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1. Acepção
1.1 O arquivo como dispositivo da memória
1.2. A dimensão política do arquivo
1.3. A estruturação do arquivo
2. Remediação
2.1. A remediação
2.2. O novo tipo de colecções
2.1. A desintermediação das instituições da memória
3. Reconceptualização
3.1. Arquivo vivo
4. Do analógico ao digital
4.1. De receptáculo passivo a mediador activo
4.2. De espacial a temporal
4.3. De estático a móvel
Propriedades do arquivo vivo
notas

1. Acepção notas
O arquivo, tal como é descrito sucintamente por Charles
Merewether 2016, "distinto de uma colecção ou
biblioteca, constitui um repositório ou sistema
ordenado de documentos e registos, tanto verbais
como visuais, que são a fundação a partir da qual a
História é escrita" 1. Tendo em conta a sua função,
este repositório age como um lugar para abrigar,
classificar e organizar os objectos de valor histórico e
cultural 2. Para tal, ao arquivo cabe garantir que os
elementos que detém são conservados por tempo
indeterminado, só assim podem ser acedidos no futuro,

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a qualquer altura, cumprindo um propósito
"verdadeiramente informativo" 3.

1.1 O arquivo como dispositivo da


memória
distinto de uma colecção ou biblioteca
Em discurso corrente, o termo "arquivo" é
incorrectamente utilizado para nomear qualquer tipo de
colecção 4. No entanto, segundo Ernst 2012, o
arquivo "nunca foi principalmente sobre memória, nem é
uma colecção (como uma biblioteca ou um museu)" 4.
No arquivo consta uma pequena fracção de todos os
documentos e artefactos existentes. Esse conjunto é
constituído e continuamente acrescentado mediante um
processo de avaliação e selecção, levado a cabo pelas
instituições, orgãos governamentais e indivíduos
detentores dos arquivos 5. Desta feita, o arquivo
torna-se um agente com capacidade para excluir aquilo
que é redundante e, ao mesmo tempo, para conservar
indefinidamente elementos significativos, de valor
histórico e cultural 6. É precisamente pela capacidade
de prevalecer ao longo do tempo que o arquivo toma
um papel significativo na construção sociocultural, pois
os "documentos e registos" que abriga, no seu conjunto,
organizam revelam aquilo que se sabe acerca da
História de uma cultura.

Ora, "distinto de uma colecção ou biblioteca", o arquivo


não é só sobre memória, nem é apenas uma colecção. A
forma pela qual é estruturado, isto é, o processo de
inclusão ou exclusão de registos abrigados pelo arquivo,
confere, no presente, o poder de controlar no futuro o
que se saberá acerca do passado 7. Os arquivos
validam e dão coesão às narrativas que compõe a
memória colectiva de uma sociedade 8. Como tal, o
poder de acção que detém sobre os elementos que o
compõe permite distingui-lo de outras instituições que
abrigam os registos do presente e do passado, isto é,

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instituições da memória social e cultural como
bibliotecas, museus e universidades.

De facto, o arquivo é também, mas não só, uma


instituição da memória. Pelo papel activo que assume
perante a sua colectânea, é via pela qual se organiza a
memória do complexo que compreendemos como
cultura e, como tal, é um dispositivo com poder político.

1.2. A dimensão política do arquivo


fundação a partir da qual a História é escrita

A origem dos arquivos vem da necessidade, por parte


de historiadores e académicos, de um "repositório
neutro de factos" Schwartz e Cook, 2002 que pudesse
ser explorado para fins históricos e culturais. Associados
a esse objectivo, desde o seu surgimento que os
arquivos são vistos como recursos passivos e imparciais
9. Contudo, o arquivo foi criado por instituições,
orgãos governamentais e indivíduos com interesses e
ideologias próprios. Assim, os documentos e registos
presentes nos repositórios acabam por reflectir os
valores dessas entidades, que primeiramente os
estabeleceram e em diante os mantêm 10. Aos
registos que compõe o arquivo, para além do seu
conteúdo de valor histórico e cultural, é-lhes subjacente
os interesses do seu autor e ainda do público que deles
usufrui e "do mais alargado contexto legal, técnico,
organizacional, social e cultural-intectual em que o
criador e o público operam e onde o documento se
torna significativo" 11.

O nosso conhecimento acerca da História vem da


informação que foi seleccionada e incluída no arquivo
para ser preservada para uso futuro. A par deste
processo de selecção, levado a cabo pelos arquivistas,
certos eventos são privilegiados em detrimento de
outros, que são marginalizados 12. Como tal, estes
exercícios conferem um enorme poder sobre os moldes
com que se constrói e se dá a conhecer uma sociedade

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ao longo do tempo 13. Poder, neste contexto é a
capacidade de tomar decisões sobre o que registar,
como registar, ser mediador e do registo e gerir o seu
acesso 14. Neste sentido, ao contrário de um
"repositório neutro de factos", os arquivos são "espaços
activos onde o poder social é negociado, contestado e
confirmado" 15.

