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As tnçíependênciots

nnAmiricn L{,úffin;,
{-eonPomer
tudoé istorin
1
l.eon Pomer

AS INDEPENDÊNCIAS
NA AMÉNIC^ALATINA
l3 edicão1981
43 edição

Ëm*
40 onosde bons livros
Copyright @ tron Pomer

Traduçõo:
RubensEduardoFerreiraFrias

Capa:
123(anttgo 27)
Artistas Grâficos

Revisõo:
JoséE. Andrade
Lucia S. Nicolai

(,

s.a.
editorabrasiliense
01223 - r. generallardim,160
são paulo - brasil
cozzl
ílsLrolrcn
El'|,_/.*l*

Inrorcn

Introdução 9
O Norte 17
México t7
População t7
Distribuição dariqueza . . . . t7
A pirâmide social 19
Espanha:um liberalismoforçado . . . . . . . . 21
A guerra da independência 22
América Central 26
Populaçãoe sociedade 26
Produção 28
A independênciae os interessesemjogo . . . 30
Os fatos 33
A anexaçãoao México 37
Algumasconclusões 39
Panamâ N
Leon Pomer

São Domingos . . 44
Na época da conquistae dr colonização . . . 44
Chegaodiaglorioso... 46
A independência . 48
Haiti. 50
O começo- asociedade . . . 50
As guerras dos escravos . . . . 53
Cuba . 56
Produção e sociedade 56
JoséMarú 59
A independência . 62
O Sul u
Venezuela &
População u
A pirâmide social 65
Aguerrasocial.. 68
Bolívar 69
Colômbia 72
Antecedentes.... 72
A independênciaem marcha 74
Bolívar:alibertação ...... 77
Equador 79
Produção e sociedade 79
Primeiros passos 81
O movimento continua 83
Passosposteriores 85
Brasil 87
Antecedentes.. . . 87
Disputas burocrâticas e outras 91
As independêncías na América latina

A corte em Portugal 93
Argentina 95
População 95
A sociedade 9s
As contradições. . 97
uruguai 103
Populaçãoe sociedade 103
Encrave mercantil 104
BuenosAires e governoautônomo 105
Primeiros anos de luta . 106
A independênciaoriental . . . . 11
Bolívia 13
O começo 13
Bolívar e a Bolívia L4
Consuma-sea independência t7
Chile 18
Populaçãoe sociedade 18
Primeiros passos 19
Os irmãos Carrera 12r
Os realistasestãode volta . 123
San Martín liberta o Chile 125
Peru . 126
Sociedade t26
Antecedentes.... t27
Primeiras ações. r29
Libertação e independência . . 131
Paraguai 133
A sociedade 133
Os primeiros passos 135
A derrota de Belgrano 137
L,'o n l \ t m e r

Cai Velazco rStJ


A independência . 140
INTRODUçÃO

Na América espanhola,as lutas pela indepen-


dência começam numa conjuntura precisa: a cadu-
quice da Coroa espanholapor obra e graça do poder
napoleônico. A Espanha está ocupada. Um rei fran-
cês - irmão de Napoleão - ocupa o trono real e os
últimos vestígios de soberania refugiam-se numas
esÈectraisJuntas ou num Conselhode Regência.Mas
o clima político e cultural que impregna a conjuntura
é dado pela independência americana, a Revolução
Francesae os escritos dos pensadoresque acabaram
por demolir o universo cultural e ideológico prove'
niente do mundo feudal. Montesquieu, Rousseaue
Voltaire (para falar apenas dos mais conhecidos)
penetraram nos rincões mais profundos do império
colonial, sem que o olho distraído do funcionáno da
alÍândega conseguissedetectâ-losentre as mercado-
rias com as quais se confundiam.
10 Leon Pomer

No Brasil o fenômenoé singular: não haverâ


gueÍrapela independênciae o antigo aparelhoadmi-
nistrativo colonial passa a constituiÍ-se no "novo"
Estado independente.A cúpula dirigente continua,
atravessaincôlumea linha que separaas duas etapas
históricas. Os donos do poder poütico e econômico
continuamos mesmos,ainda que às vezesmudem as
pessoas.
Por que se insurgem as colôniasda Espanha?
Serâporqueos grandeslatifundiârios(habitualmente
produtores paÍa a exportação),os proprietârios de
minas, os donosde milhõesde índios e os poderosos
mercadoresde além-marforam seduzidospelos filó-
soÍos francesese alguns pensadoresliberais espa-
nhôis?É claro que houveexceções (e Boúvar foi uma
delas), mas a imensamaioria moveu-sepor motivos
maisprosaicos.Havia chegadoo momentode afastar
um sôcio incômodo: o poder da Coroa espanhola.
Incômodoou muito mais que isso,porque dificultava
astransaçõesmercantis,opunha restriçõesao desen-
volvimento de determinadossetoresprodutivos, en-
tregavao comérciocom o além-mar a um gnrpo <le
monopolistasprivilegiados, confiscavapara si uma
parte consideráveldo excedenteeconômicoprodu-
zido pelo trabalho dos índios, limitava o acessode
crtoilos aos postos fundamentais da administração
pública, e no cume da hierarquia social nem sempre
conseguiaminstalar-seos que aspiravama isso em
virtude de seugrandepodereconômico.
Numa retrospectiva históricamuitíssimorápida,
As independências na América Latína lt

digamosque os problemasentre a Coroa e seussú-


ditos americanos(aludo aosnascidosna Penínsulae
seusdescendentes) nasceramcom o próprio desco-'
brimento da América. Os conquistadoresvieram
enriquecer-secom ouro e ptata, quando possível,ou
produzindo qualquer artigo que a Europa necessi-
tasse.Precisaramde mão-de-obrae tiveram-na pri-
meiro nos índios e logo a seguir nos negrostrazidos
da Ãfrica e escravizados.A contradiçãoeclodiu de
imediato e teve aspectosvirulentos porque a Coroa
quis presenar os índios, de cujo trabalho, afinal,
derivavam os tributos e a riqueza que o bom rei
necessitava para malbaratar na Europa. Houve con-
sideraçõesnão estritamenteeconômicaslevantadas
em favor dos nativos. Uma corrente de pensadores,
abrangendoleigose padres, alegou que por direito
natural (correntejus-naturalista) os índios eram li-
vres, iguais aosespanhóis,e que seu trabalho devia
ser remunerado de maneira adequada. A contra-
dição entre a Coroa e os conquistadores(e seusdes-
cendentes)arrastou-sedurante séculos.De fato, a
Coroa evitou a feudalizaçãodas colônias, mas não
impediu a instauraçãodo trabalho senil e escravo.
A presençado Estadoespanholatravésde funcionâ-
rios e clérigosevitou que o poder sefragmentasseem
tantaspartesquantaseram os latifrindios existentes.
Cada um destestinha autoridadesobreum número
de índios, com o direito de expropriar o trabalho
delesquandoviviam nos povoados,organizadospela
Coroaou conseryadosdesdeantesda conquista.Por
t2 Leon Pomer

outro lado, exercendoprâticas mercantilistasem ma-


têria de comércio, a Espanha entregou o monopólio
comercial a poucas mãos, excluindo muitíssimas ou-
tras do tráfico legal (mas nunca pôde acabar com o
contrabando). Os detentores do poder econômico
não puderam entregar-se livre e tranqüilamente à
exploração das grandes multidões nativas, porque
sempre alguma lei, alguma Cédula Real, algum fun-
cionârio obtuso ou clérigo obstinado vinham criar
problemas, punir faltas, clamar contra as violências
dos de cima e manifestar-sea favor dos direitos dos
de baixa condição. Mas, não obstante - é preciso
insistir - o fato de que os tributos dos índios tives-
sem que ser compartilhados com a Coroa e fossent
gastos em uma administração à qual os donos da
economia não tinham pleno acessoeram outros tan-
tos motivos de atrito, de descontentamento.
A luta pela independência na América espa-
nhola implicou uma passagemde todo o poder polí-
tico àquelesque jâ possuíam a maior parte do poder
econômico. Mesmo que no curso das guerras pela
independência muitos aventureiros surgidos do seio
popular se hajam transformado'em chefes militares
afortunados e tenham ficado com parte do poder po-
lítico que os latifundiârios, donos de minas e grandes
mercadoresexigiam para si, isso não altera muito o
quadro. De qualquer modo o comércio foi liberado, a
aristocracia criolla - que cheirava a esterco, como
dizia Sarmiento na Argentina - veio a ocupar o vér-
ticè da pirâmide política e a riqueza expropriada aos
As independências na América Latina 13

trabalhadoresnativos não perdeu mais a parte tribu-


tada à Espanha. Simplesmente, agora passaram a
disputâ-la ferozmente os diferentesgrupos dominan-
tes regionais,os mesmosque disputaram com a lgre-
ja a considerâvelparte que coubera a esta durante a
colônia.
E as idéias francesas?E o Contrato Social de
Rousseau?Bem, não hâ que exagerar.Ninguém nega
que em toda a América espanholahouve intelectuais,
com ou sem batina, que se deixaram seduzir pelo
enlevode uma sociedadedemocrâtica,livre, não dog-
mâtica. Não sepode negar que tenham tido maior ou
menor influência na redação de documentos, nas
campanhas dos jornais, na elaboração de Constitui-
ções. Mas daí a serem capazesde influir numa mu-
dança das estruturas mais profundas da sociedadehâ
um mundo de distância. Muitos molreram desen-
ganados ou acabaram aceitando as coisas tal como
vinham. E se algumavezchegaram a associar a in-
justiça social ao poder do rei, ao autoritarismo e ao
dogmatismo, terminaram rompreendendo que a coi-
sa se originava em outra parte e que o poder da
Coroa podia muito bem ser eliminado sem que se
modificasseo restante. Foi o que aconteceu.O lati-
fundio, a servidão, a escravidãoe outros males pro-
lòngaram-se após a independência. Estâ claro que
com livre comércio, com os criollos governando e um
novo senhor desenhando-seà vista de todos: a loura e
perversaAlbion. Ou, se quiserem, a Inglaterra. E, o
que é pior, um senhor muito mais poderoso que o de
t4 Leon Pomer

antes, que não demorou a engendrar meiospara ficar


com uma parte considerável da riqueza produzida
pela sociedade. E tudo isto sem a necessidadede
manter uma administração colonial, pagaÍ exércitos
e ditar leis incômodas.
No Brasil aconteceu algo semelhante. Os ingle-
ses, que através de Portugal jâ conseguiam apossar-
se de uma parte considerâvel da riqueza produzida,
depois da independênciapassaram a agir sem inter-
mediârios. Inundaram o país com suas manufaturas,
emprestaram dinheiro ao Estado e um dia decidiram
que a escravidãodevia acabar. E eles próprios não a
haviam expandido extraordinariamente? Ë verdade.
Mas agorajâ não lhes interessavamais.
E os povos? Lutaram pela independência? Di-
gamos que onde os chefes levantaram bandeiras de
redençãosocial ou, mais modestamente,de melhores
condiçõesde vida, os povos lutaram. Mas, entenda-
se bem, mais que pela independência, lutaram pela
terra, pelo pão e pela liquidação do servilismo. Com
Artigas no Uruguai, com Hidalgo e Morelos no Mé-
xico, levantaram armas contra a Coroa. Na Vene-
zuela as multidões de oprimidos das regiões planas
gue acompanharam Boves lutaram pela causa opos-
ta. Mas é preciso insistir: foi uma luta social. Na
melhor das hipóteses, quando se proclamaram em
favor da independência foi porque associaram-na à
sua redenção.
Outra questão, que vamos apenas mencionar: os
novos Estados se constituíram sobre a base de perso-
As independências na América Latina l5

Ingl. i

PernÂm

Bahla

fÌlo de Janelro

OAPITÁNIA
1ó Leon Pomer

nalidadese identidadesnacionaispreexistentes?Nos-
sa resposta, excetuando os Estados Unidos, ê nega-
tiva. Se a questão é polêmica? Sem dúvida. Fique
simplesmentemencionada.
Uma nota final. Poderiamoster tentado tratar a
independência de uma maneira geral, sem mencio-
nar nomes e datas (salvo os indispensâveis).Preferi-
mos outro caminho: entrar - talvez superficial-
mente - no relato de .fatos, considerando que no
Brasil a bibliografia existente sobre o tema é extre-
mamente limitada. Ninguém deveentend€r que pre-
tendemos suprir essafalta. Nossa pretensão é infini-
tamente menor. No restante, mais que fontes preci
sas, o autor utilizou o que algum dia aprendeu em
leituras múltiplas de obras não existentesno Brasil.
É um conhecimentojâ assentadoem sua memória,
que hoje não permite mais determinar sua origem
nesta ou naquela fonte. As citações de rodapé são
mínimas: o carâter deste trabalho assim o exige,
bem como a mencionada carência de bibliograÍia.
O NORTE

México

População

Nosprimórdiosdo séculoXIX a cifra maisveros-


símil sobrea populaçãodo México devia andar por
voltadeseismilhõesdehabitantes,dosquais2400000
índios(40To),outrotantodemestiços
(4OTo),1 140000
brancosnativos(19%) e uns 60000espanhóis(l%).

Distribuição da rtqueza

Sobreo total da riqueza produzida anualmente


nos últimos anos do regime colonial, uma quantia
considerâvelia para a Espanha sob a forma de tri-
1E Leon Pomer

butos de todos os tipos e na de que hoje denomi-


naríamos "repatriação de utilidades". Um equiva-
lente a 50% da renda pública cÍluzavao mar, rumo
à "mãe pãtÍia" , representando uma soma superior a
50% das exportaçõese superior ao total da produção
manufatureira. A parte da riqueza mexicana expro-
priada anualmente pela Espanha era extraordinaria-
mente considerâvel, a tal ponto que o famoso via-
jante alemãoAlexandre de Humboldt, em sevEnsaio
Polítíco sobre o Reino da Nova Espanha, dirâ que os
seis milhões de mexicanos produziam para o amo
peninsular, na época, duas vezesmais que a india
em relação à Inglaterra. E a população da India era
incomparavelmentemaior!
O fato de que porção tão vultosa da renda na-
cional acabasseem mãos da coroa espanhola não
satisfazia a ninguém. Contudo, grande parte da po-
pulação tinha outros motivos para estar descontente.
Um deles era a fantâtstica concentração de riqueza
em mãos do clero e as humilhações de todo tipo que
grande parte dos ministros da lgreja infligia aos na-
tivos, mestiços e brancos pobres. Comércio, usura,
jogo, vida desregrada e ostentação insolente de ri-
qvezaeram exibidos a um povo submetido à mais vil
exploração. Desmesuradas mercês reais, donativos
de particulares e terras hipotecadasque passavamàs
suas mãos fizeram da Igreja Mexicana o mais pode-
roso latifundiârio do vice-reino de Nova Espanha.t

(1) Nome do México colonial.


As independênciss na Amértca Latína t9

Nos fins da colônia, enquanto a fazenda pública


percebiauma média anual de doze milhões de pesos,
o clero percebeu na década de 1779-89,somente sob
a consideraçãode dízimos,2mais de dezoito milhões.
Acrescentam-se também dois ou três milhões na
qualidade de juros por capitais emprestados.

A pirâmide social

Na pirâmide social mexicana os quase dois mi-


lhões e meio de índios ocupavam o espaço mais bai
xo: o dos eternos humilhados e ofendidos. Sobrevi-
viam, diz Manuel L6pez Gallo,3 "nas fazendas de
extração e benefício de produtos, nos confins das
serranias,relegadosaos trópicos e proscritos nos de-
sertos. Com exceção daqueles que permaneciam
perto das cidades, o resto desconheciaos frutos mais
elementares da cïvilização e do progresso. Não po-
diam nem sequer servir-sedo cavalo, cujo uso estava
expressamenteproibido para eles". Deste setor social
saíram os contingentesmais numerososdos exércitos
que lutariam por uma independência que lhes desse
uma vida melhor.

(2) O dízimo, como seu nome indica, equivale à décirna parte do pro-
duto, quer seja agrícola, mineiro ou manuÍaturado.
(3) Lôpez Gallo, Manuel - Economía y política en la historia de Mé-
xico, Ediciones Solidaridad, México, 1965, p. 49.
20 Leon Pomer

Os mestiços conseguiram um status social su-


perior ao dos índios. Entre eles eram recrutados os
capatazesde minas e faz.endas,os funcionârios me-
nos graduados da administração colonial, os escri-
vãesjudiciârios e os paupérrimos padres rurais; fo-
ram eles, igualmente, que forneceram os oficiais dos
grêmios de artesanato e os empregadosdas lojas. A
parte de sangue espanhol que possuíam abriu-lhes
certos caminhos, mas no fim das contas constituíam
uma multidão de carentesda qual haveriam de surgir
os principais dirigentes da guerra pela independên-
cia.
A população branca de ascendênciaespanhola
foi elaborando um forte ressentimentoem virtude de
que lhe estavamvedadosos postosde maior destaque
na estrutura burocrâtico-administrativa. Importava-
lhe menos modificar essaestrutura que apoderar-se
dela e usufruí-la. Humboldt destaca que o governo
vice-reinal desconfiavadessesbrancos - os chama-
dos críollos - e atribuíam os melhores empregos (e
os lucros que derivavam deles) aos espanhóispenin-
sulares. "Daí originaram-se mil motivos de descon-
fiança e de ódio perpétuo entre os chapetonesoe os
críollos..." s
As riquezas acumulavam-seem mãos do lTo de

(4) Espanhóis.
(s)Humboldt, Alejandro de - Ensayo Político sobre el Reino de la
Nueva Esparta, Editorial Pedro Robredo, México, 1941, tomo II,
p. 11 7 .
As independências na América Latina 2l

origem peninsular. A distribuição era mais desigual


no México que na capitania geral de Caracas, Cuba e
Peru. Rendas que nem podiam ser imaginadas em
Lima eram obtidas, por exemplo, pelo conde de la
Valenciana, pelo marquês de San Cristóbal e outras
personagensque em alguns casosas obtinham mes-
mo sem ser proprietârios de minas.

Espanha: um liberalismoforçado

A Espanha semi-ocupada por Napoleão julgou


necessâriofazer algo para prolongar seu domínio
sobreas colônias. 8m 1809 as Américas deixaram de
ser colônias para passar a f,azerparte "integrante da
monarquia". Por imitação do liberalismo napoleô-
nico foram outorgadasleis liberais: liberdade política
e de imprensa, abolição das mitas,u distribuição de
terras aos indígenas e isenção de todos os serviços
pessoais,abolição da inquisição. A cúpula do poder
político e econômico do México alarmou-se diante
dessasreformas e isto intensificou-seem 1820, quan-
do o rei Fernando VII jurou a Constituição liberal.
Não foram poucos os ricaços inimigos da indepen-
dência que se tornaram favorâveisa ela por temerem
que o liberalismo da legislação espanhola os despo-
jasse de alguns de seus benefícios. A atitude deles

(6) Serviço pessoal prestado pelos indigenas.


22 Leon Pomer

consistia em deixar inalterada a estrutura sôcio-eco-


nômica que lhes proporcionava tantos lucros e privi-
légios. A Igreja liderava a reação.

A guerra da independência

Na madrugada de 16 de setembro de 1810, no


povoado de Dolores, o padre Mieuel Hidalgo y Cos-
tilla deu o primeiro grito de independência. Foi fuzi
lado, mas antes conseguiu abolir a escravidão pro-
clamando éditos (primeiro em Valladolid e logo de-
pois em Guadalajara, a 29 de novembro). Reduziu
consideravelmenteos chamadosimpostos de alcavala
e eliminou os impostos sobre papel selado e destila-
rias. Decretou a supressãodos tributos indígenas e
em 5 de dezembro, ainda em Guadalajara, ordenou
peremptoriamente que fossem entreguesaos nativos
as arrecadações de arrendamento de terras que lhes
eram devidas. E mais: sancionou que a partir de
então os índios não seriam mais obrigadosa arrendar
as suas terras e que estas seriam trabalhadas exclu-
sivamente por seus proprietârios. O padre Hidalgo
revelou-seum grande líder popular, e com as medi-
das que adotou permitiu que os índios vissem na
independênciao sinônimo de sua libertação. Uniu-se
a Hidalgo o sacerdoteJosé María Morelos y Pavón,
que acabou convertendo-seno maior reformador so-
cial e na figura mâxima da independência. No seu
quartel-general de Aguacatillo, em 77 de novembro
As independências no Améica Latina 23

de 1810 suprimiu as qualificações discriminatôrias


de índios, mulatos ou quaisquer outras que trouxes-
sem consigo o estigma da opressão. A partir de agora
havia apenasamericanose europeus. Coincidiu com
Hidalgo na eliminação da escravidãoe de numerosos
tributos que pesavamsobre os de menos posses.As-
segurou que os índios recebessemefetivamente as
somas que lhes correspondiam por direito pelo arren-
damento de suasterras. E, dando um passo extraor-
dinário em relação aos mestiços, eximiu-os de pagar
as dívidas que mantinham com europeus, determi-
nando ao mesmo tempo que os empregoscivis e mili-
tares fossem exclusivosdos americanos. com a mais
absolutaexclusãodos "ultramarinos". Mas, sem dú-
vida, sua medida mais revolucionâria foi considerar
"como inimigos da Nação e agregadosao partido da
tirania todos os ricos, nobres e empregados de pri-
meira categoria, críollos e guachupinest". Os co-
mandantes das tropas "da América" ao ocupar uma
povoação deviam informar-se sobre quais eram os
referidos "paÍa despojâ-losimediatamente de todo o
dinheiro e bens de raiz ou môveis que tenham, repar-
tindo a metade de seu produto entre os habitantes
pobres dessamesmapovoação,para satisfazera von-
tade da maioria, reservando a outra metade para
o erário militar. Morelos ordenou que queimassem
"todos os efeitos ultramarinos de luxo" e que divi-
dissêmos latifúndios entre os sem posses,para evitar

(7) Espanhôis.
24 Leon Pomer

"que um só particular tenha muita extensãode terras


inïrutíferas, escravizandomilhares de pessoas...1'8
O carâter francamente revolucionário assumido
no México pela guerra pela independência alarmou
os poderososde todos os matizes, a começar pelos
espanhôis,leigos e r'eligiosos.O ato de pôr em movi-
mento as camadas mais obscurase ao mesmo tempo
mais numerosasda populaçãocolocouem dúvidatodo
o sistemade domínio e propriedadeexistentes.Ainde-
pendência acabou por consumar-se, porém sob a
chefia da mais negra reação..Em 1821 a autoridade
vice-reinal teve que abandonar o poder e o chamado
"Exército Trigarante" ocupou a capital. Em suas fì-
leiras militavam os antigos senhorese, obviamente,
os que haviam sido fervorosos partidârios da Coroa
espanhola e da sujeição do Mêxico a ela. O triste-
mente célebre "Plano de lguala", sancionado sob a
influência do general lturbide, futuro imperador,
assegurou os privilégios da religião catôlica, "sem
tolerância de nenhuma outra"; um "governo monár-
quico moderado por uma Constituição anâloga ao
país"; a proteçãoe o respeito à propriedade tal como
existia; a conservaçãopelo clero secular e regular de
"todos seusforos e propriedades" e a manutenção da
estrutura estatal, com a permanência de todos os
empregadospúblicos em seuscargos.E, por cúmulo,
o plano convidava Fernando VII, rei da Espanha,

(8) Morelos JosêMana, Primer Centenorío de la Constítución de 1624,


Publicación de la Câmara de Senadores,México, 1924, pp. 72 a 75.
As independênciasna América Latíno

para trasladar-seao México ou enviar alguém de sua


dinastia"ou de outra reinante" para usar a coroa de
imperador. Em 28 de setembrode 1821 foi assinada
a ata da independênciae os que a assinaram não
foram outros senãoos arrtigosdominadores,com a
presençanotôria de rnarqueses,condes,trispos,rica-
ços proeminentese donos de viclase fazendas. O
México começavaa sua vida independerrte.O írnico
fator nroclificadoé que a parte da riquezaclopaís que
er:r enviaclapara a Espanha seria agora monopoli-
zada pciossenhoresatuais. Porém issoseriaprovisó-
rio. L,ogoviriarn rtovosdominadoresdo exterior para
çrariiciparda expropriaçãoda riqueza produzida por
indios e mestiços.
AMÉRICA CENTRAL

Ao começar o século XIX a Capitania Geral e


Reino da Guatemala compreende as posteriores re-
públicas de Honduras, El Salvador, Guatemala, Ni-
carígta e Costa Rica. O processode constituição dos
referidos Estados independentesdeverá ser tratado,
pois, como um fenômeno unitârio. Diga-se também
que o Estado (no sentido de província) de Chiapas
f.azia parte da Capitania, mas depois incorporou-se
ao México.

