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Vernacular
Construído 1
o beiral,
o espigueiro
o beiral,
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02 Introdução 06 A Vernaculidade Contemporânea
p ág . 0 8 e os Novos Usos
— pág. 32
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03 A cultura do milho
p ág . 0 9 07 Celeiros pelo mundo
— pág. 44
—
04 Tratamento do Milho:
Ciclos e Processos – Tradição Imaterial 08 Bibliografia
p ág . 1 6 pág. 52
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01 Apresentação 7
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1. Carta del Património Vernáculo Construído (1999), ICOMOS. México, Outubro de 1999. [Em linha] http://www.
icomos.org/charters/vernacular_sp.pdf. [pdf].
2. Idem. p. 1.
3. Idem. p. 1 e 2.
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02 Introdução 03 A cultura do milho 9
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património pretende contribuir para a Esta é uma das mais interessantes facetas de
4. Câmara Municipal do Seixal, Ecomuseu – Terra Mãe, Terra Pão. Seixal: CMS, 1997. ISBN: 972-9149-59-3. p.19.
5. IBERNARDO, Edgar; MARTINS, Elisabete – Vivências Passadas, Memórias Futuras: A cultura do linho,
pão e vinho. Felgueiras: Município de Felgueiras, 2011. ISBN: 978-989-8221-07-0. p.63.
6. Idem. p.67.
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trabalho era feminina7. mais húmidos, o milho deve ser muito bem
7. SOEIRO, Teresa – A indústria de mortalhas em palha de milho no concelho de Penafiel. Penafiel: Cadernos do
Museu, MMP, 1995 vol.1 ISSN: 0873-5484. p. 6 e 7.
8. RIBEIRO, Orlando – Portugal: o Mediterrâneo e o Atlântico. Lisboa: Livraria Sá da Costa Editora, 1986. 4ª Edição.
>>>> • Indigna com espiga de milho. Fonte desconhecida.
O ciclo dos cereais é um processo bastante semeio, acreditando que a semente germi- segundo o método tradicional, onde irão vermelha, pela sua forma e cor, é associada
complexo, variando consoante as necessi- nará mais rápido. É importante que este apodrecendo com o passar do tempo, a fim à fecundidade e ao relacionamento sexual15.
dades do tipo, do clima meteorológico e deva ter em conta a direção do vento e a de fertilizarem a terra. Terminado este processo, as espigas,
do terreno onde é cultivado. boa repartição dos grãos, para que estes Algumas semanas depois, já na eira, proce- expostas inicialmente alguns dias na eira,
O início do ciclo dá-se com a preparação cresçam uniformemente pelo terreno. Por de-se à desfolhada, sendo este um trabalho eram então armazenadas nos espigueiros ou
do solo, a sementeira propriamente dita e este mesmo motivo, as sementes, lançadas que consiste em separar a espiga das folhas no sobrado do beiral, quando o espigueiro
a cobertura das sementes. A preparação pelo homem, são atiradas ao alto e para que a envolvem. era inexistente.
do solo passa pela lavragem da terra que, longe12. Depois de realizada a desfolhada, as espigas Estas construções, erguidas junto à eira ou
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com o sol e a chuva, vai ficando endurecida Após a sementeira, o milho é sachado para de melhor qualidade eram depositadas no próximo das casas, permitem manter as
12. Câmara Municipal do Seixal, Ecomuseu – Terra Mãe, Terra Pão. Op. cit. p.49 e 53. 14. BERNARDO, Edgar; MARTINS, Elisabete – Vivências Passadas, Memórias Futuras: A cultura do linho, pão e
13. Idem. p. 57. vinho. Op. cit. p.72.
15. Câmara Municipal do Seixal, Ecomuseu – Terra Mãe, Terra Pão. Op. cit. p.75.
16. Idem. p.76.
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— o beiral, o espigueiro e a eira —
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— o beiral, o espigueiro e a eira —
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>>>> • Grão de milho e carolo.
