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O ESPETÁCULO E A REVOLUÇÃO LATENTE NAS FOTOGRAFIAS DE

GENEVIEVE NAYLOR NO BRASIL

Introdução

Em sua viagem fotográfica pelo Brasil, Genevieve Naylor registra em boa


parte de suas imagens corpos periféricos, trabalhadores, negros e mestiados,
habituados às mais difíceis experiências de opressão e pobreza. Tomando como
ponto de interface as teorias de Terry Eagleton quanto a estética no marxismo, e o
dimensionamento do corpo humano no mundo sob a ótica desta ideologia, bem
alguns dos paradigmas de Debord sobre a sociedade do espetáculo, pretendo aqui
perspectivar o trabalho de Genevieve Naylor equantuanto fotografia documental no
Brasil.
Como os corpos com que ela se deparou e abordou ao longo das suas
viagens, guardam uma potência transformadora, justamente por serem os alvos de
políticas de segregação e de desigualdades socioeconômicas? E, para além disso,
como os seus registros sobre o Brasil destinavam-se a mediação de relações
sociais a partir de uma lógica espetaculista, como coloca Debord.
Genevieve Naylor vem ao Brasil em meio a conjuntura da denominada
"Política da Boa Vizinhança" , instituída pelo governo norte-americano e gestada
pelo seu Departamento de Estado como uma estratégia voltada para os países
latino-americanos. Naylor, já envolvida com uma fotografia de cunho engajado,
influenciada por outros fotógrafos do período como Margaret Burke-White e
Berenice Abott -- sua mentora --, em 1940 é empregada pelo Office of Coordinator
of Inter-American Affairs para integrar uma missão que incluía , além de fotógrafos,
cineastas e roteiristas. Enquanto integrantes de um projeto que tinha a intenção de
produzir registros audiovisuais sobre a vida nos vizinhos ao sul do Rio Grande.
Nesse ínterim, o OCIAA -- ou simplesmente, Birô Americano , como ficou conhecido
por aqui -- criou departamento especialmente voltado para as atividades culturais e
artísticas. Acerca dessas verdadeiras "missões artísticas" com destino à América
Latina promovidas pelo governo estadunidense, Smith afirma :

Coube aos intelectuais e artistas latino-americanos o maior papel e o


mais importante. Entre 1940 e 1945, mais de dois mil escritores,
artistas e intelectuais da América Latina viajaram aos Estados
Unidos anualmente, e todas as despesas correram por conta do
governo. (SMITH, 2013, p. 273)

Naylor desembarca no Brasil em plena ditadura do Estado Novo (1937


-1945), sendo assim pré-orientada pelo Departamento de Imprensa e Propaganda
(DIP)¹ sobre o que fotografar enquanto estivesse em solo brasileiro:

(...) arquitetura moderna (principalmente prédios governamentais);


casas dos bairros nobres, como Lagoa, Gávea e Ipanema; interior
de casas importantes e elegantes no bairro do Flamengo ; os
domingos de Sol nas praias de Copacabana e Ipanema ; os
veleiros e iates na baía de Guanabara; o comércio exclusivo
da Rua do Ouvidor e as obras de caridade da Primeira Dama, D.
Darcy Vargas. (MAUAD, 2005, p. 52)

No entanto, mesmo com todas as limitações institucionais a fotógrafa vai


além da cartilha e fotografa diversas cenas e facetas da realidade das camadas
médias e pobres da sociedade brasileira se esgueirando pelos blocos e desfiles das
escolas de samba. Também percorre outras regiões do Brasil, viajando a outras
capitais, como São Paulo, Belo Horizonte, Recife, Salvador, Maceió e Aracaju. Se
envereda também pelo interior do país, percorrendo o Rio São Francisco,
fotografando pequenas cidades do Norte e Nordeste , bem como as cidades
históricas mineiras. Nas palavras de Ana Maria Mauad, Naylor retratou "um Brasil
que mistura essa cultura urbana internacionalizada com a outra, atávica, das
profundezas do sertão. Na sua viagem pelo Brasil une o litoral ao interior, numa
síntese inusitada que até hoje causa estranhamento em quem a vê." (MAUAD,
2005, p. 49) Sobre tal pluralidade de representações contidas nas imagens de
Naylor, Muad (2008) ainda qualifica:

