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SABOR DE PECADO

Anne Mather

Loren’s Baby

1982

“Procure Christian Ross. Ele é o pai do menino.” Caryn ainda ouvia


as últimas palavras da irmã, ao parar o carro diante da casa. Sentia
que poderia matá-lo, se ele ousasse negar a paternidade do filho de
Lorena. Mas, quando se encontraram frente à frente, soube que era ela que corria perigo. Aquele
homem era fascinante e traiçoeiro como o mar de Gales. E faminto por novas vítimas também. Chris só
aceitaria a criança, se Caryn fosse morar com ele. E o instinto lhe dizia que recusar seria o mesmo que
lutar contra a força avassaladora das ondas que quebravam contra as pedras naquelas praias desertas e
selvagens.

CAPITULO 1

A estrada era mais larga no alto da colina, um verdadeiro convite às pessoas que chegavam a Port
Edward para saírem de seus carros e apreciarem a paisagem, antes de percorrerem as estreitas ladeiras
onde se alinhavam casinhas brancas. Caryn queria conhecer a cidade, mas no fundo queria também um
pretexto para adiar um pouco o compromisso que a levara até ali. Abriu a porta do carro e desceu. O sol
brilhava e, de onde estava, via o rio desembocando no mar. Iates e barcos balançavam-se nas águas e
crianças corriam pela praia. Caryn só lembrava que Lorena tinha dito que a casa de Christian ficava
perto de uma enseada, onde ele deixava seu barco. Se tivesse prestado mais atenção... Mas como podia
adivinhar que um dia teria que ir lá? Lembrou-se então da irmã ter mencionado árvores. Sim, uma casa
entre árvores! Nos rochedos perto do estuário a vegetação era escassa, mas pouco além, rio acima, havia
uma floresta. Caryn tinha errado o caminho e teria que voltar até o entroncamento da estrada que vinha
de Carmarthen.

Sentia-se cansada e arrependida de não ter vindo de trem. Não quis tomar um táxi, pois
certamente o motorista não concordaria em esperá-la, enquanto falasse com Christian Ross. Além disso,
havia a possibilidade de ele não estar em casa. Sabia que seu cansaço era mais mental do que físico. Só
depois de dizer a Christian tudo que pretendia é que se sentiria melhor. Estaria cometendo um erro?,
perguntou-se pela milésima vez. Conseguiria alcançar seu objetivo? Então, lembrou-se da última vez
em que viu o rosto de Lorena: era só pele e ossos, os olhos arregalados, a expressão de medo. A morte
trouxera alívio à pobrezinha, mas nunca esqueceria sua dor e seu desespero. Nunca!

O caminho que tomou corria ao lado de uma velha estrada de ferro desativada. Acelerou e olhou o
relógio. Já pastava das seis. Tinha demorado mais do que o previsto e, se Christian Ross se aborrecesse
por ela chegar tarde, paciência! Talvez tivesse sido melhor entrar na cidade e pedir informações, mas
não queria chamar a atenção. Agora, porém, estava certa de que o caminho era aquele. Diminuiu a
velocidade, procurando encontrar algum sinal que indicasse onde ficava a casa. Viu uma placa que dizia
"Water's Reach" e estranhou. Achava ter visto uma casa por ali, quando estava do outro lado do rio.
Freou o carro e olhou em volta. Onde estaria a casa? Manobrou e voltou pelo mesmo caminho. A maré
subia, o sol se punha rapidamente e um ventinho frio entrava pela janela do carro. Para seu azar, logo
ficaria escuro, e lá estava ela, sem saber que fazer. Resolveu ir até Water's Reach e pedir informações.
Era o único jeito. Quem morasse lá devia saber onde fica Druid's Fleet.

Passando os portões, subiu a ladeira cercada de pinheiros. Parou e trancou o carro. Podia ver o
telhado entre os galhos dos pinheiros, e, ao se aproximar, notou que era uma casa construída em vários
níveis. Chegou à varanda e tocou a campainha. Enquanto esperava, ficou olhando a vista à sua direita,
onde os barcos balançavam sobre as águas iluminadas pelos últimos raios de sol. O céu parecia em
chamas e o vento já começava a ficar gelado. A porta se abriu sem que ela percebesse. De repente, viu-
se diante dos olhos frios e interrogadores de uma mulher. Seu cabelo louro estava cuidadosamente preso
e o avental que usava mostrava que estava preparando alguma massa, quando foi interrompida.

— Desculpe — disse Caryn, tentando esconder o nervosismo com um sorriso — Será que pode
me ajudar? — Como a mulher não disse nada, continuou: — Estou procurando por uma casa chamada
Druid's Fleet. A senhora por acaso...

— Quem é, Márcia? — perguntou uma voz masculina impaciente.

A voz não era estranha a Caryn. Temendo que a mulher lhe fechasse a porta na cara, a moça
apressou-se em repetir a pergunta, mas parou, pois um homem apareceu. Por um momento, ficou sem
ação e não conseguia tirar os olhos dele, que certamente devia estar acostumado a provocar tal reação
em garotas. E por que não? Aquele rosto de traços marcantes, com algo de selvagem, era realmente
fascinante. Lorena lhe contara que ele tinha a maior correspondência entre os repórteres de televisão de
sua área. Era mais alto do que imaginara e não parecia o devasso que diziam ser. Devia ter pelo menos
quarenta anos, cabelo grisalho e estava bem bronzeado, pois acabava de chegar da África Ocidental.
Lorena tinha guardado todos os recortes de jornais que falavam dessa viagem.

Recompondo-se, Caryn percebeu que o homem e a mulher a olhavam fixamente. Sentiu o rosto
queimar e perguntou se estava falando com o sr. Ross. Ele respondeu que sim. Parecia irritado, o que
preocupou Caryn. Afinal, não esperava encontrá-lo ali, naquela casa.

— Eu... eu estive procurando sua casa, sr. Ross — explicou, cuidadosamente, evitando falar
demais na presença da mulher.

— Ora! — Ele mudou repentinamente de tom — Você é da agência, não é? Puxa vida! Não
pensei que fossem mandar alguém tão rápido. — Olhou o relógio e continuou, com uma certa pressa: —
Diabos! Tenho que estar no estúdio daqui a meia hora. Pode esperar até eu voltar?

Caryn já ia dizer que não era da agência, mas resolveu se calar. Poderia explicar o mal-entendido
quando conversasse a sós com ele mais tarde.

— Aqui é Druid's Fleet? — arriscou, evitando responder diretamente à pergunta.

— Sim, é. Deixamos a placa antiga lá fora para não encorajar a visita de indesejáveis. Pensamos
que você fosse um deles.

Christian Ross convidou-a a entrar, apesar do olhar estranho que lhe dirigiu a mulher. Sentindo-se
um pouco culpada, Caryn entrou. O saguão era amplo, com assoalho de tábuas largas e tapetes de couro.
Num suporte antigo havia um vaso com rosas vermelhas. As cortinas de seda voavam, agitadas pela
brisa. Ao seguir Christian Ross para o andar de baixo, Caryn notou que Márcia vinha atrás, como que
vigiando suas atitudes com o dono da casa. Seria sua namorada ou amante?

Entraram numa sala magnífica, com janelas até o chão que davam vista sobre a ponta do rio. A
decoração era toda em tons de bege e caramelo.

— Já jantou? — perguntou Ross, parando no meio da sala e encarando-a.

Caryn apressou-se em dizer que não, mas que não tinha fome.

— Ora, bobagem. Márcia lhe trará algo. Estarei de volta daqui a duas horas. Desculpe, mas avisei
a agência...

— Não se preocupe. — Caryn não queria se envolver em conversas sobre a agência. — Não me
importo de esperar.

— Muito bem. — Dirigiu-se então para Márcia: — Cuide da senhorita... Acho que não me disse
seu nome.
— Me... Mellor — disse o primeiro nome que lhe veio à cabeça. — Susan Mellor.

— Tome conta da srta. Mellor, sim, Márcia? — ele falou já de saída.

O silêncio caiu, pesado, depois que Ross se foi. Caryn sorriu meio sem jeito para a outra.

— Olha, não precisa se preocupar comigo. Não estou mesmo com muita fome.

Márcia estudou-a demoradamente, o que deixou Caryn ainda mais desconcertada. O que havia de
errado com aquela mulher? Por que não dizia nada?

— Faz tempo que mora aqui? — perguntou. Mas, percebendo que a pergunta fora direta demais,
tentou consertar: — Bem... é um lindo lugar para se morar, não é mesmo? Esta parte da Inglaterra é
linda. Eu vinha para cá quando era criança. Ficávamos na península de Cower...

Márcia limitou-se a baixar a cabeça, virou-se e saiu. Para onde iria? Certamente, à cozinha. Que
criatura estranha! Sozinha, Caryn conseguiu relaxar um pouco. Bem, ela estava perto de atingir seu
objetivo. Ou pelo menos, tentar. As próximas duas horas de espera lhe dariam tempo para pensar no que
dizer. Aproximou-se da janela para apreciar a vista. Abaixo, havia um terraço cercado de jardins e uma
escada de madeira que levava ao abrigo do barco. Sentou-se ao lado da janela, pensando em tudo que
Lorena tinha sofrido. Não via por que deixá-lo escapar sem pagar de alguma forma por isso.

Quando Márcia acendeu a luz, é que Caryn se deu conta de que já tinha escurecido. Virou-se e viu
que a mulher trazia uma bandeja, que colocou sobre uma mesinha. O cheiro de minestrone e salmão
fresco era convidativo. Caryn olhou para a comida e sentiu-se profundamente grata. Márcia limitou-se a
fazer um gesto para que se servisse.

— Não quer me acompanhar? — perguntou Caryn.

A outra sacudiu a cabeça e saiu novamente. Só então, Caryn percebeu que estava realmente com
fome. Enquanto comia, lembrou que devia ter telefonado para Bob e Laura. Seria muito tarde para isso,
quando voltasse para o hotel em Carmarthen. Não queria deixá-los preocupados. Mas a criança estava
em boas mãos, e era só o que importava. Márcia voltou com o café. Tinha tirado o avental e usava um
vestido simples, mas de boa qualidade, que lhe dava ares de ser a dona da casa. Talvez seja mesmo,
pensou Caryn. Quem sabe, conseguiria descobrir isso, antes que Christian Ross voltasse? Mas Márcia
saiu novamente, com a mesma expressão enigmática. Caryn voltou a sentar-se. Aquela estranha mulher
não era muda, mas dava a impressão de ser. Paciência! Se não quisesse falar, que não falasse! Talvez
fosse até bem melhor assim. Não queria se envolver com ninguém ali. Não mais que o necessário, pelo
menos.

Não havia televisão à vista. Estranho. Pensou encontrar aparelhos por todos os cantos. O
programa de Christian Ross iria ao ar naquela noite, disso tinha certeza. Olhou em volta. Parecia mesmo
uma casa de homem. Sem enfeites. Só uma estante com livros encadernados, mas tão grossos, que
duvidou que alguém os lesse. Não havia nem mesmo uma revista que pudesse ficar folheando enquanto
esperava. Pegou então um troféu que ele havia recebido por ter se destacado como correspondente para
a televisão naquele ano. Examinou-o, sem muito interesse, e voltou a colocá-lo na estante. Olhou mais
uma vez a vista pela janela. As luzes da cidade se refletiam nas águas. Como é fácil se deixar enganar
com idéias de grandeza ali dentro, pensou. Parecia estar longe dos problemas do mundo. O som de um
carro chegando quebrou o silêncio. Seria Christian? Eram oito e meia. Tinha voltado rápido.

— Márcia, já cheguei — disse uma voz feminina. — De quem é aquele carro lá fora? Quase bati
naquela droga!

Outra visita? Não devia ser alguém da casa. Quem mais teria a chave da porta? Mordeu o lábio, ao
pensar na expressão de sofrimento de Lorena. O sr. Ross nem imaginava o que ela tinha para lhe jogar
na cara. Uma moça apareceu na porta. Alta, magra, cabelos compridos e castanho-claros. Era uma das
garotas mais bonitas que Caryn já tinha visto. Sua roupa acentuava-lhe a graça juvenil. Parou, franzindo
a testa.

— Quem é você?

— Susan Mellor — respondeu Caryn, aliviada por alguém falar com ela. — Estou esperando o sr.
Ross.

— Para quê? — perguntou a moça, entrando na sala.

Caryn ficou nervosa. O que ia dizer? Quem era a moça? Por fim, resolveu dar a resposta que o
próprio Ross lhe deu.

— A... a agência me mandou. — Temia que a outra perguntasse que agência, pois não fazia a
menor idéia.

— Agência? Está falando da Agência Landath?

— Isso mesmo — respondeu, com firmeza.

— Sua mentirosa!

Caryn levou um choque. A garota parecia furiosa e, para agravar a situação, Márcia apareceu.

— Chris me pediu para ir à agência — disse a recém-chegada, olhando para Márcia, em busca de
apoio. — Só que eu esqueci! Que diabo está fazendo aqui? É alguma repórter ou coisa parecida? Ou só
outra fanzoca? Porque secretária, posso apostar que você não é.

— Acontece que se enganou. Sou secretária, sim — respondeu Caryn, tentando aparentar calma.
— O sr. Ross ligou para a agência.

— Chris não faria isso, pois me pediu para ir lá.

— Talvez fosse melhor confirmar com ele mesmo.


— Confirmar o que comigo? Ângela, o que está acontecendo aqui? Por que está discutindo com a
srta. Mellor?

Christian Ross entrou na sala. Tinha afrouxado a gravata e desabotoado o colarinho, e tinha ar
calmo e severo. Passando a mão pelo cabelo, olhou para as duas, esperando uma explicação.

— Eu não fui à agência, Chris! Não sei o que essa mulher está fazendo aqui, mas da agência tenho
certeza de que não é.

Sem mudar de expressão, ele se virou para Caryn e perguntou:

— É verdade? Você não é da Agência Landath?

— Nunca disse que era. O senhor é que presumiu que eu fosse.

— Então, você resolveu não me contrariar porque queria entrar aqui, não é?

— Isso mesmo.

— Parece muito segura de si. Ou será que estou só presumindo novamente?

— Para lhe ser franca, meu nome é Caryn Stevens. Sou irmã de Lorena Stevens.

Caryn esperava vê-lo reagir ao ouvir o nome de Lorena, mas isso não aconteceu. Simplesmente
deu de ombros e disse:

— Desculpe, mas não entendo. Por que veio me ver? Será que quer ocupar o lugar de sua irmã?

— Ora! Como se atreve? — disse ela, furiosa.

— Como me atrevo a quê? Acho que já foi longe demais, srta. Stevens. Ou me diz o que deseja,
ou serei obrigado a lhe pedir que se retire imediatamente!

— Prefiro lhe falar em particular — respondeu Caryn, olhando para as duas mulheres.

— É? Mas acho bom dizer o que quer aqui mesmo, onde há testemunhas.

Caryn mordeu o lábio. Estava tudo saindo diferente do que tinha planejado. Não queria expor os
problemas da irmã na frente de duas estranhas. Já era ruim ter de dizer a ele. Não, não falaria na frente
delas.

— Não... não posso — disse, afinal.

— Olhe aqui, mocinha, não sei para que veio aqui, mas quero que saiba tenho segredos que não
possa contar à minha filha ou a minha governanta.

— Sua... sua filha! — Caryn estava realmente surpresa.

— Ângela... Ângela Ross. Sua irmã não lhe falou dela? Nem de Márcia?

— Não.
— Não precisa ter medo, que Márcia não vai sair por aí, fazendo fofocas. Ou não é isso que a
preocupa?

Então, a mulher não podia mesmo falar! Caryn sentiu pena dela, mas tentou se recompor.

— Sr. Ross, o que tenho a lhe dizer é sobre minha irmã, e não sobre mim. Por favor, me dê um
minuto do seu tempo.

— Olhe aqui, acabo de passar duas horas entrevistando um homem que se recusa a admitir o
trapaceiro que é e estou um bocado cansado! Não tenho vontade de começar um joguinho ou um
teatrinho, e já que vem da parte de Lorena, bem que pode ser...

Caryn esbofeteou-o.

— Só isso? — perguntou ele, enfiando calmamente as mãos nos bolsos.

— Vai deixar que fique assim? — disse Ângela, chocada.

Na verdade, Caryn estava mais surpresa do que a garota. Depois do tapa, ficou completamente
desarmada, e todos notaram isso. Sentiu vontade de sumir dali. Virou-se em direção à porta, mas ele a
segurou.

— Não tão depressa — mocinha!

Pôde então ver mais de perto como era bonito. Os cabelos grisalhos e encaracolados pareciam
acentuar o bronzeado e os traços ainda jovens, A semelhança com Ângela era bem grande. Sua filha!
Por que Lorena não lhe falou dela? Ele devia ter uma esposa também. Seria por isso...

— Onde pensa que vai? — perguntou Christian.

— Embora. Mais tarde, eu lhe mando uma carta — respondeu.

Foi à primeira coisa que lhe ocorreu. Sentia-se frustrada.

— Por quê? O que temos para dizer um ao outro? Se Lorena tem alguma coisa para dizer, por que
não veio pessoalmente?

— Lorena está morta, sr. Ross. — A voz de Caryn tremia. — Não sabia?

Ele soltou seu braço, como se queimasse sua mão.

— Morta? — Parecia não acreditar. — Lorena, morta? Meu Deus, me perdoe. Nunca pensei...

— Por que ficar tão chocado? — interrompeu Ângela — Ela só causou aborrecimento o tempo
todo em que esteve aqui.

— Ângela!

— Por que fazer de conta que se importa, sr. Ross? Nunca respondeu a nenhuma de suas cartas!
— Cartas? Está bem, srta. Stevens, venceu. Vamos até meu escritório. Lá poderemos conversar a
sós.

— Ora, você não vai conversar com ela, vai? — protestou a filha.

Christian Ross simplesmente olhou para a garota e saiu da sala sem responder. Caryn hesitou,
antes de segui-lo. Desceram alguns degraus e ele abriu uma porta, fazendo-lhe sinal para que entrasse
na frente. O escritório era um pouco menor do que a sala, mas com a mesma decoração requintada e a
mesma vista para o rio.

— Não vai se sentar? — perguntou ele, indicando uma cadeira, que ela não aceitou. — Faça como
quiser. Permita que eu me sente.

Sentado atrás de sua mesa, era o mesmo Christian Ross que ela tinha visto em tantos programas
de televisão. Calmo, educado, um tanto irônico, mas com aquele ar que inspirava confiança aos
telespectadores.

— Muito bem, posso saber por que queria me ver?

— Lorena lhe escreveu para contar tudo sobre... — Caryn fechou os olhos, antes de continuar: —
sobre o bebê.

— Bebê! Mas que bebê? Se esse for mais um dos truquezinhos de Lorena...

— Já lhe disse que ela está morta! — disse, com raiva. — Por que não respondeu às suas cartas?

— Que diabo! Não me lembro de ter recebido nenhuma carta dela. E mesmo que tivesse...

— Não teria respondido, não é?

— A srta. Forbes, que tomou o lugar de sua irmã quando ela foi embora, tinha ordens para... para
responder a esse tipo de cartas.

— Cartas de fãs? — perguntou, com os olhos fixos nele.

— E por que não?

— Então, ela lhe diz que está esperando um filho seu e o senhor ignora o fato?

— Como? — Christian saiu detrás da mesa como se fosse pular em cima dela, mas se conteve. —
Repita o que disse!

— Ela estava esperando um... filho seu...

— Aquela vagabunda!

— Não fale assim de minha irmã!


— Falo como quiser! Pelo amor de Deus, que história mais sem pé nem cabeça é essa? Então,
você veio aqui para me dizer que...

— Não é só isso, sr. Ross.

Ele tentava se acalmar, andando de um lado para outro. Parecia um animal enjaulado.

— É claro — falou, indiferente. — Veio me dizer também que ela está morta. Talvez seja melhor
assim, porque, se estivesse viva, eu seria capaz de matá-la!

— E seu... seu filho? Quer matá-lo também?

CAPITULO 2

— Meu filho? — O rosto dele estava branco de susto. — Então, ela teve um filho?

— Sim. Ele está com... com três meses agora.

Christian olhava fixamente para ela. Seus cílios eram longos e as sobrancelhas, grossas. Será que
o garoto se pareceria com o pai? Caryn tentou afastar o pensamento inoportuno. Começou então a ficar
inquieta.

— Três meses — disse ele, por fim, a voz carregada de ironia. — Por que esperou tanto tempo?

— Para vir aqui? — perguntou ela, agressiva.

— Sim, exatamente. Será que eu era o último da lista?

Tentou esbofeteá-lo novamente, mas ele se desviou a tempo.

— Não, não. Agora, não. Já brincamos disso há uns dez minutos. Melodramas não me agradam.

— E o que é que o agrada? — perguntou, furiosa. — Seduzir mocinhas? Ou nega ter seduzido
minha irmã?

— Se eu negasse, você acreditaria?

— Já devia saber que tipo de homem o senhor é.

— E por que veio, então?

— Porque o filho é seu e a responsabilidade é sua!

— Já entendi. — Ele riu. — É dinheiro que você quer?


— Não! — Caryn estava cada vez mais furiosa. — Não está pensando que vim aqui para... para
chantageá-lo, não é?

— Você disse isso, não eu.

— Mas deu a entender. Oh, está torcendo tudo que digo. Tudo fica tão sujo, tão vil...

— E não é? — zombou ele. — Você vem aqui, conta que sua irmã morreu e de um jeito que até
parece que a culpa foi minha...

— E foi mesmo!

— Oh, não! Se sua irmã morreu, não tenho nada a ver com isso.

— Como assim? — disse ela, encarando-o. — Devia saber que havia riscos...

— Que riscos? Eu nem mesmo sabia que ela estava grávida!

— Mas devia saber — insistiu, tentando manter a calma. — O senhor simplesmente a deixou
sozinha para enfrentar a família...

— Droga! Nem sabia que tinha família, até você aparecer.

— Sou mesmo irmã dela.

— E eu era o patrão. O patrão entende? Raramente discuto problemas pessoais com empregados,
a não ser que atrapalhem o serviço. Fui bem claro?

— Mas seu relacionamento com Lorena era algo mais do que patrão e empregada.

— Ela lhe disse isso?

— Nem precisa dizer. — Sua voz estava trêmula. — Ela era louca pelo senhor.

— Era? E só por isso, acha que eu devia ser louco por ela também?

— E foi, por um certo tempo.

— Por um tempo? Meu Deus! Como pode existir uma pessoa tão... tão...

— Ingênua?

— Não! Idiota!

— Lorena não era idiota!

— Não estou falando de Lorena. O idiota fui eu, em lhe dar um emprego. Sabia quem era, desde
que pus os olhos nela.

— Lorena era uma secretária muito eficiente.

— Há milhões de secretárias eficientes. Sua irmã conseguia fazer da minha vida um inferno.
— Confessa que seu relacionamento com ela não era frio como gostaria que eu acreditasse?

— Não estou confessando coisa nenhuma — disse ele, dando-lhe as costas e voltando para a
mesa. — Nada, mesmo,

— Nega que a criança seja sua?

Houve um instante de silêncio, depois ele se virou, lentamente, apoiando-se na escrivaninha.

— Fale-me sobre a criança. Conte-me como Lorena morreu.

— Eu... ela... — Caryn buscava as palavras. — Quando o senhor a despediu, ela voltou para
Londres. Para o apartamento.

— O apartamento de seus pais?

— Não, o meu. Meus pais estão mortos. Fomos criadas por uma tia no interior. Quando
crescemos, fomos para Londres, fazer um curso comercial.

— Moravam juntas?

— Bem... nem sempre... Lorena tinha muitas amizades... — Não ia contar a ele que a irmã
preferia a companhia de homens. — Então, ela arrumou este emprego e... veio morar aqui. Eu... eu a
aconselhei a não aceitar...

— Por quê?

— Por causa da sua reputação.

— Que reputação?

— Deve saber melhor do que eu.

— Não deve acreditar em tudo que dizem os jornais, srta. Stevens.

— Claro que não. Nunca revelaram, por exemplo, que o senhor é casado.

— Minha esposa morreu quando Ângela tinha três anos. Isso me absolve de algum crime em
particular?

— Bem... — Caryn estava confusa. — Eu... eu estava ao lado de Lorena quando ela morreu.

— Continue — disse ele, cruzando as pernas. — Quando ela lhe disse que estava grávida?

— Demorou um pouco. Ela... estava tão magra. Nem... nem aparecia.

— Ela arrumou outro emprego?

— Não. — Era penoso reviver aqueles últimos meses, mas tinha que contar tudo, — Como sabe,
não é fácil arranjar um emprego e... ela estava sem ânimo. Disse que tinha escrito ao senhor para que a
aceitasse novamente.
— Ela sabia que eu estaria na África.

— Sim, guardou todos os recortes dos jornais sobre sua viagem. Mas ela lhe escreveu depois de
sua volta... e nunca recebeu resposta.

— Dei ordens à srta. Forbes para ignorar suas cartas. Sabia bem que tipo de pessoa era Lorena.
Sabia que ela não desistiria facilmente.

— Ela dependia do senhor...

— Era uma parasita!

— Ela me pareceu tão feliz aqui, no começo. Costumava me escrever contando como o senhor
costumava levá-la em seus compromissos...

— Só a levei uma vez.

— E acabou se aproveitando dela. Lorena me contou como o senhor a perseguia...

— Eu o quê?

— Voltava bêbado das festas e a perseguia...

— Ela disse isso? E você acreditou?

— Lorena não mentiria sobre esse tipo de coisa.

— Não, mesmo?

— Acho também que o senhor a forçava a beber. De que outro modo a levaria para a cama?

— Acredita mesmo que eu tinha que fazer isso para dormir com ela? Ora essa! Mas não vamos
fugir do assunto. Ainda não me contou por que veio.

— Pensei que nem precisasse dizer. É tão óbvio!

— Sinto muito. Para mim não é.

— Já lhe disse. A criança é responsabilidade sua, agora.

— De que modo?

— É seu filho. Deve cuidar dele.

— É dinheiro que você quer?

— Lorena disse para procurá-lo, pois o senhor saberia o que fazer.

— E você obedeceu direitinho, mesmo depois de tudo que ela falou sobre mim?

— Acho que não tem muita importância.


— Tem, sim! O que um homem como eu quer com uma criança inocente? Um homem mau que
seduz mocinhas? Um homem que, como você mesma me acusa, viciou sua irmã na bebida?

— É seu filho! — insistiu ela.

— E seu sobrinho. Ou já esqueceu disso?

— Não tenho nada a ver com o problema. O filho não é meu!

— Não gosta de criança?

— Minha irmã morreu por causa do parto, sr. Ross. Acha que posso esquecer disso?

— Nada mais conveniente! Simplesmente, se livra da responsabilidade!

— Tenho que trabalhar para viver. Não posso cuidar de um bebê.

— Não sei se reparou, mas eu também trabalho fora.

— Mas é bem diferente. O senhor tem dinheiro.

— Já entendi — disse ele, irônico e frio. — É mesmo dinheiro que quer.

— Não!

— Por que devo acreditar em você? Como vou saber se não está inventando essa história toda?
Afinal, é irmã de Lorena e pode ser uma trapaceira igual a ela. — Os olhos dele pareciam soltar faíscas,
mas, ao ver a palidez de Caryn, começou a se desculpar: — Está bem, está bem. Sinto muito. Não
queria dizer isso. Você não parece igual a ela. Ainda bem.

