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Jacques Philipe
ÍNDICE
INTRODUÇÃO
PRIMEIRA PARTE
Capítulo 1
LIBERDADE E ACEITAÇÃO
Capítulo 2
A ACEITAÇÃO DE SI MESMO
Capítulo 3
A ACEITAÇÃO DO SOFRIMENTO
Capítulo 4
A ACEITAÇÃO DO OUTRO
SEGUNDA PARTE
Capitulo 1
O INSTANTE PRESENTE
Capitulo 2
O VERBO AMAR SÓ SE CONJUGA NO PRESENTE
Capitulo 3
SÓ É POSSÍVEL SOFRER POR UM INSTANTE
Capitulo 4
O DIA DE AMANHÃ CUIDARÁ DE SI MESMO
Capitulo 5
VIVER E EXPECTATIVA DE VIVER
Capítulo 6
A DISPONIBILIDADE AO OUTRO
TERCEIRA PARTE
Capítulo 1
O DINAMISMO DA FÉ, DA ESPERANÇA E DO AMOR
Capítulo 2
AS TRÊS EFUSÕES DO ESPÍRITO SANTO
Capítulo 3
A VOCAÇÃO E O DOM DA FÉ
Capítulo 4
AS LAGRIMAS DE PEDRO E O DOM DA ESPERANÇA
Capítulo 5
PENTECOSTES E O DOM DA CARIDADE
Capítulo 6
DINAMISMO DAS VIRTUDES TEOLOGAIS E O PAPEL
CHAVE DA ESPERANÇA
Capítulo 7
O AMOR NECESSITA DA ESPERANÇA,
A ESPERANÇA SE FUNDAMENTA NA FÉ
Capítulo 8
PAPEL ESSENCIAL DA ESPERANÇA
Capítulo 9
DINAMISMO DO PECADO, DINAMISMO DA GRAÇA
Capítulo 10
ESPERANÇA E PUREZA DE CORAÇÃO
QUARTA PARTE
Capítulo 1
A GRATUIDADE DO AMOR
Capítulo 2
A EMBOSCADA CONTRA A FÉ
Capítulo 3
APRENDER A AMAR: DAR E RECEBER
QUINTA PARTE
Capítulo 1
POBREZA ESPIRITUAL E LIBERDADE
Capítulo 2
ORGULHO E POBREZA ESPIRITUAL
Capítulo 3
AS PROVAS ESPIRITUAIS
Capítulo 4
A MISERICÓRDIA COMO ÚNICO APOIO
Capítulo 5
O HOMEM LIVRE: AQUELE QUE NADA MAIS TEM A PERDER
Capítulo 6
FELIZES OS POBRES
A liberdade interior
A força da fé,
da esperança e do amor
INTRODUÇÃO
Neste início do terceiro milênio, desejamos que este livro seja uma
ajuda para aqueles que desejam fazer-se disponíveis à maravilhosa
renovação interior que o Espírito Santo quer operar nos corações, e, assim,
alcançar a gloriosa liberdade de filhos de Deus.
Primeira parte
Capítulo 1
LIBERDADE E ACEITAÇÃO
1. A busca da liberdade
Liberdade e felicidade
Libertação ou suicídio?
Refletindo sobre isso, veio-me à mente uma frase de São Paulo aos
cristãos de Corinto: Não é estreito o lugar que ocupais em nós. Estreito isso
sim, é o vosso íntimo15.
15. 2 Cor 6,12
Capítulo 2
A ACEITAÇÃO DE SI MESMO
Deus é realista
De forma inversa, o homem que fecha seu coração aos outros, que não
faz nenhum esforço para amá-los como eles são, que não sabe reconciliar-
se com eles jamais terá a graça de viver esta profunda reconciliação
consigo mesmo da qual todos necessitamos. Na verdade, todos nós
terminamos por ser vítimas de nossa falta de generosidade para com o
próximo, de nossos julgamentos e durezas32.
32. Mais adiante retomaremos este importante assunto.
Capítulo 3
A ACEITAÇÃO DO SOFRIMENTO
Acolher as contrariedades
Faremos agora algumas reflexões sobre este ponto, a fim de nos ajudar a
ingressar nesta atitude de fé e de esperança diante de toda dificuldade.
