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A INQUISIÇÃO

 
Introdução por Dom Henrique:

É comum escutar qualquer um, de modo preconceituoso e totalmente desprovido de


fundamentação histórica científica, referir-se à Idade Média e à Inquisição para
condenar e difamar a Igreja. Não devemos ter medo da verdade nem esconder os
erros históricos da Igreja de Cristo; mas também não devemos aceitar a difamação
maldosa e irresponsável, que distorce os fatos de modo injusto. Eis alguns
esclarecimentos sobre a Inquisição. Vale a pena ler as três partes. Nunca mais você ficará
calado quando alguém quiser falar mal da Igreja citando a Inquisição!
 
A Inquisição não foi criada de uma só vez, nem procedeu do mesmo modo no decorrer
dos séculos. Por isto distinguem-se:
 
1) A Inquisição Medieval, voltada contra as heresias cátara e valdense nos séculos XII-
XIII e contra falsos misticismos nos séculos XIV-XV;
 
2) A Inquisição Espanhola, instituída em 1.478 por iniciativa dos reis Fernando e Isabel;
visando principalmente aos judeus e muçulmanos, tornou-se poderoso instrumento do
absolutismo dos monarcas espanhóis até o século XIX, a ponto de quase não poder ser
considerada instituição eclesiástica (não raro a Inquisição Espanhola procedeu
independentemente de Roma, resistindo à intervenção da Santa Sé, porque o rei de
Espanha a esta se opunha);
 
3) A Inquisição Romana (também dita Santo Ofício) instituída em 1.542 pelo Papa
Paulo III, em vista do surto do protestantismo.
 
Apesar das modalidades próprias, a Inquisição Medieval e a Romana foram movidas
por princípios e mentalidade características. Passamos a examinar essa mentalidade e
os procedimentos de tal instituição, principalmente como nos são transmitidos por
documentos medievais.
 
Antecedentes da Inquisição contra os hereges a Igreja antiga aplicava penas
espirituais, principalmente a excomunhão; não pensava em usar a força bruta.
Quando, porém, o Imperador romano se tornou cristão, a situação dos hereges mudou.
Sendo o Cristianismo religião de Estado, os Césares quiseram continuar a exercer para
com este os direitos dos imperadores romanos ( Pontifices maximi) em relação à religião pagã;
quando arianos, perseguiam os católicos; quando católicos, perseguiam os hereges. A heresia era tida como
um crime civil, e todo atentado contra a religião oficial como atentado contra a sociedade; não se deveria
ser mais clemente para com um crime cometido contra a Majestade Divina do que para com os crimes de
lesa-majestade humana.
 
As penas aplicadas, do século IV em diante, eram geralmente a proibição de fazer
testamento, a confiscação dos bens, o exílio. A pena de morte foi infligida, pelo poder
civil, aos maniqueus e aos donatistas; aliás, já Diocleciano em 300 parece ter
decretado a pena de morte pelo fogo para os maniqueus, que eram contrários à
matéria e aos bens materiais.
 
Agostinho, de início, rejeitava qualquer pena temporal para os hereges. Vendo, porém,
os danos causados pelos donatistas (circumcelliones) propugnava os açoites e o exílio, não a
tortura nem a pena de morte. Já que o Estado pune o adultério, argumentava, deve punir também a heresia,
pois não é pecado mais leve a alma não conservar fidelidade (fides, fé) a Deus do que a mulher trair o
marido (epist. 185, n. 21, a Bonifácio). Afirmava, porém, que os infiéis não devem ser obrigados a abraçar a
fé, mas os hereges devem ser punidos e obrigados ao menos a ouvir a verdade.
 
As sentenças dos Padres da Igreja sobre a pena de morte dos hereges variavam. São
João Crisóstomo (+ 407) Bispo de Constantinopla, baseando-se na parábola do joio e
do trigo, considerava a execução de um herege como culpa gravíssima; não excluía,
porém, medidas repressivas. A execução de Prisciliano, prescrita por Máximo
Imperador em Tréveris (385) foi geralmente condenada pelos porta-vozes da Igreja,
principalmente por São Martinho e Santo Ambrósio.
 
Das penas infligidas pelo Estado aos hereges não constava a prisão; esta parece ter
tido origem nos mosteiros, donde foi transferida para a vida civil. Os reis merovíngios
e carolíngios castigavam crimes eclesiásticos com penas civis assim como aplicavam
penas eclesiásticas a crimes civis.
 
Chegamos assim ao fim do primeiro milênio. A Inquisição teria origem pouco depois.
 
