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A Cooperação Técnica Brasileira para a América Latina à Luz da Teoria 
Construtivista nas Relações Internacionais  
 
1
Francine Ferraro  
2
Mariele Christ  
 
 
Resumo 
Considerando  o crescente  protagonismo  do  Brasil enquanto  destacado ator de Cooperação Técnica Internacional  (CTI), 
o  presente  trabalho  visa  compreender  a  estratégia  de  inserção  brasileira  na  América  Latina  através   da  Cooperação 
Técnica  entre  Países  em  Desenvolvimento  (CTPD).  Considerando  que  a  tendência  predominante  em   Relações 
Internacionais  tem  sido o  estudo  do conflito em detrimento da  cooperação,  esse esforço de  pesquisa procurará  fazer uso 
da  perspectiva  construtivista  para  alcançar  seu  objetivo.  De modo  geral,  a  teoria construtivista aborda uma perspectiva 
alternativa  para  a  compreensão  do ambiente  internacional  através  de  uma  perspectiva  social  e  tem  como premissa  um 
mundo  em  permanente construção,  em que os agentes são os principais protagonistas. A escolha pela América Latina se 
justifica  por ser  essa  a  região onde  historicamente  se  iniciou,  ainda  na  década  de  1970, a atuação brasileira em CTPD. 
Acreditando,  portanto,  que  essa  atuação  se  aproxima,  em  certos  aspectos,  da  perspectiva construtivista  das  Relações 
Internacionais, a presente pesquisa pretende realizar o mencionado exercício de análise.  
 
Palavras­chave​ : ​
Cooperação Técnica. Cooperação Técnica entre Países em Desenvolvimento. América Latina. 
Construtivismo. Política Externa Brasileira.  
 
Introdução  
 
Nesse  início  de  século  XXI,  o  Brasil  encontra­se  em  pleno  processo  de amadurecimento de 
doador3 ​
sua  atuação  no  cenário  internacional enquanto país ​ de Cooperação Técnica entre Países em 
Desenvolvimento  (CTPD).  O  total  dos gastos do Brasil em ações de cooperação técnica alcançaram 
um  montante  superior  à   quantia  de  R$  286  milhões  no  ano  de  20104  (IPEA;  ABC,  2013).  Esse 

1
 Graduanda do 8º semestre de Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul ­ UFRGS. 
E­mail: ​ ferraro.francine@gmail.com​ .  
2
 Graduanda do 8º semestre de  Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul ­ UFRGS. 
E­mail: ​ mariele.lc@gmail.com​ .  
3
assistência ​
  Ao  contrário  da ideia de ​ promovida pelos países desenvolvidos e  bastante vinculada à Cooperação Técnica 
Internacional  (CTI) tradicional,  os  países  em desenvolvimento  que  se  constituem  também  como  atores  de  Cooperação 
Técnica  em  outros  países  do  Sul  preferem   o  emprego  do  termo  ​ cooperação  ​ por  ele  melhor  exprimir  a  relação   de 
benefícios  mútuos  que  consiste  a  CTPD.   Assim,  distingue­se  o  fênomeno  que   ocorre   no  âmbito  Sul­Sul  daquele 
característico  do  âmbito  Norte­Sul.  Consequentemente, os conceitos ​ doador ​ receptor ​
e ​ são  evitados pelos países do Sul 
em  favorecimento  do  termo ​ parceiros  (SOUZA, 2012). Com isso em mente, este trabalho fará uso dos termos ​ doador ​ e 
receptor ​ apenas no seu sentido mais didático do termo para facilitar a compreensão do leitor.  
4
  Os  dados  referentes  à  CTPD  brasileira  mais  recentes se encontram no  relatório Cobradi  2010,  publicado em 2013 sob  
elaboração do  Instituto  de  Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) e da Agência Brasileira de  Cooperação (ABC) com os 
dados  atualizados  do  ano de  2010.  Um  novo  relatório  com  dados  atualizados está previsto para  divulgação em outubro 
de 2015. 
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policy  makers​
movimento  tem  despertado  a  atenção  de  analistas  internacionais  e  ​ ,  ao  passo  que 
permanecem  escassas  análises  acadêmicas  no  âmbito  da  política  externa  acerca  da  emergência  do 
Brasil como ator nesse fenômeno (INOUE; VAZ, 2012). 
A  própria  interpretação  do  que  se  configura  ou  não  como  cooperação  internacional  segue 
sendo  um  ponto  de  discussão  tanto  no  Governo  Brasileiro  quanto  na  academia.  Neste  trabalho, 
empregar­se­á  a  definição  trazida  pelo  ​
Guia  de  orientações  básicas: Cooperação Brasileira para  o 
Desenvolvimento  Internacional  ­  Primeiro  Levantamento  (2005­2009)​
,  publicado  em  2010  pelo 
IPEA,  enquanto  proposta  de  instrumento  para  a  construção  de  uma  abordagem   metodológica  da 
cooperação  prestada  pelo  Brasil,  onde  a  Cooperação   Brasileira  para  o  Desenvolvimento 
Internacional (Cobradi) é definida como: 
A  totalidade  de  recursos  investidos  pelo  governo  federal  brasileiro, 
parcialmente  ou  totalmente  a  fundo  perdido,  no  governo  de  outros 
países,  em  nacionais  de  outros  países  em  território  brasileiro,  ou  em 
organizações   internacionais  com  o  propósito  de  contribuir  para  o 
desenvolvimento  internacional,  entendido  como  o  fortalecimento  das 
capacidades  de  organizações internacionais e de grupos ou populações 
de  outros  países  para  a  melhoria  de suas condições sócio­econômicas. 
(SCHMITZ et al., 2010, p. 7). 
 