Por outro lado, não temos a mesma graça para suportar os sofrimentos
adicionais que provocamos a nós mesmos através de nossa recusa de
acolher as provas normais da vida.
Há ainda uma coisa: o verdadeiro mal não é tanto o sofrimento, mas o
medo dele. Se nós o acolhemos na confiança e na paz, o sofrimento nos faz
crescer, nos educa, nos purifica, nos ensina a amar de forma desinteressada,
nos faz pobres, humildes, doces e compassivos para com o próximo. O
medo do sofrimento, pelo contrário, nos endurece, nos enrijece em atitudes
autodefensivas e autoprotetoras e nos conduz frequentemente a escolhas
irracionais cujas consequências são nefastas: "Os piores sofrimentos do
homem são aqueles dos quais ele tem medo", diz Etty Hillesum36. O
sofrimento que nos causa mal não é o sofrimento vivido, mas aquele
representado, aquele que invade a imaginação e nos leva a atitudes
inadequadas. O que nos traz problemas não é a realidade (que é
fundamentalmente positiva, ainda que com seu lado doloroso), mas nossa
representação da realidade.
36. Op. cit. p. 230
Vi, por exemplo, pais desolados durante anos simplesmente porque não
haviam aceitado a vocação de um dos filhos. Recusamos o sofrimento de
uma separação, de uma escolha diferente da que esperávamos e, desta
forma, nos Infligimos anos de sofrimento. Os exemplos seriam inume-
ráveis, o que mostra que a aceitação do sofrimento e do sacrifício (claro,
quando são legítimos) não é uma atitude masoquista ou suicida, antes pelo
contrário. Ao aceitarmos os sofrimentos que nos são "propostos" pela vida
e permitidos por Deus para nosso progresso e purificação, escapamos de
nos infligirmos outros mais pesados.
É preciso ser realista e parar de uma vez por todas de sonhar com uma
vida sem dor e sem combates. Isso é reservado ao Paraíso, não à terra. É
preciso tomar corajosamente a cada dia sua cruz no seguimento de Cristo e,
assim, sua amargura se transformará, cedo ou tarde, em grande doçura.
Precisamos, então, estar atentos às nossas atitudes interiores, cujas
consequências, a longo prazo, são mais importantes do que parecem à
primeira vista. Quando somos confrontados com o sofrimento quotidiano,
"sob o peso do dia e do calor", sob o peso do cansaço, é preciso evitar estar
a se maldizer interiormente ou a desejar ardentemente que tudo passe,
sonhando a toda hora com uma vida diferente. A sabedoria está em aceitá-
lo verdadeiramente. A vida é boa e bela tal como ela é, inclusive com o
peso de dor que ela comporta. Quando Deus criou o homem e a mulher,
colocou sobre toda a vida humana uma imensa bênção, que jamais foi
retirada, apesar do pecado e seu cortejo de sofrimentos, pois os dons e
chamados de Deus são irrevogáveis38, sobretudo o primeiro dom e o
primeiro chamado que é o chamado à vida. Toda existência, mesmo
submissa à dor, é infinitamente abençoada e preciosa.
38. Rm 11,29
Em uma situação de prova, o que nos é frequente mais difícil não é tanto
o sofrimento, mas o não saber por que sofremos. A dor em si mesma é, por
vezes, menos desafiante do que o fato de não entender seu sentido. A pior
provação é a da inteligência, quando ela se vê diante de "porquês" sem
resposta. Ao contrário, quando a inteligência está saciada, a dor é muito
mais facilmente acolhida e suportada. Mesmo se o remédio me faz mal ao
me curar, eu não quero parar de tomá-lo porque compreendo muito bem
que é para a minha cura.
Esse assunto merece uma pequena reflexão sobre o papel da inteligência
na vida espiritual.
