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AMOR, ÓDIO E REPARAÇÃO

Melanie Klein

Joan Riviere

(2� Edição)

Constitui traço característico da psicologia humana


a influência. intensa e contínua exerCida pelos imp!.Ilsos
do amor, de um lado, e da agressividade e do ódio, de
outro. A interação desses impulsos vem sendo minuciosa­
mente analisada nesses últimos tempos, e o estudo em
·

questão - realizado em partes separadas pelas duas anto­

ras - ocupa-se particularmente com essa interação na


vida cotidiana de pessoas n ormais. Ele vem revelar como
os impulsos se desenvolvem a partir de suas origens na
·infância, como as nossas capacidades inatas de amor e
agressividade aproveitam as oportunidades de manifestar­
se, e como influenciam o desenvolvimento da persona­
lidade.
.
No dizer de John Rickman, "esse livro é como que
uma nova investida na exposição psicanalítica" e "o tra­
balho sobre o qual se baseia decorre em grande parte das
investigações levadas a efeito por Melanie Klein sobre o
desenvolvimento inicial da vida emocional e mental da
criança" .

IMAGO EDITORA L TOA.

EDITORA DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

ISBN 85-312-0869-6

9 788531 208690 T@íbhoteta jf reullíana


EXPERI�NCIAS COM GRUPOS
de W, R. BION

Este livro acrescenta uma nova di­


mensão ao estudo do fenômeno de gru­
po. As observações do Dr. Bion do gru­
po pequeno com propósito terapêutico,
do conteúdo e tom das trocas entre pa­
ciente e paciente, e paciente e psiquia­
tra; do que é dito e do que não é dito;
dos gestos e silêncios, levaram-no a pos­
tular uma série de conceitos que propor­
cionaram alguma coerência ao compor­
tamento aparentemente bizarro e incom­
preensível de vasta área de situações so­
ciais. Estes conceitos dizem respeito às
"suposições básicas" que fundamentam o
comportamento do grupo - as suposi­
ções de dependência, de acasalamento e
para os acontecimentos e sua capacidade
de fuga-luta - que influenciam a esco­
lha do "lider" do grupo, sua orientação
de lidar efetivamente com a tarefa ':!m
que, como grupo "sofisticado" ou "de
trabalho", ostensivamente se dirige. As
suposições básicas, por sua vez, são vis­
tas como provenientes de um "sistema
protomental", em que os elementos psí­
quicos e somáticos ainda não alcançaram
suas formas características e podem 'bem
derivar sua força emocional das ansie­
dades psicóticas associadas aos objetos
parciais primitivos descritos por Melanie
Klein.
A compreensão interna (insight) pa­
ra dentro da mentalidade do grupo pro­
porcionada por estas e outras hipóteses
relacionadas tem implicações para o tera·
peuta a respeito não apenas de seu pró·
prio papel no grupo e a natureza e ajus­
tamento de suas interpretações, mas tam­
bém do fundamento lógico para os pro·
cedimentos do grupo terapêutico .:omu
meio de tratar o individual.
O trabalho do Dr. Bion proporciona
a base para a síntese de aproximaçãe
da psicanálise clássica, centralizada nc­
individual, com aquela da dinâmica de
grupo, que, através de seus conceitos t
técnicas especiais, revela aspectos dife·
rentes do mesmo fenômeno. Este livro
é, portanto, de valioso interesse para o�
profissionais nestes campos. Mas, vist0
que os processos de grupu descritos aqu·
se revelam aplicáveis a todas as forma�
de associação humana, sua relevância
não pode ser desprezada por qualquer
pessoa cujo trabalho envolva interação
com outras pessoas, seja em pequenas
reuniões ad hoc, comitês ou instituições
sociais principais. Por certo, as impli­
cações do pensamento do Dr. Bion em
relação a tais instituições como as do
Estado, da Igreja e das Forças Armadas
são fundamentais e revolucionárias e
compelirão séria atenção aos aspectos de
suas origens e estruturas que são tão
raramente sujeitas à análise.

JAYME SALOMÃO
(Preparada pelo Centro de Catalogação-na-fonte do
SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, R])

Bion, W. R.
B514e Experiências com grupos : os fundamentos da psi­
coterz,pía de grupo; tradução e prefácio ldej Waldere­
do Ismael de Olinira. 2. ed. Rio de Janeiro,
lmago; São PatiÍo, Ed. da Universidade de São
Paulo, 1975.
186p. 21cm (Psicologia psicanalítica)

Do original em inglês: Experiences in groups


and other papers.

1. Psicanálise. l. Psicoterapia de grupo. I. Tí­


tulo. II. Título: Fund2mentos da psicoterapia de
grupo. UI. Série.

CDD - 616.8915
616.8917
CDU ...__ 615.851
75-o285 159.9642
Experiências com Grupos
Título original
EXPERIENCES IN GROUPS AND OTHER PAPERS

Traduzido da reimpressão, publicada em 1968 por


Tavistock Publications Ltd., Londres, Inglaterra

Copyrigh.t © 1961, 1968 by


Tavistock Publications Ltd.

1 970

Direitos para a língua portuguêsa adquiridos por


!MAGO EDITóRA LTDA.
Rua Siqueira Campos, 65-B, sobrado, telefone 237-1963,
Rio de Janeiro, que se reserva a propriedade desta tradução

Impresso no Brasil
Printed in BJ:azil
W. R. BION

EXPERIÊNCIAS COM
GRUPOS
Os Fundamentos da Psicoterapia de Grupo

Coleção Psicologia Psicanalítica

Direção
JAYME SALOMÃO
Membro-Associado da Sociedade Brasileira de Psicanálise
do Rio de Janeiro. Membro da Associação Psiquiátrica
do Rio de Janeiro

Tradução e Prefácio
WALDEREDO ISMAEL DE OLIVEIRA
Presidente da Associação Brasileira de Psicoterapia Analítica
de Grupo. Analista-Didata da Sociedade Brasileira de
Psicanálise do Rio de Janeiro. Professor Adjunto de
Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro

!MAGO EDITôRA LTDA.


lNDICE

Introdução XI

Prefácio à Edição Brasileira XIII

Apresentação

Tensões Intragrupais na Terapêutica 3

Experiências com Grupos 21

Revisão

Grupos Dinâmicos 129

lndice Analítico e Remissivo 179


INTRODUÇÃO

Os artigos aqm Impressos despertaram mais inte�


rêsse do que eu esperava; em conseqüência disso, houve
pedidos de reimpressão que foram impossíveis de aten­
der com o estoque disponível.
A solução, como agora compreendo, teria sido re­
publicá-los de saída, mas relutava em fazê-lo sem efe�
tuar alterações que incorporassem experiências poste­
riores. Contudo, reescrever algo raramente é bem su­
cedido e muito se pode perder pela exclusão de teorias
experimentais que mostram como as idéias se desenvol­
veram. Dessa maneira, os artigos são reimpressos sem
alteração. Ver-se-á que dois dêles não pertencem à sé­
rie que originalmente apareceu em Human Relations; o
primeiro é reimpresso porque lança luz sôbre as origens
de minha convicção de que essa abordagem merecia uma
nova prova e o segundo porque sintetiza conclusões
· que eu gostaria de haver tirado depois e que outros po­
deriam desejar desenvolver. Tenho também uma razão
puramente pessoal para querer agradecer a colaboração
com John Rickman e a inspiração que sua generosidade
e entusiasmo sempre geraram.
Lamento não haver discutido a soberania e o poder.
Em grupos pequenos como os aqui utilizados, o poder
e a soberania não chegam a atingir a maturidade. A for­
ma amadurecida é extrínseca e incide sôbre o grupo ape­
nas sob a forma de invasão por outro grupo. Discutirei
êsses assuntos num volume futuro, se tiver tempo, e
então tratarei das fontes extra-econômicas do valor do
dinheiro, que não apenas são importantes em si pró­
prias, mas também contribuem significativamente, atra-
vés de sua influência sôbre a economia, para a dinâmiça
da soberania e do poder.
Em minha prática como psicanalista, fico impres­
sionado pelo fato de a abordagem psicanalítica, feita
através do indivíduo, e a abordagem que êstes trabalhos
descrevem, efetuada através do grupo, tratarem de di­
ferentes facêtas do mesmo fenômeno. Os dois métodos
fornecem ao profissional uma visão binocular rudimen­
tar. As observações tendem a se enquadrar em duas ca­
tegorias, cuja afinidade é demonstrada por fenômenos
que, quando examinados por um dos métodos, centra­
lizam-se na situação edipiana, relacionada com o grupo
de acasalamento (pairing group) e, quando examinados
pelo outro, centram-se na esfinge, relacionada com os
problemas de conhecimento e método científico.
Minha obra atual, que espero publicar, convence­
me da importância central das teorias kleinianas da
identificação projetiva e da ação recíproca existente en­
tre as posições esquizoparanóide e depressiva.
Sem a ajuda dêstes dois conjuntos de teorias, tenho
dúvidas sôbre a possibilidade de qualquer progresso no
estudo dos fenômenos de grupo. O papel desempenhado
pelos mecanismos com que estas teorias se relacionam
é sugerido no último capítulo, para o qual recomendo a
atenção do leitor.
W. R. Bion
PREFACIO· A EDIÇAO BRASILEIRA

Não sendo esta a primeira obra de W. R. Bion a


ser publicada no Brasil, dispensa qualquer apresenta­
ção, levando-se em conta a hierarquia do Autor, como
clínico, pesquisador e pensador, no campo da psicaná­
lise. :t!:ste livro, no entanto, fêz com que o nome de Bion
se projetasse mais além dos domínios da psicanálise,
pois os ensaios aqui reunidos constituem matéria de
estudo e de consulta para todos os que se preocupam
com a psicologia dos grupos e o comportamento do ho­
mem como ser social. É minha convicção que todo estu­
dioso das disciplinas que hoje se voltam para a in­
vestigação da natureza humana - psicanálise, psiquia­
tria, psicologia social, sociologia ou antropologia - ao
concluir a leitura desta obra sentir-se-á enriquecido em
seus conhecimentos, fortemente estimulado pela origina­
lidade dos conceitos do Autor, bem como impressionado
por seu extraordinário acervo cultural.
Devo limitar-me a considerações breves acêrca do
valor dêstes estudos de Bion sôbre os grupos, reportan­
do-me a dois aspectos que aqui me parecem mais rele­
vantes: a posição que ocupam no conjunto das impor­
tantes constribuições que Bion vem trazendo para as
teorias da psicanálise, e a aplicação de suas idéias origi­
nais sôbre a dinâmica dos grupos para o desenvolvimen­
to de uma técnica de análise-de-grupo.
No que diz respeito à posição que ocupam êsses en­
saios sôbre grupos, no conjunto da obra de Bion, penso
condensar uma apreciação válida, afirmando: as expe­
riências com os grupos e a elaboração posterior de con­
ceitos teóricos delas derivados parecem constituir o pon-
to de partida de uma fonte de conhecimentos que for­
neceu ao Autor vários elementos para o exercício de
uma atividade criadora, que o situa como o psicanaiista
mais discutido da atualidade. Um estudo judicioso dêste
livro permite-nos encontrar, em estado nascente, con­
ceitos que hoje já nos são familiares e que utilizamos
em nossa prática psicanalítica, e encerram o que há de
mais importante e original entre as contribuições de
Bion : os conceitos sôbre a gênese dos pensamentos e o
"aparelho para pensar os pensamentos" , a "teoria das
funções" , a ampliação da teoria kleiniana da identifi­
cação proj etiva em têrmos de "continente-conteúdo", o
conceito da "perspectiva reversível" e vários outros. To­
dos êsses conceitos são ainda discutíveis, e só o tempo
dirá o que permanecerá definitivamente incorporado ao
acervo científico da psicanálise.
Não me cabe fazer um estudo critico dêste livro.
Cada leitor avaliará o pêso das contrib)lições e idéias
verdadeiramente novas que Bion nos apresenta, a partir
de suas exp eriências com os "pequenos grupos terapêu­
ticos". Conceitos sôbre dinâmica dos grupos - tais como
"grupo-de-trabalho" , "suposições básicas", "valência",
"cultura do grupo" etc. -. abriram caminho para uma
compreensão no-va e científica da "microssociedade" que
são os pequenos grupos . Essas idéias devem ser apreen­
didas e meditadas durante a leitura, e, depois, utilizadas
no campo particular a que cada um se dedica. O que me
parece importante é considerar esta interpretação di­
nâmica do grupo como um "todo" , para a psicanálise e
suas aplicações.
Êstes ensaios sôbre os grupos foram elaborados a
partir das experiências do Autor nos períodos de guerra
e após-guerra, e, conseqüentemente, representam uma
contribuição para o estudo do homem e seus grupos
num momento de grave crise e de grandes transforma­
ções (tecnológicas, sócio-econômicas e políticas). A psi­
canálise, como ciência do homem, experimenta o impac­
to da vida moderna, e não ignora as transformações que
sofrem as outras ciências, seja· reformulando suas teo­
rias, seja busc ando novos métodos. As solicitações que o
mundo moderno faz à psicanálise, no sentido de recorrer
aos seus conhecimentos para a solução de problemas
urgentes e vitais, · fazem com que muitos analistas in­
clinem-se para o estudo e utilização de técnicas que pos­
sibilitem o atendimento de grupos maiores de indiví­
duos, sem abrir mão, no entanto, dos elementos funda­
mentais da teoria psicanalítica. Parece claro não existir
a possibilidade de substituir-se a técnica de tratamento
individual - desde que se pretenda fazê-lo à base da
investigação dp inconsciente - pois as tentativas até
agora ensaiadas levaram a processos que se afastam do
que entendemos por psicanálise. Os psicanalistas que,
em diferentes paí.ses, vêm trabalhando com grupos, no
entanto, inclinam-se mais e mais no sentido de desen­
volver uma técnica grupal paralela, que atenderia a
duas exigências : as demandas de terapia por parte da
comunidade, e a preservação dos pontos de vista cientí­
ficos da psicanálise.
A procura de uma técnica de análise-de-grupo cons­
titui o desenvolvimento natural de uma linha de pensa­
mento dentro da psicanálise, sendo êste um desenvolvi­
mento histórico. Se acompanharmos a evolução do pen­
samento cientifico de Freud, verificaremos que o homem
preocupou seu espírito como um ser social. Sua forma­
ção médica e os estudos primeiros de neuropatologia
nunca se sobrepuseram à sua curiosidade e à sua irre­
sistível inclinação para o estudo das origens da socie­
dade humana, dos ritos e das religiões, da atividade ar­
tística e criadora, e, finalmente, do comportamento
agressivo e autodestrutivo da civilização moderna.
As teorias que elaborou a partir da convencional rela­
ção médico-paciente e do estudo da neurose no indivíduo
- teoria da libido, teoria estrutural, teoria edípica, teo­
ria do superego - reportam-se, sempre, ao indiví­
duo relacionado com objetos, construindo, assim, uma
psicologia multipessoal. O que não se pode deixar de
especular sãos as conseqüências que resultariam no cam­
po terapêutico - caso Freud não sofresse a limitação
que é contingência da vida individual, ou fôsse êle um
coevo de nossa sociedade de abundância e autodestrui-
ção. Parece que Bion pensa assim, ou, pelo menos , assim
podemos interpretá-lo, quando afirma, neste livro, que
"Freud falhou, em certo sentido, em compreender, na
sua discussão dos grupos, a natureza da revolução que
provocou, quando tentou uma explanação dos sintomas
neuróticos, não no indivíduo, porém nas relações do
indivíduo com seus objetos". Não é difícil inferir apli­
cações terapêuticas para os grupos, quando meditamos
sôbre idéias expressadas por Freud em diversas partes
de sua obra. Em Group Psychology and the Analysis
of the Ego (1921), por exemplo, Freud afirmou clara­
mente que a psicologia individual e a de grupo não po­
dem ser absolutamente diferenciadas, pois a psicologia
do indivíduo permanece em função das relações do in­
divíduo com outras pessoas. Conceitos assim esboçados
e esparsamente encontrados na obra de Freud, quando
se referiam · a outros aspectos da teoria, serviram como
ponto de partida para os "desenvolvimentos" da psica­
nálise. Assim sucedeu com o "complexo de Édipo", "teo­
ria do superego", "ansiedade" etc. Não se pode aduzir
razões científicas para que outros "desenvolvimentos"
não sejam tentadàs, desde que se investigue, a partir
de conceitos analíticos básicos, e que se os amplie à
medida que as observações o permitam. Para o estabe­
lecimento de uma técnica de "análise-de-grupo", o que .
se modifica é o setting, conservando-se os elementos que
são fundamentais na relação bipessoal : interpretação da
fantasia inconsciente, teoria da identificação proj etiva,
análise da transferência. O setting multipessoal se
constitui, no entanto, como a réplica da realidade in­
terna, visto que os desenvolvimentos da psicanálise, sur­
gidos com os trabalhos de Melanie Klein, vieram, na
verdade, demonstrar que o mundo interno do indivíduo
se constitui como uma comunidade ou "grupo" de ob­
jetos. 1l:stes elementos da psicanálise, juntamente com
os conceitos de Bion acêrca da dinâmica dos grupos,
fornecem as bases para o trabalho analítico com os gru­
pos de pacientes.
Para concluir, penso esclarecer uma questão impor­
tante, que, provàvelmente, aparecerá ao leitor após a
leitura dêste livro. Bion não chama o trabalho que fêz
com os grupos de "psicanálise". Mais ainda : empolga­
do pelos estudos que o levaram a especulações científi­
cas sôbre as teorias básicas da psicanálise, não retomou
em sua prática clínica o trabalho terapêutico com os
grupos. Darei agora duas razões que me fazem supor
que a alteração na sua linha de interêsses e de pesquisa
não implica abandonar suas experiências com gru­
pos, ponto de partida para sua extraordinária aventura
científica. A primeira está contida no próprio livro,
quando indica para outros analistas a importância da
investigação e trabalho com os grupos : "Penso que ain­
da não chegou o momento de dar uma opinião defini­
tiva, e creio que há lugar para analistas completamente
qualificados empreenderem pesquisas acêrca de seu va­
lor, possivelmente com grupos compostos de indivíduos
que estão tendo ou tiveram psicanálise". A segunda ra­
zão consiste em um informe de natureza pessoal. Como
membro da Asociación Psicoanalítica Argentina, tive
o privilégio de ser incluí.do no grupo de analistas que
participaram dos trabalhos (conferências, seminários,
supervisões) que Bion realizou em Buenos Aires, em
agôsto de 1968. Num encontro não científico - quando
em sua companhia, e na de Edgard Rolla e Arnaldo
Rascovsky, viajei para a casa de Leon Grinberg, em
Escobar - tivemos a oportunidade de conversar sôbre o
trabalho com grupos, sôbre sua opinião acêrca da téc­
nica grupal e sôbre as perspectivas para o futuro. Mos­
trou-se interessado e realmente curioso quanto ao desen­
volvimento dessas tentativas, referindo-se, naturalmente,
ao trabalho de analistas com formação completa, conhe­
cimentos das teorias da psicanálise e com longa expe­
riência em análise individual.
Walderedo Ismael de Oliveira

Rio de Janeiro, 1970


APRESENTAÇÃO
Tensões Intragrupais na Terap�utica
Seu estudo como tarefa do grupo1

A expressão 'terapêutica de grupo' pode ter dois sig­


nificados. Ela pode referir-se ao tratamento de um
certo número de indivíduos reunidos para sessões tera­
pêuticas especiais ou pode relacionar-se a um esfôrço
planejado para desenvolver num grupo as fôrças que
conduzem a uma atividade cooperativa de funcionamen­
to livre.
A terapêutica de indivíduos reunidos em grupos é
geralmente da natureza de uma explicação do problema
neurótico, com reasseguramento da confiança e, às vê­
zes, gira principalmente em tôrno da catarse da confis­
são pública. A terapêutica de grupos tem possibilidade
de versar sôbre a aquisição de conhecimentos e experiên­
cias dos fatôres que contribuem para um bom espírito
de grupo.

UM EHQUEMA DE REABILITAÇÃO (W. R. B.)

No tratamento do indivíduo, a neurosa é apre­


sentada como um problema do indivíduo. No tratamen­
to de um grupo, ela tem de ser apresentada como um
problema do grupo. Foi êste o obj etivo que estabeleci
a mim mesmo quando fui encarregado da ala de reabi­
litação de um hospital psiquiátrico militar. Minha pri-

1 Escrito em colaboração com John Rickman, M.D.

3
meira m1ssao, assim, foi descobrir o que a busca dêssa
objetivo significaria em função de horário e organização.
Não pude trabalhar nessa tarefa numa atmosfera
de calma claustral. Mal me sentava à escrivaninha, com
meus papéis, e já era assediado por urgentes problemas
apresentados por pacientes importunos e outras pessoas.
Poderia ir ver os praças graduados encarregados da ala
de reabilitação e explicar-lhes quais eram os seus de­
veres? Poderia receber o soldado A, que tinha urgente
necessidade de uma licença de 48' horas para ir encon­
trar um velho amigo que acabara de regressar do Orien­
te Médio? O soldado B, por outro lado, pedia conselhos,
porque um infeliz atraso ferroviário deixara-o exposto
à má interpretação de haver ultrapassado o prazo de
sua licença, e assim por diante.
Pouco mais de uma hora desta espécie de coisas con­
venceu-me que era de disciplina que se precisava. Exas­
perado pelo que considerava um adiamento de meu tra­
balho, voltei-me para a consideração dêste problema.

DISCIPLINA PARA O NEURóTICO

Sob um só teto achavam-se reunidos 300 a 400 ho­


mens que, em suas unidades, já tinham tido o benefício
do valor terapêutico que reside na disciplina militar, na
boa alimentação e na assistência regular; evidentemen­
te, isto não fôra suficiente para impedí-los de encontrar
o caminho de um hospital psiquiátrico. Num hospital
psiquiátrico, tais tipos fornecem e população total e, na
ocasião em que chegam à ala de reabilitação, não se
acham mais suj eitos nem mesmo à ligeira coerção que
é proporcionada pelo confinamento ao leito.
Fiquei convencido de que o que se exigia era o tipo
de disciplina conseguido num teatro de guerra por um
oficial experimentado no comando de um batalhão bas­
tante velhaco. Mas que tipo de disciplina era êsse? Fren­
te à urgente necessidade de ação, procurei e encontrei
uma hipótese de trabalho. Era ela a seguinte: a disci­
plina exigida depende de dois fatôres principais: (I) a

4
presença do inimigo, que fornece um perigo comum e
um obj etivo comum; (II) a presença de um oficial que,
sendo experimentado, conhece algumas de suas próprias
deficiências, respeita a integridade de seus homens e não
tem mêdo de sua boa vontade nem de sua hostilidade.
Um oficial que aspire a ser psiquiatra encarrega­
do de uma ala de reabilitação tem de saber o que é estar
numa posição de responsabilidade, numa ocasião em
que a responsabilidade significa ter de enfrentar ques­
tões de vida e morte. Tem de saber o que é exercer au­
toridade em circunstâncias que tornam seus companhei­
ros incapazes de aceitar sua autoridade, exceto na me­
dida em que êle parece ser capaz de sustentá-la. Tem de
saber o que é viver em estreita relação emocional com
seus semelhantes. Em resumo, tem de conhecer a espé­
cie de vida que é levada por um oficial combatente. Ao
psiquiatra que conheça isso será pelo menos poupado o
odioso e crasso êrro de achar que seus pacientes são car­
ne para canhão em potencial, a serem devolvidos como
tal a suas unidades. Compreenderá que é tarefa sua pro­
duzir homens que se respeitem a si mesmos, socialmente
ajustados à comunidade e, dessa maneira, desejosos de
aceitar suas responsabilidades tanto na paz quanto na
guerra. Sàmente assim ficará êle livre de profundos sen­
timentos de culpa que frustram redondamente quaisquer
esforços que, doutra maneira, possa fazer· para o tra-
tamento.
Qual o perigo comum que é partilhado pelos solda­
dos da ala de reabilitação? Que objetivo poderia uni-los?
Não houve dificuldade em descobrir um perigo co­
mum; extravagâncias neuróticas de um tipo ou de outro
colocam perpetuamente em perigo o trabalho do psi­
quiatra ou de qualquer instituição criada' para o trata­
mento das perturbações neuróticas. O perigo comum na
ala de treinamento era a existência da neurose como
uma ·incapacidade da comunidade. Achava-me agora de
volta a meu ponto de partida : a necessidade, no trata­
mento de um grupo, de apresentar a neurose como um
problema do grupo. Entretanto, graças à minha excur­
são pelo problema da· disciplina, retornara com dois

5
acréscimos. A neurose precisa ser apresentada como um
perigo para o grupo e sua apresentação deve, de alguma
maneira, ser tornada o objetivo comum do grupo.
Mas como poderia o grupo ser persuadido a en­
frentar a incapacidade neurótica como um problema
comum?
O paciente neurótico nem sempre deseja o tratamen-.
to e quando, afinal, sua aflição o leva a êle, não o dese­
ja irrestritamente. Esta relutância foi identificada na
discussão da resistência e fenômenos correlatos, mas a
existência de fenômenos comparáveis nas sociedades não
fo� reconhecida. •

A sociedade ainda não foi impulsionada a buscar


tratamento para suas perturbações psicológicas através
de meios psicológicos porque ainda não atingiu um dis­
cernimento (insight) suficiente para apreciar a nature­
za de sua aflição. A organização da ala de reabilitação
tinha de ser tal que o desenvolvimento do discernimen­
to pelo menos não fôsse obstado. Melhor ainda seria se
ela pudesse ser projetada para dar realce à maneira pela
qual o comportamento neurótico se soma às dificulda­
des da comunidade, destruindo a felicidade e a eficiên­
cia. Se se pudesse demonstrar que a aflição comunal era
um subproduto neurótico, então a própria neurose seria
encarada como digna de um estudo e de um ataque co­
munais e se teria dado um passo no caminho da vitória
sôbre a resistência na sociedade.
Dois requisitos milita.res de menor monta, mas rigo­
rosamente práticos, tinham de ser atendidos pela ala
de reabilitação. A organização deveria, se possível, for­
necer um meio através do qual o progresso dos pacien­
tes pudesse ser indicado, de maneira a permitir ao psi­
quiatra informar se um soldado achava-se apto para
receber alta. Também seria útil possuir uma indicação
da inclinação do paciente, de sua motivação efetiva,
de maneira a se poder formar uma opinião sôbre o tipo
de trabalho para o qual êle deveria ser encaminhado.
Achei útil visualizar a organização projetada da
ala de treinamento como se se tratasse de uma estrutura
encerrada dentro de paredes transparentes. Dentro dês-

6
se espaço, o paciente seria admitido em determinado
ponto e as atividades no interior do mesmo seriam or­
ganizadas de maneira a poder êle movimentar-se livre­
mente em qualquer direção, de acôrdo com a resultante
de seus impulsos conflitantes. Seus movimentos, até
onde possível, não seriam deformados por interferên­
cia externa. Em resultado disso, poder-se-ia confiar que
seu comportamento proporcionasse uma indicação cor­
reta de sua vontade e obj etivos efetivos, em oposição aos
obj etivos por êle próprio proclamados ou àqueles que o
psiquiatra desej aria que êle tivesse.
Era de esperar que algumas das atividades organi­
zadas dentro do 'espaço' fôssem claramente bélicas ; ou­
tras, igualmente, claramente civis e outras, ainda, sim­
ples expressões de importância neurótica. À medida que
se visse o progresso do paciente avançar ao longo de
um ou de outro dêsses caminhos, assim também seu
'ativo e passivo' - para utilizar uma expressão empre­
gada na esfera da seleção de oficiais pelo Major Eric
Wittkower - poderiam ser avaliados com razoável ob­
jetividade. À medida que seu progresso se mostrasse efe­
tuar na direção de uma ou outra das saídas possíveis
dêsse espaço imaginário, também seu verdadeiro obje­
tivo poderia ser julgado.
Ao mesmo tempo, a organização poderia ser utiliza­
da para ampliar o objetivo principal da ala de reabili­
tação : a educação e o treinamento da comunidade nos
problemas das relações interpessoais. Se êle pudesse
aproximar-se dessa construção teórica, permitiria aos
membros da ala de reabilitação colocar-se (por assim
dizer) fora da estrutura e observar com isenção de âni­
mo e uma compreensão crescente os problemas de seu
funcionamento.

A EXPERI:Ê NCIA

A ala de reabilitação, consistente nalgumas cente­


nas de homens, foi posta em forma e se lhes disse que,
no futuro, aplicar-se-iam a ela os seguintes regu­
lamentos:

7
1 . Todos os homens teriam de fazer uma hora
diária de treinamento físico, a menof, que um cer­
tificado médico os isentasse disso.
2 . Todos os homens teriam de ser membros
de um ou mais grupos, sendo os grupos proj etados
para o estudo de artes manuais, cursos de corres­
pondência do Exército, carpintaria, leitura de ma­
pas, mesas de tipografia, etc.
3 . Qualquer homem poderia formar um nôvo
grupo, se assim desejasse fazê-lo, f'ôsse por não
existir nenhum grupo para a sua atividade especí­
fica, fôsse porque, por uma razão ou outra, não
estivesse apto a unir-se a um grupo similar já
existente.
4 . O homem que se sentisse incapaz de fre­
qüentar seu grupo teria de ir para a sala de re­
pouso.
5 . A sala de repouso ficaria a cargo de um
enfermeiro e deveria ser mantida tranqüila para a
leitura, a escrita ou jogos do tipo damas. Falar em
tom baixo era permitido, com a autorização do en­
fermeiro, mas os outros pacientes não deveriam ser
perturbados; eram fornecidos sofás, de maneira que
qualquer homem que se sentisse inapto para qual­
quer atividade pudesse repousar nêles. O enfermei­
ro tomaria o nome de todos aquêles que se encon­
trassem na sala de repouso, como questão de rotina.

Foi também anunciado que uma. formatura seria


efetuada todos os dias, às 12,10 horas, para a divulga­
ção de comunicados e orientação de outros assuntos da
ala de reabilitação. Não sabido pelos pacientes, preten­
dia-se que essa reunião, estritamente limitada a 30 mi­
nutos, ensejasse uma ocasião para os homens saírem
de sua estrutura e examinarem o funcionamento dela
com o desligamento de espectadores. Em resumo, estava
ela proj etada para ser o primeiro passo no sentido da
elaboração de seminários terapêuticos.

8
Durante os primeiros dias, pouca coisa aconteceu,
mas era evidente que, entre os pacientes, realizavam-se
grandes debates e reflexões. As primeiras reuniões das
12,10 foram pouco mais que tentativas para auferir a
sinceridade dos propósitos ; depois, os grupos começa­
ram a se formar a sério. Entre as atividades mais apa­
rentes, havia um grupo de planejamento, destinado a
elaborar gráficos das horas de funcionamento dos gru­
pos e de sua localização, emitir comunicados e reservar
entradas para· concertos gratuitos e coisas semelhantes .
Em muito pouco tempo a sala de planejamento, que
apresentava por meio de bandeiras aplicadas sôbre um
gráfico de trabalho as atividades de todos os homens
da ala de teabilitação, crescendo então ràpidamente de
tamanho, tornou-se quase primaveril en;1 sua mostra de
bandeiras multicoloridas, de padrões sugeridos pela in­
genuidade dos pacientes. Graças a uma lembrança feliz,
um suprimento de bandeiras a apresentar a caveira e
os ossos cruzados foi preparado, prontas para o uso por
parte daqueles cavalheiros que se sentissem compelidos
a permanecer ausentes sem permissão.

A existência dessa esplêndida mostra ocasionou


aquilo que foi provàvelmente a primeira tentativa im­
portante de cooperação terapêutica, numa das reuniões
das 1 2 , 10. Ficara sendo meu hábito, ao fazer a ronda dos
grupos, separar um ou dois homens de seu trabalho
imediato e levá-los comigo, 'apenas para ver como o
resto do mundo vive '. Pude assim comunicar nessa reu­
nião um fato interessante que fôra observado por mim
e pelos outros que haviam feito a ronda comigo, ou seja,
que, embora houvesse muitos grupos e uma liberdade
quase integral para cada homem seguir suas próprias
inclinações, desde que apresentasse um objetivo prático,
muito pouco, contudo, estava acontecendo. A oficina de
carpinteiro teria um ou dois homens no máximo; a ma­
nutenção de carros, o mesmo; em resumo, segundo su­
geri, quase parecia que a ala de reabilitação era uma
fachada sem nada por trás. Isso, disse eu, parecia estra­
nho, porque me faziâ lembrar quão amargamente os pa­
cientes da ala de treinamento haviam anteriormente se

9
queixado a mim de que uma de suas objeções ao Exér­
cito era o 'engôdo'. A presença dêle na ala de reabili­
tação, assim, parecia realmente ser um ponto digno de
estudo e debate.
i:ste comunicado deixou a audiência parecendo sen­
tir-se como se houvesse sido 'apanhada '. Voltei à discus­
são, nesse ponto, para um assunto de responsabilidade
comunal e não mais ·algo que concernia a mim, como
oficial, sàzinho.
Com surpreendente rapidez a ala de reabilitação
tornou-se autocrítica. A liberdade de movimentos conce­
dida pela organização original permitiu que as caracte­
rísticas de uma comunidade neurótica se mostrassem
com uma penosa clareza : dentro de poucos dias os ho­
mens se queixavam de que as enfermarias (que até en­
tão eram apresentadas como impecáveis) estavam sujas
e não podiam ser mantidas limpas sob o presente sis­
tema de uma hora de rotina para faxina da enferma­
ria. Pediram e foi-lhes concedida permissão para orga­
nizar, sob o grupo de planejamento, um 'grupo de ser­
ventes', cuja função seria manter as enfermarias lim­
pas durante todo o dia. O resultado disso foi que, numa
subseqüente inspeção semanal, o. oficial comandante do
hospital fêz uma observação sôbre a grande mudança
em limpeza que se verificara.

ALGUNS RESULTADOS

É impossível entrar em pormenores sôbre o funcio­


namento de todos os aspectos terapêuticos da organiza­
ção, mas dois exemplos de método e resultado podem
ser dados.
Pouco após o início das novas providências, os ho­
mens começaram a me apresentar queixa de que pacien­
tes estavam tirando vantagem da complacência da or­
ganização: 'Apenas 20% dos homens', disseram êles, 'es­
tão tomando parte e realmente trabalhando duro; os
outros 80% são apenas uma cambada de aproveitadores '.
Queixaram-se de que não apenas a sala de repouso acha-
va-se amiúde cheia de gente simplesmente a vadiar, mas
que alguns homens haviam até mesmo fugido a isso.
Já me achava ciente do fato, mas recusei, pelo menos
exteriormente, fazer da cura dêles uma responsabilida­
de minha. Em vez disso, indiquei que, numa reunião
de um Bureau de Assuntos Correntes do Exército, rea­
lizada algumas semanas antes, o debate, em determina-
. do ponto, havia-se centralizado exatamente nessa ques­
tão, isto é, a existência em comunidades (e a comuni­
dade então em discussão era a União Soviética) de tais
indivíduos refratários à cooperação como os menciona­
dos e o problema apresentado à sociedade pela sua exis­
tência. Por que, então, pareciam êles tão surpresos e
afrontados ao descobrir que exatamente o mesmo pro­
blema afligia a ala de reabilitação?
Esta resposta fria não satisfez aos queixosos: que­
riam que tais homens fôssem punidos ou que se desse
um jeito nêles. A isto respondi que, sem dúvida, os pró­
prios queixosos tinham sintomas neuróticos ou não es­
tariam no hospital; porque deveriam suas incapacida­
des serem tratadas de uma maneira e as incapacida­
des dos 80% tratadas de outra? Afinal de contas, o pro­
blema dos '80%' não era nôvo; na vida civil, magistra­
dos, funcionários encarregados de fiscalizar o bom com­
portamento de indivíduos, assistentes sociais, a Igreja
e políticos haviam todos tentado enfrentá-lo, alguns dê­
les através da disciplina e da punição. Os '80% con­
',

tudo, ainda se achavam conosco; não seria possível que


a natureza do problema ainda não tivesse sido comple­
tamente elucidada e que êles (os queixosos) estivessem
tentando precipitar uma cura, antes de a doença ter sido
diagnosticada? O problema, disse eu, parecia ser um da­
queles que interessava não apenas à ala de reabilitação
ou mesmo apenas ao Exército, mas possuía as mais am­
plas implicações possíveis para a sociedade em geral.
Sugeri que o estudassem e voltassem com novas pro­
postas, quando achassem que estavam começando a ver
a luz.
Vale a pena observar, neste ponto, que minha de­
terminação de não tentar a solução de qualquer proble-

11
ma até que seus limites se houvessem definido clara­
mente ajudou a produzir, após vívida e saudável impa­
ciência, uma, crença real de que a unidade estava deci­
dida a enfrentar a tarefa com seriedade científica. Um
crítico advertiu que, certamente, tal sistema de obser­
vação de pacientes seria excepcionalmente lento em pro­
duzir resultados, se é que, na verdade, produzisse al­
gum. Respondeu-se-lhe lembrando-o de que apenas pou­
cos dias antes o próprio crítico havia espontâneamente
observado que a disciplina militar e o comportamento
da ala de reabilitação haviam melhorado além de qual­
quer identificação, dentro do curto período de um mês.
O segundo exemplo ilustra o desenvolvimento de
uma idéia, da fase de impulsos neuróticos bastante sel­
vagens para uma atividade prática de bom senso.
Por grande diferença, o maior grupo de homens pro­
pôs a formação de um curso de dança. A despeito da
aparência de ser um desejo de testar minha sincerida­
de na promessa de facilidades para a atividade grupal,
a patética sensação de inferioridade em relação às mu­
lheres que se ocultava sob esta proposta, partida de ho­
mens que não estavam tomando parte na luta, era óbvia
demais. Foi-lhes dito que apresentassem proposições
concretas. Não precisamos deter-nos nas etapas pelas
quais isto foi feito; ao fim, o curso foi efetuado durante
horas geralmente ocupadas por um divertimento notur­
no; foi confinado, pela vontade dos próprios homens,
apenas àqueles que não possuíam conhecimento ne­
nhum de dança e a instrução foi efetuada pela equipe
do ATS .* Em resumo, uma proposta que havia começa­
do como uma idéia inteiramente impraticável, comple­
tamente contrária a qualquer obj etivo militar aparen­
temente sério ou a um sentido de responsabilidade so­
cial para com a nação em guerra, terminou por ser um
estudo inofensivo e sério, realizado ao fim de uma j or­
nada de trabalho. Além disso, os homens interessados
tiveram de se aproximar do oficial comandante, dos ofi-
*
A.T.S.- A uxiliary Territorial Service ( Serviço Territorial Auxiliar);
o seu quadro era composto de mulheres (N. do Trad.).

12
ciais do ATS e do próprio ATS, como questão de disci­
plina, em primeiro lugar, e de cortesia social, em se­
gundo .
Entrementes, as formaturas das 12, 10 haviam evo­
luído muito ràpidamente para reuniões animadas e
construtivas, semelhantes às de negócios, e isso apesar
do fato de a ala estar recebendo agora pesados refor­
ços de pacientes novos à organização, bem como per­
dendo outros que haviam recebido alta do hospital, mui­
tas vêzes quando se haviam tornado úteis.
Dentro de um mês do início do esquema, grandes
alterações se haviam processado. Onde quer que, a prin­
cípio, se afigurara difícil descobrir maneiras de utilizar
os homens, ao fim do mês era difícil encontrar tempo
para o trabalho que desejavam realizar. Os grupos já
haviam começado a funcionar bem fora daquilo que era
comumente considerado horas de formatura; o afasta­
mento sem permissão foi, durante um considerável pe­
ríodo, inexistente e, em todo o período, houve apenas
um caso dêle; os pacientes que não pertenciam à ala de
reabilitação ficaram ansiosos para passar para ela e, a
despeito da população flutuante, a ala possuía um in­
discutível esprit de corps, que se mostrava em porme­
nores tais como a correção com que os homens entra­
vam em posição de sentido quando os oficiais ingres­
savam na sala, nas reuniões das 12,10. A relação dos sol­
dados com os oficiais era amistosa e cooperativa; mos­
travam-se ávidos em angariar a simpatia dos oficiais
para concertos e outras atividades que estavam arran­
jando. Havia uma sensação sutil mas inequívoca de que
tanto os oficiais como os praças achavam-se empenha­
dos numa tarefa importante e valiosa, mesmo quando
os homens não haviam ainda apreendido inteiramente
a natureza da missão em que estavam engajados. A at­
mosfera não era diferente da que é vista numa unidade
de exército sob o comando de um general em que os
soldados têm confiança, mesmo que não possam conhe­
cer-lhe os planos.

13
COMENTARIO

Não é possível tirar muitas conclusões de uma ex­


periência que durou, ao todo, seis semanas. Alguns pro­
blemas que surgiram não puderam ser inteiramente ex­
plorados e outros não puderam ser abertamente dis­
cutidos enquanto a guerra ainda continuava.
Foi evidente que as reuniões das 12,10 ficaram cada
vez mais relacionadas com a expressão, por parte dos
homens, de sua capacidade de manter contato com a
realidade e regular eficientemente suas relações com os
outros e com suas tarefas. A necessidade da organiza­
ção de seminários para terapêutica de grupo tornou-se
clara e a base de seu comêço pareceu achar-se firme­
mente lançada.
Todo o conceito da 'ocupação' da ala de reabilita­
ção como um estudo - e um treinamento - do mane­
jo das relações interpessoais dentro de um grupo pare­
.ceu justificar-se plenamente como abordagem terapêu­
tica. Qualquer pessoa que possua um conhecimento de
bons regimentos de combate num teatro de guerra teria
ficado impressionada por certas similaridades em apa­
rência entre os soldados de tais unidades e os homens
da ala de reabilitação. Sob êstes aspectos, a tentativa
pôde ser encarada como útil, mas houve também lições
a serem aprendidas .
Algumas delas suscitaram sérias dúvidas sôbre a
conveniência de um ambiente hospitalar para a psico­
terapia. Era possível imaginar uma organização que pu­
desse ser mais adequadamente descrita como unidade
de recuperação psiquiátrica e, na verdade, efetuou-se
um certo trabalho na elaboração de um estabelecimen­
to e do modus operandi de tal unidade. Também em re­
lação ao psiquiatra houve campo para um certo reajus­
tamento de aparência. Se é que a terapêutica de grupo
quer ser bem sucedida, parece necessário que êle deva
ter a aparência e o tipo de aptidão intuitiva simpática
de um bom comandante de unidade. Doutra maneira,
pairará sempre a suspeita de que alguns oficiais com­
batentes são melhores psiquiatras e alcançam melhores

14
resultados do que aquêles que se devotaram aos estrei­
tos caminhos da entrevista individual.
Finalmente, deve-se novamente chamar a atenção
para o fato de que a sociedade, tal como o indivíduo,
pode não querer tratar de suas afliçôes por meios psico­
lógicos até que seja levada a fazê-lo pela compreensão
de que, pelo menos, alguns de seus sofrimentos são psi­
cológicos na origem. A comunidade representada pela
ala de reabilitação teve de aprender êste fato antes que
a fôrça plena de sua energia pudesse ser liberada na
cura de si própria. O que se aplicou à pequena comuni­
dade da ala de reabilitação bem pode ser aplicado à co­
munidade em geral e um nôvo discernimento (insight)
poderá ser necessário antes que um apoio irrestrito pos­
sa ser obtido para aquêles que tentam, desta maneira,
tratar com as fontes profundamente situadas do moral
nacional.

APLICAÇÃO DA TERAP::Ji:UTICA DE GRUPO


NUMA ENFERMARIA PEQUENA
(J. R. )

Uma experi-ência na aplicação da terapêutica de


grupo, no sentido mais recente, a pacientes de uma en­
fermaria de 14 a 16 leitos foi feita na divisão hospitalar
da mesma instituição. Cada paciente teve uma entrevis­
ta inicial com o psiquiatra, entrevista na qual a histó­
ria pessoal foi tomada da maneira costumeira; após,
houve discussões em grupo cada manhã, antes da hora
da 'marcha de estrada', e, depois, quando os pacientes
retornavam para a enfermaria, podiam chegar à sala
do psiquiatra, a fim de discutir privadamente o assun­
to da discussão de grupo, que havia sido geralmente o
assunto de conversa na marcha de estrada, e as suas
impressões pessoais sôbre ela.
As conversas terapêuticas centralizaram-se nas suas
dificuldades pessoais em colocar o bem-estar do grupo
em primeiro lugar, durante sua filiação a êle. Os tópicos
da discussão no grupo incluíam o seguinte :

15
a) Uma vez que a residência nesta enfermaria é
temporária, com alguns indo para a ala de reabilitação
e outros chegando da enfermaria de admissão, para
ocupar seu lugar, como pode ser enfrentada esta situa­
ção flutuante? Deveríamos nós (a distinção entre médi­
co e paciente, oficiais e outros postos, era um outro tó­
pico especial) ter de acomodar-nos às pessoas que in­
gressavam em nosso grupo, para quem nossa atitude
para com nossa -enfermaria (que era sempre referida
como sendo a 'nossa enfermaria' ) não significava abso­
lutamente nada; seriam encarados como estranhos ou
gente de dentro imperfeitamente adaptada? Assim tam­
bém com aquêles que 'saíam' para a ala de reabilitação :
êles não poderiam esperar manter a atitude do grupo
da enfermaria indefinidamente, nem tampouco ter es­
peranças de incluir a ala de reabilitação, muito maior,
em seu grupo de enfermaria; teriam de encontrar seu
lugar nos novos agrupamentos e deixar que sua expe­
riência de enfermaria fôsse apenas uma lembrançà, mas
esperava-se que fôsse uma lembrança útil. Havia ainda
outro ponto; se os da ala de reabilitação deveriam retor;;,
nar para os debates diários de grupo, não sendo a ques­
tão o que se conseguiria dêles (parecia haver pouca dú­
vida de que se achavam entre as experiências mais in­
teressantes que já havíamos tido) mas sim se, vindos
de outra formação grupal ou havendo perdido seu con­
tato com a enfermaria, não poderiam mostrar ser uma
distração para aquêles que estavam tomando pé no gru­
po da enfermaria.
b) Até onde as diferenças de graduação adquiri­
das 'fora' deveriam determinar o comportamento dos
membros do grupo, um para com o outro, enquanto na
enfermaria? Uma tentativa de igualização funcionaria?
Ou seria melhor, sem esquecer o pôsto adquirido fora,
considerar quais os equivalentes de pôsto que surgem na
enfermaria, e se assim fôsse, qual a base dêsses equi-
·

valentes?
c) O que provoca descontentamento na enferma­
ria? É algo peculiar à guerra, a qualquer enfermaria ou
a qualquer associação de pessoas?

16
d) O que provoca contentamento e felicidade na
enfermaria? Seria o exercício da iniciativa individual
tendo por único critério a livre expressão das próprias
iniciativas privadas da pessoa ou aquelas só surgiriam
após o reconhecimento daquilo que a enfermaria pede
do indivíduo? Existiria uma incompatibilidade funda­
mental entre êsses dois pontos de vista e, se assim fôs­
se, aplicar-se-ia ela a todos ou apenas a alguns dos mem­
bros? Se apenas a alguns, o que faria com que ela apa­
recesse nêles e tratar-se-ia de uma característica que le­
vavam em .suas vidas todo o tempo ou seria mais forte
em certas ocasiões do que em outras? Se variasse, po­
deria a enfermaria diminuí-la sem se tornar opressiva
aos indivíduos assim dotados?

