O curador nomeado deve oferecer algumas garantias (especialização de bens em


hipoteca legal e prestação de contas). Pode haver, entretanto, dispensa dessas garantias.

A interdição pode cessar com a recuperação da capacidade pelo curatelado


(levantamento da interdição). O pedido pode ser feito pelo próprio interditando no mesmo
Juízo que declarou a interdição. Pode-se dar, ainda, a substituição do curador ou a sua
remoção.
CURSO DO PROF. DAMÁSIO A DISTÂNCIA

MÓDULO XXI

DIREITO CIVIL

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DIREITO CIVIL

Prof. Vitor Frederico Kümpel

1. DIREITO DAS SUCESSÕES

Elencado no Livro V, da Parte Especial do Código Civil, o Direito das Sucessões


abrange os artigos 1.784 a 2.027. Além do Código Civil, a própria Constituição Federal, em
seu artigo 5.º, inciso XXX, garante o direito de herança. Também o Código de Processo Civil
apresenta regras com relação a inventários e partilhas (artigos 982 a 1.045 do Código de
Processo Civil).

A abertura da sucessão ocorre com a morte do titular do direito, que transmite,


imediata e automaticamente, a posse e a propriedade dos bens aos herdeiros. Essa abertura
também é chamada delação, e é informada pelo princípio da saisine.

Sucessão é a transmissão dos bens de uma pessoa para outra, podendo ser inter vivos
ou causa mortis.

A sucessão causa mortis também é chamada sucessão hereditária. O sucessor a título


universal (herdeiro) continua, de direito, com a posse do seu antecessor (artigo 1.207 do
Código Civil). Assim, pode fazer uso das ações possessórias.

A sucessão hereditária dá-se em favor dos sucessores legítimos (previstos na lei) ou


testamentários (nomeados pelo testador).

O Princípio da Saisine foi acolhido no artigo 1.784 do Código Civil (Le mort saisit le
vif – A morte transfere a posse ao vivo).

Como conseqüência desse princípio, a capacidade para suceder é a existente ao tempo


da abertura da sucessão, que se regerá conforme a lei então vigente (artigo 1.787 do Código
Civil).

O herdeiro que sobrevive ao de cujus, ainda que por apenas um instante, recebe a
herança e a transmite aos seus sucessores, mesmo se morrer no momento seguinte.
2. SUCESSÃO HEREDITÁRIA

2.1. Conceito
A sucessão hereditária consiste na transmissão de bens de uma pessoa, em razão de
morte, aos sucessores previstos na lei ou nomeados em testamento.

Com a morte de alguém, dá-se a transmissão de bens, que independe do inventário e da


partilha; a posse e o domínio dos bens transferem-se imediatamente aos sucessores, sem
necessidade de qualquer formalidade (artigo 1.784 do Código Civil). O que existe
inicialmente é a denominada posse indireta (direito sobre a posse e o domínio), visto que a
posse direta cabe ao administrador provisório. A entrega efetiva dos bens ocorre somente
após a partilha.

Os bens transmitidos na sucessão hereditária abrangem tanto os bens materiais como


direitos, obrigações, créditos, débitos etc. Esse acervo hereditário é chamado herança
(conjunto de bens transmissíveis).

A palavra herança apresenta dois sentidos: genericamente, é o que resta aos herdeiros
após o pagamento das dívidas do falecido; juridicamente, é considerada um bem indivisível,
por ficção da lei, até que se efetue a partilha.

Quando se fala em pessoa que vem a falecer, está se falando da pessoa natural (ser
humano), que tenha nascido com vida, e não da pessoa jurídica. A morte da pessoa natural
acarreta a abertura da sucessão, que também pode decorrer da ausência; essa, entretanto, num
primeiro momento, faz surgir a abertura da sucessão provisória, para, depois de transcorrido o
lapso legal, consolidar a sucessão definitiva.

Os sucessores são chamados herdeiros; podem ser pessoas físicas ou jurídicas,


existentes na data da abertura da sucessão. Exceções:

• resguardam-se os direitos do nascituro que tenha sido concebido antes da


morte;

• no caso de fundação (pessoa jurídica criada após a abertura da sucessão).

Os herdeiros podem ser legítimos (previstos em lei) ou nomeados por testamento. A lei
estabelece uma ordem de preferência aos legítimos, denominada ordem de vocação
hereditária (OVH), que vem expressa no artigo 1.829 do Código Civil, senão vejamos:

• descendentes – herdeiros necessários;

• ascendentes – herdeiros necessários;

• cônjuge sobrevivente – herdeiro necessário;


• colaterais até o quarto grau;

• Município, Distrito Federal, ou União (se os bens estiverem localizados


em território, autarquia federal de administração da União) a depender de onde
estiver localizado o bem.

O autor da herança pode nomear um sucessor em testamento (herdeiro instituído). Esse


sucessor, ainda que não faça parte do rol constante do artigo 1.829 do Código Civil, possui
direitos sucessórios a título universal, se não concorrer com herdeiro necessário; se concorrer,
tem direito à parte ideal. Ao lado do herdeiro instituído, pode ser indicado no testamento um
legatário, que tem direito a título singular; por sucessão a título singular entende-se a hipótese
de o testador mencionar um bem definido, determinado para ser entregue (legado).

Há diferenças entre herança e espólio, quais sejam:

• Herança é o conjunto de bens, direitos e obrigações deixados por uma pessoa aos
seus sucessores (sentido genérico).

• Espólio é a denominação que se dá à herança do ponto de vista jurídico-formal.


Enquanto os bens estão sob inventário, aguardando partilha, utiliza-se a expressão
espólio. O espólio tem capacidade processual e é representado pelo inventariante;
porém, não é pessoa jurídica considerando-se o Código Civil não o catalogar
assim. O espólio pode, inclusive, transmitir e adquirir bens, com autorização do
juiz. A natureza jurídica do espólio é de universalidade de bens, e não de pessoa-
jurídica.

2.2. Espécies de Sucessão


a) Sucessão legítima

É a modalidade de sucessão decorrente da lei, que obedece à ordem de vocação


hereditária legalmente estabelecida (artigos 1.829 a 1.856 do Código Civil). Aplica-se na falta
de testamento.

b) Sucessão testamentária

Modalidade de sucessão que surge de atos de última vontade, praticados pelo de cujus
para que valham depois de sua morte. Opera-se, em geral, por meio de testamentos e
codicilos (artigos 1.857 a 1.990 do Código Civil).

2.3. Sucessores
Também chamados herdeiros e legatários, verdadeiras espécies do gênero sucessor,
são os beneficiários da herança, tanto por sucessão legítima quanto por sucessão
testamentária, seja a título universal ou singular.

2.3.1. Herdeiro legítimo


O herdeiro legítimo pode ser universal, se único herdeiro; ou ter direito à parte ideal
dos bens deixados, se houver mais de um sucessor. Enquanto não concretizada a partilha, a
herança é indivisível (artigo 1.791 do Código Civil). Com efeito, o Código Civil considera o
direito à sucessão aberta bem imóvel por ficção legal, ainda que todos os bens deixados sejam
bens móveis.

A cessão de direitos hereditários é perfeitamente possível; entretanto, o sucessor não


pode ceder um determinado bem, visto que não paira direito sobre bens definidos. Por ser
considerada bem imóvel por ficção legal, a cessão deve ser feita por escritura pública (artigos
1.793 a 1.795, do Código Civil).

2.3.2. Herdeiro testamentário


O herdeiro testamentário é aquele indicado no ato de última vontade do de cujus.
Subdivide-se em instituído e legatário. O herdeiro instituído é herdeiro a título universal; o
legatário é herdeiro a título singular, visto que tem direito a uma coisa certa (legado).

Se o bem deixado ao legatário for infungível, ele adquire seu domínio desde logo; se
fungível, somente após a partilha. Quanto à posse, ele pode requerer aos herdeiros instituídos
quando da abertura da sucessão, mas esses não são obrigados a entregar antes de se
certificarem de que o espólio é solvente.

2.3.3. Herdeiro necessário


O herdeiro necessário é aquele que, se e quando existente à época da sucessão, possui,
por lei, direito a uma parte da herança (legítima), que seria a metade indisponível, ou seja,
50% do patrimônio do morto. Assim, o de cujus não pode dispor, por testamento, de mais da
metade do seu patrimônio (artigo 1.789 do Código Civil).