— Lorena está morta! — disse Caryn, em voz baixa.

— Sei, sei. Já me disse um monte de vezes.

— Não acredita? É verdade!

— Acredito — suspirou. — Muito bem: onde está a criança?

— Em Londres. Com o casal que mora no apartamento ao lado do meu. Laura também vai ter um
bebê daqui a três meses.

— Ah, é? — Não demonstrava muito interesse. — E quando posso ir vê-lo?

— Quer dizer que... que vai aceitá-lo?

— Você está decidida a se livrar dele, não é? Para qualquer estranho, ao que parece.

— O senhor é o pai dele!

— Não pode provar que sou.

— E não pode provar que não é.


— Não teria tanta certeza disso, se fosse você.

— Por favor! Vamos parar com isso! Vai ou não aceitar a criança?

— Digamos que quero vê-lo antes, certo? — Fez uma pausa e continuou: — Ele já tem nome?

— Sim. Lorena deu-lhe o nome de Christian, mas eu...

— Não consegue chamá-lo assim, não é? — disse ele, começando a andar pela sala. — Bem, onde
você mora?

— Posso pegar o carro e ir buscá-lo.

— Não. Eu vou a Londres. É melhor me dar seu endereço.

Uma batida leve na porta interrompeu a conversa. Sem esperar pela resposta, Ângela entrou.
Olhou com desprezo para Caryn e dirigiu-se ao pai:

— Chris, quanto tempo ainda vai levar? Márcia fez uma pizza para o jantar. Se não vier logo, vai
ficar horrível.

A expressão dele mudou completamente ao olhar para a filha. Caryn viu quanta doçura e amor
havia naqueles olhos.

— Já terminamos — respondeu. — A srta. Stevens já está de saída.

— Se me der um papel, posso escrever meu endereço — disse Caryn, seca.

Ângela estava carrancuda, mas Caryn não se importou. A garota ia ter de saber, mais cedo ou
mais tarde. Ela permaneceu na sala, enquanto Caryn escrevia. Deixou o número do telefone do
escritório, caso fosse necessário. Christian nem olhou para o papel, pondo-o sobre a mesa. Caryn
compreendeu que devia se retirar.

— Manterei contato — disse ele, educadamente, os olhos brilhantes de raiva contida.

Não parecia se importar em dizer que se encontraria com ela em frente da filha. Lá fora, o ar
estava perfumado como nunca. Ao caminhar até o lugar onde deixara o carro, Caryn sentiu as pernas
fracas. Bem, tinha feito o que lhe cabia. Por que, então, não estava confiante e aliviada? Passou a noite
no hotel em Carmarthen e voltou a Londres no dia seguinte. A viagem de volta lhe pareceu bem mais
curta. Talvez porque agora tinha certeza de para onde estava indo. Seu apartamento era no segundo
andar de um prédio em Bloomsbury. Não era o lugar mais moderno de Londres, mas era decente. Caryn
tinha telefonado a seus amigos logo cedo. Quando chegou em casa, Laura apareceu na porta do
apartamento ao lado, com o bebê no colo.

— Oi! Deve estar cansada. Venha tomar um chá. Bob já foi para o estúdio.
Bob Weston era fotógrafo e trabalhava para uma pequena agência de Notting Hill. Fotografava
casamentos e batizados; às vezes, surgia uma chance em revistas, mas o que ele queria mesmo era
conseguir um lugar na televisão, que pagava mais. Caryn aceitou o convite e entrou, sem olhar muito
para o bebê. Tentava não se apegar muito, pois não poderia mesmo ficar com o sobrinho por muito
tempo.

— Ele se comportou tão bem — disse Laura. — Nem acordou durante a noite.

— É mesmo muito bonzinho.

— Bem, o que aconteceu? Você não disse muita coisa no telefone, hoje cedo.

Caryn sentou-se, enquanto Laura punha a água para ferver.

— Falei com ele.

— Sim, sim. Mas não disse o que resolveram. — Ele quer ver o bebê.

— Como? Christian Ross quer ver o bebê? Quando vai levá-lo lá?

— Ele quer vir aqui.

Laura arregalou os olhos, espantada.

— Pois é — disse Caryn, forçando um sorriso. — É melhor eu arrumar meu apartamento para tão
ilustre visita.

— Bobagem. Não está tão desarrumado assim...

— Mas é preciso dar uma ordem. Primeiro, foi a morte de Lorena; depois, o bebê... — disse ela,
olhando para a figurinha que brincava no berço.

— Não sei como tem coragem de entregá-lo — disse Laura, balançando a cabeça. — Ele é uma
gracinha. E tão bonzinho... — Havia lágrimas em seus olhos.

— Oh, Laura! Como posso ficar com ele? Para começar, não ganho o suficiente para sustentá-lo.
E quem cuidaria dele enquanto eu estivesse fora? Logo você terá seu próprio filho e...

— Não gosta dele?

— Isso não adianta muito, não é?

Havia amargura na voz de Caryn. Levantou-se e foi até o bercinho. Claro que ele era uma
gracinha. Seus bracinhos e perninhas se agitavam. Laura tinha razão: era muito bonzinho. Infelizmente,
não tinha tempo nem dinheiro para cuidar do garoto. Enquanto Laura foi fazer o chá, Caryn voltou a
sentar-se e ficou pensando no quanto os Weston tinham sido amigos. Sem a ajuda deles, nunca poderia
ter ficado tanto tempo com o bebê. Mas estava mesmo resolvida a não entregar a criança ao serviço
social. Pelo menos, depois do pedido de Lorena. Também não tinha sido fácil encontrar Christian Ross.
Precisou descobrir seu endereço e a hora que poderia estar em casa. Ele passava quase todo o tempo
viajando. Felizmente, Bob tinha contato com o pessoal de televisão e conseguiu saber que, quando
Christian voltasse do Canadá, estaria gravando uma série de programas para uma rede de televisão de
Londres.

— Não sei. Deixei o telefone do escritório com ele. Acho que vai telefonar antes de vir.

— E como é ele?

— Ora, você sabe como é — disse Caryn, sem entusiasmo. — Já o viu na tevê tantas vezes!

— É claro, mas deve ser bem diferente pessoalmente, não?

— Não sou nenhuma admiradora dele.

— Eu sei, eu sei. Não disse que era.

— Desculpe, Laura. Não ligue para o que estou dizendo. Sou mesmo uma ingrata. Depois de tudo
que fez por mim... — Tentou ser objetiva. — Ele... bem, é mais alto do que parece e... certamente,
muito... sexy.

— Deu para entender por que Lorena se apaixonou por ele?

Mesmo contra a vontade, Caryn teve de admitir que sim.

— Ela devia estar fascinada por ele. Qualquer mulher mais boba ficaria.

— E você não ficou?

— Eu? — Caryn ofendeu-se. — Está brincando?

— Por quê? Bem que seria uma solução para seus problemas, não é? Já parou para pensar no
assunto?

— Que quer dizer com isso?

— Bem, é que desde que ele é o pai e você a tia... talvez vocês...

— Está falando em ficarmos juntos? — Caryn estava perplexa.

— Bem, e por que não? — disse Laura, com firmeza. — Quer dizer, todos sabem que... isto é,
você sabe que Lorena era dada a exageros...

— Laura, que está dizendo? — Caryn encarou a amiga. — Não acredita que Christian seja o pai?

— Claro, sim... mas é que talvez... Lorena tenha provocado a situação. Que garota não desejaria
ter um filho dele?

— Eu não. Mas isso não muda nada. Acho que ele a mandou embora quando suspeitou de que
estava grávida. Nada me faz mudar de idéia. E quando ela lhe escreveu, ele nem respondeu.
— É... acho que tem razão. Mas não consigo deixar de pensar que vai se arrepender, Caryn.

— Arrepender? De quê?

— De dar o menino. É seu sobrinho!

— É o filho de Christian Ross, que pode fazer mais por ele do que eu.

— Não duvido disso — disse Laura, ajeitando-se na cadeira, pois as costas lhe doíam. — Mas eu
bem que gostaria que já fosse o meu bebê. Nem teria que sentir as dores do parto.

— Não diga bobagem. Você está adorando cada minuto da gravidez. Nunca vi Bob tão atencioso.

— Não, mesmo — respondeu Laura, sorrindo. — Ele tem sido maravilhoso. Já contei que na
outra noite o fiz sair às onze horas para buscar frango frito?

— Frango frito às onze da noite, Laura! Que malvadeza!

— Ora, foi desejo...

— E eu ainda lhe dou mais trabalho com o garoto — disse Caryn, olhando o bebê com tristeza. —
Tomara que o pai dele venha logo resolver o caso.

CAPITULO 3

Caryn trabalhava longe. Assim toda manhã ela deixava o sobrinho com Laura, indo buscá-lo
quando chegasse em casa, às seis horas. O esquema funcionava bem, mas sentia-se envergonhada de
abusar da paciência da amiga, apesar de lhe dar algum dinheiro por isso, para ajudar nas despesas do
bebê que estava a caminho. Mas a ajuda de Laura não bastava para Caryn ter uma vida social normal.
Era secretária do diretor da Escola Lansworth e isso a punha em contato com muitos rapazes. Talvez
fosse até bom que nenhum deles a tivesse interessado em particular. Na verdade, seu admirador era o
próprio diretor, Laurence Mellor. Era um homem de cinqüenta anos, ainda muito atraente, forte e de
cabelos grisalhos. A esposa o abandonara por um colega de serviço, logo que ele começou a trabalhar
em Lansworth. Caryn achava que seu interesse excessivo pelo trabalho talvez tivesse sido responsável
pelo fracasso do casamento.

Ela já estava lá há quatro anos. Antes, tinha trabalhado numa firma de advocacia, mas sonhava em
melhorar de vida, e Mellor reconheceu méritos logo que a conheceu. Davam-se muito bem, e sempre ele
precisava de uma acompanhante, chamava Caryn. Laurence sabia do caso de Lorena, sem maiores
detalhes, é claro, Caryn contou-lhe que a irmã trabalhara para Christian Ross por um tempo, mas o
diretor nunca associou Christian à gravidez da moça. Quando ela morreu, Laurence foi bastante
compreensivo, quando a Caryn alguns dias de folga, e não ligou a morte de Lorena seu pedido para
visitar um parente doente em Gales. Caryn voltou a trabalhar na quinta-feira, e, para seu alívio,
Laurence tinha sido chamado para um encontro com o prefeito e não no escritório pela manhã. Quando
ele chegou, à tarde, ela já estava mergulhada no trabalho. Ainda assim, levou um susto, quando ele se
aproximou de sua mesa e disse, sem rodeios:

— Já decidiu o que vai fazer com o bebê de Lorena? Sabe, acho que não é muito bom você
trabalhar o dia inteiro e a noite também.

Caryn terminou de pôr o papel na máquina para ter tempo de se recuperar do susto e respondeu,
com tranqüilidade:

— Ora, não trabalho a noite toda, Laurence.

— Pode ser — disse ele, coçando o queixo. — Mas cuida dele à noite, não é? Deve haver fraldas
para lavar e coisas assim.

— Claro que há fraldas. Mas uso as descartáveis, que são mais práticas, embora um pouco caras.

— Com tudo isso, sobra muito pouco tempo para você mesma — insistiu ele. — Não pode
continuar assim, Caryn. Não é justo. Se o bebê fosse seu, seria diferente.

Ela ficou olhando para o homem à sua frente. Claro que se preocupava com ela, mas tinha o
palpite de que toda aquela conversa significava que estava prestes a lhe pedir para acompanhá-lo a
alguma cerimônia, e teria que arranjar alguém para cuidar do bebê.

— Na verdade, não vou ficar com ele muito mais tempo.

— Ah, não?

— Há alguém... alguém que conheço, que... pode querer ficar com o bebê.

— Algum parente?

— É... mais ou menos.

— Sei. — Parecia aliviado. — Bem, na verdade, aconteceram muitas coisas e há algo que eu
gostaria de discutir com você. Pode jantar comigo hoje?

Então, seu pressentimento estava certo!, pensou um pouco, antes de responder:

— Não sei se devo sair esta noite, Laurence. Já fiquei fora dois dias e não gostaria de pedir a
Laura para tomar conta do menino outra vez. Quem sabe, amanhã...

— Está bem, então — concordou, imediatamente. — E amanhã, que tal? Onde você prefere?
— Onde você quiser.

Foram jantar num restaurante em Soho, onde Laurence era freguês habitual. Era um lugar
pequeno, o que não queria dizer que fosse barato. Caryn já tinha ido lá umas duas vezes com ele.
Conseguiram uma mesa tranqüila, de canto. Laurence pediu dois martinis e foi direto ao assunto:

— Recebi um convite para ir aos Estados Unidos durante o verão. Vou visitar várias
universidades, dando cursos e palestras. — Parou, enquanto o garçom servia os drinques. — Mas não
quero ir sozinho. Gostaria que você fosse comigo.

— Aos Estados Unidos? — Caryn arregalou os olhos. — Eu?

— Ora, por que não? É minha secretária, não é?

— Sim, Laurence. Mas...

— Ah, já sei. Está preocupada com o que podem pensar de você. Não a culpo. Nas escolas é onde
fazem mais fofocas.

— Não é isso. A despesa...

Ele pousou o copo na mesa e tomou a mão dela entre as suas. Não era a primeira vez que fazia
isso. Sempre que queria convencê-la de algo, era assim. Mas, dessa vez, havia um brilho diferente em
seus olhos.

— Caryn, já pensou em se casar?

— Casar? — Sacudiu a cabeça. — Não, nunca pensei... — Mas querendo tornar a coisa menos
séria, disse, em tom de brincadeira: — Nunca me pediram, pelo menos.

— Não acredito!

— Bem, ninguém que me interessasse.

— Case-se comigo, Caryn. Case-se comigo!

— Laurence! — Tirou a mão, rapidamente. Sempre teve medo que aquele momento chegasse. —
Não pode estar falando sério!

— Claro que estou! Está preocupada com a minha idade?

— Eu não o amo, Laurence!

— Ora, amor... Que é o amor? Amei Cecília, e o que adiantou? Acha que sou muito velho, não é?

— Laurence, se eu amasse alguém, nunca me importaria com a idade.

— Poderia aprender a gostar de mim. Posso ensiná-la a gostar de mim.

— Por quê? Você me ama?


— Já lhe disse: não acredito nessas bobagens emocionais. Caryn, temos tanto em comum. Nosso
trabalho, gostamos do mesmo tipo de livros e músicas...

— Isso não é suficiente para um casamento.

O garçom aproximou-se para anotar o pedido, e Laurence, um tanto irritado, perguntou o que
Caryn ia comer. Mas ela tinha perdido a fome e quis só uma salada. Laurence pediu um prato quente e
voltou ao mesmo assunto anterior.

— Pois bem, se não quer se casar comigo, pelo menos me acompanhe na viagem. Preciso de você.

— Precisa de companhia — corrigiu ela. — E é por isso que não quero me casar com você,
Laurence. Não quero ser apenas uma companhia. Eu sou eu. Não quero passar minha vida à sombra de
alguém.

— Não precisava se alterar tanto. — Ele parecia magoado. — Se é assim que acha que eu a trato,
desculpe...

— Não, você não me trata assim. Mas, se nos casássemos. .. Bem, é bobagem continuar. Vamos
esquecer isso, está bem?

— E a viagem?

— Não sei.

— Podemos fazer de conta que estamos noivos. Enquanto durar a viagem, pelo menos.

— Parece que você está querendo viver uma história romântica — ela brincou. — Falando sério:
acha que alguém ainda acredita em coisas desse tipo?

— Como assim? — perguntou, zangado.

— Fingir estar noivo! — Caryn não conseguia deixar de achar graça. Na verdade, não ria há
algum tempo. — Ora, Laurence! Acha que uma fofoca boba me impediria de acompanhá-lo, se eu
realmente quisesse ir?

— O seu caso é diferente. Você é jovem e bonita e não tem uma posição a manter na escola. Já eu,
preciso manter uma imagem respeitável. Sou o diretor, não posso tomar atitudes que comprometam
minha reputação,

— Por favor, não fique aborrecido. Sei o que quer dizer, mas... Bem, vou pensar no assunto.

— Que assunto? O casamento?

— Não, não. Sobre a viagem. Como sua "noiva".

Ele ainda insistiu que ela pensasse bem no caso, mas Caryn começava a achar que seu
relacionamento com Laurence Mellor estava chegando ao limite do indesejável. Ainda era cedo, quando
ele a deixou em casa. Laurence não tinha, o hábito de deitar tarde. Dizia que gostava de ler pelo menos
uma hora antes de dormir. Caryn subiu a escada pensativa. Não sabia o que fazer sobre a viagem. Claro
que gostaria de ir, mas não como noiva de Laurence. De qualquer modo, não queria se envolver com
ele. Nem mesmo de brincadeira.

Viu luz por baixo de sua porta. Franziu a testa, espantada, pois tinha deixado o bebê com Laura.
Ela só ficava no apartamento de Caryn quando Bob trazia amigos para jogar. Mas Laura não havia dito
nada! Será que tinha acontecido alguma coisa? Abriu a porta e parou, surpresa. Lá estava Laura, muito
pouco à vontade no sofá, e, diante dela sentado em uma cadeira, Christian Ross. Ele levantou-se, assim
que Caryn entrou. Vestido elegantemente, destoava dentro do pequeno apartamento. Antes de sair, ela
tinha lavado algumas roupas e fraldas do bebê e pendurado junto das janelas para secar. Havia um
cobertorzinho dobrado no encosto de uma cadeira, uma mamadeira pela metade sobre a mesa e um par
de sapatos, que esquecera de guardar, no corredor.

Laura levantou-se, tentando explicar o que estava acontecendo:

— O sr. Ross chegou depois que você saiu, Caryn. Ele... ele insistiu em esperar.

— Sinto muito, O senhor devia ter telefonado.

Christian Ross olhou para Laura, que, entendendo, começou a se despedir. Mas Caryn pediu que
ficasse.

— Acho que o que temos para discutir deve ser em particular, não concorda? — Christian usou o
mesmo argumento que ela, quando esteve em sua casa.

— Ele... ele está dormindo no quarto — disse Laura, e, sorrindo para Caryn, saiu.

Depois que a porta se fechou, a moça sentiu-se humilhada como nunca em toda sua vida. Odiava-
se pelo estado em que estava o apartamento, completamente em desordem. Odiava também aquele
homem por ter vindo e feito com que ela se sentisse daquele jeito. Estaria comparando o apartamento
com sua casa? Talvez assim compreendesse que o bebê merecia, sem dúvida, um lugar melhor.

— Já... já o viu?

— O menino? Já. É bonitinho. Devia se orgulhar dele.

— Que quer dizer com isso?

Christian Ross pôs as mãos nos bolsos e olhou para ela. Parecia não se importar com a confusão à
sua volta. Talvez estivesse preparado para enfrentar qualquer coisa e treinado para não revelar seus
sentimentos, fossem quais fossem as circunstâncias. Fazia parte de seu trabalho, afinal.

— Apenas que ele está muito bem cuidado, apesar de tudo.

— Apesar do que, por exemplo?


— A morte de Lorena deve ter sido um baque. Essas coisas abalam mesmo.

Caryn ficou pensando no verdadeiro sentido das palavras dele. Queria perguntar quais eram suas
intenções, uma vez que já tinha visto o bebê, e se admitia que o filho era dele. Mas não conseguia achar
as palavras certas para começar. Depois de olhar em volta, nervosa, perguntou:

— Laura já lhe ofereceu alguma coisa?

— Sim, mas não precisa se incomodar, não quero nada. — Olhou para o relógio. — Tenho um
compromisso daqui a meia hora. — Um compromisso às dez e meia! Bem, para quem não tinha que
acordar de manhã para cuidar de um bebê, devia ser até cedo. — Pensei bem no caso e acho que estou
preparado para aceitar a criança... com algumas condições. Posso me sentar?

— Sim, claro. — Caryn estava confusa e trêmula.

— Obrigado. Bem, eu disse que tinha algumas condições. Acho melhor se sentar para ouvir.

— Estou bem assim. Continue.

— Levo o garoto comigo, desde que você vá também. Ele a conhece e precisa de você.

— Como? — A surpresa foi tão grande, que teve de se sentar mesmo. — Mas eu nunca fui babá!

— Não, mas é secretária. Trabalha para um homem chamado Laurence Mellor, diretor da Escola
Lansworth. É o homem com que saiu para jantar, segundo sua vizinha.

— O senhor andou investigando minha vida? — Estava realmente perplexa.

— Tenho gente eficiente trabalhando comigo. É dever deles saber sobre a vida das pessoas que
me interessam; particularmente, as que vou entrevistar.

— Mas não sou uma delas!

— Claro que não. Mas eu tinha que tirar a limpo a sua história, não acha?

— Que sangue-frio...

— Sou apenas prático. Agora, vamos discutir os detalhes...

— Não vou trabalhar para o senhor! Esqueceu que tenho um emprego?

— Absolutamente. As férias de verão começam em duas semanas. Até as aulas recomeçarem,


creio que o sr. Mellor já terá arranjado outra secretária.

— Está se esquecendo do fato de que eu jamais moraria em sua casa! Nem que o senhor me
pagasse em diamantes!

— Então, nada feito.

— O quê?
— É isso mesmo.

— Mas... admitiu que o filho é seu...

— Não admiti coisa nenhuma. Disse que estava preparado para aceitar a criança, com algumas
condições. Se não quer aceitá-las, lavo minhas mãos.

— Eu... eu vou aos jornais

— E o que vai dizer? Como vai provar o que disser?

— Lorena era sua secretária quando engravidou!

— E daí? Se todos os patrões levassem a culpa pela gravidez das secretárias...

— Seu... seu porco!

— Por quê? Porque digo a verdade? Quem acreditaria em você? Mesmo que alguém acreditasse,
de que lhe adiantaria um escândalo? Bem, boa noite, então.

— Não! — Sentiu um nó na garganta. — Sr. Ross, por favor! Como pode negar que é seu filho?

— E como pode negar que é seu sobrinho? É carne e sangue de sua irmã. Já esqueceu?

— Bem... — Caryn baixou a voz. — Que devo fazer, então?

— Não vou querer que você fique com o bebê o dia inteiro.

— Mas o senhor disse...

— Disse que ele precisa de você. E acho que precisa mesmo. Mas posso contratar uma babá para
cuidar dele.

— E o que eu faria?

— Preciso de uma secretária — respondeu, dirigindo-se para a porta. — Tive boas referências
suas nesse sentido. Bem, não tenho muito mais tempo.

— Mas não pretende que eu decida imediatamente...

— Por que não? Já sabe agora das suas necessidades.

Caryn não pôde deixar de olhar para a porta fechada do quarto. Tudo que havia feito pelo bebê
tinha sido de uma maneira fria, não permitindo a si mesma apegar-se a ele. Sabia que de um momento
para outro alguém viria tirá-lo dela, pois simplesmente não tinha condições de cuidar dele sozinha.
Agora, Christian Ross fazia com que percebesse que era seu sobrinho, uma criança que precisava de
carinho, e que já havia entre ela e o bebê laços que não podiam mais ser quebrados. Virou-se para ele,
lentamente, o rosto impassível. Só os olhos mostravam seu sofrimento.

— Está bem, concordo.


Sentiu que ele tinha certeza, o tempo todo, de que ela iria se sujeitar a suas condições. Afinal,
estava acostumado a lidar com as pessoas. Sabia exatamente como fazer para conseguir o que queria.

— Quando estará pronta para ir?

— Como o senhor mesmo disse, as férias de verão vão começar lago...

Lembrou-se da viagem de Laurence. Bom, já era um problema a menos. Mas o que diria a ele?

— Terá que avisar o sr. Mellor — disse ele, parecendo adivinhar seus pensamentos. — Sugiro que
diga que aceitou um emprego como secretária no sul de Gales e que não haverá restrição para que leve a
criança junto. Diga também que não sabia que era para trabalhar comigo, quando se candidatou.

— Eu falei mesmo que ia visitar uns parentes lá.

— Ótimo.

— Eu... eu ainda não sei o que farei como sua secretária.

— Vai escrever cartas, cuidar do arquivo, taquigrafar. Acho que sabe tudo isso, não é?

— Claro!

— Pronto! O problema está resolvido. Mando avisar, assim que conseguir uma babá.

— Sr. Ross... e sua filha?

— Deixe-a por minha conta. — Despediu-se e saiu.

CAPITULO 4

A noite começava a cair quando avistaram as águas do estuário. Sentindo a brisa refrescante no
rosto, Caryn suspirou aliviada. A tarde parecia interminável; o calor e a umidade deixaram o bebê
irritado e desconfortável. O pobrezinho tinha chorado desde que saíram de Gloucester e Caryn só não se
desesperou porque a sra. Trewen estava com ela. Sem o auxílio da babá, a viagem teria sido impossível.
Estava grata a Christian por ter pedido à babá que a acompanhasse. A sra. Trewen fora indicada por
uma boa agência e tinha as melhores referências possíveis. Com quinze anos de experiência, era
realmente muito eficiente. Sua idade, como tudo que se referia a ela, era meio indefinida, mas
importante é que tratava o bebê com carinho e dedicação. Parecia ter passado muito tempo, desde que
tinha estado ali pela primeira vez. Tanta coisa acontecera, tanta coisa mudara. Lembrando-se de sua
última conversa com Laurence Mellor, ficou, até certo ponto, feliz por estar longe de Londres. Como
era de se esperar, ele ficou muito desapontado. Não conseguia entender aquela brusca mudança de
Caryn, que, a princípio, não queria ficar com o bebê, e, de repente, decidia abandonar o emprego para
ficar com a criança.

— Oh, Laurence! Tente compreender! Até agora, não pensava em ficar com ele, mas, já que o sr.
Ross não faz objeções ao fato de eu levá-lo...

— Christian Ross! Você não me disse que ele despediu sua irmã? Que diabo está querendo agora,
dando-lhe o emprego?

— Talvez eu seja melhor do que ela para o serviço.

— Já sabia para quem ia trabalhar, quando foi entrevistada para esse emprego?

— Não, já lhe disse que não. Eu... eu respondi apenas ao anúncio do jornal.

— E mentiu para mim! Parente doente! Oh, Caryn, como pôde...

— Achei que uma mudança faria bem a nós dois.

— E sabia disso, quando eu a levei para jantar? Quando a pedi em casamento? Deixou-me com
esperanças, já sabendo que ia aceitar o emprego?

— Ora, Laurence! Nunca poderia ir para os Estados Unidos com você. Sei que não poderia.

— Mas... por quê?

— Porque... porque nosso relacionamento... Estávamos nos envolvendo demais.

— Não concordo. Acho que trabalhamos muito bem juntos. Além do mais, depois das férias, vou
ter de treinar uma nova secretária para fazer o serviço a meu modo.

— Laurence! — Caryn sentia-se pior do que nunca. — Não leve as coisas para esse lado. Gostaria
que continuássemos amigos.