O efeito desta abordagem do problema da neurose


foi considerável. Houve uma disposição e, às vêzes, uma
avidez de discutir tanto em público como em particular
as implicações sociais dos problemas de personalidade.
O neurótico é geralmente encaradq como egocêntrico
e averso aos esforços de cooperação, mas talvez isto acon­
teça porque raramente é êle colocado num ambiente em
que todos os membros se acham na mesma posição, no
que concerne às relações interpessoais.
A experiência foi interrompida pela designação do
pessoal, de maneira que não posso fornecer resultados
clínicos ou estatísticos, mas ela pareceu mostrar que é
possível, para um clínico, voltar a atenção para a estru­
tura de um grupo e para as· fôrças que atuam nessa es­
trutura sem perder contato com seus pacientes e, além
disso, que a ansiedade pode surgir dentro ou fora do gru­
po, se fôr efetuada esta abordagem.

CONCLUSõES
'

Achamo-nos agora em melhor posição para definir


o 'bom espírito de grupo', que foi o nosso obj etivo.
J!:le é tão difícil de definir quanto o conceito de boa
saúde num indivíduo, mas algumas de suas qualidades
parecem achar-se associadas com:

17
a) Um propósito comum, seja êle vencer um ini­
migo ou defender e nutrir um ideal ou uma constru­
ção criativa no campo das relações sociais ou das comu­
nidades físicas.
b) Um reconhecimento corrium, por parte dos
membros do grupo, dos 'limites' dêste e sua posição e
função em relaçã.o às de unidades ou grupos maiores.
c) A capacidade de absorver novos membros e per­
der outros sem mêdo de perder a individualidade gru­
pal, isto é, o 'caráter do grupo' deve ser flexível.
d) A liberdade dos subgrupos internos de terem li­
mites rígidos (isto é, exclusivos) . Se um subgrupo achar­
se presente, êle não deve ser centrado em nenhum de seus
membros nem em si próprio, tratando os outros mem­
bros do grupo principal como se êles não fizessem par­
te da principal barreira grupal; o valor do subgrupo
para o funcionamento do grupo principal deve ser ge­
ralmente reconhecido.
e) Cada membro individual é valorizado por sua
contribuição ao grupo e possui liberdade de movimen­
tos dentro dêle, com sua liberdade de locomoção sendo
limitada apenas pelas condições geralmente aceitas, es­
peradas e impostas pelo grupo.
f) O grupo deve ter a capacidade de enfrentar o
descontentamento dentro de si e possuir meios de tra­
tar com êle.
g) O tamanho mínimo do grupo é três. Dois mem­
bros têm relações pessoais ; com três ou mais, há uma
mudança de qualidade (relação interpessoal) .
Estas experiências na ala de reabilitação de um hos­
pital militar psiquiátrico de neuroses sugerem a neces­
sidade de um exame mais aprofundado da estrutura dos
grupos e da ação recíproca das fôrças dentro dêles. A
psicologia e a psicopatologia focalizaram a atenção sô­
bre o indivíduo, muitas vêzes com a exclusão do campo
social de que êle faz parte. Há um futuro útil no estudo
da ação recíproca das psicologias individual e social, en­
caradas como elementos interatuantes igualmente im­
portantes.

18
EXPERIÊNCIAS
COM GRUPOS
1

No início de 1948, a Comissão Profissional da Clí­


nica Tavistock pediu-me para aceitar grupos terapêuti­
cos, empregando minha própria técnica. Ora, não tinha
meios de saber o que a Comissão queria dizer com aqui­
lo, mas era evidente que, em sua opinião, eu havia 'acei­
to' grupos terapêuticos antes. Tivera, era verdade, ex­
periência em tentar persuadir grupos compostos de pa­
cientes a fazer do estudo de suas tensões uma tarefa
:
grupal e presumi que a Comissão queria dizer que de-
sejavam que eu fizesse isso novamente. Era desconcer­
tante descobrir que a Comissão parecia acreditar que
pacientes pudessem ser curados em grupos como êsses.
Fêz-me pensar, de início, que suas expectativas do que
acontecia em grupos de que eu próprio era membro
eram muito diferentes das minhas. Na verdade, a única
cura de que eu podia falar com certeza achava-se rela ­
cionada com um sintoma relativamente de menor im­
portância, meu próprio - a crença de que os grupos
pudessem aceitar gentilmente meus esforços. Apesar de
tudo, concordei e, assim, no devido tempo, encontrei-me
sentado numa sala com mais oito ou nove pessoas -

às vêzes mais, às vêzes menos, às vêzes pacientes, às


vêzes não. Quando os membros do grupo não eram pa­
cientes, freqüentemente encontrei-me numa perplexida­
de peculiar. Descreverei o que acontece.
Na hora marcada, os membros do grupo começam
a chegar; os indivíduos entabolam conversa por um cer­
to tempo e depois, quando um certo número dêles já se
reuniu, cai um silêncio sôbre o grupo. Após c.erto tem-

21
po, uma conversa desconexa inicia-se novamente e tom­
ba um outro silêncio. Torna-se claro para mim que sou,
num certo sentido, o foco da atenção do grupo. Além
disso, dou-me conta de sentir desconfortàvelmente que
se espera que eu faça alguma coisa. Neste ponto, con­
fio minhas ansiedades ao grupo, observando que, por
mais equivocada que minha atitude possa ser, sinto exa­
tamente isso.
Logo descubro que minha confidência não é muito
bem recebida. Na verdade, há uma certa indignação por
eu expressar tais sentimentos sem parecer apreciar o
fato de que o grupo tem direito a esperar algo de mim.
Não discuto isso, mas contento-me em apontar que, evi­
dentemente, o grupo não pode tirar de mim o que sen�
tem ter direito a esperar. Fico pensando quais são essas
expectativas e o que as despertou.
A amistosidade do grupo, embora doloridamente
testada, permite-lhes fornecer-me algumas informações.
Disseram à maior parte dos membros que eu 'aceitaria'
o grupo; alguns dizem que tenho a reputação de saber
um bocado a respeito de grupos ; outros acham que eu
deveria explicar o que iremos Jazer e outros ainda pen­
sam que seria uma espécie de seminário ou, talvez, uma
conferência. Quando chamo a atenção para o fato de
que essas idéias me parecem ser baseadas em boatos,
parece haver a impressão de que estou tentando negar
minha eminência como 'aceitador' de grupos. Sinto e
digo que é evidente que o grupo tem certas boas expec­
tativas e crenças sôbre mim e que estão tristemente de­
sapontados por descobrirem que elas não são verdadei­
ras. O grupo acha-se persuadido de que as expectativas
são verdadeiras e que meu comportamento é provocador
e deliberadamente desapontador, a ponto de dizer que
eu poderia comportar-me diferentemente, se assim o qui ­
sesse, e que estou apenas conduzindo-me dêsse modo por
despeito. Ap9nto que é difícil para o grupo admitir que
esta poderia ser minha maneira de aceitar grupos ou
mesmo que me deveria ser permitido aceitá-los de tal
modo .

22
Neste ponto, a conversa parece-me indicar que o
grupo mudou de intenção.
Enquanto espero que o grupo se firme em seu nôvo
curso, pode ser útil tentar oferecer ao leitor alguma ex­
plicação de meu comportamento, que pode, a esta altu­
ra, intrigá-lo tanto quanto intriga o grupo. Naturalmen­
te, eu não sonharia em fazer isto num grupo, mas o lei­
tor acha-se numa posição diferente da do homem ou da
mulher que tem muito mais provas por que guiar-se que
a palavra escrita. Diversas perguntas podem ter ocorri­
do ao leitor. Poderá pensar que minha atitude para com
o grupo é artificialmente ingênua e certamente egoísta.
Por que deveria um grupo se incomodar em discutir as­
suntos irrelevantes tais como a personalidade, história,
carreira, etc., de um só indivíduo? Não posso ter espe­
ranças de fornecer qualquer tipo de resposta integral a
tais questões, mas direi, pnwisóriamente, que nâo con­
sidero ter forçado o grupo a me discutir, embora eon·
corde que êle foi forçado a proceder assim. Por mais
irrelevante que se afigure ser para o propósito da reu­
nião, a preocupação com minha personalidade certamen­
te pareceu-me intrometer-se, por indesej ável que isso
possa ser ao grupo ou a mim próprio. Estava simples­
mente declarando o que pensava estar acontecendo. Na­
turalmente, pode-se discutir que provoquei essa situação
e se tem de admitir que isso é inteiramente possível,
embora não pense assim. Mas mesmo supondo que mi­
nhas observações sejam corretas , pode-se ficar pensan­
do a que propósito se serve fazendo-as. Aqui posso ape­
nas dizer que não sei se alguma intenção útil é servida
ao fazê-las, nem tampouco me acho muito seguro sôbre
a natureza dêste tipo de observação. Seria tentador, por
analogia com a psicanálise, chamá-las de interpretações
de transferência de grupo, mas penso que qualquer psi­
canalista concordaria comigo no sentido de que, antes
de que tal descrição possa ser j ustificada, uma grande
quantidade de provas oriundas de grupos teria de ser
avaliada. Entretanto, pelo menos , posso alegar que ob­
servações dessa espécie são feitas espontânea e natural­
mente na vida cotidiana, que não podemos evitar fazê-
las, inconsciente senão conscientemente, e que seria
muito útil se pudéssemos saber que, quando fazemos
observações dêsse tipo, elas correspondem a fatos. So­
mos constantemente influenciados por aquilo que acha­
mos ser a atitude de um grupo para conosco e consciente
ou inconscientemente governados por nossa idéia dela.
Ver-se-á em seguida que não se depreende disso que de­
vamos deixá-lo escapar da maneira em que até agora me
descrevi como fazendo no grupo . Isto, confesso, deve
ser encarado como peculiar, embora, se precedentes fôs­
sem exigidos, todos nós estaríamos familiarizados com
certos tipos de pessoas, particularmente aquelas que ten­
dem a se sentir perseguidas, que se comportam dessa
maneira . Não é um precedente feliz, pensará o leitor,
e não demorará muito até ser evidente que o grupo pen­
sa isso também . Mas é necessário agora retornar ao
grupo, a quem deixamos no processo de mudar de curso.
A primeira coisa a nos impressionar é a melhoria
que se realizou na atmosfera. O Sr. X., que tem uma
personalidade simpática, tomou conta do grupo e j á está
adotando medidas para reparar a deplorável situação
criada por mim. Mas dei uma impressão equivocada se
pareci sugerir que podemos olhar êste grupo com isen­
ção, porque o Sr. X., que está ansioso pelo bem-estar
do grupo, muito corretamente volta sua atenção para a
fonte da dificuldade, que, segundo seu ponto de vista,
sou eu mesmo. Pode-se ver que êle tem uma idéia mui­
to boa de enfrentar de saída aquêles elementos de seu
grupo que são destrutivos do estado de ânimo e da boa
camaradagem. Dessa maneira, pergunta-me diretamen­
te qual o meu objetivo e porque não posso dar uma ex­
plicação franca de meu comportamento. Posso apenas
desculpar-me e dizer que, além de achar que a declara­
ção de que desejo estudar tensões de grupo seja provà­
velmente uma descrição muito inadequada de meus mo­
tivos, não posso lançar qualquer luz sôbre o problema .
E:le recebe uma grande simpatia do grupo quando deixa
de lado esta resposta muito insatisfatória para ques­
tionar um ou dois dos outros, que parecem ser mais coo­
perativos e francos do que eu. Posso detectar, contudo,

24
uma certa má-vontade por parte do grupo em seguir ir­
restritamente sua liderança. Os dissidentes parecem ha­
ver-se tranqüilizado, dizendo-se a si mesmos que a Co­
missão da Clínica Tavistock deve ter tido algum bom
propósito em afirmar que eu deveria aceitar o grupo;
dão a impressão de que se acham determinados a acre­
ditar que a experiência de um grupo aceito por mim é
valiosa, a despeito de suas observações até o presente.
Sem embargo, o Sr. X. está obtendo algum sucesso.
O Sr. Y. diz-lhe · que é um funcionário encarregado da
conduta daquêles que tiveram alta e veio a ter um co­
nhecimento científico de grupos, que achou seria de
valor para êle. O Sr. R., embora não interessado profis­
sionalmente, sempre teve interêsse no estudo científico
de grupos. O Sr. X., o Sr. Y. e o Sr. R. fornecem também
alguns pormenores de seus antecedentes e explicam por­
que acham que um estudo científico os ajudaria.
Mas, agora, parecem estar surgindo dificuldades .
Outros membros do grupo não são tão acessíveis como o
Sr. Y. ou o Sr. R. Além disso, parece haver certa irri­
tação com o Sr. X., por haver assumido a liderança. As
respostas se tornam evasivas e parece como se mesmo as
informações que foram obtidas não fôssem, realmente,
as informações que eram desejadas. Começo a sentir, à
medida que a conversa se torna mais desconexa, que
sou novamente o foco do descontentamento. Sem saber
inteiramente por que, sugiro que o que o grupo realmen­
te desej a conhecer são os meus motivos para estar pre­
sente e, uma vez que êstes não foram revelados, êles
não se acham satisfeitos com nenhum sucedâneo.
É claro que a minha interpretação não é bem-vinda
Um ou dois membros desejam saber por que eu deveria
atrair a curiosidade, que pareceria válida sem qualquer
outra explicação, sôbre mim mesmo. A impressão que
recebo é que muito pouca importância é dada à opinião
que expresso, como uma possível explicação do que está
acontecendo. Ela me parece ser ignorada ou, então, to­
mada como prova de uma aparência deformada em mim.
Para tornar as coisas piores, não me é de modo algum
claro que minha observação, embora correta, seja real-

25
mente a mais útil a fazer na ocasião. Mas eu a fiz e pre­
paro-me para ver o que dela decorre.
Devo explicar que esta descrição despojada não faz
j ustiça ao estado emocional do grupo neste ponto. O Sr.
X. parece mortificado por ter visto sua iniciativa mal
recebida e o resto do grupo parece encontrar-se em es­
tágios variados de constrangimento. De minha parte,
tenho de confessar que se trata de uma reação com que
me acho familiarizado em todos os grupos de que fui
membro. Não posso, dessa maneira, simplesmente pô-la
de lado como uma peculiaridade dêste grupo. Para mim,
é claro que, sej a o que fôr que o grupo possa pensar a
respeito do Sr. X . , êle tem suspeitas muito mais sérias
sôbre mim. Em particular, desconfio que minha perso­
nalidade e, especialmente, minha capacidade de rela­
ções sociais e, dessa maneira, minha aptidão para o
papel que se espera que eu preencha, acha-se em ques­
tão. No grupo ora objeto de nossas considerações, des­
contente com o que está acontecendo e, particularmente,
com o meu papel em seu ocasionamento, o descontenta­
mento subiu a um tom tão alto que mesmo a existência
continuada do grupo se torna matéria de dúvida para
mim. Por alguns inconfortáveis momentos penso que
tudo terminará por eu tendo de explicar à Comissão
Profissional que seu projeto foi águas abaixo pela in­
capacidade do grupo em tolerar meu comportamento.
Suspeito, pelo seu proceder, que sombrios pensamentos
semelhantes, diferentemente orientados, estão passan­
do pelas mentes do resto do grupo.
Na tensa atmosfera que prevalece, meus próprios
pensamentos não são inteiramente tranqüilizadores.
Para não dizer mais nada, tenho recentes lembranças
de um grupo em que minha exclusão foi abertamente
defendida, e, além disso, é-me bastante comum experi­
mentar uma situação em que o grupo, embora não di­
zendo nada, simplesmente ignora minha presença e me
exclui da discussão, tão efetivamente como se eu não
estivesse lá. Em algumas ocasiões desta espécie de crise,
a reação assumiu a forma mais suave de sugestões de
que eu já me havia excluído do grupo e que tornava

26
as coisas mais difíceis por não participar. Uma reação
tão suave como esta última é bastante tranqüilizadora,
mas não posso esquecer que quando pela primeira vez
tentei colocar tais métodos em funcionamento, a expe­
riência foi terminada por minha remoção, de fato, do
meu pôsto. Preferiria acerditar que, nessa ocasião, a dis­
pensa foi devida a circunstâncias coincidentes, mas re­
cordo-me que, mesmo assim, os pacientes com quem
estava lidando constantemente advertiram-me, basea­
dos em quê não sei, que sérias tentativas estavam sendo
feitas para sabotar o esquema. T'enho, por conseguinte,
numa situação como a que estou descrevendo, tàda ra­
zão para acreditar que o descontentamento é real e pode
fàcilmente conduzir à ruptura do grupo.
Nesta ocasião, porém, minhas ansiedades foram ali­
viadas por uma nova virada dos acontecimentos. O Sr.
Q. sugere que, neste ponto, dificilmente os argumentos
lógicos poderiam obter a informação desejada e, na ver­
dade, era possível que eu preferisse não explicar porque
fizera tal interpretação, porque ela seria contrária a
qualquer idéia de deixar o grupo experimentar a natu­
reza dos fenômenos de grupo por si próprio. Argumenta
que, afinal de contas, devo ter boas razões para seguir
a linha que sigo. A tensão do grupo é imediatamente re­
laxada e uma atitude muito mais amistosa para comigo
se torna aparente. É claro que o grupo tem, afinal de
contas, uma alta opinião de mim e começo a sentir que
talvez tenha estado tratando-o injustamente, por não
ser mais comunicativo. Por um momento, sou impelido
a dar uma satisfação, reagindo àquela mudança amisto­
sa com alguma explicação de meu comportamento. Mas
me contenho ao compreender que o grupo simplesmente
retornou ao seu estado de espírito anterior de insistir
que boato é fato; dessa maneira, em vez disso, aponto
que agora o grupo parece estar-me adulando para cor­
rigir meus modos e coincidir com seu desejo de que meu
comportamento se conforme mais ao que é esperado
ou lhes é familiar em outros campos. Observo também,
que, em essência, o grupo ignorou o que foi dito pelo
Sr. 'Q. A ênfase foi deslocada daquilo que o Sr. Q. pre-

27
tendia dizer para apenas uma parte do que dissera, ou
seja, que, afinal de contas, era provável que eu soubes­
se o que estava fazendo. Noutras palavras, fôra difícil
a um membro individual transmitir ao grupo signifi­
cados diferentes daqueles que o grupo desejava manter.
Desta vez, o grupo fica realmente irritado e é neces­
sário explicar que êles têm todo o direito de assim estar.
É perfeitamente claro que ninguém nunca lhes explicou
o que significava estar num grupo em que eu me acha­
va presente. A propósito, nunca ninguém me explicara
- como era estar num grupo em que todos os membros in­
dividuais dêste grupo estivessem presentes. Mas tenho
de compreender que a única pessoa cuja presença até
agora foi achada desagradável sou eu mesmo, de ma­
neira que quaisquer queixas que eu possa ter não pos­
suem a mesma validade que as dos outros membros.
Para mim, é mais do que nunca claro que há uma con­
tradição bastante surpreendente na situação em que me
encontro. Também ouvi boatos sôbre o valor de minha
contribuição a grupos; dei o melhor de mim para des­
cobrir exatamente sob que aspecto minha contribuição
era tão notável, mas não consegui obter nenhuma in­
formação. Posso, dessa maneira, simpatizar fàcilmente
com o grupo, que sente que tem direito a esperar algo
diferente do que, na realidade, está obtendo. Posso ver
que minhas declarações devem parecer ao grupo tão
inexatas como o são geralmente as opiniões de nossa
própria posição numa determinada sociedade, e além
disso, possuírem pouca relevância ou importância para
qualquer pessoa, à exceção de mim mesmo. Sinto, dessa
maneira, que devo tentar apresentar da situação uma
visão mais geral do que o fiz até agora.
Com isto em vista, digo que penso que minhas in­
terpretações estão perturbando o grupo. Além disso, que
o grupo as interpreta como uma revelação da natureza
de minha personalidade. Não há dúvida de que estão
sendo feitas tentativas de considerar que são, de alguma
maneira, descritivas da vida mental do grupo, mas tais
tentativas são obscurecidas pela suspeita de que minhas
interpretações, quando interpretadas, arrojam mais luz

28
sôbre mim mesmo que sôbre qualquer outra coisa e que
o que é então revelado acha-se em acentuado contraste
com as expectativas que os membros do grupo tinham,
antes de chegar aqui. Isso, penso, deve ser muito per­
turbador, mas , inteiramente à parte de qualquer questão
dêste tipo, temos de reconhecer que talvez os membros
do grupo presumam muito fàcilmente que o rótulo de
uma caixa é uma boa descrição de seu conteúdo.
Temos de reconhecer agora que uma crise foi atin­
gida, crise na qual os membros bem podem haver desco­
berto que a filiação a um grupo de que sou membro
acontece ser úma experiência que êles não gostariam de
ter. Dessa maneira, temos de enfrentar francamente o
fato de que membros de nosso grupo podem precisar
abandoná-lo, exatamente da mesma maneira que uma
pessoa pode necessitar abandonar uma sala em que en­
trou baseado numa impressão enganada. Eu próprio não
acredito que isto seja uma descrição inteiramente cor­
reta, porque, lembro ao grupo, foi bastante evidente, de
início, que êles estavam com muito má vontade em en­
treter qualquer idéia de que não se haviam satisfeito
corretamente da precisão de boatos ouvidos a meu res­
peito. Em minha opinião, dessa maneira, aquêles que
achassem que haviam sido mal encaminhados por ou­
tros, e, agora quisessem retirar-se, deveriam considerar
seriamente porque resistiam tão intensamente a quais­
quer declarações que parecessem questionar a validade
de sua crença no valor de minhas contribuições a um
grupo.
Neste ponto, é necessário que eu diga considerar
as fôrças emocionais subjacentes a esta situação como
muito poderosas. Não acredito, por um só momento, que
o fato obj etivo - ou seja, que sou simplesmente um
dos membros de um grupo que possui um certo grau
de conhecimento especializado e, a êsse respeito, não
diferente de qualquer outro membro do grupo - tenha
probabilidades de ser aceito. As fôrças opostas a isso são
muito mais fortes. Um grupo externo - isto é, a Clí­
nica responsável por dizer que eu devo aceitar um grupo
- aplicou o sêlo de sua autoridade a um mito de di-

29
mensões desconhecidas ; afora isso, no entanto, estou
certo de que o grupo é bastante incapaz de enfrentar as
tensões emocionais dentro dêle, sem acreditar que pos­
sui alguma espécie de Deus que é inteiramente respon­
sável por tudo o que acontece. Assim, tem-se de enfren­
tar o fato de que, sejam quais forem as interpretações
que possam ser dadas, por eu mesmo ou por alguém
mais, a probabilidade é que o grupo as reinterpretará
para ajustá-las aos seus próprios desejos, exatamente
como há pouco vimo-lo proceder com a contribuição do
Sr. Q. Dessà maneira, torna-se importante apontar que
os meios de comunicação dentro do grupo são extre­
mamente tênues e bastante incertos em sua ação. Na
verdade, poder-se-ia quase pensar que seria menos de­
sorientador se cada membro individual do grupo falas­
se uma linguagem desconhecida pelos restantes, pois
haveria então menos risco de presumir que entendemos
o que qualquer indivíduo determinado disse.
O grupo agora voltou-se, um tanto ressentidamente
mas com mais ansiedade que ressentimento, para outro
membro do grupo. Tenho a impressão de que o estão
examinando para ser líder, mas sem nenhuma convic­
ção real de que êle possa sê-lo. Esta impressão é forta­
lecida porque o homem em questão mostra todo desejo
de se apagar. A conversa torna-se cada vez mais desco­
nexa e sinto que, para a maioria do grupo, a experiên­
cia está-se tornando penosa e desinteressante. Ocorre­
me um pensamento, de maneira que o transmito.
Digo ao grupo que me parece que estamos determi­
nados a ter um líder e que o líder que desejamos parece
possuir certas características contra as quais compara­
mos as características do diferentes indivíduos que ex­
perimentamos. A julgar por nossas rejeições, parecemos
saber perfeitamente o que queremos. Ao mesmo tempo,
seria muito difícil dizer, por nossa experiência até agora,
o que são essas características desejáveis. Tampouco é
óbvio porque exigiríamos um líder. O tempo de reunião
do grupo foi estabelecido e, realmente, não parece haver
outras decisões que o grupo tenha de fazer. Poder-se-ia
pensar que era preciso um líder a fim de dar ordens

30
efetivas para o grupo, para executar decisões tomadas
momento a momento, mas, se assim é, o que existe em
nossa atual situação que nos faça pensar ser preciso um
Hder dêsse tipo? Não pode ser a situação externa, por­
que nossas necessidades materiais e nossas relações com
os grupos externos são estáveis e não parecem indicar
que quaisquer decisões serão necessárias em futuro pró­
ximo. Ou o desejo de um líder é alguma sobrevivência
emocional, funcionando inutilmente no grupo como ar­
caísmo, ou então há uma certa consciência de uma si­
tuação, ainda não definida, que exige a presença de uma
pessoa assim.
Se minha descrição do que é estar num grupo de
que sou membro foi adequada, o leitor terá experimen­
tado alguns receios, acolhido algumas objeções e reser­
vado muitas questões para discussão futura. No presen­
te estágio, desejo isolar apenas dois aspectos da expe­
riência de grupo, para inspeção; um dêles é a futilidade
da conversa no grupo. Julgado pelos padrões comuns de
intercâmbio social, o desempenho do grupo é quase des­
pido de conteúdo intelectual. Além disso, se observar­
mos como suposições passam incontestadas, como decla­
rações de fatos, e são aceitas como tal, parece claro que
o juízo crítico acha-se quase inteiramente ausente. Para
apreciar êste ponto, o leitor deve lembrar-se de que pode
ler êste relato com tranqüilidade, com o livre uso de
seu julgamento. Não é esta a situação no grupo. Sej a
o que fôr que ela pareça ser na superfície, essa situação
está carregada de emoções que exercem uma influência
poderosa e freqüentemente inobservada sôbre o indiví­
duo. Em resultado, suas emoções são estimuladas, em
detrimento de seu j ulgamento. De acôrdo com isso, o
grupo amiúde lutará com problemas intelectuais que,
poder-se-ia acreditar, o indivíduo resolveria sem difi­
culdade em outra situação - crença que mais tarde se
verá ser ilusória. Um dos principais objetos de nosso
estudo bem poderá mostrar ser, precisamente, os fenô­
menos que produzem estas perturbações do comporta­
mento racional do grupo, fenômenos cuj a existência
apenas pude indicar por descrições de fatos que apre-

31
sentam menos relação com o objeto .de nosso estudo que
as linhas de uma gravura monocrômica com as côres
de uma pintura em que a côr é a qualidade mais im­
portante.
O segundo aspecto ao qual tenho de aludir é a na­
tureza de minha própria contribuição. Seria satisfatório
se eu pudesse agora fornecer uma descrição lógica de
minha técnica - a técnica que a Comissão Profissional,
como devem lembrar-se, desejou que eu empregasse -
mas acho-me persuadido que isso seria também muito
impreciso e enganador. No decorrer dos capítulos se­
guintes, fornecerei uma descrição tão exata quanto pu­
der do que falo e faço, mas me proponho também a
indicar o que os grupos pensam que digo e . faço e isto
não apenas para ilustrar o funcionamento mental de um
grupo, mas para suprir tanto material quanto possível
para o leitor utilizar no alcance de suas próprias con­
clusões. Enfatizarei, contudo, um dos aspectos de minhas
interpretações de comportamento grupal que parece ao
grupo - e, provàvelmente, ao leitor - ser meramente
incidental à minha personalidade, mas que é, na ver­
dade, inteiramente deliberado : o fato de as interpreta­
ções parecerem se achar relacionadas com assuntos de
nenhuma importância para qualquer pessoa, à exceção
de mim mesmo.

32
2

Terminei a parte anterior, dizendo que minha inter­


pretação do comportamento do grupo, em têrmos da
atitude grupal para comigo mesmo, deve parec er uma
contribuição tão impertinente quanto é provável que
seja inexata. As críticas dêste aspecto de meu compor­
tamento num grupo exigem uma investigação cuidado­
sa e a seqüência mostrará que, a essas críticas, forne­
cerei respostas, não refutações . Consideremos primeira­
mente algumas situações grupais.
Enquanto estamos sentados aproximadamente em
círculo, com a sala suavemente iluminada por uma úni­
ca lâmpada comum, uma paciente feminina do grupo
queixa-se iradamente :

Vocês (isto é, o grupo) sempre dizem que es­


tou monopolizando, mas, se não falar, vocês ficam
apenas sentados aí, como idiotas. Estou cheia de
todos vocês. E você (apontando para um homem de
vinte e seis anos; que levanta as sobrancelhas numa
eficiente afetação de surprêsa) é o pior de todos !
Por que fica sempre sentado aí, como um rapazi­
nho bonzinho, nunca dizendo nada, mas pertur­
bando o grupo? O Dr. Bion é o único que é sempre
escutado aqui e êle nunca diz nada de útil. Pois
bem, então : calarei a bôca. Vamos ver o que vocês
fazem · a respeito, se eu não monopolizar.

Outra agora : a sala é a mesma, mas há urna tarde


ensolarada de verão; um homem está falando :

33
É por isso que eu me queixo d�qui. Fiz uma
pergunta perfeitamente simples. Disse o que eu
pensava que estava acontecendo, porque não con­
cordo com o Dr. Bion. Disse que seria interessante
saber o que outras pessoas pensam, mas algum de
vocês responde? Nem um só. E vocês, mulheres,
são as piores de tôdas, com a exceção da Srta. X.
Como é que podemos chegar a algum resultado se
as pessoas não nos respondem? Vocês sorriem
quando eu falo, à exceção da Srta. X., e eu sei o
que estão pensando, mas vocês estão errados.

Aqui está outra; uma paciente fala :


. .

Todos parecem concordar inteiramente com o


que o Dr. Bion acabou de dizer, mas eu disse a mes­
ma coisa há cinco minutos atrás e, só porque era
apenas eu, ninguém me deu a menor atenção.

E ainda outra; uma mulher diz :

Bem, uma vez que ninguém está falando nada,


posso então contar meu sonho. Sonhei que estava
à beira-mar e ia banhar-me. Havia uma porção de
gaivotas por ali . . . Havia ainda um monte de coi­
sas como essa.
Um membro do grupo : - Você quer dizer que
isso é tudo que pode lembrar-se?
Mulher : Oh, não, não. Mas, realmente, é tudo
bastante ridículo.

O grupo fica sentado taciturnamente e cada indiví­


duo parece achar-se absorto em seus pensamentos. Todo
contato entre os membros do grupo parece haver sido
rompido.

Eu : - O que fêz você parar de falar sôbre seu


.sonho?
Mulher : - Bem, ninguém parecia estar mui­
to interessado e eu só o contei para iniciar · um as­
sunto.

34
Chamarei a atenção para um aspecto apenas dêstes
episódios . A primeira paciente disse : 'Vocês (o grupo)
sempre dizem que estou monopolizando . . . ' Na realida�
de, apenas uma pessoa havia dito isso e somente em
uma ocasião, mas sua referência foi feita para o grupo
inteiro e indicava claramente que ela pensava que todo
o grupo sempre sentia isso a respeito dela. O homem do
segundo exemplo falou : 'Vocês sorriem quando eu falo,
à exceção da Srta. X., e eu sei o que estão pensando . . . '.
No terceiro exemplo, a mulher disse : ' . . . só porque era
apenas eu, ninguém me deu a menor atenção.' No quar�
to exemplo, a mulher pensou que o grupo não estava in�
teressado e achou melhor abandonar sua iniciativa. Já
indiquei acima que qualquer pessoa que tenha qualquer
contato com a realidade está sempre consciente ou in�
conscientemente formando uma estimativa da atitude
do grupo para com ela própria . .l!:stes exemplos tirados
de grupos de pacientes mostram, se houvesse realmente
alguma necessidade de demonstração, que o mesmo tipo
de coisas acontece no grupo de pacientes. Por enquanto,
estou ignorando fatos óbvios, como o de que há algo na�
quele que fala que colore sua avaliação da situação ení
que se encontra. Ora, mesmo que ainda seja mantido que
a opinião do indivíduo sôbre a atitude do grupo para
com êle próprio não tem importância para ninguém, a
não ser êle mesmo, espero que fique claro que esta es�
pécie de j ulgamento faz tanta parte da vida mental do
indivíduo quanto a sua avaliação, digamos, das infor�
mações que lhe são trazidas pelo sentido do tato. Dessa
maneira, o modo pelo qual um homem avalia a atitude
do grupo para com êle próprio é, de fato, um importante
objeto de estudo, mesmo que não nos conduza a nada
mais.
Mas meu último exemplo, de ocorrência muito co­
mum, mostra que, na realidade, a maneira pela qual
homens e mulheres de um grupo fazem essas estimati­
vas é um assunto de grande importância para o grupo,
porque dos juízos que os indivíduos fazem depende o flo­
rescimento ou a decadência da vida social daquele.

35
O que acontecerá se eu usar esta idéia da atitude
grupal para com o indivíduo, como base para interpre­
tação? Já vimos algumas das reações na primeira parte.
Nos exemplos que dei, podiam ser vistos, embora eu não
os tivesse acentuado, alguns resultados dêste tipo de in­
terpretação, mas mencionarei agora uma reação comum.
O grupo tenderá a expressar ainda mais sua preocupação
comigo e, depois, parece ter atingido um ponto em que,
por algum tempo, a sua curiosidade é satisfeita. Isto pode
levar duas ou três sessões. Depois, o grupo começa a
coisa tôda de nôvo, mas, desta vez, com algum outro
membro do grupo. O que acontece é que outro membro
torna-se o objeto das fôrças que estavam anteriormente
concentradas sôbre mim . Quando penso que j á se
acumularam provas suficientes para convencer o gru­
po, digo que penso que isso aconteceu. Uma das dificul­
dades para fazê-lo é que a transição de uma preocupa­
ção comigo para uma preocupação com outro membro
do grupo é assinalada por um período durante o qual a
preocupação com o outro membro mostra sinais inequí­
vocos de conter uma preocupação continuada comigo .
Já descrevi esta situação na primeira parte (pág. 25) ,
onde me descrevo como fornecendo uma interpretação
em que, ao questionar outros, o grupo se encontra real­
mente preocupado comigo. Penso que, nessa ocasião,
teria sido mais exato se houvesse interpretado a situa­
ção emocional como uma transição do tipo que acabei
de descrever.
Muitas pessoas discutem a exatidão dessas interpre­
tações. Mesmo quando a maioria dos membros do grupo
teve provas inequívocas de que seu comportamento está
sendo influenciado por uma avaliação consciente ou in­
consciente da atitude do grupo para com êles, dirão que
não sabem o que o resto do grupo pensa a seu respeito
e que não acreditam que alguém mais tampouco o saiba.
Esta objeção à exatidão das interpretações deve ser acei­
ta, mesmo se a modificarmos alegando que a exatidão
é uma questão de grau, porque é um sinal de consciên­
cia que um dos elementos na avaliação automática do
indivíduo quanto à atitude do grupo para com êle sej a

36
a dúvida. Se um indivíduo alega que ri.ão tem dúvida
alguma, gostar-se-ia realmente de saber porque não.
Existem ocasiões em que a atitude do grupo é comple­
tamente inequívoca? Ou é o indivíduo incapaz de to­
lerar a ignorância sôbre um assunto em que é essencial
ser · exato, se é que seu comportamento numa sociedade
deve ser judicioso? Num certo sentido, eu diria que um
indivíduo de um grupo está aproveitando sua experiên­
cia, se, num só e mesmo tempo, êle se torna mais exato
na apreciação que faz de sua posição no campo emocio­
nal e mais capaz de aceitar como um fato que mesmo
sua exatidão aumentada acha-se lamentàvelmente mui­
to abaixo de suas necessidades.
Poder-se-ia pensar que minha admissão destrói as
bases de qualquer técnica que se appie neste tipo de in­
terpretação, mas ela não o faz. A natureza da experiên­
cia emocional da interpretação é clarificada, mas sua
inevitabilidade como parte da vida mental humana per­
manece inalterada e, assim, também o seu primado como
método. Isso só pode ser atacado quando se puder de­
monstrar que alguma outra atividade mental trata com
mais exatidão de assuntos de maior relevância para o
estudo do grupo.
Apresentamos, a seguir, um exemplo de uma rea­
ção em que a exatidão da interpretação é questionada ;
o leitor poderá desejar ter as passagens anteriores em
mente quando considerar as conclusões que tiro disto
e dos exemplos correlatos.
Por algum tempo, eu estivera dando interpreta­
ções que haviam sido escutadas com civilidade, mas a
conversa havia-se tornado cada vez mais desencontra­
da, comecei a sentir que minhas intervenções não eram
desejadas e assim o disse, nos seguintes têrmos : - Du­
rante a última meia-hora o grupo estêve discutindo a
situação internacional, mas estive alegando que a con­
versa mostrava alguma coisa sôbre nós mesmos. Cada
vez que fiz isso, senti que minha contribuição era des­
toante e mal recebida. Agora, acho-me certo de ser o
objeto da hostilidade de vocês, por persistir neste tipo
de contribuição.

37
Por um momento ou dois após haver eu falado, hou­
ve um silêncio e, então, um membro masculino do
grupo disse muito cortêsmente que êle não havia sen­
tido hostilidade alguma por minhas interpretações e
que não havia observado que alguém tampouco a hou­
vesse sentido. Dois ou três outros membros do grupo
concordaram com êle. Além disso, as afirmativas foram
feitas com moderação e de uma maneira perfeitamente
amistosa, exceto, possivelmente, pelo fato de se poder
pensar que era um incômodo desculpável ter-se de dar
uma tranqüilização que deveria ser desnecessária. Sob
alguns aspectos, poderia novamente dizer que me senti
tratado como uma criança a quem se trata paciente­
mente, a despeito de ser cansativa. Contudo1 não me
propus a considerar êsse ponto j ustamente então, mas
antes tomar perfeitamente a sério a declaração feita por
aquêles membros do grupo que me pareciam represen­
tar o grupo inteiro muito bem, ao negar qualquer sen­
timento de hostilidade. Senti que uma avaliação correta
da situação exigia que eu aceitasse como um fato que
todos os indivíduos do grupo eram perfeitamente since­
ros e exatos quando diziam não sentir qualquer hostili­
dade para comigo.
Lembro-me de outro episódio, de tipo semelhante.
Além de mim, três homens e quatro mulheres acha­
vam-se presentes no grupo; um homem e uma mulher
encontravam-se ausentes. Um dos homens disse a uma
das mulheres :

- Como é que foi o seu negócio da semana


passada?
A mulher : - Você quer dizer a minha festa?
Oh, foi tudo bem. Muito bem, na verdade. Por quê?
O homem : -. Bem, estava só pensando. Você
estava bastante preocupada com ela, se é que se
lembra.
A mulher (bastante indiferente) : - Oh, sim,
estava mesmo.

38
Após uma curta pausa, o homem enceta no­
vamente :

O homem : Você não parece querer falar


muito sôbre isso.
A mulher' Oh, não, quero sim, mas não
-

aconteceu nada de mais. Foi tudo realmente mui- ·


to bem.

Outra mulher então se junta e tenta levar a con­


versa avante, como se se de&se conta de que estava va­
cilante, mas, em um minuto ou dois, ela também de­
siste. Há uma pausa e então outra mulher se apresenta
com uma experiência que tivera durante a semana. Co­
meça muito animada e depois se interrompe. Um ou dois
membros tentam incentivá-la com suas perguntas, mas
sinto que mesmo os perguntadores parecem . oprimidos
por alguma preocupação. A atmosfera do grupo acha­
se prenhe de esfôrço infrutífero. Nada podia ser mais
claro para mim que a determinação dos indivíduos em
tornar a sessão naquilo que considerariam como um su­
cesso. Se apenas não fôsse pelos dois ausentes, penso,
acredito que êste grupo estaria indo muito bem. Come­
ço a sentir-me frustrado e lembro -me de quanto as duas
ou três últimas sessões foram perdidas porque um ou
mais membros do grupo se achavam ausentes. Três das
pessoas presentes a esta sessão estiveram ausentes em
uma ou outra das últimas sessões. Parece muito ruim
que o grupo seja desperdiçado dêste modo, quando todos
estão preparados para dar o melhor de si. Começo a
pensar se a abordagem de grupo aos problemas vale
realmente a pena quando fornece tanta oportunidade
para a apatia e a obstrução, sôbre as quais não se pode
fazer nada. A despeito do esfôrço que está. sendo envi­
dado, não posso ver a conversação como outra coisa a
não ser uma perda de tempo. Gostaria de poder pensar
em alguma interpretação iluminadora, mas o material
é tão pobre que não há nada que possa dêle colhêr. Di­
versas pessoas do grupo estão começando a me olhar de
uma maneira desesperançada, como se a dizer que fi-

39
zeram tudo o que puderam, que agora compete a mim
e, na realidade, acho que estão absolutamente certas.
Penso se haveria alguma vantagem em dizer que êles
se sentem assim a meu respeito, mas afasto a idéia, por­
que não parece haver sentido em lhes dizer o que j á
devem saber.
As pausas estão ficando mais longas, os comentá­
rios cada vez mais fúteis, quando me ocorre que os sen­
timentos que eu próprio estou experimentando - em
particular, uma opressão pela apatia do grupo e uma
premência de dizer algo útil e iluminador - são pre­
cisamente aquêles que os outros presentes devem ter.
Um grupo cujos membros não podem freqüentá-lo re­
gularmente tem de ser apático e indiferente aos sofri­
mentos do paciente individual.
Quando começo a pensar o que posso dizer à guisa
de interpretação, defronto-me com uma dificuldade que
j á terá ocorrido ao leitor : o que é êste grupo que é anti­
pático e hostil ao nosso trabalho? Tenho de presumir
que êle consiste nas mesmas pessoas que vejo esforçan­
do-se àrduamente para efetuar o trabalho, mas, até onde
me concerne, pelo menos, êle também inclui os dois au­
sentes. Lembro-me de haver um dia olhado ao micros­
cópio uma secção demasiadamente espêssa; com um dos
focos eu via, não muito claramente talvez, mas com bas­
tante nitidez, uma imagem. Se alterava o foco muito
ligeiramente, via outra. Usando isto como analogia para
o que estou fazendo mentalmente, lançarei agora outro
olhar sôbre êste grupo e descreverei a configuração que ·

vejo com o foco alterado.


O quadro de indivíduos muito trabalhadores, esfor­
çando-se para solucionar seus problemas psicológicos, é
substituído pela imagem de um grupo mobilizado para
expressar sua hostilidade e desdém pelos pacientes neu­
róticos e por todos aquêles que deseja m abordar os pro­
blemas neuróticos seriamente. l!:ste grupo, no momento,
parece-me ser liderado pelos dois ausentes, que estão in­
dicando que existem melhores maneiras de passar o tem­
po que se empenhar no tipo de experiência com que o
grupo está familiarizado quando sou membro dêle.

40
Numa sessão anterior, êste grupo foi liderado por um
dos membros hoje ausentes. Como dizia, estou inclinado
a pensar que os atuais líderes dêste grupo não se en­
contram na sala; são êles os dois faltosos, que são sen­
tidos como não apenas desdenhando do grupo, mas tam­
bém expressando êsse desdém em ações. Os membros do
grupo que estão presentes são seguidores. Fico pensan­
sando, enquanto escuto o debate, se posso tornar mais
precisos os fatos que rrie dão essa impressão.
A princípio, tenho de confessar, vejo pouca coisa
que me confirme minhas suspeitas, mas então observo
que um dos homens que está fazendo as perguntas em­
prega um tom particularmente arrogante. Sua reação
às respostas que recebe me parece, se mantenho meu
microscópio mental no mesmo foco, expressar uma poli­
da incredulidade. Uma mulher a um canto examina as
unhas com um ar de leve desgôsto. Quando um silêncio
ocorre, é quebrado por uma mulher (que, sob o foco
anterior, parecia estar dando o melhor de si para man­
ter em funcionamento o trabalho do grupo) através de
uma interjeição que expressa claramente sua dissocia­
ção de participar num j ôgo essencialmente estúpido.
Não penso que me tenha saído muito bem em dar
precisão às minhas impressões, mas acho que encontrei
o caminho para resolver a dificuldade em que me en­
contrei no primeiro exemplo. Naquela ocasião, como deve
ser lembrado, senti muito positivamente que o grupo
estava hostil a mim e às minhas interpretações, mas
não possuía nem uma migalha de prova para respaldar
persuasivamente minha interpretação. Para falar a ver­
dade, achei as duas experiências muito desconcertantes;
parecia que meu método escolhido de investigação se
havia desmoronado, e da maneira mais evidente. Qual­
quer pessoa acostumada à terapêutica individual pode­
ria ter predito que um grupo de pacientes negaria uma
interpretação e qualquer pessoa poderia haver predito
que o grupo apresentaria uma oportunidade enviada
pelos céus para negá-la efetivamente. Ocorre-me, con­
tudo, que se um grupo se permite esplêndidas portuni­
dades para evasão e negação, deveria também permitir

41
oportunidades igualmente esplêndidas para a observa­
ção da maneira pela qual estas evasões e negações são
efetuadas. Antes de investigar isto, examinarei os dois
exemplos que forneci, com vistas à formulação de aigti.­
ma hipótese que dê forma à investigação.
Pode-se ver que aquilo qu e um indivíduo diz ou faz
num grupo ilumina tanto sua própria personalidade
quanto a sua opinião do grupo; às vêzes, sua contribui­
ção ilumina uma mais que a outra. !le está preparado
para efetuar algumas contribuições como provindas ine­
quivocamente de si mesmo, mas existem outras que gos­
taria de fazer anônimamente. Se o grupo pode fornecer
meios pelos quais as contribuições possam ser feitas anô­
nimamente, acham-se então· lançadas as bases para um
sistema bem sucedido de evasão e negação e, no.s pri­
meiros exemplos que dei, era possivelmente porque a
hostilidade dos indivíduos estava sendo colocada anô­
nimamente no grupo, de modo que cada membro dêle
podia, com tôda a sinceridade, negar que estivesse se
sentindo hostil. Teremos de examinar intimamente a
vida mental do grupo para descobrir como êste fornece
meios para a efetivação destas contribuições anônimas.
Postularei uma mentalidade de grupo como o fundo co­
mum ao qual as contribuições anônimas são efetuadas e
através do qual os impulsos e desejos implícitos nestas
contribuições são satisfeitos. Qualquer contribuição a
esta mentalidade de grupo tem de angariar o apoio das
outras contribuições anônimas dêle ou achar-se em con­
formidade com elas. Deveria esperar que a mentalidade
de grupo se distinguisse por uma uniformidade contras­
tante com a diversidade de pensamento existente na
mentalidade dos indivíduos que contribuíram para a sua
formação. Deveria esperar que a mentalidade de grupo,
tal como a postulei, se opusesse aos objetivos confessa­
dos dos membros individuais do grupo. Se a experiên­
cia demonstrar que esta hipótese preenche uma função
útil, outras características da mentalidade de grupo po­
dem ser-lhe acrescentadas, a partir da observação
clínica.

42
A seguir, algumas experiências que me parecem es­
tar correlacionadas com o assunto.
O grupo consiste em quatro mulheres e quatro ho­
mens, inclusive eu. As idades dos pacientes acham-se
entre 35 e 40 anos. A atmosfera prevalecente é de boa
disposição e prestimosidade. A sala acha-se alegremen­
te iluminada pela luz da tarde.

Sra. X. : - Tive uma experiência maçante na


semana passada. Estava parada numa fila, espe­
rando minha vez de entrar no cinema, quando me
senti muito esquisita. Na realidade, pensei que ia
desmaiar ou coisa assim.
Sra. Y. : - A senhora é feliz por estar indo ao
cinema. Se eu pensasse que poderia ir a um cine­
ma, acharia que não tenho absolutamente nada
para me queixar.
Sra. z, : - Eu sei o que a Sra. X. quer dizer.
Já me senti exatamente assim, apenas que eu tive
de abandonar a fila.
Sr. A. : - Não experimentou inclinar-se? Isso
faz o sangue voltar à cabeça. Acho que a senhora
estava sentindo que ia desmaiar.
Sra. X. : - Não era realmente um desmaio.
Sra. Y. : - Eu sempre acho que faz muito bem
tentar exercícios. Não sei se é isso o que o Sr. A.
quer dizer.
Sra. Z. : - Eu acho que se tem de usar a fôrça
de vontade. É exatamente isso o que me preocupa :
eu não tenho nenhuma.
Sr. B. :- Uma coisa parecida me aconteceu
na semana passada; somente eu não estava nem
mesmo de pé numa fila. Estava apenas sentado
tranqüilamente em casa quando . . .
Sr. C : - Você tem sorte em poder ficar senta�
do em casa tranqüilamente. Se eu pudesse fazer
isso, acharia que não tenho nada sôbre o que me
queixar.