Como todas as faculdades de que Deus nos dotou a inteligência é
profundamente boa e útil. Há no homem uma sede de verdade e uma
necessidade de entender com a razão que fazem parte de sua dignidade e
sua grandeza. Desprezar a inteligência, suas possibilidades, seu papel na
vida humana e espiritual seria injusto42. A fé não pode prescindir da razão;
e não há nada de mais belo que esta possibilidade dada ao homem de
cooperar com a obra de Deus pela sua liberdade, seu entendimento e todas
as suas outras faculdades. Estes momentos de nossas vidas nos quais a
inteligência apreende o que Deus faz, aquilo a que ele nos chama, qual é
sua pedagogia para nos fazer crescer, são muito positivos, pois nos
permitem somar ao trabalho da graça divina toda a nossa colaboração.
42. A encíclica de João Paulo II, Fé e Razão nos lembra isso.
Tudo isso é, sem dúvida, da ordem das coisas desejadas por Deus, que
não fez de nós marionetes, mas pessoas livres e responsáveis, chamadas a
dar a seu amor o consentimento de sua inteligência e a adesão de sua
liberdade. É, então, bom e legítimo querer entender o sentido de tudo o que
vivemos.
No entanto, é preciso reconhecer que nossa necessidade tão imperiosa
de tudo entender comporta ambiguidades e precisa ser purificada. De fato,
o desejo de entender pode ser inspirado por motivações mais ou menos
conscientes que nem sempre são justas. Há um desejo de entender que é
sede de conhecer a verdade para acolhê-la e conformar a ela nossa vida,
que é absolutamente legítimo, mas há também um desejo de entender que é
desejo de poder. Entender é dominar, reter, ser o senhor da situação. Tudo
aquilo que tem em nós um desejo de dominação, de instinto de
propriedade, pode alimentar inconscientemente a necessidade de entender.
Este último pode também provir de uma outra fonte, igualmente impura:
nosso fundo de insegurança. Entender é estar seguro pelo sentimento de
que, uma vez que entendemos, estaremos aptos a controlar a situação. No
entanto, esta 6 uma segurança humana, frágil, decepcionante, que poderá
sempre fracassar mais cedo ou mais tarde. Enquanto que a verdadeira
segurança que temos nesta vida não é nossa capacidade de controlar pela
inteligência os acontecimentos i muito menos prevê-los, mas a certeza de
que Deus é fiel e não poderá jamais nos abandonar, pois sua ternura de Pai
é irrevogável.
Em uma situação de prova, nossa necessidade de entender o que está
acontecendo é1, por vezes, simplesmente a expressão de nossa incapacidade
de nos abandonarmos a Deus com confiança e a busca de seguranças
humanas. Ora, precisamos nos purificar disso. Só poderá usufruir uma
plena liberdade interior aquele que sabe livrar-se progressivamente da
necessidade de apoiasse em seguranças humanas experimentando que é
Deu£ e ele somente seu "rochedo", como nos ensinam as Escrituras.
Para que nossa inteligência seja libertada dos dois principais defeitos
que acabamos de descrever (desejo de dominar, necessidade de seguranças
humanas devido à falta de abandono), é necessário atravessarmos certas
fases em nossas vidas (e estas são, sem dúvida, as mais dolorosas) nas
quais, malgrado nossos esforços de reflexão, permanecemos incapazes de
entender a razão do que nos acontece. É muito doloroso porque, como eu já
disse, uma prova cujo sentido entendemos é fácil de ser aceita. No entanto,
quando a inteligência fica como que perdida na noite, tudo é muito mais
difícil.
Há períodos da existência dos quais precisamos a todo custo tentar
entender o que vivemos (pela reflexão, oração, conselho de pessoas sábias),
pois é graças a esta luz e em colaboração com o que entendamos que
podemos progredir. Mas há também momentos nos quais é preciso
renunciar a decifrar o que se passa, pois é o tempo não mais de agir, mas de
abandonar-se a Deus com uma cega confiança. A luz virá mais tarde: O que
faço não entendes agora; entenderás mais tarde, diz Jesus a Pedro43.
43. Jo 13,7
"Felizes são aqueles que Deus honra através do martírio! O sangue que
corre tem sempre um grande preço aos olhos de Deus, sobretudo o sangue
oferecido livremente. Eu não sou livre. No entanto, se hoje me oferecessem
a liberdade em troca de uma ofensa feita a Deus, eu recusaria, preferindo a
morte. Coopero, então, com esta execução aceitando-a de toda a minha
alma e ofertando-a ao Senhor. Morro, assim, um pouco menos
indignamente"45.
