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COMO TRABALHAR COM A PERVERSÃO

Penso que o embrião deste encontro aconteceu no ano passado, numa reunião do
grupo “Atualidades via Psicanálise”, dos Estados Gerais, quando - a propósito da divulgação
pela imprensa do escândalo motivado pelas denúncias de pedofilia no seio da igreja católica
norte-americana - fizemos um debate sobre o assunto.
Embora a pedofilia esteja incluída no tema de hoje, ele é muito mais abrangente,
implicando a perversão como uma categoria e a forma de trabalhá-la analiticamente.
Sem esmorecer frente a amplitude do tema proposto, focalizarei alguns pontos que
considero importantes.
A primeira questão é como encarar a “perversão” hoje, cem anos depois da clássica
descrição de Freud.
Antes de mais nada, é necessário desfazer uma aproximação automática, uma redução
entre homossexualismo e perversão. O homossexualismo, que foi por tanto tempo objeto de
forte repressão e preconceito, tem conhecido uma mais ampla aceitação social e goza, no
momento, de uma liberdade muito maior.
Se antes, como analistas, não podíamos compactuar com o preconceito contra o
homossexualismo, tampouco agora devemos nos intimidar com os exageros do chamado
`politicamente correto' que chegam ao cúmulo de quase impedir qualquer discussão sobre o
assunto, que é logo taxada de preconceituosa e moralista.
Em segundo lugar, devemos lembrar que apesar da grande revolução provocada pela
psicanálise nos costumes e na cultura ocidentais, especialmente no que diz respeito a
sexualidade humana, não se pode negar que a mesma continua sendo objeto de grande
repressão em todos nós.
Stoller mostra que todos - mesmo nós analistas - temos preconceitos moralistas contra
as patologias onde a sintomatologia se expressa a nível do comportamento sexual. Nossa
tendência, diz ele, é denegri-las, coisa que não acontece com as demais patologias. Na
verdade, isso não deveria nos surpreender. A sexualidade é o solo onde o inconsciente se
assenta e - como tal - será sempre transgressiva, rebelde, disruptiva, afrontando a Lei,
insistindo no desejo proibido, estará sempre produzindo sucedâneos que nos compete
interpretar e integrar. Por isso mesmo deveríamos estar mais atentos para como nos
defrontamos com as patologias sexuais, observarmos mais acuradamente nossas reações
contratransferenciais.
Uma evidência dessa atitude é testemunhada por Roudinesco, ao falar da grande
resistência a seu trabalho de historiadora da instituição psicanalítica, especialmente na França,
quando abordou alguns tabus, como os suicídios, os envolvimentos sexuais com analisandos e
a incidência do homossexualismo entre os psicanalistas.
Em terceiro lugar, ao abordar a perversão, não podemos esquecer que Freud nos
mostrou como a sexualidade humana não é “natural”, não decorre exclusivamente da realidade
biológica do corpo. Ela é profundamente moldada pelos complexos de Édipo e de castração,
assim como pela cultura, que organiza o mundo simbólico de cada lugar e de cada época
histórica, com seus paradigmas que representam a diferença entre os sexos e as gerações.
A leitura do “Banquete” de Platão, que se detém tão demoradamente em práticas que
hoje seriam vistas como “homossexuais” e “pedófilas”, poderia ser profundamente chocante
para um leitor ingênuo e desavisado.
É a mesma coisa quando Stoller descreve a prática do povo sambia, nativos de Papua-
Nova Guiné, cujos meninos praticam sexo oral com todos os homens da tribo, como forma de
atingir a masculinidade, prática que seria considerada uma grave aberração em nossa
civilização.
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Farei agora um breve apanhado da evolução teórica do conceito de perversão em
Freud, Parsons, Stoller e Serge Andre.
O estudo da perversão foi o fulcro onde Freud assentou sua visão revolucionária sobre
a sexualidade humana. Até então, esta era considerada como uma pulsão (um instinto)
inexistente na criança, que, decorrente de processos maturacionais do corpo, aparecia na
puberdade e se manifestava por uma atração entre os sexos opostos, tendo como fim a união
sexual. A freqüência dos comportamentos abertamente perversos, bem como traços destes
comportamentos nos sintomas neuróticos ou integrados no ato sexual normal, como atividades
preliminares ou prazer preliminar, fez Freud entender a perversão como a persistência no
adulto de uma sexualidade infantil, necessariamente “perversa” e “polimorfa” por ser regida por
pulsões parciais, não genitais, oriundas de variadas zonas erógenas. Ao postular,
posteriormente, a organização libidinal em “fases”, sujeitas a desenvolvimento, fixação e
regressão, com relações de objeto características de cada fase, a perversão passa a ser
considerada uma regressão a um ponto de fixação anterior.
