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A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

A NOIVA DE ULTRAMAR
Arnette Lamb

Disponibilização em Esp: Pagan y Buffycazadora


Tradução: Edna Márcia Miranda
Revisado por: Evany Giantii
Revisão Final e Formatação: Zel
PROJETO REVISORAS TRADUÇÕES

Alpin Mackay, uma órfã escocesa enviada a Barbados em tenra idade, sente-
se plenamente identificada com a plantação açucareira em que cresceu.
Conhece a tal ponto os mistérios da produção de açúcar que quando seu tutor,
o proprietário das terras, começa a perder saúde, é ela quem administra o
negócio com surpreendentes resultados.
Então aconteceu sua maior decepção quando o fazendeiro, ao morrer, deixa a
plantação a Malcolm Kerr, um nobre escocês e parente longínquo de Alpin. A
moça, disposta a qualquer coisa para recuperar a fazenda caribenha, retorna a
Escócia, onde se encontra com a imprevista e misteriosa hostilidade de
Malcolm. Mas Alpin não é uma mulher que se rende facilmente, e não medirá
esforços para ver cumpridos seus desejos.
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A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

PRÓLOGO

Plantação Paraíso
Saint George Parish, Barbados
Fevereiro, 1735

Lady Alpin MacKay estava impaciente por arrancar o véu de luto e


refrescar as acaloradas bochechas, pensava em fazer isso assim que seu visitante
deixasse de elogiar a Charles, seu tutor falecido, e começasse a ler o testamento.
— Um homem sóbrio, defensor da fé verdadeira - dizia o letrado Othell
Codrington. “Sóbrio?", pensou Alpin. O pobre Charles afogava suas mágoas em
rum.
— Um viúvo digno de inveja...
Um homem digno de compaixão. Depois do falecimento de sua esposa,
Adrienne, Charles tinha passado uma década inteira lamentando sua sorte, até
que morreu de pena. Como moça impressionável que era, Alpin tinha desejado
encontrar um homem que a amasse tão profundamente como Charles tinha
amado a sua mulher, mas que ao mesmo tempo não se entregasse ante situações
trágicas. Os anos, assim como a vida na ilha, tinham destruído aqueles sonhos
românticos.
— Um homem hábil nos negócios e de uma vez justo...
Mentira. Durante dez anos Alpin tinha dirigido sozinho cada detalhe da
enorme plantação, da compra de farinha para confeitaria até a coleta da cana de
açúcar.
-…agora já está no céu...
E em companhia de sua defunta e amada esposa, graças a Deus.
Uma suave brisa entrou pela galeria, enchendo o ar com o doce aroma do
açúcar queimado. Alpin suspirou. A plantação Paraíso agora seria dela: a
espaçosa casa de dois pisos, os quase três hectares de cuidada grama, cinqüenta
hectares de terras férteis recentemente despojadas da cana de açúcar mascavo;
cinqüenta e seis criados ingleses, oitenta escravos, dezenas de choças com o teto
de palha, uma dúzia de estreitas cabanas aquarteladas e quatro poços de água; a
cadeira de vime em que se sentava, a tina de cobre em que se banhava, o
mosquiteiro que pendurava ao redor de sua cama; a carruagem, a carreta, o
frango que se dourava no assador; e a preciosa fábrica cujas chaminés expeliam
fumaça sobre o céu tropical.
Tudo seria dela. Aquela promessa de independência elevou seu ânimo até
o mais alto. A vida na plantação continuaria como até então, exceto para os
escravos. Cinco anos atrás, tinha falado com Charles de seu desejo de liberá-los,
mas os plantadores vizinhos haviam se sentido ameaçados e pressionaram ao

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Charles, que ao fim cedeu a favor da postura conservadora; Agora Alpin MacKay
atuaria segundo suas convicções.
Uma gota de suor lhe escorregou lentamente da têmpora à mandíbula,
deslizando-se por seu pescoço até o interior da gola de seu grosso vestido negro
de algodão. Fazendo caso omisso do comichão, observou atentamente o caderno
de anotação de pele que permanecia sobre os joelhos do letrado. É que não ia ler
alguma vez o testamento?
Aproveitou uma pausa do letrado para dizer:
— Foi muito amável, Senhor Codrington, ao me economizar uma viagem a
Bridgetown. Sem dúvida você deve ser extremamente eficiente, pois Charles
disse que nunca encarregaria seus assuntos a outra pessoa.
O letrado se sentou direito. As gotas de suor lhe caíam por debaixo da
peruca empoeirada, lhe umedecendo a gravata com adornos e transformando
aquela honorável combinação de encaixes em um empapado matagal.
— Isso não é nada, querida. Charles fez um trabalho impressionante aqui.
— Lançou um ávido olhar para a fábrica de açúcar-. Embora nenhum de nós
nunca víssemos sua empresa.
Era melhor deixar que aquele letrado de cidade e todo mundo pensasse
que Charles tinha dirigido Paraíso e tinha modernizado a fábrica. Alpin não
necessitava que ninguém a elogiasse por seu trabalho, só queria tranqüilidade de
espírito e segurança, e logo teria as duas coisas. Reprimiu o impulso de repicar
impacientemente com os dedos.
— Como bem diz, Charles foi um cavalheiro onde, e sempre se preocupou
muito pelo bem-estar dos que estavam sob seu cuidado.
— Conheci-lhe faz cinco anos, antes que acrescentasse esse novo artefato
ao engenho. -Codrington abriu o caderno de anotação, que continha dúzias de
papéis, e tirou um documento com uma tira que levava um selo dourado do
tamanho de um ovo.
— Sua generosidade é o testemunho de suas crenças cristãs. -Um
benevolente sorriso curvou os lábios do magistrado, descobrindo vazios
deixados pela perda de vários dentes -. Legou-lhe uma esplêndida herança.
Ela não precisava receber nenhuma quantidade de dinheiro. Os benefícios
do açúcar seriam mais que suficientes para manter-se. Aturdida, repetiu:
— Uma herança?
Como um menino que aprendia a ler, o homem seguiu cada linha do
documento com seu dedo indicador.
— Estão os habituais legados para os serventes, uma doação para seu
clube... ah, sim, aqui está: «Cem libras ao ano para minha prima, lady Alpin
MacKay.»
— Cem libras? -perguntou com um fio de voz.
— E uma passagem para casa.
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«Jamais!», disse-se furiosa. Charles lhe oferecia o dinheiro necessário para


visitar a zona fronteiriça entre Escócia e Inglaterra em caso querer ir, mas ela não
tinha a menor intenção de fazê-lo.
— O que foi consideração de sua parte!
Codrington afugentou com um tapa um mosquito posado sobre seu nariz.
— É obvio, pode levar consigo algumas jóias da família.
Alpin se alegrou de não haver tirado ainda o véu, que ocultava seus olhos
totalmente abertos pelo assombro, e concentrou todos seus esforços em manter a
voz serena. Seria capaz de cortar cana de açúcar para ganhar a vida antes de
voltar a depender de um homem.
— E o que acontece com a plantação? -Reteve a respiração. Se Charles a
tinha perdido insensatamente no jogo ou a tinha hipotecado...
Codrington afugentou de novo o mosquito.
-Só posso lhe dizer que faz cinco anos transferiu a propriedade e todas
suas posses terrestres. Um assunto que resultaria complicado para alguns de
meus colegas, tendo em conta a distância e a correspondência que requeria, mas
bastante singelo para mim. O senhor Fenwick seguirá fiscalizando o imóvel até
que o proprietário diga o que fazer com ela.
Alpin notou como zumbiam seus ouvidos, afogando os batimentos do
coração de seu coração e nublavam seus pensamentos. Paraíso se tinha ido para
sempre. Não podia ser. Aquela era sua casa. Aonde iria agora? Podia recusar ao
Codrington, mas com que fim? Só conseguiria desvelar sua amargura pondo em
perigo qualquer possibilidade de retificar aquela injustiça. «Retificar! Não perca a
cabeça. Há tempo de sobra para averiguar o acontecido e fazer um plano», disse-se.
Henry Fenwick era um capataz amável e eficiente, mas desprezava à classe
dirigente de Barbados. Alpin respirou profundamente e fingiu estar animada.
— A quem transferiu Charles a propriedade?
Codrington fechou a capa de seu caderno de anotação com gesto protetor,
grampeou a fivela e cruzou as mãos sobre ele.
— A transferência foi uma transação privada entre cavalheiros. Jurei
mantê-lo em segredo. -Entregou-lhe o testamento-. Domina você a leitura, lady
Alpin?
Alpin podia fazê-lo em quatro idiomas, mas aquele velho seboso não tinha
por que sabê-lo. Seria melhor que pensasse que era uma ignorante;
provavelmente seu sentimento de superioridade lhe desatasse a língua.
— A arte de decifrar palavras pode ser complicado. Ante semelhante
demonstração de modéstia, o letrado se sentiu benevolente e adotou um ar
compassivo. Relaxou-se.
— Compreendo, e suponho que está pensando que ao legar a plantação a
outra parte, Charles saldou uma velha dívida de gratidão.

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Gratidão? Para quem? Como pôde Charles ser tão cruel para lhe legar só
uma miserável herança? Ela renunciou ao matrimônio para carregar com suas
responsabilidades. E tudo para quê? Para cuidar de um homem que tinha
afogado suas penas no álcool e que tinha acabado por doar sua fortuna a outra
pessoa? Seu sacrifício tinha sido em vão; agora Paraíso pertencia a outro.
Revolveu-lhe o estômago. Mas a quem?
A resposta estava dentro daquela carteira. Por qual outro motivo
Codrington a agarrava tão zelosamente? Um nome. Necessitava um nome.
Sentiu-se cheia de ódio. Se pudesse examinar esses papéis teria um nome para
sua cólera. Sabia como fazê-lo; Uma vez que Codrington estivesse longe da casa,
inventaria uma necessidade feminina e retornaria lá dentro.
Mas antes tinha com que se fixasse nela. Elevou o véu que lhe cobria o
rosto. Ele a olhou fixamente, com a boca aberta.
-Ocorre algo, senhor?
Codrington dirigiu seu caderno de anotação com estupidez.
— Eu, não... Você, não... É só que Charles me disse...
— O que lhe disse?
— Disse-me que você já não era casadoura, que era mais... amadurecida.
Eu esperava... –esclareceu a voz. Seus olhos posaram nos seios de Alpin-. Posso
lhe dizer que se conserva admiravelmente?
Aquele obtuso comentário, assim como o lascivo olhar de soslaio que o
acompanhou, desgostou Alpin. As pessoas acreditavam que era mais jovem
porque era miúda. Em sua adolescência, odiava que a tomassem por uma
menina, mas agora podia tirar proveito de sua aparência juvenil.
— Que amável de sua parte, senhor Codrington. Gostaria de ver a fábrica?
O letrado ficou em pé tão rapidamente que a carteira caiu ao chão, onde
ficou esquecida.
Meia hora mais tarde, com os dedos tremendo, Alpin abriu o caderno de
anotação e revisou rapidamente os documentos legais. Ao descobrir um nome
nos papéis da transferência, jogou a cabeça para trás, deixando escapar um
gemido entre seus dentes apertados; As lembranças de sua infância voltaram a
atormentá-la.
Mais tarde, quando devolveu os papéis a seu lugar e retornou à fábrica,
junto a seu convidado, Alpin já tinha elaborado seu plano. Enquanto respirava
profundamente os penetrantes aromas de Barbados, seus pensamentos já se
encontravam na Escócia, no castelo de Kildalton. Estava a ponto de liberar a
seguinte batalha de uma guerra que tinha começado muitos anos atrás, contra o
canalha que agora controlava seu destino.

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Capítulo 1

Castelo de Kildalton Verão de 1735

— E se me nego?
Alargando o pescoço, o soldado entrecerrou os olhos para olhar no escuro
interior das jaulas dos falcões.
— Ela está preparada para uma negativa, senhor, e eu diria que está
empregando de novo suas antigas artimanhas.
A mão de Malcolm ficou imóvel, sustentando com os dedos uma parte de
carne sobre a boca aberta de uma coruja faminta. Sua mãe ferida observava a
cena.
— Como sabe, Alexander?
— Lady Alpin disse que se não for recebê-la pessoalmente, arrancaria-lhe
os olhos e os jogaria aos texugos.
Malcolm deixou cair a carne dentro daquele bucho ávido de comida ao
mesmo tempo em que as lembranças da infância se amontoavam em sua mente:
Alpin destroçando sua espada de brinquedo e lançando-a ao poço, Alpin rindo-
se a gargalhadas enquanto o trancava na despensa, Alpin escondendo-se na
quarto da torre e chorando até ficar com sono, Alpin lhe perseguindo com um
pote cheio de vespas que zumbiam...
Um calafrio lhe percorreu o corpo. Fazia anos, aquela moça tinha feito
estragos na vida de um pobre menino, mas agora este era um homem feito que ia
lhe pagar com a mesma moeda.
— Pergunto-me como reagirá se colocar as cartas na mesa.
Alexander Lindsay, instrutor de arqueiros e professor de caça, avançou
cautelosamente pelo corredor entre falcões silenciosos, cernícalos inquietos e um
trio de águias douradas. As aves de rapina, encarapitadas em seus poleiros,
agitavam suas asas no ar. Quando chegou até Malcolm, Alexander tirou a boina
escocesa, deixando ao descoberto um cocuruco tão nu como os pináculos do
Storr. Com os olhos ainda entrecerrados, olhou em direção ao Malcolm.
— Eu só trago seu recado, senhor. Não sou quem vai interrogar a sua
convidada.
— Convidada? -exclamou Malcolm rindo. A coruja de suave plumagem
estirou o pescoço, com os olhos muito abertos, em busca de mais comida.
Sorrindo, Malcolm arrancou outro pedaço de carne do animal morto e o deixou
cair na boca ansiosa do pássaro.
— Diga a lady Alpin que estou ocupado, e me avise assim que Saladin
chegue de Aberdeenshire.
Alexander observou à coruja com precavida curiosidade.

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— Acredito que o sentinela dará um sinal logo que apareça o menino


mouro. Mas lady Alpin também disse que se você não for mudaria de opinião
sobre lhe perdoar pelo que lhe fez faz anos na quarto da torre.
— Me perdoar ela? Por Deus bendito! Assim se escreve a história! Mande-a
para seus parentes do Sinclair.
— Sim, senhor. Inglaterra é o melhor lugar para essa classe de gente. —
Alexander se dirigiu para a porta, fechando-a atrás de si.
Sinclair Manor estava a pouco mais de uma hora a cavalo, ao sul das terras
de Malcolm na Escócia, além da muralha de Adriano, na Inglaterra. Alpin
odiaria estar ali. Sempre o tinha odiado, mas agora já não poderia vestir-se de
moço e procurar refúgio na fortaleza fronteiriça de Malcolm. De menino tinha
suportado sua fúria mais desatada. Ele tinha sete anos e ela seis quando
consideraram que aquela menina era incontrolável e a exilaram à ilha de
Barbados. O tempo e a distância tinham esfriado a inimizade que Malcolm sentia
para ela, mas quando cinco anos atrás se inteirou de que tinha sido desleal a seu
tutor na ilha, Malcolm pôs em marcha as ações da vingança.
Fazia muito que ela tinha destruído o mais profundo desejo de seu
coração. Agora tocava a ele arrebatar o seu.
Uma terrível dor que sentia e lhe roia a alma deixou a Malcolm imóvel.
Sensíveis a seu estado de ânimo, os pássaros começaram a agitar-se, aferrando-se
com suas mortíferas garras aos paus de carvalho grosseiramente trabalhados. A
coruja tratou inquieta de esconder a seu pintinho sob a asa protetora. Malcolm se
sentiu defraudado, como se tivesse traído a si mesmo, pois acostumava deixar
suas preocupações fora daquele escuro santuário. Hoje havia trazido-as consigo.
Também tinha conseguido abandonar Alpin MacKay. Desde que recebeu a
notícia da morte do Charles, Malcolm esperava que Alpin anunciasse sua volta.
Dentro de uns dias, ele iria visitar a casa de seu vizinho inglês e então veria a
Alpin retorcer-se como um camundongo empalhado em um gancho de ferro.
Secretamente contente, obrigou a antiga dor a afastar-se e acalmou à
angustiada coruja com palavras tranqüilizadoras.
A porta se abriu de repente. A casa foi invadida pelos raios de sol que
fizeram assobiar à coruja e grasnar ao cernícalo. A coruja bicou o dedo de
Malcolm. Este retirou a mão, atento à silhueta feminina que permanecia de pé na
soleira.
— Olá, Malcolm. -Sua saia com enfeite quase cobria a entrada, e a
expressão de seu rosto se ocultavam atrás do intenso brilho da luz. Alpin
MacKay tinha entrado no refúgio particular de Malcolm.
A escuridão se apoderou de novo dos estábulos. Malcolm viu como ela
piscava, tratando de acomodar a vista. As principais habilidades de Alpin eram o
engano e a avareza. Qual delas utilizaria primeiro?

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Apesar das injustiças sofridas, Malcolm não pôde deixar de admirar as


agradáveis mudanças que se produziram desde aquela terrível infância.
Recordou à menina pequena e revoltosa a que chamava de anã, enfrentada ao
mundo, provida de uma emaranhada cabeleira que lhe caía até a cintura, cheia
de sardas que salpicavam seu nariz e suas bochechas como o sarampo. Alpin
MacKay se converteu em uma pequena beleza de deliciosa feminilidade. A
Malcolm, que lhe chegava ao peito, parecia o suficientemente miúda para levá-la
apoiada sobre seu quadril, o pescoço bastante magro para rodeá-lo com uma só
mão.
Usava um vestido de cetim amarelo brilhante, com um decote quadrado.
Era um vestido modesto, mas nem sequer o hábito de um monge teria podido
ocultar os generosos encantos de Alpin MacKay.
— Onde está, Malcolm? Não vejo nada. -Seus bonitos olhos violeta
inspecionaram as cavalariças -. Faça algo para que possa te encontrar.
O sonoro e aveludado timbre de sua voz tampouco se ajustava muito ao da
maliciosa harpia que Malcolm esperava ver. Mas como ela logo descobriria, ele
também tinha mudado.
O homem jogou os restos do coelho morto à atenta coruja e logo se dirigiu
para a porta.
— Estou aqui, Alpin -disse lhe tocando em um ombro.
Ela retrocedeu de um salto, derrubando com a saia um cubo vazio.
— OH! — Uns dedos delicados rodearam seu antebraço-. Não deixe que eu
caia, por favor.
De menina sempre cheirava à comida que roubava e a quão animais
salvava. Agora, cheirava às flores doces e exóticas que cresciam sob o sol tropical.
A idéia de que havia algo em Alpin MacKay que pudesse gostar, desconcertou a
Malcolm mais que a própria presença daquela mulher em seu santuário. Deveria
estar a caminho de Sinclair Manor para esperar ali a volta de seu odiado tio. Os
últimos acontecimentos não lhe tinham deixado outro lugar aonde ir. Malcolm o
tinha planejado assim.
— Não acredito que é você -disse-. Estava acostumada a manter o
equilíbrio muito bem.
Ela jogou a cabeça para trás e riu, ao tempo que lhe olhava com os olhos
meio fechados.
— Isso era antes dos espartilhos, as saias pomposas e os sapatos à última
moda. Está em cima de uma caixa?
— Uma caixa?
A expressão de Alpin se suavizou, mas seus olhos seguiam tratando de
adaptar-se à escuridão.
— Se não, o que é que te fez tão alto como uma montanha?

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Malcolm observou seu cocuruto e a espessa espiral de tranças com que


adornou o cabelo. Escuros cachos de cabelo com reflexos de cor mogno lhe
emolduravam o rosto..
— Não parece que você tenha crescido muito.
Alpin apertou os lábios.
— Esperava algo mais original de ti, Malcolm Kerr. E mais amável
também.
Ela podia esperar o que quisesse, mas Jacobo I se sentaria no trono das
Ilhas Britânicas antes de que Alpin recebesse um elogio sincero de Malcolm Kerr.
— Não sei por que — replicou pensativo -. A amabilidade nunca foi uma
prática comum entre nós.
— Porque... Porque nos conhecemos faz muito tempo.
— Isso não é mais que uma piada -murmurou— que me produziu uma
grande angustia e outros muitos sofrimentos quando era um moço.
— OH, vamos! -inclinou-se sobre ele, apertando seu ombro contra as
costelas masculinas-. depois de mais de vinte anos já devia ter esquecido o ódio
que me tinha. Pode estar seguro de que eu já não penso seguir te fazendo
trapaças.
— Trapaças? -Alpin tinha o dom do eufemismo-. Mas segue me
ameaçando, a menos que tirar os olhos e dar aos texugos seja sua forma normal
de saudar um antigo conhecido.
O gesto de indignação com que Alpin lhe respondeu já era típico antes de
perder os dentes de leite.
— Você não é um conhecido. É meu melhor e meu mais antigo amigo. Só
estava brincando.
— É um grande alívio -burlou-se enquanto abria a porta.
Saiu fora protegendo os olhos da luz do sol.
A carruagem coberta de Alpin estava ao outro lado do pátio do castelo; um
grupo de meninos curiosos se reuniu ao redor do veículo. Afastando de Alpin,
Malcolm girou e colocou os braços em um barril de água de chuva tão gelada
que a raiva se dissipou. Começou a esfregar mãos.
— Foste muito amável ao me visitar. Teve uma boa viagem?
— Te visitar? -Levantando o queixo, colocou as mãos sobre os olhos para
proteger do sol-. Vim de Barbados para ver-te, e ainda não consegui em
realidade, por culpa da escuridão daí dentro e o sol daqui fora, e só é capaz de
me dedicar uma estúpida cortesia antes de me deixar? -Um brilho de lágrimas
relampejou em seus olhos-. Estou confusa, Malcolm e ferida.
Malcolm se sentiu culpado, pois ele não tinha sido testemunha dos
problemas que Alpin tinha causado em Barbados, e Charles não lhe tinha dado
detalhes. De todos os modos Malcolm acreditou no tutor, já que sabia que Alpin
MacKay era capaz de transformar uma feira de maio em uma luta sangrenta.
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Entretanto, aquela mulher em miniatura já não podia lhe assustar. Desde que
nomearam a seu pai marquês do Lothian, Malcolm, como conde, governava todo
Kildalton e meia Northumberland. Seus inimigos lhe temiam e os homens de seu
clã lhe respeitavam, mas aquela mulher, Alpin MacKay, de repente lhe intrigava.
— Não era minha intenção te ferir.
Ela sorriu, esfregando os olhos.
— Isso me alivia -respondeu -. Tenho um milhão de perguntas a te fazer e
centenas de histórias com que te aborrecer. Não imagina quão distinto é
Barbados. -interrompeu-se, com os olhos totalmente abertos.
— O que ocorre? -perguntou Malcolm, pensando que jamais tinha visto
uma mulher com as pestanas mais largas e com uma pele tão aveludada. Sabia
que tinha vinte e sete anos, mas aparentava dezenove. Onde estavam suas
sardas?
— Meu deus! -suspirou Alpin, explorando o rosto de Malcolm com o olhar
-. É a viva imagem de meu anjo da noite.
A admiração de Malcolm foi substituída pelo desconcerto.
— Anjo da noite? Quem é esse?
Alpin olhou fixamente ao pátio onde antigamente se celebravam os
torneios; a concentração se evidenciava na tensão de seu queixo e nas dobras de
sua testa. Logo sacudiu a cabeça, como tratando de esclarecer suas idéias.
— Não é mais que a lembrança que me engana. Seu cabelo é tão obscuro, e
entretanto, parece-te com lorde Duncan.
Para ouvir o nome de seu pai, Malcolm pensou de novo na desgraça que
aquela mulher tinha levado a todas as pessoas que lhe tinham dado ajuda. Mas
não era o momento de revelar seus sentimentos ou seus planos com respeito a
Alpin MacKay. Era o momento de lançar o anzol da amizade e esperar que ela
caísse.
— Asseguro que minha mãe estaria de acordo contigo.
— Refere a lady Miriam, verdade? Como vai?
Malcolm sorriu ao pensar na afável mulher que tinha alimentado suas
fantasias infantis e que lhe tinha animado a transformar em realidade suas
ilusões.
— Minha madrasta continua sendo a mulher mais encantadora do mundo.
Alpin se virou para a entrada do castelo, com seus assombrosos olhos
cintilantes de emoção.
— Está aqui?
— Não. Papai e ela estão em Constantinopla.
— Que desilusão! Ela sempre era amável comigo. Tinha tanta vontade de
vê-la. Ainda é diplomática? — Malcolm assentiu cheio de orgulho e afeto.
-Sim. O sultão Mahmud quer a paz com a Persia. Pediu ao rei Jorge que a
enviasse.
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Alpin elevou os olhos com um suspiro, o qual fez com que Malcolm se
fixasse nos simétricos planos de suas clavículas e na fina corrente de ouro que
desapareceu entre seus seios.
— Deve ser magnífico ser tão valorizada para que o próprio rei te peça
algo -comentou.
Na muralha, os soldados giraram para lhes observar. O emplumador
permanecia no portal de sua oficina conversando com o Alexander Lindsay. Os
transeuntes diminuíam o passo, com seus curiosos olhares passando
rapidamente de seu senhor a sua encantadora visitante. Malcolm pegou uma
toalha.
— Acredito que ela preferiria uma estadia em Bath a um verão no
Bizancio.
— Eu prefiro os Borders. — Alpin jogou uma olhada às alamedas do
castelo, e logo às torres-. Tem irmãos? É fantástico estar em casa.
— Em casa? — Malcolm considerou a possibilidade de desafiar a absurda
afirmação de sua interlocutora, mas decidiu lançar outra ceva de cordialidade -.
Sim, tenho três irmãs.
De novo se formou a covinha na bochecha de Alpin.
— OH, que estupendo para ti! Estão aqui?
Ele quase riu, revelando o tranqüilo que se tornou seu lar sem suas
gregárias irmãs. Mas não tinha por que falar com Alpin MacKay tão
abertamente. Entretanto, tinha um assunto pendente com ela, o qual lhe
reportaria a grande satisfação de fazer justiça.
— Não -respondeu jogando a um lado a toalha-. A maior se casou com o
conde de Hawkesford o outono passado, e as outras duas estão com papai e
mamãe.
Alpin agarrou Malcolm pelo braço e começou a passear pelo pátio, lhe
atraindo para si.
— Não entendo como alguém pode querer abandonar este lugar.
Ao baixar a vista, Malcolm pôde ver os montículos de seus seios, e no
centro uma moeda romana que lhe era muito familiar. Sua mente se nublou com
vagas imagens de um traseiro enxuto e umas pernas magras como paus que
subiam para a torre do castelo. Como tinha mudado!
— Você sempre odiou o castelo de Kildalton.
— OH, Malcolm! Era uma menina tão raivosa. -Sua franqueza abrandou o
coração do Malcolm, em quem os exuberantes atrativos da jovem produziam um
efeito inesperado e incômodo -. Não tinha nada nem a ninguém. Agora tudo isto
parece haver-se tornado muito seguro, como se seus antepassados escoceses
protegessem a todos.
— Bom, sim -encontrou-se dizendo-. O castelo de Kildalton tem algo que
cativa.
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— Vê-o? -disse Alpin lhe apertando o braço-. Sabia que ainda somos
amigos, e há presentes que trouxe para ti e para o Saladin a que no fundo é um
romântico.
Malcolm voltou para sua antiga cautela. Não lhe ocorria nenhuma boa
razão para que lhe oferecesse sua amizade, e muito menos a seu confidente,
Saladin.
— Como sabe que Saladin vive em Kildalton?
— Fala-se muito de vocês em Whitley Bay. Salvador está aqui?
Salvador era o irmão gêmeo de Saladin.
— Não, ele está com minha madrasta.
Alpin apertou os lábios com pena.
— Sentirei falta dele.
Ela nunca tinha sido uma menina solitária. Antes de morrer, seu tutor em
Barbados, expressava em suas cartas ao Malcolm seu temor de que ela nunca
fosse encontrar uma alma gêmea. Agora parecia causar pena. Que tipo de farsa
estava representando?
— Mudaste de opinião notavelmente -disse ele.
— É obvio que sim. -Sua mão tocou a de Malcolm-. Agora sou uma
mulher.
Ele não necessitava dos óculos de seu pai para ver quão esplendidamente a
maturidade a tinha acolhido em seus braços.
— Estava acostumado a me chamar mucoso.
— E você a mim de anã. — Ela olhou os braços, o peito e o pescoço
masculinos. Um cândido sorriso feminino lhe desenhou de novo duas covinhas -.
Certamente, já não vou poder me colocar contigo. Tem um aspecto
impressionante, Malcolm Kerr.
Se não fosse porque a conhecia bem, teria pensado que estava flertando.
Aquela idéia o desconcertou e lhe deu asas ao mesmo tempo. Olhou fixamente a
moeda antiga.
— Me deu uma inesperada surpresa, Alpin MacKay.
— De verdade? — Lhe apertou a mão, dirigindo sua atenção à fileira de
novos barracões que havia contra a muralha do castelo -. Não estava ali o
açougue?
Malcolm se sentiu como se a jovem o estivesse enrolando para logo lhe dar
um chute. Conhecia muito bem essa sensação, e as lembranças despertaram sua
ira.
— Sim, aí é onde estava o açougueiro. Você jogou suas facas à forja do
ferreiro e incendiou seu telhado.
— Lembra-se disso? -Alpin moveu a cabeça, fazendo que os cachos de suas
têmporas se balançassem-. Era uma menina tão egoísta!
— Exceto com os animais extraviados ou feridos.
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A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

Sorriu com melancolia.


— Não suportava ver um animal ferido. O que foi de Hattie?
— Seu coelho de três patas? -Fazia muitos anos, em um intento de ganhar
o favor do pai de Malcolm, o tio de Alpin a tinha obrigado a dar aquele bichinho
a seu primo. Alpin ficou muito triste, mas uma hora mais tarde lhe passou, e em
um movimento vilmente premeditado, estragou o futuro de Malcolm. Inclusive
agora, aquela ferida seguia doendo-. Hattie resultou ser uma mãe estupenda. -A
ironia do tema lhe fez sorrir-. Sweeper's Heath está infestado de coelhos marrons.
— Alegra-me tanto que cuidasse dela. Agradeço muito a você. Me levará a
Sweeper's Heath? Eu adoraria ver a descendência de Hattie.
A realidade sacudiu Malcolm como o golpe de um destro adversário. Os
tutores de Alpin estavam mortos e a plantação em Barbados, que tinha sido seu
lar durante vinte anos, pertencia a ele, mas ela não sabia. A transação tinha sido
levada totalmente em segredo.
— Me levará, Malcolm?
— Depende. Por que vieste?
As lágrimas alagaram de novo os olhos da jovem.
— Quer dizer o por quê estou enfim aqui? Oh, Malcolm! Sempre suplicava
ao Charles que me mandasse de volta a casa, mas ele dizia que não havia
suficiente dinheiro. Depois da morte de Adrienne, ele mal falava, até que, como
bem sabe, o rum acabou com sua vida. Deixou-me um dinheiro, assim fui
correndo comprar uma passagem para o primeiro navio a casa.
— Vamos, Alpin! — burlou-se Malcolm-. Você odiava os Borders.
— Naqueles tempos odiava tudo e a quase todos, ou você esqueceu?
-Agitou a mão para afugentar a um molesto inseto -. Já basta de falar de mim.
Tenho uma surpresa na carruagem.
Malcolm reduziu sua enorme passada para acompanhar aos decididos e
rápidos passos de Alpin. Perguntou-se a que classe de criatura ferida teria
trazido. À medida que se aproximavam da carruagem, observou os baús e as
chapeleiras atados ao bagageiro.
— Não foi ver seu tio?
Dirigiu um olhar, franzindo a sobrancelha com perplexidade.
— Sabe que nem sequer me tinha ocorrido ir a Sinclair, Manor? Só pensava
em vir aqui contigo.
Ele tinha planejado devolvê-la a Sinclair Manor, para pô-la sob o controle
do tio ao qual ela odiava. Se Alpin pensava ter evitado teria uma grande
decepção, pensou Malcolm cheio de satisfação. Mas onde tinha a intenção de
alojar-se? Acreditava que se deteve em Kildalton tão somente para lhe apresentar
seus respeitos.
— Por que você quis estar comigo? -perguntou Malcolm levantando uma
sobrancelha.
13
A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

— Oh! Fui muito atrevida. -Agachou a cabeça, mas não que ele pudesse
ver a sombra do rubor em suas bochechas -. A vida na ilha relaxa as maneiras e a
língua, ou ao menos isso dizem os que a visitam. É só que você e eu estávamos
muito unidos quando éramos pequenos; não teria sido capaz de viver em Sinclair
sabendo que você estava tão só a duas horas do caminho.
Fazia muitos anos, ela tinha desferido uma profunda punhalada na
dignidade de Malcolm. Acaso pensava consertar agora com doces palavras e
falsos sentimentos? Antes de conseguir, Alpin se converteria em uma enrugada e
velha bruxa.
-Sim, estávamos muito unidos. Sobretudo quando me pôs uma adaga na
garganta e me amarrou a uma árvore. -Estremeceu-se ao pensar no que veio
depois.
Alpin alargou o braço até a porta da carruagem. -Não briguemos. Agora
sou inofensiva, asseguro-lhe isso.
«Sim, claro -pensou Malcolm-. Tão inofensiva como Eva com um cesto cheio de
maçãs.» Mas ele não era um inocente Adão, consumindo-se no Éden e suspirando
pelo fruto proibido. Ele era o senhor da fronteira, perigosamente situado entre os
líderes dos clãs Jacobinos ao norte e os fiéis súditos britânicos ao sul. Não fazia
falta nenhum entretenimento mais. O que desejava era vingança; daí que tivesse
interferido no futuro de Alpin, reduzindo suas perspectivas a zero?
— Provavelmente você gostaria de jantar comigo antes de continuar seu
caminho -disse, observando como acariciava o atirador de cobre.
A mão se paralisou, e logo a deixou cair junto ao corpo.
— Continuar meu caminho? -De novo estirou o pescoço para lhe olhar -. V
te ver, Malcolm, porque pensei que você gostaria.
E gostava, mas seus encontros seriam quando conviesse a Malcolm, e na
casa de seu tio.
-Suponho que não esperará ficar em Kildalton. Não seria apropriado.
depois de jantar, farei com que Alexander te escolte através da fronteira até
Sinclair.
— Minha estadia não seria apropriada? -exclamou Alpin com uma risada -.
Obrigada por tentar me adular e preservar minha reputação, mas estou a tantos
anos metida em uma vitrine que já tenho teia de aranhas. A não ser que o
preocupe seja sua própria reputação. É que te converteste em um pícaro,
Malcolm?
Ele levou as mãos à cintura, com uma gargalhada tão forte que as bordas
de sua bolsa escocesa tremeram.
— Se este fosse o caso, Alpin, tenha por certo que manterei minhas fortes
inclinações a raia. Mas o que pode saber de pícaros uma solteirona?
Alpin abriu a boca de repente, ao mesmo tempo que se dava um soco na
bochecha.
14
A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

— É por sua esposa, verdade?


O bom humor se desvaneceu, dando passo à velha inimizade. Por culpa
daquela mulher, ele nunca se casaria. Alpin provavelmente não sabia, mas se as
fofocas de Whitley Bay a tinham informado da presença de Saladin em Kildalton,
também podiam lhe haver contado que Malcolm não tinha esposa, situação que
os chefes de outros clãs desejavam ardentemente mudar.
Incapaz de enfrentar ao inquisitivo olhar de Alpin, dirigiu a vista para os
soldados vestidos com saia escocesa que estavam na alameda.
— Ainda não me casei. Graças a ti.
— É tão ciumento de seu celibato! A não ser que... –Seus olhos brilharam
com malícia -. Não pode ser que ainda esteja esperando a que cumpra aquele
trato infantil que fizemos faz tantos anos.
A memória lhe falhou.
— Que trato?
— Você queria um irmãozinho, e me fez prometer que te daria um. Eu
acreditava que tão somente se tratava de passar a noite só no botequim de Bothly
Green.
— Suponho que agora já sabe o que precisa de algo mais.
Passando por cima de sua insinuação, Alpin continuou dizendo:
— Em troca, concordou não contar a seu pai nem a meu tio que eu me
escondia na casa da torre. Mas não cumpriu sua promessa. Encontraram-me, e
me enviaram a Barbados.
Malcolm se encheu de amargura.
— Eu não disse a meu pai que tinha escapado de Sinclair Manor, e
tampouco disse a seu tio que estava aqui. A intensidade de seu olhar lhe cativou.
— De verdade? -perguntou Alpin com voz rouca, cheia de incredulidade.
— De verdade. Meu pai a ouviu andar pelos passadiços e descobriu seu
esconderijo. Não deve se desesperar ante a idéia de cair de novo sob o amparo do
barão.
Seu olhar seguro e seu encantador sorriso turvaram a Malcolm.
-Não posso voltar para Sinclair -disse-. Charles te deixou sua plantação e
todas suas posses. Como se fosse mais uma delas, agora te pertenço.

Capítulo 2

— Que você me pertence? -A voz do nono conde de Kildalton quase se


quebrou.
Alpin tinha esperado sentir regozijo ao lhe pegar despreparado, e o
conseguiu. Mas não tinha levado em canto sentir admiração, nem muito menos
aquela ansiedade que ardia o estômago. Que mulher podia não apreciar a um

15
A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

homem tão bonito como Malcolm Kerr? Os olhos castanhos de Malcolm


brilharam com interesse, e um leve sorriso se insinuou em seus lábios.
Temerosa de ficar em evidencia diante de sua primo, Alpin pensou nos
oitenta escravos de Paraíso. Dependiam dela, e a necessitavam.
— Está sorrindo -disse Malcolm-. Você gostaria que fosse seu amo?
No momento deixaria que pensasse que era uma mulher estúpida e dócil.
Alpin respondeu encolhendo os ombros.
— Segundo o testamento de Charles você é o responsável por meu bem-
estar.
— Vá, vá. — Malcolm sorriu, cruzando os braços sobre o peito-. Uma
interessante peça do destino.
Ela não pôde conter sua surpresa.
— Está contente?
— É obvio que sim -assegurou, como um lobo se lambendo ante sua presa.
Seu tom a alarmou. ficou tensa e deu um passo atrás com atitude
defensiva, mas no mesmo instante relaxou.
Agora ambos eram adultos. Ela não era nenhuma velha dama inglesa
tratando de capturar a um nobre escocês com um agradável sorriso e um título
muito antigo. Era uma mulher com um plano e uns objetivos concretos.
Na cidade portuária de Whitley Bay tinham dado a notícia de sua ascensão
a latifundiário do clã Kerr e a conde de Kildalton. Entretanto, não era necessário
saber de antemão que possuía uma situação elevada, pois Malcolm Kerr
emanava autoridade e confiança de uma forma tão impressionante como vestia o
traje das terras altas. Contemplando suas costas e seu andar masculinos, Alpin
começou a acreditar que os rumores de seu êxito com as mulheres eram certos.
— Estupendo -disse girando ao redor dele-. Já pode chamar a sua
governanta para que mostre meus aposentos. Ainda está a senhora Elliott
contigo?
Ele a seguiu observando durante vários instantes, com seu peculiar sorriso
ainda nos lábios, perturbando a serenidade de Alpin.
— Desgraçadamente não. Está em Constantinopla com meus pais, mas já
que me pertence, farei com que alguém se ocupe de suas coisas. Alexander!
O soldado que tinha recebido Alpin se aproximou correndo do outro lado
do pátio. Bastante calvo e um palmo mais baixo que Malcolm, o soldado vestia
um traje escocês com uns vivos quadros vermelhos e verdes parecidos com os
dos Kerr. À medida que o homem se aproximava, a memória trouxe para Alpin a
lembrança de suas visitas a Kildalton de anos atrás. Alexander Lindsay: esse era
seu nome.
Aproximou-se deles com uma careta de desaprovação. Alpin, sorrindo,
disse-lhe:

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A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

— Olá, senhor Lindsay. Faz muito tempo você me ajudou a enterrar a meu
querido texugo. Lembra-se?
Ele a olhou, embora seus olhos azul claro pareciam distantes.
— Sim. Deixamos que a pobre besta sem dentes descansasse no velho
campo de torneios.
O passar do tempo tinha curado aquela profunda dor. Outros
permaneciam, mas nenhum era tão vivo como o que supunha a perda de seu lar,
e Malcolm Kerr era o culpado.
— Malcolm queria a pele para fazer uma bolsa -recordou Alpin-, e
ameaçou desenterrar ao pobre Abercrombie. Eu não deixava de chorar, mas ele
seguia me atormentando. Você o enviou com lorde Duncan como castigo e
pediu à senhora Elliott que me preparasse uma beberagem para dormir.
Alexander engoliu saliva.
-Sem dúvida um animal muito nobre, senhora.
— Lorde Malcolm um animal? Não acredito.
-Não. -Alexander lançou um olhar ao senhor de Kildalton, que não podia
conter a risada.
-Está tirando sarro, Alexander. Todo mundo sabe que no fundo sou um
cordeirinho no que se refere ao sexo frágil e às demais criaturas de Deus.
-Olhando Alpin de relance, acrescentou-: Tem a alguma criada escondida nessa
carruagem?
Alpin pensou na miserável infância que tinha tido nos Borders. Barbados
tinha sido sua salvação. Agora devia encontrar a maneira de convencer a
Malcolm para que devolvesse seu lar.
-Sim. Chama-se Elanna. — Alpin tinha planejado que aquela mulher
causaria sensação.
— Se encarregue da garota, Alexander -ordenou Malcolm -. E que alguém
leve para dentro a bagagem.
Tomou Alpin pelo braço e começou a avançar com lentidão através do
pátio e pelas escadas que conduziam à torre da comemoração. Observando seu
enorme companheiro, Alpin se perguntou como um moço magro como um junco
podia haver-se convertido em um homem tão esplêndido.
Seus largos ombros e seu magnífico pescoço podiam competir com os de
um remador. Sua esbelta cintura e suas largas e musculosas pernas indicavam
que tinha passado muitas horas a cavalo. Tinha vivido uma existência
privilegiada, livre de preocupações, enquanto ela tinha se angustiado por cada
colheita e tinha lutado contra as forças da natureza para construir um futuro
seguro. Não era justo que os frutos de seu trabalho caíssem nas mãos daquele
homem. As palavras de Codrington ressonaram em sua cabeça: ao legar suas
posses a Malcolm, Charles estava saldando uma velha dívida de gratidão. Mas o
que tinha feito Malcolm para ser digno de tal generosidade?
17
A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

Abriu as enormes portas e indicou a Alpin que entrasse.


— De repente você ficou muito calada, Alpin. Por que?
Aquela pergunta interrompeu seus pensamentos. Uma vez dentro do
castelo, não pôde evitar comparar aquela fortaleza de pedra cheia de pesados
móveis jacobinos e imensos tapetes, com a alegre simplicidade de Paraíso.
Observou o conhecido vestíbulo em busca de uma forma de conversação
inofensivo. Encontrou no mobiliário.
— Não recordo que houvesse tantas armas nas paredes de Kildalton.
Estava tudo isto antes?
— Não. — Fez uma pausa para acariciar um escudo de pele gasta,
adornado com um sol resplandecente, emblema do clã Kerr-. Depois que lady
Miriam pusesse fim à guerra entre meu pai e seu tio, o barão Sinclair, papai
recolheu estas armas dos soldados, que agora converteu em suas relíquias.
Lanças, elmos e tochas cobriam os altos muros de pedra da entrada; dois
bancos com almofadas de ponto se situavam sob as ventarolas que davam ao
pátio; junto a uma das paredes, alinhavam-se grandes vasos com urze recém
talhada e tapeçarias com cenas de Primeiro de Maio e de uma feira agrícola
adornavam a outra. A escada se curvava por volta do segundo andar.
A luz de uma aranha de cinco braços iluminava o vestíbulo. Alpin
descobriu uma arma familiar.
— Essa é a espada que você levava? Malcolm soltou uma risada.
— Quer dizer que arrastava comigo. De pequeno só esperava o dia em que
pudesse dirigi-la. Papai fez um entalhe na parede de meu quarto e disse que
poderia começar a servir como soldado assim que fosse tão alto como essa marca.
Media-me todos os dias, até que...
Alpin elevou a vista. Ela estava olhando, com a mandíbula fortemente
apertada e uma expressão misteriosa em seus escuros olhos marrons.
— Até que...? -Seus olhares se cruzaram. Quem se calou agora, Malcolm?
Ele sorriu sem vontade.
— Até que fui tão alto como você é agora.
Isso não era o que ia dizer, e ela sabia. Malcolm escondia algo.
— Está rindo de mim outra vez?
— Não -disse enquanto a conduzia para as escadas-. Pergunto-me por que
está sempre à defensiva.
Se quisesse ser sincera teria respondido que pela necessidade, pois durante
toda sua vida, ninguém, exceto o anjo da noite, o vingador de sua juventude,
tomou o trabalho de ficar a seu lado. De onde alcançava sua memória, tinha sido
uma pobre órfã sem nenhum lugar aonde ir, ou uma parente pobre sem uma só
moeda em seu nome. E para cúmulo seu único lar o herdava Malcolm.
Alpin riu para esconder sua amargura.

18
A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

— A verdade é que eu gosto de ser baixa, assim quando tropeço não posso
cair de muito alto.
— Muito hábil.
— Senhor...? -Uma faxineira de uns quinze anos se aproximou deles. Era
uma moça loira de grandes olhos cor avelã e uma fresca tez de campo salpicada
de sardas. Levava um singelo vestido marrom tão novo que as costuras ainda se
marcavam, uma touca e um avental branco engomado.
— Perdoe, senhor. Não se apresentou ninguém para o posto governanta.
— Obrigado, Doura -Respondeu Malcolm-. Esta é lady Alpin. Por favor,
prepara uma das suítes de convidados para a senhora e sua criada.
Doura fez uma reverência.
— Qual delas, senhor? Como não está a senhora Elliott, não há ninguém a
quem perguntar.
— Alpin, você alardeou uma vez de conhecer cada rincão e cada greta de
Kildalton. Tem alguma preferência?
Suas palavras estavam cheias de sarcasmo, mas ela não fez conta.
— Não me lembro, e não sou nada caprichosa, sempre que o quarto tenha
lareira. Estou acostumada a climas mais quentes.
— Então terá a mais cálida e ensolarada das habitações. — Dirigindo-se a
Doura, acrescentou -: A suíte grande do segundo andar, onde se aloja sempre o
conde de Mar.
A criada suspirou, lançando um olhar de preocupação para o piso de
acima.
— Não há roupa nas camas, senhor. Sem a senhora Elliott, e com a marcha
da nova governanta e tudo isso...
Malcolm grunhiu ligeiramente e logo disse com paciência:
— Então, vá procurar lençóis e tudo o que faça falta. Enquanto o faz, eu
mostrarei o caminho a nossa convidada.
— Sim, senhor. -A moça se afastou murmurando:-Velas e toalhas, e muito
carvão. Azeite para os abajures, água para a bacia... .
— Você primeiro -disse estendendo a mão para as escadas.
Enquanto subia os degraus de pedra, Alpin passou por diante de várias
malhas que levavam placas de cobre com os nomes dos clãs menores que se
aliaram aos Kerr: Lindsay, Elliott, Armstrong, Maxwell, JohnStone e Ramsay;
todos eles tinham jurado lealdade a Malcolm, o seguiriam na batalha sempre que
necessitasse um exército e pagavam um tributo a seu latifundiário.
Com toda essa gente contribuindo a sua riqueza, o que ia fazer com
Paraíso? Certamente não tinha nenhum interesse em uma plantação que estava
ao outro lado do mundo. Poderia comprar um montão de Paraísos sem que sua
fortuna ficasse diminuída.

19
A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

Alpin morria por lhe perguntar o que pensava fazer com a propriedade da
ilha, e o faria assim que seu plano de se entender com ele estivesse em marcha.
Ao chegar ao final das escadas, Malcolm lhe indicou o caminho para a esquerda.
Uma porta se abriu atrás deles.
— Malcolm?
Aquela voz sufocada fez que se detivesse em seco.
Alpin olhou por cima do ombro, e o que viu a deixou sem respiração. Na
soleira da porta havia uma mulher em roupão, com os ombros e braços nus;
cobria-se até os joelhos com um tecido escocês do clã Kerr. Sua juba de cabelo
loiro como o sol pendurava desordenada. Alta e flexível, segura de si mesmo,
abriu a boca em um bocejo.
«Era sua amante», pensou Alpin, mais ciumenta do que tivesse esperado.
Os solteiros desejáveis e com recursos escasseavam na ilha de Barbados. Uma
vez a visitou um pretendente, mas Charles estava tão embaraçosamente bêbado
que aquele tipo não voltou mais, e assim que se correu a voz, nenhum outro
homem tomou o trabalho de cortejar Alpin.
Malcolm limpou a garganta.
— Boa tarde, Rosina. Apresento a minha convidada, lady Alpin MacKay,
recém chegada de Barbados.
Os claros olhos da mulher se abriram de par em par, cravando-se em
Alpin. Ruborizada, Rosina dirigiu ao Malcolm um sorriso de desculpa,
murmurando: « Que estúpida sou!», e logo retrocedeu, fechando a porta atrás de
si. Alpin seguiu andando.
— Suponho que estará horrorizada -disse Malcolm.
— Não, mas bem, estou decepcionada.
— Decepcionada? Por que?
— Porque suas promessas não são muito de confiar.
Malcolm se deteve frente a uma porta ao final do corredor, elevando as
sobrancelhas inquisitivamente.
— Não?
— Não. Prometeu manter suas fortes inclinações a raia.
Um malévolo sorriso incrementou seu escuro atrativo.
Inclinou-se de forma que a negra juba que lhe chegava até os ombros
roçasse a bochecha de Alpin.
— A que distância iria bem que as mantivesse?
Estava dizendo uma coisa, mas queria dizer outra. De todos os modos, não
o conhecia o suficiente para lhe entender. Por alguma razão, Alpin olhou para a
porta por onde tinha saído a mulher, e logo para frente.
— Não estou segura. Provavelmente a uns duzentos metros. Malcolm
conteve a risada.
— A essa distância ainda seria capaz de fazer alguma outra diabrura.
20
A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

Sentindo-se perdida, Alpin ficou à defensiva. — Fazer diabruras foi


sempre sua especialidade.
-Sim. A tua era me ensinar a beijar.
Alpin se sentiu ultrajada.
— Isso é mentira, Malcolm Kerr. Cada vez que me via tratava de me babar
com seus lábios asquerosos.
— Você começou -replicou ele com tranqüilidade.
— Não é verdade!
— Sim, o fez. — Malcolm cruzou os braços sobre seu peito, apoiando-se
contra a porta-. Foi em uma festa de aniversário de Adrienne. Você tinha cinco
anos, e eu seis. Você a tinha visto beijar ao Charles, e me disse que o tentasse
contigo. Eu gostei, e por isso tratei de reviver a experiência muitas vezes.
Aquele relato fez recordar a Alpin que uma vez foram amigos. Mas não
por muito tempo.
— Segundo os rumores, dedica-te a beijar a todas as mulheres que lhe
deixam.
— Mas não esqueça que foi você quem me arrastou ao caminho do pecado
-disse Malcolm com um sorriso libertino que confirmou sua má reputação.
Aquelas palavras dignas de um sermão a fizeram rir.
— Adiante, Malcolm; me condene por sua bem ganhada fama. Mas
recorda uma coisa: só um de nós gostava dos beijos babosos.
O humor do Malcolm se desvaneceu.
— Alguma vez sentiste desejo por alguém?
Alpin respondeu com a voz em grito que nenhum homem tinha se
preocupado de se aproximar o bastante. Sua experiência quanto aos beijos tinha
começado e terminado com Malcolm Kerr. Aquela confissão soou tão lamentável,
que Alpin teve vontades de chorar. A preocupação de Malcolm parecia tão
sincera, que a mulher desviou o olhar.
— É esta minha quarto?
-Alpin... -disse Malcolm com doçura-. Está me enganando.
Pondo em sua voz todo o desprezo que foi capaz de reunir, Alpin
respondeu:
— Por favor, Malcolm. Ao contrário de você, eu não vou por aí contando
os detalhes de minhas aventuras amorosas nem alardeando delas ante os
estranhos.
Malcolm empurrou a porta.
— É obvio. Foi muito indiscreto por parte deste estranho o perguntar
— A indiscrição é outra de suas maravilhosas qualidades.
— Por que duvido de que seja tão recatada e formal como insinua?

21
A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

Inclusive lhe dando as costas, Alpin sentiu seu penetrante olhar e teve a
estranha sensação de que sem querer o tinha desafiado. Aquela possibilidade a
fez vacilar. Por fim se virou e replicou:
— Porque você não reconheceria o recato e a formalidade embora
estivessem diante de seu nariz.
Malcolm entrecerrou os olhos, olhando a seu redor.
— Não os vejo por nenhuma parte.
— Deveria te dar uma bofetada -disse Alpin perplexa.
— Mas não o fará. Sinta-se como em sua casa, Alpin, e se decidir a respeito
da distância que devo manter, estarei em meu estudo.
Mais zangada consigo mesma que com ele, Alpin sentiu vontade de lhe
dar com a porta no nariz, mas em troca dedicou um doce sorriso e fechou
brandamente.
A suíte continha uma sala de estar, um dormitório e um lavabo, e uma
pequena quarto para a criada.
Alpin foi para as janelas abertas e respirou aliviada. Quando chegou,
temeu que Malcolm a jogasse, mas graças a suas cuidadosas manobras, instalou-
se comodamente na casa daquele homem; além disso tinha visto com seus
próprios olhos uma prova vivente de sua escandalosa reputação. Felizmente para
ela e para sua causa, ele ia estar tão ocupado com suas luxuriosas inclinações e
sua preciosa amante, que Alpin estaria livre para pôr em marcha a segunda parte
de seu plano.
Olhou para baixo e sorriu enquanto observava o pátio do castelo. Um
estupefato Alexander ajudava a sua criada a sair da carruagem. Soldados
endurecidos pelas batalhas, lavadeiras, e inclusive os meninos de Kildalton,
olhavam a Elanna com incredulidade.
Com a mente perdida em confusos pensamentos, Malcolm contemplou a
luz do sol que se filtrava por debaixo da porta de Alpin. «A quarto de Alpin. Em
meu próprio castelo».
Ter ali a essa mulher significava que poderia lhe fazer a vida impossível
um dia atrás do outro. Poderia vingar-se pelo terrível golpe que o tinha atirado
fazia tanto tempo. Aquela perspectiva deveria o ter feito sorrir, mas do momento
em que sua conversação se dirigiu aos inocentes e furtivos beijos que
compartilhavam de pequenos, ele notou em Alpin certa vulnerabilidade.
Suspirava por algum galã ilhéu ou tinha sido sincera ao confessar que alguma
vez tinha tido aventuras?
Malcolm tratou de imaginá-la pulando nua com um homem, com os
mamilos de seus deliciosos seios insolentemente arrepiados e seus olhos de cor
lavanda obscurecidas pelo desejo. Deu-se conta de que sabia muito pouco
daquela mulher, de que não podia saber se falava de verdade ou mentia. Nas

22
A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

escassas cartas de Charles, raramente a mencionava; a perda de sua mulher o


tinha destroçado.
Malcolm deixou de dar voltas ao assunto. Agora que lhe pertencia, tinha
todo o tempo do mundo para descobrir coisas sobre Alpin MacKay. Recordou a
comoção de sua prima ao ver Rosina meio nua na porta de seu dormitório.
Ansiosa por retornar a sua Itália natal, a irritável Rosina dirigia sua raiva para a
servidão do castelo.
Malcolm estava a ponto de perder a paciência. Igual a sua anterior amante,
supunha-se que Rosina devia alojar-se em Carvoran Manor, a propriedade que
Malcolm tinha perto da muralha de Adriano. Mas quando seu pai e lady Miriam
se foram a Constantinopla, Rosina se mudou a Kildalton. Malcolm estava
acostumado a compartilhar o castelo com seus pais e suas irmãs pequenas;
simplesmente não queria que Rosina se metesse em sua vida privada ou
exercesse influência alguma sobre suas impressionáveis irmãs.
Na cama, Rosina era flexível e criativa, e cumpria seu papel, mas como
companheira estável era verdadeiramente insuportável, e não fazia mais que
alterar a paz doméstica do castelo. Ansioso por desfazer-se de uma das
complicações de sua vida, Malcolm se dirigiu a suas habitações.
Encontrou a Rosina nua sobre a cama, praticando um de seus movimentos
mais sedutores; com uma de suas largas e afiadas unhas, desenhava uma linha
que ia da coxa ao umbigo. Sorrindo, estirou os braços por cima de sua cabeça, e
com atitude total, ronronou:
— Volta para a cama, meu senhor. Eu gosto de estar aqui.
Malcolm observou aquele umbigo e a rede de finas linhas por debaixo
dele, e pensou no menino morto que Rosina teve com seu amante anterior. Ela
não engendraria bastardos para Malcolm. Alpin MacKay se encarregou disso.
Foi até a cama e se sentou, fazendo com que o colchão se afundasse sob seu
peso. O embriagador aroma das passadas noites de amor se mesclava com a
característica fragrância a rosas de Rosina. Inclusive sua pele tinha sabor de
pétalas recém amassadas.
— É-me impossível, a não ser que queira perder todo o dia.
Virando sobre um lado, Rosina dobrou um joelho, lhe proporcionando
uma vista limpa de sua feminilidade.
— Está zangado porque ontem despedi a governanta.
Estava zangado, mas sabia que arreganhá-la não servia de nada.
— Só um néscio chamaria aborrecimento ao meu estado de ânimo, Rosina,
sobre tudo depois da sobremesa que me ofereceu ontem à noite.
Ela apoiou a bochecha sobre o ombro de Malcolm.
— Me teve acordada até o amanhecer. -Sua mão descendeu ainda mais -.
Mas agora já estou descansada.

23
A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

A tentação emanava fortemente nele. Tinha julgamentos que dirigir, mas


podiam esperar ao dia seguinte. Era possível que Saladin chegasse nesse mesmo
dia. Nesse caso, Malcolm se inteiraria disso durante o jantar. Alpin estaria na
mesa. Alpin.
Rosina lhe agarrou a mão.
— Encontrará outra governanta-disse com tom neutro.
Tinha um grande descaramento, mas seu argumento era velho e
irrefutável. Rosina não levantaria nem um dedo para ajudar com a casa.
— Poderia me ser muito útil estes dias.
Ela se ofendeu e replicou indignada:
— Quer uma amante, uma secretária ou uma governanta, meu senhor?
Malcolm esteve a ponto de confessar que queria as três coisas... e mais, mas
conhecia muito bem a diferença entre os sonhos e a realidade.
— O que quero, Rosina, é que volte para Carvoran Manor. Alexander te
levará.
Seus olhos se acenderam de cólera.
— Acredito que retornarei a essa rústica cabana de caça que você chama
casa. -Saltou da cama e cruzou nua o quarto. Quando chegou ao lavabo, agarrou
a jarra da água e a sacudiu-. Está vazia. Não há toalhas secas, e essa folgazona da
Doura não me trouxe nada de comer.
Malcolm necessitava que alguém se encarregasse do pessoal. Com Alpin
MacKay ali... de repente lhe acabava de ocorrer uma solução. Levantou-se da
cama, dirigindo-se para a porta.
— Direi ao Alexander que sele seu cavalo. Terá que fazer a bagagem.
Rosina o olhou fixamente e deixou cair os ombros. — Está-me jogando de
verdade?
— Sim. — Malcolm abriu a porta.
— E as mensagens que traz Saladin do norte?
— Levarei isso, como sempre.
Colocando as mãos sob os seios, como se oferecesse ao Malcolm, inquiriu:
— O verei antes?
Sob circunstâncias normais, ele a teria tomado em seus braços, mas em
lugar disso, mentiu.
— Claro que sim. É muito formosa para te deixar sozinha.
— Sozinha? -protestou.
Malcolm saiu ao corredor e fechou a porta justo quando a jarra se
espatifava contra ela. Alexander estava de pé junto às escadas.
— Parece que está de mau humor.
— Passará. Leva-a a Carnovan Manor e envie uma peça de seda da China
de cor azul e um par de garrafas de Xerez.

24
A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

Alexander acariciou uma flor esculpida que adornava o corrimão de


madeira.
— Sim, senhor, mas há algo que deveria saber...
Farto de surpresas e com a paciência esgotada, Malcolm lamentou uma vez
mais a ausência da senhora Elliott. Ao menos podia confiar nela.
— Do que se trata, Alexander? Se me disser que os homens se queixaram
porque tinham o traseiro frio ou porque o cordeiro estava duro, os mandarei
tomar vento.
Suas palavras provocaram um sorriso no rosto do soldado. Ficou muito
direito, pendurando os polegares do cinturão da saia.
— A criada de lady Alpin. Ela é... humm... Não é o que você esperava.
Ouviu-se um alvoroço nas escadas. Malcolm se dirigiu ao patamar,
detendo-se a meio caminho. A mulher mais estranha que já tivesse visto em chão
escocês subia pelas escadas. Tão alta como Alexander, a donzela vestia uma saia
franzida e um sutiã de manga larga debruado, feito de cambraia de algodão de
cor amarelo, com atrevidas dobras em vermelho e azul. Um turbante cobria a
maior parte do cabelo negro, e ainda por cima do turbante levava um pequeno
barril.
No patamar, a moça fez uma reverência e inclinou a cabeça em um singelo
e elegante gesto de obediência. Seu equilíbrio era tal que o barril apenas se
moveu. Estupefato, Malcolm observou sua pele de ébano e seus profundos olhos
marrons, com a mente alagada de pensamentos sobre seu amigo Saladin. O que
faria o mouro quando retornasse e encontrasse a uma núbia mulher africana no
castelo de Kildalton?
O caos de sua existência fez sorrir ao Malcolm.
— Suponho que você é Elanna.
— É claro que sim. Os deuses cantaram uma feliz canção o dia em que eu
nasci.
Sua voz continha um grande número de acentos; sob a musicalidade de
seu inglês de Barbados, Malcolm apreciou um som gutural e uma tendência a
comer as palavras.
— Espero que não sinta saudade de seu país.
— Sou Ashanti -respondeu, elevando o queixo. Logo agarrou o barril-.
Trago um presente: água de Barbados.
Alexander tomou em suas mãos e o passou sob o braço como se fosse um
saco de trigo.
— Nasceu na África?
Ela permaneceu quieta como uma estátua.
— Como muitas meninas Ashanti, fui capturada e separada de minha
gente. No mercado de Barbados, bimshire Charles me comprou de um traficante
de escravos.
25
A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

Fascinado por seu orgulho inato, Malcolm se interessou:


— O que é isso de bimshire?
— Significa. «homem inglês» em baixam.
— Baixam é a língua de Barbados?
— É um homem branco muito preparado.
Charles contou a Malcolm que Alpin tinha armado uma grande confusão
com o assunto de liberar os escravos da plantação Paraíso cinco anos atrás. Já que
era evidente que esta mulher lhe pertencia, Malcolm supôs que aquilo não foi
mais que um capricho. Alpin tinha sido desleal. Ao pensar no número de
mulheres que havia em sua casa, Malcolm decidiu deixar de lado sua
curiosidade por Alpin e Elanna até que Rosina se fosse.
— Encontrará a sua senhora ao final do corredor.
Malcolm assinalou para o quarto de Alpin e logo se dirigiu a seu estudo.
Quando Saladin voltasse, encontraria em Kildalton uma mulher de sua raça.
Com um só olhar, o casto mouro se apaixonaria perdidamente por ela.
Malcolm pensou agradecido que nunca cairia sob as garras do amor,
relaxou em sua cadeira preferida, e seus pensamentos se perderam em seu
passatempo favorito: planejar estratégias para dominar Alpin MacKay.
Alpin pendurou o último de seus vestidos no armário, concentrando sua
atenção no painel que havia ao fundo do roupeiro. Golpeou-o brandamente com
os nódulos até que soou oco. Logo procurou o atirador que abria aquela entrada
a um dos muitos passadiços secretos do castelo de Kildalton. Seus dedos tocaram
algo metálico. Felicitando-se, correu o painel a um lado e olhou o escuro interior.
O aroma de mofo lhe trouxe lembranças da infância.
— Por que sempre chama mucoso a esse senhor Malcolm? -perguntou
Elanna -. É um homem muito bonito.
Abandonando os pensamentos de seu passado solitário, Alpin fechou o
painel e se virou para seu amiga.
— Seu aspecto não muda sua verdadeira personalidade: é um canalha.
— Arrumado isso sim. — Elanna se inclinou sobre a cama, examinando
com atenção o baldaquín.
— Oh, que bordado tão bonito! Me conte como era ele antes que os deuses
do mal se apoderassem de sua alma.
Para Alpin não era fácil ser objetiva, especialmente no que se referia a
Malcolm, mas sua amiga merecia uma resposta honesta.
— Em realidade era um menino doce que odiava seu nome.
Elanna fez uma pausa em sua inspeção da cama.
— O que significa «Malcolm»?
— É o nome de um antigo rei de Escócia.
Sentou-se sobre o colchão de plumas.
— Disse que Alpin também era o nome de um rei escocês. É verdade?
26
A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

-Sim. A nós dois puseram nossos nomes em honra aos governantes desta
terra.
Elanna meneou a cabeça.
— Nota-se !
— É o único que temos em comum, e de pequeno, Malcolm se negava a
responder a seu nome.
— Então, como lhe chamavam?
— Cada dia da semana tinha um nome distinto. Lia coisas sobre
personagens famosos da história (reis, filósofos, guerreiros ou monges) e logo
escolhia a um para se converter nele durante esse dia. Inclusive se vestia como
eles.
Agarrando sua mala de couro, Elanna a pôs em cima da cama e a abriu.
— Quer dizer que ficava com calças estranhas e perucas brancas e frisadas?
Alpin recordou o dia em que quis ser Carlos I. Se negou a levar peruca e
ficou com uma coroa de papel. Naquela época, ela tinha escapado de Sinclair
Manor e estava vivendo em segredo na quarto da torre. Ninguém suspeitava de
sua presença em Kildalton porque somente se aventurava a sair dos passadiços
secretos durante a noite.
— Não. Não recordo que nunca ficasse com uma peruca. Uma vez
escolheu ser César. Tinha que ter visto envolto em um lençol e com uma coroa de
louro.
Elanna jogou uns pequenos sacos de ervas sobre a cama.
— Você canta uma canção feliz daqueles tempos.
— Sim. Eu gostava de Malcolm -admitiu com sinceridade, agora que sabia
que não tinha sido Malcolm quem disse a seu tio onde se escondia.
— Mas faz muito tempo. Agora é um miserável egoísta e avaro.
Agitando um molho de paus secos, Elanna disse:
— Poderia lhe dar um pouco de meu chá «te agache entre os matagais».
Alpin riu. Elanna tinha uma beberagem de ervas que servia para cada
coisa, de um coração quebrado até um olho vesgo.
— Provavelmente o faça. — De repente lhe ocorreu uma idéia, uma forma
de ganhar a confiança de Malcolm e seu futuro.
Dirigiu-se para a cama -. Trouxe os ingredientes para seu molho «vêem a
mim»?
Os escuros olhos da Elanna brilharam com interesse.
— Pode apostar que sim. Trouxe de tudo. — Então seu entusiasmo se
desvaneceu-. Não servirá de nada se não haver figos frescos ou mangas para
ocultar o sabor amargo. Só trouxe frutos secos.
— Servirão uns bagos?
Elanna encolheu os ombros.
— Ao melhor sim. Poderíamos fazer suco.
27
A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

Um afrodisíaco para o Malcolm se encaixaria muito bem nos planos de


Alpin.

