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A LÓGICA JURÍDICA E A SUPERAÇÃO DO SILOGISMO JUSPOSITIVISTA

LA LÓGICA JURÍDICA E LA SUPERACIÓN DEL SILOGISMO


JUSPOSITIVISTA

Giovani da Silva Corralo

RESUMO

Este trabalho busca a análise crítica do raciocínio jurídico no paradigma positivista, a


fim de superá-lo, uma vez que a sua reprodução colabora para a manutenção do status
quo jurídico-social. Para tanto, é fundamental que se discorra sobre a origem histórica e
o desenvolvimento teórico do juspositivismo, com especial atenção à sua teoria da
interpretação. Após, analisam-se os processos lógicos de produção do conhecimento,
especialmente a lógica silogística, focados na sua aplicação na práxis judiciária, com o
intuito de demonstrar a sua insuficiência na resolução dos complexos problemas da
sociedade contemporânea brasileira. Por fim, demonstra-se que a crise porquê passa o
positivismo jurídico também está calcada na lógica jurídica adotada, razão pela qual é
preciso superá-la.

PALAVRAS-CHAVES: INTERPRETAÇÃO;LÓGICA;POSITIVISMO JURÍDICO.

RESUMEN

Este trabajo busca la análisis crítica del raciocinio jurídico en el paradigma positivista, a
fin de tener su superación, porque su reprodución ayuda a mantener el status quo
jurídico-social. Así, es crucial la compreensión sobre la origen histórica y el desarrollo
teórico del juspositivismo, con especial relevo para su teoria de la interpretación.
Después, se estudia los procesos lógicos de produción del conocimiento, especialmente
la lógica silogística, con base en su aplicación en la práxis judicial, con el propósito de
traer su insuficiencia en la resolución de los complexos problemas de la sociedad
contemporânea brasileira. Por fin, se mostra que la crise del positivismo jurídico
también está fundamentada en la lógica jurídica adotada, que debe ser superada.

PALAVRAS-CLAVE: INTERPRETACIÓN;LÓGICA;POSITIVISMO JURÍDICO.


Trabalho publicado nos Anais do XVII Congresso Nacional do CONPEDI, realizado em Brasília – DF
nos dias 20, 21 e 22 de novembro de 2008.

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INTRODUÇÃO

O presente trabalho versa sobre a lógica adotada pelo positivismo jurídico,


fundamentada na sua Teoria da Interpretação, que tem contribuído para a manutenção e
reprodução de um modelo jurídico comprometido com o status quo vigente. Isso se
demonstra pelo abismo existente entre a realidade dos fatos e a realidade normativa
pugnada pela Constituição Federal de 1988, que passados 20 anos da sua promulgação,
ainda se encontra distante de uma efetiva e factual concretização das suas normas.

É diante desse contexto que se analisa, pormenorizadamente, o surgimento histórico e


os fundamentos teóricos do positivismo jurídico, especialmente a forma adotada para a
interpretação dos textos legislativos. Assim, o estudo do raciocínio jurídico efetivado
pelo positivismo é crucial, entendendo-se por raciocínio tanto o produto de uma
atividade como a atividade em si, questões essas que se encontram imbricadas e que são
indissociáveis, até mesmo porque não se pode desvincular o resultado do processo do
processo em si, uma vez que ambos estão inter-relacionados numa retro-alimentação
permanente.[1]

Considera-se lógica a disciplina que tem por foco o estudo do pensamento, dos
caminhos percorridos na construção do conhecimento, do raciocínio propriamente
dito.[2] Por conseqüência, superam-se as concepções eminentemente formais, focadas
somente na forma do pensamento, para abranger também o seu conteúdo. A lógica,
assim, tem por foco o raciocínio e os seus pressupostos (idéias, juízos...), verificando-
lhes a adequação aos fins propostos. No presente trabalho, discorre-se sobre a lógica
jurídica, que tem por objeto a aferição do raciocínio dos juristas na produção do direito.
Mais especificamente, coloca-se em xeque a lógica pugnada pelo positivismo jurídico,
indissociável da sua forma de interpretar os textos normativos e do arcabouço
ideológico e conceitual que lhe é subjacente.

A complexidade da sociedade contemporânea do final do sec. XX e início do séc. XXI


traz a necessidade de métodos (meta+odos: caminho para) adequados para a
compreensão dos fenômenos sociais. No caso do direito, a aplicação é ínsita à
compreensão e interpretação, alçando o construtor da ordem jurídica a uma condição sui
generis no comparativo com as outras ciências sociais, pois o seu labor consubstancia-
se num processo de normatização da sociedade, através da criação de normas jurídicas a
partir dos textos jurídicos-legislativos positivados.

Para que o objetivo deste trabalho possa ser alcançado é que se parte de uma análise da
origem e evolução do positivismo jurídico, tanto numa perspectiva diacrônica como
sincrônica, pois o entendimento histórico-conceitual-teórico imbrica-se para a adequada
compreensão do juspositivismo. Em seqüência, parte-se para a análise crítica do
silogismo positivista, elemento essencial na interpretação levada a cabo por essa
corrente do pensamento jurídico, apresentando-se a necessidade premente da sua
superação para que o Estado Democrático de Direito exposto na Constituição Federal
possa exsurgir e, conseqüentemente, suas normas possam dotar-se de eficácia e
efetividade.

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1 Origem e Evolução do Positivismo Jurídico

O positivismo jurídico, concepção do fenômeno jurídico que reduz o direito


estritamente à lei posta pelo Estado,[3] encontra o seu gênesis na Escola da Exegese,
que se constitui no início do séc. XIX, na França. Essa forma de compreender o direito
encontra no período pós-revolucionário os pressupostos para o seu desenvolvimento: a)
Estado de Direito, com a respectiva repartição de competências entre as funções
estatais, conferindo ao Legislativo o poder de apor leis válidas; b) Codificação
empreendida com o Código de Napoleão, que buscou abarcar num texto legislativo os
signos lingüísticos suficientes para fundamentar as normas necessárias para a regulação
social.

L´État légal, superador do ancién regime, significou uma mudança paradigmática do


Estado francês, solapando o absolutismo reinante. Não obstante a manutenção de
muitas instituições do regime anterior, até mesmo por uma questão de sobrevivência,
estas foram se amoldando às exigências trazida por esta nova ordem, pautada pela
repartição de competências entre as funções estatais – Executivo, Legislativo e
Judiciário, como também pelo monopólio estatal da produção jurídica, conferida ao
Legislativo.[4] Todas as disposições textuais que não fossem oriundas do poder
Legislativo não eram consideradas válidas, logo, não serviam de fundamento para a
resolução dos mais diversos litígios em apreciação pelo Judiciário.

O Estado de Direito francês, pós-revolucionário, pautou-se pelo atendimento dos


desejos de uma burguesia ascendente, impulsionadora dessa nova ordem, que por sua
vez, deveria consignar as condições necessárias para o desenvolvimento de um
capitalismo expansionista. Por isso Karl Marx afirma que os direitos humanos nas
Constituições Francesas – direito à liberdade, igualdade, propriedade e segurança – são
direitos de um homem egoísta, necessários para o desenvolvimento solipsista do ser
humano, desagregado dos outros indivíduos: “os direitos humanos (...) nada mais são do
que direitos do membro da sociedade burguesa (...) do homem egoísta, do homem
separado do homem e da comunidade.”[5]

A separação entre as funções estatais assume contornos rígidos, diminuindo-se as


competências jurisdicionais, chegando até mesmo a vetar a própria interpretação da lei
pelos magistrados, já que estes poderiam desconstituir a vontade legislativa. À
autoridade jurisdicional competia simplesmente repetir o texto legal, sem alterar-lhe o
significado.[6] Diante de insuficiências legais, em 1790 foi instituído um recurso geral,
para todos os tribunais, dirigido ao Legislativo, a quem competia efetivar a sua
interpretação.[7] Também foi criado um Tribunal de Cassação, responsável pela
fiscalização dos órgãos judiciais, a quem estes deviam prestar contas periódicas.[8]

O próprio sistema do contencioso administrativo francês - sistema de direito


administrativo onde os litígios que envolvem a Administração são julgados por tribunais
administrativos e não pelo Judiciário, previa o contencioso de interpretação, espécie de
recurso submetido aos tribunais administrativos quando necessária a adjudicação de
sentido a determinado ato administrativo obscuro/vago. [9] A interpretação de um ato

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administrativo pelo Judiciário era visto como uma interferência à atividade
administrativa, logo, aos tribunais administrativos competia essa interpretação,
normalmente acessória a um litígio judicial.