Como dizem Laplanche-Pontalis, para Freud, a sexualidade humana é, no fundo,
“perversa”, por procurar sua satisfação não numa atividade específica e predeterminada e
depender de várias pulsões ao lado da genital.
Apesar de reconhecer como a perversão permeia toda a sexualidade humana, Freud
não deixa de falar numa sexualidade “normal”. Essa normalidade, essa “norma” não está na
primazia genital, pois mesmo no homossexualismo e outras perversões, supõe-se uma
primazia genital. Nem está ela no consenso social. Para Freud, a perversão não é “anormal”
por ser censurada socialmente e, mesmo nos lugares onde é largamente aceita, não deixa de
ser uma tida por ele como uma “perversão”.
A “norma” aventada por Freud está na Lei da interdição do incesto, no nome do pai, na
inevitabilidade da castração, nas conseqüências da travessia do complexo de édipo e de
castração.
Como disse Laplanche a leitura restrita e pouco ilustrada dos “Três ensaios” veria a
sexualidade humana girando exclusivamente em torno da pulsão, de sua fonte, meta e objeto,
ficando a perversão como desvios ligados ao objeto e ao fim. Essa redução é compreensível,
pois em nenhuma momento, Freud introduz ali a dinâmica intersubjetiva implícita no complexo
de édipo. Por exemplo, o “objeto” nunca recebe o nome de mãe.
O complexo de édipo, descoberta tão precoce na obra freudiana, segue meio à
margem, para receber sua formalização já nos anos 20. Somente então todo o jogo
identificatório e objetal fica plenamente desenvolvido, como vamos ver em Leonardo, onde a
perversão vai ser entendida como a identificação com o objeto perdido mãe.
Posteriormente, com os trabalhos sobre a fase fálica {(A organização genital da libido,
[1923) o fetichismo(1927)}, Freud, sempre dentro do referencial edipiano, colocará a perversão
como decorrente de uma forma específica de lidar com a castração, diferente da repressão,
que é a denegação ou recusa (Verleugnung). Frente a visão da ausência do pênis na mãe, a
criança recusa tal realidade e faz uma cisão no ego. Uma parte de seu ego reconhece a
castração materna e outra a recusa, ficando essas duas concepções coexistindo sem
integração, com grandes conseqüências no que diz respeito à percepção da realidade.
Parsons aponta como a sexualidade e a perversão são conceitos construídos
(construtos teóricos] que sofreram revisões com o tempo. Como exemplo, cita a mudança do
conceito freudiano de “fase ou estágio de desenvolvimento da libido” por “posição”, introduzido
por Melanie Klein. O conceito de sexualidade de Freud, baseado na teoria da pulsão,
inicialmente centrava-se na fonte, meta e objeto da pulsão, sendo o objeto reconhecido
meramente por sua função de satisfazer a meta da libido. Nisso Freud estaria pagando um
tributo às concepções de seu tempo, quando imperavam as idéias de Darwin sobre a seleção
natural e seleção sexual. Segundo Parsons, esses dois determinismos biológicos são relidos
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por Freud como instinto (pulsão) de autopreservação e instinto (pulsão) sexual. Diz ele: “nesta
visão, não há consideração alguma pelo outro como um indivíduo envolvido com o sujeito, seja
na sobrevivência, seja como parceiro para o acasalamento; o outro existe simplesmente para
possibilitar a sobrevivência e permitir o acasalamento”. Assim, “o que para ele [Freud]
importava de fato, no objeto, era sua função na satisfação da meta”.
Uma grande mudança deste conceito foi feita por Fairbairn, que afirmou que a libido (ou
seja, a pulsão) está à procura não apenas de “satisfazer sua meta” e sim está à “procura de um
objeto”, e as zonas erógenas não são meras determinantes das metas libidinais e sim canais
mediadores de procura do objeto. Mas Parson reconhece que o próprio Freud modifica, em
1919, seu conceito de perversão como mera fixação de pulsões parciais pré-genitais não
integradas sob a égide da genitalidade, ao escrever “Batem numa criança”. A partir daí, a
perversão passa a ser vista como uma defesa - através dos mecanismos de recusa da
realidade, cisão do ego, agressão, regressão, controle sádico do objeto - uma defesa contra a
angústia de castração decorrente dos desejos edipianos incestuosos infantis. Essa função
defensiva da perversão tem sido de certa forma sustentada por muitos analistas. A conclusão
de Parsons é que, nos dias de hoje, a perversão tende a deixar de ser considerada uma
patologia da pulsão (embora alguns ainda insistam nesse ponto), passando a ser tida como
uma patologia da relação, onde o outro é ignorado e tratado narcísicamente. A perversão seria
então uma defesa contra a “relação de objeto”. Nesta linha estão os trabalhos de MacDougall,
que caracterizam a perversão em termos da qualidade do relacionamento com o objeto.
