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Sonhos e Outras Verdades

Ficção

Poncio Arrupe

- Epílogo -
Epílogo

Como posso terminar? Que lhes digo, aos três, para finalizar? Qualquer coisa que
me pareça o mais importante, que eventualmente valha por muito tempo, para as suas
vidas inteiras ... Seria pretensioso ... e incoerente da minha parte ... Mas é esse o
paradoxo incontornável ... estabelecer essências perenes que o não são ... Que feliz está
Teresa estreando a sua nova lanterna de mão! ... muito compenetrada à frente na sua
missão de iluminar o caminho ... de mão dada a Rita. ... Como faço? Que digo? É
suposto um pai ter algo para dizer de importante, que ainda não saibam ... Ou que,
sabendo eles, mereça ser sublinhado, realçado ... para nunca esquecerem porque lhes
pode ser importante ... eventualmente ... Triste destino o de uma garagem construída
para albergar alguns dos primeiros carros aqui da zona ... Transformada em armazém de
café de aldeia ... As garagens também choram, sofrem com as indignidades? ... Que os
outros, mesmo que queiram, não é por mal, não zelam pelos nossos interesses? Que lhes
está vedado abstrair-se dos seus, autonomizar-se deles. Isto já lhes disse ... mas convém
desdramatizar e fazê-los perceber que têm que ser eles a clarificar o que querem e
trabalhar para isso ... é tarefa essencialmente solitária. A família e amigos não servem
para isso ... Só para apoio emocional e para obter informações. Todos tendemos a
projectar o nosso passado, gostos, interesses, etc., no futuro dos outros ... sobretudo
quando estes são crianças e adolescentes “indefesos”. ... O café já fechou ... Já se ouve o
coaxar das rãs do charco lá à frente, junto à estrada. ... Que é da essência do humano,
que nos distingue dos animais e das máquinas de inteligência artificial – melhor dito, de
inteligência acelerada – a sensibilidade ao belo, à arte, ao que aparentemente é inútil, ou
que não tem consequências práticas imediatas, como as grandes teorias científicas que
deram frutos nem de longe imaginados, no início das suas vidas, nas mentes dos
investigadores. Que tudo isto deve ser cultivado, que é um erro grave, que é
desumanidade desincentivar o que quer que seja só porque não se entrevê a sua utilidade
prática. Que esta, mais tarde ou mais cedo, sobrevem, que emerge em grande parte das
diferenças e divergências entre as pessoas e grupos de pessoas, e que é sempre, num
estágio ou noutro, não prevista. ... Estas nuvens esparsas, muito brancas, esticadas,
esgarçadas, sobressaem no fundo negro do céu ... deixam passar a luz das estrelas ...
parecem espíritos diáfanos aflitos, correndo entre estrelas e planetas ... perdidos,
buscando em desespero e em vão ... não sabem o quê. ... Que ser humano é estar no
equilíbrio instável e paradoxal de criar continuamente normas para as quebrar? Isto os

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animais e as máquinas não fazem. Incluindo aquilo que nos habituámos a considerar
como o essencial, o eterno. De outra forma não poderia ser porque seria deixar de ser
humano – significaria deixar de laborar no paradoxo de criar regras precisamente
porque é preciso mudá-las. Ora os paradoxos não têm resolução, só escapatórias. E é
para isto que servem as religiões, as ideologias, a estética, a moral, a ética, as teorias
científicas, ..., todas por igual, e nenhuma em especial – para parecer que resolvem
criando outros paradoxos. E as normas são tudo, são o conhecimento: as regras, os
princípios, as leis, as teorias científicas, os esquemas mentais, os procedimentos
tecnológicos, ... burocráticos ... Enfim, que não assumam nada como definitivo ... que se
preparem para aceitar o absolutamente imprevisto ... em tudo. ... “Pai, que planeta é
aquele? É Saturno?”. “Não ... é Júpiter”. Miguel quer conversa ... não gosta deste
silêncio no escuro e a Margarida falou ..., tem estado muito silenciosa. ... Os humanos
constróem sentidos no momento, têm comportamentos imprevistos e inovadores,
perante os quais as máquinas bloqueiam e os animais fogem. Inventam regras no
próprio momento em que agem. Constróem e reconstróem expectativas. Podem desistir
da acção, inclusive fundamentados por novas regras e valores que podem, até, justificar
o mal. Podem inclusive interpretar a superioridade das máquinas na velocidade de
cálculo como sinal de inferioridade segundo outros critérios. São os humanos que
decidem quem é o vencedor, que decidem que critérios se aplicam ... Em suma, podem
mudar de mundos, reconstruí-los, inventá-los, e não conseguem escapar à ditadura, e ao
mesmo tempo beneficiam deles, dos instantes que são sempre únicos, inigualáveis. ...
Não se ouve um único grilo ... será deste frio que caiu à noite?, ... sem aviso. ... Ser
humano é infringir regras, inventar novas, desapontar as expectativas dos outros para
preencher as próprias, inevitavelmente, e isto não é bom nem é mau. É. E, no entanto, as
expectativas mudam, as próprias e as dos outros ... As máquinas não fazem isto, e os
animais também não.... cumprem programas que não são seus ... sofrem da pobreza e
rigidez da a-contextualidade ... Que pena esta casa do Pátio do Forno quase em ruínas ...
de quem será? Seria um forno comunitário? ... Uma das facetas que nos distingue das
máquinas é precisamente algo que nos assemelha aos animais – a comunicação sem
palavras, sem os signos, só com o corpo e sons. As máquinas até sabem usar palavras e
signos, os outros animais não ... pelo menos como comportamento espontâneo e
dominante. Mas o que nos distingue de ambos, das máquinas e dos animais, é a
capacidade de surpreender o outro e a nós próprios, de repensar hábitos tidos como
essenciais, de agir ao instante (pelo menos é este o mundo que escolho ...) ... E,