Capítulo 3

Malcolm estava sentado em seu escritório, com o almoço já frio em uma


bandeja frente a ele. Fendeu a faca no coelho assado, mas por menor que cortasse
as partes, a carne era muito dura de mastigar. O pão moreno poderia ter sido
uma agradável alternativa, mas só para um marinheiro que estivesse seis meses
em alto mar.
Deixando de lado a carne, cravou o garfo em uma massa que podia ter sido
perfeitamente pérolas de cevada cozida ou espantosas ervilhas muito feitas.
Atreveu-se a provar e descobriu uma cevada com pouca cebola e muito sal e
pimenta, a língua lhe ardeu. Alcançando uma jarra de cerveja, engoliu a comida
condensada e asquerosa, amaldiçoando a Rosina por ter brigado com mais uma
governanta. Seu estômago rugiu. A esse passo, logo poderia compartilhar a
comida muçulmana de Saladin, embora uma dieta a base de frutos secos, bagos,
verduras e arroz não lhe saciaria absolutamente.
Teria trocado meu rebanho de esplêndidas vacas espanholas por um
banquete de leitão assado, marmelos cozidos, batatas com salsinha e manteiga,
pão crocante e uma boa parte de bolacha. Mas para isso teria que esperar que
retornassem seus pais com a senhora Elliott. Lametando-se em vão, golpeou com
a jarra sobre a mesa, levantou-se, e começou a dar grandes passadas pelo
escritório. Igual a seu pai, seu avô, e todos os anteriores condes de Kildalton,
levava as rédeas de seu reino desde aquela quarto. O dia que Malcolm fez vinte e
um anos, seu pai, agora marquês de Lothian, renunciou a seu títulos menores
para dedicar-se à vida diplomática e a fazer feliz a sua mulher.
De menino, Malcolm desfrutou do carinho de seu pai e sua madrasta.
Entre outras coisas, eles lhe tinham ensinado a proximidade que um homem e
uma mulher podiam chegar a compartilhar, o respeito mútuo, a capacidade de
perdoar e esquecer. Mas Alpin lhe tinha arrebatado a possibilidade de criar sua
própria família, e estava condenado a ser um solteiro por toda vida.
Mesmo assim, quando era muito jovem, Malcolm tinha freqüentado os
melhores salões do Edimburgo, Londres e Paris procurando inutilmente a uma
companheira e esposa com a que compartilhar seu amor. Mas quando advertiu
que nenhuma de seus amantes ficava grávida, enfrentou-se a triste realidade de
que nunca se casaria. Tão somente a fraude podia lhe proporcionar uma esposa,
e ele não era capaz de enganar.
Uma tristeza muito familiar se apoderou de seu espírito. Olhou as botas e
se deu conta de que a parte do tapete, onde descansavam estava muito puído.
Três vezes tinha visto como seu pai caminhava acima e abaixo por aquele mesmo
28
A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

chão, cada vez que lady Miriam estava a ponto de dar a luz. Lágrimas de alegria
e de alívio alagavam os olhos de seu pai quando descobria que cada uma das três
meninas tinha chegado a este mundo perfeitamente sã. Os choros das recém-
nascidas ainda ressonavam nos ouvidos de Malcolm. Ultimamente, compreendia
muito bem os sentimentos de seu pai.
Passeou ante uma fileira de retratos de família. Os mais recentes
mostravam à família inteira. O primeiro representava a Malcolm, a seu pai, e a
uma lady Miriam em um estado muito avançado de gestação.
Os anos passavam, mas seu pai nunca lhe pressionava para que
encontrasse uma esposa. Assim, ele tinha adotado o cínico papel de conde
solteiro. Chefes dos melhores clãs de Escócia, que desejavam uma aliança com os
Kerr, faziam desfilar ante Malcolm a suas filhas casadouras. Ele fingia participar
do jogo do casório, mas era incapaz de enganar às inocentes moças que
desejavam de todo coração um marido que lhes desse filhos. A triste e secreta
verdade era que o nono conde do Kildalton não poderia engendrar nunca ao
décimo.
Mas provavelmente... Rechaçou esse pensamento. Não era o momento de
aferrar-se a uma esperança falsa. Os clãs do norte estavam a ponto de estalar sob
o duro e injusto governo de Jorge I e começavam a dirigir sua atenção para a
Itália e o exilado Jacob Eduardo. Aclamavam-lhe como «o rei do outro lado do
mar», e se faziam chamar jacobitas em seu nome. Se o Hannover que ocupava o
trono das Ilhas Britânicas nesse momento não mostrava mais interesse pelo bem-
estar de seus súditos das terras altas, a Escócia ia causar tais distúrbios que a seu
lado a batalha de Flodden pareceria uma disputa insignificante.
Como habitante das terras baixas e senhor da fronteira, Malcolm se sentia
apanhado entre os dois bandos. Não podia aliar-se com nenhum. Sua mãe
natural era inglesa, e lhe tinha deixado como herança seu dote, umas terras que
compreendiam uma parte considerável de Northumberland. Malcolm não podia
fechar os olhos ante seus súditos ingleses, mas tampouco podia dar as costas a
seus parentes escoceses, assim representava o papel mais neutro que lhe era
possível com a ajuda da Rosina, sua amante italiana. Esta falava um perfeito
escocês e levava mensagens dos clãs das terras altas a seu monarca banido.
Ninguém suspeitava o compromisso pela causa jacobita. Durante décadas
sua família tinha vendido sal às terras altas. Cada vez que seu amigo Saladin
levava ao norte um carregamento da preciosa mercadoria, também lhes passava
cartas aos jacobitas e recolhia suas respostas, as quais Rosina entregava ao Jacob
Eduardo fosse em Roma ou em seu imóvel de verão no Albano.
Quando Saladin retornou de sua última viagem, Malcolm abriu com muito
cuidado as cartas seladas e leu a correspondência, tomando algumas nota e
dando a sua madrasta os conselhos oportunos. Não estava disposto a ser um
cúmplice involuntário da traição. Tão somente interviria se os clãs começavam a
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A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

falar de guerra. De todos os modos, se descobriassem, seria pendurado por


traidor e suas propriedades seriam confiscadas pela Coroa.
Alguém bateu na porta. Provavelmente era Alexander que vinha a lhe
informar que Saladin tinha sido avistado pelo sentinela, ou a lhe confirmar a
volta de Rosina a Carvoran Manor.
— Entra -disse Malcolm -, mas só se trouxer uma perna de cordeiro e
montanhas de haggis recém feitos.
Alpin entrou despreocupadamente na quarto. Pôs-se um vestido comprido
de cor rosa, adornado com encaixes no decote redondo e nas curtas mangas
cavadas. Aquela cor primaveril se complementava maravilhosamente com o tom
de sua pele dourada como o mel. Tinha causado escândalo em Londres ou no
Edimburgo, pois as jovens da classe de bem evitavam o sol. De todas formas, a
Alpin MacKay nunca tinha importado os convencionalismos.
Dirigiu seu olhar à mesa. Sorriu, dizendo com fingida severidade:
— Por que diabos quer mais comida, Malcolm? Logo que há tanto que tem
no prato.
O estômago vazio de Malcolm rugiu uma vez mais.
— Nem sequer o sabujo de minha mãe tocaria essa porcaria. Prova-a se
tiver coragem.
Alpin elevou ligeiramente o queixo, e Malcolm se felicitou: sua austera
amiga era incapaz de não aceitar uma provocação.
Arrancou um pedaço da lebre, o meteu na boca, e começou a mastigar.
Seus olhos se abriram como pratos e quase se engasgou; Malcolm se lembrou
daquela vez em que de pequenos se esconderam sob a mesa de um banquete e
tinha provado o caviar.
Alpin tragou e se limpou as mãos no guardanapo do Malcolm.
— Me parece que sua cozinheira te odeia.
— Me quer como a um filho, mas não está: foi-se a Constantinopla.
Alpin baixou o olhar até a bandeja, mas não sem que Malcolm notasse
como seus olhos brilhavam com interesse. O que estaria pensando? Que por ela
ele poderia morrer de fome? Provavelmente era isso.
Alpin agarrou o pão e o golpeou ligeiramente contra o prato de estanho.
Soou como um martelo sobre uma bigorna.
— Surpreende-me que Rosina não te cuide melhor.
Malcolm esteve a ponto de dizer que as habilidades de Rosina se
limitavam ao piso de acima, mas apesar de tudo, não foi capaz de incomodá-la
com um comentário tão grosseiro. Além disso, duvidava de que ela pudesse
entendê-lo.
— Rosina também nos deixou.
Alpin se dirigiu a estante e leu os títulos sobre os lombos encadernados em
pele.
30
A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

— Então já não há mais que falar sobre o problema de manter a raia suas
fortes inclinações, a não ser que tenha outra amante escondida em alguma parte.
Malcolm não pôde evitar rir ao advertir que aquela menina malvada se
converteu em uma mulher ardilosa. Mas como de ardilosa? E quantas aventuras
teria tido realmente? Pensou na possibilidade de um amante, mas não achou
nenhuma prova. Alpin não se comportava com a mesma segurança feminina que
tinha apreciado nas mulheres mantidas.
— Hei dito algo mau? -perguntou Alpin.
— Não. Estou mais preocupado por encher meu estômago e evitar um
motim entre meus homens.
— Um motim?
— Sim. Exigem uma comida decente. Me diga, Alpin, sabe levar uma casa?
Ela agarrou um dos livros e o abriu. Com a unha, arrancou uma antiga
gota de cera da página.
— Lembro ter lido este conto quando me escondia aqui faz anos. -Esboçou
um melancólico sorriso que fez que parecesse ainda mais jovem -. Tráfico de um
duende que rapta aos meninos que não querem ir à cama. -Sua expressão se
voltou sombria. Fechou o livro de repente e o pôs de novo na prateleira -. Sinto
havê-lo manchado de cera.
Malcolm imaginou Alpin com seis anos, encurralada no quarto sem janelas
da torre do castelo de Kildalton, com uma vela em uma mão e uma história de
monstros na outra, e sentiu compaixão por esta menina.
— Meu Deus -disse Alpin-, era muito imaginativa.
Alpin tinha sido cruel e rancorosa com qualquer um que cruzasse seu
caminho, inclusive com os que tentavam ajudá-la.
— Imaginativa? -replicou Malcolm - Jogou fuligem no recipiente de
farinha.
Alpin franziu a sobrancelha e ergueu a cabeça com sincera surpresa.
— De verdade fiz isso? Não o recordo.
Malcolm queria vingar-se pelo que tinha feito Alpin de menina. Recordar
as passadas maldades podia resultar uma arma muito efetiva, mas ele não devia
permitir que eclipsassem os delitos mais recentes da mulher egoísta em que
Alpin se converteu.
— Não me respondeu. Seria capaz de se encarregar de uma casa tão
grande como Kildalton?
O olhar do Alpin se encontrou com o dele.
— Sim. Logo que me apresente a criadagem.
Aquela resposta estava cheia de confiança e sinceridade. Malcolm podia
apresentar aos criados; podia ameaçar despedindo de qualquer que se atrevesse
a não obedecer as ordens de Alpin, podia fazer a vida mais fácil a sua prima, mas
não o faria.
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A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

— Doura pode te mostrar onde se guardam as provisões e te apresentar ao


pessoal.
Alpin continuou examinando os livros, mas se deteve ao ver um sino que
pendurava de uma corda uns trinta centímetros por cima de sua cabeça.
— O que é isto? -perguntou.
Era um artefato que o pai do Malcolm tinha inventado fazia muitos anos
quando pilhou a seu filho bisbilhotando no velho túnel que havia detrás da
biblioteca. O sino estava atado a um linha que a sua vez se unia à entrada do
passadiço, uma porta próxima ao corredor secundário, uns oito metros mais à
frente.
— É um sino de La Balance -mentiu Malcolm. Quando Saladin fez sua
peregrinação, trouxe-a para meu pai.
Alpin cruzou a sala e subiu ao assento que havia junto à janela. Seus
pequenos pés em sapatilhas e seus delicados tornozelos penduravam por
debaixo de várias capas de anáguas adornadas com rendas. Cruzou as mãos
sobre o regaço.
— Quando era menino estava acostumado a contar histórias sobre tudo o
que faria quando fosse conde. Foi como você esperava? Cumpriu todos seus
desejos?
Surpreso por seu interesse, Malcolm agarrou a jarra e bebeu. Através do
fundo de cristal, viu o prato com o flexível coelho.
— A paz com meus vizinhos ingleses me permite consertar minhas
energias no comércio de Kildalton. -A sua vez, o descontentamento entre os clãs
das terras altas lhe complicava a vida, mas não gostava de contar a Alpin seus
problemas na Escócia.
— Deve ter uma relação muito boa com seus arrendatários — comentou
Alpin -. Lembrava que a gente era pobre, ao menos os que viviam entre
Kildalton e a propriedade de meu tio na Inglaterra.
Embora Malcolm se sentisse muito orgulhoso de seus lucros, respondeu
com um tom casual.
— Trabalhamos para criar cavalos de porte mais fortes, e melhor gado.
Também importamos aço espanhol para foices e grades de arado.
Alpin ergueu de novo a cabeça.
— Aço espanhol -murmurou, com o olhar distante-. Vale a pena pagar
mais? Não se oxida, e se mantém afiado?
Divertido por seu interesse, Malcolm agarrou uma faca da mesa, tirou a
folha de sua capa de pele, e a ofereceu a Alpin.
— Tome cuidado -disse, dando um passo atrás-. Poderia te cortar.
Alpin o agarrou pelo punho de osso e comprovou a folha com o polegar.
Elevou as sobrancelhas com surpresa e soltou um suave assobio.

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A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

— Em Barbados utilizamos uma faca grande que se chama facão para


cortar a cana.
— Utilizamos?
Deixou cair as sobrancelhas de repente. Em um tom tão altivo como o de
uma duquesa, esclareceu:
— Quero dizer os escravos, é obvio. – Embainhou a faca rapidamente e o
lançou.
Malcolm elevou a mão, agarrando-o pelo amparo de couro. Alpin tinha
um braço firme e excelente pontaria. De pequena tinha sido forte, embora de
pouco peso. Inclusive agora, Malcolm duvidava que pesasse muito mais de
quarenta quilogramas. Tinha a intenção de descobrir tudo sobre ela, desde seus
planos para o futuro até o nome da exótica fragrância que desprendia seu corpo.
— Me conte mais. Fale sobre a cana de açúcar e sobre sua vida em
Barbados. Para falar a verdade, surpreende-me que não encontrasse a nenhum
aprumado capitão de navio e se casasse ali.
A maldade, ou provavelmente a raiva, refletiu-se por um instante nos
olhos de Alpin. Logo riu e pôs as palmas das mãos sobre o assento. Estirou os
braços, jogou a cabeça para trás e observou o teto de estuque.
— A maioria dos ingleses solteiros que chegavam à ilha eram o segundo
ou terceiro filho de sua família, sem um só pêni em seu nome. Dedicavam-se a
jogar ou a especular com o pouco que tinham. Poucos deles ganhavam algo mais
que uma aposta em uma briga de galos.
Contemplando-a naquela posição, Malcolm podia apreciar o esbelto
pescoço de Alpin. De repente pensou que aqueles segundos e terceiros filhos
eram uns idiotas. Entretanto, ela tinha declarado ter aventuras, em plural.
Malcolm não pôde resistir a perguntar:
— Apostou alguma vez por um galo?
Alpin ficou rígida.
— As damas não vão às brigas.
— Se Alpin MacKay se converteu em uma dama respeitável, o rei de
Hanover fala escocês à perfeição.
Ela riu.
- Asseguro e que sou uma dama.
— Já vejo. — Malcolm duvidava que atuasse como uma dama-. Estava
acostumado a levar calças e montar a cavalo.
Ela ficou séria, com os olhos brilhantes e os lábios ligeiramente abertos.
— Também estava acostumado a viver nos estábulos de Sinclair Manor, ou
se esqueceu disto?
Surpreso, Malcolm devolveu a faca à gaveta de seu escritório.
— Acreditava que preferia seu zoológico de criaturas feridas a suas
primas.
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A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

— Troquei aquelas criaturas por outras. Por isso escapei e vim aqui.
Ela tinha convertido a vida de Malcolm em um inferno, e este enterrou a
velha ferida sob um sorriso com muito pouco entusiasmo.
— Te peguei roubando comida de nossa cozinha.
Alpin se estremeceu, virando os olhos.
— Estava tão assustada que quase molhei a cama aquela noite. Disse que
me pendurariam e usariam minhas orelhas como isca para os peixes.
— Que eu recorde, foi a única vez que tive vantagem sobre você.
Pestanejando, Alpin inquiriu:
— De verdade acredita nisso?
Ao recordar agora, algumas das confrontações de sua infância pareciam
até graciosas, e Malcolm pensou por um momento se não estaria planejando uma
vingança muito dura para Alpin.
— A você o que te parece? -perguntou Malcolm.
Então ela se inclinou para frente, e sua voz se deixou ouvir entre o
sussurro de suas anáguas.
— Só sei que me agarrou e me deu um beijo, e que me fez prometer que te
daria um filho.
A objetividade de Malcolm se desvaneceu como a luz do ocaso além da
janela.
— Asseguro-te que nunca terá que cumprir essa promessa, Alpin.
O olhar curioso de Alpin vagou pelo rosto, o pescoço e as pernas
masculinas. O rubor se apoderou das bochechas da jovem.
— Eu nunca acreditei que você esperasse que eu... que nós... que...
-Começou a brincar nervosamente com o cordão dourado das cortinas.
Divertido por seu desconcerto, Malcolm disse alegremente:
— Em que acreditou de verdade?
Com as palmas das mãos para cima, Alpin abriu a boca e voltou a fechar.
Por fim, acrescentou:
— Que fôssemos consumar aquela promessa. Estou aqui porque, como de
costume, não tenho outro lugar aonde ir, Malcolm. Charles tinha que sabê-lo
quando te legou a plantação.
— Como se inteirou disso? Tratava-se de um transação privada entre
cavalheiros.
— Mas me afetava. Charles deu por feito que você atuaria honestamente e
faria cargo de mim. Poderíamos ser amigos. Inclusive aceitei ser sua governanta.
Com tom mais enérgico, Alpin acrescentou-: Não penso aceitar sua caridade nem
ser uma carga para você.
— Como poderia ser uma carga se ganhar o pão que come? — Malcolm
odiava sentir-se culpado.

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A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

Alpin engoliu saliva, olhando rapidamente da esfera terrestre ao escritório


e aquela bandeja de mantimentos indigestos.
— Muito bem. Suponho que deveríamos falar sobre meu salário.
Malcolm não tinha considerado a possibilidade de lhe pagar. Por isso se
referia a ela, tinha outros planos.
— Já que me pertence, como você diz, tenho a responsabilidade de te vestir
e te proporcionar todo o imprescindível.
Alpin balançou os pés. Aquele gesto fez que parecesse encantadoramente
jovem.
— É o que faz pela senhora Elliott?
— Não estou acostumado a lhe trazer vestidos de seda nem a uma
costureira que os costure -replicou Malcolm com tom indignado.
Alpin pegou sua saia.
— O meu é de algodão, não de seda. Além disso, Elanna se encarregará de
fazer meus vestidos e os seus.
— Devo confessar que me decepciona que mantenha a instituição da
escravidão. Esperava de você um trato mais humano.
Alpin entrecerrou os olhos e apertou os punhos com tanta força que lhe
brilharam os nódulos.
— Detesto a escravidão, e quem diga o contrário é um miserável
embusteiro. Elanna é uma mulher livre.
Malcolm tinha interpretado mal a vaga referência do Charles aos
problemas que tinha causado Alpin com os escravos em Barbados.
Malcolm decidiu que Alpin tinha ao menos uma boa qualidade.
— Persuadiu ao Charles para que a liberasse?
Uma vez mais seus olhares se encontraram.
-Sim. Em troca do salário de vários anos como governanta de Charles.
Consciente de que um escravo podia vender-se por umas mil e duzentas
libras, Malcolm calculou que Charles era ou muito tolo ou muito maleável.
Entretanto, nenhuma das duas coisas parecia lógica, pois segundo os
documentos e os relatórios bancários que o letrado Codrington lhe enviava
regularmente, a plantação tinha obtido uns suculentos benefícios cada ano
durante os dez últimos. A última colheita tinha sido especialmente abundante.
Malcolm tinha utilizado as lucros para construir uma nova ponte sobre o rio
Tyne.
— Charles era um tutor muito generoso.
— E eu sou muito boa governanta. -Sorriu e Malcolm se fixou em suas
covinhas-. Confio em que me pagará em conseqüência.
Malcolm se deu conta de que não tinha muitas alternativas, e entretanto a
idéia de pagar a Alpin, a mulher que tinha feito sua vida desgraçada, causava
dor. De todas formas, era escocês e sabia como ser colaborativo.
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A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

— Pagarei cinqüenta libras ao ano.


— Duzentas -disse ela, tão séria como um caldeireiro com uma só caçarola
em seu carro-. Além de um vestuário apropriado.
Malcolm se aproximou os poucos passos que lhes separavam e
destacando-se por cima dela, disse:
— Cem.
— Cento e cinqüenta mais tudo de essencial que possa necessitar -replicou
Alpin aparentemente impassível-. O vestuário, claro; os domingos livres, uma
semana de férias ao ano a partir do dia de meu aniversário, e a herança que
Charles me deixou.
Se Alpin era capaz de regatear daquele modo com o açougueiro,
economizaria— muito dinheiro ao Malcolm.
— Você pagará a sua criada.
— É obvio. Sempre o tenho feito.
— De acordo -disse Malcolm, estendendo a mão.
Alpin tomou, dobrando seus compridos e finos dedos a seu redor.
Malcolm observou a mão, o cotovelo e o braço femininos, advertindo uma vez
mais o bronzeado cor da pele. Imaginou seus seios brancos como o leite
contrastando extraordinariamente com o resto do corpo. Uns lençóis brancos
como a neve seriam o marco ideal para seu cabelo castanho e seus olhos cor
lavanda.
— No que está pensando, Malcolm? Que tem feito um mau negócio?
O homem desprezou aquelas imagens eróticas e se amaldiçoou por ter
pensamentos luxuriosos com Alpin MacKay.
— Não -assegurou-. Estou pensando que foi você a que tem feito um mau
negócio.
Depois de soltar sua mão, Alpin se levantou de seu assento junto à janela.
— Eu nunca faço maus negócios. Agora me diga o que você gosta de
comer, a que horas, e a quantas pessoas tenho que alimentar.
Durante a seguinte hora Alpin escutou, pena na mão, enquanto Malcolm
enumerava uma larga lista de deliciosos manjares que ninguém se atreveria a
exigir nem ao mordomo do próprio rei. O propósito de Malcolm de intimidá-la
era tão evidente que Alpin se perguntou se ele suspeitava de suas intenções ou se
a odiava com todo seu coração. Ela não tinha feito mais que gastar umas quantas
brincadeiras infantis quando eram meninos. Certamente Malcolm já as tinha
esquecido e perdoado. Provavelmente se tinha convertido em um homem infeliz
e assediado que não era capaz de divertir-se nem em um carnaval. Não podia
saber que ela planejava casar-se com ele e lhe pedir Paraíso como presente de
bodas. Uma vez assinados os papéis, ela iria dos Borders e embarcaria rumo a
casa.

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A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

— Fiscalizará às faxineiras do castelo. Se assegure de que façam minha


cama todas as manhãs e de que se encarreguem como é devido de minhas
camisas e de minhas saias escocesas e demais.
Alpin decidiu que Malcolm era muito vaidoso. A verdade é que tinha um
aspecto impressionante, comodamente ajeitado em um brincalhão, com o queixo
apoiado sobre a palma da mão, a saia escocesa perfeitamente vincada. Ao cruzar
suas musculosas pernas, seu corpo despediu um atrativo capaz de provocar o
desmaio em uma multidão de mulheres embevecidas. Além de sua aura de
poder, destilava uma preguiçosa sensualidade. Seus maravilhosos olhos
marrons, seu nariz reto e suas formosas maçãs do rosto altos revelavam séculos
de nobreza escocesa.
Alpin ocultou seus pensamentos depois de um afável sorriso.
— Algo mais, senhor?
— Sim. — Malcolm atirou das borlas da bolsa escocesa -. Esta noite
gostaria muitíssimo um leitão assado, marmelos cozidos, batatas com salsinha e
manteiga, pão crocante, e uma bolacha grande como... -dirigiu— um olhar a
Alpin — para encher uma banheira.
Com enormes ganas de se afastar dele e de suas maneiras despóticas,
Alpin deixou a pena em seu lugar, dobrou o papel e ficou em pé.
— Está bem às nove?
Malcolm olhou o relógio de parede. Acabavam de dar as seis.
— Pode arrumar isso com tão pouco tempo?
Alpin suspirou e estendeu o braço tão melodramaticamente como pôde.
— Claro que posso. -Ao ver que Malcolm não se levantava imediatamente,
acrescentou - Estava pensando em um molho de figos para o leitão e em uma boa
dose de molho «Vêem mim» de Elanna. — Malcolm se lambeu-. Também
-acrescentou de uma vez que assinalava a bandeja de comida — poderia
esquentar esse coelho.
Malcolm entrecerrou os olhos:
— A chantagem é uma maneira muito feia de começar uma relação
comercial.
Alpin se sentiu desfalecer. Não poderia lhe conquistar nunca se
unicamente o que faziam era discutir. Nem sequer a beberagem de amor mais
poderosa poderia transformar a inimizade em afeto. Mas se Malcolm não lhe
apresentava ao pessoal, ela deveria liberar uma dura batalha para ganhar a
confiança e o respeito da criadagem. Doía-lhe o braço, mas se negava a baixá-lo e
a dar-se por vencida.
— Só posso oferecer a mim mesma. Agora, pensa em apresentar aos
criados?
O firme olhar de Malcolm a deixou imóvel.

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A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

— Tenho trabalho a fazer aqui. Devo pôr em dia o livro de contas. Nem
sequer se tem feito um inventário das provisões de grão desde que a senhora
Elliott partiu em fevereiro.
Aquilo significaria outra concessão, mas Alpin poderia tirar partido
daquelas funções adicionais.
— Eu levarei suas contas. Me saio muito bem com os números. -Ao ver
que Malcolm franzia o sobrecenho com atitude cética, acrescentou-: Juro. Pode
confiar em mim.
Malcolm clareou a voz e se levantou. Quando sua mão se fechou sobre a
sua, Alpin teve a clara impressão de que Malcolm não confiava nela
absolutamente.

Capítulo 4

Malcolm encheu a boca de água ao contemplar o festim que tinha ante seus
olhos: exatamente todos os manjares que tinha pedido.
— Preparou isto lady Alpin?
— Sim, senhor. Ela e a africana. -Doura meneou a cabeça, percorrendo com
o dedo o bordo do escritório de Malcolm-. Quem ia pensar que uma dama de
verdade arregaçaria as mangas e se acaloraria transportando na cozinha?
Uma dama de verdade. A mudança que operou o desconcertava, mas não
o suficiente para lhe fazer esquecer o passado ou alterar seus planos para o
futuro. Tinha tempo de sobra, e outras prioridades, como os jacobitas das terras
altas e seu império por se pôr ao lado de Jacob Eduardo no trono. Rogava para
que Saladin retornasse falando de posturas mais moderadas ou ao menos de uma
maior estabilidade por parte dos líderes dos clãs do norte.
— Onde está lady Alpin?
Doura esfregou uma mancha do novo avental.
— Contando as provisões na despensa e esperando que quente a água para
seu banho. -A moça acrescentou em voz baixa-: Banha-se cada noite, e o disse
diante de todo o pessoal, bom, já sabe, diante das criadas, não do engraxate nem
de nenhum dos meninos.
Ao cortar uma parte de leitão assado fumegante, Malcolm aspirou o doce
aroma a figos e uvas. A imagem de Alpin nua na banheira de madeira lhe pôs de
bom humor.
— Logo fará que você também tome um banho pelas noites.
Tal como esperava, Doura soprou como uma velha matrona de classe
acomodada a que tivessem beliscado o traseiro.
— Antes me amarraria ao arado de meu pai e atiraria dele até Edimburgo
sem levar nada mais que uma bata.
— Só era uma brincadeira, mulher.
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A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

Doura se ruborizou e voltou a esfregar a mancha.


— Senhor...? É verdade que lady Alpin viveu aqui uma vez, quando você
era um moço?
A saborosa carne quase lhe derreteu na boca.
— Sim. Fugiu da casa de seu tio.
— O engraxate assegurou que o senhor Lindsay jurou que o velho Angus
MacDodd afirmou que ela engordurava sua cadeira de montar e punha cardos
entre seus lençóis.
Malcolm tinha esquecido muitas das brincadeiras inofensivas de Alpin.
Durante anos tinha vivido pensando só em seu único pecado inconfessável.
Engoliu saliva com força; ainda podia sentir a casca do tronco pega a suas costas
e, ao redor de seu peito, as cordas que lhe atavam à árvore. Aquele dia, Alpin
tinha conseguido domina-lo com um pote cheio de vespas na mão.
— Retira o que disse sobre meu vestido -pediu-lhe raivosa, agitando a
jarra.
— Nunca. -Malcolm cuspiu e de uma pernada encheu de terra a prega do
único vestido que tinha tido Alpin -. Está mais feia que um pecado. Parece-se
com o cão mulherengo de seu tio, adornado com lacinhos de trapo.
As lágrimas alagaram os olhos de Alpin.
— Odeio-te, Malcolm Kerr.
— Meu nome é César -recordou.
Então ela levantou o bordo da túnica do Malcolm, girou a tampa do pote, e
a colocou debaixo da roupa.
O comichão das patas dos insetos em suas partes íntimas em seguida se
converteu em uma dor aguda, aguda e insuportável. Quando começou o inchaço,
Malcolm pensou que não ia terminar nunca, e que de noite seus testículos seriam
tão grandes como os punhos do ferreiro.
A parteira havia dito que nunca poderia engendrar um filho, mas sua
madrasta discrepava com veemência. Entretanto, nenhuma das amantes de
Malcolm tinha ficado grávida. Somente seus pais, Saladin e Alexander
conheciam a horrível verdade. Se alguma vez soubessem ou seja se... Não.
Malcolm afastou de sua mente aquela idéia. Não podia resistir a só idéia de
pensar na grande decepção que teria seu povo.
— Era de verdade a menina mais maldosa do mundo? -perguntou Doura.
Incapaz de falar sobre o passado de Alpin, Malcolm assegurou:
— Sim. Era um verdadeiro demônio.
— Quem o diria agora, senhor. É muito séria, e não anda com tolices com a
criadagem. — Doura afogou uma risada-. Faz um momento mandou embora à
afetada Emily. Encontrou-a nos barracões a beijar a sarda de Rabby Armstrong.
Com uma criada menos, os barracões nunca estariam limpos, e os soldados
se queixariam. Malcolm tinha que castigar a Alpin. Ela ficaria como uma fera e
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iria correndo a casa de seu tio, o lugar do qual escapou fazia tantos anos. Era
precisamente onde Malcolm queria que estivesse. Embora a perspectiva de ter
Alpin sob seu teto e a suas ordens -e inclusive debaixo dele, na cama -, tinha um
certo atrativo.
Com o bordo do garfo, Malcolm partiu outro pedaço de carne, absorto no
lance que disputaria com Alpin.
A tarde seguinte, encontrou Alpin nos barracões, inclinada sobre uma das
camas de armar, tirando o lençol. Meia dúzia de soldados, pavoneando-se como
rapazes em um dia de festa, vagavam a seu redor, com os olhos, uns famintos e
outros curiosos, cravados nela.
Estava paquerando com seus homens? Malcolm se enfureceu. Assim que a
menina malvada se converteu em uma mulher falsamente afetada! Mas quando
apoiou o ombro contra o marco da porta para escutar e observar, deu-se conta de
que estava contando a seus homens a história de quando Malcolm caiu de suas
pernas de pau indo parar no poço.
Com um velho vestido azul, sem enfeite nem volumosas anáguas, Alpin se
parecia mais à trabalhadora filha de um pastor que a eficiente governanta que
Doura lhe havia descrito. Malcolm se surpreendeu ante sua facilidade para
captar a atenção e a alegria com que contava aquela anedota. Deixando cair o
colchão cheio de palha, explicou:
— Depois de resgatar Malcolm, o conde Duncan lhe perguntou se estava
caçando mariposas ou ensaiando para o desfile de Primeiro de Maio. Malcolm
ficou muito rígido e lhe respondeu que simplesmente tinha muita sede.
— Nosso chefe sabe utilizar muito bem as palavras -gabou-se Rabby
Armstrong-. Suponho que lady Miriam teve algo que dizer sobre este assunto.
Os homens riram. Dois deles se aproximaram para ajudá-la, mas ela os
rechaçou com um gesto.
— É claro que sim. Lembro que soltou um discurso interminável. — Alpin
olhou pela janela -. E logo nos ensinou a nadar aos dois.
Malcolm o recordava muito bem. Uma vez terminaram as aulas e os
adultos partiram, Alpin se empenhou em que nadassem nus. Ela era muito baixa,
e magra como um pau, com os seios tão planos como tortas de aveia uns
diminutos botões rosados por mamilos. Alpin tinha sido a primeira mulher em
lhe ver nu. A menina riu, lhe advertindo que algum peixe poderia picar com
aquele verme tão grande.
Nadava Alpin nua em sua ilha tropical? Não, devia estar muito ocupada
daqui para lá e presenciando como o pobre Charles bebia até morrer. Tinha-a
feito sua infância desgraçada insensível ao sofrimento de outros? Provavelmente
sim, pois não tinha mostrado nem uma fresta de dor pela perda de seu generoso
tutor.

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A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

Aquele pensamento lhe defraudou. Alpin aparentava bondade, mas por


dentro era desumana. Charles a tinha acolhido com gosto quando ninguém nos
Borders aceitava a essa menina travessa e obstinada. Tinha-a mantido e inclusive
tinha encarregado ao Malcolm que o fizesse em seu lugar. Ele cuidaria muito
bem dela, mas a sua maneira.
— Durante muito tempo não voltou a aproximar-se do poço -seguia
contando Alpin.
Malcolm entrou na sala.
— Por isso eu recordo daquele incidente, foi você quem me empurrou ao
poço e depois lançou dentro minhas pernas de pau.
Alpin sorriu surpreendida.
— Vamos, homem. Admita que não me deixou outra opção quando
ameaçou me pegando com eles.
— Você se encarregou de que não pudesse fazê-lo.
— Uma menina precisa proteger-se. E se não te conhecesse tanto,
suspeitaria que tenta me culpar por todo o mau que te passou de pequeno.
«Absolutamente», pensou Malcolm. Só a culpava pela travessura que lhe
tinha deixado as cicatrizes mais profundas, que lhe tinha arrebatado a
oportunidade de constituir uma família.
— Digamos tão somente que eu era um menino mais são quando você
estava em Sinclair Manor.
— Não negará que fomos bons amigos assegurou Alpin-. Por isso sempre
queria brincar de marido e mulher comigo.
— O chefe nunca brinca disso -afirmou um dos soldados -. Ninguém
conseguirá casar-se com ele, ao menos até que tenha semeado suas sementes em
todas as mulheres bem dispostas.
Alpin jogou sua larga trança por cima de seu ombro
— Quem haveria dito, que eu estivesse disposta?
Outra ronda de gargalhadas encheu o quarto. Malcolm se sentiu
humilhado. Assinalou para a porta com a cabeça.
— Estou seguro de que Alexander tem algum trabalho para vocês, galãs
falso.
Rabby Armstrong ficou em pé.
— Mas, senhor...
— Como por exemplo aguardar a chegada de Saladin e tocar o corno em
sinal de bem-vinda -acrescentou Malcolm em um tom ligeiramente ameaçador.
— Sim, senhor.
Os homens de Malcolm se despediram a contra gosto e desfilaram para a
porta. Alpin se dirigiu ao seguinte catre.
-Não deve brincar com eles. Troca-se guarda de noite e precisam
descansar.
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A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

Seu tom autoritário a pegou de surpresa.


— Você os estava incomodando mais que eu.
— Está ciumento, meu senhor?
— Não. Estou zangado. Não devia despedir Emily -reprovou Malcolm.
— Já lhe contou Doura isso?
Malcolm se encolheu de ombros.
— Inteirei-me, e já está. Agora se explique, por favor. Emily levava mais de
dois anos trabalhando aqui.
— Estava fazendo travessuras com o Rabby -explicou Alpin alegremente.
— Há! Alpin MacKay acusando a outra pessoa de fazer travessuras. -A
ironia do assunto lhe fez rir-. Beijar a sarda é um jogo inofensivo.
Alpin se virou, sustentando o lençol acolchoado contra seu seio.
— Não se tiver uma onde a tem Emily.
Mortificado, Malcolm perguntou:
— E onde a tem?
Alpin lhe lançou um olhar fulminante.
— Utiliza sua imaginação masculina.
Já o fazia, mas suas fantasias se centravam na mulher que tinha diante e no
formoso corpo que se escondia debaixo daquele singelo vestido.
— Por cima ou por debaixo da cintura?
— Isso depende de onde esteja seu cérebro.
Malcolm lançava faíscas, tratando de recordar a última vez que uma
mulher riu dele. Ao ver seu malicioso sorriso, suspeitou que Alpin desfrutava
pondo aos homens em seu lugar. Era estranho, pois aos vinte e sete anos deveria
estar desesperada por encontrar um marido.
Alpin suspirou, limpando a testa.
— Não despedi Emily para sempre. Só por esta tarde. Está cuidando dos
filhos da senhora Kimberley para que ela possa vir a fazer o pão, de agora em
diante, Emily trabalhará dentro do castelo. -Ao ver que Malcolm não fazia
nenhum comentário, acrescentou-: Se estiver de acordo, certamente.
Era muito atrevida, e não parecia ter nada de medo. Em alguns aspectos,
não tinha mudado.
— É obvio. Falava com Charles com tanta franqueza?
Alpin lançou o lençol ao outro lado do quarto, mas não acertou no montão.
— Raramente tinha ocasião de falar com ele –admitiu entre dentes.
Sua veemência não surpreendeu a Malcolm, mas sim a simplicidade de seu
tom. No que se referia a Alpin, Charles tinha sido sem dúvida um modelo de
caridade.
— Suponho que trabalhava mais duro ali que aqui.
Alpin se virou.
-Trabalhava tão duro como o que mais. Não tinha...
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A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

— Apertou os lábios com força.


— Não tinha o que?
— Nada.
-Não posso acreditar que Alpin MacKay tenha medo de falar sem rodeios.
Ela brincou com seu bracelete.
— Não tenho nenhum medo.
— Então termina o que iria dizer.
— Não é importante.
Malcolm tirou o chapéu abrandando-se.
— Somos amigos, recorda?
Alpin suspirou.
— Trabalhava duro porque não tinha outra opção. O fato de que contasse
seus infortúnios poderia os levar a um bom entendimento, e provavelmente a
algo mais. Ao contemplá-la agora, tão cheia de dignidade, Malcolm não pôde
evitar sentir respeito por ela, e um repentino desejo de saber o que poderia ser
aquele algo mais. Imediatamente desprezou a idéia de chegar a alguma
intimidade com Alpin MacKay.
— Espero que mostrará para mim a mesma lealdade. Pode começar por me
explicar o funcionamento de uma plantação de açúcar.
Ela sorriu muito alegremente.
— Pode estar seguro de que serei leal, meu senhor. Cuidarei de sua
propriedade como se fosse minha.
Alpin se levantou e recolheu o lençol e o lançou pela segunda vez junto às
outras. Toda aquela roupa cheirava a homens suarentos por largas horas de
treinamento. Alpin mancharia o vestido se agarrasse toda aquela roupa suja,
pensou Malcolm preocupado como se lhe importasse. Ainda estava aborrecido
pela forma em que Alpin tinha invadido sua casa, deslumbrando aos soldados e
à criadagem; além disso Malcolm suspeitou que não tramava nada de bom.
— Alguém trabalhava muito duro em Paraíso. Via-se claramente nos
benefícios que dava a plantação.
-Se você soubesse! -murmurou Alpin. Logo tirou o último lençol sujo e
lançou ao montão-. Falando de trabalho... Se me desculpar, eu gostaria de
terminar com isto para poder montar a cavalo um pouco mais tarde. Tem algum
pedido para o jantar?
Malcolm pisou nos lençóis com uma bota.
-Me diga por que falar da plantação Paraíso fica tão furiosa que lanças as
coisas. Acaso a odeia?
Os tormentosos olhos violáceos da mulher recordaram a Malcolm a cor do
céu minutos antes do amanhecer.
-Não estou furiosa e não, em realidade não a odiava. –deixou-se cair sobre
seus joelhos e deslizou as mãos por debaixo do montão de roupa. Ao ver que ele
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A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

não movia o pé, olhou fixamente a prega de sua saia escocesa -. O que me passa é
que tenho muito trabalho, e morro por dar um passeio nesse ruço pintalgado.
Está enchendo os lençóis de esterco.
Malcolm estava fazendo uma demonstração de força como o amo e senhor
de seus domínios que era. Alpin podia ser muito ardilosa, mas faria o que lhe
dissesse. Daí acima, podia ver o profundo canal de seu decote. Seus planos de
provocar sua desgraça tomaram diferente caminho. De repente foi consciente de
sua própria nudez debaixo do tecido de quadros. Sentiu um formigamento de
desejo.
-Ainda não me disse o verdadeiro motivo pelo que não quer que Emily
limpe os barracões.
Alpin se sentou sobre seus calcanhares, com a expressão suavizado pela
paciência.
-É por seu próprio bem. Poderia meter-se em... uma boa confusão. Seria
um mau exemplo para as demais faxineiras. Se ela não é castigada por seu
comportamento indecente, as demais pensarão que elas também podem fazê-lo.
As palavras de Alpin provocaram pensamentos impuros a Malcolm com
sua prima como o objeto de seu desejo.
-Não há nada de mau em paquerar.
-Sim, sim há. Os pais mandam a suas filhas aqui para trabalhar, e você,
como seu senhor, tem o dever de zelar por seu bem-estar, tanto físico como
moral. O mesmo princípio se aplica ao senhor que se faz cargo do filho de um
parente.
Alpin tinha razão, mas Malcolm não podia permitir que se desfrutasse
nisso. Além disso não estava disposto a terminar a conversação de qualquer jeito.
-Você também estava aqui com os homens.
Alpin riu.
-Eu sei que não sou uma tentação.
Procurava elogios? Pois Malcolm lhe ofereceria um.
-Isso quer dizer que passou muito tempo nessa Ilha, Alpin. Qualquer
desses homens teria trocado seu melhor cavalo pela oportunidade de brincar
contigo a beijar a sarda.
Com um sorriso nos lábios, Alpin murmurou:
— Asseguro-te, senhor, que isso nunca acontecerá.
— É porque perdeu todas suas sardas?
-Malcolm Kerr! -exclamou Alpin, lhe golpeando na pantorrilha-. Como se
atreve a ser tão vulgar?
Passando por cima de sua indignação, Malcolm continuou:
-Acredito lembrar que tinha umas quantas aqui -disse tocando-a no
quadril-. E aqui. -Assinalou um ponto na parte superior da coxa-. Para não falar
das de suas costas.
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A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

-Você também tinha, não o esqueça.


— Onde?
—Basta já é suficiente. Estávamos falando de Rabby e Emily.
— Eu me encarregarei do moço. Falarei com ele.
—Acredito que lhe fará muito bem.
— Está fugindo de mim?
—Não. É só que não acredito que consiga controlar a vida amorosa do
Rabby. Será como uma panela chamando negra a uma outra panela.
Em Whitley Bay a tinham enchido a cabeça das intrigas sobre as ocasionais
aventura de Malcolm. O certo era que cortejava às donzelas da nobreza para que
ninguém pudesse adivinhar a verdadeira razão pela qual evitava o matrimônio.
Sua consciência não lhe permitia casar-se com uma moça e condená-la a uma
vida sem filhos.
—O que é isto? -perguntou Alpin-. O grande pícaro do Malcolm ficou sem
palavras?
—Acaso tentei te seduzir?
—É obvio que não -respondeu Alpin com suavidade -. Nunca te ocorreria
fazer algo tão inverossímil.
—Poderia fazê-lo.
—Pois não o faça. Não nos daríamos bem como amantes.
—Como sabe?
—Simplesmente sei. Importa-se que voltemos para o tema de Emily e
Rabby?
Malcolm tratou de mostrar a Alpin MacKay quão equivocada estava ao lhe
desafiar desse modo.
—Você gostaria de apostar algo de que sou capaz de controlar a vida
amorosa de Rabby?
Alpin jogou a cabeça para trás para lhe observar de perto, mas quando
deixou aparecer a língua que percorreu lentamente seus lábios e deixou neles um
brilho úmido, Malcolm perdeu a habilidade de dominar seus pensamentos
luxuriosos.
« Alto!» gritou sua parte consciente. «A mulher em que está pensando é Alpin
MacKay.»
Aturdido, cruzou os braços sobre o peito e elevou as sobrancelhas.
—E bem?
—Por que não, meu senhor? -Encolheu os ombros, Malcolm se fixou no
conjunto que formavam seus ombros e o delicado oco na base do pescoço-.
Apostemos um barril de rum contra sua égua torda.
—Como? Um cavalo por um barril de licor? Não é muito justo.
Como um professor falando severamente com um aluno lento, Alpin
explicou:
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A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

—Eu tenho seis barris de rum. Você tem dez vezes mais cavalos. Se se
analisar, minha aposta é tão valiosa para mim como a sua o é para você.
Malcolm tentou assimilar o reforçado raciocínio de sua prima. Entretanto,
aquele exercício era desnecessário, pois ele tinha de ganhar. Malcolm em
realidade não queria o rum... a não ser que a ocasião lhe servisse para
compreender seu repentino interesse em uma mulher a que não deveria desejar.
—Muito bem, mas só se o compartilhar comigo.
Alpin se estremeceu.
—Um barril inteiro? Acabaremos os dois bêbados como cubas.
—Uma taça entre amigos. Entre muito bons amigos, como você nos
descreveu. A não ser que tenha mudado de idéia.
Alpin voltou a olhar seu bracelete.
—Asseguro, Malcolm, que embora o tentasse nunca poderia mudar meus
sentimentos por você.
O tom alegre com que a pronunciou não pôde mascarar aquela insinuação,
nem tampouco o brilho de seus olhos.
Malcolm respondeu com um sorriso.
—Me alegro. Estou pensando em vender Paraíso, e eu gostaria de saber
mais sobre o lugar antes de fazê-lo.
Alpin abriu os olhos de par em par e empalideceu.
—Não pode vender Paraíso. Seria uma estupidez. — Alpin agarrou o
tornozelo de Malcolm. —Por favor, não o faça.
—Por que não?
Alpin dirigiu o olhar com desespero dos beliches ao chão, e aos tecidos
escoceses que penduravam de uns ganchos na parede.
—Está claro que pode vendê-lo, posto que é seu -disse Alpin aturdida. —
Mas o que acontecerá com a gente que vive ali? Os serventes, os escravos...
Malcolm perguntou se era possível que Charles tivesse aceito dar a
plantação a ele por despeito, porque Alpin se pôs do lado dos escravos. Seu
primeiro instinto foi pensar que Alpin que ele conhecia era incapaz de defender
uma causa humanitária. Malcolm só sabia que de pequena amava muito aos
animais. Após não tinha tido nenhum contato com ela, e Charles omitia em suas
cartas qualquer informação pessoal sobre Alpin.
—Ainda não decidi o que vou fazer com Paraíso. Por que não me ajuda?
Pode-me contar tudo sobre o lugar e me dar sua opinião.
Um vago brilho brilhou nos olhos da jovem.
—Seguirá obtendo uns formosos benefícios se o conservar.
—Graças à mão de obra dos escravos?
Entrecerrando os olhos com fúria, Alpin declarou:
—Isso é uma calúnia.

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A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

Malcolm tinha visto o mesmo olhar em seus olhos aquela vez que a tinha
ameaçado desenterrar ao texugo morto para fazer uma bolsa nova com sua pele.
Ela a tinha tomado com ele, lhe chamando cão sarnento e ameaçando pôr fogo a
sua cama enquanto dormia.
Agora não pôde resistir a seguir cravando-a.
—A escravidão tem sua graça. — Ao ver que ela abria a boca, apressou-se
a acrescentar: —Se existisse aqui em Escócia, compraria ao conde de Mar e lhe
poria a ferrar meus cavalos.
— Está mofando de mim -replicou Alpin muito séria.
— Não. Só trato de aprender contigo.
Alpin respirou aliviada.
—Estou segura de que fará o correto, Malcolm, mas de momento não há
pressa. O senhor Fenwick é um capataz muito eficiente.
Estava escondendo algo, e Malcolm sabia. Tinha que encontrar o modo de
descobrir todos seus segredos.
—Falas igual a lady Miriam.
Os olhos de Alpin cintilaram de bom humor, destacando suas sobrancelhas
perfeitamente arqueadas e as frisadas mechas de cabelo castanho em torno de
seu rosto.
— Pois você tem muito pouco de diplomático, Malcolm Kerr.
—Você não me conhece -replicou rindo.
—OH, sim! Conheço-te muito bem. -levantou-se e se dirigiu para a porta
com um movimento de quadris sedutor.
Malcolm agarrou Alpin pelo braço. Ao aproximar-se dela, lhe enredou um
pé com os lençóis, e antes que pudesse recuperar o equilíbrio, caiu ao chão,
arrastando a Alpin detrás dele. Malcolm caiu sobre suas costas, com Alpin sobre
seu peito e seus cotovelos cravados entre suas costelas. Malcolm fez uma careta
de dor e a agarrou pelas axilas.
—O que está fazendo? -perguntou zangada, com os olhos muito abertos e
sua pesada trança sobre o pescoço de Malcolm.
—Eu? É você quem está em cima, para variar.
—Basta! -Tratou de liberar-se, mas ele a segurou mais fortemente.
—Admite, Alpin. Você sempre queria dominar.
—Até então éramos crianças que brincavam e brigavam.
—Você me odiava, e eu... -Seu olhar se deslizou até os lábios de Malcolm -.
Eu era...
—O que foi?
— Era muito ingênua, e não sabia até onde podiam chegar nossos jogos.
De repente a tensão de seus braços desapareceu e, com a mesma
naturalidade com que se busca o calor em uma fria noite de inverno, Malcolm a

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A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

aproximou para ele, até que a doce rajada de seu fôlego acariciou seu rosto, e
pôde apreciar os mais pequenos detalhes do rosto de Alpin.
—Agora já sabe aonde pode levar um jogo.
—Não pode me beijar.
—Sempre o tenho feito.
—Não. Bom, sim. Quero dizer que aqueles eram outros tempos. Éramos
crianças. Agora você já não gosta.
A atitude de Malcolm não podia ser mais contrária a esta afirmação.
—Fomos amigos, não?
—Sim -sussurrou Alpin com cautela-. Você foi meu único amigo.
Alpin exagerava. Malcolm podia apreciar o engano em cada faceta de sua
pessoa. Alpin MacKay albergava fortes sentimentos para ele, mas o afeto não era
um deles.
Então, por que assegurava o contrário? Malcolm tinha que conseguir que
pusesse as cartas na mesa, e descobrir por que a mulher que lhe tinha arrebatado
a promessa de um herdeiro tratava agora de lhe seduzir com todas suas forças.
— Eu era, e ainda sou seu melhor amigo.
Alpin separou os lábios, mas, fosse o que fosse o que tinha em mente,
decidiu calar. Seus dentes apareceram por cima do lábio inferior e se fixou no
broche com a insígnia dos Kerr que unia o tartán à camisa masculina. Decidido a
levar a cabo seus planos, Malcolm deslizo uma mão pelo ombro de Alpin e lhe
sujeitou a nuca com suavidade.
—Renovemos nossa amizade. Com uma ligeira pressão, aproximou a boca
de Alpin para a sua e inclinou a cabeça para um lado. Ela fechou os olhos com
firmeza e apertou os lábios com força. Malcolm comprovaria até que ponto
podiam chegar a ser amigos.
Beijou-a primeiro com suavidade, mas ao ver que ela seguia negando-se
rotundamente lançou mão do truque de sedução mais velho que conhecia.
—Beijava melhor quando era pequena -disse.
Ela riu entre dentes, seus seios brandamente apertados contra o peito de
Malcolm e seus quadris contra os dele.
—Você também. Agora já não há sujeira em sua cara nem inocência em seu
coração.
De algum jeito ela tinha aceito sua provocação e havia o tornado contra ele.
—Nenhum de nós é inocente, Alpin. Já superamos essa etapa. -Armando-
se de determinação, Malcolm tratou de passar por cima o ardente desejo que
corria por suas veias. —Uma trégua?
Tão séria como um pecado em domingo, a mulher respondeu:
—Acredito que quer dizer uma entrevista, Malcolm.

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A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

—Eu gosto de você –insistiu. —No fundo sempre gostei. O que outra coisa
necessita para te sentir como em casa aqui e agora? -Se ela aceitava essa mentira,
Malcolm se asseguraria de que o pagasse bem caro.
—Você é muito importante para mim, Malcolm.
O advertiu certa ambigüidade e decidiu aproveitar-se dela.
—Então demonstra-o, Alpin. Me dê um beijo em sinal de paz.
Agora que por fim tinha chegado o momento, Alpin ficou paralisada. O
tinha atraído até ali para paquerar com ele, para semear a semente da sedução.
Agora não podia tornar-se atrás, uma vez mais não tinha outro lugar aonde ir, só
que agora estava cara a cara com um homem ao qual não podia permitir
rechaçar. Resignada, elevou a mão até a face de Malcolm e, com toda a ternura
que foi capaz de reunir, apartou-lhe uma mecha de cabelo de sua frente.
Quando as mãos de Malcolm acariciaram suas nádegas, e seus quadris se
elevaram por debaixo dela, de repente foi plenamente consciente do prêmio que
lhe oferecia.
Como se tivesse recebido uma bofetada na cara, o saber o que lhe excitava
afugentou seu desejo. Mas se ele chegava a suspeitar a verdadeira natureza de
seus sentimentos, a desafiaria de novo. Devia deixar que pensasse que tinha
saído vencedor em seu intento por provar que sua amizade não somente seguia
viva mas sim se converteu em uma profunda paixão. Também tinha que livrar-se
dele, quanto antes melhor.
—Acredito -disse tornando-se para trás para recuperar o fôlego que suas
intenções pacíficas desencadearam outro tipo de guerra.
—Então, rendo-me. — Malcolm estendeu os braços -. E proponho um
tratado de satisfação mútua. Já sentamos as bases.
Desconcertada por seus roucos sussurros e surpreendida ante sua própria
conformidade, Alpin perguntou com voz aguda:
—Seria capaz de se deitar comigo?
Malcolm afogou a risada, produzindo um som que retumbou nos seios de
Alpin.
— Assim é como está acostumado a terminar este jogo.
—Jogo? -Suas boas intenções se esfumaram como as gaivotas antes de um
furacão.
—Sim, e espero que joguemos muitas partidas. O que te parece esta mesma
noite, às doze, em meu quarto?
—Esta noite? -O sangue do Alpin ferveu de indignação-. Sua amante acaba
de partir.
—Mas agora desejo a ti, e isso é quão único importa. -Golpeou com seu
indicador o nariz de Alpin-. Esta noite. Te levaria ali agora mesmo, mas Saladin
nos interromperia.

49
A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

A mente de Alpin se converteu em um deserto desprovido de


pensamentos coerentes.
—Saladin?
Malcolm assentiu com a cabeça.
—Se isso te tranqüilizar.
Mas não a tranqüilizou absolutamente, pois quando Malcolm Kerr
começou a beijá-la a sério, Alpin recebeu sua primeira lição na verdadeira arte da
sedução. Malcolm, com grande delicadeza, suaves palavras de fôlego, animava-a
em seu papel de aluna avantajada. Muito orgulhosa para tornar-se atrás e muito
ocupada para pensar em outra alternativa, Alpin seguiu o exemplo de Malcolm e
lhe devolveu o beijo.
A insegurança infantil do passado tinha desaparecido.
Aquele abraço expressava uma necessidade adulta e uma paixão
amadurecida. A respiração de Alpin se tornou mais rápida e sua cabeça mais
ligeira, mas seu corpo permaneceu firmemente junto ao de Malcolm. Devido à
grande estatura do homem e a pequinês de Alpin, o corpo dele parecia uma
cômodo e enorme travesseiro debaixo de Alpin. A esse pensamento seguiu a
sensação de que se produziram algumas mudanças muito sutis; os membros de
Malcolm se adaptara melhor ao corpo dela; onde Alpin relaxou, notou uma
crescente rigidez em Malcolm; sentiu como as mãos do homem se voltavam cada
vez mais possessivas. Quando sua língua roçou o bordo de seus lábios,
separando-os, Alpin se voltou para trás horrorizada.
Malcolm abriu seus escuros olhos com uma expressão perigosamente
provocadora; dirigiu a Alpin um preguiçoso sorriso e murmurou:
-Não quer a paz? -Então a beijou de novo-. Também me mentiu sobre suas
aventuras.
Depois daquilo, Alpin deixou de catalogar cada um dos movimentos de
Malcolm e improvisou alguns ela mesma. Trespassou os dedos entre o cabelo do
homem, sentindo a grosa textura de cada mecha. Sua língua procuro a dele,
retorcendo-se e explorando, enquanto sua mente tomava nota da escorregadia
espiral de desejo que serpenteava ao longo de sua coluna, lhe arrebatando as
forças das pernas e braços. Fortes sensações como correntes subterrâneas a
arrastavam para ele, pressagiando uma misteriosa recompensa.
—Já vejo que não ouviu o trompetista que anunciava sua chegada. Eu
mesmo estive a ponto de não me inteirar.
Alpin não tinha ouvido nenhum sinal, mas algo no olhar de Malcolm a
avisava de que tinha chegado muito longe em seu intento de sedução. Ela só
pretendia lhe distrair um pouco, e agora estava sentenciada a morte.
—Não acredita que tudo vai muito depressa?
Para sua consternação, Malcolm riu de novo, ficando com as mãos debaixo
da cabeça.
50
A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

— Decididamente não, e não te incomode em tomar seu banho na cozinha.


Farei que subam a banheira a meu quarto. -Elevando as sobrancelhas,
acrescentou: - Também poderemos compartilhá-lo.
Parecia um gato satisfeito depois de uma boa noite de ronda. Era
precisamente o que ela esperava conseguir, mas não em sua primeira entrevista.
Ainda não estava preparada para entregar-se a ele. Antes, deveria lhe propor o
matrimônio.
Alpin rodou sobre ele e ficou em pé. Engolindo seu orgulho, disse:
—Não podemos, Malcolm. Não estaria bem.
—Querer-se não é mau -assegurou ele com um suave sussurro-. E não
pode negar que me deseja.
—Não é verdade. — Incapaz de lhe olhar à face, Alpin dirigiu sua vista
para a janela. Com grande surpresa, observou como a vida no pátio do castelo
continuava com toda normalidade. Um carro de feno avançava pesadamente
para a entrada; a garota que se encarregava dos gansos apartava a seu bando do
caminho; o ferreiro tocava sua eterna melodia, e meninos ruidosos se perseguiam
entre si. Recordaram a outros dois meninos, e a uma época longínqua. Agora o
ódio e a cobiça os separavam.
—Gostei enquanto me beijava, mas agora mudei de idéia.
—Muda outra vez, Alpin.
—Deve me prometer que não voltará a me beijar nunca mais -disse Alpin
antes de sair dos barracões.
Malcolm a seguiu como uma sombra. Podia sentir o fôlego do homem em
suas costas.
—Prometo-te que farei algo mais que te beijar. -O toque de um trompetista
fez que Alpin se sobressaltasse-. Discutiremos esta noite em meu quarto.
—Não, não o faremos, terminou aqui e agora.
Ele a soltou. Alpin se virou e viu como a doçura se esfumava de seus olhos,
dando lugar a uma fria aversão.
—Então faz a bagagem. Farei com que Alexander te leve a casa de seu tio.

Capítulo 5

Quando ouviu os passos de Malcolm se afastar, Alpin esteve a ponto de o


chamar e lhe dar uma bofetada. Era de esperar que a besta do Malcolm Kerr lhe
fizesse alguma canalhice, mas seu bom senso a manteve calada. Era culpa do
Malcolm que ela tivesse sido presa de sua própria armadilha? Sim. Com seus
tenros beijos tinha conseguido que ela baixasse a guarda, e então lhe tinha
atirado um golpe ruim.
Alpin tremeu de medo; medo de render-se ante a vingança de Malcolm,
medo do desejo que despertava nela, pavor de ser enviada a horrível casa de
51
A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

onde escapou quando tinha seis anos. Um intenso terror se apoderou dela.
Estaria condenada a terminar seus dias sem ter conhecido o amor de um homem,
sem saber até onde podia levá-la-a paixão?
Mas Malcolm Kerr não falava de ternura nem de afeto em um sentido
tradicional. Tinha-o chamado um jogo.
Alpin sentiu uma grande amargura, e seus sonhos dourados de
adolescência se apagaram como cortinas descoloridas pelo sol. Ao ver como
Charles e Adrienne se entregavam um ao outro, Alpin compreendeu o
verdadeiro significado do amor. Esta relação também lhe tinha ensinado o perigo
de um compromisso tão profundo, pois quando Adrienne morreu, uma parte de
Charles se foi com ela.
Após ele não foi mais que a sombra de um homem, desprovido de
interesse pelo mundo que lhe rodeava e completamente cego ante as
necessidades e o futuro de sua jovem protegida.
Aquele fatídico dia mudou a vida de Alpin. Por fim deixou
definitivamente atrás sua infância. Em vez de nadar na balsa da fazenda,
começou a inventar modos de desviar água para regar os sedentos campos de
cana de açúcar; em lugar de fechar os olhos ante os meninos escravos, empregou
seu tempo em idealizar um plano para libertá-los.
Converteu-se em uma mulher prática; só lhe interessavam as coisas mais
essenciais da vida: um teto sobre sua cabeça, terras suficientes para manter-se, e
tranqüilidade de espírito.
Malcolm Kerr lhe tinha arrebatado essas três coisas. De um puxão lhe tinha
tirado seu lar e seu sustento, e depois, com um beijo, tinha-lhe roubado sua
dignidade, levou aos lábios uma mão trêmula, recordando a sensação do contato
da boca do homem. Em um momento sua resolução se dissipou. Havia uma
forma de pôr fim a sua tortura. Podia bater na porta do Malcolm a meia-noite,
abandonar-se em seus braços, e descobrir os mistérios que pressagiavam seus
beijos. Mas Alpin sabia aonde podia a levar uma aventura: ela provavelmente
conseguiria os meios para fazer realidade seu sonho de retornar a Paraíso e
liberar os escravos, mas ao fazê-lo corria o perigo de entregar seu próprio
coração a um homem que não o valorizaria.
Sua vontade férrea se rebelou contra seus sentimentos. Tinha trabalho a
fazer, planos que realizar. Por um instante se havia ensimesmado em seus
pensamentos e tinha sofrido um momentâneo reverso. Malcolm lhe tinha jogado
uma má cartada. Felicidades. Obviamente tinha esquecido que Alpin MacKay
era uma perita enganadora. A sua maneira, lhe refrescaria a memória.
Recolheu a roupa suja e a levou a tanque. Logo foi à cozinha para fiscalizar
os preparativos do jantar. Só na estadia cavernosa, Elanna estava sentada frente à
mesa de carvalho cortando uma montanha de nabos. Seus olhos, escuros como o
melaço, examinaram Alpin.
52
A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

— É um problema que está entrando contigo por essa porta.