Stoller pensa que o que caracteriza a perversão é o desejo de ferir o objeto. A
agressividade contra o objeto seria decorrente de maus tratos sofridos na infância. Sua forma
de abordar a perversão também se afasta dos esquemas metapsicológicos freudianos
clássicos em torno da pulsão, descartando-os como um desvio biologizante (pg 292 SM) e
enfatizando a importância da realidade vivida na estruturação do psiquismo. Desta forma,
revaloriza a teoria do trauma, sem, entretanto, entrar em reducionismos simplistas, pois
reconhece que o uso do trauma como explicação causal da sintomatologia não se sustenta
inteiramente, na medida em que muitos passam pelo mesmo trauma sem organizar o mesmo
sintoma.
É justamente nesta impossibilidade de prever os efeitos do trauma sobre o psiquismo
onde reside a importância da psicanálise e sua ênfase sobre o estudo da fantasia, sobre a
forma específica e singular de cada um em organizar e vencer a experiência traumática.
A importância que Stoller atribui ao trauma é reafirmada em vários momentos, dando a
ele importância não só na gênese do sado-masoquismo, como no comportamento sexual em
geral. Diz ele: “Infelizmente, não tenho sólidas bases, apenas indícios que apontam para a
necessidade que todos temos de vencer e controlar os traumas e frustrações que emanam dos
“sádicos” de nossa infância: nossos pais. Tenho entretanto um indício a ser desenvolvido como
hipótese a ser confirmado clinicamente: os maiores traumas e frustrações da primeira infância
são reproduzidos nas fantasias e comportamentos que animam o erotismo adulto, sendo que
desta vez a história tem um final feliz. Desta vez, ganhamos. Em outras palavras, o
comportamento erótico adulto contêm o trauma primitivo. Os dois se complementam: os
detalhes do `script' adulto contam o que aconteceu com a criança. Nós, analistas, somos então
detetives tentando rastrear os eventos originais. (pg 25 SM)
Ampliando ainda mais o leque, Stoller diz: “Algumas vezes penso que as perversões
adultas são desordens de estresse pós-traumático da infância. Ou será que, mais simples
ainda, a vida adulta é um PSTD (Post traumatic stress disorder - disordem de estresse pós-
traumático) da infância? (pg. 25 SM). Em seus relatos sobre o sado-masoquismo, Stoller
acredita que esse é um comportamento básico erótico, presente em toda relação sexual,
perversa ou não. Estudando a dinâmica da excitação erótica, encontra aí a origem do processo
de fetichização, que prefere chamar de desumanização do objeto.
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Serge Andre, usando o arsenal lacaniano, explicita a estrutura perversa em função da
denegação, usando os referenciais do desejo, da fantasia, do gozo, da lei, da culpa e do Outro.
Se a Lei, que implica a repressão nos neuróticos e funda o sintoma juntamente com o laço
social, o perverso se liga através do fantasma (os neuróticos se ligam pela Lei, os perversos
pelo fantasma). Assim está sempre numa rede à parte da maioria, estabelece pactos e
sociedades secretas que se opõem à maioria. Ali predominam
1-a lógica da denegação;
2 - esta lógica se apóia num édipo perverso advindo de uma estrutura familiar
específica, onde o pai é ineficaz portador da lei, é permanentemente desmoralizado pela mãe e
seu papel é de fachada, uma representação sem qualquer consistência. Isso instala no modelo
edipiano uma característica de farsa, uma comédia, um “as if” - o perverso tem um forte conluio
com a mãe, delegando ao pai um papel secundário, de mera aparência. Isso o deixa muito
perceptivo para captar e capitalizar os impasses sociais entre o público e o privado; a fachada,
a aparência e o que efetivamente é; entre o palco e os bastidores;
3 - o uso perverso do fantasma - o fantasma do perverso é o mesmo do neurótico, só
que enquanto para este ele é secreto, reprimido, solitário, para o perverso ele só adquire
sentido em público; ele precisa da aquiescência de um outro; isso ocorre porque nessa
situação o fantasma tem uma função corroborativa, o perverso precisa se sentir avalizado pelo
outro para se sentir existindo, precisa “assegurar-se de sua subjetividade sob a condição de