1.3. A estruturação do arquivo


constitui um repositório ou sistema ordenado de
documentos e registos

Os exercícios de poder que tomam lugar dentro do


espaço do arquivo prendem-se desde início com a
forma pela qual é estruturado. Mais do que um lugar
onde é depositado e armazenado conteúdo, o arquivo
actua como um espaço de classificação e organização
do próprio processo de arquivar 16. De acordo com
Berry 2017, "arquivar produz tanto quanto regista o
evento" 16, isto é, a estrutura técnica do arquivo
determina também a estrutura do material a ser
arquivado, desde o momento em que surgiu até à
influência que pode vir a ter no futuro 17, 16.

Tendo em conta o arquivo tradicional analógico, a sua


estrutura é definida por instituições da memória - muitas
das quais financiadas por orgãos governamentais - que
são soberanas desde logo no processo de inclusão ou
exclusão de elementos no acervo 18. Os princípios das
práticas arquivistas instaurados ao longo do tempo e as
actividades que essas englobam, em especial o acto de
avaliar e definir o que se torna arquivo, influenciam
profundamente a composição e o carácter do conteúdo
arquivado e, por conseguinte, da memória social 19.

No contexto do arquivo tradicional, o processo de


arquivação é legitimado através de uma cadeia de
práticas adoptadas pelas instituições detentoras do
arquivo, que, em última instância, detém poder sobre a
tomada de decisão acerca de que partes do presente (e

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do passado) deveriam ser preservadas e quais, por
oposição, deveriam ser excluídas 18. A escolha sobre
o que registar e preservar, em detrimento dos
documentos e registos que não são eternizado pelo
arquivo, dá então origem a estruturas socialmente
construídas, que se tornaram subjacentes à sociedade, e
que de determinam o significado daquilo que se torna
arquivo 19.

O arquivo, é então um "repositório ou sistema ordenado


de documentos e registos" do presente e do passado
que, estando ao seu abrigo, são preservados no futuro.
Aí são geradas as narrativas que fazem parte da História
como a conhecemos, através da forma como os seus
elementos (os que foram incluídos no arquivo) se
encontram organizados e classificados. Como tal, o
arquivo é um espaço de governação, com valências que
excedem as outras instituições da memória, onde são
exercidas forças de poder.

O meio pelo qual um arquivo se constitui como arquivo,


através de que práticas e materialidades, é um aspecto
condicionante de toda a sua estruturação e,
intrinsecamente, da construção da memória colectiva. O
fenómeno da digitalização, que surge com a introdução
das novas tecnologias digitais, dá origem a novas
práticas e materialidades de arquivar que, por sua vez,
levantam questões acerca de como o arquivo é
remediado quando é abstraído no meio digital.

2. Remediação
Tal como defendem Schwartz e Cook 2002, "os
arquivos validam as nossas experiências, as nossas
percepções, as nossas narrativas, as nossas histórias. Os
arquivos são as nossas memórias" (p.18. Por outras
palavras, os mesmos autores acrescentam que os
arquivos, enquanto registos, compõe a forma como nos
conhecemos enquanto indivíduos e sociedades. Tal
como foi visto anteriormente, estes dispositivos têm o

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poder de formar a memória colectiva e a identidade de
uma cultura, através do conhecimento que se extrai do
conjunto de documentos reunidos nos acervos.

Tendo em conta o arquivo tradicional analógico, Abigail


De Kosnik 2016 relembra: "Desde o final do século XIX
até ao final do século XX, a memória — não a memória
privada, individual, mas a memória pública, colectiva —
estava sob o domínio do estado" (p.1). De Kosnik
salienta tratar-se da memória colectiva, pois, uma vez
que as instituições da memória eram estabelecidas e
financiadas pelo estado, actuavam a seu favor,
funcionando como "mecanismos para a permanente
demonstração de poder" com a "capacidade de
comandar, ordenar e controlar objectos e corpos, vivos
ou mortos" Bennett, 1995, como referido em De Kosnik,
2016, 1. Sendo também uma instituição da memória, o
arquivo analógico era controlado pelo estado e gerido
por profissionais especializados — os arquivistas.
Como parte das suas funções, os arquivistas tomam um
papel activo na gestão do arquivo, que implica a
selecção dos documentos e artefactos, o seu
armazenamento e consequente categorização e a
contínua preservação do repositório. Assim, como
escrevem Schwartz e Cook 2002, "os arquivistas
continuamente reformulam, reintrepretam e reinventam o
arquivo" (p.1) e acrescentam:
"no seguimentos das suas responsabilidades
profissionais, os arquivistas — como guardiões dos
arquivos — exercem poder precisamente sobre os
registos centrais à formação da memória e
identidade através da gestão activa dos registos
antes de se tornarem arquivos, a sua avaliação e
selecção enquanto arquivos e posteriormente a sua
descrição, preservação e uso, em constante
evolução" Schwartz e Cook, 2002, 2.