Populaçõo e sociedade

No final do período colonial calculava-se que


65Yo da população era constituída por índios, 31%
por ladinos (mestiços)e 4To por brancos, espanhôise
As independências na América Latina 27

seus descendentesnativos. indios e mestiços soma-


vam aproximadamenteum milhão e meio de pessoas;
os brancos, ,10000. Dentre estes, 30 grandes firmas
de mercadores monopolizavam o comércio.
O latifúndio agropecuârio e agroindustrial (ca-
navial e engenho de açúcar) constituía a estrutura
produtiva predominante. A terra era abundante, mas
não ocorria o mesmo com a mão-de-obra servil e
semi-senril,o que limitou o número dos grandes lati-
fundiários e fez com que os detentores de terras e
indios defendessemobstinadamente suas posições
contra os que aspiravam a juntar-se a seu grupo so-
cial e econômico.
Os índios viviam em povoadosorganizadospela
Coroa espanhola,e isso constituía a melhor maneira
de mantê-los agrupados e vigiados. Tinham a pro-
priedade de terras comunais para sustentar-see ex-
trair delas a parte do produto que deviam tributar.
Além disso, deslocavam-sedos povoadospara as fa-
zendas particulares onde deviam trabalhar contra a
sua vontade.
Existiam ainda obrqies, espécies de oficinas
artesanais que fabricavam tecidos, roupas, etc. A
elas somava-seo artesanatourbano. Nas cidades en-
contramos uma massa de pequenos comerciantes e
uma minoria muito exígua de poderososmercadores.
Além disso os mestiços, mais conhecidos como la-
dinos e, freqüentemente,como pardos, eram homens
livres mas carentesde terras. Costumavam ingressar
nas fazendas na qualidade de arrendatârios e para
2E Icon Pomer

lhes dar ocupação não foram poucas as ocasiõesem


que se ampliaram os latifundios. Carentes de pro-
priedade e da possibilidadede adquiri-ia (salvo as
exceções,está claro). viram-se constrangidosa ior-
nar-sesoldados,clérigos,pequenosfuncionários,as
salariados,peqBenosagricultorese comerciantes,ar-
tesãos,etc. No campo viviarn nos chamadasrancke-
ríos, dentro dos latifundios, aos quais cediam grarui-
tamente uma parte de sua força de trabalho em troca
de usufruir um pedaço de terra para sua subsistêil
cia. ApesartJeestarernproibidosde {azer isso. pauco
a pouco foram se introduzindo nos povoadosdos ín"
dios e ternrinarampor disputar-lhesas terras íiomrÌ'
nais. Os ladinos acabaramtransformando-seeÍn ex-
ploradoresdos índios. As leis liberais outorgadasno
período da inclependênciafavoreciarnos agricultores
ladinos e issodeterminou que o índio. com freqüên-
cia, se juntasse aos latifundiârios criollos na luta
contra os liberais. que tendiam a cercear as terras
comunais. Entretanto, a agricultura cafeeira deste
período permitiu abrir mão da participação dos ín-
dios, que haviam deixado de ser tributârios da Co-
roa. A estrutura colonial dos povoados foi desman-
telada, multiplicou-se a propriedade agrâria em
nrãosrlosladinos e aumentaram os latifúndios.

Produção

O anil era a principal exportação da Capitania;


As inrlependências na América Latina 29

a rinica de alguma importância até fins do século


XVIII. Depois de um certo declínio, retomarâ sua
importância nas duas primeiras décadas do século
XIX, para depois perder torJoo significa<lo.A queda
da exportação deveu-se,durante a época colonial, a
que seuscompradores, os Íabricantes inglesesde te-
cidos, cansadosde pagar os preços exorbitantes exi-
gidos pelos mercadoresespanhóismonopolistas, con-
seguiramobtê-lo na India.
Houve produção de cacau, baunilha e outros
produtos agrícolas. Mas, de fato, a produção mer-
cantil não prosperou durante a colônia, de modo que
os latifundios, quando não dedicavam sua produção
totalmente ao autoconsumo, enviavam seusexceden-
tes ao mercado constifuído pelas cidades. Estamos,
pois, numa sociedadena qual predomina a economia
natural, sem aqueles vigorosos setoÍes produtivos
destinados à exportação, como os tiveram o Brasil
(açúcar) e as regiões produtoras de minérios precio-
sos(Bolívia, Peru) e cacau (Venezuela). Obviamente
o carâter predominantemente de autoconsumo da
agricultura praticada na Capitania determinou que
os grandes'latifundiârios se vissem menos subordi-
nados ao capital mercantil e usurârio que seuscongê-
neres das âreas em que havia maior mercantilização
da produção agritria.
30 Leon Pomer

A independência e os ínteressesem jogo

Há grupos urbanos que postulam uma indepen-


dência que implique:
a) distribuição de terras;
b) via violenta, imitando o movimento popular
camponêsmexicano;
c) falta de temor em relação aos pobres das ci-
dadese do campo, com os quais contam para levar a
luta a bom termo.
Os grupos que levantam estas bandeiras, as
mais avançadaspara seu tempo, estão constituídos
por religiososregulares e seculares,médicos e advo-
gados, empregados do governo, militares de média e
baixa graduacão, empregadosde categoria modesta.
Muitos destesindivíduos descendem de velhas famí-
lias críollas empobrecidas, mas que conservam a van-
tagem de sua cultura superior. É por isso que pro-
cediam destaspessoasas letradas, quer pela educa-
ção familiar, quer pelas tarefas administrativas que
desempenhavamem escritôrios particulares e públi-
cos, que requeriam um nível de instrução superior
ao médio. SeveroMar(tnezPelâez, a quem seguimos
de perto, e autor de um magistral trabalho sobre a
Guatemala colonial, chama estes grupos de classe
média alta urbana e lhes atribui a mais desenvolvida

(9) Ia Patria del Criollo, Editorial Universitaria Centroamericana


(EDUCA), Costa Rica, 1973.
As independências na América Latina 3l

mentalidade revolucionâria possívelde encontrar na


Capitania. Martínez Pelârc2insiste nisso: eram os
únicos do setor oprimido e ressentidoque continham
indivíduos de grande desenvolvimento intelectual.
trJornenspara os quais a sociedadecolonial proíbe o
aúessona direção política e administrativa e reserva
empregos mal-remunerados com escassaou nenhu-
rna possibilidade de ascensãosocial. Hâladinos nes-
ta classemédia alta urbana. São os que conseguiram
tornar-seclérigos, profissionais, comerciantese agri-
r:ultores. O nosso referido autor menciona as pala-
vras de um funcionârio colonial, para quem estas
Fdssüas"...sempre foram do partido da independên-
ci:i, pelo anseio e desejo de chegar a se igualar e
prrder participar das honras e distinções de que des-
fnrtam os criollos ou espanhóis americanos. Estes,
na verdade - continua dizendo o funcionário. cha-
mado Manuel Vela, são os Patriarcas da rebelião e
seguirão sendo, auxiliados pelos da classe média,
com os quais contaram para seusplanos e projetos,
apesarda mútua aversãoque nutrem..."
Os criollos (descendentes de espanhóis que de-
têm o maior poder econômico) conseguem o controle
da independência, aproveitando em seu favor o tra-
balho de agitação realizado pela camada média alta
urbana entre as massas pobres. O objetivo a que
aspiram é entregar-se livremente à exploração do tra-
balho índio e dos grupos médios pobres, sem inter-
ferênciasestrangeiras.Neste caso, as da Coroa espa-
nhola. Não lhes interessadividir terras. mas sim. ao
32 Leon Pomer

contrário, apoderar-sedas que continuam em poder


dos índios. São pela supressãodo monopôlio comer-
cial, na medida em que não participam do mesmo.
No que se refere aos índios, não estão interessados
em suprimir os povoados,jâ que através deles podem
manter uma estreita vigilância sobre a população na-
tiva, evitando ao mesmo tempo perigosas interferên-
cias da camada média alta urbana antes mencionada
e suas idéias "de dissolução". A aristocracia críolla
pretende simplesmentea independência sem revolu-
ção. Não se diferencia num âpice, das outras aristo-
cracias - ou oligarquias - do continente hispano-
luso-índio.
No que se refere à massade mestiços(os ladinos,
pobres), estão distantes de ser um fator revolucioná-
rio, mas os mais poderososos vêem como suscetiveis
de serem arrastados pelos "mais revoltosos". Os /c-
dinos do campo constituem uma massa dispersa,
desagregada,isolada; os das cidades são incapazes
de unir-se em açõescomuns em virtude da heteroge-
neidade de suas funções. Eventualmente podem ser
utilizados pelos poderosos. Além disso, jâ sabemos
que se transformaram em exploradores dos índios,
cujas propriedadescomunitârias passaram a roubat.
No processoque conduziu à independência e à
fragmentação da Capitania nos atuais Estados da
América Central os índios não desempenharamne-
nhum papel. Permaneceram totalmente marginali-
zados.E como não foi necessârioorganizar exércitos,
porque a independêncianão foi conseqüênciade uma
As indaptndências na América Latins 33

riu('rra,como na América do Sul, nem sequer para


que apren-
',rlrlatlos foram solicitados. Isto evitou
rlessema usar armas e que surgissemchefesmilitares
{Iìtre eles. Foram uma massapassivaou indiferente.

Ç'sfatos

Desrle 1801 a 1821, em que se declarou a inde-


pendência, governaram o também chamado Reino
da Guatemala, no carâter de Presidentes,Governa-
dores e Capitães Gerais os segrrintesfuncionârios
coloniais: Antonio Ganzâúez Molinedo y Saravia
(28-7-1801a 14-3-1811),JoséBustamantey Guerra
(até 28-3-1818),CarlosUrnrtia y Montoya (até março
de 1821)e Gabino Gaínza durante um certo período
até o juramento da independência. Este último, sig-
nificativamente, de funcionârio a serviço do rei da
Espanha passou a ser a primeira e mâxima autori-
dade da república independente.
No que hoje é a república da Guatemala já em
1813 se registram reuniões secretasno convento de
Belém, dirigidas por um indígena, o Dr. Tomâs
Ruiz, com a participação de importantes personali-
dades civis e militares. Estes trabalhos são desco-
bertos e desbaratadosem 21 de dezembro do mesmo
ano. Anos depois,em 1821(15 de setembro),as pes-
soasprincipais reunir-se-ãona Sala de Honra do pa-
lâcio dos Capitães Gerais e, encabeçadaspor José
Cecilio del Valle, decidirão proclamar a independên-
34 Leon Pomer

cia, apôs prévia consulta às províncias. Proclamada


aquela, o Brigadeiro Gainzajurou rgspeitâ-la e aca-
tâ-la e continuou tranqüilamente como autoridade
mâxima, sem que os "notâveis" vissem nisso nada
mortificante. Decidiu-se convocar para 19 de março
de 1822 um CongressoConstituinte e em 16 de se-
tembro organiza-seuma Junta Consultiva que man-
tém em vigor todas as leis e autoridades originârias
do regime colonial. Entretanto, a 28 de novembro o
senhor Gainza informarâ ter recebido uma nota do
general Iturbide, governante do México (datada de
19 de outubro), na qual se exigia a incorporação da
antiga Capitania e Reino da Guatemala ao México.
No dia 5 de janeiro a exigênciaé aceita.
Na província de Honduras, a 19 de janeiro de
1812, uma centena de individuos havia criado um
tumulto na Villa de San Mieuel de Tegucigalpa, para
conseguir o afastamento de vârios funcionârios da
Coroa. Terminarâ em fracasso. Quando na Guate-
mala se declara a independênciada Espanha e a ade-
são ao México, o governador Gregorio Tinoco de
Contreras continua em seu cargo na então capital
provincial, Comayagua.Em Tegucigalpa, futura ca-
pital da Honduras independente, houve manifesta-
ções em favor de ulna completa independência, que
ainda tardaria.
Na Costa Rica - que fazia parte da provincia
da Nicarâgua- a 29 de outubro de 1821 aceitou-sea
declaração de independência realizada na Guate-
mala, mas não sem dúvidas e oposição de pessoas
As independências na América Lqtins 35

lmportantes.
Na Nicarâgua houve movimentos populares (13
de novembro de 1811), na cidade de I*ôn e outros
lugares, que depuseram o governador intendente.
Em 22 de dezembro os habitantes da cidade de Gra-
nada conseguirama deposiçãodas autoridades colo-
niais. Depois tomaram o castelode San Carlos e apri-
sionaram vârios militares espanhôis. Mas, apesar
disso e por vontade própria, os granadinos subme-
teram-se à autoridade do intendente Nicolás Garcia
Jerez, bispo daquela diocese, e organizaram uma
Junta Governamental. Em abril de 1812 houve cho-
que armado entre granadinos e tropas enviadas de
Honduras pelo Capitão Geral Bustamante. Os gra-
nadinos perderam. Posteriormente, declarada na
Guatemala a independência, as principais autorida-
des da cidade de lrón se opuseram, mas em Grana-
da e em outras povoaçõesa mesma foi aceita e jurada,
assim como se manteve a união com a Guatemala.
Em El Salvador irrompe a 5 de novembro de
1811 um movimento contra o Intendente da provin-
cia. Participam leigos e sacerdotes.Em cidades vizi-
nhas, tais como San Miguel, San Vicente e Sonso-
nate não existe a mesma atitude. O senhor Busta-
mante, Capitão Geral, manda reprimir o movimento,
sem excessode violência, contando com o apoio das
mencionadascidades. Em 1814 hâ uma tentativa de
proclamar a independência.Encabeça-aManuel José
Arce, que jâ havia participado do fracassado movi-
mento de três anos atrâs. Novamente os insurretos
3ó Lean Pamer

sãa derrotados. Anos depois, ao conhecer a decisão


independentistaproclamada na Guatemala, o corpo
municipal manifesta-secontra, e igualmente contra a
constituição de uma Junta Consultiva. Esta última
serâestabelecidamais tarde.
Até aqui uma visão rapidíssima de alguns fatos.
Em síntese,pode-sedizer que a vontade de ser inde-
pendente na América Central foi muito mais fraca
que em outras regiões do império espanhol. Jâ ficou
dito: não houve gueÍïas, batalhas. Quando muito,
algumas escaramuças.Quando o poderio espan.hcri
estava definitivamente rompido no resto do c"int:-
nente, a América Central não pôde deixar de *iotn'
panhar a corrente. O peso econômicoe polítir:o nrui'
to maior dos grandes latifúndios não comerciais e
a existência de urna burguesia mercantil rela.tiva.
mente mais fraca que em outras regiões colonrzadas
pela Espanha provavelmentecontribuíram para ate-
nuar os ímpetos em favor da independência, tão ati.
vos, por exemplo, na Venezuela e em Buenas Aires.
Os Erandes proprietârios de terras estavam visivel-
mente menosinteressadosem fugir ao dominio espa-
nhol. Sua preocupaçãoresidia em continuar aprovei-
tando o trabalho dos indios e a Espanha não cons-
tituía um obstâculo para isso. Por outro lado, a
quota de riquezas que ia para as mãos da Coroa na
qualidade de tributos não era relevante num fluxo
mercantil inexistente ou, na melhor das hipóteses,
extremamentefraco.
Dentro deste panorama, os escassospolíticos t
As indtpendr:'nrrnr.sna América Latina 37

r
I inieìçctuais que haviam lido os enciclopedistasfran-
cesesrião passavam de doutrinadores desligados da
realiCade. Por tudo isso, não foram poucos os que
tarminaram por aceitar as imposiçõesde uma estru-
tura econômico-socialque não permitia forjar ilusões
democrâticas.

A anexação ao México

O general Augustín de lturbide, mexicano nas-


cido em Valladolid de Michoacân a27 de setembro
de 1783, coloca-sedecididamente a favor da Coroa
espanholaquando a luta pela independênciacomeça
em seu pais. Sua selvageriana repressãoaos insur-
gentesé tal que o próprio vice-rei ordena, em 1816,
que selhe mova um processo.Em 1821 Iturbide com-
preendeu que a causa do rei estava perdida e, mais
preocupadoem satisfazersuasambiçõespessoaisque
com qualquer outra coisa, entra em conversações
com o general Vicente Guerrero, chefe dos insur-
gentes.Iturbide aceitou, sob certascondições,passar
para o lado de seusinimigos e conseguiu, com notâ-
vel astúcia, transformar-se no comandante supremo
dos que lutavam em favor da independência. Conse-
guiu trazer consigo a maior parte dos oficiais realis-
tas e em 19 de março de 1821 assinou o Plano <Ìe
Iguala, tam.bém chamado de as "Três Garantias".
Declarara-se a independência, mas o México tl'ânr-
3E Leon Pomer

forma-se-ia em monarquia constitucional. O mo-


narca seria o próprio Fernado VII da Espanha ou um
membro da família real. A Igreja Católica garantia
para si um papel dominante.
O próprio vice-rei, O'Donojú, terminou por con-
cordar com Iturbide e logo houve uma Junta Pro-
vincial Governamental presidida por lturbide, da
qual participavam O'Donojú e mais três pessoas. O
senhor Galnza, o Capitão Geral da Guatemala, ao
saber do que estava acontecendo no México, pensou
que seria melhor entrar em acordo com a lunta Me-
xicana, dominada por pessoas que haviam sido li-
gadas ao poder da Coroa. Os realistas estavam con-
sumando a independência, com o mâximo possível
de salvaguarda para os interessesda. Coroa espa-
nhola. Iturbide enviou a Gainza o convite que jâ
conhecemose na ex-Capitania Geral e Reino da Gua-
temala uma espécie de plebiscito limitado aos "notâ-
veis" das proúncias teve como resultado a anexação
ao México. Houve resistências à anexação e Gabino
Gainza precisou enviar tropas a lugares diferentes
para submeter os renitentes. Para controlar a situa-
ção, necessitou chamar o general Fiüsola, aquarte-
lado em Chiapas e este concoÍTeu com um pequeno
exército. Neste ínterim, o general Iturbide havia sido
proclamado Augustín I, Imperador do México. Em
El Salvador, onde a oposição a fazer parte do Impé-
rio era mais forte, um Congresso composto por 34
péssoas, diante da iminente chegada do exército re-
pressor, comandado por Filísola, solicitou sua ane-
As independências na América l*tina 39

xação...aosEstadosUnidos. Os salvadorenhos per-


deram a contenda e tiveram que baixar a cabeça,
apósteremsido derrotadosmilitarmentepor Filísola.
No México. os excessosde Iturbide acarretaram-lhe
gravesproblemase, no dia 19 de maio de 1823,ele
teveque abdicar, embarcandoimediatamentepara a
Ítâlia. Foi entãoque o próprio Filísola, que era mexi-
cano, diante do rumo que os acontecimentos haviam
tomado em seu país, e por solicitaçãode certos ci-
dadãosguatemaltecos,decidiu devolvera indepen-
dência aos centro-americanos.Um congressocom
representantesdas proúncias, inaugurado a 24 de
junho de 1823,declaroua independência dasproún-
cias da América Central em relaçãoao México, Es-
panha e qualquer outro poder. Nasciamas Proún-
cias Unidas da América Central. O chefepolítico do
novo Estado foi o generalFilísola, que teve o bom
sensode renunciar para regressarà sua pâtria logo
depois,em companhiado exércitoque trouxera por
solicitaçãode Gabino Gainza.

Algumas Conclusões

EdelbertoTorres Rivast0 anota entre os fatores


que acabaram desintegrandoas Proúncias Unidas
nos atuaisEstados,a força ideológicae cultural dos

(10) Sobre a lormação do Estado na América Central, em O Estado na


Améric a Lat ina. Cedec - P az e T ena. São Paulo. I 9 77.
ü Leon Pomer

"localisrnos", encabeçadospelos latifundiârios, os


quais reivindicaram o poder político em âmbitos es-
paciais nÌenores; a dispersão e o isolamento admi-
nistrativo e os arraigados localismosmuuicipais e re-
gionais; as pressõesinternacionais exercidas funda-
mentalmente por Inglaterra e Estados Unidos; o
irnensopoder material da Igreja Catôlica, que refor-
çou as tendências autonomistas nos territôrios nos
quais predominavam seusinteresses;as disputas que
travavam entre si os grupinhos de latifundiârios e
comerciantes; o atraso geral, o carâter auto-sufi-
ciente das economiase seu escassíssimo grau de mer"
cantilização; o péssimo sistema de comunicaçõesin-
ternas. A constituição de economias agrícolas dt: ex-
portação, posteriormente - prossegueo rn€siìl()
'ìu-
tor - determinou que domínios regionais abra-
çassemum espaçogeogrâficoe social maior. Aiórn do
mais, o Estado precedeu à constituição d.essasestru-
turas agroexportadoras,e foi a condição pariì que se
estabelecessem.

Panamâ

O que é hoje a república do Panamâ foi, até co-


meços desteséculo, territôrio colombiano. Mas uma
singular aliança do imperialismo norte-americano
com a chamada Companhia Nova do Canal de Pa-
namâ"e interessesradicados no istmo deterrninaram
As independências na América Latins 4l

o nascimento de um novo Estado. Jâ em 1.880o pre-


sidente Hayes dos EUA havia declarado diante do
congressode seu país que o objetivo de seu governo
era construir um canal, sob controle americano, que
unisse os oceanosAtlântico e Pacífico. Hayes acres-
centava: "serâ a grande ponte oceânicaentre nossas
costas" oriental e ocidental. O tratado Bulwer-Clay-
ton de 1850 entre os Estados Unidos e a Inglaterra
constituía um obstáculo a ser removido. e o foi a 18
de novembro de 1901, pelo tratado Hay-Pauncefote,
pekr qual os Estados Unidos ficaram totalmente li-
vres para construir a via aquâttica fundamental e
passarimediatamente a controlâ-la. Em 28 de junho
de 1902 o congresso norte-americano autorizou o
presidente,atravésda lei Spooner, a comprar os bens
e direitos da Companhia Nova do Canal do Panamâ,
empresaconstituída para salvar da ruína total a an-
terior Companhia Universal do Canal Interoceânico,
que havia começado as obras de escavaçãosob a
chefia do célebreFernando de l,eseps, construtor do
canal de Suez. Era necessâriaa autorização da Co-
lômbia e a 22 de janeiro de 1903 foi assinado o tra-
tado Hay-Hertân, entre este país e os Estados Uni-
dos. O tratado deveria ser ratificado pelo senado co-
lombiano e este negou-lhe a sua aprovação, consi-
derando-o atentatôrio aos interessesnacionais e em
particular à soberania sobre o istmo do Panamâ.
Obviamente os Estados Unidos mostraram-se
profrrndamente contrariados, e ocorreu o mesmo
com certos interesses radicados no Panamâ, que
42 Leon Pomer

especulavam com a construçãodo canal. A primeira


tentativa - a de lrseps - já lhes trouxera bene-
fícios, em virtude da valorizaçãodas terras e da pre-
sença de milhares de trabalhadorese técnicos. A
paralisaçãodas obras tornava-seinsatisfatóriae seu
interesseconsistiaem gue elas continuassempara
superar uma situação de grave estagnaçãoeconô-
mica. Os partidários do canal foram chamadospor
um autor de "proprietârios probos do istmo". rr E
estavamdecididosa que a obra prosseguisse, com o
apoioda Colômbiaou semele.
Por seulado, a CompanhiaNovatinha um único
e exclusivopropôsito: vender as açõesda fracassada
empresafrancesacom a menor perda possível.O
senhor Philippe Bunau Varilla, representanteda
Companhia,encarregou-seda "solução" do proble-
ma e ao entrevistar-seem 1903 com o presidente
Theodor Roosevelt,dos EstadosUnidos, lembrou-
lhe que "as situaçõesrevolucionáriassão endêmicas
no Istmo (...) A Colômbiadecretaa ruína da popu-
laçãodo Istmo.Estanão irâ aceitá-losemprotestarà
suamaneira.Suamaneiraé a revolução..."t2Dito e
feito. No dia 3 de novembrodo mesmoano os pro-
prietârios e ricaços da região panamenha declara-
ram-seindependentes da Colômbia.Contaramcom a
persuasivapresençada marinha norte-americana.

(11) Castillero, Ernesto, Ia República de Panomát y el Canal de Pa-


namá, RensttLoteúa, janeiro de f953, p. 31.
(12) Bunau Varilla, Philippe, "La Gran Aventura dePanamâ", Revista
Tareas n9 25, Panamá, 1972, p. tt6,
As independências na América Lqtina 43

O Panamâ foi, pois, uma criação do imperia-


lismo ianque, cujo controle da ârea do Caribe e Amé-
rica Central havia sido reforçado extraordinariamente
por ocasião da guerra de 1898, contra a Espanha.
E para que não restassemdúvidas sobre quem man-
dava, 15 dias depois de proclamada a independên-
cia e antes de possuir uma Constituição, o Panamâ
assinoucom os Estados Unidos o tratado Hay-Bunau
Varilla, que autorizavl a grande potência a cons-
truir o canal, e esta comprometia-se a garantir é
a manter a independência do novo Estado. Os Es-
tados Unidos adquiriram o direito de utilizar todas
as terras e âguas que julgassem necessârios,e assu-
miram a responsabilidadede cuidar da ordem pú-
blica nas cidades do Panamâ e Colón e em qualquer
outro lugar onde fossepreciso.
Em 15 de fevereiro de 1904 o Panamâ estabe-
leceu sua Constituição, que em seu artigo 136 auto-
rizava o poderoso protetor a intervir em qualquer
parte do território panamenho se a paz pública fosse
perturbada. Os grupos nativos mais poderosos tor-
naram-se donos dessearremedo de Estado e adqui
riram o direito de arrecadar impostos sobre os pro-
dutos estrangeiros que entrassem no país pelos portos
estabelecidosna zona do canal. Fora disso, os Es-
tados Unidos comprometeram-se a pagaÍ dez milhões
de dôlares ao novo Estado, e uma espéciede aluguel
anual de 250000 dólares. Em troca de manipular
um pequeno aparato estatal e de suas prerrogativas
correspondentes, um pequeno número de comer-
u Leon Pamer

ciantes e proprietârios de terras colombianas repu-


diaram sua pâtria e tornaram-se independentes.
Assim nasceuo Panamâ.