fazer-se aparecer como sujeito positivado no outro”; ele precisa reafirmar que há continuidade
entre desejo e gozo; para ele, um desejo que não termine em gozo é covarde, um engano e
incompleto. O gozo é o valor supremo no perverso, já no neurótico, é o desejo (desejo
impossível na neurose obsessiva compulsiva, insatisfeito na histeria e evitado na fobia); para o
neurótico, o objeto sempre falta, quando pensa que o alcança, ele já está noutro lugar, daí o
gozo ser sempre evanescente e gerador de culpa; o perverso quer provar a todos que o gozo
existe e é accessível, que predomina sobre o desejo. Para ele só há o desejo de gozar,
nenhum outro, ao contrário do neurótico que deseja desejar;
4 - a relação com a lei e o gozo. É preciso enfatizar que o perverso está submetido a
uma lei especial, que o obriga a gozar permanentemente. Isso permite desfazer uma confusão
frenquentemente estabelecida entre transgressão e perversão - não é que o perverso seja um
anarquista - se despreza a lei, é por querer transformá-la numa “lei” mais radical, aquela que
impõe incessantemente a obrigação do gozo, uma “lei” inumana e implacável, à qual o
perverso está totalmente submetido; não é ele quem deseja e sim um outro; dai a paradoxal
proximidade entre a perversão e a santidade, a virtude, o atingir a redenção pelo mal, a
santidade pela abjeção; também a proximidade com a psicose, pois há uma total submissão ao
outro, a realizar o desejo do outro.
Focalizei aqui a visão de Parsons, que seria a Kleiniana, a de Stoller e a de André. A
primeira enfatiza as relações objetais, mostrando a perversão como uma patologia das
relações objetais, uma não consideração dos objeto como tal. A formulação de Stoller entra
numa linha bem atual, de valorizar a realidade que cerca a constituição do sujeito, o trauma
que o atinge e marca para sempre em sua subjetividade e sua sexualidade.
A formulação lacaniana de André centra a perversão como decorrente da denegação,
enriquecendo-a com filigranas teóricas facilmente detectadas na clínica.
Entender a perversão como uma patologia das relações objetais não é muito diferente
de entendê-la como decorrente do mecanismo da recusa, pois este leva a dificuldades de ver o
objeto de forma não narcísica. Essas formulações são clinicamente operacionais, pois tiram a
ênfase da observação fenomenológica da perversão e a colocam na subjetividade daquele que
pratica o ato. Se o que está em jogo não é mais o ato em si, mas o que ele representa dentro
da organização do sujeito, do tipo de relações que ele pode estabelecer com o objeto -
narcísicas ou objetais, podemos pensar: um ato homossexual pode não ser perverso, ele
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poderá ter uma inserção neurótica, psicótica ou perversa. Podemos pensar: pode uma relação
homossexual ser não perversa? Pode uma relação heteressexual ser perversa? Parsons
lembra que Fenichel, em 1946, dizia que o amor heterossexual poderia ser uma perversão,
dependendo da qualidade da relação objetal em jogo.( “Apaixonar-se, como tal, certamente não
é perversão; mas é perversão quando a única maneira possível de excitação sexual consiste
no sentimento da própria insignificância, quando comparada com a magnificência do parceiro”)
Por outro lado, Stoller nos mostra a importância do trauma, da realidade que
circunscreve a organização do sujeito. Ou seja, mostra como é importante entender a dinâmica
familiar de onde provém o perverso.
Teoricamente, todos os enfoques citados parecem apontar para uma proximidade da
perversão com a psicose, na medida em que as relações de objeto têm forte tonalidade
narcísica, proporcionando uma indiscriminação entre o sujeito e o objeto, que ficam fundidos,
sem autonomia recíproca. É muito conhecido o aforismo freudiano “a neurose é o negativo da
perversão” ou “a perversão é positivo da neurose”, sintoma “ego-sintônico e prazeiroso”.
Atualmente poder-se-ia dizer “a perversão é o negativo da psicose” (ao invés de ser o `positivo'
da neurose' seria o `negativo' da psicose). Alguns autores kleinianos dizem ser a “parte
psicótica” mais forte no perverso, desde que haveria a predominância dos impulsos agressivos.