Os artigos 1.845 e 1846 do Código Civil mencionam as disposições sobre os herdeiros


necessários, que são os descendentes, os ascendentes e o cônjuge.
2.3.4. Herdeiro aparente
Herdeiro aparente é aquele que ostenta a qualidade de herdeiro; mas, na realidade, não
o é. Os atos praticados pelo herdeiro aparente são válidos quando dirigidos a terceiro de boa-
fé (artigo 1.817 do Código Civil). O herdeiro aparente fica obrigado a indenizar os demais
herdeiros pelos prejuízos causados com seus atos.

3. TRANSMISSÃO DA HERANÇA
A transmissão da herança ocorre no momento da abertura da sucessão (princípio da
saisine). Logo após a morte do de cujus, os herdeiros entram na posse dos bens – o
inventário e a partilha servem somente para formalizar a transmissão dos bens, atendendo ao
princípio da continuidade registral. Com relação a alguns bens, não há necessidade de
inventário e partilha.

Com a morte do titular dos bens, portanto, os herdeiros passam ao domínio e à posse
dos bens. A posse direta cabe ao administrador provisório (artigo 985 do Código de Processo
Civil) até que o inventariante preste o compromisso (artigo 940, parágrafo único, do Código
de Processo Civil).

O administrador provisório é aquele que, de fato, estava na posse dos bens no


momento do falecimento do de cujus. Aberto o inventário, a posse direta passa ao
inventariante (que pode ser quem está na posse provisória, um dos herdeiros ou até um
terceiro).

O inventário deve ser feito no foro do domicílio do autor da herança, ainda que o óbito
tenha ocorrido no estrangeiro. Se o autor da herança não possuía domicílio certo, será
considerado o local da situação dos bens; e se além da falta de domicílio, o de cujus possuía
bens em lugares diferentes, será considerado o lugar do óbito (artigo 96 do Código de
Processo Civil).

A capacidade para suceder regula-se pela lei vigente à data da abertura da sucessão
(artigo 1.787 do Código Civil). São capazes, para suceder, as pessoas previstas na lei ou no
testamento, podendo ser pessoa natural ou jurídica.

Os direitos do nascituro estão assegurados nos artigos 2.º e 1.798 do Código Civil, que
o tornam capaz para suceder. À prole eventual (futuro filho de alguém denominado pelo
testador) é garantido o direito de sucessão (artigo 1.799, inciso I, do Código Civil).

A comoriência, de acordo com o artigo 8.º do Código Civil, ocorre quando dois ou
mais indivíduos falecem na mesma ocasião, sem que seja possível determinar se um precedeu
ao outro. Nesse caso, não herdam entre si, e sim cada qual transmite sua herança aos seus
sucessores.
4. ACEITAÇÃO E RENÚNCIA DA HERANÇA

A herança é uma universalidade; é o conjunto de bens deixado pelo morto. Diferencia-


se do legado, por deixar um bem certo e determinado. Esse conjunto de bens, ou ainda o bem
determinado deixado como legado, podem ser aceitos ou renunciados, desde que em sua
totalidade.

4.1. Aceitação da Herança


A aceitação é apenas a confirmação da transferência dos bens, feita pela lei (saisine).
Pode acontecer das seguintes formas:

• expressa: quando o herdeiro declara que aceita os bens;

• tácita: quando o herdeiro comporta-se de modo a deduzir que aceitou a herança;

• presumida: o interessado em que o herdeiro declare a aceitação da herança pode


requerer ao juiz que fixe prazo para que o herdeiro se manifeste. Se o herdeiro não
se manifestar dentro do prazo judicial, presume-se a aceitação ou a adição.

A natureza jurídica da aceitação é de negócio jurídico unilateral, incondicional e


indivisível.

É unilateral, pois se aperfeiçoou com uma única manifestação de vontade.

É incondicional, porque não se pode aceitar ou renunciar a uma herança sob condições
(artigo 1.808 do Código Civil).

É indivisível, pois não se pode aceitar a herança em parte; o mesmo cabendo ser dito
com relação à renúncia. Mas, se testado ao herdeiro um legado, é possível a aceitação desse e
a renúncia da herança, e vice-versa (artigo 1.808, § 1.º, do Código Civil).

Por fim, ressalte-se que o eminente Des. Carlos Roberto Gonçalves, em sua obra,
determina ser a aceitação negócio jurídico “não-receptício”, porque independe de
comunicação a outrem para a produção dos seus efeitos.

A aceitação pode ser retratada, desde que não prejudique os direitos dos credores.

O herdeiro não responde pelas dívidas do morto, que superem a força da herança. Em
razão desta disposição, inserida inclusive no texto constitucional, extinguiu-se a denominada
aceitação a benefício do inventário, uma vez que, legalmente, hoje todas as heranças aceitas
não implicam prejuízos maiores que o valor os bens recebidos pelos herdeiros.

4.2. Exclusão do Direito à Herança


Em alguns casos, seja por disposição da lei, seja por conta do testador ou até mesmo
pela vontade do herdeiro, algumas pessoas são afastadas do direito à herança.

4.2.1. Exclusão voluntária


A exclusão voluntária ocorre por vontade do herdeiro, que renuncia à herança
expressamente (artigo 1.805 do Código Civil).

4.2.2. Exclusão por determinação legal


Conforme o artigo 1.814 do Código Civil, a lei prevê a exclusão de certas pessoas ao
direito à herança e descreve hipóteses em que o herdeiro será afastado por indignidade. Em
relação ao indigno, cumpre ressaltar que se trata de resquício da denominada morte civil,
seus herdeiros recebem a herança como se o indigno morto fosse, e este fica privado de
administrar os bens recebidos por seus herdeiros.

4.2.3. Exclusão testamentária


O testador pode excluir o sucessor, desde que seja herdeiro necessário (ascendente ou
descendente) do direito à herança, por meio do instituto denominado deserdação, em razão de
fatos não tão graves quanto os de indignidade, mas que ofenderam o testador, assim dispostos
nos artigo 1.961 e seguintes do Código Civil. Assim como a indignidade, a deserdação
depende de ação para produzir os seus efeitos, ação esta a ser proposta pelos demais
herdeiros.

4.3. Renúncia da Herança


Renunciar é manifestar a vontade de não figurar no rol de herdeiros.

A renúncia retroage à data da abertura da herança (morte do de cujus), considerando-se


o renunciante como se nunca tivesse existido.

A renúncia deve ser expressa e solene. Faz-se por escritura pública ou por termo nos
autos, não se admitindo renúncia tácita. A renúncia, ainda, não pode ser condicional, parcial
ou a termo. É possível, todavia, renúncia da herança e aceitação do legado, ou vice-versa;
entretanto, numa ou noutra situação, deve ser feita na totalidade da herança ou do legado.

Sendo o herdeiro casado, a doutrina diverge quanto à necessidade da outorga uxória


para renúncia da herança. Para uma primeira posição, entende a outorga ser necessária, tendo
em vista tratar-se de bem imóvel, segundo o artigo 80, inciso II, do Código Civil
(majoritária). Para outros, não há necessidade da outorga, pois não se trata de “alienação” de
bens.

O direito à sucessão aberta é considerado bem imóvel (artigo 80, inciso II, do Código
Civil), independentemente dos bens que componham a herança.

4.3.1. Espécies de renúncia


São as seguintes as espécies de renúncia:

• Abdicativa ou propriamente dita: quando manifestada antes da prática de qualquer


ato que signifique aceitação tácita. Essa renúncia deve ser pura e simples, feita em
benefício do monte. Assim, com a renúncia, os bens serão repartidos entre os
demais herdeiros. Nessa modalidade de renúncia, recolhe-se apenas o imposto
causa mortis.

• Tr
anslativa (cessão ou desistência): o renunciante indica a pessoa em favor de quem
pratica o ato. Dessa forma, há uma aceitação seguida de doação. Portanto, incidem
dois impostos de transmissão, um causa mortis e outro inter vivos. Considerando-se
o artigo 1.647 do Código Civil, que prescreve que os bens imóveis só podem ser
alienados após outorga uxória, parte majoritária da doutrina entende ser essa
necessária para a renúncia translativa. Outra corrente entende dispensável, pois
renúncia não é alienação, conforme exprime o próprio artigo 1.647.

O herdeiro só poderá renunciar se o seu ato não prejudicar eventuais credores. Não
produz efeitos a renúncia à herança, feita até dois anos antes da decretação da quebra (artigo
52, inciso I, do Decreto-lei n. 7.661/45).