As imagens do Rio e das viagens que realizou pelo Brasil compõem


um caleidoscópio em movimento de Naylor. Um Brasil cuja
cartografia afetiva revela a mistura, a polifonia das vozes que falam
através das imagens de Naylor, numa intertextualidade que valoriza
o poder da imagem nas suas múltiplas dimensões: poesia,
publicidade, cinema e fotografia. A poética visual de Naylor
sintonizava com referências estéticas do pluralismo cultural, próprias
do ambiente intelectual e artístico de Nova Iorque dos anos 1930.
Entretanto, dialogava também com a pedagogia do olhar própria à
política implementada pelo OIAA.(2008, p. 41)

O "Espetaculismo" nas fotografias de Naylor

A natureza contraditória das imagens produzidas pela fotógrafa nos faz


lembrar do que Guy Debord escreve na tese 54 de "A sociedade do Espetáculo --
sem aqui compreender o espetáculo simplesmente como um conjunto de imagens
ou de suas cadeias veiculadoras :

O espetáculo, da mesma forma que a moderna sociedade, está ao


mesmo tempo unido e dividido. Ele edifica a sua unidade sobre o
dilaceramento. A contradição, quando emerge no espetáculo, é
contradita pela inversão do seu sentido; de modo que a divisão
mostrada está dividida. " (DEBORD, 2003, pp. 39,40)

Contradição que poderia ser considerada um reflexo da cisão da própria


sociedade dos anos 1940, marcada por dois diferentes regimes ideológicos que
disputavam a supremacia política na 2ª Guerra Mundial : a democracia e o
totalitarismo fascista. Guerra, que por sua vez, foi uma das grandes motivações
para a instituição da "Boa Vizinhança", no intuito de angariar aliados à causa
democrática e criar uma coalizão de proteção ao longo do continente americano;
persuadindo mais efetivamente alguns deles, como Brasil e Argentina, que
possuíam elementos simpáticos ao fascismo em seus quadros político-institucionais.
Isso, para além das divisões socioeconômicas e raciais presentes nas sociedade
brasileira desde os seus mais remotos tempos.
Quando se compara as fotografias de Naylor á outras produções visuais fruto
da Boa Vizinhança, como os filmes produzidos por Walt Disney -- dentre eles, o
famoso Alô Amigos, onde aparece pela primeira vez o personagem Zé Carioca,
símbolo da malandragem e simpatia cariocas associadas à uma ideia de
brasilidade -- e ao padrão visual presente entre estas : "(...) evidenciam-se algumas
semelhanças em respeito à diretriz imposta, mas, por outro lado, o que se descobre
é um conjunto de imagens que apontam para certa porosidade dos processos
hegemônicos. Onde se quer a homogeneidade do típico, Naylor traz a diversidade
do que é próprio a cada lugar." (MAUAD, 2008, p. 42)
Além de um pano de fundo mais interno, onde se dava o embate entre um
ideário de cunho liberal, que ditava os destinos da política estadunidense -- num
contexto em que o país se via ainda recém-saído do New Deal -- e outro de fundo
esquerdista e vanguardista, que se "infiltrou" durante os anos da Grande
Depressão, especialmente nas artes, aqui com destaque para a fotografia. Esses
elementos da vanguarda artística vão ser assimilados pelas mesma
institucionalidade, com a eclosão da crise socio-econômica que assola o país
durante a década de 1930 . Colocando a disposição do liberalismo o seu talento e
sensibilidade estéticas para retratar um país então devastado pela pobreza. Sobre
esse tipo de associação Mauad escreve :

O trabalho de fotógrafos comissionados pelo governo dos EUA para


produzir registro das condições de vida nas cidades, das obras
públicas ou da ação social do Estado permitiu a avaliação de
estratégias de visibilidade da ação governamental segundo os
códigos que organizam a cultura visual das sociedades burguesas
ocidentais desde fins do século XIX. Um dos elementos que
fundamentam essa ação foi atribuir dimensão mágica à qual os
primeiros usos da imagem técnica estavam associados, às
representações do poder; um segundo elemento importante foi a
incorporação de artistas ao projeto governamental, cujo trabalho
vinha acompanhado de uma educação do olhar e de um
aprendizado estético, que sintonizava com os valores da sociedade
liberal, incentivadora das artes e talentos. (MAUAD, 2014, p. 126)