43
Sra. Z. : - Eu posso ficar sentada em casa per­
feitamente, mas é nunca ser capaz de sair para
parte alguma que me incomoda. Se não pode ficar
sentado em casa, por que não não vai a um cinema
ou coisa assim?

Após escutar por algum tempo êste tipo de conver­


sa, torna-se claro para mim que qualquer pessoa dêste
grupo, que sofra de uma queixa neurótica, vai ser acon­
selhada a fazer algo que aquêle que aconselha sabe, por
sua própria experiência, ser inteiramente fútil. Ademais,
é claro que ninguém tem a menor paciência com qual­
quer sintoma neurótico. Uma suspeita cresce em minha
mente, até se tornar uma certeza, que é inútil esperar-se
cooperação dêste grupo. Sou levado a me perguntar o
que mais esperava, de minha experiência como terapêu­
ta individual. Sempre estive familiarizado com a idéia
do paciente como sendo uma pessoa cuja capacidade de
cooperação é muito leve. Por que, então, devo sentir-me
desconcertado ou ofendido quando um grupo de pa cien­
tes demonstra exatamente essa qualidade? Ocorre-me
que talvez êste mesmo fato forneça-me uma oportunida­
de de conseguir ser ouvido para uma abordagem mais
analítica. Reflito que, pela maneira que o grupo está
indo, seu lema poderia ser : 'Vendedores de panacéias ,
uni-vos. ' Apenas disse isso a mim mesmo e compreendo
que estou expressando minha impressão, não da desar­
monia do grupo, mas de sua unidade. Além disso, logo
em seguida dou-me conta que não é por acaso que atri­
buí êsse slogan ao grupo, porque tôda tentativa que fiz
para conseguir uma audiência mostrou que tenho um
grupo unido contra mim. A idéia de que os neuróticos
não podem cooperar tem de ser modificada.
Não multiplicarei exemplos de trabalho de equipe
como característica da mentalidade grupal, principal··
mente porque não posso, atualmente, achar nenhum
método de descrevê-la. Basear-me-ei em exemplos for­
tuitos, à medida em que êles ocorrerem no decorrer dês­
tes trabalhos, para dar ao leitor uma idéia melhor do
- que quero dizer, mas desconfio que nenhuma idéia real

44
pode ser obtida fora de um grupo propriamente dito. De
momento, observarei que na mentalidade de grupo o
indivíduo encontra um meio de expressar contribuições
que êle desej a fazer anônimamente e, ao mesmo tempo,
o maior obstáculo à consecução dos objetivos que deseja
atingir pela filiação ao grupo.
Poder-se-á pensar que existem muitos outros obstá­
culos à consecução dos objetivos do indivíduo num gru­
po. Não desejo prej ulgar o assunto, mas, por enquanto,
não concederei muita importância a êles. É claro que
quando um grupo se forma, os indivíduos que o formam
esperam obter alguma satisfação dêle. É claro, também,
que a primeira coisa de que se dão conta é um sentimen­
to de frustração produzido pela presença do grupo de
qut; s�o mem.bros. Pode-se argumentar que é inteira­
mente inevitável que um grupo satisfaça alguns dese­
jos e frustre outros, mas me sinto inclinado a pensar que
as dificuldades inerentes a uma situação de grupo, tais
como, por exemplo, a perda de intimidade (privacy)
que deve decorrer do fato de que um grupo fornece
companhia, produzem um tipo de problema diferente da
espécie de problema produzido pela mentalidade de
grupo.
Freqüentemente mencionei o indivíduo no decurso
de minhas discussões do grupo, mas avançando o con­
ceito de uma mentalidade de grupo. Descrevi o indiví­
duo, especialmente no episódio em que os dois ausentes
desempenharam um grande papel na orientação emocio­
nal do grupo, como sendo, de certa maneira, oposto à
mentalidade do grupo, embora contribuindo para êle.
Já é tempo de nos voltarmos para a discussão do indi­
víduo e, assim fazendo, proponho-me a abandonar o neu­
rótico e seus problemas.
A_ristóteles disse que o homem é um animal político
e, na medida em que compreendo a sua Política, de­
preendo que o que êle quis dizer com isso é que para
um homem levar uma vida plena o grupo é essencial.
Não pretendo defender o que sempre me pareceu ser
uma obra extremamente árida, mas penso que esta afir­
mação é uma daquelas que os psiquiatras não podem

45
.
esquecer sem risco d e chegar a uma visão desequilibra­
da de seu tema. A proposição que desejo demonstrar é
a de que o grupo é essencial para a realização da vida
mental de um homem - tão essencial para isto quanto
para as atividades mais evidentes da economia e da
guerra. No primeiro grupo acima descrito (págs. 2 1 e
segs.) , pude dizer que o grupo era essencial para mim
mesmo porque desejava ter um grupó para estudar; pre­
sumivelmente, os outros membros podiam dizer o mes­
mo, mas, mesmo havendo admitido isto como o obj etivo
dos membros individuais, inclusive eu próprio (e deve­
rá ser lembrado que não fiz tal coisa) , considero que a
vida mental de grupo é essencial para a vida integral
do indivíduo inteiramente à parte de qualquer necessi­
dade temporária ou específica, e que a satisfação dessa
necessidade tem de ser buscada através da filiação a um
grupo. Ora, aquilo que emerge de todos os grupos de
que estive tirando exemplos é que o sentimento mais
proeminente experimentado pelo grupo é um sentimen­
to de frustração - uma surprêsa muito desagradável
para o indivíduo que chega buscando gratificação. O
ressentimento causado por isto pode, naturalmente, ser
devido a uma incapacidade ingênua de compreender o
argumento que acima demonstrei, de que é da natureza
dos grupos negar certos desejos satisfazendo outros, mas
suspeito que a maior parte do ressentimento é causada
pela expressão num grupo de impulsos que os indivíduos
desejam satisfazer anônimamente e a frustração produ­
zida no . indivíduo pelas conseqüências que para si mes­
mo decorrem dessa satisfação. Noutras palavras, é nesta
área, que temporàriamente demarquei como meiltali-.
dade de grupo, que proponho procurar as causas do fra­
casso do . grupo em conceder ao indivíduo uma vida ·
plena. A situação será percebida como paradoxal e con­
tradidória, mas não me proponho f!:!zer nenhuma ten­
tativa para resolver estas contradições exatamente ago­
ra. Presumirei que o grupo é potencialmente capaz de
suprir o indivíduo com a satisfação de um certo núme­
ri de necessidades de sua vida mental que só podem ser
.fornecidas por um grupo. Estou excluindo, evidentemen-

46
te, as satrsfações de sua vida mental que podem ser ob­
tidas na solidão e, menos evidentemente, as satisfações
que podem ser obtidafJ dentro de sua família. O poder
que tem o grupo de satisfazer as necessidades do indi- ·
víduo é, sugiro eu, desafiado :�ela mentalidade de grupo.
O grupo enfrenta êsse desafi o pela elaboração de uma
cultura característica sua. E1nprego a expressão 'cultu­
ra de grupo' de uma maneira extremamente vaga; in­
cluo nela a estrutura que o grupo atinge em qualquer
momento determinado, as ocupações que persegue e a
organização que adota. Referir-me-ei agora às minhas
especulações (pág. 31) sôbre os motivos subjacentes à
insistência do grupo num líder. Disse então que pare­
cia ser, na situação que estava descrevendo, uma sobre­
vivência emocional funcionando inutilmente ou então
a reação a alguma exigência criada pela consciência de
uma situação que não havíamos então definido. Naque­
la ocasião, a tentativa de construir o grupo de maneira
a êste consistir num líder e seus seguidores, acima dos
quais se salientava de modo supremo, · é um exemplo
muito bom da espécie de coisas que incluo na palavra
'cultura'. Se presumirmos que a situação indefinida é a
mentalidade de grupo de que estive falando -
· e penso
que houve boas razões para presumir isso - então o
grupo estava tentando enfrentar o desafio apresentado
à sua capacidade de atender à necessidade do indivíduo
por esta simples cultura de líder e seguidores. Ver-se-á
que, no esquema que estou agora apresentando, o grupo
pode ser encarado como uma ação recíproca entre as ne�
cessidades individuais, a mentalidade de grupo e a cul­
tura. Para ilustrar o que desejo significar por esta tría­
de, apresento a seguir outro episódio tirado de um
grupo.
Por um período de três ou quatro semanas, eu es­
tivera muito mal visto num grupo de pacientes : minhas
contribuições eram ignoradas, com a reação costumei­
ra sendo um polido silêncio e, depois, uma continuação
da conversa que, até onde podia ver, não mostrava si­
nais de ter-se desviado por quaisquer comentários de
minha parte. Então, subitamente, · um paciente come-

47
çou a apresentar o que o grupo sentiu serem sintomas
de loucura, fazendo afirmações que pareciam ser produ­
to de alucinações. Instantâneamente, descobri que fôra
readmitido no grupo. Eu era o líder bom, senhor da si­
tuação, inteiramente capaz de tratar com uma crise
daquela natureza ou seja, em resumo, tão excepcional­
mente o homem certo para aquela missão que seria pre­
sunção de qualquer outro membro do grupo tentar to­
mar qualquer iniciativa útil. A rapidez com que a cons­
ternação se tranSformou em amena complacência tinha
de ser vista para ser acreditada. Antes do paciente co­
meçar a alarmar o grupo, minhas interpretações pode­
riam ter sido pronunciamentos oraculares pelo cerimo­
nioso silêncio com que eram recebidas, mas eram os pro­
nunciamentos de um oráculo em decadência - ninguém
sonharia em considerar seu conteúdo como digno de
nota. Após o grupo ter ficado alarmado, fui o centro de
um culto em seu pleno poder. Encarada do ponto de
vista de um homem comum tentando fazer um trabalho
sério, nenhuma das situações era satisfatória. Uma es­
trutura grupal em que um dos membros é um deus, seja
estabelecido ou desacreditado, possui uma utilidade mui­
to limitada. A cultura de grupo neste exemplo quase po­
deria ser descrita como uma teocracia em miniatura.
Não dou importância a esta fra.se como uma descrição,
exceto na medida em que ajuda a definir o que, naque­
la ocasião, eu teria querido dizer por cultura. Havendo
feito isso, o emprêgo adequado de minha hipótese de
indivíduo, mentalidade de grupo e cultura exige uma
tentativa de definir as qualidades das outras duas com­
ponentes da tríade. Antes do ponto crucial, a mentali­
dade grupal tinha sido de natureza tal que as necessi­
dades do indivíduo estavam sendo exitosamente dene­
gadas pelo fornecimento de uma boa relação amistosa
entre os pacientes e de uma atitude hostil e cética para
comigo. A mentalidade de grupo funcionou muito du­
ramente sôbre êsse paciente em especial, por motivos
em que é desnecessário entrar. Foi possível nessa oca­
sião, pela exibição de algo da cultura do grupo, efetuar
uma alteração nêle sem elucidar a mentalidade de gru-

48
po -ou o efeito que ela estava tendo sôbre o indivíduo. O
grupo modificou�se e tornou-se, em sua aparência e com­
portamento, muito semelhante a crianças de escola no
período de latência. o paciente, seriamente perturbado,
exteriormente pelo menos, deixou de ser perturbado. Os
indivíduos tentaram então novamente enunciar seus
casos, mas apresentaram apenas problemas que eram
de natureza trivial ou indolor. Pude então sugerir que
o grupo havia adotado um padrão cultural análogo ao
do pátio de recreio e que, embora tivesse de se presumir
que isso atendesse de modo bastante adequado a algu­
mas das dificuldades do grupo (queria significar aten­
der à mentalidade de grupo, mas não o disse) era essa
uma cultura que permitia apenas mencionar o tipo de
problema que se poderia esperar uma criança de escola
solvesse. O grupo modificou-se novamente e se tornou
um grupo em que todos os membros, inclusive eu pró­
prio, pareciam estar mais ou menos no mesmo nível. Na
mesma ocasião, uma mulher mencionou, pela primeira
vez em seis meses, dificuldades conj ugais bastante sérias
que a estavam perturbando.
Espero que êstes exemplos dêem alguma idéia do
que desejo significar por cultura e também uma certa
idéia do que considero ser a necessidade de tentar elu­
cidar, se possível, duas das três componentes da tríade.
Minha tentativa de simplificar, através dos concei­
tos que esbocei, mostrará ser muito enganadora, a me­
nos que o leitor mantenha em mente que a situação
grupal é, na maior parte das vêzes, desorientadora e
desconcertante . Funcionamentos daquilo que chamei de
mentalidade de grupo ou de cultura de grupo apenas
ocasionalmente emergem de maneira excepcionalmente
clara . Além disso, o fato de nos acharmos envolvidos na
situação emocional torna a lucidez difícil . Há ocasiões,
tal como a que descrevi, quando dois membros do grupo
estavam ausentes, em que é claro que os indivíduos estão
lutando contra a apatia do grupo . Nessa ocasião, atribuí
comportamento ao grupo baseado na intensidade do
comportamento de um ou dois de seus indivíduos . Não
há nada fora do comum nisto : diz-se à uma criança

49
que êle ou ela está trazendo desonra para a escola, por­
que se espera que o comportamento de um seja inter­
pretado como o comportamento de todos . Diz-se aos
alemães que êles são responsáveis pelo comportamento
do govêrno · nazista; quem cala, diz-se, consente . Não
traz muito felicidade insistir sôbre a responsabilidade
coletiva desta maneira, mas presumirei, não obstante,
que a menos que um grupo desautorize ativamente seu
líder, êle estará, de fato, seguindo-o . Resumindo, direi
que tenho plenas j ustificativas para dizer que o grupo
se sente assim ou assado, quando, na realidade, apenas
uma ou duas pessoas pareceriam fornecer, através de
seu comportamento, justificativa para tal afirmação, se,
na ocasião de assim comportar-se, o grupo não mostrar
sinais exteriores de repudiar a liderança que recebe .
Atrevo-me a dizer que será possível basear a crença na
cumplicidade do grupo em algo mais convincente que
provas negativas, mas, por enquanto, encaro a prova
negativa como suficientemente boa .

50
3

Em capítulos anteriores expliquei a contribuição que


dou a grupos . Disse que a situação emocional é quase
sempre tensa e desorientadora, de maneira que não é
fácil para o psiquiatra, que deve necessàriamente ser
uma parte do grupo, dizer o que está acontecendo. Sen­
timentos de frustração são comuns, o tédio é agudo e
amiúde o alí.vio só é oferecido por explosões de exaspe­
ração entre os membros do grupo . Quando uma inter­
pretação que dou esclarece uma situação que estêve
obscura durante semanas, segue-se, imediatamente, um
nôvo período de obscuridade que dura, novamente, tanto
quanto antes .
Sondo essa . situação confusa considerando que po­
sição nas emoções do grupo eu próprio ocupo em deter­
minado momento e gosto de observar, pelo menos para
minha própria satisfação, o tipo de liderança que está
sendo exercido por outros membros do grupo . Sugeri
que ajuda a elucidar as tensões de grupo supor a exis­
tência de uma mentalidade de grupo . Utilizo êste têrmo
para descrever o que acredito ser a expressão unânime
da vontade do grupo, uma expressão de vontade para
a qual os indivíduos contribuem anônimamente . Disse
pensar que êste fenômeno da vida mental do grupo
causava dificuldades para o indivíduo na perseguição
de seus objetivos : Meu terceiro e último postulado foi
o de uma cultura de grupo, expressão que empreguei
para descrever aquêles aspectos do comportamento do
grupo que pareciam nascer do conflito entre a mentali­
dade de grupo e os desejos do indivíduo . Forneci alguns

51
exemplos, corno ilustração em têrrnos concretos do que
queria dizer, das experiências que me levaram a desen­
volver êsses conceitos .
Fazendo interpretações ao grupo evito empregar
têrrnos tais corno mentalidade de grupo : os têrrnos uti­
lizados devem ser tão simples e precisos quanto possível.
Dessa maneira, posso dizer, falando do que chamo de
mentalidade de grupo : - Penso que o grupo se uniu
durante os últimos cinco minutos com o fito de deixar
constrangido quem quer que diz ou faz algo para me
ajudar a fornecer novas interpretações . Descrevo en­
tão fatos que mostram corno o grupo fêz tais e tais coi­
sas que me fizeram pensar que êle estava atuando junto,
corno uma equipe, mesmo quando possa não ter sido
capaz de detectar a maneira pela qual êsse trabalho de
equipe se efetuou . Se achasse ter alguma prova do modo
pelo qual êle se realizou, eu a daria .
Ou posso dizer, falando do que chamo de cultura
de grupo, que estamos agora nos comportando corno se
fôssemos iguais, homens e mulheres crescidos, discutin­
do livremente e juntos o problema, com tolerância por
diferenças de opiniãCJ e sem preocupação com um 'di­
reito' de expressar um ponto de vista .
· Ou, falando para o indivíduo, posso dizer : - O Sr. X
está tendo dificuldade porque quer que um problema
seu sej a tratado, mas acha que vai criar problemas com
o resto do grupo, se preseverar em sua tentativa .
Dei êste último exemplo para demonstrar que a si­
tuação podia igualmente ter sido descrita em têrrnos de
mentalidade de grupo, corno no primeiro exemplo . Isto
não é algo importante em si próprio, mas o psiquiatra
tem de decidir qual a descrição que melhor lhe escla­
rece a situação e, depois, em que têrmos deverá êle des­
crevê-la para o grupo .
Não perderei mais tempo com a maneira pela qual
as interpretações devem ser enunciadas ; é importante,
mas não acho que possa ser fàcilrnente transmitida num
livro . Presumirei, dessa maneira, que o leitor compreen­
de que a situação deve ser descrita em têrmos concretos
e as informações forneCidas tão plena e precisamente

52
quanto possível, sem mencionar conceito teóricos em
que as próprias opiniões do psiquiatra se basearam .
Como é que o emprêgo dêsses três conceitos - men­
talidade de grupo, cultura de grupo e indivíduo - como
fenômenos interdependentes, opera na prática? Não
muito bem : descobri que o grupo reagia de uma ma­
neira cansativamente errática . Pude dar interpretações
do tipo que descr evi e, de vez em quando, a reação que
se seguia podia ser explicada como um desenvolvimen­
to lógico da interpretação que havia dado, mas havia
exceções desorientadoras . O grupo alterava-se de ma­
neiras que me deixavam dificuldade e incapaz de apli­
car minhas teorias de qualquer modo que me conven­
cesse . Ou, então, sentia que elas eram inaplicáveis ou,
alternativamente, que iluminavam um aspecto da situa­
ção que não possuía significação .
Gostaria de poder dar exemplos concretos, mas nào
posso registrar o que foi realmente dito e, de qualque1
modo, aquilo que abria buracos eni minhas teorias nã0
eram as palavras utilizadas, mas sim a emoção que as
acompanhava . Dessa maneira, valer-me-ei de um relato
confessadamente subj etivo .
"Disse que o efeito da interpretação era errático ; en­
tretanto, após certo tempo, pensei que alguns padrões
de comportamento estavam aparecendo de nôvo e, em
particular, um padrão que era mais ou menos assim :
dois membros do grupo envolviam-se numa discussão ; às
vêzes, as trocas de palavras entre os dois mal podiam
ser descritas, mas era evidente que estavam envolvidos
um com o outro e que o grupo, como um todo, assim
pensava também . Nessas ocasiões, o grupo ficava sen­
tado em silêncio atento, comportamento bastante sur­
preendente, tendo em vista a impaciência do neurótico
com qualquer atividade que não se centralize em seu
próprio problema . Sempre que duas pessoas começam a
manter êste tipo de relação no grupo - sejam elas um
homem e uma mulher, dois homens ou duas mulheres
- parece ser uma suposição básica, sustentada tanto
pelo grupo como pelo par interessado, que a relação é
uma relação sexual . É como se não pudesse haver um""

53
razão possível para duas pessoas se reunirem, a não ser
o sexo . O grupo tolera esta situação e, embora sorrisos
de cumplicidade sejam trocados, parece preparado para
permitir que o par continue indefinidamente seu inter­
câmbio . Há exceções, mas não são tão numerosas quan­
to se poderia imaginar, considerando que os outros in­
divíduos do grupo possuem uma boa quantidade de
coisas que gostariam de dizer .
Ora, é claro que duas pessoas de um grupo podem
estar-se reunindo para qualquer número de propósitos
que não sej am sexuais; assim, deve existir um conside­
rável conflito �ntre o desej o que tem o par de perseguir
o obj etivo que mantém conscientemente na mente e as
emoções derivadas da suposição básica de que duas pes­
soas só se podem reunir para um único propósito e que
êsse propósito é sexual .
No devido curso do tempo, o par cai em silêncio e,
se é perguntado porque, pode encontrar fàcilmente à
mão muitas boas razões para responder : que êles não
desejam monopolizar a conversa, que j á disseram tudo
o que tinham a dizer . Não nego a validade destas expli­
cações, mas acrescentaria outra, que é a consciência de
que seu contato não se conforma à suposição básica do
grupo ou, alternativamente, a ela se conforma, mas não
a outras opiniões do que seja um comportamento ade­
quado em público .
Qualquer pessoa que j á tenha empregado uma técni­
ca de investigação que dependa da presença de duas pes­
soas, e a _psicanálise é uma técnica assim, pode ser enca­
rada como não apenas tomando parte na investigação
de uma mente por outra, mas também como investigan­
do a mentalidade não de um grupo, mas de um par . Se
minha observação sôbre a suposição básica do grupo é
correta, não é de surpreender que tal investigação pa­
reça mostrar o sexo a ocupar uma posição central, com
as outras emoções em posição mais ou menos secun­
dária .
Se a suposição básica sôbre o par é que êles se reú­
nem para p ropósitos sexuais, qual é a suposição básica
de um grupo sôbre pessoas que se reúnem num grupo?

54
A suposição básica é que as pessoas se reúnem em grupo
para fins de preservação do grupo . É comum às dis­
cussões tornarem-se cansativas pela preocupação com
membros ausentes como sendo um perigo para a coe­
rência do grupo e com membros presentes como sendo
virtuosos por estarem ali .. >Qualquer pessoa que não es­
teja acostumada a êste tipo de grupo ficaria surprêsa
em descobrir quanto tempo um grupo de pessoas supos­
tamente inteligentes pode ficar conversando, dando vol­
tas em tôrno dêste campo muito limitado, como se tal
discussão fôsse emocionalmente satisfatória . Não há
interêsse em tornar o grupo digno de ser preservado e,
na verdade, protestos a respeito da maneira pela qual
êle emprega o seu tempo ou qualquer mudança propos­
ta de ocupação são encarados como despropositados à
discussão da temida desintegração do grupo . Fora do
grupo, e às vêzes nêle, os indivíduos acreditam q cw a
maneira pela qual o grupo gasta seu tempo regnla n
intensidade com que as pessoas desejam ser membro:,
dêle, mas, no grupo, demora algum tempo até que o;;
indivíduos deixem de ser dominados pela sensação de
que a adesão ao grupo é um fim em si mesmo .
Meu segundo argumento é o de que o grupo parece
conhecer apenas duas técnicas de autopreservação, a
luta ou a fuga . A freqüência com que um grupo, quan
do está funcionando como um grupo, vale-se de um ou
de outro dêsses dois procedimentos, e apenas dos dois,
para tratar de todos os problemas, fêz-me primeiramen­
te suspeitar da possibilidade de existir uma suposição
básica a respeito da formação de um grupo . A obser­
vação clínica fornece muitas razões para dizer que a
suposição básica é que o grupo se reuniu para a luta­
fuga, como se se dissesse que se encontrou para preser­
var o grupo . A última é uma hipótese conveniente para
explicar porque o grupo, que se mostra intolerante com
atividades que não são formas de luta-fuga, tolera, não
obstante, a formação de pares . A reprodução é reconhe­
cida como igual à luta-fuga na preservação de um grupo
A preocupação com a luta-fuga leva o grupo a igno­
rar outras atividades ou, se não puder fazê-lo, a súp ri-

5'
rní-las ou a fugir delas . Num grupo, a suposição básica
sôbre um grupo conflita tão agudamente com outras opi­
niões sôbre o que êle pode fazer quanto a suposição bá­
sica sôbre os pares conflita com as outras opiniões sôbre
quais são as atividades adequadas aos pares .
Da suposição básica sôbre grupos origina-se um cer­
to número de suposições subsidiárias, algumas de im­
portância imediata . O indivíduo sente que, num grupo,
o bem-estar daquele é um assunto de consideração se­
cundária : o grupo vem em primeiro lugar; na fuga, o
indivíduo é abandonado; para o grupo, a necessidade
suprema é a de sobreviver ; não o indivíduo .
A suposição básica do grupo entra em conflito muito
agudo com a idéia de um grupo reunido para efetuar um
trabalho criativo, especialmente com a idéia de um gru­
po reunido para tratar das dificuldades psicológicas de
seus membros . Haverá o sentimento de que o bem-estar
do indivíduo não importa, desde que o grupo continue,
e haverá também a impressão de que qualquer método
de tratar urna neurose que não seja combatê-la ou fugir
de seu portador é inexistente ou, então, diretamente
oposto ao bem do grupo; um método corno o meu não é
reconhecido corno apropriado para qualquer das técnicas
básicas do grupo .
Todos nós vivemos em grupos, e ternos muita expe­
riência, por inconsciente que seja, do que isso represen­
ta . Dessa maneira, não é de surpreender que os críticos
de minhas tentativas de utilizar grupos achem que elas
têm de ser cruéis para com o indivíduo ou, então, um
método de fuga de seus problemas . Presume-se que se
o ser humano, como animal gregário, escolhe um grupo,
êle assim o faz para combater algo ou disso fugir .
A existência de tal suposição básica ajuda a expli­
car porque os grupos mostram que eu, que sou sentido
como proeminente, como líder do grupo, sou também
sentido como esquivando-me à missão . O tipo de lide­
rança que é reconhecido como apropriado é a liderança
do homem que mobiliza o grupo para atacar alguém, ou,
alternativamente, para liderá-lo na fuga . A respeito

56
disso, posso mencionar que quando, com o Dr. Rickman, 1
tentei uma experiência no tratamento de tropas no Hos­
pital Militar de Northfield, presumiu-se que estávamos
tentando conseguir tropas para o combate, ou, alterna­
tivamente, que nos achávamos interessados em ajudar
uma cambada de cábulas a cóntinuar cabulando . A
idéia de que se pretendia um tratamento foi encarada
como um ardil habilidoso, mas fàcilmente desvendável.
Aprendemos que líderes que não lutam nem fogem não
são fàcilmente compreendidos .
Chegamos agora ao seguinte ponto : reações a inter­
pretações baseadas em conceitos de mentalidade de gru­
po, cultura de grupo e indivíduo sugeriram que minhas
teorias eram inapropriadas . O reexame expôs a exis ­
tência de suposições básicas sôbre o objeto das relações
de pares e relações de grupos . A luz destas suposições
básicas, 'proponho modificar os conceitos da mentali­
dade grupal, da seguinte maneira :
A mentalidade de grupo é a expressão unânime da
vontade do grupo, à qual o indivíduo contribui por ma­
neiras de que não se dá conta, influenciando-o desagra­
dàvelmente sempre que êle pensa ou se comporta de um
modo que varie de acôrdo com as suposições básicas .
Assim, trata-se de uma maquinaria de intercomunica­
ção que é construída para garantir que a vida de grupo
se acha de acôrdo com as suposições básicas .
A cultura de grupo é uma função do conflito exis­
tente entre os desejos do indivíduo e a mentalidade de
grupo .
Seguir-se-á disso que a cultura de grupo apresenta­
rá sempre sinais das suposições básicas subjacentes. As
duas suposições básicas que j á descrevi, é necessário
acrecentar mais uma . Trata-se da suposição básica de
que o grupo se reúne para obter segurança de um indi­
víduo de quem depende .
O relato anteriormente apresentado (págs. 2 1-32)
mostrou um grupo perplexo pela diferença existente en­
tre o que de mim esperavam e o que realmente encon-

1 Ver 'Apresentação', págs. 3 - 1 8 .

57
traram. Houve ansiedade para o grupo avançar ao longo
de linhas bem estabelecidas, como, por exemplo, de um
seminário ou de uma conferência . Embora fôsse com­
preendido por cada indivíduo que nos reuníramos para
estudar grupos e suas tensões, no próprio grupo tal ati­
vidade de minha parte não parecia ser compreensível .
Quando um líder alternativo surgiu, foi êle pôsto de
lado antes que muito tempo decorresse e o grupo retor­
nou à sua lealdade a mim, embora tão contrafeito quan­
to antes em reconhecer ou aceitar o tipo de liderança
que eu fornecia . Descrevi o desejo do grupo de me ex­
cluir dentre seus membros . Noutra ocasião, não muito
semelhante, membros do grupo disseram-me que esta­
vam sendo feitas tentativas para sabotá-lo . Naquele ca­
pítulo, disse que o grupo exigia um líder para preencher
uma função que não apresentava objetivo ou, pelo me­
nos, uma função para a qual eu não havia observado
nenhum escopo .
A revisão de minhas teorias permitiu-me compreen­
der a situação melhor do que antes ; minhas explicações
e interpretações teriam apresentado maior coesão se eu
tiv�sse podido relacioná-las aos conceitos que acabei de
descrever .
Em primeiro lugar, a tentativa de utilizar o grupo
corno" um seminário destinava-se a mantê-lo fixado a um
nível refinado e racional de comportamento, apropriado
à realização dos obj etivos que os indivíduos queriam per­
seguir; era como se o grupo se desse conta de que sem
alguma tentativa dêsse tipo, meu procedimento condu­
ziria à imposição de um tipo de grupo que seria mais um
entrave que urna ajuda à consumação dos desejos cons­
cientes do indivíduo .
Fracassada esta tentativa, começou a emergir o
grupo que é, segundo minha teoria, dominado pelas SU··
posições básicas de unidade para fins de luta ou fuga .
Com o surgimento dêsse grupo, a liderança que eu
estava exercendo não ficou mais reconhecível como lide­
rança . Por ocasião da advertência contra sabotagem,
houvesse eu sido o líder que o grupo esperava, teria com­
preendido o convite para reconhecer a existência de um

58
inimigo - o primeiro requisito dêste tipo de grupo . Se
só se pode lutar ou fugir, tem-se de se encontrar algo
com que lutar ou de que fugir .
O líder substituto falhou, mas, a êste respeito, D
grupo comportou-se de modo peculiar . Segundo minha
experiência, a maior parte dos grupos - e não apenas
grupos de pacientes - encontra um substituto que a
satisfaz inteiramente . Trata-se geralmente de um ho­
mem ou de uma mulher com acentuadas tendências pa­
ranóides ; se a presença de um inimigo não fôr talvez
de imediato evidente ao grupo, a melhor coisa que pode
fazer é escolher um líder para quem ela o é .
Uma revisão de minhas experiências passadas com
grupos indica que elas não eram incompatíveis com meus
conceitos revisados . Passarei agora à aplicação dessas
teorias na prática .
Foi o seguinte o que aconteceu com um grupo em
que eu havia dado interpretações, mostrando como o tra­
tamento havia produzido sentimentos desagradáveis em
seus membros . O efeito das interpretações foi fazer os
membros sentirem que eu ameaçava o grupo 'bom' . Em
certo ponto, aconteceu minha interpretação basear-se
em observações feitas pela Srta Y . Ela escutou o que eu
disse e continuou muito serena, como se eu não hou­
vesse falado nada . Poucos minutos mais tarde, quando
dava outra interpretação da mesma espécie, coisa igual
aconteceu e, alguns instantes depois, a mesma coisa . O
grupo caiu em silêncio . No momento em que a Srta. Y.
ignorara a minha interpretação, dei-me conta de que o
grupo se havia reunido como um grupo ; não tinha qual­
quer dúvida sôbre isso . Ao final de minha terceira in­
terpretação, estava certo não apenas de que o grupo se
havia reunido, mas que assim o fizera para pôr fim às
minhas intervenções . Fiquei certo de que esta determi­
nação recebera sua corporificação na pessoa do Sr. X.,
que não dissera uma só palavra em nenhuma das vêzes.
O Sr. X. era um homem com intensos sentimentos de
ódio e um acentuado mêdo de sua agressividade . Fala­
va apenas quando o grupo era um grupo de acasalamen­
to ou, então, um grupo reunido para satisfazer a ne-

59
cessidade de dependência . Em ambos os tipos de grupo,
embora falasse, falava com acanhamento, pelo menos
até êle próprio haver-se desenvolvido . Mas, no grupo
reunido como um grupo, êle ficou sentado em silêncio e
deu-me a impressão de se achar profundamente satis­
feito emocionalmente . Foi essa a impressão que êle deu
neste ponto de minha história .
Durante o silêncio, dei-me conta de que outro pa­
ciente do grupo estava experimentando uma intensa sa ­
tisfação emocional . Sob alguns aspectos, parecia ser de
menor importância que o Sr . X. e, na verdade, subor ­
dinado a êle . O Sr. M., pois assim o chamarei, ficou sen­
tado com o olhar fixo no Sr . X . De tempos em tempos,
seus olhos vagueavam pensativamente pelos outros
membros do grupo, como se estivesse cuidando para ver
se algum dêles desejava encontrar seu olhar . O Sr. M.
raramente fala de suas próprias dificuldades e, quando
o faz, fala como se desejasse incentivar o grupo, mos­
trando-lhes que não há mal nenhum em ser cândido;
apesar disso, se tal é o seu objetivo, deve fracassar nêle,
porque, sem dúvida, os mais perceptivos · tiram outras
conclusões da amostra que sua contribuição apresenta
de uma seleção polida e cuidadosa . Nesta ocasião, em
que seu olhar repousava sôbre todos os indivíduos, como
se fôsse um convite a falar, o seu convite passou des ­
percebido .
A Srta. J. começou a relatar um mal-estar que ha­
via sofrido em seu trabalho . Ao terminar, interpôs ani­
madamente uma tentativa de interpretação de seu com­
portamento . Descreveu depois ainda alguns episódios,
mas, finalmente, abandonou a tentativa de ignorar a
hostilidade pétrea do grupo e caiu em silêncio, obser­
vando que supunha estar demasiadamente embaraçada
para prosseguir .
A Srta. H . , que avançou no hiato seguinte, só con­
seguiu pronunciar algumas frases antes de sucumbir .
Após o silêncio haver continuado por algum tempo,
observei que alguns indivíduos, como a Srta. J. e a
Srta. H. em particular, haviam tentado prosseguir com
o tratamento, como achavam que êle deveria ser, falan-

60
do de suas dificuldades, em parte porque sentiam que
me ajudar era uma coisa útil a fazer e em parte porque
desej avam romper o sentimento hostil no grupo . O si­
lêncio, pensei, podia ser encarado tanto como uma ex­
pressão de hostilidade do grupo, quanto como uma ex­
pressão da consciência dos indivíduos de que no grupo,
tal como se achava, nenhum trabalho criativo podia ser
feito .
A situação que descrevi foi uma situação emocional
e ela não é fàcilmente transmissível pelo relato das pa­
lavras empregadas . É dês te tipo de episódio de que estou
falando quando falo do grupo se reunindo como um
grupo . Quando o grupo se reuniu desta maneira, tor­
nou-se algo tão real e tão parte da vida humana como
uma família, mas êle não é, de maneira alguma, a mes-
ma coisa que uma família . O líder de um grupo assim
acha�se muito distante de ser o pai de uma família. Em
certos estados emocionais especiais, que mais tarde des­
creverei, ,o líder aproxima-se de um pai, mas, nesta es­
pécie de grupo, qualquer membro seu que apresente qua­
lidades paternas cedo descobre que não possui nada do
status, das obrigações ou dos privilégios geralmente as­
sociados a um pai ou a uma mãe . Na verdade, na me­
dida em que, como psiquiatra, se espera de mim que
apresente qualidades paternas, minha própria posição
no grupo se torna anômala neste ponto e a expectativa
funciona como uma razão adicional para a minha ex­
clusão dêle - adicional ao fato de que meu comporta­
mento j á fizera o grupo reunir-se contra mim como sen­
do o inimigo do grupo . É necessária a autoridade confe­
rida pela minha posição de psiquiatra para poder man­
ter-me no quadro, quando a suposição básica implica
que uma pessoa cuja preocupação primária é com o
bem-estar do indivíduo está fora de lugar nêle .
O Sr. X. não teve necessidade de falar neste grupo;
estava unido com êle, pois o sentimento sôbre o qual
se sente mais culpado, o seu ódio destrutivo, é um sen­
timento permitido pela suposição básica de que o grupo
se reuniu para lutar ou fugir .

61
O Sr. M. desempenhou um papel interessante; acho
necessário dedicar-lhe uma atenção cuidadosa . Antes
que eu pudesse dar uma interpretação que fôsse com­
preendida pelo grupo, tinha de observar a expressão do
rosto dêle e a ordem em que convocava os membros do
grupo a participar . Era como se estivesse vendo um fil­
me mudo de um homem a reger uma orquestra : que
espécie de música desejaria evocar? A função do Sr. M.
era manter a hostilidade viva, de maneira que ninguém
pudesse deixar de notar a minha impotência em efetuar
qualquer mudança na situação .
Continuei a chamar a atenção, pormenorizadamen­
te, para as peculiaridades emocionais desta situação .
Pude indicar que indivíduos que apresentavam dificul­
dades suas para pedir ajuda eram ignorados ou repeli­
dos, que as tentativas de ser cónstrutivo eram similar­
mente tratadas, que parecia haver uma sutil compreen­
são entre todos os membros do grupo e que trabalhára­
mos juntos como uma equipe em tudo o que fizéramos .
Pude mostrar que diversos membros do grupo, como, por
exemplo, o Sr . M . , estavam-se comunicando por um sis­
tema de gestos, amiúde de grande sutileza, com o resto
do grupo . Acrescentei que poderia haver outros meios
de comunicação ainda não identificados, talvez porque
nossos podêres de observação eram ainda muito limi­
tados .
Não é inteiramente correto dizer que minhas inter­
pretações estavam sendo ignoradas . Havia em anda­
mento algo que me fêz sentir que alguma coisa do que
dissera estava sendo recebida, mas, até onde concernia
à aparência exterior, ou poderia ter sido isolado do resto
do grupo por uma chapa de vidro à prova de som. Cer­
tamente, minhas interpretações não causaram diferença
alguma ao comportamento do grupo, que continuou sem
reagir por uns bons trinta minutos, até o tempo haver-se
esgotado . Como o leitor pode imaginar, tive de pergun­
tar a mim mesmo porque não houvera reação . As teo­
rias poderiam achar-se novamente erradas ou, alterna­
tivamente, incorreta a minha interpretação . Na reali­
dade, sentia que estava tratando com uma situação si-

62
milar àquela que se obtem numa psicanálise, g,uando a
fa lta de reação do paciente revela-se, numa sessao subse­
qüente, ter sido muito parcial .
Fôra isso, de fato, o que acontecera . Na sessão se­
guinte, o grupo foi aquilo que descrevi como o grupo reu­
nido para fins de formação de acasalamento . Preferiria,
contudo, não prosseguir mais com a descrição dêste gru­
po, mas, em seu lugar, descrever uma ocasião em outro
que servirá melhor para esclarecer a mudança de uma
cultura de grupo para outra . No exemplo que dei, as
interpretações pareceram operar seus efeitos no inter-·
valo entre as reuniões . Desejo descrever agora uma ses ..
são em que a mudança estava, na realidade, em vias de
se realizar . Escolherei uma ocasião em que a mudança
proveio do grupo de luta-fuga .
.
O grupo estivera freqüentemente no estado de luta­
fuga . Nesta ocasião, a cultura de grupo estava-se mos­
trando extremamente enfadonha para um certo núme­
ro de indivíduos e, nesse ponto, um homem começou a
conversar comigo . Não seria justo dizer que a conversa
era sem sentido, porque possuía substância suficiente
para exigir uma resposta . Após algumas frases, êle se
interrompeu, como se se desse conta de que estava no
fim de seus recursos na arte de falar sem dizer nada e
não quisesse perseverar até chegar a um ponto em que
isso se tornasse óbvio demais . Foi seguido por uma mu­
lher a fazer quase a mesma coisa . Ambos se comporta-·
vam como se estivessem satisfeitos com o sucesso de seu
empreendimento . Cada um dêles, por sua vez, repetiu o
procedimento com dois outros membros do grupo . Nes­
te ponto, outros tentaram conversar mais ou menos da
mesma maneira que os pioneiros, mas se podia notar
que as conversas não eram mais sem sentido .
Houvesse observado êste comportamento numa psi­
canálise, ficaria inclinado a pensar que o paciente de­
sejava obter um reasseguramento de confiança pelo es­
tabelecimento daquilo que podia achar ser um contato
amistoso comigo, sem de maneira nenhuma divulgar a
natureza da ansiedade sôbre a qual desejava ser tran-
·

qüilizado .

63
Na situação de grupo, quase a mesma interpretação
poderia ter sido feita, mas, se êste comportamento ti­
vesse de ser acuradamente afinado às emoções daquela
ocasião e daquele lugar, então a interpretação necessita­
ria ser uma interpretação que desse o devido pêso às
funções sociais que os indivíduos estavam desempenhan­
do . Por conseguinte, interpretei seu comportamento
como uma manipulação do grupo; êles estavam tentan­
do romper a cultura de luta-fuga pelo estabelecimento
de relações de pares . Como primeira · medida dêsse pro­
cedimento, entraram em contato comigo, porque a ex­
periência havia-lhes mostrado que era menos provável
que eu- estivesse tão envolvido emocionalmente na situa­
ção do grupo, a ponto de ser incapaz de reagir . Daí, era
apenas um passo fazer a mesma coisa com outros mem­
bros do grupo e, dêsse ponto em diante, apenas questão
de minutos para o grupo se transformar no grupo reu­
nido para fins de acasalamento . Uma vez houvesse isso
acontecido, a discussão dos problemas individuais tor­
nar-se-ia novamente possível .
Disse que desejava fornecer êste exemplo para ilus­
trar a mudança realmente a se efetuar, mas gostaria de
continuar com o episódio para mostrar o que acontece
aos indivíduos quando o grupo passa de uma cultura
de grupo para outra e retorna à primeira .
Como disse, êste grupo estivera sofrendo a frustra­
ção de tentar viver numa cultura de luta-fuga . Por al­
gum tempo, o grupo de acasalamento pareceu permitir
um alívio bem-vindo, mas, antes que muito tempo se
passasse, tornou-se evidente que essa espécie de grupo .
tinha as suas desvantagens também . Para só mencio­
nar isto, meu próprio papel não podia ser desempenha­
do muito satisfatàriamente . No grupo de luta-fuga, a
suposição básica do grupo tornava difícil aos indivíduos
prestar muita atenção ao que eu fazia ou dizia . No gru­
po de acasalamento, a suposição básica tornava difícil
a qualquer indivíduo sustentar uma conversa comigo .
Ela tornava a conversa difícil para qualquer par, mas a
posição peculiar ocupada pelo terapeuta exacerbava a
dificuldade . As pessoas familiarizadas com a teoria psi-

64
canalítica compreenderão o tipo de dificuldades que se
apresentam quando a conversa continua .
Mencionei que na cultura de luta-fuga, as reações
do grupo colocam em posição saliente o indivíduo com
tendências paranóides . Efeitos semelhantes são obtidos
quando o grupo passa a outras culturas. Desde que nos
demos conta das mudanças de uma cultura de grupo
com uma determinada suposição básica para uma cul­
tura de grupo com outra suposição .básica, torna-se pos­
sível utilizar essas mudanças para o benefício de nossa
observação clínica, de maneira muito semelhante a que
os cientistas de outros campos empregam quando utili­
zam mudanças de comprimento de onda para obter di­
ferentes aparências fotográficas do objeto que desejam
estudar .
Nas culturas de grupo que mencionei até agora,
cria:m-se dificuldades para o psiquiatra, porque sua ta­
refa não se ajusta fàcilmente àquilo que é exigido pela
suposição básica de um líder de grupo . Isto torna o gru­
po despreparado para receber a contribuição que o te­
rapeuta efetua . O terapeuta que experimente uma falta
de reação de grupo deve, penso eu, manter isto em men­
te como sendo um fator que contribui com sua cota para
os outros fatôres que favorecem a rejeição dêle . Se o
terapeuta suspeitar que sua alta opinião de si próprio
é partilhada pelo grupo, deverá perguntar-se se sua lide­
rança começou a corresponder àquilo que é pedido pela
suposição básica do grupo .
Quero agora considerar o estado que descrevi como
cultura de grupo 'dependente' .
A suposição básica desta cultura de grupo parece
ser a de que existe um objeto externo cuja função é
fornecer segurança para o organismo imaturo . Isto
significa que uma pessoa é sempre sentida como se
achando em posição de suprir as necessidades do grupo
e, o resto, numa posição de serem supridas as suas ne­
cessidades . Quando o grupo ingressa nesta cultura e a
estabelece como alternativa para qualquer uma das ou­
tras duas culturas que vem experimentando, acha-se em
evidência quase a mesma espécie de alívio que j á des-

65
crevi na mudança do grupo de luta-fuga para o grupo
reunido em pares . A medida que a cultura se estabelece,
os indivíduos, novamente, começam a mostrar seu des­
.::onfôrto . Um fenômeno muito freqüente é o surgimen­
to de sentimentos de culpa sôbre a voracidade . Basta
um só momento de reflexão para mostrar que isto bem
poderia ser esperado . A cultura de luta-fuga ou a cul­
tura do grupo que se reúne para a formação de pares
não representam, no que concerne ao indivíduo, sobre­
vivências de uma atitude além de seu prazo adequado,
embora se possa considerá-las como formas primitivas
de grupo . Mas o grupo constituído para perpetuar o es-·
tado de dependência significa, para o indivíduo, que êle
está sendo ávido em exigir mais que sua parte justa de
atenção paterna . Há, desta maneira, neste grupo, um
embate bastante nítido entre a suposição básica e as
necessidades do indivíduo como adulto . Nas outras duas
culturas, o embate · se dá entre a suposição básica do
que é exigido do indivíduo como adulto e aquilo que êste,
como adulto, sente-se preparado para dar. Nesta cul­
tura, o sentimento de que o psiquiatra é um tipo de fi­
gura parenta! acha-se muito mais em evidência e, com
isto, vêm as complicações e dificuldades que se poderia
e�perar . O ressentimento por estar numa posição depen­
dente acha-se tão em evidência quanto o alívio . Os cons­
trangimentos sexuais são diferentes daqueles apresenta­
dos no grupo de acasalamento . A c ólera e o ciúme são
mais fàcilmente expressos, mas não possuem a qualidade
maciça e não despertam o mêdo que possuem e desper­
tam no grupo de luta-fuga . Isto, naturalmente, é devi­
do à suposição básica de que existe um ser que lá se en­
contra para providenciar que nenhum acontecimento
desagradável decorra das irresponsabilidades do indiví- ·

duo . No grupo de luta-fuga, o ódio não se acha acompa­


nhado por tais garantias, pois sente�se que o líder existe
para expressar isso e outras emoções afins . Embora exis­
ta alívio pelo fato de os sentimentos poderem ser ex­
pressos com maior liberdade, há conflito entre o desejo
de fazer isso e o desejo de ser maduro .