Fotografia de Catarina Ribeiro.
• Espigueiro junto à residência habitacional.
Fotografia de Ana Ribeiro.
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05 Origem ou Origens? 25
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As construções estudadas no âmbito das de nómada a sedentário e começa a dedi- Este é um elemento fundamental na nossa um obstáculo, sendo os seus limites aquilo
práticas do cultivo do milho representam o car-se à agricultura. perceção sobre a existência de estruturas que é, de um modo geral, a antiga Gallaecia
início de uma discussão vasta, iniciada já no A certeza da remota existência de constru- similares ao espigueiro já na Idade Média, que ou Regnum Suevorum21.
século XX, sobre o surgimento concreto das ções formalmente muito similares às que à época arrecadavam trigo. Procurando uma maior aproximação à
construções para o tratamento e armazena- conhecemos hoje fundamenta-se, por um O termo castelhano hórreo, referido por origem, vários foram os autores que abor-
mento de produtos alimentares. lado, naquele que é considerado o primeiro Afonso X nas Cantigas, tem a sua origem daram esta questão apresentado novas
É notória, através da bibliografia, a discor- registo visual de espigueiros, presentes nas no termo latino horreum e é citado por várias prescritivas: a formalista ou palafí-
dância entre os autores, ao que concluímos Cantigas de Santa Maria17, de Afonso X, historiadores romanos, como Varrón, na tica, a neolítica ou funcionalista, romana e
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que, na ausência de uma origem determi- datada do século XIII e por outro lado, pela literatura romana como horreum pensilis a suévica.
17. Cantiga nº 186 das Cantigas de Santa Maria de Afonso X do século XIII. 19. ARMESTO AIRA, Antonio - Los hórreos de la Península Ibérica. Breve ensayo sobre el ethymon de lo monu-
18. Arca funerária em forma de celeiro datada da Idade do Bronze. Esta arca foi encontrada em Obliwitz, mental en arquitectura. [Em linha] https://proyectocuatro.files.wordpress.com/2012/07/hc3b3rreos-ya-antonio-
Lauemburgo, na Pomerânia, região de origem dos antepassados dos suevos. -armesto-aira.pdf. [pdf] p.2.
20. Idem. p. 1.
21. DIAS, Jorge; OLIVEIRA, Ernesto Veiga de; GALHANO, Fernando – Espigueiros Portugueses. Lisboa: Publica-
ções Dom Quixote, 1994. ISBN: 972-20-1138-3. p. 198.
22. FRANKOWSKI, Eugeniusz – Hórreos e Palafitos de la Península Ibérica. Madrid: Museo Nacional de Ciencias
Naturales, 1918. [pdf] p. 7.
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mesma genealogia, tendo sido inspirados adjacentes, declarando que os celeiros se apoiando-se na influência alemã pela
nos palafítos de povos primitivos23. farão de um piso alto e com vistas para lá chegada dos Suevos à Península no século
A segunda teoria, denominada por neolí- das montanhas, para que lá se conservem V d.C28.
tica, é da autoria de W. Carlé. Este, por sua por bastante tempo, protegidos dos insetos Estes autores acreditam que, aquando da
vez, afirma não existirem provas a favor da nocivos para o trigo. Vitrúvio utiliza neste sua chegada a Portugal, os suevos depa-
herança palafítica dos hórreos e que estes contexto a metáfora para demonstrar o quão ram-se com construções ancestrais, rudi-
são construções que respondem direta- alto deveriam estar os celeiros26. mentares, semelhantes a grandes cestos de
mente a uma função e que, para o desem- Esta perspetiva ganha mais visibilidade ao varas entrelaçadas, denominados por nós
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penho aperfeiçoado da mesma, as constru- termos em conta a existência do celeiro hoje por canastros de varas. Posteriormente
23. ALGORRI GARCÍA, Eloy – Evolución y distribuición territorial de las técnicas constructivas en la arquitectura 28. H. Gadow e Jorge Dias apud Idem. p. 68 e 69.
popular : El caso del hórreo cantábrico. Tese de doutoramento inserida no Departamento Artístico e Documental. 29. ALGORRI GARCÍA, Eloy. Op. Cit. p. 69.