Relação que se materializa através da Farm Security Administration (FSA),


espécie de secretaria do governo estadunidense que tratava das reformas no
campo, seção do país mais afetada pela Depressão. Empreendendo um grande
projeto fotográfico, com o objetivo de retratar as áreas rurais e as famílias
agriculturas arruinadas pela crise, sob a coordenação de Roy Striker e por qual
passaram grandes expoentes do fotodocumentarismo como Dorothea Lange e
Walker Evans :

(...) a partir de 1935, e até 1942, desenvolveu-se o projecto


fotodocumental conhecido por Farm Security Administration (FSA).
Este projecto procurou, especificamente, retratar os resultados das
políticas do New Deal do Presidente Roosevelt: empréstimos a baixo
juro para compra de terra, desenvolvimento de estudos sobre
preservação dos solos e criação de quintas experimentais e de
explorações comunitárias, que visavam dar emprego aos
trabalhadores errantes. Em grande medida, assenta na tradição de
documentalismo social americano de Riis, Hine e de outros
fotógrafos mais ou menos conhecidos, como James Van Der Zee,
que fotografou a subcultura dos negros ricos na Nova Iorque dos
anos vinte, projecto que Aaron Siskind (1903-) irá continuar,
alargando a documentação a todos os estratos sociais, de 1932 a
1950. O projecto FSA teve uma grande repercussão porque as
fotografias foram amplamente divulgadas na imprensa, em livros e
em exposições. (SOUSA, 1998, p. 96)

Assim como Naylor no período em que esteve no Brasil, os fotógrafos da


FSA trabalhavam sob um código de regras e indicações, que definia a sua atuação
e a suas formas de abordar os assuntos :

Era com base num projecto que os fotógrafos partiam para o seu
trabalho, por vezes durante meses, após estudarem profundamente
a documentação disponível e de discutirem a missão a executar.
Dispunham de listas de temas a cobrir em regiões previamente
determinadas (ouvir rádio à noite, ir à Igreja, ir a clubes e salas de
jogo, fotografar encontros em determinados espaços das ruas, etc.;
curiosamente, apenas uma rúbrica do documento fazia referência ao
principal problema da época: "Ver os efeitos da depressão nas
pequenas cidades dos Estados Unidos"). Por vezes, pedia-se-lhes
também, com fins publicitários, que fotografassem os projectos de
recuperação e reforma agrícolas financiados pelo Estado. Outras
vezes, era-lhes solicitada a cobertura de uma região devastada por
uma calamidade natural ou os efeitos do clima sobre a agricultura.
(SOUSA, 1998, p. 96)

Ótica que também convergia com um ideal de valorização do trabalho, como


atividade dignificante e moralmente enriquecedora para o homem, especialmente o
pobre. Num estado de profunda crise sócio-econômica, era importante para o
governo supervalorizar o esforço individual, a figura do trabalhador que se fez
sozinho na vida, um dos símbolos fundadores da sociedade capitalista norte-
americana :

Durante os anos de 1930, os fotógrafos, ao celebrar a diversidade e


o pluralismo dos Estados Unidos, desenvolveram uma linguagem
para a representação dos trabalhadores norte-americanos que
enfatizava a independência masculina. A atitude preferida foi um
pouco ousada, em vez de afirmar a nobreza natural. O trabalhador
excelente está convicto de suas próprias habilidades e
conhecimentos e obediente apenas às exigências das tarefas
manuais. Quando o trabalhador desfruta de emprego e dinheiro, ele
ganha autossuficiência e respeitabilidade mais profundas do que as
da classe média. A atitude desafiadora se tornou um sinal de
determinação para vencer. Os trabalhadores fora da estação de
trabalho sempre usam os ternos, os chapéus e as gravatas para
indicar a atitude ousada e a autossuficiência do trabalhador
moderno. (SMITH, 2013, p.78)

Mas o que me leva a estabelecer um elo entre o fotodocumentarismo e o


espetáculo , não é apenas a sua imagética, mas a sua potente influência sobre a
vida cultural e, por conseguinte, sobre os modos de olhar de uma sociedade. Algo
que, segundo Scott (1972, apud SOUSA , 1998, p. 99) se efetivou com o projeto
fotográfico da FSA nos EUA dos anos 1930 e início dos 1940 :