45. Dans 5 heures je verrai Jésus. Journal de prison, Jacques Fesch, ed. Le
Sarment-Fayard, p. 296.
Nossa liberdade tem sempre este poder maravilhoso: fazer daquilo que
nos é tirado (pela vida, pelos acontecimentos, pelos outros...) algo que é
ofertado. Exteriormente, não se vê nenhuma diferença, mas interiormente
tudo é transfigurado: o destino torna-se escolha livre, o constrangimento
torna-se amor, a perda torna-se fecundidade. A liberdade humana é algo de
uma grandeza inaudita. O homem não tem, por sua liberdade, o poder de
mudar tudo ao redor dele, mas por ela ele dispõe (o que é bem melhor) da
faculdade de dar um sentido a tudo, mesmo ao que não tem sentido!
Nem sempre temos o domínio sobre o desenrolar de nossa vida, mas
sempre somos os senhores do sentido que nós lhe damos. Devido à nossa
liberdade, não há nenhum acontecimento de nossa vida que não possa
receber um significado positivo, ser expressão de amor, tornar-se abando-
no, confiança, esperança, oferta... Os atos mais importantes, os mais
fecundos de nossa liberdade não são tanto aqueles através dos quais nós
transformamos o mundo exterior, mas aqueles pelos quais modificamos
nossa própria atitude interior para dar um sentido positivo a cada coisa,
apoiando-nos, em última instância, no recurso da fé, segundo a qual
sabemos que de tudo, sem exceção, Deus pode tirar um bem.
Há aí um tesouro inesgotável, uma riqueza sem limites a ser explorada,
que faz com que nossa existência não tenha mais nada de negativo, nada de
banal nem de indiferente, porque nós damos um sentido a tudo. O positivo
torna-se motivo de gratidão e alegria, o negativo, ocasião de abandono, de
fé e de oferta: tudo se toma graça. Devemos agradecer muito a Deus pelo
dom preciosíssimo da liberdade.
Capítulo 4
A ACEITAÇÃO DO OUTRO
Acolher os sofrimentos que nos são infligidos pelos outros
Isso não é fácil, pois elevemos revitalizar nossa sabedoria, ser pequenos
e humildes, saber renunciar ao orgulho que quer sempre ter razão e que
muito frequentemente nos impede de penetrar no pensamento do outro,
reconhecimento que significa, por vezes, uma morte a nós mesmos que nos
custa terrivelmente.
No entanto, só temos a ganhar. Felizmente os outros nos contrariam
com seus pontos de vista. É assim que temos alguma chance de sair de
nossa mesquinhez para nos abrirmos a outros valores. Eu vivo em
comunidade há vinte e cinco anos e sou obrigado a reconhecer que, afinal
de contas, muito provavelmente recebi mais das pessoas com quem me
entendi mal do que daquelas com quem me relacionei bem. Os primeiros
abriram meus horizontes a outros valores, livrando-me de me fechar e só
frequentar as pessoas que tivessem a mesma sensibilidade que eu.
Algumas reflexões sobre o perdão
Há casos em que o sofrimento que me causam os outros se deve a um
verdadeiro erro da parte deles. A atitude a tomar com relação a eles não
será mais somente esta maleabilidade e compreensão na aceitação das
diferenças da qual acabamos de falar, mas é aquela mais exigente e difícil
do perdão.
A cultura moderna (veja-se, por exemplo, o cinema) não faz muito para
valorizar o perdão e muito frequentemente legitima o rancor e a vingança.
Mas será que isso contribui para diminuir o mal no mundo? É preciso
reafirmar fortemente que a única via para diminuir o sofrimento que pesa
sobre a humanidade é a do perdão.
"Ao anunciar o perdão e o amor aos inimigos, a Igreja tem consciência
de introduzir no patrimônio espiritual de toda a humanidade uma
modalidade nova de relacionar-se com os outros; uma modalidade
certamente trabalhosa, mas rica em esperança. Para fazer isso, ela sabe
poder contar com a ajuda do Senhor que jamais abandona aquele que o
invoca em momentos de dificuldade. A caridade não guarda rancor (I Cor
13,5). Nesta expressão da primeira carta aos Coríntios, o apóstolo Paulo
lembra que o perdão é uma das formas mais elevadas do exercício da
caridade48."