66
Quando falei do grupo que desejava, encl:lrar a ses­
são como um seminário, disse que uma das razões para
isso era um mêdo inconsciente de que, a menos que . o
grupo fôsse fixado a uma estrutura madura, a intrusão
dos . tipos de grupo que descrevi seria facilitada e os obje­
tivos ostensivos dos indivíduos para se juntar ao grupo
seriam frustrados, em vez de promovidos, pelo fato de
se reunirem em grupo . :S:ste impulso acha-se expresso
no grupo terapêutico pelo próprio fato de o chamarmos
um grupo terapêutico . Parece tão racional que pen­
semos nêle como grupo terapêutico, que presumamos
que o psiquiatra é o líder e que falemos apenas sôbre
moléstias neuróticas, que pode não ser observado que,
pensando desta maneira e comportando-nos de acôrdo,
estamos tentando fixar o grupo a um modo de compor­
tamento que impeça a intrusão dos tipos de grupo que
são temidos .

67
4

Na seção anterior, disse que os pacientes chegavam


com uma preconcepção que serve muito bem como base
para uma estrutura destinada a auxiliar o grupo a man­
ter seu comportamento prêso a um nível refinado . A
preconcepção é que o grupo consiste num médico e em
pacientes .
Quando homens se reúnem numa comissão, por
exemplo, regras de procedimento são estabelecidas e há
geralmente uma agenda, variando de acôrdo com os
grupos a formalidade com que o trabalho é feito. Nos gru­
pos em que sou psiquiatra, sou, em virtude de minha · ·
posição, a pessoa mais óbvia em quem investir o direito
de estabelecer regras de procedimento . Tiro vantagem
desta posição para não estabelecer nenhuma regra de
procedimento e não adiantar qualquer agenda.
A partir do momento ern que se torna claro que es­
tou fazendo isso, o grupo se põe a remediar minhas omis­
sões e a intensidade com que assim procede mostra que
se acha em jôgo mais do que uma paixão pela eficiên­
cia . O fenômeno contra o qual o grupo se está resguar­
dando. não é mais que as manifestações de grupo que
descrevi no último capítulo : o 'grupo de luta-fuga', o
'grupo de acasalamento' e o 'grupo de dependência' . É
como se o grupo estivesse ciente de quão fácil e espon­
tâneamente êle se estrutura de maneira adequada a
agir sôbre essas suposições básicas, a menos que medi­
das sejam tomadas para impedi-lo; assim como um gru­
po de estudantes pode utilizar a idéia de um seminário
ou de uma conferência para sôbre ela fundar uma es-

68
trutura refinada, assim o grupo de pacientes tem à mão
uma base para se estruturar na convenção geralmente
aceita que vê a incapacidade neurótica como uma doen-·
ça e os terapeutas como 'médicos' .

O GRUPO DE DEPENDÊNCIA

O grupo concentra-se primeiramente em estabelecer


esta idéia · de médico e pacientes tão firmemente quanto
pode; conforma-se a uma estrita disciplina, imposta
·

ad hoc, tomando cuidado em limitar severamente as


conversas e tópicos que não são importantes, exceto pelo
fato de apoiarem a visão de que são pacientes falando
a um médico; dessa maneira, cria êle uma sensação de
que a situação é familiar e imutável .
.É comum, neste ponto, ver o grupo insistir que o
médico é a única pessoa a ser considerada e ao mesmo
tempo mostrar, pelo seu comportamento, que não acre­
dita que êle, como médico, conheça o seu trabalho . Se
o próprio psiquiatra sente-se impelido a aj udar a res­
taurar a estrutura refinada, alegando sua autoridade
como psiquiatra, isso mostra que não é apenas o pacien­
te que sente a necessidade de uma situação familiar . A
manutenção de uma estrutura refinada acha-se associa­
da ao sentimento de que a estrutura existe apenas pre­
càriamente e que pode ser fàcilmente derrubada. Quan­
do assisto a um grupo enfrentar êste problema, lem­
bro-me das advertências, freqüentes nos últimos anos ,
de que a própria civilização encontra-se em perigo . O
problema do líder parece ser sempre a maneira de mo­
bilizar emoções associadas com as suposições básicas ,
sem colocar em perigo a estrutura refinada que parece
assegurar ao indivíduo sua liberdade de ser um indiví­
duo, ao mesmo tempo em que permanece como membro
do grupo . Foi êste equilíbrio de tensões que eu ante­
riormente descrevi em têrmos de equilíbrio entre a men­
talidade de grupo, a cultura de grupo e o indivíduo .
Como disse, a base médico-paciente para uma es­
trutura refinada cedo mostra sua impropriedade e uma

69
das razões disso é que ela não . passa de um tênue dis­
farce para o grupo de dependência, de maneira que as
reações emocionais próprias a êste tipo de grupo são
imediatamente evocadas e a estrutura do refinamento
fraqueja seriamente .
Porque deveria isto ter importância? No capítulo
anterior, chamei a atenção para alguns dos desconfor­
tos da situação e podemos agora examinar mais alguns.
O grupo de dependência, com sua característica exal­
tação de uma pessoa, cria dificuldades para o ambicioso
ou, na verdade, para qualquer um que queira obter uma
oportunidade de ser ouvido, porque isso significa que,
aos olhos do grupo e de si próprios, tais pessoas encon­
tram-se numa posição de rivalidade com o líder . O bene­
fício não é mais sentido como oriundo do grupo, mas
somente do seu líder, com o resultado de que os indiví.,.
duos só acham que estão sendo tratados quando falam
com o líder do grupo . Isto conduz a uma. sensação -
a mais desagradável, uma vez que se acha associada
com a sensação de pedir demais e receber muito pouco
- de que estão sendo enganados ou deixados definhar .
O alívio obtido pela idéia de que o psiquiatra cuida de
cada indivíduo é inconvincente num grupo que já está
em existência há algum tempo e sabe que a cura difere
de uma experiência presumivelmente passageira de sen­
sações agradáveis . Como cada indivíduo acha que está
sendo tratado apenas quando está falando com o psiquia­
tra, a sessão parece a todos os membros progredir num
ritmo muito pouco econômico . Esta impressão é apenas
parcialmente aliviada por elucidações pormenorizadas
da maneira pela qual a estrutura dependente do grupo
acha-se unida, a despeito de seus desconfortos .
O aspecto essencial dos desconfortos nesta espécie
de grupo é que êles se originam precisamente da natu­
reza do próprio grupo e êste ponto deve ser sempre de­
monstrado .
Quando uma estrutura dependente é manifesta, é
muito comum a um indivíduo chegar com uma expe­
riência mental desagradável, sôbre a qual deseja falar .
A atitude do grupo torna difícil qualquer consideração

70
do seu problema e a frustração dos obj etivos do pacien­
te que isto envolve pode parecer um sério defeito nesta
técnica de grupo, mas, ainda uma vez, deve ficar .. esta­
belecido o fato de que não estamos interessados em for­
·
necer tratamento individual em público, mas sim em
chamar a atenção para as experiências reais do grupo e,
neste caso, a maneira pela qual o grupo e o indivíduo
tratam com o indivíduo. Há ainda outro ponto : os pa­
cientes de grupo freqüentemente chegam com declara­
ções cuidadosamente preparadas e falam apenas quando
pensam que podem participar de uma maneira escolhi­
da por êles próprios . Se o psiquiatra reagir como se es­
tivesse efetuando um tratamento individual em públi­
co, cedo dar-se-á conta de que se acha trabalhando con­
tra o grupo e que o paciente está funcionando com êste.
Se possuir a fôrça de espírito necessária para evitar esta
armadilha, observará que a exasperação, à primeira vis­
ta tão razoável, do paciente cujas prementes dificulda­
des pessoais estão sendo ignoradas é ditada, não tanto
pela frustração d e um objetivo legítimo, como pela ex­
posição de dificuldades que o paciente não veio discutir
e, em particular, suas características como membro do
grupo, as características da filiação ao grupo, as suposi­
ções básicas e o resto disso . Dêsse modo, uma mulher
que comece com uma dificuldade pessoal que acha que
o psiquiatra poderia aliviar se respondesse pela análise
de suas associações, descobre, se êle não fizer isso, que
uma situação totalmente inesperada se desenvolveu e
será de surpreender se o psiquiatra não fôr, então, capaz
de demonstrar dificuldades do grupo, que incluirão di­
ficuldades da paciente em questão, que ela poderá achar
muito sem importância, mas que, ao final, mostram não
ser assim . Isto, naturalmente, é muito comum em psica­
nálise , isto é, o fato de os tópicos discutidos não serem
aquêles que o paciente chegou para discutir . Sem em­
bargo, é importante compreender que o psicanalista
pode fàcilmente cometer num grupo um êrro que nunca
cometeria numa psicanálise, tratando daquele como se
o procedimento fôsse uma psicanálise em público . O
psiquiatra deverá ficar desconfiado se sentir que está

71
tratando do problema que o paciente ou o grupo acham
que êle deveria tratar . �sse ponto é decisivo : se o psi­
quiatra puder conseguir audaciosamente utilizar o gru­
po, em vez de gastar seu tempo desculpando-se mais ou
menos inconscientemente por sua presença, descobrirá
que as dificuldades imediatas acarretadas são mais do
que neutralizadas pelas vantagens de um emprêgo cor­
reto de seu meio (medium) .
No grupo de dependência, a fuga fica confinada ao
grupo ; a luta, ao psiquiatra . O impulso do grupo é
afastar-se do obj eto hostil; do psiquiatra, aproximar-se
dêle . À parte isso, as emoções grupais parecem achar-se
associadas apenas com transições do estado de espírito
de grupo-dependente para um dos outros dois grupos
básicos . As características dêste grupo são imaturidade
nas relações individuais e ineficiência (exceto no grupo
básico) nas relações de grupo - sendo ambas as con­
dições contrariadas até o máximo da capacidade do in­
divíduo por uma laboriosa comunicação consciente .
Para apreender tôda a significação destas proposições,
seria necessário comparar êste estado de coisas com as
condições correspondentes nas outras espécies de grupo.
Exceto no líder, a temerosidade torna-se a virtude
suprema do indivíduo neste tipo de grupo . A participa­
ção neste campo emocional significa uma elevação da
capacidade de · fuga instantânea, assim que qualquer
membro do grupo experimente mêdo . Tal estado de
coisas é muito desagradável para o indivíduo, que, afi­
nal de contas, retém plena consciência de seus desejos
como adulto plenamente desenvolvido .
O grupo, freqüentemente, estrutura-se como um
grupo de dependência a fim de evitar experiências emo­
cionais peculiares aos grupos de acasalamento e de
luta-fuga . Sob alguns aspectos o grupo de dependência
presta-se muito bem para isso, porque, como sugeri, êle
pode restringir-se à experiência da fuga, deixando o ana­
lista experimentar, se quiser, o que significa dirigir-se
aos problemas de que o grupo está fugindo . Esta rela­
ção simbiótica entre o grupo e eu mesmo - o psiquia­
tra - s erve para proteger os membros do grupo da ex-

72
penencia de certos aspectos da vida de grupo para os
quais não se sentem preparados . São, assim, deixados
livres para efetuar exercícios no desenvolvimento de re­
lações refinadas comigo . Digo 'comigo' porque as pri­
meiras experiências do grupo de dependência de qual­
quer modo indicam que existe uma acentuada incapa­
cidade por parte dos indivíduos no grupo em acre­
ditar que tenham possibilidade de aprender algo de valor
uns dos outros .
Do que disse, deveria ficar claro que os membros de
um grupo num estado de espírito dependente acham
que suas experiências são insatisfatórias . De qualquer
modo, seu estado de ânimo contrasta com aquêle que
experimentam quando, havendo jogado tôdas as suas
preocupações sôbre o líder, sentam-se e ficam esperando
que êle solucione todos os seus problemas . Graças às
interpretações que pude dar, êles não podem atribuir
sua desilusão imediata simplesmente ao meu fracasso
em efetuar aquilo que se supõe que um líder dêste tipo
de grupo deva fazer . De fato, se o grupo abrigava al­
guma idéia dêsse tipo, só poderia ser porque eu estava
falhando completamente em elucidar o que se estava
passando . O ponto é que esta suposição básica e o cam­
po emocional que lhe é concomitante produzem suas
frustrações características, algumas mais aparentes para
um dos pacientes, outras para outro .
Quando a investigação do grupo de dependência se
desenvolve, torna-se possívêl observar o emergir de cer­
tas características que agora exigem atenção . O grupo
sempre torna claro que espera que eu atue com autori­
dade como líder do grupo e eu aceito essa responsabili­
dade, embora não da maneira que o grupo espera . Nas
primeiras fases, parece mais sensato pensar que essa
autoridade baseia-se na idéia de que sou médico e êles
são pacientes, mas há aspectos no comportamento do
grupo cujo emergir no decorrer do tempo mostra que a
situação é mais complexa . A insistência do grupo em
que ninguém, a não ser eu próprio, tem qualquer di­
reito a exigir atenção é igualada por uma firme sensa­
ção de desapontamento pelo que faço; uma inabalável

73
crença de que estão j ustificados em pensar que me acho
qualificado pelo treinamento e pela experiência a con­
duzir o grupo é igualada por uma indiferença quase
igualmente inabalável por tudo o que digo . 1
Se eu levar em conta a atmosfera emocional do gru�
po - e seria preciso uma considerável capacidade de
negação para não fazê-lo - é claro que o grupo não está
interessado em compreender o que tem importância no
que digo, mas sim em utilizar apenas aquelas partes de
minha contribuição que possa convenientemente trans­
formar naquilo que parece ser um corpo de crença j á
bem estabelecido . Gestos, tom de voz, maneiras, apa­
rência e, em certas ocasiões, até mesmo o assunto do que
falo : nada disso é perdido, se puder ser encaixado na­
quele sistema . O grupo está combinando-se para esta­
belecer um firme retrato do objeto de que pode depender.
A princípio, não é fácil identificar os traços dêsse
retrato, mas, mesmo assim, é claro que não são os tra­
ços de um médico . A mesma sorte recai sôbre qualquer
outro membro do grupo que sej a exaltado em meu lugar,
com o resultado de que os indivíduos do grupo, sem ex­
ceção, descobrem influenciar o grupo de uma maneira
caprichosa e apenas obscuramente relacionada com os
pensamento que estão lutando para expressar . O esfôr­
ço que eu próprio faço é iluminar as obscuridades da
situação no grupo por um pensamento claro, - nitida­
mente expresso; isso é, na melhor das vêzes, uma ambi..:
ção considerável, mas, com o tempo, torna-se nítido que ·
entre outros fatôres que contribuem para tornar isso

1 Tem sido errôneamente dito que minha técnica se baseia na técnica


de grupo sem líder, utilizada na seleção, em tempo de guerra, dos can­
didatos a oficiais do Exército Britânico. Não é assim : um memorando
que escrevi em 1940 foi o estímulo para uma experiência (efetuada pelo
Dr. John Rickman no Hospital de Emergência de Wharncliffe ) que se
tornou posteriormente conhecida como a Experiência de Wharncliffe. A
experiência que lá obteve foi utilizada por êle e por eu mesmo como
ponto de partida para uma outra experiência no Hospital Militar de
Northfield. A fama ou notoriedade conseguida por esta última tornou
moeda corrente o nome 'Experiência de Northfield'. Esta denominação,
desde então, ganhou respeitabilidade, ao destinar-se a atividades mais
de acôrdo com as sóbrias tradições de disciplina e patriotismo pelas
quais o Exército Britânico é justamente famoso.

74
uma meta difícil de alcançar acha-se a hostilidade do
grupo a ela, como meta . A natureza desta hostilidade
pode ser melhor apreendida se fôr considerada como
uma hostilidade a todo método científico e, assim, como
uma hostilidade a qualquer atividade que possa parecer
estar-se aproximando dêsse ideal . Serão ouvidas queixas
de que minhas observações são teóricas; que não pas­
sam de intelectualizações; que falta calor aos meus mo-
. dos; que sou abstrato demais . O estudo do grupo du­
rante um certo período mostrará que, embora não haja
necessidade de duvidar da capacidade dos indivíduos no
grupo em trabalhar àrduamente, o grupo, como grupo,
opõe-se inteiramente à idéia de que se reuniram para o
· fim de trabalhar e, na verdade, reagem como se algum
importante princípio seria infringido, se tivessem de
fazê-lo . Não entrarei em mais pormenores sôbre êste as­
sunto, mas, talvez, se o leitor quiser retornar a algumas
de minhas descrições anteriores do comportamento no
grupo, reconhecerá nelas alguns dos traços que estou
descrevendo (em particular, pág. 3 1 e págs. 43-4) . Su­
gerirei agora que tôdas as facêtas de comportamento
no grupo de dependência podem ser identificadas como
relacionadas, se supusermos que, neste grupo, acredi­
. ta-se que o poder decorre não da ciência, mas da magia.
Uma das características exigidas do líder do grupo, en­
tão, é que êle seja um mágico ou se comporte como um.
Os silêncios num grupo de dependência são, por conse­
guinte, expressões da determinação em negar ao líder
o material que êle necessita para a investigação cien­
tífica e, através disso, impedir desenvolvimentos que pa­
reçam solapar a ilusão de segurança derivada de serem
cuidados por um mágico - ou expressões de devoção
adoradora pelo líder, como mágico - uma interpretação
muitas vêzes será seguida por um silêncio que é muito
mais um tributo de temor reverencial que uma pausa
para pensar.
Quando o grupo atinge esta fase de desenvolvimen­
to, o psiquiatra poderá pensar que está tratando com
'resistências' no sentido comum dessa palavra, mas acre­
dito que é mais frutífero considerar o grupo como uma

75
· comunidade que sente estar sendo feito um ataque hos­
til às suas crenças religiosas . Na verdade, é muito co­
mum descobrir que, neste estágio, as referências à reli­
gião são freqüentes . Às vêzes o indivíduo identifica-se
com o investigador e, outras vêzes, com o investigado .
Se identificar-se com o investigador, pode-se notar que
êle assume um ar de auto-segurança um tanto artificial,
como a indicar que está investigando uma interessante
sobrevivência do passado ou uma das religiões bem co­
nhecidas do mundo, tais como o budismo ou o cristia­
nismo . l!:ste ar é assumido a fim de evitar ter de com­
preender que está investigando in loco uma 'religião'
emocionalmente vital, cujos devotos o circundam e estão
à espera para cair-lhe em cima . Se o psiquiatra pres­
sionar vigorosamente esta investigação, deverá obter
uma sensação vívida da hostilidade do grupo e uma com­
preensão emocional da vitalidade dos fenômenos com
que tem de tratar . Deverá dar-se conta, também, de
que terá de considerar não apenas os dogmas do culto,
mas todos os fenômenos relacionados, tais como as exi­
gências que o culto faz às vidas de seus fiéis . Algumas
delas podem ser assistidas no próprio grupo : a repres­
são ao pensamento independente, a caça às heresias, a
rebelião que isto por sua vez produz, as tentativas para
justificar as limitações impostas por apelos à razão, ou,
pelo menos, à racionalização, e assim por diante , Ou­
tras manifestações, contudo, tornam-se claras no relato
que os indivíduos dão de sua vida cotidiana . Porque os
'devotos' do grupo 'religião', rebeldes ou não, permane­
cem 'devotos' também em sua vida de todos os dias, e é
possível demonstrar que alguns de seus conflitos diários
originam-se da tentativa de reconciliar as exigências do
pensamento cotidiano e as demandas de sua filiação ao
grupo como comunidade 'religiosa' . As implicações desta
visão do grupo são grandes e quanto mais vejo dêste as­
pecto do grupo de dependência, mais convencido fico
de que os pacientes produzem material num ritmo con­
tínuo para sustentar a opinião de que sua filiação ao
grupo de dependência, como seita 'religiosa', exerce uma
influência ampla sôbre suas vidas mentais, tanto quan-

76
do o grupo se dispersa, quanto no curto período em que
se encontram como um grupo .
Passarei agora a outro problema .

O óDIO A APRENDER PELA EXPERI�NCIA

Se o grupo tem de trabalhar constantemente para


manter uma estrutura refinada, tem de haver um im­
pulso na direção oposta, no sentido de uma das três es­
truturas básicas, e é importante encarar o grupo dêsse
ângulo . Antes de fazê-lo, referir-me-ei sucintamente à
necessidade de emprêgo de uma-· técnica de pontos de
vista constantemente cambiantes . O psiquiatra deve ver,
se puder, tanto o verso quanto o reverso de tôdas as si­
tuações . Tem de empregar uma espécie de deslocamento
psicológico que é melhor ilustrado pela analogia com o .
seguinte e bem conhecido diagrama :

O observador pode olhar para êle de maneira a ver


uma caixa com a aresta AB mais próxima de si ou pode
encará-lo como uma caixa cuja aresta mais próxima
é CD . O total das linhas observadas permanece · o mes­
mo, mas se obtém uma visão inteiramente diferente da
caixa . Similarmente, num grupo, o total do que está
acontecendo permanece o mesmo, mas uma mudança de
perspectiva pode ocasionar fenômenos inteiramente di­
ferentes . O psiquiatra não deve sempre esperar por mu-

77
danç as no grupo antes de descrever o que vê . Há muitas
ocasiões em que êle precisa i�dicar que aquilo que aca­
bou de descrever já foi · experimentado pelo grupo em
alguma ocasião anterior, mas foi então mais fàcilmente
observado em outros têrmos, quando, por exemplo (para
tomar o caso de um indivíduo) , um paciente se queixou
�de uma considerável ansiedade sôbre 'desmaiar' . Outras
vêzes, descreveu o mesmo fenômeno como 'ficar incons­
·

ciente' . Num grupo posterior, dizia, um tanto gabola-


. . mente, que quando aconteciam no grupo coisas de que
êle não gostava, simplesmente ignorava-as . Seria pos­
sível mostrar-lhe que estava descrevendo exatamente a
mesma situação, desta vez num estado de ânimo con­
fiante, coino noutra vez a descrevera, com ansiedade,
como 'desmaiar' . Sua atitude para com os acontecimen­
tos no grupo alterara-se com a alteração da suposição
básica do grupo .
Nem a analogia do verso e reverso, nem tampouco
a da mudança de perspectiva, serve realmente para
abranger a técnica que um psiquatra deve empregar, de
maneira que, para tornar claro o que quero dizer, utili­
zarei a analogia fornecida pelos princípios da dualidade
na matemática . Segundo êstes, um teorema que prova
a relação espacial de pontos, linhas e planos parece
igualmente provar a relação de seu dual em têrmos de
planos, linhas e pontos . No grupo, o psiquiatra deve
considerar, de tempos em tempos, qual é b 'dual' de
qualquer determinada situação emocional que tenha
observado . Deverá considerar também se o 'dual' da si­
tuação que acabou de descrever . já não foi experimen-
. tado e descrito em alguma sessão anterior .
·
Apliquemos isto agora à observação do grupo . O
leitor deverá lembrar-se de que relatei, que após os gru­
pos se reunirem, · mas antes de se acostumarem à técni­
ca, há uma pausa enquanto todos 'esperam que o grupo
comece ' . 1: muito comum alguém perguntar quando co­
meça o grupo . Ora, de um certo ponto de vista, a res­
posta perfeitamente simples é dizer que o grupo come­
ça às 10,30, ou seja qual fôr a hora que foi estabelecida
para a reunião, mas uma deslocação de ponto de vista

78
(admito de uma certa magnitude) de minha parte,
significa que estou assistindo a fenômenos de grupo que
não 'começam'; os assuntos em que estou interessado
continuam e evolvem, . mas não 'começam' . No trabalho
que realizo no grupq, dessa maneira, a questão não é
respondida, embora se possa ver qúe, se o grupo se inte­
ressa em investir em mim uma liderança de tipo dife­
rente daquela que me proponho exercer, pode-se fàcil­
mente presumir que é assunto meu saber quando o gru­
po começa ou, a propósito, quando termina . Não há
razão por que não se deva dar a resposta que é esperada,
desde. que se estej a ciente que o assunto é de uma certa
importância e envolve uma considerável mudança de
papel, embora êsse ponto possa não parecer evidente no
momento atual .
Se, num grupo, tive sucesso em demonstrar a luta
para manter a estrutura refinada, devo também ter obti­
do sucesso em demonstrar o seu 'dual' . O que se segue
é uma descrição do 'dual', embora, à primeira vista, pos­
sa ser difícil compreender a sua afinidade com a tenta­
tiva de preservar uma estrutura refinada .
Em todos os · grupos será comum, numa ocasião ou
noutra, encontrar pacientes a queixar-se de que o tra­
tamento é longo, que êles sempre se esquecem do que
aconteceu na sessão anterior; que não pareçam haver
aprendido nada e que não percebam, não apenas o que
as interpretações tem a ver com seu caso, mas também
o que as experiências emocionais para as quais estou
tentando atrair a atenção possam importar-lhes . Mos­
tram também, como na psicanálise, que não possuem
muita fé em sua capacidade de aprender pela experiên­
cia : 'O que aprendemos da História é que não aprende­
mos nada da História' .
Ora, tudo isto e muitas outras coisas semelhantes,
na realidade, vem a resultar no ódio a um processo de
desenvolvimento . Mesmo as queixas sôbre o tempo, que
parecem bastante razoáveis, destinam-se apenas a se
lamentar um dos fatôres essenciais do processo de de­
senvolvimento . Há uma aversão total a ter de aprender
pela experiência e uma falta de fé no valor de tal tipo

79
de aprendizagem . Uma pequena experiência de grupos
logo mostrará que isto não é simplesmente uma atitude
negativa; o processo de desenvolvimento está sendo real­
mente comparado com algum outro estado, cuja natu­
reza não é imediatamente aparente . A crença neste ou­
tro estado amiúde se mostra na vida cotidiana, talvez
mais claramente na crença de escolar no herói que nun­
ca faz qualquer trabalho e, apesar disso, encontra-se
sempre no auge da forma - o oposto do 'caxias', na
verdade .
No grupo, torna-se muito claro que esta alternativa
sonhada para o procedimento do grupo é, na realidade,
algo como chegar a ficar inteiramente preparado, como
um adulto apto por instinto a saber exatamente, sem
treinamento ou desenvolvimento, como viver, movimen­
tar-se e levar sua existência num grupo .
Existe apenas um espécie de grupo e uma espécie
de homem que se aproximam dêste sonho e são o grupo
básico - à grupo dominado por uma das três suposições
básicas; dependência, acasalamento e fuga ou luta -
e o homem que é capaz de perder sua identidade no
rebanho.
Não sugiro, por um só momento, que êste ideal cor­
responda à realidade, porque, naturalmente, tôda a ex­
periência terapêutica de grupo demonstra que o grupo
e os indivíduos nêle acham-se desesperançadamente de­
dicados a um processo de desenvolvimento, seja o que
fôr que tenha acontecido a nossos ancestrais remotos .
Minha experiência de grupos, na verdade, indica
que o homem está desesperançadamente comprometido
com ambos estados de coisas . Em qualquer grupo po­
de-se ver o homem que tenta identificar-se irrestrita­
mente com a suposição básica ou com a aparência refi­
nada . Se êle se identificar irrestritamente com a supo­
sição básica - com o rebanho, por assim dizer - sen­
tir-se-á perseguido por aquilo que sente ser o árido inte­
lectualismo do grupo e, em particular, das interpreta­
ções . Se se identificar, até onde tem possibilidade de
fazê-lo, com a aparência puramente intelectual, desco­
brir-se-á perseguido por objetos internos, que, suspeito

80
eu, são realmente uma forma de consciência das inti­
mações dos movimentos emocionais do grupo de que é
membro; ·certamente, alguma explicação dêste tipo aju­
daria a lançar luz sôbre o sentimento que tem o indiví­
duo de estar sendo perseguido pelo grupo, tanto interna
quanto externamente .
No grupo , o paciente sente que deve tentar coope­
rar . Descobre que sua capacidade de cooperação é emo­
cionalmente mais vital no grupo básico e que, na perse­
guição a objetivos que não se prestam fàcilmente às
técnicas do grupo básico, sua capacidade de cooperar
depende de uma espécie de toma lá dá cá que é conse­
guida com grande dificuldade, comparada com a rápida
reação emocional que provém da aquiescência às emo­
ções do grupo básico .
No grupo, o indivíduo dá-se conta de capacidades
que são apenas potenciais enquanto se encontra em com­
parativo isolamento . O grupo, dessa maneira, é mais
que um conjunto de indivíduos, porque um indivíduo
num grupo é mais que um indivíduo em isolamento.
Além disso, o indivíduo num grupo está ciente de
que as potencialidades adicionais que então se tornam
ativadas pela filiação ao grupo são, muitas delas, me­
lhor adaptadas para funcionar no grupo básico, ou seja,
no grupo que se reúne para agir segundo as suposições
básicas .
Um dos problemas da terapêutica de grupo, então,
reside no fato de ser o grupo freqüentemente utilizado
para a obtenção de uma sensação de vitalidade pela
submersão total no grupo ou de uma sensação de inde­
pendência individual pelo repúdio total dêle . Essa parte
da vida mental do indivíduo, que é incessantemente es­
timulada e ativada por seu grupo, é a sua herança ina­
lienável como animal de grupo .
.11: êste aspecto da filiação ao grupo que origina no
indivíduo uma sensação de que nunca poderá alcançar
um curso de acontecimentos com que está, em qualquer
momento dado, j á comprometido . Existe uma matriz
de pensamento que reside dentro dos .confins do grupo
básico, mas não dentro dos confins do indivíduo . Há

81
também o desej o que tem êste de sentir que é dono de
seu destino e de se concentrar naqueles aspectos de sua
vida mental que sente serem mais verdadeiramente seus
e originados dentro de si . É êste desejo que tende a tor­
ná-lo mais disposto a observar fenômenos que se acham
mais relacionados com aquela espécie de grupo, da
qual pode razoàvelmente dizer que 'começa' do que com
o tipo de grupo em que não cabe o conceito de 'comêço' .
Se o desejo de segurança fôsse tudo o que influen"
cia o indivíduo, então o grupo de dependência poderia
bastar, mas o indivíduo precisa de mais do que segu­
rança para si e, dessa maneira, tem necessidade de ou­
tras espécies de grupos . Se o indivíduo estivesse pre­
parado para suportar as dores do desenvolvimento e tudo
o que isso implica em esforços para aprender, poderia
ultrapassar o grupo de dependência . Mas o fato de de­
sejá-lo, mesmo com os impulsos que não são satisfeitos
no grupo de dependências, por um estado no qual, sem
passar pelas dôres de crescimento, possa encontrar-se
integralmente preparado para a vida de grupo, resulta
num impulso na direção de um grupo estruturado para
o acasalamento ou para a luta-fuga .

82
5

O estado emocional próprio a uma suposição básica


não é inteiramente agradável � Tal como acontece com o
analista na psicanálise, assim também acontece com o
grupo . Em minha técnica com o grupo, o indivíduo,
apoiado por aquêle, tenta manter a bondade do grupo
isolada de sua maldade e a manterá sinta-se êle 'mau'
por causa do grupo ou 'bom' por causa do mesmo, mas
não admitirá fàcilmente que certos estados emocionais
agradáveis chamados 'si:mtir..,se melhor' derivam-se do
grupo de que se queixa, nem, tampouco, que certas ex­
periências emocionais desagradáveis, chamadas 'sen­
tir-se pior' são inseparáveis da filiação ao grupo em cuja
bondade preferiria, no momento, acreditar . Juntando-se
às razões comumente encontráveis na psicanálise para
êste tipo de comportamento, o indivíduo no grupo pos­
sui razões que se derivam diretamente de peculiaridades
dos estados emocionais, associados com as suposições
básicas e são essas peculiaridades que discutiremos a se­
guir . A investigação é provocada pelo fato de que as
emoções associadas com qualquer suposição básica pa­
recem ser experimentadas pelo indivíduo em tôda a sua
inteireza . Minha descrição original do grupo a agir sô­
bre uma suposição básica não faz j ustiça a alguns as­
pectos do comportamento de grupo que são agora per­
tinentes . Poder-se-ía pensar que o grupo efetua uma
suposição comum e que tudo o mais, inclusive o estado
emocional associado com ela, origina-se disto, o que não
reflete a minha crença . Pelo contrário, considero o es­
tado emocion�l como existente e a suposição básica como

83
a ser deduzível dêlé . Até onde concerne ao grupo, a su­
posição básica é, essencialmente, uma suposição tácita.
Os indivíduos conduzem-se como se estivessem cientes
dela e é por essa razão que a interpretação da suposição
básica conduz à convicção . Ela é uma afirmação que
dá significação ao comportamento do grupo como um
todo, mas, apesar disso, a suposição não é abertamente
expressa, mesmo quando ela está atuante . Temos, as­
sim, uma situação em que os indivíduos comportam-se
como se estivessem conscientes, como indivíduos, da su­
posição básica, mas inconscientes dela como membro do
grupo . Isto é como deveria ser : o grupo não possui um
consciente e não é articulado ; compete ao indivíduo
possuí -lo e sê-lo .
É, possível falar de uma sensação de segurança como
existente em cada um dos estados emocionais associa- ·

dos com os três grupos de suposições básicas . Contudo,


é claro que a sensação de segurança experimentada no
grupo de dependência é realmente um sentimento expe­
rimentado numa combinação indissolúvel com os senti­
mentos e idéias remanescentes que compõem a suposi­
ção básica do grupo de dependência e, dessa maneira,
é diferente das sensações de segurança nos grupos de
luta-fuga e de acasalamento, que são si:rriilarmente ex­
perimentadas em combinação indissolúvel com as emo­
ç ões e idéias remanescentes próprias a seus grupos res­
pectivos . Assim, a sensação de segurança que se deriva
do grupo de dependência acha�se indissoluvelmente liga­
da a sentimentos de inadaptação e frustração e depende
da atribuição de onipotência e onisciência a um dos
membros do grupo . Uma vez que o psiquiatra geralmen­
te não pode ser manejado para fornecer substâncias a
crenças em sua onipotência e onisciência, os indivíduos
mostrarão também que sua sensação de segurança é
qualificada pela exigência que o grupo faz de que seus
indivíduos sej am oniscientes . De modo semelhante, no
grupo de luta-fuga, a segurança é temperada pela exi­
gência de coragem e auto-sacrifício feita pelo grupo .
Em resumo, o importante não é tanto uma sensação
determinada - como a segutança, por exemplo - mas

84
a combinação em que essa sensação é experimentada .
Diversos sentimentos, não desagradáveis em si mesmo e,
na verdade, grandemente desejados pelo indivíduo, não
podem ser experimentados, exceto quando fixados em
combinação com outros sentimentos menos desejados e
amiúde vistos com intensa aversão, de maneira que o
indivíduo tem de se valer do ato de dividir (splitting)
para isolar-se do grupo e de sua própria essencial 'gru­
palidade' (groupishness) - ou seja, sua qualidade ina­
lienável como animal de rebanho . É freqüentemente ou­
vida a queixa de que, no grupo, o indivíduo não pode
pensar . Éle tentará sentir-se seguro em sua filiação ao
grupo, mas esforçar-se-á por expelir (split off) os senti­
mentos não apreciados que se acham em combinação
com aquela segurança desej ável . Atribuirá a origem dês­
tes a alguma outra causa que não aquela própria segu­
rança que exige uma causa tal como a filiação a um
grupo menos importante, algum acontecimento externo
efêmero ou à neurose . Dessa ·maneira, uma boa quanti­
dade de tempo tem de ser devotado a elucidar a supo­
sição básica da qual o refôrço emocional está sendo de­
rivado e, depois, a provar que as experiências emocio­
nais que os pacientes freqüentemente introduzem na
discussão como sintomas derivam-se realmente de sua
existência una com outros membros do grupo emocio­
nalmente reforçado e de seu conflito tanto com êles pró­
prios quanto com o grupo. O ponto que desejo provar é
que a participação numa suposição básica não é apenas
inevitável, mas envolve uma partilha de emoções que
são, até onde a investigação psicológica pode revelá-las,
distintas e separadas umas das outras, mas, na verdade,
apenas são assim aparentemente e, ainda, sõm.ente na­
quele ponto de &ua história em que se manifestam como
fenômenos psicológicos . O resultado, para o psicólogo, é
que não há observações disponíveis que possam explicar
porque, quando se age a partir de uma determinada
suposição básica, os sentimentos associados com ela
acham-se sempre mutuamente ligados com a tenacida­
de e a exclusividade, nem mais nem menos, que se as­
sociam às combinações químicas .

85
Não decorre disso, naturalmente, que será sempre
assim : é concebível que a técnica de grupo possa desen­
volver-se até um ponto em que fenômenos que não são
atualmente identificáveis tornar-se-ão perceptíveis. Nes­
se ínterim, desejo enfatizar o que decorre do que estive
dizendo sôbre ser a aflição do indivíduo idiopática à su­
posição básica atuante, ou seja, ela se origina de seu con­
flito com o estado emocional do grupo e daqueia parte
de si próprio que está interessada na participação na
tarefa grupal de mantê-la .
O estado emocional associado com cada uma das su- ·

posições básicas exclui os estados emocionais próprios


às outras duas suposições básicas, mas não as emoções
próprias ao grupo refinado. Até aqui, pouco falei sôbre
o grupo refinado, contentando-me em descrever os con­
flitos num grupo como ocorrendo entre o indivíduo e o
grupo básico e entre o indivíduo e êle próprio, como um
defensor ou participante do grupo básico . Exite, no en­
tanto, um conflito entre o grupo que se forma através
da cooperação entre indivíduos num nível refinado -
o grupo refinado - e o grupo básico, e, a êste respeito,
a relação entre o grupo refinado e o grupo básico difere
da relação que se obtém entre os estados emocionais
associados com as três suposições básicas . Não há con­
flito direto entre suposições básicas, mas apenas mu­
danças de um estado para outro, mudanças que são
transições suaves ou ocasionadas pela intervenção do
grupo refinado . Elas não conflitam, mas se alter­
nam ; o conflito surge apenas na junção do grupo básico
com o grupo refinado .
Não obstante, embora os grupos de suposição básica
pareçam antes alternar-se que conflitar entre si, a in­
tervenção do grupo refinado, através da interferência .
com a alternância dos grupos básicos, parece produzir
algumas das aparências e efeitos do conflito . Em par­
ticular, as combinações emocionais associadas com as
suposições básicas que não estão influenciando ativa­
mente a vida mental do grupo permanecem latentes, às
vêzes por consideráveis períodos . Assim, quando um gru­
p o é impregnado pelas emoções do grupo de dependên-

86
cia, os estados emocionais do grupo de luta�fuga e do
grupo de acasalamento encontram-se em inatividade
temporária. �les não se manifestam no sentido em que
as emoções do grupo de dependência são manifestas. A
êste respeito, há um conflito entre o grupo refinado, per­
meado por emoções oriundas de uma determinada supo­
sição básica e as outras duas suposições básicas . Neste
contexto, é necessário reconhecer que as interpretações
dadas por mim, se aceitas, são elas próprias interpreta­
ções do grupo refinado, o que dá origem imediata a cer­
tas especulações. Qual é a diferença entre a forma de in­
tervenção que uma interpretação representa e as outras
intervenções do grupo refinado? Se as intervenções do
grupo refinado parecem produzir alguns dos efeitos ou
aparência do conflito entre uma determinada suposição
básica e as outras, uma interpretação também produz
conflito? Se a interpretação não produz conflito, o que
produz? Por enquanto, proponho-me a ignorar estas
questões e passar a considerar a sorte dos estados emo­
cionais potenciais representados pelas suposições básicas
sôbre as quais, em determinado momento, não se age e
suas relações com o grupo refinado.
As intervenções do grupo refinado são dissemelhan­
tes, mas tôdas possuem em comum o seguinte : são ex­
pressões de um reconhecimento da necessidade de se de­
senvolver em vez de se apoiar na eficácia da magia . São
dstinadas a enfrentar as suposições básicas e mobilizam
as emoções de uma destas na tentativa de enfrentar as
emoções e fenômenos de outra . É isso o que ocasiona a
aparência de conflito entre suposições básicas, fato já
mencionado por mim . Um dos resultados desta opera­
ção de grupo refinado é que quanto mais refinado um
grupo se torna e mais consegue manter um nível refina­
do de comportamento, mais êle o faz pela supressão de
um determinado padrão de emoções ligadas por outro .
Dessa maneira, o padrão de emoções ligadas associado
com o grupo de dependência pode ser utilizado para tor­
nar difícil ou impossível a intromissão dos padrões de
emoção ligados como o são nos grupos de luta-fuga e de
acasalamento .

87
O GRUPO DE TRABALHO

Em alguns grupos que aceitei, o que estive chaman­


do de 'grupo refinado' foi espontâneamente chamado
de 'grupo de trabalho' . O nome é curto e expressa bem
um importante aspecto dos fenômenos que quero des­
crever, de maneira que, no futuro, empregá-lo-ei em vez
de 'grupo refinado'. Quando um grupo se reúne, êle reú­
ne-se para uma tarefa específica e, na maior parte das
atividades humanas de hoje, a cooperação tem de ser
conseguida por meios refinados . Como já indiquei, re­
gras de procedimento são adotadas : há geralmente uma
máquina administrativa estabelecida, operada por fun­
cionários que são reconhecidos como tais pelo resto do
grupo, etc . Neste nível, a capacidade de cooperação é
grande, como a experiência que qualquer um tenha de
grupos demonstrará . Contudo, ela é diferente em es­
pécie da capacidade de cooperação que se evidencia ao
nível de suposição básica . Na minha experiência, a es­
trutura psicológica do grupo de trabalho é muito pode­
rosa e é digno de nota o fato de sobreviver ela com uma
vitalidade que sugeriria que os temores do grupo de tra­
balho ser tragado pelos estados emocionais próprios às
suposições básicas são inteiramente desproporcionados .
Disse anteriormente que o grupo, desde o princípio, es­
força-se àrduamente por manter uma estrutura refina­
da e que o esfôrço colocado nisso indica a fôrça das emo­
ções associadas com as suposições básicas . Ainda penso
que é assim, mas também acredito que os temores pela
estrutura do grupo de trabalho são expressões da igno­
rância das fôrças com que o grupo de trabalho tem de
lutar . O grupo terapêutico deve ter a sua atenção cons­
tantemente alertada para o temor do grupo de suposi­
ção básica e ser-lhe demonstrado que o objeto do mêdo
depende em grande quantidade do estado de espír'to que
predomina nos grupos . Dessa maneira, se o grupo de
dependência acha-se mais em evidência - na verdade,
em evidência até o ponto em que o grupo parece estar
identificado com êle - então o mêdo é do grupo de tra­
balho . Tal como as emoções no grupo de suposição bá-

88
sica parecem estar ligadas, assim também os fenômenos
mentais do grupo de trabalho parecem achar-se ligados
entre si . Certas idéias desempenham um papel prepon­
derante no grupo de trabalho e não apenas é a idéia de
'desenvolvimento' em vez de 'equipamento integral por
instinto' que é uma parte integrante dêle, mas também
a idéia do valor de uma abordagem racional ou cientí­
fica a um problema . Assim também, como uma conco­
mitância inevitável da idéia de 'desenvolvimento', é acei­
ta a validade da aprendizagem pela experiência . Se,
contudo, o grupo achar-se identificado com a suposição
básica de dependência, então tôdas essas idéias serão
temidas, não, naturalmente, como idéias simplesmente,
mas como atividades em funcionamento dentro do gru­
po . O grupo de dependência cedo mostra que uma parte
integrante de sua estrutura é a crença na onisciência e
onipotência de um determinado membro do. grupo .
Qualquer investigação da natureza desta crença desper­
ta reações que fazem lembrar, para não colocá-las em
nível superior, as controvérsias da religião versus ciên­
cia. Na verdade, a investigação dêste ponto é, como su­
geri anteriormente, uma investigação científica da re­
ligião do grupo . As atividades do grupo de trabalho que
parecem envolver a investigação da divindade grupal ­
geralmente o psiquiatra - são enfrentadas com uma
grande variedade de reações, mas, se se considerar a rea­
ção como um todo poder-se-ia imaginar que -a descrição
feita por Gibbon da controvérsia homoousiana * fôsse
realmente um relatório sôbre uma sessão terapêu ­
tica de grupo, com a suposição básica dependen­
te em ação . Talvez fôsse . Na verdade, poderá ser útil
para qualquer psiquiatra que tiver a vontade de verifi­
car meus métodos num grupo lembrar-se que poucas
coisas na história despertaram os sentimentos de um
grupo mais poderosamente que a controvérsia sôbre as
características da deidade cujo culto na ocasião flores-

* homoousiana - do baixo grego, significando da mesma substância.


Os homoousianos foram os partidários �e uma facção eclesiástica do
século IV, defensora da doutrina do Credo de Nicéia de que o Filho
é da mesma substância que o Pai. (N. do Trad. ) .