4.3.2. Efeitos da renúncia


São os seguintes os efeitos da renúncia:

• exclusão, da sucessão, do herdeiro-renunciante;

• retroação da renúncia à data da abertura da sucessão;

• acréscimo na cota dos herdeiros legítimos da mesma classe (artigo 1.810 do


Código Civil);

• impossibilidade da sucessão por direito de representação (artigo 1.811 do Código


Civil).
Se todos os herdeiros de uma mesma classe renunciarem, os da classe seguinte
herdarão por direito próprio (por cabeça) e não por representação (por estirpe) – porque o
renunciante é considerado como se nunca tivesse existido.

É retratável a renúncia quando proveniente de erro, dolo ou violência (artigo 1.812 do


Código Civil). Na verdade não se trata de retratação, mas sim de anulação do ato.

4.3.3. Renúncia própria


A renúncia – de que trata o Código Civil, em seus artigos 1.805 e seguintes – é a
renúncia pura e simples, sem termo, condição ou prazo, e não parcial. É a declaração expressa
do herdeiro de que não quer a herança.

O quinhão do herdeiro-renunciante volta ao monte mor, para ser dividido entre os


demais herdeiros, da mesma classe ou da classe subseqüente.

Não há sucessão por representação do herdeiro-renunciante (artigo 1.811 do Código


Civil).

Se o herdeiro-renunciante tem credores, poderá, mesmo assim, renunciar à deixa;


entretanto, a lei faculta ao credor habilitar-se no lugar desse herdeiro, para receber seu crédito
(artigo 1.813 do Código Civil).

4.3.4. Renúncia imprópria


A renúncia imprópria não é uma renúncia verdadeira. A renúncia imprópria implica
dois atos: a aceitação da herança e a transmissão dessa, por cessão de direitos, a outrem.

A renúncia deve ser expressa, feita por escritura pública ou termo nos autos. A
renúncia imprópria também é chamada translativa ou in favorem.

RENÚNCIA PRÓPRIA RENÚNCIA IMPRÓPRIA

Dispensa-se a outorga uxória É necessária a outorga uxória

Incide o imposto causa mortis (40% ao Incide o imposto causa mortis e o ITBI
Estado sobre bens imóveis) (esse somente sobre bens imóveis)
5. HERANÇA JACENTE

De acordo com os artigo 1.819 e seguintes, herança jacente é aquela para a qual não
aparecem herdeiros, sejam legítimos ou testamentários, ou, ainda que existentes, são
excluídos da herança (deserdação, indignidade).

Publicados os editais, e não comparecendo nenhum herdeiro no prazo de um ano, a


partir do primeiro edital, a herança passa de jacente para vacante.

A herança vacante, decorridos cinco anos da abertura da sucessão, passa ao Município


onde se situa o bem, ou ao Distrito Federal, ou ainda à União, caso o bem esteja em Território
não dividido em municípios.

5.1.

Procedimento de Arrecadação
O parágrafo único do artigo 1.822 do Código Civil está em consonância com o artigo
1.158 do Código de Processo Civil.

O Código de Processo Civil, artigos 1.142 a 1.158, aborda o procedimento para a


arrecadação de bens da herança jacente. Aparecendo algum herdeiro, converte-se em
inventário.

O herdeiro, reconhecido depois da sentença declaratória da vacância, deve ingressar


com ação direta reivindicando bens (petição de herança); porém, somente poderá fazê-lo se
aparecer até cinco anos após a abertura da sucessão.

6. SUCESSÃO DO AUSENTE

6.1. Conceito
De acordo com o Código Civil, o ausente é pessoa que está em local incerto e não
sabido, não tendo deixado procurador para administrar os seus bens. A proteção do ausente
tem caráter patrimonial, não objetivando resguardar sua pessoa.

Ao
ausente é nomeado um curador (artigo 1.160 do Código de Processo Civil).

Qualquer interessado (cônjuges, herdeiros, credores) e o Ministério Público podem


pedir a nomeação do curador. Suas obrigações abrangem os atos de administrar os bens,
arrolando-os, arrecadando-os e vendendo os móveis de fácil depreciação, recolhendo os
valores, representando o ausente em Juízo e fora dele.

O curador deve ser remunerado com base em porcentagem da renda líquida anual do
ausente, não podendo superar 10%. O curador responde pelos prejuízos causados, por ação ou
omissão, culposa ou dolosa.

6.2. Partilha dos Bens do Ausente


O juiz mandará arrecadar os bens do ausente, nomeando-lhe curador. Serão publicados
editais, durante um ano, anunciando a arrecadação e chamando o ausente para entrar na posse
de seus bens.

Após um ano da publicação do 1.º edital, sem que o ausente tenha se manifestado,
poderão os interessados requerer a abertura da sucessão provisória, com a citação pessoal dos
herdeiros presentes e do curador e, por editais, a dos ausentes, para oferecerem artigos de
habilitação.

A sentença que determinar a abertura da sucessão provisória produzirá efeito seis


meses após sua publicação. Mas logo que passe em julgado, abre-se o testamento (se houver)
e procede-se ao inventário e à partilha dos bens do ausente, como se esse houvesse falecido.

Se, dentro de 30 dias, não comparecer interessado ou herdeiro, que requeira o


inventário, a herança será considerada jacente.

6.3. Efeitos da Partilha em Relação aos Sucessores Provisórios


Os sucessores provisórios não podem alienar os bens do ausente, pois têm o dever de
conservá-los. Somente os frutos são alienáveis.

Os bens imóveis, excluindo-se os casos de desapropriação, dependem de ordem do juiz


para serem alienados, exigindo-se ainda que estejam em estado de ruínas ou que possam ser
convertidos em títulos da dívida pública.

Os sucessores deverão garantir a restituição dos bens recebidos, mediante caução


(artigo 1.166 do Código de Processo Civil), penhor ou hipoteca equivalente aos quinhões
respectivos. O herdeiro será excluído da sucessão provisória, caso não possa dar a garantia
necessária. O excluído pode receber a metade dos frutos do quinhão que lhe caberia, desde
que prove a falta de meios (artigos 30 e 34 do Código Civil).

Os frutos pertencem aos sucessores provisórios, quando forem descendente,


ascendente ou cônjuge do ausente. Os demais sucessores deverão capitalizar a metade desses
frutos e prestar contas anuais ao juiz competente (artigo 33 do Código Civil).
6.4. Efeitos da Abertura da Sucessão Provisória em Relação a Terceiros
não-Herdeiros
Os efeitos da abertura da sucessão provisória em relação a terceiros não-herdeiros são:

• o pagamento do imposto causa mortis ao Fisco;

• transmissão do direito à sucessão provisória aos herdeiros dos sucessores, em caso


de morte destes;

• possibilidade dos legados serem exigidos dos herdeiros;

• extinção dos vínculos patrimoniais personalíssimos existentes em favor do ausente


(usufruto);

• impossibilidade dos herdeiros provisórios intentarem ações para redução de


doações inoficiosas, feitas em vida pelo ausente.

Na partilha, os imóveis serão confiados, em sua integridade, aos sucessores provisórios


mais idôneos (artigo 31 do Código Civil).

Para Carvalho Santos, todavia, não é possível a cessão de quinhão hereditário após a abertura
de sucessão provisória.

6.5. Da Sucessão Provisória à Definitiva


Os
sucessores provisórios, uma vez empossados nos bens da herança, passam a representá-la
ativa e passivamente, contra eles correndo as ações relativas ao ausente (artigo 32 do Código
Civil). Podem, até mesmo, propor ações em defesa dos bens adquiridos.

Caso um dos sucessores, na defesa de seus interesses, litigue contra o ausente, o juiz deverá
providenciar a nomeação de curador especial para defender os interesses desse último.

Se, durante o período de sucessão provisória, ficar provado o momento do falecimento


do ausente, será essa data a da transmissão dos bens (artigo 31 do Código Civil). Não se
sabendo o exato momento da morte do ausente, serão considerados herdeiros os existentes no
momento da abertura da sucessão provisória, conforme entendimento de Pontes de Miranda.

Caso o ausente apareça, cessam, imediatamente, as vantagens dos sucessores provisórios,


ficando esses obrigados a restituir àquele os bens recebidos (artigo 36 do Código Civil).
Extingue-se a sucessão provisória, com:

• a certeza da morte do ausente (artigo 1.167, inciso I, do Código de Processo Civil);

• o reaparecimento do ausente, do seu procurador ou de quem o pretenda;

• o decurso de dez anos, transformando-se em sucessão definitiva (artigo 1.167,


inciso II, do Código de Processo Civil);

• quando o ausente tiver 80 anos de idade na data do desaparecimento de seu


domicílio, e tiver decorrido cinco anos de suas últimas notícias (artigo 1.167,
inciso III, do Código de Processo Civil).