Pensando que Malcolm a tinha seguido, Alpin vacilou e deu uma olhada
por cima do ombro. Além da industriosa habitante de uma impressionante teia
de aranha, a entrada estava vazia.
— Eu em seu lugar — Alpin agarrou a vassoura, destruindo a teia de
aranha-, deixaria de me fazer de sábia, ao menos enquanto estejamos aqui. Estes
camponeses poderiam te apedrejar por bruxa.
Elanna levantou as mãos, como protegendo-se de um inimigo.
— Grande escocês mau assustar muito pobre coração de escrava.
Alpin soltou uma gargalhada e deixou a vassoura a um lado.
— Também pode te esquecer de seu baixam; falas um inglês perfeito
quando quer, e além disso, é livre.
— Graças a ti. — Elanna deu uns tapinhas sobre a mesa, sua escura pele
combinava à perfeição com a velha madeira, e seu vestido alegre e floreado dava
vida à antiga estadia -. Sente-se. Me conte o que te aconteceu para te enfurecer
assim.
Alpin recolheu a saia e passou por cima do banco.
— Tinha razão com o de que me coloquei em uma boa confusão. -Agarrou
a pele de um nabo e a enrolou no dedo. Logo contou a seu amiga a sedução de
Malcolm. . — Por que preocupar-se? Diz que sempre te beijava, inclusive quando
era um menino.
— Eram outro tipo de beijos.
— Aprumado a que sim. Não parece que seja amor platônico.
Alpin tocou os lábios de novo. Nem sequer o forte aroma do nabo podia
apagar o doce sabor de Malcolm.
— Agora quer que seja sua amante.
Elanna agarrou a faca e apunhalou um nabo.
— Supõe-se que antes deveria estar disposta a dizer «sim, quero».
Admitir sua derrota embotou os sentidos de Alpin minando a fortaleza
que tinha acumulado.
— Devo manter a cabeça em seu lugar no que se refere a esse homem. O
muito descarado insistiu em que se não compartilhar sua cama voltaria para casa
de meu tio, o barão Sinclair.
— Sim um Ecky-beckie! -Elanna se referia aos escravos liberados, que se
tinham convertido em miseráveis mendigos, em Bridgetown.
— O senhor Malcolm não é mais que um mendigo bêbado -replicou Alpin.
Elanna se arranhou com a faca por debaixo do turbante, e olhando a direita
e esquerda, sussurrou:
— De algum modo, mendigou para conseguir que o pobre amo Charles lhe
desse seu Paraíso.
Alpin golpeou a mesa com o punho.
53
A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

— Sei, mas se compartilhar sua cama, ele terá que casar-se comigo. Como
sua mulher, poderei lhe reclamar Paraíso.
— Aprumado a que sim, mas tome com muito olho. Se lhe der todas as
mangas, não quererá a árvore.
Inocentemente, Alpin tinha pensado em um cortejo formal que levasse a
um matrimônio honorável. Não esperava que Malcolm a fosse trair.
—Sabe que não temos outro lugar aonde ir. Por que Charles teve que lhe
entregar nossa casa?
Ouviram repicar uns cubos no pátio junto à cozinha.
—Sshh -murmurou Elanna-. Os criados aqui são fiéis a seu escocês, e ficam
a mexericar mais rápido do que o amo Charles demorava para esvaziar uma
garrafa de rum. -Um sorriso malicioso mostrou os dentes de Elanna, brancos
como pérolas, dos que ela se sentia desmesuradamente orgulhosa-. Assim que
encontre o modo de entrar em seu escritório e olhar seus papéis, saberá por que a
plantação caiu em suas mãos.
— Já o tenho feito -admitiu Alpin segura de si mesmo-. Propus a me
ocupar também do trabalho de administradora.
—Não me surpreende. Nunca pôde te estar quieta mais de um minuto.
Quando Alpin se levantou, Elanna riu entre dentes
— Vê?
Alpin fez caso omisso da brincadeira. Tinha-a ouvido muitas vezes ao
longo dos anos.
—Se você se encarregar do jantar, eu começarei com os livros agora
mesmo.
Elanna a agarrou pela cintura.
— E o que vai fazer com o outro? Como conseguirá que te diga «sim,
quero»?
Alpin não tinha nem idéia. E o que era pior, uma parte dela suspirava por
ser sua amante, por saber de primeira mão as intimidades que um homem e uma
mulher podiam chegar a compartilhar. Mas não se apaixonaria pelo homem que
lhe tinha roubado seu lar, o trabalho de toda sua vida, e a pouca independência
que possuía.
— Não sei. Terei que ser mais esperta que ele.
— Já o é. Foi mais esperta que todos os homens brancos de Barbados.
Superar a um escocês com saias deveria ser tão fácil como subir a uma figueira.
A lembrança de seu lar fortaleceu a confiança de Alpin.
—Chama-se tartán, Elanna, e é uma vestimenta muito tradicional neste
rincão do mundo. –Se meterá em uma boa confusão se for por aí falando de saias.
Fazendo pouco, Elanna perguntou:
— Também me apedrejarão por isso?
Divertida ante a irreverência de seu amiga, Alpin moveu a cabeça.
54
A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

— Não. Fugirão de ti.


— Não o farão. Estão muito ocupados me olhando e murmurando terríveis
ameaças sobre o que me ocorrerá quando retornar o homem ao que chamam
Saladin.
— Elanna balançou a faca -. Nenhum Bacchra com nome turco vai assustar
a esta princesa Ashanti. Que alguém se atreva a queimar meus papéis de mulher
livre antes que eu volte a dizer: «Sim, senhor; não, senhor; agora mesmo,
senhor.» Elanna dava por feito que Saladin era um homem branco; Alpin nunca
tinha mencionado ao mouro. Poderia explicar-lhe prepará-la para a surpresa de
ver um homem de sua própria raça ali, em Escócia. Mas ao ver o brilho de
obstinação nos olhos de Elanna, Alpin decidiu que sua amiga necessitava uma
pequena lição de humildade.
—O que fará quando chegar?
Elanna passou o polegar pelo fio da folha.
— Provavelmente lhe tire o fígado para fazer um delicioso patê.
Alpin se dirigiu para a porta.
— Não suje muito o chão com o sangue. Temos uma faxineira a menos.
—Não tema. Ah...! O que tenho que cozinhar?
Alpin Respondeu por cima do ombro:
—Muita verdura, Saladin não come carne.
As pernas do banco roçaram contra as lajes de pedra, e os nabos caíram
rodando da mesa, golpeando o chão com força.
—Conhece-o de quando vivia antes aqui.
Alpin agarrou o pomo da porta e a abriu.
—Sim. Estava acostumado a esconder seu tapete para rezar e suas unhas
de martelo junto com sua cimitarra.
—Volta aqui!
Com a furiosa ordem de Elanna ressonando em seus ouvidos, Alpin se
dirigiu rapidamente ao corredor e se encaminhou para o escritório de Malcolm.
Acabava de terminar de comparar o inventário da despensa que tinha feito
a noite anterior com as cifras do livro de contas da casa quando a porta se abriu
de repente e Malcolm entrou. Alpin notou como o pulso lhe acelerava ao lhe ver
resplandecente em seu traje das terras altas, com sua juba negra até o ombro
desordenada pelo vento. De menino estava acostumado a ser compassivo e a
tratava com amabilidade enquanto que outros a tinham por uma parente pobre e
uma menina perversa.
Malcolm ficou rígido ao vê-la. O interesse se refletiu por um instante em
seus olhos, dando lugar a uma fria indiferença. O que tinha passado com aquele
menino sensível e gentil? Como poderia enganar a esse homem sem sentimentos
para que se casasse com ela?
Malcolm começou a tirar as luvas.
55
A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

—Ah!, continua aqui.


Sentada na enorme cadeira, Alpin se sentia pequena e indefesa, E suas
mãos tremiam. Deixou a pena sobre a mesa antes de fazer um borrão de tinta, e
forçando um sorriso, golpeou ligeiramente a página.
—Tem muito grão na despensa e muito pouca carne na geladeira.
Malcolm lhe olhou as costas.
—Parece que nunca tenho bastante das coisas que quero realmente, mas
suspeito que isso está a ponto de mudar.
—Essas palavras soam muito estranhas para um homem nascido entre
riquezas.
—O dinheiro não é tudo.
Aquela era uma crença comum entre os ricos, um triste clichê vindo de um
homem ao qual nunca tinha faltado um teto em uma noite de chuva. Os menos
afortunados podiam lutar por algo melhor, mas ele nunca chegaria a
compreender sua ambição, e muito menos a reconhecer seus lucros.
—Charles estaria de acordo contigo, mas teria acrescentado que o dinheiro
pode inclinar sem dúvida a balança do destino.
—Então espero que você conseguirá equilibrar minha balança.
Alpin tinha desejado muitas coisas na vida, e tinha recebido muito poucas,
mas a dor de suas esperanças frustradas de seus sonhos empanados seguiria
sendo algo dele. Entretanto, a enigmática declaração de Malcolm merecia uma
resposta adequada.
—Serei uma fornecedora excelente, se confiar em meu julgamento.
Um ruído no corredor atraiu a atenção de Malcolm proporcionando a
Alpin uma esplêndida visão de seu nobre perfil. Recordou uma vez mais ao
homem com capa ao que chamava Anjo da Noite.
—Se não acontecer nada, acrescentaremos um «ganho» a nossa agenda
para esta noite, verdade, Alpin? -antes de que ela cometesse a loucura de lhe
dizer o que podia fazer com sua agenda, Malcolm estendeu uma mão,
assinalando para o corredor. Agora me permita que lhe apresente de novo ao
Saladin Cortez.
Alpin seguiu olhando ao Malcolm. Um gesto de preocupação se desenhava
em sua frente, e a tensão mantinha suas mandíbulas apertadas. Mas por que lhe
preocupava tanto a volta de Saladin?
No instante em que o mouro entrou na quarto, a curiosidade de Alpin se
esfumou. Um palmo mais baixo que Malcolm e de constituição mais magra,
Saladin Cortez levava o mesmo tipo de roupas que ela recordava, exceto por
alguns detalhes mais elegantes. Em seu turbante de algodão se destacava um
impressionante rubi do tamanho de um ovo de pomba, e um bordado de ouro
adornava sua túnica marrom e suas calças. Seguia levando suas botas vermelhas
até o joelho, além disso, agora luzia uma exótica barba em ponta.
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A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

Saladin piscou surpreso, com seu inescrutável olhar cravado em Alpin. De


um de seus ombros pendurava uma bolsa de correio, e no outro levava um
cinturão com sua mortífera cimitarra. Embora lhe fosse familiar, a arma parecia
menor do que ela recordava. Observou a bolsa escocesa de Malcolm, e se deu
conta de que também parecia de menor tamanho. A última vez que tinha visto o
Malcolm e ao Saladin, estes eram um par de meninos equipados como homens.
Agora eram dois adultos que levavam os antigos símbolos de suas respectivas
culturas.
—Bem-vinda. -Saladin tossiu, dirigindo ao Malcolm um olhar inquisitivo.
—Sim. Em realidade é muito bem-vinda -disse Malcolm com ligeira
autoridade. — Lady Alpin é agora nossa governanta, entre outras coisas.
Saladin olhou ao Malcolm com interesse, e Malcolm observou a bolsa de
correio. Alpin começou a se sentir uma intrusa. Fechou o livro, levantou-se, e
ficou a ordenar o escritório.
— Passou muito tempo, Saladin -comentou, incapaz de encontrar outras
palavras.
Malcolm fez entrar seu amigo na habitação e lhe estendeu a mão. Saladin
suspirou e, com o que a Alpin pareceu um gesto preocupado, soltou sua bolsa de
pele.
— Más notícias, senhor.
Malcolm pinçou em seguida no saco. O mouro olhou a Alpin. Juntando os
dedos, os levou a frente e se inclinou.
—Passou muito tempo, senhora. Que as bênções do Profeta lhe
acompanhem.
Ela murmurou obrigada, mas sua atenção se desviou para Malcolm, o qual
examinava um punhado de cartas com o sobrecenho franzido. Alpin se
perguntava que classe de más notícias tinha recebido, e de quem. Decidiu que
provavelmente seriam de uma mulher, e se alegrou por ela. Com a esperança de
ferir sua presunção, perguntou:
—Mas bom, senhor Malcolm! O que viu nessas cartas para perder assim a
cor?
Ergueu olhando e a airadamente.
—Conforme acredito recordar, não foi capaz de ler o texto mais singelo
quando foi a Barbados. Agora recita a Shakespeare e nada menos que uma
história de traidores. Pergunto-me por que escolheste uma passagem de Enrique
V.
No fundo, ela queria lhe mostrar que tinha melhorado com os anos.
Entretanto, sua referência à traição a desconcertou por completo. Para ocultar sua
vulnerabilidade, Alpin fingiu estar zangada.
-Tentava te impressionar, mas descobriu. O que posso fazer agora?

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A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

—Sugiro que rogue a Deus misericordioso que te dê paciência para


suportá-lo e verdadeiro arrependimento por todas suas graves ofensas.
De menino estava acostumado a recitar os clássicos com soltura; de adulto
o fazia de forma ameaçadora. Alpin agarrou o livro de contas e o apertou contra
seu peito.
—Suportar o que, senhor?
Malcolm examinou atentamente seu rosto e logo sorriu.
—O que vai ser? Nossa dilatada ordem do dia.
Sentindo-se perdida com muitas insinuações, Alpin se dirigiu para a porta.
—Inclui algum refrigério sua agenda para esta tarde? -Sim. Cerveja para
mim e suco de laranja para meu amigo muçulmano. Encontrará a fruta no Porão
de baixo. -Olhando ao Saladin acrescentou: —E por favor, peça a Elanna que nos
sirva isso.
Alpin cruzou a soleira e ouviu como Saladin perguntava:
—Quem é essa Elanna?
—Uma surpresa, querido Saladin, uma surpresa –disse Malcolm enquanto
fechava a porta atrás dela.
Alpin decidiu informar a Elanna sobre o Saladin pois viu o dano que podia
ocasionar se seguia ocultando-o. Depois de recolher as laranjas, chamou Elanna a
um lado e lhe falou de Saladin. A antiga escrava tinha o mesmo aspecto no dia
que Alpin se apresentou com seu certificado de liberdade. Seu equilíbrio inato se
converteu em entusiasmo infantil.
—É africano?
Doura deixou de amassar os bagos e se aproximou das duas jovens. Alpin
arrastou a Elanna a antecozinha. Barris de carne salgada e um montão de
manjericão fresco perfumavam o ambiente.
—É meio africano — informou Alpin -. Seu pai era mouro, e sua mãe uma
nobre espanhola.
Elanna a olhou fixamente.
—Como chegou até aqui?
—De meninos, ele e seu irmão gêmeo Salvador eram escrivães ao serviço
da madrasta de Malcolm, lady Miriam.
—A diplomática -esclareceu Elanna.
—Sim -assentiu Alpin, trocando-as laranjas de uma mão a outra.
— Dê-me isso antes que caiam. — Elanna fez um saco com seu avental, e
Alpin pôs a fruta dentro -. Quantos anos tem Saladin?
—Tinha doze ou treze quando eu fui a Barbados, ou seja que agora deve
ter trinta e dois ou trinta e três.
—É bonito?
—Eu diria que impressiona. É muito elegante, se você quiser.

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A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

—Hum... -Elanna ficou pensativa-. Deve ser um mouro pobre, já que não
tem harém.
Divertida, Alpin replicou:
—Como sabe se tiver mulheres ou não?
Elanna lhe lançou um olhar de superioridade.
—As criadas do castelo foram muito rápidas em te contar o dessa garota,
Emily e seu soldado. Como não seriam capazes de guardar uma fofoca tão
suculenta como esta embora sua liberdade dependesse disso.
—Não lhe contaram muito sobre o Saladin?
—Eu não perguntei. -golpeou-se ligeiramente o esterno-. Esta princesa
africana aprende observando e escutando.
Alpin afogou sua risada.
—Quando tiver terminado de lhes servir, prepara a poção de amor. E se
lembre de me dizer o que pensa do Saladin.
As explicações foram desnecessárias. Assim que Elanna entrou no
escritório de Malcolm e viu a Saladin, seu rosto refletiu uma ampla gama de
reações, da comoção a um ávido interesse, sobre tudo quando Saladin levou a
jarra aos lábios e seus olhos negros como o carvão se mantiveram fixos na
Elanna; quanto mais a olhava, mais bebia. A jarra estava vazia quando a deixou
sobre a mesa, mas seus olhos revelavam uma sede que nenhuma bebida poderia
aplacar.
— Mais? -perguntou Elanna agarrando a jarra.
Como resposta, ele a examinou de acima a abaixo, detendo-se em seu
pescoço e em suas mãos.
—Sim, acredito que sim.
—É um homem muito sedento -afirmou ela enquanto enchia de novo a
jarra.
—E você é uma surpresa muito interessante. Como chegou até aqui?
Com um tímido olhar, Elanna respondeu:
—Em um navio lento e fedorento, majestade.
O humor se refletiu nos olhos de Saladin.
—Não sou nenhum rei.
Ela observou a Alpin, lhe piscando os olhos.
—Mas é majestoso.
—Sou? -perguntou Saladin.
Ela assentiu, com um gesto que os antigos escravos de Paraíso
considerariam descarado.
—É claro que sim!
—Sim, bom... -Saladin clareou a voz-. Nasceu em Barbados?
Ela deixou a jarra e se postou. Então, pela segunda vez. desde que a
conhecia, Alpin ouviu como dizia:
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A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

—Sou Elanna, a última princesa Ashanti da gente de Kumbassa.


O braço do Saladin se paralisou, com a jarra cheia a três centímetros de sua
boca.
—Pertence à realeza africana? Uma escrava?
O orgulho com que o olhou deu prova de sua nobre linhagem.
—Tem diante de ti uma mulher livre. -Sua elegante fachada se fez pedaços
assim que acrescentou-: É claro que sim!
Saladin moveu a cabeça.
—Amaldiçoe-me se quiser, Elanna, mas duvido que nenhum de nós
chegue a ser livre de verdade.
Ela se voltou para Malcolm.
-É seu escravo? -perguntou com voz aguda e o rosto cheio de
incredulidade.
Sorrindo com benevolência, Malcolm disse com voz afogada:
—Um escravo da filosofia e um servo da teologia.Esse é nosso Saladin.
—Isso não é uma resposta -repôs Elanna-. É ou não é de sua propriedade?
—Nem meu, nem de nenhum mortal.
Ela levantou as mãos.
—Fala com adivinhações. Volto-me para a cozinha.
Saladin a alcançou antes de que chegasse à porta.
—Acompanho-te.
O observou como um canário olharia a um gato, até que ele sorriu. O rubor
voltou a escura pele de Elanna de uma cor mogno.
—De acordo.
—É claro que sim!, -burlou-se Saladin, e lhe pondo uma mão nas costas a
conduziu fora da habitação.
Sentindo-se como uma intrusa, Alpin olhou ao Malcolm e se surpreendeu
ao ver que ele também a estava olhando. Sentado em seu escritório não parecia
tão terrível, mas seu intenso olhar constituía toda uma ameaça. Inquieta, Alpin se
aproximou dele, e se inclinou.
—Por que me olha tão fixamente?
—Estava-te olhando? -Sem lhe dar importância, pôs todas as cartas abertas
em um montão e as escondeu debaixo de um livro. Logo apoiou o cotovelo sobre
a mesa e descansou o queixo sobre a mão. Suas negras sobrancelhas se elevaram
interrogantes.
—O que tem de mau em admirar à formosa mulher que concordou em
compartilhar comigo os prazeres da carne?
Ela desejava golpear com os punhos o escritório e lhe amaldiçoar por
canalha e por ladrão, mas em lugar disso, manteve-se serena.
—Não precisa que esconda essas cartas.
—É porque está ciumenta?
60
A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

Não o estava nem um pouco, mas para aparentar que o desejava,


abandonou sua indiferença e voltou para assuntos mais importantes.
—O que aconteceu entre nós nos barracões bom... rogo-te que entenda que
eu não vim aqui para conseguir seu afeto. — Brandamente, implorou: —É que
não se dá conta?
As pálpebras de Malcolm se fecharam, com umas pestanas tão largas e
espessas que quase abanaram suas bochechas.
—Discutiremos amplamente a razão de sua vinda, mais tarde. depois de
nosso banho.
Outros pensamentos atormentaram Alpin. Necessitava de tempo a fim de
idealizar um plano infalível para conseguir que Malcolm se casasse com ela.
—O que aconteceu foi muito perturbador.
—Uma mínima parte de quão perturbador será o resto.
—Está acontecendo tudo muito depressa, não acha?
— Você me incitou, Alpin. Por que voltar atrás agora?
O tinha animado, e provavelmente lhe tinha dado a falsa impressão de que
tinha muita experiência na arte da sedução. Aquele êxito tão fácil ainda a
desconcertava. Como poderia agora apelar a seu sentido de honra?
—Porque...
— Porque o que? -inquiriu Malcolm, acariciando o bracelete de Alpin.
Exasperada, admitiu bruscamente:
—Porque sou virgem.
—Os olhos do Malcolm brilharam de desejo, — Um incentivo a ter em
conta.
Soava como se estivessem levando a cabo um transação comercial. Alpin,
em que pese a sua inferioridade evidente, negava-se a ser uma conquista fácil.
Ela já tinha decidido qual seria sua oferta, mas primeiro necessitava mais
informação.
—Incentivo? O que quer dizer?
Os dedos de Malcolm iniciaram uma lenta viagem pelo braço de Alpin.
—Se o que diz é verdade, poderia resultar uma tentação considerável, em
alguns círculos.
Os únicos círculos nos que ela era capaz de pensar eram os que seus dedos
estavam desenhando em sua pele. Perguntou-se como podia o desprezar e o
desejar ao mesmo tempo.
—Por que me deseja? Pode escolher entre um montão de mulheres.
—Bastará dizendo que sempre ocupaste um lugar especial e inesquecível
em minha vida.
—Um lugar desonroso -resmungou Alpin-. Ali é onde me quer situar.
—Ao contrário. Tenho a intenção de te honrar dos delicados lóbulos de
suas orelhas até os deliciosos dedos de seus pés.
61
A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

Alpin começou a sentir um formigamento nas partes mencionadas que se


estendeu por todo seu corpo.
—Não sou delicada nem deliciosa. Guarde essas sutilezas para sua amante
Rosina.
—Esquece-a. Foi-se.
—Aonde?
Malcolm apertou os dentes.
—A Carvoran Manor.
—Essa é a propriedade que seu pai estava construindo para ti quando eu
fui. É muito grande?
A mão de Malcolm se deteve.
—Não. Não é nada especial.
Alpin se relaxou.
—Conte-me onde está e como é.
Ele começou a girar o bracelete de Alpin.
—Recorda o poço seco que havia perto da muralha de Adriano?
Convencida de que tinha conseguido distrair sua atenção, Alpin se voltou
mais atrevida.
—Sim, recordo-o. Uma vez me disse que havia um tesouro enterrado ali.
Passei dois dias cavando naquele lugar.
Adotando um ar cômico e inocente, Malcolm deu uns tapinhas na mão de
Alpin.
—Encontrou um par de facas para acrescentar a sua coleção de armas
afiadas.
—Armas? Estavam terrivelmente oxidadas. De todos os modos, foi uma
brincadeira muito hábil de sua parte.
Malcolm entrecerrou os olhos.
—E você não deixa de mudar de assunto com muita habilidade. Diga-me,
Alpin -murmurou-o que quer?
Seu tom sedutor a cativou e baixou a guarda.
—Quero meu próprio lar entre pessoas nas quais possa confiar e chamar
amigas.
—Eu sou seu amigo, e pode confiar em mim.
Disse aquelas palavras com tal sinceridade que o coração de Alpin deu um
pulo. Se era verdade podia renunciar aos subterfúgios.
— Fala a sério?
—Claro. Algo mais que estipular antes de terminar nossas negociações e
celebrar uma larga noite de paz?
Parecia muito seguro de sua capitulação, e se havia algo que Alpin odiava
era que desse as coisas por encerrado.

62
A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

—Tenho milhares de perguntas, e não estou segura de que as queira


responder.
—Pergunte-me o que quiser, Alpin. Eu só te farei uma. Será ou não será
minha?
Não confiava nele, mas se podia o convencer de que seu trabalho e sua
dedicação tinham feito de Paraíso uma plantação rentável, provavelmente o
compreenderia e lhe devolveria o que era seu por direito. Então não teria que
conseguir que se casasse com ela. Além disso, gostava quando falava com
suavidade e sorria daquela forma tão amável.
—Não sei se devo me arriscar a perder meu emprego.
—Desfrutará com suas novas obrigações, embora ao princípio trabalhará
muitas horas. Me toque, Alpin.
Alpin assustada, não viu outra alternativa que fazer o que lhe pedia.
Acariciou sua bochecha e o tato da barba que começava a crescer lhe fez cócegas
na mão. Os olhos de Malcolm brilharam de um modo que Alpin se arrependeu
de sua resolução recém tomada.
—Poderia chegar a passar fome.
Malcolm fechou os olhos com força e virou a cabeça beijando a palma da
mão de Alpin. Com voz queichosa, declarou:
—Agora tenho fome.
O estômago de Alpin se agitou como um barril no oceano. Lutou contra o
impulso de render-se, pensando nas conseqüências que trariam consigo o que
Malcolm lhe propunha.
—E se fico grávida?
Os dedos de lhe rodearam o braço.
—Isso não ocorrerá -replicou energicamente.
—Como pode estar tão seguro? E ainda mais, como posso te acreditar?
Malcolm abriu os olhos e a perfurou com um poderoso olhar.
—Quer apostar de novo? Ao que parece você gosta das apostas amistosas.
Essa era a oportunidade que ela tinha estado esperando. Como qualquer
outra mulher, estava segura de que podia engendrar um filho. Mas como as
arrumaria para apostar a plantação Paraíso contra sua fertilidade? Freou-se não
estava muito disposta a revelar seu desejo mais profundo.
—Pensarei.
—Tem toda a tarde para pensar. Espero que de noite venha para mim.
Alpin o devia deter. Teria que usar suas artimanhas femininas para ganhar
um pouco de tempo. Quando aquela solução tão singela passou por sua mente,
quase se sentiu culpada.
—Está se oferecendo para casar comigo?
Malcolm vacilou. .

63
A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

—Não acreditei que você estivesse disposta -respondeu. A incerteza lhe


infundiu um olhar ardiloso -. É um passo muito importante.
—Isso é precisamente o que quero dizer. Deveríamos esperar uns meses
para pensar nisso.
O entendimento brilhou de forma tênue nos olhos de Malcolm.
—Um mês -grunhiu-. Nem um minuto mais.
Alpin sentiu um alívio fugaz, mas seus pensamentos logo voltaram para
seu grande plano.
—É muito pormenorizado.
—Mais do que acredita, Alpin.
Ela conseguiu sorrir levemente.
—Isso parece muito inquietante.
—Conheço as mulheres. Tenho três irmãs recorda? E agora... -beijou sua
mão uma última vez – sinto ter que te dizer que meus deveres em Kildalton me
reclamam. Por favor, me envie ao Saladin.
Alpin se lembrou das cartas e pensou que provavelmente tinha que as
responder. Aliviada pelo adiamento que acabava de conseguir, deu-lhe um beijo
na bochecha.
—Em seguida, senhor.
Quando ela abandonou a habitação, Malcolm começou a assobiar.
Acreditava havê-la posto em uma situação comprometida. E o tinha feito, mas
não era o único que jogava a esse jogo. A vigiaria muito de perto e descobriria
sua debilidade.
Alpin sabia muito bem como fazê-lo. O castele do Kildalton estava cheio
de túneis e passadiços secretos. Anos atrás, uma menina de seis anos assustada
se refugiou ali.
Hoje, aqueles escuros corredores proporcionariam um posto de escuta a
uma mulher desesperada, e esperava que também os meios para recuperar seu
lar.
Primeiro, tinha que encontrar a chave.

Capítulo 6

Primeiro os problemas com Alpin, e agora esta traição asquerosa—


Malcolm lançou a carta ao outro lado do escritório. Com o selo quebrado
batendo as asas, o papel aterrissou aos pés de Saladin-. Direi-te uma coisa,
Saladin: se esta manobrar política não cessa, John Gordon de Aberdeenshire se
encontrará pendurando de uma soga no Tyburn, igual ao que aconteceu com
Christopher Layer.
Saladin agarrou a carta e a pôs sobre o escritório junto ao resto da
correspondência.
64
A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

— Deveria te alegrar. A execução rápida é um dos poucos elementos


admiráveis da justiça cristã.
Acostumado à irreverência de seu amigo, Malcolm não tomou como uma
ofensa.
— Já posso me esquecer de qualquer esperança de paz -grunhiu.
— Os fabricantes de cordas prosperarão, e as mulheres desfrutarão. Ver
um homem pendurando ressuscita a seus camaradas, não é assim?
— Nada disto tem graça, Saladin. O rei Jorge não tolerará que desafie sua
soberania.
— Um autêntico bárbaro inglês — comentou com regozijo.
— Deveria te sentir como em casa.
Saladin se ergueu em sua cadeira, assinalando as cartas.
— Comprometeram-se Gordon e os outros chefes de clã a usurpar o trono
à Hanover?
Malcolm golpeou as cartas com tanta força que fez mal na palma da mão.
— Me diga o que você acredita. Acaba de passar uma semana com esses
canalhas traidores.
— Sinto dizê-lo, mas estou convencido de que tem motivos para
preocupar-se, meu amigo.
— Continua -disse Malcolm, preparado para o pior.
— Os machos caibros estão em zelo. Seus camaradas escoceses Gordon e
Lovatt não parecem estar interessados em castrar aos veados, ao menos aos que
têm pêlo na gargalhada.
Malcolm se indignou. Desejava tanto que terminasse a discórdia entre os
clãs do norte.
— Sabia. Esses obstinados chefes das terras altas podem encobrir sua
baixeza jacobita sob uma educada retórica, mas o significado dessas cartas está
muito claro.
Saladin assentiu com a cabeça.
— Ouvi-lhe dizer ao conde de Aberdeenshire que tinha perdido a fé em
seu rei ao outro lado do mar conquistasse a coroa por si mesmo.
— Sim. Gordon deixou de lado a Jacob Eduardo, e convidou a seu filho
guerreiro a voltar e recuperar o trono.
—Desde que morreu sua mãe a princípios deste ano, diz-se que o príncipe
se tornou insensível e irado. — Desconcertado pela perspectiva de uma guerra,
Malcolm sacudiu a cabeça-. Outra rebelião jacobita. Um Eduardo católico
levando a coroa. Sonhos de néscios e ações ilegítimas.
— Não esteja tão preocupado, cristão.
Malcolm caminhou até a janela e observou o pacífico ir e vir de sua gente.
Se a luta começava, seus soldados estariam apostados nas alamedas em lugar de
arrumando o telhado. Em vez de dar bolachas aos revoltosos meninos de
65
A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

Kildalton, as mulheres estariam enchendo baldes com água para apagar o fogo
da guerra.
— Seu lindo príncipe não é mais que um moço de quinze anos. Não pode
dirigir um exército -insistiu Saladino.
—Carlos Eduardo não é meu príncipe. Nunca pisou em chão escocês. Mas
não se equivoque: a seus quinze anos já é um perito nas artes de Marte. Thomas
Sheridan lhe deu muito boas aulas, embora o menino não seja capaz de
pronunciar mais de dez palavras em escocês. É um soldado.
Saladin se aproximou e lhe pôs uma mão no ombro.
— É um grande fanfarrão, mas duvido muito que seja um perito guerreiro
-opinou.
Tão somente Malcolm podia superar ao Saladin com a espada, e centenas
de homens o tinham tentado.
— Então te prepare para uma surpresa.
Saladin sorriu, mostrando os espaços entre seus dentes.
-Dou obrigado e elogio a Alá, mas devo recusar. — Deu grandes pernadas
até a cadeira e se deixou cair nela-. Uma surpresa por dia é suficiente para este
humilde muçulmano.
Malcolm se agarrou avidamente a aquela digressão da política escocesa e
disse:
—Suponho que está pensando na encantadora Elanna.
Rindo com bom humor, Saladin acariciou a barba e golpeou o chão com
suas botas.
— Pensar nela? Minha mente está cheia imediatamente de luxúria.
Malcolm apoiou o quadril no bordo do escritório e examinou a seu melhor
amigo. Normalmente estóico e em paz consigo mesmo, Saladin estava agora tão
nervoso como um criminoso frente às testemunhas de suas maldades.
— Acaso ameaça sua promessa de celibato? Saladin fixou o olhar na lareira
apagada.
—Não se desfaz dela antes de minhas orações da noite, o qual me leva a
pergunta em questão. -Voltou a olhar ao Malcolm. —Por que não estão em
Sinclair Manor? Você dispôs que fossem viver com seu tio, o barão Sinclair.
— Lady Alpin me enrolou. — Malcolm expôs os detalhes de seus dois
primeiros encontros.
Saladin riu a gargalhadas.
—Não mudou.
A mentira daquela afirmação fez que Malcolm avermelhasse de ira.
— É claro que sim que mudou. Agora diz que é de minha propriedade.
Saladin pendurou as pernas por cima do braço da cadeira. Suas botas
vermelhas Contrastavam vivamente com o marrom escuro do couro.

66
A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

—Ah, a lei inglesa! -lamentou com grande sarcasmo-. Parece que conhece
muito bem os estatutos. .
— Entre outras Coisas. — «Como me acender o sangue e fazer que meus
pensamentos racionais voem pela janela», pensou Malcolm. Entretanto, chegaria ao
descanso. Uma vez a tivesse em sua cama, aquela obsessão terminaria, a igual à
virgindade de Alpin. Um calafrio percorreu seu corpo ante a idéia de ensinar a
Alpin as diferentes forma de amar.
— Já vejo. — Saladin arrancou uma fibra de erva da sola de sua bota-.
Alexander me disse que sabe cozinhar, o qual é um ponto a seu favor. Além
disso, para ser branca é uma beleza, não acha?
Malcolm resmungou, e depois disse:
—Sim que o é, meu bom amigo africano. Tinha visto alguma vez uns olhos
dessa cor?
— Há vinte anos, não, e não recordo que fossem tão bonitos.
— Eu tampouco.
—Não me diga que pretende seduzir a ela? –Saladin se endireitou de
repente -. Esperava que a casasse com um desses Campbells com a cara picada
de varíola aos que tanto odeia.
Pela primeira vez desde que Alpin tinha tramado meter-se em sua casa,
Malcolm viu uma forma de pôr de novo em marcha seus planos.
— Talvez faça as duas coisas.
— Primeiro a sedução, meu amigo -reprovou Saladin agitando seu dedo
indicador.
Cheio de segurança, Malcolm beijou as pontas dos dedos e elevou sua mão
no ar.
— É obvio.
Saladin pôs os olhos em branco.
—Sinceramente, não imagino Alpin recebendo com gosto seus cuidados.
Antes nunca o fazia. O que era que estava acostumado a dizer? Ah, sim, já o
recordo! -Pôs os lábios como uma truta na rede -. Me dê um beijo de paz, Alpin.
Aborrecido pela lembrança de sua estúpida infância, Malcolm se encolheu
de ombros.
— Diz que sou seu melhor amigo.
—Se acreditar nisso, te darei um mapa para que procure o Santo Graal.
— E eu lhe direi que ponha manteiga de porco em suas tortas de aveia.
—Paz, por favor! -Saladin golpeou a coxa-, e maldita a sorte que tem com
as mulheres. Ela te fez um grande dano e merece sua vingança, mas nunca pensei
que caísse entre seus braços.
— Deve ser a vontade dos deuses.
— E o que diz a encantadora Rosina de sua nova amiga?

67
A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

— Muitas coisas, mas não tenho que escutar. Mandei-a de volta a Carvoran
Manor.
—Muito prudente, considerando as circunstâncias. Um homem sábio
sempre controla a suas mulheres.
A decisão de Malcolm de enviar fora a Rosina parecia extremamente
inteligente.
—Ou as tem em um número prudente, mas isso já não importa. Agora que
tornaste, Rosina não demorará para agarrar um navio. Por desgraça estas cartas
têm que chegar a Itália.
— Não se surpreenda se John Gordon te faz uma visita.Parecia muito
impaciente por obter uma resposta.
— Faz muitos anos que está impaciente, mas nunca o bastante para vir ao
sul -declarou Malcolm.
Saladin fez uma careta.
—Agora tem motivos. Também retirou sua aprovação para os esponsais de
sua filha com o filho de Argyle.
Jane Gordon era a herdeira mais solicitada da Escócia, e conforme diziam
alguns, a noiva mais rica das Ilhas Britânicas. Mas no caso de Malcolm, Jane
estava proibida, pois uma aliança entre o conde de Kildalton e o poderoso clã
Gordon uniria a fronteira e as terras altas, virtualmente meia Escócia. O rei tinha
proibido esse matrimônio fazia muitos anos, e se voltava a expor-se, suspeitaria
que havia problemas na Escócia.
— Pobre garota! -compadeceu Malcolm -. Desde o dia em que a batizaram,
seu pai esteve tentando permutá-la por toda Escócia e França.
—Acredito que te proporá o matrimônio. Perguntou-me se tinha
encontrado uma noiva. Quando lhe disse que não, interessou-se por seus pais.
Disse-lhe que estavam no estrangeiro por assuntos do rei. Durante um momento
ficou em silêncio.
— Estaria calculando.
— Isso acredito. Sorriu e se desculpou. Logo se foi em busca de lorde
Lovatt, que estava jogando xadrez com o conde de Mar.
—Só o fato de que os três estejam juntos é mau sinal, embora seja em
temporada de caça.
— Lovatt perdeu seu interesse na partida de xadrez. -Deveria informar a
Lady Miriam -disse Malcolm. -Tem te ensinado muito bem. Conseguiste manter
a raia aos jacobitas desde que ela se foi a Constantinopla. Por que preocupá-la
agora?
— Porque me pediu que o comunicasse tudo em seguida. Se este tentar
levar a combate ao príncipe Carlos tem êxito e o afeta negativamente a ela, eu me
sentirei responsável. Seus colegas masculinos no corpo diplomático sempre estão
procurando a oportunidade de desprestigiá-la.
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A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

— Lorde Duncan se encarregará de qualquer homem que trate de


desacreditá-la -sussurrou Saladin calmamente.
Malcolm estava de acordo. Seu pai se bateria em um duelo a morte por
defender a lady Miriam. Com tão somente um olhar, seu pai era capaz de
infundir o temor de Deus no próprio rei Jorge.
— É verdade, mas se meus pais têm que sofrer as conseqüências deste
assunto tão perigoso, e não duvido que assim será, ao menos deveriam conhecer
os detalhes.
—Como os fará chegar?
Malcolm agarrou uma folha de papel em branco.
— Uns quantos parágrafos de sofisticada retórica.
Saladin soltou uma gargalhada.
— O primeiro idioma de lady Miriam.
Malcolm riu com ele.
— Não esqueça que ela intercedeu muitas vezes em nosso favor.
— E salvou nossas indignas peles dos açoites.
— Já basta deste assunto. Me conte mais coisas da Elanna. É de verdade
uma princesa africana?
— Bom, é o bastante obstinada para ser uma Ashanti.
À vista de seus próprios problemas com Alpin, Malcolm agradecia a
companhia de outro homem apaixonado.
— Começo a acreditar que todas as mulheres são obstinadas -disse.
—Quando as relega à categoria de ornamentos temporários de seu
dormitório, é normal que algumas protestem.
Malcolm agarrou um punhado de areia de uma caixinha de prata e a
pulverizou sobre a mesa.
— Me permita que duvide do conselho de um homem que se deitou aos
quinze anos com sua primeira e última mulher.
— Já conhece meus motivos.
—Sempre respeitei sua objeção a mesclar as duas raças, mas já não tem
sentido. Falando figuradamente, e sem ânimo de ofender ao Profeta, a montanha
veio a Mahomé.
Saladin se desabou.
— Os dois estamos metidos em uma confusão.
— Eu não. Não necessito de uma companheira permanente.
A boca de Saladin se converteu em uma linha branca.
— Isso é falso, amigo. Necessita-a, mas é tão nobre na hora de escolher
esposa, sabendo que não pode... –interrompeu-se, apartando o olhar.
— Lhe dar um filho? — Malcolm terminou a frase por ele.
Nunca engendraria a um filho que esgrimisse uma espada de madeira e
liberasse batalhas imaginárias. Nunca poderia engendrar a uma filha que
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A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

trespassasse flores e caçasse mariposas. A melancolia lhe roubou o fôlego,


embora conhecesse a futilidade da auto compaichão.
Alpin lhe tinha castrado, e tinha que pagá-lo. Logo que colocasse a Rosina
e às cartas em um navio, reataria a conquista de Alpin MacKay.
— Já basta de falar de minhas delicadezas para com o belo sexo. Falemos
das tuas. O que pensa fazer com nossa princesa africana?
Soou um sino, indicando que alguém tinha entrado no túnel detrás da
biblioteca. Saladin saltou da cadeira.
-Que diabos...?
Malcolm levou o dedo aos lábios.
Somente existiam duas chaves. Malcolm revolveu seu escritório até
encontrar a sua. A outra a guardava a senhora Elliott, e isso significava que agora
a tinha Alpin. Ela tinha recordado a disposição do pátio do castelo antes de que
construíram os novos barracões. Provavelmente se lembrava também dos túneis.
Tinha-os percorrido inumeráveis vezes quando era menina.
Malcolm moveu os lábios indicando ao Saladin o nome de Alpin.
Franzindo o sobrecenho, o mouro sussurrou:
-Por que? O que faz?
Malcolm se encolheu de ombros e logo aproximou a mão ao ouvido para
indicar que lhes estava escutando.
— Está-nos espiando?
Zangado por sua intrusão e de uma vez curioso por saber o que pretendia,
Malcolm assentiu. Logo considerou com cautela suas diferentes opções. Era uma
grande oportunidade para encher a cabeça de Alpin com informações falsas.
Sorrindo, sussurrou:
—Agrademo-la.
Com um sorriso zombador, Saladin abriu a mão, com a palma para cima,
olhando ao Malcolm.
Aproximando-se mais para que ela pudesse lhe ouvir claramente, Malcolm
se deteve junto à biblioteca e falou em um tom alto e claro.
— Nossa Alpin sem dúvida se converteu em uma beleza. Não acha,
Saladin?
Dentro de um nicho do escuro e úmido corredor, Alpin escutou com
ansiedade as palavras de elogio.
—É verdade -ouviu-lhe dizer ao Saladin-. Parece que a vida na ilha lhe
sentou muito bem.
—Sim, mas estará melhor aqui, onde ela pertence.
—Que planos tem?
— Não me disse. Eu gostaria de pensar que está contente sendo minha
governanta.

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A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

«Não até que as mangas cresçam nas figueiras», pensou Alpin. logo que
conseguisse Paraíso, iria no primeiro navio.
Saladin riu.
—Acredito adivinhar como se sente tendo Alpin tão perto.
— Tê-la tão perto sem dúvida excita minha imaginação. Só espero que não
o descubra.
—Que não descubra o que? -perguntou Saladin.
Malcolm disse algo em escocês, língua que Alpin nunca tinha aprendido.
— Os dois sabemos que sente algo especial por ela -replicou Saladin em
inglês-. Nunca me ocorreria dizer-lhe mas estou seguro de que suspeita algo.
—Por que o diz? -interrompeu Malcolm.
Alpin olhou para a negra escuridão, completamente transbordada pela
confusão e a curiosidade.
— Pela forma em que a olha.
—Como a olho? -Embora Malcolm falasse com calma, Alpin não deixou de
notar a acusação em sua voz.
— Parece um homem faminto esperando o primeiro prato de um banquete
-disse Saladin-. Não me olhe assim. Eu não escolhi o menu.
— Mas você adora lombriga nesta situação.
— Confesso-me culpado. Me diga, meu amigo, acordou lady Alpin seus
sentimentos libidinosos?
—Se não souber, logo o descobrirá. Tenho um plano.
Completamente atenta, Alpin avançou um passo mais. O dedo gordo do
pé golpeou algo duro e afiado. Esqueceu-se do maldito limpa barros. A dor
ascendeu rapidamente pelo pé, e teve que morder o lábio para afogar um
gemido.
—O que foi esse ruído?
Estremecida de dor, Alpin se apoiou contra a parede, tirou a sapatilha e
esfregou os dedos.
—Que ruído? -perguntou Saladin.
— Pareceu-me ouvir algo no túnel.
Alpin conteve a respiração. Teria gostado de os ver, mas a porta secreta
tinha sido feita com tanta habilidade que nem um raio de luz penetrava para o
túnel.
— Me passe essa lanterna e verei o que ocorre.
Alpin se estremeceu, colocou de novo o sapato e retornou ao nicho. Uma
vez no próprio túnel, procurou provas a parede e quando se orientou, tocou a
chave dentro do bolso.
— Provavelmente será um rato -comentou Malcolm.
— Desde quando há ratos em seu castelo?
—Suponho que desde que morreram as serpentes.
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A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

«Serpentes!» Alpin tentou escutar o som daquelas criaturas escamosas


deslizando-se pelo sujo chão de pedra. Os joelhos ficaram paralisados.
— E se as serpentes não morreram? E se se multiplicaram?
—Impossível -respondeu Malcolm-. Eram dois machos.
— Como sabe? Pareciam iguais, inclusive nos dentes.
« Dentes!», pensou Alpin.
— O vendedor de serpentes do mercado de Barcelona me disse isso. .
—E você areditou nesse estelionatário? Também tratou de te vender a
coroa da rainha Isabel.
— E quase te vendeu sua própria espada. – Malcolm soltou uma
gargalhada-. Esteve a ponto de a comprar.
—Onde estávamos? Ah, sim! Estava a ponto de me contar seus planos para
com Alpin.
A voz de Malcolm se converteu em um som indecifrável. Alpin subiu de
novo ao nicho e pegou o ouvido à pequena porta por onde antes se deslizava
com facilidade. Mas tinham passado muitos anos. Naqueles tempos era uma
menina desesperada e sozinha. Agora se tinha convertido em uma mulher
desesperada e cheia de raiva, que não podia entender nenhuma maldita palavra
do que Malcolm estava dizendo. Saladin soltou um assobio e disse:
— Estou surpreso por suas ardilosas idéias.
«Que idéias?" perguntou-se uma Alpin impaciente, que lutava por superar
o medo e acalmar sua respiração.
— Ouviste algo? -perguntou Malcolm.
—Outro ruído no passadiço? Provavelmente seja o fantasma do Senhor da
Fronteira, que tornou para perseguimos.
-Ora! -exclamou Malcolm-. Nunca foi mais que um fantasma.
Alpin sabia muito bem de quem estavam falando. Só vendo o Malcolm
Kerr de adulto soube que o Senhor da Fronteira e seu Anjo da Noite eram a
mesma pessoa. Mas por que precisamente Malcolm, entre tanta gente, não
conhecia a verdadeira identidade daquele legendário e misterioso indivíduo?
—Sempre me perguntei -disse Saladin— se era real ou só uma lenda criada
pelos pais para fazer que seus filhos se comportassem bem. .
— Você se pergunta sempre por tudo, das estrelas do firmamento até a
queda do homem.
—Por favor -disse Saladin arrastando as palavras-. Do que estávamos
falando?
«Estavam falando de mim!», disse-se Alpin amaldiçoando ao canalha do
Malcolm. Será que alguma vez descobriria seu plano?
— Estávamos falando dos insetos do passadiço. Tenho uma idéia. — A voz
do Malcolm se voltou mais débil, como se se tivesse afastado para o outro lado

72
A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

da quarto -. Você vê pela entrada principal do túnel. Eu entrarei engatinhando


por esta portinhola. Afugentaremos a esses insetos fora do túnel, até o jardim.
Alpin notou como o coração lhe subia à garganta.
Podia escapar pelo mesmo caminho que Malcolm acabava de descrever,
pois anos atrás tinha utilizado a porta do jardim para acessar ao castelo. Podia
correr túnel abaixo, pelo negro corredor, atravessar a porta de ferro e sair ao
jardim. Ou seguir o túnel até as escadas da torre e esconder-se ali. Mas a idéia de
entrar na quarto que uma vez tinha constituído seu lar secreto a inquietou mais
que a perspectiva de enfrentar a um rato.
—Não quero ratos no jardim -declarou Saladin-. Ali é onde rezo minhas
orações a Alá.
—Só tem que trazer a cimitarra. Nenhum rato terá a mínima possibilidade
ante essa folha tão afiada.
— Não penso entrar nesse túnel.
—Por que não? Acaso tem medo? Acreditava que os mouros fossem muito
valentes.
— Embora as serpentes tenham morrido e os ratos não se atrevam a sair,
lembro muita bem sua afeição em pôr armadilhas.
«Armadilhas! OH, Deus...! Onde me coloquei?», perguntou-se Alpin. e
quando voltariam a falar dela?
— Isso foi à muitos anos. Tirei-as todas. –Saladin soprou com
incredulidade-. Acha que seria capaz de deixar algo tão perigoso em um lugar
onde um criado inocente pudesse resultar ferido? .
— Provavelmente não, mas já ninguém usa os túneis. Eu mesmo, por
exemplo.
— Ninguém exceto essas aranhas peludas de patas largas -acrescentou
Malcolm.
Aranhas? E o que? Alpin não temia às aranhas.
— Umas criaturas asquerosas. -A voz de Saladin vacilou, cheia de
repugnância.
— Não me diga que te assustam os insetos.
—Sim, trata-se de uma aranha como a que lhe fez à senhora Elliott aquela
terrível picada faz um par de anos. Esteve a ponto de morrer.
«Aranhas venenosas! », Alpin começou a suar, estava gelada pelo medo.
Ouviu-se ranger o couro de uma cadeira; um dos dois homens se levantou. Alpin
se disse que devia manter a calma. Inclusive as aranhas venenosas eram
assustadiças e se escondiam da gente. Ou não? Não estava segura, mas sabia que
tinha o tempo justo para escapar, se não tropeçava e caía no tecido de uma...
— Por que não acabo de me convencer de que esses insetos estão mortos?
-perguntou-se Saladin.
— Ofende-me. Sou um homem de palavra.
73
A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

— Também está muito ansioso por me colocar nesse túnel. Tenho a


sensação de que quer que me caia de bruços com uma de suas cordas.
«Hurra pelo cepticismo do Saladin!», felicitou-lhe mentalmente Alpin.
— E não tenho idade para essas travessuras.
— Então jura-o por sua honra como nono conde de Kildalton.
Por isso se referia a Alpin, Malcolm Kerr, conde ou não, carecia de honra.
Não lhe acreditaria embora jurasse pelos ossos de Cristo.
— Dói-me que não me acredite.
— Digamos que te conheço faz muito tempo e não estou de tudo
convencido.
— Espera -pediu Malcolm-. Volta a te sentar. Direi a Alpin sobre os ratos.
Ela saberá o que fazer.
— Nunca imaginei que te ouviria cantando seus louvores.
Por fim descobriria o que se escondia na mente de Malcolm, pensou Alpin.
— Os tempos mudam, e a gente também. – Alpin quase pôde ver como se
encolhia de ombros.
Saladin riu.
— Certamente tem algumas mudanças preparadas para ela.
«Que malditas mudanças?» Será que alguma vez deixariam de dizer
ambigüidades? Era como se soubessem que ela os estava escutando. Alpin
desprezou a idéia. Não podiam saber que ela estava no túnel.
— Onde está? -perguntou Saladin.
—Montando a cavalo, acredito. Se encantou com um ruço pintalgado.
— Esse cavalo castrado é muito fogoso. Acha que poderá dirigi-lo?
— Espero que sim. Eu não gostaria de ver a moça ferida. Estou seguro de
que o barão teria algo a dizer a respeito.
<<O barão!» Para ouvir mencionar a seu odiado tio.
— Outra vez esse ruído.
— É sua imaginação. Aí dentro não há mais que espíritos de ratos e
aranhas.
Alpin se estremeceu.
— O que dirá Sinclair de que Alpin viva aqui em vez de com ele? Ele é seu
único parente.
— Ainda está na Irlanda desfrutando de seu neto.
— Não há dúvida de que desde que sua madrasta o derrotou mudou
muito. Mas quererá saber que Alpin está aqui.
— Sim. Pode ser que lhe avise, mas suponho que antes deveria consultar
lady Miriam.
— Contará a lady Miriam e ao barão o que acaba de me dizer?
«Que diabos tinha dito Malcolm?», perguntou-se uma vez mais Alpin.

74
A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

— Não acredito — respondeu Malcolm com um tom sedoso que fez vacilar
Alpin. — Eu gosto de guardar meus planos com respeito a ela para mim.
— Deixo-te com sua correspondência — disse Saladin. — É a hora de
minhas orações.
Quando ouviu que a porta se abria e se voltava a fechar, Alpin retrocedeu
sobre seus passos e saiu do túnel. Uma vez no corredor, deixou-se cair no antigo
trono da família e respirou aliviada. Sua excursão pelas entranhas do Castelo de
Kildalton não lhe tinha servido de muito. Só sabia que Malcolm tinha planos com
respeito a ela, e estava decidida a averiguá-los.
O sentido comum lhe dizia que tinha as ferramentas perfeitas, mas lhe
permitiria as utilizar sua consciência?

Capítulo 7

Mais tarde, naquele mesmo dia, com os muros do castelo de Kildalton a


suas costas e o lenço ondeando ao vento, Alpin segurou as rédeas até que o
cavalo tordo diminuiu o passo. Doíam-lhe as pernas e o traseiro; era lógico, pois
não montava a cavalo desde que deixou Paraíso.
Paraíso. Invadiu-a uma onda de nostalgia, fechou os olhos e evocou os
céus azuis, a exuberante vegetação e o oceano de cana de açúcar. As lágrimas
rodaram por suas bochechas. O contato da fria brisa sobre a pele úmida lhe
recordou que não estava já nas quentes terras tropicais, a não ser muito mais ao
norte. Quando lorde Duncan Kerr, o pai de Malcolm, meteu-a em um navio fazia
mais de vinte anos, Alpin não tinha nada para trás. Abraçou Barbados com o zelo
de um explorador que acaba de descobrir um novo território inexplorado. Seu
território. Seu próprio novo mundo. A gente dali dependia dela, que tinha feito
aos escravos uma promessa de liberdade. A sua volta, elevaria de novo a
bandeira da emancipação. Os serventes contratados veriam como seus anos de
duro trabalho culminavam com o prometido presente de uma parcela de terra, e
com a independência. Sob a supervisão de Henry Fenwick, Paraíso veria
transcorrer lentamente os meses depois da colheita, e se era necessário,
esperariam Alpin para plantar de novo.
Quando a crescente solidão lhe arrancou um soluço; Alpin soube que
precisava reunir toda a coragem. Pensar em injustiças passadas e em futuras
recompensas não faria mais que entorpecer sua volta a Paraíso. Ainda assim, era
muito injusto que Malcolm possuísse tanto enquanto ela tinha tão pouco.
Malcolm. Sentiu um vazio ao pensar nele; em seus sorrisos burlescos em
lugar do sarcasmo cheio de desprezo que ela tinha esperado, atraente a que ela
sucumbia quando pensava que se sentia imune ao amor. Suas lembranças dele se
limitavam aos banhos em um lago de água fria ou à busca da pedra perfeita

75
A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

sobre a qual saltar. Em dias chuvosos, brincavam de esconde-esconde nos


corredores ocultos do castelo.
Como a veria ele agora? O que recordava de sua infância juntos? Falava de
pernas de pau quebrados e beijos roubados, mas quando a agarrou entre seus
braços, seduzindo-a com a habilidade de um homem, Alpin notou uma raiva que
não entendeu. Com a facilidade de um mascate que atrai aos passageiros de um
navio recém-chegado ao porto, Malcolm a estava cativando. Entretanto, às vezes
sua atração por ela parecia superficial, como se ainda interpretasse um de seus
papéis.
A Alpin lhe escapavam os motivos de uma tática tão cruel. A não ser que
se tratasse do incidente das vespas. Mas então só tinha seis anos. Era impossível
que Malcolm lhe tivesse guardado rancor durante tanto tempo. Não lhe tinha
feito nenhum dano irreparável.
Ela era a órfã, a menina pobre que tinha sido arrancada do leito de morte
de sua mãe para ir viver sob o cuidado de seu indiferente tio, o barão Sinclair. A
princípio, seus pesadelos e seus choros mantinham acordada a sua família
adotiva. O menosprezo que lhe demonstravam lhe tinha feito mais dano que a
indiferença da mulher que havia a trazido para o mundo e que logo tinha
morrido, uma viúva com o coração quebrado e sem um centavo.
Para escapar das brincadeiras e as zangas de seus novos parentes, Alpin
agarrou suas escassas posses uma moeda da sorte, uma mecha do cabelo de sua
mãe, e uma coleção de facas e se instalou em uma esquina dos estábulos de
Sinclair Manor. Na buliçosa e concorrida casa ninguém sentiu falta dela.
Aprendeu a escutar uma canção de berço no mugir de uma vaca leiteira, e
procurou consolo ajudando a criaturas feridas, sem dar-se conta de que ela
mesma era uma delas.
Depois, em uma fria tarde de inverno, em um lugar não muito longe de
onde agora estava, seu Anjo da Noite a encontrou e lhe ensinou que os meninos
deviam ser amados e alimentados.
Ao ver o Malcolm convertido em um homem, por fim tinha descoberto a
identidade da primeira pessoa que lhe tinha mostrado afeto. O pai de Malcolm se
preocupou por ela. A lembrança de seu misterioso salvador acendeu de novo sua
coragem.
Secou as lágrimas, engolindo sua tristeza. Que o diabo levasse ao Malcolm
Kerr. Ela podia, e ia tirar o maior partido de sua estadia nos Borders. Desfrutaria
quanto pudesse na terra que tinha deixado tantos anos atrás.
A urze e a aulaga cresciam entre um campo de samambaias de algodão,
perfumando o ar com o inesquecível aroma de Escócia. Na distância, a muralha
de Adriano serpenteava através da terra como a nua coluna vertebral de um
enorme réptil. Em outro tempo, Alpin se tinha divertido naquelas ruínas
romanas.
76
A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

Com a esperança de reviver aqueles dias, guiou o cavalo pelo estreito


caminho que freqüentemente tinha percorrido de menina. Era o caminho da
liberdade que conduzia ao castelo de Kildalton.
Uma família de urogallos vermelhos atravessou precipitadamente o
caminho, escondendo-se por detrás da parede protetora de um matagal de sarças
do ano anterior. Um rebanho de ovelhas famintas nem a olhou quando passou a
seu lado, mas um par de cervos com a incipiente gargalhada cheia de pêlo
levantaram a cabeça e depois correram a refugiar-se em um bosque.
Ao aproximar-se do desmoronado muro de pedra, surpreendeu-lhe
encontrá-lo mais pequeno e mais quebrado do que recordava. Mas naqueles
tempos todo era enorme para a «anã», nome com que a conhecia.
Alpin deteve o cavalo e se deslizou por um flanco, com os dedos
obstinados à cadeira e os pés pendurando no ar. O salto sacudiu seus tornozelos.
O cavalo deu um passo a um lado e se aproximou de um atoleiro. Com os joelhos
trêmulos, Alpin lutou por manter o equilíbrio; uma vez mais desejou ser o
suficientemente alta para desmontar sem problemas.
Rindo-se de si mesma, encontrou um pau e começou a virar as pedras. A
familiaridade daqueles arredores a envolvia agradavelmente: o velho caminho e
a abertura na muralha; os montões de terra que os romanos tinham movido e a
natureza havia a acolhido cheia de beleza; os pássaros dos prados que voavam
velozmente sobre sua cabeça, transportando o alimento para suas crias enquanto
os ardilosos corvos encapuzados os observavam; e aquela brisa constante que
inclusive no verão lhe descascava a pele.
— Oh, lady Alpin? O que há nessas rochas que atraem tanto sua atenção?
Malcolm Kerr. Inclusive em meio de um furioso furacão, teria reconhecido
sua voz. Sujeitando o pau com força, voltou-se para ele, sobressaltando-se uma
vez mais ante sua beleza. Vestido com todos os atributos e insígnias das terras
altas e montado em um semental branco de pura raça, parecia um poderoso rei
ao mando de tudo o que sua vista podia alcançar.
— Acredito que tem uma saudação para mim -disse Malcolm.
A vontade que Alpin tinha em resistir ao homem atraente ameaçava
desmoronar-se igual à muralha que Malcolm tinha a suas costas. Aterrada ante
sua própria debilidade, Alpin colocou o pau sob o braço e se aproximou dele.
— Tem toda minha atenção, senhor, e minha mais cordial saudação.
Malcolm arrumou a boina, adornada com três plumas de águia e com uma
pequena cópia do escudo de seu clã, um sol radiante de prata.
— Igualmente. O que está fazendo aqui? Me espionando outra vez?
— Outra vez? Eu cheguei aqui primeiro. Você é que estava me espionando.
Malcolm apartou o olhar, como se houvesse dito algo inconveniente. Logo
desceu do cavalo com uma agilidade que despertou a inveja de Alpin.
— Um de seus passatempos favoritos, se mal não recordar.
77
A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

-Se mal não recordar -disse Alpin caminhando até um ponto perto do
muro-, este era meu território. -Desenhou uma linha no barro-. E esse era o teu.
Malcolm lhe dirigiu um descarado sorriso zombador, com seus olhos de
cor de carvalho brilhando desafiantes.
— Então estou violando seu território.
O coração disse a Alpin que se converteu em um invasor muito perito, mas
seu orgulho lhe assegurava que também nisso podia lhe superar.
— Uma de suas ofensas menores, estou segura.
— Sim? E suponho que você é a Santa que recitará todos meus pecados.
— Só uns quantos. Devo falar com suas outras mulheres para conhecer o
resto.
— Não cometi nenhum pecado contigo agora que é uma mulher. Embora o
tentei.
— Tem muita lábia, Malcolm. O que está fazendo aqui?
Ele assinalou ao outro lado da muralha.
— Acontece que às vezes vivo ali.
Alpin subiu em cima das pedras e olhou ao outro lado do muro. Na
distância, perto de um lago onde estava acostumado a ir pescar, viu um caminho
muito trilhado que conduzia a uma pequena propriedade. Entrecerrou os olhos
para distinguir os detalhes, mas estava muito longe. Então recordou.
-É Carvoran Menor.
-Sim.
Sentiu de novo um vazio no estômago.
— Tem ali a sua amante.
— Tinha. Partiu.
Alpin apertou os lábios para não sorrir.
-Ah! Quanto o sinto! Deve estar desconsolado.
Malcolm girou a boina enquanto seus olhos inspecionavam lentamente o
traje de montar de Alpin. Duvidando se a estava julgando a ela ou a seu traje,
ficou à defensiva.
— Por que me olha assim?
— Porque a ver com calças de pele significa um grande consolo para
minha perda. Sobre tudo daqui.
Só lhe estava tirando o sarro. Alpin riu e saltou ao chão.
— Não sei se é um pícaro de primeira ou um bufão engenhoso.
— Provavelmente seja ambas as coisas.
— E provavelmente eu seja uma rainha em vez de uma donzela sem lar.
O sorriso de Malcolm se desvaneceu.
— Por que sempre faz isso, Alpin?
— Fazer o quê?
— Falar com crueldade de sua vida para que eu me compadeça de ti.
78
A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

O orgulho a voltou temerária.


— Está equivocado. Não quero sua compaixão nem a de ninguém.
— Então o que é o que quer?
«Meu lar>>, exclamou seu interior.
— É justo que me diga isso -arreganhou-a Malcolm. — Eu nunca te menti.
Surpreendida por sua franqueza e procurando uma resposta adequada,
Alpin jogou uma olhada aos arredores.
— Quero o cofre com ouro dos romanos que sempre procurava.
Malcolm ficou terrivelmente sério, penetrando Alpin com o olhar.
— Já sabe que descobrirei. Não pode me esconder nenhum segredo.
O tom ameaçador de sua voz a alarmou.
— O que te faz pensar que estou te escondendo algo? Malcolm piscou os
olhos.
— Sou seu melhor amigo, recorda? E também serei seu primeiro amante.
Alpin se sentiu como um animal, encurralada por sua virilidade e
apanhada em sua própria insensatez.
— Não consigo me imaginar como o objeto de suas fortes inclinações.
Dando um passo para frente, Malcolm lhe ofereceu a mão.
— Não é justo jogar na cara de um homem suas próprias palavras, e eu não
penso em ti dessa forma.
— Da forma em que pensa em Rosina?
— Não penso nela absolutamente.
— Não espere que me sinta adulada. É muito inconstante.
Malcolm agarrou o pau que Alpin tinha na mão e o lançou a um lado; logo
tomou pela cintura, aproximando-a dele.
— Não, Alpin. Posso ser fiel à mulher adequada. Para falar a verdade,
estou intrigado pelo que vejo e de uma vez não vejo.
Malcolm se inclinou sobre ela, mas Alpin já estava acostumando a
contemplar a insígnia do clã que sujeitava o tartán em seu ombro.
— O que é o que não vê? -perguntou ela.
Um amável sorriso suavizou a masculinidade de Malcolm.
— Você me perguntou se tentava te culpar de todo o mau que me
aconteceu na infância. Acredito que acontece o contrário.
Ela lutou por manter o sarcasmo em sua voz.
— Do que ia eu te culpar?
— Digamos que tenho a sensação de que me odeia porque nasci em uma
boa família.
Malcolm estava muito perto de adivinhar seus motivos. Perigosamente
perto.
— Faz com que pareça superficial e mimada.