Mas ele se manteve frio com ela pelo resto do período escolar. Só em seu último dia é que se
permitiu apertar-lhe a mão e desejar-lhe boa sorte, com a voz meio embargada. Caryn ficou surpresa.
Nunca pensou que um homem pudesse ser tão sentimental e até sentiu um certo remorso por não ter
aceito sua proposta. Se ele também aceitasse a criança, talvez. Mas agora já era tarde. Aquele capítulo
de sua vida estava definitivamente encerrado; só tinha pena de deixar Laura e Bob. Sabia que a amiga
sentiria muita falta do bebê; mas logo teria um filho e tudo estaria esquecido. Por não saber quanto
tempo ficaria em Gales, rescindiu o contrato do apartamento. Não podia continuar pagando aluguel sem
morar lá. Na verdade, nem sabia qual seria o seu salário.

— Ainda falta muito, srta. Stevens?


— Não, sra. Trewen. Só mais um quilômetro. Espero que ele não esteja dando muito trabalho à
senhora.

— Claro que não. Só que está quase na hora da mamadeira.

Já estavam chegando a Druid's Fleet. O ar salgado era revigorante, e Caryn respirou fundo. Claro
que haveria vantagens em morar ali. Só não sabia se suportaria trabalhar para Christian Ross. Como
fazia muito calor, todas as janelas da casa estavam abertas, e de longe dava para ouvir o som
ensurdecedor de música pop. Pareciam estar em meio a mil amplificadores de um festival de rock. A
sra. Trewen ficou chocada.

— Mas... o que é isso?

Caryn também não fazia a mínima idéia. Será que Christian estaria dando uma festa? Ele sabia
que chegariam naquela tarde, e essa não era a melhor maneira para receber uma criança pequena. Ficou
tão embaraçada, que não teve cara para enfrentar os olhos surpresos da babá. Para piorar a situação, o
garoto acordou e começou a chorar. Caryn pediu a sra. Trewen que esperasse um momento, enquanto ia
ver o que estava acontecendo. Onde quer que Christian Ross estivesse, ela o acharia, e quando o
achasse... Desceu do carro. As portas da casa estavam abertas.

Chamou por ele, mas sua voz desapareceu em meio ao som que parecia vir da parte de trás. Subiu
uma escada da frente e chamou novamente, sem obter resposta. Resolveu descer até o piso inferior. Ali
o barulho era ainda maior. Só então percebeu que não era disco ou fita, mas um conjunto tocando ao
vivo. O que estaria acontecendo? Resolveu seguir o som. Já ouvia vozes e risadas, além da música.
Então, era mesmo uma festa. Que diabo ele pensava que estava fazendo? Chegou a uma grande sala
com telhado de vidro. Era de lá que vinha a barulheira; Caryn foi entrando e viu vários casais jovens
dançando e bebendo. Sem dúvida, era uma festa. Mas de quem e para quem?

Um rapaz aproximou-se e puxou conversa:

— Ei! Quem é você? Não me lembro de tê-la visto nas outras festas de Ângela.

Ângela! Caryn devia ter adivinhado. Mas onde estaria Christian?

— Não vim para a festa — explicou, olhando em volta, impaciente.

Devia haver umas trinta pessoas dançando, conversando ou apenas ouvindo o conjunto tocar.
Havia uma mesa com garrafas de bebida, cheia de copos sujos. O ar estava impregnado de fumaça de
cigarro.

— Como não veio para a festa, se está aqui? — insistiu o rapaz.

— Onde está o sr. Ross?

— Quem?
— Christian Ross. O pai de Ângela.

— Ah, o pai de Angela! — repetiu ele, tirando um cigarro e acendendo. — Não está aqui. Mas
você está e eu também. Que tal ficarmos juntos?

— Só me diga onde posso encontrar Ângela — disse Caryn, seca.

— Ora, o que é isso? Sabe quem está tocando ali?

— Não me interessa.

— É a Velvet Band, garota. Não me diga que nunca ouviu falar deles.

Caryn olhou bem para o conjunto. Claro que tinha ouvido falar na Velvet Band. Tinham estado
nos primeiros lugares das paradas de sucesso por mais de três meses. Não pôde deixar de ficar
impressionada. Nada como ser filha de Christian Ross! Mas isso não alterava o fato de ele saber que
chegariam naquela tarde. Não devia ter saído e deixado a filha armar tamanha confusão.

— Só me diga onde está Ângela — repetiu.

O rapaz fez cara de desagrado e mostrou um grupo adiante. Caryn dirigiu-se para lá, mas não foi
fácil. Vários rapazes a interpelaram, pensando que fosse uma convidada retardatária. Caryn já começava
a sentir falta de ar, quando chegou junto ao grupo de Ângela.

— Sim? — disse a garota, deixando claro que a reconhecia e não gostava dela.

— Estou procurando seu pai — respondeu Caryn, sem se deixar intimidar. — Talvez você possa
me dizer quando ele vai voltar.

— O que quer com ele?

Os rapazes e moças em volta se entreolharam, com risinhos irônicos, e Caryn teve vontade de
berrar o porquê de estar ali. Qual seria a reação de Ângela, se ela dissesse que tinha trazido o filho
ilegítimo do pai, bem na frente de seus amigos? Mas talvez ela já soubesse!

— Só me diga quando ele vai voltar.

— Não sei. Não controlo a vida dele.

Tentando não perder a calma, Caryn perguntou:

— Há algum modo de entrar em contato com ele?

— Pode ligar para o estúdio, mas acho que ele não vai gostar.

Agradeceu e já ia embora, quando sentiu que seguravam seu ombro. Virou-se, agressiva, e viu-se
diante de um rosto que lhe era familiar. Então, reconheceu Dave O'Hara, o líder da Velvet Band. A
surpresa fez com que a raiva que estava sentindo desaparecesse por um instante.
— Algo errado? — ele perguntou, amigável.

Os olhos do rapaz mostravam compreensão. Não era muito mais alto do que Caryn, mas era forte
e tinha traços marcantes.

— Não há nada errado, Dave — Angela explicou. — A nova secretária de papai chegou, só isso.
A hora é que é um tanto imprópria.

— É isso, então? — disse ele, sem tirar os olhos de Caryn. — Vai trabalhar para Christian?

— É. Estava só procurando por ele.

— Teve que sair de repente. Recebeu uma chamado, não é, Ângela? — Virou-se para a moça,
mas ela deu de ombros, mostrando indiferença. O rapaz voltou a falar com Caryn: — Sei o que estou
dizendo. Chris nos deixa ensaiar aqui de vez em quando; e, quando fazemos isso, Ângela traz os amigos
para se divertirem um pouco. Explicado?

— Sim. — Caryn sentia-se mais aliviada. — Desculpe por estragar a festa.

— Está desculpada — respondeu Ângela, agressiva. — Vou pedir a Márcia que a leve até seu
quarto.

— Isso é modo de tratar um convidado? — protestou Dave.

— A srta. Stevens não é nenhuma convidada!

— Ora! — O sobrenome de Caryn pareceu lembrar-lhe algo. — Stevens. Que coincidência!

— Não, não é — corrigiu Ângela. — Ela é irmã de Lorena.

— Conheceu minha irmã?

— Todo mundo conhecia sua irmã — disse Ângela. — Não sabia?

Caryn ficou vermelha, mas, antes que pudesse pensar em uma resposta, uma voz masculina, um
tanto irritada, se fez ouvir. Caryn reconheceu-a imediatamente. Os músicos pararam de tocar no ato.

— Que diabo está acontecendo aqui? Ângela, pelo amor de Deus! Será que perdeu o juízo?

— Não sei por que toda essa cena...

— Eu avisei que a srta. Stevens e a criança chegariam esta tarde — o pai interrompeu. — E o que
encontro aqui? Uma babá sentada num carro parado na porta, tentando consolar um bebê, e a maior
barulheira aqui dentro! — Seus olhos voltaram-se para Caryn: — E você, o que esteve fazendo?
Ouvindo a Velvet Band?

— Não... Sentiu-se profundamente ofendida.


— Ela estava procurando você, Chris — Dave explicou brincalhão. — Olhe que me ofende,
chamando minha música de barulheira.

— Já instalei a sra. Trewen e a criança na sala, por enquanto, mas quero todo mundo fora daqui
em dez minutos, entenderam? — disse Christian. Virou-se então para a filha: — E da próxima vez que
me fizer algo parecido, vai junto, está ouvindo?

A garota fez uma careta e deu as costas. Christian tomou Caryn pelo braço.

— Venha comigo. Quero tranqüilizar a sra. Trewen: ela está com medo de que você tenha se
perdido no meio dessa bagunça.

Caryn até gostou de sair com ele. Apesar da gentileza de Dave O'Hara, o barulho e a confusão já
estavam atacando seus nervos. O silêncio foi um bálsamo. A porta da sala de estar estava fechada, e
Caryn já ia abrir, quando ele a deteve e perguntou:

— Algum problema?

Christian devia ter vindo diretamente do estúdio, pois usava terno e colete. Agora podia entender
por que tinha impressionado tanto Lorena: era um homem atraente e sofisticado.

— Não. Que problema poderia haver?

— Então, aprova a sra. Trewen?

— Quem não aprovaria? — Ficou embaraçada. — Ela é muito eficiente. Deve ter lido as
referências, não é?

— Referências não são tudo. Eu que o diga.

— Sabe também que não tenho a menor experiência com.... com empregados, seja de que espécie
forem.

— Mas gostou dela e é o que importa. Desculpe por este.... imprevisto. Ângela não aceitou bem a
idéia de ter um bebê em casa e acho que estava protestando. Eu disse a ela que o bebê é seu sobrinho.

— Só isso?

— Será que há algo mais a ser dito? — A expressão dele endureceu.

— Eu é que pergunto.

— Agora não é hora de começar uma discussão. Estou pronto para dar um lar a você e à criança.
Acho que é o bastante por enquanto.

— Não acho. O que... o que ela vai pensar que eu sou?

— Quem? A sra. Trewen? Ela sabe...


— Não, ela não, Ângela!

— Alguém me chamou — respondeu a própria Ângela, seguida de vários amigos, alguns


carregando instrumentos.

— Ah, já estão indo embora? Não era sem tempo — disse Christian.

Dave O’Hara despediu-se de Caryn ao passar por ela, que respondeu com um sorriso. Christian
percebeu e apressou-se em fazer com que entrasse na sala. A sra. Trewen andava de um lado para outro
com o bebê e sorriu ao ver Caryn. A pobre senhora certamente não estava acostumada com aquela
agitação toda.

— Deve estar pensando que isso aqui é uma casa de loucos — disse Christian para a babá, com
aquele sorriso que tinha conquistado tantos admiradores. — Tenho que me desculpar pela recepção.
Não devo ter sido bastante claro, e minha filha resolveu convidar uns amigos logo hoje.

— Nosso homenzinho está com fome. Foi uma longa viagem. Poderia me mostrar o quarto dele?
O coitadinho precisa tomar banho e trocar de roupa.

— Claro, naturalmente — disse ele, dirigindo-se à porta. — Márcia! Quer vir aqui, por favor?

Márcia apareceu, bem arrumada e sombria como sempre. Lançou um olhar indagador para Caryn
e para a babá, mas seu rosto se enterneceu, ao ver o bebê. Voltou-se então para Christian.

— Quero que mostre os quartos da srta. Stevens e da sra. Trewen. Márcia é muda, mas comunica-
se por sinais e escreve, quando necessário — explicou à babá.

A sra. Trewen pareceu chocada, mas não fez qualquer comentário. Márcia atravessou a sala e
acariciou o bebê. Tinha uma expressão tão doce, que Caryn sentiu um nó na garganta. Christian pediu
licença e dirigiu-se para a porta.

— As malas... — murmurou Caryn.

— Vou buscar — disse ele. — Onde estão as chaves?

— No carro. Mas eu mesma posso ir.

— Acredite ou não, ainda consigo carregar umas malas.

— Mas há muita coisa.

— Não se preocupe. Eu arranjo quem me ajude.

Caryn seguiu Márcia, que as levou ao andar de cima. Quantos níveis teria a casa? Caryn já tinha
visto três, ainda havia mais um lance de escada. Também havia corredores para quase todos os lados, e
a decoração era do maior bom gosto. Atravessaram um deles, parando na última porta. Márcia abriu e
elas entraram num apartamento claro, com duas largas janelas protegidas por grades. As paredes
estavam enfeitadas com motivos infantis. Além dos brinquedos, havia uma mesinha com cadeirinhas e
uma cadeira de balanço na qual a sra. Trewen logo se instalou. Um pequeno conjugado tinha fogão, pia
e um armário. Márcia mostrou, então, tudo que era necessário para preparar a comida do bebê.

Enquanto Caryn pensava no cuidado com que alguém tinha arrumado tudo aquilo, a governanta se
adiantou e abriu outra porta. Era o quarto do bebê, com um bercinho azul e um armário pequeno.

— Será que o sr. Ross não sabia que a senhorita ia trazer o berço e as mamadeiras? — perguntou
a babá, balançando o bebê, que tinha voltado a chorar.

— Pelo jeito, não. — Caryn olhou para Márcia, meio confusa. — Obrigada.

A outra sorriu. Era a primeira comunicação entre elas, e Caryn sentiu-se melhor. Entretanto, como
poderia convencer as pessoas de que era apenas uma empregada de Christian Ross, se ele a tratava
daquele jeito? Logo a babá poderia começar a suspeitar de que o bebê era dela... dela e do sr. Ross!
Márcia continuou seu caminho. Parecia estar gostando do que fazia. Caryn seguia-a. Depois do quarto
do bebê, havia um quarto com banheiro para a sra. Trewen. A moça estava imaginando onde seria seu
quarto, quando Christian apareceu com a bagagem, seguido de um homem que trazia o resto, inclusive o
cesto com a comida do bebê.

— Então? — perguntou ele. — Está tudo de acordo?

— Maravilhoso — respondeu Caryn.

— Dei toda a liberdade a Márcia para preparar os quartos. Aprova?

— É claro que aprovamos, sr. Ross — interrompeu a babá. — Nunca vi nada tão completo em
toda a minha vida! Tenho certeza de que a srta. Stevens está inteiramente de acordo comigo.

— Claro! — Caryn apressou-se em dizer. — Onde é o meu quarto?

— Ainda não mostrou o quarto à srta. Stevens, Márcia? Bem, se me permite...

Evidentemente, estava sendo irônico, mas o que ela podia fazer? Ele deu ordens para que o
homem deixasse as malas ali mesmo e convidou Caryn a segui-lo. Depois de alguns passos, abriu uma
porta e a fez entrar em um quarto enorme. A tensão da moça aumentou.

— Está ficando louco?

— Eu? Talvez. É o que acha, não é?

— Não percebe o que está fazendo? Não vê que está dando motivos para a babá suspeitar?

— Suspeitar?

— Sim! — Caryn tentava não se intimidar com o olhar dele. — Que patrão cederia quartos como
esses para uma secretária e o sobrinho dela?
— Espere um pouco. Você não acabou de reclamar que eu não estava cuidando de você direito?

— Mas é diferente. Achei que devia ter contado a verdade à sua filha.

— E o que a faz pensar que não contei?

— Sempre responde com outra pergunta — protestou. — O fato é que a babá pensa...

— Não me importa o que pensa a babá. A sra. Trewen é uma empregada, assim como você, e vai
receber e acatar minhas ordens. Se não, rua! Certo?

— Se me explicar qual é meu papel aqui dentro, não direi mais nem uma palavra.

— Se está com medo de que a babá pense que o filho é seu, vai ter que conviver com esse medo.
Não vejo razão nenhuma para dar a ela satisfação sobre sua vida.

— E se ela pensar que o bebê é seu também?

— Seria só uma suposição. Que, por acaso, é igual à sua.

— Ele é seu filho!

— Vejo que você evita chamá-lo pelo nome. Ele deve ter sido registrado. Ou não foi?

— Sim, foi.

— Com o meu sobrenome?

— Não. O padre que deu a extrema-unção a Lorena registrou o garoto. Declarou que o pai era
desconhecido.

— E qual é o nome?

— Já lhe disse: Christian. Lorena escolheu.

— Ah, meu Deus! — disse ele, franzindo o cenho. — Dois Christian. Isso não vai dar certo.

— Não vejo por quê. Vou chamá-lo de sr. Ross, assim como a sra. Trewen.

— E Christian? O bebê? Como vai me chamar?

— De papai!

— Ele não é meu filho! Achei que já tivesse se convencido disso.

— Então, por que nos aceitaria aqui?

— Quem sabe por caridade cristã? Ora, não vamos começar outra discussão agora. Parece que
teremos que chamar o garoto de Christian mesmo. Por sorte, Ângela me chama de Chris, o que já faz
alguma diferença.

— Por que ela não o chama de pai?


— Você deve me achar muito vaidoso para admitir que tenho uma filha de dezenove anos, não?

Caryn ficou envergonhada, mas não estava disposta a ceder.

— E não é?

— Chamar-me de Chris foi idéia de Ângela. É mais fácil de me encontrar no estúdio. Além disso,
ela prefere assim. Satisfeita?

— Na verdade, não tenho nada a ver com isso.

— Muito bem. Acho melhor deixar as coisas bem claras desde o começo.

De repente, Caryn percebeu que conversavam há muito tempo. Se a sra. Trewen suspeitava de
alguma coisa, o que não estaria pensando agora?

— Acho melhor o senhor se retirar.

— Você acha o quê? — perguntou Christian.

— A sra. Trewen deve estar imaginando o que estamos fazendo. Não devia ter entrado no meu
quarto.

— Ah, não? Queria que Márcia e a babá ouvissem nossa conversa?

— Não, mas... — Parou e respirou fundo. — Acho que devia agradecer pelo... pelo que fez por
nós, mas...

— É muito difícil para você? — completou ele, já com a mão no trinco da porta. — Não se
incomode. Posso passar muito bem sem sua gratidão. O jantar é às oito. Acha que estará pronta?

— Oh, mas... — Caryn sentia-se confusa. — A sra. Trewen também vai jantar conosco?

— Acho que a sra. Trewen vai fazer todas as refeições no apartamento do bebê. Não tenha medo.
Hoje não vou jantar com você. Já tenho um compromisso... que não gostaria de perder. Com um sorriso
irônico, ele a deixou.

CAPITULO 5

Quando a maré estava baixa, podia-se chegar à cidadezinha pelo leito do rio, cuja areia ficava toda
marcada com as pegadas dos pássaros que vinham se alimentar das plantinhas das margens. Nas praias,
havia muitas crianças e o mar se enchia de barcos. Port Edward não era uma cidade turística, mas sua
beleza atraía um grande número de visitantes que enchiam as ruas estreitas com seus carros, provocando
reclamações dos moradores que se sentiam prejudicados e invadidos. Druid's Fleet estava longe da
agitação da cidade. A propriedade não dava para o rio, mas para um riacho, onde, em meio a muitas
árvores, estava o abrigo do barco.

Caryn conversava sempre com Pepper, o jardineiro, que tinha passado a maior parte da vida em
Port Edward e conhecia bem a história do lugar. Nos primeiros dias em Druid's Fleet, parecia que ele
seria o único amigo da moça, que tinha à sua volta o silêncio de Márcia, a hostilidade de Ângela e o
mistério de Christian Ross. A criança se acostumou bem ao novo lar, o que Caryn achava mais do que
normal. Afinal, um pequeno e barulhento apartamento em Londres não podia ser comparado à paz e
tranqüilidade daquele lugar. A sra Trewen e Márcia acharam um meio de se comunicar, e o amor de
ambas pelo bebê era mais uma razão para se darem bem. Ângela é que parecia continuar não aceitando
a situação. Era compreensível que não gostasse de perder a liberdade de ter amigos em casa quando
quisesse, por causa do bebê. Mas logo ela foi para Barbados em férias, o que foi um alívio para Caryn.

Bem cedo, a moça descobriu que não era a mesma coisa trabalhar para Christian Ross e para
Laurence Mellor. Christian quase nunca estava presente enquanto ela trabalhava: preferia deixar as
instruções gravadas. A princípio, Caryn pensou que teria que arranjar algo mais para preencher o tempo,
acostumada que estava a um regime de escritório, mas logo percebeu que serviço era o que não faltava.
Havia uma correspondência enorme para ler e responder. Caryn deixava de lado as cartas que exigiam
uma resposta pessoal e respondia às outras pessoalmente. Tudo que fazia colocava na mesa dele para ser
examinado. Descia muito cedo para o escritório e já o encontrava trabalhando. Raramente usava o
escritório quando Caryn estava lá, e, quando usava, era, na maioria das vezes, para fazer chamadas
telefônicas, marcando entrevistas ou recusando um dos inúmeros convites que recebia. Seu trabalho
principal eram os programas de televisão, que também ocupavam quase todo o tempo de Caryn. No
momento, ele tinha sido contratado para fazer uma série de programas sobre economia para um canal de
Londres e por isso passava muito tempo viajando pelo país, falando com operários e patrões. Caryn
adorava o trabalho, mas sempre que sobrava um tempinho e o bebê estava dormindo, ia passear pelos
arredores. Ficava com o garoto pelo menos uma hora por dia para que a sra. Trewen pudesse jantar em
paz. Para não se sentir constrangida, Caryn preferia fazer as refeições no quarto. Algumas vezes,
oferecia-se para cuidar do bebê, mas a babá sempre recusava.

— Não gosto muito de sair — disse a sra. Trewen. — Nunca gostei muito de sair.

— Mas deve tirar uma folguinha — insistiu Caryn.

— Já falei com o sr. Ross — respondeu a babá, surpreendendo-a. — Expliquei que prefiro não
tirar folga, até que surja uma boa oportunidade para me distrair.
Caryn não teve outra escolha, a não ser aceitar seu argumento, mas não pôde evitar uma certa
irritação por Christian tomar certas atitudes sem consultá-la. Sua oportunidade de expressar o que sentia
veio mais cedo do que pensava. Na manhã seguinte, quando entrou no escritório, Christian esperava por
ela e, pelo jeito, estava impaciente para sair.

— Deixei o esquema do primeiro programa gravado — disse, depois de um rápido cumprimento.

Nunca falava muito pela manhã, provavelmente por acordar de mau humor. Assim mesmo, Caryn
resolveu interpelá-lo.

— Sr. Ross...

— Sim? O que é? — perguntou, visivelmente impaciente.

— Soube que a sra. Trewen andou falando com o senhor a respeito de seus dias de folga.

— Isso mesmo — concordou, abotoando a jaqueta de couro. — Parece que ela vai querer juntar as
folgas numa só semana, ou duas. Você não se importa, não é?

— Faria diferença?

— O que é que há? Tenho certeza de que Márcia adoraria dividir os cuidados do bebê com você,
se fosse necessário. Se é isso...

— Não, não é isso! Devia ter me dito.

— Ora... esqueci. Não há razão para se aborrecer.

— Por que insiste em tomar decisões sem me consultar?

— Ora, por favor! Há quanto tempo está aqui? Uma semana? E quantas vezes conversamos desde
então?

— O senhor quase não está em casa...

— E quando estou, você faz as refeições no quarto.

— Mas nos encontramos no período de trabalho...

— Olhe aqui, quando falo com minha secretária, falo com minha secretária, e não com a tia de
Christian! Agora estou bastante ocupado com essa pesquisa sobre economia. Se tiver reclamações a
fazer, guarde para outra hora; não tome meu tempo!

Caryn engoliu em seco. Tinha esquecido que ele podia ser bem rude quando queria. Limitou-se a
responder sua despedida de cabeça baixa e lábios trêmulos. Trabalhou mais do que nunca naquele dia.
Estava determinada a não dar margem para que ele fizesse a menor reclamação sobre seu trabalho. Na
hora do lanche, seus olhos ardiam. Quando Márcia lhe trouxe a bandeja, ficou preocupada com sua
palidez. Caryn comoveu-se com a preocupação da governanta.
— Sim, Márcia, estou mesmo cansada — disse, pondo a máquina de lado e puxando a bandeja. —
O lanche vai me fazer muito bem.

Apesar da atitude de Márcia continuar a mesma para com Caryn, a presença do bebê na casa
tinha, sem dúvida, abrandado sua seriedade. Apontando para a máquina de escrever e depois sacudindo
as mãos, fez sinal para Caryn parar com o trabalho.

— São só quatro horas — respondeu, servindo-se de chá. — Não gostaria que o sr. Ross voltasse
e me encontrasse de folga sem a permissão dele.

A outra franziu a testa e apontou para o sol lá fora. O dia estava realmente lindo. Caryn tinha
deixado as janelas bem abertas para poder apreciar melhor.

— É... eu sei. — Sorriu, percebendo que, afinal, não era tão difícil comunicar-se com Márcia. —
Talvez mais tarde.

A mulher ainda hesitou, mas concordou com a cabeça. Levantou a mão para dizer que estava indo
e saiu. Caryn sentia-se bem menos isolada agora. Trabalhou até cinco e meia e subiu para o apartamento
do bebê. A sra. Trewen o levara para passear e agora preparava seu lanche. Caryn ajoelhou-se no tapete,
ao lado do sobrinho. Fazia calor e ele vestia só uma camisinha sem mangas. Seus bracinhos e perninhas
estavam gordinhos e rosados. A pele era bem mais clara do que a de Christian. Caryn tentou evitar
outras comparações. O cabelo, pelo menos, parecia com o do pai, e não resistiu em acariciá-lo. O bebê
sorriu, e ela teve vontade de tomá-lo nos braços e apertá-lo. De repente, percebeu que nunca tinha se
permitido se envolver tanto com ele, e isso a deixou perturbada.

Levantou-se imediatamente, mas o garoto começou a choramingar. A sra. Trewen pediu-lhe,


então, que ficasse um pouquinho com ele, para que pudesse terminar de preparar o lanche. Caryn
abaixou-se e tomou-o nos braços. Ele parou de chorar imediatamente e começou a brincar com os
dedinhos na boca,

— Desculpe perguntar, srta Stevens, mas a cor do seu cabelo é natural?

— É. Sempre foi assim — respondeu, surpresa. — Mas não sabe como eu queria ter o cabelo um
pouco mais escuro.

— Não vejo por quê. Quando eu era jovem, a moda era cabelo claro e eu gastava um bom
dinheiro com tinturas.

— É... — concordou Caryn, olhando para o bebê. — Será que alguém está satisfeito com o que
tem?

— Eu ficaria contente se fosse você — respondeu uma voz masculina. As duas mulheres se
voltaram. A sra. Trewen, com ar de reprovação. Caryn, sem acreditar. Era Dave O'Hara. — Estou
atrapalhando? — perguntou ele.
— Que está fazendo aqui? Ângela foi para Barbados!

— E quem disse que estou procurando por ela?

— Então, quem está procurando?

— Vim ver Chris, mas Márcia explicou que ele não está — respondeu Dave, entrando no quarto e
brincando com o bebê. — Então, este é o pequeno Christian. Que gracinha!

— É meu sobrinho. — Caryn sentia-se embaraçada.

Para seu alívio, a babá terminou de preparar o lanche e veio pegar o menino. Caryn sugeriu que
descessem.

— Direi ao sr. Ross que você esteve aqui.

— Obrigado. — De repente, perguntou: — Vamos dar uma volta?

— Eu? Sair com você?

— Sim. Podemos até ir jantar, se quiser.

Mesmo simpatizando com ele, Caryn sabia das dificuldades que teria que enfrentar, caso se
envolvesse com alguém.

— Desculpe, mas... não. Não se ofenda.

— Não... Seu nome é Caryn, certo? Perguntei a Ângela. Vamos andar um pouco, então. Que mal
há nisso? Gostaria de bater um papo com você.