SãoDomingos

Na época da conquista e da colonização

Foi a primeira terra da América onde os con"


quistadores espanhôis - neste caso o prôprio Co*
lombo - pisaram. Em outubro de 1492 houve ,r
descobrimentoe em janeiro de 1494 a primeira fun
dação de uma cidade, que foi chamada La Isribela.
em homenagem à rainha Isabel de Castela. Em 15ü,E
jâ existiam 17 fundações, ou vilas de tipo europeu.
A população nativa, extremamente pacífica e hospi"
taleira, começoua ser "encomendada", ou seja, sub-
metida, no próprio período em que Colombo perma-
neceu, e passou a executar trabalhos duríssimos,
que haveriam de exterminâ-la. Significativamente o
sucessorde Colombo, dom Nicolâs de Ovando, ateou
fogo à pira em que foi queimada a princesa índia
Anacaona. Pouco depois os índios que tentaram es-
capar às violênciasrefugiando-se nos montes come-
çaram a ser caçadoscom cães especialmentetreina-
dos.Por outro lado, foi em SãoDomingosque nasce!l
a primeira universidade da América (a de Santo To-
As independências nq América Latina 45

más de Aquino, em 1538); e dois anos depois seria


fundada a Universidade de Santiago de la Paz. Até
o séculoXVIII, quando passama destacar-seHavana
e Caracas, a cidade de São Domingos serâ a prin-
cipal do Caribe; algo assim como a capital cultural,
eclesiâsticae política. Teve imprensa, segundo pa-
rece, jâ no século XVII; de fato, os impressos mais
antigos hoje conhecidos são os dominicanos do sé-
culoXVIII.
Igual a todas as outras colônias espanholas,São
Domingos sofreu proibições e restrições.Além disso,
a liquidação em massa de uma população original
bastantenumerosanunca foi totalmente suprida pela
importação de índios das ilhas vizinhas e de escravos
africanos. Os piratas assolaram a ilha desde cedo,
e entre eles o terrível sir Francis Drake (1586), que
agia mancomunado com a Coroa inglesa. Para de-
fender melhor o territôrio, a Coroa espanhola deter-
minou em 1603 o despovoamentodo norte da ilha,
com o que abriu caminho pata a invasão de outra
potência colonial, neste caso a França, que acabou
ocupando a zona ocidental. Em 1697 (Tratado de
Ryswick) a Espanha reconheceua existência de um
São Domingos francês, ou Saint-Domingue. Em
1777, pelo Tratado de Aranjuez, estabeleceram-se os
limites entre ambas as possessões,das quais a fran-
cesa era bem maior e melhor explorada, sendo a
mais rica das colôniasgaulesas.
O séculoXVI é de decadênciapara a colônia e na
centúria seguintehá um esforçopara levantâ-la: livre
46 Leon Pomer

comércio com nações neutras, imigração de cana-


rinos, novasfundações,restauraçãoda Universidade
de Santiago de la Paz. Em 1785 os habitantes so-
mavam 152U0, dos quais 30 000 eram escravos.

Chega o dia glorioso

Quando sobrevém a Revolução Francesa tudo


começa a mudar. A declaração da Assembléia Na-
cional de Paris sobre a liberdade e igualdade de
todos os homens repercutiu intensamente no Saint-
Domingue francês. Os escravos levantaram-se em
armas contra os plantadores de açúcar - extrema-
mente poderosos- os quais não se mostraram muito
entusiasmadoscom as novas doutrinas libertârias.
A Espanha e a França entram em guerra (1793),
e o governador do São Domingos espanhol, aliado
aos ingleses,inicia hostilidades contra a parte Íran-
cesa da ilha. A esta coalizão uniram-se os franceses
monarquistase partidârios da escravidão.Mas a inge-
rência da Espanha nos assuntosde Saint-Domingue
jâ vinha de antes,e de faio estimulou a insurreição dos
escravos,sem que tivesse sido esse o propósito da
Coroa espanhola.Nessa altura, a situação tornou-se
caôtica na colônia Írancesa,jâ que à presençaanglo-
hispânica e de seus aliados monarquistas somou-se
a dos negros insurgentes, gü€ inicialmente foram
liderados por Biassou e Jean François. Esclareça-se
que a própria auioridade colonial francesa também
As independências na América Latina 47

ocupava uma parte do território. Em 1794 o ex-


escravoToussaint Louverture, subordinado aos dois
anteriormente mencionados. decidiu-seem favor da
República Francesa, e em virtude de sua grande
ascendênciapessoal sobre as massas de escravos,
ascoisasmudaram radicalmentee osespanhôisforam
expulsos, e inclusive batidos dentro do São Domin-
gos espanhol. E em 1795 (a 22 de julho), quando se
assinao tratado de paz de Basiléia, todos na ilha, sem
exceção,ficam estupefatos:a Espanha cedesua partç
iì Frztnça,num momento em que estadominava Saint-
Dornrnguede maneira bastanteprecâria. A passagem
de poderes foi lenta e nesse ínterim emigraram da
ilha para outras das Antilhas ou para a Terra Firme
(Venezuela) muitos espanhóis e criollos, com suas
fortunas. Cuba, particularmente, recebeuum impor-
tante contingente,tanto no aspectoeconômicoquanto
no cultural.
A passagemde poder foi demorando, mas Tous-
saint prosseguiu sua campanha e continuou avan-
çando até chegar à própria cidade de São Domin-
gos, na qual em julho de 1801 declarou toda a ilha
independentede qualquer poder estrangeiro.O domí-
nio dosex-escravosparecia instaurado.
Omitiremos numerososfatos - entre eles muitas
ações bélicas * para dizer que Toussaint termina
caindo nas mãos dos franceses,e que seu sucessor,
Dessalines,retoma sua bandeira e declara a indepen-
dência de um novo país, o Haiti, em 1804. Inicia-se
uma nova invasão dos negros ao agora único São
4E Leori È'orner

Domingos. Sãorepelidose a situaçãoprovisoriamente


fica assim: no Haiti, onde se fala francês, dominam
os negros; em São Domingos, onde se fala espanhol,
dominam os franceses.Mas, tão logo é conhecida a
notícia do levantamentorealizado na Espanha a 2 de
maio de 1808 contra o invasor francês, sublevam-se
na colônia os criollos e espanhóis, lideraclos pelos
dominicanos, com o objetivo de reincorporar-seple-
narnenteà Coroa espanhola.Os inglesescolaboraram
com os revoltosose São Domingos tornou claramente
a ser colônia da "mãe-pátria", apôs a confusão dos
anos anteriores.Começa então a época (1809-1821)
que o povo chamou de "a Espanha boba". Em 1812
a população havia baixado para 62000 habitantes;
a economiaestavaarruinada. A Espanha pouco pôde
f.azetp ara restaurarqualquer coisa.

A independência

Quando a independênciade uma parte da Amé-


rica espanholaestava a ponto de consumar-se,tam-
bém foi proclamadaem São Domingos(30-11-1821),
sem violências nem sangue derramado. Curiosa-
mente, o novo Estado adotou para si o nome de Es"
tado Independente do Haiti espanhol. Serâ republi-
cano e deverâ unir-se à república da Grande Co-
lômbia, fundada por Bolívar em 1820. Haverâ uma
declaraçãode direitos do cidadão, mas ainda não serâ
As índependências na América l-atina 49

abolida a escravidão. O primeiro presidente foi o


doutor JoséNúflez de Cáceres(1722-lU6), que antes
havia sido tenente do governador, quer dizer, alto
funcionârio colonial e reitor da universidade.
Durou pouco a independência, porque o governo
do Haiti afirmava ter direitos sobre a outra parte
da ilha. Sendo presidente haitiano o senhor Boyer
(que governou entre 1818 e 1843), o antigo São Do-
mingos espanhol foi invadido e submetido pelas tro-
pas do Haiti. A ocupação durou vinte e dois anos e
neste transcurso Boyer mandou destruir os brasões
das antigasfamílias conquistadoras,rnandou repartir
terras, mas nunca conseguiu uma real integração
das duas partes. Os brancos de São Domingos, que
eram maioria, ao contrário do que aconteciano Haiti,
conspiraram e no dia 26 de fevereiro de 1844 procla-
maram a separação e a independência. A procla-
mação foi efetuada por Francisco del Rosario Sân-
chez e Ramôn Mella. O chefe do movimento pela
independência era Juan Pablo Duarte (1813-1876).
A partir de 1844 sobrevieram dezessete anos
de vida extremamente instâvel. Os governos do Haiti
tentaram repetidamente reconquistar seu domínio
sobre a parte da ilha de fala espanhola. Não conse-
guiram. Enquanto isso ocorria, votou-se a primeira
Constituição (6-11-18,{4), que desta vez realmente
declarou abolida a escravidão e proclamou os direitos
dos cidadãos. Está claro que as eleições transcor-
reriam por voto indireto e os governadores das pro-
vínciasseriam nomeadose não eleitos.
50 Leon Pomer

Em março de 1861, o governo de São Domin-


gos, encabeçadopor Pedro Santana,.reconhecendo-se
incapaz de manter a ordem e exercer a soberania,
solicitou e obteve a reincorporação à Espanha. Só
que quando esta resolveu restaurar seu antigo domí-
nio colonial enfrentou sérias resistências,já que nem
todos aceitavam o critério de Santana. Em julho
de 1865 os espanhóis retiram-se definitivamente e
São Domingos torna-seindependente,pelo menos do
ponto de vista formal. A instabilidade não havia ter-
minado.

Haiti

Ocomeço-asociedade
Jâ se sabe (ver São Domingos) que os primeiros
a conquistar a ilha foram os espanhôis. Que para
melhor deÍendê-la despovoaramsua parte ocidental
e que esta foi invadida pelos Íranceses. Que estes
avançaram em direção ao interior e que acabaram
criando uma colônia extremamenteprôspera para os
donos das plantações de açúcar e paÍa os mercado-
res, intermediârios entre a colônia e a metrôpole.
A França preocupou-se em garantir o seu domínio.
Enviou famílias de colonos, construiu fortific;rcões
e, atendendo à necessidadede mão-de-obra, impor-
tou do Daomé e dò Senegal centenas de milhares de
negros para serem escravos dos plantadores. Um
As independências na América Latina 5l

historiadorcalculoua importaçãode sereshumanos


em 30000 por ano, em média. Mas possivelmente
a maior afluência aconteceuentre 1750 e 1789,
quandoadmite-sequeem toda a Américaentrou mais
de um milhão de negros.Já sabemostambém que
em L697,pelo Tratado de Ryswick, a Espanhareco-
nheceua soberaniafrancesasobreuma parte consi-
derâvelda ilha. Teve que aceitar e legitimar o Íato
consumado,que não estava apta a reverter ou des-
f.azer.A partir de L722,Saint-Domingue(lembre-se
que serádenominadoHaiti a partir da proclamação
da independência)serâa mais rica de todas as colô-
nias francesasultramarinas.Em 1789tinha, prova-
velmente,maisde 800000habitantes,dosquais85%
eram escravos.Havia uns 30000 negroslivres; os
brancos(funcionârioscoloniaiscivis e militares, do-
nos de plantações,algunsprofissionais,etc.) passa-
vam pouco de 40000. Sem dúvida os alforriados
gozayamde certosprivilégios, mas era-lhesproibido
ascendera e exercercertasprofissõesou casar com
mulheresbrancas.Não obstante,os negrose mulatos
livres detinham, nos fins do séculoXVIII uma terça
parte da riquezada colônia,e não eram poucosos que
mandavamseusfilhos estudarna França.Contudo,
no que tange às normas de direito, diga-seque nos
pleitos com os colonos estas lhes eram invariavel-
mente desfavoráveis.Um colono francês, Milscent,
deixou escritasestas palavras: "É universalmente
reconhecidoque um homem livre de cor nunca teve
razáo nem direitç; nunca ganhou um processode
52 Leon Pomer

importância contra um branco; que, se a este último


ocoÍïe maltratâ-lo a socos, se queixa (o colono) e
ainda Íaz castigar de forma ainda mais rigorosa ao
desgraçadonegro que jâ fora humilhado e surrado".
De modo que, quando eclode a RevoluçãoFran-
cesa, temos três grupos sociais claramente delinea-
dos, sem ignorar por isso que dentro de cada um
existem diferenciações. Abaixo de todos estavam os
escravos.Sem dúvida os domésticos- a menor par-
cela - são melhor tratados e têm mais oportuni-
dades de acessoa certos rudimentos de cultura. Aci-
ma deles estão os negros e mulatos libertos, com um
certo poder econômico, mas sem apoio legal para
defender-sedos ultrajes dos que estão acima deles.
Esteslibertos, desfrutandosua novacondiçãoe esque-
cendo a antiga, estarãocontra seusirmãos escravos,jâ
que eles prôprios eram, não raro, donos de escravos
negros.É claro que no alto da pirâmide estãoos plan-
tadorese os administradores coloniais. Nas lutas que
se iniciarão simultaneamentecom a Grande Revolu-
ção, as diferenças anotadas influirão extraordinaria-
mente nas condutas dos vârios sujeitos sociais. O
historiador norte-americano Richard Patee elaborou
a seguintesíntese:"Seria difícil encontrar uma comu-
nidade mais depravada socialmentee mais opulenta
economicamente".
54 Leon Pomer

cesa (maio de 1794) e aceitar suas promessascomo


boas. Toussaint derrotou os espanhôise aplicou urna
espetacular lição nos exércitos ingleses. Derrotou
inclusive o negro André Rigaud que, incitado pelos
franceses,opunha-se a Toussaint, cujo poder cres-
cente era temido. Toussaint, por seu lado, de fato
unificou militarmente a ilha, Iez votar uma Consti-
tuição e declarou-a autônoma, mas Íazendo parte da
naçãofrancesa.
Nesteínterim Napoleão,inquieto pelo que estava
acontecendonas Antilhas, enviou um poderosoexér-
cito, sob o comando de seu cunhado kclerc. Apôs
lutas terríveis, Toussaint decide render-see com ele
os novos líderes que haviam surgido em combate:
Dessalines (1758-1806), Alexandre Pétion (1770-
1818), Henri Christophe (1767-1820), etc. Leclerc,
obviamente, não cumpre o que fora tratado, prende
Toussaint por traição e manda-o para a França onde
haverâde morrer num obscuro presídio. Pouco depois
morre o prôprio l-eclerc e seu sucessor, o general
Rochambeau, dedica-sea implantar a paz por meio
do terror. Em outubro de 1802 Pétion e Clervaux
empunham de novo as armas e Jean JacquesDessa-
lines une-se a eles. Em 1803 Rochambeau, vencido,
retirou-seda colônia. A 19 de janeiro de.1804a colô-
nia de Saint-Domingue proclamou-se independente
e adotou o nome nativo de Haiti. Foi a primeira colô-
nia (com exceçãodos Estados Unidos) a deplarar-se
independente.
A que havia sido reduzido o florescente Saint-
As independências na América Latina 55

Domingue dos poderososplantadores?A uma verda-


deira ruína. As plantações estavam arrasadas, algu-
nrascidades consideravelmentedestruídas, as escas-
sasindústrias em estadocalamitoso. Havia que partir
daí para construir uma nação independente. Dura
tarefa para estadistasimprovisados,carentesde expe-
riência nos negóciospúblicos. A única que haviam
adquirido durante a gueÍra era a experiência bélica.
Em janeiro de 1804Dessalinesproclamou-sego-
vernador vitalicio e em outubro coroou-seimperador
- JacquesI - imitando a Napoleão. Morreu assas-
sinado em 1806. Agora os antigos escravos lutavam
entre si e os que aspiravam a estabelecer um novo
domínio nada mais eram que isso: antigos escravos.
Houve guerra civil. Alexandre Pétion, notâvel figura
que colaborou com Bolívar, estabeleceu-seao sul da
república e proclamou Port-au-Prince sua capital.
Henri Christophe, no norte, tez de Cap Français sua
capital. Em 1811, Henri Christopheproclamou-serei,
sob o nome de Henrique I. A capital chamava-se
agora Cap Haitien. Faleceu Pétion e sucedeu-oJean
Pierre Boyer (1773-1850), no carâter de presidente
vitalício. Henrique I suicida-se em 1820 e o país se
unifica sob um governo republicano, estabelecendo
sua capital definitiva em Port-au-Prince. Boyer inva-
diu o São Domingos espanhol em t822: governarâ a
parte espanholada ilha por vinte e dois anos e esta,
contudo, jâ estava pretendendo tornar-se indepen-
dente. Em março de 1843 Boyer é derrotado pelo
movimento liberal chamado de "reforma". Sucedeu-o
5ó Izon Porner

CharlesRivière Hérard, em cujo breve governo(ia-


neiro a maio de 1844), São Domingos consegueex-
pulsaroshaitianos.
O que vem depoisescapaaosfins destepequeno
livro. Mas não é menosdramâtico do que aconteceu
atéaqui.

Cuba
Produçdoe sociedade

Cuba foi a ilha do açúcare dosescravos.O açú-


car encontrabom mercadona Espanhae no resto
da Europa. Favoreceu-aa passagemdos ingleses,
eml762, anoemqueseapoderaramdeHavanae suas
vizinhanças;apesarde permanecerempor um breve
período, conseguemintroduzir 10000 escravosne-
-gÍos, que são vendidospor baixos preços aos colo-
nos. Os colonosouvemuma promessa:produzamo
mâximo possívelde açúcar pata a Inglaterra e serão
bem recompensados. Os inglesesnão sãomuito esti-
mados:saqueiamdescaradamente uma vultosaquan-
tia, que repartementre almirantes,generaise outros
oficiais.A cada soldadobritânico cabempouco mais
de 3 libras; a cadamarinheiro poucomais de quatro.
Houve sérias resistências.O clero declarou-sefiel
ao Papa e ao rei de Espanha; os inglesessão here-
ges.Estesrespondemrequisitandoos sinosdas igre-
jas. Mas algumasresistênciascomeçama afrouxar
As independências na Amértca l-atina 57

quandoo livre comércioque Íora imediatamentede-


cretado Íaz com que nos dez mesesem que dura a
ocupaçãode Havana enhem perto de mil embar-
cações;antesnão chegavammais do que seispor ano.
Os mercadoresse reanimam, mas agora têm que
competircom seuscolegasbritânicos. Estâ claro que
os plantadorese comerciantesda Jamaicae Barba-
dos não vêem isso com bons olhos: surgiu-lhesum
forte concorrentee eles se pronunciam a favor da
devoluçãodessacolônia à Espanha.Os inglesesaca-
bam saindo. Depois deles manteve-seo gosto pelo
livre comércioe uma renovadaprosperidadena agri-
cultura, fraças à introduçãode ferramentasinglesas
antesnãoutilizadasna colônia.
O livre comércioÍoi umy'os grandesmotoresda
independênciano resto da América espanhola.Mas
em Cuba os grandesproprietários de engenhostêm
suas dúvidas. Elas serão úuito fortes depois dos
acontecimentosdo Saint-Dominguefrancês,onde os
negrossesublevame expulsamseussenhores,muitos
dos quais chegama Cuba e recebemterras das auto-
ridades espanholaspara continuar trabalhando. O
censode lT92indicaa existênciade 133559brancos,
54152negroslivres e 84333 negÍosescravos.A rela-
çãode forçasé menosperigosaque no Haiti. Mas não
é possívelsubestimaros perigos.Em 1877,já perto
do impulsofinal da independência,Cuba tem 963 175
brancose 471752pessoas qualificadascomogentede
cor. Os poderososcontinuam apreensivos.Continuar
sob o domínio da Espanha é um péssimonegôcio.
5E Leon Pomer

Os conservadores da Península não querem ouvir


falar de reformas liberais, nem de liberalizações no
comércio. Ainda têm a cabeça cheia de monopólios
mercantis, de exclusividades e privilégios. Não são
poucas as pessoaspoderosas que pensam na incor-
poração aos Estados Unidos como opção aceitâvel.
No reinado de Fernando VII, três deputados cubanos
às Cortes espanholasdefendem a autonomia e chegam
até a obter um voto favorâvel. Mas Fernando VII e
seussequazesnão admitem isso e os três homens têm
que fuú para os Estados Unidos, via Gibraltar. Os
governantes designados pela Coroa espanhola inte-
ressam-sepor um negôcio que vale muito mais que
seus salários e honrarias: o comércio de escravos.
Entre L82Le 1831 mais de trezentas expediçõesilegais
que os ingleses não conseguem evitar descarregam
sessentamil escravos na ilha de Cuba. Nos negôcios
negreiros atua a própria duquesa de Riansares. Esta
senhoraé viúva do rei Fernando VII...
Mas a faísca da independência não estâ apa-
gada: os poetas a mantêm acesa. Diz Arciniegas:
"Todos os cubanos que sonharam e sonharão com a
liberdade são, sem exceção,poetas". O maior deles,
JoséMartí, serâo herói nacional de Cuba.
A histôria da independência cubana é a mais
longa da América, e uma das mais dramáticas: Cuba
chegou tarde à independência, em comparação com
suas irmãs hispano-americanas.O espaço reduzido
impede que afresentemos uma relação prolixa das mil
tentativas Írustradas, das intervenções e intrigas dos
As independências nq América Latina 59

EUA, etc. Começaremos,pois, com Martí. Mas que


Íique enfaticamente assinalado: as lutas em favor da
independência não começam com este grande ho-
mem. culminamcomele.

foséMartí

Nascidoem 1853e morto em 1895,uma vida


brevefoi mais que suficientepara revelâ-locomouma
das grandesfiguras do continente; grande por seu
resolutoespíritoindependentistae não menospor seu
talentode escritor.Aos dezesseis anosjâ foi para o
presídio, onde arrastou grilhões e quebrou pedras:
os espdnhóisnão eram muito delicados com seus
prisioneiros políticos. Depois Martí foi deportado
para,a Espanha, onde formou-sedoutor em direito
e em filosofiae letraspela UniversidadedeZaragoza.
Posteriormenteviveuem Paris e l.ondres,no México
(onde se casou)e na Guatemala.Apôs um fugaz
retornoa Havana,fugiu para Novalorque. Estevena
Venezuelaem 1880e regÍessouaosEstadosUnidos,
onde atuou como coÍTespondente de jornais, cônsul
da Argentina, Uruguai e Paraguai, tradutor, pro-
fessor,etc. Mas, acima de tudo, a partir de sua ex-
pulsãoputaa,Espanha,suapreocupaçáo e ocupação
fundamental foi a independênciada ilha. Cooperou
com vârias tentativasfracassadas,organizougrupos
de exilados, deu mil conferências,movimentou-se,
ó0 tr eonPomer

organizoufebrilmenteatéfundar a 10deabril de 1892


o PartidoRevolucionârio Cubano.Entre as basesdo
partido - que Martí redigiucom seupróprio punho
e letra - lê-seque seu objetivo é conseguira inde-
pendênciade Cuba e auxiliar e fomentar a de Porto
Rico. Que a novaCuba não se propõea perpetuar,
sob disfarcesou alterações mais aparentesque reais,
o espírito autoritârio e estrutura burocrâtica do re-
gimecolonial.O idealé fundar um novopovoque viva
em "sincerademocracia".
Quando Martí considerouchegadoo momento
oportuno, ofereceuo comandoda guerra que sepro-
punha iniciar contrao domínioespanhola um velho
general:Mâximo Gômez.Este, que residiaem São
Domingos,apósaceitarpor carta o postooferecido,
foi visitadopor Martí, que logo depoisviajou paÍa a
Costa Rica, para entrevistar-secom outro evenfual
chefe do movimentoque estavapara deflagrar-se:
Antonio Maceo.De Gómezdiremosque haviaparti-
cipadode movimentosrebeldesacontecidos em 1868
e que esteveem batalhasde resultadosdiversos.A
maisimportanteprovavelmentefoi a de Palo Seco,na
qual destacou-se Antonio Maceo entre outros insur-
retos.Gómezlutou durantevâriosanosno que cons-
titui o antecedentemais imediato da conquistadefi-
nitivadaindependência.
Enquanto Martí preparava cuidadosamentea
grande rebelião, ocorreram alguns movimentosque
escaparama seucontrolee acabaramderrotados.Por
outro lado, na Espanha,projetosliberalizantesfàara
As independências na América Latina ór

Cuba, apresentadosàs Cortes pelo Ministro de Ultra-


mar, Antonio Maura, eram categoricamenterejeita-
dos pelos conservadores. O Partido Revolucionârio
Cubano tentava pôr-se em armas e estaspodiam ser
obtidas com relativa facilidade nos Estados Unidos.
Porém, em março de 1894 o governador de Puerto
Príncipe requisitou um carregamentode armas e mu-
nições que haviam chegado de Nova lorque no vapor
"Alert". Poucosmesesdepois - em meados do ano
- Martí considerava a situação madura para iniciar a
luta. Pouco antes o general Mâximo Gómez havia
viajado a Nova Iorque para conferenciar com Marú.
Ccrncordaram em fretar três expedições de duzentos
homens cada uma que deveriam desembarcar nas
províncias de Santa Clara, Camagüey e Santiago de
Cuba. Gômez e Martí encabeçavamuma delas. Con-
tudo, a espionagemespanhola e a delação determi-
naram que a tentativa acabasse numa catâstrofe.
Em janeiro de 1895 os espanhóis detiveram os três
barcos que Martí havia contratado. Nosso homem,
longe de se amedrontar, transmitiu a Cuba em feve-
reiro de 1895uma ordem de sublevaçãogeral. No dia
24 dessemês inicia-sea luta. As tentativasem Havana
e Matanzas começam com um fracasso, mas em
Oriente ocorre exatamenteo contrârio. Na realidade,
esta região havia sido sempre o mais forte reduto da
independência. O fato se confirmava. Em cada po-
voado, em cada região levantou-seum úder, seguido
por patriotas entusiasmados. Todo o território de
Oriente encheu-se de grupos guerrilheiros. Em 25 de
62 l,eon Pomer

março o Partido Revolucionário emite um manifesto


chamado de Montecristo: "A revoluçãopela.indepen-
dência, iniciada em Yara, após preparação gloriosa
e cruenta, entrou em Cuba num novo período de
guerra". Martí despede-sede sua mãe para retornar
à pâtria e assumir seu posto na luta armada. No
dia 19 de abril desembarcamperto de Baracoa o gene-
ral Antonio Maceo, com vinte e dois companheiros.
Dez dias depois desembarcaMáximo Gômez e com
ele José Martí, delegado do Partido Revolucionârio
Cubano. Os principais chefes da insurreição regres-
saram do ostracismo forçado. E a 79 de maio, numa
escaramuçaínfima, JoséMartí é morto.