79
A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

Malcolm se inclinou mais para ela, tanto que Alpin pôde distinguir cada
uma de suas pestanas e sentir seu quente fôlego.
— Então me mostre quem é de verdade. Me diga porquê veio em busca de
meu amparo.
Falar um pouco à verdade parecia o mais apropriado, considerando o
rápido que lhe pulsava o pulso e o muito que desejava jogar os braços ao pescoço
para assegurar-se de que tinha esquecido a sua Rosina.
— Você, me proteger? Tentou me seduzir no primeiro momento.
— Há coisas que nunca mudarão, como sua habilidade na arte da evasão.
Tinha que conseguir separar-se um pouco. Alpin sabia que se poderia
nervosa se não o fizesse, assim se virou para o muro.
— Já sabe por que vim a você.
— Porque não tinha outro lugar aonde ir? Não acredito. Podia ter ido a
Sinclair Manor.
A crueldade que tinha sofrido durante aqueles anos alagou de novo seu
coração. Virou-se rapidamente para ele.
— Sim! Odiava viver ali e escapava sempre que podia.
— Mas ao menos podia ter parado para fazer uma visita. Se o tivesse feito,
acredito que teria ficado ali.
— Antes voltaria a viver no quarto de sua torre.
Malcolm moveu a cabeça lentamente, com um olhar profundamente
decepcionado.
— Vê-o? Tem feito de novo. Sinto muito, Alpin, que tivesse que procurar
refúgio em um quarto sem janelas, e lamento que tivesse que roubar comida, mas
nada disso foi minha culpa.
Aquela observação tão certa a fez vacilar. Não esperava honestidade por
parte de Malcolm Kerr, mas tinha razão a respeito dos métodos que ela
empregava, e não pôde deixar de reconhecê-lo.
— Obrigado por me dizer isso não foi sua culpa que fugisse de meu tio.
-Entretanto, ele tinha feito com que perdesse Paraíso, mas antes de confessar essa
verdade ganharia a vida servindo em um botequim. Aquela alternativa não
podia ser mais irônica, pois se ele era capaz de descobrir seus métodos, ela
também podia aprender a esvaziar um barril. Engolindo seu orgulho, Alpin lhe
ofereceu a mão.
— Perdoa-me?
Ele a agarrou, percorrendo seus nódulos com o polegar.
— Aceito as desculpas. Provavelmente interesse saber que a família de seu
tio mudou.
— Certamente -disse Alpin sarcásticamente-. Agora seus parentes pobres
vivem em uma pocilga.

80
A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

— Está equivocada. Graças às negociações de minha madrasta, todas suas


primas se casaram muito bem e partiram. Seu tio está na Irlanda. Poderia ter uma
asa da casa para ti sozinha.
— Por acaso quer que vá até lá? -perguntou Alpin, suspeitando de repente
daquela informação tão entusiasta.
A mão de Malcolm subiu pelo braço de Alpin.
— Não. Quero você em minha cama.
Ela suspirou; a cada momento que passava crescia sua confusão.
— Acredito que já não te conheço. E entretanto, ele parecia conhecê-la
muito bem.
— Outra hábil evasiva. A segunda do dia, acredito.
De algum lugar a suas costas, Alpin ouviu um cordeiro chamando a sua
mãe. Aquele balido ressonou em sua própria mente desorientada. Decidiu dizer
a Malcolm o que queria ouvir e terminar de uma vez.
— Prefiro ficar contigo.
Ele se aproximou mais. Alpin percebeu o aroma de sândalo, a fragrância
masculina que inclusive quando era um menino preferia às demais.
— Então, admite que estou fazendo progressos? -perguntou Malcolm.
Um embaraçoso rubor acendeu as bochechas da jovem.
— Admito que é muito ousado.
Malcolm ficou a fazer graça com um gesto tão adorável que anos atrás
fazia com que as visitas lhe beliscassem suas frescas bochechas. Alpin, pelo
contrário, sentiu uma terrível gana de lhe dar um murro no nariz.
— Quando aprenderei a me comportar? -disse Malcolm.
Alpin encolheu os ombros ante sua encantadora representação.
— Provavelmente quando o tempo já não faça estragos sobre este muro. —
Alpin agarrou um punhado de terra de entre as pedras. — A argamassa está
desfazendo.
Malcolm abriu a boca e logo voltou a fechar. Apertando a mão de Alpin,
disse:
— Evasão número três. Acredito que estávamos falando de que mais
deseja, além de um lar e um trabalho honesto.
Se pensava enganá-la com suas más inteções, não teria êxito. Alpin estava
disposta a controlar o cortejo.
— Tem alguma queixa?
— Só uma. — Malcolm lhe acariciou o extremo de seu lenço sobre a orelha.
— Ouvi um rato rondando pelos túneis.
Acaso suspeitava que ela tinha escutado indiscretamente sua conversação
com Saladin? Não. Era muito arrogante para deixá-lo passar. Se o tivesse
adivinhado, teria enfrentado a ela.

81
A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

— Farei que Doura verifique se a moça de quadra é um bom caçador de


ratos.
— Muito bem. Os roedores podem ser uns malditos demônios, sempre
colocando os narizes onde não devem. Agora, me diga o que quer de mim.
Fingir parecia sua única saída.
— Quero que nos conheçamos bem, como antes.
— Já nos conhecemos quando tinha sete anos e você seis. Passamo-nos
mais de uma tarde jogando a beijar a sarda.
Sua vida mudou no dia em que conheceu a Malcolm Kerr. Vinte anos mais
tarde, o destino tinha interferido uma vez mais. Até que ganhasse de novo o
controle sobre seu futuro, Alpin seguiria com seu jogo de evasões.
— Não devemos ser tão descarados.
— Certamente tem razão. — Malcolm riu, caminhando ao lado de Alpin -.
É como se nossos destinos se unissem para sempre. Do momento em que
escapou de casa, minha vida mudou.
As lembranças deram a Alpin o valor suficiente para trespassar seus dedos
nos dele. O tato da curtida pele masculina desmentia sua idéia de que Malcolm
tinha levado uma vida privilegiada. Mas devia tomar cuidado com seus
pensamentos. Em seguida tinha aprendido o alto preço que uma menina crédula
tinha que pagar, deu-se conta de que Malcolm estava esperando que falasse.
— Recorda aquela vez que tentei construir uma casa aqui? -perguntou
Alpin.
— Sim. — Malcolm assinalou um montão de pedras mais pequenas perto
da abertura da muralha.
— Estava convencida de que poderia fazer uma fortuna oferecendo um
refresco a quantos viajantes passassem por este lugar.
— Porque me disse que havia água nesse velho poço.
— Eu acreditava que havia.
— Passei um dia inteiro metida nesse buraco cavando na terra seca.
— Eu te tirei e te curei os dedos machucados.
Era certo. Alpin estava exausta, a beira das lágrimas. Então ele apareceu
sorridente e zombador, e a tirou dali com uma corda.
— Meu deus, era uma mendiga muito empreendedora.
— Mendiga? Nunca. Você sempre se empenhou em pôr de sua parte para
ganhar o sustento.
— Agora sou mais preparada.
— Já sei. E mais ardilosa também.
— Você ganhava muitas competições -recordou Alpin.
Malcolm soltou uma gargalhada.
— Não quando se tratava de lançar facas ou atirar flechas.
— Mas você sempre me superava com a espada.
82
A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

— Só porque era maior e mais forte.


— Como você diz, meu senhor, há coisas que nunca mudarão.
Malcolm ficou pensativo; seu intenso olhar seguiu o vôo de um falcão.
— Perguntou-me por que desconfio de ti. Aqui tem um exemplo. Não
entendo por que se dirige para mim com tanta formalidade, a não ser que esteja
mofando.
— É a verdade, e o sinto.
— Então tem meu perdão te dirigindo a mim conforme corresponde a
nossa amizade.
— De acordo, Malcolm, embora me surpreende que utilize seu nome.
Sempre o odiou. Recorda aquela vez que se disfarçou de César e te convenci para
que me deixasse te atar a uma árvore?
— Número quatro -resmungou Malcolm, detendo-se.
Pensando que sua aspereza se devia a que estava perdendo a paciência,
Alpin se soltou e fez o papel de donzela acovardada.
— Não vai me conceder uma trégua?
Malcolm semiserrou os olhos, alargando o nariz.
— Pode ser que me faça agarrar um refém.
Ao advertir que o tinha zangado, Alpin procurou o modo de aumentar sua
ira.
— Quer dizer um prisioneiro.
— Não. Um refém tem algo com o que negociar. –Seu olhar se posou nos
seios de Alpin-Você está bem provida.
Para aplacar sua arrogância, Alpin assegurou:
— Deveria te dar uma bofetada.
— Poderia fazê-lo, mas então duvidaria ainda mais de sua sinceridade.
Alpin só desejava capturar seu coração de uma vez já que guardava o seu.
Uma vez tivesse tomado posse de seu lar, Malcolm poderia fazer o que quisesse.
Voltando as costas, encaminhou-se para o velho poço.
— Então deve me dizer o que posso fazer para te convencer.
Malcolm a seguiu e lhe tirou o lenço da cabeça.
— Pode começar por te soltar o cabelo e reatar seu papel de deusa pagã.
Na primavera de seu último ano na Escócia, Alpin e ele pintaram a pele e
tinham dançado nus, representando um antigo ritual de fertilidade.
— Vejo que o recorda -acrescentou Malcolm-. Está se ruborizando.
— Aquele dia você fazia o papel de sacerdote druida. — Vendo que os
olhos dele se obscureciam de desejo por ela, continuou: — Realizamos aquele
ritual com toda nossa inocência infantil.
Malcolm a agarrou pela cintura e a subiu sobre a borda de um poço,
dizendo:
— Todo um ensaio. Superou-me com acréscimo em um baile.
83
A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

Com uma decidida faísca no olhar, Malcolm separou as coxas


embainhadas em couro de Alpin e se aproximou tanto que a mulher notou o
calor de seu tartán de lã.
— Faz anos que não danço, e você é mais forte agora -disse Alpin.
— Ensinarei-te os passos adequados com todo esmero, e me deterei
freqüentemente para que possa recuperar o fôlego.
O pulso de Alpin começou a martelar.
— Não está falando de bailes infantis, verdade? Pondo sua bochecha junto
à dela, Malcolm lhe sussurrou brandamente ao ouvido:
— Tire os grampos do cabelo e te mostrarei exatamente do que estou
falando.
Sentindo calafrios, Alpin se agarrou com força aos ombros do Malcolm
para não perder o equilíbrio.
— Vou cair no poço.
— Prometo que te salvarei -Sussurrou Malcolm, com a boca perigosamente
perto da sua. — Sempre o tenho feito.
Muito longe de o rechaçar, Alpin elevou os braços e começou a tirar os
grampos de madeira do cabelo. Com as mãos trêmluas, procurou torpemente até
completar aquela tarefa cotidiana que agora parecia vital para recuperar a
prudência. A boca de Malcolm roçou a sua, adiantando a língua para separar os
lábios dela, que se deixou levar. Quando seu cabelo caiu solto, seus sentidos
giravam sem nenhum controle. A exótica fragrância de Malcolm a tentava,
enquanto que seu calor alimentava as chamas do desejo.
Malcolm a rodeou com um braço, agarrando-a como uma prezada
lembrança, e embora ela sentiu como sua mão livre lhe desabotoava a jaqueta, já
não se questionou se seus métodos eram corretos ou não. Malcolm parecia o
companheiro perfeito, seu coração pulsava ao uníssono com o dela, e sua
dificultosa respiração semelhava o eco da sua. Quando sua língua arremeteu
insistentemente contra a dela, Alpin lhe deu a bem-vinda, unindo-se à
precipitada e envolvente cerimônia.
Justo quando Alpin pensou que podia cair de costas no poço, Malcolm
desenhou uma linha de beijos através de sua bochecha e descendeu por seu
pescoço. Logo se retirou um pouco, com uma mão estendida sobre as costas de
Alpin, com a outra liberando os diminutos botões de pérolas de sua blusa. Ela
olhou para cima. O falcão ainda planava sobre suas cabeças. O sol da tarde
converteu um alto banco de nuvens cheias de nós em uma gigante lâmina de
ouro batido.
Malcolm lhe tirou a blusa das calças e contemplou seus seios nus. A brisa
arrepiou a pele quente do Alpin. Os fortes impulsos de Malcolm, suavizaram-se;
os lábios umedecidos pelos beijos.

84
A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

— Estive nadando nua como estávamos acostumados? Tem a pele morena


onde não deveria.
— Um cavalheiro não deveria falar destas coisas -foi tudo o que lhe
ocorreu dizer, pois, estava absorta observando o efeito que produzia nele.
Malcolm tomou em sua mão a antiga moeda que Alpin tinha pendurada
do pescoço em uma corente.
— Adrienne lhe deu isso. Seu coração se refugia em seu metal.
Alpin pensou que deveriam proibir uns lábios tão sensuais como os de
Malcolm e que não deveriam poder dizer palavras tão sedutoras como aquelas.
— Sim. Pertenceu ao Senhor da Fronteira.
— Não –disse. — Era de meu pai. Lhe deu a moeda; Tinha sido o bastante
sincero para corrigi-la.
Agora ela poderia ser sincera com ele.
— Seu pai é ou era o Senhor da Fronteira.
Ela esperava que Malcolm o discutisse, e rezou para que não o fizesse.
Tinham alcançado um momento de harmonia, e embora ele era seu inimigo,
Alpin desejava ardentemente aquela pequena trégua.
— Perguntava-me quando descobriria sua identidade. E já vão cinco,
Alpin. Confio em que seja a última do dia.Devolver suas carícias parecia a Alpin
algo inevitável. Tentou alcançar as cintas de sua camisa.
— Um momento, querida. -Os olhos de Malcolm sustentavam um olhar
decidido, e sua mão segurava com firmeza a de Alpin -. Ainda não te pintei.
Espera.
Malcolm deu um passo atrás, mas não a soltou até uns segundos depois.
Então correu para seu cavalo e agarrou um odre de vinho de cavanhaque de sua
cadeira de montar. Alpin o viu aproximar-se com sua camisa de seda inchando-
se com a brisa do verão e se perguntou como poderia resistir alguma mulher.
Instintivamente, Alpin juntou os extremos de sua blusa.
— Posso te oferecer algo de beber? -disse Malcolm, tirando o plugue.
Vindo dele, aquela pergunta tão normal soou terrivelmente indecente.
Alpin abriu a boca e fechou os olhos.
Quando o forte líquido correu por sua língua, pensou que se tratava de
algum veio estranho, mas ao primeiro gole descobriu o sabor a bagos...
Quase se engasgou com a poção de amor da Elanna.
Malcolm a agarrou de um ombro e lhe disse:
— Bebe devagar, ou te afogará.
Balbuciando, Alpin limpou a boca.
— De onde tiraste isto? -perguntou.
Malcolm enrugou a frente.
— Do Saladin. Encontrou-o na cozinha e me ofereceu isso.

85
A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

Alpin se sentiu desfalecer. Os olhos de Malcolm se abriram com


preocupação.
— O que ocorre?
«Nada -pensou Alpin, - só que fui presa em minha própria armadilha!» e em
lugar disso, explicou com um inquieto suspiro:
— Não ocorre nada. Mas acredito que iria melhor um pouco de água.
Malcolm cheirou o suco.
— Está quebrado?
Antes que Alpin pudesse responder afirmativamente, Malcolm tomou um
pequeno sorvo. Lambendo-se e movendo os olhos de direita a esquerda, disse:
— Bagos. Não está nada mal.
Então jogou a cabeça para trás, e quando o jorro começou a cair dentro da
boca, Alpin gritou:
— Não!
Malcolm se deteve.
— Não? Por que não quer que beba? -Sorrindo, acrescentou-: Não se
preocupe, guardarei um pouco. E Alpin não soube o que dizer.
— De verdade você gosta tanto?
Lhe ofereceu de— novo o odre e acrescentou:
— Sim. Você não?
— É obvio -admitiu com temor e fingindo beber do perigoso líquido.
Caindo a alma aos pés, Alpin contemplou como Malcolm agarrava de
novo a pele e terminava o conteúdo. Pelo menos, pensou Alpin, Malcolm tinha
bebido só a metade da beberagem. Uma gota de líquido vermelho como o sangue
gotejou por sua boca e caiu até seu queixo, onde se deteve um instante, antes de
continuar seu caminho pela garganta, percorrendo o pescoço até chegar à camisa.
Aturdida, Alpin contemplou como a seda branca absorvia sedenta o líquido
vermelho.
A bolsa de couro golpeou o chão com um som surdo. Alpin elevou o olhar
e ficou gelada ao observar uma sombra de sonho nos olhos de Malcolm.
Para seu assombro, Malcolm levou o dedo indicador aos lábios e logo
desenhou uma cruz celta em cada um dos seios da mulher. Nesse instante, Alpin
sentiu como o desejo a atendia.
Com muito cuidado, Malcolm foi lhe acariciando o torso, com um tato
delicioso e muito suave para lhe fazer cócegas. Um desfile de sensações
percorreu a pele de Alpin, despertando nela uns sentimentos frescos como a
brisa da manhã. Sentia-se como algo precioso, mimada, adorada e valorizada,
mas à medida que Malcolm continuava sua incursão na arte da sedução, seus
pensamentos etéreos deram lugar a uma premente necessidade física, e seu corpo
desejou carícias mais íntimas.

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A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

Quando terminou de desenhar círculos, Malcolm riscou dois sóis gêmeos


resplandecentes, o símbolo de seu clã. Sentindo-se completamente possuída,
Alpin observou com fascinação como Malcolm inclinava a cabeça e lhe cobria o
mamilo com a boca. Um grito escapou de seus lábios. Pensando que ia cair,
agarrou-se à cabeça do Malcolm, entrelaçando os dedos em seu cabelo. Sob o
polegar, sentiu o pulso do homem pulsar com um rítimo compassado. Enquanto
percorria seus seios, Alpin notou a escorregadia textura da boca de Malcolm, o
arrastar de sua língua, e inclusive o fio de seus dentes. Não se ouvia nada exceto
o suave ruído que fazia Malcolm com a boca, e o do desejo, que se tinha
convertido em algo vivo que gritava dentro dela.
Malcolm saboreou seus mamilos e a acariciou com os dedos, e quando
esteve satisfeito, ergueu-se, repousando sua testa contra a dela.
Malcolm respirou profundamente e disse:
— Sente-se bastante paganizada?
— Terrivelmente -respondeu Alpin, sorridente.
Passando a língua por seus lábios, Malcolm assentiu com a cabeça e logo
olhou a direita e esquerda. Onde suas peles se tocavam, resplandecia uma
labareda de calor.
— Vem alguém? -perguntou Alpin.
Malcolm riu.
— Não, e é um verdadeiro problema, tendo em conta onde estamos e como
é.
Apartando suas mãos dele, Alpin se agarrou ao poço.
Sentiu as pedras ásperas e frias sob as palmas de suas mãos.
— Não te entendo. Como sou?
Deixando cair o queixo e levantando as sobrancelhas, Malcolm disse:
— É virgem, recorda?
— Disse que minha virgindade era um incentivo –replicou confundida-.
Acreditava que te alegrava.
— O que mais me agradaria -admitiu ele enquanto punha em ordem sua
roupa, — seria te arrancar essas calças e te amar aqui e agora. Mas você não
gostaria. Provavelmente me odiaria por me aproveitar de ti de forma tão
insensível.
Semelhante preocupação surpreendeu a Alpin e a levou a pensar uma vez
mais que realmente não conhecia o homem no qual Malcolm Kerr se converteu.
Uma coisa era certa: ele desejava amá-la ou era o suco de bagos? Não sabia.
Sentindo-se de novo enjoada e indefesa, Alpin o rodeou com suas pernas
para não cair e se balançou para trás e para frente sobre o bordo do poço. O som
de sua risada produzia eco entre as paredes circulares.
— Nunca poderia te odiar por fazer que me sinta como me sinto agora.
— Realmente quer que me case contigo.
87
A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

Alpin tinha ganho por que se não, salvo por um verdadeiro afeto, poria ele
o bem-estar de Alpin por cima de sua luxúria? Depois deste sentimento de júbilo,
sobreveio-lhe uma pontada de culpabilidade. A poção tinha induzido a Malcolm
a amá-la, mas ela tinha chegado muito longe e tinha arriscado muito para tornar-
se atrás.
— OH, sim, Malcolm! Você é tudo o que quero -mentiu Alpin.

Capítulo 8

Malcolm quase acreditou, não obstante seus sentidos confundidos


captaram o desespero sob o arrebatamento de paixão. Conhecia muito bem
aquele velho e temerário inimigo. Acompanhava-o desde que se converteu em
um homem. O dia em que aceitou a horrorosa e inacreditável realidade de que
nunca engendraria um herdeiro, por fim encontrou a paz.
Alpin MacKay tinha seu próprio demônio, mas ainda não o tinha aceito.
Imaginava que encontraria um caminho para escapar, e que este passava pelo
Malcolm.
Também se perguntava até onde chegaria Alpin. Matrimônio? Era casar-se
com ele a solução?
Para provar sua teoria, Malcolm se afastou dela até que se sentou reta e lhe
disse:
— Então suponho que deveria começar a expressar minhas honoráveis
intenções.
Alpin se sentiu como se tivessem anunciado que a coroariam rainha ao dia
seguinte. Seus olhos cor lavanda brilharam esperançados e abraçou ao Malcolm
com todas suas forças, suspirando seu nome. Ele podia haver-se burlado por
aceitar tão facilmente, mas em lugar disso lutou contra o desejo que martelava
suas costas, jogando sua carta certeira.
— Quem ia imaginar -disse inexplicavelmente— que Alpin MacKay se
amancebaría tão rapidamente com Malcolm Kerr.
Ela ficou rígida como um pau.
— Amancebar-se?
— Há algo de mau nisso? -perguntou, lhe esfregando as costas e
suspirando por estar com ela na cama. Ela se relaxou um pouco.
— Pensei que... Bom, você usou a palavra «honoráveis».
— Sim, e era certo. -Aquela mentira se cravou em sua consciência, lhe
desorientando por um momento. Sacudiu a cabeça para afastar seus
pensamentos -. Amancebar-se é provavelmente a mais honorável dos costumes
escoceses, pois favorece por igual às duas partes. Faremos nossos juramentos na
igreja quando você conceba.

88
A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

Fez uma pausa, sentindo-se enjoado. Ao pensar que era por causa de seu
problema se repôs-. Quando conceber meu filho.
Sem notar sua preocupação, Alpin disse bruscamente: — Mas isso me faz
sentir como se só me quisesse para te dar um herdeiro.
Empurrando-a para trás para poder ver seus olhos, confessou-lhe a amarga
verdade com absoluta sinceridade:
— Juro-te, Alpin, que me dê um herdeiro é a última de minhas
preocupações. Entretanto, tenho minhas obrigações.
O sorriso que lhe dedicou Alpin poderia ter iluminado várias masmorras
de uma vez. Provavelmente ele a tinha julgado mau. E se o amava de verdade?
Se era assim, Malcolm se encarregaria de seu afeto mais tarde, mas no momento,
tinha muito que descobrir sobre aquela mulher e sobre os motivos pelos quais
desejava se casar com ele tão desesperadamente. Também necessitava uma longa
noite de sonho.
— Então, está contente?
— OH, sim, Malcolm! -Sua voz era profunda-. É meu maior desejo.
Aquelas palavras se ajustavam perfeitamente às circunstâncias, pois sua
paixão por ela era o único sentimento que Malcolm não podia disfarçar.
Agarrou-a em braços e a levou para o cavalo.
Ela se aferrava a ele como o orgulho a um escocês. Gostava de sentir-se em
seus braços. Sempre tinha desejado, compartilhar sua vida com uma mulher que
escutasse seus problemas e lhe ajudasse a preservar o nobre patrimônio do clã
Kerr, mas nunca tinha tido o valor de condenar a uma noiva inocente a um
matrimônio que nunca daria fruto.
Por alguma razão não podia conter suas egoístas necessidades. Naquele
momento a desejava com a ardente lascívia de um moço montando a sua
primeira jovenzinha complacente. Aborrecido por sua própria vulnerabilidade,
Malcolm a colocou escarranchada sobre o cavalo castrado e lhe ofereceu as
rédeas.
— O que podemos fazer agora?
Ela jogou a cabeça para trás e, ainda sorridente, inspecionou o terreno.
— Poderia me mostrar Carvoran Menor.
Malcolm se virou, agarrando as rédeas de seu próprio cavalo. Tinha-lhe
mentido sobre Rosina; não partiria a Itália até o dia seguinte. Continuando com
seu papel de pretendente encaprichado, a olhou de esguelha com um sorriso nos
lábios, expressando seu maior desejo.
— Se te levar ali, Alpin, estará fazendo o papel de esposa antes de
desfrutar o de noiva.
— OH. -Alpin, que estava atando o lenço, deteve-se com os cotovelos
levantados e o tecido de sua jaqueta tensa sobre seus seios. As calças de couro lhe
rodeavam os quadris e as esbeltas pernas.
89
A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

O desejo que acreditava ter sufocado voltou de repente para recordar o


sabor de seus beijos, e se amaldiçoou por ser um parvo afetado e não havê-la
tomado uns minutos antes. Assim ao menos teria satisfeito suas necessidades
mais prementes. Mas já que não o tinha feito, agora teria que continuar
controlando-se.
— Você escolhe, Alpin.
— Nos divirtamos um pouco, então, como nos velhos tempos -disse
assinalando com o queixo para o caminho do oeste-. Aposto uma corrida até
Phantom Oak.
Golpeando a garupa de seu cavalo, agarrou-se com força e abandonou
rapidamente tendido o claro.
— Espera!
Malcolm saltou sobre sua cadeira e partiu atrás dela com uns segundos de
atraso. De repente recordou que o Carvalho do Fantasma tinha sido partido por
um raio muitos anos atrás, e agora seu enorme tronco bloqueava o antigo
caminho. Alpin não poderia ver o obstáculo, pois a árvore jazia depois de um
giro sem visibilidade ao outro lado do Reiver's Rock; além disso, logo começaria
a se por o sol.
Malcolm a chamou, mas os cascos do cavalo apagaram sua voz. Insistindo
a sua cavalgadura a um galope rápido, Malcolm devorou a distância que lhes
separava. Quando se encontrou a três corpos do cavalo de Alpin, voltou a
chamá-la. Ela se virou com o rosto cheio de entusiasmo, e se alarmou ao lhe ver
tão perto. Açoitou de novo a garupa do cavalo, e se separou uma vez mais,
precipitando-se de cabeça para o perigo.
Malcolm fustigou a seu semental, Dardo, um animal de pura raça criado
no deserto, respondeu com uma explosão de velocidade. Malcolm apertou os
dentes enquanto dizia:
— Alcança-a, alcança-a, alcança-a.
O pouco peso de Alpin, entretanto, fazia possível que seus arreios deixasse
atrás ao veloz cavalo de Malcolm.
Reiver's Rock apareceu ante seus olhos um enorme canto rodado da
metade de tamanho que o calabouço do castelo de Kildalton. A enorme distancia,
Alpin montava segura ao pescoço de seu cavalo, o traseiro embainhado em couro
elevado no ar e os joelhos atendo-se com perícia à cruz do animal. Diante da
rocha, o caminho se bifurcava. À direita se estendia o caminho novo, muito
trilhado e o suficientemente largo para uma carreta. À esquerda, o caminho se
convertia em um atalho pouco transitado, cheio de erva. No passado, Malcolm e
ela tinham feito a mesma corrida centenas de vezes, que culminava subindo até a
taça do Carvalho Fantasma. Hoje terminaria com a morte.
Como Malcolm havia imaginado, Alpin virou para a esquerda, igual a
sempre. Malcolm gritou de novo e deu a seu cavalo uma forte patada, mas Alpin
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A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

estava muito longe. Com horror, Malcolm a viu inclinar-se à direita, preparando-
se para tomar a curva junto à rocha.
O pânico se apoderou dele. Nunca poderia, agarrá-la a tempo.
— Alpin! –vociferou,- Pare agora mesmo!
Ela se virou, lhe dizendo adeus com o braço. Ainda estava olhando para
trás quando desapareceu da vista de Malcolm.
Um instante depois o cavalo relinchou, mas não se ouviu Alpin. Como se
tivesse estado diante, Malcolm viu o cavalo castrado detendo-se frente a enorme
árvore cansada. Viu como Alpin voava de sua cadeira, e ouviu como golpeava
contra o carvalho. Imaginou estendida no chão como um fardo inerte.
Amaldiçoando-se a si mesmo, a ela, e a todos os Santos do céu, Malcolm
conduziu seu cavalo ao outro lado da rocha. O ruço ofegante permanecia frente
ao enorme tronco, e a cadeira estava vazia. Não via Alpin por nenhum lado.
Malcolm deteve seu cavalo e saltou ao chão. Percorreu com o olhar o
caminho cheio de maleza e as samambaias cheias de espinheiros. Não havia nem
rastro de Alpin. Chamou-a a gritos. Só respondeu o silêncio.
Cheio de espanto, correu para a pequena ponte com degraus que subia
pelo tronco e baixava até o outro lado da árvore cansada. Devia ter escutado a
seu pai. Devia cortar a árvore e a limpar o caminho.
— Estúpido, estúpido -amaldiçoou-se cada vez em voz mais alta à medida
que subia os degraus, agarrando-se com raiva ao corrimão. Ao chegar acima se
deteve.
Alpin tinha sido lançada ao outro lado do enorme tronco e jazia sobre um
flanco, encurralada no centro de um urze branco. Malcolm correu até ela,
deixando cair de joelhos.
— Alpin! Me fale! -Com muito cuidado, tocou-lhe as costas.
Não houve nenhum movimento, nem sequer parecia respirar.
— Alpin!
Tinha desejado vê-la morta centenas de vezes, mas isso tinha sido antes de
tê-la entre seus braços e beijá-la, antes de apreciar a vulnerabilidade que Alpin
não era capaz de esconder. Embora não confiasse nela, agora a compreendia
melhor. Suspeitava que muito poucos de seus sonhos e esperanças se tinham
tornado realidade. Tinha direito à vida, embora inconscientemente lhe tivesse
arrebatado a parte mais preciosa da sua.
Alpin ofegou e tossiu até recuperar a respiração.
Logo se queixou. Tinha a tez completamente branca. Ligeiramente
aliviado, Malcolm lhe tocou a testa. -Alpin? Ouve-me?
Respirando com dificuldade, Alpin perguntou:
— O que aconteceu a nossa árvore?
«Nossa árvore» Malcolm se estremeceu ante essas palavras.
— Partiu-o um raio. Onde te dói?
91
A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

Cautelosa, Alpin se virou sobre suas costas, agarrando-a mão direita.


— Por toda parte -respondeu.
— Me deixe ver -disse Malcolm, tomando-a do braço.
— Ai!
— Shh, tranqüila. — Tinha uma manga feita farrapos, e a pele cheia de
terra e coberta de arranhões raivosos. Os ossos de sua mão eram tão delicados
como as asas da pequena coruja das cavalariças. Com muita ternura, examinou-a
em busca de umas lesões mais graves.
— Não acredito que tenha o braço quebrado.
Ela gemeu uma vez mais e levantou a vista para o Malcolm, com os olhos
cheios de dor e as pupilas dilatadas pelo medo.
— Não sabe o que isso me consola. Quem construiu esses estúpidos
degraus?
— Eu.
Alpin fechou os olhos.
— Devi imaginá-lo. -As lágrimas correram por suas bochechas -. Por que é
sempre você, Malcolm?
Perplexo ante a escuridão de sua acusação e a intensidade de sua tristeza,
Malcolm ficou à defensiva.
— Tentei te avisar. Estive chamando, mas você não me fiz conta.
— Não podia te ouvir. — Alpin expulsou o ar de seus pulmões e apartou a
mão. Fazendo uma careta de dor, girou a mão e flexionou os dedos -. Certamente
tampouco te teria escutado. Queria ganhar.
Malcolm lhe endireitou o lenço e lhe apalpou a cabeça se por acaso tinha
algum corte. Felizmente não encontrou nenhum, mas enquanto lhe embalava a
cabeça, recordou uma vez mais a menina e quão elástica era.
— Há gente que nunca mudará. Não tinha por que galopar tão
temerariamente. Podia te haver matado e ter deixado inútil ao cavalo. Disse que
este gostava deste animal.
Alpin levantou a vista e pôs os olhos em branco.
— Oh, por favor! Só por esta vez preferiria não ser objeto de suas
profundas reflexões.
Furioso por ver-se arreganhado quando a culpa tinha sido claramente dela,
Malcolm disse:
— Estou muito preocupado. É o dever de um senhor para qualquer de seus
súditos-. Estendeu os braços-. Pode te pôr em pé?
—Me pôr como? -Sorvendo-as lágrimas e rindo de uma vez, Alpin
admitiu: — Se não for soltar outro de seus sermões, direi-te que a resposta é um
terminante não.
Se Alpin era capaz de encontrar humor em seu próprio encontro com a
morte, quem era ele para ficar tão sério?
92
A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

— Então, o que te pareceria se te desse uma mão, ou duas?


Dobrando de novo a mão, Alpin respondeu:
— Obrigado. Não parece que esta vá me servir muito no momento.
Malcolm a agarrou pela cintura e a pôs em pé.
— Amanhã estará muito dolorida.
— Já o estou agora -assegurou Alpin.
Ele a ajudou a manter o equilíbrio.
— Pode andar?
— Sim, mas não por cima dessa ponte. Não confio no carpinteiro.
Malcolm a agarrou nos braços, surpreendendo-se uma vez mais por sua
levesa.
— Foi meu primeiro e último trabalho de carpintaria.
— Me alegro -disse Alpin apoiando a cabeça em seu ombro-. Te dá
melhor...
— O que?
— Não importa.
— Diga-me ou te deixarei cair no barro.
— Não o fará.
— Então te proibirei que montes o cavalo tordo.
Observou durante tanto tempo que Malcolm começou a sentir-se
incômodo.
— Será melhor marido.
Malcolm teria apostado todo seu condado que não era aquilo o que ia
dizer.
— Como sabe que serei um bom marido?
— Quer-me. Eu te quero, e te darei um castelo cheio de diminutos Kerr
com o cabelo negro como a noite.
Aquele alarde inútil ressuscitou a ira de Malcolm, que esteve a ponto de
contradizê-la, confessando a verdade. Mas em lugar disso, levou-a por cima da
ponte. Dispunha-se a pô-la em cima de seu cavalo, quando Alpin protestou:
— Espera. Não posso retornar com estas calças.
Devo me pôr de novo a saia.
— Quem ia imaginar a Alpin MacKay preocupada com as aparências!
-exclamou ele surpreso.
— Mudei, Malcolm. Já não sou uma menina revoltosa que leva roupas
usadas e faz travessuras por onde quer que vai.
— Perdoe-me se não estou de acordo nesse ponto.
O sobrecenho franzido de Alpin deu lugar a um modesto sorriso.
— A maior parte do tempo sou tão correta que me encontraria aborrecida.
— Para maior surpresa de Malcolm, acrescentou tranqüilamente-: Dá-me a saia?
Está na bolsa junto à cadeira de montar.
93
A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

Malcolm a deixou no chão e fez o que lhe pedia, mas ainda desejava
mofar-se mais dela.
— Um pouco mais de decoro por sua parte, e pensarei que a vida na ilha te
converteu em toda uma senhora.
Alpin soprou ofendida.
— Oh! Deixa já de te caçoar de mim e me ajude a me pôr isto, ou estará de
noite antes que retornemos. Malcolm riu entre dentes.
— Levanta os braços e eu lhe passarei isso pela cabeça. Enquanto a ajudava
a vestir-se, Malcolm se assombrou pelas lembranças que aquele ato despertou em
sua mente. — Quantas vezes nos grampeamos e desabotoamos a roupa um ao
outro?
As dobras da saia afogaram a risada de Alpin.
— Cada vez que íamos nadar...
A saia se enroscou em seus seios. Com muito cuidado de não rasgar o
tecido, Malcolm puxou o objeto até a cintura.
— Ou dançávamos nossos rituais pagãos? –acrescentou Malcolm.
Um formoso rubor devolveu a cor ao rosto de Alpin. Olhando os lábios de
Malcolm, perguntou:
— Ainda beija às garotas?
O primeiro impulso de Malcolm foi beijá-la outra vez.
— Só às sacerdotisas celtas.
— Esquece que disse que seria um bom marido -Alpin lhe golpeou com o
dedo no estômago-. Ai! –Agarrando a mão, murmurou-: Acredito que é um
libertino.
Por alguma razão desconhecida, Malcolm desejava abraçá-la. Tão somente
abraçá-la. Devia estar emocionado ao saber que Alpin tinha escapado da morte
pelos cabelos.
— Acredito que será melhor que montes comigo.
— Eu também. Sinto-me segura em seus braços.
«Como eu me sinto seguro nos teus.» Malcolm cortou aquele alarmante
pensamento da cabeça. Colocou Alpin em seu cavalo, montou detrás dela e se
encaminhou para o castelo com o cavalo tordo trotando atrás deles.
Logo que atravessaram a entrada, Alexander correu a lhes receber.
Agarrando a rédea do cavalo de Malcolm com uma mão, o soldado tirou a boina
escocesa com a outra. Ao ver a blusa de Alpin feita farrapos, perguntou:
— O que lhe aconteceu, senhor?
Uma dúzia de homens se amontoaram a seu redor.
Dirigindo-se a todos eles, Malcolm explicou:
— A senhora se chocou contra o Carvalho Fantasma.
Alexander fez uma careta.
— Faz anos que deveríamos ter feito lenha dessa árvore cansada.
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A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

Alpin levantou o queixo, dirigiu ao Malcolm um olhar ardiloso, e


assegurou:
— Essas foram exatamente minhas palavras, senhor Lindsay.
Arqueando os braços, Malcolm se moveu sobre a cadeira.
— Aqui a tem, Alexander, leve-a antes de que jogue cobras pela boca.
Ouviram-se murmúrios e risadas entre o grupo de soldados. Alexander
agarrou Alpin, e assim que seu peso abandonou as mãos de Malcolm, Alpin
disse:
— Pode me deixar no chão, senhor Lindsay.
— Sim, senhora -disse, obedecendo-a.
Malcolm desmontou.
— Há problemas, senhor -anunciou Alexander. Pensando que necessitava
mais problemas tanto como outra mulher em sua vida, Malcolm se dirigiu a seu
principal problema:
— Entre, Alpin, e te cure essas feridas. Já sabe onde guarda os remédios a
senhora Elliott.
Com aspecto cansado, Alpin assentiu com a cabeça e partiu.
— O que aconteceu? -perguntou Malcolm ao Alexander.
Outros homens intercambiaram olhares de cumplicidade, rindo-se
dissimuladamente. Alexander esclareceu.
— Trata-se do mouro e a senhorita africana.
A irritação esgotou a paciência de Malcolm, e para acabar de arrematar,
Alpin, que tinha escutado, uniu-se de novo a eles.
— Onde estão? -perguntou.
— Vá ao castelo, Alpin -ordenou Malcolm apertando os dentes -. Eu me
encarregarei de tudo.
Fazendo caso omisso dele; Alpin insistiu:
— Onde estão, senhor Lindsay?
Pela obstinada pose de seu queixo, Malcolm soube que Alpin seria capaz
de esperar ao Julgamento Final antes de partir sem uma resposta.
— Diga-lhe Alexander -ordenou Malcolm.
-Saladin a tem encerrada no jardim — explicou o soldado.
-Por que? -exclamou Alpin-. Tornou-se louco?
— Ela é a que se tornou louca -disse Rabby Armstrong-. Está mais raivosa
que uma ovelha recém tosquiada. Não crê, senhor Lindsay?
Alexander moveu a cabeça.
— Temo que sim, meu senhor. Aí atrás está se travando uma batalha.
Alpin começou a cruzar com dificuldade o pátio, coxeando a cada passo e
com a saia: formando redemoinhos-se em seus tornozelos. Pensando nas calças
de pele que se atiam tão bem a seu formoso corpo, Malcolm foi atrás dela,
seguido pelo Alexander e outros.
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A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

Quando a alcançou, Malcolm disse:


— Está ferida, Alpin, e seus arranhões poderiam infeccionar. Entre. Já
enviarei a Elanna.
Alpin diminuiu o passo.
— Não. Quero vê-lo com meus próprios olhos. Rodearam a esquina da
torre.
— Não confia nele?
— Não é isso. Sou responsável pela Elanna. Às vezes fica muito teimosa.
— Teve uma boa professora -observou Malcolm-. De tal pau, tal lasca. Só
espero que hoje se tomou o dia livre.
Uma multidão maior se apinhava no pátio adjacente ao muro do jardim.
Saladin estava sentado no chão, com as costas apoiada contra a pequena porta de
madeira e as pernas estendidas. junto a sua bochecha sustentava uma parte de
roupa alegremente floreada que parecia muito familiar.
— Bem-vindo a casa, senhor -disse.
— O que aconteceu?
— Essa mulher interrompeu minhas orações.
Do outro lado do muro do jardim, a invisível Elanna gritou:
— Isto é o que penso de suas orações, muçulmano. — Pequenos pedaços
de papel voaram por cima da taipa.
— Está fazendo em pedaços meu Corão — disse Saladin, contemplando a
chuva de papéis que revoavam até cair no chão.
— O que lhe tem feito? -exigiu Alpin.
— Eu a ela? -Saladin se apartou a parte de tecido da cara, revelando um
machucado do tamanho de um ovo de chorlito.
Elanna uivou:
— Conte o que tem feito você, besta imunda!
— Não tenho feito nada -respondeu Saladin gritando.
— Sei! E meu pai era um Eguafo comilão de mosquitos com grandes presas
de javali no nariz.
— Me diga o que aconteceu -disse Malcolm, ajoelhando-se junto a seu
amigo.
— Ela paquerou comigo e me incitou a beijá-la.
— Mouro negro mentiroso!
Suspirando, Saladin fechou os olhos.
— Não sei o que me passou. Tratei de beijá-la, e olhe o que me fez. Esta
mulher é um grande problema.
— É claro que sim, caçador de escravos com cara de bonito!
—Meu deus, Saladin -murmurou Alpin -. A pos grosseiramente furiosa.

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A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

— Eu? -contradisse-a com suavidade-. Um homem tem seus limites.


Qualquer um que tivesse feito o mesmo ao ver uma mulher meio nua com uma
maçã na mão.
Malcolm se perguntou no que se equivocou, o que tinha feito para que sua
vida se convertesse em uma comédia de erros.
— Deixa-a sair, amigo.
— Sim -insistiu Alpin-. Abre essa porta.
— Certamente -disse Saladin tão dócil como um missionário com uma
causa. — Assim que me peça desculpas.
Elanna soltou uma gargalhada.
— Esta princesa africana se voltará branca como a pança de um peixe antes
de pedir perdão a um mouro pervertido.
Jogando a cabeça para trás, Alpin lhe gritou:
— O que te tem feito, Elanna? Está bem?
— Afundou a língua em minha boca. Ah! -Sua voz se estremeceu de asco-.
Sabe igual a essas papa que come para tomar o café da manhã.
— Você me serviu isso, querida -interrompeu Saladin.
— E você me suplicou que pusesse mais -gritou Elanna.
Saladin franziu o sobrecenho, empunhando sua cimitarra.
A folha brunida e curvada cintilou como o ouro sob a débil luz do
entardecer.
— Então fique aí. Provavelmente uma noite ao ar livre esfrie seu mau
humor.
— Mau humor? -exclamou Elanna-. Você, estúpido Saladin Cortez, você
destroçou meu vestido.
— Malcolm, faz algo! -exigiu Alpin.
Os homens que havia no pátio riam e se davam tapas nas costas. Malcolm
tossiu para esconder sua própria risada.
— Destroçou seu vestido, Saladin? -perguntou, reprimindo-se.
— Eu não chamaria vestido a essa diminuta parte de tecido onde havia
farrapo-. Além disso, eu só arranquei uma parte muito pequena.
— A parte que me Cobria os seios! e lançou o que ficava à fonte. Está
empapado.
— As fontes melhoram o estado -murmurou Saladin.
Alpin já tinha ouvido o suficiente. Doía-lhe a mão, e se sentia machucada
até os ossos da ponta de sua cabeça até as unhas de seus pés. Observando o
brilho de diversão nos olhos de Malcolm e pela posição em que permanecia ali
de pé, com as pernas separadas e os braços cruzados sobre o peito, Alpin
suspeitou que nunca obrigaria a seu amigo a retratar-se. Como poderia? A julgar
pela mancha vermelha nos lábios de Saladin, este tinha provado o preparado de
bagos de Elanna. Nesses momentos nenhum dos dois homens estava muito
97
A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

dotado para pensar racionalmente. Entretanto, Alpin sabia que havia outro
caminho para chegar ao jardim, um caminho livre de homens arrogantes e
espectadores curiosos.
Além disso, pensou animada, aquele mesmo dia tinha conseguido que
Malcolm lhe propusesse o matrimônio. Por que forçaria a escolher entre a
lealdade para seu amigo e o compromisso para com ela?
Assim, Alpin desapareceu disimuladamente e foi a seu quarto para
recolher seu molho de chaves e um vestido para seu amiga. Agarrando um
abajur aceso do corredor, entrou no túnel. Quando chegou ao corredor
adequado, a idéia de um banho quente e a ausência de serpentes e armadilhas
lhe reanimaram. Passou pelo nicho ao outro lado do escritório de Malcolm e
sorriu, pois agora que lhe tinha proposto o matrimônio, já não teria que lhe
espiar nunca mais.
Deixou atrás a escura escada que conduzia ao quarto da torre que uma vez
tinha sido seu lar, afastando a lembrança daqueles momentos de solidão.
Malcolm tinha razão, e Alpin se negou a compadecer-se da menina assustada
que tinha sido fazia tanto tempo.
Quando empurrou a porta de ferro ao outro extremo do túnel e saiu ao
jardim murado, sua boca se abriu cheia de surpresa. Elanna estava de pé ao outro
lado do jardim, junto à porta de madeira, com o tapete de orações do Saladin
enrolada nos ombros. Sorrindo com uma doce satisfação, arrancou as últimas
páginas do Corán e as lançou ao ar, por cima da parede, junto com as tampas de
pele.
— Esqueceu algo, muçulmano -trilou Elanna, arrojando o tapete de orações
do Saladin ao outro lado do muro.
Esfregando as mãos, a última princesa Ashanti da gente de Kumbassa se
dirigiu para Alpin. Com a cabeça muito alta e os ombros retos, Elanna se
plantou ante ela tão nua como dez anos atrás, quando Charles a comprou em um
leilão de escravos em Barbados.
Entretanto, não era a nudez de Elanna o que surpreendeu Alpin, a não ser
seu desalinho. Tinha o aspecto de uma mulher a quem tinham seduzido até o
fundo. Sem o turbante na cabeça, seu cabelo pendurava grosseiramente enredado
pelos ombros. Seus lábios se viam inchados, repletos de sensualidade. A
expressão ausente nos olhos de Elanna, negros como o azeviche, confirmou a
conclusão de Alpin. Conhecia muito bem aquele olhar, e compreendeu a
natureza do desejo de sua amiga. Vítima por sua parte da sedução de Malcolm
Kerr, Alpin se sentia dominada pelo mesmo feitiço de amor.
Uma vez ao lado do Alpin, Elanna tocou sua manga destroçada, e disse
com toda naturalidade:
— As garotas ilhoas se colocaram em confusões.
Alpin assentiu, e ouviu o Saladin dizer do outro lado do muro:
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A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

— Vamos de caça, meu senhor. Desejo me afastar destas mulheres e matar


algo que minha religião me proíbe de comer.

Capítulo 9

Elanna e Alpin estavam juntas em uma das janelas do piso de acima, tão
juntas que seus ombros se tocavam.
Abaixo, no pátio já escuro, Malcolm pôs o pé no estribo e montou em seu
semental branco. A luz das tochas iluminava a uma vintena de soldados que
esperavam perto, vestidos com o tartán. O som de suas vozes masculinas se
elevava no pátio, enquanto seus cavalos levantavam uma nuvem de pó.
Através das cristaleiras em forma de diamante, Alpin viu como Alexander
se aproximava de seu chefe. Malcolm se inclinou e lhe falou por longo momento.
Não podia ouvir o que dizia, mas assinalou para o campo de torneios, para as
cavalariças onde guardavam os falcões, e por último ondeou o braço coberto de
seda, assinalando todo o recinto cercado.
Alexander fechou a mão em um punho e logo elevou seu polegar no ar.
Disse umas palavras e mostrou o dedo indicador; voltou a falar, e logo se dobrou
ao meio. Malcolm assentiu e continuou com suas instruções.
Alpin bufou de cólera, mas não porque ele partisse; necessitava um pouco
de tempo para recuperar a si mesmo.
Entretanto, podia ter falado com ela, pois se sentia perfeitamente
capacitada para encarregar-se dos assuntos de Malcolm. Desde que lhe deixou
uma hora antes para resgatar a Elanna do jardim murado, não havia tornado a
lhe fazer caso.
Nesse tempo, Alpin tinha limpado as feridas e pôs a camisola e a bata.
Também tinha trocado de idéia. Não queria que se fosse, mas Malcolm parecia
mais interessado na caça que em consumar o liberal matrimônio que tinham
negociado.
— Viva a paixão -murmurou Alpin.
— As garotas ilhoas estão melhor sozinhas -disse Elanna.
Sentindo-se abandonada, Alpin raspou o sujo cristal com uma unha,
perguntando se ao menos Malcolm se despediria.
O que faria ela se Malcolm partia sem sequer lhe dirigir um olhar?
Retorceria-lhe o pescoço, isso seria o que faria. Tampouco esperava uma
despedida dramática, mas como, em nome de todo o mais sagrado, ia ela a atuar
como uma noiva devota se ele não se dignava a comportar-se como um noivo
apaixonado? O que acontecia era que ele não estava apaixonado, -admitiu Alpin
em silêncio. Só sentia luxúria, e inclusive isso se desvaneceria assim que a poção
perdesse seus efeitos.

99
A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

Rabby Armstrong se levantou sobre seus estribos e gritou ao Malcolm.


Todos os homens olharam para os estábulos. Um instante depois, Saladin
apareceu rodeado por um feixe de luz amarela. Movendo a cauda e com o
pescoço pego ao peito, seu cavalo negro como o carvão deu um passo lateral,
pavoneando-se.
— Meu mouro negro é um homem muito bonito. É claro que sim!
— Seu mouro negro? -exclamou Alpin, perplexa-. Quer-lhe?
Elanna encolheu os ombros.
— Por uma temporada. — Logo, referindo-se a um costume tribal muito
conhecido, acrescentou: — Uma princesa Ashanti deve olhar aos olhos do pai de
seu companheiro para toda a vida.
Alpin observou como Saladin conduzia a seu cavalo sem nenhum esforço
através da multidão até chegar ao lado de Malcolm. Pensou que Saladin, embora
vivesse em uma terra estranha, tinha conseguido desfrutar de uma vida muito
agradável.
— Saladin é bastardo -informou Alpin-. Não conhece seu pai.
Não havia desconcerto capaz de diminuir o régio porte de Elanna.
— Disse que o sentia muito -admitiu a mulher com nostalgia.
— Antes ou depois de que rasgasse seu vestido?
— Esse foi precisamente o motivo pelo que o fez.
Elanna moveu lentamente a cabeça -. Esse tipo sobe pelas paredes em
seguida. É muito fogoso.
— Mas você lhe deu o suco de bagos.
— Esse mouro negro toma sempre o que quer e quando quer.
— Como lhe deteve?
O queixo da Elanna se elevou ligeiramente.
— Não o fiz.
— Violou-te?
— Não. -A determinação desta negativa foi muito eloqüente.
— Então o que lhe deteve?
Elanna golpeou o batente de pedra com o punho.
— Um estúpido princípio.
— Que princípio?
— É muito ridículo para mencioná-lo.
Inclusive quando era um moço, Saladin se tinha guiado por suas fortes
crenças muçulmanas. Alpin suspeitou que não tinha mudado. Elanna lhe
desejava e ele a tinha rechaçado.
— O que vais fazer?
As lágrimas brilharam em seus olhos.
— Farei que se arrependa. — Elanna deu meia volta e saiu correndo do
quarto.
100
A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

Quando Alpin começou a chamar a sua amiga para que voltasse,


Alexander se inclinou e partiu. Malcolm olhou para a torre e, como se soubesse
exatamente onde se encontrava Alpin, guiou a seu cavalo até um ponto justo
debaixo dela.
Com o coração pulsando fortemente, Alpin abriu a janela e apareceu. A luz
do abajur do quarto iluminou Malcolm com um resplendor dourado,
convertendo o sol da insígnia de seu clã em uma estrela cintilante na noite. A
espera e a gratidão voltaram a despertar seu desejo. E se odiou a si mesma.
Sorrindo, Malcolm levantou uma mão enluvada e dobrou um dedo, lhe
fazendo um gesto. Foi um golpe tão duro para o orgulho de Alpin, que se sentiu
como se tivesse dado uma bofetada. Como se atrevia a aparecer tão esplêndido
em seu papel de conde de Kildalton e chefe do clã Kerr? Como se atrevia a tratá-
la como a empregada de um botequim, fazendo-a suspirar por um beijo de
despedida?
Alpin levantou as sobrancelhas, com gesto indiferente.
— Esqueceu algo, meu senhor?
— Sim -respondeu-. Uma despedida apropriada de minha senhora. -Seu
tom doce e de uma vez dominante e o insistente brilho em seus olhos deixaram
Alpin sem palavras -. Mas não se deslize pelo tubo do deságüe como estava
acostumada a fazer -acrescentou com uma risada -. Meus homens pensarão que
estou amancebado com uma menina travessa.
Cavaleiros e cavalos se agitaram no pátio. Alpin observou as caras dos
soldados; todos estavam observando. E esperando. Esperando a que ela
confirmasse a declaração de Malcolm. Ou estava condenada a ficar em ridículo?
Casar-se com ele era parte do plano de Alpin, e para levá-lo a cabo tinha
chegado até o outro lado do mundo. Entretanto, Malcolm tinha conseguido pô-la
entre a espada e a parede, obrigando-a a representar o papel de noiva
apaixonada, com o que ela se encontrava plenamente identificada. Com Paraíso
posto sobre a balança, que outra opção ficava? Nenhuma.
Odiando a si mesmo e ainda mais a ele, sorriu alegremente, lhe fazendo
um sinal para que esperasse. Logo cruzou correndo o quarto, e agarrou um xale
antes de sair. Ao pé das escadas diminuiu o passo, cobriu os ombros com o xale e
disse a si mesma que seu coração estava acelerado porque tinha baixado
correndo. Mas quando abriu as portas do castelo e viu Malcolm esperando, deu-
se conta até que ponto desejava lhe beijar.
Movendo-se sobre a cadeira, ele a agarrou por debaixo dos braços e a
levantou do chão. O semental branco soprou, mas Alpin não fez conta, pois sua
mente estava absorta nas fortes mãos que a sujeitavam. Com os pés pendurando
no ar e o coração lhe pulsando violentamente, Alpin rodeou o pescoço de
Malcolm com seus braços. O aroma de sândalo a envolveu; em que pese a levar a
exótica fragrância de um país longínquo, Malcolm Kerr parecia tão enraizado ao
101
A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

chão escocês como os antigos fresnos do pátio do castelo. Quando estiveram cara
a cara, Malcolm sussurrou:
— Como está sua mão?
Alpin não deu importância à lesão.
— Já está melhor.
Malcolm percorreu com o olhar sua rosto e seu cabelo solto, e logo se fixou
em sua boca. Alpin se sentia flutuar, e se perguntou se seria pela poção. Mas se
disse que não podia ser, pois tinha bebido muito pouca.
— Te cuide enquanto estou de caça, Alpin. Peça ao Alexander o que
necessite.
A tarde se desvanecia, e de repente Alpin se imaginou sentada no bordo
do velho poço, com o seio nu em poder das mãos e os lábios de Malcolm.
— Algo?
Os olhos do Malcolm brilharam com picardia. Com um encantador sorriso,
respondeu:
— Exceto coisas íntimas. Essas as deixe para seu marido.
Então depositou em seus lábios um abrasador e candente beijo de posse.
Um murmúrio se difundiu por todo o pátio, mas em lugar de envergonhar a
jovem, o saber que os homens de Malcolm lhes estavam observando, estimulou
sua paixão. Regozijando-se com o tato de seus lábios e com o poder de seu
abraço, e com uma audácia tão nova que resplandecia como fogo em seu interior,
Alpin abriu a boca amplamente.
Um grunhido de aprovação retumbou no peito de Malcolm, e enquanto
suas mãos a agarravam com mais força, sua língua penetrou na boca de Alpin,
retirando-se depois e convidando-a a lhe seguir. Aquela provocação
embriagadora e a segurança de que partia, a animou a seguir. Confiando na
intuição mais que na experiência, Alpin atraiu a língua de Malcolm para sua boca
e a sugou levemente, saboreando o persistente suco de bagos e consciente de que
a poção ainda o tinha sob seus efeitos.
Sentiu como o peito de Malcolm palpitava e seus dedos começavam a
tremer. Pensando que provavelmente tinha ido muito longe, Alpin se tornou
para trás. O aplauso dos soldados ressonou em seus ouvidos. Malcolm abriu os
olhos de repente.
— Por todos os Santos! -exclamou-. Converteu-me em um selvagem.
Absurdamente adulada e um pouco assustada pelo fervente brilho nos
olhos de Malcolm, Alpin fixou a vista na insígnia de seu clã.
— Tenho medo de cair.
Macolm a elevou um pouco mais. Seus olhos se encontraram de novo.
— Deixei te cair alguma vez, Alpin?

102
A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

Suspensa no fresco ar da noite e absolutamente a mercê de Malcolm, Alpin


se perguntou até que ponto as palavras de Malcolm eram verdadeiras.
Respondeu com incerteza:
— Não. Mas estava acostumada a ser muito menor, e mais ágil. Malcolm
esboçou um sorriso zombador e temerário.
— Segue sendo pequena, e sei que também é ágil em algumas outras
facetas que ainda ficam por explorar.
Sem achar uma resposta razoável, Alpin perguntou.
— Por que parte agora?
— Porque as coisas saem a comer de noite, ou se esqueceu?
Ela o recordava perfeitamente, mas suspeitava que os hábitos noturnos de
caça eram só uma parte de seus motivos. Mas ao ver que ele não parecia disposto
a lhe dar mais informação, Alpin não lhe pressionou. A ausência de Malcolm lhe
permitiria procurar as provas de como ele tinha interferido em seu destino.
— Quanto tempo vai ficar fora?
Com um grunhido de satisfação, Malcolm a baixou até o chão e repôs com
suavidade:
— Não o suficiente para que esqueça que logo será minha. Transfira suas
coisas a meu quarto e dorme ali, até que eu volte.
Com estas palavras fazieferência a seu acordo matrimonial, mas soavam
como se ela fosse parte de suas propriedades. Alpin olhou à multidão de homens
a cavalo. Todos observavam ao Malcolm com evidente respeito.
— E onde dormirei quando retornar?
Malcolm soltou uma gargalhada, devorando-a com um olhar faminto.
— Não o fará. Só a momentos.
Alpin ficou gelada de vergonha. Dirigiu-lhe um afável sorriso, e ajustou
mais o xale.
— Que desfrute de seu esporte favorito.
— Farei os dois, asseguro-lhe isso.
— Viverei com essa ilusão, meu senhor. — Alpin deu meia volta.
Doura permanecia estupefata nos degraus do castelo, com um odre e um
saco de provisões em suas mãos.
— O que é isso, Doura?-perguntou Alpin.
— A senhorita Elanna me disse que o desse ao Saladin.
Alpin lhe fez um gesto com a mão para que se dirigisse ao pátio. Ao entrar
no castelo, Alpin escutou como Malcolm ordenava avançar a seu cavalo; logo o
trovejar dos cascos assinalou sua partida. Alpin vacilou na entrada; um
torvelinho de pensamentos contraditórios girava em sua mente. Desejava que
Malcolm não retornasse nunca e de uma vez rezava para que não partisse.
Comporta se fecharam de repente.

103
A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

— É verdade, minha senhora, que o senhor e você estão amancebados?


-perguntou Doura com um agudo sussurro.
— Sim, é verdade, Doura -respondeu Alpin esgotada.
A moça juntou as mãos, agora vazias.
— Lady Miriam estará tão contente!
Mas a felicidade de Alpin se encontrava no outro extremo do mundo.
Entretanto, nesses momentos, inclusive a idéia de retornar a Paraíso supunha um
pobre substituto para o desejo inconsumado de seu coração. Era uma lástima que
não pudesse conseguir as duas coisas.
À manhã seguinte, segura depois da porta fechada com chave do escritótio
de Malcolm, Alpin rebuscou em seu escritório. Encontrou um molho de cartas de
Charles, mas a folga do cordão e o nó que as atava, informaram Alpin de que
faltava parte da correspondência. Classificou cartas a partir da data. As mais
antigas foram dirigidas ao pai de Malcolm, lorde Duncan Kerr, a quem tinha
dado ao Charles dinheiro para comprar a plantação Paraíso vinte anos atrás
como dote de Adrienne.
Assim, pensou Alpin, aquela era a dívida de honra que Charles tinha
chamado em seu testamento. Esse era o motivo pelo qual lhe tinha legado a
plantação ao Malcolm.
Entretanto, Paraíso tinha aumentado dez vezes seu valor nas duas últimas
décadas. Graças ao duro trabalho de Alpin. Uma questão de honra não podia
justificar uma recompensa tão generosa. Nem sequer o agiota mais ambicioso
diria que aquela transação equivalia a um justo rendimento do investimento. De
todos os modos, Charles não era precisamente ardiloso nos negócios.
Em busca de algo mais, Alpin leu o resto das cartas e encontrou uma única
missiva dirigida ao Malcolm, datada quatro anos atrás. Em meio de uma
incoerente dissertação sobre as virtudes da já remotamente falecida Adrienne,
Alpin descobriu um parágrafo surpreendente: «Devo reiterar meu agradecimento
por sua generosa oferta e sua desinteressada solução ao problema do bem-estar de nossa
querida Alpin. É um grande alívio para meu angustiado coração.»
As mãos do Alpin tremeram, apagando as palavras. Malcolm tinha se
preocupado por ela e tinha feito uma generosa e desinteressada oferta. Mas que
classe de oferta? Estava claro que não lhe tinha dado nenhum dinheiro para
viver, nem lhe tinha devotado gratuitamente um lar na Escócia. Alpin tinha tido
que regatear com ele para conseguir as duas coisas. Malcolm não esperava que
ela aparecesse em Kildalton depois da morte de Charles. Surpreendeu-se de
verdade ao vê-la chegar, e quando ela fez a observação de que lhe pertencia,
Malcolm sorriu, e chamou a aquilo um interessante giro do destino. Tinha
advertido Alpin por equívoco certo agradar nas palavras do Malcolm, ou
escondiam uma segunda intenção?