As custas e despesas judiciais, com o reaparecimento do ausente, correrão por conta


deste, pelo fato de ter sido o causador do processo de sucessão provisória.

6.6. Sucessão Definitiva

Após dez anos do trânsito em julgado da sentença declaratória da sucessão provisória, os


interessados poderão requerer a sucessão definitiva (artigo 1.167, inciso II, do Código de
Processo Civil, que reduz o prazo previsto no artigo 37 do Código Civil).

Com a sucessão definitiva, os herdeiros tornam-se proprietários dos bens; porém, seu domínio
é resolúvel – extingue-se, se reaparecer o ausente dentro dos dez anos seguintes. Ocorrida a
sucessão definitiva, os herdeiros têm direito de levantar as cauções anteriormente oferecidas.
Por fim, observa-se que a necessidade da sucessão definitiva ocorre para garantir o princípio
da livre circulação de bens.

Os
legitimados para sucessão definitiva são os mesmos da sucessão provisória, podendo os
interessados, conforme anterior explicação, levantar as cauções prestadas.

Resumindo:

• os herdeiros tornam-se proprietários resolúveis dos bens da herança;

• os herdeiros adquirem os frutos dos bens e os seus rendimentos;

• os herdeiros, além de poderem alienar, gratuita ou onerosamente, os bens da


herança, podem até mesmo gravá-los;

• os herdeiros podem levantar cauções anteriormente prestadas;


• os herdeiros podem intentar ações próprias contra terceiros, inclusive no que diz
respeito a doações inoficiosas do ausente em vida;

• ocorre a efetiva divisão dos bens do ausente.

6.7. Regresso do Ausente

Caso o ausente reapareça no prazo de dez anos após a abertura da sucessão definitiva, terá
direito a receber, no estado em que se encontrem, os bens existentes ou os sub-rogados, ou
ainda o preço recebido pelo sucessor, desde que prove que os bens são realmente sub-rogados
e que o dinheiro encontrado em mãos do sucessor corresponde ao preço justo.

São aplicados ao tema os seguintes princípios:

• os
atos praticados pelos sucessores são válidos;

• o
sucessor não pode enriquecer às custas do ausente;

• o
ausente não tem direito aos frutos percebidos no período da ausência.

6.8. A Ausência no Direito de Família


A declaração de ausência, ainda que definitiva, não autoriza novo casamento do outro
cônjuge. A ausência pode, todavia, ensejar o divórcio, e por via oblíqua dissolver-se a
sociedade conjugal.

De
acordo com o artigo 484 do Código Civil de 1916, se o cônjuge do ausente tiver falecido ou
for impedido de exercer o pátrio poder, os filhos serão considerados como se órfãos fossem,
ficando sob tutela.

7. REPRESENTAÇÃO

No caso de premoriência, pode haver representação (artigo 1.844 do Código Civil).


Essa somente existe na linha de descendentes, e não na de ascendentes.
Não há representação na sucessão testamentária, ou seja, os herdeiros do instituído ou
do legatário não podem representá-los no caso de premoriência.
CURSO DO PROF. DAMÁSIO A DISTÂNCIA

MÓDULO XXII

DIREITO CIVIL

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DIREITO CIVIL

Prof. Vitor Frederico Kümpel

1. VOCAÇÃO HEREDITÁRIA

1.1. Introdução
A sucessão legítima, determinada por lei, ocorre em caso de inexistência, ineficácia ou
caducidade do testamento e em relação aos bens não compreendidos no testamento. Nesses
casos, a lei convoca pessoas da família do de cujus, de acordo com a ordem que a própria lei
estabelece para receberem a herança – na falta dessas pessoas, os bens irão para o Poder
Público.

A sucessão legítima, ressalte-se, representa a vontade presumida do de cujus e possui


caráter supletivo.

1.2. Ordem de Vocação Hereditária

Trata-se de relação preferencial, estabelecida pelo ordenamento, dos indivíduos que serão
chamados para suceder o de cujus. O chamamento é feito por classes e , em regra, a classe
mais próxima exclui a mais remota (ordem preferencial).

Artigo 1.829 do Código Civil. “A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:

I. Aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado


este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação
obrigatória de bens (artigo 1640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão
parcial, o autor da herança não houve deixado bens particulares;
II. Aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge;
Ao cônjuge sobrevivente;

Aos colaterais.

A sucessão que não obedecer a essa ordem é considerada anômala ou irregular.


1.2.1. Espécies de sucessão legítima
• Por direito próprio: por cabeça (o herdeiro é chamado diretamente à sucessão).
Exemplo: se o de cujus deixou três filhos, a herança será dividida em três partes
iguais, cabendo uma parte a cada filho.

• Por direito de representação: por estirpe (ocorre quando a herança é atribuída aos
descendentes de um herdeiro já falecido ou indigno). Exemplo: se o de cujus tinha
três filhos; se um deles já faleceu e deixou dois filhos, netos daquele, há
diversidade em graus, e a sucessão dar-se-á por estirpe, logo, a herança será
dividida em três quotas iguais: duas serão atribuídas aos filhos vivos e a última
será deferida aos dois netos, depois de subdividida em partes iguais.

1.2.2. Descendentes

Descendentes são parentes em linha reta do de cujus, que dele descendem. Exemplos: filhos,
netos, bisnetos etc.

Considerando o disposto no artigo 227, § 6.º, da atual Constituição


Federal, além dos artigos 1.832 a 1.835, todos os descendentes são
tratados de maneira igualitária. Atualmente, portanto, todos herdam
em igualdade de condições.

É bom ressaltarmos as seguintes regras gerais:

1.ª - Todos os descendentes herdam por cabeça ou


representação, onde os mais próximos excluem os mais remotos,
salvo o direito de representação (artigo 1.833 do Código Civil);

2.ª - A transmissão é ad infinitum;

3.ª - Estando todos os herdeiros em mesmo grau, além de


herdarem por cabeça, herdam a mesma cota parte;

4.ª - Em havendo cônjuge sobrevivente, existe o direito de


concorrência.
Temos os seguintes requisitos para a concorrência do
cônjuge:

1 – Regime de bens – o regime de bens deve ser o da


comunhão parcial de bens, desde que existam bens particulares ou
o regime da separação total de bens ou ainda o regime da
participação final nos aqüestos com bens particulares.

2 – Estado civil - o casal não pode estar separado


judicialmente, divorciado ou separado de fato há mais de dois anos.
Caso ocorra esta última hipótese, deve demonstrar o sobrevivente
que não era culpado da separação.

Entre as regras da concorrência temos:

O cônjuge herda o mesmo quinhão dos demais descendentes,


não podendo sua cota ser inferior a ¼, se for ascendente de todos
os herdeiros com que concorrer. Portanto, morrendo o pai, a mãe
tem direito a ¼ em concorrendo com seus seis filhos, cabendo a
cada um deles a divisão em seis partes dos ¾ remanescentes.
Porém, caso a mulher herdeira não seja mãe de todos os seis filhos,
terá direito a 1/7 de toda a herança.

1.2.3. Ascendentes

Ascendentes são parentes em linha reta do falecido, dos quais ele descendia. Exemplos: pais,
avós, bisavós etc.
Artigo 1.836 do Código Civil:

“Na falta de descendentes, são chamados à sucessão os ascendentes, em concorrência


com o cônjuge sobrevivente”.

Diversamente do que ocorre na sucessão dos descendentes, no caso dos ascendentes não há
direito de representação; portanto, o ascendente de grau mais próximo exclui o de grau mais
remoto, sem distinção de linhas (artigo 1.852 do Código Civil). Exemplo: se o falecido tiver
mãe viva e avós paternos, todo o seu patrimônio será deferido apenas à mãe sobrevivente.

Se
o de cujus tem ascendentes em igualdade de graus e diversidade de linhas, ou seja, avós
maternos e paternos, a herança será dividida pelo meio, cabendo metade aos ascendentes de
cada linha (artigo 1.836, § 2.º, do Código Civil).

Além das regras acima mencionadas, não podemos esquecer que o cônjuge concorre
com os ascendentes, independentemente do regime de bens adotado. Concorrendo o cônjuge
com os pais do de cujus, terá direito a 1/3 de toda a herança. Caso concorra com apenas um
dos pais, terá direito a metade da herança. Caso concorra com avós, bisavós e outros
ascendentes do de cujus, terá sempre direito a metade da herança, independentemente do
número de pessoas com quem concorra (artigo 1.837 do Código Civil).