— Bem... eu...

— Não conseguiu encontrar uma desculpa! Ótimo! Vamos.

— Sobre o que quer conversar? — perguntou, desconfiada.

— Você, eu, nós. O que importa? Podemos falar até sobre o tempo. Vamos!

— Está bem — concordou, relutante. — Mas é melhor avisar a Márcia onde vou.

Dave foi atrás dela. Márcia preparava um doce na cozinha.

— Que cheiro gostoso! — comentou Dave.

A governanta olhou, com a testa franzida. Fez-lhe sinais, explicando que aquilo não era para ele.

— Mas se Chris me convidar, não posso recusar, não é? — brincou o rapaz. .

— Nós... eu... o sr. O'Hara me convidou para sair — disse Caryn, com o rosto vermelho.

Márcia fez que sim e bateu no pulso, lembrando-a da hora. Desceram então pela escada de
madeira que levava ao terraço.
— Vamos parar aqui um instante? — pediu Caryn.

— O que é que há? Será que uma velhinha como você não agüenta ir andando até o rio? —
perguntou Dave, fazendo sinal para que o seguisse.

As portas do abrigo estavam abertas e Caryn deu uma espiada lá dentro. Viu o barco, cujo nome
era Betsy.

— Já ouviu falar em Betsy Ross?— perguntou Dave. — Era a avó de Christian. Uma americana.
A mãe também é americana. O pai é que é inglês.

Caryn não queria ficar falando da vida de Christian Ross. Tirou as sandálias, enrolou a barra da
calça e começou a seguir Dave pela margem do rio, sentindo a água gelada nos pés.

— Não é uma delícia? — perguntou ele, com um sorriso que o fazia parecer ainda mais jovem.

— Se é! — Ela riu. — Mas que água fria!

— Sabe, uma vez fomos tocar em Zurique. Lá resolvemos nadar num lago; aquilo sim é que era
frio! Quando saí da água, me senti como um cubo de gelo!

— Mas sem dúvida logo deve ter achado alguém para aquecê-lo — brincou.

— Ê, sempre há garotas em volta.

— E todas prontas para servir — provocou.

— Há vários modos de servir — disse ele, com uma expressão estranha.

Caryn ficou embaraçada e saiu correndo. Ele a alcançou e segurou seu braço com força.

— O que há com você? O que eu disse?

— Nada. — Tentou parecer despreocupada. — Estou com frio, só isso.

— Não, você não está com frio.

— Estou sim.

— Gosto de você, Caryn — disse ele, soltando-lhe o braço, mas com os olhos fixos nela. — Gosto
muito de você. E não me importa de quem seja aquele bebê.

Caryn ficou espantada, mas logo percebeu o que ele tinha tentado dizer. Esbofeteou o rapaz e saiu
correndo. Ainda o ouviu chamar, mas não voltou. As pedras machucavam seus pés descalços, mas não
parou para calçar as sandálias. Ao chegar em casa, estava sem fôlego. Christian Ross a observava da
porta. Sua elegância contrastava com o desalinho de Caryn, que, com mãos trêmulas, começou a
desenrolar a barra da calça e calçar as sandálias. Gostaria de não precisar falar com ele naquele
momento, mas pelo menos, tinha de cumprimentá-lo.
— Sempre sobe escadas correndo assim? — perguntou, irônico.

— Eu... eu estava atrasada. Estava com pressa.

— Que engraçado! O'Hara também parece estar com pressa — observou, ao ver Dave se
aproximar.

— Está bem — disse, sentindo-se derrotada. — Estávamos juntos.

— E ele ofendeu você?

— Se quer mesmo saber, ele deu a entender que... que o bebê era meu.

— E pela marca no rosto dele, vejo que você também o esbofeteou. Quando vai aprender que isso
não resolve nada?

— O senhor deve ter uma solução melhor, não é?

Ao ouvir os passos de Dave, passou por Christian e foi para o quarto. Sentia-se mal por estar se
deixando vencer pela covardia. Pior ainda foi ouvir como os dois se cumprimentaram. Obviamente, não
importava o que ela sentia, pois Christian parecia gostar de Dave.

CAPITULO 6

Na semana seguinte, Caryn ficou conhecendo a equipe de Christian. Por ter muita experiência, ele
mesmo dirigia seus programas. Agora, quase toda a série estava gravada, e o primeiro programa, de
apresentação, já havia sido até montado. Os outros dariam um pouco mais de trabalho, pois eram
praticamente só de entrevistas. Como tinham resolvido trabalhar em Druid's Fleet, Caryn sentia-se
constrangida no escritório e resolveu levar a máquina para outra sala. Não sabia por quanto tempo
trabalharia para ele, mas estava preparada para ficar indefinidamente, se necessário, desde que pudesse
assegurar um lar decente para o bebê E a única maneira de conseguir isso era manter sua posição bem
definida. Afinai, como podia esperar que alguém de fora visse seu relacionamento com Christian com
bons olhos, se ela mesma não o aceitava? Às vezes, se perguntava o que estava fazendo lá e ficava
profundamente deprimida.

Depois de três semanas em Druid's Fleet, Christian foi à sua sala uma manhã, enquanto ela
tomava café. Chovia e a neblina não deixava ver o rio lá embaixo. Fazia frio. Caryn estava acostumada
a vê-lo de jeans e camisa, mas naquela manhã ele vestia um terno que acentuava a linha dos ombros.
Com certa surpresa, que tentou disfarçar, percebeu que Christian ia viajar novamente.
— Como está se saindo?

Era a própria imagem do homem bem-sucedido, e Caryn não pôde deixar de admirá-lo.

— Já estou terminando esta parte...

— Desculpe, mas não foi isso que perguntei. Queria saber se está gostando do trabalho, ou se o
acha... monótono.

— Monótono? Claro que não. Por quê?

— Você bateu à máquina esses projetos tantas vezes, que já deve saber de cor. Talvez não se
importe, mas me ocorreu, depois que tivemos aquela discussãozinha sobre a babá, que eu não lhe falei
sobre seu dia de folga nem sobre seu salário.

— Mas... mas eu tenho folga. Quando o senhor não está...

— Você continua trabalhando — completou, seco. — Às vezes, até de noite. Márcia me contou.

— Mas não me queixei!

— Não estou criticando você. Só quis ter certeza de que não anda trabalhando demais.

Caryn não disse nada. Christian foi até a janela, e ela o observou, imaginando como reagiria, se
ele tivesse lhe dado mais atenção. Se não soubesse da experiência de Lorena, teria se sentido atraída por
ele. Mas será que também se entregaria? Teria corrido o risco de ficar grávida, esperando que ele tivesse
a decência de se casar com ela? Lorena podia ter feito um aborto. Se procurasse um médico, resolveria
o problema. Mas, curiosamente, não o fez... Mesmo assim, quem podia imaginar que fosse contrair um
vírus no próprio hospital, depois do parto? Christian virou-se e pegou-a observando-o. Sem conseguir
esconder a vergonha, Caryn começou a arrumar as cartas na escrivaninha. O que ele estava esperando?
Teria mais alguma coisa a dizer?

— Partiremos para Londres daqui a pouco — disse, finalmente.

— É?

Christian aproximou-se da mesa.

— Estarei filmando lá até sexta. Deixei um mês de salário depositado para você num banco em
Port Edward. Tire uns dias de folga enquanto eu estiver fora. Leve seu sobrinho para passear. Acho que
a sra. Trewen adoraria fazer um piquenique.

— Não estou aqui para... para levar o bebê a piqueniques, sr. Ross — disse ela, com firmeza.

— Chame-o de Christian, pelo amor de Deus! Ele tem um nome. Ou será que é muito difícil para
você?

— Está bem. Não estou aqui para levar Christian a piqueniques.


— Não. Você está subordinada a mim e sou eu que decido o que deve fazer!

— Sou sua secretária, sr. Ross, nada mais.

— Não! — disse ele, apoiando as mãos na mesa e chegando bem perto dela. — Está esquecendo
as condições.

Caryn podia ver todos os detalhes do rosto dele: as sobrancelhas grossas, os olhos brilhantes e os
lábios carnudos. Podia até mesmo sentir seu hálito. Seu coração começou a bater mais forte. Tentou
encará-lo, mas lhe faltou coragem. Christian afastou-se e disse, irritado:

— Está bem, Caryn. Por que eu deveria me importar, se você quer morrer de trabalhar?

Era a primeira vez que a chamava pelo nome. Achou estranho e, ao mesmo tempo, ficou
perturbada. Sentindo que precisava fazer alguma coisa, levantou-se.

— Desculpe se me mostrei ingrata.

— Não quero sua gratidão — disse, bruscamente. — Acho também que já está na hora de eu parar
de bancar o bonzinho e lhe dizer que sua irmã não era a santinha que você parece imaginar. Bem quê
Ângela me disse para lhe contar, mas eu não quis. Mas agora... Para o diabo!

— Não quero ouvir.

— Desde que chegou aqui, Lorena começou a causar problemas, de um tipo ou de outro —
continuou ele, sem lhe dar atenção. — Era preguiçosa e relaxada no trabalho, mas gostava do meu estilo
de vida. Gostava desta casa e das pessoas que vinham aqui. Meu dinheiro era a única coisa que a atraía.

— Mas o senhor se sentiu atraído por ela!

— Lorena só tinha dezoito anos, Caryn! Mais nova do que minha própria filha! Talvez tenha
agido errado, tendo pena dela, mas não me sentia sexualmente atraído por sua irmã.

— Por que está me dizendo isso? — perguntou, de cabeça baixa. — Já discutimos nossos pontos
de vista e acho que nunca chegaremos a um acordo sobre o assunto.

— Pensei que já nos conhecêssemos melhor. Mas é claro que me enganei.

— Tudo que me disse é que Lorena não fazia bem o trabalho. Devia tê-la despedido.

— E despedi — disse ele, irritado.

— Quando desconfiou de que ela estava grávida!

— Oh, Deus! Esqueça! Esqueça tudo que eu disse. Vejo você sexta-feira.

Para sua surpresa, Christian tinha uma expressão de angústia quando saiu. Mas o que esperava? O
fato de ser um homem inteligente e um patrão compreensivo não ia mudar sua imagem de conquistador.
Além do mais, estava acostumado a usar uma máscara diante das câmeras.
O dia seguinte amanheceu lindo e Caryn sugeriu à sra. Trewen que fizessem um piquenique. Ela
adorou a idéia, e Márcia preparou o lanche para a praia. Caryn convidou-a também, mas ela não aceitou.
Dirigiu até Heron Cove, um lugar muito bonito e não muito longe. Já havia uma porção de carros
estacionados. Cada uma segurando uma alça do cestinho do bebê, desceram os degraus de pedra até a
praia. Depois de se instalarem, Caryn tirou o vestido e ficou de biquíni.

— Ora! — disse a babá, surpresa. — Como você está esbelta!

— A senhora quer dizer, depois de ter um bebê?

— Eu... não... nunca quis dizer...

— Não se incomode, sra. Trewen. Christian não é mesmo meu filho, mas de minha irmã Lorena.
Ela morreu alguns dias depois do parto.

— Que tristeza! Mas o sr. Ross tem sido... muito bom para você. Quase como... como alguém da
família.

— Tem sido muito generoso, sim.

A conversa já tinha ido longe demais. Para cortar o assunto de vez, Caryn levantou-se e foi dar um
mergulho. O dia seguinte foi ainda mais quente. De sua mesa, Caryn invejava os banhistas e as pessoas
a bordo dos iates. Depois do almoço, sugeriu irem à praia novamente.

— Não, hoje não — disse a babá, se abanando. — Está quente demais e já tomamos muito sol
ontem.

Caryn olhou para o berço. A sra. Trewen devia ter razão, mas estava louca para dar um mergulho.
Avisou Márcia que voltaria por volta das cinco, vestiu o maio, pegou uma toalha e saiu. Seguiu pela
mesma estrada da véspera, mas foi mais adiante, até umas pedras. Parou o carro bem perto delas. Era o
lugar ideal: não havia ninguém por perto. A água batia com força nas pedras, e Caryn logo percebeu que
talvez fosse perigoso nadar. Mas havia tanta tranqüilidade, que resolveu ficar. Tirou a saia e a blusa e
aproximou-se da beira da água. Era bom estar sozinha! Achou um lugar menos acidentado, esticou a
toalha e passou a loção de bronzear. Só se ouviam os gritos das gaivotas e o mar. Imaginou estar numa
ilha deserta, mas não gostou da idéia: a completa solidão era algo que a assustava. O tempo passou sem
que sentisse o sol que começou a se pôr atrás das pedras. Caryn protegeu os olhos com a mão e olhou o
horizonte, onde o céu se confundia com o mar. Christian era assim: difícil de definir. Mudava de humor
sem motivo aparente.

Não queria pensar nele nem no que estaria fazendo naquele momento, mas não conseguiu. Quem
seria a mulher da vida dele? Desde que tinha chegado a Druid’s Fleet, ele não recebera convidados, que
ela soubesse. Só seus auxiliares diretos e Dave O'Hara. Mas viajava muito e, mesmo quando estava em
casa, saía quase todas as noites. Sem dúvida, havia uma mulher por trás dessas saídas; talvez alguém
que algum dia viria a ser sua segunda esposa. Nunca tinha ouvido nenhum comentário a respeito, é
verdade. No entanto, antes de vir para Gales, só sabia dele pelas colunas de fofocas, que há muito tempo
não lia. O sol brilhava intensamente sobre a água. Caryn fechou os olhos. Sentia-se bem ali, e tudo que
se relacionava com a vida em Druid's Fleet lhe parecia muito distante...

Ao abrir os olhos, tudo tinha mudado. Fazia frio, e quase já não havia sol. Olhou o relógio e
custou a acreditar: já passava das seis. Tinha dormido duas horas seguidas! Vestiu-se, pegou suas coisas
e subiu pelas pedras rapidamente. Ao olhar para trás, suspirou aliviada, ao ver que a maré não tinha
subido muito, senão, não conseguiria sair dali. Como foi dormir daquele jeito? Esperava que Márcia não
estivesse preocupada. A estrada estava congestionada, e, quando chegou em casa, já passava das sete.
Havia um Mercedes cinza estacionado na porta, e ela estranhou, pois era o carro de Christian e ele não
costumava deixá-lo ali. Além disso, só era esperado no dia seguinte. Parou ao lado do Mercedes e,
assim que saltou, a porta da frente se abriu e o rosto ansioso de Márcia apareceu. Parecia aliviada por
ver Caryn, que, sentindo-se culpada, foi logo se desculpando.

— Eu sei que é tarde. Sinto muito.

Márcia balançou a cabeça e fez-lhe sinal para entrar. Encontrou Christian no hall, transtornado e
com uma péssima aparência: a camisa estava desabotoada e a calça molhada e suja de areia.

— Caryn! Onde estava?

— Desculpe, mas eu dormi...

— Você o quê? — perguntou, aproximando-se dela.

— Eu caí no sono. Na praia...

— Que praia?

— Não sei.

— Pois devia saber! — gritou.

— Não sei por que está bravo. Estou atrasada, mas...

— Só atrasada? Ora, disse a Márcia que voltaria às cinco!

— Sim, eu sei. — Caryn começava a se irritar. — Não sabia que o senhor viria hoje. Se tiver
trabalho que quer que eu faça...

— O diabo que carregue seu trabalho! — disse ele, afastando-se e passando as mãos pelo cabelo,
tentando se acalmar. Depois, voltou-se para ela: — Está bem, talvez eu esteja exagerando. Você deve
estar com fome. Márcia, prepare uma bandeja para dois, sim? E depois leve lá na sala.

Caryn estava suada e com areia no corpo.


— Se não se importa, gostaria de tomar banho. Talvez fosse melhor jantar no quarto mesmo...

— Você vai jantar na sala, comigo — respondeu ele e, sem esperar resposta, desapareceu pela
escada.

Depois que se foi, Márcia abriu as mãos, desconsolada, e Caryn, concordando com um aceno,
subiu para o quarto. A sra. Trewen entrou quando ela estava passando creme no rosto.

— Ouvi o falatório lá embaixo. Onde esteve?

— Na praia. Não no lugar de ontem. Era um pouco mais afastado.

— Ah, então foi por isso. Está explicado.

— O que está explicado?

— Por que o sr. Ross não a encontrou.

— Ele esteve me procurando? — Não podia acreditar. — Mas por quê?

— Bem, parece que você disse a Márcia...

— Que voltaria às cinco — completou, impaciente. — Eu sei. Mas, francamente, não sou
nenhuma criança.

— É, mas o sr. Ross disse que há lugares perigosos e estava com medo de que você ficasse presa
pela maré. — Caryn olhou-se no espelho. Não conseguia imaginar Christian Ross como um homem
preocupado com o bem-estar de seus empregados, mas, lembrando-se de sua calça molhada e suja, teve
de admitir que ele devia ter andado bastante à sua procura. — Ele me pareceu preocupado — continuou
a babá, aumentando o sentimento de culpa de Caryn. — E depois do noticiário desta tarde.

— Que noticiário?

— Sobre aqueles meninos — respondeu ela, franzindo as sobrancelhas. — Pensei que o sr. Ross
já tinha lhe contado.

— Que meninos?

— Dois meninos morreram afogados esta tarde. O barco virou e, como o mar estava bravo, não
conseguiram chegar à praia.. .

— Meu Deus! Se eu soubesse...

— Não poderia ter feito nada.

Caryn não compreendia como a sra. Trewen podia ser assim; nunca se envolvia com problemas
pessoais, enquanto ela...
A babá logo se retirou, pois queria ver um programa na televisão. Caryn acabou de passar o
creme, escovou o cabelo e escolheu um vestido sem mangas. Calçou as sandálias e desceu. Christian já
estava na sala, servindo-se de uísque. Ele também tinha trocado de roupa. Virou-se, quando ela entrou.
Caryn ficou nervosa, pois era a primeira vez que estavam juntos fora do escritório. É claro que Christian
tinha consciência de seu poder de atrair as mulheres. E de que não precisava fazer coisa alguma para
conquistá-las; bastava sua presença, nada mais. Caryn tratou de se controlar e agradeceu, secamente,
quando ele lhe ofereceu uma bebida.

— Onde você esteve esta tarde? — perguntou ele, virando o último gole do copo.

— Não sei bem. Era num lugar com pedras. Perdoe-me por ter assustado vocês. Eu... eu não sabia
sobre os garotos que se afogaram.

— Mas agora já sabe.

— A sra. Trewen me contou. Ela disse também que tinha ido me procurar.

Ele foi até a mesinha e serviu-se de outra dose de uísque. Ainda de costas para ela, falou:

— Pelo jeito, você não acreditou no que ela disse.

— Não. Isto é... é claro que acreditei!

— É mesmo? — Virou-se e olhou para ela, rindo. — E o que achou disso? Que eu estava tentando
proteger meu investimento? Que eu não queria perder uma excelente secretária?

Caryn ficou sem resposta, e ele, parecendo bastante inquieto, foi até a janela outra vez. O medo de
ele estar arrependido de tê-la contratado tomou conta dela.

— Já terminei de datilografar os roteiros que o senhor deixou e as cartas que chegaram quando o
senhor não estava... — começou ela.

— Fale sobre isso amanhã.

Sem jeito, Caryn levou o copo à boca e sentiu-se aliviada com a entrada de Márcia. A governanta
pôs a bandeja, de onde vinha um delicioso aroma de frango ensopado, sobre uma mesa e, depois de se
certificar de que tudo estava em ordem, fez sinal de que voltaria mais tarde com o café e retirou-se.
Ainda sem jeito e gaguejando, Caryn se ofereceu para servi-lo. Descobriu que seu nervosismo e a
indiferença dele tinham acabado com seu apetite. Para aumentar seu desconforto, Christian veio sentar-
se a seu lado. Antes de começar a comer, porém, pegou a garrafa de vinho do balde de gelo.

— Quer um pouco? — ofereceu, enchendo um copo.

Caryn aceitou, sem falar. Sentia a perna dele muito próxima, e isso começou a inquietá-la.

— Está gostando do jantar?


— Está ótimo — respondeu, corando.

Christian voltou a servir-se de vinho e levou o copo à altura dos olhos, observando-a através da
bebida. Caryn estava acabando de comer a sobremesa, um delicioso pudim de morangos. Quando
Márcia entrou para levar os pratos e trazer o café, elogiou o jantar. A governanta apenas sorriu e saiu
com a bandeja, deixando para ela a tarefa de servir o café.

— Como prefere? — perguntou, olhando para ele.

— Como prefiro o quê?

Havia algo em seu rosto que fez Caryn baixar os olhos imediatamente. Ele sacudiu a cabeça,
como se estivesse arrependido do que, tinha dito e pediu:

— Com pouco açúcar, por favor.

— Está bom assim?

— Perfeito. — Depois, com certa malícia, perguntou: — Diga-me: quanto tempo trabalhou para
Laurence Mellor?

A pergunta pegou-a de surpresa e ela o encarou.

— O senhor não sabe? Pensei que tivesse um fichário completo de todos os seus empregados.

— Estou perguntando a você.

— Quatro anos. Por que quer saber?

— Ele queria casar com você, não é?

— Como sabe?

— Digamos que ele tenha me contado.

— Não acredito!

— Sabia que não acreditaria — disse, rindo.

— Não vai me contar? — perguntou servindo-se de café.

— Adivinhei. Acredita?

— Não sei...

— Foi pelo jeito que ele falou de você. Só podia ser uma destas duas razões: ou não fazia bem o
serviço, ou ele estava emocionalmente envolvido com você. Claro que não é a primeira; portanto, só
podia ser a segunda.

— Ê muito esperto!

— Sou apenas prático.


— Quer dizer que é calculista!

— De fato. Mas ganho bem por ser calculista e atingir os objetivos em meu trabalho.

— Foi por isso que despediu Lorena?

— Nunca vai parar de tocar nesse assunto? Já lhe contei tudo sobre Lorena. Pelo amor de Deus!
Estou sustentando o filho dela, não estou? O que mais quer de mim?

— Que... que admita...

— O quê? Culpa? Remorsos? — disse ele, virando-se para ela, com raiva. — Mas que culpa? Que
remorso?

— Só o senhor deve saber — respondeu, com voz trêmula.

— Então, é essa a opinião que tem de mim, não é? O que será que tenho de fazer para provar que
não sou o monstro que pensa?

Caryn estava com a boca seca e respirava com dificuldade; o coração batia acelerado.

— Não precisa provar nada para mim.

— Sabe o que tenho vontade de fazer?

Começou, então, a examiná-la: primeiro, o rosto; depois o pescoço, os botões desabotoados da


blusa, os seios arfantes e, finalmente, as pernas. Nunca tinha feito isso antes. Mais nervosa do que
nunca, reconheceu outra vez o poder de atração que ele exercia sobre ela.

— Acho que está na hora de eu ir para o meu quarto — disse, tentando esquivar-se.

Ele pôs a mão firme sobre seu joelho, forçando-a a ficar onde estava.

— Covarde! — falou, baixinho e com ironia. — O que acha que vou fazer com você? Do que está
com medo? Se quiser, pode me esbofetear.

— Sr. Ross...

— Sim, srta. Stevens?

— Quer tirar a mão do meu joelho?

— Não.

Dizendo isso, chegou mais perto dela, quase a impedindo de respirar.

— E por que deveria? — continuou, — Já que pensa o pior de mim, não acha que devo confirmar
suas suspeitas?

— Isso é ridículo! Se não me deixar ir...


— O que vai fazer? Gritar por socorro? E quem viria socorrê-la? Márcia? Acho que não. A babá?
Duvido. Christian?

Tentou empurrá-lo, mas ele segurou firme suas mãos, imobilizando-a.

— Que cheiro bom! — disse, sentindo o perfume dela. — E agora, o que vamos fazer?

— Solte-me!

— O que vai fazer? Arrancar meus olhos?

— Bem que o senhor merece!

Mas, assim como a prendeu, soltou-a. Ela sentia as pernas bambas e parecia incrivelmente difícil
conseguir levantar do sofá. Christian continuava a fitá-la, mas não havia mais ironia em seus olhos.
Caryn, porém, continuava insegura.

— Sua filha está gostando das férias? — gaguejou.

Christian fechou os olhos e se recostou no sofá.

— Oh, Caryn! — Massageou o pescoço e depois se levantou. — Está. Está gostando bastante.
Quer outro drinque? — perguntou, servindo-se de uma dose de uísque. Quando ele se virou. Caryn já
estava em pé, os bicos dos seios marcando-lhe a blusa fina. — Ah, está indo embora! Isso mesmo! Fuja,
menininha!

— Não gostei da insinuação, sr. Ross. Se é assim que faz suas conquistas, sinto muito, mas perdeu
seu tempo.

— É isso mesmo que pensa, srta. Stevens? Será que devo desapontá-la?

— Já me desapontou há muito tempo.

— Acho que não conhece bem o sentido dessa palavra.

— Eu sei.. . — começou, mas parou ao ver que ele tinha se colocado entre ela e a porta.

— O que é que a mocinha sabe? Não acredito que já tenha dormido com um homem.

— É... é esse o seu critério? É bom que saiba... — Ele veio ao seu encontro e tomou-a nos braços.
Mesmo assim, Caryn continuou: — ...que há coisas mais importantes na vida do que... do que ir para a
cama com um homem convencido...

Não pôde terminar, pois ele começou a lhe beijar o pescoço e os ombros. Pensou em resistir, mas
seria uma reação infantil. Resolveu, porém, deixar bem claro que ele estava perdendo tempo.

— É claro que não compreende... o senhor... parece desprezar as mulheres, aproveita-se delas...
sem respeito ou... ou amor.
Christian roçou-lhe suavemente os lábios nas orelhas, provocando-lhe sucessivos arrepios.
Quando ele a puxou para junto do corpo, estremeceu com o contato daquelas pernas rijas e musculosas
que tanto admirava. Mas ao tentar beijá-la, sentiu que precisava se livrar dele. Aquilo estava ficando
muito perigoso. Tentou falar, mas foi impedida com um beijo suave e arrebatador. Ele a apertava com
muita força contra o peito, mas a sensação era boa. Christian começou a acariciar-lhe a nuca e as
orelhas. Com as mãos fechadas, ainda tentou empurrá-lo, mas, quando voltou a beijá-la, não conseguiu
resistir e abraçou-o, apaixonadamente. O telefone tocou, chamando-os de volta à realidade. Christian
grunhiu um protesto e afastou-se dela para ir atendê-lo.

Só então, Caryn notou que seu vestido estava desabotoado e havia marcas visíveis das mãos dele
em seus braços. Estava morta de vergonha! Era terrível... Depois de tudo que sabia a respeito dele, não
podia ter permitido que aquilo acontecesse! Christian virou-se como se adivinhasse que ela ia sair.
Havia cinismo em seus olhos, enquanto continuava a falar ao telefone.

— Sim... Eu sei... Ótimo... Está bem, mas...

Caryn evitou seu olhar e foi até a janela. Ouviu-o inventar uma desculpa qualquer para desligar.
Quem seria? Sentiu um certo desapontamento ao pensar que poderia ser outra mulher. Quando ele se
aproximou, temerosa de que fosse recomeçar o que tinha interrompido, virou-se, rapidamente.