Além disso, a hierarquia normativa na França considerava a Declaração de Direitos


como uma fonte hierarquicamente superior à Constituição, que era superior às demais
leis, por sua vez superiores aos atos administrativos do Executivo para a sua aplicação.
Isso na teoria. A tentativa de um Estado constitucional cedeu à efetividade de um
Estado legal, pois as leis – amparadas pela generalidade, em contraposição aos
privilégios legais do regime anterior – acabaram se impondo sobre a própria
Constituição.[10]

As codificações, por sua vez, significaram uma tentativa de positivação das regras
necessárias para a resolução dos conflitos inter-individuais, já que o direito no
paradigma liberal-individualista está centrado na resolução desse jaez de litígios. Essas
regras também tiveram a sua origem no jusnaturalismo, entretanto, após a sua
consolidação em textos expedidos pelo Poder Legislativo, mais especificamente o
Código de Napoleão, passou-se a considerar como direito somente essas disposições,
ignorando-se toda e qualquer outra fonte que não seja a lei expedida pelo Estado. O
direito natural passou a integrar o campo do não-direito, por mais que os construtores do
Código de Napoleão tivessem deixado uma “válvula de escape” no famoso art. 4º: “O
juiz que se recusar a julgar sob o pretexto do silêncio, da obscuridade ou da
insuficiência da lei poderá ser processado como culpável de justiça denegada.”[11]

O direito positivo, que no decorrer da história apresentara, ora momentos de supremacia


(p. ex. antiga Grécia e Roma), ora momentos de submissão ao direito natural (p. ex.
Idade Média), passou a ser considerado não como fonte preponderante do direito, mas
como sua única fonte. O recurso à analogia, aos costumes e aos princípios gerais do
direito somente eram aceitos para a resolução de eventuais lacunas da lei, já que ao
magistrado não se admitia a excusa de proferir o direito.

Dessa forma, o imutável Direito Natural, composto por normas universalmente válidas
para todos os povos e gerações, acessível pela razão em virtude da sua ínsita
necessidade ao desenvolvimento humano, passou a integrar o campo do não-direito, já
que não correspondia a uma manifestação estatal de vontade por órgão competente. As
concepções da Escola Clássica do Direito Natural forjada por Hugo Grócio, Samuel
Pufendorf e John Locke, no séc. XVII, calcada na indelével força da razão, acima de
quaisquer concepções teológicas, foram sepultadas pelo positivismo exsurgente do séc.
XIX.[12]

O positivismo jurídico também não pode ser confundido como sinônimo do positivismo
científico de Augusto Comte. Pertencem ao mesmo período histórico, já que se
desenvolvem no séc. XIX; abeberam-se das mesmas fontes do conhecimento, com
especial influência do iluminismo e o conseqüente racionalismo imperante no
pensamento ocidental, que empodera a razão enquanto molda propulsora do
desenvolvimento humano; utilizam-se dos mesmos métodos, apropriando-se dos
procedimentos utilizados pelas ciências naturais; ambas as construções teóricas
possuem uma grande preocupação com a segurança, jurídica de um lado, científica do
outro – a segurança do direito está nos textos legislativos emanados do órgão
competente e a segurança científica está na observação dos fenômenos apreensíveis ao

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homem.[13] Ademais, pode-se afirmar que o pensamento positivo comtiano, na sua
configuração reordenadora do conhecimento, pode servir de base para juspositivismo.

Entretanto, essas correntes do pensamento humano possuem contornos e configurações


distintas. O positivismo jurídico é desenvolvido, inicialmente, pela Escola da Exegese,
na França; o positivismo científico é fruto da construção teórica do matemático e
filósofo francês Augusto Comte; o positivismo jurídico está focado numa melhor
compreensão do fenômeno jurídico para a sua aplicação prática; o positivismo científico
traz uma explicação filosófica da sociedade, alicerçada numa reestruturação desta e do
próprio homem nos termos do pensamento positivo; o positivismo considera direito os
textos legislativos postos pelo Estado; o positivismo científico busca transformar a
sociedade, o homem e o próprio conhecimento com base no pensamento positivo.[14]

O positivismo jurídico, por coerência aos seus postulados, vai possuir uma concepção
avalorativa do direito, não o interligando a quaisquer valores. Por óbvio, se o direito
deve ser compreendido somente em relação às leis emanadas pelo Estado, que
prevalecem sobre quaisquer outras fontes, com base na equivalência lei válida = lei
posta, a ciência jurídica não pode compreender o ordenamento com base em valores
pressupostos. O foco de estudos deve ser a lei válida, seja qual foi esta lei, seja qual for
o seu mandamento, sejam quais forem as valorações do legislador ou do órgão estatal
encarregado em positivá-la. Está-se diante de uma concepção eminentemente formal do
Direito, que prescinde do conteúdo das normas postas pelo Estado.

Mais do que isso, vai desenvolver uma teoria própria do Direito, calcada nos seguintes
fundamentos:[15]

a) Direito como coação: as normas postas pelo Estado são destinadas precipuamente
aos juízes, a fim de regular o uso da força coativa estatal. A coação é o objeto das
normas que trazem sanções, definindo quem, quando, como e quanto de coação
pode/deve o Estado impor a quem descumpre os seus mandamentos;

b) Fontes: a teoria das fontes, construída sob o pressuposto de um ordenamento


complexo e hierárquico, apresenta a lei no seu ápice, preponderando sobre quaisquer
outras fontes;

c) Imperativismo: as normas postas pelo órgão estatal competente constituem-se em


comandos a serem observados, adentrando na categoria de imperativos hipotéticos. Isso
porque o direito não é forjado por normas descritivas de uma realidade posta, mas
constituído por proposições prescritivas, que apontam conseqüências para determinados
comportamentos, sem relação de causalidade (postulado do dever-ser às normas
jurídicas positivas);

d) Teoria do ordenamento: alicerçam-se na unidade, coerência e completude do


ordenamento jurídico. A unidade repousa, faticamente, na Constituição, e a unidade
desta, para fins lógico-teóricos, na norma fundamental, criação kelseniana para fechar o
sistema jurídico. A coerência conduz à eliminação de antinomias, para o qual há os
critérios cronológico, hierárquico e da especialidade. A completude remete o
magistrado a encontrar as soluções para eventuais lacunas ou insuficiências legislativas
no próprio ordenamento, já que este deve ser concebido como completo;

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e) Teoria da interpretação: na busca máxima de segurança jurídica, o positivismo
atrelou-se às interpretações textuais (gramatical, teleológica, sistemática e histórica),
inicialmente fundadas no signo lingüístico (interpretação estática), e posteriormente no
seu significado (interpretação dinâmica), o que possibilitou uma adequação histórica aos
textos legislativos. É nesse ínterim que se avança da busca da vontade do legislador
para a vontade da norma. O papel do direito consubstancia-se numa atividade
declarativa, não construtiva-produtiva de significados, mas atrelada ao signo. Nas
extremas situações onde se aceitasse a lacuna ou insuficiência legislativa o positivismo
apresentou a interpretação extratextual, onde exsurgem as analogias legis e juris.[16]

Segundo Castanheira Neves,[17] a relação intencional que o positivismo jurídico


estabelece entre a razão e o procedimento é de uma exterioridade construtiva, pautada
por uma pré-determinação finalística e por um logos prescritivo, com base num método
ideal-matemático-dedutivo, que é a base de uma técnica que converge para a prática nos
moldes da ciência moderna. Além da redução do direito às normas postas pelo órgão
competente, este é compreendido como um estatuto normativo-formal, num sentido
dogmático e lógico-sistemático, alicerçado em conceitos abstratos que se constituem em
premissas para uma lógica subsuntiva com estruturas invariáveis. O direito é concebido
enquanto um objeto, totalmente distinto da moral e da política.[18]

A racionalidade positivista é de uma discursividade pura (estrutura sintática de lógica


formal). Predomina a intenção teorética e normativo-dogmática (legalista ou analítico-
lingüístico), numa concepção dogmática-sistemático-conceitual do direito, que constitui
um sistema fechado, racional e auto-subsistente. O direito, conseqüentemente, é
pressuposto/dado, com intenção de “verdade”. Assim, concebe-se o texto não apenas
em termos expressivo, mas constitutivo e pré-determinao, excludente de uma mediação
significante que transponha os limites lingüísticos. O direito equipara-se à lei.