Já na era digital, a tarefa de armazenar e re-apresentar


o conteúdo arquivado é delegada aos novos

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dispositivos técnicos Berry, 2017.

2.1. A remediação
Com a disseminação das tecnologias digitais, os novos
media vieram tomar o lugar das tradicionais formas de
comunicação como a televisão e a rádio e, em
particular, os meios de comunicação impressos De
Kosnick, 2016. Bragança de Miranda 1996 sugere que
a instauração de novos meios de transmissão da
informação e do conhecimento fomenta a
"tecnologização da experiência" e o arquivo, ao ser
abrangido por este fenómeno, "ganha novos contornos
no instante da sua transformação digital e electrónica"
(p.96. Como resultado, a introdução das novas
tecnologias digitais leva à remediação do arquivo pelo
meio digital. Esta revolução técnica da prática arquivista
concretiza-se, por fim, na transição do arquivo
analógico para o arquivo digital.

Nestes novos dispositivos técnicos, todo o conteúdo


arquivável é digital ou digitalizado. Para ser (re)mediado
pelo meio digital, a materialidade do arquivo é abstraída
por via de processos computacionais que transformam
os objectos em dispositivos algorítmicos, classificados
tendo em conta os seu metadados Berry, 2017. Pelas
palavras de Ernst 2013, "aqui não são os dados,
contudo, mas os seus metadados que são o elemento
arquivável" (p. 89. Os metadados operam dentro da
base de dados, onde são nivelados numa mesma
linguagem computacional para serem tratados
independentemente da sua natureza ou hierarquia — a
base de dados é, por si mesma, uma estrutura não-
hierárquica. Isto significa que "a singularidade do
objecto é, por outras palavras, abstraída pela
tecnologia" Berry, 2017, 110.

Ao contrário do que acontece no arquivo analógico,


onde o conteúdo arquivado é claramente distinto da
estrutura em que se insere, no arquivo digital, os

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objectos e o seu conteúdo confundem-se com o próprio
sistema administrativo do repositório. Com a "crescente
virtualização dos objectos, para além da criação de
novos objectos, ... os 'imateriais'", anunciada por
Bragança de Miranda 1996, 109, "o arquivo é baseado
na circulação em rede de dados, a sua forma enfática
dissolve-se ... em circuitos electrónicos e fluxos de
dados" Blom 2016 como referido em De Kosnik, 2016,
1213. O arquivo digital é "profundamente
computacional" pois a sua estrutura e conteúdo estão
"emaranhados com as representações digitais dos
objectos físicos, textos e artefactos born digital" Berry,
2017, 107.

2.2. O novo tipo de colecções


Perante a "crescente interpenetração dos sistemas e
processos computacionais" Berry, 2017, 107, dá-se a
mudança no processo de arquivar e também na natureza
do conteúdo arquivável. Com a digitalização dos
documentos e artefactos e consequente remediação
pelo meio digital, a noção de arquivo expande-se, de
uma estrutura rígida e institucionalizada, para uma
baseada "na circulação em rede de dados" que passa a
incluir metadados, bases de dados, interfaces e outras
ferramentas digitais. Dentro deste contexto, surgem
novas técnicas de acesso, gestão e controlo da
informação, tais como a capacidade de reorganizar,
procurar e optimizar através da análise computacional
Berry, 2017.

Dentro do contexto do meio digital, surge um novo tipo


de colecções: maleáveis e reconfiguráveis a novas
formas já que, pela sua natureza computacional, não se
restringem à estrutura organizacional e aos sistemas dos
arquivos tradicionais Berry, 2017. Se até a este ponto
"o antigo arquivo institucional serviu de alicerce contra a
completa mobilização dos documentos", hoje somos

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confrontados com o inverso, com "arquivos distribuídos
online e o seu livre acesso na Internet" Ernst, 2012, 11.