A independência

Na Espanha os liberais pressionampara que seja


concedida a independência a Cuba. Mas os aristo-
cratas conservadorese os que lucram com escravos
e açúcar fecham os olhos e prosseguema repressão.
O general Valeriano \{eyler, chefe dos exércitos es-
panhóis na ilha, faz dela um imenso campo de con-
centração. O cônsul americano inÍorma a seu go-
verno: hâ quatrocentas mil pessoasencerradas nos
infernais campos e diariamente morrem dezenas,de
inanição, de febre ou de desgosto.Mais da metade
da provincia de Havana estâ sob prisão. A situação
é insustentâvel.Pcjroutro lado, Cuba dependeecono-
As independências na América Latinq 53

As guerras dos escravos

Em 1758osescravos, dirigidospor um certoMa-


kandal,rebelaram-se semconseguirbonsresultados.
Nas montanhas,grupos de foragidos,os chamados
cimarrones,cuidavamde escaparà chibata dosplan-
tadores.Mas a grandesublevaçãoocorreriadepoisda
RevoluçãoFrancesa,poisenquantoem Parisseorga-
naava a Sociétédes Amis des Noirs, em Saint-Do-
mingueosplantadorese os funcionâriosnem queriam
saberde libertaçõese igualdades.Em 1791,como
os brancospretendiamser os únicos a ter direito de
enviarrepresentantesà Assembléiados EstadosGe-
rais, provocaramum levante liderado por Vincent
Ogée JeanBaptisteChavannes.Derrotados,estesfu-
giram para o SãoDomingosespanhol,de onde foram
miseravelmenteenviados às autoridades coloniais
francesaspor suasequivalentesespanholas.Mas, logo
a seguir (agostode L79l), irrompeu um terrível fu-
racãonegrocujoschefeseram Boukman, Biassoue
JeanFrançois.Jâsesabe(verSãoDomingos)quefudo
secomplicouquandoespanhôise francesesinvadiram
Saint-Domingue,partindo do São Domingosespa-
nhol e combinando suas açõescom as dos france-
sesmonarquistas.Mas quando a 29 de agosto de
1793 o comissionadofrancês, Santhonaz,declarou
abolida a escravidão,Toussaintlouverture (1746-
1803),um dos mais populareslíderes da insurrei-
çãonegra, decidetomar o partido da repúblicaÍran-
As independências na América Latina ó3

micamente dos Estados Unidos: é o grande consu-


midor de seu açúcar. Os ianqqes podem manipular
a economia da ilha de acordo com sua vontade,
alterando os preços, dificultando ou favorecendo a
importação de açúcar. Máximo Gómez, por sua vez,
em julho de 95 - pouco depoisque Martí foi morto -
decreta a paralisação dos trabalhos nas fazendas de
açírcar, sob pena de mandar incendiar os canaviais,
e proíbe a introdução de mercadorias nas cidades
ocupadas pelo inimigo. Todos perdem: a oligarquia
açucareira, os mercadoresque comercializam o pro-
clutoe os EstadosUnidos, o grande mercado. Resta
apenasuma coisa: a intervenção da grande potência
norte-americana. Em 25 de novembro de 1897 um
decretoda Coroa espanholaoutorga-lhe a autonomia
e o país tem o seu primeiro governo próprio, cubano.
E logo depois, a 19 de janeiro de 1899, a bandeira
espanholaque jâ havia sido arriada é substituída pela
norte-americana. Um governo militar presidido pelo
general William Ludlow ocupa o lugar dos antigos
dominadores. Cuba independente? Sem dúvida, da
Espanha...Mas a luta prosseguirâ.
O SUL

Venezuela

População

Em L822 a população venezuelana era de uns


767 tm habitantes, dos quais 29000 escravos. Em
1810 só a província de Caracas - a terça parte do
território nacional - tinha 250278 habitantes. se
corretos os padrões eclesiâsticos.t3 Outras cifras,
agora de começosdo séculoXIX, indicam para o país
898043 habitantes, dos quais 1,37o constitui a elite
branca peninsular, l9To brancos criollos, 45To Par

(13) Brito Figueroa, Federico, Historia Económica y Social de Vene-


zuela, Universidad Central de Venezuela, Caracas, 1975, tomo I,
p. 258.
As independências na Am,órica Lutina ó5

dos, 4To negros livres, 9,7o/o negros escravos,2,670


negroscimarrones,to8,4Vo índios tributários, 3,370
índios não tributários e 6,77o a população indígena
marginal.rs

A pirômide social

O estrato mais baixo estavaformado obviamente


pelos negros escravos, se bem que os indios tribu-
târios - legalmentelivres - não gozassemde exces-
sivasvantagensem relaçãoaoshomensde pele escura.
Nos planaltos e na selva, lâ onde o poder colonial
não conseguiu penetrar, uma população indígena
manteve-.se livre e agrupadaem comunidadesque não
diferiam daquelas existentes no momento da con-
quista. Os pardos e os negros livres juridicamente
eram tidos como pessoasde "baixa qualidade e linha-
gem torpe" e estavam excluídos de participar das
instituições representativasda sociedadecolonial. E
ainda mais: regulamentos minuciosos proibiam às
mulatas vestir-se com galâs reservadas exclusiva-
mente às mulheres de famílias "principais". Pardos
e negrosestavamproibidos de se unir legalmente aos
brancos. A "limpeza" de sangue era condição indis-

(14) Cimarrón é o negro fugido.


(15) Bonilla, Frank, ã/ Fracaso de las Etites, Centro de Estudios del
Desarrollo, Universidad Cenhal de Venezuela, Caracas, 1970.
p. 76 .
6 Leon Pomer

pensâvel para a ascensãosocial e o acessoàs digni


dades oficiais e privadas. Não obstante, na milícia
predominavam os pardos, inclusive nos postos gra-
duados.
Entre a população branca temos uma minoria
de proprietários de terras que habitualmente mora-
vam nas cidades, participavam da política e se dedi-
cavam também ao comércio e à usura. Provavelmente
não eram mais que 4000 pessoas,oriundas de umas
658 famflias, ou seja,menosde 1 ou 2To da população
venezuelananos fins da colônia.tó
A enorme concentração da riqueza, a pauperi-
zaçío das massas e o total despojamento destas res-
saltou de entrada, ao começar a guerra pela indepen-
dência, o problema da terra e sua divisão.

A guerra social

Jâ em 1812 realistasr7 e patriotas defrontam-se


com estefato: escravose peõescomeçam a ocupar as
terras de seussenhores.Em alguns casosos escravos
revoltam-see fogem e isso aconteceem todo o terri-
tório do país. Entre os chefesrealistasque perceberam
o significado do fenômeno e pretenderam aproveitâ-
lo inclui-se Domingo Monteverde, antigo marinheiro
aventureiro e agora cruel adail da Coroa espanhola.

( l6) Brito Figuetoa, op. cit. , p. l7l.


( I 7) Eram chamados realistas os partidôrios do rei de Espanha.
As independências na América Latina 67

Foi no ano indicado que Monteverde criou o Tribunal


de Seqüestros,para expropriar os bens daquelesque
desdeabril de 1810 se haviam envolvido na causa da
independência.O importante é que os membros desse
Tribunal eram pessoas de condição humilde, dos
quais cabia esperarmedidas de expropriação efetiva.
Em Caracas o governo realista organizou a Junta de
Proscrições,destinada a selecionaros cidadãos parti-
dârios da independência que deviam ser presos e ter
seusbens seqüestrados.Entre os caraquenhosincri-
minados encontravam-se alguns poderosos latifun-
diârios e mercadores. Os beneficiârios das medidas
adotadas por Monteverde eram criollos, pardos e
negros que se diziam leais ao rei. No mais foi cres-
cendo aparticipação dos negros em guerrilhas, cons-
pirações e ievantes,cuja bandeira comum era o ôdio
aosbrancos proprietârios de terras, riquezas e vidas.
A politica dos chefes militares que lutavam pela
independência não demorou a utilizar também a
expropriação de bens como arma poderosa. A cha-
mada "República de 1813" dos patriotas valeu-se
amplamente desseinstrumento: a clara decisão dos
pobres e humilhados de recomeçar uma'nova vida
com a independênciaou, em todo caso, melhor, com
independência ou sem ela, fez com que a guerra
assumisseum caráter nitidamente social. Os pobres
insurgiram-se contra os ricos. E quem quisessevencer
devia pronunciar-se em favor dos pobres e trabalhar
por eles. Em 16 de janeiro de 1813 o chefe patriota
Antonio Nicolás Bricefro instou seus compatriotas a
6E Leon Pomer

destruírem"a raça maldita closespanhôis",a apos-


sarem-sede suaspropriedadese a dividi-lasem quatro
partes: duas para o Estado, uma para os soldados
e outra para os oficiais.
JoséTomâs Boves,o m:ris destacadochefe que
lutou pela causa do rei, incorporou a suas fileiras os
pobres das regiõesplanas (peões, escravos,negros
alforriados e cimarrone.s,etc.) com a bandeira de
fazer guerra à DIABOCRACIA e apoderar-seclas
propriedadesdos brancos. E efetivamente.os mais
importantes pecuaristasforam despojadosde seusre-
banhos e os famintos de sempre comeram - final-
rnente! - atê fartar-se. Boves, que erâ espanhol,
praticou desde1813uma espéciede racismode classe:
"morte aosbrancos!". Seusemissários,diz um autor,
iam para todos os lugares, "sublevando as escravi-
dões". Os mais lúcidos funcionâriosreais compreen-
deram que o que esse "terrível asturiano" estava
fazendo ameaçavadesmantelara secular estrutura
econômico-socialda Venezuela. Que o fizesse em
nome do rei e que talvez não estivessetotalmente
conscientedo que estava fazendo, pouco interessa.
Com ele os miserâveisobtinham propriedadesàs cus-
tas dos que estavam na parte mais elevada da pirâ-
mide social.

Bolívar

Este filho de aristocratas coloniais muilo ricos


As independêncías na Américq Latina 69

Bolívar
70 Leon Pomer

desempenhouum papel preponderantena guerra pela


independênciaamericana.Depois de formada a Junta
destinada a proteger os interessesde Fernando VII
(aconteceua 19 de abril de 1809), preso pelos fran-
ceses, Bolívar integrou-se a ela. Estando suspensa
toda a autoridade legal na Espanha, os partidários
da independêncianão encontraram nada melhor que
assumir diretamente a autoridade em nome do mo-
narca declaradoafastadopor Napoleão.A Junta acer-
tou em princípio um trato igualitário para espanhóis
e criollos, proibiu a importação de escravose aboliu
impostos aos artigos de primeira necessidade.Em 19
de abril de 1810 Simón Bolívar apresentou-seà Junta
e foi nomeado tenente-coroneldas milícias. A partir
daí e durante vinte anos seria o grande protagonista.
Começou por defender a necessidadede ganhar a
boa vontade da Inglaterra, onde por sinal residia
Miranda, o precursor da independência.A Junta
decidiu que Simôn Bolívar fosse enviado a L,ondres,
e na capital inglesa, entrevistando-secom Wellesley,
Ministro das RelaçõesExteriores, soube que o leão
britânico não estava disposto - pelo menos no mo-
mento - a apoiar a independência. E quanto mais a
igualdade de acessoaos cargos públicos, represen-
tação mais numerosa dos críollos nos corpos legisla-
tivos peninsularese uma liberdade de comércio que
certamente era desejada. No barco de volta Bolívar
retornou em companhia do legendârioMiranda. Este,
talvez por seu radicalismo extremado, não suscitava
entusiasmoentre as pessoasimportantes do país. Não
As independências na América Latina

obstante, conseguiuque o nomeassemtenente-gene-


ral dosexércitosvenezuelanose deputado à convenção
convocadapara março de 1811. Miranda pronun-
ciou-se em favor da independência completa, sem
meias tintas nem atitudes hipôcritas. Ela foi assinada
em 5 de julho de 1811. A declaraçãonão Íoi aceita
com entusiasmo unânime. Houve lutas em Caracas
e pouco depoisSimón Bolívar participou da primeira
batalha contra os realistas. Foi em Valencia e repre-
sentou uma vitória dos patriotas. Em 30 de junho de
1812 ocorreu um desastreem Puerto Cabello, e com
ele acabou a Primeira república venezuelana. Para
culminar, Miranda rendeu-se a Monteverde. Havia
que recomeçar.
Bolívar dirigiu-se a Nova Granada.tt Em Carta-
gena os patriotas haviam estabelecidoum governo
prôprio em 1811. O ditador local era um jovem de
24 anos chamado Torices, secundado por Labatut,
um aventureiro francês que havia sido amigo de Mi-
randa. A partir daqui Bolívar lançar-se-ia na recon-
quista da Venezuela. E assim aconteceu, com uma
primeira campanha militar que demonstrou a extra-
ordinâria garra e o genial talento militar dessejovem
pequeno e mirrado que era Simón. Com um exército
precário atravessoumontanhas, florestas e pântanos
sem cessar de obter vitórias sobre o inimigo. Em 6
de agosto de 1813 entrou triunfante em Caracas e
pela primeiÍavez foi aclamado como "Libertador".

( 18) Atualmente Colômbia.


,|.
Leon Pomer

Muitas foram as alteraçõesno rumo da guerra


contra os realistase não poucas as adversas.Impos-
sível resenhá-lasaqui. No final houve o triunfo e a
independência.A Venezuelatornou-seformalmente
independente,mas os de baixa condiçãonão muda-
rarn sua sorte:continuaramlâ em baixo. A diferença
residiu em que a independência trouxe ao primeiro
plano novas figuras, algumas de autêntica origem
popular. Foram os chefesmilitares, que se enrique-
ceram às custas dos antigos proprietârios, que subs-
tituíram os mesmosno poder. No essenciala oligar-
quia, como grupo social e econômico, salvou-sedo
ïuracão.

Colômbia

Antecedentes
O vice-reinode Nova Granada(capital em Santa
[ìé de Bogotá)compreendiaos atuais Equador, Co-
lônrbia, Venezuela e Panamá. Sua fundação data
de 1717.A atual Colômbia era região relativamente
atrasadaem relaçãoà Venezuela,onde a oligarquia
do "grande cacau" havia organizado uma forte pro-
dução para exportar. A Colômbia havia sido sedede
uma das mais importantescivilizaçõesindígenaspré-
colombianas. As encomendas e mitas destruíram
grandeparte da herançaindígenae, apesarda política
de evitar a dispersãodos índios, isso não
da Cr--'roa
As independênciasna América Latina 73

pôde ser evitado. A mita agrâria transformou o índio


numa espéciede assalariado(recebendoem dinheiro
e em espécies),destribalizou-oe dispersou-oentre as
fazendasdosencomendeiros.Mas a economia colo-
nial careceude aptidãopara incorporarplenamentea
mão-de-obraque existia ao sistemaprodutivo, certa-
mente pela ausênciade uma poderosamineraçãoe
de suficientesempresas agrícolas voltadas para a
exportação com emprego intensivo da f.:rça de tra-
balho. Por issoem 1786,na província de Antioquiir,
o Ouvidor-Visitador Juan Antonio Man encorÌtrou
extremamisériae alto nívelde desocupação. Calculuu
que havia 50000 indivíduos economicamenteativos
semtrabalhar. Pareceevidenteque a não constituiçãcr
de uma oligarquiaregionaldecididamentemais pode-
rosa que as outras existentes determinaria muitos
processospoliticos posteriores. A fragmentação dos
poderese sua relativa paridade marcariam a fisio-
nomia daslutas políticaspela independênciae mesmo
asmuito posteriores.
Em termos de luta ideolôgica, a prioridade
quanto à difusão de idéias libertárias da Revolução
Francesa cabe a Antonio Narif,o. Em 1793 havia
traduzido e estava difundindo clandestinamenteos
"Direitos do homeme do cidadão", proclamadospela
AssembléiaConstituinte da França. Sugeria que os
filhos da então chamadaNova Granada imitassemo
exemplo dos americanosdo norte. Posteriormente
Narifro tentou conquistar os favores da França e
Inglaterra paÍa a causada emancipação.Não conse-
74 Leon Pomer

guiu. Entretanto, igualmente como aconteceu em


todas as colôniasespanholas,as notícias da ocupação
da Espanha por Napoleão sacudiram os criollo, e os
funcionârios da Coroa. Houve reaçõesdiversas. As-
sim, o Dr. Camilo Torres, em nome do Cabildo
de Bogotâ, dirigiu em novembro de 1809 uma repre-
sentação à Junta Central da Espanha, na qual se
afirma o seguinte:a) os domínios hispânicosna Amé-
rica não são colônias nem feitorias, mas sim parte
essencialda monarquia; b) possuem os mesmos di-
reitos de representaçãoe poder que os espanhóis
peninsulares.
Notícias vindas de Quito (ver Equador) contri-
buíram para imprimir maior dinâmica aos aconteci-
mentos que se estavam gestando. A violência da re-
pressãoespanhola na então Audiência de Quito foi
aproveitada por Narif,o para organizar uma conspi-
ração que, por infelicidade, fracassae leva os conju-
rados ao cârcere. Nos Llanos de Casanaye hâ uma
tentativa de formar um foco insurrecional e os Cabil-
dos de Pamplona e El Socorro depõem os Correge-
doresem nome de um poyo que os repudia.

A independência em marcha

Na capital o vice-rei Antonio Amar vê-se obri-


gado, sob forte pressão,a convocarum Cabildo aber-
to. Em 20 de julho de 1810 verifica-se esseaconte-
cimento e nessa ocasião Acevedo y Gómez. um dos
As independências na América latina 75

regedores, proclama o que os historiadores colom-


bianos chamam de a primeira ata da independência.
Acevedo y Gómez aceita a abdicação dos direitos
populares na pessoade Fernando VII, mas com esta
condição: que dom Fernando viesseem pessoa go-
vernar os granadinos. Como isto era impossível,quer
por estar o monarca prisioneiro de Napoleão, quer
estivessereinando, pois nunca viria para a América,
sucedeque a tal abdicaçãode direitos tornava-senula
evazia.
As lutas que se sucederam registram mil alte-
rações que podem ser sintetizadas assim: uma ten-
dência centralista - cujo porta-voz mais importante
era Nariffo - defronta-secom suaoposta, federalista.
Não se tratavade um conflito meramente doutrinârio.
O centralismo implicava uma perda parcial ou total
de poder para as elites dominantes provinciais ou re-
gionais. E essaselites não só pretendiam manter suas
posiçõescomo ampliâ-las sobre regiões e proúncias
que não eram as suas. Isto no campo dos que de-
fendiam a idéia da independência. Mas, além disso,
os partidârios da independência em sua totalidade
enfrentavam a tendência que desejavaa prolongação
do domínio colonial. Cartagena, por exemplo, rompe
todas as relaçõescom a metrópole e all de novembro
de 1811 declara-seindependente. Seu exemplo é se-
guido por outras cidades, que, do mesmo modo'que
Cartagena, rejeitam a pretensãode Bogotâ de impor
sua hegemonia sobre as outras. Simultaneamente,
no sul do país os partidârios da Coroa empreendem
76 Leon Pomer

uma reaçãoe a guerra irrompe nos valesdo Cauca.


Um primeiro CongressoGeral fracassaporque com-
parecempoucasprovínciase a tendência autonomista
e republicana parecegarantida. Surgemos Estadosde
Cundinamarcae Cartagena;as repúblicasde Ántio-
quía e de Tunja; os Estadosde Neiva e de Mariquita.
Mas a situaçãonão é unânime no sentido da ìnde-
pendência,porque os realistasse entrincheiram em
Santa Marta e em Cali, e em Popayân esfriam os
â.nimosem virtude da decisão de Pasto de lutar a
favor do rei Fernando. Duas guerras se superpõem e
entrelaçam;por um lado, centralistascontra autono-
nri:;tas;por outro, patriotascontra realistas.Isso não
inrpr:rleque Nariffo envie valiosaajuda a Bolívar, que
ç;Lr
:ì,"pnìr4vapara invadir a capitania da Venezuela
{ve: Verrr:nrela).Consegue-se constituir uma Confe-
-com
rler:rçãr' rtrasProvínciasUnidas, mas somente
cinr:ir'rielrl. A guerra civil continua destroçandoos
coionrbilrior; os interessesregionais (dos grupos
Ccminantcs,na verclade)prevalecemsobreos da inde-
penriÉ:ncia. Apesardisso,a 16 de julho de 1813con-
segue-seproclamar a independênciaabsoluta. Ape-
nas proclamar, porque os realistaslá estavam,com
força suficientepara pôr a independênciaem xeque.
E a situação lnelhora para essesopositorescom a
chegacla<leum excelentemilitar vindo da Espanha,
o generalPabloMorillo. Este retomoua capital, criou
um Conselhode Guerra com a missãode liquidar sem
piedadeos inimigos do rei e uma Junta de Seqües-
tros cujo nome diz tudo. O território do vice-reino
As independênciasna América Latina 77

ficou quase que totalmente em mãos cle Morillos,


e a corte elegeu um vice-rei, Francisco Montalvo,
que passou a exercer suas funções em Cartagena.

Bolívar: a libertação

Bolívar, numa das múltiplas transformaçÕes de


sua riquíssima vida de guerreiro, havia se refugiado
na ilha de Jamaica. Auxiliado por Alexandre Pétion
presidentedo Haiti, invadiu a Venezuela.onile aliou-
se ao general Santander, que estavareorganizancloar,
tropas do renovado vice-reino. Bolívar atravessouo:.
Andes - extraordinâriafaçanha- e invadiu as p('
voaçõesgranadinassituadasao pé da SerraniaOrien'
tal. Travaram-seviolentíssimas batalhase, numa de-
las, realizada no Pântano de Vargas, consegue su-
cesso,graçasà Legião Britânica que o acompanhava.
Em 7 de agosto de 1819 decidiu-se a sorte do vice-
reino na Ponte de Boyacâ. A capital foi libertada e o
inimigo teve que render-se em massa. Mas ainda
restavalibertar a própria Venezuela, pâúriado Liber-
lngo depois, a 17 de dezembro do mesmo ano,
ta<lq.rr.
unr Congressoreunidoem AngostuÍa,ao qual compa-
ceram t;rmbém deputadosvenezuelanos,determinou
a união entre a Colômbia e a Venezuela,dando ori-
genr à Grande Colômbia. Bogotá foi declarada a
ca.pitale Eolívar o primeiro chefe do novo Estado.
Comn primeira taref.a,foi necessárioacabar de lim-
par a Colômbia de realistas.Estes, sabendoque sua
7E Leon Pomer

causa estava derrotada, representadospor Morillo


aceitaram um armistício (25 de novembro de 1820),
que deu fim à cruel disputa.
Em princípiosde maio de 1821,nossojâ coúe-
cido Nariflo, libertado de dura prisão em Cadiz e
declarado por Bolívar vice-presidenteda República,
organizou um Congresso Constituinte. Enquanio
isso, o Libertador vencia em Carabobo (24 de junho
de 1821) uma de suas mais esplêndidas batalhas e
acabavacom o poder realista na Venezuela.A Grande
Colômbia jâ existia e a ela unir-se-iam a Junta Su-
perior de Guaiaquil (Equador) e posteriormente o
istmo de Panamâ. Complexos acontecimentosposte-
riores deterioraram a precária unidade e a Grande
Colômbia fragmentou-senos Estadosda Venezuela,
Colômbia e Equador, ficando o Panamâ como parte
integrante da Colômbia até segregar-se(ver Panamá).
Depois da fragmentação em 1829 os conservadores
dominaram a Colômbia durante 20 anos. Foram
declaradoscidadãos da república os que não viviam
em nenhum tipo de submissão, ou em outras pala-
vras, todos os que não fossem empregados ou ope-
rârios. Prosseguiu a antiga divisão de castas e os
escrayosnão foram libertados.E, mais ainda, permi-
tiu-se a exportação de sereshumanos. O Dr. Rafael
Núffe2, importante estadista, sintetizou assim a si-
tuação do país após o término das guerras pela inde-
pendência:"Na Colômbia não temosvice-rei, mas sim
dominadoresanônimos. Possuímosliberdade escrita,
mas não liberdade prãtica. Temos República, mas
As independênciasna América Latina 79'

somentede nome, porque a opinião não se expressa


atravésde seumeiolegítimo,o voto".