Como  outros  países  em  desenvolvimento  (PEDs),  o  primeiro  contato  do  Brasil  com  a 
receptor  ​
cooperação  técnica  ocorreu  na  condição  de  ​ de  assistência  técnica  oriunda  de  países 
desenvolvidos.  No  entanto,  diferente  da  maioria  dos  PEDs,  o  país  evoluiu  gradualmente  para  a 
condição  de  prestador  de  cooperação  técnica  para  outros  países  em  desenvolvimento  sem,  porém, 
renunciar a sua condição de recipiendário (PUENTE, 2010).  
As  primeiras experiências de cooperação técnica oficial brasileira no exterior se restringiram 
ao  nível  intra­regional  (América  Latina)  e  aos  países  africanos  de  Língua  Portuguesa,  a  partir  de 
1973.  A  expansão  dos  programas  de cooperação técnica para o exterior foi resultado da experiência 
brasileira  com  a  cooperação  técnica  interna,  bem  como  da  intensificação  da  ação  diplomática  do 
país nessas duas regiões (PUENTE, 2010).  
Desse  modo,  ​
optou­se  por  delimitar  este  trabalho  à  atuação  brasileira  em  Cooperação 
Técnica  entre  Países  em  Desenvolvimento  (CTPD)  na  América  Latina.  Considerando  que 
tradicionalmente   tem   prevalecido  nas  Relações  Internacionais  o  estudo  e  a  análise  sobre  os 
conflitos,  não  sobre  cooperação,  optou­se  por  incorporar  aspectos  da  perspectiva  construtivista  de 

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Relações  Internacionais  a  essa  análise  no  intuito  de  auxiliar  a  compreensão  dessa  evolução 
(AYLLÓN, 2007).   
Essa  opção  justifica­se  não  apenas  pela  importância  da  teoria  construtivista  enquanto teoria 
crítica  das  Relações  Internacionais  que  nasceu  após  o  fim  da  Guerra  Fria,  mas  também  pela  sua 
interpretação   alternativa  aos  padrões  tradicionais  e  clássicos  da  disciplina  que  veem  o  sistema 
internacional   como  imposto  e  inerente  a  vontade  e  aos  interesses  dos  atores  que  o  constituem 
(SARFATI,  2005).  Salienta­se,  contudo,  que  o  espectro  de  teorias  que  procura explicar e entender 
como  funcionam  as  Relações  Internacionais é multifacetado e conta  com a contribuição de variados 
autores,  inclusive  com   respeito  à  cooperação  internacional.  Portanto,  ao  utilizar­se  apenas  da 
perspectiva  construtivista  e  suas  contribuições  para  o  objeto  de  análise,  o  corrente  trabalho  não 
desconsidera  ou  menospreza  a  contribuição  das  demais  teorias  da   disciplina,  apenas  procura 
delimitar seu escopo teórico.   
Concomitantemente  à  ascensão  de  novos  debates  teóricos  para  explicar  as  Relações 
Internacionais,  a  Cooperação  Técnica  Internacional  também  se  fortaleceu  como  uma  importante 
ferramenta  de  relacionamento  entre  os  diversos  atores  do  sistema  internacional,  principalmente  a 
partir  da  segunda  metade  do  século  XX,  não  podendo  portanto ser omitida dessa disciplina. Afinal, 
como  bem  destaca  Ayllón  (2007),  o  surgimento  da  Cooperação  Técnica  Internacional  (CTI)  no 
Sistema  Internacional  não  foi  fruto  de  motivações  exclusivamente  humanitárias  e  éticas,  mas  uma 
resposta  à  conjuntura  geopolítica  da  divisão  bipolar  do  mundo.  A  CTI  surgiu no contexto imediato 
de  fins  da  II  Guerra  Mundial  quando  se  começou  a  falar  em  ​
ajuda  para  a  reconstrução  da  Europa 
pós­guerra.  Assim,  a  antecessora  da  CTPD  nasceu  com  um  componente  estratégico  muito   forte 
atrelado  a  si, uma vez que as duas superpotências da época, Estados Unidos e União  Soviética, mais 
que  auxiliar  na  reconstrução  da  Europa,  almejavam  montar  seus  respectivos  sistemas  de  aliança 
(Organização  do  Tratado  do  Atlântico  Norte  e  Pacto  de  Varsóvia)  e  suas  respectivas  zonas  de 
influência (CERVO, 1994). 
Desse  modo,  o  presente  trabalho  se  dividirá  em  dois  componentes  principais. 
Primeiramente,  uma  revisão  da  perspectiva  construtivista  em  Relações  Internacionais, 
especialmente  sobre  os   aspectos  que  versam  sobre  cooperação.   Em  um  segundo  momento, far­se­á 
um  breve  histórico  sobre  as  relações  do  Brasil  com  a  América  Latina,  de  modo  a  subsidiar  a 

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proposta  final  de  que  a  perspectiva  construtivista  detém  particularidades  importantes  para  ajudar  a 
compreender   a  atuação  brasileira  em  Cooperação  Técnica  entre  Países  em  Desenvolvimento 
(CTPD) na região em que se insere.  
 
