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9/17/2020 Uma carta a meu amigo Caetano Veloso, que, como eu, é do balacobaco - 16/09/2020 - Contardo Calligaris - Folha

Contardo Calligaris (/colunas/contardocalligaris/)


ccalligari@uol.com.br (mailto:ccalligari@uol.com.br)

Uma carta a meu amigo Caetano Veloso, que,


como eu, é do balacobaco
Continuo gostando da matriz libertária do liberalismo

16.set.2020 às 23h15

EDIÇÃO IMPRESSA (https://www1.folha.uol.com.br/fsp/fac-simile/2020/09/17/)

Caro Caetano, foi muito bom escutar sua entrevista com Bial, no dia 4 de
setembro, e agora assistir a “Narciso em Férias”
(https://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2020/09/filme-sobre-caetano-mostra-a-relacao-entre-repressao-politica-e-

censura-moral.shtml), na Globoplay.

Tem um momento da entrevista com Bial em que você fala que o seu olhar
sobre o século 20 mudou.

Nos últimos dois anos, os horrores do nazifascismo e os do socialismo real


lhe parecem poder ser considerados e talvez julgados de maneira diferente.

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Luciano Salles/Folhapress

Essa mudança, você atribui à leitura de um autor italiano, Domenico Losurdo


(https://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2020/09/quem-e-losurdo-o-teorico-marxista-que-refez-a-cabeca-de-

caetano.shtml), que eu desconhecia até então. Losurdo foi um escritor prolífico;


escolhi ler “Contra-História do Liberalismo” (ed. Ideias e Letras) além de
escutar entrevistas e depoimentos. E aqui vai o que pensei.

Imagino que nós tenhamos em comum uma paixão libertária, ou seja, a


sensação de que existe uma dimensão da liberdade individual que é
irrenunciável, e que o coletivo (desde o governo até a turma dos boçais no
boteco da esquina) é sempre, em alguma medida, inimigo dessa liberdade.
Por isso talvez tenhamos tido, inicialmente, uma simpatia compartilhada
pelo liberalismo (https://www1.folha.uol.com.br/colunas/contardocalligaris/2017/09/1920356-brasileiros-mais-
um-esforco-para-sermos-liberais.shtml).

Na minha história, não foi difícil: cresci sabendo que os liberais eram
antifascistas irredutíveis, de Luigi Einaudi (segundo presidente da República
Italiana, que deixou o jornalismo em 1926, com a chegada do fascismo) a
Piero Gobetti (que chegou a declarar que a Revolução Russa poderia ser uma
revolução liberal e acabou morrendo em Paris das sequelas de seu
linchamento por milícias fascistas) e, enfim, até o meu pai, liberal e
partigiano

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partigiano.

Mais tarde, descobri que havia, no dito partido liberal, sinistras figuras
dispostas a simpatizar com o próprio neofascismo para se defender do
perigo (suposto ou não) socialista ou comunista.

Essa covardia dos liberais dos anos 1960


(https://www1.folha.uol.com.br/colunas/contardocalligaris/2019/10/o-espirito-de-1966.shtml) foi o que me
levou para a esquerda.

A esquerda italiana dos anos 1960 era (Gobetti não teria hesitado em dizer)
uma boa casa para um liberal.

O Partido Comunista Italiano não tinha grande simpatia pelo Grande


Expurgo, ou pelos processos de Praga de 1952.

Se precisasse, uma viagem ao outro lado da Cortina de Ferro bastaria para


verificar que não eram só as meias de náilon que faltavam: a pior falta era a
daquela liberdade pela qual tenho uma paixão que imagino compartilhar
com você.

“Origens do Totalitarismo”, de Hannah Arendt,


(https://www1.folha.uol.com.br/livrariadafolha/2014/10/1522279-leia-trecho-de-origens-do-totalitarismo.shtml)

publicado em 1951, levou tempo para ser lido e entendido, mas acabou sendo
um dos livros cruciais na minha formação.

No começo dos anos 1990, meu doutorado era uma interrogação sobre o que
permite o horror no comportamento do homem comum quando ele se torna
funcionário de um regime integralista ou totalitário, seja ele qual for,
nazifascista ou socialista.

No livro que eu li, Losurdo faz uma longa crítica do liberalismo baseada no
fato de que liberais famosos e fundadores, como John Locke, possuíam
escravos. O que é homólogo a dizer que Engels e Marx não podiam ser
socialistas porque viviam graças ao trabalho dos operários da fábrica de
Engels.

A i ã i li d d d d d d ã é

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As coisas são mais complicadas, e a mudança dos modos de produção é


lenta. Mais importante: em um vídeo, Losurdo aponta uma diferença entre a
violência de Toussaint l’Ouverture (que liberou o Haiti da escravatura e dos
franceses) e a violência do general francês que a ele se opunha. Haveria, em
suma, uma violência a fim do bem (abolir a escravatura) e uma violência do
mal (manter o poder colonial).

Eu sempre fico com calafrio quando alguém defende uma violência “a fim do
bem”. Afinal, 60 mil mulheres foram destroçadas, torturadas e queimadas,
na Europa da Renascença, tudo a fim do bem: a alma dessas “bruxas” teria
assim mais chances de subir aos céus.

Não tem um massacre sem um bem pelo qual ele teria sido decidido.

Não quero ter a paciência para descobrir e lembrar os bens diferentes pelos
quais o socialismo real massacrou. Até porque aposto que sempre o que ele
realizou de melhor poderia ser realizado sem massacrar ninguém. E
deixando ainda a liberdade infinitamente mais solta.

Em suma, talvez não tenha lido Losurdo o suficiente, mas não consigo
abandonar a ideia de totalitarismo ou integralismo como efeitos colaterais
de qualquer coletivo, que é sempre organizado sobretudo pelo medo da
liberdade individual.

E continuo gostando da matriz libertária do liberalismo. Deve ser por isso:


embora envelhecendo, eu, como meu amigo Caetano, sou do balacobaco…

Contardo Calligaris
Psicanalista, autor de 'Hello Brasil!' (Três Estrelas), 'Cartas a um Jovem Terapeuta' (Planeta) e
'Coisa de Menina?', com Maria Homem (Papirus)
witter.com/ccalligaris)

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