104
A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

Em qualquer caso, a atitude de Malcolm explicava por que o tutor de Alpin


tinha atuado com negligência ao planejar seu futuro. Mas no momento de
escrever aquela carta, Charles já tinha transferido ao Malcolm a propriedade de
Paraíso. Segundo o testamento, a transação tinha tido lugar um ano antes da data
dessa carta. Charles nunca tinha tido a intenção de deixar a plantação a ela.
Ferida, mas convencida de que Charles vivia ausente do mundo que lhe
rodeava, leu de novo aquelas linhas.
A palavra «reiterar» lhe chamou a atenção. De repente, ao advertir que
tinha encontrado a chave que abriria a porta da misteriosa implicação de
Malcolm em sua vida, sentiu um profundo calafrio. Mas quando tinha começado
o interesse deste por seu bem-estar? e quais eram suas verdadeiras intenções?
Leu por cima o resto da carta, mas não encontrou mais que o profundo
desespero de um homem que tinha perdido interesse pela vida e que só ansiava
o dia em que se reuniria no céu com sua amada Adrienne.
Alpin se sentiu cheia de culpabilidade e simpatia por Charles. Nunca tinha
chegado a compreender a profundidade de sua dor, cujo lado sua própria
inquietação parecia insignificante. Ela, ao menos, podia controlar seu próprio
destino.
Desde o dia em que chegou a Barbados, Alpin tinha sido testemunha de
um amor capaz de ridicularizar ao poeta mais romântico. Mais tarde, a morte
tinha ceifado terrivelmente levando Adrienne.
Durante os dez anos seguintes, Alpin tinha contemplado impotente como
Charles se consumia. Aquela triste lembrança reforçou sua crença de que o preço
de um amor eterno era muito alto. Ela pretendia seguir adiante com sua união
com o Malcolm, e esperava lhe dar um filho, mas nunca se arriscaria a lhe
entregar seu coração. Persuadiria-lhe para que lhe desse de presente a plantação,
e logo voltaria para casa. O desejo que tinha tentado sufocar durante toda a noite
provinha tão somente de uma necessidade física. Malcolm tinha despertado uma
paixão reprimida durante muito tempo. O dormir sozinha em sua enorme cama
tinha incrementado seu desejo. Quando Malcolm retornasse, Alpin se uniria a ele
no jogo amoroso, mas sua participação não iria mais à frente. Encarregaria-se do
castelo e dos criados, mas logo que tivesse os papéis, retornaria a Paraíso,
deixando Malcolm atrás. Sua consciência estaria tranqüila.
Uma vez que tivesse tudo claro, voltou de novo para as cartas. Mas para
sua grande decepção, só encontrou mais angustia e desespero. Um posterior
registro do escritório não revelou nada mais a respeito de Paraíso a ela, mas lhe
ensinou muito sobre a vida diária do chefe do clã Kerr. Ansiosa por seguir
investigando nas habitações de Malcolm, Alpin ordenou o escritório.
De repente se ouviu um sino e Alpin gritou e saltou como se lhe tivessem
dado um chute. Muito aterrorizada para respirar, olhou fixamente para a porta.
Esperava que Malcolm a derrubasse, logo se relaxou. Como governanta e
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A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

secretária de Malcolm, tinha direito a estar ali. Além disso ele estava fora,
caçando. As cartas estavam de novo em seu lugar, e embora Malcolm já tivesse
retornado, nunca saberia que ela tinha estado farejando.
Além disso, aquele som metálico provinha do mesmo quarto. Era o sino
que Saladin havia trazido de La Balance. Rindo-se de si mesma, secou o suor de
suas mãos na saia e conteve o tremor de seu corpo como pôde.
Que boba tinha sido! Mas por que tinha tocado o sino? A peça de cobre
deslustrado pelo tempo seguia descansando sobre a prateleira superior, igual a
antes. Curiosa, Alpin subiu ao tamborete. Justo quando estirava o braço, o sino
voltou a soar.
Alpin soltou um grito e se tornou para trás. cambaleou-se, e tratou de
equilibrar os pés sobre o bordo da banqueta agitando os braços. Desesperada se,
lançou para frente, agarrando-se à prateleira mais próxima; por fim o tamborete
se balançou até estabilizar-se no chão. O coração de Alpin pulsava como um
tambor e a mão dolorida tremia pelo esforço. Respirou profundamente várias
vezes. Quando se acalmou, pôs os pés sobre a banqueta e relaxou as mãos,
tentando alcançar de novo o sino.
Então viu o fio. Um extremo estava enrolado ao badalo; o outro
desaparecia por um pequeno buraco a um lado da livraria.
Dominada por uma terrível suspeita, Alpin voltou a deixar o sino em seu
lugar e saltou ao chão. Não fazia muito, tinha estado no escuro túnel de detrás da
estante escutando a conversação entre o Malcolm e Saladin.
Anos atrás, fazia daqueles túneis seu lar. Alpin procurou com segurança o
atirador na parede e o girou para a esquerda.
Escutou-se um roce metálico. Uma parte da biblioteca se separou da
parede, deixando ao descoberto o corredor principal da rede de túneis. Em sua
infância, estava acostumado a cruzar os passadiços com a presteza e a agilidade
de uma lebre, e agora se introduziu cautelosamente na escuridão.
Meio metro por cima de sua cabeça, descobriu uma fileira de anzóis
oxidados que serviam de guia ao fio. Era um sinal de alarme?
Levantou o abajur e seguiu o fio, que terminava na parte superior de uma
porta, a uns sete metros. Com os dentes apertados, agarrou o pomo e atirou dele.
A porta se abriu e ante ela apareceu o corredor com suas altas fileiras de
ventarolas e seu dobro de fila de mesas e bancos, que a essa hora estavam
desertos. O enorme trono, saído de um carvalho gigante e blasonado com o sol
dos Kerr, permanecia vazio.
De menina, subia a ele e na silenciosa escuridão fingia ser a soberana
daquele reino.
Voltou a ouvir o sino mas em sua distância tangido soou mais como um
tinido. Se a porta da biblioteca tivesse estado fechada, ela não o teria ouvido,
assim havia alguém rondando muito perto.
106
A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

Aquele artefato tinha sido idealizado por uma mente diabólica e utilizado
por um desprezível canalha. Ela tinha sido a vítima, tremendo de medo para
ouvir mencionar os ratos, as serpentes e as armadilhas. Quanto deveria ter se
divertido Malcolm e Saladin!
Tratando de dominar sua cólera, refletiu sobre o recente mistério: quem
tinha aberto essa porta fazia tão somente uns minutos?
Disposta a averiguá-lo, retrocedeu sobre seus próprios passos, fechou a
estante, e obedecendo a sua intuição, foi até a cozinha.
Encontrou a Doura, acariciando o lombo arqueado de um gato que parecia
mais interessado em beber a lambidas uma tigela de leite que em acolher os
mímos da criada. Era o caçador de ratos. Alpin lhe havia dito a Doura que
encontrasse um gato e o metesse no túnel, mas isso foi descobrir que a história
dos ratos tinha sido um intento de Malcolm para intimidá-la. Amaldiçoando sua
estúpida reação, Alpin se arreganhou a si mesmo por haver-se assustado como
uma criada histérica.
— Bom dia, Doura.
A moça ficou em pé de um salto.
— Bom dia, senhora. Esta pobre gata morta de fome andou toda a noite
rondando pelos túneis sem encontrar nenhum rato. E tem uma faminta ninhada
de gatinhos miando no estábulo.
— Acaba de deixá-la sair?
— Sim. Assim que tenho aberto a porta do corredor, a pobre Delilah saiu
correndo.
Isso explicava o tinir do sino, mas não desculpava ao Malcolm, pois por
culpa de suas armadilhas Alpin podia haver-se caido do tamborete, rompendo o
pescoço.
— Eu já sabia que não havia ratos ali dentro, embora o senhor lhe dissesse
o contrário. A senhora Elliott iria se cantar a um botequim antes que permitir que
Kildalton se enchesse de roedores. Ela foi quem nos ensinou suas normas de
limpeza a todas as criadas.
— Fez muito bem, Doura. — Alpin agarrou uma torta quente e se sentou à
mesa. — Logo que Delilah termine o leite, devolve-a aos estábulos e dê ao
veterinário meio quilograma de manteiga por haver nos emprestado a gata.
— Sim, senhora. Alguma coisa mais?
— Viu a Elanna esta manhã?
— Ainda está na cama. Quer que a desperte?
— Não, mas eu gostaria que limpasse as janelas do piso de acima.
Com a cauda rígida como um mastro, Delilah se enroscou entre os
tornozelos de Doura.
— Em seguida -disse a criada agarrando à gata e dirigindo-se para a porta.
Alpin, que já tinha perdido o apetite, chamou de novo à criada:
107
A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

— Quanto tempo está acostumado a ficar fora lorde Malcolm?


— Disse ao senhor Lindsay que voltaria dentro de uma semana.
Uma semana! E não tinha sido capaz de dizer a sua noiva. Aquilo supôs
para Alpin uma pausa e uma condenação ao mesmo tempo. Poderia utilizar esse
tempo para procurar as cartas que faltavam. Certamente lhe esclareceriam por
que Malcolm se interessou por sua vida cinco anos atrás. Uma parte dela
desejava que fora por afeto, mas era muito sensata para acreditar em tais
sentimentalismos. Doura a observava com espera.
— Esperemos que tenha êxito-disse Alpin ao fim, devolvendo a torta à
frigideira. — Logo que há suficiente carne na despensa, para passar a época da
reprodução. Quando chegar o inverno estarão morrendo de fome.
— Nós? -Doura moveu a cabeça, apertando-a touca -. Lorde Malcolm não
permitiria que nenhum dos seus morresse de fome.
Alpin se tinha excluído sem dar-se conta. Doura não sabia que planejava
partir, mas deveria tomar cuidado com suas palavras.
Doura abraçou à gata e a embalou.
— Você e o senhor viverão juntos e apaixonados -declarou soltando uma
risada tola.
Quando chegasse o inverno, Alpin estaria sob o sol tropical e desfrutando
de sua independência. Era-lhe indiferente que Doura os visse como um casal
romântico.
— Com certeza sim -respondeu.
Quando a criada partiu, Alpin subiu ao quarto de Elanna. Encontrou a sua
amiga sentada ante o espelho, escovando o cabelo.
— Dormiste bem? Elanna agarrou uma peça larga de tecido e começou a
enrolar na cabeça.
— Como um lagarto sob o sol.
Sua falsa alegria não enganou Alpin; além disso, a cama intacta indicava
que Elanna não se deitou. Cheia de curiosidade, Alpin perguntou:
— O que havia no saco de provisões que Doura deu ontem à noite a
Saladin?
Elanna sorriu astutamente.
— Alimento para seus poderosos princípios muçulmanos. — O rancor se
escondia atrás daquela careta.
Arrumando o turbante, Elanna acrescentou sem lhe dar importância:
— E um pouco de minha beberagem «te agache entre os matagais».
— O que? -Alpin não sabia se ria ou amaldiçoava-. Oh, Elanna! Passará o
tempo esvaziando seus intestinos em vez de derrubar veados.
— É claro que sim!
Dez dias depois, quando retornou a partida de caça, Alpin suspeitou que o
plano da Elanna tinha dado errado.
108
A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

Capítulo 10

— Saladin está morrendo -anunciou Malcolm.


Emudecida, Alpin ergueu o pescoço para lhe olhar. Malcolm torceu a boca,
que tremeu visivelmente. Alpin agarrou as rédeas para acalmar ao cavalo,
enquanto pensava que o mouro tinha sofrido um acidente de caça.
— Oh, não! -exclamou.
Com escuras sombras sob os olhos e uma tristeza ainda mais negra em sua
expressão, Malcolm apertou os dentes com força e olhou fixamente para as
arqueadas portas do castelo.
— Sim, é verdade.
— O que aconteceu?
— Durante os últimos dias, queixava-se de dor de estômago. Ontem à
noite dormiu, e não despertou.
A poção da Elanna não produzia sono, pensou Alpin.
— Tentou lhe reanimar?
— Sim. Queimamos plumas e as pusemos debaixo do nariz. Rabby gritou
seu nome com tanta força para fazer baixar aos anjos. Não serviu de nada. Ainda
está inconsciente.
— Oh, Malcolm! Não deve perder a esperança onde está?
Malcolm assinalou com a cabeça para a grade da entrada. Alguns
cavaleiros em fila da três entraram no pátio do castelo.
— Uns minutos por detrás de nós, no carro.Rabby conduz.
Alpin soltou os arnês do cavalo e gritou o nome de Alexander. Quando o
soldado chegou até eles, Alpin ofereceu a mão a Malcolm.
— Vamos, Malcolm. -Seus dedos se entrelaçaram com os dela. Alpin sentiu
seu tremor-. Prometo-te que irá melhorar.
Malcolm soprou em desacordo.
— Nunca deveríamo ir a caça, e ele deveria ter comido o mesmo que os
outros.
Alpin apertou a mão de Malcolm rezando para que todo se devesse a que
tinha ingerido muito do purgante de Elanna.
— O que comeu ontem à noite?
— Algumas raízes e bagos. E folhas de dente de leão. A mesma comida de
coelho de sempre.
O ranger das rodas indicou que o carro se aproximava da grade.
— Que tipo de raízes? É possível que tomasse algumas venenosas?
— Não sei -grunhiu Malcolm apertando os dentes-. Não tem nenhum
sentido. Leva toda a vida comendo isto. Sabe perfeitamente o que deve comer e
que deve evitar.
109
A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

— O que bebeu ontem à noite? — Alpin conteve a respiração.


Aturdido, Malcolm jogou uma olhada à zorra. Seus ombros se desabaram.
— Todos bebemos do poço do porquero, e alguns de nós de seu barril de
cerveja. Mas Saladin não, é obvio. Levava seu suco de laranja, que tanto gosta.
Não tinha nada estranho nem estava estragado.
Alpin estava segura, tão segura como de que as figueiras aristadas
cresciam em Barbados: Elanna e sua poção tinham terminado com a vida de
Saladin. Entretanto, a culpa era dela. Se ela não houvesse trazido a Elanna a
Escócia nem lhe tivesse sugerido que trouxesse consigo suas beberagens, Saladin
estaria perfeitamente são. De repente se deixou levar pelo sentido comum. Se
Elanna lhe tinha feito adoecer com suas poções, também poderia fazer que se
recuperasse.
Alpin apertou a mão de Malcolm com decisão.
— Levem para dentro e o coloquem em sua cama. Eu irei procurar a
Elanna. Não se preocupe. Ela saberá o que fazer.
Enquanto cruzava o pátio, Alpin pensou no horrível giro que tinham dado
os acontecimentos. Uma hora antes, no campo de torneios banhado pelo sol, ela
tinha permanecido apoiada contra o muro que rodeava uma grande extensão de
terra batida. A seu lado havia um barril de rum que continha partes de cana de
açúcar e um facão. Os meninos de Kildalton se amontoaram ao redor da esfera
terrestre que Alpin tinha tirado do escritótio de Malcolm e fizeram girar o
círculo, tratando de assinalar Barbados com seus dedos.
Alpin se precipitou através das portas do castelo, correndo para a cozinha.
Elanna estava sentada junto à mesa depenando um enorme ganso. Dois dias
antes, Elanna tinha largado a mão de suas provisões de cana de açúcar e lhe tinha
dado uma parte ao menino da cozinha como recompensa por tirar as ervas
daninhas da horta.
A curiosidade por aquele presente se propagou entre os habitantes do
castelo, daí que Alpin se decidisse a repartir uma aula de geografia aquela
manhã.
Enquanto se aproximava de Elanna, Alpin só podia pensar em seus amigos
de infância.
— Saladin está doente.
Elanna levantou a vista, com sua característica negligente indiferença
própria de uma rainha.
— Sinto-o muito.
Alpin lhe arrebatou violentamente o animal morto fazendo que voassem
plumas brancas.
— Pode ser que lhe tenha matado. Sugiro-te que procure entre suas ervas
medicinais e encontre um remédio rápido.
Com os olhos totalmente abertos, Elanna saltou de sua cadeira.
110
A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

— Morto? Onde está? Como vai?


— Está inconsciente. Está assim desde ontem à noite. Malcolm e Alexander
vão deitá-lo. Acreditam que está morrendo.
Arrancando-as plumas dos dedos, Elanna se lançou ao balde de água e
começou a lavar as mãos.
— O que comeu?
— Bebeu do suco de laranja que você preparou.
— E que mais?
Alpin escutou o arrastar de botas no vestíbulo e imaginou aos dois homens
subindo as escadas.
— O que comeu? -repetiu Elanna.
— Bagos, raízes, e acredito que folhas de dente de leão.
— Dente de leão? meu mouro negro comeu dente de leão ontem à noite?
As esperanças do Alpin caíram em picado.
— Sim, é mau?
— As folhas de dente de leão com muita poção «te agache entre os matagais»
formam uma mistura muito má. Muito mau.Esquecendo de secar as mãos,
Elanna se dirigiu ao lar, cobriu com seu avental a asa do fervedor fumegante e o
tirou do fogo. Dominada pelo remorso e por uma raiva impotente, Alpin seguiu
a seu amiga.
— Vai morrer?
— Não sei. Darei-lhe um pouco de raiz de erva de mar fervido. Se
acordado, coloquem pelo gogó grandes dose de suco de laranja puro.
Alpin apertou as mãos com força.
— Rezarei para que isto funcione. Verei-te acima.
Cinco minutos mais tarde, Alpin estava de pé ao lado de Malcolm junto à
cama de Saladin. A tez morena do mouro oferecia uma cor cinzenta ao contrastar
com os lençóis brancos.
— Tem muito mau aspecto -informou Malcolm-. Mas respira.
Alpin ficou frente a ele. O desespero em seus olhos fez com que se
encolhesse o coração.
— Por favor, não se preocupe, querido -sussurrou, aproximando a mão até
a bochecha sem barbear de Malcolm-. Elanna fará tudo o que possa para que
fique bem.
Malcolm suspirou, lhe dirigindo um sorriso desanimado.
— Oxalá confiasse nela tanto como você. Neste caso não mandarei buscar a
a parteira.
Alpin desejava lhe dizer a verdade, mas seu instinto de conservação não o
permitia. A parteira não conheceria a causa do mal-estar do Saladin, assim tinha
que convencer ao Malcolm para que permitisse que Elanna levasse a cabo a cura.
Odiando a si mesmo, inventou uma descarada mentira.
111
A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

— Não chame à parteira. Poderia lhe matar. Deve ter fé na Elanna,


Malcolm. Toda a gente de Barbados confia nela. O governador não permitiria
que ninguém mais tratasse sua gota. — A esperança nos olhos do Malcolm a
incitou a continuar-. Curou-o tudo, desde males do coração e impotência, até
febre amarela e hidropisia.
Malcolm esboçou um débil sorriso.
— Hidropisia? Só de pensar em qual pode ser o tratamento dessa
enfermidade me agarra algo.
Soaram uns passos no corredor. Alpin ficou de novo ao lado de Malcolm,
dizendo:
— Eu tampouco conheço o tratamento, mas Elanna tem o dom da cura.
Pode perguntar-lhe você mesmo.
— Me perguntar o que? -interessou-se Elanna, entrando no quarto com
uma bandeja carregada com uma jarra, um montão de trapos dobrados e uma
taça fumegante.
— Não importa -respondeu Malcolm com tom grave-. Só tem que te
ocupar dele como se fosse o governador de Barbados.
— O que? -exclamou Elanna surpreendida.
— Malcolm está muito preocupado — apressou-se a responder Alpin -.
Contei-lhe que em Barbados todo mundo elogia seus poderes curativos.
Inclusive o governador.
Elanna não tinha visto esse homem em sua vida, mas replicou:
— É claro que sim! -Deixou a bandeja sobre a mesa de noite e, com a
cabeça baixa, aproximou-se rapidamente ao Saladin.
«Sente-se terrivelmente culpada -pensou Alpin -. Ela também está sofrendo
muito.»
— O que acontece, Elanna?
— Primeiro tenho que lhe examinar. — Elanna se inclinou sobre a cama e
levantou as pálpebras de Saladin com seus polegares. O contraste da pele mogno
da mulher com o cinzento rosto de Saladin era uma prova eloqüente de sua
enfermidade.
Malcolm se agitou com nervosismo.
— Faz algo, pelo amor de Deus.
Ao rodear a cintura do homem com o braço, Alpin sentiu a tensão de seus
músculos.
— Ficará bem.
— Rezarei para que assim seja. É meu melhor amigo.
Com uma atitude de controle absoluto que Alpin sabia era forçado, Elanna
pôs as gemas dos dedos sob a mandíbula do Saladin e lhe apalpou todo o
pescoço. Fez uma pequena pressão debaixo de seus braços, e logo lhe desabotoou
a camisa e posou a cabeça sobre seu peito.
112
A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

— E daí? -perguntou Malcolm.


— Não há por que preocupar-se -anunciou Elanna-. O coração do mouro
negro pulsa tão forte como um tambor da selva. A garota ilhoa lhe reanimará. —
Dirigiu um solene olhar a Alpin-. Muito em breve.
Elanna removeu uma colherada feita de ervas secas em uma fumegante
taça de líquido marrom. Sentando-se sobre a cama, passou a mão por debaixo da
cabeça com turbante de Saladin, e a levantou. Quando alargou o braço para
alcançar a taça, Malcolm a aproximou.
— Trague isto devagarzinho e sem protestar –advertiu Elanna a seu
paciente inconsciente-: ou empaparei um trapo e lhe colocarei isso por onde sua
poderosa dignidade muçulmana se esconde.
O tom brusco de suas palavras não enganou a Alpin, quem sabia que
Elanna estava profundamente preocupada com o Saladin e que aquela rudes
maneiras não eram mais que um modo de reprimir sua ansiedade. Malcolm
rodeou com seu braço os ombros de Alpin e a atraiu para ele.
— Acredito que acertei ao imaginar o tratamento para a hidropisia
-murmurou-. Tem algo que ver com um trapo empapado e com a dignidade de
um homem.
— Saladin é forte. Sobreviverá com ou sem dignidade. Tem que fazê-lo.
Elanna não permitirá que seja de outra forma. — Alpin conteve a respiração.
Elanna fez uma massagem na pomo do mouro. Assombrosamente, sua
garganta fez uns movimentos involuntários e começou a engolir. Quando a taça
esteve vazia, Elanna a pôs a um lado e lhe lavou a face, o pescoço e o peito com
um trapo úmido e frio.
— Quando despertará? -perguntou Malcolm.
— Logo, muito em breve -assegurou Elanna.
— Se ainda segue inconsciente, como tem feito para que engolisse?
Elanna se encolheu de ombros.
— O homem santo Ashanti o chama espírito do corpo. Para mim é um
mistério, igual à razão porque um recém-nascido procura o seio de sua mãe.
— Não estou seguro de entendê-lo -disse Malcolm-, mas suponho que não
importa.
Passaram dez largos minutos, nos quais o único indício de que Saladin
continuava vivo era o contínuo subir e descer de seu peito. Uma silenciosa
angústia enchia o austera quarto. Ao outro lado da janela aberta, a atividade no
pátio virtualmente tinha desaparecido. Não se ouvia nenhum menino cantar,
nem chiar, e só os animais pareciam insensíveis à tragédia da estranha
enfermidade de Saladin.
Alpin tirou forças do carinhoso abraço de Malcolm. Ele também a
necessitava, e aquela idéia a animou. Então fez uma calada promessa: se Saladin

113
A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

voltava em si, proibiria a Elanna que usasse suas beberagens, e lhe pediria que
confessasse seus sentimentos para o mouro.
— A gente de Kildalton o quer muito, verdade?
— Sim -Respondeu Malcolm.
Saladin tossiu, e de repente abriu os olhos. Com a boca entreaberta, olhou
a seu redor e depois a cada uma das pessoas que havia junto a sua cama. Dirigiu
ao Malcolm um sorriso de dor.
— Por fim! -exclamou Malcolm deixando escapar um sopro.
Saladin se voltou para a Elanna, que chorava. Malcolm se apressou até o
outro lado da cama e se ajoelhou.
Elanna afundou a cara no trapo molhado, soluçando. Chorosa, Alpin se
aproximou de sua amiga e lhe deu uns tapinhas nas costas.
-O que é isto? -perguntou Saladin fracamente-. Um velório?
Elanna soluçou ainda mais forte. Malcolm agarrou a mão ao Saladin.
— Depende de como te encontre, meu amigo.
O mouro se umedeceu os lábios e engoliu saliva.
— Sinto-me como se me tivesse miserável por todo o caminho até casa.
Como cheguei aqui?
— Trouxemo-lhe na carroça.
Saladin se sentou a frente e inclinou o turbante.
— Por que chora essa africana? Vai dar alguém algo de beber? Minha boca
parece o fosso da fortaleza do Gordon.
Elanna se sorveu as lágrimas e levantou a cabeça, dizendo:
— Mouro negro insolente.
— E ingrato -acrescentou Malcolm.
Saladin sorriu, mostrando a separação entre seus dentes.
— E sedento também. Utilizaste seus poderes Ashanti para me arrancar
das garras da morte?
«Se soubesse -pensou Alpin-, que foi Elanna quem pôs sua vida em perigo.»
Elanna lhe serviu suco de laranja e o ajudou a beber.
Os olhos de Saladin não se separavam de sua cara. Quando teve esvaziado
o copo, disse:
— Salvaste-me?
Ela assentiu com a cabeça e encheu de novo o copo. Quando o ofereceu,
Saladin lhe pôs uma mão sobre a dela. Olhando primeiro ao Malcolm e logo a
Alpin, disse:
— Nos deixem sozinhos.
Alpin observou como Elanna ficava tensa e lhe surpreendeu que não
protestasse. Acreditando que sua amiga tinha medo de ficar a sós com o mouro,
disse:
— Provavelmente deveríamos ficar, Saladin. Pode ser que necessite de nós.
114
A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

— Duvido-o. Tem tudo o que necessita.— lhe dando um tapinha de


despedida no braço, Malcolm se levantou-. Fique bem.
— Não tenho forças nem para partir uma parte de pão. Meu anjo salvador
não corre nenhum perigo.
Malcolm levou ao Alpin do quarto.
— Meu deus, estou esgotado! -disse apoiando-se no corrimão e
observando o vestíbulo lá abaixo.
Alpin lhe entendeu perfeitamente. Sentia-se tão aliviada que tinha vontade
de rir.
— Gostaria de um banho? -perguntou.
Olhando-a por cima do ombro, Malcolm disse divertido:
— Por que? Acaso o necessito?
Alpin se tampou o nariz.
— Sim, a não ser que você goste do aroma de lã molhada e a cavalo
suarento.
Malcolm se virou, abraçou-a e a levantou do chão.
-Oh, Alpin! Pensei que o tínhamos perdido -murmurou contra seu seio.
Logo começaram a dar voltas. As portas, a aranha e os antigos escudos da
parede apareciam e desapareciam da vista de Alpin, que se agarrou ao cabelo de
Malcolm, fechando os olhos. Já não se sentia culpada, e a realidade voltava a
resplandecer ante ela. Malcolm havia retornado e dentro de umas horas seria sua
esposa em um sentido físico. Segundo o costume e a lei do povo, pertenceria ao
homem que sem dúvida a tinha enganado. Provavelmente fora por seu recente
contato com a morte, ou por resignação, mas o certo é que Alpin não podia
separar-se dele. Queria-o, e desejava seu consolo, sua companhia e seu amor.
Quando por fim a deixou no chão, ambos estavam tontos. Como um par de
clientes assíduos do botequim, baixaram as escadas cambaleando-se. Enquanto
uma Doura alvoroçada enchia a banheira na ante cozinha, Alpin servia ao
Malcolm uma fonte de tortas, queijo e cordeiro frio. Depois Alpin subiu a seu
quarto a procurar uma camisa e um tartán limpos. Ao ver-se refletida no espelho,
deixou as roupas do Malcolm sobre a cama e escolheu um vestido limpo do
armário ao que tinha transladado seu vestuário. Logo se arrumou o cabelo, lavou
o rosto e se beliscou as bochechas para lhes dar cor.
Quando Malcolm terminou o banho e se vestiu, saíram ao pátio e
difundiram a notícia da recuperação de Saladin. Soldados, arrendatários e
meninos se uniram a eles em seu passeio por Kildalton. Quando entraram no
antigo campo de torneios, Malcolm dirigiu o olhar para o globo terrestre que
havia junto à pista.
— O que faz isso aqui?
A lembrança de sua aula de geografia aquela manhã fez sorrir Alpin. De
menina era analfabeta e invejava os outros meninos de Kildalton, pois ao
115
A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

contrário do que ocorria em casa de seu tio, os arrendatários do lugar lhes


oferecia uma educação. Durante o ano que viveu ali, tinha sido uma obstinada
mucosa de seis anos, muito orgulhosa para pôr o pé na escola. Enquanto
Malcolm destacava em história e matemática, ela dominava a arte das
travessuras e da sobrevivência.
O pequeno Gibby Armstrong se aproximou apressadamente e ficou a
andar para trás para poder lhes ver a cara. Com o cabelo loiro caindo sobre a
frente, disse com voz gritã:
— Deu-nos açúcar da ilha e nos deixou girar o globo.
Elevando as sobrancelhas, Malcolm perguntou:
— Encontrou Escócia, moço?
Gibby quase tropeçou com seus próprios pés. Rabino Armstrong agarrou
ao menino e o montou sobre seus ombros.
-Sim, senhor, e Barbados -gritou Gibby, com os dedos enredados no cabelo
do Rabby-. Ali é onde lady Alpin cultivava açúcar de cana.
Malcolm tomou a mão de Alpin e entrelaçou seus dedos com os dela.
— Que curioso, Alpin. Como o fazia?
Alpin lhe apertou a mão, sentindo-se estranhamente em casa, rodeada por
gente que uma vez a desprezaram por ser uma menina má e agora a elogiavam
por ter um coração tão generoso.
— Dei-lhes cana de açúcar, e também lhes ensinei um facão. Elanna serve
rum de um barril.
— Deste-lhes álcool ao Gibby e aos outros meninos?
O tom acusatório feriu a Alpin.
— Claro que não. Só aos homens -declarou, separando-se.
Malcolm a atraiu para ele de novo.
— Só queria te fazer carinho. Agora, me diga se sentiu minha falta.
Para combater sua ansiedade, tinha posto em marcha a todos os criados em
uma frenética operação de limpeza. Das escadas da torre até as celas das
masmorras, Kildalton tinha sido varrido, esfregado.
— Estive muito ocupada para sentir sua falta.
— Ah, já vejo e como te mantiveste ocupada, além de dar aulas de
geografia e oferecer rum aos homens?
— Matamos aos porcos e fizemos algumas mudanças. -Que tipo de
mudanças?
— Já lhe ensinarei. -Levou-lhe por diante do jardim murado até a parte de
atrás do castelo.
Malcolm se deteve sobre seus passos. Ante ele se encontrava um novo
edifício feito de pedra, com um espesso telhado de palha.
— Construíste uma nova despensa?

116
A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

— Eu não. Alexander e seus homens derrubaram a velha. As vigas de


madeira e os suportes do teto estão ali, terminando de arder, em um montão de
carvão. O pedreiro se encarregou de tudo.
Alexander se uniu a eles.
— Foi idéia de lady Alpin construir uma despensa maior, senhor.
trabalhou tão duro como qualquer dos moços.
— Muito bem, minha senhora. — Malcolm a olhou de cima abaixo -.
Provavelmente deveria abandonar Kildalton mais freqüentemente, embora ainda
não sei o que poderia me obrigar a fazê-la.
Um murmúrio de aprovação se estendeu entre os homens. Sentindo-se
apanhada pela devoção de Malcolm e incômoda por ser o centro de atenção,
Alpin se estremeceu.
— Parece-me estupendo.
Doura saiu de entre a multidão.
— Isso não é tudo o que tem feito, meu senhor. Tem-nos feito limpar o
castelo de ponta a ponta. Nem a própria senhora Elliott criticaria os métodos de
lady Alpin.
— Parece que tenho feito um bom negócio. Terei que trabalhar duro para
me manter a seu nível.
Homens e mulheres riram e os meninos lhes aclamaram.
Inquieta sob o olhar ardente de Malcolm, Alpin abriu a porta da despensa.
— Será melhor que a inspecione primeiro.
Malcolm se agachou para entrar. Um momento depois, gritou:
— Aqui há suficiente queijo e presunto fresco para passar até a primavera.
Bendito seja Deus! Com a caça que trouxemos e tudo isto, este inverno
comeremos como reis.
O bom humor de Alpin se desvaneceu. Antes do inverno, ela retornaria a
Barbados. Nunca voltaria a ver às pessoas do castelo nem os soldados.
Converteria-se em uma agradável lembrança para esses meninos. Enquanto
Malcolm e seus homens esquentassem os pés ao lado do fogo, saboreando o
queijo cremoso e o presunto salgado, ela estaria ocupando-se de sua própria
plantação, mantendo a sua própria gente, sentia-se culpada, mas ao mesmo
tempo se justificava pensando que tinha ajudado às pessoas de Malcolm. Tinha
deixado seu rastro, e a recordariam com carinho.
Por outro lado, ele a tinha enganado, e embora ainda não tinha encontrado
as cartas que faltavam nem tinha nenhuma prova sólida de como Malcolm tinha
interferido em sua vida, no fundo de sua alma sabia que tinha planejado lhe
arrebatar Paraíso e que a tinha atraído até os Borders para tê-la sob seu controle.
Só lhe faltava saber por que. Mas descobriria o motivo, pois Malcolm não
poderia guardar seu segredo para sempre, e menos se viviam juntos como

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A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

marido e mulher. Ante aquele inquietante pensamento, Alpin se reafirmou em


sua promessa solene de guardar seu coração para ela.
Quando saiu da despensa, Malcolm lhe fez uma cortês reverencia.
— Bom trabalho, Alpin. No fundo é toda uma escocesa. -Dirigindo-se ao
Alexander, disse-: Vá ao Rot and Ruim e diga a Jamie que abra um barril de
cerveja para o latifundiário. Brindaremos por nossa formosa senhora e pela
recuperação de Saladin.
A multidão vociferou, dirigindo-se em massa para o botequim. Malcolm
estendeu o braço.
— Vamos, Alpin?
Não tinha por que sentir esse calor em seu interior, e a ávida expressão de
Malcolm não deveria fazer palpitar seu coração com tanta força ou desencadear
em sua mente desejos que nunca se cumpririam. Mas Alpin não podia evitar de
lhe desejar, não podia deixar acontecer a oportunidade de intimar que lhe
oferecia. A seus vinte e sete anos, provavelmente não lhe ofereceria outra
oportunidade de descobrir os mistérios do amor carnal.
— Está planejando me embebedar para te aproveitar de mim? -perguntou
lhe agarrando do braço.
Ele se aproximou tanto que seu fôlego fez cócegas na orelha de Alpin.
— Oh, não! Nada disso. Quero que esteja muito sóbria quando levar a
minha cama esta noite. Quero que se embriague de mim.
— Eu não me embebedo facilmente.
— Isso já o veremos.
O familiar aroma de seu sabão de sândalo bastava para embriagar os
sentidos de Alpin; a cercania do homem despertava outras sensações mais
deliciosas em seu corpo.
Sentia fracas as pernas, tensão em seu estômago, e como seus seios
ansiavam o tato de suas mãos e de sua boca. Como uma, jovenzinha doente de
amor, Alpin suspirou ofegante. Ele beijou sua bochecha e sussurrou:
— Recorda esse pensamento, querida.
Só sua decisão de não apaixonar-se turvava o forte desejo que sentia de
entregar-se completamente.
— E depois me conta com todo detalhe –acrescentou Malcolm.
Aquele comentário tão presunçoso a enfureceu. Antes que delatar-se tão
abertamente, cresceriam-lhe escamas de peixe.
— Quanta caça trouxe?
Malcolm afogou a risada e lhe deu um golpezinho no nariz.
— Terá que ser mais engenhosa se quer me tirar da cabeça a idéia de fazer
o amor contigo.
— Amor? Acreditei que o que queria era fazer esporte na cama.
— É isso o que você quer?
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A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

— Não sei exatamente o que quero -mentiu Alpin.


Ele assentiu com seriedade: a viva imagem de um chefe de clã escocês.
— É normal em uma virgem.
— Tão seguro está de que o sou?
— Se não, mais vale que me diga isso.
— O que me oferece em troca de minha inocência? -perguntou Alpin
raivosa.
Malcolm observou sua boca, pensativo.
— Ofereço-te delicadeza, minha mais absoluta atenção, e uma noite de
amor que nunca esquecerá.
Aquelas promessas fizeram estremecer Alpin, e no fundo de sua alma
temeu que qualquer tentativa de resistir ao encanto de Malcolm Kerr terminasse
em uma batalha que estava destinada a perder. Sentiu-se como uma árvore
jovem com as raízes pouco profundas, agitado pela brisa do desejo.
Entretanto, não foi capaz de deixar sem responder a umas palavras tão
presunçosas.
— Como diria Elanna, não é mais que um tipo insolente.
— Quando chegar a manhã, veremos quem é o insolente.

Capítulo 11

Saladin decidiu que se Elanna lhe chamasse teimoso uma vez mais, pegaria
sua cimitarra e arrancaria de um golpe um pedaço do pé da cama. E se não
parava de mover-se, ataria-a à cadeira, embora estivesse muito fraco para
levantar um dedo.
Durante a meia hora que tinham estados sozinhos, Elanna não lhe tinha
dirigido nem uma dúzia de palavras. Saladin suspeitava o motivo, mas não
entendia como dez dias atrás seu encontro no jardim murado tinha começado
com doces beijos; para terminar em uma amarga briga.
— Salvaste-me a vida e entretanto não quer falar comigo, por que?
De pé junto à biblioteca, Elanna folheava o Corão ilustrado de Saladin.
— Um muçulmano é bastante preparado para sabê-lo.
Saladin se encontrou observando sua estreita cintura e a graciosa queda da
saia. O suave tecido de algodão a raias verticais de cores amarela e azul
acentuava sua excepcional estatura e destacava sua formosa pele morena. Um
turbante cobria o cabelo e realçava seu comprido pescoço.
Saladin se animou, mas para sua consternação, estava muito aturdido para
dominar suas ânsias luxuriosas e muito fraco para deixar-se guiar por elas. Tão
certo quanto a montanha tinha ido a Mahomé, Alá lhe tinha enviado aquela
mulher. A operação de compreendê-la e ganhá-la, devia ser a forma que o
Profeta tinha eleito para ensinar humildade a Saladin Cortez.
119
A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

— Por que me salvaste a vida?


Elanna se virou, com os lábios apertados e os olhos brilhantes, a ponto de
perder a pouca paciência que tinha.
— Uma pergunta muito tola.
Dialogar com ela era tão difícil como explicar a um cristão fanático a
doutrina de Alá. Provavelmente a franqueza funcionaria.
— Então me conte por que te mostrou tão atrevida como a favorita de um
sultão a primeira vez que te vi. Agora te mostra distante. Se por acaso não
recorda, foi você quem me pediu que te beijasse.
Elanna levou as mãos à cintura, e o corpo de decote quadrado de seu
vestido se apertou sobre seus seios.
— A esta princesa africana preocupam mais as moscas do esterco que jogar
de colocar saca com um muçulmano teimoso.
Com tristeza, Saladin comprovou que não tinha a força suficiente para
desembainhar sua espada embora ela tenha destruído a única cópia que tinha do
Corão.
— Coloca saca? Isso soa interessante. -Saladin deu uns golpezinhos sobre o
colchão -. Vêem aqui e me diga do que se trata.
Elanna se aproximou dos pés da cama, detendo-se junto ao baú que
continha as roupas de inverno de Saladin.
— É o mesmo que os missionários, chamam «procriação».
Pelo menos estava aproximando dele, o que já era um grande progresso.
— Então é uma forma sutil de dizê-lo.
Elanna elevou o queixo, erguendo seu esbelto pescoço de cisne.
— Não para ti. Um Akwamus comilão de porcaria é mais sutil que um
muçulmano adorador de novelo como você.
Saladin podia imaginá-la dirigindo uma tribo, com centenas de formosos
Ashanti lhe rendendo vassalagem. Ele queria lhe oferecer de novo seu próprio
tributo, mas como ia fazer e se ela se negava a admitir seu papel naquele último e
desastroso encontro?
— Te aproxime, princesa — disse Saladin estendendo a mão.
Ela deu uma olhada ao colchão. O desejo brilhou em seus olhos.
« Oh, Alá! — pensou Saladin-. O que tenho feito eu para merecer uma bênção
como esta mulher?» De qualquer modo, estava disposto a tirar o maior partido de
sua boa sorte. Procurou um tipo de conversação interessante.
— Me fale de suas beberagens.
— Não há nada que dizer. — Observou a cimitarra-. Tão somente são bons
remédios.
Saladin tratou de abrandar seu coração e disse:
— Obrigado por me salvar. Estou em dívida contigo.

120
A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

— Não há nenhuma dívida. -Distante e defensiva, percorreu com seus


compridos e elegantes dedos a velha madeira do baú-. Já pagaste seu preço,
assim esquece-o.
Saladin sentiu retumbar seu estômago e fortes pontadas na cabeça. Embora
nunca tinha provado o álcool, agora entendia como se sentia Malcolm depois de
uma noite de muita cerveja. Procurou o modo de fazê-la falar.
— Acha que me pus doente por me comportar como um animal?
Com a rabugice de uma concubina descarada, Elanna respondeu:
— Como pode saber uma princesa Ashanti que esteve a ponto de te
converter em um montão de pó?
— Um montão de pó?
— O que a selva deixa de um homem. Ossos secos. Pó no ataúde de
muçulmano.
A mãe terra era o ataúde para um muçulmano, mas Saladin não acreditou
que explicar a Elanna as práticas de sua religião lhe ajudasse nesse momento.
— Em minha cultura alguns acreditam que um homem deve declarar-se
escravo de quem lhe salva a vida.
— A escravidão é má, muito má.
Saladin se amaldiçoou por ter tirado o único tema capaz de turvá-la. Então
disse com suavidade:
— E o que pensa sobre escravizar o coração de alguém?
Elanna se encaminhou para a porta.
— Não tenho tempo para isso.
Saladin tinha que conseguir que ficasse. Utilizando o truque mais fácil,
tossiu e logo se queixou.
Ela quase voou até a cama, lhe sustentando a cabeça como antes,
aproximou-lhe o copo aos lábios.
— Muito bem. Bebe devagar, devagar. Não engasgue.
Saladin engoliu sem notar apenas o sabor da água com laranja. Seus
sentidos se concentraram na suavidade do travesseiro de seus seios e na fenda
que revelava seu decote. Cheirava a ervas doces e almíscar, uma combinação
muito sedutora. Quando retirou o copo, Saladin sussurrou:
— Sinto te haver destroçado o vestido.
Ela abriu a boca e a voltou a fechar. Logo. suspirou.
— E eu lamento o de seu livro.
Saladin também poderia lhe contar a triste historia de um homem solitário
que tinha renunciado às necessidades de seu corpo e de seu coração para viver
em uma terra estranha com gente a que admirava. Elanna lhe tinha feito duvidar
de sua decisão e durante dias ele tinha analisado em seu interior, tratando de
compreender seu repentino descontentamento.

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A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

— Não sei o que se apoderou de mim aquele dia no jardim. Estava


possuído, como se tivesse tomado uma poção de amor. Acaso me enfeitiçaste?
— Não sou nenhuma bruxa!
Elanna se apartou bruscamente e a cabeça do Saladin se desabou sobre o
travesseiro. O quarto começou a lhe dar voltas agarrou-se a beira do colchão e
fechou os olhos. Esta vez o gemido foi real. Saladin ouviu o suave roçar da saia
de Elanna e logo sentiu o ímpeto de seu fôlego.
— Negro teimoso! Quando estiver melhor, esta princesa Ashanti te contará
um segredo.
Esteve a ponto de cair de novo em um profundo sonho. Abriu os olhos.
Elanna estava tão perto que podia contar suas pestanas.
— Eu gostarei de seu segredo?
— É claro que sim! — Elanna sorriu.
Saladin morria por abraçá-la e beijá-la, mas. seus braços eram um peso
morto sobre a cama.
— Conta-me agora. Pode que durma e não desperte nunca mais.
— Fará-o. Os deuses lhe mandaram de volta uma vez, e o farão de novo.
A cor de seus lábios recordou ao Saladin o suco de bagos. Aquela imagem
lhe fez sorrir.
— Por que?
— Porque é um muçulmano teimoso.
Enquanto se abandonava ao sono, Saladin se perguntou se os homens
Ashanti pegavam a suas mulheres.
No meio de um coro de aclamações e boa noite, Malcolm conduziu Alpin
fora do botequim, depois daquele ambiente quente e buliçoso, sentiu na pele o ar
fresco da noite e o silêncio ressonou em seus ouvidos. No alto de um céu negro
azulado cheio de estrelas brilhava uma meia lua.
Alpin se dirigiu para o castelo, mas Malcolm a arrastou na outra direção.
— Aonde vamos? -perguntou.
— Espera e verá. — Malcolm a conduziu pela beira do caminho, perto das
lojas dos comerciantes.
Alpin não entendia o porquê daquele rodeio pois pensava que Malcolm
estaria impaciente para consumar o matrimônio. Entretanto, seu despreocupado
passeio pelo pátio do castelo parecia lhe agradar mais que cumprir suas lascivas
promessas.
Alpin deu um tropeção e Malcolm a segurou, dizendo:
-Tome cuidado. Olhe por onde pisa.
As alamedas estavam salpicadas de faróis.
Na escuridão, outros sentidos de Alpin se aguçavam. Ao passar diante da
loja do curtidor, o aroma de Couro lhe impregnou. A forja inclinada do ferreiro
despedia ondas de ar quente e seco.
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A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

Pensando que Malcolm queria fazer uma visita a seus pássaros, Alpin
disse:
— Está preocupado pela coruja?
Ele se deteve.
— Não. Deveria estar?
Durante sua ausência, Alpin estava acostumada a visitar as cavalariças
para afastar suas inquietações sobre Malcolm. Ali tinha revivido também
lembranças de sua infância.
— Não. Eu mesma me ocupei da ave.
— Sabia que o faria. Nunca foi capaz de dar as costas a um animal doente
ou ferido.
Depois de uma tarde tão agradável, a amabilidade de Malcolm era
contagiosa.
— Não. É verdade. Sua única necessidade é comida, e a asa de sua mãe já
está muito melhor.
— Logo terei que lhes soltar.
Alpin se entristeceu ao recordar que igual a aquelas aves selvagens, lhe
deixaria. Entretanto, não podia permitir que seus pensamentos sobre o futuro
danificassem sua noite de bodas. Ao advertir que até esse momento tinha
considerado sua partida do ponto de vista de voltar para Barbados, e não de
abandonar Kildalton, Alpin se surpreendeu.
— O que te pareceu Rot and Ruim? –perguntou Malcolm.
Alpin riu.
— Gostei muito do botequim, mas quem lhe pôs esse nome tão absurdo? É
um lugar onde se reúnen os amigos, não um ruidoso antro de perdição.
— Lembra-te de lady Alexis?
— Sim -Alpin recordava daquela mulher enorme, com o cabelo escuro
Muitos anos atrás, utilizando os passadiços secretos, Alpin tinha entrado
na quarto daquela dama da nobreza e tinha usado seus xaropes.
— Era amiga de sua madrasta, e tinha algum parentesco com a rainha Ana,
verdade?
— Sim -Malcolm a rodeou com o braço e a conduziu por debaixo do toldo
da oficina do emplumador.
— Eram primas. Deu o nome ao botequim.
— O que aconteceu com ela?
— Casou-se com Angus MacDodd, o meirinho de meu pai, vivem no
Traquair House.
Alpin sabia que este era o antigo lar dos Eduardo.
— Está perto daqui?
Malcolm se deteve frente aos estábulos.
— Está para o norte, a uns dias a cavalo. Espera aqui. Volto em seguida.
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A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

Alpin o viu desaparecer pela porta, como uma sombra deslizando-se para
uma escuridão maior. Dos estábulos saiu um doce e penetrante aroma de feno; os
cavalos se agitaram. Malcolm lhes falou em um tom tranqüilizador e melódico.
Sua voz, que se ouvia cada vez mais distante, indicava que se afastava para o
interior.
Alpin viu sair três soldados do botequim, cada um dos quais tomou um
caminho diferente. Um homem levava um farolete cuja luz oscilava enquanto
subia as escadas que conduziam às alamedas.
Logo saíram Rabby Armstrong e Emily, a criada, agarrados na mão foram-
se em direção ao mercado. A faxineira ria bobamente enquanto o soldado falava
com tom doce.
Ouviu de novo os cavalos e o pulso começou a acelerar-se, agora Malcolm
a levaria para casa. Alpin se obrigou a pensar em outra coisa. Seu lar era Paraíso,
e não esse castelo com suas alamedas alinhadas contra o céu noturno e suas luzes
amareladas brilhando nas janelas da torre.
— Fecha os olhos e estende as mãos.
A voz soava brincalhona, como o Malcolm que tinha conhecido na
infância. Alpin sentiu uma pontada de arrependimento e logo uma profunda
pena por ela mesma, por ele e pelas circunstâncias que a tinham levado a Escócia
vinte anos depois de que tinha jurado não voltar a pôr os pés naquela terra.
Estendeu as mãos. Algo quente e suave lhe roçou as palmas das mãos.
— Sabe o que é? -perguntou Malcolm.
Era um animal. Mas qual? Alpin o apertou contra seu peito, acariciando-o.
Não podia ser um gato caçador de ratos, pois aquela criatura parecia dócil e
tranqüila. Então lhe tocou as orelhas e os pés planos traseiros.
— Um coelho.
Malcolm a rodeou com seu braço e disse:
— Mas não é um coelho qualquer. Tem um antepassado muito especial.
Hattie, outro dos animais machucados que tinham sido seus únicos amigos
na infância. Os olhos de Alpin se encheram de lágrimas de felicidade. Anos atrás,
seu tio a tinha obrigado a dar de presente aquele bichinho ao Malcolm e este
tinha deixado livre ao Hattie para que se multiplicasse em liberdade.
Cheia de gratidão, Alpin abraçou aquela lembrança vivente de seu passado
e se inclinou ante o homem que o tinha dado.
— Foi ao Sweeper's Heath — observou Alpin, aflita por tanta ternura.
— Sim -confirmou Malcolm acariciando as orelhas do coelho— Já te disse
que o lugar estava invadido pelos descendentes de Hattie. Os conhecemo como
os amigos de Alpin.
— Não sei o que dizer.
— A felicidade que mostra é agradecimento suficiente -assegurou Malcolm
abraçando-a.
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A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

— Sou muito feliz.


Era algo mais que felicidade. Naqueles instantes sentia amor, amor por
Malcolm Kerr.
— É uma pena que esteja tão escuro. Não acredito que possa vê-la, mas é
igual a Hattie.
— Não necessito de luz para recordar de Hattie. É como se a tivesse
deixado aqui ontem mesmo.
— Não -O tom do Malcolm era intenso — Esquece o ontem, esquece todo
nosso passado, Alpin. Pensa só no agora, no muito que te desejo e em quão bem
estaremos juntos.
Impaciente por explorar seus novos sentimentos, Alpin ficou nas pontas
dos pés e lhe beijou na bochecha. Malcolm inclinou a cabeça e a beijou nos lábios.
Alpin desejava acabar de uma vez com os problemas que se interpunham
entre eles, e de repente soube que a paixão apagaria suas diferenças, ao menos
por um tempo.
Acomodado cômoda e tranqüilamente em seus braços, o animal formava
uma ponte simbólica entre os dois, desterrando os muitos anos de separação,
apagando o mau de sua infância em comum e ressaltando as lembranças mais
felizes.
Quando as mãos de Malcolm se deslizaram amorosamente por suas costas
e deixou escapar um murmúrio de satisfação, Alpin se sentiu nova e querida. Em
algum lugar de sua mente, uma voz lhe sussurrava que por fim tinha encontrado
o caminho para o bem-estar e que ao final da viagem lhe aguardava a verdadeira
felicidade.
Arrastada por uma silenciosa promessa de prazer, apoiou-se sobre
Malcolm. O coelho se agitou entre seus braços.
— Percebe, querida. — murmurou Malcolm, retirando-se um pouco de que
é a primeira vez na vida que me beija de boa vontade?
— Se me deixar, repetirei-o com gosto.
— Asseguro-te que assim que cheguemos a minha cama — disse
agarrando o coelhinho e colocando-o no bolso de seu tartán — não terá do que te
queixar. A menos que perca o tempo.
Com as mãos enlaçadas, passearam pelo caminho que conduzia às escadas
do castelo.
— Deve-me um cavalo -recordou-lhe Alpin.
— O tordo?
— Sim. Rabby e Emily estão entre o mercado e a oficina do curtidor.
— Estão brincando de beijar a sarda?
— Bom, está um pouco escuro para isso. Só se estão beijando.
— O cavalo é teu. Falarei com o Rabby.

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A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

Uma vez dentro do castelo, Malcolm a conduziu escada acima até seu
quarto. Sob o tênue brilho do abajur de azeite, Alpin observou como soltava o
coelho marrom. O bichinho saltou agilmente por cima da banqueta, farejando o
caminho até meter-se detrás das cortinas.
Malcolm se encontrava frente a Alpin, as mãos em suas bochechas,
beijando levemente os lábios uma e outra vez.
O suave roçar de sua boca excitou os sentidos de Alpin, cujo corpo pulsou
de desejo. Impaciente, agarrou-se com força à cintura do Malcolm, sentindo seus
vigorosos músculos nas palmas das mãos.
— Devagar, meu amor se deixe levar.
Aquelas simples palavras dirigidas a sua inexperiência deram a noção que
necessitava dominar a fome que roía suas vísceras. No instante em que suas
mãos se relaxaram e sua mente recuperou o controle, Alpin vislumbrou o
maravilhoso lugar em que se dispunha a entrar.
Malcolm captou a alegria em seus olhos, pois sorrindo, murmurou:
— Sim. Logo será nosso.
Seu olhar vagou pelo rosto de Alpin, e com uma paciência que o próprio Jó
invejaria, Malcolm a aproximou ainda mais dele e posou sua boca sobre a dela.
Úmidos, quentes e doces como o mel, os lábios de Malcolm produziam uma
faiscante magia tão expertamente controlada que acalmava e formigava,
provocava e apaziguava ao mesmo tempo. Malcolm despertava a paixão de
Alpin por etapas: um beijo na comissura da boca despertava o anseio em seus
seios; um lento percurso de sua língua pelos lábios de Alpin fazia que seus
mamilos se arrepiassem, e sentir como sorvia seu lábio inferior enviava uma
sacudida de desejo diretamente a seu estômago. Sentindo-se no limbo, Alpin
sussurrou:
— É como se me beijasse por toda parte.
Malcolm riu entre dentes.
— E o farei, ao seu devido tempo. -Suas mãos abandonaram a face de
Alpin, vagaram por seu pescoço e se posaram em seus seios.
— Sente o desejo aqui?
Pondo suas mãos sobre as dele, Alpin pressionou até provocar um gemido.
— O que você acredita que sinto? -perguntou.
Malcolm tomou a mão de Alpin e a levou até a parte dianteira de seu
tartán até que pôs a palma sobre sua viril protuberância.
— Acredito -disse Malcolm, tomando ar — que será melhor que te tire
essas roupas.
— E o que tem suas roupas?
Um sorriso tão grande como Bridgetown encheu o rosto de Malcolm.
— Isso é com você.
Pela primeira vez, Alpin se sentiu segura.
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A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

— Então obedecerei a meu instinto e a meus privilégios como senhora, e


serei a primeira.
Malcolm levantou as sobrancelhas com um gesto de surpresa.
Estendendo os braços para os lados, disse:
— Então me dispa, minha senhora, mas faça-o rápido.
Recordando seu pedido anterior, Alpin decidiu avançar a seu próprio
ritmo. Com a mão direita sobre a evidência do desejo de Malcolm, usou a
esquerda para abrir o broche que assegurava a asa de seu tartán ao ombro.
As mãos de Malcolm retornaram aos seios de Alpin.
Alpin ondeou o broche de prata.
— Tome, pegue isto.
Ele pegou com sua mão direita enquanto Alpin desabotoava o cinturão.
— Acredito que isto é teu -disse Alpin.
O ardiloso olhar de Malcolm produziu calafrios em suas costas. Este
apertou seu seio brandamente por última vez e logo se arrancou a bolsa de
cacique. Inclinando-se para trás para admirar seu trabalho, Alpin pensou que
estava esplêndido, com os braços estendidos para os lados.
— O que se sente com as mãos cheias de insígnias dos Kerr?
Malcolm se apertou contra ela.
— Como se sente você com os atributos Kerr em sua mão?
Alpin sorriu, voltando-se mais intrépida em sua exploração. Deslizou sua
mão para cima e logo outra vez para baixo.
— A lã não te irrita a pele?
Malcolm a olhou fixamente, com a boca aberta, a frente salpicada de suor e
o cabelo negro úmido pego às têmporas. Alargando o nariz e com seus olhos
marrons brilhando de expectativa, disse:
— Certamente. Será melhor que me tire agora mesmo.
— Está-me tirando o sarro.
— Eu? -Malcolm soltou uma gargalhada — Por Deus santo, Alpin! Segue
me acariciando assim e fará que te viole.
Muito segura de si mesma, Alpin seguiu com suas íntimas carícias.
— Impossível. Não pode violar a uma mulher que te deseja.
Alpin atuou com renovada energia e ele deteve a mão de Alpin.
— Que você me deseje é uma coisa, Alpin. Que eu te satisfaça é algo muito
diferente.
Repentinamente perdida e coibida, Alpin fixou o olhar na abertura de sua
camisa.
— Não te entendo.
— Já o entenderá -assegurou Malcolm brandamente, respirando. —
Prometo-lhe isso. Agora faz algo construtivo com esses botões e esse cinturão
que encontra tão cativantes.
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A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

Mais tranqüila, Alpin desabotoou sua camisa e lhe liberou do cinturão. O


tartán caiu ao chão, lhe deixando nu da cintura até as botas.
Alpin ficou boquiaberta ao lhe ver sem roupa, magnificado em sua
masculina beleza. Seus dedos morriam por lhe tocar de novo, mas outras partes
mais íntimas de seu corpo competiam pelo mesmo privilégio.
— O que está pensando? — perguntou Malcolm.
— Que mudaste muito — respondeu Alpin rapidamente.
— Sim, e você também.
Alpin recordou o dia em que Malcolm descobriu seus seios junto à
muralha romana acendendo seu desejo pela primeira vez. De repente sentiu suas
roupas pesadas e sufocantes.
— Mas você já me viu.
— Então olhe tudo o que queira, Alpin, mas te advirto que se voltar a me
tocar aí, nossa noite de amor será uma decepção.
Alpin recordou algo que ele havia dito.
— Acha que deve ir devagar porque sou virgem.
— Não acho; sei. Devo ir devagar, e terá que confiar em mim.
— Já o faço. — Alpin dizia sinceramente, mas ainda sentia curiosidade.
Quando ele deixou de mover-se e seu desejo chegou a dimensões
insuspeitadas, Alpin se concentrou no ninho de cabelo negro como o azeviche
que se estreitava como um relógio de areia em seu umbigo, abrindo-se logo como
um leque sobre seu peito. As mãos de Alpin foram atraídas até ali, até a
impressionante musculatura e os curtos e sedosos cachos que se enredavam em
seus dedos, fazendo cócegas. Malcolm parecia tão controlado, tão
cuidadosamente perito, que Alpin se tornou tímida; um sentimento estranho
para alguém que tinha se arrumado sozinha na infância.
Logo contemplou a base de sua garganta e observou o pulso e os tendões
rígidos como o aço de seu pescoço. Engoliu saliva, Alpin olhou mais acima e
observou a mandíbula e a boca sensual, agora apertada em uma severa linha de
determinação.
As mãos de Alpin se deslizaram espontaneamente sob o tecido de sua
camisa, fazendo com que esta caísse de seus ombros. Malcolm saiu do montão de
roupa, deixou o broche de ouro sobre uma cadeira, e estendeu os braços até
Alpin.
— Agora me toca. — disse.
Alpin notou uma opressão no estômago.
— Mas ainda está com as botas.
— Mais tarde.
Seu tom detestável fez estragos no recente controle de Alpin, e quando
Malcolm lhe deu a volta para desabotoar os botões de seu vestido, ela sentiu que
ia derreter se formando um atoleiro a seus pés. Um tremor lhe sacudiu os
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A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

ombros, mas as mãos de Malcolm a seguraram e se inclinou para ela para


sussurrar:
— Agora estou interessado em te explorar.
A umidade brotou entre as pernas de Alpin e foi consciente de um ponto
terrivelmente sensível e feminino que se inflamava, pedindo a gritos as carícias
de Malcolm.
Alpin chegou a uma assombrosa compreensão do assunto do modo mais
natural.
— Está tremendo. O que sente? — perguntou Malcolm bruscamente.
Alpin se inclinou sobre ele, e como estava detrás dela e não podia ver
rosto, falou livremente:
— Acabo de compreender algo. Você e eu, nossos corpos, são iguais e de
uma vez diferentes.
Malcolm deslizou a mão entre suas pernas.
— Uma idéia -murmurou Malcolm contra sua bochecha — que me produz
um extraordinário prazer.
Alpin suspirou com prazeirosa exasperação.
— Você é muito maior que eu, mas a natureza nos desenhou para que nos
adaptássemos um ao outro.
Malcolm moveu a mão para trás e para frente.
— Acredito que essa é a essência do procedimento.
Desmesuradamente satisfeita por sua própria dedução e pela enérgica
demonstração de Malcolm, Alpin se encorajou e disse:
— Não se demores muito com meus botões. Como resposta, Malcolm lhe
tirou o vestido dos ombros e começou com os laços de sua blusa.
— Certamente sabe muito bem como tirar a roupa de uma mulher.
— Nestes momentos me atrai muito mais a palavra «colocar».
Alpin teve uma repentina revelação.
— Quer dizer...? — Por fim entendia o conceito de «consumação», mas não
encontrou as palavras.
— Quero dizer isto. — Malcolm a despojou da roupa que tinha e logo a
levou até a cama e a deitou.
Apoiando-se sobre seus braços, colocou-se em cima dela, que deixou de
pensar racionalmente.
— Abre as pernas, Alpin.
Ela obedeceu e observou ao Malcolm enquanto deslizava seus joelhos entre
as dela. O cabelo de suas pernas fez cócegas nas coxas de Alpin, e a visão de sua
masculinidade situada na soleira de seu vazio feminino aumentou a espera de
Alpin pelo que viria depois.
Instintivamente Alpin elevou os quadris.
— Ainda não — disse Malcolm, retirando-se um pouco.
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A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

Contemplando-a desde muito perto, Malcolm ascendeu sobre ela até que
seus lábios se encontraram e seus corpos se tocaram dos ombros até os joelhos. O
pêlo do Malcolm roçou os mamilos de Alpin, deixando-a excitada, e os duros
músculos de seu abdômen sobre o dela fizeram com que lhe contraissem o útero
e seus quadris ondeassem. A persuasão de seus beijos e o insistente investir da
língua de Malcolm provocaram em Alpin uma gama de sensações
deliciosamente perversas.
Com mãos ávidas, acariciou as costas de Malcolm e sua cintura. Quando
ele gemeu, Alpin encrespou os dedos, percorrendo brandamente suas costelas
com as unhas. Malcolm estremeceu; seus braços tremeram e apertou seus quadris
mais intensamente contra o berço da feminilidade de Alpin.
Com o peito palpitante e sentindo um calor abrasador, Malcolm cobriu de
úmidos beijos o pescoço e clavículas femininas, descendo até o seio. As mãos de
Alpin se aferraram a sua cabeça para lhe guiar melhor. No instante em que os
lábios de Malcolm encontraram seu objetivo, ela gemeu, arqueando-se contra ele.
O ruído que produziam as suaves sucções eram leves em comparação com o
desejo que rugia nos ouvidos de Alpin.
Ela se retorceu, tratando de lhe atrair para cima, mas ouviu como
murmurava:
— Logo, meu amor. Muito em breve.
Com uma lentidão torturante, Malcolm se deslizou ao longo de seu corpo,
lhe tirando as meias enquanto descia. Logo se ajoelhou entre suas pernas e lhe
agarrou os tornozelos. O resplendor do abajur iluminou os ondulantes músculos
de seus braços e peito, acentuando a intensa concentração de sua mandíbula e
seus lábios apertados.
Completamente nua ante ele, Alpin se ouviu dizer:
— Tenho frio.
Malcolm olhou para cima, com uma mecha de cabelo negro como a noite
caindo sobre sua testa e um malicioso brilho nos olhos.
— De verdade?
Encolhido como estava, com sua virilidade feita um grosso barrote contra
seu estômago, tinha o aspecto de uma besta faminta a ponto de saltar. Ansiosa
por converter-se em sua presa, Alpin respondeu:
— Sim.
Malcolm lhe tirou os sapatos, enviou suas meias voando ao outro lado do
quarto, e logo tirou rapidamente as botas.
— Quer um lençol para te esquentar?
— Sim, mas só se for você.
Malcolm sorriu, repetindo a palavra que Alpin já começava a odiar:
— Logo.

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A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

Como um artista que colocasse a seu modelo em posição, Malcolm dobrou


os joelhos de Alpin, lhe colocando os pés sobre o colchão; logo suas mãos
roçaram a parte interior de suas coxas com a suavidade de uma pluma. Os
delicados cuidados de Malcolm acenderam a chama do voluptuoso desejo de
Alpin e olhou, encantada, enquanto ele acariciava seu mais íntimo rincão.
Calafrios de fogo percorreram a pele de Alpin, mas quando ele deslizou
um dedo dentro dela, Alpin ofegou, arranhando a colcha de veludo.
-Shhh. — Malcolm a acalmou com sons sibilantes e uma mão consoladora
sobre o ventre, uma vez que a acariciava de tal modo que suas costas se derretia
e seus joelhos se debilitavam.
— Te entregue ao prazer, Alpin – sussurrou.Imagina-o em sua mente e
deixa que te leve.
Alpin perdeu o controle totalmente e se estremeceu, retorcendo-se sob suas
peritas mãos, contribuindo à sedutora exploração masculina e incrementando
sua paixão. Então o prazer de que ele tinha falado se enroscou como um punho
fortemente fechado preparado para abrir-se de repente, e no instante em que o
fez, Alpin sentiu uma dilaceradora explosão de alívio. Alpin saboreou o êxtase,
lhe deixando precipitar-se até as formigantes pontas de suas mãos e pés.
Uma vez se teve acalmado, descobriu decepcionada que se sentia vazia.
Abriu os olhos e notou como Malcolm tratava de abrir-se espasso dentro
dela; aferrou-se aos braços do Malcolm e se apertou contra ela até que suas testas
se tocaram. Malcolm fez uma careta e seus quadris empurraram para frente
cuidadosamente, muito devagar, cumprindo sua promessa de tratá-la com
delicadeza. Mas era a própria necessidade de Alpin que a fazia apressar-se;
investiu para cima.
Quando sentiu uma dor abrasadora atravessada como uma faca gritou,
tratando de apartar-se. Malcolm gemeu, enterrando seu rosto no cabelo de Alpin.
Suas bochechas se tocaram. A pele de Malcolm a queimou como uma chama.
Logo Malcolm a segurou pelos quadris.
— Recorda -perguntou Malcolm com um sussurro exausto— a primeira
vez que te deslizou pelo tubo de água?
Desconcertada, Alpin respondeu:
-Sim. Arranquei-me a pele das mãos.
— Porque te agarrou muito forte. Não o faça -disse bruscamente— não te
agarre muito forte a sua inocência.
— Ou me farei mal?
— Não, querida eu serei o que te fará mal.
— Acredito que o entendo.
— Bem, relaxe, não te mova, e pensa em como te fiz sentir faz uns
momentos.