1  A Teoria Construtivista nas Relações Internacionais  
 
 
A  Teoria  Construtivista  das  Relações Internacionais, como marco teórico, é bastante recente 
no  estudo  das  Relações  Internacionais.  Ela  surgiu,  especificamente,  no  final  dos  anos  1980 
(CASTRO,  2012)  e  “busca  construir  uma  ponte  entre  preocupações  positivistas  (explicar  ​
as  
relações  internacionais)  e  as  pós­positivistas  (entender  ​
do  que  são  constituídas  as  relações 
internacionais)”  (SARFATI,  2005,  p.  259).   Entre  os  importantes  teóricos  construtivistas  de 
Relações  Internacionais,  destacam­se  Peter  Katzenstein  (1996),  Friedrich  Kratochwil  (1989), 
Nicholas Onuf (1989) e Alexander Wendt (1992) (JACKSON; SORENSEN, 2007).  
Segundo  Jackson  e  Sorensen  (2007,  p.  341),  os  construtivistas  acreditam  que  “o  sistema 
internacional   não  é  algo  que  está  “lá  fora”  como  o  sistema  solar  ­ não existe por conta própria. [...] 
É  um  conjunto  de  ideias,  um  acervo  de  pensamentos,  um  sistema  de  normas,  organizado  por  
determinadas  pessoas  em  uma  época e local particulares”.  Desta forma, “a história não é um tipo de 
processo  que  se  desenvolve  independentemente  das  questões  humanas  ­  os  homens  constroem  a 
própria história e também organizam Estados” (JACKSON; SORENSEN, 2007, p. 341).  
Ainda  que,  conforme   citado,  muitos  autores  tenham  contribuído  para  o  desenvolvimento 
desta  interpretação  teórica  das  Relações  Internacionais, o presente trabalho adotará a  perspectiva de 
Alexander  Wendt, um dos principais teóricos da corrente construtivista. “Em uma série  de inúmeros 
artigos,  Wendt  desenvolveu  o  que  ficou  conhecido  como  a  abordagem  “construtivista”  do  estudo 
das  relações  internacionais”  (GRIFFITS,  1999,  p.  200).  Wendt  desempenhou  importante  papel  no 
início  dos  debates  devido  ao  fato de ter oferecido condicionantes  sobre as  etapas de construção e de 
co­construção  da  teoria  social  aplicada  às  Relações  Internacionais,  o  que  aconteceu  quando  da 
Anarchy is What States Make of It​
publicação de seu artigo ​ , em 1992 (CASTRO, 2012).  
De  acordo  com  Sarfati  (2005,  p.  260),  “um  dos  primeiros  passos  do  Construtivismo  de 
Wendt  é  a  crítica  ao  racionalismo  dos  paradigmas  tradicionais.”  Dentro  das  perspectivas 

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tradicionais,  o  sistema  obriga   os  Estados   a  se  balancearem  de  forma  racional  e,  antes  mesmo  de 
haver  qualquer   contato  entre  os  Estados,  suas  relações  serão  sempre   as  mesmas:  racionais.  Wendt, 
por outro lado, acredita que a convivência social modifica os agentes, ou seja, a atuação dos Estados 
são construções sociais desenvolvidas ao longo de sua história.  
  Segundo  CASTRO  (2012,  p.  387),  o  historiador  David  Chandler  (2004)   “apresenta  alguns 
pontos  centrais  da  abordagem  construtivista  juntamente  com  seu  momento  histórico  no  dínamo 
apud ​
tempo­espaço  das  Relações  Internacionais”. De acordo com Chandler (20045 ​ CASTRO,  2012, 
p. 387):  
As  teorias  construtivistas que se desenvolveram nas relações internacionais 
no  início  dos  anos  90,  desafiaram  as   perspectivas  teóricas  centrais  da 
disciplina  acadêmica  de relações internacionais. Durante  a Guerra Fria e na 
maior parte da história das relações internacionais, a agenda de pesquisa foi 
dominada  por  abordagens  racionalistas  que  subordinavam  a  moral  aos 
interesses  de  poder.  A  perspectiva  construtivista  desafia  esta  ênfase  no 
poder  e  procura  demonstrar  que muito mais do que o poder, as normas e os 
valores  constituem  o  comportamento  da  maioria  dos  Estados.  Estados 
ainda  poderão  recorrer  ao  poder  em  termos  militares  e   coercitivos,  mas  o 
uso  deste  poder  não  é  guiado  somente  por  interesses  estatais  amorais.  Na 
perspectiva  construtivista,  o  poder  é  constrangido  e  os  interesses  estatais 
são  remoldados  devido  as  estruturas  normativas  internacionais  criadas  por 
interações múltiplas entre atores estatais e não­estatais.6 
 