Equador

Produção e Sociedsde
A partir da conquista a sociedadeequatoriana
passa por diversastransformaçõesque a modificam
em suas estruturas sociaise políticas. Dominada a
massaindígena, será inicialmente distribuída como
mão-de-obra,sob o regimeque os espanhôisdenomi-
navamencomíenda.Aos poucosaparecemos poderes
locais com núcleos nas grandes fazendas. Na região
da serra, por exemplo, à encomíenda stcede um sis-
tema denominado de concertaje, pelo qual o Estado
perde o controle sobre a mão-de-obra. Constitui-se o
trabalho servil fora de qualquer controle estatalou, no
melhor dos casos, com insignificante supervisão. A
fazenda é um micro-Estado, anota um autor, com
força repressivaprópria e um aparelho eclesiâstico
que corresponde aos interessesdo fazendeiro. Hâ
uma produção artesanalna região da serrae dali saem
mercadoriaspara o pólo Alto-Peru (mineral de Potosí,
etc.). Mas as reformas borbônicasdo século XVIII
terminam por liquidar esseartesanato,já bastante
castigado pelo declínio do mercado ao qual enviava
seus excedentes.A província de Guaiaquil produz
cacau, que é exportado para a Nova Espanha (Mé-
EO Lecn Pomer

xico). Mas os produtores venezuelanosdo produto


(a célebre oligarquia conhecida como a do "grande
cacau") conseguemobstruir os caminhos clesseco-
mércio que serâ recém-estabelecidona época das re-
formas borbônicas. Entre 1779 e 1822 a exportação
de cacau (dois terços da produção total) passa de
58000 al4l021 cargas.O Estado colonial se centra-
liza, mas nunca consegueimpor-se decididamente
sobre os grandes proprietârios de fazendas. Estes
constituirão o fundamento do futuro poder político
dos latifundiârios, além de constituírem o funda-
mento do principal poder econômico do Equador,
poder esseque os donos de terras compartilham com
os grandes exportadores de tecidos e cacau. O es-
quema não é muito diferente de outras âreasdo impé-
rio espanhol. Além disso, igual às outras partes, a
liquidação da propriedade comunal indigena, defen-
dida pela Coroa, longe de transformar o índio em
assalariado,transforrna-oem verdadeiroescravoque
Ìornece tratralho gratuito. Quanto aos índios das
mitas, que trabalham por salârios,apósa deduçãodo
tributo que pagam à Coroa e do vencimento do padre
que os doutrina, acabam devendoa vida inteira para
os donos das fazendas. Outra forma de servidão.
De fato, o Estado colonial, administrado pelos fun-
cionârios que a Coroa envia da Espanha, quando
perde o controle sobre a mão-de-obraindígena, inicia
um processode progressivoenfraquecimento.
As independências na América Latina EI

Primeiros passos

Os índios, enquanto parte maioritâria da popu-


lação e parte oprimida até um grau insuportâvel, não
param de rebelar-se,de arrasar povoados, de execu-
tar funcionârios, etc. Mas não conseguem consti-
tuir um movimento unificado e de objetivos definidos
como o de Tupac Amaru (ver Peru). Obviamente a
aristocraciacriolla estevecontra essesmovimentos, e
igualmente contra aquelesem que participavam mes-
tiços (livres), com presençade intelectuais, padres e
membros de Cabildos. Mas estes aristocratas, par-
cialmente aceitos nas funções burocrâticas do Es-
tado, pouco a pouco entenderamque a "mãe-pâtria"
era injusta com eles, pois negava-lhesoportunidades
iguais às dos espanhóispeninsulares.Aqui como no
resto da América espanhola, o problema do poder
político mobilizou também os grupos economica-
mente mais poderosos. É claro que eles, como em
todos os lugares, não tinham a mínima pretensão de
modificar nada da estrutura social. lnteressava-lhes
realmente o livre comércio, uma vez que produziam
para exportaçãoe tudo aquilo que a dificultasse tor-
nava-seprejudicial para seusbolsos. Livre comércio e
monopôlio do poder político eram, portanto, o seu
programa. Os estratos sociais abaixo deste preten-
diam algo mais, ou muito mais. Pareceevidente que
nos fins do século'XVIII a maioria dos aristocratas
estava conspirando ou disposta a conspirar. Nessa
época foi intérprete das idéias de emancipação que
E2 Leon Pomer

estavamabrindo caminho o doutor Eugenio de Santa


Cruz y Espejo, indivíduo de origem humilde que,
graçasa bons protetorese decidido esforço, formara-
se em medicina, jurisprudência e direito canônico.
Não pareceter ficado alheio ao movimento de Tupac
Amaú, mas issonão lhe diminuiu as simpatias entre
os aristocratas que tendiam para a independência,
pois sabiam bem que os discursos de dom Eugênio
jamais atingiriam os indios. Nosso.doutorsofreu pri-
sões: da biblioteca pública, da qual era diretor, foi
diretamente para uma cela miserâvel. Morreu em
dezembro.de1795. Ao que parece, conhecia bem as
idéias da Revolução Francesa e os filôsofos que as
haviam anunciado.
Vamos agoÍa para 1809, quando hâ o que os
historiadores do Equador chamam de "revolução de
l0 de agosto". A conjuntura é conhecida:a Espanha
em guerra com Napoleão. Organiza-se em Quito
uma Junta Soberana que pretenderâ governar em
nome de FernandoVII. Encabeçam-naum marquês
e um bispo. A guarnição local a apôia e o presi-
dente da Real Audiência é notificado de que suas
funções terminaram. Foi um golpe pacífico, trans-
corrido - no dizer de um historiador - em meio a
uma "elegante urbanidade e completa distinção".
Golpe de aristocratas. Uma autoridade colonial in-
formou ao vice-rei do Peru: "O verdadeiro termo a
que aspiram é sua sonhada independência...". Não
se deixava enganar pelas palavras bonitas em favor
do rei Fernando.
As independências na América Latina E3

A burocracia colonial iniciou a repressãoe en-


viou, de Nova Granada (Colômbia) tropas com esse
objetivo. A Junta de Quito recrutou soldadose man-
dou-os combater os godos.tn Os soldados, pouco
interessadosno movimento dos que eram seusexplo-
radores diretos. foram desertando. Essa causa não
era deles.Os governadoresdas outras províncias que
compunham a chamada presidência de Quito (Po-
payín, Cuenca e Guaiaquil) negaram-sea acompa-
nhar a Junta quitenha. O vice-rei de Lima aderiu
energicamente à repressão. Em 28 de outubro a
Junta capitulou. Terminava um capítulo.

O movimento continus

A autoridade colonial restaurada prometeu cle-


mência aos vencidos. Provavelmentenão o fez por
generosidade de coração: não era conveniente agi
tar mais os ânimos de indivíduos que não eram pre-
cisamentea plebe. Mas no fim, longe de prevalecera
prudência, acabou dominando o critério repressivo.
Este ultrapassou os limites e atingiu grupos popu-
lares ainda não envolvidosna conspiraçãoderrotada.
Tropas dos vice-reinosvizinhos, enviadaspara impor
a ordem, excederam-seem suas atitudes e provo-
caram a reação irada de populares que de repente
viam-se roubados e assaltadossem haver tido arte

( 19) Denominação pejorativa dos espanhóis.


E4 Leon Pomer

nem parte nos negôcios da fracassada Junta de aris-


tocratas. A 22 de agosto de 1810 iniciou-se uma
reaçío violenta, mas desta vez pot parte das massas
populares. Em Quito foram assaltadosos quartéis
e libertados alguns presos políticos. A resposta dos
espanhóis não se fez esperar e em seguida sobreveio
uma verdadeira carnificina. A intervenção do clero
pôs fim à luta, com grandes baixas para os conten-
dores. Houve uma assembléia de pessoas importan-
tes, convocada pela autoridade colonial e estabele-
ceu-seum tipo de acerto. Formou-se uma Junta Su-
perioi de Governo que, de certo modo, era um pro-
longamento da de 10 de agosto de 1809. Os Cabildos
de Cuenca e Guaiaquil e o vice-rei do Peru não to-
maram conhecimentoda Junta. Passou-sede novo à
guerra aberta. Houve batalhas e não foram raras as
ocasiõesem que os índios preferiram aliar-se às ar-
mas do rei contra as daqueles que se apresentavam
como patriotas. Para os índios, o problema social era
mais importante que a independência.O rei os havia
protegido, ou pelo menos eles assim haviam enten-
dido. Entre os partidârios da independênciaestavam
os donos das fazendas,seuspatrões. Estes, apesar do
perigo que os ameaçava, lutavam entre si. A 19 de
dezembro de 1812 travou-se uma batalha decisiva e
mais uma vez triunfou o regime colonial. A Presi-
dência de Quito foi plenamente restaurada, como
nos melhorestempos.
As independências na América Latina E5

Passosposteriores

Uma pequena esquadra naval armada pelo go-


verno de Buenos Aires e comandada por William
Brown começou a policiar, desde os fins de 1815,
o litoral do Pacífico, ingressando inclusive no golfo
de Guaiaquil. Buenos Aires cuidava de alentar os
movimentos rebeldes.Em 1819, os chilenos, coman-
dados pelo almirante Alexander Cochrane come-
çaram a assediar por mar os realistas estabelecidos
em portos do mesmo oceano. Os triunfos de Bolívar
em Nova Granada (Colômbia) e de San Martín no
Chile e no Peru sem dúvida trouxeram novo ânimo
para os que desejavam livrar-se do domínio espa-
nhol. Em 9 de outubro de 1820 civis e militares
proclamaram em Guaiaquil a emancipaçãopolítica.
Constituiu-se uma Junta de Guerra e o peruano Gre-
gorio Escobedo foi nomeado comandante militar.
léon de Febres Cordero foi designado chefe civil da
província, mas negou-se a aceitar o cargo, que foi
ocupado pelo poeta José Joaquín Olmedo. Pouco
depois elaborou-seum Regulamento ou Carta Polí-
tica c foi reorganizado o Cabildo de Guaiaquil. A
província do mesmo nome autodeclarou-seem "in-
teira liberdade à grande associaçãoque lhe convier,
das que sehão de formar na América do Sul". Entre-
tanto, o poder militar colocado nas mãos do senhor
Escobedo,jâ se estava fazendo sentir, tentando so-
brepor-se ao poder civil. Em fevereiro de 1821 che-
gou um enviado de Bolívar - o general José de
Eó Leon Pomer

Mires, espanhol de nascimento - com armas e ofer-


tas de assessoriamilitar. San Martín colaborou outro
tanto, remetendo carabinas e a pessoa do coronel
Toribio de Luzuriaga. Também veio a Guaiaquil o
coronel Tomâs Guido, na qualidade de represen-
tante diplomâtico de San Martín. Tratava-se de re-
forçar o que os habitantes de Guaiaquil já haviam
feito por si prôprios, mas em troca da ajuda os en-
viados de San Martín propunham a anexação da pro-
víncia ao Peru, que jâ estava quase livre do domínio
do vice-rei. Em Quito, contudo, continuava firme o
poder espanhol. E ainda mais, apto a enfrentar com
vantagem as tropas de Guaiaquil, o que efetivamente
aconteceuapesar da ajuda recebida de Bolívar e San
Martin. É claro que houve desânimo, mas este logo
cessou quando se'apresentou um forte auxílio da
Colômbia e com a presençade um dos grandes sol-
dados da América, o general Antonio José de Sucre.
Claro que nada era gratuito. Bolívar pretendia con-
seguir a anexaçãode Quito e Guaiaquil à Colômbia,
mas a Junta de Governo de Guaiaquil aceitou apenas
colocar-se"sob a proteção da Colômbia". Sucre ob-
teve alguns êxitos e outras tantas derrotas. Nova-
mente apareceuem auxílio San Martín, com tropas
comandadaspelo coronel Santa Cruz, que anos mais
tarde seria presidente de uma efêmera Confederação
peruano-boliviana. Em 24 de janeiro de 1822 ficou
definitivamente assegurada a independência do
Equador. Virâ depois a anexaçãoà Colômbia, uma
dramâtica entrevista entre San Martín e Bolívar.
As independências na América Latina E7

precisamente em Guaiaquil, e a retirada do primeiro


à vida privada. Iniciar-se-â outra etapa que haverâ
de conduzir ao Equador independente e que não
podemosconsiderar aqui.

Brasil
Antecedentes

Talvez seja pertinente assinalarmos - ao menos


os mais imediatoS - a chegada da Corte portuguesa
às costas do Brasil. Ocorreu em 1808 e teve amplas
conseqüências.A pequena aldeia que era o Rio de
Janeiro povoou-se de homens da Corte com retum-
bantes útulos nobiliârios. As mais de 10000 pessoas
que acompanharam o príncipe-regenteDom João VI
e sua mulher, Carlota Joaquina de Bourbon (irmã de
Fernando VII, proximamente rei de Espanha), trou-
xeram consigo lupos ignorados, prazeres desconhe-
cidos na cidadezinha ústica e primitiva. E, sobre-
tudo, trouxeram ó apreciado hâbito de viver às custas
do orçamento ofipial, de receber dotações e desfrutar
privilégios. Os
fiajantes foram protegidos em sua
travessiaultramarina por uma frota inglesa coman-
dada pelo almirante Sir Sidney Smith, e Dom João
teve que ceder às solicitaçõesde seusprotetores, san-
cionando leis extremamente favorâveis a eles e in-
cluindo em seu gabinete brasileiro ministros extre-
mamente sensíveis às sugestõesbritânicas. Estas,
EE Leon Pomer

diga-se de passagem, eram sussurradÍìse reclama-


das, conforme exigissem as circunstâncias, pelo ca-
valheiro lord Strangford, antes embaixador em Lis-
boa e agora no Rio de Janeiro. Por isso que ao chegar
à Bahia, antes da fixação definitiva no Rio, Dom
João liberou por meio de uma penada o intercâmbio
comercial, abrindo os portos ao livre comércio com
todos os países.Apesar de ter a medida carâter pro-
visório - e isso ficou expressonos respectivosconsi:
derandos, quando a proteção inglesajá não era tão
imprescindível- a possibilidade de voltar atrâs era
inexistente. Um dos pilares essenciaisda relação co-
lonial Portugal-Brasil havia sido liquidado: o mono-
pôlio comercial, herança de um mercantilismo ao
qual se haviam aferrado os governantesde um reino
atrasado quanto ao desenvolvimentocapitalista, já
em marcha na Inglaterra, França e Holanda.
A Corte permaneceuno Brasil atê 1821, data em
que D. João retornou, desta vez acompanhado mais
ou menos lor uma terça parte daqueles que tinham
vindo com ele em 1808. A maior parte da nobreza
permaneceuaqui, seja por causa de casamentosvan-
tajosos, seja por haver iniciado negôciosainda mais
vantajosos.E o prôprio D. João teria permanecido,
não tivesseocorrido uma revolução em Portugal em
1820, que o despertou de sua indolência e o fez
lembrar-sede que sua própria Coroa estavaem risco.
Mas até aí a Inglatena jâ obtivera tarifas alfande-
gârias privilegiadaspara introduzir suas mercadorias
e estas, obviamente, inundaram o Brasil. tal como
As independências na América Latina E9

acontecia no resto da América, sob as mesmas cir-


cunstânciasfavorâveisaos britânicos. EsÍorços para
criar indústrias metalúrgicas e têxteis acabaram fra-
cassando pela impossibilidade de competir com os
produtos estrangeiros.A população, dividida em pri-
meira instância entre homens livres e escrayos, era
provavelmente de 2000000 para os primeiros e
1000000 para os últimos em 1800. O fundamental
da economia (a produção de açúcar) centrava-seno
trabalho escravo.O Brasil era uma sociedadeescra-
vocrata.
Nos fins de 1700 a produção de açúcar e sua
exportação haviam caído sensivelmente;a de ouro
estavaem virtual colapso. As grandes fazendas agú-
colas (a unidade produtiva por excelência,na época)
retraem-seem si mesmas e, apesar de ainda mante-
rem certos laços mercantis, iniciam um processode
economia de subsistência.Atenua-se o trâfico de es-
cravos e a exportação que se segue faz diminuir
consideravelmenteo poder que vinham exercendoos
mercadoresde além-mar. Além disso,'osfazendeiros
necessitammenos que antes do apoio financeiro dos
mercadores,de modo que hâ uma emancipaçãocon-
siderâvel, ainda que relativa, da dependência dos
primeiros. Ê proibido criar indústrias e ocoÍre uma
certa diversificação da produção, jâ menos exclusi-
vista quanto aos produtos exportáveis.Não obstante,
a colônia brasileira importa aÍïoz e trigo, carne seca,
óleo, azeite, trigo e manteiga. Um país eminente-
mente agrícola, com imensas superfícies de terras
90 Leon Pomer

virgens e abundante mão-de-obra, mostra-se incapaz


de produzir seu alimento. Provavelmente o segredo
disto reside no escravismo obstinadamente monocul-
tor. A massa de dinheiro em mãos dos empresários
agrícolas diminui em virtude de um certo retrocessoa
uma economia natural. Em conseqüência,cai a de-
manda de produtos manufaturados importados. E
em épocasde vacas magras, como parecem ser as que
aludimos, o fisco da administração colonial torna-se
mais pesado. Haverâ mal-estar. Assinala Faoro em
seu admirável Os Donos do Poder que o liberalismo
nascente, concebido como ruptura do monopólio
mercantil português e não mais que isso, associa-se
às idéias nascentes do liberalismo francês. "únicas
idéias então disponíveis para colorir a revolta". Co-
lori-la, estâ claro, porque Rousseaue seu radicalís-
simo projeto democrâtico ficam fora do campo de
inleressesdos fazendeiros, ainda que certamente te-
nham seduzidoalSum intelectual, leigo ou de batina.
As fazendas, particularmente as'mais afastadas
dos míseros centros urbanos, tendem à autarquia,
tornam-se mais rusticas, entram num maior isola-
mento, fazem-se autônomas. A diminuição da de-
pendência do empresârio agrícola em relação ao co-
merciante da cidade fortalece os poderes locais.
Entretanto, com a mudança da Corte para o Brasil, o
antigo mercador de produtos ultramarinos torna-se
beneficiârio de rendas e adquire - quando consegue
- novos privilégios, tais como abastecer a Corte,
participar de negociatas, receber créditos. O mer-
As índependências na Amértca Lqtína 91

cador porhrguêsrodeia a Corte: é a relaçãoentre as


moscase o mel. O fazendeirodistancia-sedo abso-
lutismo real, diante do qual defendeas prerrogativas
inerentesao exercíciode um poder limitado social e
geograficamente,mas de todo modo um poder. O
latiftindio recebehomens livres carentesde terras;
o latifúndio enche-sede agregados,de camponeses
que, em troca de um pedaçode terra paÍa a subsis-
tência, dão trabalho gratuito ao s€usenhore estabe-
lecemcom esteum vínculo de dependênciapessoal.
A dicotomiaescravo-senhor torna-semais complexa.
Há tambémuma dicotomiaentreo senhore o branco
pobre. E entre estee o escravo,que é a prôpria base
da pirâmide social.

Dísputasburocráticase outras

Os autoresbrasileiroscoincidem:os nobrese fi-


dalgos recém-chegados prendem-sefervorosamente
àsmamasdo orçamentooficial. A elescabea porção
maior e mais saborosa. Os antigos funcionârios
vêem-sepreteridos. Os donos de terras e escravos
passama ser conformadoscom útulos e condecora-
ções de papel pintado. Entre 1808 e 1820 o orça-
mento oficial aumentaextraordinariamente.Cria-se
um Bancoque terâ existênciaefêmerae que na ver-
dade não servepara financiar a produção, mas sim
para engordar o parasitismo. Para completar, a
Corte recém-chegada requisita as melhorescasasdo
92 Leon Pomer

Rio de Janeiro, as châcaras e as fazendas mais


atraentes para desfrute dos nobres aviltados. Au-
mentam os rancores. Os donos dos prédios e das
terras recebem aluguéis que não compensam. Esses
mandões recém-chegados, arrogantes e bem vesti-
dos, têm a úrtude de engendrar violências. Além
disso, a vinda em massa de comerciantes ingleses
desfavorece numerosos poúugueses que, além de
tudo, haviam ficado isolados de seus fornecedores
localizados na metrópole ocupada por Napoleão. As
útimas não chegarão a morrer de fome, mas com um
cérebro apegado às prâticas monopolistas, a nova
situação as contraria e prejudica. A aristocracia tra-
dicional - aristocracia do latifúndio escravagista -
sente-se solidâria com os burocratas preteridos e
vice-versa. Daí vão sair as idéias separatistas. Os
mais altos graus do exército ficam resenados para
oficiais portugueses,mas a tropa serárecrutada entre
a população pobre e não poucas vezespela força. Na
medida em que isso representavauma perda de mão-
de-obra, os fazendeirosnão o viam com bons olhos.
Sem ignorar que invejavam os luxuosos e col-oridos
uniformes militares que estavam proibidos de usar.
Porém, o conflito fundamental, ao qual se subordi-
nam todos os outros, estabelece-se entre o monopôlio
e o livre comércio. Produtores para exportaçío -
como seus congêneres na América espanhola - os
latifundiârios estavam fartos de depender dos mono-
pólios para suastransaçõescomerciais.
As independências na América Latína 93

A Corte etn Portugal

Jâ dissemos que retornou no ano de 21. Em Lis-


boa as Cortes (o Parlamento) asseguraram alguns
representantespara o Brasil. Mas isso pouco impor-
tava porque, de fato, estavam dispostos a lazer a
situação retornar a um ponto para o qual jã náo
havia retrocesso. Dispôs-se que os governos das pro-
víncias deixariam de depender do Rio de Janeiro e o
príncipe D. Pedro - futuro Pedro I - viu-se manda-
târio de apenas uma cidade, ou quando muito uma
proúncia. E, o que é mais grave, viu-se com o te-
souro vazio e o Banco em estado de falência. Em
todas as partes surgiram Juntas locais e provinciais
que se negaram a pagaÍ impostos para o Rio de
Janeiro e estabeleceram laços diretos com a Coroa,
agora radicada em Lisboa. Para cúmulo, as Cortes
lisboetas eliminaram no Brasil as cortes de justiça,
as juntas de comércio e outros tribunais e estabele-
cimentos que D. João havia instituído. Os funcionâ-
rios suspensossomaram-seaos descontentes.Foram
nomeados os governadoresde armas nas proúncias e
o Brasil, que em 1815 havia sido elevado à categoria
de reino, via-se agora rebaixado bruscamente à an-
tiga qualidade de colônia. Um Portugal decrépito
não tinha para o Brasil outra fôrmula a não ser a
restauração do laço colonial tal como se havia dado
nos bons tempos de outrora. Mas isso era impossível.
Os pólos de atração eram outros. O velho mercanti-
lismo era um farrapo imprestâvel. O capitalismo tra-
94 Leon Pomer

zia melhores oportunidades para os que lhe ofere-


ciam sua produção. As prâticas monopolistas esta-
vam superadas. O capitalismo europeu, além do
mais, era compatível com a sociedadeescravagista.
Ao menos por enquanto. Exigia apenas a liberdade
de comercialnar e fazer circular as mercadorias. De
modo que a independênciafoi proclamada a7 de se-
tembro de 1822, e a t2 de outubro o Brasil teve
D. Pedro I como seu Imperador. Aconteceram mui-
tos fatos que não relatamos aqui. Mas a sociedade
ficou inalterada. No comércio de grande monta pre-
ponderaram os ingleses; no campo, os fazendeiros
escravagistas.Os naturais de alta extração ou for-
mados em direito pela Universidade de Coimbra,
atingiram os postos elevados da administração pú-
blica. Os melhores galardõesmilitares já não coube-
ram exclusivamente aos portugueses. Diferente-
mente da América espanhola, não houve gueÍTas
contra o antigo dominador. Não houve, pois, devas-
tações,sangriasprolongadas, chefes militares. Quer
dizer, os fazendeiroso eram de certa maneira, mas
nunca tiveram sob seucomando fortes exércitos mais
ou menos bem armados e treinados. O poder central
mudou de mãos, é certo, mas não existiu a ruptura
que se verificou em quase toda a América Latina.
A independência brasileira consumou-se pacifica-
mente. Houve ajustes,conchavos,acordosentre gru-
pos econômicose políticos que discordavamentre si.
Mas o país tinha um Imperador e este suscitavaleal-
dadesmais firmes que os chefesambiciososque apa-
As independências na América Latina 95

receram em vários pontos do resto do continente.

Argentina
Populaçõo

Ãs vésperasdos primeiros movimentos que ha-


veriam de conduzir à independência, o que hoje é a
Argentina não devia atingir meio milhão de habi-
tantes. Em estimativas verossímeisformuladas por
Diego de la Fuente' teriam existido 40ó 000 pessoas,
das quais 92000 na proúncia de Buenos Aires e,
destas,a metade na cidade e porto do mesmo nome.
A Argentina era na verdade um deserto com bolsões
populacionais(Buenos Aires, Côrdoba, Tucumân,
Salta, Mendoza, etc.), freqüentemente mal interl!
gados.

A socíedade

No cimo da pirâmide encontramos os altos fun-


cionários da burocracia colonial, o alto clero, os
poderososcomerciantesde produtos ultramarinos do
porto de Buenos Aires, e secundariamenteos da ci-
dade de Salta. vinculados ao trâfico com a Bolivia

(20) Primeiro Censo da República Argentina, realizado sob a direção de


Diego de la Fuente. Publicação oficial, Buenos Aires, 1870.
96 Leon Pomer

(então Alto Peru), o Peru e outros portos do Pacífico.


Em cada cidade, um grupo de personagensde boa
linhagem (de "sangue limpo", descendentessupostos
ou reais dos conquistadores), donos de terras, de
gado, de minas (quando existentes),de canaviais, às
vezes,constituíam o grupo dirigente e dominante. No
momento da independência a escravidão era eminen-
temente doméstica e o trabalho servil limitava-se a
âreas do norte e do noroeste, com tipos de exploração
agrícola que empregavam mão-de-obra intensiva-
mente. A maior parte da'massa de trabalhadores,
empregada nas tarefas pecuaristas ou envolvidas em
economias de subsistência, desconheceuas extremas
violênciasprôprias'das plantaçõestropicais e explo-
ração de minas. [Jma "classe média" constituída por
pequenose médios comerciantes(dos quais não pou-
cos eram itinerantes), médios criadores de gado, em-
presâriosde carretas, alguns profissionais de origem
não aristocrâtica e funcionârios de médio e baixô
nível, ainda que tivessemum estatuto social preciso,
desconhecia,fundamentalmente, a discriminação ra-
cial que imperava em outras áreasdo império colonial
espanhol. Existiam índios incorporados à produção
nas regiõesem que preponderavaa servidão.Nas pla-
níciescentrais, Patagônia,Chacoe litoral, uma quan-
tidade indefinida de nativos vivia marginalizada das
estruturas sociais coloniais, misturada a uma popu-
lação branca e mestiça que sô ocasionalmenteparti-
cipava dos processosprodutivos, mas que fundamen-
talmente encontrava-se em permanente moyimento.
As independências na América Latina 97

O domínio do grupo mercantil de Buenos Aires


era mais absoluto que, provavelmente,o de qualquer
outro grupo colonial em qualquer outra das colônias.
Isso porque as estruturas produtivas para a expor-
tação careciam de maior significado, sendo que o
principal produto exportâvel era o couro e outros
derivados do gado, que se reproduzia livremente nas
vastas planícies, com escassíssimaintervenção da
mão do homem. O trâfico com o Alto Peru (minério
de prata de Potosí e zonas adjacentes)movimentava
do porto produtos manufaturados e alimentos cle
luxo importados, bem como mulas para transporte,
vários tipos de artesanato, etc. No sentido oposto
regressavaminério de prata em elevadas quantida-
des. Este trâfico construiu o poderio econômico da
burguesiacomercial de BuenosAires e, como foi dito
acima, de Salta, sem esqueceros grupos menoresem
vârios pontos da rota para o Alto Peru e Chile.