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principalmente, de transformar a nossa essência com e pela tecnologia. Devemos
abdicar de sermos humanos? Devemos? ... Aquela coruja não cessa de piar ... parece
que se lamenta ... a última nota que se arrasta ... apetece-me ir ao encontro dela ... onde
estará? ... Que cada um de nós é um repositório de expectativas dos outros ... que quase
todos os comportamentos serão entendidos como adequados a essas expectativas,
independentemente das palavras usadas e explicações dadas, porque as emoções assim o
ditam. Que o importante não é encontrar o certo, o correcto, porque não existem, mas
sim agir em cada instante como se já os tivéssemos encontrado, sabendo que não. Que
esta é a diferença principal entre os que fazem e os que ficam à espera. Basta articular
comportamentos, quer dizer, facilitar a satisfação de interesses próprios e dos outros.
Isto é o ser humano – a construção, a transformação de mundos em contínuo. ... Esta
capelinha moderna aqui, à beira da estrada, rodeada de casas ... porquê?! ... As
disfuncionalidades, o sofrimento, acontecem quando se perde a articulação de
comportamentos. Porquê? Acontecem quando se acredita que um mundo é mundo
único, é a realidade, e que as palavras têm um significado preciso, único e a-temporal,
que são o mesmo do que as ideias, que mantêm com estas uma correspondência
biunívoca. Quem ajuda os outros a construir mundos ao instante vai com eles, é
acolhido por eles, e eles querem deixar-se conduzir. E isto é uma questão
essencialmente emocional, de ligações emocionais (as rejeições racionalizadas foram
em primeiro lugar rejeições emocionais inconscientes precisamente da crença implícita
de que vale a pena tentar encontrar a verdade). Qual é o grande perigo? A crença de que
um determinado mundo de ideias é o real. Sob outra perspectiva, a crença de que para
decidir e agir é necessário estar certo, estar ligado à realidade. Isto resulta em bloqueios
... ou em prepotências. As regras, normas, códigos, leis, etc., têm como principal função
facilitar a decisão em situações de conflito, e não a de ordenar, organizar, tornar
eficiente, justo, correcto, etc. E é só isso. ... Já se ouve a música da festa lá longe, ainda
quase nada, ... que instrumentos são? ... Os diferentes mundos em que nos metemos são
por nós escolhidos? Em rigor não, porque ninguém consegue prever os mundos que
escolhe! E decidimos entrar e sair deles, muitas vezes, não sabendo que estamos a
decidir. Por isso me intrigam, desconcertam, fascinam, aqueles que decidem e agem
convictos de que encontraram o rumo certo, ou que não deixam de decidir e agir mesmo
com dúvidas. Estes em menor número. E que depois interpretam os resultados como
consequência das suas decisões e acções ... que escolhem, da miríade de alternativas
disponíveis, os resultados que querem de acordo com as expectativas – mundos – que

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escolheram. No entanto, é necessário decidir e agir para que as transformações, de nós
próprios também, se vão operando ... Será que Raposinho já lá está? ... Pus o Jack a
carregar? ... É mais ou menos isto que lhes vou dizer. ... “Onde nos levará aquele
caminho empedrado?”, que deu à Rita para se meter por ali?!

Cascais – Várzea de Meruge, 26 de Agosto de 2009

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