89
cia . Deveria talvez acrescentar que por 'florescer' quero
significar florir tanto negativa quanto positivamente,
isto é, tanto quando o grupo é ateístico como quando é
teístico . É essencial que o psiquiatra seja firme em cha­
mar a atenção para a realidade das alegações do grupo
a seu respeito, por mais fantásticas que sua elucidação
faça aquelas alegações se apresentarem, e, depois, para
a realidade da hostilidade que é despertada por sua elu­
cidação . É em ocasiões como essas que se pode perceber
tanto a fôrça das emoções associadas com a suposição
básica quanto o vigor e a vitalidade que podem ser mo­
bilizados pelo grupo de trabalho . É quase como se os
sêres humanos se achassem cientes das dolorosas e amiú­
de fatais conseqüências de terem de agir sem um domí­
nio apropriado da realidade e, assim, dessem-se conta
da necessidade da verdade como critério para a avaliação
de suas descobertas .
Temos agora de considerar alguns aspectos do papel
desempenhado pelo grupo de trabalho em combinação
com uma das suposições básicas na supressão da ativi­
dade aberta das outras duas suposições básicas . Qual é
a sorte das duas suposições básicas que não são operan- ·

tes? Proponho ligar esta questão àquela que deixei sem


responder anteriormente, versando sôbre a natureza e
origem da combinação em que as emoções foram man­
tidas em sua associação com qualquer suposição básica.
Disse então que não havia, no momento, observações
disponíveis para o psiquiatra explicar porque as emo­
ções associadas com uma suposição básica eram experi­
mentadas em combinação mútua com tal tenacidade e
exclusividade . A fim de explicar essa ligação e, ao mes­
mo tempo, explicar a sorte das suposições básicas ino­
perantes, sugiro postular a existência de fenômenos 'pro­
tomentais' . Não posso representar minha opinião ade­
quadamente sem propor um conceito que transcende a
experiência . Clinicamente, efetuo uma abordagem psi­
çológica e, assim, observo os fenômenos apenas quando
êles se apresentam como manifestações psicológicas .
Não obstante, é conveniente para mim considerar que
o estado emocional precede a suposição básica e acom-

910
panha certos fenômenos protomentais de que é uma ex­
pressão . Mesmo esta afirmação é objetável porque esta­
belece uma ordem mais rígida de causa e efeito daquela
que desej o subscrever, porque, clinicamente, é útil con­
siderar êsses acontecimentos como elos numa série cir­
cular . As vêzes, é conveniente achar que a suposição
básica foi ativada por pensamentos conscientemente ex­
pressos; noutras, em emoções intensamente estimuladas,
resultado da atividade protomental . Não há mal em dar
comêço à série onde quisermos, se isso lançar luz sôbre
o que acontece . Iniciando, então, ao nível dos aconteci­
mentos protomentais, podemos dizer que o grupo se de­
senvolve até suas emoções tornarem-se exprimíveis em
têrmos psicológicos . É neste ponto que digo que o grupo
se conduz 'como se' estivesse atuando sôbre uma supo­
sição básica .
No sistema protomental existem protótipos das três
suposições básicas, cada um dos quais existindo como
uma função da filiação do indivíduo ao grupo, cada um
dêles existindo como um todo de que parte alguma pode
ser separada do restante . SOmente num nível diferente,
num nível em que os acontecimentos surgem como fe­
nômenos psicológicos, parece ser possível uma diferen­
ciação dos componentes de cada suposição básica e, nes­
te nível, podemos falar a respeito de sentimentos de
mêdo, segurança, depressão, sexo ou outros semelhantes.
Visualizo o sistema protomental como um sistema
em que o físico e o psicológico ou mental são indiferen­
ciados . Trata-se de uma matriz donde originam-se os
fenômenos que a princípio parecem - num nível psico­
lógico e à luz da investigação psicológica - serem sen­
timentos distintos, apenas frouxamente associados uns
com os outros . É desta matriz que as emoções próprias
à suposição básica fluem para reforçar, infiltrar e, oca­
sionalmente, dominar a vida mental do grupo . Uma vez
que se trata de um nível em que o físico e o mental são
indiferenciados, é razoável que, quando a aflição origi­
nária dessa fonte se manifesta, ela possa manifestar-se
tanto sob formas físicas quanto sob formas psicológicas.
As suposições básicas inoperantes acham-se confinadas

91
dentro do si�tema protomental; isto quer dizer que se o
grupo refinad(> é impregnado pelas emoções associadas
com a suposição básica de dependência, então as supo­
sições básicas de fuga-luta e de acasalamento ficam con­
finadas dentro das limitações da fase protomental . São
as vítimas de uma conspiração entre o grupo refinado e a
suposição básica operante . Foi apenas a fase protomen­
tal do grupo de dependência que se libertou para se de­
senvolver em estado diferenciado, onde o psiquiatra pode
discernir sua operação como suposição básica .
São êstes níveis protomentais que fornecem a ma-
. triz das doenças de grupo . Estas doenças manifestam-se
no indivíduo, mas possuem características que tornam
claro ser o grupo e não o indivíduo que é átingido, apro­
ximadamente da mesma maneira, apenas no sentido
oposto, em que no grupo de luta-fuga sempre parece ser
o grupo e não o indivíduo que está sendo preservado. Em
resumo, isto tudo equivale a dizer que em qualquer gru­
po determinado a matriz para as doenças que se encon­
tram presentes deve ser procurada em dois lugares -
o primeiro, na relação do indivíduo com o grupo de su­
posição . básica e consigo próprio como participante na
manutenção dêsse grupo; o outro, nas fases protomen­
tais das outras duas suposições básicas .
Para tornar o que quero dizer ainda mais claro, to­
marei emprestado da medicina física uma analogia, a
qual, se fôr lembrado que a utilizo apenas como analo­
gia, poderá servir para esclarecer o que quero dizer .
Presumamos o caso de um paciente que está sofrendo
de sintomas de ansiedade . No decorrer do exame, pa­
rece que, além de diversas dificuldades psicológicas, o
paciente apresenta um leve tremor das mãos; presuma­
mos que outros exames mostrem sinais de uma tirotoxi­
cose suficientemente séria para tornar uma abordagem
física o método escolhido para decidir qual o tratamen­
to . No linguajar comum, dir-se-ia que a doença possui
uma origem física . E u preferiria dizer que a matriz da
doença jaz na esfera dos acontecimentos protomentais e
que se o paciente fôsse visto tão cedo que, pelos padrões
medianos atuais, nenhum sinal de doença reconhecível

92
por técnicas de medicina . física ou de psiquiatria esti- ·
vesse presente, então o paciente estaria apresentando
um exemplo muito bom, in petto, do que quero dizer por
fase de acontecimentos protomentais em que o físico e o
psicológico são ainda indiferenciados e na qual, em cer­
tas circunstâncias, as doenças de grupo com componen­
tes físicos e psicológicos têm sua origem . Onde a ana­
logia formada para expressar minha opinião se rompe
é em apresentar a esfera dos acontecimentos protomen­
tais como limitada pelo indivíduo; em minha opinião, a
esfera dos acontecimentos protomentais não pode ser
compreendida com referência somente ao indivíduo, e o
campo inteligível de estudo da dinâmica dos aconteci­
mentos protomentais encontra-se nos indivíduos reuni­
dos num grupo . A fase protomental no indivíduo é ape­
nas uma parte do sistema protomental, porque os fenô­
menos protomentais são uma função do grupo e, dessa
maneira, devem ser estudados no grupo .
Apresentando o conceito de um sistema protomen­
tal, disponho-me a explicar a solidez com que tôdas as
emoções de uma determinada suposição básica parecem
estar fundidas e, ao mesmo tempo, fornecer um conceito
que explique o paradeiro das suposições básicas inope­
rantes que foram obviamente sentidas por um grupo
como potencialmente ativas e, dessa maneira, têm de ser
consideradas como estando em 'algum lugar ' . Mas amiú­
de descobri que é útil, após uma postulação dêste tipo,
ver o que acontece se se tentar empregar a nova teoria
para fins a que, originalmente, não se destinava. Para
êste obj etivo, descubro ser a indulgência na especulação
um teste de campo tão bom quanto qualquer outro e
espero com isso chegar mais próximo à decisão de en­
carar a idéia de um sistema protomental como apenas
uma teoria para reunir minhas observações, uma hipó­
tese para estimular novas investigações ou um fato cli­
nicamente observável .
Minha primeira especulação tem de se referir àquilo
que constitui um campo inteligível de estudo . O peque­
no grupo terapêutico não pode servir enquanto minha
técnica não se achar mais desenvolvida do que se en-

93
contra atualmente e, mesmo que se tivesse desenvolvido
mais ou eu melhorasse meus podêres de observação, per­
maneceria sendo ainda uma questão duvidosa e não seria
mais avisado procurar uma solução em algum outro
campo . Antes de Freud, as tentativas para fazer pro­
gredir o estudo da neurose foram em grande parte es­
téreis porque o indivíduo era considerado como sendo
um campo inteligível de estudo, mas foi somente quando
Freud começou a procurar uma solução na relação en­
tre duas pessoas, no estudo da transferência, que des­
cobriu qual era o campo inteligível de estudo para, pelo
menos, alguns dos problemas que o paciente neurótico
coloca, e problemas que haviam até então desafiado
tôdas as tentativas de solução começaram a apresentar
um significado . A investigação então iniciada continuou
a se expandir em profundidade e amplitude . O pequeno
grupo terapêutico é uma tentativa de ver se algum nôvo
resultado pode ser produzido pela mudança do campo
de estudo . - Será necessário, em alguma ocasião, conside­
rar o emprêgo que o próprio grupo faz das manipula­
ções do campo de estudo, mas, de momento, desejo con­
siderar as possibilidades de modificar novamente o cam­
po, a fim de ver se é possível, procedendo assim, arrojar
novà luz sôbre o pequeno grupo terapêutico . O pequeno
grupo terapêutico não produz provas sôbre as doenças
físicas com rapidez suficiente para os meus obj etivos e
não produz o bastante delas . Prefiro, .dessa maneira,
basear minhas especulações naquilo que poderia ser en­
contrado num grupo suficientemente grande para que
indícios característicos de doença fôssem disponíveis
(ver Toynbee, 1935, págs. 12, 17) . Gostaria de possuir
indícios sôbre doenças tais como a tuberculose, as doen­
ças venéreas, diabetes e outras, particularmente com re­
lação a aspectos de variação numéri.ca de casos, virulên­
cia e distribuição que não fôssem fàcilmente explicáveis
em têrmos de anatomia, fisiologia e outras disciplinas
que constituem geralmente o cabedal das investigações
da Saúde Pública . Além disso, seria necessário possuir
estatísticas que fôssem válidas no momento significa­
tivo .

94
No que se segue, proponho-me a usar as letras sb
para indicar a suposição básica e seu estado emocional
associado . A suposição básica de dependência será in­
dicada pelas letras S'bD, a de acasalamento por sbA e a
de fuga-luta por sbF . Para o sistema protomental, pro­
ponho utilizar as letras pm; dessa maneira, pmDA signi­
ficará que me refiro a um estado em que as supo­
sições básicas de dependência e acasalamento não são
mais identificáveis como fenômenos psiquiátricos, mas
acham-se confinados a um tipo de fase latente, atual­
mente não elucidada, no sistema protomental em que o
físico e o mental são indiferenciados . O mesmo aconte­
cerá com pmAF ou pmDF. Para o grupo refinado ou de ·

trabalho empregarei T .
(a) Suponha-se que uma doença X origina-se da
fase protomental dos grupos de dependência e de acasa­
lamento, quando suprimidos por uma sbF bàsicamente
expressa . Em minha teoria, a doença X será filiada aos
grupos D e A e, assim, quando se tornar patente, pos­
suirá filiações psicológicas com as emoções de sbA e sbD.
Além disso, terá uma matriz que, neste caso, será pmD
e pmA . Possuirá também uma causa psicológica que
residirá em s bA . Isto não significa considerar eu que
tôdas as doenças possuem uma causa psicológica, que
tem importância igual a outras causas, mas acredito
que, pelo amor à perfeição, uma doença deve ser clas­
sificada de maneira a que conheçamos não apenas os
fatos ordinàriamente descritos na medicina, mas . tam­
bém ( 1 ) sua matriz, ou seja, no exemplo que forneci,
pmD e pmA; (2) suas afiliações psicológicas ou, em meu
caso imaginário, sbD e sbA, e (3) sua causa psicológica
ou, neste exemplo, sbF .
Similarmente, acrescentaria que necessitamos co­
nhecer a filiação da doença física a outras moléstias
físicas, além das j á bem conhecidas filiações a que se
chega com um estudo da anatomia e da fisiologia, e que
devemos procurar estas outras doenças filiadas conside­
rando quais as outras doenças físicas que podem ser
·

classificadas, no exemplo que forneci, como

95
Matriz pmD e pmA
Filiação s bD e sbA
Causa sbF

Isto nos fornecerá as filiações de uma doença física


com outra que são funções, não da anatomia, da fisiolo­
gia e da bacteriologia - nem tampouco da psicopato­
logia - mas da filiação do indivíduo a um grupo .
(b) Uma vez que minha tese depende do argumento
de que há uma fase em que o físico e o mental são indi­
ferenciados, decorre disso que, quando a doença se ma­
nifesta fisicamente como, digamos, tuberculose, há uma
contrapartida ou recíproca psicológica cuja natureza
exata ainda tem de ser investigada, mas que, nesta
discussão, podemos presumir ser sbD . Esta recíproca
não pode ser causa ou efeito, porque, se fôsse uma ou
outro, teria de se derivar de uma série inteiramente di­
ferente de acontecimentos protomentais ou, então, da
suposição básica operante . Os acontecimentos mentais
aos quais a tuberculose se acha filiada não s ão necessà­
riamente, em minha definição, causa ou efeito, mas sim
derivativos e desenvolvimentos dos mesmos fenômenos
protomentais que aquêles de que a própria tuberculose
se origina . Sabe-se que a tuberculose é muito sensível
a evoluções na psicologia de um grupo, com os números
variando segundo o que parece uma espécie de afinidade
com as mudanças na mentalidade do grupo . A doença
exige atenção e tratamento prolongados e a dieta apre­
senta reminiscências das primeiras experiências gastro­
nômicas do homem . Deveria ser e é associada a muitas
das características da sbD, com os indivíduos reagindo à
sua perturbação e às limitações que ela lhes impõe apro­
ximadamente da mesma maneira que os indivíduos com
uma personalidade semelhante reagem à sbD . A exis­
tência dêstes fatos muitas vêzes conduziu, antes que
uma lesão tuberculosa fôsse demonstrada, à sugestão de
que o paciente fingia a doença (Wittkower, 1949) ou,
para usar minha terminologia, de que a sbD é a causa
teleológica da doença do paciente, mas, pelas razões que
forneci, não posso encarar a sbD como uma causa de

96
qualquer espécie ; trata-se do estado mental a que a tu­
berculose acha-se filiada e, dessa maneira, não é nem
causa nem efeito . Para descobrir a causa da queixa (re­
firo-me, naturalmente, à causa que deve ser compreen­
dida como parte do esquema que estou elaborando e não
às causas perfeitamente bem conhecidas e bem estabe-
. lecidas com que a medicina se acha familiarizada) seria
necessário correlacionar . as flutuações na incidência da
doença com a prevalência da sb no grupo, nas diversas
vêzes em que os números da doença foram conseguidos .
.Presumamos que as cifras mais altas correspondam sem­
pre a s'bF . Deveríamos então classificar a tuberculose
como possuindo, ao lado das características já estabele­
cidas,

Causa s bF
Filiação sbD
Matriz pmDA

Qualquer tentativa de efetuar êste tipo de classifi­


cação dependeria evidentemente, na melhor das hipó­
teses, da opinião e, na pior, de uma louca adivinhação,
mas penso que a tentativa precisará ser feita : a tenta­
tiva de ser científico deve ajustar-se ao estado de ima­
turidade do estudo e isto se aplica particularmente à
avaliação da s b em qualquer momento dado .
Até agora, estive argumentando que o conceito de
um sistema protomental, juntamente com as teorias das
suposições básicas, poderia ser utilizado para fornecer
uma nova visão da doença física e, particularmente, da­
quelas doenças que foram chamadas de psicossomáticas
ou consideradas como parte da medicina psicossocial e
da sociodinâmica (ver Hallyday, 1948, págs. 142 e segs.) .
Mas se pudermos ampliar o campo de estudo da doença
física para incluir o estudo . das suposições básicas, do
sistema protomental e do resto, a fim . de chegar a uma
compreensão mais ampla da perturbação física, podere­
mos igualmente utilizar o mesmo campo ampliado para
efetuar o processo inverso . Porque deve ser lembrado
que, se até onde concerne à perturbação psicológica, o

97
sistema é postulado como protomental, êle é igualmente,
do ponto de vista da doença física, protofísico . Não
obstante, é mais fàcilmente possível descobrir uma técni�
ca para investigar o sistema protomental como matriz
da perturbação física por uma investigação que efetue
uma abordagem física . Se, utilizando uma abordagem
física, pudermos investigar o aspecto físico do sistema
protomental, poderemos descobrir um meio de obter uma
amostra daquilo que o sistema protomental de um gru­
po contém em qualquer momento dado e, a parti \ disso,
dar o outro passo, que consistiria em elaborar uma técni­
ca para a observação das contrapartidas protomentais
dos acontecimentos mentais . Qualquer progresso desta
natureza tornaria possível calcular em que o estado psi­
cológico de um grupo teria possibilidade de tornar-se,
porque poderíamos investigá-lo muito antes de surgir
como uma suposição básica bàsicamente expressa . Para
mim, isto é importante, porque uma das características
que diferencia o grupo de pacientes dos outros grupos é
a tendência dêle a agir bàsicamente sôbre suposições
básicas .
Graças ao Serviço Nacional de Saúde da Grã-Breta­
nha, os pacientes podem sentir que êles efetivamente tra­
taram de todos os problemas que se originam do ele­
mento financ�iro em suas relações mútuas e com o mé­
dico . Mesmo assim, há ocasiões em que problemas fi­
nanceiros são mencionados, geralmente como se fôssem
assuntos de preocupação doméstica para o indivíduo,
mas, nem por isso, menos suscetíveis de interpretação
como um material a expressar indiretamente algum as­
pecto da vida mental do grupo e do indivíduo nêle . Pro­
ponho, dessa maneira, continuar na esfera do dinheiro
as minhas especulações sôbre o sistema protomental,
vendo se posso empregar êsse conceito de uma maneira
paralela àquela em que j á o utilizei na esfera da doença
·

física .
Foi dito que 'o veículo (meio) de troca pode ser qua­
se tudo, desde que sej a geralmente aceitável' (Clay, 1916,
pág. 1 64) . :aJle não é apenas um meio de troca, mas tam­
bém o padrão de valor . Trabalhos recentes sôbre o di-

98
nheiro primitivo demonstraram que êle não surgiu como
·

· um desenvúlvimento da troca e nem mesmo como uma


parte do comércio . Pelo contrário, o comércio, em sua
procura de um veículo que fôsse geralmente aceitável e
possuísse um valor estabelecido, adotou como sua moeda
de uso aquilo que foi primàriamente uma invenção des­
tinada a facilitar as transações do wergild* e do preço
da noiva . 'Seria extravagante alegar que o "preço da
noiva" e o wergild trouxeram a moeda corrente à exis­
tência, mas certamente estabeleceram padrões de valor
e regularizaram certos meios de troca ( . . . ) ' (Hingston
Quiggin, 1949, págs. 7 e segs. ) . Einzig, discutindo o as­
sunto, diz que possivelmente objetos foram escolhidos
como moeda, porque eram geralmente desejados como
artigo de consumo ou ornamento, mas acrescenta que o
alto grau de aceitabilidade pode ter sido devido a consi­
derações não comerciais, tais como o fato de um objeto
poder ser utilizado para sacrifícios religiosos, pagamen­
tos políticos (multas, tributos, dinheiro de sangue) ou
para dinheiro de noivado (Einzig, págs. 353 e segs. ) .
Tanto o wergild como o preço de noiva podem ser
encarados como compensações feitas a um grupo pela
perda de um de seus membros e, vistos sob esta luz, re­
fletem a supremacia do grupo sôbre o indivíduo, tal
como na sbF . Igualmente, o wergild pode ser encarado
como uma expressão do valor que a comunidade esta­
belece sôbre o indivíduo, de maneira que poderia ser in­
terpretado, em algumas ocasiões, como um aspecto da
sbF e, noutras, como uma expressão da sbD; similar­
mente, o preço de noiva pode ser visto como uma ex­
pressão da sbA . Contudo, não estou interessado, no mo­
mento, em atribuir cada uma das instituições a uma par­
ticular sb - isso seria tarefa da observação clínica -
mas sugerir a possibilidade de que, tal como na discussão
da doença física, pode haver fundamento para arrolar
minhas teorias como um meio de somar conhecimentos

*
wergeld ou wehrgeld ( wergild, no original ) , do alemão W ehr, defesa,
e Geld, dinheiro; no direito germânico e principalmente entre os fran­
cos, a indenização. que o autor de um ato prejudicial pagava à vítima
ou a seus parentes para subtrair-se à sua vingança. (N. do Trad. ) .

99
e compreensão da doença aos conhecimentos já obtení­
veis através da disciplina da medicina física, de maneira
a poder haver base para utilizá-las para acrescentar · co­
nhecimentos da doença dos mecanismos de troca aos
conhecimentos que j á s ão obteníveis através da disci­
plina da economia . Porque se a fonte do valor do di­
nheiro reside não apenas no valor intrínseco e noutras
fontes discutidas por Einzig dos objetos utilizados como ·
dinheiro, mas também nas sbs, deveríamos então espe­
rar que o valor psicológico na sbF fôsse diferente de seu
valor na sbA ou na sbD e ass im por diante . Além disso,
poderíamos esperar que o valor de qualquer moeda cor­
rente flutuasse, através de variações em valor na fonte
de que o dinheiro deriva seu valor psicológico - as su­
posições básicas. Se pudermos determinar clinicamente
a natureza do valor do dinheiro na sbF, na sbD e na sbA,
poderemos remontar à fonte de uma das causas das và­
riações no valor do dinheiro, tal como é usado no co­
mércio .
Ora, uma das vantagens de estudar o dinheiro no
grupo grande é que êste é suscetível de abordagem esta­
tística; é duvidoso se as estatísticas · disponíveis são me­
nos abertas à crítica, com base em falta de sensibili­
dade, do que as estatísticas de doença, mas, contudo,
uma partida tem de ser dada e por alguém que possua
preparação e competência estatística . Entretanto, o va­
lor real do estabelecimento de algum tipo de correlação
entre as flutuações no valor do dinheiro e as alterações
n:::. :; u surgiria se se descobrisse que existe alguma cor­
relação entre as configurações das estatísticas da doen­
ça e das estatísticas qúe mostram as variações no valor
do dinheiro no grupo . Evidentemente, qualquer tenta­
tiva de isolar flutuações em valor devidas a alterações
em valor na fonte psicoló gica do valor monetário, ou
seja, sua origem no wergild e na compra da noiva, de
outras fontes das quais o dinheiro deriva seu valor, po­
dem mostrar ser muito a1llbiciosas, a menos que, segun­
do desconfio, o valor da moeda corrente repouse muito
mais do que se tem imaginado em bases · psicológicas e,
em particular, na suposição básica dominante e no pm .

100
Se se demonstrar que tais correlações existem, po­
dar-se-ia então razoàvelmente presumir que algum in­
dício era fornecido para tomar as suposições básicas
como entidades clínicas e isto, por sua vez, poderia con�
duzir a algum esclarecimento das idéias relativas à na­
tureza do sistema protomental .
Ao discutir a ligação da emoção numa sb, sugeri
que era necessário encarar qualquer sentimento, tal
como a ansiedade, como diferente de acôrdo com a sb
de que fazia parte; semelhantemente, devemos conside­
rar que o valor do dinheiro na sbD, digamos, difere do
seu valor na sbF e, por isso, quero significar que seu
valor difere tanto a respeito da qualidade quanto da
quantidade . O que desej o dizer com isto pode ser per­
cebido se considerarmos a atitude para com o dinheiro
e o valor que é a êle concedido num grupo religioso em
que T é suficientemente forte para convocar a sbD à
plena atividade e compararmos êste valor com o valor
que é concedido ao dinheiro numa nação em guerra,
quando a sbF está em plena atividade . No último ca.su,
o valor do dinheiro acha-se ligado com sua conversibili-­
dade em munições de guerra; no primeiro, com o seu
valor em compensar sentimentos de culpa por depen­
dência além de razoáveis limites de tempo e sôbre ante­
passados mais que humanos pela compra de sentimen­
tos de virtude . Na sbA, o valor pareceria residir em sua
capacidade de facilitar, pela compra de uma noiva ou
dote, a aquisição de uma companheira .
Minhas especulações parecem sugerir que os con­
ceitos de suposições básicas e sistemas protomentais pro­
metem facilitar a investigação em áreas diferentes da­
quelas de que se derivam, mas, antes de agirmos ba­
seados na suposição de que já se acha estabelecido um
caso para posterior investigação, poderá ser bom confe­
rir nossas especulações, trazendo-as para uma relação
mais estreita com os fatos . A dificuldade clamante é
afirmar que a suposição básica é operante num grande
grupo; por exemplo, deveremos dizer que a s b numa
nação em guerra é sbF? E, se assim fôr, será que istO'
vale para tôdas as partes da nação - . para a comu:ni "

!OI
dade agrícola, por exemplo? Se presumirmos que uma
nação em guerra exemplifica a sbF, deveremos presumir
que a nação em questão fornece um campo de estudo
inteligível para os fenômenos associados com aquela
suposição básica? Onde procuraremos as provas estatís­
ticas das flutuações na doença? Que material estatístico
. revelará as variações no valor da moeda e onde, no tem­
po, poderemos esperar encontrar aquelas variações no
valor da moeda ou na incidência de doenças que pode­
ríamos esperar serem correlatas, se correlacionadas são,
à suposição básica de, digamos, agôsto de 1939?
Embora isso possa parecer achar-se muito distante
do estudo do pequeno grupo de pacientes, poderá valer
a pena, enquanto se tenta relacionar estas teorias à his­
tória recente do grupo grande, ver se elas suportam o
teste de aplicação prática a acontecimentos reais, antes
de se tentar o proj eto mais ambicioso que acha envol­
vido em fazer delas o tema de pesquisas estatísticas .

REFER:Ê:NCIAS

CLAY, HENRY ( 19 1 6), Economics for the General Reader; Londres,


Macmil lan.
Uma boa e breve história do dinheiro, do ponto de vista do
economista.
EINZIG, PAUL ( 1 949), Primitive Money, Londres, Eyre & Spottiswood.
Einzig é mais cauteloso que Hingston Quiggin e, embora chegue
substancialmente à mesma conclusão, chama a atenção para as
m uitas fontes de que o dinheiro pode depender para o seu valor;
é um saudável corretivo a qualquer generalização fácil. Fico in­
clinado a pensar que o conceito das suposições básicas pode lan­
çar luz sôbre um assunto cuja complexidade é melhor apresentada
por Einzig que por Hingston Quiggin.
GIBBON, EDWARD ( 1 78 1 ), The Decline and Fali of the Roman Em­
pire, Londres, Methuen, edição de 1909, vol. 11, pág. 373 .
Um estudo histórico das disputas sôbre a natureza e os atributos
da divindade, para esclarecer muitos dos pontos que eu gostaria
de provar sôbre a natureza da sbD, iria longe.
HALLIDAY, J. L. ( 1 948), Psychosocial Medicíne, Nova York, Norton;
Londres, Heinemann, 1949.
HINGSTON QUIGGIN, A. ( 1 949), A Survey of Prímitive Money, Lon­
dres, Methuen.

102
HODGKIN, R. H. ( 1 9 3 5 ) , History of Anglo-Saxons, Londres, Oxford
University Press, vol. 2, pág. 579.
PETIT-DUTAILLIS ( 19 1 1 ) , Studies Supplementary to Stubbs'Con;tili<­
tional History, Manchester University Press, págs. 36-38.
Embora o assunto seja um lugar comum na maioria dos estudos
de história constitucional, há pouco material em qualquer dêles
que seja realmente útil para fornecer confirmação ou refutação de
qualquer tentativa de relacionar o Wergild a uma suposição básica.
TOYNBEE, ARNOLD ( 1 935 ) , A Study of History, Oxford, edição de
1935, vol. I.
A discussão de Toynbee do que constitui um campo inteligi­
vel de estudo na história pode aplicar-se igualmente bem ao estudo
da psicologia do grupo.
WITTKOWER, ERIC ( 1 949 ) , A Psychiatrist Looks at Tuberculosis,
Londres, The National Association for the Prevention of Tuber­
culosis.
�ste estudo fornece amplo material sôbre o qual formar juí­
zos ·experimentais a respeito da validade de minhas teorias sôbre
as filiaç,ões psicológicas da doença.

103
6

Neste artigo, discutirei um ou dois pontos relativos


ao pequeno grupo terapêutico . Consideremos as vicis­
situdes de uma interpretação . Se um psicanalista tivesse
de dirigir um grupo pelo meu método, logo ficaria im­
pressionado por sua aparente futilidade; parece impos­
sível conseguir exatidão através da interpretação, por­
que mesmo quando sua formulação é satisfatória, parece
haver poucas razões para im�.tginar que atinj a seu obje­
tivo . A princípio, numa tentativa para neutralizar o que
pensava ser uma espécie de resistência que os pacientes
estavam alcançando através do uso do grupo, costumava
ser levado a fornecer interpretações individuais, tal
como na psicanálise . Assim procedendo, estava fazendo
aquilo que os pacientes freqüentemente fazem, ou seja,
tentando conseguir um tratamento individual . :!!': ver­
dade que estava tentando consegui-lo como médico, mas,
na realidade, isto pode ser conceituado em têrmos de
uma tentativa de livrar-se da 'maldade' do grupo e, para
o médico, a 'maldade' do grupo é a sua aparente ina­
ct?.�tabilidade como instrumento terapêutico - coisa que
é, como j á vimos, · também a queixa do paciente . Igno­
::::-.dJO aquelas qualidades inerentes do grupo que pare­
cem dar substância à queixa e preferindo, em vez disso,
encarar essa inadaptabilidade colflo função do fracasso
do médico ou do paciente em utilizar o grupo de maneira
terapêutica, podemos ver que o fracasso, no momento
em que o analista cede a seu impulso de dar interpreta­
ções individuais, reside em ser influenciado pela sbD,
em vez de interpretá-la, porque, assim que começo a dar

104
· interpretações supostamente psicanalíticas a urn indi­
víduo, reforço a presunção de que o · grupo consiste ern
pacientes dependentes do médico, o que é a sbD .
Podemos perceber agora o que é que dá origem ao
sentimento de imprecisão, quando se faz interpretações ;
trata-se da percepção de que o grupo é influenciado por
aquêle aspecto da contribuição do médico que incide na
suposição básica e dificilmente pela parte dela que con­
siste na interpretação do comportamento do grupo . Ten­
tando conseguir exatidão de alvo , eu estava na reali­
dade sofrendo, corno todos os rnernbros do grupo sofrem,
pela aversão à qualidade emocional ern rnirn rnesrno e
no grupo que é inerente à filiação ao grupo humano .
Esta qualidade é urna espécie de capacidade de coopera­
ção corn o grupo, rnas proponho, doravante, reservar a
palavra 'cooperação' para o funcionamento consciente ·
ou inconsciente corn o resto do grupo a trabalhar, en­
quanto que para a capacidade de cooperação espontânea
instintiva na suposição básica, urn exemplo da qual é o
que acabamos de discutir, empregarei a palavra 'va­
lência' .

VAL:mNCIA

Quero significar, pelo seu ernprêgo, a presteza do


indivíduo ern entrar ern combinação corn o grupo na ela- .
boração das suposições básicas e ern atuar segundo elas;
se sua capacidade de combinação é grande, falarei de
uma valência elevada; se pequena, de urna valência
baixa . Na minha opinião, êle só pode ter ausencia de
valência se, até onde concerne à função mental, deixar
de ser humano . Embora empregue essa palavra para
descrever fenômenos que são visíveis corno fatos psico- ·
lógicos ou deduzíveis dêles, gostaria tarnbérn de empre­
gá-las para indicar a presteza ern combinar-se ern níveis
que dificilmente podem ser chamados de mentais, rnas
que se caracterizam por um comportamento do ser hu­
mano que é mais análogo ao tropismo nas plantas que
a um comportamento intencional, tal corno se acha irn-

105
plícito numa palavra como 'suposição '. Em resumo, de­
sejaria utilizá-la para acontecimentos que possam pre-:­
cisar surgir no sistema pm .
Quando cedi ao impulso de fornecer interpretações
individuais, minha liderança do grupo era mais uma ex­
pressão de sofrimento que uma iluminação da realidade
externa claramente percebida . Minha contribuição a T
diminuiu, a s bD aumentou e, assim, o componente 'pa­
ciente' em minha contribuição, como um todo, cresceu .
Trato com esta situação, presumindo que todos no
grupo estão sofrendo da mesma maneira e, deixando de
fazer interpretações supostamente psicanalíticas, inter­
preto apenas aquêle aspecto da contribuição do indiví­
duo que mostra que êle, ao tentar, digamos, conseguir
auxílio para o seu problema, está levando o grupo a es­
tabelecer a sbD ou, alternativamente, a mudar para a
sbA ou a s1bF .
Fazendo isso, diminui tanto o componente 'pacien­
te' em minha liderança, como chamei a atenção dos in­
divíduos interessados para o dilema que resulta da filia­
ção ao grupo . Decorrem conseqüências de ambos êstes
fatos, mas, por enquanto, ignoro-as na situação real do
grupo e, nesta descrição, ignoro também as conseqüên­
cias que decorrem da diminuição do componente 'pa­
ciente' em meu comportamento .

O DILEMA DO INDIVíDUO

Concentrando-me naquele aspecto da contribuição


individual que é uma função de sua valência, reduzo o
grupo - com uma rapidez que varia em proporção di­
reta ao grau de refinamento que o grupo atingiu neste
tipo de terapêutica - a buscar refúgio em puerilida­
des e, finalmente, no silêncio .
Não perderei tempo em descrever lugares-comuns de
interpretação, tais como os necessários para ilustrar sen­
timentos de culpa que se originam da idéia de que in­
terpretações de comportamento são realmente expres­
sões de desaprovação ; o argumento que tem de ser de-

106
monstrado é que os indivíduos que experimentam êste
dilema ficam intimidados por êle e estão assim apresen­
tando seu temor das suposições básicas e do papel · que
êles próprios desempenham em sua manutenção; êste
temor acha-se intimamente ligado à sensação de ina­
daptação à vida de grupo que acompanha o aumento
de insight das até então insuspeitadas complexidades da
participação no grupo humano . Demonstro êste dilema
do indivíduo - a intervalos durante os diversos perío­
dos em que outros fenômenos de grupo estão-se apresen­
tando com mais premência - durante todo o decorrer
da existência do grupo . Embora nenhuma mudança se
efetue na situação, os indivíduos tornam-se gradualmen­
te menos oprimidos pela sensação de estarem impalados
por uma ou outra das pontas do dilema e menos impe­
didos de participarem ativamente do grupo . Um resul­
tado interessante da familiaridade crescente do dilema
do indivíduo é a demonstração de que não há maneira
pela qual o indivíduo possa, num grupo 'fazer nada' -
nem mesmo não fazendo nada . Assim, voltamos mais
uma vez, embora chegando a ela de um ângulo diferen­
te, à nossa desconfiança de que todos os membros do
grupo são responsáveis pelo comportamento do grupo
(ver pág. 50) .
Na prática, as coisas não se passam tão fluente­
mente como minha descrição sugere, porque, como in­
diquei, durante semanas e meses de cada vez, outros
aspectos do grupo intrometem-se e exigem atenção senão
por outra razão, pela própria razão de se estarem intro­
metendo e, dessa maneira, prestando-se melhor à de­
monstração . Entre êsses outros fenômenos, encontra-se
a conseqüência que decorre da diminuição do compo­
nente ' paciente' na contribuição do terapeuta e para
isto é que devo agora voltar-me .
Deverão lembrar-se de que os grupos, de tempos em
tempos, alegam que sou eu o paciente e sugerem às
vêzes que me beneficiei com a experiência do grupo .
Um dos elementos que contribui para esta expressão de
suas crenças é a inveja de que eu seja aparentemente
mais apto a transformar minha experiência em bons

1 07
resultados e tornar-me, em virtude disso, aproximado
do 'animal político' de Aristóteles, atingindo assim o
crescimento e o desenvolvimento que são concomitantes
a ser-se um organismo em seu ambiente adequado; tal­
vez eu tipifique o paciente que está obtendo mais do que
sua parte justa de atenção e uma crença dessas é que
faz o grupo escolher outro membro para líder . Seja como
fôr, o nôvo líder é, na minha experiência, sem exceções,
uma caso psiquiátrico rematado . :B:le é · exaltado por
manter o grupo andando, por falar livremente, em suma,
por ser uma grande melhora sôbre mim, numa varie­
dade de maneiras . Embora haja sempre substância nes­
tes comentários apreciativos, nunca se questionou que
o homem ou a mulher elevados pelo grupo constituam
um 'caso' .
. Chegamos então à posição seguinte : o grupo está
empenhado em apoiar, aplacar, acalmar, lisonjear e
submeter-se ao seu membro mais doente, que é agora o
líder; temos de encarar êste desenvolvimento como sen­
do o dual da sbD e, por conseguinte, devemos voltar-nos
para uma outra consideração .

O DUAL DA sbD

O aspecto simples da sbD se apresenta quando todos


os indivíduos do grupo me encaram como uma pessoa
com quem cada um dêles mantém uma relação exclu­
siva . Há pouco contato aberto entre os indivíduos, e to­
dos os fatos que conflitam com a idéia de que eu solu­
ciono todos os problemas do indivíduo e tenho um inte­
rêsse particular no seu bem-estar são negados, não sim­
plesmente de modo verbal, mas por uma espécie de inér­
cia de massa que impossibilita a estimulação por fatos ·
que não sejam apropriados às emoções da s'bD . Entre
tais fatos indesejados encontram-se as interpretações -
sejam elas dadas por mim ou por outra pessoa - que
. conduzam à implicação de que o meu presumido realce
em experiência de grupo é, em si próprio, um assunto a
ser examinado . Quando o grupo não pode mais ignorar
. essas interpretações, êle às vêzes as expulsa para o sis­
tema sbD, tratando�me como um bebê que tem de ser
comprazido · pela indulgência em suas exibições . listo
traz à cena o estado que descrevi como sendo o dual da
forma 'simples' da s bD .- não nutro nem sustento o
grupo, de maneira que êles me nutrem e rne sustentam.
Neste ponto, devo explicar a dificuldade que tenho em
fornecer ao leitor uma idéia das provas em que baseio
minha hipótese . A parte a necessidade de disfarçar su­
ficientemente. incidentes reais, a fim de preservar o ano­
nimato dos indivíduos, fico assim limitado a descrever .
um incidente que corrobora minha teoria . Evidentemen­
te, tenho de apresentar minha hipótese porque vejo os
acontecimentos de uma maneira particular e não há
prova de que a maneira pela qual os vejo seja exata . A
descrição, então, torna-se pouco mais que a repetição
de uma hipótese vestida em têrmos de acontecimentos
concretos . Encontraria algum meio por que pudesse ofe­
recer ao leitor algo mais . convincente e é com êsse fim
que proponho (com que sucesso não sei) buscar descri­
ções efetuadas por outras mãos que não as minhas de
situações que me parecem ser ilustrações dos fenômenos
que as minhas hipóteses pertendem iluminar . Tentarei
extrair exemplos de qualquer tempo e de qualquer lu­
gar; o primeiro dêles será de 'Um Estudo de Histórfa',
de Toynbee ( 1 948, vol. I, págs. 141-144) . Reportando-se
a essa passagem, o leitor poderá formar sua própria opi­
nião e compará-la com acontecimentos que apresento à
luz de minha teoria . Em resumo, Toynbee mostra como
o Egito foi exaurido pela construção das pirâmides, sob
Quefrén e seus sucessores . Aplicando minha teoria, esta
situação seria descrita como um movimento de grupo
destinado a apaziguar o estado de ansiedade do líder do
grupo . A natureza dessa ansiedade não é imediatamen­
te pertinente, mas parece achar-se centrada na morte do
líder e na necessidade de negar sua realidade . Para
meus fins imediatos, o interessante é o desenvolvimento
subseqüente no grupo, ou seja, .a extensão do tratamen­
to recebido pelo faraó a um número sempre crescente
de membros do grupo, de maneira que, como diz Toyn-

109
bee, pessoas inteiramente comuns recebiam o mesmo tra­
tamento que os faraós - tão bom como o dêles, mas a
uma taxa muito mais barata . Dessa maneira, uma mu­
dança na técnica colocou todos os benefícios da psico­
terapia muito exclusiva dos faraós ao alcance de bôlsas
muito modestas . Parece ser que aquêles de nós que bus­
cam encontrar na terapêutica de grupo uma solução dos
problemas econômicos colocados pela psicanálise este­
jam realmente seguindo uma tradição de época muito
respeitável . Esta situação em que um povo inteiro é
exaurido para p rover a um só indivíduo, é o que eu des- .
creveria como sendo o dual da sbD . Podemos ver nela
até que ponto o arrastamento da sbD absorve energias
do grupo que poderiam ter sido dedicadas às suas reali­
dades externas de segurança, não houvesse existido uma
técnica disponível para um manejo mais direto da sbD .
Teremos de examinar êstes assuntos mais de perto
quanto viermos a considerar T e, particularmente, cer­
tas formas especializadas do grupo de trabalho, mas, de
momento, tenho de deixá-las de lado para considerar a
complicação que foi introduzida pela estreita conexão
existente na sbD entre a liderança do grupo e o mem­
bro do grupo mais psiquiàtricamente perturbado . Não
quero tentar nenhuma solução do problema da razão
pela qual o grupo, quando abandonado ao comporta­
mento espontâneo, escolhe como líder, na sbD, seu mem­
bro mais doente . Sempre foi reconhecido que assim é;
tanto mesmo, na realidade, que o grande líder religioso
- e o grupo religioso, por razões evidentes, é um grupo
em que a sbD é ativa e vital - é geralmente conside­
rado como louco ou possuído por um demônio, exata­
mente como se os membros de um grupo com a sbD em ·
ascensão sentissem que se não forem conduzidos por um
louco, então êles é que terão de sê-lo . Na verdade, po­
der-se-ia dizer que, tal como rej eitam qualquer fato que
vá de encontro à crença de que são todos individualmen­
te cuidados pela pessoa ou divindade de quem dependem,
assim rejeitam também todos os fatos que poderiam in­
dicar que o líder ou divindade seja são . A crença na
santidade dos idiotas e de que o gênio é aparentado com

110
a loucura indica esta mesma tendência que tem o grupo
de escolher, quando é deixado sem estruturação, seu
membro mais doente como líder . Talvez isso sej a um re­
conhecimento inconsciente de que o bebê, se não nos
houvéssemos acostumado a associar seu comportamento
com o desenvolvimento físico, é realmente insano e, na
sbD, é tão necessário ter-se alguém que seja dependente
de nós como possuir alguém de quem se dependa .

A ANSIEDADE DO GRUPO DE TRABALHO

O tema imediato, ao qual retornarei mais tarde,


quando vier a tratar pormenorizadamente de T, é que o
grupo que possui mais experiência de tratar com a sbD,
ou seja, o grupo religioso ou clero, sempre trata dêste
problema do líder na sbD como se estivesse mexendo em
dinamite . Faz-se constante e progressivamente a ten­
tativa de assegurar que o líder na s<bD não é uma pes­
soa concreta, sendo tornar o líder um deus a maneira
mais comum pela qual isto é feito e quando, por uina
diversidade de razões, isso mostra não ser ainda sufi­
cientemente imaterial, esforçar-se por torná-lo Deus,
um espírito . A essência da tentativa, em minha opinião,
é impedir o grupo de fazer uma das duas coisas seguin­
tes : (1) efetuar a escolha de um homem real; (2) per­
mitir que a escolha seja feita por meios 'inconstitucio­
nais', isto é, por um ato espontâneo de escolha em que
as emoções não são amainadas pela disciplina nêle en­
volvida, como, por exemplo, a eleição por voto. O clero,
que, como disse, é o grupo T mais experimentado em
tratar com a sbD, esforça-se, com muito raras exceções,
por evitar ambos os pontos, ao mesmo tempo em que
faz algumas concessões à exigência feita pelo grupo de
uma pessoa concreta e real . Mesmo as exceções sugerem
que o clero dá-se bem conta, embora inconscientemente,
do perigo : o profeta Samuel desaprovou o clamor levan­
tado para findar a teocracia israelítica e, quando teve de
ceder, certificou-se de que o líder seria escolhido por mé­
todos que violavam ambos os cânones . Foi uma vingança

111
sutil e bem sucedida e os resultados foram tudo aquilo
que poderia ser desejado como forma .de escolha de um
vencedor psiquiátrico .

A CAUSA DA ANSIEDADE

Mas contra que perigo se esforça o clero por prote­


ger o grupo? Não se trata, admito, simplesmente do pe­
rigo inerente à liderança incompetente; para não dizer
mais nada, a liderança exercida pelos mentalmente per­
turbados não é, de maneira alguma, sempre incompe­
tente; longe disso . Mas, à parte tal fato, espero mostrar
que existem razões muito mais ponderáveis de porque
o clero deve temer .o desenvolvimento espontâneo da
diferença na sbD. Para demonstrá-lo, tenho de retornar
novamente à experiência no pequeno grupo terapêutico.
Em sua procura de um líder, o grupo encontra um
esquizofrênico paranóide ou um histérico malévolo, se
possível; faltando qualquer um dêstes, uma personali"'
dade psicopática com tendências delinqüentes servirá;
faltando ela, o grupo escolherá o deficiente de alto grau
verbalmente fluente . Em ocasião alguma encontrei um
grupo de mais de cinco pessoas que não pudesse forne­
cer um bom espécimen de um dêles.
Uma vez descoberto o líder, o grupü o trata (ou a
trata) com uma certa deferência e o ocasional tempêro
da lisonja - '0 Sr. Fulano sempre mantém a discussão
andando tão bem' - serve para reforçar sua posição
como líder . Há geralmente uma certa tendência para
testar-me em busca de sinais de ciúme; mas esta fase
passa ràpidamente . Um comentário freqüentemente ou­
vido é de que o grupo 'não pode passar sem' a Srta. X .
ou o Sr . Y . , segundo fôr o caso . t:sse comentário tam­
bém é feito a meu respeito . Embora pareça ser bastante
insignificante, trata-se de um assunto ao qual terei de
conceder uma considerável atenção mais tarde .
Quando a liderança do indivíduo interessado está
bem estabelecida aos olhos de todos os membros do gru­
po, surgem as dificuldades . O Rei Saul, as rãs que que-

112
fiam ter uma cegonha por rei na fábula do Esopo, os
faraós, todos êles, em graus variáveis, ilustram aspectos
do grupo em sua nova situação . Como mostrei antes,
o grupo volta-se para mim . Naturalmente, não é apenas
o clero que fica alarmado com esta situação . Sempre
que existe um estado que tenha probabilidade de ativar
a sbD ou de êle próprio ser ativado por ela, há um mêdo
à ditadura (um exemplo recente é o mêdo freqüente­
mente expresso de que o Estado do Bem-Estar possa con­
duzir a uma interferência tirânica com a liberdade) , à
tomada do poder pelos comunistas, pelos burocratas, etc.
Um dos apelos mais comuns nesta situação é pelo re­
tôrno de uma fé em Deus e, na verdade, seria de sur­
preender se no pequeno grupo terapêutico algum mem­
bro não efetuasse exatamente êsse apêlo . l!:le expressa
o desej o de evitar a corporificação concreta da liderança
em um membro real do grupo . Se eu deixar as coisas
se desenvolverem, muitos remédios serão propostos : re­
volta contra o líder escolhido, a reivindicação de que o
tratamento deveria ser acessível a todos · e de que uma
só pessoa não deveria monopolizá-lo, etc . Com efeito,
tôdas as soluções sugeridas são identificáveis como es­
treitamente semelhantes a procedimentos tentados du­
rante o decorrer da história . O que não é tão fácil de
descrever é aquilo contra o que o grupo está procurando
proteger-se .

A OSCILAÇAO EMOCIONAL EM UM GRUPO

Minha conclusão é que a situação deriva-se do es­


tímulo produzido pelo fato de se ter, no nível T do gru­
do terapêutico, líder e psiquiatra unidos numa só pes­
soa . O grupo é compelido a reconhecer que o líder es­
pontâneamente escolhido é seriamente perturbado. Como
mencionei antes, parece ser essencial que, na sbD, o líder
seja 'louco' ou - descrição que o grupo acha mais lison­
jeira para si mesmo e para o indivíduo interessado -
um 'gênio' . Ao mesmo tempo, é compelido a acreditar
que êle é o líder de que depende . Ora, isto só pode ser

1 13
efetuado por uma sene de oscilações de uma op1mao
para outra . Se me recuso a intervir, e testei esta situa­
ção diversas vêzes, deixando-a ir muito longe, até mesmo
longe demais para a segurança, as oscilações se tornam
muito rápidas . E quando, como nesta situação, a dis­
tância a separar as duas crenças é grande - porque é
difícil imaginar duas opiniões mais amplamente sepa­
radas que a crença de que o líder é louco e a crença de
que êle seja a pessoa de quem se depende, em que pode­
mos apoiar-nos para nosso bem-estar - então as oscila­
ções têm de ser tanto rápidas no tempo quanto grandes ·
em amplitude . O resultado é que o grupo não pode mais
conter a situação emocional que, logo após, se espalha
com violência explosiva para outros grupos, até grupos
suficientes serem arrastados para absorver a reação . Na
prática, no grupo pequeno, isto significa um impulso a
queixar-se à autoridade externa, como, por exemplo, es­
crever para o jornal, para um membro do Parlamento
ou para as autoridades da Clínica . O objeto dêste alicia- .
menta de outros grupos não é, como a. princípio ima­
ginei ser, uma vingança sôbre o psiquiatra pelo descon­
fôrto experimentado - embora isso possa existir e da­
nos ao psiquiatra ou ao grupo serem o resultado - . mas
sim trazer para dentro tanto material inerte (sob a for­
ma de estranhos ao grupo, que não partilham da situa­
ção emocional) que o grupo nôvo e muito maior deixe
de vibrar . Não há mais a violenta e desagradável osci­
lação de massa .
obviamente, muita coisa depende da rapidez com
que os outros grupos isolados ou mesmo parte de outro
grupo podem ser introduzidos para absorver a oscila- ·
ção. Se chegarem muito lentamente ou em quantidades
muito pequenas, então as oscilações espalhar-se-ão aos
até então inertes e a situação ficará mais desagradável
do que nunca .
Evidentemente, não é desej ável que tal explosão se
efetue e, na verdade, a não ser por razões de pesquisa,
não é j ustificável deixar que uma reação atinj a um pon­
to em que o grupo não mais consegue conter suas emo­
ções . É necessário que o psiquiatra encontre interpre-

1 14
tações que dêem ao grupo um insight do que está acon­
tecendo; que coloque a sb e o T em contacto .
Interpretações que expõem, em pormenor e no de­
correr de seu desenvolvimento, os fenômenos que des­
crevi aqui em têrnios gerais, parecem-me realizar isso .
O leitor poderá achar divertido ver se pode descobrir
alguma situação que corresponda à descrição que dei
da sbD e de seu dual nos relatórios de atividades de
grupo, semelhantes às que acabei de utilizar, não ape­
nas em obras históricas mas também em relatos con­
temporâneos como narrativas de j ornais . Neste país,
de qualquer modo, os comentários da imprensa sôbre o
chamado Estado de Bem-Estar parecem-me amiúde trair
uma ansiedade de que a sbD, seja em forma simples ou
duaJ, esteja sendo estimulada ou seja, alternativamente,
a fonte da qual o desejo de um Estado de Bem-Estar se
origina . Acrescentaria, contudo, que é muito mais fácil
acreditar que se pode perceber êstes fenômenos em gru­
pos de que se está desligado, do que num pequeno grupo
do qual se participa ativamente . É esta última expe­
riência que é a importante .