Ainda, para o jusfilósofo português, o modelo metódico da teoria positivista da


interpretação pressupõe o texto como um objeto, seja na teoria subjetivista (mens
legislatoris), seja na teoria objetivista (mens legis), seja na perspectiva analítico-
linguística (interpretação semântica para obter premissas). A evolução contínua da
primeira para a segunda e terceira teorias marca um importante avanço na interpretação
jurídica positivista, possibilitando uma melhor adequação do texto posto à realidade
concreta.[19] Em todas essas situações impõe-se uma lógica dedutiva, alicerçada em
premissas fundamentantes da decisão e respectivo juízo judicante. Os elementos
gramatical, histórico, sistemático e teleológico são fundamentais para a interpretação
positivista, a primeira preponderando na teoria subjetivista e as três últimas na teoria
objetivista.

O juspositivismo, enquanto uma concepção avalorativa do direito, encerra-se num


normativismo formal-teorético-dogmático que tem a norma positiva como o prius
metodológico, voltado à sua mera aplicação mediante uma técnica dedutivo-subsuntiva,
que estigmatiza este processo enquanto uma simples reprodução de sentidos
adjudicados do texto oriundo da autoridade estatal competente.

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2 O Silogismo Juspositivista: Considerações Críticas e Superação

A lógica é o locus filosófico que se atem ao estudo do complexo pensamento humano e


suas conseqüências. Não obstante seja possível discorrer sobre importantes reflexões
acerca do pensamento antes de Aristóteles (Zenão de Eléa, Sócrates, Parmênides...), foi
com o estagirista que se forjou um trabalho mais profundo e sistemático sobre essa
questão.[20]

A lógica aristotélica silogística tem preponderado desde a Idade Antiga, ganhando


importante densidade teórico-filosófica na escolástica de Santo Tomás de Aquino, até
mesmo pela sua adequação ao conhecimento científico e pelo seu caráter conservador-
acrítico.[21]

Tal lógica é construída com base em três proposições: uma premissa maior (verdade
inquestionável e geral/universal), uma premissa menor (particularidade) e uma
conclusão, esta última inferida daquelas. As premissas são permeadas pelo termo
médio, interligando-as conceitual-lógicamente, possibilitando que se infira uma
conclusão, da qual não participa. Eis um modelo tradicionalmente trabalhado e que
permite compreensão deste silogismo:

Os homens são mortais premissa maior

Sócrates é um homem[22] premissa menor

Logo, Sócrates é mortal conclusão

Desde já, apreende-se que a plausibilidade de tal forma de proceder na construção do


raciocínio está na adequação das premissas. Ou parte-se de premissas verdadeiras ou o
silogismo estará comprometido. Mais do que isso, várias regras são de observância
obrigatória para que o silogismo possa concretizar-se com retidão:[23] tem que ter três
proposições; a conclusão não pode ser mais abrangente do que as premissas;[24] o
termo médio deve ser concebido universalmente uma vez;[25] o termo médio não pode
estar na conclusão; duas premissas negativas não chegam a conclusão alguma;[26] duas
premissas afirmativas não podem concluir negativamente; a conclusão seguirá a
premissa negativa ou particular; duas premissas particulares nada concluem.[27] A
essas considerações devem-se acrescentar os sofismas, que são artifícios que forjam
raciocínios falsos.[28]

De acordo com essas regras, depreende-se que o silogismo aristotélico é eminentemente


formal, abstraindo-se do conteúdo das proposições relacionadas, das quais se extrai a
conclusão. É por essa razão que Aristóteles definiu este modelo metodológico como o
ideal para as ciências da natureza, já que estas trabalham com a objetificação do seu
foco de estudos. Ademais, tamanho emaranhado de regras formais demonstram a
própria falibilidade do silogismo apofântico.

Entretanto, os pressupostos do conhecimento científico, que foram forjados nos últimos


dois mil e quinhentos anos, se encontram em xeque. A complexidade do conhecimento
alcançado no séc. XX fez ruir os inquestionáveis princípios da ordem, da separação, da

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redução e da lógica silogística. As revoluções impulsionadas pela física quântica e pela
interdisciplinariedade ressaltaram a complexidade do conhecimento humano, não mais
apreensível através dos princípios aristotélicos da identidade, não contradição e terceiro
excluído. A clássica lógica apofântica demonstrou-se insuficiente para abarcar esta
realidade de complexidade crescente, especialmente diante das irredutíveis e
interligadas instâncias contraditórias que forjam o atual saber humano e que devem
conviver conjuntamente numa dialógica pautada por um modus compreensivo distinto:
ordem - desordem - desorganização.[29]

Como conseqüência dessa crise dos pressupostos do conhecimento científico-ocidental


expõe-se: a) questionamento do conceito de lei e de causalidade, ambas relativizadas em
virtude do viés probabilístico da lei e da assunção de um finalismo-pragmático; b)
preponderância do conteúdo sobre a forma, já que o primeiro, esteriotipado na
cientificidade moderna, se expressa numa relação sujeito-objeto “que interioriza o
sujeito à custa da exteriorização do objeto, tornando-os estanques e incomunicáveis”; c)
superação da redução e especialidade em prol do relevo às relações entre as partes, o
que evita distorções no conhecimento.[30]

O paradigma científico dominante da modernidade possui uma grande confiança


epistemológica com base na distinção entre o conhecimento científico e senso comum e
entre natureza e pessoa humana. As idéias matemáticas presidem, enquanto
instrumento e lógica, a produção desse conhecimento teorético-científico: “é um
conhecimento causal que aspira à formulação de leis, à luz de regularidades observadas,
com vista a prever o comportamento futuro dos fenômenos.”[31] Essa mesma
compreensão da natureza foi transposta para a compreensão da sociedade e descoberta
das suas leis imutáveis, o que será aprofundado pelo Iluminismo, no séc. XVIII, que
impulsiona o surgimento das ciências sociais, no séc. XIX, especialmente com o
positivismo. Neste contexto predominou a aplicação dos princípios metodológicos e
epistemológicos das ciências da natureza para as ciências sociais, não obstante a
reivindicação de uma metodologia e epistemologia próprias às particularidades e
especificidades humanas, já que as ciências sociais fundam-se na ação humana,
subjetiva, compreensível via métodos qualitativos para a consecução de um
“conhecimento intersubjetivo, descritivo e compreensivo, em vez de um conhecimento
objetivo, explicativo e nomotético”.[32]

A crise desse paradigma dominante remete a uma crise do seu modelo metodológico,
lógico-formal. O direito sob o manto juspositivista teve o encobrimento das
particularidades e singularidades do caso concreto pela assunção de um postulado
metodológico inadequado, silogístico-dedutivo, que o desconsiderava enquanto ciência
social-prática.