As origens da Inquisição
 
No antigo Direito Romano, o juiz não empreendia a procura dos criminosos; só
procedia ao julgamento depois que lhe fosse apresentada a denúncia. Até à Alta Idade
Média, o mesmo se deu na Igreja; a autoridade eclesiástica não procedia contra os
delitos se estes não lhe fossem previamente apresentados. No decorrer dos tempos,
porém, esta praxe mostrou-se insuficiente. Além disto, no séc. XI apareceu na Europa
nova forma de delito religioso, isto é, uma heresia fanática e revolucionária, como não
houvera até então: O catarismo (do grego katharós, puro) ou o movimento dos albigenses (de
Albi, cidade da França meridional, onde os hereges tinham seu foco principal).
 
Considerando a matéria por si os cátaros rejeitavam não somente a face visível da
Igreja, mas também instituições básicas da vida civil — o matrimônio, a autoridade
governamental, o serviço militar — e enalteciam o suicídio. Destarte constituíam grave
ameaça não somente para a fé cristã, mas também para a vida pública.
 
Em bandos fanáticos, às vezes apoiados por nobres senhores, os cátaros provocavam
tumultos, ataques às igrejas etc., por todo o decorrer do séc. XI até 1.150
aproximadamente, na França, na Alemanha, nos Países-Baixos... O povo, com a sua
espontaneidade, e a autoridade civil, se encarregavam de os reprimir com violência:
Não raro o poder régio da França, por iniciativa própria e a contra-gosto dos bispos,
condenou à morte pregadores albigenses, visto que solapavam os fundamentos da
ordem constituída.
 
Foi o que se deu, por exemplo, em Orleães (1017) onde o Rei Roberto, informado de
um surto de heresia na cidade, compareceu pessoalmente, procedeu ao exame dos
hereges e os mandou lançar ao fogo; a causa da civilização e da ordem pública se
identificava com a fé! Entrementes a autoridade eclesiástica limitava-se a impor penas
espirituais (excomunhão, interdito, etc.) aos albigenses, pois até então nenhuma das
muitas heresias conhecidas havia sido combatida por violência física; Santo Agostinho
(+430) e antigos bispos, São Bernardo (+1154), S. Norberto (+1134) e outros mestres
medievais eram contrários ao uso da forma ("Sejam os hereges conquistados não
pelas armas, mas pelos argumentos", admoestava São Bernardo, In Cant, serm. 64).
 
Não são casos isolados os seguintes:
 
Em 1.144 na cidade de Lião o povo quis punir violentamente um grupo de inovadores
que aí se introduzira; o clero, porém, os salvou, desejando a sua conversão, e não a
sua morte.
 
Em 1.077 um herege professou seus erros diante do bispo de Cambraia; a multidão de
populares lançou-se então sobre ele, sem esperar o julgamento, encerrando-o numa
cabana, à qual atearam o fogo!
 
Contudo, em meados do século XII, a aparente indiferença do clero se mostrou
insustentável: Os magistrados e o povo exigiam colaboração mais direta na repressão
do catarismo.
 
Muito significativo, por exemplo, é o episódio seguinte: O Papa Alexandre III, em 1.162,
escreveu ao Arcebispo de Reims e ao Conde de Flândria, em cujo território os cátaros
provocavam desordens: "Mais vale absolver culpados do que, por excessiva
severidade, atacar a vida de inocentes... A mansidão mais convém aos homens da
Igreja do que a dureza... Não queiras ser justo demais ( noli nimium esse iustus)". Informado
desta admoestação pontifícia, o Rei Luís VII de França, irmão do referido arcebispo, enviou ao Papa um
documento em que o descontentamento e o respeito se traduziam simultaneamente: "Que vossa prudência
dê atenção toda particular a essa peste (a heresia) e a suprima antes que possa crescer. Suplico-vos para bem
da fé cristã, concedei todos os poderes neste Campo ao Arcebispo (do Reims) ele destruirá os que assim se
insurgem contra Deus, sua justa severidade será louvada por todos aqueles que nesta terra são animados de
verdadeira piedade. Se procederdes de outro modo, as queixas não se acalmarão facilmente e
desencadeareis contra a Igreja Romana as violentas recriminações da opinião pública". (Martene, Amplissima
Collectio II 638 s)
 
As conseqüências deste intercâmbio epistolar não se fizeram esperar muito: O Concílio
Regional de Tours em 1.163, tomando medidas repressivas contra a heresia, mandava
inquirir (procurar) os seus agrupamentos secretos. Por fim, a assembléia de Verona
(Itália) à qual compareceram o Papa Lúcio III, o Imperador Frederico Barba-Roxa,
numerosos bispos, prelados e príncipes, baixou, em 1.184, um decreto de grande
importância: O poder eclesiástico e o civil, que até então haviam agido
independentemente um do outro (aquele impondo penas espirituais, este recorrendo à
força física) deveriam combinar seus esforços em vista de mais eficientes resultados:
Os hereges seriam doravante não somente punidos, mas também procurados
(inquiridos); cada bispo inspecionaria, por si ou por pessoas de confiança uma ou duas
vezes por ano, as paróquias suspeitas; os condes, barões e as demais autoridades
civis os deveriam ajudar sob pena de perder seus cargos ou ver o interdito lançado
sobre as suas terras; os hereges depreendidos ou abjurariam seus erros ou seriam
entregues ao braço secular, que lhes imporia a sanção devida.
 