REFER:í!:NCIAS

TOYNBEE, ARNOLD ( 1 934 ) , A Study of History, (2.a edição, 1948 ) ,


vol. I, Londres, Oxford University Press.

J15
Na seção anterior, descrevi uma das causas de os­
cilação num grupo . Desejo agora considerar um fenô­
meno que pode conquzir a tal oscilação ou, então, ao
cisma. Em meu quinto artigo, disse que o 'desenvolvi­
mento' era uma função importante do grupo T . É tam­
bém um dos aspectos em que o grupo T difere do grupo
de suposição básica . O grupo T acha-se necessàriamen­
te interessado na realidade e, dessa maneira, pode-se di­
zer que êle possui algumas das características que Freud ·
atribui ao ego, em sua discussão do indivíduo . Uma vez
que o grupo T acha-se interessado na realidade, suas
técnicas, em última análise, tendem a ser científicas . O
tema agora é a resistência que se forma quando o de­
senvolvimento é exigido do grupo ou dos indivíduos que
o compõem .

CISMA

De acôrdo com sua personalidade, o indivíduo adere


a um de dois subgrupos . Um dêles opõe-se a novos avan­
ços e, assim fazendo, apela para a lealdade ao líder de
dependência ou à bíblia do grupo, que, como já vimos
é u m sucedâneo do líder de dependência . Os adeptos
dêste subgrupo apelam para a tradição, para a 'a pala­
vra de deus' (do grupo) ou para alguém que foi trans­
formado em deus grupal com o fim de resistir à mu­
dança . Os membros dêste subgrupo manipulam o líder
de dependência ou substitutos seus que alegam apoiar
de uma maneira tal que a adesão ao grupo não exija

ll6
qualquer sacrifício penoso e, assim, seja popular . Dessa
maneira, a atividade mental se estabiliza num nível que
é cediço, dogmático e indolor . O desenvo:.vimento é in­
terrompido e a estagnação resu:,tante é difundida .
O subgrupo recíproco compõe-se daqueles que
apoiam ostensivamente a idéia nova e êste subgrupo se
põe a campo para alcançar o mesmo fim que o primeiro,
mas de maneira bastante diferente . �le se torna tão exi­
_gente em suas demandas que deixa de efetuar recruta­
mento . Dêste modo, não existe a penosa reunião de ini­
ciados e não iniciados, primitivos e refinados que cons­
titui a essência do conflito de desenvolvimento . Ambos
os grupos atingem assim o mesmo fim e o conflito é
encerrado . Exagerando, para fins de melhor clareza, eu
diria que o primeiro subgrupo possui grande número
de indivíduos não refinados e primitivos, que vêem seu
número crescer constantemeilté, mas que não se desen­
volvem . O outro subgrupo progride, mas numa frente
tão estreita e com . tão poucos recrutas que êle também
evita a penosa reunião da nova idéia e do estado primi­
tivo . O mecanismo igualiza o grau de refinamento nos
indivíduos da comunidade e impede também o conflito
entre o desenvolvimento e o instinto no indivíduo . Fico
a lembrar-me das afirmações de que a sociedade gera
copiosamente seus membros menos cultos ou menos edu­
cados, enquanto que as 'melhores' pessoas permanecem
obstinadamente estéreis .
O cisma, tal como o descrevi aqui numa forma ex­
tremada, deve ser contrastado com aquilo que acontece
quando o grupo tenta acabar com a oscilação pela absor­
ção de grupos externos (Seção 6) : o grupo cismático
tenta solucionar seus problemas pela guerra interna; o
outro, pela externa .

ALGUMAS OUTRAS VISõES DE GRUPOS

Poderá ser útil reunir agora os principais temas do


que já foi dito e efetuar uma comparação com algumas
das muitas outras visões sôbre grupos que foram apre
sentadas .

J l7
O problema da relação do indivíduo com os outros
e com o seu grupo foi discutido desde tempos muitos.
antigos . Platão deu ênfase à função do indivíduo no
grupo, ou seja, à necessidade de o sapateiro aferrar-se à
sua fôrma em prol da vida harmoniosa do grupo. Esta
opinião parece ingênua quando colocada ao lado das
complexidades da psicologia atual, ma.s pode ser esque­
cido que há substância nessa afirmação . Ela pressupõe
que os indivíduos são pessoas racionais e que a consi­
deração preàominante é a limitação imposta pela reali­
dade . Se o indivíduo mantiver-se fiel à sua tarefa , se
cooperar com os outros indivíduos, permitindo-lhes que
cumpram as suas, então tudo estará bem . Em minha
terminologia, isto equivaleria a dizer que se o grupo T
fôsse o único componente da vida mental do grupci, não
haveria dificuldade . Mas o argumento que demonstrei
durante todos êstes artigos é que o grupo T é constan­
temente perturbado por influências oriundas de outros
fenômenos mentais de grupo .
Que isso assim era tornou-se óbvio já em data re­
mota e sentiu-se que a teoria platônica não era satis­
fatória, por não haver resistido à verificação da expe­
riência . Ela foi principalmente criticada por Aristóte­
les . Para nossos fins, porém, acho que não precisaremos
considerar quaisquer avanços até Santo Agostinho pro­
duzir A Cidade de Deus . É significativo que a captura
de Roma por Alarico houvesse produzido uma reação
tão intensa e que o efeito de tal fato sôbre Santo Agos­
tinho fôsse fazê-lo reconsiderar tôda a questão das rela­
ções humanas dentro do Estado . O que êle faz é postu­
lar uma cidade celestial em que as relações entre os in­
divíduos se harmonizam através da relação de cada in­
divíduo com Deus . Ora, esta opinião é muito diferente
da de Platão . Santo Agostinho introduziu uma nova
dimensão . Seus postulados implicam que a descrição
platônica daquilo que chamo de grupo T não é uma
visão suficiente do grupo; o que se precisa é de algo
muito próximo daquilo que quero dizer com sbD . Já des­
crevi como, na sbD, os indivíduos não possuem relacio­
namento uns com os outros, mas cada um se relaciona

I J8
com o líder de dependência . Desde Santo Agostinho
nunca houve nenhum retôrno real à visão clássica, em­
bora, sob alguns aspectos, Hobbes dela se aproxime ao
ignorar a classe de fenômenos de que Santo Agostinho
tentou tratar . Os pensadores liberais das épocas recen­
tes . estiveram dispostos a argumentar que a emoção e a
razão são fàcilmente harmonizáveis, ou seja, em minha
terminologia, que as operações do grupo T podem ser
fàcilmente harmonizadas com as operações do grupo de
suposição básica . Nietzsche parece reagir contra esta
opinião, parecendo sugerir que um grupo só atinge a
vitalidade pela libertação dos impulsos agressivos . Em
minha terminologia, isto significaria que um sentimen­
to de vitalidade só pode ser alcançado pela dominância
da suposição básica, notadamente da sbF . Em minha
experiência de grupos, tôdas estas opiniões parecem ser
expressas de uma forma ou de outra, e até mesmo ga­
nhar uma ascendência temporária em ação . Mas, do
que já disse nestes artigos, deverá ter sido compreendido
que não considero que qualquer delas, na prática, pro­
porcione alguma solução duradoura . Em todos os casos,
como espero poder demonstrar, as reações grupais são
infinitamente mais complexas do que as teorias anterio­
res sugerem, mesmo em todo o seu desdobramento .
Freud des;tprovou expressamente qualquer coisa que não
fôsse um estudo superficial do problema grupal (Psico­
logia de Grupo e a Análise do Ego) , baseando suas obser­
vações principalmente numa crítica, derivada da psica­
nálise, do trabalho feito por outros ( Totem e Tabu, 1950,
pág. 75, nota de rodapé 1 ) .
Em sua Psicologia de Grupo e a AnáliS'e do Ego,
Freud abre a discussão apontando que a psicologia indi­
vidual e a psicologia de grupo não podem de modo al­
gum ser diferenciadas, porque a psicologia do indivíduo
é, ela própria, uma função de sua relação com outra
pessoa ou objeto . Objeta êle (pág. 3 ) que é difícil atri­
buir ao fator numérico uma significação tão grande a
ponto de torná-lo capaz de, por si próprio, introduzir
na vida mental um nôvo instinto que, doutra maneira,
não seria colocado em j ôgo . Em minha opinião, nenhum

119
instinto nôvo é colocado em j ôgo, pois êle está sempre
em jôgo . O único sentido ern reunir um grupo de pes­
soas é que isso nos permite ver exatamente como ope­
ram as características 'políticas' do corpo humano . Já
disse que não considero necessário que um grupo de pes­
soas seja reunido; o individuo não pode deixar de ser
membro de um grupo, mesmo se sua filiação a êle con­
siste em comportar-se de maneira a conceder realidade
à idéia de que não pertence a grupo algum . A êste res­
peito, a situação psicanalítica não é uma 'psicologia in­
dividual' mas sim uma 'psicologia do par' . O indivíduo
é um animal de grupo, em guerra não apenas com o
grupo, mas também consigo próprio, por ser um anima l
de grupo, e com aquêles aspectos de sua personalidade
que constituem sua 'grupalidade' .
É necessário ao gJ;upo reunir-se numa sala, porque
as condições para estudo só podem ser proporcionadas
por essa maneira . Freud e outros d e quem cita, tais
como McDougall e Le Bon, parecem-me considerar que
a psicologia de grupo é algo que passa a existir quando
há um certo número de pessoas reunidas no mesmo
lugar e ao mesmo tempo e, a respeito, concordo com o
protesto formulado por Freud de que, por isso, uma
significação grande demais é atribuída ao número, mas
penso estar êle equivocado ao dizer que a solução só pode
ser buscada em uma ou outra das duas alternativas se­
guintes :

1 ) a possibilidade de que o instinto social não seja


primitivo, ou
2) que seu desenvolvimento comece por uma ma­
neira semelhante à da família .

Há uma terceira . Eu diria que a importância do


grupo r eal é semelhante à importância do analista e do
analisado; para um analisando , é necessário ir até o
psicanalista, a fim de que a relação de transferência
possa ser tornada demonstrável . Da mesma maneira, é
importante que o grupo se reúna, a fim de que as ca­
I-acterísticas do grupo e do indivíduo nêle sejam de-

J..2 0
monstráveis . Não ligo importância intrínseca à reunião
do grupo . É importante que o grupo se reúna de ma­
neira bastante cerrada para eu poder dar uma interpre­
tação sem ter de gritá-la . Isto significa que seu núme­
ro deve ser limitado . O grau de dispersão do grupo deve
igualmente ser limitado porque desej o que todos os in­
divíduos tenham oportunidade de testemunhar a evi­
dência em que baseio minha interpretação . Pela mesma
razão, os indivíduos devem também reunir.:se à mesma
hora . Ora, esta congregação do grupo num lugar deter­
minado e num tempo determinado é evidentemente mui­
to importante pelas razões puramente mecânicas que
forneci, mas não tem qualquer significação na produ­
ção dos fenômenos de grupo. A idéia de que tem origi­
na-se da impressão errônea de que uma coisa deva ne­
cessàriamente começar no momento em que sua exis­
tência se torna demonstrável . O argumento que dese­
jo prova:r; é que nenhum indivíduo, por mais isolado
que esteja no tempo e no espaço, pode ser encarado
como exterior a um grupo ou que lhe faltem ma­
nifestações ativas de psicologia de grupo, embora
não existam condições que tornem possível demons­
trá-lo . A aceitação da idéia de que o ser humano é um
animal de grupo solucionaria as dificuldades que se
sente existir no aparente paradoxo de ser um grupo mais
do que a soma de seus membros . A explicação de certos
fenômenos deve ser buscada na matriz do grupo e não
nos indivíduos que vão constituí-lo . A marcação do
tempo não é função de qualquer parte isolada do meca­
nismo de um relógio, mas, apesar disso, tal marcação é
uma função do relógio e das diversas partes dêste, quan­
do colocadas em combinação umas com as outras .
Não há mais necessidade de ficar-se desconcertado
pela impressão de ser um grupo algo mais que a soma
de seus membros do que se ficaria pela idéia de ser um
relógio mais que uma reunião das partes que são ne­
cessárias para fabricar um relógio .
Resumindo, existem características no indivíduo
cuja significação real não pode ser entendida, a menos
que se compreenda que constituem partes de seu equi-

121
pamento como animal de horda e seu funcionamento
não pode ser percebido a menos que seja procurado no
campo inteligível de estudo, o qual, neste caso, é o gru­
po . Não podemos compreender um recluso que viva em
isolamento, a menos que nos informemos sôbre o grupo
do qual êle é membro . Argumentar que em tal caso
·

não se está tratando com um grupo é apenas mostrar-se


ingênuamente não-perceptivo . É por esta razão que não
gosto da nomenclatura de relações bipessoais, tripessoais,
utilizada por Rickman . Acho que tais têrmos prestam-se
a uma interpretação demasiadamente ingênua . O re­
cluso, em minha opinião, não é tornado mais compreen­
sível por ser encarado como parte de uma situação
bipessoal, somente porque êle e o observador parecem
estar geogràficamente juntos, e a sós . Eu desejaria sa­
ber se o recluso e o observador foram membros do mes­
mo grupo e, se não, de que grupos o foram . Tampouco
fk:1ria de modo algum impressionado pelo fato de ne­
nhum outro 'corpo' achar-se visível . Poderia tornar mi­
nha posição ainda mais clara se dissesse que êste ar­
gumento contribui para minhas objeções ao estudo psi­
canalítico de caracteres históricos . · Os efeitos de quais­
quer erros que possam existir na psicanálise, devido ao
negligenciamento dos fenômenos de grupo, têm possibi­
lidades de serem moderados pelo fato de analista e ana­
lisando possuírem muitas tensões grupais em comum .
Um analista, hoje, mesmo se se der conta · da importân­
cia do conhecimento das circunstâncias da pessoa que
está estudando, não tem possibilidades de sentir a situa­
ção em que um personagem histórico viveu e movimen­
tou-se da mesma maneira pela qual um analista pode
sentir a situação em que seu paciente vive .
Parece-me que Freud, em sua discussão dos grupos,
deixa, de certa maneira, de perceber a natureza da re­
volução que êle próprio causou quando procurou a ex­
plicação dos sintomas neuróticos, não no indivíduo, mas
na relação do indivíduo com os objetos . O importante
no exame num grupo é que êle altera o campo de estudo
para incluir fenômenos que não podem ser estudados
fora do grupo . Fora do grupo, como campo de estudo,

122
sua atividade não é manifesta. O grupo, no sentido de
uma reunião de pessoas dentro de uma sala, não acres­
centa nada ao indivíduo ou ao conjunto de indivíduos,
mas simplesmente revela algo que não é visível d e outra
maneira .
Noutras palavras, a aparente diferença entre psico­
logia de grupo e psicologia individual é uma ilusão pro­
duzida pelo fato de o grupo fornecer um campo inte­
ligível de estudo para certos aspectos da psicologia in­
dividual e, assim fazendo, colocar em evidência fenôme­
nos que parecem estranhos a um observador desacostu­
mado a utilizar o grupo . Freud não me parece afirmar
em parte alguma que suas opiniões sôbre o grupo sejam
derivadas de um estudo do animismo : êle declara que
sua contribuição é visível apenas em sua seleção de ma­
teriais e opiniões (presumivelmente das obras básicas
que cita, Totem e Tabu, pág. 75, nota 1 ) . As explicações
do comportamento de grupo parecem derivar-se, por
dedução, da situação psicanalítica . Por esta razão, é
possível que a descrição freudiana do grupo e, mais ain­
da, a de Le Bon, que Freud cita com certa aprovação,
pareçam-me um tanto estranhas, quando as comparo
com minhas experiências reais num grupo . Por exem­
plo, quando Freud cita Le Bon ao dizer que 'Os grupos
nunca têm sêde da verdade . Pedem ilusões e não podem
passar sem elas' (Freud, 1921) , não me é possível con­
cordar com essa descrição . Como indiquei no início desta
parte, atribuo grande fôrça e influência ao grupo de tra­
balho, que, através de sua preocupação com a realidade,
é compelido a empregar os métodos da ciência, por ru­
dimentar que seja a forma , que utiliza . Penso que uma
das coisas notáveis a respeito de um grupo é o fato de
a longo prazo ser o grupo T que triunfa, a de�peito da
influência das suposições básicas . O próprio Freuci pa­
rece não considerar - principalmente quando discute o
papel que o grupo desempenha na produção da lingua­
gem, canções populares, folclore, etc . - que a descri­
ção de Le Bon é injusta para com o grupo . Quando
Freud critica as opiniões de McDougall sôbre o grupo
altamente organizado, indica que McDougall considera

123
que as condições de organização afastam 'as desvanta­
gens psicológicas da formação do grupo' . Isto se apro­
xima muito de minha opinião sôbre o grupo especializa­
do de trabalho, a ter como função o manejo da suposi­
ção básica, a fim de impedi-la de entravar o grupo de
trabalho . Freud prefere descrever o problema como con­
sistente em conseguir para o grupo 'precisamente aquê­
les aspectos que foram característicos do indivíduo e que
nêle se extinguiram pela formação do grupo' . Postula
êle um indivíduo fora do grupo primitivo, que possui
sua própria continuidade, sua consciência de si mesmo,
suas tradições e costumes, suas próprias funções e po­
sições particulares . Diz que devido ao seu ingresso num
grupo 'não organizado', o indivíduo perdeu sua quali­
dade distintiva por algum tempo . Em minha opinião, a
luta do indivíduo para preservar sua qualidade distin­
tiva assume características diferentes, de acôrdo com o
estado de espírito do grupo em qualquer momento dado.
A organização de grupo deve dar estabilidade e perma­
nência ao grupo de trabalho, que se sente ser muito mais
fàcilmente submergido pelas suposições básicas se o gru­
po fôr desorganizado . A distintividade indiviQ.ual não
faz parte da vida de um grupo a atuar segundo as supo­
sições básicas . A organização e a estrutura são as armas
do grupo T. São o produto da cooperação entre os mem­
bros do grupo, e seu efeito, uma vez estabelecido no gru­
po, é exigir ainda mais cooperação dos indivíduos no
grupo . A êste respeito, o grupo organizado de McDou­
gall é sempre um grupo de trabalho e nunca um grupo
de suposição básica . Um grupo que age segundo uma
suposição básica não necessita de organização nem de
cooperação . A contrapartida da cooperação no grupo
d e suposição básica é aquilo que chamei de valência -
uma função espontânea e inconsciente da qualidade gre­
gária na personalidade do homem . É apenas quando um
grupo começa a agir segundo uma suposição básica que
as dificuldades surgem . A ação, inevitàvelmente, signi­
fica um contato com a realidade e o contato com a reali­
dade obriga ao respeito pela verdade, impondo dessa

124
maneira o método científico e, daí, a evocação do grupo
de trabalho .
Podemos voltar a considerar ainda mais o grupo es­
pecializado de trabalho . Como sugeri, Freud encontra­
va-se em situação desvantajosa por ter de deduzir si­
tuações de grupo de seu estudo da transferência . Pelas
razões que forneci, a transferência tem possibilidades
de ser colorida por características de grupo que se deri­
vam da sbA, isto é, se considerarmos fenômenos de gru­
po que têm possibilidades de serem ativados pelo estímu­
lo da situação de par que realmente existe na psicaná­
lise . Na verdade, é na situação de grupo que mais fàcil­
mente podemos encontrar a fonte, tanto da proeminên­
cia dos elementos sexuais na psicanálise, quanto das .
suspeitas e acusações dos opositores de Freud de ser 'se­
xual' a psicanálise . As conseqüências imediatas para
sua discussão dos grupos foi que êle pôde deduzir da
psicanálise algumas das características de dois grupos
especializados de trabalho, o Exército e a Igreja, mas
não foi conduzido a uma discussão do grupo especiali­
zado de trabalho que mais possibilidades tinha de ter de
tratar com a sbA . O subgrupo de uma sociedade que
mais probabilidades tem de tratar com manifestações da ·
sbA é o subgrupo que dá mais importância à procriação,
ou seja, a aristocracia . Se as características do grupo
de trabalho tivessem de desempenhar um papel domi­
nante, elas se manifestariam por meio de alguma ati­
vidade parecida com o subsídio de pesquisas genéticas .
Tal como é, não podemos encarar o interêsse demons­
trado na procriação como possuindo a aura científica
que deveria ser patognomônica do grupo de trabalho. A
razão, naturalmente, é que êle não trata simplesmente
do problema do grupo de trabalho, mas trata-se de um
subgrupo especializado expelido (split off) para tratar
com a sbA, aproximadamente da mesma maneira pela
qual o Exército e a Igreja têm de tratar com a sbF e
com a sbD, respectivamente . Por esta razão, não é pro­
vável que a relação dêste subgrupo com o grupo prin­
cipal seja determinada pela precisão científica com que
conduz seus assuntos amorosos segundo princípios estri-

125
tamente genéticos, mas sim pela eficiência com que sa­
tisfaz a exigência feita pelo grupo de que a s bA seja tra­
tada de maneira a não entravar as funções T do grupo ·

como um todo .
Ora, j á declarei que na sbD a ansiedade origina-se
do sentimento de que tanto o grupo quanto o indivíduo
são subservientes ao gênio futuro . A função da aristo­
cracia é, às vêzes, encontrar um escoadouro para a ati­
vidade baseada na suposição do grupo de acasalamento,
sem ofender o sentido de realidade do grupo e, outras
vêzes, impedir que o sentido de realidade do grupo so­
lape as instituições de cuja preservação o grupo depende
para o fornecimento de um veículo inofensivo para uma
expressão da sbA .

REFEF.:S:NCIAS

FREUD, S. ( 19 1 3 ) , Totem and Taboo, trad. de J. Strachey, Londres,


Hogarth, 1950.
FREUD, S. ( 1 92 1 ) , Group Psychology and the Analysi.Y of the Ego,
Londres, Hogarth, 1922, Obras Completas, vol. 18.

126
REVISÃO
Dinâmica de Grupo

Utilizando sua experiência psicanalítica, Freud1 ten­


tou iluminar algumas das obscuridades reveladas por
Le Bon, McDougall e outros em seus estudos do grupo
humano . Proponho discutir o procedimento dos mo­
dernos desenvolvimentos da psicanálise, particularmen­
te os associados com a obra de Melaine Klein, sôbre os
mesmos problemas ; sua obra mostra que no próprio
início da vida o indivíduo se encontra em contato com o
seio e, por rápida extensão da consciência primitiva,
com o grupo familiar . Além disso, demonstrou que a
natureza dêste contato apresenta qualidades peculiares
a ela própria, as quais são de profunda significação,
tanto no desenvolvimento do indivíduo, quanto para
uma compreensão mais plena dos mecanismos já de­
monstrados pelo gênio intuitivo de Freud .
Espero demonstrar que, em seu contato com as com­
plexidades da vida num grupo, o adulto lança mão, no
que pode ser uma regressão · maciça, de mecanismos des­
critos por Melaine Klein ( 19 3 1 , 1946) como típicos das
primeiras fases da vida mental . O adulto tem de estabe­
lecer contato com a vida emocional do grupo em que
vive; esta tarefa pareceria ao adulto tão formidável
quanto a relação com o seio parece ser à criança, e o
fracasso em atender às exigências dessa tarefa é reve­
lado em sua regressão . A crença de que existe um grupo,
distinto de uma reunião de indivíduos, faz parte essen­
cial dessa regressão, bem como as características com

1 Principalmente em Totem e Tabu ( 1 9 1 3 ) e Psicologia de Grupo e


a Análise do Ego ( 1 921 ) .

129
que o suposto grupo é dotado pelo indivíduo . É dada
substância à fantasia de que o grupo existe pelo fato
de a regressão envolver o indivíduo numa perda de sua
'distintividade individual' (Freud, 1921, pág. 9) , indis­
tinguível da despersonalização, e, dessa maneira, obscure­
cer a observação de que a reunião é composta de indi­
víduos . Decorre disso que se o observador julga um gru­
po como em existência, os indivíduos que o compõem
devem haver experimentado essa regressão . Inversamen­
te, se os indivíduos que compõem um 'grupo' (utilizando
essa palavra para significar uma agrega<;ão de indiví­
duos, todos no mesmo estado de regressão) , por uma
razão ou outra, ficam ameaçados pela consciência de
sua distintividade individual, então o grupo se encontra
no estado emocional conhecido como pânico . Isto não
significa que o grupo está-se desintegrando e ver-se-á
mais tarde que não concordo que, no pânico, o grupo
perca o seu caráter coesivo .
Neste trabalho, resumirei certas teorias a que che­
guei pela aplicação a grupos das intuições desenvolvidas
pelo treinamento psicanalítico atual . Estas teorias di­
ferem de muitas outras, tanto em méritos quanto em
defeitos, por serem deduzidas nas situações de tensão
emocional que elas pretendem descrever . Introduzo al­
guns conceitos novos à psicanálise, em parte por tratar
de u m assunto diferente e em parte porque desej o ver
se um comêço não perturbado por teorias anteriores po­
derá conduzir a um ponto em que minhas opiniões sôbre
o grupo e as opiniões psicanalíticas sôbre o indivíduo
poderão ser comparadas e, por isso, j ulgadas comple­
mentares ou divergentes .
Há ocasiões em que penso que o grupo tem uma
atitude em relação a mim e que posso enunciar em pa­
lavras qual seja essa atitude ; há outras em que outro in­
divíduo atua como se êle também pensasse que o grupo
tem uma atitude a seu respeito e acredito que posso de­
duzir qual é a sua crença; há, por fim, ocasiões em que
penso que o grupo tem uma atitude em relação a um
indivíduo e que posso dizer qual seja ela . Estas ocasiões
fornecem a matéria-prima sôbre a qual as interpretações

130
se baseiam, mas a própria interpretação é uma tentati­
va de traduzir em têrmos precisos o que suponho ser a
atitude do grupo para comigo ou para com algum outro
indivíduo ou do indivíduo para com o grupo . Apenas
algumas dessas ocasiões são 1:1tilizadas por mim; consi- ·

dero a ocasião como madura para uma interpretação


quando esta parece ser tanto óbvia quanto inobservada.
Os grupos em que tenho tentado desempenhar êsse
papel atravessam uma série de complexos episódios emo­
cionais que permitem a dedução de teorias de dinâmica
de grupo que achei úteis, tanto no esclarecimento do que
está acontecendo, quanto na exposição dos núcleos de
novos desenvolvimentos . O que se segue é um resumo
dessas teorias .

O GRUPO DE TRABALHO

Em qualquer grupo podem ser discernidas tendên­


cias de atividade mental . Todo grupo, por casual que
seja, encontra-se para 'fazer' algo; nesta atividade, de
acôrdo com as capacidades do indivíduo, êles cooperam.
A cooperação é voluntária e depende, em certo grau, da
habilidade refinada do indivíduo . A participação nesta
atividade só é possível a indivíduos com anos de treina­
mento e uma capacidade de experiência que lhes permi­
tiu desenvolver-se mentalmente . Uma vez que esta ati­
vidade acha-se ligada a uma tarefa, ela se encontra re­
lacionada com a realidade, seus métodos são racionais
e, dessa maneira, embora em forma embriônica, é cien­
tífica . Suas características são semelhantes àquelas atri­
buídas por Freud ( 1 9 1 1 ) ao ego . Chamei de Grupo de
Trabalho esta facêta da atividade mental num grupo .
O têrmo abrange apenas a atividade mental de um tipo
particular, não as pessoas que se entregam a ela .
Quando os pacientes se encontram para uma sessão
de terapêutica de grupo, pode-se sempre observar que
uma certa atividade mental é dirigida à solução dos pro­
blemas para os quais os indivíduos buscam ajuda . A se-

131
guir, um exemplo de uma fase passageira num grupo
assim :
Seis pacientes e eu estamos sentados em volta de
uma sala pequena . A Srta. A. sugere que seria uma boa
idéia os membros concordarem em chamar -se por seus
nomes de batismo . 1 Há um certo alívio de que um tópico
de conversa tenha sido mencionado, olhares são troca­
dos e um esbôço de animação sintética torna-se momen­
tâneamente visível . O Sr . B . arrisca que isso seria uma
boa idéia e o Sr . C . diz que 'tornaria as coisas mais
amistosas' . A Srta. A. é incentivada a divulgar seu nome,
mas a Srta. D . antecipa-se a ela, dizendo não gostar de
seu primeiro nome e preferir que êle não seja conhecido.
O Sr . E . sugere pseudônimos; a Srta. F . examina as
unhas da mão . Passados alguns minutos da· sugestão da
Srta. A . , a discussão definhou e seu lugar foi ocupado
por olhares furtivos, dos quais um número crescente é
dirigido na minha direç ão . O Sr . B . desperta para di­
zer que temos de chamar-nos mutuamente de algo . o
estado de espírito é agora um misto de ansiedade e frus­
tração crescentes . Muito antes de ser mencionado, é cla­
ro que meu nome tornou-se uma preocupação para o
grupo . Abandonado a seus próprios artifícios, o grupo
promete passar à apatia e ao silêncio .
Para meus fins atuais, apresentarei os aspectos do
episódio que ilus tr em meu emprêgo ela expressão 'grupo
de trabalho' . No próprio grupo, também poderia fazer
o mesmo, mas isso dependeria de minha avaliação da
significação do episódio no contexto da vida mental do
grupo, até onde ela havia então surgido . Em primeiro
lugar, é claro que se sete pessoas terão de conversar
j untas, será útil para o debate haver nomes disponíveis .
Até onde a discussão surgiu através da consciência dêsse
fato, ela é um produto da atividade d.o grupo de traba­
lho . Mas o grupo foi mais longe que a proposição de
flar um passo que seria útil em qualquer grupo, qual­
quer que seja a sua tarefa . Fêz-se a proposta de os no­
mes de batismo serem usados porque isso contribuiria

1 Ver também a discussão do tabu sôbre nomes em Totem e Tabu


(Freud, 19 13, pág. 54) .

1 32
para a amistosidade . No grupo de que estou falando,
seria exato dizer que a produção de amistosidade era
encarada como estritamente pertinente às necessidades
terapêuticas . No ponto de sua história de que o exem­
plo foi tirado, seria também verdadeiro dizer que tanto
a objeção da Srta. D . , quanto a solução proposta pelo
Sr . E . , seriam encaradas como ditadas pela necessidade
terapêutica ; e de fato, indiquei que as sugestões ajusta­
vam-se numa teoria, ainda não explicitamente afirmaw
da, de que nossas doenças seriam curadas se o grupo
pudesse ser conduzido de maneira que sàmente e'tnoções
agradáveis fôssem experimentadas . Ver-se-á que a de­
monstração da função do grupo de trabalho deve incluir :
o desenvolvimento de pensamento projetado para ser
traduzido em ação; a teoria (neste exemplo, a necessida­
de de amistosidade) em que se baseia; a crença na mo­
dificação ambiental como em si própria suficiente para
a cura, sem qualquer mudança correspondente no in··
divíduo e, finalmente, uma demonstração do tipo de fato
que se acredita ser 'real' .
No exemplo que forneci, aconteceu que pude subse­
qüentemente demonstrar que a função do grupo de tra­
balho, embora eu não o chamasse assim, baseada na
idéia de que a cura podia ser obtida de um grupo em
que apenas sentimentos agradáveis fôssem experimen­
tados, não pare<;ia haver produzido a cura esperada e,
na verdade, estava sendo obstruída por um certo tipo
de dificuldade em conseguir uma tradução limitada no
ato aparentemente simples de designar nomes . Antes
de passar à discussão da natureza das obstruções à ati­
vidade do grupo de trabalho, mencionarei aqui uma di­
ficuldade que j á deve ser evidente na exposição de mi­
nhas teorias . Para mim, descrever um episódio de grupo,
tal como o que estive discutindo, e, depois, tentar dêle
a dedução de teorias, destina-se apenas a dizer que pos­
suo uma teoria de que aconteceu isso e aquilo e que só
posso enunciá-la de nôvo numa linguagem diferente . A
única maneira pela qual o leitor pode livrar-se do dile­
ma é procurando lembrar-se de alguma comissão ou de
outra reunião de que tenha participado e considerar até

133
que ponto pode recordar-se de exemplos que possam
apontar para a existência do que chamo função do gru­
po de trabalho, sem esquecer a estrutura administrativa
real, com presidente e tudo o mais, como material a ser
incluído em sua rememoração .

AS SUPOSIÇõES BASICAS

As interpretações em têrmo de atividade de grupo


de trabalho deixam muita coisa sem ser dita : seria o
uso sugerido de pseudônimos motivado apenas com vis­
tas a atender as exigências da realidade? Os olhares
furtivos, a preocupação com o modo correto de dirigir-se
ao analista, que se tornam inteiramente claros subse­
qüentemente, não podem ser proveitosamente interpre­
tados como relacionados com a função do grupo de tra­
balho .
A atividade do grupo de trabalho é obstruída,
desviada e ocasionalmente aj udada por certas outras ati­
vidades mentais que possuem em comum o atributo de
poderosos impulsos emocionais . Estas atividades, à pri­
meira vista caóticas, recebem uma certa coesão se se
presumir que se originam de suposições básicas comuns
a todo o grupo . No exemplo que dei, foi fácil reconhecer
que uma das suposições comuns a todo o grupo era a
de que se haviam reunido para receber de mim alguma
\.forma de tratamento . Mas a exploração desta idéia como
parte da função do grupo de trabalho demonstrou que
existem idéias investidas de realidade por fôrça da emo­
ção a elas ligada, as quais não se acham em conformi­
dade mesmo com a expectativa um tanto ingênua cons­
cientemente cultivada pelos membros menos refinados .
Ademais, mesmo indivíduos refinados (um dos membros,
por exemplo, era formado em ciências) mostraram por
seu comportamento que partilhavam dessas idéias .
A primeira suposição é a de que o grupo se reúne
a fim de ser sustentado por um líder de quem depende
para nutrição, tanto material quanto espiritual, e pro­
teção . Assim enunciada, a primeira suposição básica

134
poderia ser encarada como mna repetição de minha
observação acima, isto é, de que· o grupo s,upunha que
'se haviam reunido para receber de min1 alguma for:.na
de tratamento', sàm�nte diferindo dela por se achar
enunciada em têrmos metafóricos . Mas o ponto essen­
cial é que a suposição básica só pode ser compreendida
se as palavras em que a enunciei são tomadas como lite­
rais e não metafóricas .
Temos aqui a descrição de um grupo terapêutico em
que a suposição de dependência, como a chamarei,
acha-se em ação: .
Três mulheres e dois homens estava1n presentes. O
grupo havia, numa ocasião anterior, mostrado sinais de
uma função de grupo de trabalho dirigida para a cura
da incapacidade de seus membros; nesta ocasião, po­
der-se-ia supor haverem êles reagido a isso com deses­
pêro, colocando tôda a sua confiança em mim· para pôr
em ordem suas dificuldades, ao mesmo tempo em que
se contentavam individualmente em fazer perguntas a
que eu deveria fornecer as respostas. Uma das mulhe­
res havia trazido um pouco de chocolate, do qual timi­
damente convidou sua vizinha da direita, outra mulher,
a participar. Um dos homens estava comendo um san­
duíche. Um graduado em filosofia, que em sessões ante­
riores dissera ao grupo não acreditar em Deus e não
possuir religião, ficou sentado em siiêncio, como, na ver­
dade, freqüentemente fazia, até que uma das mulheres,
com um toque de aspereza no tom de voz, observou que
êle não havia feito perguntas. :Ele respondeu: 'Não pre­
ciso falar porque sei que tenho de vir aqui bastante tem­
po e tôdas as minhas 'perguntas serão respondidas sem
ter que fazer coisa alguma'.
Eu disse então que me havia tornado uma espécie
de divindade do grupo; que as perguntas me eram diri­
gidas como a alguém que soubesse as respostas sem ne­
cessidade de precisar valer-se de trabalho, que o ato de
comer fazia parte de uma manipulação do grupo desti­
nada a dar substância a uma crença que desejavam pre­
servar a meu respeito e que a resposta do filósofo indi­
cava uma descrença na eficácia da oração, mas parecia,

135
sob outros aspectos, desmentir afirmações anteriores que
fizera, a respeito de sua falta de fé em Deus . Quando
comecei minha interpretação achava-me não apenas con­
victo de sua veracidade, mas também não sentia dúvidas
de poder convencer os outros pelo confronto com a massa
de material (da qual sàmente posso transmitir um pou­
co neste relato impresso) . Na ocasião em que terminei
de falar, senti haver cometido algum tipo de gafe; acha­
va-me cercado por olhares inexpressivos e as provas ha­
viam desaparecido . Após certo tempo, o homem, que
havia terminado seu sanduíche e colocado o papel cui­
dadosamente dobrado no bolso, olhou em volta da sala,
as sobrancelhas ligeiramente levantadas, com interroga­
ção no olhar . Uma mulher olhou tensamente para mim,
enquanto que outra, com as mãos j untas, mirava me­
ditativamente o chão . Começou a solidificar-se em mim
a convicção <le que fôra culpado de blasfêmia num grupo
de verdadeiros fiéis . O segundo homem, com o braço
pendido sôbre as costas de sua cadeira, brincava com os
dedos . A mulher que estava comendo engoliu apressada­
mente o resto de seu chocolate . Int'erpretei então que
me havia tornado uma pessoa muito ruim, a lançar dú­
vidas sôbre a divindade do grupo, mas que isto fôra se­
guido por um aumento de ansiedade e culpa quando o
grupo fracassou em dissociar-se da impiedade .
Neste relatd, demorei-me sôbre minhas próprias rea­
ções no grupo por uma razão que espero poder tornar
mais evidente posteriormente . Pode ser justamente ar­
gumentado que interpretações para as quais as provas
mais fortes residem, não nos fatos observados no grupo,
mas nas reações subj etivas do analista, têm mais pro­
babilidades de encontrar sua explicação na psicopatolo­
gia do analista que na dinâmica do grupo . É uma crí­
tica j usta, uma crítica que terá de ser enfrentada por
anos de trabalho cuidadoso, por mais de um analista,
mas, exatamente por essa razão, deixá-la-ei de lado ago­
ra e passarei a enunciar uma asserção que defenderei
durante todo êste trabalho . É ela a seguinte : no trata­
mento de grupo, muitas inte.rpretações - e,- entre�_elas,
..

as mais importantes - têm de ser feitas fiando-se nas

136
próprias reações emocionais do analista. Acredito que
estas reações dependem do fato de o analista no grupo
encontrar-se na extremidade receptora daquilo que Me­
lanie Klein (1946) chamou de identificação projetiva e
que ê.sse mecanismo desempenha um papel muito im­
portante nos grupos. Ora, a experiência da contratrans­
ferência me parece possuir uma qualidade inteiramente
distinta, que permite ao analista diferenciar a ocasião
em que é objeto de uma identificação projetiva daquela
em que não o é. O analista sente que está sendo mani­
pulado de maneira a desempenhar um papel, por difícil
de identificar que êste seja, na fantasia de outrem ou
. que o seria se não fôsse por aquilo que, rememorando,
só posso chamar de uma perda temporária de insigh:t,
uma sensação de experimentar sentimentos intensos e,
ao mesmo tempo, a crença de que a existência dêstes é
inteira e apropriadamente justificada pela situação obje­
tiva, sem recorrer a explicações recônditas de sua cau­
sação. Do ponto de vista do analista, a experiência con­
siste em duas fases estreitamente relacionadas: na pri­
meira, existe a impressão de que, seja o que fôr que se
tenha feito, não se deu certamente uma interpretação
correta; na segunda, há uma sensação de ser-se um tipo
especial de pessoa, numa situação emocional especial.
Acredito que a capacidade para sacudir a paralisante
sensação de realidade concomitante a êste estado é o
primeiro requisito para o analista no grupo; se puder
fazer isso, encontrar-se-á em posição para dar o que
acredito ser a interpretação correta e, assim, perceber
a sua ligação com a interpretação anterior, de cuja va­
lidade foi levado a duvidar.
Tenho de voltar a considerar a segunda suposição
básica. Como a primeira, esta também se refere ao pro­
pósito para o qual o grupo se reuniu. Minha atenção
foi pela primeira vez despertada por uma sessão em que
a conversa era monopolizada por um homem e uma mu­
lher q ue pareciam mais ou menos ignorar o restante do
grupo. A troca ocasional de olhares entre os outros pa­
recia sug érir a opinião, não muito seriamente sustenta­
da, de que a relação era amorosa, embora dificilmente

137
se pudesse dizer que o conteúdo manifesto da conversa
fôsse muito diferente de outras trocas de palavras efe­
tuadas pelo grupo . Fiquei, no entanto, impressionado
pelo fato de que indivíduos que são geralmente sensíveis
a qualquer exclusão de uma atividade supostamente te­
rapêutica e que, . naquela ocasião, haviam vindo para
falar e obter uma 'interpretação' de mim ou de algum
outro membro do grupo, parecessem não se importar
em deixar o palco inteiramente àquele par . Posterior:-_ _

mente, tornou-se claro que o sexo do par não tinha con­


seqüências particulares para a suposição de que um aca­
salamento se estava efetuando . Havia um ar especial de
confiança e expectativa sôbre essas sessões que as tor­
nava bastante diferentes do costumeiro passar de horas
entediante e frustrante . Não se deve supor que os ele­
mentos para os quais chamarei a atenção, sob o nome
de grupo de acasalamento, acham-se exclusiva ou mesmo
predominantemente em evidência . Na verdade, há mui�
tas provas de estados de espírito do tipo com que esta­
mos familiarizados na psicanálise; seria na verdade ex­
traordinário, para dar um exemplo, se não se visse nos
indivíduos mostras de reação a uma situação de grupo
que poderia ser aproximada a uma representação da
cena primária . Entretanto, em minha opinião, permitir
que nossa atenção seja absorvida por essas reações é tor­
nar difícil qualquer observação daquilo que é peculiar
ao grupo . Além disso, penso que tal concentração, na
pior das hipóteses, pode conduzir mais a uma psicaná­
lise aviltada que a uma exploração das possibilidades
terapêuticas do grupo . O leitor deve pois presumir que
nisto, como em outras situações, haverá sempre uma
pletora de material familiar a uma psicanálise, mas
ainda aguardando sua avaliação na situação do grupo.
Propondo-me, de momento, ignorar êsse material e vol­
tar-me-ei agora para a consideração do ar de expecta­
tiva prometedora que mencionei como característica do
grupo de acasalamento . t:le geralmente encontra ex­
pressão verbal em idéias de que o casamento ponha fim
às incapacidades neuróticas ; que a terapêutica de grupo
revolucionará a sociedade quando se houver espalhado

138
suficientemente; que a estação vindoura - primavera,
verão, outono, inverno, segundo fôr o caso - será mais
agradável; que alguma nova espécie de comunidade -
um grupo melhorado - deveria ser desenvolvida etc.
Estas expressões tendem a distrair a atenção para al­
gum acontecimento supostamente futuro, mas, para o
analista, o ponto crucial não é um acontecimento fu­
turo, mas o presente imediato - o próprio sentimento
de esperança. tste sentimento é caracteristico do grupo
de acasalamento e deve em si próprio se.r tomado como
prova de que êsse grupo se acha em existência, mesmo
qua-ndo parecem faltar outras provas. É, êle próprio,
tanto um precursor da sexualidade como uma parte dela.
As idéias otimistas verbalmente expressas são racionali­
zações destinadas a efetuar um deslocamento no tempo
e uma transigência com os sentimentos de culpa - o
desfrute do sentimento é justificado pelo apêlo a um
resultado que se supõe moralmente inobjetável. Os sen­
timentos assim associados ao grupo de acasala:rnento en­
contram-se no pólo opôsto aos sentimentos de ódio, des­
trutividade e desespêro. Para que os sentimentos de es­
perança sejam sustentados, é essencial que o 'líder' do
grupo, diferentemente dos líderes do grupo de depen­
dência e do grupo de luta-fuga, seja futuro. Será uma
pessoa ou uma idéia que salvará o grupo - na reali­
dade, dos sentimentos de ódio, destrutividade ou deses­
pêro de seu próprio grupo ou de outro -mas a fim de
realizar isso, evidentemente, a esperança messiânica
nunca deve ser alcançada . Apenas enquanto permanece
sendo uma esperança, é que a esperança persiste. A di­
ficuldade é que, graças à racionalização da sexualidade
nascente do grupo, a premonição do sexo que intervém
como esperança, há uma tendência para o grupo de tra­
balho ser influenciado na direção da criação de um Mes­
sias, seja êle pessoa, idéia ou Utopia. Na medida em que
isso acontece, a esperança é enfraquecida, porque, obvia­
mente, nada existe então a esperar e, uma vez que a des­
trutividade, o ódio e o desespêro não foram, de modo
algum, radicalmente influenciados, sua existência de
nôvo se faz sentir. Isto, por sua vez, acelera um nôvo

139
enfraquecimento da esperança Se, para fins de debate,
o

aceitarmos a idéia de que o grupo deveria ser manejado


a fim de alcançar a esperança no grupo, então será ne­
cessário que aquêles que se interessam por tal missão,
seja na capacidade de membros de um grupo especiali­
zado de trabalho tal como o que descrevi sucintamente,
seja como indi"víduos, possam providenciar para que as
esperanças messiânicas não se materializem. O perigo,
naturalmente, é que tais grupos especializados de tra­
balho padeçam de excesso de zêlo e interfiram assim com
funções do grupo de trabalho criativas e inocentes ou,
alternativamente, deixem-se ser antecipados e, assim,
colocados na aflitiva necessidade de liquidar com o Mes­
sias e, depois, recriar a esperança messiânica. No gru­
po terapêutico, o problema é capacitar o grupo a se dar
conscientemente conta dos sentimentos de esperança e
de suas filiações e, ao mesmo tempo, mostrar-se tole­
rante com êles. O fato de ser tolerante com êles no grupo
de acasalamento é uma função da suposição básica e não
pode ser encarado como sinal de desenvolvimento indi­
vidual.
A terceira suposição básica é de que o grupo reu­
niu-se para lutar com alguma coisa ou dela fugir. :tle
está preparado para assumir qualquer das duas atitudes,
indiferentemente o Chamo a êste estado de espírito de
grupo de luta-fuga; o líder aceito de um grupo neste
estado é aquêle cujas exigências sôbre o grupo são sen­
tidas como concedendo oportunidades para a fuga ou
para a agressão e se fizer exigências que não sejam essas,
será ignorado. Num grupo terapêutico, o analista é o
líder do grupo de trabalho. O amparo emocional que
êle pode comandar acha-se sujeito a variações acordes
à suposição básica ativa e até o ponto em que suas ati­
vidades são sentidas como ajustadas àquilo que é exi­
gido de um líder nesses diferentes estados de espírito.
No grupo de fuga-luta, o analista descobre que as ten­
tativas de esclarecer o que está acontecendo são obstruí­
das pela facilidade com que se obtém apoio emocional
para tais propostas, segundo expressem ódio a qualquer
dificuldade psicológica ou, alternativamente, o meio pelo

140
qual .se pode dela escapar . Neste contexto, observaria
que a proposta de usar nomes de batismo, no primeiro
exemplo que dei, bem poderia ter sido interpretada como
expressão do desej o de fuga num grupo de luta-fuga,
embora, na realidade, por razões ligadas à fase de desen­
volvimento que o grupo havia atingido, eu a tenha in­
terpretado em têrmos de função do grupo de trabalho .