Tomando em conta a internet como um dos principais


meios de transmissão de informação da era digital, a sua
estrutura aberta e de livre acesso permite que qualquer
pessoa possa acrescentar todo o conteúdo que
"considere adequado a ser preservado digitalmente"
Dekker, 2017; De Kosnick 2016, 1. Em contraste com a
noção de arquivo tradicional, controlado pelo estado e
gerido por arquivistas, estas iniciativas demonstram que
podem existir "compreensões multifacetadas do
processo de arquivar" Dekker, 2017, 21, que agora
pode ser acedido e gerado pelo público em geral.

2.1. A desintermediação das


instituições da memória
Perante este conjunto de possibilidades sem
precedentes, "os laços que ligam a memória pública ao
estado começam a soltar-se" De Kosnick 2016, 1 e
levam, em última instância, a uma "mudança dramática
na estrutura material das instituições da memória — em
parte devido a mudanças técnicas mas também devido
às ontologias sociais que a lógica computacional parede
produzir" Berry, 2017, 107. Com as novas práticas de
arquivar que surgem por via do fenómeno da
digitalização, o arquivo sai do domínio das instituições e
do poder de interpretação dos arquivistas. Ao deixar de
estar alocado a uma instituição específica, deixa de
poder ser controlado — já não é visto como um espaço
anexado ao poder. A computação causa assim a
desintermediação das instituições da memória e debilita
as funções curatoriais antes associadas aos arquivos
Berry, 2017. Em suma, as mutações no armazenamento
e comunicação da informação provocam a
deslocalização do arquivo, que está agora disseminado
por toda a experiência Bragança de Miranda, 1996.

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Tendo em conta a análise anterior do arquivo analógico,
conclui-se que, mais do que um lugar onde é depositado
e armazenado conteúdo, o arquivo actua como um
espaço de classificação e organização do próprio
processo de arquivar. As práticas arquivistas influenciam
a composição e o carácter do conteúdo arquivado ao
ditarem a forma pela qual se encontram organizados e
classificados os elementos que são incluídos no arquivo,
que, por fim, geram as narrativas que fazem parte da
História como a conhecemos. Como tal, o conteúdo do
arquivo está intrinsecamente relacionado com a
estrutura onde é arquivado:
"Por outras palavras, a forma de um arquivo restringe
e potencia o conteúdo que encerra e os métodos
técnicos para contruir e dar suporte a um arquivo
produzem o documento para colecção" Dekker,
2017, 14.

Sendo que "a memória social é entendida com uma


artefacto da organização dos media", as mutações na
tecnologia vêm vincular esta premissa pois, ao alterarem
o processo de arquivar e o conteúdo arquivado,
delineiam "uma nova modalidade no nosso envolvimento
com a cultura" Berry 2017, 109, ou pelas palavras de
Schwartz e Cook 2002

"Ao longo do tempo, os novos media de registo


trouxeram não só alterações no armazenamento e
comunicação da informação, mas também aos
conceitos de tempo e de espaço, tão bem como às
nossas formas de conhecer, pensar sobre e articular
a relação com o mundo que nos rodeia. Tais
revoluções na tecnologia da informação são de
interesse, não apenas porque mudam o que os
arquivos recolhem, mas também porque mudam o
papel dos arquivos na sociedade." (p. 6

Ao alterar a materialidade dos objectos do arquivo, com


a "transformação do arquivo de um espaço estático
para um que é informado e interpenetrado por

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computação" Berry, 2017, 120, a cultura é refeita
quando é materializada de forma digital Berry, 2017.
Importa agora entender os contornos de um arquivo que
se torna novo a partir do momento da sua remediação
digital.

3. Reconceptualização
A introdução dos novos meios de comunicação coloca
em marcha uma cadeia de acontecimentos que leva, em
última instância, à remediação do arquivo pelo meio
digital. Fora da estrutura institucionalizada do meio
analógico, o arquivo encontra-se agora disseminado por
toda a experiência. Perante este fenómeno, David M.
Berry 2017 aponta para o "desarquivar daquilo que
entendíamos antes ser um arquivo", uma vez que o
arquivo passa a operar num meio "informado e
interpenetrado por computação, que restrutura o espaço
através de processos de formatação, estruturação e
classificação" Berry, 2017, 120 - o meio digital:

"De facto, o direito hermenêutico e a competência


dos investigadores e arquivistas - e o poder de
interpretar os arquivos - foi transformado com a
digitalização e as novas técnicas das superfícies
computacionais. Podemos considerar isto não apenas
como o desarquivar daquilo que entendíamos antes
ser um arquivo mas também como a criação de
novas formas de arquivo através de práticas de re-
arquivar." Berry, 2017, 103