1.2.4. Cônjuge sobrevivente

Artigo 1.838 do Código Civil:

“Em falta de descendentes ou ascendentes, será deferida a sucessão por inteiro ao


cônjuge sobrevivente”

No momento da abertura da sucessão, é necessário que os cônjuges não estejam


judicialmente separados nem divorciados. O direito só é reconhecido, como dito, se o
casamento estive realmente vigente ou se houver separação de fato sem que haja companheiro
e sem que haja culpa por parte do sobrevivente.

Observação: o casamento nulo somente produz efeitos sucessórios se putativo, beneficiando


o cônjuge que o contraiu de boa-fé, e se posterior à morte do outro cônjuge, a sentença de
anulação.

Se
o regime de bens do casamento for o da comunhão universal, o cônjuge sobrevivente
recolherá metade do acervo na condição de herdeiro, pois a outra metade já lhe pertencerá,
constituindo a meação. Se o regime adotado for o da comunhão parcial, a meação recairá
sobre o patrimônio comum. Quanto ao regime de separação convencional de bens, a
jurisprudência tem admitido a comunicação dos aqüestos – bens adquiridos na constância do
casamento a título oneroso – quando esses resultarem do esforço comum dos cônjuges.

Pelo Código Civil de 1916, o § 1.o do artigo 1.611 previa o usufruto vidual: “O cônjuge
viúvo, se o regime de bens do casamento não era o da comunhão universal, terá direito,
enquanto durar a viuvez, ao usufruto da quarta parte dos bens do cônjuge falecido – se desse,
ou do casal, houver filhos – e à metade, se não houver filhos, embora sobrevivam
ascendentes do de cujus”.

Mesmo em caso de casamento sob regime de comunhão universal, o ordenamento não


deixava de proteger o cônjuge sobrevivente, pois lhe assegurava, enquanto vivesse e
permanecesse viúvo, direito real de habitação relativamente ao imóvel destinado à residência
da família, desde que se tratasse do único bem daquela natureza a inventariar, sem prejuízo da
participação que lhe cabia na herança.

Portanto, hoje não existe mais o usufruto vidual, pois o cônjuge efetivamente é
herdeiro necessário. Remanesce apenas o direito de habitação vidual, pois o cônjuge,
qualquer regime adotado, tem direito de habitação relativamente ao imóvel com destinação
residencial, desde que seja o único da espécie a inventariar.

1.2.5. Sucessão do companheiro sobrevivente


Ao contrário do sistema anterior que estabelecia isonomia ao companheiro, pelo novo
sistema o direito do companheiro vem tratado nas disposições gerais, já que o companheiro
não é um herdeiro necessário, sendo-lhe conferidos apenas direitos sucessórios.

Observando o sistema anterior tínhamos:

A
Lei n. 8.971, de 29.12.1994 – que regulou o direito dos companheiros a alimentos e à
sucessão – e a Lei n. 9.278, de 10.5.1996 – que regulamentou o artigo 226, § 3.º, da
Constituição Federal, reconhecendo a união estável entre homem e mulher como entidade
familiar – asseguraram aos companheiros, dentre outros direitos, o de herdar. A Lei n. 8.971
ampliou o rol de herdeiros disposto no artigo 1.603 do Código Civil de 1916 quando
determinou a transmissão do patrimônio ao companheiro sobrevivente, e não aos colaterais,
se inexistirem descendentes ou ascendentes.
A
esse respeito observara o Prof. Carlos Roberto Gonçalves: “A promulgação da Lei n.
9.278/96 e a manutenção de dispositivos da Lei n. 8.971/94 que não conflitam com aquela
acabaram por conferir mais direitos à companheira do que à esposa. Essa última poderá ter o
usufruto vidual ou o direito real de habitação, dependendo do regime de bens adotado no
casamento, enquanto aquela poderá desfrutar ambos os benefícios”.

Atualmente o companheiro só participa da sucessão dos bens adquiridos onerosamente


e na vigência da união estável. É bom observarmos que a união estável deve estar vigente
com a morte do titular para que o companheiro herde.

Entre o alcance temos:

1.º - O companheiro herda a mesma cota do filho, caso o filho seja seu, além de ser do
próprio "de cujus";

2.º - O companheiro herda a metade do que competir ao filho, caso todos os filhos do
de cujus não tenham vínculo parental consigo. Por exemplo, caso o companheiro concorra
com quatro filhos, e os quatro são só do de cujus, herdará 1/8 da herança. Porém, se um filho
também for seu, e os outros três só do de cujus, herdará 1/5 da herança.

3.ª - Caso concorra com qualquer outro herdeiro do companheiro, terá direito a 1/3 da
herança.

4.ª - Caso inexistam herdeiros sucessíveis, herdará toda a herança, inclusive os bens
anteriores a união estável e adquiridos a titulo gratuito.

1.2.5. Colaterais

Artigo 1.639 do Código Civil:

“Se não houver cônjuge sobrevivente, nas condições estabelecidas no artigo 1830,
serão chamados a suceder os colaterais até o quarto grau.”

Na
classe dos colaterais, os mais próximos excluem os mais remotos. Exceto uma hipótese
disposta na lei, na sucessão dos colaterais não há direito de representação. Esse só ocorre em
favor de filhos de irmãos, que concorrem com seus tios (artigo 1.640 do Código Civil).
Exemplo: se o de cujus deixou dois irmãos e sobrinhos, filhos de um outro irmão pré-morto, a
herança será dividida em três partes: duas partes caberão aos irmãos e uma parte caberá aos
sobrinhos, que a dividirão entre si.

O
ordenamento distingue, para efeito de sucessão colateral, o irmão germano (filho do mesmo
pai e da mesma mãe) do irmão unilateral (apenas um dos progenitores é o mesmo). Desse
modo, a herança do unilateral é circunscrita à metade do que couber ao irmão germano. No
caso de tios concorrerem com filhos de irmão unilateral, esses só receberão metade do
quinhão cabente aos tios, pois, por direito de representação, recebem o que caberia ao pai.

Artigo 1.643 do Código Civil:

“Em falta de irmãos, herdarão os filhos desses”. Assim, apesar de sobrinhos e tios
serem parentes colaterais em terceiro grau, a lei dá preferência aos primeiros.

Observação: se o falecido deixar apenas quatro sobrinhos, sendo dois filhos de irmãos
unilaterais e dois de irmãos germanos, a divisão da herança será feita por seis: atribuem-se
duas porções simples para os unilaterais e duas dobradas para os germanos.

1.2.6. Poder Público

Artigo 1.844 do Código Civil:

“Não sobrevivendo cônjuge, nem parente algum sucessível, ou tendo eles renunciado à
herança, essa se devolve ao Município ou ao Distrito Federal, se localizada nas respectivas
circunscrições, ou à União, quando situada em território federal”.

O
Poder Público apenas recolhe a herança na falta de herdeiros, não lhe sendo reconhecido o
direito da saisine.
2. SUCESSÃO TESTAMENTÁRIA

Matéria disciplinada nos artigos 1.857 a 1.990 do Código Civil, a sucessão testamentária
ocorre quando a herança é atribuída às pessoas designadas pelo testador em ato de última
vontade (testamento).

3. TESTAMENTO

3.1. Conceito
É
considerado falho o conceito de testamento disposto no artigo 1.857 do Código Civil.

Definição doutrinária de testamento: “É ato unilateral, personalíssimo, gratuito, solene e


revogável pelo qual alguém, na forma da lei, dispõe sobre seus bens, no todo ou em parte, ou
faz outras disposições para depois da sua morte”.

É
ato unilateral, visto sua função depender da vontade de uma só pessoa, ou seja, do testador.

É
ato personalíssimo, pois somente à pessoa que vai testar cabe a disposição de bens. Em nosso
ordenamento não se admite o testamento conjunto (artigo 1.863 do Código Civil), por duas ou
mais pessoas no mesmo instrumento (testamento de mão comum ou mancomunado), seja
simultâneo, recíproco ou correspectivo.

É
gratuito, pois se realiza por meio da transmissão de bens independentemente de
contraprestação; não visa à obtenção de vantagens para o testador.

É
ato solene, pois deve obedecer a formalidades essenciais prescritas em lei.

É
revogável, pois cabe ao testador decidir se mantém ou não o testamento, sem precisar
motivar, tornando sem efeito o testamento anterior. É nula a cláusula que proíbe a sua
revogação (artigo 1.969, do Código Civil).