48. Mensagem para a Quaresma de 9de fevereiro de2001, João Paulo II.
Vejamos como retirar certos obstáculos que fazem o perdão mais difícil
ou impossível.
O que por vezes torna o perdão tão difícil é que pensamos de maneira
mais ou menos consciente que perdoar a tal pessoa que nos fez sofrer pode
lhe fazer pensar que ela não fez nada de mal e que isso seria chamar de
"bem" um mal, ser conivente com uma injustiça, o que é inaceitável.
No entanto, perdoar não é admitir um mal ou fazer de conta que é justo
o que na realidade não é. Isso seria, evidentemente, inaceitável: a verdade
existe e não pode ser injuriada. Perdoar significa: esta pessoa me fez um
mal e, apesar disso, não desejo condená-la, identificá-la com seu erro, nem
fazer justiça com minha própria conta. Deixo a Deus, o único que sonda os
rins50 e os corações e que julga com justiça51 a tarefa de pesar seus atos e
fazer justiça. Não quero tomar a mim mesmo esta tarefa por demais difícil
e delicada que pertence tão somente a Deus. Ademais, não quero aprisionar
quem me fere em um julgamento definitivo e sem apelação, mas quero
preservar meu olhar de esperança sobre ele. Creio que algo pode mudar e
evoluir nele e continuo a desejar o seu bem. Creio também que, do mal que
me foi feito, ainda que pareça irremediável no plano humano, Deus pode
tirar um bem... Só nos é possível perdoar verdadeiramente porque Cristo
ressuscitou dentre os mortos e esta ressurreição é a garantia de que Deus
pode curar todo mal.
50. Ap 2,23
51. 1 Pd 2,23
A prisão do rancor
O perdão nos faz sair desta maldição. Pela remissão de todo débito, ele
torna de novo possível um relacionamento baseado sobre a gratuidade, o
que é indispensável para que exista o amor autêntico, imprescindível para
que tenhamos a vida verdadeira.
Quando não "estamos bem" em nosso coração, frequentemente a única
razão é a seguinte: nosso coração tem disposições mesquinhas com relação
ao próximo e recusa-se a amar e a perdoar com generosidade. A generosi-
dade no amor e no perdão, a benevolência quanto ao julgamento, a
misericórdia fazem de nós "filhos do Altíssimo" e nos fazem navegar em
um universo de gratuidade, nos oceanos ilimitados do amor e da vida
divina, no qual as aspirações mais profundas de nosso próprio coração
serão um dia realizadas. Se tu amas teu próximo, diz-nos Isaías: então tua
luz brilhará como a aurora, tua ferida se curará rapidamente... tu serás
como um jardim bem irrigado, uma fonte borbulhante cujas águas jamais se
extinguem54.
54. Is 58,10
Elas nos ajudam também a não esperar deles uma felicidade, uma
plenitude e uma realização que só podemos encontrar em Deus e nos
convidam a nos "enraizarmos" nele. É, por vezes, graças a uma decepção
no relacionamento com alguém de quem esperávamos muito (sem dúvida,
esperávamos demais...) que aprendemos a mergulhar na oração, no
relacionamento com Deus e a esperar dele esta plenitude, esta paz e esta
segurança que somente seu amor infinito nos pode garantir. As decepções
com relação ao outros nos fazem passar de um ardor “idolátrico" (um amor
que espera demasiadamente do outro) a um amor realista, livre e, portanto,
feliz. O amor romântico será sempre ameaçado por decepções; a caridade,
jamais, pois ela não busca seu próprio interesse56.
56. 1 Cor 13,5
A armadilha da imobilização
Capítulo 1
O INSTANTE PRESENTE
Meu passado está nas mãos da Misericórdia divina, que pode tirar
proveito de tudo, tanto do bem quanto do mal, e meu futuro, nas mãos da
Providência, que de modo nenhum me esquecerá. Esta atitude de fé é
extremamente preciosa, pois nos faz evitar viver como muitos que vivem
uma insatisfação permanente porque se sentem "comprimidos" entre um
passado que lhes pesa e um futuro que os inquieta. Pelo contrário, viver o
instante presente dilata o coração.