As contradições

Na conjuntura que implicava uma Espanha


ocupada por Napolelo e a caduquice da autoridade
real, eclodiram as seguintes contradições, que na
verdadenão eram novas:
a) monopóliose proibições próprias do mercan-
tilismo espanhol (liberalizado pelas reformas bour-
bônicas)contra o desejogeneralizadode livre comér-
cio e liberdade de produção;
9t . Icon Pomer

b) de uma maneiÍa mais específica, contradição


entre os mercadores monopolistas ligados principal-
mente ao porto de Cadiz, e aqueles que, excluídos do
monopólio, deviam expor-se aos perigos do contra-
bando;
c) contradição entre o monopólio dos espanhóis
sobre os cargos públicos fundamentais e os anseios
dos criollos (e não eram poucos os economicamente
poderosos) de valer-se dos cargos administrativos
como forma de ascensãosocial e econômica, ou para
traçar, de dentro do poder, políticas mais adequadas
a seusprôprios interesses.
O fundo da controvérsia residia no confronto
entre os restos do mercantilismo próprio de monar-
quias absolutas de formações sociais pré-capitalistas
e o crescente liberalismo que emergia do modo de
produção capitalista, em franca expansãoa partir da
Inglaterra, França, Holanda, etc. Controvérsia não
somenteno terreno dos fenômenoseconômicos.mas
também no nivel social e cultural. Socialmente, os
valores hierârquicos da sociedade colonial estavam
praticamente caducos diante da expansão do di
nheiro. Culturalmente. as velharias clericais da lda-
de Média opunham-se às idéias do lluminismo e da
RevoluçãoFrancesae Norte-Americana.
Em 25 de maio de 1810 formou-se em Buenos
Aires uma Junta de Governo em nome de Fernando
VII, o rei prisioneiro de Napoleão. Repetia-seo mes-
mo procedimento de outros lugares da América espa-
nhola. Não houve, pois, inicialmente, uma decidida
As independêncías na Atnérica Latina 99

proclamação de propósitos de independência, mas


sim a decisão - sincera para alguns, fingida para
outros - de preserrar as colônias do perigo que
implicava Napoleão, cujos objetivos, por outro lado,
eram apoderar-se delas, ou na pior das hipóteses,
evitar que retornassemao poder da Espanha e caís-
sem nas mãos da Inglaterra.
A Junta de Buenos Aires enviou exércitos para o
Paraguai e Alto Peru, a fim de assegurar sua hege-
monia sobre essas remotas regiões do vice-reino, e
obviamente para evitar que os realistas atacassem a
partir delas. Tratava-se disso, estâ claro, mas igual-
mente de evitar que os grupos regionais dominantes
no nível econômico se deixassem seduzir por tenta-
ções autonomistas. No que toca ao Lado Oriental do
Rio da Prata, lâ os fatos se desenvolveram de ma-
neira muito diferente, porque contrariamente ao que
ocoÍTeu em Buenos Aires, houve um verdadeiro le-
vante popular liderado por um chefe, José Artigas,
que não demorou para tornar-se suspeito aos líderes
portenhos (no capítulo sobre o Uruguai iremos es-
tender-nos um pouco mais sobre os acontecimentos
no outro lado do Prata). Digamos que no Alto Peru e
Paraguai os exércitos da Junta fracassaram, mas na
segunda região foi deposto o governador espanhol e
criada uma Junta de governo que pretendeu ser autô-
noma não sô em relação a Fernando VII, mas tam-
bém a Buenos Aires (falaremos disso no capítulo
sobreo Paraguai).
O grupo dirigente de Buenos Aires, ou pelo
100 Inon Pomer

menoso que acaboupor impor-se, pretendia liber-


tar-se de uma Espanha que havia perdido transito'
riamentea sua soberania,mas semmodificar econô-
mica, política e socialmentea estrutura do vice-
reino. O poder devia contint 4l sgntralizado,só que
não em mãosda burocraciacolonial. As relaçõesso-
ciais e de propriedadedeviampermanecertal como
estavam,com o povobaixo semvoz nem votos,e com
oscrtoilosricosou de estirpemandandoem lugar dos
antigos empregadosda Coroa. Chefes populares,
comoJoséArtigas, massasmobilizadas,como as do
Lado Oriental; programas revolucionfuioscomo os
que levantaria o cheÍe uruguaio estavam fora dos
planos e previsõesdos que se propunham, quando
muito, a abrir ascomportasà liberdadede comércio,
rornperos monopóliosque constituíamuma herança
ca,rlncado mercantilismoespanhole chegarà direção
da coisapública. Nada que pudessedesequilibrara
ordem hadicional era bem visto. E, se idéia tão
"sinistra" existiu no cérebrode algum ideôlogo, sa'
bernosqueDaprâtica não funcionou.
Entre os chefesmilitares que mais se destaca'
rarn na luta contra os espanhôisinclui-seo advogado
e econcmistaManuel Belgrano,a quem os aconteci'
mentos da vida transformaram em general e, além
disso,criador da bandeira nacional e articulador de
doismagníficostriunfos sobreo inimigo. Mas a figu-
ra principal da independênciafoi Joséde San Mar'
ún, nascidonas missõesjesuíticasno lar de um obs-
curo funcionârio colonial, educado na Espanha e
,4sindependências
na AmértcslÃtina l0l

San Martín
t02 Leon Pomer

com uma brilhante carreira militar, inclusive contra


os franceses de Napoleão. Quando San Martín re-
gressouao Prata era um homem maduro com uma
vasta experiênciacastrenseque logo poria em prática
em favor de uma causa que era oposta à que havia
servido até então na Península. Depois de um pe-
queno triunfo na localidade de San Lorenzo (proún-
cia de Santa Fe) contra forças navais realistas que a
partir de sua base em Montevidéu incursionavam
pelo rio Paraní, organizou em Mendoza o exército
que libertaria o Chile e que posteriormente iria para
o Peru. As principais batalhas de San Martín na
guerra da independência foram travadas - e venci-
das - no Chile. Soldado vitorioso no Peru, antes de
se enfrentar com Bolívar - no que ameaça ser um
graveconfronto entre homens que lutavam pela mes-
ma causa -, preferiu abandonar o terreno para o
ardoroso venezuelano e retirar-se definitivamente à
vida privada.
Outra personagem que merece ser destacada
por sua atuaçãocontra os realistasé Martín Güemes,
um aristocrata da província nortista de Salta ao qual
San Martín confiou a dura tarefa de conter o inimigo
que, partindo do Alto Peru, tentava avançar para o
sul. Güemes cumpriu a tarefa com notâvel eficâcia e
soubegranjear a confiança dos gaúchosde Salta, aos
quais transformou em notáveis guerrilheiros.
Diferentemente de outras terras americanas - a
Venezuelapoderia ser um exemplo - o poder rea-
lista sucumbiu facilmente na Argentina. As mais
As independências na América Latina 103

duras batalhas pela independência travaram-se na


verdade em outros palcos. Em 1816, um Congresso
reunido na cidade de Tucumân, fortemente pressio-
nado por San Martín, declarou a independência,
acabando com a ficção de governar em nome de
Fernando VII de Espanha.

Uruguai
População e sociedade

O antigo Lado Oriental do Rio da Prata e mais


tarde, durante certo período, a Proúncia Cisplatina
do Império brasileiro, era, no momento em que
começavaa luta pela independência, uma região de
população muito escassa,com apenas uma cidade
importante, Montevidéu, e o restante do territôrio
empregado na criação de gado bovino. O Uruguai
praticamente desconheceu a escravidão - exceto a
doméstica - e a seruidão, tão difundida nas âreas
andinas do império espanhol. Foi região de homens
relativamente mais livres que quase todas as outras
do vasto espaço colonial ibérico. A pecuâria exten-
siva exigiu pouca mão-de-obra, e esta não pôde ser
submetida às violênciasextremas do regime escrava-
gista e/ou servil. Montevidéu abrigou uma burguesia
mercantil que transformou a cidade num conside-
rável entreposto de manufaturas européiase local de
concentração dos produtos nacionais destinados à
104 Leon Pomer

exportação. A classe dirigente (funcionârios colo-


niais, donos de estâncias,grandes comerciantes)es-
teve menos imbuída dos valores aristocrâticos que
outras do continente americano. E além disso os
campos, sobretudo nas regiões prôximas do Rio
Grande do Sul e às antigas missõesjesuíticas, eram
povoadospor uma massa itinerante de marginais a
cavalo, sem ocupação constante e, portanto, não
incorporadosa produção regular alguma.

Encravemercantil

A independência do antigo Lado Oriental do


Rio da Prata constitui um processocujos atores são o
próprio povo oriental, é claro, os impérios de Portu-
gal e Espanha e a Grã-Bretanha. Serâ preciso come-
çar assinalandoa rivalidade mercantil entre Buenos
Aires e Montevidéu, cada-uma sede de uma bur-
guesia de mercadoresansiososde reservar para si a
hegemoniacomercial no Prata e nas terras interiores.
O negócio consistia em importar produtos manufa-
turados, bebidas de alta qualidade e tudo aquilo que
a ãtea pratensenão produzia e levar até os povoados
do interior, até mesmo os mais distantes dos portos.
Em troca disso obtinham couros e outros produtos
bovinos que eram crescentemente solicitados por
uma Europa que utilizava estescouros nas minas, na
produção de sapatos e botas, etc. E, realmente, o
Lado Oriental era uma terra excelenteparr a repro-
As independências na América Latina 105

dução do gado, cuja carne começou a ser utilizada


nos fins da colônia para a fabricaçãode charque. Para
os produtores de BuenosAires (e secundariamenteda
província de Entre Rios) o Uruguai era uma reserva
de terras não imprescindível para eles naquele pe-
ríodo imediato. Para o Rio Grande do Sul o Uruguai
era o grande criador de gado que superavaem quan-
tidade, qualidade e baixo preço o seu próprio. Di-
gamos finalmente que, para os grandes interesses
mercantis europeus,Montevidéu era um encraveper-
feito, não só pelas excelências de seu porto, mirs
também porque os rios Uruguai, Paranâ e seus
afluentes representavamrotas interiores de enorme
valor para o trânsito de mercadorias. E porque a
curta distância - relativamente - entre o Lado
Oriental e o Rio Grande do Sul podia ser percorrida
facilmente por terra ou por mar, ou combinandc cl
trâfego fluvial com o terrestre.

BuenosAires e governoautônomo

Jâ se disseno capitulo dedicado à Argentina que


o processoda independência começou em maio de
1810 pela formação de uma Junta de Governo autô-
noma da Espanha, mas organizada em nome do rei
prisioneiro,Fernando VII. Essajunta, conforme se
assinalou,pretendeu impor o seu domínio sobre toda
a expressãogeográfica ocupada pelo Vice-reino dc
Rio da Frata, cujo poder havia decaído, precisa-
r0ó Leon Pomer

mente pela ação da aludida Junta de Governo. O


Lado Oriental devia ficar sob suajurisdição ou domí-
nio, e issoera de extrema importância, pois além dos
motivos puramente mercantis - gue não eram pou-
cos - acrescentavam-serazões de segurança: em
Montevidéu estavaancorada uma esquadra de guer-
ra espanhola que podia chegar a constituir um mo-
tivo de preocupação rr4ra os novos chefes políticos
de BuenosAires. A partir de Montevidéu,igualmen-
te poderia agir eventualmente o poder português,
que não só pretendia anexar definitivamente o Lado
Oriental como também incluía a pessoada princesa
CarlotaJoaquina(irmã de FernandoVII de Espanha
e esposade D. JoãoVI, cabeçada monarquia portu-
guesa agora radicada no Brasil), que ambicionava
coroar-se rainha ou algo parecido nas terras que o
desgraçadoFernando não podia continuar susten-
iando como próprias.
Para ficar assegurada,a autonomia de Buenos
Aires exigia o controle poútico do Lado Oriental;
os interessesdo monopólio comercial portenho -
para continuar sendo efetivamentemonopólio - pe-
diam igualmente o domínio de Montevidéu e do res-
tante dessaregião.

Primeiros anos de luta

Em janeiro de l81l chegaa Montevidéuo cava-


lheiro Xavier de Elío, portador dos títulos de Vice-rei
As independêncías na Améríca Latins rul

e Capitão Geral que lhe outorgou um semi-fantas-


mâtico Conselho de Regência que Íaz as vezes de
autoridade na Península, atê que Fernando VII ob-
tenha sua liberdade, se é que haverâ de obtê-la. O
senhor Elío não foi aceito pelos autonomistas de
Buenos Aires, e no prôprio Lado Oriental suscitou
resistências porque as medidas fiscais que impôs
para obter recursos foram mais que imprudentes.
Mas suas imprudências não terminaram aqui, por-
que às mencionadassomou-seum Regulamento im-
posto em janeiro de 1811 pela Junta de Comércio de
Montevidéu que defendia apenasos interessesexclu-
sivosdo comércio monopolizador. E se ainda faltava
algo, issoconsumou-secom as levas forçadas de gaú-
chcrsrecrutadas em nome do Vice-rei pelos chefes
militares do campo. No fim, acabou por criar-se um
descontentamentogeneralizado.E se no próprio mês
de janeiro do ano de 1811 Elío declarou guerra à
Junta de Buenos Aires, pouco depois, a 28 de feve-
reiro, aconteceuo "grito de Asencio" - proclamado
por um grupo de patriotas autonomistas. O capitão
de Blandengues,2tJoséArtigas, ao voltar de Buenos
Aires, onde fora oferecer os seusserviçosà Junta de
Governo, entrou em ação no mês de abril, e o Lado
Oriental inteiro - inteiro, sem exagero nenhum -
levantou-secontra a autoridade de Elío sob a chefia
do líder qrle estavaemergindo. A 18 de maio, Artigas
à frente de um exército singular, reforçado por du-

(21) Corpo de exército encarregadoda ordem nas âreasrurais.


l0E Leon Pomer

zentoshomensque Belgrano saivarade suas derrotas


no Paraguai, estâ diante da cidade de Montevidéu e
venceos realistasem Las Piedras.Foram necessârios
menos de três mesespara liquidar de fato o poder
realista no Lado Oriental; apenas Montevidéu con-
tinuava em poder do inimigo. Fora da capital domi-
navam gaúchos pobres, índios, mestiços, negros e
grupos de fazendeiros que haviam aderido ao rnovi-
mento. Dominava, acima de tudo, uma massapopu-
lar heterogênea,mas unificada em torno de um chefe
que seconsubstanciavanela.
Elio, contudo, solicitou o auxílio da Corte portu-
suesa no Rio de Janeiro e não demorou muito para
ilue esta enviasseo exército "pacificador", sob o co-
rnander de Diego de Souza. Em Buenos Aires as
coir'as não andavam bem. Dissidências no seio da
Junta e notícias de derrotas feias no Alto Peru, so-
n,arjas ao receio de ver um povo em armas no Lado
r,JrlerlÌai.levararna pactuar com o inimigo. Em 23 de
letçnrilro c goïerno de Buenos Aires, agora denomi-
na,do 'í riunvirato. assinou um armisúcio com Elío:
este se rornprometia a deter o avanço dos portugue-
ses, mas reruprrava o controle não apenas do Lado
$ricrital. que havia perdido, mas também de uma
pa*e du província de Entre Ríos. É de se imaginar o
desânimo que $e espalhourentre as tropas de Artigas
e a raiva por terem sido roubados do que o seu
esforço havia legitimamente conquistado. Foi a pri-
meira traição às massaspopularese um claro indício:
a Junta de BuenosAires pretendia dominar, mas sem
As independênciqs na América Latina l(B

recoÍTer a parceiros inquietantes. No novo regime


político que imaginava para suceder o colonial as
massascontinuariam ocupando o mesmo lugar mise-
rabilíssimo e subalterno de costrime"
Artigas levantou o sítio de Montevidéu, mas no
dia 10 de outubro, por voto direto de seus hornens,
foi proclamado "General em Chefe". Il a partir daí
começouo "êxodo" do povo oriental" Artigas retircru-
se com seuexércitoem direçãoao rio ljruguri. para
um lugar chamadoAyuí. Com ele marchararn1rrali.
camentetodos os habitantes da ârearural e crstaiicr-'u
pouco menos que despovoada.
No começo de 1812 a diplomacia inglesu
quase onipotente na Corte do Rio de Janeiro -*- uun-
seguiu a retirada das tropas portuguesas do LarJa
Oriental. O Triunvirato de Buenos Aires preteridei:
torná-lo seu, mas anulando a presençae influência
do artiguismo. No ano de 1813 Artigas define seu
programa, que serâ talvez o mais revr:lucionârio de
todos os que foram imaginados durante as guerras da
independência.No dia 5 de abril de 1813, eliante de
um Congressogeral dos orientais, Artigas devolveao
povo a autoridade que este lhe havia outorgado um
ano e meio atrâs: "Minha autoridade emana de vós
-- dirá - e ela cessapor vossapresençasoberana".
Os ecos de Rousseauno Prata! Os deputadcs nrrien-
tais à uma AssembléiaGeral Constituinte de t*das ar;
provincias do Prata deveriam defender a intlepen-
dência absoluta em relação à Espanha. Mas issr,
implicava uma relação que era de igualdade e não dr:
r10 Leon Pomer

subordinação com Buenos Aires. Nada, pois, de


substituir o centralismo vice-realpor outro com nome
diferente: todos deviam ser iguais em direitos e obri-
gações..Osinteressesdominantesresponderama Ar-
tigas com a guerra, mas, não conseguindovencê-lo,
iniciaram em 1814 gestõespacificadoras.Agora o
artiguismo já havia ampliado sua influência sobre a
província de Entre Ríos e Artigas não aceitou que
estalhe fossesubtraída.Nos primeirosmesesde 1815
a bandeira de Artigas tremula triunfante de Córdoba
a Montevidéu e do Paraná (Entre Ríos) até Missões.
Artigas é uma potênciaconsiderâvel.
Apesar disso, as troçrasde Buenos Aires conse-
guem êxitos no Lado Oriental e a 20 de junho de
1814, depois do SegundoSítio, Montevidéu cai em
poder dos portenhos, comandados por Carlos María
de Alvear. Este ,e suas forças entregam-se alegre-
mente à destruiçãoda vida econômica da cidade: era
a oportunidade de aniquilar o poderoso rival mer-
cantil que na outra margem do rio fazia sombra à
burguesiacomercial portenha. Mas, quando ele se
retirou e retornou com o exérciio triunfante a Buenos
Aires, o Lado Oriental inteiro unificou-se sob um
governo revolucionârio. A tarefa que Artigas desen-
volve como governante é honesta e extremamente
progressista.Nela conta-secomo ponto principalís-
simo um plano de "reforma agrãna" que causaria o
payor dos fazendeiros,inclusive os da outra margem
do Prata e talvez até os do Rio Grande do Sul. O go-
verno de BuenosAires, chamado agora Diretório, em
As independêncíasna América Latina ll1

conivência com a corte imperial do Rio de Janeiro,


compreendeuque um inimigo tão perigosocomo Ar-
tigas deveriaser exterminado, o que finalmente ocor-
rerâ. Artigas terminarâ seus dias exilado no Para-
guai. Sua "Revolução social" será impiedosamente
esmagada pelos escravocratasportuguesesrealistas
e peloscomerciantesde BuenosAires.

A independência oriental
Os orientais iniciam a recuperaçãode sua terra,
ocupada pelas tropas luso-brasileiras, em abril de
1825,com o desembarqueno outro Lado dos chama-
dos "33 orientais", comandadospor Juan Antonio
Lavalleja. Os fazendeirosmais poderososde Buenos
Aires - Juan Manuel de Rosasentre eles - apóiam
o movimento, porque o Uruguai continua sendoterra
importantissima para a criação de gado bovino, ma-
téria-prima para a indústria de carne. Logo depois os
"33" iniciais convertem-senum pequenoexército que
marcha de vitôria em vitória e a 7 de junho estâ
diante de Montevidéu, onde se encontra entrinchei-
rado o general fecor, chefe das forças inimigas de
ocupação.O governo de BuenosAires mostra-se ini-
cialmente reticente frente à causa dos patriotas, mas
a campanha que estãodesenvolvendo suscita múlti-
plas adesões populares nas 'províncias do litoral
argentino, que começam a fornecer uma boa cota de
voluntârios. Os luso-brasileiros não desfrutavam de
muitas simpatias.
rt2 Leon Pomer

No dia 14 de junho de 1825 instala-seo governo


provisório da Província Oriental do Rio da Prata, e
no dia 21 os senhoresFrancisco Mufloz e L,orenzo
Gomensoro são autorizados a solicitar ao Congresso
Constituinte a admissãoda província na comunidade
argentina. A 25 de agosto os orientais votam sua
independênciado Brasil e a imediata incorporação às
Províncias Unidas do Rio da Prata. Sobrevém a
guerra entre o Brasil e a Argentina, que óbvias razões
de espaço nos impedem de relatar aqui. A inter-
vençãoinglesa - que sempreestevepresente- serâ
a partir de agora decisiva. Em março de 1826 lord
Llanning, ministro inglês de Relações Exteriores,
cr--'nrunicaao viscondede Itabaiana, ministro do Bra-
sil em Lnndres, que o império deverá abandonar o
[-adoOriental. Canning nomeia lord Ponsonbycomo
otrservaclorbritânico da guerra, com o ôbvio propó-
sito de' salvaguardar os interessesmercantis britâ-
nic.is, preocupadosem primeiro lugar em salvar
ÌvÍt,nlevirléuda destruiçío, e tazer a paz o quanto
antes p:rr:r restabeleceros fluxos mercantis habi-
tuais. As irlase vindas de Ponsonbyconseguemfazer
coíÌr qÌrc os beligerantesassinema paz. A Argentina
renunciaa clualquerdireito sobre o Lado Oriental e
este tcrrna-serepública independente. Em 27 de
agostode l82B assina-sea ConvençãoPreliminar de
Paz, pela qual os ex-beligerantes comprometem-sea
defendera intlependênciauruguaia e a integridade do
novoEstado.Nasceuuma nova nação.
As independêncías na América Latina 113

Bolívia
O que é hoje Bolívia chamou-seem tempos co-
loniais Alto Peru e Lezparte do Vice-reino do Rio da
Prata, cuja capital até 1810 foi a cidade de Buenos
Aires. Essa terra teve a desgraça de possuir ricas
minas de prata e abundância de índios, e isso deter-
minou uma das mais ferozes explorações de seres
humanos conhecidasem todo o continente, e certa-
mente uma sociedade rigorosamerÉe estratificada.
Os indios ocuparam a base da pirâmide social, e
sobreelesrecaiu a mais extrema das violências.

O começo

A 25 de outubro de 1809 um grupo de revolu-


cionârios de La Paz, dirigido por Pedro Domingo
Murillo, é executado porque se revoltara contra a
autoridade realista; daí por diante suceder-se-ãolu-
tas de exércitos regulares e de guerrilhas com sorte
variada para ambos os lados. Assim, por exemplo,
a 28 de outubro de 1810o exército enviadopela Junta
de Buenos Aires é derrotado em Cotagaita, mas logo
apôs (7 de novembro) vence em Suipacha e entra
triunfante em Potosí (25 de novembro). Em 26 de
junho do ano de 1811 o exército patriota deverá co-
meçar sua retirada do Alto Peru após o desastreque
sofreem Huaquí.
Não faremos a história das batalhas: talvez seja
114 Leon Pomer

a menos interessantee o espaço é breve. Digamos


que a partir de 1817, após o fracassoda última expe-
dição enviada ao Alto Peru, este fica ao encargo de
suas próprias forças ou se quiserem: livre da presen-
ça dos exércitosde BuenosAires. Continua uma ação
de guerrilheiros e a 19 de janeiro de 1822 um grupo
de patriotas encabeçadospor Casimiro Hoyos e alen-
tados pelos triunfos do general San Martín no Peru,
tomam a cidade de Potosí e declaram a indepen-
dência. Pouco dura essatentativa, porque onze dias
mais tarde é liquidada pelas tropas realistas. Auxi-
lios enviados do Peru nessemesmo ano, e em 1823,
não chegam ao destino. Em Buenos Aires, não que-
rem saber de gastar mais recursos em novos exér-
citos, e confiam mais que nunca nas gestõesdiplo-
mâticas para alcançaÍ a paz com o inimigo. Bolívar
pede auxílio aos líderes portenhos para empreender a
libertação deÍinitiva do Alto Peru. Não é ouvido.