Assim era instituída a chamada "Inquisição episcopal", a qual, como mostram os
precedentes, atendia a necessidades reais e a clamores exigentes tanto dos monarcas
e magistrados civis como do povo cristão; independentemente da autoridade da
Igreja, já estava sendo praticada a repressão física das heresias. No decorrer do
tempo, porém, percebeu-se que a inquisição episcopal ainda era insuficiente para
deter os inovadores; alguns bispos, principalmente no sul da França, eram tolerantes;
além disto, tinham seu raio de ação limitado às respectivas dioceses, o que lhes
vedava uma campanha eficiente. À vista disto, os Papas, já em fins do século XII,
começaram a nomear legados especiais, munidos de plenos poderes para proceder
contra a heresia onde quer que fosse.
 
Destarte surgiu a "Inquisição Pontifícia" ou "legatina", que a princípio ainda funcionava
ao lado da episcopal, aos poucos, porém, a tornou desnecessária. A Inquisição papal
recebeu seu caráter definitivo e sua organização básica em 1.233, quando o Papa
Gregório IX confiou aos dominicanos a missão de Inquisidores; havia doravante, para
cada nação ou distrito inquisitorial, um Inquisidor-Mor, que trabalharia com a
assistência de numerosos oficiais subalternos (consultores, jurados, notários...) em
geral independentemente do bispo em cuja diocese estivesse instalado. As normas do
procedimento inquisitorial foram sendo sucessivamente ditadas por Bulas pontifícias e
decisões de Concílios.
 
Entrementes a autoridade civil continuava a agir, com zelo surpreendente contra os
sectários. Chama a atenção, por exemplo, a conduta do Imperador Frederico II, um dos
mais perigosos adversários que o Papado teve no séc. XIII. Em 1.220 este monarca
exigiu de todos os oficiais de seu governo prometessem expulsar de suas terras os
hereges reconhecidos pela Igreja; declarou a heresia crime de lesa-majestade, sujeito
à pena de morte e mandou dar busca aos hereges. Em 1.224 publicou decreto mais
severo do que qualquer das leis citadas pelos reis ou Papas anteriores: As autoridades
civis da Lombardia deveriam não somente enviar ao fogo quem tivesse sido
comprovado herege pelo bispo, mas ainda cortar a língua aos sectários a quem, por
razões particulares, se houvesse conservado a vida. E possível que Frederico II visasse
a interesses próprios na campanha contra a heresia; os bens confiscados redundariam
em proveito da coroa.
 
Não menos típica é a atitude de Henrique II, rei da Inglaterra: Tendo entrado em luta
contra o arcebispo Tomás Becket, primaz de Cantuária, e o Papa Alexandre III, foi
excomungado. Não obstante, mostrou-se um dos mais ardorosos repressores da
heresia no seu reino: Em 1185, por exemplo, alguns hereges de Flandres tendo-se
refugiado na Inglaterra, o monarca mandou prendê-los, marcá-los com ferro em brasa
na testa e expô-los, assim desfigurados, ao povo; além disto, proibiu aos seus súditos
lhes dessem asilo ou lhes prestassem o mínimo serviço.
 
Estes dois episódios, que não são únicos no seu gênero, bem mostram que o proceder
violento contra os hereges, longe de ter sido sempre inspirado pela suprema
autoridade da Igreja, foi não raro desencadeado independentemente desta, por
poderes que estavam em conflito com a própria lgreja. A inquisição, em toda a sua
história, se ressentiu dessa usurpação de direitos ou da demasiada ingerência das
autoridades civis em questões que dependem primeiramente do foro eclesiástico.
 
Em síntese, pode-se dizer o seguinte:
 
1) A Igreja, nos seus onze primeiros séculos, não aplicava penas temporais aos
hereges, mas recorria às espirituais (excomunhão, interdito, suspensão...). Somente
no século XII passou a submeter os hereges a punições corporais. E por quê?
 
2) As heresias que surgiram no século XI (as dos cátaros e valdenses), deixavam de
ser problemas de escola ou academia, para ser movimentos sociais anarquistas, que
contrariavam a ordem vigente e convulsionavam as massas com incursões e saques.
Assim tornavam-se um perigo público.
 