Capítulo 2
Este esforço para viver cada instante como ele é, abandonando tanto o
passado quanto o futuro nas mãos da doce piedade de Deus, segundo a
expressão de Bernanos, é importante sobretudo nos momentos de
sofrimento. Enferma, Santa Teresinha de Lisieux dizia: "Eu só sofro um
instante. O desencorajamento e o desespero vêm ao pensarmos no passado
e no futuro"69.
69. Caderno Amarelo, 19 de agosto
Permitimos ao passado pesar sobre o hoje cada vez que nos remoemos
em remorsos por causa de nossas faltas passadas, cada vez que ruminamos
nossos arrependimentos, nossos sentimentos de fracasso, cada vez que
tentamos remoer em vão as escolhas que fizemos no passado como se fosse
possível modificá-las. Naturalmente devemos pedir perdão a Deus por
nossas faltas e tirarmos lições dos fracassos, mas sem ficá-los remoendo
sem cessar. Uma vez que se faça isso com sinceridade já é suficiente.
Devemos tentar reparar, quando possível, o mal que ocasionamos, mas
na maior parte do tempo elevemos simplesmente nos colocar nas mãos de
Deus, confiantes de que ele é poderoso o suficiente para tudo reparar e para
tirar o bem mesmo de nossos erros. Mão se trata, evidentemente, de sermos
indiferentes ao mal que cometemos, nem de nos tornarmos superficiais e
irresponsáveis; trata-se de proibir de uma vez por todas atitudes,
pensamentos que nos impeçam de viver o instante presente e nele
investirmos de forma positiva e confiante. Isto acontece quando estamos
cheios de remorsos, de culpabilidade, quando ruminamos nossos fracassos
e nos deixamos invadir pelo desencorajamento por causa de erros passados.
Temos, por vezes, o sentimento de termos perdido muito tempo em
nossa vida, desperdiçado muitas ocasiões de amar e crescer. Se este
sentimento nos impulsiona a nos arrependermos e recomeçar com coragem
e confiança pedindo a Deus que nos dê a graça de recuperar o tempo
perdido através da renovação do nosso fervor, então, o sentimento é po-
sitivo. Mas se este sentimento nos abate, se nos dá a impressão de que
nossa vida foi irremediavelmente desperdiçada e que as coisas belas e
positivas que poderíamos ter vivido são-nos, agora, impossíveis de
remediar, então é preciso evitar tal sentimento.
Não temos o direito de nos deixar aprisionar em nosso passado. Seria
somar um outro pecado aos que já cometemos, além de ser falta de
confiança na misericórdia e poder infinitos de Deus, que nos ama e nos
quer dar sempre uma nova chance de chegarmos plenamente à santidade,
sem que o passado seja encarado como uma deficiência. Quando somos
tentados pelo desânimo com relação ao nosso passado e ao caminho que
percorremos, é preciso fazer um bom ato de fé e de esperança: "Eu te
agradeço, meu Deus, por todo o meu passado. Creio firmemente que de
tudo o que vivi tu poderás tirar um bem. Desejo não ter nenhum remorso e
decido, hoje, recomeçar do zero com exatamente a mesma confiança que
teria se toda a minha história passada fosse feita somente de fidelidade e de
santidade". Nada poderia agradar mais a Deus que esta atitude.
Capitulo 4
O medo do sofrimento nos faz mais mal que o próprio sofrimento, como
já dissemos. Por isso, devemos nos esforçar por viver segundo o seguinte
pensamento: "É preciso eliminar, a cada dia, como se faz com as pulgas, os
milhares de pequenas preocupações que nos insiram os dias que virão e que
nos roubam nossas melhores forças criativas. Mentalmente, passamos a
tomar uma série de medidas com relação aos próximos dias e nada, mas
nada mesmo, acontece conforme previmos. A cada dia basta seu cuidado. É
preciso fazer o que temos a fazer e, quanto ao resto, evitar deixar-se
contaminar pelas mil pequenas angústias que acabam por ser moções de
desconfiança com relação a Deus. No final, tudo sempre dá certo... Nossa
única obrigação moral é encontrar em nós mesmos as vastas clareiras de
paz e uni-las umas às outras até que esta paz se irradie aos outros. Quanto
mais houver paz nas pessoas, mais haverá paz neste mundo em ebulição".