Espanha: Universidade de León, 2015.[Em linha] https://buleria.unileon.es/bitstream/handle/10612/4727/horreo.
PDF?sequence=1. [pdf] p. 62.
24. W. Carlé apud Idem. p.63.
25. I. Martínez Rodríguez apud Idem. p. 66.
26. ALGORRI GARCÍA, Eloy. Op. Cit. p. 66.
27. SALIDO DOMÍNGUEZ, Javier - La investigación sobre los horrea de época romana: Balance historiográfico
y perspectivas de futuro. CuPAUAM 34, 2008, pp. 105-124. [Em linha] http://www.uam.es/otros/cupauam/pdf/
Cupauam34/3405.pdf. [pdf]. p. 106.
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O beiral, o espigueiro e a eira constituem uma o possuímos no presente, sendo o Património, o olhar interessado e atento dos arquitetos. impostas, independentemente do local, do
trilogia arquitetónica construída para apoio todo ele, um fenómeno contemporâneo. Apesar do progressivo avanço tecnológico clima e dos recursos de que dispõe.
ao cultivo do milho, quer para tratamento, Assim, partimos do princípio de que, tal e industrial, estas construções têm sido São variados os termos utilizados para
quer para armazenamento. como refere C.A Ferreira de Almeida31 , a mantidas através de várias intervenções designar as estruturas que estudamos, sendo
São construções que, pela sua longevidade arquitetura tradicional, popular, camponesa, de reabilitação levada a cabo pelos seus que o beiral pode ser igualmente denomi-
e pelas intervenções de que são alvo, ainda é resultado da experiência, aperfeiçoamento proprietários. nado por casa da eira, alpendre, sequeiro
se mantêm presentes no quotidiano das e conhecimento empírico, intrinsecamente O interesse na sua recuperação prende-se ou até mesmo palheiro. O espigueiro tem
populações, não obstante estarem situadas ligados à paisagem, às populações, bem com a sua funcionalidade e atividade no também a variante de canastro, sendo a eira
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em locais urbanizados, sendo comum a sua como às suas funções e hábitos. Poderíamos âmbito das práticas produtivas, pelo grande o único elemento denominado como tal.
30. CROCE, Benedetto apud ALMEIDA, Carlos Alberto Ferreira de – Património. O Seu Entendimento e a Sua
Gestão. 2ª Ed. Porto: Edições ETNOS, 1998. Pág. 18.
31. Ibidem. p. 14.
32. Termo utilizado pela primeira vez na exposição fotográfica Arquitecture without Architects, realizada no
MOMA, em 1964, pelo autor Bernard Rudofsky.
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a diversa maquinaria. No sobrado deposi- de vista estético e formal. Este elemento é servia por vezes como local de reunião e espaço destinado à receção, ao convívio e
tam-se as espigas, espalhadas pelo soalho construído essencialmente para a função debate. Após a secagem estar concluída, as à realização de eventos.
de madeira, que aguardam uma secagem que desempenha e por isso é perfeita- espigas seguem para o espigueiro e o grão As práticas de reabilitação permitem às
prévia antes de serem depositadas defini- mente adaptado a essa necessidade assim, é colocado em sacos para ser moído ou construções vernaculares subsistirem ao
tivamente no espigueiro. Neste contexto, a génese da construção do espigueiro é partido para que possam ser alimentados os longo dos tempos, ainda que distantes do
o beiral é na sua totalidade construído em a madeira, sendo que noutros casos esta animais e feito o pão. seu caráter primitivo e da sua função inicial.