3) O Cristianismo era patrimônio da sociedade, à semelhança da prática e da família
hoje. Aparecia como o vínculo necessário entre os cidadãos ou o grande bem dos
povos; por conseguinte, as heresias, especialmente as turbulentas, eram tidas como
crimes sociais de excepcional gravidade.
 
4) Não é, pois, de estranhar que as duas autoridades - a civil e a eclesiástica tenham
finalmente entrado em acordo para aplicar aos hereges as penas reservadas pela
legislação da época aos grandes delitos.
 
5) A Igreja foi levada a isto, deixando sua antiga posição, pela insistência que sobre
ela exerceram não somente monarcas hostis, como Henrique II da Inglaterra e
Frederico Barba-roxa da Alemanha, mas também reis piedosos e fiéis ao Papa, como
Luís VII da França.
6) De resto, a Inquisição foi praticada pela autoridade civil mesmo antes de estar
regulamentada por disposições eclesiásticas. Muitas vezes o poder civil se sobrepôs
ao eclesiástico na procura de seus adversários políticos.
 
7) Segundo as categorias da época, a Inquisição era um progresso para melhor em
relação ao antigo estado de coisas, em que as populações faziam justiça pelas
próprias mãos. E de notar que nenhum dos Santos medievais (nem mesmo S.
Francisco de Assis, tido como símbolo da mansidão) levantou a voz contra a
Inquisição, embora soubessem protestar contra o que lhes parecia destoante do ideal
na Igreja.
 
Procedimentos da Inquisição
 
As táticas utilizadas pelos Inquisidores são-nos hoje conhecidas, pois ainda se
conservaram manuais de instruções práticas entregues ao uso dos referidos oficiais.
Quem lê tais textos, verifica que as autoridades visavam a fazer dos juízes
inquisitoriais autênticos representantes da justiça e da causa do bem. Bernardo de
Guy (séc. XIV) por exemplo, tido como um dos mais severos inquisidores, dava as
seguintes normas aos seus colegas: "O Inquisidor deve ser diligente e fervoroso no
seu zelo pela verdade religiosa, pela salvação das almas e pela extirpação das
heresias. Em meio às dificuldades permanecerá calmo, nunca cederá à cólera nem à
indignação... Nos casos duvidosos, seja circunspeto, não dê fácil crédito ao que parece
provável e muitas vezes não é verdade; também não rejeite obstinadamente a opinião
contrária, pois o que parece improvável freqüentemente acaba por ser comprovado
como verdade... O amor da verdade e a piedade que devem residir no coração de um
juiz, brilhem em seus olhos, a fim de que suas decisões jamais possam parecer
ditadas pela cupidez e a crueldade." (Prática VI p... ed. Douis 232 s). Já que mais de
uma vez se encontram instruções tais nos arquivos da Inquisição, não se poderia crer
que o apregoado ideal do Juiz Inquisidor, ao mesmo tempo eqüitativo e bom, se
realizou com mais freqüência do que comumente se pensa? Não se deve esquecer,
porém (como adiante mais explicitamente se dirá) que as categorias pelas quais se
afirmava a justiça na Idade Média, não eram exatamente as da época moderna...
 
Além disto, levar-se-á em conta que o papel do juiz, sempre difícil, era particularmente
árduo nos casos da Inquisição: O povo e as autoridades civis estavam profundamente
interessados no desfecho dos processos; pelo que, não raro exerciam pressão para
obter a sentença mais favorável a caprichos ou a interesses temporais; às vezes, a
população obcecada aguardava ansiosamente o dia em que o veredictum do juiz entregaria
ao braço secular os hereges comprovados. Em tais circunstâncias não era fácil aos juízes manter a serenidade
desejável. Dentre as táticas adotadas pelos Inquisidores, merecem particular atenção a tortura e a entrega
ao poder secular (pena de morte).
 
A tortura estava em uso entre os gregos e romanos pré-cristãos que quisessem
obrigar um escravo a confessar seu delito. Certos povos germânicos também a
praticavam. Em 866, porém, dirigindo-se aos búlgaros, o Papa Nicolau I a condenou
formalmente. Não obstante, a tortura foi de novo adotada pelos tribunais civis da
Idade Média nos inícios do séc. XII, dado o renascimento do Direito Romano. Nos
processos inquisitoriais, o Papa Inocêncio IV acabou por introduzi-la em 1.252, com a
cláusula: "Não haja mutilação de membros nem perigo de morte para o réu". O
Pontífice, permitindo tal praxe, dizia conformar-se aos costumes vigentes em seu
tempo (Bullarum amplissima collectio II 326).
 