Segundo Katrina Sluis 2017, as novas tecnologias da


informação, estruturadas por processos computacionais,
trazem consigo a potencialidade de meios de
comunicação "partilhados, que são móveis e
instantâneos, alojados em formas de armazenamento
ilimitadas e "gratuitas", que requerem pouco
conhecimento para publicar e partilhar" Sluis, 2017, 28.
A disseminação da informação online permite a
organizações que antes privilegiavam o meio analógico,

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como museus, bibliotecas e arquivos nacionais, abrirem
o seus arquivos ao público, tendo a web como interface.
Deste modo, a informação torna-se acessível de formas
que proporcionam aos seus utilizadores "acrescentar a
sua própria informação, classificar documentos
existentes ou identificar relações entre diferentes
documentos" Dekker, 2017, 20.
Com a capacidade de organizar conteúdo através de
sistemas de classificação gerados pelos utilizadores
(user-generated tagging systems), a "promessa
democráticas dos media sociais pareceu estender o
potencial da web para ultrapassar hierarquias de
conhecimento" Sluis, 2017, 28. Por oposição a registos
situados em locais privilegiados, governados por um
grupo selecto, a emergência das novas tecnologias,
meio onde os seus utilizadores têm um acesso sem
precedentes a informação pública, democratiza a
memória social e debilita o "o direito hermenêutico e a
competência dos investigadores e arquivistas - e o
poder de interpretar os arquivos".

Relembrando a definição de arquivo dada por Charles


Merewether 2016 "distinto de uma colecção ou
biblioteca, constitui um repositório ou sistema ordenado
de documentos e registos, tanto verbais como visuais,
que são a fundação a partir da qual a História é escrita"
(p. 10. A remediação digital do arquivo representa
desde logo a alteração na forma pela qual se constitui o
"repositório ou sistema ordenado". A partir do momento
em que os "registos, tanto verbais como visuais" são
digitais, fruto da "crescente virtualização dos objectos",
a forma e o conteúdo agora confundem-se neste
arquivo que é "profundamente computacional".
Para o arquivo, as novas tecnologias digitais tomam a
forma de "práticas de re-arquivar". Isto significa que se
dá uma mudança seminal na forma pela qual um arquivo
se constitui como arquivo - através de que práticas e

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materialidades. No decorrer da sua remediação digital, o
arquivo torna-se novo:
"Ao mudar a estrutura dos arquivo, e das instituições
da memória que procedem à curadoria e
armazenamento, a computação torna-os novos
através de um processo de gramatização que
discretiza e re-ordena." Berry, 2016, 108

No contexto da transição do analógico para o digital, o


arquivo é reconceptualizado enquanto arquivo digital-
computacional. As "novas formas de arquivo"
anunciadas por Berry baseiam-se em meios de
comunicação móveis e instantâneos, que tornam a
informação pública acessível e o meio de gerar o
arquivo ao alcance de qualquer um. Estamos perante um
arquivo que está sincronizado com o presente e é
gerado em consonância com as necessidades correntes,
sendo que o utilizador passa a tomar um papel activo
criação das narrativas geradas dentro do espaço do
arquivo, que são "que são a fundação a partir da qual a
História é escrita".

3.1. Arquivo vivo


3. Arquivo vivo
A introdução dos novos media altera a forma pela qual o
arquivo representa a identidade e a memória social
Dekker, 2015 e, assim, coloca-se como um ponto de
disrupção que põe em causa o papel tradicional do
arquivo enquanto "repositório ou sistema ordenado de
documentos e registos, tanto verbais como visuais, que
são a fundação a partir da qual a História é escrita"
Merewether, 2016, 10. Com a sua tecnologização, o
arquivo é controlado e gerido por dispositivos técnicos
que assumem o papel dos arquivistas e substituem as
funções curatoriais associadas aos arquivos através de
métodos computacionais de organização, procura e
partilha. A sua restruturação por meio de processos
computacionais implica não só a alteração na forma