A
revogação, portanto, é ato pelo qual o testador torna ineficaz um testamento anterior,
manifestando vontade contrária à expressa anteriormente. A revogação somente pode ser feita
por meio de um novo testamento, que não precisa ser constituído como o revogado. Assim,
um testamento público pode ser revogado por um testamento particular.

A revogação pode ser:

• Total: quando o testador posteriormente retira, no todo, a eficácia das disposições


precedentes. Não atinge, contudo, a parte não patrimonial.

• Parcial: o testamento novo modifica em parte o testamento anterior, subsistindo o


que não for contrário ou incompatível com o posterior (artigo 1.970, parágrafo único, do
Código Civil).

• Expressa: quando conste claramente no novo testamento a revogação do anterior.

• Tácita: resulta de disposição diferente e incompatível com a disposição anterior.

O testamento pode ser sobre parte dos bens, aplicando-se ao restante a sucessão
legítima.

Pode o testamento estabelecer outras disposições, além da disposição referente a bens.


O artigo 1.848 do Código Civil dispõe que o testador pode estabelecer restrições aos bens
(impenhorabilidade, incomunicabilidade, usufruto em favor de outrem etc). Pode tratar,
também, de assuntos não ligados ao patrimônio, por exemplo, o reconhecimento do filho.

O testamento é, também, ato causa mortis, ou seja, produz efeitos somente após a
morte do testador.

3.2. Caducidade do Testamento

Caducidade é a perda da eficácia do testamento, por ocorrência de fato superveniente que


torne prejudicado o objeto testado.

3.3. Capacidade Testamentária Ativa

Capacidade testamentária ativa é a capacidade para testar. Essa é a regra; a incapacidade é a


exceção.

São incapazes para testar (artigo 1.860 do Código Civil):


• os menores de 16 anos;

• os enfermos ou deficientes mentais;

• os que, ao testar, não estiverem em seu perfeito juízo;

• os que, mesmo por causa transitória, não puderem exprimir sua vontade.

Poderão ser acrescentadas ao rol do artigo 1.860 do Código Civil as pessoas jurídicas,
pois ante o artigo 1.857 do mesmo instituto “considera-se testamento o ato revogável pelo
qual alguém ...”.

3.4. Capacidade Testamentária Passiva

Capacidade testamentária passiva é a capacidade para adquirir por testamento.

A
regra é a capacidade, onde são capazes de receber por testamento todas as pessoas, físicas ou
jurídicas, existentes ao tempo da morte do testador e não havidas como incapazes (artigos
1.798 e 1.799 do Código Civil).

A incapacidade é exceção. São incapazes para adquirir por testamento apenas as


pessoas mencionadas nos artigos 1.799 e 1.801, ambos do Código Civil.

3.5. Formas de Testamento


O
testamento é ato solene, exigindo forma escrita e requisitos ad substantiam, cuja
inobservância torna nula a manifestação de última vontade. Não se admite, portanto,
testamento fora dos modelos legais.

Os
testamentos classificam-se em:

• ordinários;

• especiais.

3.5.1. Formas ordinárias de testamento


Testamentos ordinários são aqueles que podem ser adotados por qualquer pessoa nas
condições normais de sua existência.

Há, no sistema brasileiro, três espécies de testamento ordinário:

a) Público

É escrito por tabelião, de acordo com o que for ditado ou com as declarações do
testador, em presença de duas testemunhas. Só pode ser feito em idioma nacional. Os
requisitos essenciais do testamento público estão descritos no artigo 1.864 do Código Civil.

O artigo 1.866 do Código Civil reforça a obrigatoriedade de as declarações do


testador serem feitas de viva voz; conclui-se que o surdo-mudo não pode testar por essa forma
ordinária.

Ao cego só se permite o testamento público, conforme disposto no artigo 1.867 do


Código Civil.

O analfabeto também só pode testar por meio da forma pública.

b) Cerrado

Também chamado secreto ou místico. O testamento cerrado é escrito pelo próprio


testador, ou por alguém a seu rogo, só tendo eficácia após o auto de aprovação lavrado por
oficial público, na presença de duas testemunhas. Pode ser datilografado ou manuscrito em
língua nacional ou estrangeira.

Os requisitos essenciais do testamento cerrado encontram-se no artigo 1.868 do


Código Civil.

Não podem fazer testamento cerrado os analfabetos, os surdos-mudos (artigo 1.872 do


Código Civil) e os cegos (artigo 1.873 do Código Civil).

c) Particular

Também chamado testamento hológrafo. É inteiramente escrito e assinado pelo


testador, lido perante três testemunhas e por elas também assinado (artigo 1.876 do Código
Civil).

Pode ser escrito em língua nacional ou estrangeira (artigo 1.880 do Código Civil).

O testamento particular é facultado aos que podem ler e escrever.


3.5.2. Formas especiais de testamento

Testamentos especiais são testamentos permitidos apenas quando certas pessoas são
colocadas em circunstâncias particulares.

São espécies de testamentos especiais:

a) Marítimo ou aeronáutico

Destinado a testador a bordo de navios de guerra ou mercante, em viagens de alto-mar


(artigo 1.888 do Código Civil).

Pode revestir forma assemelhada ao testamento público (artigo 1.888 do Código


Civil) ou ao testamento cerrado (artigo 1.890 do Código Civil).

O artigo 1.891 do Código Civil estabelece o prazo de eficácia dessa forma especial de
testamento: “caducará o testamento marítimo, ou aeronáutico, se o testador não morrer na
viagem, nem nos 90 (noventa) dias subseqüentes ao seu desembarque em terra, onde possa
fazer, na forma ordinária, outro testamento”.

b) Militar

É declaração de última vontade feita por militares e demais pessoas a serviço do


Exército, dentro ou fora do País, que estejam participando de operações de guerra.

Comporta três formas:

• assemelhado ao público: artigo 1.893 do Código Civil;

• assemelhado ao cerrado: artigo 1.894 do Código Civil;

• nuncupativo: feita de viva voz, perante duas testemunhas, por pessoas empenhadas
em combate ou feridas, conforme estabelece o artigo 1.896 do Código Civil.

4. CODICILO

Codicilo é ato de última vontade pelo qual o testador, em documento escrito, sem
testemunhas, dispõe sobre coisas de pequeno valor (artigo 1.881 do Código Civil).
Revoga-se o codicilo por outro codicilo, ou pela elaboração de testamento posterior, de
qualquer natureza, sem confirmá-lo ou modificá-lo. A falta de referência ao codicilo, no
testamento posterior, importa revogação tácita daquele (artigo 1.884 do Código Civil). O
testamento, contudo, não pode ser revogado por um codicilo.

Todos os direitos reservados. É terminantemente proibida a reprodução total ou


parcial deste material didático, por qualquer meio ou processo. A violação dos direitos
autorais caracteriza crime descrito na legislação em vigor, sem prejuízo das sanções
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MÓDULO XXIII

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Prof. Vitor Frederico Kümpel

1. DISPOSIÇÕES TESTAMENTÁRIAS

1.1. Introdução
Abre-se o processo de inventário para se cumprir o testamento.

Antes de se abrir o inventário, deve-se examinar a validade formal do testamento.

O Código de Processo Civil, em seu artigo 1.125 e seguintes, estabelece fundamentos


importantes acerca dos testamentos e codicilos:

Testamento público: conforme estabelece o artigo 1.128 do Código de Processo Civil,


“quando o testamento for público, qualquer interessado, exibindo-lhe o traslado ou
certidão, poderá requerer ao juiz que ordene o seu cumprimento”. O órgão do
Ministério Público será ouvido (artigo 1.126 do Código de Processo Civil).

I. Testamento cerrado: “ao receber o testamento cerrado, o juiz, após verificar se está
intacto, o abrirá e mandará que o escrivão o leia em presença de quem o entregou” (artigo
1.125 do Código de Processo Civil).

II. Testamento particular: além do registro e da publicação há a necessidade da sua


confirmação pelas testemunhas (ao menos três) que participaram de sua feitura
testemunhas testamentárias (artigo 1.130 do Código de Processo Civil).

III. Testamento marítimo, militar e codicilo: artigo 1.134 do Código de Processo Civil.

1.2. Conteúdo das Disposições Testamentárias


O
testador, por meio das disposições testamentárias, além de dar destino a seus bens, pode
encerrar outras determinações de caráter não-patrimonial, quais sejam:

• reconhecimento de filhos;

• nomeação de tutor;

• criação de fundação;
• deserdação;

• perdoar o indigno;

• nomear herdeiro ou legatário;

• fazer restrições, entre outras disposições.