Segundo Manuel Atienza a prática do direito centra-se na argumentação, que ocorre em


três situações: a) produção de normas: abrange o período pré-legislativo e o momento
legislativo propriamente dito, cujos procedimentos conduzem à produção de textos
jurídico-normativos pelo órgão competente; b) aplicação: caracterizada, no processo
jurisdicional e no processo administrativo, pela concretização das normas postas pelo
órgão estatal; c) dogmática: ordena e sistematiza as normas postas, apresentando
critérios para a produção e aplicação do direito.[33]

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A argumentação jurídica pressupõe a necessidade dos argumentos jurídicos serem
justificados, especialmente nos processos decisionais. Tal justificação deve situar-se
não no campo da sua adequação formal-dedutiva, mas deve adentrar na sua
materialidade, o que remete à superação do silogismo jurídico e do determinismo e
decisionismo metodológicos.[34]

Para uma melhor compreensão dos limites e da falibilidade do silogismo e sua


respectiva validade dedutivo-formal, Manuel Atienza faz uma análise do poema de
Edgard Allan Poe A Carta Roubada, que gira em torno do roubo de uma carta na
residência real, feita por um ministro, que tem a usado como forma de chantagem.
Nessa estória o chefe de polícia não consegue encontrar a carta e pede auxilia a Dupin,
que a encontra, partindo do pressuposto que o ministro é uma pessoa inteligente e que
deixara a carta num lugar visível, como algo sem valor, pois isso seria inesperado
quando da realização da busca. Ao explicar o fracasso da incursão anterior, descobre
uma falácia levada a cabo pelo chefe de polícia, que deduziu que o ministro é um
imbecil porque tem fama de poeta (todos os imbecis são poetas, logo, infere que todos
os poetas são imbecis).

O jusfilósofo espanhol apresenta quatro silogismos a fim de demonstrar a falibilidade


dessa lógica dedutiva, que não se impõe como correção às falácias materiais oriundas de
premissas não-verdadeiras. Numa primeira situação apresenta uma argumentação
válida logicamente, porém concludentemente falsa, pois oriunda de uma falsa premissa.
No segundo caso uma argumentação inválida logicamente, porém concludentemente
falsa, não obstante oriunda de premissas verdadeiras. No terceiro caso outra
argumentação inválida logicamente, porém concludentemente verdadeira, oriunda de
premissas verdadeira. No quarto caso a argumentação é válida logicamente,
concludentemente verdadeira, oriunda de premissas verdadeiras.[35]

A principal crítica ao silogismo-dedutivo-formal está no fato de não propiciar critérios


para a aferição da correção material dos argumentos, mas somente de falácias formais,
pois se atem a critérios eminentemente formais, o que não é adequado para as ciências
sociais-práticas como o direito, que também deve relevar a materialidade
corretiva/válida dos argumentos.

Há argumentos não-dedutivos que orientam momentos decisionais, inferidos de


proposições particulares que não possuem uma conclusão necessária - como ocorre na
dedução formal -, mas conclusões prováveis.[36] Não há exatidão na certeza, mas
apenas probabilidade. Por conseqüência, afirmam-se os limites do silogismo judicial: a)
conduz a uma conclusão que servirá de base para a sentença e não à própria sentença; b)
inexistência da necessariedade dedutiva da sentença - salvo quando os argumentos não-
dedutivos são transformados em dedutivos, pois a sentença pode variar sem contraditar
as premissas; c) participação da convicção valorativa na construção dos pressupostos na
determinação da sentença jurídica, ressaltado pelo seu caráter antimemático;[37] d) o
silogismo judicial, que alcança um enunciado normativo, não é competente para
adentrar no plano da ação, que por sua vez permeia a decisão judicial.[38]

Quanto à passagem das premissas à conclusão, necessária nos raciocínios analíticos-


dedutivos e não necessárias nos raciocínios dialéticos:

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Enquanto no silogismo a passagem das premissas à conclusão é obrigatória, o mesmo
não acontece quando se trata de passar dos argumentos à decisão: tal passagem não é de
modo algum obrigatório, pois se o fosse não estaríamos diante de uma decisão, que
supõe sempre a possibilidade quer de decidir de outro modo, quer de não decidir de
modo algum.[39]

Mais do que isso, a lógica tradicional-silogística-dedutiva aprioriza os juízos da vida


jurídica e o significado jurídico dos fatos, abarcando a própria atividade dogmática.[40]
Além de um controle meramente formal, ignora os elementos irracionais, contingentes
e extralógicos que influenciam na decisão, como também a imanente dialeticidade do
direito. O direito, enquanto juris prudentia, deve abarcar toda esta realidade, partindo
da norma posta pelo órgão estatal como um pedaço objetivado da vida humana,
conforme Recasens, revivendo-a na sua aplicação. A norma jurídica, assim revivida,
deve adequar-se e adequar o caso concreto, permeado pela sua ínsita historicidade e
circunstâncias próprias, sobre os quais incide um juízo axiológico que possibilita a
criação de uma norma ao caso concreto.[41]

Trata-se da compreensão do direito como uma ciência prática e não como uma verdade-
axiomática, que busca decisões razoáveis e argumentativas ao invés de decisões
meramente racionais-monológicas, norteado por um normativismo dialético. A
coerência material coexiste com a coerência formal e com a coerência axiológica-
principiológica, ambas cruciais no processo de aplicação do direito. Do primado da lei
ao primado dos valores.[42]

Na compreensão do direito enquanto ciência prática é que reside um dos pontos cruciais
do raciocínio jurídico, distinguindo-o do raciocínio das ciências da natureza e das
ciências humanas não normativas e, conseqüentemente, do seu método formal-dedutivo:

É nisto que o raciocínio jurídico se distingue do raciocínio que caracteriza as ciências,


especialmente as ciências dedutivas – nas quais é mais fácil chegar a um acordo sobre
as técnicas de cálculo e de medição -, e daquele que encontramos em filosofia e nas
ciências humanas, nas quais na falta de um acordo e na ausência de um juiz capaz de
encerrar os debates com sua sentença, cada um permanece em suas posições. Por se
quase sempre controvertido, o raciocínio jurídico, ao contrário do raciocínio dedutivo
puramente formal, só muito raramente poderá ser considerado correto ou incorreto, de
um modo, por assim dizer, impessoal.[43]

A lógica formal que (in)forma a metodologia do positivismo jurídico faz a


desvinculação da individualizável história do caso em análise, visando uma abstração
generalizável. A pressuposição de regras, num contexto metafísico, suficientes para dar
conta da realidade via um processo de subsunção-dedutiva e, conseqüentemente, de
objetivação subjeito-objeto, que não releva a importância dos princípios, é um dos
postulados fundamentais do positivismo. Aliás, essa é uma das facetas da crise de dupla
face acerca da qual discorre Lênio Streck, ou seja, a crise de um modelo de direito

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insuficiente para enfrentar os problemas contemporêneos e supraindividuais de uma
complexa sociedade.[44]

O uso do silogismo jurídico-judicial permite a distorção das suas conclusões


via manipulação das premissas, pois o método analítico somente observa a formalidade
do raciocínio.[45] Mais do que isso, na espacialidade penal, com o sistema inquisitório
(ainda vigente no Brasil), a garantia de direitos não se encontra na dialética do sistema
acusatório, mas na lei, vinculando a todos – especialmente o juiz-condutor. Como
conseqüência está a distorção da lógica pela razão, decorrência do próprio processo
lógico dedutivo-subsuntivo, e o surgimento de quadros paranóicos que distorcem a
processualística e a garantia de direitos.[46]

Ainda quanto ao método silogístico, Jacinto Nelson de Miranda Coutinho


afirma a sua insegurança, ou melhor, a certeza da possibilidade de manipulação das
premissas, até mesmo porque possui enquanto ponto de partida um axioma
indemonstrável[47]:

Neste campo, reinou e reina a analítica aristotélica, porque por excelência diz com o
método da ciência. Para um direito órfão da vera e própria cientificidade, nada mais
superficial que se engajar em algo do gênero, tendo-se por pano de fundo, por
sintomático e mais uma vez, a aparente segurança jurídica. (...) Pense-se (...) como se
estuda – e se ensina a sentença e o ato de sentenciar; o requerimento petição e o ato de
requerer, e assim por diante. Tudo, enfim, resume-se a silogismos, muitas vezes sem
qualquer sentido; ou o que é muito pior, que dão, categoricamente, o sentido.[48]

Segundo Castanheira Neves, trabalhar metodicamente com a lógica formal-dedutiva


significa desconsiderar a realização jurídica na sua concreta problematicidade e
intencionalidade normativa material, fundamentais para a construção crítico-reflexivo
do direito no seu devir. É visível a crise do sistematismo dogmático-conceitual do
positivismo, que desconsidera o direito na sua realização, pois o reduz à abstração das
normas postas positivamente. O positivismo oculta o problema jurídico em sua
faticidade concreta, recorrendo a um pensamento cognitivo-analítico e lógico-dedutivo
focado unicamente na Lex scripta. Trata-se de uma concepção que ignora o sentido
prático-normativo e normativo-teleológico do direito, que se socorre a elementos
extratextuais/transpositivos na concreta decisão judicativa.