(...) a atitude documental da década de trinta, bem patente no FSA,


influenciou numerosos aspectos da vida cultural norte-americana.
(...) essa atitude traduzia-se em apresentar ou representar factos
verídicos de forma atraente e credível. Ora, o que acontece é que se
por um lado um número enorme de obras da década fazia apelo à
apresentação directa de factos aparentemente irrefutáveis,
ansiedade satisfeita pela fotografia, por outro lado a fotografia servia
para reivindicar reformas sociais, acentuando pontos de vista e
subjectivdades, como já o tinha feito Riis e ainda o fazia Hine, o que
não deixa de ser um pouco paradoxal. (SOUSA, 1998, p.99)

Potência influenciadora esta, que penso coadunar com a tese de Debord,


quando apregoa que :

Não se pode contrapor abstratamente o espetáculo à atividade


social efetiva; este desdobramento está ele próprio desdobrado. O
espetáculo que inverte o real é produzido de forma que a realidade
vivida acaba materialmente invadida pela contemplação do
espetáculo, refazendo em si mesma a ordem espetacular pela
adesão positiva. (...) a realidade surge no espetáculo, e o espetáculo
no real. (DEBORD, 2003, p.16)

E ainda, quando o mesmo diz sobre o espetáculo não ser um sintoma ou um


produto de seu tempo, mas sim o próprio tempo, a modernidade em si mesma, se
convertendo assim na própria história : "(...) o espetáculo não significa outra coisa
senão o sentido da prática total da formação econômico social, o seu emprego no
tempo. É o momento histórico que nos contém. " (DEBORD, 2003, p. 17, grifo
original do autor)

Genevieve Naylor era ela mesma uma herdeira dessa "tradição" na fotografia
e muito influenciada pelas vanguardas artísticas americanas do primeiro quartel do
século XX. De um meio intelectual de esquerda, mas advinda de uma sociedade e
um círculo familiar liberal. Uma artista de vanguarda que foi admitida para atuar em
favor dos ideias de uma democracia liberal. Algo que, tendo em vista a lógica do
espetáculo, não é surpreendente:

As falsas lutas do poder separado são, ao mesmo tempo, reais no


que se diz respeito ao desenvolvimento desigual e conflitual do
sitema, aos interesses relativamente contraditórios das classes ou
subdivisões de classes que reconheceram o sistema, e definem sua
própria participação no seu poder. (...) Essas diversas as posições
podem exprimir-se no espetáculo, segundo critérios completamente
diferentes, como formas de sociedades absolutamente distintas. Mas
segundo sua realidade efetiva de setores particulares, a verdade da
sua particularidade reside no sistema universal que as contém : no
movimento único que faz do planeta seu campo. (DEBORD, 2003,
p. 40)

A REVOLUÇÃO LATENTE NO CORPO SUBALTERNIZADO

Naylor tinha em seu precedente uma participação no Work Progress


Administration -- até 1939, Work Progress Association --, projeto que visava
fomentar melhorias em diversas áreas da sociedade norte-americana, dentre elas
as artes e as humanidades.1 Período em que ela fotografou enfaticamente a
população negra estadunidense, sobretudo nos meios urbanos de Nova York, em
meio a uma era de intensa efervescência cultural com a ascensão do jazz e do
blues, o chamado Harlem Renaissance. Sendo essa a sua primeira experiência
como fotógrafa profissional, Naylor produziu imagens de dentro dos ambientes
vividos pelos "afro-americanos" do Harlem , com os sujeitos sempre em posição
ativa, representando a sua cidadania -- ou seu clamor por ela, num Estado marcado
pela segregação racial -- , seguindo uma noção clássica e frequentemente
associada à esfera do trabalho, à capacidade laboral e criativa humana. Sobre as
fotografias dessa fase de sua atuação, Mauad (2014) afirma:

1 Sobre o WPA, Maud (2011) escreve : Ao longo da década de 1930, como forma de fazer frente ao
desemprego, o governo dos Estados Unidos promove vários projetos para empregar artistas e
promover as artes, dentre eles destaca-se para a cidade de Nova York o Works Progress
Administration, um programa cultural abastecido pela abundante produção afro-americana no âmbito
da literatura, performance e expressão visual que permaneceu até o início dos anos 1940. O
(re)nascimento de uma cultura afro-americana eminentemente urbana, sofisticada e
internacionalmente reconhecida atraiu vários artistas e intelectuais para a região, inclusive brancos,
convivendo numa Nova York dos anos 1930-40 que valorizava a experiência multirracial. (MAUAD,
2011, p. 4)
No conjunto se observa a adoção de um padrão de representação
em que a juventude negra se apresenta em atividade, de forma
representação em que a juventude negra se apresenta em atividade,
de forma ordenada. Essas imagens são evidências de que o
renascimento do bairro foi apoiado por projetos do New Deal, como
da própria economia visual que as produziu, fazendo parte de uma
atividade fotográfica engajada na reconstrução do país. (MAUAD,
2014, p. 144)