Nada obsta a que o testador recorra ao testamento apenas para disposições não-
patrimoniais.

1.3. Regras sobre as Disposições Testamentárias


Os artigos 1.899, 1.902, 1.904, 1.905, 1.906, 1.907 e 1.908, todos do Código Civil,
têm caráter eminentemente interpretativo. A interpretação das cláusulas testamentárias visa
suprir eventuais falhas do testador.

Entre todas as regras interpretativas, a mais importante está disposta no artigo


1.899 do Código Civil: “quando a cláusula testamentária for suscetível de interpretações
diferentes, prevalecerá a que melhor assegure a observância da vontade do testador.”

O Código Civil, em seus artigos 1.898 e 1.900, estabelece regras proibitivas.

As regras permissivas encontram-se nos artigos 1.897 e 1.911, ambos do Código


Civil.

2. LEGADOS

2.1. Conceito
Legado é uma coisa certa e determinada da herança deixada pelo testador a alguém, ou
seja, o legatário, em testamento ou codicilo. O legatário recebe a título singular.

Quando o bem (certo e determinado) é atribuído a herdeiro legítimo denomina-se pré-


legado ou legado precípuo.
2.2. Espécies de Legado

2.2.1. Legado de coisa alheia


O
artigo 1.912 do Código Civil estabelece que é nulo o legado de coisa alheia, admitindo-se três
exceções:

I. se, depois de feito o testamento, a coisa alheia vier a integrar o patrimônio do


testador (artigo 1.912 do Código Civil);

II. quando o testador determina que o herdeiro, ou o legatário entregue coisa de sua
propriedade a outrem, sob pena de se entender que renunciou à herança ou ao
legado (artigo 1.913 do Código Civil);

III. quando há legado de coisa móvel que se determine pelo gênero ou pela espécie
(artigo 1.915 do Código Civil).

2.2.2. Legado de crédito ou de quitação de dívida (artigo 1.918 do Código


Civil)
No
legado de crédito, o devedor é terceiro, caracterizando-se verdadeira cessão de crédito.

O
legado será de quitação de dívida, se o devedor for o próprio legatário.

2.2.3. Legado de alimentos


O
artigo 1.920 do Código Civil estabelece que “o legado de alimentos abrange o sustento, a
cura, o vestuário e a casa, enquanto o legatário viver, além da educação, se ele for menor”.

Os
alimentos testamentários não se confundem com os alimentos legais.

2.2.4. Legado de imóvel


No
legado de imóvel, estabelece o artigo 1.922 do Código Civil que “se aquele que legar um
imóvel e ajuntar depois novas aquisições, estas, ainda que contíguas, não se compreendem no
legado, salvo expressa declaração em contrário do testador”.
A
restrição é voltada para as ampliações ou os acréscimos externos ao imóvel não-classificados
como benfeitorias (parágrafo único).
2.2.5. Legado de usufruto
Não fixando o tempo do legado de usufruto, entende-se que o testador o fez para toda a
vida do legatário – usufruto vitalício (artigo 1.920 do Código Civil).

Com a morte do legatário, consolida-se o domínio do nu-proprietário, que pode ser um


herdeiro ou terceiro.

2.3. Dos Efeitos dos Legados


O
artigo 1.784 do Código Civil estabelece que “aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde
logo, aos herdeiros legítimos e testamentários”; o mesmo não ocorre a respeito da posse e da
propriedade do legado.

Quanto ao legado, o artigo 1.923 dispõe que “desde a abertura da sucessão, pertence ao
legatário a coisa certa, existente no acervo, salvo se o legado estiver sob condição
suspensiva”.

Conforme ensina o Professor Silvio Rodrigues, “para obter a coisa objeto do legado, deve o
legatário pedi-la ao herdeiro, sendo-lhe mesmo expressamente vedado entrar na posse da
mesma, por sua exclusiva autoridade” (Curso de Direito Civil, Vol. 6).

3. DIREITO DE ACRESCER
O
direito de acrescer está disciplinado no Código Civil em seus artigos 1.941 a 1.946.

3.1. Conceito
O direito de acrescer é o direito pelo qual, havendo dois ou mais herdeiros ou
legatários conjuntos sobre o mesmo bem ou bens, e vindo a faltar um deles em razão de morte
(premoriência), renúncia, exclusão por indignidade ou incapacidade, não-verificação da
condição sob a qual foi instituído, a sua parte acresce a do(s) outro(s) herdeiro(s) conjunto(s),
salvo se houver substituto para o herdeiro que faltou, ou se o testador, ao fazer a nomeação
conjunta, tinha especificado o quinhão de cada um, sendo a quota vaga do contemplado que
vier a faltar devolvida aos herdeiros legítimos do testador, conforme especifica o artigo 1.944
do Código Civil.
3.2. Requisitos

Para que ocorra o direito de acrescer é necessário:

• nomeação de co-herdeiro, ou co-legatário, na mesma disposição testamentária;

• legado dos mesmos bens ou da mesma porção de bens;

• ausência de quotas hereditárias determinadas.

O direito de acrescer não é privativo do direito das sucessões, podendo ocorrer no


direito das coisas (artigo 1.411 do Código Civil) e no direito das obrigações (artigo 812 do
Código Civil).

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autorais caracteriza crime descrito na legislação em vigor, sem prejuízo das sanções
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MÓDULO XXIV

DIREITO CIVIL
Direito das Sucessões
Parte Final

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DIREITO CIVIL

DIREITO CIVIL

Direito das Sucessões – Parte Final

Prof. Vitor Frederico Kümpel

1. PERDA DO DIREITO À HERANÇA

1.1. Indignidade
A indignidade é uma sanção civil que acarreta a perda do direito sucessório. A
exclusão da herança por indignidade decorre da lei e é instituto da sucessão legítima,
malgrado possa alcançar também o sucessor testamentário.

As causas da indignidade estão previstas no artigo 1.814 do Código Civil:

“Art. 1.814. São excluídos da sucessão os herdeiros, ou legatários:

I – que houverem sido autores, co-autores ou partícipes de homicídio doloso, ou


tentativa deste, contra pessoa de cuja sucessão se tratar, seu cônjuge, companheiro,
ascendente ou descendente;

II – que houverem acusado caluniosamente em juízo o autor da herança ou incorrerem


em crime contra a sua honra, ou de seu cônjuge ou companheiro;

III – que, por violência ou meios fraudulentos, inibirem ou obstarem o autor da


herança de dispor livremente de seus bens por ato de última vontade.”

O inciso II do artigo 1.814 menciona os que ‘houverem acusado caluniosamente em


juízo’ o de cujus ou ‘incorrerem em crime contra a sua honra’. A jurisprudência restringe o
conceito de denunciação caluniosa, exigindo que tenha sido praticada não apenas em juízo,
mas em juízo criminal, nos termos do delito previsto no artigo 339 do Código Penal. Se feita
calúnia em juízo cível, não se configura a indignidade. Quanto à segunda parte, a qual se
refere a crimes contra a honra (calúnia, difamação e injúria), entendem alguns que o verbo
‘incorrerem’ conduz à conclusão de que o reconhecimento da indignidade, nesses casos,
depende de prévia condenação no juízo criminal. Outros, no entanto, com maior razão, a
dispensam, com fundamento no artigo 935 do Código Civil, bem como por não ter o termo o
alcance mencionado.

As causas mencionadas como hipóteses de exclusão da sucessão devem ser provadas


em ação ordinária promovida por qualquer interessado na sucessão. O Município, se tiver
1
__________________________________________________________________________ MÓDULO IV
DIREITO CIVIL

direito à herança com a exclusão do sucessor, poderá ingressar com ação de exclusão do
herdeiro.

Se ninguém alegar a exclusão da herança, o juiz não poderá excluir o herdeiro de


ofício, salvo se houver prova em processo criminal, tendo em vista que a sentença
condenatória criminal faz prova no cível.

O artigo 1.816 do Código Civil aborda os efeitos da exclusão, dispondo que esses são
pessoais, ou seja, não se transmitem a outras gerações. O indigno perderá o direito à herança;
entretanto, seus sucessores não o perderão. Os descendentes do herdeiro indigno poderão
receber o quinhão que caberia a este, caso não fosse indigno (sucessão por representação).
Assim, nos termos da lei, o indigno é considerado como se morto fosse para efeitos de
recebimento da herança pelos seus descendentes (resquício da antiga “morte civil”). Também
se torna indigno para receber estes bens dos seus descendentes (se estes vierem a falecer
antes), e não terá direito ao usufruto e à administração dos bens recebidos por seus
descendentes.