Os Papas subseqüentes, assim como os Manuais dos Inquisidores, procuraram
restringir a aplicação da tortura; só seria lícita depois de esgotados os outros recursos
para investigar a culpa e apenas nos casos em que já houvesse meia-prova do delito
ou, como dizia a linguagem técnica, dois "índices veementes" deste, a saber: O
depoimento de testemunhas fidedignas, de um lado e, de outro lado, a má fama, os
maus costumes ou tentativas de fuga do réu. O Concílio de Viena (França) em 1.311
mandou outrossim que os Inquisidores só recorressem a tortura depois que uma
comissão julgadora e o bispo diocesano a houvessem aprovado para cada caso em
particular. Apesar de tudo que a tortura apresenta de horroroso, ela tem sido
conciliada com a mentalidade do mundo moderno ... ainda estava oficialmente em uso
na França do séc. XVIII e tem sido aplicada até mesmo em nossos dias... Quanto à
pena de morte, reconhecida pelo antigo Direito Romano, estava em vigor na jurisdição
civil da Idade Média. Sabe-se, porém, que as autoridades eclesiásticas eram contrárias
à sua aplicação em casos de lesa-religião. Contudo, após o surto do catarismo (séc.
XII) alguns canonistas começaram a julgá-la oportuna, apelando para o exemplo do
Imperador Justiniano, que no Séc. VI a infligira aos maniqueus. Em 1.199 o Papa
Inocêncio III dirigia-se aos magistrados de Viterbo nos seguintes termos: "Conforme a
lei civil, os réus de lesa-majestade são punidos com a pena capital e seus bens são
confiscados. Com muito mais razão, portanto, aqueles que, desertando a fé, ofendem
a Jesus, o Filho do Senhor Deus, devem ser separados da comunhão cristã e
despojados de seus bens, pois muito mais grave é ofender a Majestade Divina do que
lesar a majestade humana". (Epist. 2,1). Como se vê, o Sumo Pontífice com essas palavras desejava
apenas justificar a excomunhão e a confiscação de bens dos hereges; estabelecia, porém, uma comparação
que daria ocasião a nova praxe... O Imperador Frederico II soube deduzir-lhe as últimas conseqüências:
Tendo lembrado numa Constituição de 1.220 a frase final de Inocêncio III, o monarca, em 1.224, decretava
francamente para a Lombardia a pena de morte contra os hereges e, já que o Direito antigo assinalava o fogo
em tais casos, o Imperador os condenava a ser queimados vivos. Em 1.230 o dominicano Guala, tendo subido
à cátedra episcopal de Bréscia (Itália), fez aplicação da lei imperial na sua diocese. Por fim, o Papa Gregório
IX, que tinha intercâmbio freqüente com Guala, adotou o modo de ver deste bispo: Transcreveu em 1230 ou
1231 a constituição imperial de 1.224 para o Registro das Cartas Pontifícias e em breve editou uma lei pela
qual mandava que os hereges reconhecidos pela Inquisição fossem abandonados ao poder civil, para receber
o devido castigo, castigo que, segundo a legislação de Frederico II, seria a morte pelo fogo. Os teólogos e
canonistas da época se empenharam por justificar a nova praxe; eis como fazia S. Tomás de Aquino: "É muito
mais grave corromper a fé, que é a vida da alma, do que falsificar a moeda que é um meio de prover à vida
temporal Se, pois, os falsificadores de moedas e outros malfeitores são, a bom direito, condenados à morte
pelos príncipes seculares, com muito mais razão os hereges, desde que sejam comprovados tais, podem não
somente ser excomungados, mas também em toda justiça ser condenados à morte" (Summa Theologiae II/II
11,3c).
 
A argumentação do Santo Doutor procede do princípio (sem dúvida, autêntico em si)
de que a vida da alma mais vale do que a do corpo; se, pois, alguém pela heresia
ameaça a vida espiritual do próximo, comete maior mal do que quem assalta a vida
corporal; o bem comum então exige a remoção do grave perigo (veja-se também  S.
Teol. II/II 11,4c).
 
Contudo as execuções capitais não foram tão numerosas quanto se poderia crer.
Infelizmente faltam-nos estatísticas completas sobre o assunto; consta, porém, que o
tribunal de Pamiers, de 1.303 a 1.324, pronunciou 75 sentenças condenatórias, das
quais apenas cinco mandavam entregar o réu ao poder civil (o que equivalia à morte);
o lnquisidor Bernardo de Guy, em Tolosa, de 1.308 a 1.323, proferiu 930 sentenças,
das quais 42 eram capitais; no primeiro caso, a proporção é de 1/15; no segundo caso,
de 1/22. Não se poderia negar, porém, que houve injustiças e abusos da autoridade
por parte dos juízes inquisitoriais. Tais males se devem a conduta de pessoas que, em
virtude da fraqueza humana, não foram sempre fiéis cumpridoras da sua missão.
 