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pela qual o arquivo se constitui como arquivo, mas
também influencia aquilo que é arquivado. Como Derrida
1995 afirma: "o que já não é arquivado da mesma
forma já não é vivido da mesma forma. O significado do
arquivável é também e previamente co-determinado
pela estrutura que arquiva" (p.18. A remediação do
arquivo marca o ponto de viragem na acepção
tradicional do termo e no papel que estes dispositivos
assumem na sociedade.
A noção de arquivo expande-se de instituições da
memória financiadas pelo estado, que tentavam
assegurar a preservação dos elementos de valor
histórico e cultural, para a proliferação de arquivos ad
hoc, gerados indiscriminadamente, a circular pela
internet. Enquanto que o arquivo analógico era um
receptáculo da informação, tal como Dekker 2015
constata, "funcionava como um depósito para o material
a partir do qual as memórias eram (re)construídas", a
sua materialização digital altera o seu significado, a sua
função e o papel do seu utilizador. À medida que o
digital permite a actuação de novas vozes, os arquivos
começam a ser gerados e preservados colectivamente e
a fazer parte da vida quotidiana Dekker, 2015. Os
novos arquivos digitais são cada vez mais sistemas
flexíveis onde o conteúdo é constantemente
recontextualizado, a sua existência é dinâmica e em
constante mudança. Este conjunto de características
revelam um arquivo que, no processo da sua
reconceptualização, se torna vivo.
O termo aponta para um arquivo aberto, em constante
estado de transformação e crescimento, à semelhança
de um organismo vivo, como é descrito por
Ranganathan: "Um organismo em crescimento absorve
matéria nova, liberta-se de matéria antiga, transforma o
seu tamanho e assume novas formas e configurações"
(p. 384. Lehner 2014 classifica o arquivo vivo como
sendo aberto, colaborativo e criativo.

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A partir do momento em que é distribuido e acessível na
web, o arquivo digital-computacional foca-se no acesso
através de sistemas de comunicação e práticas sociais
que envolvem directamente o utilizador no processo da
criação do arquivo.
representa a mudança de um público passivo para um
utilizador activo

Bausch: que estimula e promove a comunicação entre


utilizadores, não só arquivistas ou investigadores, dentro
de um ambiente de hospitalidade: Um local que se
assemelha a um jardim, que o convida a ficar, promove a
troca e estimula a imaginação"
→ citação do dockary?

we don’t want to be making monuments and


cemeteries that people approach with reverence or
fear. We want tools and stories that we use and adapt
and are always making new again
o arquivo vivo distancia-se da noção de arquivo
imaculado que tem que estar guardado para ser
preservado e antes abraça o papel do utilizador na sua
concepção

4. Do analógico ao digital
Propriedades do arquivo vivo
→ sobre a perseverança do arquivo

Até ao ponto em que as novas tecnologias digitais são


introduzidas, a perseverança de um arquivo ao longo do
tempo assentava no facto de estar abrigado por trás de
paredes institucionais e buracarias. Historicamente, o
arquivo era o lugar para guardar e conservar os
elementos, retirando-os do seu curso normal no discurso
público. Isso acontecia porque o arquivo estava alocado
a uma localização física e assim podia ser controlado.
Já os arquivos audiovisuais tomam lugar no espaço e no

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tempo. Observamos então a transformação do clássico
espaço de armazenamento material num arquivo em
movimento dentro do domínio digital, cunhado por Ernst
como uma "efemeridade electromagnética latente". Os
media digitais tendem por fim a abdicar por completo
da sua materialização física, tornando-se tecnicamente
virtuais. Ao perder a sua localização no espaço, a
capacidade de perseverança do arquivo é posta em
causa.
Se o arquivo não conseguir perdurar ao logo do tempo
isto abala os princípios da sua acepção.
Ernst 2012 afirma que o ganho da flexibilidade e
computabilidade é pago com uma significativa perda de
durabilidade (p.18. Também Dockray e Forster 2018
enunciam que, tendo em conta o arquivo analógico, a
adaptabilidade - a capacidade de usar e transformar -
enfraquecia o estado de preservação necessário à
durabilidade. No entanto, segundo os últimos autores, é
através do uso que algo se torna inestimável, o que
pode mudar ou distorcer mas não destrói. Ou seja, é
através do poder de adaptar que algo consegue
perdurar ao longo do tempo.
O arquivo analógico tinha a capacidade de perdurar por
estar exilado das narrativas do tempo histórico corrente,
que fazia com os seus registos pudessem ser eternizado
ao estarem inscritos no espaço. Já o arquivo digital
computacional perdura pelo facto de poder ser usado
pelo seu utilizador.

4.1. De receptáculo passivo a


mediador activo
No contexto da sua remediação pelo meio digital,
assistimos ao "desarquivar daquilo que antes
entendíamos ser um arquivo", anunciado por Berry face
à reconceptualização do arquivo enquanto media digital.
Os media digitais, baseados em "circuitos electrónicos e
fluxos de dados", rapidamente se disseminaram e se

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colocaram ao alcance de todos. Ao inserir-se nesse
meio, o arquivo opera online, através de processos
computacionais que provocam a desintermediação das
instituições da memória e, por conseguinte, das funções
curatoriais associadas aos arquivos Berry, 2017.
Com a virtualização dos objectos e artefactos, por via
de processos computacionais de abstração da
singularidade do objecto, os documentos tornam-se
dispositivos algorítmicos, codificados numa mesma
linguagem e inseridos numa base de dados. Enquanto
instrumento digital, o arquivo torna-se generativo:
"Os sistemas computacionais utilizam feedback no
sentido que operam sobre os seus próprios
algoritmos e metadados para melhorar o
processamento, complexidade e estrutura. A
programabilidade fundamental dos media
computacionais levanta então novas questões para o
armazenamento do conhecimento e da cultura: o
arquivo "já não é apenas um um espaço de
armazenamento passivo, mas torna-se ele mesmo
generativo num processamento governado por
algoritmos" Berry, 2017, 107.