Dentre o conjunto de imagens que a fotógrafa, anos mais tarde, produziu do


Brasil, é notável a quantidade de fotografias retratando a população negra e
(classificada como) mestiça do país. Especialmente nos preparativos e desfiles de
carnaval do Rio de Janeiro, e também em seu cotidiano e nas festas religiosas no
interior. Em contraste às primeiras determinações do DIP, que direcionam uma
ênfase à um Brasil moderno e ascético, das elites e classe média urbanas : "Apesar
de não estar arrolado entre os temas fotografáveis pelo DIP , o carnaval, como festa
popular, foi identificado como expressão propriamente brasileira pelas lentes da
vizinhança." (MAUAD, 2014, p. 148). O corpo negro e o movimento por ele
produzido ganham uma perspectiva peculiar para a época, reforçada pela aplicação
de técnicas específicas pela fotógrafa :

Os tipos de enquadramento apoiados em cortes secos na imagem


sem respeitar a integridade da figura (...), associados a um jogo de
ângulos plongée e contre-plongée e à dinâmica da câmera ora para
a direita ora para a esquerda, permitiram a valorização do
movimento do corpo como dança e expressão artística (...), mas
também, dos cariocas como parte integrante de cenário do Rio de
Janeiro, cidade conhecida internacionalmente pelo contorno dos
morros (...). Agregou a sua expressão estética a utilização de
iluminação artificial, própria aos ambientes de performance
carnavalesca, que valorizou as sombras, tencionando a relação
entre claro e escuro (...), numa franca alusão à linguagem
cinematográfica em voga desde Cidadão Kane. (MAUAD, 2014, p.
148)
Assim, o corpo passa a ser o protagonista das imagens de Naylor, sendo
colocado em uma posição de centralidade, que afastando-se da estética do exótico
ou pitoresco, dá preferência a registros do corpo em ambientes externos e espaços
públicos, não regulados por uma lógica institucional ou de produção :

Naylor, nos Estados Unidos, se inscrevia numa cultura radical pela


qual se valorizava as artes e a cultura negra ativista, e, portanto,
orientou sua abordagem visual por uma estética ordenada pela
valorização do sujeito no trabalho artístico. Já no Brasil, a forma
como se inseriu no debate sobre a presença negra na sociedade
brasileira, em estreito diálogo com a vertente do nacional- popular,
orientou sua abordagem para valorizar os atributos da cultura afro-
brasileira que, se a princípio seriam identificados pela estética do
pitoresco, devido a sua associação à desordem do carnaval, no seu
desdobramento subverteram essa lógica. (MAUAD, 2014, p. 148)

Posicionamento tal que de alguma forma converge no sentido do imperativo


por uma primazia do corpo frente às estruturas e instituições sócio-históricas. O
corpo enquanto agente, fonte da história , pautado por Eagleton em "A Ideologia da
Estética" :

(...) se as coisas chegam a esse ponto, parece que a única


estratégia prolífica seria a de voltar mais uma vez ao início e pensar
tudo de novo, mas dessa vez tendo como ponto de partida o próprio
corpo. (...) E se uma ideia de razão pudesse ser gerada a partir do
próprio corpo, em vez de se incorporar o corpo à razão que está já
no seu lugar? E se fosse possível, num desafio corajosos, voltar
atrás e reconstruir tudo -- a ética, a política, a razão -- a partir de
uma fundação no corpo? (...) Como pode o corpo humano, ele
mesmo, em parte, um produto da história, ser tomado como a fonte
da história? (EAGLETON, 1993 , p. 146)

O que ele percebe nas teorizações de Marx enquanto uma resposta crítica à
supressão da sensibilidade e da natureza humanas pelo capital, e mesmo a
substituição do corpo físico por este último :
(...) Marx "assume que o mundo é o corpo do ser humano e que,
tendo projetado o seu corpo no mundo construído, os homens e as
mulheres são eles mesmos descorporificados, espiritualizados". O
sistema da produção econômica, como aponta Scary, é para Marx
uma espécie de metáfora materializada do corpo, como quando ele
fala nos Grundrisse da agricultura como a conversão do solo num
prolongamento do corpo. O capital funciona como um corpo
substitutivo do capitalista, provendo-o com uma forma vicária de
sensibilidade; e se a essência fantasma dos objetos é o valor de
troca, então é o seu valor de uso material , como coloca Marx ainda
nos Grundrisse, que os dota de existência corpórea. (SCARY apud
EAGLETON, 1 p. 147)