Dessa  forma,  apesar  de  assumir  uma  perspectiva  estadocêntrica  das relações internacionais, 
o  Construtivismo  propõe  um  Sistema  Internacional  dinâmico  e  passível  de  modificações,  não 
7
apud  ​
estático.  Assim  sendo,  segundo  Wendt  (1999   ​ SARFATI,  2005,  p.  261):  “o  interesse  dos 
Estados  seria  uma  consequência  do  processo  social  que  constrói  a  sua  própria  identidade”.  “A 

5
 CHANDLER, David. ​ Constructing global civil society: morality and power in international relations.​  Londres, 
Palgrave Macmillan, 2004. p 25.  
6
  Tradução livre dos autores. No original:  “Constructivist theories which developed in international relations in the early 
1990s  challenged   the  central  theoretical  perspectives  in   the  academic  discipline  of  international  relations. During  the 
Cold  War  and  most  of  the  history  of   international  relations,  the  research  agenda   was  dominated   by  rationalist 
approaches  which   subordinated  morality   to  the  interests   of  power.  The  constructivist  framework  challenges   this 
emphasis on  power  and  seeks  to demonstrate  that  rather  than  power,  it  is  norms and values which shape the behaviour 
of  the  majority  of states.  States  may  still  wield  power  in terms of military  and coercive might but the use of this power 
is  not  guided  solely  by  amoral  state  interests.  Rather,  in  the  constructivist  framework, power  is  constrained  and  state 
interests  reshaped  through  international normative structures  created  by  the  multiple  interactions  of state and non­state 
actors”.  
7

Wendt, A. ​Social theory of international politics.​  Cambridge: Cambridge University Press, 1999, p. 8­10. Capítulo 
1. 
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relação  com  o  outro   é  que  forma  a  minha  percepção  sobre  mim  mesmo, ou seja, as identidades são 
adquiridas pelo processo de relacionamento entre os Estados” (SARFATI, 2005, p. 261­262).  
Segundo Jackson & Sorensen (2007, p. 346­347):   
 
Alexander  Wendt  (1992)  resumiu  a  essência  do  construtivismo  nas  RI:  “A 
anarquia  é  o  que  os   Estados fazem dela”. [...] Para Wendt, não há um  mundo 
internacional   objetivo  isolado  das   práticas  e  das  instituições  organizadas 
pelos  Estados,  consequentemente,  a  anarquia  não  é  um  tipo  de  realidade 
externa  que  dita  uma lógica de análise com base no neorrealismo. [...]  não há 
um  “dilema  de  segurança”  inevitável  entre  Estados  soberanos,  porque  
qualquer  situação  em  que  os  atores  estatais  se  encontram  é  um  momento 
criado  por  eles  mesmos,  ou  seja:  eles  não  são  prisioneiros  da  estrutura 
anárquica  do  sistema  estatal.  Não  existe  um  sistema  estatal  independente  da 
prática  dos  Estados,  mas  também  não  existem  Estados  independentes  das 
regras  pelas  quais  eles  se  reconhecem.  Os  Estados  constroem  uns aos outros 
em  suas  relações   e  ao  fazer isso também organizam a anarquia internacional, 
que define suas interações.  
 
Ainda  segundo  Jackson & Sorensen (2007,  p.  347): “Se a  anarquia é o que os Estados fazem 
dela,  nada  na  política  mundial  é  inevitável  ou  imutável.  [...]  O  sistema  existente  é uma criação dos 
Estados  e,  se  estes  modificam  suas  concepções  de  quem  são,  seus  interesses  e  o  que  desejam,  a 
situação consequentemente também mudará.”  
8
apud  ​
Wendt  (1994   ​ GRIFFITS,  1999,  p.  201)  define  o  construtivismo  como  uma  teoria 
estruturalista do sistema internacional e de acordo com as seguintes afirmações: “(1) Os Estados são 
a  principal  unidade  de  análise  das  relações  internacionais;  (2)  As   estruturas­chave  do  sistema  de 
Estados  são  intersubjetivas,  em  vez  de materiais e (3) os interesses e as identidades dos Estados são 
construídos  por  essas  estruturas  sociais,  e  não  determinada  de  forma  exógena  ao  sistema,  pela 
natureza humana ou política doméstica.”9 
Assim, vemos que a partir da primeira afirmação, ao assumir uma perspectiva estadocêntrica 
das  Relações  Internacionais,  o  Construtivismo  se  assemelha  à  visão  realista,  compartilhando  da 
visão  de  que  os  Estados  são  a  única  unidade  na  estrutura  política  internacional  com  a  legitimidade 

