Académique Documents
Professionnel Documents
Culture Documents
Lições do
pioneirismo
no Brasil
Existe empreendedorismo à moda brasileira?
Segundo o professor Jacques Marcovitch, ex-reitor da
Universidade de São Paulo, sim. Fruto principalmente
da diversidade cultural, seus ingredientes incluem
aguçada sensibilidade para o convívio humano, grande
capacidade de liderança, capacidade de prever
necessidades dos consumidores e de identificar os
melhores talentos. E são personificados neste artigo
por nove grandes empresários do País, que fundaram
sete grupos empresariais de primeira grandeza
O
pioneirismo empresarial brasileiro tem uma história rica em lições e conheci-
mentos. Geralmente conceitos da gestão contemporânea têm sido apresentados
como originários de práticas bem-sucedidas em economias mais desenvolvidas.
Modelos gerenciais são divulgados como novidades resultantes de políticas gerenciais
revolucionárias. Tal abordagem não se sustenta quando estudamos a experiência dos
pioneiros de nossa história empresarial. Esses personagens souberam transformar as ad-
versidades enfrentadas em fonte de aprendizagem para, criativamente, encarar os desafios
empresariais que se apresentaram em sua jornada.
Tendo vivenciado os impactos da diversidade cultural em decorrência de sua vinda de
outras plagas para o Brasil ou do interior para a região urbana do País, eles desenvolve-
ram aguçada sensibilidade para o convívio humano e grande capacidade de liderança.
Souberam prever necessidades dos consumidores e identificar, com discernimento, os
melhores talentos na escolha de seus colaboradores.
Neste artigo focalizamos nove entre 24 pioneiros estudados de norte a sul do Brasil.
Cada um deles deixou como legado um domínio marcante sobre temas de fronteira da
Leon Feffer
O imigrante Leon Feffer, com apenas 23 anos de idade, registrou, na Junta Comercial
de São Paulo, sua primeira firma batizada com o próprio nome. Comprava papel no grande
atacado e revendia para bazares e papelarias. Já então pressentia o rumo de sua longa vida
no Brasil, cujo marco na contemporaneidade é a pujança do Grupo Suzano.
Mais do que o otimismo puro e simples, o êxito dos empreendedores depende de sua
capacidade de sentir tendências do mercado. Papel se faz de celulose, e celulose foi durante
décadas um produto importado e de rara disponibilidade. Diante disso, Leon Feffer tomou
a decisão que o inscreveria na lista dos grandes inovadores da indústria brasileira: investir
em pesquisas sobre a produção de celulose com eucalipto. Ele reconhecia a importância
da parte técnica, mas não se interessava por seus meandros, preferindo deixá-la a cargo de
Gunnar Krogh, que acabara vindo trabalhar em sua empresa, e, sobretudo, de seu filho, Max
Feffer, cujo desempenho mostrou-se absolutamente crucial no caso das pesquisas com o
eucalipto.
Leon Feffer trabalhou praticamente até o dia de sua morte, aos 96 anos. Max morreu
repentinamente em abril de 2001, apenas dois anos depois do pai. Entrou em cena a
terceira geração, formada por David, Daniel, Jorge e Ruben. Eles garantem a força do
Grupo Suzano e honram o exemplo do pioneiro Leon.
Johannes Gerdau
Outro grande conglomerado que nasceu da vontade férrea de dois pioneiros imigran-
tes é o Grupo Gerdau. Quem acessa seu site e abre uma das janelas na primeira página
certamente fica admirado com a quantidade de links para empresas a ele pertencentes. É
uma lista com mais de 15 endereços, referentes a companhias com sede no Brasil, Canadá,
Estados Unidos, Chile, Uruguai e uma participação societária na Argentina. O internauta
sem dúvida se surpreende ainda mais quando sabe que as quase 70 unidades do Grupo
Gerdau, entre usinas siderúrgicas, unidades de transformação, corte e dobra de aço e es-
critórios, tiveram origem em uma única fábrica de pregos no Rio Grande do Sul, há 103
anos, graças ao pioneiro Johannes Heinrich Kaspar Gerdau. Quase cinco décadas depois,
entrou para a família o empreendedor Curt Johannpeter. Ele impulsionou mais ainda os
negócios do grupo, que hoje é uma das raras multinacionais brasileiras.
A Gerdau tornou-se uma verdadeira multinacional verde-amarela. Metade de seu
faturamento e 35% de seus lucros foram obtidos em 2004 em suas unidades de produ-
ção nos Estados Unidos, Canadá, Chile, Uruguai e Argentina, nas quais trabalham 8 mil
funcionários. Sua última investida nos Estados Unidos, em novembro daquele mesmo
ano, resultou na compra de quatro usinas da North Star Steel. Com essa operação, no
valor de US$ 266 milhões, passou a produzir um total de 16 milhões de toneladas de
aço por ano. Assumiu, assim, a posição de maior fabricante do continente americano
de aços longos.
Júlio Mesquita
Empreendedores costumam andar à procura de idéias para criar novas empresas.
Seguindo o rumo inverso, o Grupo O Estado de S. Paulo foi criado com o objetivo maior
de defender idéias e assim continuou, ao longo de sua próspera, embora acidentada,
existência. Tem hoje como organização líder o jornal O Estado de S. Paulo, reconhecido
por todos como um dos mais importantes diários do mundo.
Empresa singular, nela o cliente –leitor ou anunciante– nunca teve razão por prin-
cípio. Pode tê-la ou não, segundo suas opiniões coincidam ou se afastem daquelas de-
fendidas pelo próprio jornal, que sempre imprime o que bem entende. É uma profissão
de fé herdada de seu fundador, Júlio Mesquita, que nenhum dos sucessores colocou
em dúvida.
Em 1888, Júlio Mesquita, filho de portugueses, assumiu o cargo de redator-gerente do
jornal. No ano seguinte, nascia a República brasileira, trazendo repercussões imediatas
na empresa, a começar pela troca do nome de A Província de S. Paulo para o de O Estado de
S. Paulo. Mudava também a direção: Rangel Pestana transferiu residência para Petrópolis,
chamado a colaborar na nova Constituição. Em seu lugar, Júlio Mesquita introduziu de
imediato vários melhoramentos, como um contrato com a agência de notícias Havas e a
publicação da primeira ilustração.
Vinte anos depois, em 1908, o jornal comemorou a entrada em operação da nova
rotativa Frankental, produzindo 23,4