Neste seguimento, o arquivo é distribuído online onde é


acedido e pode ser gerado por utilizadores que têm a
capacidade de influenciar o conteúdo do acervo ao
acrescentar o seu próprio e ao classificar e encontrar
relações entre documentos existentes Dekker, 2017. A
lógica da digitalização implica que ao contrário de ser
um receptor passivo de informação, os novos arquivos
são sucessivamente gerados de acordo com as
necessidades actuais, devido aos princípios básicos dos
sistemas computacionais que permitem a manipulação e
tratamento de dados, como a abstração, iteracção,
optimização, e facilitam a interoperabilidade entre as
redes de arquivos Berry, 2017
Assim, na sua condição de media digital o arquivo tem a
capacidade de gerir e transformar a informação através

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de processos computacionais e gerar nova informação
significativa. De facto o poder electronicamente
aumentado dos arquivos de providenciar o acesso aos
registos amplifica a capacidade do arquivo como
mediador de informação Schwartz e Cook, 2002, que
atribui desde logo um papel activo ao que sempre se
considerou um espaço de armazenamento passivo: o
arquivo Ernst, 2012.

4.2. De espacial a temporal


O arquivo tradicional representa uma ordem espacial,
tendo os seus registos abrigados por detrás de paredes
institucionais para serem preservados para o futuro
Ernst, 2012. A forma pela qual os repositórios
analógicos procediam à conservação dos objectos e
artefactos passava por retirá-los do seu decurso normal
no discurso público para garantir a sua durabilidade
Ernst, 2012. Na própria definição de arquivo, Ernst
2013 refere precisamente o "barrar o acesso no
presente" em prol da preservação por tempo indefinido:
"Mas é também a tarefa oficial de um arquivo
preservar documentos por tempo indeterminado, ou
até mesmo barrar o acesso no presente,
conservando-os para uso futuro, inesperado e,
portanto, verdadeiramente informativo." Ernst, 2013,
93
O arquivo, ao tornar-se digital-computacional, perde
esta virtude, que o definia por tradição, em detrimento
do consumo imediato Ernst, 2012. Ernst classifica
agora o arquivo como sendo "temporalizado, efémero e
multimodal" Ernst, 2012, 6. O arquivo pode ser agora
gerado e acedido por um público que ganha poder
sobre as narrativas geradas dentro do espaço do
arquivo através desse mesmo acesso, ainda que isso
implique uma "dramática perda da durabilidade", cedida
ao "ganho da flexibilidade e computabilidade" Ernst,
2012, 18.

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O novo arquivo está sincronizado com o presente e é
generativo em consonância com este, perante as
necessidades correntes. Assim, está também
sincronizado com os seus utilizadores, que se inserem
dentro de uma cultura dinâmica permeada por novas
tecnologias em constante actualização, que estão
"menos preocupados com registos para a eternidade"
do que em estabelecer ordem dentro de um permanente
fluxo de informação Ernst, 2012, 6.

4.3. De estático a móvel


Os artefactos e documentos visuais e textuais, ao
tomarem lugar num repositório analógico, estavam
afectos a uma localização específica, inscrita no espaço.
Em ordem a perdurarem ao longo do tempo, os registos
eram excluídos do discurso público corrente, para serem
arquivados, num acto de resistência contra a completa
mobilidade do arquivo. Por oposição, quando o arquivo
se torna digital é massivamente distribuído e acessível
online Ernst, 2012.
Ao deixarem de estar inscritos no espaço, os arquivos
tornam-se móveis Ernst, 2012. A capacidade
revolucionária e a velocidade da tecnologia da
informação, para transmitir informações em todas os
media para públicos dispersos geográfica, social e
culturalmente, providenciam-nos com repositórios que
podem ser acedidos globalmente e no imediato
Schwartz e Cook, 2002. Assim, o arquivo conhece uma
flexibilidade que só se torna possível após ser quebrada
a estrutura rígida de classificação dos sistemas
administrativos tradicionais:

"O digital cria um tipo diferente de colecção: os


arquivos digitais são maleáveis e reconfiguráveis de
múltiplas formas e não precisam necessariamente de
estar em conformidade com as estruturas e sistemas
de organização dos arquivos tradicionais". Berry,
2017, 107

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Observamos então a transformação do espaço de
armazenamento material para um arquivo
electronicamente em movimento, onde a classificação
estática do repositório tradicional é substituída pelo
acesso dinâmico Ernst, 2012.