A racionalidade jurídica deve ser eminentemente prática em uma atividade


comunicativa sujeito/sujeito e não objetivadora sujeito/objeto, calcada numa troca
dialógica-dialética de argumentos para a concretização de uma decisão razoável-
situacional e prática-contextual, consoante as exigências normativas específicas
compreendidas autonomamente. A dimensão problemática propicia uma abertura na
textura dogmática da norma posta para a realização da justa e adequada juridicidade
materialmente correta e normativamente plausível.

A interpretação jurídica tem que superar o postulado positivista do sentido


hermenêutico-positivo para alcançar o sentido prático-normativo no caso concreto-

6013
decidendo. Assim, a determinação dos sentidos dos signos lingüísticos deve ocorrer
pela adjudicação do sentido jurídico numa função pragmática de uso variável e aplicável
à problematicidade concreta, como o resultado de um processo de interpretação que
releva o caráter normativo-decisório-judicativo.

A realização jurídica na sua práxis requer a superação do primado da lógica para


alcançar o primado da investigação da vida. A experimentação concretizadora conduz à
reconstrução e problematização da dogmática (enquanto intenção teórética de tendência
formalista) permeada por uma teleologia que reforçam a intencionalidade prática do
direito numa abertura a elementos extratextuais/transpositivos na sua concreta
realização. A interpretação, a aplicação e a integração no momento judicativo não são
fases estanques, mas indissociáveis de um mesmo momento realizador, numa dialética
que exclui quaisquer formalismos-dedutivistas:

A interpretação jurídica deixar de ser, assim, um pressuposto algaritmo metodológico


ou uma técnica que simplesmente se postule, para ser um acto metodológico que se
problematiza pelo problema geral da realização do direito – o seu problema é o próprio
problema da realização do direito, e a sua intenção (jurídico-metodológica) a própria
intenção jurídico-normativa dessa realização. Ou seja, a realização do direito não é o
que for a interpretação jurídica considerada em si e como momento determinante
daquela, antes a interpretação jurídica deverá ser o que a realização do direito,
compreendida no seu sentido problemático-normativo específico, implique que ela deve
ser.[49]

A índole analítico-interpretativa, peculiar ao positivismo, deve abrir-se para uma índole


sintética-normativista, que tenha como base o caso concreto e a compreensão do direito
enquanto uma ciência prática, hermeneuticamente aberta.[50]

A lógica dedutivo-formal positivista aplicada ao processo de construção do direito


significa remontar a um positivismo-normativista-teórico incapaz de dar conta dos
complexos problemas da sociedade contemporânea, já que possui enquanto prius
metodológico a norma positiva, na compreensão de um sistema fechado, referido a estas
mesmas normas enquanto pressuposto e enquanto fim.

A superação da lógica formal , seja na fase de elaboração legislativa, seja no momento


da aplicação constitutiva das normas, seja na construção doutrinária, é crucial para que a
faticidade de uma ciência prática como o direito possa exsurgir na sua índole normativa-
concreta. As insuficiências deste modelo lógico também conduz à crise porque passa o
positivismo jurídico e a sua inaptidão para dar conta dos problemas prático-normativos
atuais.

Aliás, a lógica dedutivo-formal, originariamente aplicada às ciências naturais, tem


estado numa grande crise paradigmática, que também conduz à sua superação enquanto
modelo metodológico. Diante das ciências sociais, mais especificamente a ciência
jurídica, que é prática por excelência, tem se demonstrado insuficiente, a não ser para a
(re)produção de um modus operandi conservador de um status jurídico e social

6014
inaceitável num Estado Democrático de Direito que ainda não conseguiu efetivar os
direitos fundamentais, mormente os sociais, consignados na Constituição.

Esse modelo metodológico deve ser substituído por outros que permitam o “acontecer”
do direito e não a reprodução mecanizada de standards normativos que retroalimentam
um senso comum jurídico preocupado com a resolução de conflitos inter-individuais e
não supra-individuais. O método dialético, defendido por várias correntes do
pensamento jurídico – hermenêutica filosófica, tópico-retórica, argumentação jurídica,
judicatismo decisório –, é um desses caminhos, entretanto, trata-se de um tema cujo
desenvolvimento não se encontra no escopo deste trabalho.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente trabalho enfoca a crise do modelo metódico lógico-dedutivo do positivismo


jurídico, o que remete, conseqüentemente, a uma crítica do próprio positivismo. Isso
porque o modelo juspositivista de elaboração do direito ainda se encontra presente no
senso comum teórico dos “operadores” do direito brasileiro, cuja superação é
fundamental para a concretização dos direitos fundamentais, especialmente os direitos
sociais, previstos na Constituição Federal.

Para tanto, discorreu-se sobre a evolução histórica do positivismo, remontando à


Revolução Francesa e ao Estado de Direito emergente, que no seu bojo configurou a
separação entre as funções estatais. Ao Legislativo competia a formulação de leis
positivas, a serem aplicadas “reprodutivamente” pelo magistrado. Em seqüencia,
abordou-se a codificação francesa, que na sua suficiência normativa para apreender na
lei - enquanto pressuposto normativo - toda a complexa realidade, impulsionou o
desenvolvimento da Escola da Exegese, marco de maior importância ao positivismo.
Tais vetores forjaram uma compreensão reducionista do direito, simplesmente
equiparado à lei posta.

Mais do que isso, o positivismo cinge-se a uma concepção eminentemente avalorativa


do direito, abstraindo-se de quaisquer valorações na sua aplicação. Constrói-se um
arcabouço teórico que conceitua o direito enquanto coação; que apreende o seu caráter
imperativista; que apresenta uma teoria das fontes; que fundamenta uma teoria do
ordenamento; e que, principalmente, alicerça uma teoria da interpretação, questão de
fundo do maior alcance na sua metodologia.

O positivismo, assim, é compreendido como uma razão prescritiva, conseqüência do


método matemático-dedutivo, que objetifica o direito via uma lógica subsuntiva, que
tem a pretensão de abarcar toda a realidade através das suas premissas extraídas do texto
positivo. Aliás, o prius metodológico encontra-se na norma positiva, longe do caso
concreto decidendo.

O silogismo formal-dedutivo, pilar central do método juspositivista, foi analisado na sua


origem filosófica, remontando ao seu principal expoente, Aristóteles. Suas regras
formais, que permitem extrair uma conclusão independentemente do seu conteúdo,

6015
foram analisadas. Demonstrou-se, também, que os pressupostos do conhecimento
moderno-ocidental encontram-se em crise, e, dentre estes, a lógica dedutivo-
silogística. Isso quanto às ciências da natureza. No que tange ao fenômeno jurídico a
situação se agrava, pois enquanto ciência social possui especificidades próprias,
pautadas pelas contingências histórico-culturais-sociais e pela subjetividade imanente,
longe de quaisquer determinismos ou relações de causalidade. Mesmo assim, o séc.
XIX observou a transposição do modelo metodológico – lógica dedutiva – das ciências
naturais para as ciências sociais, nas quais se incluiu o direito. Esses dois fatores
demonstram a inadequação deste modelo lógico-formal.

Esta forma de proceder desconsidera o direito enquanto ciência prática e a sua imanente
dialeticidade, obnubilando o caso concreto pela preponderância de abstrações
generalizáveis. Além disso, permite a manipulação das suas premissas, o que vem a
romper com a sua pretensão de (in)segurança absoluta.

O direito tem que ser reconduzido à problematicidade-factual do caso concreto,


compreendido enquanto prius metodológico no processo normativo de construção do
direito. É essa consideração que permitirá uma abertura na textura dogmática da norma
posta para a realização de uma juridicidade materialmente correta e normativamente
plausível. O direito se concretiza na sua faticidade-problemática, da qual se adjudica a
norma oriunda de um texto positivo que não servirá de premissa, mas que se amoldará
às circunstâncias jurídico-normativas no processo de construção de sentidos.