CARACTERíSTICAS COMUNS A TODOS OS GRUPOS


DE SUPOSIÇÃO BASICA

A participação na atividade da suposição básica não


exige treinamento, experiência ou desenvolvimento men­
tal . Ela é instantânea, inevitável e instintiva : não senti
a necessidade de postular a existência de um instinto
gregário para explicar os fenômenos a que assisti no
grupo . 1 Em contraste com a função do grupo de tra­
balho, a atividade de suposição básica não faz sôbre o
indivíduo exigências de uma capacidade a cooperar, mas
depende de possuir aquêle o que chamo de(valêncià -
têrmo tomado de empréstimo à física para expressar a
capacidade de combinaÇão instantânea e involuntária
de um indivíduo com outro para partilhar e atuar se­
gundo uma suposição básica . A função do grupo de tra­
balho acha-se sempre à mostra com uma - e apenas
uma -· suposição básica . Embora a função do grupo
de trabalho possa permanecer inalterada, a suposição
básica contemporânea · que impregna suas atividades
peide mudar com freqüência; pode haver duas ou três
modificações a cada hora ou ser a mesma suposição bá­
sica dominante por meses a fio . Para explicar a sorte
das .suposições básicas inativas, postulei a existência de
um sistema protomental em que a atividade física e a
atividade mental são indiferenciadas e que fica fora do
campo comumente considerado como aproveitável para
as investigações psicológicas . Deve-se manter em mente

1 Em contraste com W. Trotter ( 1 9 1 6 ) , mas de acôrdo com Freud


( 19 2 1 , pág. 3 ) .

141
que ser um campo apropriado à investigação psicológi­
ca depende de outros fatôres, além da natureza do cam­
po a ser investigado, sendo um dêles a potência da técni­
ca psicológica de investigação . A identificação de um
campo de medicina psicossomática ilustra a dificuldade
que espera qualquer tentativa de determinar a linha que
separa os fenômenos psicológicos dos fenômenos físicos.
Dessa maneira, proponho deixar indeterminados os li­
mites que separam a suposição básica ativa daquelas que
releguei ao hipotético sistema protomental .
Muitas técnicas se acham em uso cotidiano para a
investigação da função do grupo de trabalho . Para a
investigação dos fenômenos de suposição básica, con­
sidero a psicanálise ou alguma extensão técnica derivada
diretamente dela como essencial . Entretanto, como as
funções do grupo de trabalho são sempre impregnadas
por fenômenos de suposiçã.o básica, é claro que as técni­
cas que ignoram os últimos darão impressões enganado­
ras das primeiras .
As emoções associadas com as suposições básicas .
podem ser descritas pelos têrmos costumeiros de ansiE)�
dade, mêdo, ódio, amor e outros semelhantes . No en­
tanto, as emoções comuns a qualquer suposição básica
são sutil e mutuamente afetadas, como se fôssem expe- ,
rimentadas numa combinação peculiar à suposição bá- 1
sica ativa, ou seja, a ansiedade no grupo de dependência
possui uma qualidade diferente da ansiedade que apa- 1
rece no grupo de acasalamento e o mesmo acontece con:y ·

outros sentimentos.
Tôdas as suposições básicas incluem a existência de
um líder, embora no grupo de acasalamento, como já
disse, o líder seja 'inexistente', isto é, futuro . :F.lste líder
não precisa ser identificado com qualquer indivíduo
do grupo; não necessita ser nem mesmo uma pessoa,
mas pode identificar-se com uma idéia ou um objeto ina­
nimado . No grupo de dependência, o lugar de líder pode
ser preenchido pela história do grupo . Um grupo, a
queixar-se de uma incapacidade de lembrar o que acon­
tecera . numa ocasião anterior, põe-se a fazer um regis­
tro de suas reuniões . :F.lste registro torna-se então uma

142
'bíblia' à qual se apela se, por exemplo, o indivíduo em
que o grupo investiu a liderança mostra ser constituído
de material refratário à moldagem na semelhança pró­
pria ao líder de dependência . O grupo vale-se da elabo­
ração da bíblia quando é ameaçado por uma idéia cuja
aceitação acarretaria desenvolvimento por parte dos in­
divíduos que compreendem o grupo . Tais idéias derivam
fôrça emocional e excitam oposição emocional de sua
associação com características apropriadas ao líder do
grupo de acasalamento . Quando o grupo de dependên­
cia ou o · grupo de luta-fuga é ativo, efetua-se um com­
bate para suprimir a nova idéia, porque se sente que
seu surgimento ameaça o status quo . Na guerra, a idéia
nova - seja ela um carro de combate ou um nôvo méto­
do de seleção de oficiais - é sentida com simples 'moda',
ou seja, oposta à bíblia militar . No grupo de dependên­
cia, ela é sentida como ameaçando o líder de depen­
dência, seja êste 'bíblia' ou pessoa . Mas o mesmo tam­
bém é verdadeiro em relação ao grupo de acasalamento,
porque aqui a nova idéia ou pessoa, sendo equiparada
ao gênio :futuro ou Messias, deve, como disse antes, per­
manecer futura , se é que se quer que ela preencha a
função do grupo de acasalamento .

FORMAS ABERRANTES DE MUDANÇA DE UMA


SUPOSIÇAO BASICA PARA OUTRA

A mudança na mentalidade do grupo não precisa


ser devida ao deslocamento de uma suposição básica por
outra e pode assumir certas formas aberrantes que de­
pendem de qual seja a suposição básica que se encon­
tra ativa quando a tensão aumenta . Estas formas aber­
rantes sempre envolvem um grupo estranho . Se o grupo
ativo é o de dependência e é ameaçado por pressão do
líder do grupo de acasalamento, especialmente, talvez,
sob a forma de uma idéia banhada de esperança mes­
siânica, então, se métodos tais como o apêlo à elabora­
ção bíblica mostrarem-se inapropriados, a ameaça é en­
frentada pela provocação do influxo de Oliltro grupo . Se

143
o grupo ativo é o de luta-fuga , a tendência é absorver
outro grupo . Se o grupo ativo é o de acasalamento, a
tendência é ao cisma . Esta última reação pode parecer
anômala, a menos que se recorde que no grupo de aca­
salamento a esperança messiânica, seja ela pessoa ou
idéia, tem de permanecer irrealizada . O ponto crucial
da questão reside na ameaça da idéia nova a exigir o
desenvolvimento e na incapacidade dos grupos de supo­
sição básica em tolerá-lo . Desenvolverei posteriormente
as razões para isso .

O GRUPO ESPECIALIZADO DE TRABALHO

Existem certos grupos especializados de trabalho,


para os quais Freud chamou a atenção ( 1921, págs. 4 1
e segs.) embora não sob êste nome, e cuja tarefa tende
especialmente a estimular a atividade de uma determi­
nada suposição básica . Grupos típicos desta natureza
são apresentados pela Igreja ou pelo Exército . A Igreja
está sujeita à interferência de fenômenos de grupo de
dependência e o Exército sofre de uma sujeição seme­
lhante a fenômenos de grupo de luta-fuga. Mas uma
outra possibilidade tem de ser considerada, ou seja,
a de que êsses grupos sejam germinados pelo
grupo principal de que constituem uma parte para
o propósito específico de neutralizar, respectiva­
mente, o grupo de dependência e o grupo de luta-fuga,
impedindo, dessa maneira, sua obstrução da função do
grupo de trabalho do grupo principal . Se adotarmos a
última hipótese, deve-se considerar um fracasso do gru­
po especializado de trabalho se a atividade grupal de­
pendente ou de luta-fuga deixar de manifestar-se dentro
dos grupos especializados de trabalho ou crescer com
uma intensidade esmagadora . Em qualquer dos casos, o
resultado é o mesmo : o grupo principal tem de assumir
as funções próprias ao grupo especializado de trabalho
e, ainda, preencher suas funções de grupo de trabalho.
Se o grupo especializado de trabalho não pode enfren­
tar ou não enfrenta os fenômenos de suposição básica

144
que são de suà ·jurisdição, então as funções do grupo de
trabalho do grupo principal ficam viciadas pela pressão
dessas s·a.posições básicas . Como a função do grupo de
trabalho consiste essencialmente na tradução de pensa­
mentos e sentimentos em comportamentos adaptados à
realidade, é má adaptação dar expressão às suposições
básicas, porque estas tornam-se perigosas proporcional­
mente à tentativa que é feita de traduzi-las em ação .
Na verdade, o grupo especializado de trabalho tende a
reconhecer isso e o demonstra pela tentativa de executar
o processo inverso, isto é, traduzir a ação nos têrmos da
mentalidade de suposição básica - procedimento muito
mais seguro . Dessa maneira, uma Igreja, quando lhe
é apresentada alguma notável realização da função do
grupo de trabalho, recomendará ao grupo que a agra­
deça à sua divindade e não à sua capacidade de traba­
lho duro e realístico -- non nobis, Domine . A Igreja
próspera e bem sucedida, do ponto de vista do facilita­
menta da função do grupo de trabalho, deve combinar
o fortalecimento da crença religiosa com a insistência
de que nunca se deve agir segundo ela; o serviço de com­
bate bem sucedido deve incentivar a crença de qualquer
coisa poder ser feita pela fôrça, desde que ela nunca
seja usada . Em ambos os casos, chegamos ao seguinte :
a mentalidade de suposição básica não se presta à tra­
dução em ação, u�a vez que a ação, para manter con­
tacto com a realidade, exige a função do grupo de tra­
balho .
No pequeno grupo terapêutico, quando o grupo de
dependência acha-se ativo, a tendência é produzir um
subgrupo que assume então a função de interpretar o
líder do grupo de dependência - geralmente situado no
analista - para o grupo . No grupo de fuga-luta, um
subgrupo semelhante desempenha uma função similar .
Se o analista provar um material resistente, estará su­
j eito a evocar reações que já descrevi como associadas
com a ameaça da idéia nova .
Mencionei acima (pg. 125) que uma aristocracia
pode constituir o grupo especializado de trabalho que
desempenha para o grupo de acasalamento funções se-

145
melhantes àquelas que Igreja e Exército desempenham
para os grupos de dependência e de fuga-luta, respecti..,
vamente . A função dêste subgrupo é. fornecer um es­
coadouro para sentimentos centrados em idéias de pro:..
criação e nascimento, isto é, para a esperança messiâni­
ca, que, como já sugeri, é uma precursora do desejo
sexual, sem nunca despertar o mêdo de que tais senti­
mentos dêem origem a um fato que exija o desenvolvi­
mento . A aristocracia deve inspirar a esperança mes­
siânica, mas, ao mesmo tempo, também a confiança de
que o líder do grupo de acasalamento, caso se materia­
lize, nascerá num palácio mas será exatamente igual a
nós próprios, 'democrático' sendo provàvelmente' a ex- ·

pressão corrente para designar a qualidade desejada .


No grupo terapêutico, o subgrupo 'aristocrático' geral­
mente auxilia o grupo a compreender que a idéia nova
é uma idéia com que êle j á se acha inteiramente fami­
liarizado .

SUPOSIÇõES BASICAS, TEMPO E


DESENVOLVIMENTO

Há duas características da mentalidade de suposi- ·


ção básica para as quais gostaria de chamar a atenção.
O tempo não desempenha parte alguma nela; trata-se
de uma dimensão da fúnção mental que não é reconhe­
cida e, conseqüentemente, tôdas as atividades que exi­
jam uma consciência de tempo são imperfeitamente
comprendidas e tendem a despertar · sentimentos de per­
seguição . As interpretações da atividade no nível das
suposições básicas deixam a descoberto uma relação im­
perturbada com o tempo . A segunda característica, que
j á mencionei antes, é a ausência de qualquer processo
de desenvolvimento como parte da mentalidade de su­
posição básica : os estímulos ao desenvolvimento defron­
tam-se com uma reação hostil . Compreender-se-á que
isto é um tema de importância para qualquer grupo
que pretenda, pelo estudo do grupo, promover um de­
senvolvimento terapêutico do insight. A hostilidade assim

146
engendrada tende a determinar que a reação ao surgi­
mento da pessoa ou idéia messiânica assumirá uma for­
ma aberrante, em vez de dissipar-se na mudança cíclica
de uma suposição básica para outra porque, se um gru­
po deseja impedir o desenvolvimento, a maneira mais
simples de fazê-lo é permitir-se ser esmagado pela men­
talidade de suposição básica e, assim, aproximar-se da
única espécie de vida mental em que uma capacidade de
desenvolvimento não é exigida . A compensação prin­
cipal por tal deslocamento parece ser o aumento de uma
sensação agradável de vitalidade .
A defesa que o cisma concede contra a idéia amea­
çadora de desenvolvimento pode ser vista no funciona­
mento dos grupos cismáticos, ostensivamente opostos,
mas, na realidade, promovendo o mesmo fim . Um deter­
minado grupo adere ao grupo de dependência, amiúde
sob a forma de grupo 'bíblia' . �ste grupo populariza
as idéias estabelecidas, despoj ando-as de qualquer quali­
dade que possa exigir um esfôrço penoso e, por êsse
meio, assegura a adesão numerosa daqueles que se
opõem às dores do desenvolvimento . O pensamento fica
assim estabilizado num nível que é cediço e dogmático .
O grupo recíproco, supostamente apoiando a idéia nova,
torna-se tão rigoroso em suas exigências que deixa de
efetuar recrutamento . Dessa maneira, ambos os grupos
evitam a penosa reunião de primitivos e refinados que
constitui a essência do conflito de desenvolvimento . Os
cismáticos superficiais mas numerosos são assim con­
traditados pelos cismáticos profundos mas numerica­
mente insignificantes . O resultado lembra-nos do temor
algumas vêzes expresso de que uma sociedade reproduz
copiosamente seus membros menos cultos enquanto que
as pessoas 'melhores' permanecem teimosamente es­
téreis .

RELAÇAO DE UMA SUPOSIÇAO BASICA COM OUTRA

Podemos agora reconsiderar os três grupos de supo­


sição básica e o grupo de trabalho, para ver se êles não

147
são capazes de cor�verter-se em algo de mais fundamen­
tal . Admitindo-se que o postulado das suposições bási­
cas ajuda a dar forma e significado ao complexo e
caótico estado emocional que o grupo põe à mostra do in­
vestigador participante, não existe ainda uma explicação
razoável da razão pela qual tais suposições devam exis­
tir . É claro que nenhuma das três suposições básicas
sôbre o grupo alivia satisfatàriamente o mêdo do grupo
e suas emoções, pois, doutra maneira, não haveria ne­
nhum dos deslocamentos e mudanças de uma para ou­
tra, nem necessidade da formação por mim delineada
dos correspondentes grupos especializados de trabalho . ·

Tôdas as três suposições básicas contêm a idéia de um


líder . O grupo de fuga-luta mostra uma total ausência
de reconhecimento da compreensão como sendo uma
técnica . Tôdas se opõem ao desenvolvimento, que, em
si próprio, depende da compreensão . O grupo de traba­
lho, por outro lado, reconhece a necessidade tanto da
compreensão quanto do desenvolvimento . Se conside­
rarmos os grupos especializados de trabalho, todos os
três estão relacionados com assuntos que parecem resi­
dir fora da jurisdição das suposições básicas com que
parecem estar primàriamente relacionados . Assim, o
grupo especializado de trabalho da suposição básica de
dependência não se encontra livre de preocupações com
idéias messiânicas que parecem ser mais da esfera da
atividade do grupo de acasalamento que do grupo de de­
pendência . Os esforços aqui parecem achar-se devota­
dos a um Messias nascido fora dos laços do casamento,
num leito de palhas ou numa mangedoura, com um dos
pais sendo excelso (filha do faraó ou a Divindade) e o
outro menos idealizado . No grupo de acasalamento, o
· subgrupo aristocrático permite pais ilustres, matrimô­
nio e unia choça palacial, mas a criança é notável ape­
nas por ser igual ao resto de nós . Um exame dos fatos
parece conduzir a uma dificuldade central em reunir
amor sexual, pais iguais, uma criança como nós pró­
prios, a esperança messiânica que considero ser um
c omponente essecial do amor sexual e uma compulsão
a desenvolver-se que, em si própria, tem necessidade de

148
uma capacidade de compreensão . O grupo de fuga-luta
expressa um sentimento de incapacidade para compreen­
der e o amor sem o qual a compreensão não pode exis­
tir . Mas o líder do grupo de luta-fuga traz de volta à
vista um dos componentes temidos : uma aproximação
com o pai temível ou com a criança .
Além disso, os três grupos de suposição básica pa­
recem, por sua vez, ser reuniões de indivíduos a parti­
lhar entre si as características de um determinado ca­
ráter na situação edípica, as quais são dependentes da
suposição básica que se encontra ativa . O paralelo com
os caracteres da situação edípica é, no entanto, marcado
por importantes divergências . A relação parece ser entre
o indivíduo e o grupo, mas o grupo é sentido como um
indivíduo fragmentado, com outro, oculto, na espera . O
indivíduo oculto é o líder e, embora isto pareça contra­
dizer a afirmação constantemente reiterada de que 'o
analista é o líder, a contradição se resolve se fôr lem­
brado que no grupo terapêutico o analista é o líder do
grupo de trabalho e se se prestar atenção às muitas in­
dicações de que êle é suspeito de liderar, mas, na apa­
rência, apenas raramente é percebido como liderando .
É muito comum, em minha experiência, ser-me dito que
não estou tomando parte alguma no grupo, nem mesmo
dando ao grupo uma possibilidade de saber quais são
as minhas opiniões, embora a probabilidade seja a de
que eu estej a falando mais do que qualquer outro . O
ponto essencial aqui, como sempre num grupo, é o senti­
mento de que a idéia expressa se faz acompanhar e o
ponto que desej aria enfatizar de nôvo é que sou imagi­
nado como a liderar o grupo, mas não percebido como
tal .
No plano emocional, onde as suposições básicas são
dominantes, as figuras edípicas, como indiquei, podem
ser discernidas no material tal como o são numa psica­
nálise, mas elas incluem um componente do mito de
Édipo sôbre o qual pouco foi dito; êsse componente é a
esfinge . Enquanto sou sentido como líder da função do
grupo de trabalho - e o reconhecimento dêsse fato
acha-se raramente ausente - eu e â função do grupo

14 9
de trabalho com que estou identificado somos investidos
de sentimentos que seriam inteiramente apropriados à
enigmática, meditativa e perguntadora esfinge de quem
a desgraça emana. Na verdade, empregam-se às vêzes
têrmos, em ocasiões em que minha intervenção provocou
mais que a ansiedade costumeira, que mal precisam de
interpretação para capacitar o grupo a apreender a se­
melhança. Não sei de experiência que demonstre mais
claramente que a experiência de grupo o temor com que
uma atitude questionante é encarada. Esta ansiedade não
se dirige sàmente ao questionador mas também ao objeto
da inquirição e é, segundo suspeito, secundária à última,
porque o grupo, sendo o objeto da inquirição, desperta
êle próprio temores de um tipo extremamente primitivo.
Minha impressão é de que êle chega demasiadamente
perto, nas mentes dos indivíduos que o compõem, de
fantasias muito primitivas sôbre o conteúdo do corpo
da mãe . 1 A tentativa de efetuar uma investigação ra­
cional da dinâmica do grupo é assim perturbada por
temores e mecanismos para manejá-los que são caracte­
rísticos da posição paranóide-esquizóide . A investigação
não pode ser efetuada sem a estimulação e a ativação
dêsses níveis .
Encontramo-nos agora em posição melhor para con­
siderar se as suposições básicas são capazes de conver­
ter-se em algo de mais fundamental . Já chamei a aten­
ção para o fato de que êstes três estados de espírito pos­
suem semelhanças mútuas que me conduziriam a supor
que podem não ser fenômenos fundamentais, mas antes
expressões de algum estado (ou reações contra êle) mais
digno de ser encarado como primário . De fato, embora
tenha achado a hipótese das suposições um auxílio va­
l ioso para colocar ordem no caos do material de uma
sessão de grupo, logo se torna claro que novas investiga­
ções exigem hipóteses novas . A necessidade (e o cami­
nho para as hipóteses que poderiam satisfazê-la ) tor­
nou-se aparente para mim ao considerar o que poderia
precipitar a mudança de uma suposição básica para

1 Melanie Klein.

150
outra . Incluo nesta discussão as formas aberrantes que
j 8. descrevi .
Em resumo, qualquer que seja a suposição básica
ativa, a investigação revela que os elementos da situa ­
ção emocional acham-se tão intimamente ligados a fan­
tasias das primeiras ansiedades que o grupo é compelido,
sempre que a pressão da ansiedade torna-se grande de­
mais, a empreender uma ação defensiva . Abordadas
dêste nível primitivo, as suposições básicas assumem um
aspecto diferente do que apresentam nas descrições que
já forneci . O impulso a acasalar-se pode agora ser visto
como possuindo um componente derivado da ansiedade
psicótica associada com primitivos conflitos edípicos a
operar sôbre uma base de relações de objetos parciais .
· Esta ansiedade compele os indivíduos a buscar aliados
e esta derivação do impulso a acasalar-se é ocultada pela
explicação aparentemente racional de que, no grupo de
acasalamento, o motivo é sexual e o obj etivo, a repro�
dução .
Mas se o grupo de acasalamento é ativo, descobri­
mos novamente que muitos de seus componentes
acham-se próximos demais a primitivos objetos parciais
para fugir à identificação com êles, de maneira que é
apenas uma questão de tempo antes de a ansiedade
psicótica ser despertada com uma fôrça tal que nova
defesa tem de ser achada . Imaginemos que ela assume
a forma do grupo de luta-fuga, ou seja, a libertação de
ódio que encontra um escoadouro em ataques destruti­
vos a um suposto i:tlimigo ou numa fuga ao objeto odia­
do . A indiferença do grupo para com o indivíduo e, mais
ainda, a sua incapacidade de fugir por êste meio à pri­
mitiva cena primária, conduzem novamente à liberta­
ção da ansiedade e à necessidade de outra mudança de
suposição básica .
Ver-se-á por esta descrição que as suposições bási­
cas surgem agora como formações secundárias a uma
cena primária extremamente antiga, representada · num
nível de objetos parciais e associada com uma ansiedade
psicótica · e mecanismos de divisão e identificação proje··
tiva tais como os que Melanie Klein descreveu como ca-

151
I

racterísticos das posições paranóide-esquizóide e depres­


siva . A introjeção e a projeção do grupo, 2 que é ora o
investigador temido, ora o temido objeto de investiga­
ção, constituem uma parte essecial do quadro e ajudam
a acrescentar confusão à cena, a menos que sejam reco­
nhecidos por serem muito ativos .
A visão clássica da cena primária não vai suficien­
temente longe para tratar com a dinâmica do grupo .
Devo acentuar o ponto de que considero essencial ela­
borar muito completamente a cena primária primitiva,
tal como se revela no grupo . Esta última difere acen­
tuadamente da cena primária em sua descrição clássica
pelo fato de ser muito mais bizarra e parecer assumir
que uma parte de um dos pais, o seio ou o corpo da mãe,
contém, entre outros objetos, uma parte do pai . Em seu
trabalho sôbre as primeiras etapas do conflito edípico,
Melanie Klein ( 1928' e também 1945) fornece uma des­
crição destas fantasias tal como as descobriu no pro­
cesso da análise individual ( ver Paula Heimann, 1952 b) .
A experiência de grupo parece-me fornecer amplo ma­
terial para sustentar a opinião de que estas fantasias
são de importância primordial para o grupo . 3 Quanto
mais perturbado é o grupo, mais fàcilmente discerníveis
são estas fantasias e mecanismc�s primitivos; quanto
mais estável é êle, mais corresponde à descrição freU··
diana do grupo como sendo uma repetição de padrões
dos grupos de família e mecanismos neuróticos . Contu­
do, mesmo no grupo 'estável' os níveis psicóticos profun­
dos devem ser demonstrados, mesmo que isso envolva,
temporàriamente, um aparente aumento na 'doença' do
grupo .

2 A maneira pela qual isto aparece na psicanálise é descrita por Paula


Heimann ( 1 9 52 b ) .
3 Vale a pena observar que a descrição de Melanie Klein da reação
psicótica aos objetos externos em seu trabalho sôbre as 'fltapas Primi­
tivas do Conflito Edipiano' ( 192 8 ) é acentuadamente semelhante à rea­
ção do grupo às idéias. A elaboração de 'bíblias' é uma das formas
de defesa contra elas.

152
RESUMO

Antes de passar a discutir pontos de vista psicanalí­


ticos do grupo, penso ser necessário sumariar as teorias
que descrevi até agora . Deverá ser lembrado que tentei
deliberadamente, até onde isso é possível a um psicana­
lista que admite propor-se investigar o grupo através de
intuições psicanaliticamente desenvolvidas, despojar-me
de quaisquer teorias psicanalíticas anteriores sôbre o
grupo, a fim de atingir urna visão isenta de preconcei­
tos . Em resultado, cheguei a urna teoria do grupo corno
dando mostras de funções de grupo de trabalho junta­
mente com um comportamento, muitas vêzes de intensa
coloração emocional, que sugeria que os grupos se acha­
vam reagindo emocionalmente à urna das três suposi­
ções básicas . A idéia de que tais suposições básicas são
efetuadas involuntária, automática e inevitàvelrnente
parece útil para esclarecer o comportamento do grupo .
Não obstante, há muita coisa a sugerir que estas su­
postas 'suposições básicas' não podem ser encaradas
corno estados de espírito distintos . Por isso não quero
dizer que afirme serem explicações 'básicas' que, entre
elas, expliquem tôda a conduta no grupo - isso, na ver­
dade, seria de um absurdo extravagante - mas que
cada estado, mesmo quando é possível diferenciá-lo com
razoável certeza dos outros dois, tem em si urna quali­
dade que sugere ser êle, de algum modo, o dual ou re­
c íproco de um dos outros dois, ou, talvez, simplesmen­
te outra visão daquilo que se pensou ser urna suposição
básica diferente . Por exemplo, a esperança messiânica
do grupo de acasalamento possui urna certa semelhan­
ça com a divindade grupal do grupo de dependência .
Pode ser difícil perceber porque o tom emocional apre­
sentado é tão diferente . Ansiedade, rnêdo, ódio, amor,
todos, corno disse, existem em cada grupo de suposição
básica . A modificação que os senthnentos sofrem em
combinação no respectivo grupo de suposição básica pode
surgir porque o 'cimento', por assim dizer, que os une
uns aos outros é a culpa e a depressão no grupo de de­
pendência, a esperança messiânica no grupo de acasala-

!53
mento e a ira e -o ódio no grupo de luta-fuga . Seja como
fôr, o resultado é que o conteúdo de pensamento da
discussão pode aparecer como um resultado que é enga­
nadoramente diferente nos três grupos . É possível às
vêzes sentir que o gênio futuro do grupo de acasalamen­
to é muito semelhante ao deus do grupo de dependên­
cia e, certamente, naquelas ocasiões em que o grupo de
dependência apela para a autoridade de um líder 'pas­
sado', êle se aproxima muito do grupo de acasalamento,
que apela para um líder 'futuro' . E m ambos, o líder não
existe; há uma diferença de tempo gramatical e uma
diferença na emoção .
Reitero êstes pontos para mostrar que a hipótese
das suposições básicas por mim apresentada não pode
ser encarada como sendo uma formulação rígida .

O PONTO DE VISTA PSICANALíTICO

As teorias de Freud sôbre o grupo derivam-se do seu


estudo da transferência . Uma vez que a relação de aca­
salamento da psicanálise pode ser encarada como parte
da situação grupal maior, poder-se-ia esperar, pelas ra­
zões que já forneci, que a relação de transferência fôsse
colorida pelas características associadas com o grupo de
acasalamento . Se a análise é considerada como parte
da situação grupal total, deveríamos esperar encontrar
elementos sexuais salientes no material ali apresentado,
e as suspeitas e hostilidades da psicanálise como sendo
uma atividade sexual ativa naquela parte do grupo que
. é, de fato, excluída da análise .
De sua experiência da análise, Freud pôde deduzir
a significação de dois daqueles grupos que chamamos
de grupos especializados de trabalho, Exército e Igreja,
mas não discutiu o grupo especializado de trabalho que
dá mais importância à procriação e, dessa maneira, tem
mais possibilidades de ter de lidar com os fenômenos de
grupo de acasalamento, a saber, a aristocracia . Se a aris­
tocracia estivesse interessada simplesmente na realidade
externa, sua atividade assemelhar-se-ia muito mais ao

154
trabalho de um departamento de genética de uma uni­
versidade do que na realidade se assemelha . Mas o in­
terêsse mostrado pela procriação não possui a aura cien­
tífica que associaríamos com a atividade mental dirigida
para a realidade externa : trata-se de um grupo especia­
lizado de trabalho expelido (split off) para tratar com os
fenômenos de grupo de acasalamento aproximadamente
da mesma maneira que o Exército tem de tratar com os
fenômenos de luta-fuga e a Igreja com os fenômenos de
grupo de , dependência . Dessa maneira, a relação dêsse
subgrupo com o grupo principal não será determinada
pelo grau de fidelidade aos estritos princípios genéticos
por que êle conduz seus assuntos, mas sim pela eficiên­
cia com que satisfaz a exigência do grupo principal de
que os fenômenos do grupo de acasalamento sejam tra­
tados de maneira que as funções de grupo de trabalho
do grupo total não sejam obstruídas por impulsos emo­
cionais oriundos daquela fonte . Embora houvesse ex­
pressamente desaprovado qualquer estudo do problema
que não fôsse superficial ( 1913, págs. 75 e segs . ) e efe­
tuasse suas observações no decorrer de uma discussão
das opiniões de Le Bon, McDougall e Wilfred Trotter,
Freud ( 192 1, passim) de fato possuía ampla experiência
do grupo e do que significava ser um indivíduo apa­
nhado em suas tensões emocionais - como indiquei por
minha descrição da posição que a psicanálise tem pos­
sibilidade de ocupar num grupo em que ela estimula
um grupo de acasalamento .
Freud ( 1930, págs. 44 e segs.) diz que a psicologia
individual e a psicologia de grupo não podem ser de
modo algum diferenciadas, porque a psicologia do indi­
víduo é, ela própria, uma função da relação existente
entre uma pessoa e outra . Objeta êle que é difícil àtri­
buir ao número uma significação tão grande a ponto
de torná-lo capaz de, por si próprio, despertar em nossa
vida mental um nôvo instinto que, doutra maneira, não
seria colocado em jôgo . Neste ponto, acho que Freud
tem razão : em ocasião alguma deparei-me com fenôme­
nos que exigissem ser explicados pela postulação de um
instinto gregário . O indivíduo é e sempre foi um mem-

1 55
bro ·de um grupo, mesmo se sua filiação a êste consiste
em comportar-se de maneira a dar realidade a uma
idéia de que êle não pertence absolutamente a um gru­
po . O indivíduo é um animal de grupo em guerra tanto
com o grupo como com aquêles aspectos de sua persona­
lidade que constituem sua 'grupalidade' ( groupishness) .
Freud ( 1 92 1, pág. 29) limita esta guerra a uma luta com
a 'cultura', mas espero demonstrar que isto exige am­
pliação .
McDougall e Le Bon parecem falar como se a psico­
logia de grupo passasse a existir apenas quando um
certo número de pessoas se reúnem em um só lugar, a
um só tempo, e Freud não desaprova isso . Por minha
parte, não é necessário abrir exceções para tornar o es­
tudo possível : a reunião de indivíduos só é necessária
do mesmo modo que é necessário ao analista e ao ana­
lisando reunirem-se para que a relação de transferência
sej a demonstrável . Sàmente pela reunião fornecem-se
as condições apropriadas para a demonstração das ca­
racterísticas do grupo; apenas se os indivíduos aproxi­
mam-se o suficiente uns dos outros é que é possível dar
uma interpretação sem gritar; igualmente, é necessário
que todos os membros do grupo possam assistir às pro­
vas em que as interpretações se baseiam . É por estas
razões que o número dos participantes do grupo e o
grau de dispersão deve ser limitado . A reunião do grupo
num determinado lugar, numa hora determinada, é, por
estas razões mecânicas, importante, mas não possui
significação para a produção dos fenômenos de grupo ; a
idéia de que possui origina-se da impressão de que uma
coisa deve começar no momento em que sua existência
torna-se demonstrável . Na verdade, nenhum indivíduo,
por mais isolado que esteja no tempo e no espaço, deve
ser encarado como externo a um grupo ou não possuidor
de manifestações ativas de psicologia de grupo . Não
obstante, a existência do comportamento grupal é, como
disse, claramente mais fácil de demonstrar e até mesmo
de observar se o grupo é reunido e penso ser êste au­
mento de facilidade de observação e de demonstração o
responsável pela idéia de um instinto gregário, tal corno

1 56
o que Trotter postula, ou das diversas outras teorias que
ja mencionei, as quais, em última análise, equivalem à
idéia de que um grupo é mais do que a som.a de seus
membros . Minha experiência, segundo as provas atuais,
convence-me de que Freud estava certo em rej eitar qual­
qual conceito dêsse tipo como desnecessário . A aparente
diferença entre a psicologia de grupo e a psicologia in­
dividual é uma ilusão produzida pelo fato de que o grupo
coloca em realce fenômenos que parecem estranhos a
um observador desacostumado a utilizar o grupo. 1• 2
Atribuo grande fôrça e influência ao grupo de tra­
balho, o qual através de sua preocupação com a reali­
dade, é compelido a empregar os métodos da ciência,
de forma rudimentar que seja; a despeito da influência
das supoSições básicas e, às vêzes, em harmonia com elas,
a longo prazo é o grupo de trabalho que triunfa . Le Bon
disse que o grupo nunca anseia pela verdade . Concordo
com a opinião de F'reud - dada particularmente ao dis­
cutir o papel desempenhado pelo grupo na produção da
linguagem,3 canções populares, folclore, etc . - de que,
ao dizer isso, Le Bon foi injusto para com o grupo. Quan­
do McDougall diz que as condições no grupo altamente
organizado afastam 'as desvantagens psicológicas da
formação do grupo', êle aproxima-se de minha opinião
de que a função do grupo especializado de trabalho é
manej ar a suposição básica de maneira a impedir a
obstrução do grupo de trabalho . Freud descreve o pro­
blema como sendo procurar para o grupo 'precisamen­
te aquêles aspectos que foram característicos do indiví­
duo e nêle se extinguiram pela formação do grupo '. Pos­
tula êle um indivíduo externo ao grupo primitivo que
possuía sua própria continuidade, sua autoconsciência,

1 Ver a discussão dêstes temas nas págs. 129 e segs.


2 Trata-se também de uma questão de desenvolvimento histórico : exis­
tem aspectos do comportamento de grupo que parecem estranhos, a
menos que haja uma certa compreensão da obra de Melanie Klein sô­
bre as psicoses. Ver particularmente os trabalhos sôbre a formação de
símbolos e mecanismos esquizóides. Desenvolverei êste argumento mais
tarde.
· 3 Posteriormente, neste trabalho, discutirei um dos aspectos do desen­
volvimento da linguagem .

1 57
suas tradições e costumes, suas próprias funções e posi­
ções particulares. Diz que, devido ao seu ingresso num
grupo 'não organizado', o indivíduo perdeu sua distintivi­
dade por algum tempo. Penso que a luta do indivíduo
para preservar sua distintividade assume características
diferentes de acôrdo com o estado de espírito do grupo
em qualquer momento dado. A organização grupal forne­
ce estabilidade e permanência ao grupo de trabalho, que
é sentido como mais fàcilmente submerso pelas suposi­
ções básicas se o grupo não fôr organizado. A distintivi­
dade individual não faz parte da vida de um grupo que
está agindo segundo as suposições básicas. A organização
e a estrutura são as armas do grupo de trabalho, são o
produto da cooperação entre os membros do grupo, e seu
efeito, uma vez estabelecido naquele, é exigir ainda mais
cooperação dos indivíduos que lhes são pertencentes . A
êste respeito, o grupo organizado de McDougall é sem­
pre um grupo de trabalho e nunca um grupo de s upo­
sição básica . Um grupo a agir segundo a suposição bá­
sica não precisaria de organização nem de capacidade
de cooperação . A contrapartida da cooperação no grupo
de suposição básica é a valência - uma função espon­
tânea e inconsciente da qualidade gregária na persona­
lidade do homem . É apenas quando um grupo começa
a agir segundo uma suposição básica que as dificulda­
des surgem . A ação inevitàvelmente significa contato
com a realidade e êste compele à consideração pela ver­
dade; o método científico é imposto e segue-se a evoca­
ção do grupo de trabalho . Le Bon descreveu o líder como
alguém sob quem uma reunião de sêres humanos ins�
tintivamente se coloca, aceitando sua autoridade como
chefe dêles . O líder deve aj ustar-se ao grupo em suas
qualidades pessoais e deve, êle próprio, ser sustentado
por uma intensa fé, a fim de despertar a fé do grupo .
Sua visão do líder como alguém que deve ajustar-se ao
grupo em suas qualidades pessoais é compatível com
minha opinião de que qualquer líder é ignorado pelo
grupo quando seu comportamento ou característica
caem fora dos limites estabelecidos pela suposição bá­
sica prevalente . Ademais, o líder deve ser sustentado

1 58
pela mesma 'fé' que sustenta o grupo - não a fim de
despertar a fé do grupo, mas porque tanto a atitude do
grupo como a do líder são funções da suposição básica
. ativa . ·
A distinção de McDougall . (1920, pág. 45) entre o
simples grupo 'não organizado' e o grupo 'organizado'
parece-me aplicar-se não a dois grupos diferentes mas
sim a dois estados de espírito que podem ser observados
coexistindo no mesmo grupo . O grupo 'organizado', por
razões que j á forneci, tem possibilidades de apresentar
os traços característicos do grupo de trabalho ; o 'não
organizado', do · grupo de suposição básica . Freud dis- .
cute as opiniões de McDougall, citando sua descrição do
grupo 'não organizado' . Com referência à sugestibili­
dade do grupo, penso que ela depende de qual seja a
sugestão . Se esta se incidir dentro dos têrmos da supo­
sição básica ativa, o grupo a seguirá; se não, o grupo a
ignorará . Esta característica parece-me surgir muito
claramente no pânico, ao qual me referirei posterior-
. mente .
McDougall, discutido . por Freud na passagem aci­
ma mencionada, esboça certas condições necessárias para
elevar o nível da vida mental coletiva . 'A primeira des­
sas condições', diz êle (1920, pág. 49) , 'que é a base de
todo o resto, é um certo grau de continuidade de exis­
tência do grupo . ' Isto me convence de que, com o grupo .
organizado, McDougall está descrevendo aquilo que cha'"
mo de grupo de trabalho . Meyer Fortes ( 1 949) , debaten­
do as opiniões de Radcliffe Brown sôbre a estrutura so�
cial, particularmente a distinção entre 'estrutura como
uma realidade concreta realmente existente' e 'forma es­
trutural', diz que a distinção acha-se associada com a
continuidade da estrutura social através do tempo . Em
minha opinião, a continuidade da estrutura social atra­
vés do tempo é uma função do grupo de trabalho .
Meyer Fortes afirma que o fator tempo na estrutura
social não é de modo algum uniforme em sua incidência
e acrescenta que todos os grupos incorporados, por de�
finição, devem possuir continuidade . Tal como com a
discussão de McDougall dos grupos organizados e não

159
organizados, assim como com a incidência do fator tem­
po, não acredito que estejamos tratando de dois tipos
diferentes de grupos, no sentido de duas reuniões dife­
rentes de indivíduos, mas sim com duas categorias dife-­
rentes de atividade mental, a coexistirem no mesmo gru­
po de indivíduos . Na atividade do grupo de trabalho o
tempo é intrínseco; na atividade da suposição básica,
êle não encontra lugar . As funções do grupo de suposi­
ção básica são ativas antes que o grupo se reúna numa
sala e continuam após o grupo haver-se dispersado . Não
há desenvolvimento nem decadência nas funções de su­
posição básica e, a êste respeito, elas diferem totalmen­
te das do grupo de trabalho . Dessa maneira, é de se
esperar que a observação da continuidade do grupo no
tempo produzirá resultados anômalos e contraditórios
se não foi r�conhecido que dois tipos diferentes de fun­
cionamento mental operam dentro do grupo ao mesmo
tempo . O homem que pergunta 'Quando é que o grupo
se reúne de nôvo?' está-se referindo, na medida em que
fala sôbre fenômenos mentais, ao grupo de trabalho .
O grupo de suposição básica não se dispersa ou se reúne
e referências ao tempo não possuem significado para
êle . Conheci um grupo de homens inteligentes, pelos
quais as horas das sessões eram perfeitamente conheci­
das, que expressou ira porque a sessão havia terminado
e . foi inteiramente incapaz, por um tempo apreciável,
de apreender um fato que não poderia ser matéria de
dúvida na mentalidade do grupo de trabalho . Aquilo que
é ordinàriamente chamado de impaciência deve, por­
tanto, no grupo de suposição básica, ser considerado
como uma expressão da ansiedade que é despertada por
fenômenos intrinsecamente unidos a uma dimensão da
qual a mentalidade de suposição básica nada conhece .
É como se um cego se desse conta de fenômenos que só
poderiam ser compreendidos por alguém a quem às pro­
priedades da luz fôssem fami1iares .
Eu descreveria os princípios de McDougall para ele­
var a vida mental a um nível mais elevado como sendo
uma expressão da tentativa de impedir a obstrução do
grupo de trabalho pelo grupo de suposição básica . Sua

1 60
segunda condição acentua a necessidade de possuir o
indivíduo uma visão clara dos obj etivos do grupo de tra­
balho . Seu quarto ponto ressente-se da falta da exis­
tência de um corpo de tradições, costumes e hábitos nas
mentes dos membros do grupo que determinem suas re­
lações mútuas e com o grupo como um todo; isto se
aproxima da opinião platônica de que a harmonia do
grupo deve basear-se na função individual e na firmeza
com que o indivíduo se restringe a ela . No entanto,
possui também afinidades com a opinião de Santo Agos­
tinho, expressa no 19.0 Livro de A Cidade de Deus, de
que uma relação correta com os seus semelhantes só
pode ser atingida por um homem que primeiramente
regulou sua relação com Deus . Isto parece contradizer
minha afirmação de que McDougall está interessHdo, em
sua descrição do grupo organizado, principalmente em
fenômenos do grupo de trabalho . A diferença entre os
dois escritores pareceria ser esta : McDougall está inte­
ressado em enfrentar as suposições básicas pelo fortale­
cimento da capacidade que tem o grupo de trabalho de
manter contato com a realidade externa, enquanto que
Santo Agostinho elabora uma técnica pela qual um gru­
po especializado de trabalho se forma com a função es ­
pecífica de manter contato com a suposição básica, em
particular com a suposição básica dependente . Vale a
pena lembrar que êle estava interessado em defender o
cristianismo contra a acusação de haver solapado tanto
o moral que Roma fôra incapaz de resistir à arremetida
de Alarico . Noutros têrmos, surgira um corpo ou um
grupo que se achava sob a suspeita de haver tratado com
as suposições básicas de maneira menos eficiente que a
de seus predecessores pagão�? . Santo Agostinho se acha
inconfortàvelmente preocupado em refutar isso . Tra­
ta-se de uma entalada com a qual aquêles que preten­
dem liderar o público ou o grupo encontram-se familia­
rizados : a estimulação e a manipulação da suposição
básica, especialmente quando feitas - pois de alguma
maneira sempre têm de ser feitas - sem algo que se
assemelha a um conhecimento apropriado ou mesmo
uma consciênçia . do que se está fazendo, tem de condu-

1 61
zir a resultados adversos e, às vêzes, até mesmo ao ban­
co dos réus .
Considerarei agora aquela parte da discussão de
Freud que gira em tôrno da afirmação de que, num gru­
po, as emoções de um indivíduo se tornam extraordinà­
riamente intensificadas, enquanto que sua capacidade
intelectual fica acentuadamente reduzida . A respeito
disto, terei algo a dizer posteriormente, quando consi­
derar o grupo do ponto de vista do indivíduo, mas de­
sejo, no momento, abordar o assunto, como Freud ( 1921,
pág. 33) faz, como um fenômemo de grupo . Nos grupos
que estudei foi natural para o grupo esperar que eu to­
masse a liderança de organizar suas atividades . Como
tiro vantagem da posição que me é assim concedida para
conduzir o grupo para a demonstração da dinâmica
grupal, a 'organização' do grupo não faz o que McDou­
gall diz que a organização do grupo deve fazer . O de­
sejo de um grupo 'organizado', no sentido que lhe dá
McDougall, é frustrado . O temor à suposição básica,
que não pode ser satisfatoriamente tratada pela estru­
tura e pela organização, expressa-se assim pela supres­
são da emoção, sendo esta uma parte essencial das su­
posições básicas . A tensão assim produzida aparece ao
indivíduo como constituindo uma intensificação da emo­
ção : a falta de estrutura promove a intromissão do gru­
po de suposição básica e, uma vez que em tal grupo,
como já disse, a atividade intelectual é de um tipo ex­
tremamente limitado, o indivíduo, conformando-se com
o comportamento imposto pela participação no grupo
de suposição básica, sente como se sua capacidade inte­
lectual estivesse sendo reduzida . A crença de que isto é
realmente assim é reforçada porque o indivíduo tende a
ignorar tôda atividade intelectual que não se ajuste à
suposição básica . Na realidade, não creio de modo a�gum
que haja uma redução da capacidade intelectual no
grupo, nem tampouco que 'as grandes decisões no cam­
po do pensamento e das descobertas e soluções momen­
tosas só são possíveis a um indivíduo que trabalhe na
solidão' (McDougall, 1 920) , embora a crença de tal
acontecer seja comumente expressa na discussão grupal

1 62
e todos os tipos de planos sejam elaborados para enga­
nar a influência supostamente perniciosa das emoções
do grupo . Na verdade, forneço interpretações porque
acredito ser possível num grupo uma atividade inte­
lectual de alta ordem, j untamente com uma consciên­
cia (e não uma evasão) das emoções dos grupos de su­
posição básica . Se se achar que a terapêutica de grupo
possui um valor, acredito que êle reside na experiência
consciente da atividade grupal dêste tipo .
Freud volta-se para a discussão de algo que surge
sob uma variedade de nomes, tal como 'sugestão', 'imi­
tação', 'prestígio dos líderes ', 'contágio'" Utilizei 'valên­
cia', em parte porque assim evitaria os significados que
já aderem aos têrmos que relacionei. 2 em park; porque
o têrmo 'valência', tal como usado em .física para mos­
trar o poder de combinação dos átomos, conduz consigo
a maior aura de sugestividade que é útil para meus
fins . Por êle, significo a capacidade que tem o indivíduo
de combinar-se instantâneamente com outros indivíduos
segundo um padrão estabelecido de comportamento -
as suposições básicas . Posteriormente, considerarei com
maiores pormenores qual o significado que devemos atri­
buir a êste têrmo, quando estiver tratando da opinião
psicanalítica sôbre a contribuição do indivíduo .
Não seguirei a discussão de Freud em minúcias, mas
passarei ao seu emprêgo do têrmo 'libido', o qual retira
de seu estudo das psiconeuroses (Freud, 192 1 ) . Aborda
êle assim o grupo pela psicanálise e esta, à luz de minha
experiência de grupo, pode ser encarada como um grupo
de trabalho que tem possibilidades de estimular a supo­
sição básica de acasalamento . Sendo assim, é possível
à investigação psicanalítica, ela própria uma parte do
grupo de acasalamento, revelar a sexualidade numa po­
sição central. Ademais, é provável que ela própria seja
atacada como constituindo uma atividade sexual, uma
vez que, de acôrdo com minha visão do grupo de acasa­
lamento, se o grupo tem de presumir que duas pessoas
se reunem, elas só podem Jazê-lo para fins sexuais .
Dessa maneira, é natural que Freud tenha de enxergar
a natureza da ligação entre os indivíduos num grupo

1 63
como libidinosa . No grupo, o componente libidinoso da
ligação é característico do grupo de acasalamento, mas
penso que êle possui uma compleição diferente no grupo
de dependência e no grupo de fuga-luta . Freud descreve
o comandante-chefe da Igreja como sendo Cristo, mas
eu diria que êle é a Divindade . Cristo, ou o Messias, é
o líder, não do grupo de dependência, mas do grupo de
acasalamento . Na psicanálise, encarada como parte do
grupo de acasalamento, o Messias ou a idéia messiânica
ocupam uma posição central e a ligação entre os indi­
víduos é libidinosa . A própria idéia messiânica se trai
na suposição de que o paciente individual merece a de­
voção muito considerável no analista, como também na
opinião, às vêzes abertamente expressa, que, em resul­
tado do trabalho psicanalítico, será aperfeiçoada uma
técnica que, em última análise, salvará a humanidade .
Em resumo, encaro o emprêgo freudiano do têrmo libido
como correto apenas para uma fase, embora importan­
te, e sinto a necessidade de um têrmo mais neutro para
descrever a ligação em todos os níveis de suposição bá­
sica . A ligação no grupo de trabalho, que encaro como
sendo de natureza refinada, é mais adequadamente des­
crita pela palavra cooperação .
A noção freudiana do líder como sendo aquêle de
quem o grupo depende e de cuja personalidade o grupo
· deriva suas . qualidades parece-me ser oriunda de sua
visão da identificação a constituir quase inteiramente
um processo de introjeção pelo ·ego; para mim, o líder é
tanto criação da suposição básica como qualquer outro
membro do grupo e isto, acho eu, é de esperar-se, se con­
siderarmos a identificação do indivíduo com o líder
como dependente não apenas da introj eção, mas tam­
bém de um processo simultâneo de identificação proje­
tiva (Iv.Ielanie Klein, 1946) O líder, no nível da suposi­
.