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A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

Reviver o êxtase era fácil, mas tinha um defeito: tinha estado sozinha. Não
tinha pensado em Malcolm, em se ele tinha alcançado ou não a satisfação. Agora
sabia que tinha sido egoísta enquanto se deixava levar pelo prazer.
— Esta vez você também desfrutará, verdade? -perguntou.
A vulnerabilidade de Alpin fez estremecer ao Malcolm.
— Sim, Alpin, mas só se confiar em mim.
Girando a cabeça para um lado, Alpin beijou sua bochecha e se acomodou
debaixo dele.
— Confio em ti -sussurrou.
Fazendo provisão da paciência que ficava e obrigando a retroceder o
desejo que oprimia suas vísceras, Malcolm voltou a cravar-se nela. Alpin, tensa e
cálida, entregava-se com valentia. Malcolm se aferrou tão firmemente como pôde
aos estreitos quadris de Alpin e empurrou para frente, centímetro a centímetro,
até que por fim ela: capturou-lhe completamente. Um gemido de alívio escapou
dos lábios do Malcolm.
O homem dirigiu sua atenção a Alpin. Ela tinha comprido sua palavra;
permanecia imóvel.
Sua observação de que a natureza tinha criado seus corpos para
complementar um ao outro não podia ser mais acertada pois Malcolm notou um
alívio da tensão nas mãos e pernas de Alpin quando a penetrou.
— Melhor? -perguntou ele.
Alpin percorreu os flancos do corpo do Malcolm com as pontas dos dedos.
— Sim e para ti?
-Oh, sim. -Tomou fôlego e começou a mover-se dentro dela — É meu
paraíso particular.
Alpin ficou em tensão. Consciente de que lhe tinha feito mal, Malcolm
voltou a penetrar mais devagar, lhe dando tempo para que se acomodasse.
Malcolm despertou de novo o prazer de Alpin, lentamente, desatando sua paixão
uma vez mais e fazendo logo uma pausa para permitir que seu prazer
aumentasse. Os gemidos de frustração de Alpin e o murmúrio de suas súplicas
para que a liberasse, só conseguiram que Malcolm lutasse por dominar ainda
mais suas necessidades de forma que pudesse intensificar as suas próprias.
Quando as magras pernas de Alpin lhe abraçaram e os músculos femininos
se contraíram ao redor dele, Malcolm soltou os grilhões do autocontrole e deixou
sua paixão em liberdade. Foi uma experiência doce, pura e de algum modo
diferente das anteriores.
Aquela observação lhe desconcertou, igual à atração que seguia sentindo
para com a mulher ofegante e satisfeita que tinha debaixo. Por causa de sua
esterilidade fazer o amor sempre lhe deixava um vazio, um sentimento de
fracasso.

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A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

Essa noite tinha sido diferente. Aquela profusão de carinho lhe assustou,
pois de todas as mulheres pelas quais se interessou, Alpin MacKay era a que
menos merecia seu afeto. Entretanto sabia que necessitava uma companheira
como ela.
Malcolm se retirou dela e se tombou sobre suas costas, agasalhando-a na
curva de seu braço. Um suspiro de satisfação de Alpin acariciou seu orgulho
masculino. Ainda assim, remoía-lhe a consciência. Alpin tinha cumprido sua
parte do trato e muito mais. Ele a tinha induzido a uma união que nunca daria
fruto.
Mas de quem era a culpa senão dela?
De repente, a vida de vingança que tinha planejado tão cuidadosamente
lhe pareceu absurda.
— Tem sede?
— Não.
— E sono?
— Não.
— Fome?
— Tampouco.
Depois do jogo amoroso, Alpin não queria conversação nem abraços. Nisso
também era distinta a todas as demais mulheres. Não suplicava palavras de
carinho, de repente Malcolm tomou sua reserva como uma provocação, depois
de tudo, tinha muitas perguntas que lhe fazer. Mas mais que curiosidade, sentia
uma terrível necessidade de conhecê-la melhor.
— Me conte -disse, acariciando seu braço e admirando o modo em que a
luz do abajur resplandecia sobre sua pele bronzeada. — Como te divertia em
Barbados todos estes anos?

Capítulo 12

Alpin contemplou o delicioso bordado do baldaquín sem poder evitar


compará-lo com o singelo tule que adornava sua cama na plantação Paraíso.
«Fala com crueldade de sua vida para que eu me compadeça de ti— havia dito
Malcolm — Lamento que tivesse que roubar comida, mas não foi minha culpa.»
As sinceras palavras de Malcolm ressonaram em seus ouvidos. O homem
tinha defendido sua riqueza, acusando-a de lhe julgar injustamente por viver
rodeado de luxos. Ele tinha razão, e agora Alpin compreendeu seu engano. Igual
a ela não tinha podido evitar ser órfã, ele não pôde evitar nascer entre a nobreza.
Entretanto, lhe atribuía que Malcolm a tivesse abandonado a sua sorte.
— Por que não se atreve a me falar sobre sua vida na ilha? — perguntou
Malcolm.
— Aprendi a matar mosquitos e a imaginar a neve.
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A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

— Não brinque, Alpin. Seja sincera. Como é a gente dali?


Em sua maioria eram homens egoístas e ambiciosos que animavam aos
escravos a reproduzir-se, ou eles mesmos se encarregavam de fecundar às
mulheres. Depois contemplavam impassíveis o sofrimento na cara da mãe
quando arrastavam a seu filho até o soalho do leilão.
O dinheiro era a única preocupação dos amos das plantações. Alpin
desejava ardentemente lhe explicar a crueldade da escravidão, mas temia que
Malcolm se limitasse a abster-se como aquele dia nos barracões em que lhe
convenceu para que não vendesse a plantação Paraíso.
Agora que Alpin se converteu em sua esposa de fato, persuadiria-lhe para
que lhe desse de presente Paraíso, mas guardaria para ela seu sonho de liberar os
escravos.
— Os homens da ilha não são muito distintos de meu tio: cruéis,
negligentes e pouco carinhosos.
— O barão Sinclair não estava preparado para cuidar de uma família tão
grande. Acreditava que era sua obrigação recolher a todos seus parentes pobres.
— Malcolm soltou uma maldição. — Sinto muito, Alpin. Não devia dizer isso.
— Não tem que te desculpar por dizer a verdade; eu era uma parente
pobre, mas se for defender a meu tio, não se incomode. Ele não se preocupava
comigo, mas sem dar-se conta me ensinou algo: aprendi que um menino precisa
ser cuidado, amado e respeitado.
Malcolm lhe agarrou uma mecha de cabelo e o enredou no dedo.
— Negou-se a te colocar em um orfanato.
Aquela inesperada observação a confundiu.
— O que quer dizer? O que tem isso que ver educando a uma mente
jovem?
— Bom, apesar de todos seus defeitos, o barão se fez cargo de ti quando
morreu sua mãe. Não tinha por que fazê-lo. Já tinha suficientes
responsabilidades e carecia de dinheiro suficiente para as atender.
Alpin nunca tinha considerado a situação econômica do barão. Aos cinco
anos ela estava ansiosa de carinho e desesperada por ter um lar. Em Sinclair
Manor não tinha recebido nada disso. Agora, nua entre os braços de Malcolm,
com os efeitos do amor ainda em seu corpo, Alpin se sentia vulnerável. Dar
razão a Malcolm parecia o caminho mais fácil.
— Suponho que o barão fez o que ele pensava que estava certo.
— É estranho -observou Malcolm, olhando-a — que seu pai fosse de um
clã tão grande como o dos MacKay, e que entretanto você devesses vivesse com a
família de sua mãe por que?
Aquela pergunta a tinha atormentado freqüentemente. Parecia-lhe cruel
que a família de seu pai tivesse repudiado a uma menina pequena, embora fosse
meio inglesa.
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A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

— Não sei. Meu pai morreu no mar antes de que eu nascesse. Conservo
uma vaga lembrança de minha mãe.
— Parece-te com ela?
Ao pensar em sua mãe, Alpin experimentou um profundo sentimento de
perda. Parecia-lhe recordar que tinha tido a mão de sua mãe moribunda entre as
suas; mas não estava segura, pois tanto o acontecimento como o rosto de sua mãe
estavam desenhados em sua mente.
— Não me lembro muito dela.
— Alguma vez pensou em tratar de encontrar às pessoas de seu pai?
Uma frieza muito familiar a invadiu. Os MacKay não se preocuparam por
ela. Alpin não daria nem uma manga podre em troca de todos eles, mas Malcolm
não tinha por que sabê-lo.
— Esquece que me mandaram embora aos seis anos. Como ia procurar aos
MacKay de Barbados? — replicou Alpin rindo — Além disso, nem sequer sei
onde vivem, e você?
— Sim. Ainda ocupam o extremo noroeste da ilha. Agora que vive comigo
na Escócia, suponho que quererá localizar a sua família.
O silêncio de Malcolm exigia uma resposta. Alpin não podia lhe dizer que
não tinha intenção de ficar na Escócia, mas se não confirmava a hipótese de
Malcolm, este poderia suspeitar de seus planos.
— Eu gostaria de lhes conhecer -afirmou Alpin — Mas e se eles não
querem saber de mim?
— Estou seguro de que quererão.
— Então por que o barão Sinclair não ficou em contato com eles quando
morreu minha mãe? Ele devia saber onde estavam. Ele leu os papéis de minha
mãe antes de enterrá-los com ela.
— Esse não é o estilo de Sinclair. Para ele era natural fazer-se responsável
por ti, igual a fez com seus outros primos sem recursos.
A ela nada disso lhe importava, mas se sentiu obrigada a seguir com o
assunto, já que parecia ser tão importante para Malcolm.
— O barão podia ao menos ter escrito aos MacKay.
— Não, por então não podia. Recorda que é inglês e não tem nenhum laço
com os clãs das terras altas. Além disso, naqueles tempos estava em guerra com
meu pai. Quando por fim se estabeleceu a paz na fronteira, você estava
felizmente instalada em Barbados.
Isso era certo, e tinha que voltar ali, pensou Alpin.
— O que acha que devo fazer com os MacKay? Devo lhes fazer saber que
estou aqui?
— Acredito que sim. Seu chefe jurou lealdade a meu amigo, o conde de
Sutherland. Ele poderia te ajudar a encontrar à família de seu pai.

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A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

Malcolm em sua condição de conde, certamente se acotovelava com a mais


alta nobreza do país. Alpin não queria saber nada deles; um nobre em sua vida já
era suficiente. Alpin deu a Malcolm um beliscão nas costelas para mudar à
conversação e perguntou:
— Está tratando de se ver livre de mim?
Malcolm riu, e lhe deu uma palmada na mão.
— É obvio — respondeu Malcolm com tom despreocupado — Por isso
precisamente...
Alpin se sentiu desfalecer.
— Por isso o que?
Malcolm a colocou em cima dele e a abraçou contra seu peito; logo pôs as
mãos em suas nádegas.
— Por isso não posso te tirar as mãos de cima.
Alpin tratou de descobrir os verdadeiros sentimentos de Malcolm para ela.
Constituíam seus elogios uma mentira ou só uma meia mentira? Desejava-a
fisicamente, disso estava segura, mas não só era luxúria. A carta de Charles o
demonstrava.
Alpin lhe beijou no pescoço e deslizou suas pernas entre as dele. Sentiu
como a virilidade de Malcolm se endurecia contra seu ventre.
— Espera — disse, segurando-a pelos quadris.
— Por que?
— É muito cedo. Deve estar dolorida.
— Absolutamente — mentiu Alpin.
Malcolm bufou incrédulo, mas ao mesmo tempo se sentiu tentado pela
idéia de outra penetração.
— Agora o veremos. — Malcolm a jogou para um lado, saltou da cama e se
aproximou da bacia.
Alpin lhe observou empapar um trapo em água e logo escorrê-lo; os
músculos de seus antebraços se esticaram. A contra gosto, Alpin admirou seus
largos ombros e pescoço, que os anos de treinamento com a espada tinham
fortalecido. Seu olhar vagou por todo o corpo do homem e um calafrio de
antecipação lhe atravessou.
Enquanto Malcolm estava na caçada, ela tinha entrado nessa quarto dúzias
de vezes para limpá-lo, explorá-lo e procurar as provas da perfídia de Malcolm.
Nunca encontrou as cartas que faltavam, nem documentos relacionados
com Paraíso, mas em troca achou alguns objetos pessoais pouco comuns, como o
que Elanna identificou como uma esponja anticoncepcional que a amante do
Malcolm tinha esquecido depois de uma garrafa de água de rosas.
Quando Malcolm se aproximou dela com seus andar preguiçoso e
sorridente, Alpin se perguntou quando conceberia um filho dele, em caso de não
o já tivesse feito. Disse-se que não lhe diria nada se isso significava ficar na
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A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

Escócia. Liberar os escravos de Paraíso e assegurar seu próprio futuro eram mais
importantes.
— Parece ausente. — Malcolm se ajoelhou na cama e lhe obstruiu a luz —
Tão logo se aborreceu com seu novo marido?
Alpin se sentia mais segura de si mesmo que nunca; já teria tempo de
descobrir quão secredos Malcolm escondia, mas se levantava suas suspeitas,
perderia a oportunidade de conseguir a independência.
— Só se meu marido se aborreceu de mim -repôs.
Malcolm a olhou entre as pernas.
— Se chamas aborrecido a este tipo, ainda tem muito que aprender sobre a
anatomia masculina.
O descaramento com que Malcolm tinha respondido fez minguar a
segurança de Alpin.
— Para que é esse tecido molhado? — Malcolm separou as pernas de
Alpin. Ao dar-se conta do que ia fazer, a mulher retrocedeu até a cabeceira. Fez
uma careta de dor.
— Posso me lavar sozinha.
— É verdade, e também pode admitir que ainda está sensível em certos
lugares -repôs Malcolm assinalando o regaço da jovem.
— De acordo, mas não tem por que se aproximar com um trapo gelado.
— E você não tem por que ser tão teimosa. Sou seu marido, Alpin, e eu
adoro cuidar de ti.
Provavelmente Malcolm pensava que tinha direito a comer-lhe com os
olhos, e gostava de como a olhava. E era verdade, mas antes que admiti-lo, Alpin
renunciaria a Paraíso.
Alpin fez um esforço por relaxar-se e cruzou as mãos debaixo de sua
cabeça.
— Se tiver o capricho de se fazer de criada da senhora, adiante.
— É uma mulher muito sábia. — O malicioso sorriso do Malcolm e seu
tom desenvolto anunciavam uma recompensa. Então colocou o pano entre as
coxas do Alpin e se tombou a seu lado.
— O que faz? Acreditava que...
— Se cale. — Malcolm levantou um dedo em sinal de repreensão -. Outra
vez está protestando, minha preciosa esposa. Agora vou fazer duas coisas:
esquentar a toalha e esfriar meu ardor.
A Alpin não lhe ocorreu nenhuma resposta engenhosa. Deu uma olhada a
seu «ardor» e o encontrou repentinamente dominado.
— Oh!
— Mas enquanto isso — continuou Malcolm pacientemente, — estou
seguro de que não te importará se me permito um capricho, como você muito
bem há dito.
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A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

Nos olhos do Malcolm brilhava o desafio. Já nada podia surpreendê-la;


depois de tudo, tinha perdido sua virgindade. Esforçando-se por manter a calma,
Alpin agitou uma mão, no que foi seu último gesto despreocupado da noite.
Malcolm sugou seus seios até que Alpin acreditou voltar-se louca de desejo;
saboreou-a, dos lóbulos das orelhas até o umbigo, e teria continuado mais abaixo
se não lhe tivesse freado.
— Muito bem — disse Malcolm-. Guardarei essa parte para outra ocasião.
— Retirou a toalha e disse — Obrigado, Alpin, por me dar de presente sua
inocência.
A sinceridade de suas palavras lhe chegou ao coração. Pela primeira vez
em sua vida, sentiu-se valorizada e de uma vez ficou impressionada de que o
motivo de sua felicidade fosse Malcolm Kerr, o homem que tinha feito pedaços
sua pacífica vida. Mas nesse instante não era capaz de lhe odiar, pois seu corpo
lhe desejava mais que nunca.
— Disse que seria delicado, e cumpriu sua palavra. Malcolm a pôs debaixo
dele.
— Antes delicadeza, e agora minuciosidade.
Delirante de necessidade e consciente da satisfação que lhe esperava, Alpin
se entregou a sua paixão. Quando dormiu horas mais tarde, tinha decidido que a
minuciosidade equivalia a virilidade para o Malcolm e um maravilhoso estado
de ânimo para ela.
Uma intensa dor no braço arrancou Alpin de seu sono. Ao abrir os olhos,
encontrou-se a beira da cama. Tinha o braço intumescido por ter dormido sobre
ele. Tratou de virar-se, mas se encontrou com Malcolm que jazia com as pernas
tão abertas que monopolizava a maior parte da cama.
Alpin levantou a mão de Malcolm para movê-la. Ele se agitou, deslizou o
braço ao redor de sua cintura e se girou sobre seu flanco, atraindo ao Alpin para
ele. Incômoda por sua nudez e temendo o haver despertado, Alpin fingiu estar
dormindo. Com os olhos entrecerrados, observou o quarto.
O abajur ainda ardia, mas o nível do azeite na base de cristal tinha baixado
muito. O sol não tinha saído e ainda os extremos das cortinas fechadas estavam
em sombras. Podia ouvir o tictac do relógio que havia sobre o suporte da lareira,
mas os altos respaldos das cadeiras frente ao lar não lhe permitiam ver a esfera.
O esgotamento ameaçava arrastando-a de novo ao sono, mas uma parte de
sua mente se concentrava na cálida pele nua do homem que tinha ao lado.
Malcolm. Seu companheiro. Seu amante.
Ondas de serenidade invadiram seu corpo, e a fragilidade que sentia entre
as pernas lhe recordou suas largas horas de amor. Malcolm emitiu um suspiro de
satisfação, aproximando-se mais de Alpin. Uma mão enorme e curtida pelo
trabalho se posou brandamente sobre um de seus seios. Alpin nunca se havia
sentido tão querida e segura. Alpin lhe acariciou o braço e fechou os olhos.
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A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

Quando despertou, estava de novo na beira da cama, completamente


descoberta, com o braço intumescido. A mão de Malcolm descansava em suas
costas, como se a empurrasse.
Irritada, Alpin se levantou da cama. A respiração de Malcolm não se
alterou. Cobrindo sua nudez com os cabelos, que lhe chegavam até a cintura,
Alpin se virou para lhe olhar. Como antes, jazia sobre seu estômago, coberto até
a cintura com uma manta de tartán e com a cara virada para ela. Sua pele
bronzeada pelo sol e o espesso cabelo negro contrastavam com os lençóis
brancos. Dormindo parecia maior e guardava um assombroso parecido com seu
pai. Ambos compartilhavam uma mandíbula magnificamente esculpida e um
elegante perfil retilíneo característico dos condes de Kildalton, cuja imagem tinha
sido plasmada nos retratos do corredor principal. Entretanto, Malcolm possuía
uma boca sensual única em sua família. A lembrança de seus lábios e de seus
intermináveis beijos despertou seu desejo de novo. Alpin aceitou a amarga e de
uma vez doce realidade de que poderia chegar a lhe amar com muita facilidade.
Provavelmente já o amava.
Aquela possibilidade a horrorizou. Ansiosa por sair dali, colocou um
vestido de trabalho e escovou o cabelo. Logo agarrou ao coelho entre as cortinas,
e se dirigiu para a porta. Malcolm seguiria esparramado de barriga para baixo,
alheio a sua marcha.
Quando entrou na cozinha, encontrou-se a Doura agachada frente ao lar,
alimentando o fogo.
— Levantou-se cedo, senhora. — A criada se levantou de um salto e
limpou as mãos em seu avental engomado. Ao ver o coelho, o rosto da moça se
iluminou de alegria.
— Não é uma preciosidade? Os amigos de Alpin sempre o são.
Adulada uma vez mais, Alpin aproximou o coelho ao ombro, lhe dando
tapinhas nas costas como se fosse um bebê. Seus inquietos bigodes lhe fizeram
cócegas no pescoço.
— Certamente que o é, Doura, mas me parece que está faminto. Por que
não traz algumas cenouras do porão?
Doura foi correndo até a porta traseira e agarrou um balde.
— É a primeira coisa que fiz. Também fui ao mercado comprar mais
verduras.
— Obrigado Doura, foi muito amável de sua parte — disse Alpin
comovida pelos cuidados da criada.
— Não é nada, senhora — respondeu a moça agitando a mão -. O senhor
pediu ao carpinteiro que construa uma casinha para o coelho. Isso é o que
estavam cochichando ontem à noite no botequim.

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A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

Malcolm tinha falado com tanta gente no botequim que Alpin não podia
recodar a todos. Era como se todo mundo exceto ela estivesse à corrente do
presente do coelho.
— Te assegure de dar ao carpinteiro um pouco de comida além do que o
senhor Malcolm lhe pague por seu trabalho.
— Sim, senhora. Fraser adora o haggis, mas sua mulher nunca o prepara.
— Então lhe dê haggis. Toma. — Alpin lhe passou o coelho — Cuida de
minha coelhinha até que tenhamos um lugar seguro onde colocá-la. Estarei na
horta recolhendo sementes para plantar o ano que vem. Ela já teria ido na
primavera, mas as pessoas de Kildalton não sofreriam por sua marcha.
Doura acariciou as orelhas do coelho.
— Foi uma surpresa muito grande, senhora?
— Certamente.
— O senhor disse que o seria. Quando lhe ocorreu, ficou tão contente que
deu uma palmada na perna e salpicou de água todo o chão da antecozinha.
Alpin gostava de ouvir falar da generosidade de Malcolm.
— Quando foi isso?
— Ontem, enquanto ele se banhava. Você tinha subido para lhe buscar
roupa limpa. Mandou-me dizer ao Rabby que fosse ao Sweeper's Heath naquele
momento para que agarrasse a este precioso coelho. Lorde Malcolm estava fora
de si de preocupação pelo mouro, mas então Saladin ficou melhor e ao senhor
nada parecia suficiente para você.
Assim que o coelho tinha sido um presente de gratidão, não uma amostra
de afeto. Alpin sentiu uma pontada de decepção. Acreditava que Malcolm lhe
tinha sentido falta enquanto estava na caça e que havia lhe trazido o coelho como
um gesto de amor. Ela tinha se comportado como uma menina apaixonada, e
inclusive havia sentido comovida. Não existia nenhum sentimentalismo por
parte de Malcolm nem romantismo algum por ela.
— Ocorre algo, senhora?
Nada que tivesse a intenção de compartilhar.
— Claro que não, Doura. Só estava pensando em todo o trabalho que nos
espera hoje.
Doura se ergueu.
— Estou pronta para cumprir minhas tarefas. Desiludida, Alpin voltou
para a rotina.
— Eu recolherei os lençóis sujos dos barracões enquanto você ferve água
Elanna começou a depenar ontem um ganso. Termina com ele.
— Quem vai cuidar do mouro? — perguntou Doura. Alpin tinha estado
tão absorta pensando em Malcolm Kerr que se esqueceu de Saladin.
— Estou certa de que Elanna cuidará dele. Torcendo a cara, Doura disse:

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A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

— Não acredito, senhora, e menos depois de ontem à noite. Além disso, ela
foi pescar.
— Pescar? — Elanna nunca tinha pescado em sua vida — Está segura de
que disse que ia pescar?
— Sim. Pediu-me que lhe explicasse como chegar ao lago. Certamente é o
melhor que podia fazer, depois da briga que teve ontem à noite com o Saladin.
Problemas no castelo era a última coisa que Alpin teria desejado nesse
momento. Pensando que Elanna se sentiria culpada por haver dado a poção ao
Saladin, esperava que lhe cuidasse noite e dia.
— Me conte o que aconteceu.
— Bom... — Com as bochechas acesas, a criada olhou para o coelho que
tinha nos braços. — Tiveram uma bonita briga enquanto vocês estavam no
botequim. Eu me encontrava limpando a ante cozinha, mas pude ouvir como
gritavam. Saladin queria seu tapete de orações, e a senhorita africana lhe dizia
que estava muito doente para arrastar-se pelo chão. Quando lhe exigiu o tapete,
ela o atirou pela janela e lhe ordenou que ficasse na cama.
Elanna sempre se burlou das religiões tradicionais, e culpava aos
missionários por ter irradiado enfermidades a sua tribo. Alpin quase podia
escutar à mulher africana burlando-se da fé de Saladin, sobre tudo se entorpecia
sua cura. Se tinha ido ao lago era para que Saladin, que não comia carne, ao
menos comesse pescado.
— Busca o tapete e leva-o ao Saladin com o café da manhã.
Doura fez uma reverência.
— Sim, senhora, mas necessitarei a chave do jardim murado. Ali onde
aterrissou o tapete — O quarto de Saladin, no segundo piso, dava ao jardim.
— As chaves estão na prateleira debaixo, na ante cozinha.
— Em seguida vou.
Depois de recolher os lençóis sujos dos barracões, Alpin se ocupou com as
ferramentas de jardinagem e umas bolsas de tecido para guardar e deixar secar
as sementes. Logo se dirigiu à horta em busca de solidão. Acabava de agarrar a
última das sementes de manjericão quando escutou umas botas que se
aproximavam no caminho empedrado. Seu instinto, e o forte pulsar de seu
coração, disseram-lhe que se tratava de Malcolm.
O homem se aproximava dela, pavoneando-se como um galo. Alpin não
pôde evitar admirar sua imponente figura embelezada com o chamativo tartán
vermelho e verde dos Kerr e as mangas da suave camisa de algodão ondulando
sob a brisa da já avançada amanhã. Até pela graciosa inclinação de sua boina se
via que era um homem nascido para governar.
— Devia me acordar.
Vencendo o impulso de iniciar uma briga, Alpin replicou com sarcasmo.
— Não acordado nem com uma guerra entre clãs.
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A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

Malcolm se agachou junto a ela e arrancou uma folha de manjericão.


— Está de mau humor esta manhã, verdade? É estranho, porque eu tenho
vontade de conquistar o mundo.
Aproximou a folha à bochecha de Alpin para lhe fazer cócegas. O ar estava
cheio de aroma a manjericão.
— Tratou de me jogar da cama.
A folha caiu ao chão.
— Como? — disse Malcolm bruscamente, o bastante forte como para que
lhe ouvissem os soldados das alamedas.
Alpin agarrou a folha rapidamente E a pôs no cesto.
Logo olhou a seu redor para comprovar se havia algum espectador.
Quando se assegurou de que ninguém lhes observava, começou a recolher as
sementes de um arbusto de manjerona.
— Esta noite quase me empurraste fora da cama — explicou Alpin.
Malcolm riu divertido, dando uma palmada no joelho.
— E por que ia fazer isso depois do que me custou te colocar nela?
Em realidade, Alpin não se preocupava esse assunto; ou aprendiam a
dormir juntos, ou ela se mudaria a outra quarto. O que sim importava era que
Malcolm tivesse mentido ao dizer que ele mesmo tinha ido ao Sweeper's Heath.
Encolheu-se de ombros com um gesto de deliberada indiferença E disse:
— Não pode ler em sua mente. Provavelmente simplesmente é que você
não gosta de dormir comigo.
Ouviu-se um som que anunciava a chegada de um visitante, mas Malcolm
não apartou a vista de Alpin.
— Devo admitir que dormir não ocupava um lugar importante em minha
lista de prioridades.
Alpin já não estava ressentida, mas mentiu ao dizer:
— Também roncas.
Ele se tornou para trás, como se lhe houvesse, dado um murro.
— Isso é ridículo.
— Não, é ensurdecedor.
— Se fui um companheiro de cama tão grosseiro -resmungou— por que
nenhuma outra mulher me há isso dito alguma vez?
Alpin o amaldiçoou por lhe jogar na cara suas amantes anteriores, e
amaldiçoou a si mesma por sentir ciúmes. Embora fosse a última coisa que
fizesse; faria-lhe esquecer a todas e cada uma dessas mulheres. Simulando um
doce sorriso, deu-lhe uns tapinhas na bochecha e acrescentou:
— Provavelmente porque a nenhuma delas gostava o suficiente para te
dizer a verdade.
Malcolm entrecerrou os olhos com atitude receosa.

142
A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

— Devo supor que isso significa que você gosta? Levando uma mão ao
coração, Alpin confessou, pestanejando:
— Estou muito apaixonada, muito, meu senhor.
— Estou vendo. — Malcolm tomou a mão e desenhou com o polegar lentos
círculos em sua palma -. Então provavelmente deveríamos retornar à cama para
explorar seus sentimentos. Com o tempo, estou seguro de que trocará esse
«muito» por um «completamente».
Alpin pensou que Malcolm era capaz de seduzir a uma freira. Até poderia
entrar furtivamente em um convento e conseguir que toda uma ordem de
religiosas renunciassem a seus votos.
Zangada consigo mesma por lhe desejar tanto, burlou-se:
— E se dorme e volta a tentar me jogar fora da cama?
Malcolm lhe acariciou o braço e o pescoço e a atraiu para ele com
suavidade.
— Teremos que assegurarmos de que não o faça.
Consciente de que estava perdendo a batalha contra o desejo, Alpin
desviou o olhar da boca de Malcolm e observou a pluma de sua boina.
— Como?
Quando seus lábios estavam a uns centímetros, a mão de Malcolm deixou
de fazer pressão.
— Usa sua imaginação.
Por cima do ombro de Malcolm, Alpin viu o Alexander aproximar-se.
Acompanhava-lhe um estranho vestido, com um descolorido capote escocês a
quadros verdes, negros e amarelos que Alpin não reconheceu. Consciente de que
Malcolm não podia lhes ver, Alpin disse maliciosa:
— Poderia te atar os braços e as pernas à cama.
Malcolm levantou as sobrancelhas e a olhou de esguelha.
— Uma proposta realmente arriscada. Estaria indefeso, não poderia evitar
que jogasse quanto quisesse com meu corpo nu.
— Deveria ter vergonha, Malcolm Kerr.
— A mim? -perguntou, tão inocente como um bebê no dia de seu batismo.-
Foi sua idéia, e muito original, por certo. Devo te confessar que morro de
vontade de provar.
Os homens se aproximavam, mas Malcolm não deu sinais de os haver
ouvido, Alpin não pôde resistir a dizer:
— Te excita a idéia de ser meu escravo?
Malcolm soltou uma gargalhada.
— Dê uma olhada debaixo de minha saia e verá quanto me entusiasma a
idéia.

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A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

O desafio a incitou. Consciente de que seu corpo a protegia do olhar dos


homens que se aproximavam, deslizou um dedo dentro da bota de Malcolm e
arranhou levemente sua pantorrilha.
— Preferiria tirar isso mas...
Malcolm tomou ar e perguntou:
— Mas?
Alexander tossiu para indicar sua chegada. Malcolm se ergueu e olhou por
cima de seu ombro.
— Mas infelizmente — continuou Alpin com tom resignado — não há
tempo. Tem convidados.
Fazendo como que não os via, Malcolm se aproximou mais de Alpin e
sussurrou.
— É uma menina travessa, Alpin MacKay.
Com o coração pulsando contra suas costelas, Alpin levantou a vista para
observar aos dois homens. Alexander se agitou nervoso. O estranho, um homem
gordinho com o cabelo vermelho e o olhar penetrante, ficou a observar Alpin.
— Sabe o que acontece com as meninas travessas? — perguntou Malcolm.
Alpin umedeceu os lábios.
— Não, não sei. Conta-me Malcolm.
— Ensinarei-lhe isso esta noite — disse ele arqueando as sobrancelhas
significativamente.
Malcolm se levantou e a modo de saudação disse a seu visitante:
— Espero que sua visita tenha que ver com o próximo carregamento de sal,
me acompanhe.
Malcolm e seu convidado se dirigiram para o castelo.
Alpin olhou a Alexander, que observava com o sobrecenho franzido
afastar-se a seu amo.
— Quem é esse homem? — perguntou Alpin.
O soldado fingiu cuspir no chão.
— Um tal Gordon, que sempre causa problemas. Ninguém por quem você
deva preocupar-se.
— Que classe de problemas, Alexander?
O soldado apertou os lábios, como se tivesse falado muito.
— Não tem importância, senhora.
— Se não tem importância, por que não conta por que veio e por que foi
Malcolm tão brusco com ele?
Tirando a boina, Alexander esfregou o cocuruto.
— Compra-nos sal, ouvi que Fraser está construindo uma casinha para seu
coelho, irei ver como vai, bom dia, senhora. — Olhando-a de frente, partiu.
Por sua brusca mudança de assunto e sua repentina marcha, Alpin sabia
que deveria encontrar as respostas por si mesmo. Nas alamedas não se viam
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A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

mais soldados do que o normal, assim deduziu que o visitante não era uma
ameaça para a segurança do castelo de Kildalton. Então, por que sua chegada
tinha alterado tanto ao Malcolm? Acreditou que não se devia ao sal.
Cheia de curiosidade, abandonou o horta e se dirigiu ao corredor
principal, que nesse momento estava vazio, deteve-se um momento para admirar
os oito retratos de tamanho natural dos anteriores condes de Kildalton, que
incluíam o pai de Malcolm, o loiro lorde Duncan. Inclusive agora, seus olhos cor
avelã a olhavam com amabilidade.
Então foi até o escritório de Malcolm. A porta estava fechada. Escutou os
amortecidos sons de uma discussão, mas falavam em escocês e não entendeu
nada. Se deslizasse furtivamente no túnel para espiar, faria soar o sino, e se
ficasse ali, algum criado podia vê-la. Assim finalmente se dirigiu às escadas onde
penduravam os escudos dos clãs que se aliaram com os Kerr.
O escudo da família Gordon brilhava por sua ausência.

Capítulo 13

Perguntando-se quando seu convidado iria por fim ao grão, Malcolm


bebeu um gole de cerveja e observou John Gordon deslocar-se por seu escritório
com as mãos às costas, os olhos fixos nas prateleiras com capacetes romanos,
pontas de lança e objetos de cerâmica que Malcolm e seu pai tinham
desenterrado das ruínas próximas à muralha de Adriano. Com ar
despreocupado, examinou o globo terrestre, fez-o girar, e logo se dirigiu à parede
com os retratos de família.
Para estar planejando derrocar a uma das monarquias mais importantes do
mundo, aquele homem das terras altas parecia indiferente ao risco que isso
implicava e a quantas coisas punha em perigo. Malcolm se perguntava como era
capaz de aturar com tanto aborrecimento de uma vez sem se expor e declarar
uma guerra. Provavelmente fora porque o chefe do clã Gordon tinha passado a
maior parte de sua vida entre as intrigas políticas dos jacobitas.
Em todo caso, Malcolm não tinha intenção de ser o primeiro em falar sobre
o assunto que preocupava a ambos. Sua mente não deixava de desviar-se de
Alpin. Uma só noite em seus braços, e se tinha convertido em uma amante. Daria
a oportunidade de explorar a fundo seu papel como sedutora; se é que seu
convidado deixava de vagar de um lado a outro e começasse a parlamentar.
— Não recordo que Kildalton fosse tão próspero quando o governava seu
pai — disse Gordon em escocês.
A última vez que Gordon tinha visitado Kildalton, Malcolm era um
menino. Após se viram no norte, na fortaleza de Gordon em Aberdeenshire.
— Os tempos mudaram na fronteira –disse Malcolm -. Minha madrasta
nos trouxe a paz.
145
A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

Seu convidado se deteve frente a um dos retratos mais recentes da família.


— O menino mouro me disse que lorde Duncan se foi a Constantinopla
com lady Miriam, já retornaram?
Gordon falava por falar; as missões diplomáticas não lhe importavam o
mínimo.
— Não — respondeu Malcolm.
O visitante sorriu, movendo a cabeça.
— Compadeço pelos persas. Segundo lorde Lovatt, lady Miriam é capaz de
despojar a um homem das jóias de sua família, e com um burro como
diplomático.
A madrasta do Malcolm, que tinha um dom especial para levar a paz aos
homens em guerra, vinte anos atrás esqueceu de proteger seu coração, e se
apaixonou. Ao casar-se com ela, lorde Duncan levou ao Kildalton uma jóia de
um valor incalculável.
— Encarregarei-me de lhe fazer chegar tudo. — Malcolm sorriu
recordando a sua madrasta com carinho.
Gordon voltou a examinar os retratos. Durante a ausência de lady Enjoam,
Alpin, que tinha assumido as responsabilidades de Kildalton, estava deixando
seu próprio rastro entre os habitantes do castelo que a admiravam e respeitavam
profundamente. Malcolm se perguntou como teria podido arrumar-se sem ela.
Gordon arrotou sonoramente e se inclinou sobre um dos retratos para
observar às irmãs de Malcolm com os olhos entrecerrados. Sua pele curtida tinha
o aspecto de couro velho. Deu uns golpezinhos sobre o tecido e declarou:
— Esta pequena ruiva: seu pai poderia fazer algo proveitoso com ela.
Gordon se referia à irmã menor de Malcolm. A seus quatorze anos, Anne
ardia em desejos de construir uma propriedade o suficientemente grande para
acolher a todos os meninos órfãos de Londres. Malcolm supôs que se daria muito
bem com Alpin.
— Anne tem seus próprios planos.
— Ainda não se prometeu em matrimônio?
— Meus pais não utilizam seus filhos como peças no jogo da política
-respondeu Malcolm com tom de brincadeira.
— É uma lástima. Uma aliança com os Lochiel Cameron seria muito
benéfica para ambos os clãs.
Malcolm não pôde deixar acontecer aquela observação tão típica e
repugnante.
— Nesta família não consideramos prioritário beneficiar aos clãs das terras
altas.
— Sei. E por isso a Escócia continua dividida. Pode ser que seus clãs da
fronteira estejam contentes com o papel de conquistados, mas os das terras altas
são diferentes.
146
A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

Uma vez mais a velha discussão. Malcolm se esforçou por utilizar a lógica.
— Os clãs das terras altas não compartilham uma fronteira com os
ingleses.
Enfurecido, Gordon agitou o punho e assegurou:
— Se fosse assim, nós os teríamos vencido.
— Do mesmo modo que os vencem uns aos outros? Não são capazes de
deixar de lutar entre vocês o tempo suficiente para criar uma frente unificada.
Até que não o sejam, Jacob Eduardo não terá a quem guiar ou governar.
Impassível ante o raciocínio de Malcolm, Gordon ficou a examinar o marco
dourado.
— Suponho, que sua peça preferida ainda não retornou.
Embora sabia muito bem a quem se referia, Malcolm se negou a lhe seguir
a idéia.
— Minha peça preferida?
Depois de um último olhar ao retrato, Gordon acomodou seu volumoso
corpo em uma das cadeiras frente a mesa de Malcolm.
— Rosina.
— O que te faz pensar que não retornou?
— Duas coisas. Em primeiro lugar, se houvesse retornado, você teria
enviado ao mouro ao norte com a resposta de nossos amigos de Albano. E em
segundo lugar, não pertence ao tipo de homens que se deita com duas mulheres
de uma vez. Nisso se parece com seu pai.
A falta de tato de seu convidado zangou Malcolm, mas ao reprovar
Gordon e suas maneiras não faria mais que prolongar a visita. Malcolm optou
por responder ironicamente.
— Nunca pude te esconder nada, John.
Gordon lhe pisco os olhos maliciosamente.
— Tinha muito bem escondida a sua escocesa. Quem é?
Escocesa. Resultava estranho ouvir alguém referir-se a Alpin dessa forma.
Malcolm nunca tinha pensado nela quanto a sua origem. Sempre tinha sido
Alpin: a prima que teria vivido com seu tio inglês. Agora era sua Alpin, já que
Malcolm encontrava muito contente, sobretudo depois da noite anterior. Nesse
momento só queria analisar os sentimentos que ela despertava nele, e o faria
assim que seu convidado retornasse a sua guarida do norte.
— Não a conhece.
Gordon se encolheu de ombros e agarrou a jarra de cerveja.
— Resulta-me familiar.
Aquilo era muito estranho, pensou Malcolm.
— O que é o que te resulta familiar nela?
— Esses olhos tão pouco comuns, e o cabelo cor mogno, mas não consigo
recordar onde os vi antes. A que clã pertence?
147
A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

O instinto e a curiosidade que leu nos olhos de Gordon aconselharam a


Malcolm responder de forma ambígua.
— É daqui, e exclusivamente minha.
— Está a protegendo, né? — Gordon riu entre dentes -. Reconheço que eu
também cobiçaria à moça se estivesse em seu lugar. É diminuta, e possui
formosos atributos.
A lembrança daqueles atributos os fez tão pressente que a fogosa natureza
de Malcolm respondeu imediatamente. Sentindo-se incômodo, agarrou a jarra.
— Mais cerveja?
— Sim, é boa. -Gordon esvaziou sua jarra e a voltou a encher, e de novo a
esvaziou. Seus olhos brilharam desafiantes.
— Vim para conseguir um compromisso por parte do clã Kerr.
Com o Gordon sempre era o mesmo.
— Então fez uma viagem inútil. Minha posição não mudou, John. Enviarei
suas mensagens a Itália, mas não participarei da traição.
A jarra de cerveja golpeou o braço da cadeira.
— Maldito seja, Malcolm. O tempo está se esgotando. Não pode continuar
de ambos os lados da fronteira.
— Sim posso, pois as terras de ambos os lados me pertencem. Minha mãe
era inglesa, e ao me deixar as terras de seu dote, encarregou-se de que me
preocupasse com os dois lados.
— Seu pai não tinha por que tomar como esposa a uma inglesa.
As boas intenções de Malcolm se esfumaram.
— Estou seguro de que saltou de alegria quando o matrimônio se concluiu
ao morrer minha mãe antes de que eu fosse desmamado.
— Ou se une aos clãs, ou lhe chamaremos inimigo. O que decide?
Malcolm se encolerizou. Lutando por acalmar-se, agarrou um lápis e o fez
rodar entre seus dedos. Replicou.
— Cuida de suas palavras, John — advertiu-lhe Malcolm em inglês -.
Começam a soar a rebelião sangrenta.
Gordon se inclinou. Tinha a cara tão vermelha como o cabelo.
— E você cada vez sonhas mais como um inglês.
— Sou meio inglês — particularizou Malcolm ferozmente, — como muita
gente dos Borders.
— Nós nunca lhe jogamos isso na cara. — Controla sua língua, não esqueça
que a carne de vaca de meus gados em Northumberland é seu alimento, que
além disso amadurece com o sal de minha minas inglesas.
— Isso não é mais que comércio, e lhe pagamos muito bem.
Consciente de que a discussão não o estava levando a nenhuma parte,
Malcolm se dominou.

148
A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

— Parece-me que temos melhores coisas a fazer que estar aqui sentados
esbanjando nosso tempo citando as diferenças entre os habitantes das terras altas
e os das baixas.
— Sim, «baixo» é a palavra — grunhiu Gordon secamente — é você que se
empenha em riscar uma linha entre minha gente e a tua.
— Eu não risquei a fronteira das terras altas. Foram seus antepassados
quem o fizeram séculos atrás.
— Fizemo-lo para protegermos dos habitantes das terras baixas, que
beijariam os pés de qualquer estrangeiro que se sentasse no trono. Responde a
minha pergunta: quando chegar a hora, unirá-te ou não a seus irmãos das terras
altas?
— Está bem. — Malcolm ficou em pé de repente, rodeou o escritório e se
plantou diante de Gordon — vamos arrumar isto de uma vez por todas. Tem um
sabre, John?
Gordon ficou imóvel e elevou o olhar para o Malcolm.
— É um menino muito valente, e quando te convém, é igual a o Grande
Reiver, seu antepassado Kerr.
Poucas pessoas se atreveram a fazer aquela insultante comparação. O avô
paterno de Malcolm, ao que chamavam Grand Reiver, tinha sido um homem
violento que se considerava por cima da lei, igual a Gordon. Kenneth Kerr não
legou a seus descendentes mais que conflitos e miséria.
Durante seu mandato como oitavo conde de Kildalton, lorde Duncan, o pai
de Malcolm, tinha tratado de endireitar as ofensas do sétimo conde com
paciência e inteligência. Hoje, todo mundo recolhia os frutos.
Parecia-se com seu avô fisicamente, ambos eram altos e tinham o cabelo
escuro. Não obstante, entregava a alma ao diabo antes de pôr em perigo a sua
gente.
— Me comparar com o Grand Reiver é outro insulto muito pouco original.
— Insulto? — Gordon soltou uma gargalhada — Seu avô disse aos ingleses
o que podiam fazer com suas leis e seus impostos. Se viesse de onde eu venho, a
comparação seria um grande elogio.
Terras altas e terras baixas; Malcolm estava cansado de tantas
divergências, mas Gordon e os de sua classe desfrutavam enfrentando a
escoceses contra escoceses. Para eles, a paz era uma trégua iniciada por
necessidade que acabava por irritarem-se.
— O que escolhe, Gordon? Espadas ou silêncio?
Os olhos do chefe do clã brilharam tenuemente de entusiasmo.
— Quer me provocar para que brigue contigo, verdade?
Malcolm o desejava, mas não por nenhuma razão que Gordon pudesse
entender. Malcolm suspirava por acabar de uma vez e voltar para os braços de
Alpin.
149
A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

— Eu, te provocar? Está louco se acha que pode vir a minha casa para me
insultar.
— Devo te recordar — continuou Gordon — que sou dez anos mais velho
e dez vezes mais lento que você?
Se ao chefe do clã Gordon lhe faltava juventude e fortaleza física, sem
dúvida não carecia de experiência e engenho. Mas Malcolm tinha aprendido as
sutilezas verbais de uma professora qualificada, sua madrasta, que lhe tinha feito
de mentor. Ao recordar a paciente e ardilosa lady Miriam, Malcolm se relaxou e
se sentou na borda de seu escritório.
— Então segura essa maldita língua, John, e pensa nos verdadeiros
problemas que afetam a sua gente e à minha. Me mostre que é capaz de fazer
algo em benefício do futuro de todos os escoceses, estejam por cima ou por
debaixo da fronteira.
Gordon se acomodou de novo na cadeira.
— Muito bem — disse com uma careta de satisfação — Darei a minha filha.
Malcolm conhecia essa proposta pelo Saladin. Unificar a meia Escócia equivaleria
a declarar a guerra aos ingleses, sobretudo tendo em conta que o rei tinha
expressado sua contrariedade com aquela aliança quando Malcolm era um
menino, e não o tinha feito de forma muito cordial, precisamente.
— Acreditei que a tinha comprometido com o filho de Argyle — replicou
Malcolm, que sabia que Gordon lhe estava pondo a prova.
— Não a quer?
Em realidade o que Gordon queria saber era se Malcolm seria capaz de
desafiar à coroa. Desde que Malcolm assumiu o mando do clã Kerr, tinha-lhe
feito a mesma pergunta várias vezes, mas nunca entre os muros de Kildalton. O
fato de que tivesse ido ver-lhe quando os pais de Malcolm estavam fora do país
era muito significativo.
Pensar naquilo zangou ao Malcolm mais que o atrevimento de sua oferta.
— Não converterei Kildalton em um campo de batalha.
— Olhe, menino — começou a dizer Gordon com cordialidade, pondo as
palmas das mãos para cima — um dia ou outro teremos que lutar contra os
ingleses.
Os Gordon que sempre desejavam lutar contra alguém não encontrariam
outra razão melhor para derramar sangue que devolver ao trono a um Eduardo.
— Fala por ti. Eu não enfrentarei a um inimigo ao que não posso vencer.
— Mas você pode vencer os ingleses. O rei Luis nos proporcionará uma
frota e mil e duzentos regulares franceses. Com o Jovem Pretendente a bordo,
desembarcarão perto de Londres e agarrarão os ingleses de surpresa. Quando
esses covardes Hanover fujirem para o norte, você e eu lhes estaremos
esperando. Defenderemos os Borders até que Jacob deva reclamar sua coroa.

150
A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

A ajuda militar era uma cenoura que os franceses tinham pendurado ante
os narizes do Eduardo exilado com o único propósito de pôr nervoso à Hanover
que ocupava o trono da Inglaterra. E Gordon e outros chefes mais das terras altas
estavam tão ansiosos por ver reinar a Jacobo III que acreditavam nas falsas
promessas de Luis XV. Em certo modo, Malcolm compadecia dos jacobitas por
sua ingenuidade, mas por outro lado, não podia suportar sua teima.
— Não acredito que os franceses vão cercar uma guerra pela causa
escocesa, além disso, não me parece muito honroso deixar que outros liderem
nossas batalhas.
— O resto dos escoceses se unirão a nós, espera e verá. — Gordon tentava
lhe enrolar-. Assim que vejam o Jovem Pretendente, aderirão-se a ele.
— E por que não lhe apóiam agora, se tão decididos estão a ver um
Eduardo no trono?
— É pelo Jacob. Ele pretende reconciliar aos escoceses com os ingleses um
por um. Isso lhe levaria anos, e além disso, quando se viu a um inglês reconciliar-
se por meios pacíficos?
— Acredito que Jorge I foi o último grande conversor de almas. —
Comentou Malcolm com tom triste. Quando Gordon franziu o sobrecenho,
apartando o olhar, Malcolm acrescentou: — Guillermo de Orange e sua esposa
María também acessaram ao trono em uma revolução cruel.
— Eles reclamaram a coroa inglesa.
Ao limite de sua paciência, Malcolm apertou os dentes.
— Jorge reclamou a união das coroas, igual a rainha Ana. — Não pôde
evitar acrescentar: — Se por acaso não o recorda, era uma Eduardo.
— Uma anglicana — Gordon cuspiu.
À medida que os argumentos de Gordon se voltavam mais absurdos,
Malcolm se perguntava se alguma vez haveria paz nas terras altas.
— Então, é uma guerra religiosa o que querem agora?
Gordon se golpeou a coxa coberta pelo tecido de quadros.
— É uma guerra para preservar a casa real da Escócia. Malcolm esteve a
ponto de replicar que graças à generosidade da Batata, os Eduardo e seu dilatado
séquito de escoceses exilados viviam magnificamente preservados em suas vilas
italianas, mas em troca, respondeu tranqüilamente:
— Unir a nossos clãs através do matrimônio é impossível, John. Já tenho
uma esposa.
— A italiana? — Gordon se aferrou aos braços da cadeira -. A que classe de
acordo chegaste com os Eduardo?
Assim pensava que Rosina era um elo na intriga em vez de uma simples
mensageira entre os escoceses e a família real exilada, pensou Malcolm. Era uma
hipótese muito interessante, e tão tipicamente jacobita que Malcolm teve que
apertar os lábios para não sorrir.
151
A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

Além disso, que irônico resultava que seu matrimônio com Alpin pudesse
ser tão vantajoso em sua vida ou repercutir de uma forma tão positiva na política
escocesa. Paradoxalmente, ela sempre tinha formado parte de sua vida, embora
estivessem separados. Se Malcolm estava casado com ela, sua negação
incondicional a unir aos Kerr com os Gordon não tinha porque ser um insulto
para os clãs das terras altas.
— E bem? — exigiu Gordon, cético e mal-humorado.
— Não é Rosina, é a moça escocesa que viu na horta.
— Como se chama?
Malcolm esquivou a pergunta.
— É parente de meu vizinho inglês, o barão Sinclair.
— Ah. Então é meio inglesa — esclareceu Gordon amargamente.
— Sim, igual a mim.
O ruivo suspirou, aborrecido.
— Quem é?
Divisando o final da conversação, Malcolm se esforçou objetivamente a
situação. Pensou que se Gordon conhecia a família de Alpin, lhe seria muito mais
fácil lhes localizar. Agora saberia por que tinha voltado para Escócia: não tinha
outro lugar onde ir. A noite anterior, ela não parecia muito decidida a localizar
os MacKay. Disse que não acreditava que ela lhes importasse muito. Sua reação
lhe parecia para Malcolm o mais natural; durante toda sua vida, Alpin tinha sido
arrastada de um parente a outro. Malcolm pensou que não tinha nenhum direito
de evitar que Alpin averiguasse o paradeiro de sua família escocesa.
— Seu nome é Alpin MacKay.
Com a vista cravada no escritório, Gordon se esfregou a testa. Por fim, um
ardiloso sorriso iluminou seu sorriso envelhecido.
— Já me parecia que a conhecia de algum lugar. Bem feito, Malcolm!

No meio da tarde, ao ver que Malcolm e seu convidado seguiam


encerrados no escritorio Alpin não pôde conter a curiosidade. Quem era este
tipo, e por que Alexander tinha sido tão discreto? Perguntava-se uma e outra
vez. Malcolm tinha mencionado uns negócios de sal, mas por que ia causar-lhe
tanta preocupação um produto tão corrente?
Pensou que provavelmente estava zangado com ela pelo episódio da horta.
A chegada daquele homem não era mais que uma desculpa para distanciar-se
dela. Alpin preferiu pensar que não era isso, pois se fosse certo perderia o pouco
terreno que tinha ganhado.
Desesperada por encontrar uma resposta, entrou na cozinha, onde Doura a
informou que Malcolm tinha pedido uma bandeja com comida pouco depois do
meio-dia.
— Sabe quem é esse homem? — perguntou-lhe à criada.
152
A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

— Só sei é que bebe tanta cerveja para encher um fosso — replicou Doura,
que estava encharcando uns nabos em um balde com água — depois de esvaziar
a segunda jarra, o próprio lorde Malcolm agarrou o barril e o levou ao escritório.
— Quanto tempo faz isso?
— Mais de uma hora.
— Ainda estão discutindo?
— Não, senhora, mas o senhor parecia muito abatido.
Alpin pensou que se não era ela o motivo de seu aborrecimento, não podia
ser outro que o convidado. Rezando para que fosse assim, Alpin preparou uma
jarra de laranjada e se encaminhou para a única pessoa que podia lhe revelar o
significado daquela visita.
Esparramado na cama, com uma montanha de almofadões sob as costas e
uma pedra de afiar e sua cimitarra no regaço, Saladin parecia um sultão em seu
trono. Alpin lhe serviu um copo de suco de laranja.
— Já recuperaste a cor. Como estás?
— Melhor, graças aos generosos e doces cuidados que recebo.
Recordando o que Doura lhe tinha contado sobre sua briga com a Elanna a
noite passada, Alpin decidiu mediar entre eles.
— Elanna não compreende sua religião.
Saladin lhe lançou um olhar significativo repleto de cepticismo.
— Sente muitíssimo ter arrojado ontem à noite seu tapete de orações pela
janela. Por isso foi pescar.
Saladin deixou a pedra e cruzou os braços.
— Devo supor que em sua retorcida mente africana ir pescar é algum tipo
de expiação?
Alpin sorriu.
— Em realidade é um castigo. Em sua cultura, uma princesa Ashanti
nunca vai procurar comida, nem sequer para o chefe da tribo. Antes morreria de
fome.
— Não me cabe a menor duvida. — Saladin riu.
— É uma concessão tremenda de sua parte, Saladin.
Olhando ao teto, acariciou-se a barba.
— Então, por minha parte me mostrarei completamente submisso quando
lhe tirar os espinhos do pescado e me ofereça os mais tenros bocados.
— Oh, ela nunca fará isso.
Ao ver Saladin arquear as sobrancelhas com evidente segurança; Alpin
quase se arrependeu de ter falado sobre a expedição ao lago. E quando o mouro
continuou falando, seu arrependimento foi total.
— Dará-me de comer, e dará graças a seus deuses pagãos por ter a
oportunidade de fazê-lo.

153
A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

Alpin decidiu ocupar-se de seus próprios problemas, assim interrogou ao


Saladin sobre o visitante.
-Sabe quem é?
Saladin a observou com cautela.
— Por que se preocupa com quem vem de visita? Alpin não estava segura
de seus motivos, mas sua intuição não lhe permitia abandonar o assunto.
— Porque sua chegada alterou Malcolm.
— E está preocupada com o humor de sua senhoria?
— É obvio. Compartilhamos nossas vidas. Saladin enrugou a testa
deixando ver a ponta de seus cabelos por debaixo do turbante.
— Está Malcolm satisfeito com o acordo?
— De momento parece contente -replicou Alpin, despojada de sua
modéstia de donzela — embora só ficamos uma noite.
Saladin sorriu maliciosamente, recuperando um aspecto juvenil que Alpin
recordava muito bem.
— E você?
Se não ia com cuidado, Alpin era capaz de lhe confessar até as intimidades
mais obscenas.
— Estaria muito mais contente se soubesse por que a identidade de seu
visitante tem que ser um segredo. — Para dissimular seu mau humor se apressou
a acrescentar: — Não sei se devo pôr um prato a mais na mesa e preparar um
quarto, ou esconder às criadas da presença deste homem misterioso.
Saladin voltou a afiar a folha de sua cimitarra.
— Estou seguro de que seu marido te fará saber seus desejos nesse
assunto. — O estalo da pedra contra o aço cortava o silêncio. Alpin decidiu lhe
abordar sem rodeios.
— Sabe ou não quem é esse homem?
Saladin inclinou a folha para ver melhor o fio.
— O que te faz pensar que sei tudo a respeito dos assuntos de lorde
Malcolm?
— Por que não deixa de responder minhas perguntas com mais pergunta?
Quero uma resposta.
— Então, pergunte a seu marido.
— Qualquer um pensaria que esse Gordon é um criminoso que foge da
justiça ou um conspirador tramando um plano perigoso.
— Isso é o que crê ? — replicou Saladin tranqüilamente deixando a um
lado a pedra.
— Não sei o que pensar.
— Provavelmente é que não deveria pensar nisso.
Alpin levantou as mãos desgostada e se dirigiu para a porta.
— É tão teimoso como diz Elanna.
154
A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

— Elanna mudará de tom.


Alpin confiava que os soldados seriam mais fáceis de convencer, assim que
se foi em busca de Rabby Armstrong. Encontrou-o junto aos barracões falando
com um silencioso Alexander Lindsay, e não se atreveu a lhes interromper,
dirigiu-se ao ferreiro.
Depois de intercambiar umas palavras sem importância, o ferreiro
informou a Alpin que o estranho levava uma espada muito bem afiada.
Depois foi ao botequim e olhou através dos cristais. O encarregado estava
muito atarefado servindo cerveja a um grupo de homens ruidosos que vestiam o
mesmo capote que o estrangeiro. Nos estábulos lhe disseram que aquele tipo
montava um cavalo muito bem ferrado e que Malcolm tinha encontrado uma
noiva preciosa. O tecedor elogiou o tartán do estrangeiro, que Alpin já sabia que
era o que utilizavam o clã Gordon, e a boa sorte do Malcolm por havê-la
conquistado, o qual fez que se sentisse culpada por bisbilhotar.
Alpin se encaminhou de novo para o castelo, e já que tinha que passar
diante da oficina do curtidor, decidiu parar. Lhe proporcionou a primeira
informação digna desse nome: a julgar pela bolsa que levava, o estrangeiro era o
chefe do clã Gordon, um homem importante.
— E um mal educado por manter a nosso chefe longe de sua nova e
preciosa noiva -acrescentou com uma piscada.
Ruborizada, e sentindo-se mais feliz que nunca depois da última noite,
Alpin subiu flutuando as escadas do castelo. As portas se abriram sozinhas.
Malcolm a agarrou pelo braço suave mas firmemente.
— Onde estiveste? — perguntou, levando-a para dentro. A euforia de
Alpin se desvaneceu como por encanto.
Com um sorriso, liberou-se de Malcolm.
— Estava nos barracões contando a todos seus homens o melodiosamente
que roncas.
Malcolm levou a mão à boca para dissimular a risada.
— Suponho que merecia isso.
— Oh, merece-te muito mais que isso. — Alpin pensou que deveria estar
indignado, não divertido.
— Juro-te — disse pondo uma mão sobre a insígnia de seu clã que estou
ansioso por receber meu castigo.
— Não tente me enganar e não dissimule.
— como sempre, você começou.
Alpin aspirou o aroma a sândalo e recordou o delicioso sabor de sua pele.
Assombrada de sua reação e temerosa de que Malcolm a percebesse, ficou à
defensiva.
— Doura me disse que estava bebendo com um homem chamado Gordon.

155
A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

— Só um pouquinho, minha preciosa esposa. Quero estar completamente


sóbrio quando me atar à cama.
Alpin ficou boquiaberta. Malcolm não estava zangado; ao contrário, estava
feliz.
— Surpreende-me que leve tão a sério.
— Tomaria em qualquer lugar, Alpin, e a qualquer hora.
Ela não tinha vontade de jogar agora.
— Bom, não vou subir contigo no momento, assim já pode apagar de sua
cara esse sorriso lascivo.
— Preferiria desenhar um sorriso na tua.
— Muito bem, sorrirei — replicou Alpin incapaz de protestar ante
maneiras tão encantadores.
— Sinto ter tratado de te jogar da cama. — Seus olhos marrons brilharam
com sinceridade -. Asseguro-te que não foi deliberadamente.
— Aceito suas desculpas.
— Esperava que o fizesse. Hoje tinha a intenção de te fazer um presente de
bodas.
O único presente que Alpin desejava era o que tinha desejado sempre. Um
lar. A plantação Paraíso. E a oportunidade de liberar dos laços da escravidão às
pessoas que tinha crédulo e dependido dela durante os últimos vinte anos.
— Quero uma coisa que você não tem — disse Alpin impassível.
Malcolm subiu o cinturão.
— Conheço-te muito bem, Alpin, aprendi a decifrar suas evasivas. Sei por
que veio a Escócia.
A Alpin lhe caiu a alma aos pés ao pensar que a tinha descoberto.
— De verdade?
— Sim. Recordo o que disse ontem à noite sobre Barbados. Devia te sentir
exilada ali.
— Estava-o — concordou amargamente.
— Pois agora já nunca mais terá que pensar na plantação Paraíso ou em
sua vida ali.
Alpin pensou horrorizada que Malcolm tinha vendido seu lar a esse patife
do Gordon. Ficou paralisada, o coração golpeando em seu peito com força.
— O que fez ? -perguntou lhe agarrando por um braço.
— É uma surpresa. — Ele tomou o braço de Alpin e a conduziu através do
vestíbulo -. Vêem comigo.

