Académique Documents
Professionnel Documents
Culture Documents
INTRODUÇÃO
O ESPETÁCULO
“Violetango” apresenta um tema aparentemente fácil de ser tratado, o
universal triângulo amoroso. No entanto, essa aparente facilidade desmorona-
se quando, ao assistir o espetáculo se percebe a engenhosidade construtiva da
narrativa, tecida com os tangos de Astor Piazolla, com a poesia
“Desesperança” de Mário Quintana, com o figurino de Aníbal Pacha, com o
cenário construído em sintonia com o cenário natural da praça onde se
apresenta, com os movimentos e gestos das personagens e com a condução
de um ser mascarado. Tudo isto orquestrado pela maestria do encenador
paraense Miguel Santa Brígida. Para compreendê-lo, portanto, é preciso se
estar atento e se dispor a participar de um jogo ao mesmo tempo apolíneo e
6
associação de idéias gerais que opera no sentido de fazer com que o Símbolo
seja interpretado como se referindo àquele Objeto”. (1999, p. 52).
Na cena seguinte, Ela, Ele e o Outro colocam os coletes, o que, a meu
ver, indica o início da trama amorosa. Ela mostra-se dividida entre a paixão e o
amor. Seus movimentos são de indecisão, ora atuam na direção de Ele (o
amor), ora na direção do Outro (a paixão). Por fim decide-se pela paixão, o
que já era, de certo modo, previsto, se pensarmos na presença do elemento
fogo na cena anterior como prenúncio dessa decisão. Convém lembrar que na
cultura ocidental fogo e paixão possuem uma relação simbólica de
coexistência. A música ”Violentango” complementa esses indícios, afinal, se
tomarmos Stanislawski como referência, onde estaria o conflito, senão nessa
disputa entre a paixão e o amor? O interessante da cena contemporânea é
exatamente a possibilidade de coexistência, numa mesma produção, de
referências e procedimentos advindos de outras épocas, outros estilos e outros
contextos. É nessa possibilidade que também se encontram o hibridismo e a
parateatralidade.
A cena que segue é a única em que ocorre verbalização. O poema
“Desesperança” de Mário Quintana é dito por Ele, enquanto desenrola a fita
dos envelopes e com eles constrói barquinhos. O Ser de Máscara derrama
vinho sobre os barquinhos de papel, gesto que, tanto pode ser indício de que
haverá derramamento de sangue, como pode também indicar a feitura de um
rio que levará os barquinhos/cartas de volta à amada. Entretanto, tudo leva a
crer que a primeira possibilidade é a mais acertada, uma vez que a cena
seguinte é exatamente a do duelo entre Ele e o Outro. Além disso, o ato de
derramar o vinho é, de certo modo, icônico ao ato de derramar sangue. Essa
ambigüidade é extremamente interessante e confere apuro estético ao
espetáculo, exigindo maior adentramento nesse universo de signos, por parte
do leitor/espectador.
O duelo é outra cena marcante, visceral, que reflete o trabalho corporal
executado pelos atores. O corpo é o suporte que materializa a narrativa,
através de movimentos e gestos mais indiciais e simbólicos do que icônicos,
permitindo belas metáforas gestuais. Do lugar onde estou, alcanço com o olhar,
no círculo de linóleo, sob a tenda, deslocamentos rápidos, precisos que
produzem assimetrias espaciais/temporais: equilíbrio/desequilíbrio,
9
3
“Violetango” é o título do espetáculo produzido pelo encenador paraense Miguel Santa
Brígida, responsável pela Companhia Atores Contemporâneos. O espetáculo estreou em 1994
e passou por algumas transformações nesses oito anos em que vem se apresentando no Pará
e noutros estados brasileiros. O presente ensaio proporciona uma leitura de “Violetango”
relacionando as montagens dos anos 2000 e 2002.
Parauara vem do Tupi para’wara, e indica naturalidade paraense.
10
4
Alguns desses dados foram obtidos no Portfolio produzido pela Companhia Atores
Contemporâneos, 2001.
11
REFERÊNCIAS
BACHELAR, Gaston. A chama de uma vela. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil S.A.,
1989, 112p.
COELHO NETTO, José Teixeira. Preliminar. In: GUINSBURG, Jacó et alli (Org.).
Semiologia do teatro. 2. ed. São Paulo: Perspectiva, 1988.
GIL, Antonio Carlos. Métodos e técnicas de pesquisa social. 3. ed. São Paulo:
Atlas, 1991.
PEIRCE, Charles Sanders. Semiótica. 3. ed. São Paulo: Perspectiva, 1999, 337p.