— Olhe, sinto muito por tudo isso — disse ele, passando a mão nos cabelos. — Acho que não
tenho me importado muito com as pessoas ultimamente.

Caryn não tinha a menor intenção de recomeçar a conversa; por isso, disse, friamente:

— Estou muito cansada. Importa-se se eu subir agora?

Ele deu de ombros, pôs as mãos nos bolsos e disse que não. Sentindo-se estranhamente
humilhada, a moça dirigiu-se à porta. Mas, antes que a abrisse, ele falou:

— Acho que agora fui tão longe que não tenho mais chance de perdão.

Ela voltou-se e olhou para ele com certa relutância.

— Simplesmente, provou o tipo de homem que é.

— Ora, ora, isso é muito conveniente, não? — Voltava a ficar irônico. — Será que adiantaria eu
dizer que não pretendia fazer amor com você?

— É um pouco tarde...

— Não. Não me entendeu. Queria dizer que não pretendia... ir para a cama com você.

— Não vou para a cama com homem nenhum! — respondeu, indignada.

— Mas algum dia irá! — E foi servir-se novamente de um uísque.


Caryn não sabia o que fazer. Ele sempre levava a melhor! Mas, dessa vez, não ia ficar assim!

— Acredita mesmo que eu iria para a cama com o senhor? — insistiu, de cabeça erguida.

Ele bebeu um gole de uísque, limpou a boca com a mão, e respondeu, sério:

— Eu não disse isso.

— Mas o senhor falou... — Estava muito confusa.

— Se interpretou o que eu disse desse modo, não há nada que possa fazer para impedi-la.

— Ora... ora... seu...

— Vamos, diga! Acho que já ouvi o que quer me dizer — completou, com ironia.

— Aposto que sim!

— Mas, não de uma mulher.

Caryn abriu a porta e saiu.

CAPITULO 7

Nas duas semanas seguintes, Caryn não viu Christian. Sentia-se mais feliz assim. Partiu para
Londres logo depois daquele jantar. O que tinha vindo fazer em Gales, ela não conseguiu descobrir, mas
acabou concluindo que queria apenas lhe deixar mais trabalho. Depois que ela foi deitar, Christian tinha
estado no escritório, pois, pela manhã, havia uma porção de fitas gravadas com instruções.

Dave O'Hara apareceu uma tarde, no fim da segunda semana. Entrou na sala onde Caryn estava
revisando um roteiro. Não ficou nem um pouco entusiasmada ao vê-lo, mas o sorriso dele a sensibilizou
e, resignada, deixou o serviço de lado.

— Como vai? — perguntou o rapaz, parando no meio da sala, com as mãos nos bolsos do abrigo
de náilon.

— Bem, obrigada. Que está fazendo por aqui?

— Passei aqui para vê-la. Estou com a moto lá fora. Vamos dar uma volta?

— De moto?

— É. Qual o problema?
— Desculpe, não posso ir.

— Por que não? Não está tão ocupada. Já deve fazer umas duas semanas que Chris viajou.

— Como sabe?

— Ele mesmo me disse.

— Quando?

— Domingo, em Londres.

— Você foi ao apartamento do sr. Ross, domingo passado?

— Fui. Ele deu uma festinha.

— Ele... deu uma festa?

Caryn começou a sentir-se uma idiota, repetindo tudo que Dave dizia, mas é que nunca havia
associado as saídas de Christian a festas. Naturalmente, ele devia dar muitas festas. E por que não?
Afinal, era convidado para recepções, conhecia muita gente. Ficou irritada por deixar Dave perceber sua
surpresa.

— Você não sabia? — ele perguntou.

— Não é da minha conta — respondeu, arrumando os papéis sobre a mesa. — Agora, se me der
licença.. .

— Ora, vamos! — Parou na frente dela. — Chris estará aqui no fim de semana. Aí é que não vai
sobrar tempo para você, mesmo.

— O sr. Ross... vem para cá? — Sentiu um arrepio na espinha. — No fim de semana?

— É. E vai trazer Melanie Forbes. Já deve ter ouvido falar dela.

— Melanie Forbes? Sim, claro.

Naturalmente tinha ouvido falar. Quem não tinha? Era uma cantora que se tornara atriz e, por ser
bonita e talentosa, os jornais sempre publicavam suas fotos. Diziam que o fato de ser filha de George
Forbes, dono de uma cadeia de televisão, em nada influiu em sua carreira.

— E então? Vai ou não dar uma volta comigo?

Caryn hesitou, pois a notícia realmente a perturbou. Perdeu a vontade de trabalhar e recusava-se a
pensar nos próximos dias. Dave percebeu sua indecisão e aproveitou para reforçar o convite.

— Vai lhe fazer bem dar uma volta, Caryn. Aqui está muito abafado. Você vai respirar ar fresco,
sentir o vento no rosto. Garanto que consegue terminar isso depois.

— Não tenho capacete para andar de moto.


— Eu tenho um de sobra. Como é? Vem?

— Está certo, mas tenho que trocar de roupa.

Márcia mostrou-se contrariada quando Caryn contou que ia sair. Pegou um pequeno bloco na
gaveta e escreveu, em letras maiúsculas: DIGA-LHE PARA NÃO CORRER MUITO!

— Está bem — Caryn prometeu.

A preocupação de Márcia emocionou Caryn. Não conseguia entender como uma mulher com a
aparência dela se conformava em morar na casa dos outros como uma simples governanta, praticamente
se anulando como pessoa. Caryn colocou o capacete. Era um pouco grande, mas conseguiu prendê-lo
bem no queixo. Sentiu-se ridícula, mas Dave riu e disse que estava ótimo. Certamente, uma motocicleta
tinha suas vantagens. Conseguiam ultrapassar com facilidade os carros de turistas, que chegavam a
Saint Gifford à tardinha.

— Onde vamos? — perguntou, por cima do ombro dele.

— A uma festa. — Mas, ao notar seu espanto, acrescentou, rapidamente: — Calma, calma. Vou
trazê-la de volta antes que escureça.

— Mas Márcia...

— Eu disse a ela onde íamos. O conjunto está lá, mais uns amigos. Vamos fazer um churrasco na
praia.

— Você devia ter me contado.

— Por quê? Você viria, se eu lhe dissesse?

— Não.

— Por isso que não contei.

Passaram pelo cais e depois pegaram uma trilha, até uma casa afastada. O som de música vinha de
trás da casa. Ao descerem da moto, Caryn perguntou:

— Quem mora aqui?

— Greg, o baixista do grupo, é o dono, mas nós todos moramos aqui.

— Moram?

— Bem, nem sempre. Venha! Vou lhe servir uma cerveja.

Caryn acompanhou-o, não muito à vontade. Deveria ter ficado firme e recusado o convite. Como
tinha sido boba em deixar que seus sentimentos por Christian a perturbassem! Agora, não estaria
naquela situação desagradável. Entraram por uma passagem lateral e foram até o fundo da casa.
Chegaram a um pátio amplo e logo foram recebidos como se estivessem sendo esperados há muito
tempo. Alguém disse olá. Era Allan, o único americano do conjunto. Estava com uma garota que olhou
maliciosamente para Caryn.

— Já conhece o Allan? — perguntou Dave, passando o braço nos ombros de Caryn.

Depois de se livrar de Dave, cumprimentou o americano sem muito entusiasmo.

— Acho que está precisando de uma bebida. Hoje está bem quente, não é? — disse Allan. — O
que quer beber? Cerveja? Coca?

— Uma coca, por favor — respondeu, de cabeça baixa.

Não queria continuar a conversa com ele nem despertar o ciúme de sua namorada.

— Ela se chama Lindy — informou Dave, procurando um lugar para se sentarem.

Caryn achou lindo o pátio. O desenho do piso devia ser italiano, em tons de amarelo e marrom,
combinando com o verde das plantas e das trepadeiras. Os outros membros do conjunto chegaram
depois e, um a um, se apresentaram. Suas namoradas não foram agressivas como Lindy. Quase todas
usavam jeans e camisetas ou o sutiã do biquini. Será que as outras garotas eram mais novas do que ela?
Que idade teriam os rapazes do grupo? Dave já devia ter perto de trinta anos; pelo menos, aparentava.
Mas Allan, Greg Simons e Gene David, o baterista, pareciam mais moços.

Allan voltou com a coca e, enquanto Dave conversava com outra pessoa, sentou-se perto dela.

— Será que já nos vimos antes? — perguntou, examinando o rosto de Caryn.

— As técnicas continuam as mesmas, não é? — disse ela. — Será que não ficaria melhor começar
com: "Você sempre vem aqui?"

— Ganhou um ponto — disse ele, sorrindo sem jeito. — Mas é verdade. Você me faz mesmo
lembrar alguém. Acho que é o jeito de olhar, o formato da boca, os olhos... sim, esses olhos...

Foi como se um raio a tivesse atingido, provocando-lhe ao mesmo tempo alegria e tristeza. Olhou
para ele, hesitante, e arriscou:

— Talvez tenha conhecido minha irmã, Lorena Stevens.

— Lorena Stevens! Claro!

Podia-se notar pela expressão do rapaz que ele sabia muito bem de quem se tratava.

— Ela é sua irmã? Que coisa incrível! E como está Lorena?

— Ela... está morta.

— Morta? Meu Deus! Eu não sabia!


Nesse momento, Lindy voltou e enlaçou-lhe o pescoço por trás. Virou-se para ela, impaciente,
mas, como a garota não o soltasse, afastou-a, dizendo:

— Ora, dê o fora!

A moça foi embora sem disfarçar o despeito. Caryn sentiu-se mal e tentou dizer alguma coisa para
aliviar a tensão.

— Você conhecia bem Lorena?

— Não, não muito. Ela andava sempre por aqui, mas acho que o Dave a conheceu bem melhor do
que nós.

— Sim. Compreendo.

Os olhos de Caryn voltaram-se para Dave, pensativos. Sendo amigo de Christian, ele deveria ver
sua irmã bem mais do que qualquer um dos outros.

— Bem... — Allan deixava transparecer que estava ansioso para mudar de assunto. — Então, é
você que está trabalhando para o Chris, agora. E como é seu relacionamento com Ângela?

— Quase não a conheço. — Caryn preferia não se comprometer. — Ela está fora já há algum
tempo. Saiu de férias logo depois que comecei a trabalhar.

— Muito bem — Allan sorriu. — Só que é melhor ficar longe de Dave, quando ela estiver por
perto. Ângela não gosta de competição.

— Dave?

Assim que ouviu seu nome, ele virou-se, sorrindo.

— Alguém me chamou?

Caryn ficou vermelha. Limitou-se a negar com a cabeça e a tomar seu refrigerante. Apesar do
ambiente ser dos mais animados, ela logo se aborreceu. O cheiro de incenso a deixava enjoada, e a
bebida corria solta. Quando, finalmente, começaram a assar o churrasco na praia, estavam todos altos,
com exceção, talvez, de Lindy e da própria Caryn. Não era nenhuma puritana, mas aquilo não lhe
agravada. Só de pensar em ter que voltar a Port Edward na garupa da moto de Dave, sentia calafrios.
Ele não estava em condições de dirigir. Lamentou não ter vindo em seu carro. Entrou na casa, com a
desculpa de usar o banheiro, mas estava mesmo procurando o telefone. Se ligasse para Druid's Fleet,
Márcia poderia ir buscá-la. Afinal, sabia dirigir. Ia sempre a Carmarthen fazer as compras. Encontrou
Lindy no saguão e perguntou-lhe se havia um telefone na casa.

— Por que quer saber? — A garota estava visivelmente mal-humorada.

— Para ligar para casa... isto é, para o lugar onde moro — respondeu, ansiosa.
— Por quê?

— Quero ir embora. — Se a garota não gostava dela, ia ficar contente com isso.

— Quer ir embora? Você e quem mais?

— Só eu. Por favor, sabe onde fica o telefone?

— Claro. É logo ali. — Apontou para uma porta perto da entrada.

Caryn entrou correndo. Era uma sala de estar e, pelo cheiro de cigarro, não deviam ter o hábito de
abrir as janelas. Mas o que queria era só o telefone, que estava em um canto, perto do sofá. Discou o
número de Christian, com dedos trêmulos. Passou um bom tempo, antes que alguém viesse atender. Era
uma voz masculina. Ficou muda de espanto, o coração batendo acelerado.

— Christian? Christian, é você?

— Caryn! — A voz dele mostrava surpresa. — Há alguma coisa errada?

Sua cabeça parecia que ia estourar. Por que Christian estava lá? Estaria sozinho? Ou será que
Melanie Forbes tinha vindo também?

— Eu... por que... não — respondeu, mas depois completou, depressa: — Será que posso falar
com Márcia, por favor?

— Márcia? Caryn, onde está você?

— Por favor, não tenho muito tempo...

Ouvia vozes fora da sala. Tinha medo de que alguém entrasse e perguntasse que diabo ela estava
fazendo.

— Caryn! — repetiu, enérgico. — Onde está? Eu quero saber!

— Márcia não lhe contou?

— Disse que Dave ia levar você ao cinema e depois para jantar em Carmarthen. Se não me disser
onde está, quando chegar aqui...

— Estou num lugar chamado Saint Gifford — apressou-se em responder.

— Saint Gifford! — À raiva dele era mais do que evidente. — Na casa de Greg Simons?

— É...

— Deus do céu! O que está fazendo aí?

— Eu... eu não sabia para onde estava indo...

— Estarei aí em menos de uma hora — disse ele, e desligou.

Caryn saía da sala, quando encontrou Dave procurando por ela.


— O que estava fazendo?

— Olhando a casa — respondeu, como se nada tivesse acontecido. Ele pareceu não acreditar, mas
não insistiu.

— Bem, então venha! Já tem churrasco na brasa e Greg quer saber como prefere a sua carne.

Caryn foi seguindo o rapaz pelo pátio e pelos degraus de pedra que levavam à praia. A areia era
cheia de pedregulhos que machucavam os pés. Sentou-se num banco de madeira, e ficou pensando no
que Christian iria fazer. Logo trouxeram a aparelhagem de som e começaram a dançar na areia. Dave
convidou-a, mas ela preferiu ficar vendo Greg assar a carne. Lindy aproximou-se.

— E então? Achou?

Caryn franziu a testa, irritada, mas Allan tinha ouvido e perguntou:

— Achou? O quê?

— O banheiro, boboca! — respondeu Lindy.

Caryn respirou aliviada e olhou disfarçadamente para o relógio. Já passava das oito. Quanto
tempo ainda levaria para Christian chegar? Percebeu que estava ansiosa demais para vê-lo. Dave, que
tinha ido dançar, voltou seguido de uma ruiva de biquini.

— Vamos lá, garota! — disse ele, bebendo cerveja. — Não está se divertindo nem um pouquinho.
— Caryn tentou ignorá-lo. Para sua surpresa, o rapaz parou de sorrir e agarrou seu cabelo, enraivecido.
— Não faça pouco de mim!

Caryn tentou se livrar dele.

— Deixe a garota em paz — pediu a ruiva, inquieta. — Venha dançar comigo, amorzinho!

— O que é que há com você? — perguntou, agressivo, largando o cabelo de Caryn. — Lorena não
era assim tão convencida.

Caryn olhou-o, com desprezo, mas não disse nada. Então Allan gritou:

— Olhem quem está aqui! O patrão em pessoa!

Caryn e Dave viraram-se ao mesmo tempo e viram Christian descendo os degraus para a praia.
Vestia calça azul-marinho e camisa em tom mais claro, e tinha a mesma elegância de sempre. Mas o
que mais a perturbou foi que não estava sozinho. Atrás dele vinha uma garota alta e magra, de cabelos
castanhos muito bem penteados, usando um vestido de seda, que obviamente não combinava com um
churrasco na praia. Caryn reconheceu-a imediatamente: era Melanie Forbes em carne e osso.

Dave lançou um olhar interrogativo para Caryn, antes de se dirigir aos dois.

— Chegaram bem na hora. — Apontou para o churrasco. — Há bistecas para todo mundo!
— Para mim, não, doçura — disse Melanie. — Essas comidas engordam.

Os olhos de Christian se encontraram com os de Caryn, que não conseguia se mover. Sabia que
era bobagem, mas estava magoada por ele ter trazido a namorada. Por que não tinha vindo sozinho?

— A que devemos a honra? — perguntou Greg, aproximando-se.

Antes que Christian pudesse explicar, Melanie interrompeu:

— Onde está a secretária de Chris? Este é o motivo de termos vindo aqui. Pelo jeito, ela quer ir
para casa.

Caryn ficou vermelha e depois pálida, pois todos os jovens se viraram para ela. Nunca tinha se
sentido tão humilhada. Baixou a cabeça, olhando para o chão.

— A culpa é minha — disse Christian, para ajudá-la. — Eu disse a Caryn que a levaria de volta,
— Falava com calma, mas sabia que estava apenas se controlando. — Ela nos avisou que estava aqui e
que chegaria tarde, mas achei que já era hora de vir buscá-la.

— Caryn ligou para vocês? — Dave parecia não acreditar — Pois ela não disse nada sobre isso.

— Havia alguma razão especial para lhe contar? — perguntou Christian, imperturbável.

— Ah, vamos, amorzinho! — pediu Melanie, puxando-o pelo braço.— Onde está ela? Vamos
logo. Você prometeu me levar à festa dos Donnelly.

Caryn levantou-se do banco aproximando-se deles. Melanie olhou para ela meio surpresa e Caryn
não se surpreendeu: afinal, seu cabelo caía pelos ombros em desalinho e estava sem nenhuma
maquilagem. Christian fez sinal para subir na frente e ela obedeceu, despedindo-se timidamente. Parou
do lado de fora, junto ao Mercedes, sem saber o que fazer. Ele abriu a porta de trás para que ela entrasse
e depois olhou para Melanie, como que se desculpando por tê-la feito esperar.

— Não as apresentei ainda — disse, depois de se sentar atrás do volante. — Melanie, esta é
Caryn; Caryn, Melanie.

A outra mal se virou para trás. Assim que o carro partiu, disse a Christian:

— Precisava falar com Dave daquele jeito? Na frente de todos os amigos dele?

Como ele não respondeu, ela insistiu:

— Não acha isso tudo uma bobagem? Quer dizer, é claro que a senhorita... senhorita...

— Stevens — completou Caryn, friamente.

— Stevens... — repetiu Melanie, com um sorriso. — É claro que a srta. Stevens já é bem
crescidinha para tomar conta de si mesma!

— Acho que não é da sua conta, Melanie.


A moça virou-se para a janela, amuada. Mas, ao chegarem a Druidas Fleet, já estava falando,
animadamente, sobre a festa a que iriam mais tarde. Assim que o carro parou, Caryn abriu a porta e
apressou-se em descer, mas Christian a deteve:

— Quero falar com você.

— Agora não... — protestou, olhando para Melanie, que continuava no carro.

— Agora mesmo.

— Mas a srta. Forbes...

— Deixe Melanie comigo — respondeu, já abrindo a porta da casa.

Caryn entrou e ficou olhando para ele, perdida. Nunca tinha sido repreendida por Laurence e
desaprovava a atitude de Christian. Não pedira para ir buscá-la. Ele foi porque quis. Ainda assim,
parecia que a culpava.

— Desculpe se estraguei sua noite.

— Parece que isso já é um hábito seu — disse ele, batendo a porta. — O que lhe deu na cabeça
para sair com O'Hara?

— Pensei que só íamos dar uma volta.

— Márcia me disse que ele ficou de levá-la ao cinema. Por que inventou essa história?

— Não sou mentirosa!

— Não mesmo?

Caryn encarou-o por um instante, mas, sentindo-se impotente para responder, virou as costas e
correu para o quarto. Encostou-se na porta, tentando acalmar as batidas descompassadas do coração,
mas Christian empurrou-a e entrou. Tentou fugir e ele a segurou com firmeza.

— O que pensa que está fazendo? Este é meu quarto!

— Disse que queria falar com você — respondeu, impassível. — E, se tiver que ser aqui, para
mim está ótimo.

— Já pedi desculpas. O que mais quer?

— O que foi, exatamente, que Dave lhe disse?

— Isso importa, realmente?

— Importa sim.

— Ele disse... ele me convidou para passear.

— E você foi? Assim, sem mais nem menos?


— Não! E por que não deveria ir, afinal?

— É você quem pergunta? Depois desta noite?

— Não aconteceu nada... — disse ela, de cabeça baixa.

Os olhos dele brilhavam intensamente.

— Quer dizer que teria ficado lá, se eu não fosse buscá-la?

— Não tinha muita escolha, não acha?

Ele a soltou e afastou-se um pouco.

— É... estou mesmo perdendo meu tempo falando com você. Fui um idiota em pensar que seu
telefonema fosse um grito de socorro.

Caryn sentiu-se péssima. Tinha telefonado para Márcia porque não estava bem, e ele não se
enganara ao perceber o desespero em sua voz.

— Bem, é melhor eu ir — disse ele, tentando abotoar um botão da camisa.

Mas, impaciente como estava, não conseguia. Ela se aproximou.

— Deixe que eu ajudo.

Suas unhas roçaram os pêlos de peito dele, tornando mais intimo seu gesto.

— Deveria ter mandado eu cuidar da minha vida. — Christian disse quando ela acabou de
abotoar.

— M... mas tinha toda a razão — admitiu, em voz baixa. — Eu realmente queria vir embora.
Eles... eles estavam bebendo demais e... e eu não queria que Dave... que Dave... fizesse uma idéia errada
sobre mim. Eu... eu realmente não sabia onde ele estava me levando e... e quando descobri...

— Entrou em pânico?

— É... algo assim.

— Oh, Caryn! — Falou seu nome de tal modo, que a fez olhar para ele, surpresa. Mas Christian
desviou o olhar e foi até a porta. — Direi a Márcia para lhe trazer o jantar.

Caryn percebeu que ele sentiu pena dela. Odiou-o por isso. O sangue lhe subiu à cabeça. Não
admitia que ele voltasse para Melanie e lhe contasse que Dave a tinha feito de boba. À outra,
certamente, adoraria ouvir a história.

— Não se incomode! Pode deixar que eu mesma falo com Márcia. É melhor que cuide de sua
convidada. Tenho certeza de que ela o recompensará muito bem por tudo que fizer.

— O que está insinuando?


— Nada — respondeu, tentando parecer calma. — É melhor que se apresse. Já percebi que ela
não gosta que a façam esperar.

— Sua idiota! O que sabe sobre isso?

— Dave me contou quem é o pai dela.

— Contou, é? — Christian aproximou-se. — E quando foi? Antes ou depois do alegre passeio?

— Isso tem alguma importância?

— Teria... se eu achasse que você estava com ciúme e por isso resolveu sair com O'Hara!

— Eu? Com ciúme? — Caryn riu. — Deve estar brincando, sr. Ross.

— Será?

— Ora, vá para o inferno! — gritou, dando-lhe as costas.

Ela o ouviu praguejar e, em seguida, sentiu suas mãos fortes agarrarem seus braços e a puxarem
para junto dele, prendendo-a assim por algum tempo. Começou a se debater e ele virou, dominando-a
com um beijo. Seus lábios machucavam; e Caryn quis protestar. Mas não conseguiu, pois, ao abrir a
boca, o beijo tornou-se mais íntimo e ardente. Pouco a pouco, sua agressividade cedeu lugar à fraqueza
e Caryn começou a corresponder, embora se sentindo a última das criaturas, pois sabia que Christian
agia levado pela raiva e não pelo amor. Só queria magoá-la, feri-la. Apesar disso, chegou um momento
em que a proximidade do corpo dela começou a excitá-lo. A atração entre eles era algo que ela nunca
havia experimentado. Ao perceber que estava a ponto de ceder, Caryn murmurou, com a voz carregada
de emoção:

— Meu Deus!

Christian olhou para ela, afastou as mãos dos botões já abertos de sua blusa e, num esforço
extremo, dirigiu-se para a porta.

— Chris.

Queria poder prendê-lo ali, mas seu olhar ficou perdido no vazio, pois a porta se fechou
rapidamente atrás dele.

CAPITULO 8
Caryn foi lentamente até o banheiro. Queria lavar o rosto com água fria, para aliviar o calor da
emoção. Mal abriu a torneira, ouviu alguém bater. Abotoou a blusa depressa, mas nem chegou a abrir a
porta, pois Melanie entrou sem esperar resposta. Caryn ficou surpresa e, depois, culpada. Seu rosto
pegava fogo, revelando o que se passava dentro dela.

— Quer alguma coisa? — perguntou, tentando parecer controlada.

Melanie olhou-a de alto a baixo, com uma expressão nada amigável.

— Christian está aqui? — Olhou em volta.

Caryn acabou de abotoar a blusa e pôs as mãos nos bolsos, desajeitadamente.

— Chris... o sr. Ross? — gaguejou. — Claro que não!

— Mas ele estava com você um minuto atrás, não é? — insistiu Melanie, impaciente. — Ouvi
vocês dois discutindo lá de baixo, enquanto esperava no carro.

— Sinto muito, mas não sei onde ele está agora — respondeu Caryn, aliviada por, pelo menos
isso, ser verdade.

A outra ainda deu uma espiada no quarto. Antes de sair, disse para Caryn:

— Este quarto é muito bom. Melhor do que o meu, para dizer a verdade.

A moça não sabia o que responder e continuou calada.

— Há quanto tempo está aqui? Não sei exatamente quando foi que Christian a empregou.

A intenção de Melanie estava mais do que clara: queria deixar bem definidas as posições de cada
uma desde o começo. Caryn não entendia por que ela agia daquele modo. Afinal, não era muito
provável que se vissem outras vezes. A não ser... que Christian se casasse com ela. Afastou depressa
este pensamento, pois já era forte a atração que sentia por ele. Se continuasse lá, mais cedo ou mais
tarde cairia nas garras dele, sem defesas, como a pobre Lorena. Ao mesmo tempo, não conseguia deixar
de imaginar onde podia ter ido, quando a deixou.

— Faz quase seis semanas que estou aqui — respondeu, percebendo a impaciência de Melanie.

— Já? Não acha este lugar solitário, tendo só Márcia como companhia?

— Está esquecendo o bebê e a sra. Trewen — respondeu Christian, por detrás de Melanie.

— Ah, até que enfim apareceu! Onde andava o príncipe encantado? — continuou, visivelmente
irritada.

Christian vestia uma calça creme e camisa marrom-clara.

— Eu estava... com calor — explicou, olhando rapidamente para Caryn, antes de se voltar de
novo para Melanie. — Resolvi tomar um banho rápido. Desculpe.
— Podemos ir agora?

— Não vejo por que não.

Olhou novamente para Caryn e saiu com Melanie. Caryn dormiu mal naquela noite. Pôs a culpa
no salmão que Márcia tinha preparado para o jantar, mas sabia que seu problema era o coração, e não o
estômago. Depois que Melanie e Christian se foram, ela tomou um banho que em vez de acalmá-la,
deixou-a ainda mais agitada. Deitou-se, mas não conseguia afastar o pensamento dos dois. Às três
horas, adormeceu finalmente. Acordou pouco depois, ao ouvir uma porta bater. Achou que era Christian
e suspirou, só voltando a pegar no sono ao amanhecer. Por isso mesmo, perdeu a hora. Passava das
nove, quando se levantou. Era sexta-feira, e Christian devia estar esperando para ditar umas cartas.
Encontrou Márcia no hall e perguntou se Christian já tinha acordado. A outra juntou as mãos e pôs a
cabeça de lado, indicando que ele ainda estava dormindo.