8
Wendt,  A.  Collective  identity  formation  and  the  international state.  ​
​ American Political Science  Review​ . n. 88, 1994, 
p. 385. 
9
  Tradução  livre  dos  autores.  No  original:  (1)  states are  the  principal units  of analysis  for international political theory; 
(2)  the  key  structures  in  the  states  system  are  intersubjective,  rather  than  material; and  (3)  state identities and interests 
are  in  important  part  constructed  by  these  social  structures,   rather  than   given  exogenously   to  the  system  by   human 
nature or domestic politics.” 
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do  monopólio  sobre  o  uso  da  violência.  “Entretanto,  esta  teoria  reconhece  que  esta  verdade  não  é 
a­histórica  e,  dessa  forma,  é  possível  que,  no  futuro, isso não seja mais verdade” (SARFATI, 2005, 
p.  261).  Para  Sarfati  (2005),  a  segunda  e  a  terceira  afirmações  constituem  a  base  da  interpretação 
construtivista  das  Relações  Internacionais  por  enfatizarem  a  ideia  de  que  os  Estados  são 
socialmente construídos, ao invés de verdades materiais objetivas.  
CASTRO  (2012,  p.  390)  traz  importantes  considerações  sobre  os  reflexos das inovações do 
construtivismo para as teorias de relações internacionais:  
O  construtivismo  trouxe  inovações   revolucionadoras  nos  aspectos 
ontológicos  e  sobre  a  compreensão  dos  valores  e  da  importância  da 
conscientização  humana  em  questões  internacionais.  O  mundo  físico  e 
humano  é  estruturado  em  convenções  concretas  e  abstratas,  enquanto  que as 
regras  e  os  valores  que  robustecem  este  mundo  são  construídos  pelos  seres 
humanos  e  por  instituições  por  meio  de   articulações  densas,  constantes  e 
mutuamente estruturadas.  
 
Para  finalizar  esta  seção  teórica,  trazemos  uma  citação  de  Antônio  Ramalho  da  Rocha10 
apud  ​
Miorando  (2010),  o  qual  descreve  resumidamente  como  constitui­se  a  agenda  construtivista 
das relações internacionais: 
A  agenda  construtivista  parte  da  perspectiva  de que a realidade internacional 
não  pode  ser  entendida  da  mesma  maneira  que  a  realidade  natural  ou  física, 
visto  que  parte  dos  elementos  que  a  constituem  (sua  ontologia)  resulta  de 
relações  sociais,  as  quais,  por  sua  vez,  dependem,  em  grande  medida,  das 
percepções  dos  agentes,  do  modo  como  eles  aprendem  normas  e,  ao  
aceitá­las  ou  desafiá­las,  constroem  suas  identidades  (ROCHA,  2002,  p. 
213).  
 
Assim,  a teoria construvitista vem a complementar o entendimento do caso latino­americano 
e  as  mudanças  de   relações  entre seus atores, uma vez que  as relações de cooperação e conflito entre 
Estados dependem principalmente de como se formará a identidade entre eles:

As  identidades,  positivas  ou  negativas,  não  são  estáticas.  O  processo  de 
relacionamento  social  é  contínuo  e  histórico,  o  que  implica  que  essas 
identidades  podem  ser  modificadas.  Os  processos  históricos  de  confronto 
entre  Inglaterra  e  a França ou entre a França  e a Alemanha foram modificados 
do  confronto  para  a  cooperação.  Dentro  da  lógica  wendtiana,  o 
comportamento  cooperativo  de  uma  parte  pode  ser  induzido  por  outro 

10
 ROCHA, Antônio Jorge Ramalho da. ​
Relações Internacionais​
: teorias e agendas. Brasília: Instituto Brasileiro de 
Relações Internacionais, 2002.   
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cooperativo  de  outra   parte.  Assim,  é  possível  quebrar  um  ciclo  negativo  de  
identidade e iniciar um positivo. (SARFATI, 2005, p. 263­264).  

Desta  forma,  após  o  embasamento  inicial  desta  seção,  o  qual  visou  ao  maior  entendimento 
da  perspectiva  construtivista  das  Relações  Internacionais,  podemos  seguir à seção seguinte, em que 
se  pretende  abordar  maiores  detalhes  da  Cooperação  Técnica  entre  Países  em  Desenvolvimento 
(CTPD) brasileira para com seus vizinhos latino­americanos.  
 