1.1.1. Perdão do indigno (artigo 1.818 do Código Civil)


A lei prevê a possibilidade de o testador perdoar o indigno, ou seja, dispor
expressamente que, apesar da indignidade, o herdeiro não deverá ser excluído da herança.
Esse perdão deverá ser feito por ato autêntico (escrito e assinado) do autor da herança ou por
testamento.

O artigo 1.817 do Código Civil dispõe sobre os atos praticados pelo herdeiro indigno
(herdeiro aparente) dispondo que serão válidos se houver boa-fé do terceiro que contratar com
o indigno, cabendo, contudo, ação de indenização contra o indigno, por parte dos outros
herdeiros.

1.2. Deserdação
A deserdação decorre da vontade do testador. Deve haver uma disposição expressa do
testador excluindo o herdeiro (artigos 1.961 e seguintes do Código Civil), desde que presente
alguma das causas previstas em lei. A deserdação é possível somente aos herdeiros
necessários do autor da herança.

As causas para deserdação serão as mesmas da indignidade, previstas no artigo 1.814


do Código Civil e nos artigos 1.962 e 1.963.

O artigo 1.962 do Código Civil dispõe que, além das causas mencionadas no artigo
1.814, autorizam a deserdação dos descendentes por seus ascendentes:

• ofensas físicas;

• injúria grave;

2
__________________________________________________________________________ MÓDULO IV
DIREITO CIVIL

• relações ilícitas com a madrasta, ou o padrasto;

• desamparo do ascendente em alienação mental ou grave enfermidade.

Para que haja a deserdação há necessidade de ação ordinária, devendo constar uma das
causas comprovadas. Não havendo causas de exclusão haverá a transmissão da herança.

2. SUBSTITUIÇÃO TESTAMENTÁRIA (Artigos 1.947 a 1.960 do Código


Civil)

Substituição testamentária é instituto disposto no artigo 1.947 do Código Civil: “O


testador pode substituir outra pessoa ao herdeiro ou ao legatário nomeado, para o caso de um
ou outro não querer ou não poder aceitar a herança ou o legado, presumindo-se que a
substituição foi determinada para as duas alternativas, ainda que o testador só a uma se
refira”.

É, portanto, designação pelo testador, de herdeiro ou legatário para que um substitua


outro, em caso de um não querer ou não poder receber a herança ou legado.

2.1. Espécies

a) Substituição vulgar ou ordinária

A substituição vulgar ou ordinária divide-se em:

• singular ou simples: quando designado um só substituto;

• coletiva ou plural: quando há mais de um substituto, a serem chamados


simultaneamente;

• recíproca: quando são nomeados dois ou mais beneficiários, que reciprocamente


se substituíram.

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DIREITO CIVIL

b) Substituição fideicomissária

Verifica-se a substituição fideicomissária quando o testador nomeia um favorecido e,


desde logo, designa um substituto, que recolherá a herança, ou legado, depois daquele. A
substituição fideicomissária pode ser compendiosa quando combinar com a vulgar.

2.2. Substituição Fideicomissária


A substituição fideicomissária, segundo estabelece o artigo 1.951 do Código Civil,
consiste na instituição de herdeiros ou legatários, com a obrigação de, por sua morte, a certo
tempo ou sob condição preestabelecida, transmitir a uma outra pessoa a herança ou legado.

A - B - C

(testador fideicomitente) - (1.º beneficiário) - (substituto beneficiário)

(fideicomintente) - (fiduciário) -
(fideicomissário)

São partes na substituição fideicomissária:

• fideicomitente: testador;

• fiduciário ou gravado: chamado a suceder em primeiro lugar;

• fideicomissário: destinatário final.

2.2.1. Extinção e caducidade do fideicomisso


A extinção do fideicomisso se dá, ordinariamente, pelo advento do termo, ou condição,
pois se tem o alcance do fim almejado pelo testador.

Caduca o fideicomisso se o fideicomissário morrer antes do fiduciário; se não ocorrer a


condição sob o qual o fideicomissário é instituído; em hipótese de renúncia da herança e pela
exclusão por indignidade, incapacidade ou falta de legitimação.

Caduca ainda o fideicomisso se o concepturo não se tornar nascituro até dois anos após
a abertura da sucessão (artigo 1799, § 4.º, do Código Civil).

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DIREITO CIVIL

3. TESTAMENTEIRO

Testamenteiro é a pessoa encarregada de fazer cumprir as disposições de última


vontade do testamento. É o executor do testamento.

Pode ser nomeado pelo testador, em testamento ou codicilo (artigo 1.976 e seguintes
do Código Civil).

O juiz deve confirmar ou não a indicação do testamenteiro.

A testamentaria é função remunerada; apenas o herdeiro ou legatário a exercerá


desinteressadamente, mas o testador poderá fixar remuneração para o herdeiro instituído, ou
legatário.

Estabelece o artigo 1.988 do Código Civil que o testamenteiro que for legatário poderá
preferir o prêmio ao legado.

A testamentaria é personalíssima, intransmissível aos herdeiros do testamenteiro, além


de indelegável conforme dispõe o artigo 1.985. Não obstante, nada impede que o
testamenteiro faça-se representar em juízo e fora dele mediante procurador com poderes
especiais.

4. DO INVENTÁRIO E DA PARTILHA

O inventário e a partilha são matérias dispostas nos artigos 1.791 a 1.796 do Código
Civil e artigos 982 a 1.045 do Código de Processo Civil.

4.1. Inventário

4.1.1. Conceito
O inventário é processo judicial destinado a apurar bens deixados pelo finado, com
finalidade de proceder-se à partilha.

Constitui processo judicial de caráter sempre contencioso, e deve ser instaurado no


último domicílio do autor da herança (artigo 96 do Código de Processo Civil).

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DIREITO CIVIL

4.1.2. Espécies
• Inventário tradicional ou solene: de aplicação residual, regulado nos artigos 982 a
1.030 do Código de Processo Civil.

• Arrolamento: forma simplificada de inventário. Se subdivide em:

− sumário: herdeiros maiores e capazes, aplicável quando todos os interessados


concordarem com a partilha;

− comum: para bens do espólio quando o valor for igual ou inferior a 2 mil OTNs.

• Alvará judicial: para o levantamento de pequenas quantias.

4.1.3. Disposições gerais


A abertura do inventário deve ser requerida no prazo de 30 dias, e deve ser ultimado
nos seis meses subseqüentes à sua abertura (artigo 983 do Código de Processo Civil). O prazo
para a abertura do inventário não é fatal, improrrogável.

O artigo 987 do Código de Processo Civil estabelece que, quem estiver na posse e
administração do espólio deve, no prazo estabelecido no artigo 983, requerer o inventário e a
partilha. Têm, contudo, legitimidade concorrente:

• o cônjuge supérstite;

• o herdeiro;

• o legatário;

• o testamenteiro;

• o cessionário do herdeiro ou do legatário;

• o credor do herdeiro, do legatário ou do autor da herança;

• o credor do espólio;

• o síndico da falência do herdeiro, do legatário, do autor da herança ou do cônjuge


supérstite;

• o Ministério Público, havendo interesse de menores e incapazes;

• a Fazenda Pública;

• o juiz, de ofício (artigo 989 do Código de Processo Civil).

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Após a abertura do inventário, o juiz nomeia o inventariante, de acordo com o


estabelecido no artigo 990 do Código de Processo Civil.

No processo de inventário podem ocorrer incidentes como:

• Colação: é a conferência dos bens doados em vida pelo autor da herança para
calcular o valor desta. O bem doado é colacionado no inventário (artigo 1.014 do
Código de Processo Civil).

• Sonegação: refere-se a bens não declarados pelo inventariante, pelo cônjuge ou por
qualquer herdeiro.

• Habilitação de crédito: artigo 1.017 do Código de Processo Civil.

4.2. Partilha

Terminado o inventário, os bens são partilhados entre os herdeiros e cessionários, separando-


se a meação do cônjuge supérstite. Havendo apenas um herdeiro, faz-se a adjudicação dos
bens.

Conforme estabelece o artigo 1.022 do Código de Processo Civil, findo o inventário, o juiz
facultará às partes que formulem o pedido de quinhão e, em seguida, proferirá, no prazo de
dez dias, o despacho de deliberação da partilha.

4.2.1. Espécies
A
partilha pode ser:

• amigável: resultante de acordo entre interessados maiores e capazes;

• judicial: realizada no processo de inventário quando não há acordo entre os


herdeiros ou sempre que um deles seja menor ou incapaz.

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