Os Inquisidores trabalhavam a distâncias mais ou menos consideráveis de Roma,
numa época em que, dada a precariedade de correios e comunicações, não podiam
ser assiduamente controlados pela suprema autoridade da Igreja. Esta, porém, não
deixava de os censurar devidamente, quando recebia notícia de algum desmando
verificado em tal ou tal região. Famoso, por exemplo, é o caso de Roberto, o Bugro,
Inquisidor-Mor de França no século XIII.
 
O Papa Gregório IX a princípio muito o felicitava por seu zelo. Roberto, porém, tendo
aderido outrora à heresia, mostrava-se excessivamente violento na repressão da
mesma. Informado dos desmandos praticados pelo lnquisidor, o Papa o destituiu de
suas funções e o mandou encarcerar. Inocêncio IV, o mesmo Pontífice que permitiu a
tortura nos processos da inquisição, e Alexandre IV, respectivamente em 1.246 e
1.256, mandaram aos Padres Provinciais e Gerais dos Dominicanos e Franciscanos,
depusessem os Inquisidores de sua Ordem que se tornassem notórios por sua
crueldade.
 
O Papa Bonifácio VIII (1.294-1.303) famoso pela tenacidade e intransigência de suas
atitudes, foi um dos que mais reprimiram os excessos dos inquisidores, mandando
examinar, ou simplesmente anulando, sentenças proferidas por estes. O Concílio
regional de Narbona (França) em 1.243 promulgou 29 artigos que visavam a impedir
abusos do poder. Entre outras normas, prescrevia aos Inquisidores só proferissem
sentença condenatória nos casos em que, com segurança, tivessem apurado alguma
falta, "pois mais vale deixar um culpado impune do que condenar um inocente."
(cânon 23) Dirigindo-se ao Imperador Frederico II, pioneiro dos métodos inquisitoriais,
o Papa Gregório IX aos 15 de julho de 1.233 lhe lembrava que "a arma manejada pelo
Imperador não devia servir para satisfazer aos seus rancores pessoais, com grande
escândalo das populações, com detrimento da verdade e da dignidade imperial." ( ep.
saec. XIII 538-550).
 
Avaliação
 
Procuremos agora formular um juízo sobre a Inquisição Medieval. Não é necessário ao
católico justificar tudo que, em nome desta, foi feito. É preciso, porém, que se
entendam as intenções e a mentalidade que moveram a autoridade eclesiástica a
instituir a Inquisição. Estas intenções, dentro do quadro de pensamento da Idade
Média, eram legítimas e, diríamos até, deviam parecer aos medievais inspiradas por
santo zelo. Podem-se reduzir a quatro os fatores que influíram decisivamente no surto
e no andamento da Inquisição:
 
1) Os medievais tinham profunda consciência do valor da alma e dos bens espirituais.
Tão grande era o amor à fé (esteio da vida espiritual) que se considerava a deturpação
da fé pela heresia como um dos maiores crimes que o homem pudesse cometer
(notem-se os textos de São Tomás e do Imperador Frederico II atrás citados); essa fé
era tão viva e espontânea que dificilmente se admitiria viesse alguém a negar com
boas intenções um só dos artigos do Credo.
 
2) As categorias de justiça na Idade Média eram um tanto diferentes das nossas: Havia
muito mais espontaneidade (que às vezes equivalia a rudez) na defesa dos direitos.
Pode-se dizer que os medievais, no caso, seguiam mais o rigor da lógica do que a
ternura dos sentimentos; o raciocínio abstrato e rígido neles prevalecia por vezes
sobre o senso psicológico (nos tempos atuais verifica-se quase o contrário: Muito se
apela para a psicologia e o sentimento, pouco se segue a lógica; os homens modernos
não acreditam muito em princípios perenes; tendem a tudo julgar segundo critérios
relativos e relativistas, critérios de moda e de preferência subjetiva).
 
3) A intervenção do poder secular exerceu profunda influência no desenvolvimento da
inquisição. As autoridades civis anteciparam-se na aplicação da forma física e da pena
de morte aos hereges; instigaram a autoridade eclesiástica para que agisse
energicamente; provocaram certos abusos motivados pela cobiça de vantagens
políticas ou materiais. De resto, o poder espiritual e o temporal na Idade Média
estavam, ao menos em tese, tão unidos entre si que lhes parecia normal, recorressem
um ao outro em tudo que dissesse respeito ao bem comum. A partir dos inícios do
Séc. XIV a Inquisição foi sendo mais explorada pelos monarcas, que dela se serviam
para promover seus interesses particulares, subtraindo-a às diretivas do poder
eclesiástico, até mesmo encaminhando-a contra este; é o que aparece claramente no
Processo Inquisitório dos Templários, movido por Filipe o Belo da França (1.285-1.314)
à revelia do Papa Clemente V. (cf. capítulo 25)
 