Propriedades do arquivo vivo


antes, a perseverança de um arquivo ao longo do
tempo assentava no facto de estar abrigado por trás
de paredes institucionais e burocracias

o arquivo tradicional - em que predominavam


registos textuais - representa uma ordem
espacial (inscrito no espaço) 62

(enquanto isso) os arquivos audiovisuais tomam


lugar no espaço e no tempo 62

com a digitalização o arquivo entra em


movimento

observamos então a transformação do clássico


espaço de armazenamento material num arquivo
em movimento dentro do domínio digital,
cunhado por Ernst como uma "efemeridade
electromagnética latente" 62

os media digitais tendem por fim a abdicar por


completo da sua materialização física, tornando-se
tecnicamente virtuais 63

coloca em causa a perseverança do arquivo

se o arquivo não conseguir perdurar ao longo do


tempo isto abala os princípios da sua acepção

[relembrar principios: «the archive, as distinct


from a collection or library, constitutes a
repository or ordered system of documents
and records, both verbal and visual, that is the

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foundation from which history is written.»
Merewether, 2016 1

Ernst 2012 o ganho da flexibilidade e


computabilidade é pago com uma significativa perda
de durabilidade ["efemeridade electromagnética
latente" aponta desde logo para este fenómeno]
62

introduzir projectos de Dockray e Forster

Dat Library e HyperReadings

criados como forma de reflectir acerca das


ferramentas e plataformas que podem vir a ser
desenvolvidas de modo a assegurar a
conservação e disponibilidade de arquivos
precários e colecções individuais, que não
constam dos arquivos oficiais.

propriedades de eleição do arquivo vivo


essa reflexão aponta a durabilidade,
acessibilidade e adaptabilidade como aspectos
interdependentes (ligados entre si e
dependentes uns dos outros) e fulcrais à
instituição de um arquivo que se caracterize
como um organismo vivo

3.1.1. Acessibilidade

as instituições que abrigavam o arquivo


controlavam o acesso com o propósito de
garantir a sua conservação 64

no arquivo analógico, conservação era


sinónimo de durabilidade

acabavam por criar uma relação rarefeita


entre os arquivos e o seu público 64

já no meio digital "se algo não pode ser acedido,


não existe" 65

pt1 21
3.1.2. Adaptabilidade

a flexibilidade que o arquivo adquire ao tornar-se


digital permite que seja maleável e
reconfigurável, ou seja, que possa ser adaptado
(capacidade de usar e transformar)

adaptar é dar a algo um novo propósito 66

isto enfatiza que o arquivo não é um


objecto de pesquisa estanque mas antes
um "conjunto de possíveis ferramentas
prontas a activar perante novas
circunstâncias" 66

a adaptabilidade permite estreitar a relação


entre o arquivo e o seu público

3.1.3. Durabilidade

à partida, a capacidade de adaptar enfraquece o


estado de preservação necessário à sua
durabilidade ... 68 67

... mas é através do uso que algo se torna


inestimável, o que pode mudar ou distorcer mas
não destrói — definição prática de durabilidade
por Dockray e Forster 67 [definição de
durabilidade do arquivo DC]

3.1.4. Hospitalidade

Dockray e Forster introduzem o conceito de


hospitalidade, que toma em conta não só a
unidade de informação (documento) e a entidade
em que se insere, mas que compreende a esfera
de interacção do arquivo com o seu utilizador e
entende-a como fulcral à construção do novo
modelo de arquivo

hospitalidade — propriedade de uma


infraestrutura que acomoda as necessidades e
intenções de novos utilizadores; tecnologia que

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gera espaços que a audiência pode habitar como
deseja 68

Conclusão

o arquivo, no decorrer da sua reconceptualização


dentro do meio digital, torna-se vivo: absorve
matéria nova, transforma o seu tamanho, assume
novas formas e configurações

o arquivo vivo, enquanto arquivo digital é:

mediador activo de informação, na medida


em que passa a ser generativo

temporalizado uma vez que está sincronizado


com o discurso público a acontecer no
imediato

ao ser imaterial, move-se dentro do constante


fluxo de informação do meio digital, o que lhe
permite ser maleável e reconfigurável

o arquivo vivo está em constante adaptação


perante as necessidades do seu público e tem a
capacidade de se reconfigurar e gerar espaços
que os seus utilizadores possam habitar como
desejam

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