A superação do positivismo e respectivo silogismo formal-dedutivo que lhe é imanente


é condição essencial para o rompimento de um senso comum teórico-jurídico que
aprioriza os juízos normativos e da vida em abstrações generalizáveis e não permite o
exsurgir do problema concreto no processo judicante-decisional, olvidando o caráter
eminentemente prático e dialético do direito. Mais do que isso, corrobora com a
manutenção de um status jurídico e social que afronta os direitos consignados na
Constituição, mormente os direitos fundamentais sociais.

O direito também pode corroborar com profundas transformações sociais mediante uma
maior eficácia e efetividade dos direitos fundamentais, entretanto é preciso que rompa
com os grilhões de um juspositivismo reprodutor de uma ordem constituída que se
retroalimenta num senso comum teórico conservador.

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[1] Seria o mesmo que aceitar a absolutização do decadente e superado princípio da


redução, que durante muito tempo figurou como um dos pressupostos do conhecimento
ocidental. Por esse princípio aceita-se o “fracionamento” do todo em partes, para que o
estudo destas partes permita o conhecimento do todo em questão. Hoje em dia sabe-se
que o todo é muito mais do que a mera junção das suas partes isoladamente, pois há
inúmeras variáveis decorrentes das suas respectivas interações que não são perceptíveis
isoladamente. Aliás, Pascal já se manifestara sobre isso. MORIN, Edgar. A Religação
dos Saberes: o desafio do séc. XXI. São Paulo: Bertrand Brasil, 2001, p. 559-567.

[2] Lógica etimologicamente deriva do grego logos (razão, discurso), podendo ser
concebida como a “ciência das leis do pensamento e a arte de aplicá-las ao
conhecimento da verdade.” Abstraindo-se dos debates acerca da verdade no mundo
jurídico, a lógica tradicionalmente é concebida como uma ciência prática e uma arte,
que tem como objeto o pensamento humano e as suas operações básicas – idéia, juízo e
raciocínio. CRUZ, Estêvão. Compêndio de Filosofia. Porto Alegre: Globo, 1932, p.
277-280.

[3] BOBBIO, Norberto. BOBBIO, Norberto. O Positivismo Jurídico: lições de filosofia


do direito. São Paulo: Ícone, 1995.

[4] MEDAUAR, Odete. O Direito Administrativo em Evolução. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1992. A administrativista (p.12-19) apresenta razões para demonstrar que
muitos procedimentos e institutos jurídico-administrativos anteriores à Revolução
Francesa tiveram a sua continuidade, adaptando-se ao novo contexto, que inovou ao

6018
dispor de um estatuto jurídico-vinculante a todas as autoridades administrativas, por
reconhecer direitos aos administrados e pela elaboração dogmática-doutrinária e
jurisprudencial-vinculativa para a Administração.

[5] MARX, Karl. A Questão Judaica. São Paulo: Moraes, p. 41.

[6] MONTESQUIEU. O Espírito das Leis. São Paulo: Martin Claret, 2001.

[7] Este recurso foi substituído pelo célebre art. 4 do Código de Napoleão, em 1804.
Assim, remanesceu até 1837 o último recurso ao Legislativo, denominado recurso de
caráter especial, que ocorria quando uma sentença tivesse sido cassada três vezes,
obrigando a manifestação do parlamento antes do Tribunal de Cassação. Com essa
alteração, o tribunal tinha que seguir a decisão da Corte de Cassação.

[8] PERELMAN, Chaïm. Lógica Jurídica. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p. 23-26.

[9] NICZ, Alvacir Alfredo. Estudos de Direito Administrativo. Curitiba: JM Editora,


1995, p. 80-85.

[10] “A limitação do poder pelo direito acabaria, em França, numa situação paradoxal.
A supremacia da constituição foi neutralizada pela primazia da lei. Daí que um célebre
jurista francês – Carré de Malberg – se tenha referido ao ‘Estado de direito francês’
como um Estado legal ou Estado de legalidade relativamente eficaz no cumprimento do
princípio da legalidade por parte da Administração mas incapaz de compreender o
sentido da supremacia da constituição (...)”. CANOTILHO, Joaquim Gomes. Direito
Constitucional e Teoria da Constituição. Coimbra: Almedina, 1999, p. 91-92.

[11] BOBBIO, Norberto. O Positivismo Jurídico: lições de filosofia do direito. São


Paulo: Ícone, 1995, p. 74.

[12] Grócio, Pufendor e Locke tiveram em comum a superação das concepções


teológicas do direito, que remontavam a origem de todas as leis à lei divina, o que era
próprio da perspectiva teocêntrica então vigente, especialmente nas lições de Santo
Agostinho e Santo Tomás de Aquino. A fundamentação do Direito (Natural) por esses
autores era extraída da razão humana, o que permitia superar as antigas concepções
jusnaturalistas gregas, calcadas na natureza. Através da razão, tal qual ocorria com as
ciências naturais, era possível alcançar as profundas verdades e amoldar o
comportamento humano a esses ditames: “Deus deixa de ser visto como o emanador das
normas jurídicas, e a natureza passa a ocupar esse lugar. Ora, com um detalhe: a
natureza não dá aos homens esse entendimento; é ele mesmo, por meio do uso da razão,
que apreende esse conhecimento e o coloca em prática na sociedade.” BITTAR,
Eduardo; ALMEIDA, Guilherme. Curso de Filosofia do Direito. São Paulo: Atlas,
2001, p, 227.

[13] Consoante esta última distinção, o positivismo comtiano é radicalmente contrário à


metafísica, tanto que esta é considerada numa etapa anterior ao apogeu alcançado com o
pensamento positivo (fase teológica, metafísica e positiva). Paradoxalmente, Comte
chega a elevar a sua construção à condição de uma religião. O positivismo jurídico,
entretanto, não consegue se desgarrar da metafísica, tanto que um dos seus expoentes,

6019
Hans Kelsen, vai fundamentar a unidade do ordenamento jurídico na fictícia norma
fundamental.

[14] O espírito positivo, onde a observação prepondera sobre a imaginação e a


abstração, almeja a harmonia do conhecimento humano, entre teoria e prática, entre
ciência e arte. Aponta, conseqüentemente, a incompatibilidade entre a ciência e a
teologia. COMTE, Augusto. El Espírito Positivo. Buenos Aires: Editorial Tor, p. 32-60.

[15] BOBBIO, Norberto. O Positivismo Jurídico: lições de filosofia do direito. São


Paulo: Ícone, 1995.

[16] Segundo Perelman: “(...) os juristas da escola da exegese se empenharam em seu


trabalho, procurando limitar o papel do juiz ao estabelecimento dos fatos à sua
subsunção sob os termos da lei. (...) Na tradição da escola da exegese as noções de
‘clareza’ e ‘interpretação’ são antitéticas. De fato, diz-se interpretatio cessat in claris,
não cabe interpretar um texto claro.” PERELMAN, Chäim. Lógica Jurídica. São
Paulo: Martins Fontes, 2000.

p. 35 e 50.

[17] NEVES, Castanheira. Metodologia Jurídica: problemas fundamentais. Coimbra:


Coimbra Editora, 1993.

[18] Também nesse sentido Lênio Streck, ao discorrer sobre o senso comum teórico dos
juristas, que se encontra na base dos discursos epistemológicos do direito nas suas
funções normativa, ideológica, retórica e política. “O sentido comum sufoca as
possibilidades interpretativas. (...) no contexto da dogmática jurídica, os fenômenos
sociais que chegam ao Judiciário passam a ser analisados como meras abstrações
jurídicas e as pessoas, protagonistas do processo, são transformadas em autor e réu,
reclamante e reclamado, e, não raras vezes ‘suplicante e suplicado’, expressões estas
que, convenhamos, deveriam envergonhar (sobremodo) a todos nós. (...) pode-se dizer
que ocorre uma espécie de ‘coisificação’ (objetificação) das relações jurídicas.”
STRECK, Lênio. Hermenêutica Jurídica e(m) Crise: uma exploração hermenêutica da
construção do direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000, p. 53-64.