— Ainda bem! Pensei que estivesse esperando por mim. Acordei tarde hoje.

Márcia sacudiu a cabeça, pegou o braço de Caryn e levou-a até a cozinha. Fazendo mímica,
fingindo levar uma xícara à boca, perguntou se queria café.

— Um café vai me fazer muito bem — disse Caryn. — Se não for muito trabalho, acho que vou
querer umas torradas, também.

A sra. Trewen entrou, quando Caryn acabava de tomar seu café; trazia o bebê nos braços. Já
estava bem crescido. Sorria e fazia gracinhas, sempre que alguém lhe dava atenção. Caryn levantou-se
para pegá-lo.

— Ele passou metade da noite acordado — disse a babá. — Será que tem um café pára mim
também?

Caryn tirou os dedinhos de Christian da boca e riu, quando ele agarrou seu cabelo. Brincar com o
sobrinho a faria esquecer dos problemas.

— Então, você não foi bonzinho? Que levado, hein?

— O sr. Ross tem convidados, sabia? — perguntou a babá, depois que Márcia lhe deu uma xícara.

Caryn concordou com a cabeça, feliz por estar com o bebê nos braços, pois assim podia disfarçar
melhor o que se passava em seu íntimo.

— Eu a conheci ontem à noite — respondeu.

Puxou Christian para bem pertinho e, ao fazer isso, notou uma certa semelhança do bebê com
alguém que conhecia, mas não sabia quem. Olhou de novo para o sobrinho, tentando identificar aquela
expressão familiar, mas não conseguiu. Nesse momento, a porta se abriu. Era Christian e estava com
uma cara péssima, conseqüência talvez da noitada. Tinha olheiras, e vestia um robe azul-marinho e
pijama de seda branca. Era a primeira vez que Caryn o via em roupas de dormir. Surpresa, percebeu que
o olhou mais tempo do que devia. Ele voltou então a atenção para o bebê nos braços dela, fazendo-a
sentir-se terrivelmente vulnerável. O futuro da criança dependia dela manter uma relação apenas de
trabalho com aquele homem e, na noite anterior, quase tinha posto tudo a perder... Christian pareceu
surpreso ao vê-las juntas na cozinha àquela hora. A sra. Trewen logo justificou sua presença.

— O dentinho do pequeno Christian está começando a nascer, sr. Ross, e eu passei uma noite
horrível!

— Eu também, sra. Trewen — respondeu ele, confortando-a. — Não precisa sair correndo por
minha causa. Márcia, tem leite de magnésia?

A governanta dirigiu-lhe um olhar de reprovação, mas ele respondeu, com muito bom humor:

— Eu sei, eu sei: acha que bebo demais. Mas pode me arranjar a magnésia?

A sra. Trewen aproximou-se de Caryn, que estava prestes a lhe entregar o bebê, quando Christian
atravessou a cozinha e foi brincar com ele. Chegou tão perto de Caryn, que a calça do pijama roçou suas
pernas. Deixou que o menino pegasse seus dedos e, pelo modo como o bebê brincava com ele, Caryn
percebeu que não era a primeira vez que faziam aquilo. Christian olhou para ela e comentou:

— E você que dizia que não ligava para bebês!

— Este é diferente.

— Acho que devia agradecer pela atenção que tem dado ao... meu filho.

Caryn olhou em volta, com medo de que a sra. Trewen estivesse ouvindo. Em seguida, levantou-
se e afastou-se com o bebê, que tinha começado a chorar. A babá veio logo apanhá-lo.

— Venha, meu anjinho. Está na hora do seu soninho, não é?

Márcia pôs o vidro de magnésia em cima da mesa com tanta força, que as xícaras saltaram sobre
os pires, ruidosamente. Com gestos irritados, repreendeu o patrão. Christian virou-se para Caryn e disse,
rindo:

— Acho que você vai gostar disso: Márcia está me chamando de idiota.

— Já estou indo para o escritório, sr. Ross — disse ela, com o rosto vermelho, já à caminho da
porta.

Christian tomou uma colherada de magnésia e fez uma careta. Depois, limpou a boca e olhou para
a moça com expressão amarga.

— Pode tirar uns dias de folga. O pai de Melanie virá nos fazer companhia neste fim de semana e,
apesar de termos que tratar de negócios, você não precisa estar presente.
— Está bem — concordou, sentindo-se arrasada. — Mas não me importo de trabalhar.

— Já disse: tire uns dias de folga. Por que não vai a Londres? Não quer ver seus amigos?

— Laura?

Caryn mordeu o lábio, sentindo uma onda de culpa invadi-la. Além de uma carta, logo que chegou
a Port Edward, não tinha mais escrito para o casal. Lembrou, de repente, que Laura já estava bem no
fim da gravidez.

— O que é que há? — ele perguntou. — Achei que adoraria ficar fora daqui uns dois dias.

— É... talvez. Quando quer que eu me vá?

— Quando eu... o quê? — perguntou, irritado, — Bem, acho melhor ir me vestir. Falo com você
daqui a quinze minutos nó escritório, srta. Stevens!

Sozinha com Márcia, Caryn ficou parada, sem saber o que fazer, mas a governanta olhou para ela
de um jeito tão amigo que a comoveu. Sem a presença perturbadora de Christian, Druid's Fleet tinha se
tornado um verdadeiro lar para ela. Tinha certeza que sentiria saudades, se algum dia tivesse que ir
embora. No escritório, arrumou sua escrivaninha, arquivou as cópias dos roteiros que tinha
datilografado na véspera e verificou se as fitas do gravador estavam em ordem. Passou então para a
escrivaninha de Christian, juntando as canetas e colocando-as nos respectivos lugares. Sentou-se na
cadeira dele para guardar umas pastas na gaveta debaixo. A porta se abriu e ele entrou. Seu primeiro
impulso foi pular e voltar à sua mesa, mas algo, que ela não sabia explicar, a deteve.

Christian tinha acabado de tomar banho e seu cabelo ainda estava molhado. Fechou a porta e
encostou-se nela por um instante; depois, endireitou o corpo e aproximou-se de Caryn. Parou em frente
da escrivaninha, com os pés levemente afastados. Cruzou os braços e disse:

— Como está se sentindo?

— É bem... confortável.

— Acha mesmo?

Estava muito sério, e Caryn sentiu-se constrangida.

— Sobre o que queria falar comigo? — ela perguntou.

Ele continuou a olhá-la de um jeito estranho, até que se viu forçada a tomar uma atitude.
Empurrou a cadeira, levantou-se e deu a volta na mesa. Ele barrou seu caminho e perguntou:

— Dormiu bem? — Caryn engoliu em seco, sem saber o que dizer. Christian insistiu: — Dormiu
bem?

— Se... eu... dormi bem? O que significa isso?


— Você conseguiu dormir, depois do que fez comigo! Gostaria muito de saber com quem estou
lidando. Se você tem ou não consciência!

— Sr. Ross... gostaria de pedir desculpas... pelo que disse ontem à noite...

— Duvido! — Segurou-a com força pelos ombros. — Por que essa mudança repentina de opinião,
posso saber? Não há nada que justifique. A não ser... — Seus olhos se estreitaram. — A não ser que
esteja com medo de que eu expulse você e o menino daqui!

— Está bem! Está bem! Essa é a triste realidade! Você nos tem bem na palma da mão, não é? E
não há nada que eu possa fazer; pelo menos, por enquanto. Se eu tiver que rastejar por causa disso...
acho até que rastejarei. Mas não pense que vai me fazer sentir culpada, porque não pode! Não lhe fiz
nada que umas horinhas com Melanie Forbes não pudessem compensar. O senhor passou mais do que
umas horinhas com ela, não foi? E sabe o que mais? Não me surpreenderia se soubesse que passou a
noite inteira com ela! Assim, economiza roupa de cama, não é?

Seguiu-se um pesado silêncio; só se ouvia o tique-taque do enorme relógio sobre a lareira e a


respiração ofegante de Caryn. O que poderia acontecer agora? Por que foi dizer tudo aquilo? E como
podia provar uma acusação tão séria como aquela? Christian soltou-a e olhou para as mãos.

— Então, é isso que pensa que aconteceu? — perguntou, friamente, o que a deixou ainda mais
confusa. — Você me julgaria de outra maneira, se eu tivesse dormido com você?

— Não!

— Mas isso quase aconteceu! E por que eu não devia procurar uma outra mulher para completar o
que ficou pelo meio?

Caryn respirou fundo e respondeu:

— Acha que é uma boa desculpa?

— Já que faz uma péssima ideia de mim, não preciso me desculpar. Do que tem medo, Caryn?
Que eu engravide Melanie e resolva me casar com ela?

— Se quer se ver livre de mim no fim de semana, eu vou para Londres.

— Quero, sim. Mas, não pelas razões que você pensa. Agora, vê se dá o fora daqui, antes que eu
perca a paciência!

Caryn ia sair, quando Melanie abriu timidamente a porta. Sua expressão mudou, ao dar com
Caryn, e tornou-se fechada, ao ver Christian em pé diante da escrivaninha.

— Ah, você está aqui, querido! Acho que era isso que Márcia estava tentando me dizer.
Honestamente, querido, não sei como você agüenta essa mulher em sua casa, sem poder dar recados
nem atender o telefone.
— Márcia me serve perfeitamente — respondeu ele, seco.

Melanie não pareceu perceber a visível irritação de Christian e continuou:

— Sei que se sente responsável por ela, querido, mas não foi culpa sua se o marido dela e o bebê
foram assassinados tão brutalmente por aqueles selvagens africanos...

— Melanie, quer parar!

A moça corou, e Caryn achou que estava mais do que na hora de sair dali. Deu uma desculpa
qualquer e foi para o quarto. Ao sentar-se na cama, sentiu-se fraca. Apesar de ser pouco mais de dez
horas, já tinha acontecido tanta coisa! As palavras inconseqüentes de Melanie tinham revelado um
pouco do passado de Márcia. Ao pensar em seu sofrimento, Caryn sentiu uma pena enorme dela. Como
teria ido trabalhar para Christian? Não podia imaginar! O que importava, porém, era que ele lhe dera um
lar e um objetivo na vida. Depois de arrumar a mala, foi ao quarto do bebê para avisar à sra. Trewen que
ficaria fora até a segunda-feira. A babá estava atarefada, arrumando os armários, mas sorriu, ao vê-la
entrar.

— Gostaria mesmo de lhe falar em particular, srta. Stevens — disse ela.

— Ah, é? — Caryn estava com os nervos à flor da pele.

— Sim. É por causa disso. — Remexeu em sua enorme bolsa e tirou uma carta. — Chegou esta
manhã. É de uma velha amiga minha. Escrevi para ela logo que chegamos aqui. Mora numa cidade aqui
perto e eu já estava esperando por um convite dela.

— E daí? — perguntou Caryn, já adivinhando a resposta.

— Na verdade, quer que eu passe um dia lá — admitiu a sra. Trewen, ansiosa. — Acha que
domingo está bem?

— Domingo? — Caryn engoliu em seco. — Bem...

— Tenho certeza de que o sr. Ross não se importará. Quer dizer... já faz seis semanas...

— Sim, claro — respondeu Caryn, forçando um sorriso. — A senhora bem que merece,
naturalmente. Sim, domingo está bem.

— Ótimo! Estava pensando em ligar para ela esta tarde, se tudo estivesse certo.

— Bem, na realidade, eu... também vou sair da cidade hoje.

— Vai? — perguntou a babá, surpresa. — Duas cabeças e um só pensamento!

— Pois é. Bem, é melhor eu ir.

— Volta hoje à noite?

— Não, amanhã.
— Ah, sei! O sr. Ross não vai precisar da senhorita?

— Na verdade, foi idéia dele.

— Minha nossa! Estou estragando seu fim de semana?

— Não, de jeito nenhum.

Caryn não sabia por que o fato de voltar um dia antes do previsto lhe dava aquela estranha
sensação de alívio.

— Bem, até amanhã a noite, então.

— Divirta-se — disse a babá, voltando ao trabalho.

Na verdade, Caryn não queria ir para Londres, embora tentasse se convencer do contrário.

CAPITULO 9

Caryn não demonstrou o menor entusiasmo ao se encontrar de novo com Laura. A amiga estava
realmente feliz por vê-la e elogiou demais sua boa aparência.

— Que sorte você tem de morar perto do mar! — disse, com certa inveja.

Caryn olhou para seu rosto afogueado e o ventre enorme, e concluiu que Londres não era
realmente um bom lugar para crianças.

— Sim, tem vantagens — concordou, entrando no apartamento. — Onde está o Bob?

— Onde pensa que pode estar? Trabalhando, é claro! Se ao menos conseguisse um emprego fora
da cidade e pudéssemos comprar uma casa no campo! Mas com o que ele ganha...

Laura foi até a cozinha pôr água no fogo. Caryn parou junto da janela. As chaminés de Londres
não eram agradáveis aos olhos como a vista do estuário e o barulho do tráfego não podia se comparar ao
murmúrio suave do rio. A amiga voltou à sala e caiu pesadamente numa poltrona, abanando-se com um
jornal.

— Mais três semanas ainda! Não sei se vou agüentar.

— Como você faz com a escada?

— Não uso a escada. A não ser quando vou à clínica. Bob faz todas as compras para nós e eu fico
presa aqui, de manhã à noite, esperando que ele volte para casa.
— E sua mãe? — perguntou Caryn.

Lembrava-se bem da velhinha de rosto redondo e fechado que vinha de vez em quando ao
apartamento. Laura sacudiu a cabeça.

— Ela nunca se deu bem com Bob, como você sabe. E... bom, depois que você se mudou, eles
discutiram sobre o fato de eu ficar sozinha aqui o tempo todo, sem ninguém para me acudir, caso o bebê
resolva chegar mais cedo.

— Mas... e o outro apartamento? Onde eu morava?

— Ainda não foi alugado. Ouvi dizer que a dona está guardando para a filha que deve se casar em
breve. Mas não sei se é verdade.

— Oh, Laura! — Caryn ficou preocupada com a amiga. — Sua mãe tem razão: você devia ter
alguém a seu lado.

— E quem você sugere? O sr. Sugden? Ou aquela insuportável sra. Peei?

— Bem, na verdade o sr. Sugden também trabalha o dia inteiro.

Podia entender a relutância de Laura em falar com ele. Era um homenzinho calado e sinistro. A
sra. Peei era outra figura estranha. Devia ter uns trinta e poucos anos e morava no apartamento da
frente, no andar de baixo. Não trabalhava e não lhe faltavam visitas masculinas. Disfarçou, ao ver a
expressão angustiada da amiga, e perguntou:

— Se tiver um lugarzinho para eu dormir posso ficar aqui esta noite? Amanhã de manhã, faço as
compras, está bem?

— Oh, Caryn!

Consternada, viu que Laura chorava, mas, com esforço, conseguiu se controlar e foi até a cozinha
preparar o chá. Quando voltou à sala, já tinha recuperado o controle, e Caryn tratou de distraí-la,
falando do pequeno Christian, as gracinhas que ele já sabia fazer, e descrevendo com detalhes sua
experiência com o conjunto Velvet Band. Não mencionou Christian Ross, mas uma vozinha dentro dela
insistia em lembrar-lhe seus verdadeiros sentimentos por ele e a chamava de covarde. Os dois dias se
passaram com espantosa rapidez. Fazendo compras para Laura é que Caryn percebeu o quanto estava
desatualizada com os preços das coisas e como tinha se habituado depressa à sua nova vida. Isso é
perigoso, pensou, subindo ia escada de volta para o apartamento. Mais cedo ou mais tarde, a situação
com Christian ficaria insustentável e seria muito difícil se habituar novamente à vidinha antiga, a não
ser que conseguisse controlar a situação dali para a frente. Tentou não pensar no que faria, se ele a
despedisse. Seria muito duro para o pequeno Christian viver sem o conforto que o pai lhe dava. Bob, o
marido de Laura, ficou muito contente ao vê-la.
— Laura quase não recebe mais visitas — disse, quando a esposa saiu da sala. — Estou
preocupado com ela, mas o que posso fazer? Alguém aqui tem que garantir o pão!

— Gostaria muito de ajudar — confessou Caryn. — Estou arrasada por não poder fazer nada,
justo agora que o bebê está para nascer.

Bob concordou com a cabeça e, depois de olhar para trás, falou baixinho:

— Olhe, não diga nada a ela, está bem? Tenho uma entrevista na TV Sul, na semana que vem. Se
conseguir o emprego, vamos poder alugar uma casa fora da cidade, em Willesden.

— Oh, Bob! — O rosto de Caryn se iluminou de alegria. — Isso seria maravilhoso!

— Eu sei, mas o problema é o seguinte: como não tenho experiência em televisão, minhas
chances são mínimas!

— E é obrigatório ter experiência anterior?

— Não, mas se aparecer outro candidato que tenha, estarei fora do páreo.

Então, Caryn lembrou. TV Sul! Não era a companhia dirigida pelo pai de Melanie Forbes? Sua
cabeça trabalhava rápido. Talvez não fosse muito ético pedir, mas Laura e Bob bem que mereciam uma
oportunidade como aquela. Mas como podia contar com alguma ajuda de Melanie, que não tinha a
menor simpatia por ela? Embora fosse um sentimento recíproco, Melanie tinha motivos mais fortes,
pois Christian a mandou se calar duas vezes na presença de Caryn. Christian! Sim, claro! Ele era a
pessoa mais indicada para fazer o pedido. Mas como, depois de tê-lo tratado com tanta insolência? Ao
perceber a preocupação da amiga, Bob aproximou-se e disse:

— Olhe, não me agrada envolver você nisso tudo, mas... bem... eu sei que Christian Ross tem
algumas ações da TV Sul. Será que daria um jeito de... dar uma palavrinha em meu favor?

— Oh, Bob...

— Sei que é embaraçoso, mas... por favor! Estou desesperado! E não há ninguém além de você
que possa nos ajudar nisso, Caryn.

Do jeito que Bob colocou o problema, ela se sentiu contra a parede, sem poder recuar.

— Mas eu não conheço assim tão bem o sr. Ross — tentou argumentar.

— Trabalha na casa dele, não é? Trabalha para ele. Sei que é uma ótima profissional. Acho que
poderia pedir este favor como sua secretária. .. ou quase como sua... cunhada.

— Mas, Bob, Christian Ross nega até hoje que a criança seja dele!

— Está bem, está bem. Desculpe ter pedido. Esqueça.

— Não! Não! — Caryn estava desesperada. — Olhe, vou ver o que consigo fazer, certo?
A despedida de Laura foi terrível. A amiga chorou e Caryn deixou o apartamento incrivelmente
deprimida. Mas não era sua culpa, tentava se convencer. Já era noite alta, quando chegou a Druid's
Fleet. Márcia veio recebê-la com a notícia de que o sr. Ross tinha levado os hospedes para um passeio
naquela noite. A governanta pegou seu bloco de anotações e escreveu:

ELE SABIA QUE VOCÊ VOLTARIA ESTA NOITE?

— A sra. Trewen não lhe explicou?

A mulher fez que não.

— Ela vai passar o domingo com uma amiga e me pediu para tomar conta de Christian.

Márcia franziu a testa. Depois balançou a cabeça e escreveu: ACHO QUE SIR GEORGE NÃO
SABE QUE HÁ UM BEBÊ NA CASA. MAS MELANIE NÃO GOSTA DO QUE ELA CHAMA DE
FAVORITISMO INJUSTO COM O BEBÊ DE LORENA.

— Então, acho melhor eu não aparecer também — disse Caryn. — Não quero causar qualquer
tipo de problema. —Vendo o olhar estranho de Márcia, a moça ficou vermelha. — Bem, pelo menos,
não pedi para estar aqui!

A governanta voltou a escrever: JÁ PENSOU NA HIPÓTESE DO BEBÊ NÃO SER FILHO DO


SR. ROSS? Caryn não conseguiu disfarçar o desapontamento.

— Não acredita em mim?

ACHO QUE LORENA PRECISAVA DESESPERADAMENTE DE AMOR. AMOR DE UM


HOMEM. QUANDO NÃO CONSEGUIU O DO SR. ROSS, FOI PROCURAR EM OUTRO LUGAR.

— E eu que pensei que você fosse minha amiga! — gritou Caryn, dirigindo-se para a porta. —
Por que, então ele assumiu a responsabilidade de criar o menino?

A sra. Trewen acordou-a às sete e meia da manhã, tirando-a de um sono profundo e agitado.

— Desculpe incomodar, mas é que o meu táxi vai chegar às oito e meia e achei que deveria
acordá-la um pouco antes de partir.

Caryn sentou-se na cama, esfregando os olhos.

— Está bem — respondeu, bocejando. — O que quer que eu faça?

— Antes de tudo, acho que deve se arrumar — respondeu a sra. Trewen, bem-humorada.

Caryn sorriu, espreguiçou-se e saiu da cama. Uma ducha fria acabou de acordá-la. Foi direito para
o quarto do bebê. A babá já tinha dado banho e vestido o garoto, que brincava no chão encostado em
almofadas.
— Ele está esperando o café da manhã. Por favor, venha até aqui, para eu lhe mostrar o que deve
dar a ele hoje.

Caryn já tinha terminado de dar o mingau e o suco de maçã para o sobrinho, quando Márcia
entrou. Como temia que a conversa da noite anterior pudesse ter afetado o relacionamento das duas,
Caryn ficou aliviada ao ver a governanta lhe sorrir afetuosamente. Trouxe-lhe uma bandeja com o café
da manhã, e Caryn agradeceu, enquanto Márcia tentava dizer à sra. Trewen que havia um carro lá
embaixo.

— Deve ser o táxi — disse a babá, ansiosa. Virou-se para Caryn, entre feliz e aflita, e perguntou:
— Posso deixar por sua conta, não é? Será que esqueci alguma coisa?

— Bem, consegui cuidar dele sozinha até os três meses — respondeu a moça com paciência. —
Fique tranqüila: acho que não se esqueceu de nada.

As duas mulheres saíram juntas do quarto, e Caryn sorriu para o pequeno Christian.

— Muito bem! Agora, somos só nós dois. Como é? Acha que vamos nos sair bem?

O garoto riu, parecendo concordar com Caryn. Não era mesmo difícil tomar conta de uma criança
tão calma. Depois de comer, Christian deitou-se no tapete e ali ficou, enquanto Caryn tomava seu café.
Começou então a brincar com um patinho de borracha e um chocalho, gritando, irritado, quando não
conseguia alcançá-los. Para evitar um encontro com Melanie e o pai, Caryn preferiu não levá-lo para
passear. O tempo tinha mudado. Fazia frio e ameaçava chuva. Caryn colocou o menino no berço,
guardou os brinquedos, arrumou o quarto e desceu para levar sua bandeja para a cozinha. Márcia estava
preparando legumes e protestou, quando a moça insistiu em lavar a louça. Depois de alguns minutos,
virou-se para a governanta e disse, meio sem graça:

— Sabe... sobre ontem à noite.

Márcia sacudiu a cabeça, agitando as mãos, como se dissesse: esqueça. Caryn achou que seria
melhor assim. Já estava para subir de volta para o quarto do bebê, quando a porta da frente se abriu e
Christian entrou, sacudindo a água da chuva do agasalho de náilon.

— Caryn! — Parecia surpreso ao vê-la ali. Aproximou-se da escada, olhando-a, com a testa
franzida. — Pensei que estivesse em Londres!

Depois do que acontecera na última vez em que tinham estado juntos, como poderia agir
naturalmente, diante dele? Era quase impossível! Mas, ao se lembrar dos inúmeros favores que devia a
Bob e Laura, resolveu enfrentá-lo. Mesmo imaginando seu desprezo, quando lhe pedisse para ajudar os
amigos. Desceu um degrau e respondeu, secamente:

— A sra. Trewen queria passar o dia com... com uma amiga. Eu me ofereci para cuidar de
Christian.
— Não havia a menor necessidade — disse ele, impassível. — Se tivesse me avisado, eu pediria a
Márcia para tomar conta dele por um dia. Não precisava estragar sua folga.

— Márcia já tem bastante serviço. Além do mais, o senhor tem... hóspedes.

— Podíamos ir comer fora. Isso não é problema. Em último caso, contrataria alguém.

— Não era necessário. — De repente, deu-se conta de que estavam a ponto de discutir novamente
e se controlou. — Honestamente eu... eu não me sinto prejudicada.

— Mas você me confessou uma vez que não gosta de tomar conta de crianças.

— Talvez tenha mudado de opinião — disse, com voz trêmula.

— E a que se deve isso?

— Que importância tem, meu Deus? — explodiu, agarrando com força o corrimão. — Estou aqui,
e acho que agora é só o que importa.

— Eu devia ter sido avisado.

— Pensei que a sra. Trewen lhe tivesse dito.

— Ê claro que não disse. — Christian fez uma pausa, olhou para ela, pensativo, e acrescentou: —
Bem, já que está aqui, pode jantar conosco hoje.

— Acho que não vai ser possível...

— E por que não?

Ela hesitou, antes de responder:

— O garoto precisa de companhia...

— Não é algo de que todos precisamos?

— Sr. Ross...

— O jantar é às oito, srta. Stevens.

Durante toda a tarde, Caryn não conseguiu pensar em outra coisa. Tentava encontrar uma
desculpa para não comparecer ao jantar, embora soubesse que era importante ir. Se não se juntasse a
Christian e aos hóspedes, ele ia ficar furioso! Além disso, que outra chance teria para expor o caso de
Bob? Mas será que não estava alimentando esperanças em vão? Na certa, Melanie não permitiria que
Caryn tivesse uma conversa em particular com ele. Por outro lado, temia que ele não desse ouvido a seu
pedido. O pequeno Christian tomou um lanche às quatro e só depois do banho, às seis e meia, lhe daria
a mamadeira. Ele gostava muito de brincar com água; por isso, Caryn colocou o avental de plástico da
sra. Trewen antes de lhe dar banho. Depois, vestido com o pijaminha, o menino tomou mamadeira feito
um anjo, deitado no colo da tia, só reclamando um pouquinho quando Caryn o colocou no berço para
dormir.

— Não deve se comportar mal esta noite. A tia Caryn tem que se arrumar, pôr o melhor vestido e
conversar bem direitinho durante o jantar. Sorte sua, não ter sido convidado também.

Christian finalmente dormiu e Caryn tomou uma ducha rápida, protegendo o cabelo com uma
touca. Depois de se maquilar, pôs um vestido de jérsei vermelho que lhe caía muito bem. Enquanto
dava os últimos retoques no cabelo, em frente ao espelho, achou que a roupa talvez não fosse adequada
para o jantar, pois era um pouco brilhante. Mas não havia tempo para mudar e, se Christian não
gostasse, a culpa era só dele. Faltavam ainda quinze minutos para as oito, quando desceu. Encontrou
Christian e os hóspedes tomando drinques na sala de estar. Todos os olhos se voltaram em sua direção.
Ainda bem que, pelo menos na aparência, não ficava nada a dever a Melanie, que usava um vestido de
chiffon azul. Um homem robusto, de cabelo grisalho, veio ao seu encontro. Apesar de não se parecer
muito com a filha, deduziu que fosse sir George Forbes.

— Você é Caryn, não? — perguntou, antes que Christian os apresentasse. — Ê bom que venha se
juntar a nós. Pena que não estivesse aqui ontem à noite, teria sido muito mais divertido.