2  A cooperação técnica do Brasil para a América Latina  
 
Como  mencionado  anteriormente,  as  primeiras  iniciativas  do  Brasil  em  CTPD  foram  no 
âmbito  intra­regional,   na  América  Latina,  em  parte  (mas  não  somente)  em  razão  da  intensificação 
da  ação  diplomática  do  país  nessa  região  (PUENTE,  2010).  Para  a  corrente  análise,  considera­se 
relevante  considerar  as  relações  do  Brasil  com  a  América  Latina  a  partir  da  década  de  1960,  ​
uma 
vez  que  a  partir  de  então  a  preocupação  com  o  Terceiro  Mundo  na  política  externa  brasileira 
fortaleceu­se,  e  o  interesse  brasileiro  pela  região  derivou  deste  fato  ​
(​
JÚNIOR;  MARIANO; 
ALMEIDA, 2015)​

Até  1964,  no  âmbito  da  Política  Externa  Independente,  o Brasil participou intensamente em  
iniciativas  internacionais   cujos  temas  eram  a  superação  do  subdesenvolvimento.  Nesse  período, no 
entanto,  a preocupação com os projetos de desenvolvimento nacional, de industrialização nacional e 
do  comércio  internacional  desviaram  um  pouco  as  preocupações  dos  países  da  região  com  o 
desenvolvimento  além  das  suas  fronteiras.  Encarava­se  a  busca  pelo  desenvolvimento  como  algo 
estritamente  resultante  do  esforço  nacional,  interno  ​
(VIGEVANI;  JÚNIOR,  2010;  JÚNIOR; 
MARIANO;  ALMEIDA,  2015)​
.  Esse  contexto  ajuda  a  explicar  por  que  as  primeiras  iniciativas  de 
cooperação brasileira na América Latina se deram apenas na década de 1970. 
Ainda  assim,  a  ampliação  das relações com a América Latina antes de qualquer outra região 
estava  ainda  muito  mais  condicionada  à  ideia  de  ampliação   do   mercado  externo  para  os  produtos 
brasileiros  do  que  à  de  cooperação​
.  Todavia,  Vigevani e Júnior (2010) também ressaltam que havia 
um  interesse  inegável  pela  cooperação  com  ​
os  países  da  América Latina, enquanto conjunto amplo 
de  países,  ainda  que  as  especificidades  das  relações  com  a  região  não  fossem  óbvias.  A  afinidade 
compartilhada   com  os  países da  região se dava principalmente através da contraposição aos Estados 

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Unidos  e  não  propriamente  por  um   acordo  explícito  entre  eles  que  implicaria  em  um  pensamento 
comum (VIGEVANI; JÚNIOR, 2010). 
Conforme  observa  Pecequilo  e Carmo (2015), durante a primeira década do Regime Militar, 
as  iniciativas  ​
brasileiras  para  a  América  Latina  apresentavam  um  padrão  relevante,  mas  detinham 
uma  orientação  complexa. Tal complexidade devia ao fato de que, apesar de os regimes militares da 
região  convergirem  no  combate  ao  comunismo,  a  atuação  brasileira  na América Latina se colocava 
como  uma  parte  da  agenda  global,  não  como  prioridade.  Até  1974,  prevaleceu  uma  perspectiva 
instrumental  da  América  Latina,  tanto  para  o  Brasil  quanto  para  outros  países  da  região,  enquanto 
instrumento  de  projeção  internacional  e  não  enquanto  uma  parceria  estratégica.  Assim,  a 
convergência  aparente  entre  os  países  da  região  não  representava  uma  consolidação 
político­econômica suficiente (PECEQUILO; CARMO, 2015).  
Partindo  da  hipótese  de  que  o  aprofundamento  das  relações  do  Brasil  com  os  seus  países 
vizinhos  depende  do  Brasil  mais  do  que  qualquer  outro  país  e  que  se  constitui,  inclusive,  em  uma 
das  prioridades  da  agenda  de  política  externa  brasileira,  Cervo   (2008)  destaca  que,  formalmente, 
esse  aprofundamento   adensou­se  apenas  com  o  início  do  Governo  Itamar  Franco  (1992­1995).  Foi 
nessa  época  que  se  discutiu  a  negociação  em  torno  da  criação  da  Área  de  Livre  Comércio  da 
América  do  Sul  (ALCSA),  em oposição ao projeto norte­americano da Área de  Livre Comércio das 
Américas (ALCA).  
A  estabilidade  que  se  seguiu  ao  Plano  Real  (1994)  e  a  consecutiva  reeleição  do  Presidente 
Fernando  Henrique  Cardoso  (1995­2002)  coexistiram  com  a  defesa  de  um alinhamento ­ ainda que 
pragmático  ­  aos  Estados  Unidos.  Somente a partir de 1999, o governo Fernando Henrique Cardoso 
passou  a  introduzir  um  discurso  mais  autônomo  e  a  incrementar  as  relações  com  seus  vizinhos 
(PECEQUILO, 2015). 
A  partir  dos  anos  2000,  a  América  Latina  passou  a  se  somar  aos  esforços  do  Brasil  em 
relação  à cooperação, com governos de esquerda reforçando o papel do Estado no desenvolvimento, 
seja  ele  doméstico  ou  relativo  à  cooperação  internacional.  Os  discursos  evidenciando  as diferenças 
entre  a  cooperação  Sul­Sul  e  a  assistência  dos  países  do  Norte  se  intensifacaram,  especialmente 
após a crise financeira global de 2008 (ABDENUR; RAMPINI, 2015).  