Freud mostrou como a perversão permeia toda a vida sexual. Poderíamos concluir que
a denegação também permeia nossa vida psíquica. Pois é justamente o que nos mostra
Mannoni. Ele diz como a denegação é um mecanismo muito mais presente na vida psíquica do
que se imaginava antes, longe de aparecer apenas nas perversões. A denegação é parte
constitutiva fundamental de todos os sistemas de religiões, crenças e preconceitos da
psicopatologia da vida cotidiana. Vamos encontrá-lo, por exemplo, nas corriqueiras e tão
comuns leituras de horóscopos, visitas a videntes e cartomantes, no fascínio frente aos
ilusionistas, aos quais teimamos em chamar de “mágicos”. A denegação é ainda fundamental
na propaganda política e na publicidade. Aparece clinicamente geralmente na formulação “eu
sei..., mas mesmo assim” (“eu sei que ler horóscopos é uma bobagem, mas mesmo assim... os
leio, quem sabe me ajuda no meu dia a dia, prevendo o futuro”, “sei que se fumar o cigarro X
não vou ficar rico e famoso, mas mesmo assim...vou fumá-los, quem sabe com isso fique rico e
famoso”, etc).
Por essa via, entraríamos num vasto campo que é o da presença da perversão nas
estruturas e instituições sociais e culturais, que foge a nosso escopo atual.
Quanto a questão do tratamento da perversão, mais uma vez vamos constatar a
presença do preconceito entre nós analistas. Muitos dizem que não é possível analisá-los.
Parece prevalecer uma confusão entre perversão e delinqüência, mitomania, psicopatia.
Etcghegoyen fala numa “perversão transferencial”, equivalente à “neurose
transferencial” ou à “psicose transferencial”. Para ele, a “perversão transferencial” se revela na
predominância de relações narcísicas de objeto, pela tendência à fusão com o objeto, pela
erotização do vínculo, pela projeção da excitação sobre o analista, pela indução de atuações
no analista. Julga ele serem característicos os mecanismos de intelectualização e
racionalização, o apelo à ideologia, à polêmica - artifícios para os quais os perversos estariam
especialmente bem dotados em função da denegação.
Etchegoyen vê um constante medo de enlouquecer em perversos em análise, o que
entende assim: “a realidade tem que acabar sendo enlouquecedora para quem vive em um
mundo de alucinações negativas”. Essa sua observação me parece muito pertinente, pois
confirma clinicamente a incidência maciça da denegação, que provoca, como ele bem diz,
“alucinações negativas”, impedindo o contato com a realidade. Daí o medo de enlouquecer que
o perverso muitas vezes apresenta ao ser confrontado com sua realidade externa e interna, ao
se tentar integrar o que estava cindido.
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A questão “como trabalhar com a perversão” estaria talvez mais bem colocada se
formulada assim: “como trabalhar com a denegação, seus afastamentos da realidade, que se
dão não apenas no campo da sexualidade mas na totalidade do acontecimento psíquico do
sujeito”.
Pelo menos é isso o que constatei em meus casos de pacientes perversos. Neles
constatei uma clara feição compulsiva com intenso sofrimento psíquico, que bem se aproxima à
descrição de Serge André quando fala da submissão do perverso à “lei” implacável e
desumana do gozar, “lei” que ao invés de retirá-lo da cena primária, ali o aprisiona, fato que o
joga numa ciranda enlouquecedora de ciúmes e traições vingativas, fazendo-o assumir
comportamentos de altíssimo risco, onde se evidencia uma grave denegação da realidade.
Por outro lado, a questão do trauma, trazida por Stoller, em minha opinião, é da maior
importância e foi por mim comprovada clinicamente inúmeras vezes. Isso me faz pensar que se
impõe um enfoque analítico familiar nesses casos, especialmente quando se trata de crianças
ou adolescentes.
Uma última observação. O viés patológico da perversão e sua aproximação com a
psicose e estados narcísicos, indiscutivelmente correspondem a uma realidade clínica. Mas a
excessiva ênfase nesse aspecto não poderia decorrer de preconceitos nossos? Não
estaríamos esquecendo a grande quantidade de perversos que foram e são grandes artistas e,
desta forma, muito doaram para a humanidade? A relação entre perversão e arte levanta ainda
uma questão - além da sublimação, a denegação teria algum papel na criatividade?
Freud - Tres Ensaios, Leonardo, O fetichismo,
André Serge - La significacion de la pedofilia.
Etchegoyen - Fundamentos da técnica psicanalítica
Parsons - Sexualidade e Perversão cem anos depois
Laplanche - Vocabulário de Psicanálise, Teoria da sedução generalizada, Lendo Freud
Stoller - Observando a Imaginação Erótica, Coming Attraction - The Making-of na X-rated video,
PAIN AND PASSION - A psychoanalyst explores the world of S&M, Porn - Myths for the
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Octave Mannoni - Chaves para o imaginário
Elizabeth Roudinesco - Genealogias

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