Bolívare aBolívia

Simôn Bolivar, obcecado em acabar a obra da


independência, combina a força com a astúcia, esta
última no que toca a aproveitar as dissidências en-
tre os chefes realistas. Mas a partir de seu triunfo
de 6 de agosto de 1824, que elimina totalmente o
poder realista no Peru, fica com as mãos livres para
avançar sobre as terras sulinas ainda não redimidas.
Atribui atarefa a seu lugar-tenente, general Antonio
As independências na Anilrica Latina u5

José de Sucre, a quem cabe a glôria de travar a úl-


tima batalha contra o poder espanhol na América, a
de Ayacucho, realizada a 9 de dezembro de 1824.
As tropas do Vice-rei La Serna são derrotadas e as
restantesretiram-se para Potosí, sob o comando do
general Olafleta, que por seu lado revoltara-seantes
contra o Vice-reino, sem por isso aderir ao campo
dos que lutavam pela independência. Porém, Sucre,
que obteve o título de Grande Marechal de Ayacu-
cho, continuou suas marchas pelas terras do Alto
Peru, em meio a extraordinârias precauções. Já não
se tratava agora do inimigo realista, liquidado de
fato, mas sim de evitar que o forte sentimento auto-
nomista reinante no que se chamarâ Bolívia fosse
ferido. e ainda menos transformado num fator ad-
verso. Sucre advertiu sabiamente a Bolívar de que o
exército limitar-se-ia a assegurar a ordem e garantir
a liberdade, "e os deixarâ los habitantes do Alto
Peru] em seu mais amplo e absoluto arbítrio para
que resolvam sobre si o que preferem". Sucre soube
entender o que estava acontecendojâ que - por
exemplo - uma declaração proÍerida em Cocha-
bamba, em 14 de janeiro de 1825, assinalava que o
Grande Marechal era recebido na qualidade de alia-
do na luta contra o inimigo comum - apenas como
aliado!
Com um Olafleta que ainda não havia deposto
as armas e confiava num apoio francês de última
hora à causa espanhola e um marcado sentimento
autonomista que excluía qualquer possibilidade de
lló Leon Pomer

anexaçõesviolentas, Sucre achou prudente convocar


uma Assembléia,na qual os representantesdas pro-
víncias do Alto Peru resolveriam o destino das mes-
mas. Sucre confiava intimamente numa união com o
Peru e excluía outra com a Argentina, mas preferiu
que a Assembléiadecidisse.
A convocatóriaefetuada pelo Grande Marechal
de Ayacucho desagradou o Congressoperuano que
lhe atribuíra o direito de ocupar militarmente as
províncias do Âlto Peru e de governá-lasaté a reso-
lução final das questõespolítico-militares. O prôprio
Simón Boúvar mostrou-seindignado com o seulugar-
tenente, a quem negou autoridade para adotar essa
medida. Censurou-opor estar exercendoum ato de
soberania, que de fato separava essasproúncias do
antigo Vice-reino com capital em Buenos Aires.
Disse-lheque com a convocatóriaconseguiucom que
i.Erdosficassern indignados: o Rio da Prata, obvia-
mente, o Penr e atê a própria Colômbia.
No pensamento de Bolívar primava a idéia de
constitnir grandesEstados, ou, se quiserem, de se-
gregar o mínimo possível.Além disso temia que o
exemplosepropalassenos distritos quitenhos(Equa-
dor). Finalmente suasordens em contrârio chegaram
tarde para que a obra de Sucre puóesseser desfeita.
Este avançouaté Potosíe apoderou-sedela, e o obs-
tâculo que podia representar Olafleta no comando
das sobrasrealistasacabou de desaparecer.Quanto a
Bolívar, teve que aceitar os fatos consumados, mes-
mo porque comprovou pessoalmente a veracidade
As independências na Améríca Latina tt7

das palavras de Sucre sobre o autonomismo do Alto


Peru, e porque veio a saber que o CongressoArgen-
tino não se mostrara tão indignado pelo suposto des-
pojamento do Alto Peru. Na realidade, a capacidade
do governo de Buenos Aires de exercer soberania
sobre o Alto Peru era absolutamente nula, porque
começavaa não exercê-lanem mesmo pouco além da
proúncia de Buenos Aires. E ainda mais, o Con-
gressodo Rio da Prata enviou dois delegadosa Bolí-
var para negociarsobre as basesem que as provincias
do Alto Peru seriam livres para decidir sobre seus
destinos.Era um verdadeiro reconhecimentode uma
situação jâ existente: as pessoasda futura Bolívia,
em viúude de uma autonomia existente "de fato"
desde 1815, poderiam agir livres de toda obrigaçã<r
ou compromisso com o Prata. Era um verdadeiro
triunfo para os grupos dirigentes, de claras raízes
coloniais, radicados sobretudo nas cidades do Alti-
plano.

Consuma-se a independêncit

Em 5 de julho de 1825 inaugurou suas sessões


o Congressodo Alto Peru, ou seja a Assembléia na
qual estavam representadosos grupos dirigentes e
aquelesque aspiravam a tal condição. Rejeitou-se,
para começar, a idéia de incorporar-se ao Peru, se
bem que as pressõesnessesentido fossem muito for-
tes. começandopelas do próprio Bolívar. Finalmente
lrt I*on Pomer

a Assembléia,a 6 de agosto de 1825, declarou a


independênciae anunciouo nascimentoda república
boliviana, em homenagema seulibertador, a quem
foi reconhecidoo caráter de protetor e atribuído o
cargode primeiro Presidente.
O novo Estado devia enfrentar um problema
inicial, e este era que o Congressoperuano havia
resolvidopreviamenteque qualquersoluçãoadotada
no Alto Peru ficaria em suspensoaté que os parla-
mentaresperuanosa discutissem.Esta dificuldade
foi contornadacom a intervençãode Boúvare a pre-
sençade 2000 soldadoscolombianosna Bolíviacom
o objetivo de proteger o novo Estado de eventuais
ingerênciasde seusvizinhos. A 19 de abril de 1826
Bolívar confirmou que o Congressoperuano havia
reconhecido a independênciada Bolívia.

Chile
População e sociedade

A assim chamada, pela Espanha, Capitania


GeraÌ do Chile, tinha em 1810 algo prôximo de meio
milhão de habitantes, dos quais as três quintas par-
tes eram mestiçasde espanhol e índio (uns 300000).
Os criollos brancos ou com leve mestiçagem totali-
zavam 150000 e os 50000 restantes eram negros es-
cravos e espanhóispeninsulares. Sete centros urba-
nos principais reuniam a maior parte da população
As independências na Américe Latina l19

urbana, que equivalia a uns 2OTo do total; 80%


eram, pois, população camponesa. O.grupo econô-
mico dominante era a aristocracia dos proprietários
de terras, que submetia a uma espéciede servidão,
chamada inquilinqie, a mtioria de mestiços. Este
grupo era constituído por naturais excluídos da
administração política da sociedade. A adesão dos
aristocratas à causa da independência terâ corho
objetivo - não único - superar essasituação.

Primeíros pds,sos

Em 1808, após a morte do Capitão Geral, ocor-


rem conflitos entre as prôprias autoridades coloniais"
Estes se agravam quando chega a notícia da ocupa-
ção da Espanha por Napoleão. É o mesmo problema
de todas as colônias: a quem obedecer?E algo mais:
o temor de uma possível invasão francesa. E a per-
gunta que corÍe por todo o continente: serâ obriga-
tôrio seguir o destino da Espanha, supondo que nela
prevaleça o poder estrangeiro? O Brigadeiro Fran-
cisco Antonio García Carrasco, à frente do governo,
continuou fiel ao rei cativo, Fernando VII, reconhe-
ceu a Junta de Sevilha como governo legal da Espa-
nha e rejeitou as pretensõesde Carlota Joaquina e
seu marido, o príncipe-regente de Poúugal, que de
seu novo lar brasileiro pretendiam transformar-se em
tutores e finalmente em senhoresdas colônias espa-
nhoias.
t?fr I*on Pomer

Os acontecimentos de Chuquisaca, La Paz e


Quito tiveram alguma influência no ânimo daqueles
que, ainda timidamente, começavam a pensar num
governo autônomo. As vilanias de García Carrasco,
ao que pareceum militarzinho excessivamentebruto,
exasperaramos ânimos e aprofundaram os conflitos
entre ele e o Cabildo de Santiago, a capital. Além
disso, advertido o Brigadeiro da existência de cons-
piradores, ordenou puniçõese executou arrestoscon-
tra pessoasque falavam de independência.Em 25 de
maio de 1810, o mesmo dia em que se instalava em
Buenos Aires a Primeira Junta Autônoma. no Chile
iam para a prisão vârias personagensque serão con-
sideradasprecursorasdo governo prôpricr e indepen-
dente. Dois deles (Ovalle e Rojas) eram consfícuos
latifundiârios, e um terceiro, o prestigiado catedrâ-
tico da universidade,Vera y Pintado.
O aprisionamento levantou clamores entre o
grupo economicamentemais poderoso da Capitania
Geral. incluindo nele o alto clero. Além disso. o
conhecimentodo que aconteceraem BuenosAires e
outros fatos não menos graves, na Espanha, Íizeram
com que a Audiência e o Cabildo, duas poderosas
instituiçõescoloniais, adotassemposiçõesantagôni-
cas, com este último tornando-secada vez mais eco
das aspiraçõesde inclependência.
Em 18 de setembro do ano mencionado orga-
nizou-se uma Junta de nove membros, não sem que
antes se houvesseagitado feramente a aristocracia
chilena contra o Brigadeiro García Carrasco, por seu
As independências na América Latina t2r

empenho em punir às personagensanteriormente ci-


tadas. A Junta era provisória e governaria em nome
"do mais adorável monarca Fernando". Os homens
economicamentemais poderososestavam chegando
ao poder. E solicitada a sua solidariedade a Buenos
Aires, jâ em franca luta armada contra os realistas
em Montevidéu, no Paraguai e Alto Peru, não demo-
rariam para Í.azê-lachegar. A Junta rejeitou a no-
meaçãode dois Capitães Gerais proferida pelo Ccrn-
selho de Regência instalado na Península, reiterou
seu direito de governar e liberalizou notavelrnenteo
comércioexterior. Facilitou-se,pois, a exportaçàoda
produção nacional (essencialmente agrícola e mr-
rpira) e incrementou-se o ingresso de manufatrrras
estrangeiras.Após uma fracassadatentativa militar
em favor dos realistas foi dissolvida a audiência.

Os irmõos Carrera

O mais fogosochefe na primeira etapa da inde-


pendência chilena foi José Miguel Carrera. Seus ir-
mãos Luis e Joséparticiparam dos acontecimentosdo
ano 10, enquanto que José Miguel encontrava-sena
Espanha" Ë,ste,ao voltar da península - tinha 25
anos e um prestígio que não era pequeno -, con-
verteu-seno chefe da revolução ocorrida a 4 de se-
tembro de l8l 1. Nessedia impôs ao Congressovárias
exigências,entre as quais a organizaçãode uma Jun-
ta compostapor cinco membros, mudanças nos co-
122 Leon Pomer

mandos militares, separaçãode deputados e incor-


poração de outros. O tal Congressose havia reunido
no dia 4 de julho; dividido em três tendências dife-
rentes, distava muito de mostrar-se eficaz na conse-
cução de objetivos audazes. A partir do golpe de
Carrera começou um trabalho febril e profícuo: a
tendência mais radical dominava-o. Introduziram-se
reformas na justiça, exército e rendas eclesiâsticas.
Foi proibida a introdução de escravos,e os que dali
por diante nascessemde mães escravasseriam livres.
Os senhoresSalas e Egafla foram encarregados de
redigir uma Constituição. Enquanto isso JoséMiguel
Carrera iniciou uma escalada para o alto do poder,
começando por desfazer-sede um dos principais lí-
derescivis do movimento que vinha crescendo:Mar-
tínez de Rozas. A influência desteera maior na pro-
víncia de Concepción e esta acabou subordinada a
Carrera" O aparecimento do primeiro jornal chileno,
, uror{t de Chile, dirigido pelo sacerdote Camilo
Henríquez, deu publicidade daí por diante aos atos
do governoe desencadeouuma eficiente propaganda
cm favor da independência, que por certo contava
com a resistênciadaquelesque no Congressohaviam
militado no grupo dos "moderados". Foi por esta
época que R.obert Poinsett, cônsul recém-creditado
pelos Estados Unidos, converteu-seem conselheiroe
mediador, a ponto de chegar a mediar entre os ir-
mãos Carrera, distanciados por desavenças,e de
participar da redação do regulamento constitucional
de 1812.
As independências na América Latina r23

Sendoque o governo do Chile estavaconstituído


por um triunvirato encabeçadopor José Miguel, e
que suas ações não estavam regulamentadas por
norma alguma, o regulamento do ano de 1812 veio a
ser essa norma. O regulamento reconhecia a sobe-
rania popular, proibia a obediência a qualquer auto-
ridade residente fora do Chile, garantia a iiberdade
de imprensa, enumerava as garantias individuais e
abria o território aosestrangeiros.Além disso, criava
um Senado com representação igualitâria das três
províncias em que o país estava dividido e procla-
mava a igualdade de todos os habitantes.

Os realistas estõode volta

A partir do Peru, o vice-rei Abascal constitui-se


na ponta de lança da reação espanhola. Um forte
exército foi enviado ao sul para submeter não apenas
o Chile, mas também o movimento gerado a partir de
Buenos Âires. Abascal tinha a idéia de unir suas
forças às que em Montevidéu permaneciam leais à
Coroa. Ao mesmo tempo em Chiloé, sul do Chile e
base que os realistas haviam conservado,organizou-
se outro exórcito para participar dos planos de recon-
quista do poder perdido. As derrotas que o exército
espanhol sofreu em território argentino, pelas mãos
do general Belgrano (em Tucumân e Salta), criararn
iniciahnente unÌa perspectiva favorâvel. Mas poste^
riormente os partidârios da independênciasofreran-,
IA Leon Pomer

derrotas em Vilcaujio e Ayohuma (Alto Peru), e a


isso somou-se um decúnio - que seria transitôrio -
dos movimentos no México, Colômbia e Venezuela.
O sul do Chile até o rio Maule estava dominado pelos
espanhóis,e as notícias da Europa falavam de der-
rotas napoleônicas. Sem entrar em pormenores, dire-
mos que a 3 de maio de 1814 foi assinado um acordo
às margens do rio Lircay - com a mediação do
comodoro inglês Hillyas - segundo o qual o governo
de Santiago reconhecia a autoridade real de Fernan-
do VII e se comprometia a enviar representantes às
Cortes espanholas.
O acordo de Lircay acabou sendo humilhante
para inúmeros chilenos, entre os quais José Miguel
Carrera, na época prisioneiro dos espanhôis. Este
conseguiu fugir do seu cativeiro e chegar a Santiago,
onde uma sublevaçãode tropas o conduziu ao poder,
encabeçando uma Junta de três membros. Mas o
vice-rei Abascal, descontentecom os termos do tra-
taclo de Lircay, negociado em seu nome pelo Briga-
deiro Gainza, desconheceusua validade e dispôs-sea
acabar deÍinitivamente com as posições pela inde-
pendência. Fouco depois o objetivo foi conseguido,
e em 5 de outubro de 1814 entraram triunfantes em
Santiagoas tropas realistascomandadaspelo general
Osorio. Terminava a primeira etapa - chamada de
a Pâtria Velha - da luta chilena pela independên-
cia.
As independências ns Améríca Latina r25

San Martín libertao Chile

Fracassadastodas as tentativas de golpear o co-


ração do poder espanhol no Peru, através do Alto
Peru, o general argentino San Martín concebeu o
plano de organizar um exército na província de Men-
doza, passar para o Chile e depois desembarcar no
Peru. O plano foi cumprido admiravelmente e cons-
titui uma das grandes epopéiasda guerra pela inde-
pendênciana América do Sul. A 9 de janeiro de 1817
iniciou a marcha, partindo de Mendoza, a primeira
coluna do exército libertador, e depois dela e nos dias
seguintesmarcharam outros corpos. Nos fins de ja-
neiro todo o exército havia atravessado a cordilheira
dos Andes por diferentes lugares e invadido o terri'
tório chileno. Duas batalhas decisivas,Chacabuco e
Maipú, acabariam definitivamente com o poder rea-
lista, e aL4 de fevereiro de 1817 os vencedoresentra-
vam em Santiago. San Martín rejeita os poderes que
the são oferecidospelo Cabildo da cidade (governa-
dor com "plenos poderes"), e o Cabildo designa Ber-
nardo O'Higgins. Finalmente, e ao completar-se um
ano da batalha de Chacabuco, o Chile proclama-se
independente:12 de fevereirode 1818.
Duas palavras sobre O'Higgins. Nascido em
Chillan a20 de agostode 1798, era filho de Ambrosio
O'Higgins, oficial irlandês a serviço da Coroa espa-
nhr:la, que chegou a ser Capitão Geral do Chile e
posteriormente Vice-rei do Peru. Bernardo morou
vârios anos na Inglaterra, onde conheceu Francisco
126 Lcon Pomer

Miranda, o venezuelanoprecursor da independência


sul-americana.Depois da derrota da "Pâtria Velha"
(1810-1814),Bernardo - que havia regressadoem
1802 a sua pátria e lutado contra o poder realista a
partir do ano de 1810 - fugru para a provincia
argentina de Mendoza onde conheceuo general José
de San Martín. Reconquistadasua pãtna, foi Diretor
Supremo entre 1ó de fevereirode 1817e 28 de janeiro
de 1823. É um dos maiores heróis nacionaisdo Chile.

Peru
Sctciedade

Nor fins do século XVIII, os espanhôisJorge


Juatt e ì-iikra aludiam nos seguintestermos à aristo-
c:racia rriaìla dos proprietârios de terra do Peru:
'-{-ada particular se estima tanto com o que possui
'4ìle se cçrnsrderaccìmo um pequeno soberano em
suas próprias Ìerras. sendo dono absoluto delas e
qu.tse seln outra sujeição que não de seu arbítrio
22
{...), e t.odaautoridade que têm os corregedores
nâ* ó inaiol do que a que lhes querem conceder os
compatriotasmais condecorados".r

(22) CorreSedores:funcionários coloniais.


(23) Cit. por Hernández Sánches Barba, M., "L.as indias en el siglo
XVIII", in Historia de Espafia y América, Social y Económica,
dirigida por J. Vicens Vives. Editorial Viccns Vives, Barcelona,
1974 ,t o m o l Y , p . M 2 .
As mdependênciasna América Lanna r27

Sociedadedominada por poderosos latifundiá-


rios diante dos quais a própria lei do Estado carecia
de significação; sociedade - acrescentemos- de
índios dominados. submetidos à servidãoe condena-
dos a trabalhar na extração de minérios preciosos e
nas várias tarefas dos campos, havia no Peru nos
tempos em que se inicia a luta pela independência
uma estrutura rigorosamente estratificada. Junto a
isso encontraremos comunidades indígenas de ori-
gem pré-colombiana ou organizadas pela Coroa es-
panhola, semi-isoladasentre si e obrigadas a tributar
trabalho, espéciese dinheiro à trindade composta
pela Coroa espanhola,grandeslatifundiârios e lgreja
Catôlica.
E encontraremoscomo em todas as demais co-
lônias espanholasuma massamestiçalivre, impedida
de subir na escala social e temerosa de cair ao nível
da servidão

Antecedentes

Talvez seja pertinente invocar Tupac Amaú ou


JoséGabriel Condorcanqui, como realmente se cha-
mava, entre os antecedentesda independência. Tu-
pac Amarú, cacique de vários cacicazgos, descen-
dente dos incas por linha materna, índio culto e de
posição econômica abastada, na qualidade de tro-
peiro percorreu vârias regiõesdo Peru e conheceucle
perto os padecimentosde seu povo. Desde 1776 pre-
rzE Leon Pomer

tendeu resolver problemas invocando a própria lei


estabelecidapelos espanhôise procurando juízes ca-
pazes de aplicâ-la. Quatro anos de infrutífera pape-
lada e exasperantes trâmites burocrâticos fizeram
naufragar suas esperanças. Adotou então o nome
simbólico de Tupac Amaú (aleuém com essenome
havia sido justiçado pelo vice-rei Toledo), e a 4 de
novembro de 1780 aprisionou o mal afamado corre-
gedor Arriaga, condenando-o à morte. José Gabriel
reuniu o seu povo na praça de Tungasuca, anunciou
a anulação do maldito tributo, invocou o passado e
proclamou a insurreição, que pouco a pouco foi di-
fundida em todas as partes do país. Tupac Amaú
ìniciou açõesbélicas, mas com certa vacilação, abs-
lendo-se, por exemplo, de tomar Cuzco, a antiga
capìtal dos incas, nesse momento desguarnecida.
Ain<la esperavaque sua atitude resoluta levasseos
r"rprnhí-ris a negociar.E mais: mostrava-sedispostoa
('rÌÍrírgar-secomo refém para garantir que seriafiel às
;irrlorirla.rlesse estas agissemcom a justiça que re-
, !;rrrutvir.Hcruvetratalhasferozesporque de nenhum
rrrrrriosos espanhôis quiseram saber de conversar
c{}rÌì(ìsíndios.Os realistasmorderam o pó e os índios
ÌÌì(ì\tríìrarn-seherôicos.A defecçãode caciquesque
tler,criarnsornar-sea T'upac Amaru e a superioridade
n-rilitar cl<lsdominadores acabaram com a insurrei-
ção, que foi a mais importante ocorrida no império
espanhol. 'Iupac Amaú acabou seus dias tragica-
mente. Primeiro teve a língua cortada e depois foi
esquartejadopor quatro cavalos.
As índependências na América Latina r29

No mesmo dia de sua execução, um primo do


grande líder sublevou-seem Puno e começou a vin-
gança a sangue e a fogo. Nas localidades de Calca,
Lares, Marcapata e Huarochirí os índios rebelaram-
se. Como resultado final houve 80000 sacrificados e
um escuro tremor que percoÍTeu toda a América
espanhola. Até na longínqua Buenos Aires o vice-
rei Vertiz sentiu medo, e absteve-sede recrutar tro-
pas por temor que se sublevassem, aderindo ao
grande Tupac Amaú.
Enquanto isso, as idéias do lluminismo e da
Revolução Francesa também penetrariam no Peru
vice-reale apossar-se-iamde alguns intelectuais, lei-
gos e de batina. Em 1805 hâ um princípio de conju-
ração que pretende proclamar Gabriel Aguilar, espe-
cialista em ciênciasnaturais, como Inca peruano. Os
conjurados pagam com sua vida e a tentativa repete-
se em 1809, com outras pessoas.Desta vez a vitima
principal serâo advogadoMateo Silva, morto na pri-
são após horríveis torturas. Mas outros intelecfuais
continuarão conspirando: são médicos, catedrâticos,
o reitor de San Fernando, algum presbítero, etc.

Primeiras ações

Talvez pudessemser assinaladasas ocorridas em


Tacna a 20 dejunho de 1811,encabeçadas por Fran-
cisco Antonio de Zela e Aruaga, como as primeiras
de um processoque acabaria resultando na indepen-
130 Leon Pomer

dência do Peru. Após um resultado Íeliz - a tomada


de Tacna - os realistas recuperaram a praça. Em
fevereiro de 1812 Juan JoséCrespo y Castillo conse-
gue apoderar-se de uma proúncia inteira, e desta vez
com o apoio da tribo índia dos panataguas. Novo
fracasso.No mesmo ano é forte a agitação na Inten-
dência de Huamanga, posteriormente denominada
Ayacucho. São principalmente os tropeiros que le-
vam a notícia da subversão que estâ nascendo: eles
são portadores de pasquins e de inÍormações pura-
mente verbais. Enquanto isso, em Lima outro grupo
de conjurados, sob o comando de José Baquijano y
Carrillo, intelectual tido pelos realistas como uma
espécie de agitador social, organua outra tentativa,
que a delação põe por terra. Um dos processadosfoi
Bernardo Herrera, famoso chefe de escravos negÍos.
Ao mesmo tempo em I*ón, na Espanha, onde estão
reunidas as Cortes 2a do reino, da qual participam
representantes das colônias, os depu{ados peruanos
denunciam o despotismo da autoridade colonial e
pedem anistia para os rebeldes.
A publicação em Lima (23-9-1813)de um édito
das Cortes de Câdiz suprimindo a Inquisição (Tribu-
nal do Santo Oficio), é a ocasião de manifestações
entusiâsticas, queima de instrumeritos de tortura,
expedientes e processos,e claras manifestações anti-
monârquicas. Continuam as tentativas de levantes
armados. Hâ choques, êxitos parciais dos peruanos

(24) Parlamento.
As independências na América Latina 131

anti-realistas, mas em geral terminam derrotados


pela autoridade vice-real. Assim, por exemplo, em
janeiro de 1813 os patriotas de Cuzco assaltam a
prisão local e soltam o líder Ramíreza de Arellano.
Um cacique índio octogenário, o Brigadeiro Mateo
García Pumacahua, organiza em Cuzco um golpe
contra o poder espanhol. Tem sucessoe a 3 de agosto
de 1814cria uma Junta de Governo presidida por ele
prôprio. Organiza um pequeno exército no qual tem
destacadaatuaçãoo padre Muüecas. Marcha sobre a
cidade de La Paz e ocupa-a, auxiliado pelos índios
que lá vivem e que se rebelam a seu chamado. No dia
2 de novembro, 1 200 veteranos realistas reocupam [-a
Paz. Depois de vârias alterações nos resultados das
lutas, o velho Pumacahua é derrotado em Humachirí
e condenadoa feroz morte.