pedra granítica, estando a madeira presente pode ser totalmente em pedra ou até conju- Feitas as distinções, entramos num dos mais Nestes casos, os materiais locais são substi-
apenas nos grandes vãos que se abrem à gada com uma estrutura de pedra, resul- interessantes capítulos do trabalho, que se rela- tuídos por outros industrializados, criando-
— o beiral, o espigueiro e a eira —
eira. Por sua vez, nos casos em que o espi- tando numa construção mista. ciona com as práticas correntes de reabilitação. -nos uma ambivalência entre uma génese
As estruturas de que temos vindo a falar cultivado. Cultivou-se nas ilhas atlânticas
existem espalhadas um pouco por todo o dos Açores e da Madeira e quase exclusiva-
mundo pela necessidade que o Homem mente em Cabo Verde. Propaga-se de igual
tinha de armazenar os alimentos que modo em África, onde será combinado com
produzia, sendo que, no que respeita ao outros cereais locais como o milho miúdo, o
caso português, elas desenvolvem-se sorgo e fundo. Desde logo é aceite e propa-
essencialmente no noroeste do país, pois gado entre os habitantes do litoral da África
sendo especialmente húmido, é bastante Ocidental (Angola e Congo), costa oriental
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33. Câmara Municipal do Seixal, Ecomuseu – Terra Mãe, Terra Pão. Op. cit. p.27.
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— o beiral, o espigueiro e a eira —
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• Horreo em Combarro, Pontevedra.
(Fonte: https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/2/21/H%-
C3%B3rreo,_Combarro,_Poio_02.jpg)
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ALGORRI GARCÍA, Eloy – Evolución y distribuición territorial de las técnicas constructivas FRANKOWSKI, Eugeniusz – Hórreos e Palafitos de la Península Ibérica. Madrid: Museo
en la arquitectura popular : El caso del hórreo cantábrico. Tese de doutoramento inserida no Nacional de Ciencias Naturales, 1918. [pdf].
Departamento Artístico e Documental.
Espanha: Universidade de León, 2015.[Em linha] https://buleria.unileon.es/bitstream/ PÊGO, Maria Carlos Chieira - Legados de Sever do Vouga: Espigueiros. Sever do Vouga:
handle/10612/4727/horreo.PDF?sequence=1. [pdf]. Consultado a 19-05-2016. Câmara Municipal Sever do Vouga, 1999. Depósito legal: 137217/99.
ALMEIDA, Carlos Alberto Ferreira de – Património: O Seu Entendimento e a Sua Gestão. 2ª Ed. RIBEIRO, Orlando – Portugal: o Mediterrâneo e o Atlântico. Lisboa: Livraria Sá da Costa
Porto: Edições ETNOS, 1998. Editora, 1986. 4ª Edição. Depósito legal: 14092/86.
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BERNARDO, Edgar; MARTINS, Elisabete – Vivências Passadas, Memórias Futuras: A cultura SOEIRO, Teresa – A indústria de mortalhas em palha de milho no concelho de Penafiel.
do linho, pão e vinho. Felgueiras: Município de Felgueiras, 2011. ISBN: 978-989-8221-07-0. Penafiel: Cadernos do Museu, MMP, 1995 vol.1 ISSN: 0873-5484.
Câmara Municipal do Seixal, Ecomuseu – Terra Mãe, Terra Pão. Seixal: CMS, 1997. ISBN:
972-9149-59-3.
Carta del Património Vernáculo Construído (1999), ICOMOS. México, Outubro de 1999. [Em
linha] http://www.icomos.org/charters/vernacular_sp.pdf. [pdf]. Consultado em 19-05-2016.
DIAS, Jorge; OLIVEIRA, Ernesto Veiga de; GALHANO, Fernando – Espigueiros Portugueses.
Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1994. ISBN: 972-20-1138-3.
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Superar a estrita função é, pois, uma condição
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