Coincidência que talvez tenha relação com o posicionamento ideológico de


Naylor, provavelmente de esquerda e influenciado pelo socialismo, compartilhado
por diversas figuras expoentes da vanguarda artística norte-americana em meados
do século passado. Mas que ainda assim, era assimilada e se colocava a serviço da
lógica espetacular capitalista nos seus projetos de sedução dos sentidos, sobretudo
do olhar -- e mesmo, na criação de um padrão visual :

Todo o mundo norte-americano entendia que o Brasil era um país


mais pobre do que os Estados Unidos, e a preferência do governo
brasileiro pela fotografia dos bairros nobres e da indústria lutou
contra o estereótipo norte-americano de que todos os brasileiros
ainda moravam na selva. Genevieve Naylor examinou a vida dos
pobres, bem como a vida dos ricos, mas como um povo
contemporâneo e muitas vezes urbano. A despeito das diferenças
nacionais, pelo menos uma representação de Naylor de
trabalhadores brasileiros repetia as convenções já estabelecidas nos
círculos progressistas dos anos 1930 para representar o trabalhador
moderno dos Estados Unidos. A questão pertinente foi: podem os
trabalhadores do Brasil superar a pobreza nacional? Ternos,
gravatas e chapéus desportivos nas fotos tiradas por Naylor ajudam
a responder a essa pergunta positivamente. Pelo menos, os homens
vestidos de modo semelhante aos trabalhadores norte-americanos
neutralizam a pobreza de lugar. As imagens dela funcionam como
indícios de que o progresso estava em andamento. Fotos de bondes
e trens cheios de viajantes enfatizam a disciplina de trabalhadores
brasileiros, enfrentando situações quotidianas que os próprios
trabalhadores norte-americanos bem conheciam, mas de uma forma
que destacou a etapa mais inicial do Brasil na escalada do
progresso. A disciplina cotidiana revela que o Brasil merecia ajuda
para contribuir com a defesa da civilização ocidental, e a presença
de muitos homens em uniformes entre os passageiros mostra que
este aliado já está se defendendo, e como nos Estados Unidos, com
soldados populares. (SMITH, 2013, p. 79)

É observada, ainda, uma preocupação da fotógrafa em retratar a inocência


nas cenas em capturou por aqui, não uma inocência de atribuição pitoresca, mas
uma inocência no viver cotidiano moderno; Levine sublinha :

If any common thread runs through Naylor's photographs of Brazil, it


is her seeming preoccupation with innocence,as James Agee puts it,
'not at the word has come to be misunderstood and debased, but in
its full, original wilderness, fierceness, and instinct fro grace and
form.' This tendency reflects her fascination for children, for carnival
celebrants, for simple people going on with their lives Sometimes
less innocent, her keen eye also brought back depictions of people
coping with life. She visited places as bleak as the ones Lange
photographed in, but choose to dwell on images that conveyed a
much lower degree of tension, a sense of communion with life .
(LEVINE, 1998, p. 51)

Esse lugar para o qual a fotógrafa aponta sua lente poderia se localizar no
limiar entre o desejo pela sensibilização e re-naturalização, bem como a plena
liberação da criatividade humana em sua expressão total, indo de encontro ao
"humanismo romântico" que Eagleton percebe em Marx. Todavia ela, reconhecendo
as marcas do ideal civilizatório ocidental, do "progresso" capitalista, como os trens e
bondes, os supracitados trajes sociais de trabalho e também, a universalização da
moda e hábitos cotidianos, em vias de transformação em virtude da nascente
globalização.

Considerações finais

Naylor foi assim, na minha acepção, particularista e universal a um só tempo.