[19] “Se assegurar uma estrita obediência ao poder constituído em veste legislativa, e a
segurança jurídica são o que sobretudo determinam praticamente o subjectivismo, já o
objectivismo, ao assumir uma perspectiva que lhe permite uma evolução adequada a
actualizadas exigências jurídicas da aplicação e do contexto normativos, visa antes de
mais nada a justeza ou a rectidão das soluções a obter pela interpretação.” NEVES,
Castanheira. Metodologia Jurídica: problemas fundamentais. Coimbra: Coimbra
Editora, 1993, p. 100-101.

[20] Aristóteles apresenta a proximidade da retórica, que busca a persuasão, com a


dialética, considerando aquela uma parte desta enquanto faculdades que fornecem
argumentos: “A retórica não deixa de apresentar analogias com a dialética, pois ambas
tratam de questões que de algum modo são da competência comum de todos os homens,
sem pertencerem ao domínio de uma ciência determinada. Todos os homens participam,
até certo ponto, de uma e de outra; todos se empenham, dentro de certos limites em
submeter a exame ou defender uma tese, em apresentar uma defesa ou uma acusação.

6020
(...)” Aristóteles. Arte Retórica. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1959, p. 19. O
estagirista não desconheceu a importância do silogismo para a retórica, entretanto, o
considera de crucia importância para o conhecimento científico, conforme Luis
Angiogi: “um argumento conta como uma demonstração científica se ele satisfaz
conjuntamente as três condições seguintes: ser um argumento válido (71b 17-19),
constituir-se de proposições verdadeiras (71b 19-20, 25-27) e explicar adequadamente o
objeto assumido como explanandum (cf. 71b 22-23). Mas é nesta última condição que
Aristóteles concentra sua ênfase, justamente porque ela envolve as duas anteriores.”
ANGIOGI, Luis. O conhecimento científico no livro I dos Segundos Analíticos de
Aristóteles. Extraído de <http://www.filosofiaantiga.com/documents/Lucas-2007-
2.pdf> em 25/09 às 3h16min.

[21] “ De maneira geral, independentemente das intenções dos filósofos, a concepção


metafísica prevaleceu, ao longo da história, porque correspondia, nas sociedades
divididas em classes, aos interesses das classes dominantes, sempre preocupadas em
organizar duradouramente o que já está funcionando, sempre interessadas em ‘armar’
bem tanto os valores e conceitos como as instituições existentes, para impedir que os
homens cedam à tentação de querer mudar o regime social vigente.” KONDER,
Leandro. O Que é Dialética. São Paulo: Brasiliense, 2000, p. 9.

[22] “Homem”, neste silogismo, constitui o termo médio.

[23] CRUZ, Estêvão. Compêndio de Filosofia. Porto Alegre: Globo, 1932.

[24] Eis um exemplo de silogismo falho: “As crianças são inocentes

Ora, as crianças são homens

Logo, os homens são inocentes.”

[25] Eis outro exemplo falacioso: “Todo o metal é pesado

Ora, esta substância é pesada

Logo, esta substância é metal.”

[26] Mais um exemplo: “O ouro não é vegetal

Ora, esta faca não é ouro

Logo, esta faca...”

[27] Por fim, este último caso exemplificativo: “Um homem é trabalhador

Sócrates é um homem

Logo, Sócrates é um trabalhador”

[28] Vários são os sofismas, dentre os quais se destacam o sofisma do excludente (toda
a medicina é inútil porque um medicamento falhou), o sofisma da interrogação (por que

6021
mataste aquele homem?, independentemente de sabê-lo), o sofisma da ignorância
(intervenções desfocadas), dentre outros. O sofisma de Epimênides é paradigmático
para demonstrar as múltiplas possibilidades discursivas não-conclusivas: Epimênides
diz que todos os cretenses são mentirosos, Epimênides é cretense, logo, mente. Assim,
os cretenses não são mentirosos. Não os sendo, Epimênides fala a verdade, então os
cretenses são mentirosos... temos um encadeamento que segue na linha do infinito.

[29] O princípio da ordem, ou seja, de uma imanente estabilidade do cosmos, a


semelhança de uma máquina, implodiu com a hermodinâmica e a física quântica, que
também demonstraram a falibilidade dos princípios da identidade e da não-contradição.
Os princípios da separação e da redução olvidam que o todo é mais do que o simples
somatório das suas partes – idéia de recursão organizacional, e que não pode ser
compreendido mediante a análise pormenorizada de cada uma das suas unidades. Por
conseqüência, acaba ignorando o conhecimento que surge nas “fronteiras” do
conhecido, ou seja, a interdisciplinariedade. Por fim, a lógica apofântica impossibilita a
apreensão das contradições, imprescindíveis enquanto condição de cognoscibilidade.
MORIN, Edgar. A Religação dos Saberes: o desafio do séc. XXI. São Paulo: Bertrand
Brasil, 2001, p. 559-567. Nesse mesmo sentido, Boaventura de Souza Santos discorre
sobre a crise do paradigma epistemológico dominante da modernidade (ciências
naturais), forjada pela relatividade de Einstein (astrofísica), pela mecânica quântica
(microfísica), pelos teoremas de Gödel (demonstram a falibilidade do rigor matemático)
e pelos avanços da química e da biologia nas últimas décadas. SANTOS, Boaventura de
Souza. A Crítica da Razão Indolente: contra o desperdício da experiência. São Paulo:
Cortez, 2000, p. 69-70.

[30] SANTOS, Boaventura de Souza. A Crítica da Razão Indolente: contra o


desperdício da experiência. São Paulo: Cortez, 2000, p. 71-73.

[31] SANTOS, Boaventura de Souza. A Crítica da Razão Indolente: contra o


desperdício da experiência. São Paulo: Cortez, 2000, p. 63. Segundo o jusfilósofo
lusitano (p. 64) “as leis da ciência moderna são um tipo de causa formal que privilegia o
como funciona das coisas em detrimento de qual o agente ou qual o fim das coisas. (...)
Um conhecimento baseado na formulação de leis tem como pressuposto metateórico a
idéia de ordem e de estabilidade do mundo, a idéia de que o passado se repete no futuro.
(...) a ordem e a estabilidade do mundo são a pré-condição da transformação tecnológica
do real.”

[32] Essa redução ao método e epistemologia das ciências naturais normalmente


corrompe a faticidade das ciências sociais, cujos obstáculos são de difícil superação,
conforme expõe Ernest Nagel: “as ciências sociais não dispõem de teorias explicativas
que lhes permitam abstrair do real para depois buscar nele, de modo metodologicamente
controlado, a prova adequada; as ciências sociais não podem estabelecer leis universais
porque os fenômenos sociais são historicamente condicionados e culturalmente
determinados; as ciências sociais não podem produzir previsões fiáveis porque os seres
humanos modificam o seu comportamento em função do conhecimento que sobre ele se
adquire; os fenômenos sociais são de natureza subjetiva e, como tal, não se deixam
captar pela objetividade do comportamento; as ciências sociais não são objetivas porque
o cientista social não pode libertar-se, no ato de observação, dos valores que informam a
sua prática em geral e, portanto, também a sua prática de cientista.” SANTOS,

6022
Boaventura de Souza. A Crítica da Razão Indolente: contra o desperdício da
experiência. São Paulo: Cortez, 2000, p. 66.

[33] ATIENZA, Manuel. As Razões do Direito: teorias da argumentação jurídica. São


Paulo: Landy, 2002, p. 18-21.

[34] “(...) se opõem tanto ao determinismo metodológico (as decisões jurídicas não
precisam ser justificadas porque procedem de uma autoridade legítima e/ou são o
resultado de simples aplicações de normas gerais) quanto ao decisionismo metodológico
(as decisões jurídicas não podem ser justificadas porque são puros atos de vontade.”
ATIENZA, Manuel. As Razões do Direito: teorias da argumentação jurídica. São
Paulo: Landy, 2002, p. 25.