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De  acordo  com  os  últimos  dados  das  ações  brasileiras  enquanto  doador  de  Cooperação 
Técnica  para  o  Desenvolvimento  Internacional,  o  Relatório  Cobradi   ­  2010  (IPEA;  ABC,  2013), 
cerca  de  68%  do  total  de  dispêndios  do  Governo  Brasileiro  destinados  a  essas  ações  foram 
destinados  à  cooperação  bilateral  com  países  da  América  Latina  e  o  Caribe.  Esse  percentual 
corresponde  a  um  valor  de  R$  195  milhões. Infelizmente, o relatório não discrimina os gastos entre 
a  América  Latina  e  o  Caribe.  Todavia,  a  lista  dos  dez  países   desse  grupo   que  mais  recebem 
cooperação  brasileira  (em  valores)  demonstra  que   apenas  Haiti  (1º),  Cuba  (8º)  e  Jamaica  (10º)  não 
correspondem  à  América  Latina,  mas ao Caribe. Completam a lista dos dez principais beneficiados: 
Chile  (2º),  Argentina  (3º),  Peru  (4º),  Paraguai  (5º),  Colômbia  (6º),  Uruguai  (7º)  e  Bolívia  (9º). 
Esses  valores,  quando  comparados  com  os  dados  da  região  em  segundo  lugar dessa lista, no caso a 
África,  que  corresponde  a  aproximadamente  23%  do  montante  total,  evidenciam  a  importância 
dedicada a América Latina no que diz respeito à cooperação brasileira (IPEA; ABC, 2013). 
 
3  Considerações finais 
 
Conforme  informações  apresentadas  nas  seções  acima,  observa­se  que  a  perspectiva 
construtivista  das  Relações  Internacionais  fornece  subsídios  que  estimulam  a  interpretação  das 
ações  de  cooperação  técnica  por  meio  do  Estado  brasileiro  para  com  os  seus  vizinhos 
latino­americanos.  A  fim  de  desenvolver  a  relação  entre  a  perspectiva  construtivista  das  relações 
internacionais  e  a  cooperação  técnica  brasileira  para  a  América  Latina,  primeiramente,  retoma­se 
algumas premissas e aspectos do construtivismo, consideradas essenciais para a presente análise.  
11
Desta  forma,  cabe  aqui  relembrar  as  três  afirmações  com  as  quais  Wendt  (1994   ​
apud 
GRIFFITS,  1999,  p.  201)  define  sua  teoria:  (1)   os  Estados   são  a  principal  unidade  de  análise  das 
relações  internacionais;  (2) as estruturas­chave do sistema de  Estados são intersubjetivas, em vez de 
materiais  e (3) os interesses e as identidades dos Estados são construídos por essas estruturas sociais 
e não determinada de forma exógena ao sistema, pela natureza humana ou política doméstica. 
Com  relação  à  primeira  afirmação,  identifica­se uma clara relação da teoria com  o  objeto  de 
estudo,  uma  vez  que  a  cooperação  técnica  brasileira  é  realizada  pelo Estado brasileiro, por meio da 

11
Wendt,  A.  Collective  identity formation and the international state.  ​
​ American Political Science  Review​
. n. 88, 1994, 
p. 385. 
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ABC  (Agência  Brasileira  de  Cooperação).  Ainda  que  outras  instituições  e  empresas  brasileiras 
estejam  envolvidas  no  processo  executivo  e  operacional  da  cooperação,  estas  são  coordenadas  por 
um  órgão  federal  e  vinculadas  às  decisões  do  Estado.  Observa­se  assim,  uma  característica 
estadocêntrica   na  condução  brasileira  de  suas  atividades  de  cooperação  internacional,  consoante  a 
primeira afirmação de Wendt a respeito da perspectiva construtivista.  
Quanto  à  segunda  afirmação,  percebe­se o caráter  intersubjetivo da cooperação técnica por 
se  tratar  de  um  meio  de  aproximação  que  valoriza  a  atração  e  o  compartilhamento  de  ideias  e  de 
conhecimento,  em  detrimento  da  coerção.  Tal  fato  corrobora  o  fato  de  a  perspectiva  construtivista 
desafiar  a  ênfase  no  poder  e  procurar  demonstrar  que  muito  mais  do  que  o  poder,  as  normas  e  os 
valores  constituem  o  comportamento  da  maioria  dos  Estados.  “Na  perspectiva  construtivista,  o 
poder  é  constrangido  e  os   interesses  estatais  são  remoldados  devido  às  estruturas  normativas 
internacionais  criadas  por  interações  múltiplas  entre  atores estatais e não­estatais.” (Chandler, 2004
12
apud ​
 ​ CASTRO, 2012, p. 387) 
Com  relação  à  terceira  afirmação,  observa­se  que  o  protagonismo  do  agente  brasileiro,  em 
um  esforço  de  tornar  a  natureza  mais  cooperativa,  é  ainda  mais  visível  quando  se  tem  em  mente  o 
potencial  de  conflito   nas  relações  entre  o  Brasil  e  os  seus  vizinhos,  já  que  existem  vários  motivos 
para  tal.  Dentre  eles,  pode­se  destacar  o  fato  de  o  Brasil  ser  a  grande  “baleia”  da  América  Latina, 
tanto  geograficamente,  quanto  economicamente,  e  também  por   ser  a  “exceção”  da  região,  bem 
como  o  único  país  colonizado  por  portugueses,  enquanto  que  os  demais  países  latino­americanos 
foram  colonizados  majoritariamente  pela  Espanha.  Contudo,  apesar  de  todos   esses  fatores  que 
teriam  contribuído  para  um  sistema  latino­americano  de  conflito,  o  Brasil  esforça­se  em  construir 
uma  identidade  com  os  países  latino­americanos,  através  das  iniciativas  de  cooperação  técnica  e  a  
consequente  disseminação  de  ideias,  normas  e  valores.  O  exposto  ratifica,  portanto,  a  premissa 
construtivista  segundo  a  qual  os  agentes  tem  poder  de ação para transformar o mundo e os esforços 
brasileiros  comprovam  o  fato  de  o mundo  não ser uma estrutura imposta aos seus agentes, mas sim, 
um compilado de identidades construídas por suas estruturas sociais, não por causas exógenas.  
Ademais,  tendo  como  base  a   afirmação  construtivista  apresentada  na  primeira  seção de que 
“o  Construtivismo  propõe  um  sistema  internacional  dinâmico  e  passível  de  modificações,  não 