Capítulo 14

Alpin se sentiu apanhada, acolhida pelo medo. A mão de Malcolm lhe


apertava o braço como os grilhões de um escravo e seus olhos estavam presos em
156
A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

seu olhar zombador. «Era a venda de Paraíso o motivo da visita daquele homem?»,
perguntou-se aterrada.
Alpin sentia crescer seu terror com cada passo que dava através da estadia.
A cada tanto, convencia-se de que era impossível que Malcolm tivesse destruído
seus sonhos, as esperanças que a tinham sustentado durante anos.
Chegou-lhes o eco de umas risadas masculinas. Os vigilantes noturnos
jogavam para matar o tempo até o pôr-do-sol. «Lhes teria levado Doura suficiente
comida?», perguntou-se Alpin.
Malcolm se deteve no centro do vestíbulo.
— Alpin, está tremendo. O que te ocorre?
Alpin não queria explicá-lo, pois desse modo acreditava que podia manter
seu medo a raia. «Se pudesse afastar-se dele, pensaria no modo de o deter», disse-se.
— Só me perguntava se os soldados teriam suficiente comida.
— Não te acredito, me diga no que estava pensando.
Alpin dirigiu um olhar veloz para a porta da cozinha.
— Preocupa-me seu convidado. Não quero que pense mal da
hospitalidade de Kildalton. Paga-me muito bem... e o que sejamos marido e
mulher não significa que eu me converta em uma folgazona e esqueça meus
deveres.
— Alpin... — advertiu-lhe Malcolm — Está esquivando do assunto.
Alpin pensou que Malcolm podia ver através dela, mas não lhe ocorria
nada mais que acrescentar.
— Me olhe.
Alpin obedeceu a contra gosto; os lábios tensos de impaciência.
— Sim? — disse com um sorriso trêmulo.
Os nódulos de Malcolm a roçaram na bochecha.
— Me responda, e por favor, seja sincera — pediu-lhe com ternura.
«Por que tinha que ser tão diabolicamente encantador?, perguntou-se Alpin.
Porque não tinha nem idéia de como desconfiava dele nem suspeitava quão desesperada
estava por salvar às pessoas de Paraíso».
— Sobre o que?
— Sobre o que pensava agora mesmo.
Distraiu-se por um instante. Agitando a mão, riu nervosamente.
— Pensava no muito que odeio as surpresas.
Malcolm lhe ofereceu um sorriso confiado e cativante.
— Esta você gostará. É um presente de seu marido. Ele sabe o que é o
melhor para ti. — Então a levou até seu escritório.
Gordon estava de pé frente a um dos retratos de família, com o sobrecenho
franzido. As rugas distorciam os quadros de seu tartán, e sobre o cinturão surgia
uma barriga proeminente. Sobre seus joelhos se pendurava uma elaborada bolsa
de cacique, conferindo-lhe um aspecto descuidado.
157
A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

Alpin olhou a Malcolm, e pos-se em estado de ansiedade em que se


encontrava, não pôde deixar de admirar sua musculosa e de uma vez esbelta
figura e o esmero de sua vestimenta escocesa.
Aquela apreciação se converteu em desconcerto. Se Malcolm tinha
descoberto realmente seus motivos para ir a Escócia e tinha vendido a plantação,
por que queria espectadores na hora de comunicar-lhe. Para castigá-la, deduziu.
Sua amabilidade e sua consideração não tinham sido mais que um elaborado ato
de crueldade.
Malcolm clareou a voz, e a tomou pela cintura. O visitante se virou e a
examinou dos pés a cabeça.
— Alpin — disse Malcolm entrando-a na habitação — me permita que lhe
apresente a meu amigo John Gordon, chefe de seu clã. Também é o conde de
Aberdeenshire, embora fuja o título.
Sem apartar seu olhar de Alpin, replicou Gordon com desprezo:
— É uma coisa que me concederam os ingleses e que não vale nem um
xelim carlista.
— Encantada, meu senhor — saudou Alpin fazendo uma reverência.
Ele se aproximou e continuou inspecionando-a como faria um capataz com
um novo escravo.
— Uma visão celestial — murmurou.
Alpin elevou o queixo com insolência.
— Está desfrutando de sua estadia, meu senhor? — Quando lhe dirigiu um
olhar perplexo, Alpin acrescentou: — Quero dizer que espero que sua viagem até
o Kildalton tenha sido agradável.
Gordon olhou ao Malcolm, assentindo com a cabeça.
— Certamente que o é. É uma MacKay, não cabe a menor duvida. Só pelo
cabelo se vê perfeitamente, mas seus olhos o confirmam. É da linha do Comyn.
Sentindo-se excluída, Alpin se separou dos dois homens.
— É obvio que meu nome é MacKay. Mas o que tem isso que ver com o
preço do sal? O que está acontecendo aqui, Malcolm?
— John conhece a família de seu pai — informou Malcolm como se se
tratasse de uma grande revelação.
— E? -perguntou Alpin juntando as mãos.
— Esse é meu presente o quão único nunca teve: uma família.
Alpin se sentiu mais triste que nunca. De repente se deu conta de que ela
tinha uma família estupenda em Barbados: mulheres de pele escura, que quando
era uma menina lhe tinham dado agradáveis bonecas de trapo para fazê-la sorrir;
homens que tinham esculpido rostos em cocos para proteger sua casa dos
espíritos malignos. Todos eles constituíam sua família, e sentiam sua falta e
necessitavam dela.
Aflita pelo desespero, Alpin lutou por conter as lágrimas.
158
A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

— Acreditou que queria uma família?


Desconcertado, Malcolm tratou de entender o que ocorria. Alpin parecia
horrorizada ante a idéia de encontrar-se com sua família.
— O que acreditava que ia te dar de presente? — perguntou.
— Não tinha nem idéia. — Alpin suspirou aliviada se precipitou para ele e
lhe agarrou da mão — Vê? Já te disse que era terrível para as surpresas. Sempre
me comporto como uma parva, e nunca encontro as palavras adequadas.
Isso não enquadrava com a aguda e engenhosa Alpin, que sempre tinha
uma réplica inteligente nos lábios. Sua habilidade na arte da evasão podia
competir com o de lady Miriam. Estava claro que tinha esperado outro presente
de Malcolm. Mas qual? Perguntava-se ele, e por que parecia tão nervosa? Estava
seguro de que não era como as outras mulheres. Alpin não podia desejar trajes e
jóias dele.
— Malcolm, por favor, não te zangue comigo. Temos um convidado.
Esqueceu-se por completo de John. Apoiado na mesa de Malcolm o escocês
sorria divertido ante aquela incoerente conversação.
— Por favor — implorou Alpin.
— Não estou zangado contigo.
— Seria um grave engano tratar mal à moça — declarou John agitando sua
jarra de cerveja — Comyn MacKay é muito especial com as mulheres de sua
família. As mima muito.
— Nunca ouvi falar de ninguém chamado Comyn MacKay — falou-lhe
Alpin — assim posso lhe assegurar que nunca me mimou.
— Passou anos procurando a sua neta perdida, assim não te precipite,
moça — aconselhou-lhe John Gordon.
— Não lhe ocorra pensar que pode me dizer quem sou ou o que devo
fazer.
Alpin não estava fingindo, esta vez falava a sério. Confundido, Malcolm
viu como se deixava dominar pela raiva.
— Não sente curiosidade pela família de seu pai? — perguntou com a
esperança de acalmá-la.
— Esta é toda a curiosidade que sinto. — Alpin girou sobre seus
calcanhares e lhes deu as costas, com as costas reta e a roupa ondeando sobre
seus tornozelos.
Gordon assobiou.
— Certamente, é toda uma MacKay. Apostaria o futuro da Escócia que o é.
Ela se voltou com os olhos acesos.
— Pode apostar a pele de Comyn MacKay que não me importa nada,
quem sou eu.
— Que diabos lhe acontece? — perguntou Gordon — Deveria estar
contente. MacKay se preocupa com os seus.
159
A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

Alpin abriu a boca e logo olhou ao chão.


— Vamos, Alpin — animou-a Malcolm. — Diga o que tem na cabeça.
— Foi... — Respirou indecisa — foi muito amável de sua parte, Malcolm,
querer me reunir com os parentes de meu pai, se é que essa gente é minha
família de verdade. Mas por favor, não te incomode em dizer aos MacKay que
sua menina perdida voltou para casa. Nem sequer cruzaria a porta para lhes
receber. — Sorriu vacilante — Tenho toda a família que necessito.
Gordon dirigiu ao Malcolm um olhar perplexo.
Se Alpin era realmente a neta perdida de Comyn — Malcolm tinha suas
dúvidas a respeito — ela acabaria por mudar de ideia com respeito a sua família.
Segundo John, Comyn tinha passado anos percorrendo as terras altas para
encontrá-la. Malcolm queria que sua madrasta estivesse ali; lady Miriam
conhecia a Comyn MacKay e poderia confirmar o parentesco. Mas no momento
Malcolm pensou que seria melhor acessar aos desejos de Alpin.
— A senhora o disse, John. Sou eu quem devo mimá-la.
Alpin posou um olhar nervoso no queixo de Malcolm.
— Obrigada.
Malcolm se perguntava o que estaria pensando.
— Se nos desculpa... — começou a dizer Gordon com a intenção de dar por
terminada a conversação. Franzindo o sobrecenho, Gordon anunciou:
— Reunirei meus homens e me porei a caminho, me envie o mouro ao
norte assim que...
— É obvio — interrompeu Malcolm antes de que Gordon descobrisse seu
acordo — como sempre, Saladin te levará o sal.
Quando a porta se fechou e ficaram a sós, Alpin se lançou aos braços de
Malcolm.
— Sinto me haver zangado, mas realmente não quero mais família.
Malcolm não pôde evitar pensar em sua incapacidade de formar uma
família e no grande ressentimento que guardava a Alpin por isso.
Entretanto, sua postura começava a mudar, disse que não podia fazer
responsável à mulher pelos atos da menina. Não foi intenção de Alpin lhe
danificar para sempre, não podia conhecer as terríveis conseqüências de sua
brincadeira. Porque então não sabia nada da procriação, até acreditava que uma
mulher ficava grávida por passar uma noite só na estalagem de Bothly Green.
Era impossível que soubesse que os aguilhões daqueles insetos tinham
envenenado sua semente, lhe sentenciando a uma vida sem herdeiros.
Além disso, ela era a mulher mais adequada para casar-se com ele.
Provavelmente aquela seria a penitência de Alpin. Quando não engendrasse
filhos a chamariam estéril. Os maridos raramente se tinham em conta.
Provavelmente algumas pessoas de Kildalton a desprezariam, como quando era

160
A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

pequena. Mas agora, apenas duas semanas depois de sua chegada, os tinha
ganho a todos.
Malcolm começou a contemplá-la sob uma luz diferente. Viu o valor e a
integridade com que se enfrentava à crueldade do mundo. De menina vociferava
para ocultar seus sentimentos feridos. Como mulher, tinha encontrado uma vida
digna, e era o destino de Malcolm conseguir o melhor para seu futuro.
Malcolm se sentiu em paz consigo mesmo. Escreveria a lady Miriam para
informá-la da visita do Gordon e da crescente discórdia entre os clãs do norte,
mas guardaria suas novidades pessoais e suas suspeitas a respeito dos parentes
de Alpin para contar a ela e a seu pai pessoalmente assim que retornassem.
A partir da manhã seguinte trataria de ganhar a confiança de Alpin e
descobrir seus segredos, mas de momento se limitaria a estreitá-la entre seus
braços.
Saladin lhes encontrou de pé no escritório, fundidos em um abraço
reparador. Sentiu uma pontada de inveja. Entretanto, não havia duas pessoas no
mundo que merecessem mais encontrar a felicidade um com o outro que aqueles
adversários da infância. Malcolm levantou o olhar e sorriu.
— Bem-vindo ao mundo dos vivos, meu amigo.
As palavras da Elanna ressonaram em sua mente: «Os deuses lhe mandaram
de volta uma vez, e o farão de novo», mas Saladin as guardou para si. Seus
sentimentos para ela eram muito complicados para descobri-los, inclusive ante o
Malcolm.
— Vim felicitá-los — disse.
Alpin se apartou um pouco, mas Malcolm a atraiu de novo para ele.
— Não seja tímida. É Saladin. Ele nunca fará que te ruborize nem te dirá o
que deve fazer.
— Já sei, mas será melhor que me ocupe do jantar. — Dirigiu ao Malcolm
um sorriso de despedida e se apressou a sair da escritório.
— Deveria dizer a verdade — disse Saladin. Malcolm começou a andar
acima e abaixo.
— Sei, mas não agora. O que é que diz sempre sobre mentir? Ah sim! «Um
mal que cria cem verdades é melhor que uma verdade que cria cem maus.»
— Não compreendo por que engana Alpin com este tipo de união. Deveria
se casar com ela diretamente.
— Sei, e o farei.
Saladin era tão somente cinco anos mais velho que Malcolm, mas suas
diferenças filosóficas eram enormes. Um muçulmano nunca tomaria uma mulher
decente fora do matrimônio, e Saladin não podia suportar que Malcolm se
deixasse arrastar pela mentira.
— Como pode justificar o engano?
Malcolm se esfregou a frente.
161
A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

— Gordon e os outros jacobitas estão preparados para elevar-se contra o


rei. Estão me pedindo que me uma a eles. O matrimônio com Alpin me brinda
uma saída, pois os MacKay são moderados.
Os métodos de Malcolm ao tratar com os clãs das terras altas punham a
prova a paciência de Saladin.
— Utilizar a uma mulher para arrumar uma disputa é algo desonroso. Por
que não utiliza sua espada?
— Porque em nossa cultura valorizamos as nossas mulheres por algo mais
que a fecundidade. Damo-lhes liberdade.
Saladin não pôde evitar replicar:
— Mas que Alpin conceba um filho está por ver.
— Maldito seja, Saladin. Já sei que não posso lhe dar um filho, mas
necessito um vínculo com um clã das terras altas, e ela necessita um lar.
Sentindo-se culpado, Saladin perguntou:
— Está seguro de que é aparentada com o Comyn MacKay?
— Comparando-a com eles? Sim. Devia ter notado o parentesco muito
antes, mas faz mais de dez anos que não vejo o Comyn e tinha outras coisas na
cabeça.
Tanta aflição não podia ser causada pela política, mas sim pelas emoções,
disse Saladin, que advertiu:
— Acredito que a amas.
— Provavelmente sim. — Malcolm riu com pesar. Ao sentar-se no braço de
uma cadeira, ficou muito sério — passei anos culpando-a sem motivo. Ela não
podia saber as nefastas conseqüências de sua travessura. Eu não tinha pensado
nunca em seus sentimentos. Por Deus, Saladin, deve haver-se sentido
terrivelmente sozinha. Pode imaginar aos seis anos, sem ninguém a seu lado, te
embarcando para Barbados?
— Sim, meu amigo. Me imagino — replicou Saladin, para quem aquela
viagem deveria ter sido uma festa durante a infância. Malcolm apertou o braço
de seu amigo.
— Tinha esquecido sua horrível infância. Sou um egoísta e o sinto com
toda minha alma.
O regozijo ante sua amadurecida amizade fez sorrir ao Saladin.
— Não se desculpe. — Saladin sorriu amigavelmente — Lady Miriam
salvou a Salvador e a mim da escravidão. Nossa vida é o intuito de Alá.
— Perguntou-me o que diria seu irmão se soubesse que Alpin e eu estamos
juntos.
Saladin riu.
— Provavelmente a perdoaria por lhe haver quebrado as costelas faz tanto
tempo.
Malcolm moveu a cabeça. Seus olhos transbordavam afeto.
162
A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

— Deus Santo, era uma fantasia de diabo. — Logo acrescentou com


tranqüilidade. - Mudou muito.
A lembrança de seu irmão gêmeo iluminou o coração de Saladin, lhe
proporcionando o alívio que tanto necessitava.
— Salvador também.
— Sim — assentiu Malcolm — Desde que se converteu em cavalheiro, sua
vida mudou.
— Mas não sua maneira de ser.
— Conhecemos-lhe muito bem. Antes trabalharia como escrivão de lady
Miriam que alardeou seus êxitos na corte.
Saladin riu.
— Assim é. E também está o assunto de sua promessa de encontrar a nossa
mãe.
— E o que tem de sua parte nesse pacto? Procurará alguma vez a seu pai?
Saladin não tinha nenhum interesse em achar ao desprezível homem que
tinha engendrado dois filhos sãos para depois partir em seu navio sem dar
nenhuma explicação. Mas a expressão sorridente de Malcolm exigia uma
resposta afirmativa.
— Certamente que o farei algum dia, mas antes esperarei a que persuada
aos jacobitas de que se esqueçam de pôr ao Jacob Eduardo no trono.
— Bem dito, meu amigo. Bem dito.
A partir daquele dia, uma nuvem de felicidade se posou sobre o Kildalton.
Alpin era a noiva encantadora e carinhosa, e Malcolm o atento e serviçal noivo.
Durante o mês seguinte, Saladin lhes viu desfrutar de seu matrimônio. À medida
que se aproximava o verão e a época da colheita a gente se preparava para
confrontar o duro trabalho que se morava e se reunia para atribuir grupos de
trabalhadores a algumas granjas.
A felicidade que despedia o chefe e sua mulher era contagiosa.
Só Saladin era imune a aquele ambiente festivo. Às vezes inclusive
duvidava de sua fé; e tudo por uma princesa Ashanti com estranhas crenças e
muito orgulho. Para escapar à tortura que lhe causava sua presença. Saladin se
distanciou. Embora lhe havia destruido seu pequeno exemplar do Corão,
Saladin, como todo bom muçulmano, conhecia-o de cor; encerrou-se em seu
quarto disposto a fazer outra cópia.
A solidão não lhe oferecia muito consolo, pois Elanna ia ver-lhe todas as
tardes depois de finalizar suas preces. O tratava com atenção com
aprimoramentos que contentavam seu paladar e lhe tentava com beijos capazes
de fazer sucumbir a um santo. Ele sempre lhe propunha o matrimônio; ela,
indevidamente e às vezes com muito pouca amabilidade, declinava sua oferta.
Saladin estava convencido de que a vida não podia ser pior, mas uma
tarde particularmente tranqüila, enquanto permanecia de pé junto a seu
163
A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

escritório, mudou de opinião. Elanna apareceu na soleira da porta, o cabelo solto


sobre seus ombros. Uma túnica de cor marfim a cobria do pescoço até os
tornozelos, contrastando encantadoramente com sua pele morena.
Saladin se sentiu louco de desejo mas já começava a acostumar-se a aquela
tortura. Podia suportar, pois a dor de seu coração e a solidão de sua alma
eclipsavam as necessidades de seu corpo.
Depois de intercambiar umas palavras sem importância, Saladin retirou da
mesa a tinta e as plumas, preparando-se para liberar outra batalha em sua
interminável guerra de vontades. Então, Elanna se apoiou contra o marco da
porta, sustentando uma jarra com as mãos.
— Vais convidar-me a passar para... te fazer uma visita? — perguntou.
Sua idéia de lhe fazer uma visita significava tratar de lhe convencer para
que lhe fizesse o amor. Mas Elanna confundia o amor com a luxúria, pensava
Saladin.
— Vieste para jogar a coloca-saca? — inquiriu o homem.
Seus olhos se iluminaram e se dispunha a entrar no quarto, mas se deteve.
— Não — disse apoiando-se de novo contra o marco — Só quero falar. —
Isso era tão certo, como que ele era um eunuco sem nada entre as pernas.
— Desde quando te dedica a fazer visitas com apenas uma túnica?
Elanna se agachou o suficiente para permitir que Saladin entrevisse seu
seio.
— Acabo de tomar um banho. Tenho a pele escorregadia pelo azeite de
coco.
— Sim. Cheiro-o daqui.
— Convida-me a vir, verdade?
Só um néscio lhe diria que não; um homem sábio insistiria em que deixasse
a porta aberta, e tão somente um otimista esperaria que aceitasse a sua proposta
de matrimônio.
— Fecha a porta detrás de ti — disse Saladin.
— É claro que sim. — Elanna entrou despreocupadamente e jogou o
ferrolho.
Ele observou como procurava um copo. Elanna olhou o que havia dentro,
franziu o sobrecenho e logo o bebeu.
— Trouxe-te suco de bagos.
Lhe levar presentes era seu forte, mas nunca lhe oferecia o prêmio que ele
desejava.
— Não, obrigado.
De todas formas lhe encheu o copo.
— Beba isso, a outra vez você gostou.
— Beba isso você. Eu não tenho sede.
— Mas é para ti, e não há mais.
164
A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

— Sabe se for generoso insisto em que o compartilhe comigo.


Contra sua vontade, Elanna se levou o copo à boca e bebeu. O escuro suco
se fez transparente em seus lábios, pois tinham o mesmo tom avermelhado.
Então se aproximou dele, com o copo na mão. Eva e o fruto proibido. Aquela
associação de idéias cristãs era muito apropriada para não pensar nela, e muito
atrativa para rechaçá-la. Saladin tomou o copo.
— Tem um pescoço muito bonito — observou Elanna. Seus dedos se
pousaram sobre a garganta de Saladin, seguindo seu movimento ao tragar.
O sorriso da Elanna pressagiava perigo para os escrúpulos do mouro. De
repente, desatou-se a bata e a deixou cair ao chão.
Saladin ficou petrificado. Procurou e rebuscou em sua mente todos os
dogmas de sua fé que pudessem lhe ajudar, enquanto permanecia com o olhar
fixo nos negros mamilos de Elanna. Recordou o bem que encaixavam em sua
boca e o delicioso sabor que tinha aquela mulher. Com uma voz atendida pela
luxúria, Saladin disse:
— Se esta for sua idéia de falar, tem um vocabulário muito estranho.
Elanna brincou com o rudimentar cordão que sempre levava ao redor da
cintura.
— Esta princesa Ashanti veio para te fazer cantar uma canção muito feliz.
Saladin sentiu como a raiva limava as afiados bordas de seu desejo.
Durante o último mês, não lhe tinha feito conta, tinha-a rechaçado, e inclusive
jogado fisicamente de sua quarto, mas não podia afastá-la de seus pensamentos,
assim que esta decidiu empregar uma tática diferente.
— Não me ocorre nada melhor.
Elanna se aproximou mais, com seus negros olhos acesos pelo triunfo, e os
lábios úmidos e apertados, preparados para beijar.
— Esta noite é um muçulmano preparado. Será melhor que esqueça essa
educada canção e jogue a coloca-saca com a Elanna.
Ela irradiava calor, desejo e boa vontade. Mas Saladin queria algo mais que
uma noite de amor. Queria convertê-la em sua esposa.
— Pensei que minhas propostas de matrimônio eram sempre educadas e
bastante eloqüentes.
Elanna se deteve tão somente a uns centímetros. Em seus grossos lábios se
desenhou um gesto infantil de obstinação.
— As propostas não são boas.
Uma vez mais, encontraram-se com o mesmo problema.
— Porque alguma vez vi a cara de meu pai?
Elanna deu uns golpezinhos sobre o esterno de Saladin.
— Porque esta princesa Ashanti nunca olhou aos olhos de seu pai.
Saladin retrocedeu, baixando a vista até seus seios.

165
A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

— É uma tradição absurda — disse-. Não pode rechaçar minha nobre


oferta porque não conheço meu pai e logo te exigir que te faça o amor.
— É o costume Ashanti.
A descarada indiferença de Elanna ante seus sentimentos acabou com a
paciência de Saladin.
— Me permita que te recorde que não está entre sua gente.
Dirigiu um olhar de desprezo e logo lhe deu as costas. Saladin queria
insultá-la, mas em lugar disso admirou sua estreita cintura, suas altas e
arredondadas nádegas e a impecável linha de seus flancos. Saladin, ofegante de
prazer, decidiu que a humildade era um estado de graça que ainda não tinha
alcançado.
— Vêem aqui, princesa — disse, estendendo a mão. Ela se virou. A decisão
brilhava em seus olhos.
— Te despeça de seus princípios. Deus enviou esta princesa. Desfruta-a.
— E o desfrute do coração? — inquiriu Saladin docemente.
—Elanna o sente muito, mas deve guardar seu coração para a companheira
de sua vida.
— A companheira de sua vida. Já disse isso antes. Eu quero ser seu
companheiro para toda a vida.
— Nunca. Nunca. — Elanna se sentou na cama e sacudiu os travesseiros.
— A princesa Ashanti te escolheu como companheiro temporário.
— Devo me sentir adulado? — perguntou Saladin indignado.
— Sim, sim — conveio Elanna sorrindo.
O mouro se deu meia volta e exclamou:
— Não! Não!
Ao levantar-se Elanna o colchão rangeu. Saladin a sentiu detrás dele, com
os braços ao redor de sua cintura e seus quadris ondulantes pegos contra ele.
— Farei-te cantar uma feliz canção; muito feliz. Saladin tinha ouvido
aquelas palavras cada noite durante o último mês, mas o ignóbil oferecimento
ainda feria seu orgulho. .
— Assim quer que nos aparelhemos livremente nesta cama?
Elanna observou o colchão.
— Logo que diga que sim e te dispa. –As mãos da Elanna se desfizeram
com destreza dos botões de sua camisa. Suas carícias endureceram os mamilos
de Saladin.
Saladin se virou e a agarrou pelas mãos.
— Mas não quer que nos incomodemos em fazemos promessas de devoção
eterna nem juramentos de matrimônio.
Como uma menina que ao final se saía com a sua, Elanna transbordava de
satisfação.
— É claro que sim!
166
A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

Os dedos de Saladin se enroscaram ao redor dos delicados ossos de Elanna


e deu um passo atrás.
— Então te busque a outra besta no cio zelo, princesa. Eu não estou
disponível.
Ela arqueou as sobrancelhas com atitude interrogante.
— Outra vez seus estúpidos princípios?
Se alguma vez uma mulher tinha merecido a ira de um homem, essa era
Elanna. Se Saladin tivesse sido um tipo violento, teria ido em busca de uma vara.
Em lugar disso, soltou-a, pondo uma distância segura entre eles.
— A decência e a honra não me parecem princípios estúpidos.
— Comete um engano muito grande — Elanna sorriu tristemente.
— Então me ajude a desfazê-lo.
Ela se levou as mãos à cintura e se balançou.
— Ajudarei-te.
Saladin fechou os olhos.
— Não.
Sentiu como o fôlego da Elanna lhe acariciava a cara, lhe provocando uma
explosão de desejo.
— Deseja-o.
Quando os lábios da mulher roçaram os seus, Saladin não pôde conter-se;
não pôde continuar freando a necessidade que queimava, e se entregou a aquele
beijo. Elanna tinha sabor de bagos doces e a amarga tortura. Sua língua penetrou
na boca de Saladin, varrendo todas suas dúvidas, e logo se retirou. Consciente de
que se não se detinha enviaria sua honra ao corno, Saladin se separou dela.
-Oh! -gemeu Elanna que se desesperava.
Um pouco de conversação parecia o mais prudente.
Saladin tocou o cordão que levava a cintura.
— O que é isto?
Elanna suspirou tão profundamente que seus seios se agitaram.
— Sempre faz perguntas, e sempre te digo que são costumes Ashanti. —
Elanna lançou os braços ao redor de seu pescoço e procurou de novo sua boca.
Incapaz de resistir, Saladin se deixou beijar até que Elanna roçou suas
partes íntimas. Sacudido por uma paixão que fez girar seus sentidos e sua
cabeça, desfez-se rapidamente daquele abraço.
— Então, boa noite.
O observou como se fosse um ser inferior.
— Você deseja a esta princesa Ashanti.
— Não. Não da forma que você pretende. Entretanto, quero saber por que
leva sempre este cordão enrolado à cintura.
Elanna viu a agitação no corpo de Saladin e sorriu.
— Deseja-me, e muito. Seu corpo me chama.
167
A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

— Meu corpo não governa minha mente — replicou Saladin.


— Direi-te o que significa esta corda, mas ao muçulmano não gostará do
que vai ouvir.
Quão único podia ouvir nesses momentos Saladin era a luxúria zumbindo
em seus ouvidos.
— Conta-me de todos os modos. Insisto.
— É um cinturão de princesa, e o levarei até que seja rainha.
Outro costume tribal. «OH, Alá — pensou Saladin — quantos destes
primitivos obstáculos tem que superar um fraco mortal?"
— Como pode chegar a ser rainha?
Elanna pôs os olhos em branco.
— É muito singelo. As rainhas Ashanti dão a luz princesas Ashanti.
Saladin compreendeu que só quando tivesse uma filha, Elanna passaria a
ser rainha. Ele se aproximou e disse:
— Eu te darei uma princesa.
Como sempre, Elanna se entregou a seus braços de boa vontade.
— Me dê, vai agradar.
Comparada com as emoções que o beijo lhe provocava, «prazer» resultava
uma palavra muito suave. A mão de Elanna se aproximou da entreperna de
Saladin.
— Deseja-me muito, muito.
— Dizer que sou capaz de te dar um filho e que estou disposto a isso é um
eufemismo. Não creia?
— Uma pergunta muito delicada, muçulmano. — Lhe acariciou da forma
íntima que lhe tinha ensinado umas semanas atrás -. Um filho sim. Uma princesa,
não. Só o companheiro para toda a vida pode fazer reinar a uma princesa
Ashanti.
As palavras pagãs de Elanna desgostaram profundamente ao Saladin. Seu
corpo estava muito ocupado para escutar, mas uma voz interior lhe gritava
insistentemente que tentasse compreender o significado daquelas palavras.
Quando por fim a razão se abriu caminho pelo pântano de desejo, a paciência de
Saladin se quebrou. Entre eles não podia existir nenhum tipo de união.
Tão aborrecido por sua desmesurada moralidade como pela total ausência
dela na Elanna, aceitou a triste realidade de que nunca seria dela. Separou-se da
mulher e a empurrou até a porta.
— Vai-te, e te leve suas primitivas crenças contigo.
Os olhos de Elanna se alagaram de lágrimas.
— Odeia-me.
— Não, Elanna. Amo-te.
— Não pode me amar!

168
A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

Saladin necessitava consolo, mas nem sequer dez mil orações lhe
ajudariam a passar a noite. Naquelas circunstâncias, a religião e os princípios não
eram muito bons companheiros de cama. Para aliviar sua tortura, Saladin
escolheu um caminho que sabia que se arrependeria de ter tomado.

Capítulo 15

O sonho começava da mesma forma.


Cansada depois de trabalhar toda a tarde nos campos de cana, Alpin
entrava no abrigo de água, uma pequena construção entre a casa da plantação e
os alojamentos dos escravos. Tirava o úmido vestido de algodão e se metia em
uma terrina de água de chuva. Sua pele quente se refrescava, e percebia o limpo
aroma de baunilha, sua fragrância favorita, flutuando a seu redor. Sally, uma
doce menina de seis anos de olhos amendoados, tirava-lhe as agulhas do cabelo,
deixando cair sua juba até o chão. Os pequenos e ágeis dedos dançavam por sua
cabeça, detendo-se em suas têmporas e lhe friccionando o pescoço.
Ao mesmo tempo que os vestígios de um suarento dia de trabalho se
desvaneciam, Alpin era consciente de um espantoso silêncio. Notava a pele
estremecer-se alarmada, pois o sonho se estava convertendo em um pesadelo.
Erguia-se e chamava à lavadeira, mas não era Marguerite a que estava de
pé entre as sombras. Com a boca seca, Alpin observava como uma figura
esquelética com os olhos vazios e um grotesco sorriso emergia da penumbra,
dirigindo-se para ela. A criatura estendia uma mão. Os dedos negros e ossudos
se curvavam ao redor de uma massa sangrenta de malha palpitante.
Era o coração da plantação Paraíso. Alpin afogou um grito surdo ao tempo
que escutava as gaitas vozes do Marguerite e Sally lhe suplicando que as
liberasse do mal.
Ela saía da banheira de um salto e corria para a porta. Tinha que lhes
salvar a todos: Manga o veloz mensageiro; Scabby, o melhor recolector de cana
da ilha; o sorridente Bumpa Sam, um homem capaz de atrair aos anjos com o
ritmo mágico de seu tambor.
Alpin tinha o dever de resgatar a toda sua gente. Devia voltar para o claro
onde se reuniam de noite ao redor do fogo para cantar canções sobre a mãe
África.
O caminho trilhado amortecia suas pegadas, e as folhas de plátano e as
samambaias em forma de leque se estrelaçavam contra seus braços e pernas
nuas. Ao redor, reinava um silêncio sepulcral que a fazia avançar.
Como se a tivessem golpeado no peito, Alpin se deteve bruscamente para
ouvir um ruído seco. Ao descobrir que se tratava da Bumpa Sam, ressuscitando à
plantação com seu tambor, Alpin começou a mover-se ao compasso daquele
ritmo, mas a cadência era totalmente equivocada.
169
A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

— Senhor! Tem que vir!


Era a voz de Alexander, premente e ensurdecedora. Nada de tambores.
Nada de Paraíso. Não era mais que o esmurrar na porta.
Livranda do sonho, Alpin observou aturdida a linha de luz amarela que
penetrava do outro lado da porta. Disse-se que não estava em Barbados
cuidando da gente que a necessitava, a não ser no castelo de Kildalton, sem
poder retornar a casa e profundamente apaixonada pelo homem que jazia a seu
lado.
A insistência dos golpes secos a devolveram completamente à realidade.
Ninguém os tinha incomodado em seus aposentos até então. Alpin rodou até o
centro do colchão e chamou a Malcolm, que murmurou seu nome e a abraçou,
apertando seu corpo nu ao dela.
Alexander voltou a chamar, e desta vez a parede a ambos os lados da porta
tremeu.
— Malcolm! — gritou Alpin, lhe empurrando — Acorda!
A luz de lua penetrava através das janelas abertas, lhes envolvendo com
uma luz chapeada. Malcolm abriu por fim os olhos, e sorriu.
— Olá, querida. Estou te jogando da cama outra vez?
—Algo está acontecendo. Alexander está esmurrando a porta.
Malcolm piscou e golpeou as bochechas.
— Senhor! Venha, rápido!
— Você fique aqui. — Beijou Alpin e saltou da cama; abriu a porta de
repente.
Alexander estava ali com um farolete em uma mão. Parecia aliviado
embora tinha uma careta de dor no rosto.
Mesmo vendo que Malcolm não era mais que uma figura negra
emoldurada em um retângulo de luz, Alpin notou que estava tenso.
— O que aconteceu?
Alexander falou lentamente, mas Alpin só pôde decifrar umas palavras:
«problemas» e «Rot and Ruim».
— Por todos os Santos! -exclamou Malcolm, girando para o interior do
quarto. — Espera aqui, vou me vestir.
Alarmada, Alpin se cobriu com uma manta e deslizou até a beirada da
cama.
— O que acontece?
Malcolm colocou os braços nas mangas da camisa.
— Nada com que deva se preocupar. Volta a dormir.
Malcolm a estava excluindo outra vez, e isso era algo que Alpin não podia
suportar.
— Se alguém está ferido ou doente, deveria chamar a Elanna.

170
A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

Malcolm a apontou com o dedo, o braço em tensão e o cabelo


desordenado.
— Não.
— Então irei contigo.
— Não fique impertinente, MacKay.
A Alpin eram indiferentes essa família e a facilidade de Malcolm para lhe
tirar do caminho.
— Se esqueça dos MacKay. Eu sou só Alpin.
— E está de mau humor.
Era certo. Alpin via que o tempo estava se esgotando e que tinha
fracassado em seus esforços por salvar a plantação Paraíso e ainda por cima se
apaixonou por Malcolm Kerr. Estava angustiada. Não tinha por que amar a esse
homem.
— Quero ajudar -assegurou Alpin.
— Não.
Malcolm agarrou rapidamente um tartán e o enrolou à cintura, tornando o
extremo do tecido por cima do ombro. Depois de grampear o cinturão de couro,
agarrou as botas e se sentou junto a Alpin na borda da cama. —Não pode ajudar,
Alpin, e considerando quão duro trabalhou para me satisfazer faz umas horas,
deveria estar esgotada. Volta a dormir.
Alpin já tinha se acostumado a seus abertos comentários sobre os aspectos
íntimos de sua relação. O que não podia aceitar era a pouca disposição que
Malcolm mostrava a compartilhar seus problemas.
— Mas estou completamente acordada.
Com um grunhido, Malcolm ficou impaciente.
— Então te cantarei uma canção de ninar quando voltar.
— Não me trate com ar protetor, me diga o que está acontecendo.
—Nem sequer eu posso acreditá-lo. Fique aqui. Malcolm saiu
precipitadamente do quarto, sem incomodar-se em fechar a porta. Alexander e
ele se apressaram corredor abaixo, com a luz desvanecendo-se detrás deles.
Durante aquele último mês, Alpin tinha visto nublar suas esperanças, de
uma vez que seu coração lhe traía. Em seu papel como esposa, tinha visto a
Malcolm governar seu condado com mão firme e justa. Alguns dias se mostrava
tão trabalhador como o segundo filho de uma família lutando por adquirir sua
fortuna; inspecionava as colheitas e distribuía grão entre os mais necessitados.
Em outras ocasiões, convertia-se em um conde benevolente, premiando a um
arqueiro ganhador ou festejando o nascimento de um bebê, mostrava-se sempre
afetuoso e acessível. Os preparativos para a colheita ocupavam a maior parte de
seu tempo, o resto o consumia tratando com os compradores para seus rebanhos
espanhóis, mas sempre guardava as noites para Alpin.

171
A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

À luz das velas, a adorava de um modo capaz de converter em prosa sem


inspiração as histórias dos poetas românticos. Uma vez a tinha chamado fantasia
de diabo, lhe jogando na cara os sucessos do passado, mas agora a considerava
engenhosa, e recordava sua infância com uma compreensão e uma compaixão
que aliviavam o agitado coração de Alpin. Freqüentemente lhe falava de seu
futuro e a animava a reconsiderar sua opinião a respeito do clã MacKay.
— Os MacKay não puderam te encontrar, Alpin – dizia — Eles queriam
cuidar de ti, lhes dê a oportunidade de te querer agora.
Alpin andou acima e abaixo da quarto, detendo-se para pentear com os
dedos dos pés as enredadas franjas dos tapetes. Manteve suas mãos ocupadas
ordenando as mesas e limpando a chaminé; dobrou as roupas pulverizadas pelo
quarto e as guardou. Logo fez a cama.
Passou uma hora. O apoio das fileiras de livros nas prateleiras pediam a
gritos para serem ordenados, assim Alpin os alinhou, como soldados em um
desfile.
O relógio deu as duas, e Malcolm ainda não tinha retornado. Preocupada,
Alpin se vestiu e se dirigiu ao botequim.
Nas alamedas sobre o Rot and Ruim, um grupo de tochas evidenciava que
os soldados tinham abandonado seus postos, e uma agitada multidão bloqueava
a parte dianteira do edifício. A curiosidade reinava entre os espectadores. O
ferreiro tinha subido Emily sobre seus ombros para que pudesse olhar através
de um oco entre o marco da janela e a parte superior das cortinas corridas do
botequim. Alpin não podia ouvir as palavras da criada, mas sabia que estava
informando à multidão. Todo mundo murmurava.
Quando Alpin chegou até ali, viu o Alexander fazendo guarda junto à
porta e abriu caminho entre a gente.
— O que está acontecendo?
O soldado a olhou, com os braços cruzados. .
— Saladin pediu cerveja e se pôs a jogar com o taberneiro.
Aquela notícia produziu novos comentários. Saladin bebendo álcool?
Alpin conteve um grito de surpresa; não podia dar crédito a seus ouvidos. Tinha
que tomar o controle da situação. Levantou os braços e ordenou:
— Parte todos a casa. Não há nada mais que ver.
Uma voz gritou:
— MacGinty não tinha por que servir ao menino mouro. Aproveitou-se
dele.
— Não iremos até que Saladin esteja a salvo em casa — vociferou outro
homem.
— Sim — fizeram coro todos, lhe apoiando.
Temendo que a preocupação daquela gente piorasse as coisas, Alpin deu
umas palmadas para atrair sua atenção.
172
A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

— Prometo-lhes que eu me encarregarei de que Saladin volte para castelo.


Uma voz feminina gritou:
— Lady Alpin se encarregará do mouro e do senhor. Todos a suas camas!
Vamos!
A ruidosa multidão se dispersou e Alpin se voltou para o soldado postado
na porta.
— Há algo mais que isso, Alexander. Conta-me que o deteve-se junto ao
mostrador. O teto baixo e as vigas grosseiramente trabalhadas intensificavam a
estreiteza do lugar. O ar estava impregnado de aroma de cerveja rançosa e a
lenha queimada. Umas quantas velas dispersas proporcionavam uma luz tão
tênue como valiosa e suficiente para que Alpin pudesse ver a preciosa cimitarra
sobre um barril de cerveja perto do bar. Ninguém advertiu a presença de Alpin;
o proprietário estava ocupado limpando as mesas, e os outros dois clientes
olhavam para outro lado. Na esquina mais apartada, Saladin Cortez, o mais
devoto dos muçulmanos, encontrava-se ajeitado em uma cadeira, com o turbante
torcido e um sorriso de embriaguez na cara.
O observou como a gente partia.
—Saladin e a senhorita africana tiveram outra briga. Ele tentou afogar suas
mágoas na bebida. Logo começou a jogar dados e ganhou cerveja suficiente para
embebedar a um regimento, mas sua sorte mudou e MacGinty ganhou sua
cimitarra.
Vinte anos atrás, aquela espada era a posse mais apreciada de Saladin.
Quando desaparecessem os efeitos do álcool se sentiria desolado pela perda.
— A bebida e o orgulho de um homem são muito maus companheiros —
murmurou Alpin. Passou junto ao Alexander e entrou no botequim,
— Coloca-saca — balbuciou, fazendo oscilar a chama da vela — Sabe o que
é isso?
—A barba bicuda acentuava seu aspecto desconsolado — É veneno, meu
amigo, puro veneno envolto em pele de ébano e enviado por Alá, fracassei na
prova de minha fé.
Sentado ao outro lado da mesa, com as costas para a porta, Malcolm
deixou a jarra.
— Não acredito. Acredito que deve convertê-la. Essa era a intenção do
Profeta.
Nos olhos de Saladin brilhou por um instante a lucidez, mas se desvaneceu
rapidamente.
— Então sou uma triste desculpa para um crente. Seu cotovelo escorregou
da mesa.
Malcolm lhe agarrou o braço e o apoiou de novo sobre a mesa. Saladin
agarrou a mão de Malcolm.
—O que é isto?
173
A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

Malcolm levava um lenço enrolado ao redor da mão; Alpin teria desejado


atar-lhe ao pescoço. Ajudar a Saladin a embebedar-se era um papel deplorável
para um amigo.
— Sua mulher não quer que te escape da cama, não é? — soprou Saladin.
— Em realidade — disse Malcolm, desatando a parte de seda e colocando-
o no cinturão — é para me atar a ela.
Completamente envergonhada, Alpin retrocedeu, chocando-se com o
Alexander.
— Então não teve êxito — observou Saladin. À medida que aumentava sua
embriaguez, também crescia o melodrama. Fechando um olho, o mouro
aproximou sua jarra a de Malcolm — Está aqui com seu velho amigo,
compartilhando por fim uma taça. Saladin não acertou no branco e a cerveja se
derramou sobre a mesa, gotejando até o chão de madeira.
— Amanhã te doerá a cabeça — disse Malcolm. Saladin riu sem vontade.
— Competirá com a dor de meu coração. Oh, meu amigo! Por que teve que
te entrometer na vida de Alpin, trazendo até aqui a essas duas mulheres?
Desconcertada, Alpin deixou maturar aquelas palavras em sua mente.
Malcolm se tinha intrometido em sua vida intencionalmente. Charles tinha
qualificado a implicação de Malcolm como «uma solução ao problema de seu bem-
estar». Então por que Saladin o chamava «intrometer-se»?
— Foi o destino, Saladin. — Malcolm soluçou — Pura e simplesmente.
— Senhor! — advertiu-lhe Alexander.
Malcolm voltou a cabeça para onde Alpin se encontrava.
— O que está fazendo aqui?
Alpin já tinha tido o suficiente, dirigiu-se para eles.
— Vou pôr fim, pura e simplesmente, a esta celebração.
Saladin a assinalou com o dedo, mas sua pontaria era péssima, e sua visão
desajustada.
— Alpin é uma garota má — comentou ao Alexander, que estava a seu
lado — Deveria te envergonhar por atar a meu amigo à cama.
Alexander reprimiu uma gargalhada e piscou os olhos a Alpin.
— Acredito que deveria a levar a casa — disse o soldado.
— A um lugar de paz e felicidade? — Saladin golpeou a mesa com o
punho — Eu não tenho casa.
Quem melhor que Alpin MacKay podia entender sua frustração?
— Então lhe buscaremos uma cama.
— Não — replicou com brutalidade — Tenho que fazer minha
peregrinação a Balance.
— Amanhã pela manhã — assegurou Malcolm com um ligeiro tom de
brincadeira
—Iremos todos.
174
A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

— As mulheres não podem entrar nas mesquitas — sentenciou Saladin —


Não deveria haver mulheres em nenhum lugar. Nenhuma. E menos as que
cheiram a coco, meu amigo — disse dirigindo-se ao Malcolm — Provaste alguma
vez o coco na pele de uma mulher?
— Não, mas estou seguro de que é uma delícia. Saladin resmungou.
— Uma delícia não; um desastre por que veio a Escócia essa princesa
Ashanti?
— Esta princesa Ashanti lavaria os pés de seus raptores antes de suplicar
a esse estúpido muçulmano que volte para casa. — Sentada em um banco no
vestíbulo do castelo, Elanna tinha um aspecto mais majestoso que a própria
rainha Carolina.
Alpin tomou ar cinco vezes, implorando a Deus que lhe desse paciência.
Malcolm se tinha ido à cama, encarregaria-se dele pela manhã, mas agora tinha
que fazer entrar razão a Elanna.
— Te ocorreu alguma vez que para o Saladin sua religião é tão importante
como seus costumes e tradições o são para você?
— Ora! — Levantou o queixo. — A religião faz fracos os reis.
— Como pode acusar ao Saladin de debilidade quando o enche com
poções de amor e logo te zanga porque se nega a ir à cama contigo? Isso
demonstra que é muito forte, e deveria o admirar por isso.
Elanna torceu a mandíbula, e seu olhar nervoso se deslocou das portas do
castelo à urna com urze recém talhado que havia junto às escadas.
— Homem estúpido!
— Tem seus princípios — assegurou Alpin dando golpezinhos com o pé.
Elanna levantou o dedo indicador. Seus olhos negros piscaram cheios de
convicção.
— Uns princípios estúpidos.
Com a paciência totalmente esgotada, Alpin disse bruscamente:
— É terrivelmente egoísta. Nunca devia ter te libertado.
Elanna engoliu saliva, retorcendo as mãos.
— Não diga isso jamais. Devo-te a vida.
— Não me deve nada, embora poderia escutar o que penso, mas ao Saladin
deve respeito.
O remorso conferiu um ar terrestre à beleza de ébano de Elanna.
— O que posso fazer?
Alpin percebeu a possibilidade de um compromisso.
— Vá ao botequim e sente-se com ele. Nunca tinha tomado álcool em sua
vida, e todo mundo sabe que traiu sua fé. Também perdeu sua espada em uma
aposta. Sentirá-se envergonhado, Elanna; tanto como você aquela vez que
Charles te pôs um laço no cabelo e te exibiu ante o clube social feminino.

175
A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

— Foi horrível. — Elanna moveu a cabeça lentamente com uma expressão


de dor no olhar — Horrível.
— Então sabe como se sente Saladin. Você o tem feito sair de casa. Vai para
lhe buscar. Fala com ele para que volte para o lugar ao qual pertence.
Elanna se agarrou aos braços da cadeira com seus compridos e escuros
dedos e ficou em pé.
— É uma branca muito sábia, Alpin MacKay, e acredito que é feliz com seu
escocês.
Alpin ainda estava atormentada pelas lembranças de seu pesadelo.
Observou a estadia e as escadas para assegurar-se de que se encontravam
sozinhas.
— Há outras pessoas que me necessitam. Pessoas boas que me ajudaram a
levar uma vida feliz. Prometi-lhes que retornaria a Barbados, e não posso os
abandonar.
Elanna se dirigiu para a porta.
— Não os esquecerá, Alpin MacKay. Eles sabem.
Alpin sorriu.
— Cante uma canção de arrependimento ao Saladin.
— É claro que sim, o farei depois de que canto seu nome aos deuses.
Esse era o melhor que Elanna podia fazer, e Alpin a agradeceu inclinando
a cabeça respeitosamente. Logo se foi à cama para descansar e pensar no modo
de castigar a seu próprio homem teimoso.
Horas mais tarde, como um paciente gato encurralando a um
camundongo, Alpin contemplava como Malcolm se movia. Suas pestanas
escuras, que faziam jogo com a barba incipiente que escurecia seu queixo e sua
mandíbula, agitaram-se. Tinha as mãos atadas com lenços vermelhos à cabeceira,
o que lhe conferia um aspecto especialmente vulnerável, agitou-se, emitiu um
gemido e logo abriu os olhos. Alpin saltou sobre ele.
— O que queria dizer Saladin quando te acusou de se intrometer em
minha vida?
Malcolm fixou seus olhos avermelhados em Alpin, e logo os fechou.
— Por quê está sentada em cima meu...? Que horas são?
Ela deu uma olhada no relógio, apertando os joelhos contra suas costelas.
— É hora de que me responda. Planejou tudo para que eu viesse ao
Kildalton?
Malcolm suspirou.
— Deve estar cansada, Alpin, deite a meu lado e volta a dormir.
Nesse momento, Alpin odiava o tom tranqüilizador de sua voz e sua
senhorial arrogância que despedia toda sua pessoa.
— Me responda.
— Você veio para mim. Disse que era seu melhor amigo. Agora me desate.
176
A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

— Acreditei que você gostava de estar enrolado. Isso é o que disse ontem à
noite.
— Isso foi ontem à noite. Agora é agora -repôs Malcolm chiando os dentes
— Sai de cima de meu estômago ou o lamentará.
— Está me ameaçando, por que me lamentar ?
— Pode ser que vomite em cima de ti, me desate.
Alpin sentiu náuseas e se deslizou até os quadris do Malcolm, despertando
sua virilidade.
Malcolm abriu os olhos de repente.
— Por Deus, Alpin. Não atormente a um homem que está lutando contra
os demônios do excesso de cerveja. Só me falta receber uma bronca de minha
mulher.
Alpin jogou os ombros para, atrás, sem dignar-se a responder.
— É ? — inquiriu Malcolm fracamente. Sua cara refletia sofrimento.
Alpin não pôde evitar ceder um pouco.
— Boa garota — cantarolou Malcolm — Deixa que me levante e falaremos
sobre o que tanto a preocupa. Ambos somos pessoas inteligentes e compassivas.
Atuemos como tais.
Alpin tinha que reconhecer que Malcolm era condenadamente razoável,
tornou-se a um lado e ele sorriu em sinal de triunfo.
— Não tão rápido. Quero uma explicação.
— Querida, estava bêbado. Era a cerveja que falava, e não pode me fazer
responsável por isso.
— Claro que posso, e deixa de mudar de conversa. Intrometeu-se ou não
em minha vida?
— Você quis retornar a Kildalton. Veio para mim porque era seu melhor
amigo. Isso é o que disse, recorda? Por favor, deixa que me levante, Alpin. Tenho
que ver o Saladin. Certamente se encontra tão mal como eu.
— Isso não é uma resposta.
— Sim o é.
— Não o é, por que me quer aqui?
Malcolm ficou imóvel.
— Porque te amo, Alpin — replicou tranqüilamente — e acredito que você
não faz mais que procurar desculpas para não me amar.
Alpin ficou paralisada pela surpresa. Ela não esperava que Malcolm
declarasse seu amor; havia tantas coisas que explicar ainda e tantos assuntos por
esclarecer entre eles.
— Essa é uma resposta injusta, Malcolm.
— Te amar é injusto? Por que?
— Porque o disse para me confundir.
— Então tenho feito o que você faz sempre. É formosa, Alpin.
177
A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

— Não, sou muito baixa, e estou muito morena.


— É encantadora, e uma companheira infatigável.
— Como pode saber se sou uma companheira infatigável? Sempre me
mantém ocupada na cozinha.
Malcolm levantou as sobrancelhas significativamente e olhou para a cama.
— Assim que saímos desta quarto nunca me pede minha opinião sobre
assuntos importantes — esclareceu Alpin nervosa.
— Como por exemplo?
— Como quando transladou aquele rebanho de ovelhas de Farleyton ao
Sweeper's Heath.
Malcolm se fixou no baldaquín.
— Sempre levo às ovelhas ali no outono.
Alpin teria preferido não fazer recriminações, mas não podia evitar seguir
falando.
— Se tivesse perguntado, te teria feito ver que é muito mais prático e
econômico levar o rebanho a pastar no cercado que há junto ao castelo. Paga aos
irmãos Fraser para que cortem a erva, quando as ovelhas o fariam grátis.
— É verdade, mas como ganhariam a vida os Fraser? São homens
orgulhosos.
— É obvio que o são, e também são bons trabalhadores. Podem aprender a
tosquiar as ovelhas, ou ainda melhor, pode lhes ensinar a criar seu próprio
rebanho. Os Fraser já não são jovens, e não têm terras. O que lhes ocorrerá
quando forem muito velhos para empunhar uma foice?
Malcolm ficou confundido ante semelhante praticidade. Tinha confessado
seu amor, e Alpin o tinha tomado como se fosse algo que ouvia todos os dias.
— Eu cuido de minha gente, incluídos os Fraser – replicou Malcolm
ofendido.
— Mas isso é caridade. Duvido que sejam uns anciões felizes vivendo de
sua generosidade.
Ela sabia muito bem, pois sempre tinha sido uma parente pobre. Malcolm
pensou com orgulho que essa mulher assumia responsabilidades com a mesma
alegria que outras mulheres aceitavam um vestido novo. Essa era outra de suas
razões para amá-la.
— Tem razão. O ano que vem traremos aqui às ovelhas, e você se
encarregará de contar aos Fraser como será sua nova vida.
— Muito bem — respondeu Alpin entusiasmada.
— Obrigado por sua sugestão e agora, podemos concordar que me quer
um pouquinho?
Alpin observou o peito nu.
— Não sei, ainda estou zangada porque disse ao Saladin que te tinha
enrolado à cama.
178
A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

Malcolm não sabia como transmitir que a amizade de toda a vida entre
dois homens admitia este tipo de confissões.
— Ontem à noite, Saladin me contou os segredos de seu coração. Senti-me
obrigado a devolver aquela honra lhe contando um dos meus.
Alpin enrugou a testa confundida.
— Foi tua idéia, não minha — protestou.
Malcolm ansiava pôr fim à discussão com um beijo, e lhe perguntar o que
era o que realmente a preocupava. Discutir não levava a nenhuma parte. Além
disso, tinha todo um dia de trabalho por diante e com os efeitos de uma noite de
excessos. Entretanto, Malcolm ansiava conseguir a harmonia com Alpin. Sabia
que havia algo que estimularia o interesse da jovem e poria uma faísca em seus
olhos.
— Já que demonstraste tanta praticidade, poderia me aconselhar a respeito
da venda da plantação Paraíso.
Alpin se sentiu como se tivesse dado uma bofetada, e em lugar da faísca
nos olhos esperada, Malcolm viu um olhar de temor.
— O que quer dizer? Vai vender a? – interrogou — Quando o decidiste?
Pode que tivesse sido sincera ao dizer que queria retornar a Escócia, mas
Malcolm sabia que Alpin MacKay tinha alguns assuntos pendentes em Barbados.
Estava ansioso por conhecer os detalhes, mas já tinha vencido sua irritabilidade
matinal e não queria arriscar-se a zangá-la de novo. Tinha que ganhar seu amor;
só então poderia descobrir seus segredos.
— Codrington me enviou uma lista de possíveis compradores. Têm o
dinheiro suficiente, e estão ansiosos por fechar o trato.
— Quais? Como se chamam?
— Não o recordo, mas te mostrarei a carta. Agora, me desate, ou faz que
esta prisão valha a pena. Um rubor encantador tingiu as bochechas de Alpin.
— Acreditei que tinha problemas com o estômago.
O ansioso corpo de Malcolm respondeu com uma força que só Alpin
MacKay podia inspirar.
— O problema está agora um pouco mais abaixo.

Capítulo 16

«Amo-te.»
Mais tarde, aquela mesma manhã, de pé no concorrido mercado e com a
mão sobre um montão de nécios recém cortados, Alpin escutou o eco das
palavras de Malcolm. A seu redor, o bate-papo feminino se desvaneceu, e as
pessoas se converteram em um conjunto de suaves sombras desenhadas, sentia-
se flutuar e notava uma grande emoção em seu ventre.
«Amo-te.»
179
A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

Suas palavras se fizeram tangíveis, tão reais que parecia que poderia as
transpassar em uma cadeia de ouro e as pendurar sobre as portas do castelo para
que todos as vissem.
«Amo-te.»
Essas palavras eram a resposta a todas as preces que tinha sussurrado na
solidão de sua vida de órfã, de menina desterrada a de mulher solitária.
Trocariam seu futuro e a vida de todas as pessoas às que queria, mas também
afetariam a outra vida: a do filho que levava dentro.
O penetrante aroma de porros lhe produziu náuseas. Agora compreendia
por que tinha estado tão irritável aquela manhã. E a ausência de menstruação,
tinha concebido o filho de Malcolm.
No meio do torvelinho em que se converteu sua vida, viu uma âncora a
que agarrar-se, e deu graças ao destino por havê-la levado a Escócia. Sua estadia
ali não só lhe tinha feito esquecer a amargura de sua infância, mas também tinha
enriquecido o presente a uma mulher que esperava muito pouco da vida.
O filho de Malcolm. O amor de Malcolm. Um sentimento de culpabilidade
toldou sua felicidade. Ele tinha chegado muito tarde, pois Alpin MacKay já se
comprometeu com um futuro e com umas pessoas a milhares de quilômetros de
distância. Mas a criatura que crescia em suas vísceras teria melhor sorte; não teria
que mendigar amor e segurança; não olharia com ansiedade os rostos de
estranhos em busca de um sorriso ou uma palavra amável para receber
indiferença ou uma bofetada por lhes haver incomodado.
De repente teve a sensação de que alguém a observava. Ao virar-se, viu
um grupo de mulheres que a observavam com caras risonhas. Conhecia-as: eram
a senhora Kimberley, que ajudava a fazer o pão; a senhorita Lindsay, a tia
solteira de Alexander; Nell, a esposa do taberneiro, e a mãe de Doura, Betsy, que
dirigia o mercado. Alpin não podia as considerar suas amigas, pois eram
escocesas, e portanto cruéis juizes de seu passado assim como peças chaves de
seu destino.
Pela primeira vez desde sua chegada a Escócia, Alpin tinha decidido ir ela
mesma ao mercado. A declaração de amor de Malcolm lhe tinha dado forças para
enfrentar-se aquele baluarte de autoridade feminina.
Enquanto as olhava, de repente se lembrou de outro grupo de mulheres do
outro lado do oceano. Eram escravas com a pele de ébano e um sonho de
liberdade; estava segura de que se alegrariam ante a notícia de sua iminente
maternidade.
Retrocedeu no tempo e voltou a estar preparada para o desdém que
sempre tinha recebido das mulheres de Kildalton.
— Estamos muito contentes de que seja a mulher de lorde Malcolm —
disse Betsy, que deu um passo adiante — Ele jurava que nunca se casaria, até que
encontrasse à esposa perfeita, e algumas de nós o cremos.
180
A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

Alpin relaxou. Os sorrisos e os cuidados daquelas mulheres eram reais.


Inclusive lhe tinham crédulo algo sobre o Malcolm, que podia haver-se casado
por interesse, mas ele queria casar-se por amor. Alpin deu graças a Deus e
perdoou às mulheres por sua passada crueldade.
— Tem-lhe feito muito feliz, senhora — declarou Betsy. O sentimento de
camaradagem com aquelas mulheres era tão intenso, que Alpin sentiu como seus
olhos se alagavam de lágrimas. Muito emocionada para falar, encolheu-se de
ombros timidamente.
De repente, a majestosa senhorita Lindsay, tia de Alexander, abriu
caminho a cotoveladas entre as mulheres. Com os braços dobrados na cintura e
as cintas da touca atados em um laço junto à bochecha, era a viva imagem de
uma decorosa solteirona.
— Betsy, deveria se envergonhar de ti mesma por incomodar assim à
senhora. — Executou uma perfeita reverência — Ao contrário do que Betsy
poderia a fazer acreditar, não estávamos fofocando sobre os assuntos privados
do senhor. Eu só estava dizendo o muito que gosta, de bolo de frutas. Não é
assim?
— Bolo de frutas? — inquiriu Nell — Estava dizendo que...
— Como lhe dizia — interrompeu a senhorita Lindsay lançando um olhar
furioso a Nell — estávamos discutindo a debilidade que tem o senhor pelo bolo
de frutas. Nunca nos atreveríamos a mexericar o motivo de que o senhor
escolhesse a você e não à herdeira de Cameron.
Nell se apressou a acrescentar:
— Seu próprio sobrinho diz que os clãs das terras altas estão pressionando
para formar uma aliança com os Borders. Lorde Malcolm podia haver-se casado
com a filha do Gordon. Este veio visitá-lo, ou é que não se lembra? — Não
esqueci a visita de John Gordon. Os homens de seu clã encheram o bolso de seu
marido por toda a cerveja que beberam no botequim.
— Eu digo — declarou Betsy com a cara vermelha — que a política não é
um tema para senhoras.
Alpin estava intrigadísima e, pressentindo que a conversação se desviaria a
temas mais corriqueiros, decidiu perguntar à tia do Alexander. Fazê-la inocente,
como tinha feito com o letrado Codrington, parecia o mais sensato.
— Estou terrivelmente confundida, senhorita Lindsay. Para que necessita
lorde Malcolm uma aliança?
— Porque qualquer dia, esses jacobitas que só procuram problemas
começarão outra guerra.
— Outra guerra? — perguntou Alpin surpreendida.
A senhorita Lindsay assentiu sobriamente.
— Sim. Ainda querem a um Eduardo no trono.
Betsy suspirou e pôs os olhos em branco, exasperada.
181
A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

Alpin recordou a cólera de Malcolm ante a inesperada chegada de John


Gordon. Se aquelas mulheres não tivessem tirado o tema da política, Alpin nunca
teria sabido nada dos jacobitas, quem na realidade não a interessava, ou sobre a
necessidade de Malcolm de uma união com os clãs do norte, coisa que sim lhe
interessava, e muito. Tinha sido sua declaração de amor uma estratégia política?
Perguntou-se Alpin.
— Não se preocupe com esses das terras altas, senhora — apressou-se a
dizer a senhorita Lindsay contrita — Lorde Malcolm os tolera quando tem que
fazê-lo.
Alpin suspeitou que o desejo de Malcolm de reuni-la com a família de seu
pai provinha de motivos egoístas. Para comprovar sua molesta teoria, inquiriu:
— Mas não são os MacKay das terras altas?
— Certamente — respondeu a solteirona — E provavelmente são os mais
razoáveis de todos, segundo Alexander. Mas eles não têm nada que ver com
você, senhora. Você é daqui, conhecemo-la desde que era uma menina. Não há
nenhum laço entre você e os MacKay das terras altas, embora isso seria muito
vantajoso para lorde Malcolm.
Alpin pensou que sim havia um laço considerável: Comyn MacKay.
«Não puderam te encontrar, Alpin» — havia dito Malcolm dos MacKay —
«Queriam cuidar de ti, lhes dê a oportunidade de te querer agora.»
A razão apagou de um sopro a chama de sua euforia. Amor. Tinha sido o
bastante estúpida para acreditar em um sentimento tão delicado. Tanto seu
marido como seus familiares tinham métodos extremamente suspeitos, como
sempre, deveria ficar em guarda. Durante semanas tinha esquecido o tema de
sua segurança, mas isso terminou. Esperaria que houvesse um claro na tormenta
do poder masculino de Malcolm, e quando chegasse a calma, Alpin se
aproveitaria disso.
— Bom — declarou, assinalando com a mão os cestos de fruta -, já que
empregamos nossa lógica feminina para solucionar todos os conflitos criados
pelos homens em Escócia, acredito que agora deveria me preocupar em
alimentar a meu marido.
Com os olhos cintilantes de júbilo, a senhora Kimberley pôs sua mão no
braço de Alpin.
— Tem muita razão, senhora. Com essas maçãs poderia fazer um bolo
delicioso — disse-. Quer que lhe prepare um?
— Faz o melhor bolo de frutas de Kildalton –assegurou a senhorita
Lindsay — Todo mundo o diz.
— Sim, por favor — acessou Alpin, deixando o cesto no chão — Comprarei
mais maçãs para que possa fazer outro bolo para sua família.