[35] Caso número um: todos os poetas são imbecis, o ministro é poeta, logo o ministro é
um imbecil; caso número dois: todos os imbecis são poetas, o ministro é poeta, logo o
ministro é imbecil; caso número três: todos os imbecis são poetas, o ministro é poeta,
logo o ministro não é imbecil; caso número quatro: os ministros que são poetas não são
imbecis, o ministro é poeta, logo o ministro não é imbecil. ATIENZA, Manuel. As
Razões do Direito: teorias da argumentação jurídica. São Paulo: Landy, 2002, p. 27-33.

[36] Eis um exemplo de argumentos não-dedutivos: “Havia apenas uma cama desfeita
na casa. Eram 6 horas da manhã quando ocorreu a verificação. Toda a roupa de os
objetos pessoais de A e de B estavam na mesma habitação em que se encontrava a
cama. Meses depois, A se refere a B como ‘minha mulher’. Logo, na época em que se
realizou a verificação A e B mantinham relações íntimas (e, conseqüentemente, B sabia
da existência da droga no travesseiro)”. ATIENZA, Manuel. As Razões do Direito:
teorias da argumentação jurídica. São Paulo: Landy, 2002, p. 41.

[37] Aristóteles discorre sobre o entimema na sua obra Arte Retórica, diferindo-a do
exemplo, uma vez que este é uma indução e o entimema é um silogismo (silogismo é a
forma de raciocínio pautada decorrência de proposições, ou seja, de uma proposição –
premissa - decorre de outra. O entimema, embora não seja tão eficiente para a
persuasão, impressionam mais. Das proposições que compõem os entimemas, poucas
são necessárias, ou seja, a sua grande maioria são contingências oriundas de
verossimilhança (o que acontece freqüentemente). Aristóteles. Arte Retórica. São Paulo:
Difusão Européia do Livro, 1959, p. 19-27.

[38] ATIENZA, Manuel. As Razões do Direito: teorias da argumentação jurídica. São


Paulo: Landy, 2002, p. 35-47.

[39] PERELMAN, Chäim. Lógica Jurídica. São Paulo: Martins Fontes,2000, p. 3.

[40] Esta apriorização abrange o pensamento jurídico nas suas mais diversas facetas,
seja o científico-doutrinário (doutrina feita pelos escritores), seja o argumentativo
(contencioso levado a cabo pelos advogados), seja o decisional (judicativo efetivado
pelos juízes).

[41] Nota-se uma forte influência da teoria da argumentação em Luis Fernando Coelho,
ao pugnar por uma ciência prática, superadora da lógica formal-dedutiva; que não

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alcance a verdade, mas a certeza/razoável; que esteja fundada na argumentação e não
em axiomas: “A lógica da argumentação, frontalmente contrária à lógica formal,
diametralmente oposta à proposta por Hans Kelsen, pretensamente científica, vislumbra
na atividade do juiz um complexo empreendimento de elaboração, condensação,
valoração, ponderação, divisão de elementos de diversas naturezas, em que não somente
a norma jurídica é um ponto de referência, pois divide espaço e, por vezes, colide com
impressões psicológicas, históricas e vivências comunitárias, intuições pessoais, provas
não produzidas... que para outros modelos teóricos são simplesmente motivo de
desprezo.” BITTAR, Eduardo; ALMEIDA, Guilherme Assis de. Curso de Filosofia do
Direito. São Paulo: Atlas, 2001. p. 402-403.

[42] COELHO, Luis Fernando. Lógica Jurídica e Interpretação das Leis. Rio de
Janeiro: Forense, 1981, p.146-176..

[43] PERELMAN, Chäim. Lógica Jurídica. São Paulo: Martins Fontes,2000, p. 8. O


autor assim continua: “Quem é encarregado de tomar uma decisão em direito, seja ele
legislador, magistrado ou administrador público, deve arcar com as responsabilidades.
Seu comprometimento pessoal é inevitável, por melhores que sejam as razões que possa
alegar em favor de sua tese.”

[44] STRECK, Lênio. Verdade e Consenso: Constituição, hermenêutica e teorias


discursivas. São Paulo: Lumen Juris, 2006, p.7, 149-151. Para o autor (p. 161 e 216-
217), que critica o uso desmedido dos precedentes judiciais “Ainda é dominante o
método subsuntivo igual ao utilizado no séc. XIX. O perigo maior representado pelas
súmulas-vinculantes (...) está no fato de que cada uma delas transforma-se em uma
‘premissa maior’ ou ‘categoria’ (significante) própria para a elaboração de
deduções/subsunções. (...) Interpretar (e aplicar) não é nunca uma subsunção do
individual sob os conceitos do geral. E exemplos de pautas gerais são comuns e
recorrentes em nossa jurisprudência. Dito de outro modo, no ‘verbete jurisprudencial’
não está contida a essencialidade relativa ao que seja uma insignificância jurídica (como
era o caso sob judice).(...) os verbetes jurisprudenciais não possuem uma ess (...) que se
adapte a todos os casos jurídicos. Na verdade, aplicados de forma descontextualizada,
levam ao obscurecimento da singularidade do caso.”

[45] Importa observa o silogismo apresentado por Beccaria “Em todo o delito deve
fazer o juiz um silogismo perfeito: a maior deve ser a lei geral; a menor, a ação
conforme ou não à lei; a conseqüência, a liberdade ou a pena. Quando o juiz for
constrangido ou desejar fazer também dois silogismos somente, abrir-se-á a porta à
incerteza. Não há coisa mais perigosa do que aquele axioma comu: ‘É preciso consultar
o espírito da lei.’ É uma barragem rompida frente à torrente das opiniões.” BECCARIA,
Cesare. Dos Delitos e das Penas. São Paulo: Martin Claret, 2005.

[46] COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda (org.). Direito e Psicanálise: interseções a


partir de ‘o Mercador de Veneza’ de William Shakespeare. In: COUTINHO, Jacinto
Nelson de Miranda. Sistema Inquisitório e o Processo em ‘O Mercador de Veneza.’p.
164-167.

[47] Para Enrique Dussel as ciências fáticas semanticamente têm por base fenômenos
naturais e demonstráveis, entretanto, sua metodologia não é adequada para os problemas
humanos, calcados numa práxis: “As ciências contemporâneas desenvolveram, por sua

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parte, toda uma implementação metodológica com base em certas técnicas que podem
ajudar a sabe manejar um número imenso de variáveis, constituindo modelos quer
permitem avaliar grande número de alternativas hipotéticas, considerando os seus
resultados por simulações muito precisas. Todavia, deve-se ter clara consciência que os
melhores computadores não podem suplantar os quatorze bilhões de neurônios (com
suas duzentas mil conexões de cada um com os outros) situados somente em nosso
córtex cerebral. O método para a melhor decisão prática é prático. Pode usar mediações
científicas, mas integradas num discurso prático que lança mal da ciência quando julga
conveniente. Os cientificistas matemáticos são péssimos políticos. Não é o mesmo
manejar entes de razão e respeitar homens que se ocultam no mistério de sua
exterioridade.” DUSSEL, Enrique. Filosofia da Libertação na América Latina.
Piracicaba: Edições Loyola,1980, p. 167.

[48] COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda (org.). Anuário Ibero-Americano de


Direitos Humanos. In: COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. Glosas ao “Verdade,
Certeza e Dúvida” de Francesco Carnelutti para os Operadores do Direito. São Paulo:
Lumen Juris, 2002, p. 180-181. Nesta glosa ao texto de Carnelutti “Verdade, Certeza e
Dúvida”, Jacinto aponta a impossibilidade de aplicação do silogismo, amparado em
axiomas, por não se ter condições gnoseológicas de se alcançar a verdade. Eis um vício
insuperável neste método.

[49][49] NEVES, Castanheira. Metodologia Jurídica: problemas fundamentais.


Coimbra: Coimbra Editora, 1993, p. 127. O jusfilósofo lusitano também afirma (p.
137): “(...) diferentemente um pólo dinãmico de autonomia constitutiva e codeterminada
na dialéctica que a interpretação jurídica é chamada a actuar na problemático-concreta
realização do direito – pelo que de novo se reconhecerá que esta realização não é
redutível a um esquema lógico-dedutivo.”

[50] NEVES, Castanheira. Metodologia Jurídica: problemas fundamentais. Coimbra:


Coimbra Editora, 1993.

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