Capitulo 5
Capitulo 6
A DISPONIBILIDADE AO OUTRO
Terceira parte
As virtudes teologais
Capítulo 2
Capitulo 3
A VOCAÇAO E O DOM DA FÉ
Capitulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capitulo 7
De certa forma, o amor é natural ao homem, que foi criado para amar e
traz em si uma aspiração profunda a dar- se93 Como indica uma parábola do
Evangelho, o amor poderia muito bem crescer sozinho em seu coração
como o trigo que, uma vez semeado, cresce por si mesmo, quer o lavrador
esteja velando ou dormindo94. Mas, de fato, muito frequentemente, o amor
não cresce. Há algo que bloqueia seu desenvolvimento. Pode tratar-se do
egoísmo, do orgulho, das preocupações do mundo e da sedução da riqueza,
segundo os termos do Evangelho95, ou ainda de outros entraves. Mas na
maior parte das vezes, a raiz do problema é a falta de esperança.
93. Ainda que só raramente se tenha consciência disso, a necessidade mais
profunda do homem é, sem dúvida, a de dar-se.
94. Mc 4,26
95. Mt 13,22
Mas a esperança, por sua vez, necessita, para ser verdadeiramente uma
força, de um fundamento sólido, uma verdade sobre a qual apoiar-se. Este
fundamento lhe é dado pela fé. Posso esperar contra toda esperança98
porque sei em quem coloquei minha fé99. A fé me faz aderir à verdade
transmitida pelas Escrituras, a qual me relembra incessantemente a
bondade de Deus, sua misericórdia, sua fidelidade absoluta às suas
promessas. Pela Palavra de Deus, diz-nos a epístola aos Hebreus, Somos
poderosamente encorajados - nós que encontramos um refúgio eficaz - a
apegarmo-nos ciosamente à esperança que nos é proposta. Ela é como que
uma âncora firme e segura de nossa alma, e penetra para além do véu
onde Jesus entrou por nós como precursor100. As Escrituras revelam-nos o
amor absolutamente incondicional e irrevogável de Deus por seus filhos,
manifestado no Cristo, nascido, morto e ressuscitado por nós. Ele me amou
e entregou-se por mim101. Pela fé, o coração adere a esta verdade e aí
encontra uma imensa e indestrutível esperança. "A fé é a mãe do amor e da
esperança, assim como da confiança e segurança102."
98. Rm4,18
99. II Tm 1,12
100. Hb 6,18s
101. Gl 2,20
102. Poustinia, Catherine de Hueck Doherty, ed. Du Cerf, p. 142.
Capítulo 8
Capitulo 9
DINAMISMO DO PECADO,
DINAMISMO DA GRAÇA
Capitulo 10
Ai de quem é morno.
Manhãs jovens com velhas noites.
Almas claras com almas turvas.
Capitulo 1
A GRATUIDADE DO AMOR
A lei da graça
Capitulo 2
A EMBOSCADA CONTRA A FÉ
Capitulo 3
Capítulo 1
A necessidade de ser
Capitulo 2
ORGULHO E POBREZA ESPIRITUAL
Isso certamente não significa que seja indiferente nos conduzirmos bem
ou mal. É absolutamente necessário, tanto quanto nos seja possível, fazer o
bem e evitar o mal, porque o pecado nos fere e fere o outro e seus desgastes
são frequentemente longos e de difícil reparação. E afirmo que não temos o
direito de confundir uma pessoa com o mal que ela comete (seria aprisionar
esta pessoa e perder toda esperança sobre ela) nem identificar alguém
(sobretudo a si meso) com o bem que faz.