Como sir Forbes não soltasse sua mão, Caryn puxou-a, suavemente. Christian não tirava os olhos
dela.

— Fomos jogar ontem à noite em casa de uns amigos — disse o velho.

— E o senhor teve sorte, sir George? — perguntou Caryn, forçando um sorriso.

— Gosta de jogar, srta. Stevens? — perguntou Melanie, provocadoramente.

— Pode-se dizer que Caryn é uma especialista em jogos de azar, não é mesmo? — Christian tinha
um brilho um tanto hostil nos olhos.

Caryn sentiu-se aliviada quando sir George cortou a conversa:

— Chris me contou que sua irmã trabalhou para ele.

Estava muito perto dela, o que fazia se sentir constrangida. Por isso, limitou-se a concordar com a
cabeça.

— Quer um sherry? — ofereceu Christian, desviando sua atenção.

— Sim, obrigada.

— Chris despediu a irmã dela — disse Melanie, olhando para Caryn em desafio. — Ela se
tornou... Como posso dizer? Um transtorno para ele.

— Assim como a senhorita, agora? — Caryn não pôde se conter.


Melanie ficou furiosa!

— Boa resposta! — Sir George riu.

O velho já devia ter bebido um pouco e, apesar das palavras rudes de Caryn, não se sentiu nem
um pouco ofendido. Melanie virou-se, então, para Christian e perguntou:

— Vai deixar que ela continue aqui me insultando?

— Já que o que ela disse é verdade, não há nada que eu possa fazer — respondeu ele, sem se
alterar. — Creio, porém, que ela se arrependeu tanto de dizer, quanto você de ouvir.

Por um instante, Caryn teve vontade de mandar todos eles para o inferno. Baixou os olhos e
tentou manter a calma. Dirigiram-se, à sala de jantar. Era a primeira vez que ela entrava naquela sala
imponente. Não tinha a maravilhosa vista da parte de trás da casa, mas a decoração em nada ficava a
dever aos outros aposentos. Como sempre, o jantar preparado por Márcia estava maravilhoso. Depois da
entrada, coquetel de camarão, vieram costeletas de vitela ao molho de vinho. Como sobremesa, uma
levíssima mousse de limão. Mesmo consciente da hostilidade ostensiva de Melanie e da melancolia
estampada nos olhos de Christian, Caryn comeu com gosto. Além do mais, o vinho ajudou a aliviar sua
tensão. Márcia tinha acabado de trazer os queijos, quando ouviram um carro chegar. Apesar de não estar
muito escuro, Caryn não conseguiu ver quem era, do lugar onde estava sentada. Pela reação de
Christian, pensou que fosse Dave O'Hara. Mas estava completamente enganada.

— É Ângela! — disse ele, levantando-se. — Por que ela não me avisou que chegaria hoje?

— Ângela? — Melanie sorriu. — Que bom!

— Sua filha, Ross? — perguntou sir George. — Que ótima surpresa!

Só Caryn não se alegrou com aquela chegada inesperada. Se Ângela tivesse vindo antes, não
precisaria comparecer ao jantar. A porta da frente se abriu, e Christian foi ajudar o motorista do táxi a
descarregar as malas. Ângela entrou, mais linda do que nunca, depois de um mês de férias.

— Melanie, querida!

As duas se abraçaram.

— Sir George! — Ângela deixou a amiga para abraçá-lo.

Os olhos do velho brilharam. E por que não? pensou Caryn. Afinal, com aquele vestido
acentuando-lhe as formas, o cabelo caindo como seda quase até a cintura, Ângela era a própria imagem
da beleza. Ao contrário de Caryn, não se importava com os olhares ávidos do pai de Melanie. Mas ao
ver Caryn, que continuava sentada à mesa, seu bom humor desapareceu, dando lugar a uma profunda
irritação.
— Será que estou interrompendo algo? — perguntou ao pai. — Não sabia que sua secretária
jantava com você, Chris. Ou é uma ocasião especial?

Caryn levantou-se. Já tinha agüentado demais para uma noite só:

— Seu pai me convidou para que formássemos um número par, srta. Ross. Já que a senhorita
chegou, acho que não preciso esperar pelo café!

— Ora, espere um instante. Eu...

Ângela não pôde terminar de falar, pois o pai a interrompeu, bruscamente:

— Caryn, faça o favor de se sentar!

Caryn preferiu ignorar os dois. Por sorte, o choro do bebê veio quebrar o silêncio que se seguiu.

— Como podem ver, o dever me chama — disse ela, retirando-se.

Estava ninando o garoto, quando percebeu alguém na porta. Devia ser Christian. Sem se virar,
disse, autoritária:

— Por favor, pode ir embora que eu dou conta sozinha!

— Está bem, se é assim que deseja.

Percebia-se, pela voz, que a sra. Trewen estava ofendida. Caryn, então virou-se, morta de
vergonha.

— Sra. Trewen! Por favor, desculpe. Não sabia que já tinha chegado. Oh, meu Deus! Não sabia
que era a senhora!

— Minha amiga acabou de me trazer de carro — respondeu a babá, ainda um pouco ressentida. —
Pensei que tivesse me ouvido subir.

— Não, não ouvi...

— Bem, já que é assim, deixe que eu fico com o bebê. Acho que o sr. Ross está procurando pela
senhorita.

Caryn preferia ficar abraçada ao sobrinho, mas para não ofender a babá novamente e não deixar
transparecer sua angústia, concordou com ela. Entregou-lhe o garoto e saiu do quarto. A luz da saleta de
brinquedos feriu-lhe os olhos, pois o quarto de dormir sempre ficava à meia-luz. Ainda tentava se
acostumar à claridade, quando percebeu que não estava sozinha.

— Ele está bem?

Christian entrou. Vendo-o aproximar-se, Caryn ficou imaginando por que sentia aquela estranha e
irresistível atração por um homem que devia odiar.
— A sra. Trewen está com ele. Mas, por favor, não estrague sua noite.

Christian parou na frente dela, olhando-a com certa preocupação.

— Está tudo bem com você?

— E por que não estaria? — protestou, passando as mãos pelo rosto. — Oh, por favor, não quero
que tenha pena de mim!

— Por que faz questão de se fechar tanto em si mesma? — Como ela não respondeu, ele
continuou: — Sabe que você ficou bem com o bebê nos braços — disse, surpreendendo-a.

— O senhor... me viu?

— Da porta. Depois a sra. Trewen apareceu, e resolvi não interferir.

A respiração de Caryn foi ficando ofegante a cada palavra que ele lhe dizia; seu coração batia tão
forte que a assustava. Perto como estava, os olhos de Christian já não revelavam qualquer sinal de
autoridade, desprezo ou frieza; apenas, afeto.

— Caryn!

Em vez de enfrentar o olhar dele, ela virou-se, rapidamente, derrubando um chocalho do bebê.
Abaixou-se automaticamente para apanhar, mas ele foi mais rápido. Em seguida, segurou seu rosto e
beijou-a. Caryn sentia as pernas tremerem. Foi um beijo demorado, ao mesmo tempo violento e suave.
Seus corpos estavam bem próximos e uma febre de desejo pareceu tomar conta deles. Começaram a
trocar carícias cada vez mais excitantes, quando alguém gritou:

— Christian!

Era Melanie. Sua voz vinha do fim da escada. Num salto, Caryn livrou-se de Christian, que saiu
do quarto do bebê. Ela ficou lá, parada, sentindo o mundo desmoronar sobre sua cabeça. Ouviu ainda o
risinho de Melanie. Depois, correu para o quarto e bateu a porta. Como poderia ajudar Bob e Laura, se
não tinha competência para cuidar de si mesma? Não se sentiu melhor, na manhã seguinte. Pelo
contrário: deixou-se dominar pelo pressentimento de que um desastre estava prestes a acontecer.
Analisando a situação friamente, viu que, se continuasse a morar lá, envolver-se com Christian já não
seria apenas uma possibilidade. Era tarde demais para possibilidades! Isso a deixava profundamente
inquieta. Como poderia agora trair a memória de Lorena, tornando-se amante do homem que tinha sido
a causa indireta da morte da irmã? Estava no quarto de brinquedos, tomando café com a sra. Trewen,
quando Melanie e seu pai entraram. Parecia se confirmar seu pressentimento de um desastre, pensou
Caryn. Por que tinha ido lá? Que interesse poderia ter pelo pequeno Christian? A sra. Trewen, muito
pelo contrário, não escondia seu orgulho. Levantou-se para cumprimentá-los, com muito entusiasmo.
Caryn fechou as mãos, sentindo as unhas ferirem a pele.
— Espero não estarmos atrapalhando, invadindo assim, minha filha — disse sir George, os olhos
faiscando de curiosidade. — Mas é que vamos partir daqui a pouco e achei que não devíamos ir embora
sem conhecer o mais novo morador desta casa.

A sra. Trewen primeiro olhou para Caryn e depois respondeu, educadamente:

— Não, claro que não nos incomoda, sir George. Ele acabou de comer a papinha e está brincando
um pouquinho no tapete, mas logo será hora da soneca.

Pela primeira vez, o jeito infantil da babá falar não fez Caryn sorrir. Pudera! Melanie parecia
querer matá-la com o olhar! Sir George foi até onde o bebê estava brincando, e, depois de olhar
novamente para Caryn, Melanie seguiu o pai. Os dois começaram a brincar com o garoto, que sacudia
as perninhas no ar. Caryn sentiu vontade de pegar o sobrinho e sair correndo dali. Mas já era tarde. Sir
George abaixou-se e fazia cócegas no queixo do bebê que franziu o rosto em sinal de protesto, o velho
deixou escapar uma exclamação de surpresa.

— Ei! Espere aí!

Caryn já quase nem respirava, na expectativa de que a qualquer momento ele falasse na
semelhança do bebê com Christian. Não tinha dúvida de que Melanie tinha levado o pai até ali por essa
única razão. Só não entendia por que queria chamar atenção sobre o fato.

— Melanie, o garoto não a faz lembrar de alguém? — perguntou ele.

Caryn olhou para a sra. Trewen e levantou-se. Viu, então, Melanie levar a mão à boca, surpresa.

— Sim! Meu Deus! Mas é a cara de Dave O'Hara, sem tirar nem pôr!

Caryn nunca se sentiu tão atônita e tão próxima de perder os sentidos. Seu rosto perdeu a cor e,
com a boca aberta e os lábios trêmulos olhou para os dois. Melanie endireitou-se, encarou-a e disse,
com ironia:

— Oh, meu Deus! Você ainda não tinha reparado? Christian percebeu desde a primeira vez que
viu o garoto, bobinha!

Caryn não podia acreditar! Mesmo assim, atravessou o quarto correndo, afastou sir George sem a
menor cerimônia e olhou para o sobrinho, como se o visse pela primeira vez. Teve que admitir que era
verdade: a descoberta da resposta para um quebra-cabeça. A sensação de que já conhecia Dave, quando
foi apresentada a ele, aquela semelhança que via às vezes no bebê e que achava que era com Christian...
Agora, estava explicado! A semelhança com Christian era apenas o que seus olhos queriam ver...

— Não sei por que está tão chocada, srta. Stevens — comentou Melanie.

O pai, no entanto, não parecia nada satisfeito com a revelação.


— Desculpe, Caryn, pensei que você soubesse. Melanie... bem, eu fui levado a crer que... Oh,
meu Deus! Que situação embaraçosa!

A sra. Trewen, inquieta, andava de um lado para outro. Só depois é que Caryn percebeu que ela
não estava entendendo nada. A pobre senhora apoiou-se em uma cadeira, tentando se recompor. Sir
George, ao vê-la assim, foi puxando a filha para a porta.

— Nós... bem... nós temos que ir embora — disse ele, visivelmente envergonhado. — Caryn, sem
dúvida nos veremos outra vez. Sra. Trewen, até logo.

Acenou para as duas e fechou a porta, deixando todas as explicações para Caryn. Mas ela não
estava disposta a explicar coisa alguma. Precisava de tempo para pensar, para conseguir analisar o que
aquela descoberta podia significar dali para frente.

— Sinto muito — disse a sra. Trewen, constrangida.

— Ora, não há motivo. Acho que isso aconteceria mais cedo ou mais tarde.

— Mas o que aconteceu? — perguntou a babá, ansiosa. — Quem é Dave O'Hara? É o marido de
sua irmã?

— Oh, não! Não! — Caryn sentiu-se tonta e fechou os olhos. — Ele é só... Dave O'Hara, o líder
do conjunto Velvet Band.

— Um grupo chamado Velvet Band?

— Sim. Tocam música pop. Sabe... líder em paradas de sucesso, coisas assim.

— Ele... ele é o pai do pequeno Christian?

— Parece que sim — disse Caryn, de cabeça baixa.

— E você não sabia? — A voz da velha deixava transparecer seu espanto.

— Não. Eu não sabia.

— Mas...

— Não posso explicar agora — murmurou Caryn, com um nó na garganta. — Não posso. Preciso
de tempo para aceitar tudo isso. Depois... bem, talvez depois possamos voltar ao assunto.

— Isto significa que vamos embora daqui, srta. Stevens? Por favor, eu gostaria de saber...

— O quê? Oh! — Caryn engoliu em seco. — Eu... eu não sei. Simplesmente, não sei.

A sra. Trewen teria de se contentar com essa resposta, mas Caryn não ia se conformar tão fácil
com a mentira da irmã!
CAPITULO 10

Era segunda-feira, e sem dúvida Christian já estava esperando por ela para lhe dar as instruções da
semana. Caryn, porém, andava em seu quarto de um lado para outro, sentindo o rosto em fogo, sem
conseguir reunir coragem suficiente para enfrentá-lo. O que significava tudo aquilo? Era uma pergunta
que se fazia outra vez, sem obter resposta. Tudo que tinha acontecido voltava à sua mente e com outro
significado. Lembrando-se da irritação de Christian quando descobriu que estava com Dave, entendeu o
motivo. Mas por que ele não lhe disse nada e nem a Dave? Na verdade, o cantor era uma criança,
totalmente incapaz de suprir as necessidades de um bebê. Será que por isso Lorena tinha mentido?
Caryn sentia-se profundamente magoada, pois nada justificava a atitude da irmã.

Mas Lorena gostava de Christian Ross! Caryn tinha certeza disso. Não falou de outra pessoa,
enquanto esteve com ela. Pensando nisso, outra coisa ocorreu a Caryn: será que Lorena havia sido
amante dos dois? Será que a criança poderia ser de qualquer um deles, embora ela esperasse que fosse
de Christian? Por isso, pediu para Caryn procurá-lo, quando percebeu que ia morrer?

A situação era terrível, mas, de qualquer modo, teria que falar com Christian. Ficar trancada no
quarto não ia resolver nada, e sabia que ainda tinha muito que fazer. Se a criança não era dele, tinham
que ir embora, mas temia não poder ficar com o sobrinho. Naturalmente, poderia se oferecer como
governanta em alguma casa. Já tinha visto anúncios em que não faziam objeções a crianças. Sabia,
porém, das dificuldades que encontraria. Laurence Mellor, numa hora dessas, diria que ela era culpada
por ter assumido a responsabilidade pela criança! Tudo lhe parecia tão cruel! Mas... e se Christian
quisesse que ela continuasse lá? Como era pouco provável afastou logo essa possibilidade. Como
poderia esperar que ele sustentasse o filho de outro homem? Jamais aceitaria a caridade dele, pois ainda
lhe restavam orgulho e amor-próprio.

Christian sempre soube de tudo; agora, tinha certeza disso. Mas por quê fez tanto pelo bebê?
Piedade? Sentimento de culpa? Caridade cristã? Devia haver algo mais por trás daquilo tudo. Não
sentira nenhum amor por Lorena e demonstrou isso inúmeras vezes. Por que, então, tomou a
responsabilidade de dar um lar ao filho dela e de Dave O'Hara? Já passava de nove e meia, quando,
finalmente, conseguiu descer. Mas, ao chegar ao escritório, só encontrou instruções gravadas esperando
por ela. Ao lado das fitas, havia um bilhete dizendo que ele tinha ido levar Melanie e o pai de volta a
Londres. E nada mais. Releu o bilhete, sem conseguir ver bem as últimas palavras, pois as lágrimas
começavam a lhe embaçar a vista. Sentou-se e cobriu o rosto com as mãos. Sentia-se miserável,
pequena, perdida. Não queria deixar Druid's Flett. Não por causa do trabalho, nem só pelo bem-estar do
bebê, mas porque percebeu que amava Christian Ross loucamente...

— Onde está meu pai? — perguntou Ângela.

Caryn levantou o rosto, ainda banhado em lágrimas. A garota estava bem em frente a ela.

— Seu pai?

— Sim, meu pai. — Ângela não escondia o desprezo e a irritação. — Seu patrão, Christian Ross.
Onde está ele?

— Ele... — começou Caryn, levantando o rosto e enxugando as lágrimas. — Ele foi a Londres.

— Onde?

— Londres — repetiu, tentando se recompor. — Foi levar a srta. Forbes e o pai.

— Oh, droga! Droga! Droga! Droga! E por que ele resolveu fazer isso? — Não sabendo o que
responder, Caryn ficou calada. Mas Ângela não se deu por satisfeita. — Pela conversa que tive com
Melanie, entendi que eles pretendiam ficar alguns dias.

— Eles... chegaram na quinta-feira — disse Caryn, hesitante. — Estiveram aqui por quatro dias.

— E, naturalmente, você não sabe por que foram embora, não é?

— Mas... por que eu deveria saber?

Ângela ameaçou responder alguma coisa, mas caminhou até a janela, inquieta. Ainda de costas
para Caryn, perguntou:

— Quanto tempo ainda você acha que pode continuar aqui? Vai demorar muito para perceber que
meu pai está agindo assim por um sentimento de culpa ridículo?

— O que quer dizer?

Ângela virou-se lentamente e apoiou-se no parapeito da janela.

— Não finja que não sabe por que ele despediu sua irmã.

— Se me dá licença... — disse Caryn, levantando-se.

— Não, não dou licença. E sabe o que mais? Acho que já está na hora de parar de fingir que
acredita nesse mito sobre Lorena.

— Que... que mito? — perguntou Caryn, que, sem perceber, deixou-se envolver pelas palavras de
Ângela.

— Esse mito de que ela estava apaixonada por papai. Lorena não amava ninguém; talvez, só a si
mesma.
— Não sabe o que está dizendo.

— Sei muito bem o que estou dizendo! — respondeu Ângela, furiosa. — Meu Deus! Então, acha
que não percebi o joguinho que ela estava armando? Acha que não sabia o que estava acontecendo?

— Você devia estar com ciúme — disse Caryn, com voz trêmula.

Allan Félix tinha dado a entender que Ângela considerava Dave O'Hara como propriedade sua.
Devia ter sido horrível para ela descobrir que Lorena...

— Eu? Com ciúme? — O rosto de Ângela expressava todo seu ódio. — Ciúme daquela
vagabunda? Como se atreve a sugerir uma coisa dessas? Nunca tive ciúme dela. Chris nem olhava para
Lorena. Nunca se envolveria com ela! Não importa quanta coisa sórdida tenham escrito sobre ele, meu
pai é um homem decente e digno e não há quem possa provar o contrário! Por isso, é que é ridículo
você estar aqui!

— Não estava falando de seu pai! — disse Caryn. — Falava de Dave O'Hara!

— O quê? Então, acha que estou com ciúme de você com Dave. Olhe aqui, mocinha, ele só foi
gentil com você porque eu estava fora! Só por isso, entendeu?

— Também não estou falando de mim — insistiu Caryn.

Ângela era uma ótima atriz, ou Allan tinha se enganado totalmente sobre ela.

— De quem, então? Oh, Lorena! — A garota arregalou os olhos. — Acho que você já foi longe
demais. Não acredita sinceramente que Dave estivesse interessado em sua irmã, acredita?

— Acha então que foi pura atração sexual? Nesse caso, a senhorita deve acreditar em mentiras...

— O que quer dizer com isso? — perguntou Ângela, afastando-se da janela. — O que é que acha
que sabe?

— Só sei que, quando um homem e uma mulher... Bem, o bebê de Lorena está vivo e é real, e
ninguém, nem mesmo a senhorita, pode negar este fato!

— E por que negar? Só porque sua irmã engravidou e morreu de parto, não quer dizer que tenha
virado santa, sabe? Sei que conseguiu convencer meu pai, mas não vai me enganar. Quem é, afinal, o
pai do bebê? Gostaria muito de saber.

— Quer dizer... quer dizer...

Caryn emudeceu os lábios e seus olhos se arregalaram. Ao ver sua expressão, a garota
empalideceu e se aproximou.
— O que foi? O que há de errado? — perguntou, preocupada. — Pelo amor de Deus, desculpe se
a ofendi, mas acho que deve saber de tudo, deve saber que Lorena não era a santinha que você pensou
que fosse.

Caryn sacudiu a cabeça, desconsolada. Ângela chegou mais perto e pôs a mão em seu ombro.

— Srta. Stevens! Caryn! Por favor, acalme-se! Acalme-se! Só perguntei quem... .

— Eu sei o que perguntou.

De repente, o mundo pareceu desabar sobre a cabeça da garota, e toda a verdade surgiu diante de
seus olhos.

— Você sabe quem é o pai da criança! Bem, vamos lá. Diga logo quem é. Eu tenho que saber.

— Pensei que você soubesse...

Ângela sacudiu a cabeça, deixou cair os braços e seu rosto perdeu a cor.

— Você não está se referindo á... Não posso acreditar — disse Ângela, como se quisesse fazer
com que Caryn negasse tudo. — Dave? Dave? Ele... ele não me faria uma coisa dessas!

Caryn abriu os braços, num gesto de impotência. Com um grito, Ângela virou-se e saiu do
escritório, correndo pelo corredor. Logo depois voltou, pálida como cera. Sua arrogância tinha
desaparecido. Olhou para Caryn e tentou dizer algo, mas só conseguiu se sentar na cadeira do pai e
chorar. Caryn não podia deixar de sentir pena dela. Apesar de toda aquela agressividade, não passava de
uma garotinha indefesa, traída pelo namorado. Percebendo que não havia nada que pudesse dizer para
aliviar seu sofrimento, Caryn saiu silenciosamente. Em seu quarto, ficou perdida em seus pensamentos.
Não era de admirar que Christian tivesse dito que Lorena só tinha causado problemas desde que
chegou! Muito natural, portanto, que ele a tivesse mandado embora quando soube o que estava se
passando. Mas por que fez isso? Para proteger Lorena? Tinha sido tarde demais. Proteger Ângela?
Fossem quais fossem os motivos, as peças do quebra-cabeça iam se ajustando, só faltando saber os
motivos que o levaram a aceitar o bebê de Lorena em sua casa. Talvez Ângela tivesse razão: Christian
se sentia um tanto culpado pelo que aconteceu. Mas nada alterava o fato de Lorena ter usado seu
trabalho para conseguir o que queria. Não lhe disse que estava grávida de um cantor, talvez porque
temesse que Caryn não tivesse pena dela. Devia ter contado a Dave que estava grávida, e ele
simplesmente preferiu ignorar o fato. Talvez ela tivesse se agarrado à esperança de conseguir convencê-
lo a se casar com ela e, quando nada deu certo, já era tarde, para fazer um aborto. Todas as hipóteses
eram válidas, mas uma coisa era certa; qualquer uma justificava plenamente a antipatia de Christian por
sua irmã. E agora, o que fazer? Não podia continuar ali por mais tempo, aceitando os favores de
Christian. Também não pretendia procurar o verdadeiro pai da criança e pedir alguma coisa a ele. O que
lhe restava? Voltou a pensar na possibilidade de trabalhar como governanta em algum lugar bem longe
de Druid's Fleet.

Começava a anoitecer, quando Caryn chegou a Londres. Não foi difícil sair de casa. Disse a
Márcia que, como o sr. Ross estava fora, ia até a cidade visitar uma amiga doente, e telefonaria para
avisar quando voltaria. A sra. Trewen, ainda muito feliz por ter passado o dia com a amiga, não viu
nada de estranho em sua partida. Ângela não estava por perto, o que facilitou as coisas. Não tinha
mentido; afinal, Laura não estava mesmo passando muito bem. Depois de procurar emprego nas
agências, iria visitá-la. Não pretendia abusar da hospitalidade de Bob e Laura; por isso, a primeira coisa
que fez ao chegar a Londres foi procurar um hotel. Conseguiu um quarto pequeno, mas muito limpo e
bem central. Já era muito tarde para procurar as agências de empregos. Foi até a banca, comprou jornais
e voltou para o quarto. Sempre havia a possibilidade de arranjar uma colocação sem a ajuda de uma
agência; já tinha lido as colunas de empregos antes.

Havia muitas ofertas para quem quisesse sair do país. Chegou a pensar em se mudar para bem
longe da Inglaterra, mas levar um bebê para um país estranho não era fácil, pois haveria problemas de
adaptação com o clima, alimentação, etc. Sorriu ao ler a coluna de empregos para secretárias. Imaginou
o que os possíveis futuros patrões diriam, se aparecesse com o bebê nos braços. Não, trabalhar como
secretária estava fora de cogitação. Pelo menos, por enquanto. Então, um anúncio lhe chamou a atenção:
"Procura-se secretária particular; excelente posto para quem preencha os requisitos. Procurar Laurence
Mellor, Escola Lansworth, Cricklewood". Laurence! Mas é claro! Já tinha voltado dos Estados Unidos e
estava à procura de uma secretária, antes de começar o novo período escolar. Era estranho, mas sentia
um certo desconforto ao pensar em Laurence. Talvez porque lembrasse seu passado, o tempo em que
Lorena viveu com ela.

Ficou olhando para o anúncio, até que a fome se tornou mais forte do que a angústia que sentia.
Como tinha acontecido nos últimos dias, só conseguiu dormir de madrugada e, mesmo assim, seu sono
foi leve, interrompido várias vezes. Enquanto tomava o café da manhã, voltou a ler a seção de
classificados, mas não havia nada que servisse para ela. Deixou o hotel logo depois das nove, resolvida
a visitar o maior número possível de agências naquele dia. Antes de sair, porém, reservou o quarto por
mais uma noite. Lá pelas cinco da tarde, sentiu os pés doloridos e uma forte dor de cabeça que resistia
às aspirinas. Tinha visitado umas dez agências e, apesar de ter duas entrevistas marcadas para o dia
seguinte, nem uma das duas propostas era exatamente aquilo que queria. A primeira era para trabalhar
como babá para a família de um executivo ligado à indústria do petróleo iraniano, mas a idéia de morar
no Irã a atemorizava. A segunda não era tão assustadora: governanta de um viúvo em Coventry. Mas a
agência já a tinha prevenido de que ele podia fazer objeções a uma criança tão pequena. Se o menino
tivesse três ou quatro anos, seria mais fácil, tinham dito.
Comeu um sanduíche no hotel e passou o resto da noite no quarto. Estava cansada demais. Sabia
que devia telefonar a Druid's Fleet, pelo menos para saber se o bebê estava bem, mas nem isso
conseguiu fazer. Pela manhã, tentou encarar as coisas com mais otimismo. A vida no Irã podia ser uma
aventura e talvez o viúvo de Coventry gostasse de crianças. Como não tinha jantado na véspera, comeu
com apetite as torradas e tomou bastante café. Depois, começou sua peregrinação novamente. Foi
entrevistada para o posto junto à família iraniana num hotel bem central. Havia, porém, pelo menos
outras vinte candidatas e, quando finalmente entrou na suíte que os iranianos ocupavam, sentiu que não
teria a menor chance. A outra entrevista seria na agência mesmo. O cliente era um executivo de meia-
idade. Conversou com ela em uma sala reservada. Quando Caryn contou que o menino tinha cinco
meses, o homem de imediato protestou.