Libertaçõo e independência

Intelectuais, índios e negros se haviam mos-


trado, ainda que por motivos diferentes, os mais fer-
vorosos entre os que procuravam libertar-se do jugo
espanhol. Mas a incapacidade de criar um movi-
mento unificado acabou resultando em sucessivas
derrotas. Porém, havia chegadoo ano de 1820 e este
seria decisivo.Na Espanha o general Rafael de Riego
havia subievado,a 19 dejaneiro, em Cabezasde San
Juan, um exército destinado à América. No norte,
em La Plata, departamentode Quito (hoje Equador),
r32 Leon Pomer

os patriotas haviam obtido significativas vitórias. A


2 de maio Bolívar anuncia ao Diretor do Chile: "Um
exército da Colômbia marcha contra Quito, com or-
dens de cooperar ativamente com os exércitos do
Chile e Buenos Aires contra Lima". No Chile, o
general San Martín termina seus preparativos para
invadir o Peru, e a 20 de agosto zar1r de portos
chilenos uma esquadra comandada pelo almirante
inglês Alexander Cochrane. Nela estão embarcados
os soldadoschilenos e argentinos que hão de libertar
o Peru, numa ação combinada corn Bolívar. No dia
8 de setembro começa o desembarque dos pouco
mais de 4000 soldados.Partindo da baía de Paracas
ì!m corpo do exércitoocupa no mesmo dia a cidade
cic Pisco.Em continuidade,sucedem-se vârios movi-
l'nrnÍrls rnilitares, conferênciasentre o vice-rei do
írcnr c rielegadosde San Martín; são discutidos
iirriristír:ros
e hâ tentativasde mediaçãoinglesa, fa-
rla coroaçãode urn rei, com basenum Peru
lar,iJq'r-sc
irlr.lcpeniicnlc.Finalmente,a 9 de julho de 1821,en-
tram enr l..imaos primeiros soldadosde San|4artín
e no dia seguinte. de madrugada e sem nenhurna
osterrtação,entra o prôprio Libertador. A 28 de ju-
lho, em nreio à r)ompae solenidadeque as circuns-
tânciasaconselhavam,San Martín proclama a inde-
pendência do Peru. No dia 2 de agosto o general
expede um decreto no qual assume o título de Pro-
tetor do Peru até que estejam terminadas as ações
militarescontra os realistas.A 19 de setembrorende-
se a fortaleza de El Callao, a mais poderosa de tddo o
As independênciasna América Latina 133

continente em mãos dos espanhôis. É uma vitQria


sem derramamento de sangue.O Penr estâ libertado.
Os restos dos exércitos realistas não demoraráo a
desmoronar. Mas a tarefa final serâ cumprida por
Bolívar e pelo general Sucre. Para evitar rivalidades
com Bolívar que pudessem comprometer a ainda
inconsistente independência sul-americana, San
Martín haverâ de retirar-se à vida privada, após uma
entrevistacom don Simón. rcalnada nos dias 26 e 27
de julho de 1822,em Guaiaquil.

Paraguai
A socíedade

Sem minas nem plantaçõestropicais ou latifun-


dios excessivamentegrandes paÍa a criação de gado,
o Paraguai chegou à época de sua independência
com certas característicaspróprias, distintas dentro
do panorama das colônias espanholas. Sem dúvida
que as florestas espessase uma considerâveldistân-
cia dos portos foram fatores importantes que deti-
veram a criação de estruturas produtivas destinaclas
à exportação, como ocorreu - de modo desigual -
nas restantes áreas coloniais. E o fato de não ter
conseguido isso fez dessa terra mediterrânea unìa
região singular, sobretudono que toca a sua estru-
tura social. Não houve encomenderospoderosos, sc
comparados aos clo Peru e da Bolívia, sendo que a
134 Leon Pomer

encomienda de índios (evangelizaçãoà parte) tinha


sentido para os americanosna medida em que repre-
sentavam mão-de-obra para a extração de minérios
preciosos,paÍa a agricultura e a pecuâria. Não houve
comerciantespoderosos,sendo o intercâmbio com o
além-mar nulo ou de qualquer modo insigniÍicante,
feito por mediação do porto de Buenos Aires. A pró-
pria burocracia colonial foi menos poderosa que em
outras terras coloniais, porque, eliminados os jesuí-
tas em virtude de sua expulsão, a Coroa não precisou
confrontar-se com encomenderos inexistentes ou
mercadorespoderosos. Contudo, não deverâ dedu-
zir-se do que foi dito a existência de alguns latifun-
diârios e de uns poucos comerciantes, estes em sua
maioria agentes locais dos importadores e exporta-
dores radicados na capital do Vice-reino. Mas o que
teverelevância,e assim cabe assinalar, foi o apareci-
mento de um campesinato pequeno e médio (talvez
mais pequeno que médio), vivendo em economia de
subsistênciae efetuando a troca de excedentesnos
mercadosregionais.O único produto que o Paraguai
colonial conseguiu exportar em quantidades de al-
guma importância foi a erva-mate, que não era culti-
vada, mas sim arrancada apôs seu crescimentonatu-
ral. A erva-mateou châ do Paraguai era submetida a
um tratamento ("beneficiamento") e depois enviada
a diversoslugares do Vice-reino e fora dele, tais como
BuenosAires, Chile e Alto Peru.
Duas palavras sobre os jesuítas. Até sua expul-
são constituíram uma poderosa força econômica,
As independências na América latina r35

política, ideológica e militar, capaz de enfrentar a


autoridade sempre que seusinteressesexigissem.Ex-
pulsos que foram, nada veio a ocupar o vazio que
deixaram, e o Estado, transformado em administra-
dor de seus bens acabou por dilapidá-los. De modo
que o poder estatal não enfrentou gÍavesproblemas e
a sociedadefoi notavelmentemais igualitária que tal-
vez qualquer outra organizada na América, mal
denominada Latina, depois da conquista. Entre o
Estado e a sociedadenão mediava no Paraguai ne-
nhum grupo econômico-socialque exercesseo domí-
nio direto com a intensidade que podia ver-se no res-
tante do continente americano. Os dominadores, que
os havia, eram pálidas imagens de seus congêneres
no Alto Peru, Venezuela,Peru, México, etc.

OsprímeíroJpcssoJ

Quando em Buenos Aires (25 de maio de l8l0)


constituiu-sea primeira Junta de governo autônomo,
esta enviou ao Paraguai - e demais províncias do
Vice-reino - um pedido de reconhecimento à sua
autoridade e um convite para que mandassemdepu-
tados ao Congresso geral que dewa realizar-se na
capital do Prata. O Paraguai replicou com um Con-
gressopróprio, celebrado a24 dejulho de 1810, que
resolveu reconhecer o Conselho de Regência formado
na Espanha como legítimo representante do prisio-
neiro rei Fernando VII; declarou ao mesmo tempo
13ó Leon Pomer

sua disposição de manter relações fraternais com


Buenos Aires e resolveuformar uma junta de guerra
para repelir qualquer ação portuSuesa.Que D. João
VI e sua mulher Carlota (irmã de Fernando VII),
agora radicados no Rio de Janeiro, apôs terem sido
expulsos de Portugal pelas tropas napoleônicas co-
mandadas por Junot, tinham ambições sobre as co-
lônias espanholasera màis que sabido. Era questão
de não se deixar engolir sem mais nem menos. Por
outro lado, o governadorespanhol, general Velazco,
mostrou-se mais temeroso do perigo que represen-
tava a absorçãopor Buenos Aires que por Portugal:
pouco depoispedia o apoio lusitano.
Em Buenos Aires, diante do não reconheci-
rnento da autoridade da Junta pelo Paraguai, resol-
veu-seenviarum exércitocomandadopelo advogado,
economistae agora general Belgrano, o qual deveria
despcrtar as autoridades paraguaias de seus sonhos
autonomistas.Por outro lado. no Brasil o conde das
Galveias. ministro da Marinha e Ultramar do Prín-
cipe Regente,já denominadoD. JoãoVI, ordenavaa
30 de novembrode 1811 ao generalDiego dè Souza
que combatesseas perfídias dos portenhos e sobre-
tudo suas ambições de dominar o Lado Oriental, o
Paraguai e as outras regiõesinteriores do Vice-reino.
Notavelmente, nessa nota de Galveias a Souza, fa-
lava-se de propiciar a independência do Paraguai e
do Lado Oriental, se isso constituíssecondição para
evitar que caíssemsob a influência da Junta de Bue-
nos Aires. Além disso, a ação das tropas portenhas
As independênciasna América Latina 137

sobre o Paraguai levou o marquês de Casa lrujo,


ministro da Espanha na Corte do Rio de Janeiro, a
solicitaro apoio militar lusitano.O que também fez o
generalVelazco.
Como se percebe,as forças em ação são as se-
guintes:
a) altos funcionârios da Coroa espanhola que
querem preservaro poder para seu rei;
b) as ambiçõeslusitanas;
c) a pretensão de Buenos Aires de dominar o
Paraguai;
d) um sentimento de autonomia existenge rio
Paraguai.

A derrota de Belgrano

O general Manuel Belgrano foi derrotado no


Paraguai. No decorrer de seu avanço pôde observar,
perplexo, que tudo estavadeserto, que a maioria das
casashavia sido abandonadae que as poucaspessoas
que apareciam mostravam-se hostis às tropas de
Buenos Aires. Escreverâ a seus superiores na Junta
portenha, falando agora do valor dos paraguaios:
"Assim é que trabalharam para vir atacar-me de
modo incúvel, vencendo obstâculos que só vendo
pode-se acreditar: pântanos terríveis, rios a nado; a
floresta irnensae impenetrâvel,tudo foi nada para
eles. pois seu entusiasmo venceu todas as dificul-
dades- e como! - e as mulheres.crianças,velhos,
r3E Leon Pomer

clérigos e quantos se dizem filhos do Paraguai estão


entusiasmadoscom sua pátria e adoram tanto a Ve-
lazco que..." Belgrano capitula ern Tacuarí a 9 de
marçode 1811.
Sem dúvida os paraguaios não amavam tanto a
Velazco como Belgrano acreditava. Simplesmente
consideravamque não havia motivosparasubordinar-
se a uma Junta que por si e diante de si se havia
arrogado o direito vice-real de exercer o domínio
sobre todo o Vice-reino do Prata.

Caí Velazco

O movimento autonomista que haveria de de-


sembocarna indppendênciaia-se desenvolvendo,e jâ
se havia escolhido o dia 25 de maio de 1811 como
data de ocupar Assunção e constituir um governo
prôprio" Inicialmente lideravam o movimento Ful-
gencioYegros, que devia levantar-seem ltapúa; Blas
José de Rojas, em Corrientes; e Manuel Atanasio
Cavafras, na cordilheira. ?4,sações dos conjurados
foram apressadas em virtude dos entendimentos
entre governador Bernardo de Velazco e o capitão
José de Abreu, enviado português a Assunção. Em
15 de maio Cavaflas avisou ao governador de que os
oficiais e soldadossob seu comando não permitiriam
que a província fosse entregue a nenhum poder es-
trangeiro. Houve de imediato um golpe incruento e
sem maiores violências acabou-seo poder do gover-
As independências na América Latina 139

nador. Formou-se um triunvirato governante, do


qual fazia parte o doutor José Gaspar Rodríguez de
Francia, uma personagemcujo papel será extraordi-
nário na histôria do Paraguai independente. Derro-
tado o general Belgrano e afastado da província com
seussoldadosrestantes, o inimigo agora era a Corte
porfuguesa instalada no Brasil, cujos exércitos pare-
ciam muito mais perigososque os de Buenos Aires.
Esta, inconformada com sua derrota, dedicara-se a
hostilizar o Paraguai, sobre o qual continuou man-
tendo suas pretensões.Enquanto isso o novo gover-
no, organizado a 16 de maio, manteve Velazco co-
mo companheiro de Francia e do capitão espanhol
Juan Baleriano de Zevallos.Porém, como o ex-gover-
nador continuava a comunicar-se com os portugue-
ses, acabou sendo afastado do poder a 9 de junho.
Francia e Zevallos convocaram um Congressogeral
que se reuniu a 17 dejunho. A assembléiapronun-
ciou-se a favor de uma confederaçãodos povos his-
pano-americanos,e em relação a Buenos Aires mani-
festou uma série de reivindicaçõesde ordem econô-
mica, com tendência a favorecer a comercializaçáo
dos produtos paraguaios. A idéia de unidade entre
iguais, sem subordinações,não foi aceita por Buenos
Aires, cujo poderoso grupo de comerciantes ambi-
cionava substituir o poder vice-real.A independência
do povo guarani estavaem marcha.
140 Leon Pomer

A independência

Quem efetivamente a concluiu foi o jâ mencio-


nado JoséGaspar Rodriguez de Francia, doutor em
direito formado pela Universidade de Côrdoba,
admirador dos pensadoresdo Iluminismo francês e
de Franklin, mas além dissopolítico de um surpreen-
dente pragmatismo. Sem a pressãode grupos econô-
micos de origem colonial praticamente inexistentes
(grandes latifundiários, poderosos comerciantes),
Francia exerceuuma cuidadosa defesada soberania
nacional. O Estado que ele construiu passoua ser um
poder não contestadopor nenhum chefe regional, o
que sempre aconteceuno restante da América espa-
nhola. A não-existênciadesseschefes - sobretudo
dos chefesmilitares - derivou da ausência de pode-
res locais fortes e de que o Paraguai não realizou uma
luta pela independência.O poder de Francia foi um
porÍer n'ivil, exercido como verdadeira autocracia pa-
triarcal. Os interessesmais beneficiados foram os
majoritários. quer dizer, os interessesda massa de
pequenoscamponeses.Diferentementedo restante
ria América espanhola,não houve oligarquias que
usufruíranros benefíciosdo poder. Os poucos ricos,
que vinham dos temposcoloniais,quando não foram
tratados com extrema violência tiveram que retirar-
se melancolicamentepara seuscasarõese fazendas,
dedicando seu ôcio a jogos de baralho ou tarefas
parecidas.Uma das virtudes de Francia foi que não
pretendeu mascarar seu poder pessoal por trâs de
As independências na América Latina l 4l

instituições de fachada, à maneira européia. Gover-


nou sem hipocrisia e proclamou-se Ditador Perpé-
tuo. E o foi, na verdade, até sua morte. Mas a Dita-
dura Perpétua de dom JoséGaspar - e aqui temos
outra diferença com o restante das antigas colônias
- por mais autoritâria e desagradávelque possa ter
sido, não serviu para garantir a expropriação do tra-
balho camponês por um grupo limitado de latifun-
diarios e comerciantes.Foi um produto específicode
uma sociedade estruturada de modo clriginal, se
comparada às sociedadesvizinhas do continente.

***

Sobreo sutor

kon Pomer é historiador argentino, especialistaem história la


tino-americana. Trabalhou durante vinte e cinco anos como iornalista na
imprensa argentina e de outros países latino-americanos e ioi professor
das Universidades de Buenos Aires e Del Salvador.
Teve publicadas na Argentina as seguintesobras:
- Guerra del Paraguay ! Gran negocio! (1968) ( a sair no Brasil)
- El Soldado Criollo (1971\
- El Gaucho (1971\
- Cinco Artos de Guerra Civil en la Argentina : I 865-I 870 (197 7\
No mesmo país foram publicados os seguintes ensaios de sua
aut oria:
"Francisco Solano Lopez" (1971); "Actualidad del Chacho Pefla-
loza" (1968); "Juan Bautista Alberdi, Sus Escritos sobre Estetica y
Problemas de la Literatura" (1964); "Bartolome Hidalgo, Primer Poeta
P opular R i o p l a t e n s e "( 1 9 6 1)e o u tr o s.
Publicou no Brasil, pela Editora Brasiliense Os Conflìtos da Bacia
do Prata (19791, Américo, Histórias, Delírios e outras Magias (198O).
colEçÃoruDo Éstsrónn
I - A. indopondônclG m Amê mavê.a dê PÌ.9! Soniâ Goldfeder inquisição Anita Novinsky 50. A
ric! Latina Leon PomeÌ 2 - Â 27 - A conrtruéo dó 3cielisÍro mêsir árabe frodernã e o 8Ì!.il
crise do êacÉvi3m € a g.ande na Chin . o . A a r ã o R e i s F i l h o S I l n ì a n i Z e g h i d o ! f 5 1 . O n .sci
imigraçà) P. geiguolmsn 3 - A 28 . Opulôncir ô mlséÌiâ És mento das lábricas Edgar S. dê
lub @ntrr . metÌópolo ÍÁri. è M inâa G ê n i r Laurâ Vergueiro Deccâ 52 - Londres e PáÌis no
Á Í ricâ ) M. Ye dd a Linhâr es 4. O 29 . A burgueriâ bmsileirâ Jacob século XIX À4aria Stella lúadins
poplli5mo nâ Amé.|@ Latina M. Gorendor 30 - O governo Jânio Brescrani 53 . Oriente Médio e o
Ligia Prado 5 - A rêúolução chi O uadr $ M. Victórja Mesquita mundo dos árabes lúariâ Yeddâ
nes. D. Aarã o R eis Filho 6 . O Benevides 3í - BêYolüção e linhares 54. A â u t o g e stã o
@gffo Cârlos A. Dóriâ 7 - Mer- guerra civil espanlFle,Angela M. iugo6lava Bertino Nobrega de
*ntili6mo e lrffiiÉo Francísco Almeida 32 - A legislação trâ- Oueiroz 55 - O golpe de 19il;
Falcon I . As .evoluçóês burguê. balhi3Ë no 8.úll Kazumi Muna- a b!.guesiâ contÌe o Fpulismo
s lú. Floíênzmo g - Pr?i5 1968: kâta 33 - Ot crime. d. Daixão Arnando Eoito Jr. $ - Eleicóê! .
ar barticadas do dselo Olgária Mariza Corréa 34 . cruzadas írsdes elêitolais n. Re9ública
C.F. Ìúâ tos 10 - Nor des t e hiur - Hilár io F r a n c o J r . 3 5 ^s- F o r m a ç t u V e l h ã R o d o l p h o T e l a r o l l i 5 7 - Os
gcnle (i850-t890) Hamilton Ìü. do 3.' mundo Lâdislau Dowbor iÉuatâs José Carlos Sebe 58. A
Monteiro ll - A revoluçáo indus- 36 - O Egito antigo Ciro F. CaF Ìcpúblicâ de Weimâr e â âBcêF
tÍal Fran cisco lglés ias 12 - O s doso 37 . Rêvoluç& cubânâ Abe- 6á0 do neismo Anqela f,4. AI-
qullombos ê e reb€líáo nÊgrâ lardo Blanco/Carlos A. Dória 38 - meida 59 . A rcÍorma agrária na
Clóvis Moura 13 - O coronêlismo O imignntê e a pequena prc Ni6rágúa C l á u d i o T . B o r n ste i n
M. dê Lourdes Janofti 14 - O DÌiêdade M. Th€reza Schorer Pe- 60 . leatro OÍicina Fernãndo PeL
governo J. Kubitscheck Rìcardo trone 39 . O hündo antigo: *G xoto 6t - nú3sia ( t s Í 7 - t9 2 í)
Maranháo Í5 - O movimento dê nomiâ o siedade M. Beatriz B. a n o s v e r m e l h o s D a n i e l A . R . Fi .
1932 Mâria H. Caoelat o 16. A Florenzano 40 - Guerr! civil ame- lho 62 - Revol!ção mêxicana
América prédlombiam C. Fla- Ìl6ne Peter L. Eisenberg 4l ( í 9 1 0 - 1 9 1 7 ) A n n â l ú . M . Co r íê â
marjon Cardoso 1? - Â abolição Cullure ô prnicipoção nos ams 53 - Âméricâ central Héctor Pé-
da eacrâvidão Suelv Â. B. de 60 Heloi s a B . d o H o l l a n d a 4 2 - rez Brignoli il - A guerra íria
Oueiroz t8 - A proclamação dâ 8êvolução de 1930: a dominação D é â F e n e l o n 6 5 - O Í e u d â l i sm o
repú blicâ J. Ên io Cas alec c hi 19. ocultâ Ítalo Íronca 43 . Contra â H a ì á r i o F r a n c o J r . 6 6 - U B SS: o
A revolta de Princeso lnês C. chibata: marinh€iros brasileiros socialismo real (192í-í$d) Da-
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dor Sântos 2í - A Nicerágus r.n- mundo CÍro F. Cardoso 45 A .
G . F . V i z e n t í n Ì 6 8 Â r e d e no cr e -
dÌ (isÌa lú âfisa l\r ar eqa 22. O ilu- igrejâ no 8rr!il-Colôíiá Eduârdo tiz!ção espanhola Feginaldo C.
Biíisrrc e os reis ÍilósoÍos L. R Hoorraert 46 - Milil.Ìbmo n. Morâês 69 - A etìqueta no antigo
S al,r3 s Foftê s 23 - M ov im ênt o América Ltinr Clóvis Rossi 47 - r.gimê R e n a t o J â n i n e Ri b e i r o
estud ân iil no EraBll Ant onio l\ r en- Bandeirülismo: v6Ì& 6 rêverco 70 - Gontêstado: a guern do
d.s .tt 24 " A comune dê Peris Car los H e n r i q u e D a v i d o f f 4 8 n o v o m u n d o A n t o n i o P . T o sÌa .
H. Iial?á1ez 25 - A r€bellão O governo coulad e o golpe
F raie ira lza be i Ma r s on 36. A pÌ Í de 64 Caio N. de ïoledo 49 . A

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lná( iro d; lú. Srlz a A c f is e de deÌnâ de 1922 Douglas TuÍano t h i s m o Wl a d i r D u p o n t O mo d e F
192 9 i,rla lbe /k, M ar s on A c olonl As intoÌnecionâis oDerárias M, n i s n o A l e x a n d r e E u l á l i o O m o vi .
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Cas Ìro A econ on \ ia c ãí eeir â J B. tas indigenâs no Brâsil Laìma Os laiiíundiá.ios Luiz Makloul
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A histó ria do C ar ibe Eliz abet h sociedade coloníal Mâria O. Lei- ceÍo, o milagreiro Carlos A. Dó-
A zèved o/'L uiza V . Sauaiar Hilde te Guerrâ do Víetnã Pâulo Cha- ria Pêru 1968: golpe ou revolu.
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oetáculo e en ce nac áo Fêr nando r ic a Fr an c ì s c o F a l c o n H i s t ó i i a d â da Costa/Caroline H a r a r i Po d e r
P eixoto  históri a do P, C. B- Sil educ aç ão b r a s i l e i r a t ú i r i a n J o r g e e televisão Antonio Alves Cury
via Ma gn an i A independênc iâ W ar de H i s t ó r i a d a e 3 c o l a Ë i i a n a Previdência sociâl no 8rq5il Anìé-
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cisc o lg lésias Am er ic an way oÍ História de hollpood Sheila l\re- bjm Rêvolução cientiíí@ José
liÍe chega ao Brasil Gerson Mou- z an His t ó r i a d o Í e m i n i s m o B. A i u y s i o R e i s d e A n d r a d e Bê vo l u -
ra a redemocËtização brâsileirâ: M or eir â A l v e s / J . P i t a n g u y H i s l ó - cáo dos cravos Mâuro de Mello
í942 .19 48 Ca rlos Henr ique Dâv L ria do Densamento econômico no ieonel Jr. Salazar e o estado
doff A rêvolução de í935 P. Brasil J. Eli Veiqa Mâdeirâ Mâ- novo Ponuguês Ìúaria Luiza
S eÍg io Pin he iro A r ev oluç ão m o. moré - A Íêúovia Íantâsma Paschkes,
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Nrm pÁrntR Nrm pRrnÃO - Vida operária e cultura


anarquista no Brasil
Francisco Foot Hardman

Procurarcompreender o mòvimentoanarquista do começoclo


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Cantadas Llterárias:
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A dercoberta do rilrndo o do corpo por trn ínonino mrroqrino

Mohamed Choukri
A vida sem pão nem ternura, um texto nu. A verdade de uma vivên
cia, a simplicidade das primeiras emoções de um homem que não teve
tempo nem o s u p r e m o p r i v i lé g iod e te r u m a in Íâ n cia .

FOLÈ{,â.SOAS FOLHAS OA RELVA

Walt Whitman
l iarl rle (ì t : i r C l r r l p o s
Hor: o s s e x u a l , e n t e r m e ir o n a Gu e r r a d a Se ce ssã o , r e ce b e ndo,
quúk erí Ì ì e n í eo [ s p i r i t o S a n to d a p o e sia ,livr e co m o u m p e le _ ve r mel ha,
conìo llrn g;lrrnrpadordc.ouro nas Montanhas Rochosas, barbudo co_
rrìo irrn artrirslo da beira do rio, Whitrrran, o primeiro beatnik, vive da
l onga v ida q u e s ó u m a g r a n c iep o e sia ( o u u m a g r a n d e r e vo lu çã o )irra-
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Pa u lo L e m inski
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Saiba do que estão falando
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56. PODERLEGISLATIVO - NelsonSaldanha
57. SOCIOLOGIA- CarlosB. Martins t)Ì
5 8 . D I RE I T OI NT E R N A C ION AL - i . l v i o n s e rraFti l h o
59. TEORIA- OtavianoPereira
60. FOLCLORE - CarlosRodriguesBrandão
6 1 . E X I S T E NCI A L IS M-O J o ã od a Pe n h a
62. DIREITO- RobertoLyraFilho
63. POESIA- FernandoPaixão
64. CAPITAL- LadislauDowbor
65. MAIS-VALIA- PauroSandroni
6 6 . RE CURS O S HU M AN O S- F l á v i od e T o l e d o
6 7 . CO M UNI CA CÃ O - i u a n D ía zB o rd e n a v e
6 8 . R O CK- P auloC h a c o n
69. PASTORAL- João BatistaLibanio
7 0 . CO NT A B I LI DAD-E R o q u eJ a c i n th o
7 1 . CA P I T A LI NT E R N A C ION AL - R a b a hBe n a k o u che
72. POSITIVISMO- João RibeiroJr.
73. LOUCURA- João A. Frayze-Pereira
74. LEITURA- MariaHelenaMartins
75. OUESTÃOPALESTINA- HEICNA SAIEM
76. PUNK - AntonioBivar
7 7 . P RO P A G A NDA I D E O L OGIC -- A N é l s o nJ a h rG arci a
7 8 . M A G I A - J oão R ìb e i ro J r.
79. EDUCACÃOFÍSICA- Vitor MarinhodeOliveira
80. MUSICA - J. Jota de Moraes
8 1 . HO M O S S E X UAL ID AD- E P e te rF rye Ed w a rdM acR ae
82. FOTOGRAFIA - CláudioAraújoKubrusly
8 3 , P O LÍ T I CANUCL EA R- R i C A rdAOrN t
84. MEDICINAALTERNATIVA- Alan ÍndioSerrano
8 5 . V |O LÊ NC|A- N i roOd á ti a

brssiliense

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