Capitulo 3
AS PROVAS ESPIRITUAIS
Capitulo 4
Capitulo 5
Capitulo 6
FELIZES OS POBRES
À medida que os anos passam, que eu encontro pessoas e partilho em
profundidade com elas; à medida que experimento a ação discreta,
misteriosa mas real de Deus em minha vida e na delas, fico mais e mais
impressionado de constatar quanta sabedoria existe no Evangelho, como
esta Palavra é verdadeira, como ilumina a condição humana com uma luz
de estonteante precisão. Este Evangelho paradoxal e inesgotável que nós
talvez - mesmo entre os cristãos - ainda não tenhamos começado a viver,
tem uma virtude (uma força) inaudita para fazer de nós seres livres, para
nos tomar capazes de amar em verdade, para nos "humanizar” realmente.
Isso significa também nos divinizar, pois fomos criados à imagem de Deus.
Nesta Palavra são reveladas da maneira mais fecunda e profunda o que são
todas as leis da existência e em particular aquelas segundo as quais é possí-
vel encontrar a felicidade.
No centro do Evangelho estão as Bem-aventuranças. A primeira resume
todas as outras: Felizes os pobres de coração, pois deles é o Reino dos
Céus. Desejo que as considerações deste livro tenham ajudado o leitor a
compreender esta afirmação surpreendente de Jesus, a perceber a verdade
sobre ela e a vivê-la. A pobreza espiritual, a dependência total de Deus e de
sua misericórdia é a condição essencial da liberdade interior. É preciso nos
tornarmos crianças e "consentir a tudo esperar do dom do Pai, mas tudo
mesmo, um instante após outro"137.
137. Jean-Claude Sagne, o.cit. p. 172.
Não sabemos o que será do nosso mundo nos próximos anos, que
acontecimentos marcarão o terceiro milênio. Mas uma coisa é certa: os que
souberam descobrir e desenvolver o espaço inalienável de liberdade que
Deus colocou em seus corações fazendo dele seus filhos, estes não serão
jamais pegos desprevenidos.
À guisa de conclusão, gostaríamos de deixar para a meditação do leitor
um belo diálogo entre Jesus e um místico espanhol contemporâneo, amigo
da Virgem desde sua infância e que quer permanecer no anonimato. Este
texto parece-nos uma bela expressão dos temas abordados neste livro para
traçar o caminho para a liberdade interior, particularmente a aceitação
realista de si mesmo e a fé em Deus presente em todos os acontecimentos
de nossa vida:
- “Tu jamais me perguntaste o que é a coisa que vives que me causa
maior alegria...”
- “Não...” disse eu a Jesus, e ele me respondeu:
- “É quando em lúcida liberdade tu dizes "sim" aos apelos de Deus”.
Em seguida, ele continuou, dizendo-me:
- “Lembra-te desta palavra do Evangelho: A verdade vos tornará
livres. Só podes responder aos apelos da graça com liberdade quando tua
própria verdade estiver clara, quando tu a aceitares humildemente e quando
a partir dela mantiveres um diálogo com Deus, compreendendo que tudo o
que se passou e se passa contigo corresponde a um projeto amoroso e
providencial daquele que é vosso Pai”.
Sim, muitas coisas lhe causarão perplexidade e até farão você entrar na
espessura de uma escuridão intensa; mais ainda, em uma dor que fere e
paralisa. O recurso de sua fé será seu apoio. Deus não se revela como seu
Abba? Não desposei, eu, Filho, o mais miserável de sua condição? O
Espírito Santo como Paráclito não o defende? Toda esta realidade, acolhida
com fé, com o coração e a alma, fará nascer em você a confiança.
Não tenha medo de si mesmo! Não tenha medo de tudo o que você é,
em sua realidade, na realidade que cada ser humano enfrenta, realidade na
qual Deus estabelece sua tenda para habitar com você. Deus se fez carne. O
novo nome de Deus é Emanuel, Deus conosco: Deus com a sua realidade.
Abra-se a ele sem medo. É somente à medida que você descobre a si
mesmo que descobrirá também a profundidade do amor Dele. Na
profundidade do que você é, experimentará que não está só. Alguém,
amorosamente, misericordiosamente, entrou no mistério mais íntimo de sua
humanidade e não como espectador nem como juiz, mas como alguém que
o ama, que se oferece a você e que o desposa para libertá-lo, salvá-lo, curá-
lo... para ficar para sempre com você, a amá-lo, a amá-lo!
Páscoa 2002
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