12
 CHANDLER, David. ​ Constructing global civil society​
: morality and power in international relations. Londres, 
Palgrave Macmillan, 2004. p 25.  
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estático”  e  de  que  “a  convivência  social  modifica  os  agentes,  ou  seja,  a  atuação  dos  Estados  são 
construções  sociais  desenvolvidas  ao  longo  de  sua  história”  (SARFATI,  2005,  p.  261)  ,  torna­se 
possível  compreender  o  porquê  da  prioridade  da  América  Latina  por  parte  dos  programas  de 
cooperação  técnica  brasileira.  Trata­se  de  um  Brasil  que  procura  reverter  os  séculos  em  que  esteve 
“de  costas”  para  os  seus  vizinhos,  uma  vez  que,  como  visto na seção anterior, p​
elo menos desde os 
anos  1960  e  especialmente  durante  o  século  XXI,  o  Brasil  tem  crescentemente  levado  em 
consideração  a importância da cooperação com  os países em desenvolvimento de modo a consolidar 
uma posição de maior autonomia no Sistema Internacional.  
A  cooperação  Sul­Sul,  nesse  contexto,  aparece  como  resposta  às  históricas  relações  de 
assimetria  entre  o  centro  desenvolvido  e  a  periferia  do  Sistema  Internacional,  nas  quais  os 
benefícios  se  concentram  majoritariamente  nas  mãos  do  capital  estrangeiro  e  das  elites  locais. 
Reconhecendo  as   mazelas  comuns  do  subdesenvolvimento  e  da  desigualdade,  os  Estados  do  Sul 
cooperam  entre  si  no  intuito   de  combatê­las  da melhor forma possível (apesar das  suas capacidades 
limitadas),  distribuindo  seus  ganhos  de  maneira  mais  equitativa  em  suas  respectivas  populações 
(MIYAMOTO, 2009).  
Além  disso,  vemos  que,  segundo  a  Teoria   Construtivista,  a  anarquia  é  uma  estrutura 
socialmente  construída,  ou  seja,  os  agentes irão definir através de suas políticas se terão relações de 
conflito  ou  de  cooperação  com  os  demais  Estados.  Tendo  esta  premissa  em  mente  e  após 
apresentarmos  as  inúmeras  iniciativas  de  cooperação  técnica  brasileira  para  os  demais  países  da 
América  Latina,  verifica­se  a intenção do Estado brasileiro em fomentar uma atmosfera cooperativa 
com  os seus vizinhos, criando nos países latino­americanos uma influência atrativa através do poder 
brando.  
Ademais,  a  ​
cooperação  com  os  países  emergentes,  como  visto  no  caso  dos  países 
latino­americanos,  dá­se  de  forma  multidimensional.  Seria  o  caso  da  saúde,   da  educação,  da 
agricultura,  da  ciência  e  tecnologia  e  até  mesmo  da   segurança  e  da defesa. Seriam justamente estas 
13
áreas  os  pontos  focais  para  a  obtenção  do  chamado  “desenvolvimento  humano ​
” dentro dos países 
que  sofrem  com  a  desigualdade  e  a  pobreza,  oferecendo  soluções  duráveis  para  estes 
(MIYAMOTO, 2009). 

 ​
13
Conceito  consagrado  na  Conferência  Mundial para o  Desenvolvimento  Social,  servindo  de  complemento  à  ideia  de 
um mero desenvolvimento “econômico” em determinadas sociedades do Sul. 
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Percebe­se,  assim,  um  agente  (Estado  Brasileiro)  que  atua  como  um  protagonista  que  não 
aceita  um  modelo  “pré­determinado”  imposto  pelo  sistema  internacional,  mas  que  busca  alterar  a 
natureza  da  anarquia  para  que  as  relações  de  cooperação  predominem  no  subcontinente 
latino­americano.  
 
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