4) Não se negará a fraqueza humana de Inquisidores e de oficiais seus colaboradores.
Não seria lícito, porém, dizer que a suprema autoridade da Igreja tenha pactuado com
esses fatos de fraqueza; ao contrário, tem-se o testemunho de numerosos protestos
enviados pelos Papas e Concílios a tais ou tais oficiais, contra tais leis e tais atitudes
inquisitoriais. As declarações oficiais da Igreja concernentes à Inquisição se
enquadram bem dentro das categorias da justiça medieval; a injustiça se verificou na
execução concreta das leis. Diz-se, de resto, que cada época da história apresenta ao
observador um enigma próprio na Antigüidade remota, o que surpreende são os
desumanos procedimentos de guerra. No Império Romano, é a mentalidade dos
cidadãos, que não conheciam o mundo sem o seu Império ( oikouméne— orbe habitado —
Imperium) nem concebiam o Império sem a escravatura. Na época contemporânea, é o relativismo ou
ceticismo público; é a utilização dos requintes da técnica para "lavar o crânio", desfazer a personalidade,
fomentar o ódio e a paixão. Não seria então possível que os medievais, com boa fé na consciência, tenham
recorrido a medidas repressivas do mal que o homem moderno, com razão, julga demasiado violentas?
Quanto à Inquisição Romana, instituída no Séc. XVI, era herdeira das leis e da mentalidade da Inquisição
Medieval. No tocante à Inquisição Espanhola, sabe-se que agiu mais por influência dos monarcas da Espanha
do que sob a responsabilidade da suprema autoridade da Igreja.
 
 
A INQUISIÇÃO ESPANHOLA
 
Origem da Inquisição Espanhola
 
Os reis Fernando e Isabel, visando a plena unificação de seus domínios, tinham
consciência de que existia uma instituição eclesiástica, a Inquisição, oriunda na Idade
Média com o fim de reprimir um perigo religioso e civil dos séculos XI/XII (a heresia
cátara ou albigense); a este perigo pareciam assemelhar-se as atividades dos
marranos (judeus) e mouriscos (árabes) na Espanha do século XV.
 
1) A Inquisição Medieval, que nunca fora muito ativa na península ibérica, achava-se a
mais ou menos adormecida na segunda metade do Séc. XV Aconteceu, porém, que
durante a Semana Santa de 1.478 foi descoberta em Sevilha uma conspiração de
marranos, a qual muito exasperou o público. Então lembrou-se o rei Fernando de pedir
ao Papa, reavivasse na Espanha a antiga Inquisição, e a reavivasse sobre novas bases,
mais promissoras para o reino, confiando sua orientação ao monarca espanhol. Sixto
IV, assim solicitado, resolveu finalmente atender ao pedido de Fernando (ao qual,
depois de hesitar algum tempo, se associara Isabel). Enviou, pois, aos reis da Espanha
o Breve de 19 de novembro de 1.478, pelo qual "conferia plenos poderes a Fernando e
Isabel para nomearem dois ou três Inquisidores, arcebispos, bispos ou outros
dignitários eclesiásticos, recomendáveis por sua prudência e suas virtudes, sacerdotes
seculares ou regulares, de quarenta anos de idade ao menos, e de costumes
irrepreensíveis, mestres ou bacharéis em Teologia, doutores ou licenciados em Direito
Canônico, os quais deveriam passar de maneira satisfatória por um exame especial.
Tais Inquisidores ficariam encarregados de proceder contra os judeus batizados
reincidentes no judaísmo e contra todos os demais culpados de apostasia. o Papa
delegava a esses oficiais eclesiásticos a jurisdição necessária para instaurar os
processos dos acusados conforme o Direito e o costume; além disto, autorizava os
soberanos espanhóis a destituir tais Inquisidores e nomear outros em seu lugar, caso
isto fosse oportuno". (L.Pastor, Histoire des Papes IV 370) Note-se bem que, conforme este edito, a
Inquisição só estenderia sua ação a cristãos batizados, não a judeus que jamais houvessem pertencido a
Igreja; a instituição era, pois, concebida como órgão promotor de disciplina entre os filhos da Igreja, não
como instrumento de intolerância em relação às crenças não-cristãs.
 