Tentando, em alguma medida, conciliar a mediação do olhar dos seus compatriotas
norte-americanos -- da qual estava encarregada -- com o seu próprio olhar subjetivo
sobre o Brasil. A busca por esse corpo, o "corpo revolucionário" emerge
exatamente em meio a um contexto de sucessivas crises econômicas e sociais,
dentre ela uma guerra de proporções mundiais. Momentos em que as falhas do
sistema chegam , por vezes das formas mais catastróficas , à superfície.
Uma fotógrafa consciente de seu tempo, Naylor documentou as contradições
inerentes à esse momento histórico, no bojo de uma conjuntura social em que o
espetáculo já permeava as relações e se convertia na própria realidade. Uma
sociedade que estava -- e permanece -- em eterna contradição consigo mesma,
segundo Debord (2013).
Além disso, há de se reconhecer a importância das suas fotografias
brasileiras como um dado de uma nova abordagem visual e discursiva sobre a
população negra brasileira, que tem início a partir dos anos 1930 :

As imagens da fotógrafa da Boa Vizinhança sintonizam com um


novo ritmo dado às interpretações da cultura popular brasileira dos
anos 1940. Nesse momento, a ideia de povo tradicionalmente
folclorizado pelas leituras românticas oitocentistas incorporou
elementos da presença negra na cultura urbana e de mercado,
principalmente o fonográfico, delimitando um novo lugar social de
fala, mercado, principalmente o fonográfico, delimitando um novo
lugar social de fala, autorizado para a produção de representações
sociais sobre o povo brasileiro, com certeza, mais moreno. (MAUAD,
2014, p. 154)

Como observado mais uma vez por Ana Maria Mauad (2014) : "Naylor
compôs o retrato de um Brasil plural enquadrado pelas lentes fraternas da boa
vizinhança, não como política de Estado, mas como poder de sedução da cultura
política." (MAUAD, 2014, p. 147). Estratégia de persuasão sobre a qual Robert
Candida Smith (2013) escreve:

A opinião pública estrangeira se tornaria uma força ativa nos


debates nacionais de países civilizados. A determinação de manter
um intercâmbio internacional iria se tornar mais importante do que
prevalecer em qualquer ponto. É uma perspectiva utopista e também
hegemônica. Os ideais e o poder nunca se dividem, embora muitas
vezes haja desencontros. (SMITH, 2013. p. 75)

Mesmo com uma estrutura de poder que continuava a se especializar cada


vez mais e, por vezes, entrar em conflito ou desencontrar-se como supracitado, o
espetáculo permanece indivisível e ainda mais subjacente na contemporaneidade,
em face da sua constante especialização; mais sutil em vista do sua aparência
grandiosa, mais efetivo e sedutor dentro da sua sutileza. Recorro mais uma vez a
Smith (2013) quando observa que:

[...] é preciso considerar como o pluralismo consolidou uma ideologia


hegemônica e imperialista pela mobilização de esperanças que pode
ter ultrapassado o abismo entre povos separados pela exploração
das diferenças." ( idem , 2013, p. 83)

Referências bibliográficas

DEBORD, Guy. A sociedade do espetáculo. Rio de Janeiro : Contratempo 1997.

EAGLETON, Terry . A Ideologia da estética. Tradução : Mauro Sá Rego Costa.


Rio de Janeiro : Zahar, 1993.

MAUAD, Ana Maria. Genevieve Naylor, fotógrafa: impressões de viagem (Brasil,


1941-1942). In: Revista Brasileira de História. São Paulo, v. 25, nº 49, p. 43-75 –
2005. Disponível em: www.scielo.br/pdf/rbh/v25n49/a04v2549.pdf
Acesso:15/06/2016
MAUAD, Ana Maria. O olhar engajado: fotografia contemporânea e as
dimensões políticas da cultura visual. ArtCultura, Uberlândia, v. 10, n. 16, p. 33-
50, jan.-jun. 2008. Disponível em: www.artcultura.inhis.ufu.br/PDF16/A_Mauad.pdf

MAUAD, Ana Maria. Fotografia e a cultura política nos tempos da política da


Boa Vizinhança. Anais do Museu Paulista. São Paulo: Nº. Sér. v.22. n.1. p. 133-
159. jan.- jun. 2014. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/anaismp/v22n1/0101-
4714-anaismp-22-01-00133.pdf
LEVINE, Robert M. The Brazilian Photographs of Genevieve Naylor. Durham and
London: Duke University Press, 1998.

SMITH, Robert Candida. Fotografia de Boa Vizinhança : uma norte-americana


no Brasil (1941 -1942). Cadernos do CEOM - Ano 27, n. 40 - Histórias Locais e
Imaginário Social.

SOUSA, Jorge Pedro. Uma história crítica do fotojornalismo ocidental. Porto:


Letras Contemporânea, 1998.

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