ç ão básica, não cria o grupo em virtude de sua adesão


fanática a uma idéia, mas é antes um indivíduo cuja
p ersonalidade o torna particularmente suscetível à obli­
teração da individualidade pelos requisitos de liderança
do grupo de suposição básica. A 'perda da distintividade
individual' aplica-se ao líder do .grupo tanto quanto a

1 64
qualquer outro - fato que provàvelmente explica al­
gumas das atitudes a que as figuras de proa se inclinam.
Assim, o líder no grupo de fuga-luta, por exemp lo, pa,
rece possuir uma personalidade distintiva porque sua
personalidade é de um tipo que se presta à exploração
pela exigência que faz o grupo de um líder que exija
dêle apenas uma capacidade para a luta ou para a fuga;
o líder não possui uma liberdade para ser êle próprio
maior do que qualquer outro membro do grupo . Será
apreciado que isto difere da idéia de Le Bon que o líder
deve possuir . uma vontade forte e imponente e da idéia
de Freud que êle corresponde a um hipnotizador . O
poder que tem deriva-se do fato de haver-se tornado,
em comum com todos os outros membros do grupo,
aquilo que Le Bon descreve como 'um autômato que
deixou de ser guiado pela sua vontade' . Em resumo, êle
é líder em virtude de sua capacidade de combinação
instantânea e involuntária (talvez voluntária também)
com qualquer outro membro . do grupo e somente difere
dêles em que, seja qual fôr a sua função no grupo de
trabalho, êle é a incarnação do líder do grupo de supo­
s:ição básica .
A opinião de Freud parece não tornar explícitas as
perigosas possibilidades que existem no fenômeno da li­
derança . Sua visão do líder·-· e, na verdade, tôdas as
outras visões de que estou ciente - não se reconcilia
fàcilmente com a minha experiência da liderança, tal
como surge na prática . O líder do grupo de trabalho,
pelo menos, tem o mérito de manter contato com a reali­
dade externa, mas nenhuma qualificação assim é exigi­
da do líder do grupo da suposição básica . A descrição
costumeira do líder parece ser uma mistura a englobar
diversos fenômenos grupais, com as características do
líder do grupo de trabalho predominando . Pelas razões
que forneci, o líder do grupo de trabalho é inofensivo
por falta de influência sôbre o grupo ou então é um ho­
mem cujo domínio da realidade é tal que êle carrega
autoridade . Dessa maneira, é provável que as discussões
de liderança coloridas principalmente por opiniões acêr­
ca das qualidades do líder do grupo de trabalho sejam

1 65
otimlsticamente tingidas . Minha op1mao do líder do
grupo de suposição básica não exclui a possibilidade de
sua identidade como o líder do grupo de trabalho, mas
permite a existência de um líder que aparentemente
evoca a adesão entusiástica do grupo, mas é despido de
contato com qualquer realidade que não seja a reali­
dade das exigências do grupo de suposição básica . Quan­
do se percebe que isto pode significar que o grupo está
sendo liderado por um indivíduo cuj a qualificação para
o cargo foi a obliteração de sua personalidade, por um
autômato, por 'um indivíduo que perdeu a sua distinti­
vidade', mas que se acha ainda tão banhado pelas emo­
•]Ões do grupo de suposição básica que carrega todo o
prestígio que se gostaria de acreditar ser a remuneração
especial do líder do grupo de trabalho, torna-se possível
explicar algumas das calamidades a que grupos foram
levados por líderes cujas qualificações para o pôsto,
quando as emoções prevalentes em seu apogeu fenece­
ram, pareceram ser despidas de substância .
Freud ( 1 9 2 1 , pág. 45) diz que o pânico é melhor
estudado nos grupos militares . Experimentei pânico com
tropas em ação em duas ocasiões e, em diversas outras
vêzes, com pequenos grupos civis, tive razões para pen­
sar que a experiência emocional apresentava uma seme­
lhança suficientemente estreita com minha experiência
militar para merecer o nome de pânico . Acho que Freud
está discutindo o mesmo fenômeno, embora tais expe­
riências não pareçam, em todos os aspectos, confirmar
as teorias freudianas . A descrição do pânico feita por
McDougall refere-se a uma experiência que penso ser
similar, em seus aspectos essenciais, à minha e obtenho
a confirmação disso quando êle diz : 'Outras emoções
cruas e primárias podem espalhar-se por uma multidão
de maneira muito semelhante, embora o processo rara­
mente seja tão rápido e intenso como no caso do mêdo'
(McDougall, 1920, pág. 24) e depois descreve numa nota
de rodapé um exemplo por êle assistido em Bornéu de
disseminação quase instantânea da ira através de uma
multidão (ibid . , pág. 26) . McDougall, assim, aproximou
muito, embora sem fazer a conexão, a ira e o mêdo,

1 66
apoiando dessa maneira minha opinião de que o pânico
é um aspecto do grupo de luta-fuga . É afirmativa minha
serem o pânico, a fuga e o ataque descontrolado real­
mente os mesmos . Não conheço a paródia de Nestroy,
citada por Freud ( 1 921, pág. 49) mas, aceitando a his­
tória tal como êle a relata, concordo que ela poderia ser
considerada como tipificando o pânico, mas acrescenta­
ria o seguinte : não existe maneira mais absoluta de
abandonar uma batalha 'do que morrer . Não existe nada
na história da fuga pânica a seguir a morte do general
que possamos encarar como incompatível com a fideli­
dade ao líder da fuga-luta; êle é seguido mesmo quando
morto, porque sua morte é um ato de liderança .
O pânico não surge em qualquer situação, a menos
que se trate daquela que poderia, do mesmo modo fácil,
ter dado origem à raiva . Não existem derivativos fàcil­
mente disponíveis para a raiva ou para o mêdo : a frus­
tração, que é assim inescapável, não pode ser tolerada
porque a frustração exige uma consciência da passagem
do tempo e o tempo não é uma dimensão dos fenôme­
nos de suposição básica . A fuga oferece uma oportuni­
dade imediatamente utilizável para a expressão da emo­
ção no grupo de fuga-luta e, assim, atende à exigência
de satisfação instantânea : dessa marre'ira, o grupo fu­
girá . Alternativamente, o ataque oferece um derivativo
semelhantemente imediato e, então, o grupo lutará . O
grupo de fuga-luta seguirá qualquer líder (e, contrà­
riamente às opiniões expressas até aqui, mantém sua
coerência em assim proceder) que dê ordens que auto­
rizem a fuga instantânea ou o ataque instantâneo. Des­
de que um indivíduo do grupo se conforme às limitações
do líder da fuga-luta, não terá dificuldade em fazer um
grupo passar da fuga precipitada para o ataque e do
ataque precipitado para o pânico .
O estímulo para o pânico - ou para a raiva, que
considero ser intercambiável - deve ser sempre um
acontecimento que caia fora das funções do grupo de
trabalho do grupo envolvido . Isto quer dizer que o grau
de organização do grupo não é um fator no pânico, a
menos que a organização (que, como disse, é uma parte

167
da função do grupo de trabalho) tenha evolvido para
enfrentar o acontecimento externo específico responsá­
vel pelo pânico . No exemplo freudiano ( 192 1, pág. 47)
de incêndio num teatro ou lugar de diversão, o grupo de
trabalho está dedicado a assistir a peça, mas não a tes­
temunhar uma conflagração e menos ainda a extin­
gui-la . O ponto essencial a respeito da organização é
que ela deve achar-se disponível tanto para o objetivo
externo do grupo quanto para a manipulação da supo­
sição básica que tal . busca mais se calcula evocar . O
pânico num exército não é produzido por um perigo mi�
litar, embora êste, pela natureza das coisas, tenha muita
probabilidade de achar-se presente . Não é provável que
êle seja produzido por qualquer situação em que o ata­
que ou a fuga são expressões apropriadas do grupo de
trabalho . Se parece surgir em tal situação, isso se dá
porque a causa real não foi observada .
É claro que entre as teorias apresentadas por Freud
e aquelas que esbocei aqui há um hiato . Êle pode pa­
recer ser mais considerável do que é por causa de meu
uso deliberado da nova terminologia com que vesti o
aparelhamento dos mecanismos que penso haver desco­
berto . Será necessário testar êstes últimos examinando
o grupo mais do ponto de vista do indivíduo. No entan­
to, antes de fazê-lo, resumirei dizendo que Freud vê o
grupo como uma repetição de relações de obj eto-parcial.
Decorre disso que os grupos, na opinião de Freud1 deve­
riam aproximar-se dos padrões neuróticos de comporta­
mento, enquanto que, na minha, êles se aproximam dos
padrões do comportamento psicótico .
A sociedade ou grupo que é saudável mostra sua se­
m elhança com o grupo de família, tal como Freud o des­
creve . Quanto mais perturbado é o grupo, menos pro­
vável é que êle seja compreendido com base nos padrões
familiais ou no comportamento neurótico, tais como os
conhecemos no indivíduo .
Isto não quer dizer considerar eu que minhas des­
crições se apliquem apenas aos grupos enfermos . Pelo
contrário, duvido muito que qualquer terapêutica real
possa ter r€'sultado, a menos que êsses modelos psicóti-

168
cos sejam descobertos em qualquer grupo . Em alguns
dêles, sua existência é discernível desde logo; noutros,
tem-se de trabalhar antes que se tornem manifestos .
�sses grupos assemelham-se ao paciente analítico que
parece muito mais enfêrmo após muitos meses de aná­
lise do que parecia antes de haver experimentado qual­
quer análise .
O indivíduo que vai a um grupo para tratar-se tem
direito a acreditar que está indo experimentar algo que
o conduzirá à cura . Quase sem exceção - e as próprias
exceções têm-se mostrado mais aparentes que reais -
os pacientes acham-se convencidos de que o grupo não
é bom e não pode curá-los . É algo como um choque para
êles descobrir, pelo menos quando sou um membro do
grupo, que o que acontece não é algo que alivia aquelas
ansiedades, mas parece ser mais uma minuciosa e dolo­
rosa demonstração de que suas suspeitas .e ressentimen­
tos vagos e mal formulados sôbre o grupo se baseiam,
tão freqüentemente quanto não, apenas em atitudes gru­
pais demasiadamente substanciais para êle.s e suas :per­
turbações . Suas suspeitas são bem fundadas; acham-se
presos, por um lado pelo menos, ao que parece ser uma
indiferença perfeitamente genuína por êles ou, pior
ainda, por um ódio a êles . Exemplo : uma mulher está
falando num grupo que consistia, nessa ocasião, em seis
pessoas e eu . Queixa-se de uma dificuldade a respeito
de comida, de seu mêdo de engasgar-se se comer num
restaurante e de seu embaraço pela presença, durante
n!lla refeição recente, de uma atraente mulher em sua
mesa . 'N�o me sinto assim', diz o Sr . A., e sua obser­
vação é acolhida por um som oriundo de um ou dois
outros, som que poderia indicar acharem-se de acôrdo
com êle . Poderia indicar e o indica, mas, ao mesmo tem­
po, deixa-os livres para afirmar (porque êste grupo tor­
nou-se agora astuto) , se surgir a necessidade, que 'não
disseram nada' . O restante olha como se o assunto não
os interessasse ou preocupasse . Se um paciente falasse
numa análise tal como a mulher falou, é claro que, de
acôrdo com o estado de sua análise, o analista não es­
peraria encontrar qualquer dificuldade maior em perce-

1 69
ber que um certo número de interpretações era pos­
sível . Não consige compreender como qualquer dessab
interpretações, que se baseiam em anos de estudo psica­
nalítico do par, tem possibilidades de serem encaradas
como apropriadas ao grupo; ou isso ou então teremos de
revisar nossas idéias do que constitui a situação analí­
tica . De fato, as interpretações que dei relacionavam-se
quase inteiramente com a indicação de que o material
que seguiu-se à confidência feita pela mulher ao grupo
indicava a ansiedade dêste em negar que a dificuldade
da mulher, por qualquer que ela fôsse, lhes pertencesse
também e, ademais, que eram, a êsse respeito, superio­
res à mulher . Pude então mostrar que a recepção que
o grupo havia dado à sinceridade da mulher tornara
agora muito difícil a qualquer um do restante do grupo
falar, individualmente, daqueles outros assuntos em que
êles, numa explosão de franqueza, estariam preparados
para admitir serem 'inferiores' . Em resumo, não foi di­
fícil mostrar que se uma paciente avançou tanto, a ponto
de vir ao grupo em busca de auxílio para uma dificul­
dade, o que ela obteve foi um aumento dos sentimentos
de inferioridade e um refôrço dos sentimentos de solidão
e falta de valor .
Ora, esta situação não é semelhante àquela que se
obtém numa análise, quando o analista conseguiu tor­
nar manifestos os mêdos e as ansiedades inconscientes.
No exemplo que forneci, não foi feita nenhuma inter­
pretação que elucidasse à mulher a significação de suas
ansiedades em comer na presença cie 'uma mulher atra­
ente ' . A série de interpretações que dei, até onde obti­
vessem sucesso, poderiam haver esclarecido para ela
as emoções desagradáveis associadas com ser-se o re­
ceptor num grupo que se está valendo livremente da
i dentificação projetiva . Poderia ter-lhe esclarecido que
sua 'refeição' na sessão estava causando o seu embaraço
e, até certo ponto, isto se achava implícito nas interpre­
tações que estivera dando ao grupo como um todo. Mas
parece justo dizer que, de um ponto de vista analítico,
a mulher não está obtendo com isso uma interpretação
satisfatória e sofre uma experiência cujo desconfôrto

1 70
não é intrínseco à sua incapacidade, mas inerente ao
fato de ser o tratamento de grupo o tratamento errado.
Há, contudo, outra possibilidade, que é : quando essa
mulher estava falando, embora não tivesse razão para
supor e ainda não suponha que ela seja mais que um
caso de psiconeurose, tôda a maneira pela qual se ex­
pressava fizeram-me lembrar intensamente da sinceri­
dade e coerência da expressão inconscie·nte que tão fre­
qüentemente contrasta, no psicótico, com a confusão
que assiste as suas tentativas de comunicação racional.
Posso tornar meu argumento claro dizendo que acredito
que se esta paciente houvesse falado, quando em análise
comigo, tal como o fêz no grupo, sua entonação e ma·­
neiras nunca me haveriam levado a duvidar que a in­
terpretação correta seria aquela apropriada a uma inca­
pacidade neurótica; no grupo, senti que tanto a maneira
quanto a entonação indicavam que seu comportamento
seria mais precisamente avaliado se fôsse encarado como
aparentado às formulações do psieótico . Visto a esta luz,
diria que ela sentia haver um objeto único, chamado
grupo, que fôra dividido em pedaços (os membros indi­
viduais do grupo} pelo seu ato de comer e que a crença
que isso assim era reforçara sentimentos de culpa que
as emoções associadas com ser a receptora das identifi­
cações proj etivas constituíssem uma falha de seu com­
portamento . Êstes sentimentos de culpa mais uma vez
tornaram-lhe difícil compreender o papel desempenhado
em suas emoções pelas ações dos outros membros do
grupo .
Até agora considerei a 'maldad e do grupo' no que
ela toca o paciente que está tentando conseguir trata­
mento; podemos agora passar a considerá-la do ponto
de vista dos membros do grupo que estiveram tentando
obter a 'cura' por mecanismos proj etivos e de divisão
descritos por Melanie Klein (1946) . Não apenas se des­
pojam êles de qualquer dos problemas da paciente, mas,
se se quer que êsse mecanismo seja eficaz, abrem-se êles
próprios à necessidade de livrat-se de qualquer sentido
de responsabilidade em relação à mulher . Fazem isso
pela expelição (splitting off) das partes boas de sua

1 71
personalidade e pela colocação delas no analista . Desta
maneira, o 'tratamento' que êstes indivíduos recebem do
grupo é, por um )ado, a consecução de um estado de es­
pírito reconhecivelmente aparentado à 'perda da distin­
tividade individual' mencionada por Freud e, por outro,
à despersonalização que encontramos nos psicóticos .
Neste ponto, o grupo encontra-se no estado que descre­
vi como tendo por dominante a suposição básica de de­
pendência .
Não irei adiante com a descrição do desenvolvimen­
to subseqüente dêste grupo, exceto para mencionar uma
peculiaridade de seu comportamento posterior muito co­
mum a todos os tipos de situações de grupo ; as comuni­
cações subseqüentes fizeram-se em têrmos de breves in­
terjeições, longos silêncios, suspiros de tédio e movimen­
tos de desconfôrto . :G:ste estado de coisas num grupo
merece uma atenção cuidadosa . O grupo parece ser ca­
paz de suportar períodos quase infindáveis de tal con­
versa ou, então, conversa nenhuma . H á protestos, mas
aturar essa monotonia parece ser um mal menor que a
ação destinada a findá-la . É impossível fornecer tôdas
as minhas razões para acreditar que esta fase do com­
portamento do grupo seja significativa . Contentar-ine-ei
em dizer que ela se acha estreitamente ligada · com a
divisão e a despersonalização acima mencionadas. Acre­
dito também que se acha ligada com sentimentos de­
depressão, provàvelmente da mesma maneira que a ma�
nutenção da posição esquizóide serve para suprimir a
posição depressiva (Klein, 1946) .

A COMUNICAÇÃO VERBAL

Neste estado, quando se fazem interpretações, elas


são desprezadas .' �ste desprêzo pode ser, tal come na
psicanálise, mais· aparente que real . Pode ser que às in­
terpretações sejam deficientes e, por causa disso, ine­
ficazes, ou pode ser que as suposições básicas sejam tão
dominantes que qualquer liderança que não incida den­
tro das limitações dêsses estados seja ignorada . Mas

1 72
mesmo concedendo estas possibilic;lades, permanece um
resíduo inexplicado . Fui forçado a chegar à conclusão
de que o intercâmbio verbal é uma função do grupo de
trabalho . Quanto mais o grupo corresponde ao grupo
de suposição básica, menos êles fazem qualquer uso ra­
cional da comunicação verbal . As palavras servem de
veículo para a comunicação do som . Melanie Klein
( 1930) acentuou a importância da formação simbólica
no desenvolvimento do indivíduo e sua discussão da de­
composição de uma capacidade de formação de símbolos
parece-me ser pertinente ao estado grupal que estou
descrevendo . O grupo de trabalho compreende êsse em­
prêgo particular dos símbolos que se acha envolvido na
comunicação; o grupo de suposição básica, não . Já ouvi
sugerir que a 'linguagem' do grupo de suposição básica
é primitiva . Não acredito que isto seja verdade : ela pa­
rece-me ser antes aviltada do que primitiva . Em vez de
desenvolver a linguagem como um método de pensa­
mento, o grupo utiliza uma linguagem existente como
um modo de ação . �ste modo de comunicação 'simpli­
ficado' não possui nada da vitalidade da linguagem pri­
mitiva ou antiga. Sua simplicidade é degenerada e avil­
tada . O contraste com êste estado de coisas é fornecido
pelas ocasiões em que um grupo, ciente das inaproprie­
dades de seu vocabulário, tenta debater e concordar
sôbre os têrmos que desejam utilizar no grupo . Neste
exemplo, poder-se-ia dizer que se vê a evolução de um
método científico 'primitivo' como parte da função do
grupo de trabalho, mas não há nada de aviltado a res­
peito dêle . Faltam à 'linguagem' do grupo de suposição
básica a precisão e o escopo que são conferidos por uma
capacidade de formação e uso de símbolos : êste auxi­
liar do desenvolvimento acha-se portanto faltando e os
estímulos que ordinàriamente promoveriam o desenvol­
vimento rião têm efeito . Mas bem se poderia reivindicar
para os métodos de comunicação que o grupo emprega
o título de Lingüística Universal, conferido por Croce à
estética . Por diversas que sej am suas culturas, línguas e
tradições, qualquer grupo humano compreende instan-

173
tâneamente todo outro grupo humano no nível das su­
posições básicas .
Como exercício de aplicação de algumas das teorias
que estive apresentando, exemplifiquei com o relato bí­
blico da construção da Tôrre de Babel . 1 O mito reúne
(muito à maneira pela qual as assodações de um pa­
ciente psicanalítico se reúnem) os seguintes componen­
tes : uma linguagem universal; a construção pelo grupo
de uma tôrre que é sentida pela Divindade como uma
ameaça à sua posição; a confusão da linguagem uni­
versal e a dispersão dos povos pela face da terra . Que
espécie de acontecimento acha-se encerrado neste mito?
Utilizarei minhas teorias para interpretá-lo como corpo­
rificando um relato do desenvolvimento da linguagem
num grupo com a dominância da suposição básica de
dependência . O nôvo desenvolvimento - vale a pena
lembrar que Freud escolhe o desenvolvimento da lingua­
gem como um exemplo de atividade grupal de elevada
ordem mental - em si próprio exige novos desenvolvi­
mentos no grupo; tomo isto como implícito no simbolis­
mo da tôrre, cuja construção ameaça a supremacia da
Divindade . A idéia de que a tôrre atingiria o Céu intro­
duz o elemento de esperança messiânica que encaro
como intrínseco ao grupo de acasalamento . Mas uma
esperança messiânica que é preenchida viola o cânone
na suposição básica de acasalamento e o grupo se dis­
persa em cismas .
Melanie Klein ( 1 930) demonstrou que a incapaci­
dade de formar símbolos é característica de certos indi­
víduos . Ampliaria isto para incluir todos os indivíduos
em suas funções como membros do grupo de suposição
básica .

1 Gênese, XI, 1-9. �ste relato faz parte do chamado código Jeovista
e, dessa maneira, poderia ser considerado. como um exemplo de regis­
tro feito por um grupo com a suposição básica de dependênc�a em
dominância, quando ameaçado pelo surgimento da suposição básica do
acasalamento.

1 74
RESUMO

A visão de Freud da dinâmica do grupo parece-me


exigir mais uma suplementação que uma correção . Há
ocasiões em que a interpretação adequada é aquela que
chama a atenção para um comportamento do grupo que
seria apropriado se fôsse uma reação a uma situação
familial . Em outras palavras, há amplas provas da idéia
freudiana de que o grupo de família fornece o padrão
básico para todos os grupos . Se não acentuei as provas
disto, é que essa opinião não me parece ir suficiente­
mente longe . Duvido que qualquer tentativa para esta­
belecer um procedimento terapêutico de grupo possa
obter êxito se limitar-se a uma investigação dos meca­
nismos derivados daquela fonte . Iria ainda mais longe :
penso que a posição central da dinâmica de grupo é
ocupada pelos mecanismos mais primitivos que Melanie
Klein descreveu como peculiares às posições paranóide­
esquizóide e depressivas . Noutras palavras, sinto, mas,
com minha experiência lirilitada, não gostaria de ser de­
safiado a provar, que não se trata simplesmente de um
caso de deficiência da iluminação fornecida pela desco­
berta freudiana do grupo de família como protótipo de
todos os grupos, mas o fato é que essa deficiência deixa
de fora a fonte dos. principais impulsos emocionais no
grupo .
Pode ser, naturalmente, que isto seja um artefato
produzido pela frustração do desej o do indivíduo de ficar
sozinho comigo no grupo . Não desejo minimizar a im­
portância disto, mas, na verdade, não acredito que os
fenômenos a que assisti sejam peculiares a um grupo
terapêutico . Todos os grupos estimulam e · ao mesmo
tempo frustram os indivíduos que os compõem, porque
o indivíduo é impelido a buscar a satisfação de suas ne­
cessidades em seu grupo e, ao mesmo tempo, é obstado
neste obj etivo pelos mêdos primitivos que o grupo des­
perta .
Recapitulando : qualquer grupo de indivíduos que se
reúne para trabalhar mostra a atividade do grupo de
trabalho, isto é, um funcionamento mental proj etado

175
para promover a tarefa em execução . A investigação
mostra que aquêles objetivos são às vêzes entravados e
ocasionalmente promovidos por impulsos emocionais de
origem obscura . É dada uma certa coesão a estas ativi­
dades mentais anômalas se se presumir que, emocional­
mente, o grupo atua como se possuísse certas suposições
básicas sôbre os seus objetivos . Estas suposições básicas,
que parecem ser bastante apropriadamente esboçadas
por três formulações - dependência, acasalamento e
luta ou fuga - são, prosseguindo-se a investigação, vis­
tas a deslocar-se mutuamente, como que em resposta a
algum impulso inexplicado . Elas parecem, ademais, pos­
suir algum laço comum ou, talvez, serem mesmo diferen­
tes aspectos umas das outras . Investigações ulteriores
demonstram que cada suposição básica contém aspectos
que correspondem tão estreitamente a obj etos parciais
(part objects) extremamente primitivos que mais cedo
ou mais tarde a ansiedade psicótíca pertencente a essas
relações primitivas é liberada . Estas ansiedades e os me­
canismos que lhes são peculiares j á foram apresentados
na psicanálise por Melanie Klein e suas descrições har­
monizam-se bem · com os estados emocionais que encon­
tram um derivativo na ação de massa do grupo num
comportamento que parece ter coerência, se fôr consi­
derado como o resultado de uma suposição básica . Abor­
dadas do ângulo da atividade do grupo de trabalho re­
finado, as suposições básicas parecem ser a fonte de im­
pulsos emocionais dirigidos a objetivos muito diferentes,
tanto da tarefa manifesta do grupo, quanto das tarefas
que pareceriam · ser apropriadas à visão freudiana do
grupo como baseado no grupo familial . Entretanto,
abordados do ângulo da ansiedade psicótica associada
com fantasias de primitivas relações de objeto-parcial
(part-object) , descritas por Melanie Klein e seus colabo­
radores, os fenômenos de suposição básica parecem mui­
to mais possuírem as características de reações defen­
sivas contra a ansiedade psicótica e não se acharem tão
em variância com as opiniões de Freud como serem su­
p lementares a elas . Em minha opinião, é necessário
elaborar as tensões que pertencem a configurações fa-

1 76
miliais quanto as ansiedades ainda mais primitivas das
relações de objeto-parcial . Na verdade, acho que essas ·
ansiedades primiti�as encerram as últimas fontes de
todo o comportamento de grupo .
Se achar�se que a tentativa de estabelecer um pro-. ··
·
cedimento terapêutico de grupo como método para tra­
tar o indivíduo vale a pena, os psicanalistas serão acon­
selhados a encontrar um nome nôvo para êle . Não posso
ver qualquer justificação científica para descrever o
trabalho do tipo que tentei como sendo psicanálise e já
dei minhas razões para tal (págs. 165-9 ) . Soma-se a isso
o fato (de que todos nos damos perfeita conta ) de que
"a amarga experiência nos ensinou que a resistência
contra o inconsciente pode ser tão sutil que chegue a
deformar as descobertas analíticas e reinterpretá-las em
apoio de alguma defesa pessoal" (Jones, 1952) , de ma­
neira que o têrmo psicanálise deverá continuar a ser
aplicado, até onde possamos controlar a situação, aos
princípios fundamentais da psicanálise . Resta a ques­
tão de que valor terapêutico deve ser atribuído ao pro­
cedimento que tentei descrever . Não penso que tenha
chegado a hora de dar uma opinião definitiva e acredito
que pode haver campo para psicanalistas plenamente
qualificados prosseguirem as pesquisas sôbre o seu valor,
possivelmente com grupos compostos de indivíduos que
estejam fazendo ou já fizeram uma psicanálise .
Como descrição da dinâmica de grupo, cada indi­
víduo encontra-se em posição de decidir por si próprio
se as teorias que esbocei fornecem significado aos fe­
nômenos a que êle, no curso de sua vida diária como
membro de um grupo, pode testemunhar .

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178
íNDICE ANALíTICO E REMISSIVO

ala de reabilitação (militar) , 3, 1 8 cena primária, 1 3 8, 1 5 1


- esprit de corps em uma, 1 3 Cidade de Deus, 1 1 8, 1 6 !
- organização de uma, 3 cisma, 1 1 6-7 ·

Alarico, 1 6 1 ciúme, 66
Clay,
alucinações,
- sôbre o dinheiro, cit., 9!1
- situação de grupo e produção
Clínica Tavistock, a,
de, 48
- Comissão Profissional da, 2 1 ,
análise de grupo ver também te­ 25, 29, 32
rapia de grupo (análise) e psi­ comêço do grupo, 78, 82
quiatra (grupo) (analista) compra de noiva, 1 0 1
analista ver psiquiatra (grupo) (ana- comunicação verbal, 172-4
lista) comunidade, a,
ansiedade, - não-cooperação e, 1 1 - 1 2
- atitude inquiridora e, 1 5 0 - neurose e , 5, 6
� causa da, e liderança d o gru­ contratransferência, 1 3 7-8
po, 1 1 1-4 controvérsia homoousiana, 89
- liderança do grupo de trabalho cooperação, 8 1 , 1 05, 124
e, 1 1 1-3 corpo da mãe,
- psicótica, 1 5 1 , 176 - cena primária do grupo e, 1 52
'Apresentação', 57n - grupo e, 1 5 0
aristocracia, 125, 154 cristianismo, 1 6 1
- esperança messiânica e, 146 Croce, 173
cultura de grupo, 47, 48, 49, 5 1-2,
Aristóteles, 45
53, 57, 63, 64
atividade intelectual ( habilidade,
- mudanças, 65
capacidade ) , 1 62 curso de dança,
ATS, 12 - formação de um, 1 2
ausentes,
·� efeito sôbre o comportamento
do grupo, 39, 40- 1 , 45, 49, 5 0
desenvolvimento,
- suposições básicas, tempo e,
1 46
'bíblia' ( grupo ) , 143, 1 52 despersonalização, 1 72
'bom espírito de grupo', 17-8 Deus, 1 1 1 , 1 1 3 , 1 1 8, 135, 1 3 6
'bondade', 83 dificuldades com comida,
Bornéu, 1 66 - de uma paciente, 1 69- 1 7 1

1 79
dinâmica de grupo, 1 29-78 - cit., 1 72
dinheiro, 98- 1 0 1 - crítica da discussão dos grupos
disciplina para o neurótico, 4-7 por, 122
divindade do grupo, - sôbre a família e o grupo, 15 2,
- grupo de dependência e, 1 3 6, 175, 176, 177
153 sôbre o indivíduo e o grupo,
- psiquiatra como, 89-90 cit., 1 2 3 , 157
'dual ', sôbre o instinto social, 1 20
- do grupo de dependência, sôbre o líder do grupo, 1 64
1 0 8- 1 1 - sôbre a linguagem e o grupo,
.
- de situações, 78-8 1 174
doença ver também doenças de sôbre McDougall e o grupo,
.
grupo, 1 24, 1 59
- estudo da, 99 sôbre a natureza libidinosa do
doenças de grupo, 92-93 grupo, 1 6 3
doenças psicossomáticas, 97 sôbre o pânico e o grupo, 166,
167
sôbre a psicologia individual e
de grupo, 1 1 9-20, 155-6
Einzig,
sôbre as relações de objeto­
- sôbre a moeda, 99 parcial e o grupo, 168
esfinge, 150 sôbre a regressão e o grupo,
Esopo, 130
- rãs em, 1 1 2- 1 3 - transferência e , 94, 1 2 5
esperança, 1 39-40 frustração nos grupos, 46
Estado do Bem-J:<:star, fuga ver grupo de fuga-luta
- sbL> e, 1 1 3 , 1 1 5
estrutura social, 159
Estudo de História, Um, 109
Gênese, XI, 1-9, 1 74n
Exército, 125, 144, 146, 154
gestos,
Exército Britânico, 74n
- comunicação por, 62
expelição, 1 7 1
Gibbon, 89
'Experiência de Northfield', 74n
gregário,
'Experiência de Wharncliffe', 74n
- o instinto, 1 56-7
grupo, o
- os pré-requisitos essenciais do,
família, a, 120- 1 , 122, 1 56 .
- grupo e, 6 1 , 1 68, 1 75-6, 177 grupos de acasalamento (par, es ) ,
faraós, 64, 66, 72, 87, 1 54
- psicoterapia dos, 1 1 O - ansiedade psicótica e, 1 5 1
Fases Primitivas do Conflito Edi­ - aristocracia e, 126, 1 5 4 ·

piano, 152-3 esperança e, 1 39-40


faxina da enfermaria, I O esperança messiânica e, 1 39-40,
fenômenos (sistemas ) protomen­ 144, 1 5 3
tais, 90-3 ver também pm, - líder futuro e , 1 39, 1 42
pmL>, pmL>·A , pmA - suposições básicas e, 55, 56
formação de símbolos, 172-3, 174 grupo de dependência ver também
Fortes, Meyer, sbL>, 65, 69-77, 108- 1 1 1 , 1 5'4
- sôbre a estrutura social, 1 59 - afastamento do, 8 1 -2
Freud, 1 1 6, 129, 1 3 1 , 14 1n, 144n, divindade grupal no, 1 3 5, 1 5 3
1 62, 163 - Estado d o Bem-Estar e, 1 1 5

180
grupo especializado de traba­ nação em, 1 O 1
lho e, 1 44-5, 1 56 Halliday, 97
grupo de trabalho e, 88-9 Heimann, Paula, 1 5::C, 1 52n
liderança patológica no, 1 1 0- 1 1 Hobbes, 1 19
religião e, 7 6-77 Hospital de Emergência de Wharn-
Santo Agostinho e, cliffe, 74n
segurança no, 84 Hospital Militar de Northfield, 74n
- suposições básicas, 1 3 5
horda, a,
- tuberculose e, 9 6
- identificação com, 80, 8 1
grup o da enfermaria, 1 5-8 hospital psiquiátrico militar, 3, 1 8
grupo · especializado de trabalho
- problemas no, 3, 4
ver em grupo de trabalho e
hostilidade no grup o, 60, 6 1 , 75
também Exército, Igreja Human Relations, IX
grupo 'estável', 1 52
grupo de fuga-luta, 55, 5 6, 57, 58,
63, 64, 65, 66, 67, 87, 140,
148 identificação projetiva, X
grup o de dependência e, 72, 73, - análise de grupo e, 1 3 7
82 - líder e , 1 64
grupo especializado de trabalho Igreja, 125, 144, 145, 1 54
e, 143, 144, 1 45, 146 inconsciente,
- liderança do, 149, 164, 1 67
- Jones sôbre o, cit., 1 77
- segurança no, 84-5
indivíduo, o,
grupo organizado, 124, 1 57, 1 58,
- dilema do, e o grupo, 106-7
1 59, 1 60
grupo refinado ver também grupo - fenômenos protomentais e, 9 1 c2
de trabalho Freud sôbre, o grupo e, cit.,
- suposições básicas e, 86-7 1 24
grupo religioso, 75�7 'grupalidade' do, 120, 1 2 1 , 1 22,
grupo terapêutico ver terapia de 1 56, 1 5 7
grupo (análise) e psiquiatra grupo e , 44, 45, 46, 48, 49, 5 1 ,

(grupo) (analista) 5 3 , 5 6 , 57, 66, 1 1 8, 175


grupo de trabalho, 1 17, 1 1 8, 123, os grupos b ásico e refinado e,
1 3 1-34 86
- ansiedade do, liderança e , 1 1 1 - independência e submersão no
12 grupo, 80- 1
- especializado, 144-6 McDougall sôbre, cit., 1 62
- especializado e Messias ( espe- segurança no grupo e, 86
rança messiânica) , 1 40, 1 47-9 temerosidade e, no grupo de
p
- es ecializado e suposições bá­ dependência, 72
sicas, 1 45 - valência e, 1 05-6
função, 1 32, 1 4 1-2 indivíduos não cooperativos,
grupo organizado (de McDou­ - problema dos, 1 0, 1 1, 1 2
gall) e, 124, 1 57, 158, 1 59, 1 60 instinto social, 1 1 9-2 1
liderança do, 1 65 interpretações ver em psiquiatra
linguagem e, 1 7 3 (grupo ) ( analista)
suposiç,ões básicas e, 88-9, 90- 1 introjeção,
realidade e, 1 1 6, 126 -· grupo e, 1 52
tempo e, 1 59 - líder e, 1 64
guerra, ira, 66, 1 60

181
Jones, Ernest, - Freud sôbre o grupo e, cit., .
- sôbre o inconsciente, cit., 177 123, 159-60
- sôbre o grupo organizado, 1 24,
1 57, 1 5 8 , 1 59
- cit., 1 5 7
Klein, Melanie, X, 129, 1 37, 1 5 0n, sôbre o indivíduo, cit., 1 6 2
1 52, 1 52n, 164, 1 7 1 , 1 72, 174, sôbre o pânico, cit., 1 66
175, 176 - sôbre a psicologia de grupo,
156
- sôbre a vida mental coletiva,
Le Bon, 120, 129, 1 5 5 grupo e, 1 6 0
- críticas de Freud sôbre, 1 23-4, mentalidade de grupo, 42, 44-5,
1 57-8 46, 47, 48-9, 5 1 , 52, 53
sôbre grupos, 123 - definição da, 57
Messias (esperança messiânica)
sôbre a liderança do grupo,
- grupo de acasalamento e, 1 39,
158
140, 143, 1 5 3
cit., 1 65
- grupo especializado d e traba-
sôbre a psicologia do grupo,
lho e, 148
156
- grupo de trabalho e, 1 5 0
'libido', 163 - psicanálise e, 164
liderança no grupo, 23, 25, 26, 30, - Tôrre de Babel e, 174
3 1 , 47, 50, 1 3 9, 142-3, 1 54
de acasalamento (futuro ) , 138,
142
neurose,
de dependência, 76-7
de dependência, psiquiatra e, - comunidade e, 5, 6
Nietzsche, 1 1 9
69, 70, 72, 73, 74, 74n
nomes, 1 3 2
Freud sôbre a, a discussão ge­
ral, 1 64-5
de fuga-luta, 58, 140- 1, 149,
167 ódio, 5 9 , 62, 6 6
de fuga-luta, mãe e, 6 1 , 66 ódio a aprender pela experiência,
de fuga-luta, pai e, 6 1 77-82
- Le Bon sôbre a, 1 5 8 oscilação emocional num grupo,
- psiquiatra e , 5 7 , 5 8 , 65-6 1 1 3-5
psiquiàtricamente perturbado,
59, 1 1 0- 1 1
de trabalho, 1 65
padrão de pátio de recreio (play-
de trabalho, psiquiatra e, 149
ground ) , 49
líderes religiosos, 109, U 0- 1 1
linguagem, 173 pai, 6 1
-< a Tôrre de Babel e desenvolvi­
pânico, 1 66, 1 67
mento do grupo, 1 74 paródia de Nestroy, 167
Lingüística Universal, 173 pirâmides, 1 09
Platão, 1 1 8, 1 6 1
pm ver também fenômenos (siste­
mas) protomentais, 1 00
magia, 87 - definição, 9 5
'maldade', 83, 104 pmD ver também fenómenos (sis­
McDougall, 120, 129, 155 temas) protomentais, 9 6

182
- definição, 9 5 - interpretações do, 27-9, 3 0, 3 1 ,
pmDA ver também fenômenos (sis­ 32, 36-7, 40, 4 1 , 48, 5 1 , 63,
temas) protomentais, 87, 1 14-5
- tuberculose e, 97 - interpretações de, apresentação
pmA ver também fenômenos (sis- de, 52
temas ) protomentais, 96 - interpretações do, indivíduo,
poder, IX, X 1 04-5, 1 06
Política, 45-6 - interpretações do, ocasiões para,
posição depressiva, X, 1 52, 172, 1 3 0-1
175 - interpretações do, reações a,
posição esquizóide, 172 5 3 , 57, 59
posição paranóide-esquizóide, X, - interpretações do, reações sub­
1 5 0, 1 52, 175 jetivas (do analista) às, 1 3 5-6
pôsto, - interpretações do, resistência a,
- problemas de, 1 6 62-3
preço de noiva, 99, 1 00 - liderança e, 56, 65-6, 73, 145,
procriação, 125, 15 5 149
projeção, - necessidade do grupo de segu-
� o grupo e, 1 52 rança do,· 57
psicanálise, 23, 54, 63, 64, 65, 79, - perspectiva e, 78
1 1 9, 120, 1 3 8, 1 39, 142, 149, - posição do, 5 1 , 68
152n, 174 - qualidades necessárias ao, 14
- análise de grupo e, 7 1 -2, 83, psicoterapia,
1 04, 1 1 0, 176 - Faraós e, 1 1 O
- análise de grupo (dificuldades
de .uma mulher com a comi�
da) , 1 69-7 1
- elementos sexuais da, 125, Quefrén (Faraó ) ; 1 09, 1 1 0
. Quiggin, Hingston,
1 54-5, 1 6 3
- estudo de personagen·s históri­ - cit., 99
cos em, 122-3
- grupo de acasalamento (par)
e, 120, 1 25, 163 recluso, o, 122
- grupos e, 123, 1 3 0, 1 5 3 , 154-72 regressão,
- Messias e, 1 64 - o grupo e, 129-30
psicologia de grupo, Rei Saul, 1 1 2
- natureza essencial da, 120- 1 religião,
- psicologia individual e, 1 1 9-20 - o grupo de dependência e, 7 5-7
Psicologia de Grupo e a A nálise Rickman, John, IX, 3n, 57, 74n
do Ego, 1 1 9, 129n - crítica da nomenclatura de re-
psicologia individual, 1 1 9-20 lações bipessoais, tripessoais de,
- psicologia de grupo e, 123, 122
1 55-6
Roma, 1 6 1
psiquiatra (grupo) (analista), 22-50
- como bebê, 1 09
- como paciente, 1 07-8
- como pai, 6 1 , 66 sala d e descanso, 8 , 1 0
- divindade grupal e, 89-90, 1 3 5 Samuel, 1 1 1
- interpretações das dificuldades Santo Agostinho, 1 1 8, 1 1 9, 1 6 1
de uma mulher com comida, s b ver também suposições básicas
1 69-71 (grupo ) , 9.7, 1 0 1 , 102, 1 1 5

183
- definição, 9 5 - linguagem e, 173
sbD ver também grupo de depen­ - participação em, 85, 86
dência, 96, 99, 1 00, 1 0 1 , 1 05, - relações entre, 147-52
1 06, 1 1 1 , 1 1 2, 1 1 5, 1 1 8, 125 - sôbre a segurança quanto ao
- definição, 95
psiquiatra, 57
- dual da, 1 08- 1 1 1
- , tempo e, 159
- Estado do Bem-Estar e, 1 1 3,
115 - tempo e desenvolvimento e,
- tuberculose e, 9 6 1 46-7
sbF ver também grupo de luta­
fuga, 96, 99, 1 00, 1 0 1 , 1 06,
1 1 9, 125 T ver também grupo de trabalho,
definição, 95 1 01 , 1 06, 1 1 1 , 1 1 3, 1 1 5, 1 1 6,
tuberculose e, 97 1 1 9, 123
sbA ver também grupo de acasa­ - definição de, 95
lamento, 96, 1 00, 1 0 1 , 1 06, tamanho do grupo, 18
125, 126 temerosidade, 72
- definição, 9 5 tempo, 1 59-60
segurança, - suposições básicas, desenvolv i­
- o indivíduo, grupo e, 8 1 , 84-5 mento e, 146•7
Serviço Nacional de Saúde da Grã- terapia de grupo (análise) ver tam­
Bretanha, 98 bém psiquiatra (grupo) ( ana­
sexo (sexualidade ) , lista)
- embaraços do grupo de depen- - aplicação da, numa pequena
dência, 66 enfermaria, 1 5 - 1 8
- intercâmbio do grupo e, 54-5 - conceito de grupo terapêutico,
- psicanálise e, 125, 1 54-5, 1 63 68
situação edípica (conflitos, figu- - definição da, 3
ras, mito ) , 149, 1 50, 1 5 1 - discussão ( exemplos ) , 3 3 -4,
- Melanie Klein sôbre a, 1 52 3 8-9, 43-4
soberania, IX, X - gênese da, 2 1
subgrupos ver também aristocra­ - organização do exército da,
cia, 1 1 6-7, 146 8, 9
suposição (ões) básica(s) ( grupo) - psicanálise e, 7 1 -2, 83, 1 04,
(em geral) ver também sb, sbD, 1 10
sbF, sbA e em grupo de de­ - psicanálise e, (as dificuldades
pendência, grupo de acasala­ de uma mulher com a comida) ,
mento (par), grupo refinado, 1 69-7 1
grupo de trabalho, 54, 55, 56, - psicanálise e avaliação final da,
86, 124, 1 3 4-4 1 , 1 5 3-4, 1 6 1-3, 176-7
1 76 - tensões na, 3 -1 8
características comuns a, 141- - valor terapêutico da, 177
143 tirotoxicose, 92
- dinheiro e, 99- 1 00 Tôrre de Babel,
- fenômenos protomentais e, 9 1 , - desenvolvimento da linguag�m
93 de grupo e, 174
formas aberrantes d e mudan­ Totem e Tabu, 1 1 0, 120, 120n,
ça de uma para outra, 1 43-4 1 3 2n
guerra e, 101 Toynbee, 94, 1 09, 1 1 0
indivíduos e, 84 transferência, 94

184
- grupo e, 23-4 valência, 1 05-6, 124, 1 4 1 , 1 58,
- de grupo, 1 25, 154 1 63
tratamento individual, vontade do grupo, 5 1
voracidade,
- grupo e, 7 1 - culpa no grupo "dependente" a
Trotter, Wílfred, 14 ln, 155 respeito da, 66
- instinto gregário de, 1 56-7
tuberculose,
- pmDA e, 97
wergild, 99, 1 00
- sbD e, 95-6, 97 Wittkower, Maj. Eric,
� sbF e, 97 - cit., 7

185

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