Procedimentos da Inquisição Espanhola
 
Apoiados na Licença Pontifícia, os reis da Espanha aos 17 de setembro de 1.480
nomearam Inquisidores, com sede em Sevilha, os dois dominicanos Miguel Morillo e
Juan Martins, dando-lhes como assessores dois sacerdotes seculares. os
monarcas.promulgaram também um compêndio de “Instruções”, enviado a todos os
tribunais da Espanha, constituindo como que um código da Inquisição, a qual assim se
tornava uma espécie de órgão do Estado civil. Os Inquisidores entraram logo em ação,
procedendo geralmente com grande energia. Parecia que a Inquisição estava a serviço
não da Religião propriamente, mas dos soberanos espanhóis, os quais procuravam
atingir criminosos mesmo de categoria meramente política. Em breve, porém, fizeram-
se ouvir em Roma queixas diversas contra a severidade dos Inquisidores. Sixto IV
então escreveu sucessivas cartas aos monarcas da Espanha, mostrando-lhes profundo
descontentamento por quanto acontecia em seu reino e baixando instruções de
moderação para os juízes tanto civis como eclesiásticos. Merece especial destaque
neste particular o Breve de 2 de agosto de 1.482, que é o Papa, depois de promulgar
certas regras coibitivas do poder dos Inquisidores, concluía com as seguintes palavras:
"Visto que somente a caridade nos toma semelhantes a Deus, rogamos e exortamos o
Rei e a Rainha, pelo amor de Nosso Senhor Jesus Cristo, a fim de que imitem Aquele
de quem é característico ter sempre compaixão e perdão. Queiram, portanto, mostrar-
se indulgentes para com os seus súditos da cidade e da diocese de Sevilha que
confessam o erro e imploram a misericórdia." Contudo, apesar das freqüentes
admoestações pontifícias, a Inquisição Espanhola ia-se tornando mais e mais um
órgão poderoso de influência e atividade do monarca nacional. Para comprovar isto,
basta lembrar o seguinte: A Inquisição no território espanhol ficou sendo instituto
permanente durante três séculos a fio. Nisto diferia bem da Inquisição Medieval, a
qual foi sempre intermitente, tendo em vista determinados erros oriundos em tal ou
tal localidade. A manutenção permanente de um tribunal inquisitório impunha
avultadas despesas, que somente o Estado podia tomar a seu cargo; foi o que se deu
na Espanha: Os reis atribuíam a si todas as rendas materiais da Inquisição (impostos,
multas, bens confiscados) e pagavam as respectivas despesas; conseqüentemente
alguns historiadores, referindo-se à Inquisição Espanhola, denominaram-na "Inquisição
Régia".
 
Emancipada de Roma
 
A fim de completar o quadro até aqui traçado, passemos a mais um pormenor
característico do mesmo. Os reis Fernando e Isabel visavam a corroborar a Inquisição,
emancipando-a do controle mesmo de Roma... Conceberam então a idéia de dar à
instituição um chefe único e plenipotenciário — o Inquisidor-Mor — o qual julgaria na
Espanha mesma os apelos dirigidos a Roma. Para este cargo, propuseram à Santa Sé
um religioso dominicano, Tomás de Torquemada ( Turrecremata, em latim) o qual em outubro de
1483 foi realmente nomeado Inquisidor-Mor para todos os territórios de Fernando e Isabel. Procedendo à
nomeação escrevia o Papa Sixto IV a Torquemada: "Os nossos caríssimos filhos em Cristo, o rei e a rainha de
Castela e Leão, nos suplicaram para que te designássemos como Inquisidor do mal da heresia nos seus reinos
de Aragão e Valença, assim como no principado de Catalunha" (Bulla.ord. Praedicatorum / 622). O gesto de
Sixto IV só se pode explicar por boa fé e confiança. O ato era, na verdade, pouco prudente... Com efeito; a
concessão benignamente feita aos monarcas seria pretexto para novos e novos avanços destes: Os sucessores
de Torquemada no cargo de Inquisidor-Mor já não foram nomeados pelo Papa, mas pelos soberanos espanhóis
(de acordo com critérios nem sempre louváveis).
 
Para Torquemada e sucessores, foi obtido da Santa Sé o direito de nomearem os
Inquisidores regionais, subordinados ao Inquisidor-Mor. Mais ainda: Fernando e Isabel
criaram o chamado "Conselho Régio da Inquisição", comissão de consultores
nomeados pelo poder civil e destinados como que a controlar os processos da
Inquisição; gozavam de voto deliberativo em questões de Direito civil, e de voto
consultivo em temas de Direito Canônico. Uma das expressões mais típicas da
autonomia arrogante do Santo ofício espanhol é o famoso processo que os
Inquisidores moveram contra o arcebispo primaz da Espanha, Bartolomeu Carranza,
de Toledo. Sem descer aos pormenores do acontecimento, notaremos aqui apenas que
durante dezoito anos contínuos a Inquisição Espanhola perseguiu o venerável prelado,

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