— Mas o senhor disse que não se importava com uma criança — argumentou.

— Mas não um bebê — respondeu o cliente, abrindo a porta. — Acha que vou agüentar choro de
crianças e fraldas por todo canto? Não, sinto muito, srta. Stevens, mas nenhum de nós foi bem
informado sobre nossos interesses.

Ainda não era meio-dia quando Caryn voltou ao hotel. Tinha endereços de várias outras agências,
mas não se sentia com coragem para procurá-las naquele momento. Comprou outro jornal e almoçou
lendo os classificados. O anúncio de Laurence ainda estava lá, como se fosse uma isca à sua espera.
Imaginou quantas candidatas teriam aparecido e acabou concluindo que deviam ter sido muitas. Se
Lorena ao menos nunca lhe tivesse pedido para levar o bebê para Christian Ross! Ainda estaria
trabalhando para Laurence e o bebê poderia ter sido adotado por algum casal sem filhos que lhe desse
um lar e assegurasse um bom futuro. Mas, não. Tinha acusado Christian de ser o pai do bebê, entrado
em sua casa, permitido que ele se afeiçoasse à criança e, pior do que tudo, se apaixonado por ele, que a
via como uma leviana, por ser irmã de Lorena.

À tarde, ficou imaginando o que fazer. A idéia de visitar Laura a atraía, mas se Bob estivesse lá,
como poderia encará-lo? Tinha prometido ajudá-lo e acabou não fazendo nada, nem mesmo a seu favor.
Quase sem pensar, pegou o ônibus para Cricklewood e, ao descer em frente da escola, viu que aquele
tinha sido seu destino o tempo todo. Nem sabia o que pretendia fazer, mas, se Laurence estivesse lá,
poderia conversar com ele e talvez a aconselhasse, como tinha feito em outras ocasiões. A escola estava
estranhamente deserta. Os alunos ainda não tinham voltado das férias, e só o pessoal da manutenção
circulava pelos corredores. A sala de Laurence ficava no primeiro andar. Ninguém a deteve, quando
subiu os degraus de mármore, nem quando seus passos ecoaram pelo amplo corredor. A sala da
secretária! Dando uma boa olhada, pensou no quanto tinha sido feliz ali, apesar de saber agora que
havia um outro tipo de felicidade.

Demorou-se mais um instante, tentando reunir coragem para bater na porta de Laurence, quando
ouviu passos. Virando-se, viu o ex-patrão atravessando o corredor em sua direção.
— Caryn! — Laurence parecia incrédulo. — Ora, mas é você mesma! Taylor disse que era, mas
eu não tinha acreditado.

— Olá, Laurence. — Forçou um sorriso.

Ele nem percebeu que Caryn lhe estendeu a mão e, inesperadamente, envolveu-a num abraço...

— Caryn! Oh, Caryn! Como é bom ver você!

Ela recuou, um tanto constrangida. Ele, então, passou por ela e foi abrir a porta de sua sala.

— Vamos, entre! Não estou fazendo nada no momento, se bem que mais tarde vou ter um
trabalhinho. Tenho nada menos do que doze candidatas para o seu lugar.

— Doze? — disse Caryn, entrando no escritório. — Está com ótimo aspecto, Laurence. Fez boa
viagem?

— Mais ou menos — respondeu, sem entusiasmo. — Não é uma viagem que eu gostaria de fazer
novamente. Pelo menos, não sozinho. Mas você... como está? Devo confessar que você parece....
cansada.

— E estou. Andei por toda Londres nos últimos dois dias e estou exausta.

— Andou por toda Londres? — Franziu a testa. — Por quê?

Caryn tinha tomado a decisão de contar-lhe tudo e, com voz baixa, começou:

— Eu... vou deixar o sr. Ross. As coisas não saíram como eu tinha planejado. Estou procurando
outro emprego.

— Ora, não procure mais. Volte a trabalhar para mim — disse ele, prontamente.

Caryn já sabia que esta seria a resposta, mas recusou:

— Eu não poderia, Laurence.

— Por que não?

— Acho que não entenderia — disse ela, levantando os olhos. — Eu... eu tomo conta de
Christian... do bebê, há cinco meses, e quero continuar cuidando dele. — Fez uma pausa. — Bem, é só
isso.

— Não compreendo — respondeu Laurence, intrigado. — E o que tem isso a ver com o fato de
você voltar ao seu antigo emprego?

— Oh, Laurence, será que terei que explicar todos os detalhes? Preciso de alguém para tomar
conta do bebê e de um lugar para morar. Se voltar a trabalhar com você, não vou ter condições de pagar
uma babá.
— Quais são seus planos, então? Que tipo de emprego está procurando?

— Bem, estou procurando um lugar como governanta ou acompanhante de crianças. Um lugar


onde não façam objeções a um bebê.

— Mas, Caryn! — Laurence parecia horrorizado. — Você nunca foi governanta, nem tomou
conta de crianças. É uma secretária, e muito boa, por sinal.

— Obrigada. Seu elogio me deixa contente, mas, infelizmente, secretárias não andam
acompanhadas de seus dependentes.

— E achou alguma coisa?

— Tive duas entrevistas hoje: uma com um magnata do petróleo iraniano, que disse que me
avisaria de qualquer coisa, e outra com um viúvo de Coventry, que quase explodiu, quando descobriu a
idade de Christian.

— È — disse Laurence, rabiscando no bloco de sua mesa, pensativo. — E... já pensou bem no que
eu lhe pedi?

— O que você me pediu? — Caryn franziu as sobrancelhas. — Sobre ir para a América, é isso?
Mas você já foi...

— Não, não. Não é isso — disse ele, com certa irritação. — A outra coisa que eu lhe pedi. Que
casasse comigo.

Caryn ficou sem fala por um instante.

— Mas... não estava falando sério, Laurence. Quer dizer, era só um acerto para a viagem...

— Não, não era. Talvez eu a tenha feito pensar assim, talvez eu mesmo estivesse convencido
disso, mas, desde que você se foi, Caryn, cheguei à conclusão de que era o que eu queria mesmo.

CAPITULO 11

— Oh, Laurence! — disse, confusa. — Acho que já falamos sobre isso antes. Sabe que não o
amo...

— Não. Mas eu amo você. Achei que nunca mais me interessaria por ninguém quando Cecília me
abandonou, mas estava errado. Gosto de você, Caryn. Gosto muito de você.
Caryn levantou-se. Não sabia exatamente como Laurence iria reagir. Umas palavras de conforto,
talvez; um pouco de compreensão. Mas não o que acabava de ouvir! Talvez até quisesse que ele lhe
oferecesse de volta o emprego e um salário melhor, ou mesmo um lugar como governanta dele. Mas daí
a dizer que a amava... não, por isso não esperava.

— Sinto muito. Eu... eu nem sei o que dizer.

Laurence tinha se levantado também e olhava fixamente para ela.

— Acho que devia pensar no assunto. Será que é um pedido tão horrível assim? Isso não
resolveria seus problemas de uma vez por todas?

— Que problemas?

— O bebê de Lorena, é claro! Se você se casasse comigo, poderíamos cuidar dele.

— Mas não posso me casar com você por causa disso!

— Por que não? As pessoas se casam pelas mais estranhas razões, sabia?

— Laurence, você nem mesmo gosta de crianças!

— Eu nunca tive um filho. Talvez, se tivesse, mudasse de idéia.

— Você quer dizer... que nós teríamos filhos?

— E por que não? Não estou tão velho assim — respondeu, ofendido.

— Eu sei... Eu sei. Só que... Oh, Laurence! Você me encostou na parede!

— Então, pense bem no assunto. — Olhou para o relógio. — Desculpe, mas agora tenho que ir.
Seja qual for sua resposta, preciso fazer essas entrevistas de qualquer jeito. — Caryn dirigiu-se à porta.
— É claro que, se realmente mudar de idéia, isto é, se aceitar minha proposta, será bem-vinda ao antigo
emprego.

— E... e Christian?

— Poderíamos contratar uma babá. Tenho certeza de que não seria difícil.

Perturbada, Caryn pensou na sra. Trewen. Ela bem que podia continuar cuidando do menino.

— Onde está hospedada? Vou querer seu endereço.

— No Hotel White Festher, em Kensington — disse ela, já no corredor.

Ele ainda a acompanhou alguns passos e disse que telefonaria naquela noite.

No ônibus de volta a Kensington, Caryn conseguiu pôr suas idéias em ordem. Como poderia
pensar em se casar com Laurence? Para começar, ele era um tanto inflexível em suas decisões e, pelo
que tinha dito sobre crianças, ficou bem claro que esperava um casamento de verdade, em todos os
sentidos. Resolveria os problemas dela, mas não era a solução mais justa. O que mais a perturbava era
que tinha chegado a considerar seriamente a proposta. Antes de ir morar em Druid's Fleet, teria lhe dado
uma resposta direta, sem margem de dúvida, mas agora, com duas tentativas de emprego fracassadas,
tinha pesado bem os prós e os contras. Será que Laurence conseguiria convencê-la, se a visse
novamente? Pressionada pelo desespero, não se veria inclinada a aceitar sua proposta?

Arrependeu-se de ter dado o endereço do hotel. Devia ter dito que ligaria. Assim, não se
comprometeria. Resolveu cancelar a reserva e deixou um recado: se o sr. Mellor telefonasse,
informassem que ela entraria em contato com ele em breve. Depois, pôs a mala no carro e dirigiu-se a
Bloomsbury. Foi difícil estacionar na ruazinha estreita, mas conseguiu um bom lugar entre um
conversível e uma perua. Subiu então para o apartamento de Bob e Laura. Laura abriu a porta assim que
ela bateu, mas não era a mesma de quem Caryn tinha se despedido há cinco dias. Estava transbordante
de felicidade.

— Caryn! — disse ela, abraçando a amiga. — Oh, Caryn! Onde tem andado?

— Onde tenho andado?

Caryn não conseguiu se recuperar da surpresa, e logo surgiu o rosto de Bob por trás da esposa.
Com um aperto no coração, ela pensou no que diria, se ele perguntasse sobre o pedido que lhe tinha
feito.

— Que alvoroço você causou! — disse Bob, apertando-lhe a mão. — Caryn, não sei como lhe
agradecer!

Sentiu-se perdida e sacudiu a cabeça, sem saber o que dizer.

— Acho quê não sei do que estão falando...

Laura fez com que entrasse e explicou:

— Christian Ross esteve aqui. Ele está muito preocupado com você. Já o encontrou?

As pernas da moça ficaram bambas. Sentou-se na primeira cadeira que encontrou.

— Christian? O sr. Ross?

— Sim — disse Bob. — Pelo jeito, parece que você sumiu sem o menor motivo.

— O menor motivo? — repetiu, incrédula. — O que ele disse?

Laura olhou para o marido e respondeu:

— Bem, que estava muito preocupado com você e que, se nós a víssemos, era para avisar
imediatamente.

— Só isso? E o bebê está bem?


— Ótimo — garantiu Laura. — Bob, ponha água no fogo. Quero ter uma conversinha com Caryn.

Bob sorriu e foi para a cozinha, fechando a porta discretamente. Assim que ele saiu, Laura sentou-
se diante da amiga e pegou suas mãos.

— Primeiro, deixe eu agradecer por você ter falado em favor de Bob. Não sabe o que isso
significa para nós. Esse emprego era muito importante para ele. Eu sei que... bem, ele nunca teria
conseguido, se não fosse sua ajuda.

No começo, Caryn não conseguiu entender, mas depois as palavras de Laura começaram a fazer
sentido. Bob conseguira o emprego e eles pensavam que tinha sido por causa dela.

— Oh, Laura... — começou Caryn.

— Não diga nada! — interrompeu a amiga. — Sei que vai dizer que não teve nada a ver com isso,
mas não vamos acreditar. Portanto, esqueça. Só queria que soubesse... — Caryn sentia-se cada vez pior,
pois nada tinha feito por eles. Já estava farta de equívocos. Laura, então, perguntou: — Por que
abandonou tudo? O sr. Ross não entendeu absolutamente nada. Parecia tão aborrecido...

— É uma longa história — respondeu, pálida. — Resumindo, descobri que Christian Ross não é o
pai do bebê de Lorena.

— Não é?

— Não. Por isso, não posso continuar lá nem mais um minuto.

— Mas o que vai fazer?

— Não sei — respondeu, levantando os olhos para Bob, que entrava na sala. — Hum, chá. Vou
mesmo querer uma xícara.

Laura não parecia nem um pouco satisfeita com a explicação de Caryn, mas o chá os manteve
calados por alguns instantes. Bob, porém, voltou a falar do novo emprego.

— Havia meia dúzia de candidatos. Mas, ao ser entrevistado, não sei por que, senti que o lugar era
meu.

— Fico contente — disse Caryn.

Sentia-se cada vez mais culpada. Ia explicar a verdade, quando alguém bateu na porta. Laura e
Bob se entregaram.

— Quem será? — perguntou o rapaz, indo abrir.

Caryn sabia. Pôs a xícara sobre a mesa e levantou-se, mais nervosa do que nunca.

— É Christian!
Laura olhou para o marido, que finalmente abriu a porta. As suspeitas de Caryn se confirmaram.
Christian passou por Bob, entrando na sala e perguntando, zangado:

— Onde está Caryn? Sei que ela está aqui. Vi o carro dela lá fora.

A moça mordeu o lábio para controlar o medo, deu um passo à frente e disse:

— Estou aqui, sr. Ross.

Ele se adiantou e tomou-a nos braços, aninhando sua cabeça no ombro. Depois, afastou-a e olhou-
a nos olhos. Laura e Bob os deixaram a sós.

— Onde esteve? — perguntou Christian, com a voz embargada. Caryn levantou os olhos para ele,
com os pensamentos embaralhados. Ele lhe pareceu tão cansado! — Quase perdi o juízo! — murmurou,
passando os dedos de leve pelos lábios dela. — Se não tivesse a idéia de procurar Laurence Mellor esta
tarde, talvez nunca me passasse pela cabeça voltar aqui outra vez.

— Você esteve com Laurence? — perguntou, surpresa. — Mas ele não sabia que eu viria aqui.

— Não, mas me deu o endereço do seu hotel. Quando vi que você tinha ido embora de lá,
imaginei que estaria aqui, pois devia querer ver Laura antes de deixar Londres.

Caryn ficou calada e ele a olhou, com ternura. Depois perguntou, baixinho:

— Por que você fugiu?

— Eu... eu não fugi. Só que... bem, depois de tudo que aconteceu, acho que ficou bem claro que
não posso continuar lá.

— Por quê? O que mudou? Eu sabia que Christian era filho de O'Hara desde o começo.

— Devia ter dito!

— Por quê? E de que adiantaria? — Fez uma pausa. — Teria acreditado?

Caryn afastou-se dele, pois não conseguia pensar direito, sentindo o calor do corpo dele.

— Você pode ter razão, mas...

— Mas, coisa nenhuma. Eu queria você em minha casa. Isso não é o bastante?

— Mas por quê?

— Por que você acha?

— Já fomos longe demais... — disse Caryn, tentando não pensar mais nisso.

— Não. Não, Caryn, não fomos longe demais.

Puxou-a, então, para junto dele e beijou-a com sofreguidão, deixando transparecer toda a sua
ansiedade. Mais uma vez, ela tentou resistir e, como sempre, acabou se rendendo. Ele a beijou longa e
carinhosamente, sem se importar com o lugar onde estavam. Caryn entregava-se inteira a seus carinhos.
O desejo se apossava cada vez mais de seus corpos; quando Christian se afastou, alisou o cabelo dela e
perguntou:

— Trouxe suas coisas? Vamos embora.

— Christian, eu... eu...

— Vamos embora — repetiu, baixinho.

Então, a porta da cozinha se abriu e Bob e Laura entraram.

— Caryn, vai voltar para Gales? — perguntou Laura.

— Vai, sim — antecipou-se Christian,

Ao descerem, Caryn foi pegar seu carro, mas ele sacudiu a cabeça.

— Deixe que eu mando vir buscar mais tarde.

Conduziu-a, então, até seu Mercedes prateado. Ao contrário do que Caryn pensava, não pegaram a
estrada para o leste. Para sua surpresa, Christian levou-a para o centro da cidade, entrando na garagem
de um luxuoso bloco de apartamentos. Caryn lembrou-se que ele tinha um apartamento em Londres.
Seria ali?

— Desça! — disse ele, sem a menor cerimônia, abrindo a porta.

— Não vou para o seu apartamento!

— Ah, não vai? Quer que eu a carregue?

— Christian...

— O elevador é logo ali.

Ela o seguiu contra a vontade. Achava-se uma idiota por concordar com ele. A experiência de
Lorena não bastava? Chegaram à cobertura. Entraram no luxuoso apartamento decorado com móveis
antigos. Havia prateleiras com livros, uma mesinha, cadeiras e sofás macios e convidativos. Caryn
parou no meio da sala, esperando que Christian dissesse alguma coisa. Sentia-se péssima! E ele parecia
não ter pressa. Acabou de trancar a porta e veio calmamente em sua direção.

— E agora? Podemos começar de onde paramos?

— Não adianta! Eu... eu sei que foi muito bom para mim e para o bebê, mas... mas agora está tudo
acabado!

— Acho que não. Estamos apenas no começo. — Sem se aproximar dela, apontou para uma
cadeira. — Não quer se sentar? Sinto não poder oferecer um chá, mas tenho sherry. Ou prefere outra
coisa mais forte? — Caryn sacudiu a cabeça, sem se afastar da lareira. Christian foi até a janela. — Não
quer me contar o que aconteceu? Como descobriu que o menino é filho de Dave O'Hara?

— Então, você sabe? — Caryn engoliu em seco.

— Eu sei? Posso lhe jurar que não. A não ser... bem, a semelhança está começando a ficar
evidente, concordo.

— Não! — exclamou Caryn — Foi Melanie que chamou atenção sobre o fato.

— O que Melanie disse?

— Ela e o pai foram ao quarto do bebê, na manhã em que iam embora.

— O quê? Então, eles lhe disseram isso na frente da sra. Trewen?

— Não, exatamente. Falaram só da semelhança.

— Melanie sabia muito bem de quem era a criança. Eu lhe contei — disse ele, e respirou fundo.
— Foi por isso que você partiu?

— E como você ia saber que eu sabia, se Melanie não tivesse lhe contado?

— Foi Ângela. Pelo jeito, vocês andaram conversando.

— Desculpe, eu não sabia que ela ignorava... Oh, tudo isso é horrível. O que quero dizer é que...

— Eu mesmo ia contar a você, assim que voltasse de Londres. Depois... depois daquela história
com O'Hara...

— Que história?

— Quando ele a levou a Saint Gifford. Eu já o tinha avisado para ficar longe de você.

— Você fez... o quê?

— Eu avisei para ficar longe de você. Convidei-o para um jantar com amigos e aproveitei a
oportunidade para preveni-lo.

Agora, Caryn entendia. Devia ser a tal festa de que Dave tinha falado. Será que foi por isso que
ele voltou a Port Edward e a convidou para sair? Por que Christian lhe disse para se afastar dela?

— De qualquer modo, achei que já tinha sido bom demais com Dave. Ângela apaixonou-se por
ele, e acho que o perdoei por causa disso. Desconfiei, então, de que havia algo entre ele e Lorena e esse
foi um dos motivos que me levaram a despedi-la. Não sabia que já era tarde demais.

— E... e você sabia...

— Desde o começo.

— Então, por que me deixou ficar?


— Acho que já lhe disse isso no apartamento de seus amigos.

— Mas... eu não sou como Lorena. Pode pensar o que quiser, não sou como Lorena.

— Do que está falando? O que Lorena tem a ver conosco?

— Não vou: isto é, não pode me forçar a ficar aqui com você...

Tapou-lhe suavemente a boca com a mão. Os olhos de Caryn se turvaram de lágrimas.

— O que acha que estou querendo, sua boba?

— Não vou para a cama com homens.

— Já disse isso uma vez. — Puxou-a para junto dele. — E eu respondi que um dia iria. Marido e
mulher não devem dormir na mesma cama? Ou será que não?

— Marido e mulher?

— De que acha que estou falando? Por Deus, Caryn! Estou pedindo que se case comigo! Preciso
ser mais claro? — Ela não conseguia acreditar no que tinha acabado de ouvir. Christian tomou-lhe as
mãos e levou-as até o rosto. Com um sorriso malicioso, disse: — Digamos que eu não possa continuar
tomando duchas de água fria.

Caryn passou as mãos pelo cabelo dele, e seguiram-se beijos e mais beijos apaixonados. Christian
sentou-se em uma das poltronas e a puxou para o colo.

— Ainda há algumas coisas para serem ditas. Sobre Lorena...

— Ângela me falou um pouco sobre ela — disse Caryn, escondendo o rosto no ombro dele. —
Mas é difícil acreditar que ela fosse tão má como andam dizendo.

Christian suspirou e beijou-lhe a testa.

— Não, mas ela conseguiu infernizar minha casa. Ela e esse tal O'Hara.

— E você?

— Pois é. Já perguntei a mim mesmo qual era o meu papel nessa história toda e não consegui uma
resposta satisfatória. Lorena acreditava que trabalhar para mim lhe dava posição, e acho que o convívio
com gente famosa, como o conjunto Velvet Band, alimentou essa fantasia. Quando a mim, só me via
como patrão, até o incidente com O'Hara. Quando percebeu que não se casaria com ela, voltou as
atenções para mim. Foi então que decidi mandá-la embora.

— Quando ela voltou a Londres, não falava em mais ninguém, a não ser você.

— Talvez fosse por defesa. Ou talvez pretendesse voltar e... bem, pedir dinheiro para mim.

— Chantagem?
— Nada de tão grave — respondeu Christian, sacudindo a cabeça. — Lorena não era realmente
má. Apenas irresponsável

— Obrigada por me dizer isso — disse Caryn, abraçando-o.

Christian beijou-a de leve, antes de continuar:

— Depois... bem, depois me aparece você, dizendo-me toda sorte de absurdos, e o que aconteceu?
De repente, eu me vi querendo ajudá-la. Querendo lhe dar uma compensação por tudo que Lorena tinha
passado. Só mais tarde é que percebi que sua irmã não tinha nada a ver com o que eu sentia por você.

— Mas nunca me disse!

— E você teria escutado? — perguntou, acariciando-lhe o rosto. — Não pensaria que eu tinha
outros motivos para dizer isso? Queria que me conhecesse, que gostasse de mim, antes de dizer o que eu
sentia. Naquele dia em que você voltou tarde da praia... Oh, meu Deus! Tive vontade de lhe dar uma
surra! Imagine, dormir nas pedras, onde o mar poderia arrastá-la! Procurei você por todo canto!

— Oh, Christian!

— Pois é, fez com que eu passasse maus bocados.

— Como quando telefonei de Saint Gifford?

— Exatamente!

— Mas nas duas vezes você antecipou sua volta.

— Não conseguia ficar longe de casa, Oh, você! Sabe que agora eu devia estar no estúdio,
gravando o programa de amanhã?

— Christian! — disse ela, levantando-se.

— Fique onde está — falou, puxando-a de volta. — Isto é mais importante do que um programa
de tevê. Então, vai se casar comigo? Acho que não posso esperar muito mais.

— Mas... e Melanie?

— O que é que tem Melanie?

— Eu achei que... bem eu...

— Teve ciúme dela? — perguntou, sorrindo. — Era exatamente o que eu queria.

— Christian! Você...

— Na verdade, Melanie é amiga de Ângela. Não deu para perceber?

— Então, por que ela veio me contar que o bebê era de Dave?

— Bem, talvez ela tivesse segundas intenções também.


— Mal posso acreditar! Estou muito contente por Bob e Laura, também. Sabe?, ele vai trabalhar
para a TV Sul.

— Eu sei.

— Como assim? Eles lhe contaram? — Caryn não conseguia conter a curiosidade. — Sabia que
ele seria entrevistado?

— Eu soube quem era pelo nome e o endereço.

— Então, você... — Caryn hesitou. — Isto é... Bob tinha me pedido...

— Que desse uma palavrinha a favor dele? Achei mesmo que ia pedir. Foi por isso que sugeri que
viesse a Londres na semana passada. Além do mais, você precisava de descanso.

— Por que queria que Bob falasse comigo?

— Queria que tivesse que vir me pedir alguma coisa. Só assim ia descobrir que eu não era a fera
que imaginava.

— Não foi bem assim — confessou Caryn. — Desde o começo, precisei me conter, porque me
sentia atraída por você.

— Ah, é bom ouvir isso! Só que Laurence Mellor não vai gostar de saber. Quando eu o vi, esta
tarde, disse-lhe que a amava e que queria casar com você. Ele respondeu que você estava estudando a
proposta dele.

— Pobre Laurence! Não devia ter ido procurá-lo.

— Para mim, foi bom que tivesse ido. Que diabo andou fazendo, afinal?

— Tentando arrumar outro emprego. Um lugar onde me aceitassem com o bebê.

Christian começou, então, a beijá-la. Desabotoou sua blusa, roçou os lábios na pele macia dos
seios e murmurou:

— Não posso continuar assim, senão... — Interrompeu-se. — Acho melhor sairmos para comer
alguma coisa. A não ser que você queira voltar para Gales ainda hoje.

— Ângela está esperando por você?

— Ângela só espera que voltemos juntos. Depois do que eu lhe disse, ela sabe que, se isso não
acontecer, não serei mais o mesmo. Ela não suportaria isto.

— Pobre Ângela! E você vai contar a Dave sobre... sobre Christian?

— Talvez, algum dia, quem sabe. Não sei. Acho que podemos dar um lar para o bebê e Dave não.
Pelo menos, ele terá irmãozinhos e irmãzinhas.
— Só imagino o que Márcia vai pensar.

— Vai ficar muito feliz. Ela gosta de você. E ter o bebê em casa foi uma maravilha para ela.

— Deve ter sido pavoroso perder a família daquele jeito. Acha que ela vai poder voltar a falar?

— Quando eu a conheci, estava no hospital, se recuperando do choque. Cortaram sua língua. É


por isso que não fala.

— Meu Deus! Que coisa horrível!

— Acho que ainda é difícil para ela. Mas agora já está praticamente adaptada à sua nova vida. Faz
dois anos que o marido e o bebê morreram.

Caryn ficou em silêncio, mas, ao ver a expressão de sofrimento dele, aproximou-se e perguntou:

— Quer ir a algum lugar?

— Não — respondeu, baixinho. — Apenas, amar você. Quero lhe mostrar o que significa
realmente fazer amor. Mas não pretendo chocá-la mais do que já choquei. Portanto, é melhor sairmos.

Caryn abraçou-o suavemente.

— E se eu lhe disser que estou mudando de idéia sobre ir para a cama com um homem?

— Se eu for esse homem, aceito a mudança.

E, com um longo beijo, selaram seu pacto de amor.

FIM

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