182
A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

A senhorita Lindsay murmurou sua aprovação e fez um gesto afirmativo


com a cabeça às demais. A senhora Kimberley começou a pinçar no montão de
fruta.
— Obrigado, senhora. Levarei antes de que anoiteça.
Com o cesto abarrotado dos mantimentos preferidos de Malcolm, Alpin se
encaminhou para o castelo atormentada pelas dúvidas. As pessoas de Kildalton a
saudavam respeitosamente ao passar por ela e intercambiavam algumas
palavras. Mas Alpin só via a mulher do curtidor, que estava junto a seu marido à
porta da oficina, com o ventre inchado em avançado estado de gestação. O
homem exalava orgulho e a devoção pelos quatro afilhados.
Se o seu tivesse sido um matrimônio normal, Alpin teria ido procurar ao
Malcolm e a teria arrojado a seus braços para lhe dizer que esperava um filho.
Entretanto, uma vez mais, sua falta de sinceridade a obrigava a manter a notícia
em segredo e a redobrar seus esforços para chegar a Barbados.
Ao chegar ao castelo, Alpin entrou no escritório para procurar a carta de
Codrington. Malcolm tinha ficado de ler-la mas havia voltado a dormir depois de
fazer amor aquela manhã e então Alpin se vestiu e tinha começado a cumprir
suas tarefas do dia. Quando Malcolm se levantou, foi despertar ao Saladin e os
dois homens se encaminharam a Lanarkshire para entregar um rebanho de
vacas.
Alpin olhou na gaveta que continha a correspondência. Não havia nada
mais que as cartas de sempre. Uma segunda inspeção do escritório e da estadia
resultou inútil. Pensando que Malcolm podia havê-la esquecido acima, em sua
bolsa de viagem, dirigiu-se ao dormitório.
O embornal de couro de Malcolm continha uma folha com a contabilidade
de um latifundiário de Kelso, o convite a umas bodas em Carlisle no mês
seguinte, e a oferta de um negócio com uma empresa tabacalera em Glasgow.
Tudo constituía correspondência recente, mas nada fazia referência a Barbados.
Alpin estava segura de que se encontrasse a carta do letrado da ilha, também
encontraria o resto da correspondência que faltava. Onde a teria escondido
Malcolm, e por que? Perguntou-se.
Uma pergunta ainda mais preocupante a atormentava. O que faria quando
se enfrentasse com a prova indiscutível da duplicidade de Malcolm? A tristeza
agravava sua preocupação, mas sabia muito bem que caminho tomar. Ocultaria
sua angústia e faria o que tinha que ser feito sempre: cuidar de si mesma.
Entretanto, deveria ser muito cuidadosa, pois se Malcolm suspeitasse de seus
motivos ou se inteirasse de que esperava um filho, utilizaria todos os meios a seu
alcance para retê-la ali.
Antes tinha que convencê-lo para que lhe transferisse a propriedade de
Paraíso. Sem sabê-lo, a senhorita Lindsay lhe tinha dado um novo motivo para
consegui-lo.
183
A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

Na cálida solidão do piso de acima, Alpin ultimava os detalhes de seu


plano, ensaiando as palavras. Pouco depois, alguém bateu na porta.
— Entre.
Elanna entrou na quarto. Seus olhos estavam escurecidos pela dor.
— A princesa Ashanti tem um grande problema — comentou Alpin ao ver
seu amiga tão se desesperada.
— É claro que sim! — Aquela resposta carecia do usual descaramento.
Alpin deixou a um lado seus próprios problemas.
— O que aconteceu?
Elanna vagou sem rumo pelo quarto, deslizando seus dedos por um
bastidor de bordar e colocando logo a mão em um pequeno cesto cheio de
botões. Quando cravou o dedo com uma agulha e nem sequer se alterou, Alpin
começou a alarmar-se.
— Quanto antes me diga o que te preocupa, antes poderá cantar uma
canção melhor.
Elanna levantou a vista.
— Não pode ajudar a esta estúpida garota ilhoa.
Durante seus períodos de lucidez, Charles tinha criticado Alpin por
consentir aos escravos e ser muito indulgente com Elanna. Ela nunca tinha
contemplado suas ações desde essa perspectiva, pois acreditava no respeito que
devia existir entre as pessoas. No ambiente protetor de Paraíso, sua atitude lhe
tinha parecido apropriada, mas longe daquele mundo tão seguro, perguntava-se
se tinha equivocado ao consentir a Elanna as excentricidades de uma princesa
Ashanti.
— Por favor, fala comigo, Elanna.
— Esse muçulmano me perdoou — declarou Elanna com os ombros
abatidos.
— Contou-lhe sobre as poções? — Alpin se alarmou terrivelmente.
— Não, mas as joguei à privada. Perdoa-me por o haver induzido a beber.
— E por que está triste se te perdoou?
— Esta mulher está muito assustada — admitiu Elanna com a cabeça baixa,
e uma humildade desconhecida nela — Esse homem encheu de medo minha
alma. Os deuses agora riem desta princesa Ashanti.
— Duvido de que os deuses riam porque te apaixonaste. Eu diria que
devem estar celebrando-o. Elanna moveu a cabeça lentamente.
— A princesa Ashanti está triste, muito triste.
— Saladin é um bom homem. Não deve te arrepender por lhe querer.
— Não me arrependo. A sábia rainha Ashanti diz que é melhor sentir dor
no coração que não sentir absolutamente nada.
Por muito que lhe doesse, Alpin teve que lhe dar a razão.
— Acredito que deveríamos voltar para casa.
184
A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

Os olhos de Elanna brilharam de entusiasmo, e em seu porte de cabeça


urgiu sua elegância inata.
— Como vais conseguir que o escocês te devolva Paraíso?
Alpin lhe contou seu plano para que Malcolm lhe transferisse a
propriedade da plantação.
Com as sobrancelhas arqueadas em sinal de surpresa, Elanna sorriu.
— É uma mulher branca muito ardilosa.
— Esta mulher branca também está grávida.
Elanna ficou boquiaberta e logo, com os punhos apertados, soltou o que
não podia ser mais que uma maldição Ashanti.
— Devia te dar minha poção «mulher prudente».
— Não. Quero este bebê.
— O escocês nunca te deixará partir.
— Nunca saberá, a não ser que você o diga.
Elanna levou a mão aos lábios.
— O segredo é teu e meu... até que cheguemos a casa. Então o diremos a
Bumpa Sam para que toque o tambor para seu filho. O velho Romeo lhe fará um
berço. — Pondo as mãos a ambos os lados da cara, acrescentou -: Marguerite
uivará e queimará ramos para seus deuses Asebu.
Todos os amigos de Alpin estariam muito felizes. Desfariam-se em
cuidados com ela, elogiariam-na, e competiriam por mimar o menino.
— Espero que seja assim. Quero que ponha em sua mala tão somente um
vestido de troca e seus objetos de valor. Temos que estar preparadas para
quando chegar o momento.
— Quando vamos?
— Logo, Elanna. Muito em breve.
— E o dinheiro para a passagem?
— Como governanta de lorde Malcolm, eu pago os salários de todo o
mundo, inclusive o meu — disse Alpin com orgulho — E agora, Elanna, acredito
que esta ardilosa mulher branca deveria ficar bonita para seu marido.
— É claro que sim.
Por insistência de Alpin, jantaram no escritório, depois da comida, serviu
ao Malcolm uma taça de brandy e se sentou no braço da cadeira, lhe acariciando
o ombro com a mão.
— Quando começará a colher? — perguntou. Malcolm estirou as pernas
com satisfação, e agitou brandamente o conteúdo da taça.
— A semana que vem, e não posso dizer que me entusiasme a idéia.
— Tem homens suficientes?
Malcolm jogou a cabeça para trás e lhe dirigiu um severo olhar.
—Se está pensando em ajudar, já pode ir esquecendo do assunto. Não
permitirei que trabalhe no campo, Alpin.
185
A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

Acaso suspeitava de sua gravides e estava preocupado por seu bem-estar e


do bebê?, pensou Alpin. Não era isso, mas sim simplesmente estava se
mostrando prepotente, um traço que Alpin conhecia muito bem.
— Me permitir? Isso parece despótico.
— Chama-o como quer — Malcolm sorriu — mas prefiro te ter
conquistando meu estômago que te destroçando as mãos com bolhas.
— Eu adoro saciar seu apetite — admitiu Alpin com fingido
arrependimento.
— Uma circunstância — murmurou, acariciando a coxa de Alpin — que
me faz te desejar ainda mais.
Seu roçar despertou lembranças de suas noites de amor, mas Alpin lutou
contra o desejo, concentrando-se em seu plano e no muito que Malcolm a tinha
enganado.
— Malcolm Kerr! Seria capaz de converter uma simples saudação em um
ato indecente.
— Você também se comportou bastante indecentemente esta manhã. Se
por acaso não o recorda, eu não era mais que sua vítima atada.
Horrorizada, Alpin apartou o olhar.
— Desatei-te antes de...
— Antes do que? Antes de montar este dócil cavalo até deixá-lo exausto?
— Se você for dócil — replicou Alpin rindo — a Batata é judia. Deixa já de
mudar de assunto. Estávamos falando sobre a colheita. Segundo os livros de
contas, a produção foi bastante pobre o ano passado.
— Como sabe?
Alpin contemplou o cocuruto de Malcolm e os efeitos da luz em seu cabelo
negro. Teria seu filho um cabelo tão precioso?, perguntou-se. Seria um moço
robusto, sedento de saber? Ou seria uma menina com os olhos marrons e o
encantador sorriso de seu pai?
— Alpin?
Deixou de lado suas especulações de mãe. Teria todo o tempo do mundo
para pensar em seu filho.
— Porque comparei o total da colheita com os dados dos últimos dois
anos.
— Por que? — perguntou Malcolm deslizando os dedos até seu joelho.
Alpin sufocou um estremecimento de desejo e se concentrou no que
acabava de dizer. Acaso tinha levantado suas suspeitas?, perguntou-se
angustiada. Não, tão somente sentia curiosidade.
— Porque tinha interesse em sabê-lo. Recorda que sou sua governanta e
sua secretária.
— E minha esposa.

186
A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

Sua esposa temporária. Lutando contra a dor pelo que nunca poderia ser,
Alpin retornou o fio da conversação.
— Precisamente por isso, o que te preocupa me preocupa .
Malcolm deixou escapar um grunhido de satisfação e bebeu um sorvo de
brandy.
— Este ano os benefícios deveriam ser maiores tivemos abundantes
chuvas, e o fertilizante do gado.
Alpin aproveitou a oportunidade.
— E se alguém se interessa por comprar alguns dos animais enquanto você
não está?
— Duvido de que isso aconteça, mas pode lhes dizer que voltem para mês
que vem. Aquele bate-papo não a levava a nenhuma parte. Teria que ser mais
ardilosa.
— Acredita que não sou capaz de vender uma vaca.
Malcolm começou a subir a saia do Alpin até o joelho.
—Acredito que seria capaz de vender uma mina de carvão em Newcastle.
Se possuísse uma mina de carvão não estaria grávida nem apaixonada por
um homem que a queria só para divertir-se na cama e por razões políticas, disse-
se indignada.
— Só me está adulando porque não me compraste nenhum presente
decente.
Malcolm quase se afogou.
—Sabia que queria outra coisa de mim além de te reunir com os MacKay.
Do que se trata?
Ele era quem desejava aquele encontro, não ela, pensou Alpin. Seguindo
sua estratégia, replicou:
— Era uma brincadeira, Malcolm. Tenho tudo o que necessito, exceto o
trabalho suficiente para me manter ocupada.
— Isso mudará logo para todos — declarou Malcolm referindo-se à
colheita.
— Não para mim, se tudo o que tiver que fazer é cozinhar e mandar de
volta a casa aos compradores de gado. — Estalou os dedos — Ah!, quase me
esquece ia me mostrar a carta de Codrington. — Alpin conteve a respiração,
esperando que Malcolm engolisse o anzol.
— O que tem que ver isso com se manter ocupada? — Bom... — Alpin lhe
esfregou o pescoço — Já que eu sei mais coisas da plantação que você, poderia
me dar Paraíso como presente de bodas.
A mão do Malcolm se deteve, e a saia voltou de novo para seu lugar,
cobrindo o joelho do Alpin.
— Para que a quer?

187
A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

— Criei-me ali, Malcolm — disse Alpin com sinceridade — Conheço os


escravos tão bem como você conhece seus soldados. Não poderia viver em paz se
o novo proprietário os tratasse mau.
— Eram amáveis contigo?
Alpin se sentiu cheia de nostalgia e amor.
— Muito, e temo que um estranho se aproveite deles. Não pode chegar a
imaginar como tratam alguns aos escravos.
— Então conta-me. — Nunca pudeste soportar ver a uma criatura
maltratada, verdade Alpin?
— Fazem que as mulheres tenham muitos filhos, às vezes com outros
escravos, e às vezes com eles mesmos ou seus amigos. Em algumas plantações os
meninos se parecem muito ao amo.
— É repugnante.
— Sim, mas pode ser pior. Freqüentemente os meninos pequenos são
arrancados do lado de suas mães e vendidos. Imagine a um homem que
engendra um filho para logo vender-lhe a seu vizinho.
— Não há leis para proteger aos escravos?
— Os homens brancos fazem as leis e obtêm as lucros. Mas essas
abominações nunca aconteceram em Paraíso, e se você me dá autoridade e
responsabilidade suficientes, eu farei que siga sendo um lugar decente.
— Alguma vez pôde suportar ver uma criatura maltratada, verdade,
Alpin?
Ela guardou aquilo tudo; teria toda uma vida de noites solitárias para
recordá-lo.
— Há outra razão. — De novo se deteve, pois esse era seu argumento mais
persuasivo.
— Escuto-te.
Alpin tinha ensaiado essas palavras. Era toda uma provocação para ela
distanciar do sentimento que evocavam.
— Uma vez me disse que estava ressentida contigo porque nasceu com
riquezas e posição e eu nasci na pobreza. A princípio o neguei, mas agora devo
confessar que tinha razão.
— Já não me odeia por meus direitos de nascimento? — perguntou
Malcolm tranqüilamente.
— Eu não chamaria de ódio a minha atitude contigo esta manhã —
replicou Alpin imitando uma das respostas típicas de Malcolm.
Malcolm afogou uma gargalhada.
— É certo, e tendo em conta o que me contaste, oferecerei-te Paraíso como
presente de bodas.
Alpin teve que morder o lábio para não soltar um grito de alegria. Paraíso
seria dela. Com os papéis na mão, retornaria à segurança de seu lar na ilha.
188
A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

Ninguém poderia detê-la; ninguém poderia lhe tirar sua propriedade nunca
mais. Com a ajuda de seus amigos, criaria ali a seu filho, e Malcolm poderia
casar-se com sua herdeira das terras altas.
Sentiu uma punhalada de ciúmes.
— Provavelmente algum dia tenha uma filha. A plantação poderia ser seu
dote.
Malcolm saltou da cadeira de modo que quase atirou Alpin ao chão.
— É um pouco cedo para falar dessas coisas, não crê ?
Alpin recuperou o equilíbrio e ficou imóvel, horrorizada ante a estranha
atitude de Malcolm. Parecia distante, hipnotizado pelo retrato de família que
havia na parede do fundo.
— Mas o tema dos filhos é importante — comentou Alpin finalmente — O
que aconteceria eu não ficasse grávida? Seguiria estando obrigado a conceber um
herdeiro para o Kildalton. O que seria de mim então?
Malcolm se virou para olhá-la, com os traços endurecidos pela ira.
— Não é necessário que discutamos isso agora.
— Ao contrário.
— Deixa-o já, Alpin — grunhiu.
Desconcertada por sua repentina cólera, Alpin se esforçou em ser razoável.
— Olhe, Malcolm. Se eu tivesse meus próprios meios, você não teria que
preocupar-se por cuidar de mim.
— A que se refere? Aos benefícios pela venda da plantação Paraíso?
Ela não tinha intenção de vendê-la, mas Malcolm não tinha por que sabê-
lo. Uma vez tivesse assinado os papéis lhe cedendo a plantação, Alpin poderia
respirar tranqüila. O dia em que começasse a colheita, Alpin MacKay iniciaria
sua volta a casa.
— Sim. Ter meus próprios recursos é importante para mim. Pode entendê-
lo?
— Sim, mas não deveria te sentir como um parente pobre neste
matrimônio.
Em realidade se sentia como uma formiga, mas sairia daquele matrimônio
com o futuro assegurado e com o maravilhoso presente de um filho.
— Preparará os papéis agora? Dessa forma poderia responder a carta do
Codrington amanhã. — Alpin disse que se não podia idealizar um modo de
escapar rapidamente, escreveria uma carta ao governador de Barbados lhe
informando da transferência da propriedade e de seu plano de retornar à ilha.
— Se isso te fizer feliz, farei-o. -Malcolm abandonou a, quarto.
Paralisada pelo nervosismo, Alpin contou os passos que se afastavam e
escutou o sapateio das botas nas escadas. Não o entendia; ela tinha registrado o
dormitório de ponta a ponta sem resultado. A curiosidade foi mais forte que o
entusiasmo, e Alpin correu para a porta. Ao voltar a esquina, viu-lhe desaparecer
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A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

pelo corredor que conduzia às habitações de seus pais. Assim ali era onde
guardava os papéis, disse-se assombrada de não havê-lo pensado antes.
Mas agora já não importava onde tivesse escondido os documentos; quão
único importava era os ter em seu poder.
Malcolm retornou com uma caixa de madeira ricamente trabalhada
debaixo do braço. Sentando-se ante seu escritório, ofereceu ao Alpin a carta de
Codrington e logo começou a redigir a transferência legal. Parecia preocupado.
Mas Alpin estava muito excitada para analisar o humor de Malcolm.
Segundo Codrington, as atividades da plantação progrediam
adequadamente sob a supervisão de Henry Fenwick. Alpin se relaxou.
Uma vez terminou de escrever o documento, Malcolm lhe ofereceu a
pluma.
— Por que está tão nervosa? — perguntou.
Concentrando-se muito, Alpin conseguiu que sua mão deixasse de tremer
o tempo suficiente para escrever seu nome.
— Porque nunca havia possuído nada antes.
— Bom, pois agora é teu. — O sorriso do Malcolm era forçado, e sua voz
soava tensa.
Tirou da caixa várias folhas de contas que ela mesma tinha escrito ao longo
dos anos. Charles tinha insistido em guardar todas as contas. Agora Alpin soube
que tinha começado a enviar-lhe ao Malcolm cinco anos atrás, depois de lhe
haver transferido a propriedade da plantação.
Alpin sustentava os papéis brandamente, embora desejava apertá-los
contra seu peito e dançar pela quarto.
— Alpin, há algo que quero te dizer.
Malcolm parecia terrivelmente sério. Pensando que ia dar uma conferência
sobre as responsabilidades de um latifundiário, Alpin pôs os papéis sobre a mesa
e replicou:
— Agora não, Malcolm. Brindemos por nosso matrimônio.
Malcolm apertou os dentes com expressão angustiada.
— O que tenho que te dizer é importante para nosso matrimônio.
— E são más notícias, a julgar pela sua expressão. Deixa-o no momento,
por favor. Celebremos nossa boa sorte.
Malcolm observou os outros documentos que haviam na caixa com
indecisão. Com o coração transbordante de felicidade, Alpin se sentou no tapete
que havia junto ao lar.
— Vêem e sente-se a meu lado – rogou — E traz o brandy contigo. Estou
ansiosa por saber tudo sobre o gado que vendeste hoje.
— Morreria de aborrecimento, Alpin.

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A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

Malcolm parecia estar a quilômetros de distância, inclusive quando cruzou


o quarto e se sentou junto a ela no chão. Ou provavelmente era só que ela se
sentia muito feliz e não via nada mais lá.
— Então me conte como pensa Saladin recuperar sua espada do taberneiro
— pediu Alpin decidida a lhe animar.
— MacGinty nunca pretendeu ficar com ela. Temia que Saladin a utilizasse
contra alguém. Estava bêbado como um gambá, recorda?
Alpin lhe deu uma cotovelada nas costelas.
— Você também fez um bom número.
— Não estava tão bêbado — disse Malcolm com um brilho desafiante no
olhar.
— É obvio que não. Você sempre sobe as escadas cambaleando e dorme
com a roupa.
— Você tirou a minha roupa?
—Sim, e nunca me havia custado tanto te despir.
— Isso foi antes ou depois de que me atasse?
— Não penso te dizer isso.
— Posso te obrigar.
— Como?
Malcolm a pôs sobre seu regaço e se inclinou sobre ela.
— Poderia começar te levando acima e te despindo.
Alpin se sentiu desfalecer de desejo. Logo o deixaria, assim por que não
desfrutar de sua paixão enquanto podia?, disse-se. Também poderia examinar o
conteúdo da caixa.
Certamente a carta de Charles estaria ali. Liberada de todas suas inibições,
Alpin rodeou o pescoço de Malcolm com os braços.
— Durmamos aqui. Assim não poderá me jogar da cama.
— Sinto muito, Alpin.
— Aceito suas desculpas. Fecha a porta com chave.
—Não entrará ninguém sem chamar antes.
—Ninguém?
O intenso olhar de Malcolm vagou pelo rosto de Alpin. Ela se viu refletida
em seus olhos e se perguntou se jogaria realmente fora. Seu coração se encheu de
dor ao pensar que talvez não.
Malcolm sorriu com aquela encantadora expressão que Alpin esperava que
Deus desse a seu filho.
— Ninguém – murmurou — exceto minha família, e não temos que no
preocupar com eles.
Então a beijou com seus lábios doces e persuasivos, embalando-a entre
seus fortes e confortáveis braços. Aquele beijo despertou uma nova intimidade,

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A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

uma alegria nascida de duas almas que procuravam unir-se naquele mesmo
instante.
Logo Alpin sentiu um desejo que já lhe resultava familiar e parecia atá-la
irremediavelmente a ele, engendrando uns sonhos que nunca se fariam
realidade. Enredou as mãos no cabelo do Malcolm, desenhando a forma de sua
cabeça e tratando de memorizar a rica textura de seu cabelo, sua testa alta, e o
leve afundamento em suas têmporas.
Agora que já não estava atada às cadeias de um futuro incerto, Alpin se
sentia livre para explorar a Malcolm, para tomar as rédeas de sua relação. Com a
mesma entrega que lhe tinha demonstrado desde a primeira noite de amor,
Alpin lhe abraçou, e lhe encheu de beijos, o rosto, o pescoço e o lóbulo da orelha.
Malcolm a deteve.
—Se meu presente inspirou em ti esta devoção de esposa — disse junto à
bochecha de Alpin — encarregarei-me de te fazer um cada dia do ano.
Passando por cima sua referência a um tempo que nunca compartilhariam,
Alpin sussurrou ao ouvido.
— Não foi sua generosidade, a não ser você. Por favor, Malcolm, me ame.
Ele gemeu e lhe tirou a roupa com a destreza e a rapidez de um homem
que não tem tempo que perder. Logo tombou Alpin sobre o suave tapete e
encheu seus seios de doces e úmidos beijos, roçando os mamilos com a língua e
com o tentador fio dos dentes. Quando por fim a sugou de verdade, Alpin lançou
um grito e se apertou contra ele.
No ventre, a familiar dor se converteu em uma raivosa necessidade.
Levantou o tartán de Malcolm e lhe acariciou com ambas as mãos, distinguindo
as diferentes texturas de seu sexo; as suaves e pesadas bolsas, a pele aveludada
que encerrava sua virilidade de aço, e a glória que a havia meio doido
intimamente.
Alpin olhou para baixo e contemplou a um homem profundamente
apanhado no anseio do prazer absoluto. Tinha os olhos entre fechados e a boca
ligeiramente aberta. Consciente de que era ela quem lhe tinha levado a aquele
estado de excitação, Alpin se voltou mais intrépida em sua manipulação.
Apalpou seu sexo com a palma da mão e lhe roçou com as gemas dos dedos;
logo lhe percorreu brandamente com as pontas das unhas.
Malcolm ofegou e abriu os olhos de repente. Então lhe dirigiu um
luminoso olhar.
— Acredito que será melhor que se detenha — advertiu.
Sentindo-se valente, Alpin piscou.
— Mas eu gosto.
Malcolm sorriu.
— Então faz comigo o que te agrade, Alpin, mas lhe advirto isso: logo
tomarei a revanche.
192
A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

Alpin não pensou no que aquilo significava e continuou com seus


cuidados.
— Quer me beijar em vez de me ameaçar? — Claro, querida, mas...
Malcolm fechou com força os olhos e esticou a mandíbula. Alpin soube
instintivamente que estava lutando contra o demônio que levava dentro, ao que
ela tinha despertado. De repente Malcolm se separou dela e desabotoou
precipitadamente os botões da camisa, de forma que quase rompeu o tecido.
Tombada nua frente a ele, observando prazerosamente seus frenéticos
movimentos, Alpin sentiu como um diabo invadia seus pensamentos.
— Sinto-me como uma de suas fortes inclinações.
Malcolm riu.
— E o é, não cabe a menor dúvida logo que me libere de minhas insígnias
te demonstrarei o muito da avaliação a seu novo posto.
— Mas ainda não comemos a sobremesa — informou Alpin com a
inocência de uma virgem. —Está na mesa.
Ainda vestido da cintura para baixo, Malcolm fez uma pausa e lançou um
olhar que prometia recompensa. Como se dispusera de todo o tempo do mundo,
Malcolm se esqueceu de tirar a roupa e se ajoelhou entre as pernas de Alpin.
— Não. O meu está justo aqui.
Logo a acariciou e a amou de um modo que teria desafiado a imaginação
de Alpin uns meses atrás, convertendo em um jogo de meninos sua idéia
preconcebida do amor carnal.
Alpin dormiu nos braços do Malcolm coberta pelo tartán a modo de
manta.
Em meio de um pesado sono, Malcolm sentiu uma áspera umidade em sua
bochecha. Instintivamente, levantou o braço para proteger o rosto. Alpin estava
acomodada contra seu flanco. Sentiu o duro chão do estudo sob as costas.
Escutou um impossível mas familiar choramingação e percebeu alguém
movendo-se no quarto.
A pederneira se chocou contra o aço. Uma luz brilhou atrás do escritório. A
seguir se ouviu o grito de assombro de uma mulher. Estirando o pescoço,
Malcolm pôde ver o cão. Envergonhado, levantou o olhar até a mulher que
estava de pé ante ele. Lady Miriam MacDonald Kerr. Seus olhos azuis despediam
faíscas de indignação maternal.
— Espero que essa morena nua não seja Jane Gordon.

Capítulo 17

Malcolm se liberou dos últimos vestígios de sono, despertando à crua


realidade; Alpin e ele jaziam nus no chão, cobertos tão somente por seu tartán. A
seu lado estavam a madrasta de Malcolm e seu cão.
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A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

«Espero que essa morena nua não seja Jane Gordon», havia dito.
Malcolm tratou de decifrar aquela advertência. A vida de sua madrasta
estava freqüentemente afetada pela política, mas, ela não se metia nunca na vida
privada de Malcolm. Ele lhe tinha escrito contando a visita de Gordon e sua
inquietação pelos clãs do norte. Também se referiu à oferta de Gordon de lhe
entregar a sua filha em matrimônio.
Uma vez teve tirado suas conclusões, Malcolm declarou tranqüilamente:
— Não é Jane Gordon.
— Bem. Esse tipo é capaz de algo para conseguir seu propósito. — Lady
Miriam agarrou a caixa de marchetaria e a pôs sob o braço -. Estava procurando
isto.— Na caixa estavam as notas que Malcolm tinha tomado durante os meses
de correspondência entre Gordon e os Eduardo exilados.
Alpin se agitou. Para não despertá-la, Malcolm sussurrou:
— Me espere lá fora, mãe, e leve esse cão contigo.
—Sim, é obvio. Sinto-o muitíssimo. — Lady Miriam levou a mão à
bochecha, de pele tão suave como a de uma mulher com a metade de anos que
ela — Não esperava te encontrar aqui a estas horas. Quero dizer que esperava
que estivesse acordado, mas não aqui com... Oh, Malcolm! por que não fechou a
porta com chave?
Alpin se moveu de novo, e desta vez roçou com o joelho a virilha de
Malcolm. Esquivando a flecha do desejo, ele apertou os dentes.
— Desculpas aceitas. Que horas são?
Lady Miriam observou o montão de objetos masculinos e femininos que
estavam pulverizadas pelo chão.
— Quase as seis.
Malcolm deu uma olhada nas cortinas, mas o pesado tecido impedia a
passagem da luz.
— Deixa aqui o abajur. Reunirei-me contigo dentro de um minuto.
Lady Miriam estalou os dedos. O enorme sabujo, chamado Redundant por
ser parecido com sua avó, trotou para a porta. Entre um redemoinho de seda
verde e com majestosa elegância, lady Miriam se deslizou fora da quarto.
Malcolm fechou os olhos e respirou profundamente, concedendo a sua
dignidade uns instantes de recuperação. Embora passava a maior parte do tempo
no castelo de Kildalton, sempre tinha tido a suas mulheres em Carvoran Manor.
Suas irmãs menores viviam ali, e tinha que pensar nelas. Além disso respeitava a
seus pais muito para fazer alarde de suas inclinações luxuriosas diante deles.
Mas já não tinha vontade de amantes; a mulher que estava entre seus
braços era tudo o que necessitava. Sua sinceridade, e os motivos pelos quais lhe
tinha pedido a propriedade de Barbados falavam eloqüentemente do muito que
desejava que seu matrimônio fosse um êxito.

194
A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

Mas desgraçadamente ela nunca teria a oportunidade de oferecer seu


recente dote a uma filha, ou de legar seu dinheiro a um filho. Ele tinha tentado
lhe dizer a verdade aquela noite. Mas ela estava muito entusiasmada pelo fato de
ser uma mulher com seus próprios recursos e muito ansiosa por desfrutar de sua
nova independência. A espontaneidade tinha sido sua contra-senha a noite
anterior, e a felicidade o resultado.
Entretanto, a felicidade conjugal jazia sobre o terreno pantanoso da
mentira. Malcolm tinha a intenção de confessar-se abertamente assim que tivesse
falado com sua madrasta. Sentindo-se mais ligeiro por ter tomado essa decisão,
Malcolm apertou Alpin contra seu peito.
— Acorda, dorminhoca.
Ela gemeu e lhe abraçou com força.
— Que horas são?
— São quase seis.
—Oh, Meu deus! — exclamou, sentando-se de repente e arrastando o
tartán com ela
— Doura necessitará de minhas instruções, íamos fazer velas esta manhã, e
o chão dos barracões parece um cenegal depois da chuva de ontem.
Alpin tinha um aspecto deliciosamente desalinhado, sonolenta e com o
montão de cachos de cabelo castanhos caindo até a cintura. Como podia alguém
chamar moreno a aquele cabelo maravilhoso? O termo lhe parecia muito vulgar.
Provavelmente se devia à falta de luz.
— Não seria melhor que se esquecesse de Doura e dos chãos sujos e desse
a seu marido um beijo de bom dia? — Alpin meditou sobre aquela pergunta e
Malcolm acrescentou
— A não ser que te importe um pouquinho saber o nome de uma pessoa
muito especial que esteve aqui faz uns momentos.
Alpin se inclinou sobre ele, lhe esfregando o peito com seus mamilos.
— Bom dia, meu marido.
Seu cabelo formava uma cálida cortina ao redor deles, e quando seus lábios
posaram nos de Malcolm, ele pensou que provavelmente teria que fazer amor
outra vez. Abraçou-a forte, admirando a suavidade de sua pele e o modo perfeito
com que se encaixava contra seu corpo. Desfrutava saboreando aquela mulher e
alimentando sua paixão, mas nesse momento desejava um ato rápido. Alpin se
apartou.
— O que te resulta tão divertido? — perguntou.
— Estava pensando em uma das formas mais grosseiras de fazer amor.
— Me conte. -Alpin o olhou com curiosidade.
— Chama-se o cio do galo. -A risada despreocupada de Alpin era o
segundo som mais doce que tinha ouvido.
— O que é o cio do galo?
195
A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

— É algo que acontece com muita rapidez. Está interessada nisso?


Alpin olhou no teto mordendo o lábio inferior. A delicada coluna de seu
pescoço e os perfeitos planos de seus ombros atraíram a atenção de Malcolm, que
pensou que sua pequena estatura era enganosa, pois possuía encantos femininos
em abundância. A olhou com um brilho malicioso nos olhos.
— Em lugar de me morder o pescoço e dizer meu nome quando... já sabe...
Divertido pelo desconcerto de Alpin, Malcolm perguntou sorrindo:
— Quer dizer quando estou apanhado nas ânsias da paixão?
— Sim. Em lugar de desfrutar do que faz normalmente, morro por ver-te
esconder as mãos nas axilas, agitar os cotovelos e cacarejar.
Ambos riram, e ele a abraçou de novo sentindo-se cômodo e feliz. Seu
desejo amainou, dando passo a uma necessidade mais profunda. Ela dava calor a
seu coração, e o fazia desejar que acabasse o dia e que chegasse o momento de
estar sozinhos. Ela fazia com que se arrependesse por todos os anos que tinha
empregado em planejar uma vingança contra um crime cometido por uma
menina inocente que não tinha conhecido o amor nem a segurança. Uma sombra
de dúvida se abateu sobre sua felicidade. E se ela não pudesse o perdoar?,
perguntou-se angustiado.
— Quem veio? — inquiriu Alpin.
E se ele não podia conseguir que o amasse? Malcolm não queria nem
pensar nessa possibilidade.
— Lady Miriam.
Alpin se apartou de novo.
— De verdade?
— Sim. Chegou faz um momento.
Alpin se arranhou a frente, e logo se recolheu o cabelo. — Onde estão meus
grampos?
— Por aí pulverizados, suponho, igual a sua roupa.
— Ela não teve susto assim.
Malcolm não teve que lhe dizer o muito que já tinha visto lady Miriam.
—Veio passadiço até seu quarto. Recorda o caminho?
Alpin agarrou rapidamente suas meias e anáguas.
— Sim, acredito que sim. — Uma vez vestida, recolheu os papéis e o abajur
e desapareceu pelo túnel.
Enquanto se vestia, perguntou-se o que diria lady Miriam quando
Malcolm lhe falasse de seu matrimônio.
— Felicidades, Malcolm. Quem é a garota afortunada?
Lady Miriam permanecia de pé junto à escada principal, com a mala
estofada a seus pés e o enorme sabujo a seu lado.
— Bem-vinda a casa, mãe.

196
A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

Seu rosto se iluminou com um cálido sorriso e abraçou fortemente a seu


filho. Mulher de extraordinário caráter e diplomática célebre em todo mundo,
lady Miriam MacDonald Kerr tinha mudado o curso da história da Grã-Bretanha
e influenciado na vida de todos os habitantes dos Borders. A Malcolm tinha
ensinado a lutar por seus sonhos e a ser fiel a seus princípios. Mas lhe tinha
falhado nisso último.
O cão ladrou, encaixando seu frio focinho entre os dois.
— Redundant! Atrás!
O sabujo, que pesava quase quarenta quilogramas e levantava umas patas
dianteiras tão grosas como os antebraços de Malcolm, sentou-se imediatamente.
Além de ser a única criatura capaz de arrancar Malcolm de um sono profundo, o
animal podia cheirar um coelho a cem passos de distância e rastreá-lo durante
quilômetros sem cansar-se.
— E bem? — Lady Miriam sempre chegava com montões de perguntas.
— Minhas notícias podem esperar — disse Malcolm — Quando voltou?
Ela soprou com impaciência.
— Meu navio atracou em Londres faz três dias.
— Meu? Em singular? Onde está o resto da família?
— Malcolm! Tenho tanta curiosidade como a viúva MacKenzie. Quem é
sua noiva?
Embora seu cocuruto logo que alcançava o queixo de Malcolm, lady
Miriam tinha uma presença realmente imponente, e era uma perita na arte da
intimidação. Seu único problema era que às vezes não tinha êxito com os
membros da família.
— Você primeiro — disse Malcolm — O que aconteceu em
Constantinopla?
Ela deixou a caixa de marchetaria e começou a passear.
— Foi um tratado de tantos, adornado com passagens do Corão e
concessões por ambas as partes. Bebi litros e litros de suco de frutas e comi
montanhas de arroz e cordeiro gordurento. O sultão queria alojar a mim e a suas
irmãs no harém, e seu pai fingiu contemplar aquela possibilidade para me
chatear. Saladin teria estado como no céu ali. Salvador teve o ânimo de desenhar
pequenos ícones no bordo iluminado da cópia do tratado para o sultão. Mahmud
chegou a um acordo com os persas. Acredito que agora mesmo ambas as partes
estarão lutando por encontrar o modo de romper o tratado, mas espero que isso
os mantenha ocupados durante um par de anos. Lady Miriam se deteve e se
inclinou.
— Isso é tudo, meu curioso filho.
Aquela mulher despachava os assuntos de estado como se fosse a lista
para a compra. Tinha uma memória perfeita; punha tanta atenção ao detalhe que
tinha provocado a ruína de reis e carpinteiros e a tortura de recrutas e bispos.
197
A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

— Falou disso ao rei Jorge? – perguntou Malcolm.


— Não o disse nada. Está em Hanover tratando de converter em sua
amante à condessa de Walmoden.
— Mas viu a rainha ou ao Walpole?
— Por desgraça vi os dois. — Lady Miriam tirou a touca de encaixes e
moveu a cabeça. Sua juba larga caiu até os ombros lindamente — Por isso
demorei um dia a mais para chegar. O primeiro-ministro insistiu em que
assistisse a uma recepção para comemorar a inauguração de sua casa em
Downing Street. A rainha estava ali. Dei meu relatório sobre a missão na
penteadeira.
Malcolm riu.
— Pretende que eu acredite que teve uma reunião com a rainha em uma
penteadeira de senhoras?
— Sempre foi um menino cético. Bom, já lhe contei tudo sobre minha
viagem. Agora, contará-me isso tudo sobre sua noiva, por favor?
Malcolm se sentia tão orgulhoso como o dia em que aprendeu a dirigir um
sabre.
— É Alpin MacKay.
A surpresa realçou a aparência juvenil de lady Miriam.
Nesse instante, poderiam havê-la confundido com sua filha maior.
— A Alpin MacKay do barão? – disse — É a garota com que estava faz
meu momento?
Malcolm se sentia consumir por um sentimento de posse.
— É minha Alpin MacKay, e foi acima se trocar e pentear-se. Está muito
nervosa pela idéia de ver-te outra vez depois de tantos anos.
Uma vez recuperada a calma, lady Miriam o examinou como uma mãe a
um filho caprichoso recentemente reencontrado.
— Quanto tempo está aqui?
— É uma longa história e parece esgotada, vamos sentar-nos.
Ela guardou a delicada touca no bolso.
— É um consolo tão grande para uma mãe vaidosa!
Fazendo caso omisso de seu tom de brincadeira, Malcolm a conduziu a seu
lugar preferido, o salão menor, que nesse momento estava vazio. Rodeou e
caminhou até seu rincão favorito, aos pés do trono Kerr, e se deixou cair com um
ruído surdo. Malcolm retirou uma cadeira da mesa que havia junto as ventarolas
e se sentou frente a sua madrasta. Os primeiros raios de sol acentuavam as
mechas de prata que salpicavam seu cabelo vermelho. Aos onze anos, Malcolm
estava profundamente apaixonado por ela e pensava que era a única mulher do
mundo para ele. Aos vinte e oito, pensava que o mundo era um lugar melhor
por que ela existia.

198
A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

— Agora que já te encarreguei de aliviar meus velhos e cansados ossos,


pode me dizer como chegou Alpin MacKay a Escócia e terminou nua contigo no
chão?
— Chegou de Barbados faz um par de meses.
— Por que não me disse isso em sua carta?
Quando escreveu a carta, Malcolm tinha justificado a omissão dizendo a si
mesmo que a notícia podia complicar a missão de sua madrasta em
Constantinopla. Em realidade, ela era muito experimentada para distrair-se de
seu trabalho, mas ele não podia prever que seus planos quanto a Alpin iam
tomar um caminho diferente. Ao pensar em sua companheira e em como a tinha
conseguido, Malcolm decidiu que uma pequena mentira criaria centenas de
verdades.
— Queria fazer surpresa.
Lady Miriam enrugou a testa, danificando a tersura de sua pele.
— E estou surpreendida. Acreditava que a odiava porque pensava que te
tinha feito estéril com aquelas vespas faz anos.
Malcolm pensou que tinha esbanjado muito tempo com esse sentimento.
— Quero-a com loucura, e agora que você está em casa, fixarei uma data
para as bodas.
Dirigiu um sorriso de pesar, lhe dando a entender que tinha percebido
suas evasivas com respeito ao incidente das vespas é que a sensibilidade de lady
Miriam podia competir com sua extraordinária memória.
— Sabe o barão Sinclair que está aqui?
— Não. Ainda não retornou da Irlanda, onde está em companhia de seu
neto.
— Ninguém diria que antes aborrecia aos meninos, especialmente Alpin —
observou lady Miriam — por que retornou a Escócia?
«Se as verdades pela metade fossem bênções, eu teria um pé no céu», disse-se
Malcolm.
— Charles morreu.
Lady Miriam fez uma careta de dor.
—Oh, quanto o sinto. Seu pai me contou que o pobre homem nunca se
recuperou da tragédia da morte de sua esposa. — Contemplou fixamente o trono
da família Kerr
— Faz vinte e dois anos, Duncan deu a Charles e a Adrienne o dinheiro
suficiente para escapar da Escócia e construir uma nova vida nessa plantação.
Foram muito felizes ali, e foi bem, a pesar da dor que os muitos abortos de
Adrienne lhes ocasionavam. Não lhes agradeceram muito que enviássemos
Alpin. Deve ter o coração destroçado.
Lady Miriam não sabia que Malcolm tinha adquirido a plantação. A
transação tinha sido um assunto privado, e ela nunca interferia em seus negócios.
199
A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

— Alpin está se recuperando, mãe.


Lady Miriam esboçou um sorriso irônico.
— Os homens do clã Kerr têm uns métodos muito inovadores para distrair
a suas mulheres. Alegra-me que tenha deixado atrás o passado. Ela não te feriu
intencionadamente, além disso, duvido que seja estéril.
Malcolm estava acostumado a sua franqueza, mas por desgraça não
compartilhava seu otimismo quanto a sua capacidade de engendrar.
— É óbvio que está equivocada.
— Ora! Não é do tipo de homens que perde o tempo com as donzelas, e
suas amantes não contam, especialmente a ambiciosa Rosina. A propósito,
ultimamente está interessada por um par de italianos que parecem tirados dos
tempos dos centuriões romanos.
Malcolm não se surpreendeu; conhecia o apetite daquela mulher. Além
disso, alegrava-se por ela.
— Quem te falou da Rosina?
— Estávamos falando de Alpin. Era um espírito tão independente! Ela não
pretendia te fazer dano.
Malcolm se sentiu culpado.
— Sei. Só sinto que me tenha levado tantos anos para descobri-lo.
Lady Miriam lhe deu um tapinha maternal na mão. — Seu pai se
entristecerá muito pelo Charles. — Onde está?
Ela repicou com os dedos na polida superfície da mesa.
— Está na Itália, com suas irmãs.
Assim era por isso que se inteirou da Rosina, deduziu Malcolm.
— O que fazem na Itália?
— Resulta que sua maravilhosa e retórica carta nos chegou uma semana
antes de deixar Constantinopla. Acreditei que seria melhor fazer uma visita a
nosso príncipe ao outro lado do mar. Tratei de dissuadir ao jovem Charles da
idéia de vir a Escócia a reclamar a coroa em nome de seu pai.
O assunto se ampliava cada dia mais, Malcolm jogou uma olhada a seu
redor para assegurar-se de que seguiam sozinhos. Uma invasão poria em perigo
a vida de todos, dos pescadores de Cornualles até os pastores das arcadas.
— Não posso acreditar que o Jovem Pretendente queira vir aqui.
Lady Miriam apertou os lábios.
— Acredite nisso -Um comentario muto inteligente, Malcolm disse,
olhando pela janela. — Tua irmã Anne está ensinando escocés a ele.
— Mas não pode fazê-lo.
— Isso é o que eu lhe aconselhei — informou a mulher com tom amargo.
— E não te escutou? Ou ele é tolo, ou você está falhando, mãe.
O olhou arqueando uma sobrancelha.

200
A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

— É mais teimoso que um sultão. A incursão na guerra que fez o ano


passado quando ao sítio da Gaeta despertou suas ânsias por instigar a seus
irmãos escoceses, e logo morreu sua mãe. Acredito que está furioso com o
mundo.
— Que idioma pensa utilizar para reunir a seus compatriotas? O italiano?
É uma língua muito freqüente na Escócia, como todo mundo sabe — comentou
Malcolm com sarcasmo.
—Tudo vai bem, amigo te sente — ordenou, acariciando as largas orelhas
do animal e seu brilhante cabelo avermelhado. —Redundant é muito protetor
comigo.
Arrependido de seu arrebatamento, Malcolm agarrou a cadeira e se sentou
de novo.
— Parece um pouco magro.
— Redundant não é tão bom viajante como foi minha Verbatim -explicou
lady Miriam com lágrimas nos olhos.
Toda a família tinha querido a aquela velha cadela, e quando morreu todos
o sentiram muito, mas ninguém tanto como ela.
De todos seus descendentes, tão somente Redundant herdou sua destreza
para rastrear — disse Malcolm para mudar de assunto.
— Sim — assentiu ela, abandonando sua pena com tanta facilidade como
outra mulher lançaria, tem melhor olfato que ela. Pobrezinho ficou meses
encerrado.
— Levarei-o para caçar.
— Muito bem. Onde estávamos?
— Como se o tivesse esquecido — arreganhou-a Malcolm. —Estava a
ponto de me dizer por que minha impetuosa irmã Anne está dando aulas
particulares ao Carlos Eduardo.
— Não é necessário que faça o papel de irmão mais velho ultrajado. Seu
pai se faz de acompanhante –informou lady Miriam rindo-. Teria que o ver em
cima deles, com as mãos à costas e com uma pose tão rígida como o avental de
Doura. Duncan toma muito a sério sua função de guardião da castidade.
Malcolm soltou uma gargalhada.
— Encarregarei-me de que se inteire do que disse.
— Se o fizer — advertiu-lhe-, contarei a Alpin sobre aquela vez que Angus
MacDodd te pilhou espiando a ele e ao Alexis Southward. Assustou-se tanto que
molhou as calças.
Malcolm se ruborizou como nunca o fazia com ninguém que não fosse sua
madrasta.
— Rendo-me ante a mente mais tortuosa e proponho uma trégua.
Estendeu a mão.
— Que engenhoso e original por sua parte propor a mim um pacto.
201
A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

Lady Miriam tinha passado sua infância na corte e sua vida de adulta no
corpo diplomático, e entretanto, ainda tinha senso de humor.
— O que posso fazer eu para ajudar com os Eduardo? — perguntou
Malcolm.
— Rezar para que o impetuoso príncipe mude de idéia, ou para que seu
pai o proíba de desencadear uma guerra.
— Falaste com Jacob?
— Sim. Ele estava ao meu lado, mas temo que lorde Lovatt e lorde Murray
têm muita influência sobre nosso jovem guerreiro Eduardo.
— O que pensa fazer?
— Irei às terras altas e falarei com Gordon e os outros chefes de clã. Se não
puder dissuadi-los, irei a França e falarei com o rei Luis. Já me escutou outras
vezes. Tratarei de o fazer mudar de idéia quanto a financiar a invasão dos
Eduardo. Em realidade, é inconcebível.
— Sabe a rainha Carolina?
— Estou segura de que nestes momentos não é consciente disso, mas o
caso é que há grandes conspirações entre os jacobitas na Itália. Não me
surpreenderia que alguém levasse a informação a ela ou ao Walpole.
— Você fará com que John Gordon veja o quanto equivocado está com sua
atitude. Confio em ti plenamente, mãe.
— Obrigado, mas te direi um segredo, Malcolm. — Seu ar formal se
quebrou, e Malcolm viu uma fresta da carinhosa mãe que lhe tinha curado os
joelhos feridos e lhe tinha consolado em seus momentos de decepção — Começo
a estar farta de evitar que os homens arrogantes da nobreza façam coisas que só
prejudicam às pessoas comuns.
Lady Miriam parecia cansada, com falta de sua energia característica.
— Quantas noites faz que não dorme bem?
— Desde que vi seu pai por última vez. — Suspirou e com uma força de
vontade que nunca deixaria de surpreender ao Malcolm, sobrepôs-se a seu
esgotamento — Insisto -disse golpeando a mesa com a mão — em que me conte
mais sobre minha nova filha.
Malcolm poderia ter falado durante horas, com o que teria purgado sua
alma de mentiras pecaminosas e enumerado as recompensas da sorte amorosa.
Quem melhor para ouvir sua confissão que a única mãe que tinha conhecido?
Provavelmente só existia uma: a única mulher a que tinha amado. Assim ficou a
pensar na informação sobre Alpin que mais podia interessar a lady Miriam.
— John Gordon assegura que Alpin é a neta perdida de Comyn MacKay.
Diz que é exatamente igual a ele.
O interesse e o intenso olhar de sua madrasta a Malcolm, advertiu que não
olhava a ele, a não ser por cima de seu ombro.

202
A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

— Isso explicaria o ódio do barão para com ela e sua impaciência por
enviá-la a Barbados. Por então odiava todo o escocês. Direi-te uma coisa,
Malcolm: será melhor que encomende a sua boa estrela e guarde todos os objetos
quebráveis quando Comyn MacKay lhe ponha a vista em cima.
Malcolm se virou e viu Alpin junto à porta; levava o cabelo perfeitamente
trancado e enrolado sobre a cabeça e um vestido de cor lavanda que convertia
seus olhos em cintilantes ametistas.
Com o coração transbordante de amor, Malcolm lhe fez um gesto para que
se aproximasse. Logo se dirigiu de novo a lady Miriam.
— Também acha que se parece com Comyn MacKay?
Com o olhar cravado em Alpin, sua madrasta sussurrou:
— É o rei alemão? — Logo, com um tom mais alto e desenvolto, simulou
uma conversação amistosa — Verbatim adorava viajar...

Capítulo 18

Enquanto se aproximava da mesa, Alpin escutou a lady Miriam


pronunciar a palavra «verbatim». Era a primeira palavra culta que Alpin tinha
aprendido: Naqueles tempos, Alpin sentia um grande respeito por aquela
formosa mulher que sabia tantas palavras estranhas que podia chamar com elas a
seus cães.
Mas Alpin já não era uma menina analfabeta e impressionável. Era uma
mulher que tinha tido êxito em sua ambição; ninguém, nem seu marido nem o
embaixador mais ilustre poderiam evitar que retornasse a Paraíso.
Ao chegar à mesa viu a caixa de marchetaria de posse de lady Miriam. A
noite anterior, quando Malcolm dormiu, Alpin leu todos os documentos que
continha. Embora não entendia todas as notas, que tinha começado lady Miriam
e continha a mão inconfundível de Malcolm, sabia que tinham problemas. John
Gordon de Aberdeenshire estava detrás de todo isso. Os Kerr tratavam de evitar
mais complicações, e Alpin MacKay já não queria ter nada que ver com tudo
aquilo.
—Olá, senhora — saudou fazendo uma reverência.
A madrasta de Malcolm se levantou e a abraçou.
— Por favor, me chame Miriam. Os Kerr não gostam de cerimônias. —
Inclinando-se para trás, sorriu afetuosamente — Sempre a consideramos uma de
nós.
Aquela frase feita abriu a ferida de Alpin. De menina, tinha vivido à
margem da família. Quando a vida em Sinclair Manor se tornou insuportável, ela
procurou refúgio em Kildalton. Antes de ser descoberta, ajoelhava-se junto as
palhas que havia na quarto sem janelas da torre, rezava suas orações, e prometia
que seria uma boa garota se Deus lhe desse uma família carinhosa. E o fez; e
203
A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

agora a estavam esperando do outro lado do oceano. Alpin forçou um sorriso e


deu um passo atrás.
— É muito amável, Miriam, mas sempre a mim, inclusive quando menos o
merecia — disse lançando mão das frases feitas também.
— Como a maioria dos meninos acordados, foi muito teimosa. — Olhou
significativamente a Malcolm — E suas travessuras eram inofensivas.
— A quem está desculpando — perguntou Alpin — ao Malcolm ou a
mim?
— Aos dois, e bem-vinda à família.
Alpin olhou a seu companheiro, que lhe lançou um amável sorriso. A
negra barba incipiente obscurecia suas bochechas e mandíbulas, e seu cabelo
necessitava ser escovado. Tinha a camisa enrugada, e tinha posto o tartán muito
depressa. Nem sequer se tinha incomodado em colocar a bolsa e a insígnia de seu
clã, embora em realidade não necessitasse daqueles símbolos de poder, pois o
possuía por natureza. Malcolm deslizou um braço ao redor da cintura de Alpin e
a aproximou dele.
— Bom, mamãe. O que pensa de minha noiva?
— Parece-me encantadora. — Piscando os olhos para Alpin, acrescentou;
—Pergunto-me por que quer carregar com uma fantasia de diabo desalinhado
como você.
— Não sou um diabo, lhe diga a verdade, Alpin. Sou uma alma generosa, e
me adora.
Inclusive desalinhado, tinha um aspecto muito encantador. Irritada pela
atração que despertava, Alpin lhe deu uns golpezinhos na cabeça.
— Sempre adorei aos animais feridos.
— Conhece-te muito bem, filho — comentou lady Miriam aplaudindo.
Alpin se sentia um pouco coibida ante suas brincadeiras familiares.
— Doura está preparando seu quarto, Miriam, e o banho.
A mãe de Malcolm sorriu desculpando-se.
— Não deve se incomodar por mim. Irei dentro de uma hora.
Considerando o conteúdo das notas, Alpin pensou que era uma sábia
decisão.
—Tão logo? — Olhou para Malcolm para observar sua reação. Ele se
encolheu de ombros.
— Tentei convencê-la de que fique, mas nunca me escuta. Já sabe, assuntos
do rei. Vêem e sente-se em minha cadeira. — Malcolm ficou em pé — Agora a
ponha em dia de suas coisas enquanto troco de roupa.
— Malcolm provavelmente você gostaria de me acompanhar até o
Sweeper's Heath. -Lady Miriam fez aquela proposta em um tom despreocupado,
mas seu olhar sustentou a de Malcolm durante um comprido instante.

204
A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

— Será um prazer, mãe. — lhe dedicando uma cortês reverência,


abandonou a quarto.
Quando Alpin se sentou, seus olhos vagaram da caixa com a delicada
informação até as janelas sem portinhas e o exterior, enquanto se concentrava na
saída de seu marido e em como aproveitar-se dela. Alpin pensava inventar uma
desculpa para partir aquela mesma tarde. Escreveria nota ao Malcolm e se poria
a caminho. A idéia de não o ver nunca mais lhe doía, mas, como sempre, a vida
oferecia a Alpin poucas alternativas. A angústia de uma mulher era pouco
comparada com o bem-estar de oitenta pessoas.
— Pode vir conosco se quiser. – Aquele oferecimento tão educado carecia
de sinceridade. Lady Miriam queria falar em particular com seu enteado.
— Obrigado, mas não — respondeu Alpin, aterrada ante seu perigoso jogo
— Temos muitas velas por fazer e barracões que esfregar.
— Sinto muitíssimo a morte de Charles.
Essas palavras surpreenderam Alpin, que replicou o primeiro que lhe
ocorreu:
— Por fim acabou seu sofrimento. Agora está onde desejava estar.
Alpin temeu ter sido muito franca, mas lady Miriam sorriu.
— Graças a Deus que tinha a ti para lhe cuidar – declarou — Me diga,
Alpin, tomou Duncan a decisão correta quando faz anos persuadiu ao barão
Sinclair para que enviasse a Barbados?
—Oh, sim — respondeu Alpin com um fio de voz — Tive uma vida feliz
ali.
— E é feliz agora, como mulher de Malcolm?
Lady Miriam parecia esperançosa; seus olhos azuis transbordavam amor
maternal e sorria com otimismo.
— Amo Malcolm — admitiu com sinceridade e sem disfarces — e estou
orgulhosa de ser sua mulher.
Aliviada, lady Miriam se reclinou na cadeira.
— Te esqueça de seu falso matrimônio. Malcolm está disposto a chamar o
padre.
Alpin deu rédea solta a seus sonhos de moça, que em um segundo se
desvaneceram. Assim planejavam um matrimônio de verdade, deduziu Alpin.
Mas isso era impossível, a não ser que soubesse que levava no ventre um filho
dele. Tinha que descobri-lo.
— Acreditava que as promessas formais se faziam quando a mulher
concebia um filho.
— E o fará, querida. Estou segura disso.
Alpin se relaxou e notou como se ruborizava.
— E te deixou Charles uma dote? — perguntou lady Miriam.
A velha ferida voltou a abrir-se.
205
A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

— Não. Deixou-me uma pequena herança.


Toda formalidade, lady Miriam apoiou o cotovelo sobre a caixa e
descansou o queixo na palma da mão.
— Corrigiremos isso assim que seja condessa de Kildalton.
Lady Miriam falava de intercambiar promessas eternas seladas pela igreja.
Se Alpin dava ao Malcolm sua palavra de matrimônio, a mulher se converteria
em sua propriedade, igual a Paraíso. Agora que acabava de converter-se na
proprietária legal, não estava disposta a abandonar suas terras em mãos de um
homem que não se preocuparia com a situação dos escravos.
— Será melhor que esperemos até que fique grávida. Malcolm necessita
um filho que perpetúe o sobrenome Kerr.
— As filhas são tão valiosas como os filhos — declarou com tom obstinado
— Quem dizer o contrário é um estúpido com o cérebro de um mosquito que não
é capaz nem de esfregar dois paus para fazer fogo.
A defesa de seu sexo foi tão feroz que Alpin se sentiu cheia de orgulho, e
aproveitou o tema para afastar a conversação de Malcolm Kerr.
— Falando de homens estúpidos, alguns dos brancos de Barbados lhe
revolveriam o estômago, pavoneiam-se como reis e tratam a seus galos de briga
melhor que às, mulheres que têm a seu cuidado. Há um tipo em Bridgetown que
aos domingos pela manhã engancha escravas com o seios nu a sua carreta.
— Assim é como vai à igreja?
O ódio reavivou a necessidade de Alpin de retornar e começar a liberar os
escravos de Barbados.
—Sim.
A cara de lady Miriam se acendeu de raiva.
— Homens auto-suficientes e egoístas sem decência nem respeito pela lei
— esclareceu lady Miriam com a cara acesa de raiva.
— Exato. A ilha está cheia destes tipos. — Alpin abriu coração como nunca
tinha podido fazer com o Malcolm.
— Creio que farei uma visita à ilha quando... — seu ardor deu passo à
resolução — ...quando puder. Agora me diga uma coisa, Alpin, e te esqueça das
necessidades e os sentimentos de Malcolm. Decepcionaria-se muito se não ficasse
grávida?
Para lhe demonstrar que aquilo era mentira, Alpin notou agitação em seu
ventre. Olhou pela janela e viu passar ao Saladin com seu tapete de orações sob o
braço.
— Não posso responder a isso — disse sinceramente.
— É muito cedo, estou segura. Deu-te Malcolm algum dinheiro?
— Recebo um salário como governanta. Levo os livros de contas e
pagamento ao pessoal.
— Também é sua secretária?
206
A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

— Sim — disse à defensiva — Prefiro me manter ocupada. Não tenho


caráter para estar todo o dia fofocando.
Lady Miriam soltou uma risada que vinha mais de satisfação que de
surpresa.
— Então você e eu somos iguais. É estupendo que seja trabalhadora, sobre
tudo tendo em conta que levei a maior parte do pessoal a Constantinopla.
— Arrumamo-nos isso.
— Já o vejo, e admiravelmente. — Lady Miriam ficou séria de novo —
Falemos de Comyn MacKay, Alpin ficou em tensão.
— Do que temos que falar?
— Por exemplo, o que pensa você dele?
A madrasta de Malcolm era uma conversadora tão escorregadia como um
peixe, mas Alpin também podia ser hábil.
— Por que está todo mundo tão seguro de que somos parentes?
Em lugar de responder, lady Miriam perguntou:
— Recorda o nome de seu pai?
Alpin procurou em sua memória, mas era como andar por um labirinto
com os olhos enfaixados.
— Acredito recordar um nome bastante comum: James, ou Charles. Não
era escocês.
— Ambos os nomes de reis escoceses, como Comyn e Alpin. Os MacKay
sempre põem a seus primogênitos o nome de algum membro da realeza
escocesa.
Alpin não pensava se deixar influenciar.
— Não é mais que uma coincidência.
— Não estou de acordo, Alpin. Por que outro motivo poria um homem a
sua filha o nome de um rei escocês?
Alpin sentiu seu antigo e profundo vazio, e odiou a lady Miriam por fazê-
lo ressurgir.
— Meu pai não me deu este nome. Perdeu-se no mar antes de que eu
nascesse.
— Então sua mãe, uma inglesa, decidiu te chamar como a um rei escocês.
Dito daquele modo, não parecia tão inverossímil.
—Tem algum documento — perguntou lady Miriam — cartas ou algo pelo
estilo que pertencesse a seu pai?
— Foram enterrados com minha mãe, ou ao menos isso é o que disse o
barão Sinclair.
— Arrependerá-se de havê-lo feito, Alpin. Asseguro-lhe isso.
Alpin acreditou, mas sua herança não lhe importava.
— Faz o que queira, mas não o faça por mim. Não necessito mais parentes.
— Nem sequer se seu matrimônio resultasse vantajoso?
207
A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

— Para quem?
— Para ti, é obvio. Como herdeira do clã MacKay lhe corresponderão as
terras do dote que sua avó deu a seu pai.
Alpin só desejava um pedaço de terra no mundo, e já o possuía.
— Como pode estar tão segura de que sou uma herdeira?
— Os MacKay são muito ricos.
— Que fiquem com seu dinheiro. Eu não o quero.
— Então pensa além de ti, Alpin. E se a gente da Escócia se beneficiasse
pelo fato de que você seja uma MacKay das terras altas?
A Alpin não importava absolutamente a política escocesa mas a lady
Miriam sim.
— Duvido de que eu pudesse fazer algo. Não reconheceria a essa gente
embora entrassem agora mesmo pela porta.
— Sim o faria. Conheço muito bem a esse clã, e ele é muito grande para
passá-lo por alto. – Observou a cara e o cabelo de Alpin — No norte, chamam a
seus excepcionais olhos «olhos do céu». Comyn é seu avô.
Com a paciência esgotada, Alpin apoiou as palmas das mãos sobre a mesa
e se levantou.
— Bom, já sou maiorzinha para necessitar de um avô, muito obrigado.
Lady Miriam lhe agarrou a mão.
— Ele tratou de te encontrar, Alpin. Anos mais tarde me inteirei de sua
busca. Não podia saber que estava aqui, na fronteira com a Inglaterra, mas dizem
que rastreou cada garganta e cada ladeira por cima da fronteira das terras altas e
todos os portos da costa oeste.
Sua doce e persuasiva voz e seus olhos suplicantes alcançaram à menina
solitária que havia em Alpin, mas a mulher não se deixou influenciar. Fez uma
promessa às pessoas de Paraíso e tinha que cumpri-la.
— É admirável, e agradeço sua preocupação, mas não me interessa.
— Terá que enfrentar ao MacKay. Estou segura de que John Gordon lhe
terá explicado onde está.
Aquela ameaça quebrou a decisão de Alpin de ser educada.
— Gordon veio aqui faz mais de um mês, e até hoje não soubemos nada
desse Comyn MacKay. Está superestimando seu interesse.
Lady Miriam esboçou um sorriso pelo qual qualquer menina órfã a teria
adorado.
— Já veremos o que ocorre, querida, mas te aconselho que esteja
preparada. John Gordon não dá um passo até que lhe convém. Quando lhe for
vantajoso falar com o Comyn de ti, fará-o. Tão somente penso que deveria estar
preparada.
A advertência de lady Miriam era totalmente inútil, disse-se Alpin, pois
pensava deixar Escócia esse mesmo dia.
208
A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

Ao entardecer achou Alpin e Elanna sentadas no salão de Barnacle Inn,


perto do porto de Whitley Bay. Quando subisse a maré, partiriam em um
cargueiro inglês que transportava uísque e lã até o Southampton; ali reservariam
suas passagens em um navio das Índias Orientais no que realizariam a longa
viajem até Barbados.
O fogo chispava no enegrecido lar, pulverizando calor pelo quarto quase
vazio. Sentindo-se decaída, Alpin tomou um sorvo de leite com mel com a
esperança de que aquela bebida lhe acalmace o estômago.
Não tinha sido capaz de ficar em seu oscilante camarote até que o navio
zarpasse às duas da madrugada, assim tomou um quarto na estalagem, embora
duvidava de que pudesse dormir.
Em sua nota, Alpin dizia ao Malcolm que tinha ido a Carvoran Manor para
pagar aos serventes e fazer um inventário das provisões. Desejava-lhe felizes
sonhos e lhe informava que estaria em casa no dia seguinte, a primeira hora da
tarde.
«Em casa.» Houve um tempo em que aquela palavra tinha um precioso
significado para ela. Representava segurança, um sentimento de seu próprio
valor, a felicidade absoluta. Agora, uma parte dela, a parte que Malcolm tinha
aumentado com amor e capturado com paixão, contemplava aquela viagem e seu
futuro como uma obrigação.
Se ele tivesse apoiado em sua resolução de liberar os escravos, ela se teria
confessado e teria procurado seu conselho. Mas ele se limitou a brincar sobre o
assunto.
Ao conde de Kildalton não lhe importava a situação de Bumba Sam,
Surripio Joe, e as outras setenta e oito pessoas que estavam sob a
responsabilidade de Alpin. Malcolm estava muito ocupado com as conspirações
políticas da Escócia. O caso era que seu amante tinha sua causa, e ela tinha a sua.
Não podia evitar lamentar a brevidade de seu noivado. Em outras circunstâncias,
poderiam ter desfrutado de um futuro feliz, mas aquilo não era mais que um
sonho estúpido, e pensar no que poderia ter sido só a faria sentir-se mais
desgraçada.
— Deixou seu coelhinho — disse Elanna.
— Sei. — Igual à outra vez que deixou a Escócia, Alpin partia com pouco
mais que a roupa que levava vestida.
Anos atrás, tinha deixado um zoológico de criaturas necessitadas aos
cuidados de lady Miriam. Mas desta vez Alpin deixava atrás seu coração.
Encontrou consolo ao pensar no filho que levava dentro. Com ele teria
uma parte de Malcolm a quem amar, uma pessoa diminuta a que alegraria e
compartilharia sua vida; uma verdadeira família que encheria de júbilo sua
velhice.

209
A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

— Irá nos buscar? — perguntou Elanna. Em seus olhos havia medo e


esperança de uma vez. Alpin conhecia muito bem aquelas emoções tão opostas.
— Não. Disse-lhe que se o fazesse nunca terminaria meu trabalho.
Também convidei ao Alexander e a sua tia para jantar esta noite para que lhe
fizessem companhia.
— É muito ardilosa, Alpin MacKay. Esperemos que os deuses da boa sorte
sigam conosco até que zarpe esse navio.
Se ele vinha em sua busca, estaria furioso, e Alpin não tinha nenhuma
vontade de sofrer sua ira mais desatada. Preferia ficar com a lembrança de seus
bons momentos juntos.
— Crê que Saladin virá a te buscar?
Elanna dobrou os braços sobre a mesa e contemplou o fogo.
— O muçulmano está enrolado a seus princípios. –Sorriu com alívio.
— Sente ter vindo?
— Não, nunca. Ele diz que é a vontade de seu Profeta. Eu acredito que os
deuses Ashanti respeitam a este Alá e me enviaram ante seu servo. — Lançou
um suspiro, movendo a cabeça. — O muçulmano é muito teimoso para saber o
que é bom para ele.
A porta se abriu. Alpin se virou bruscamente e viu um homem e uma
mulher vestidos com roupas de viagem entrar na estalagem. Os recém chegados
observaram a Elanna surpreendidos. Lutando contra o pânico, Alpin agarrou as
forjas que lhe serviam de mala. Tinha costurado a escritura da plantação Paraíso
no forro de sua capa; dobrou o objeto sobre o braço.
— Acredito que será melhor que subamos a nosso quarto até que seja a
hora de embarcar.
Acostumada aos torpes olhares da gente, Elanna recolheu tranqüilamente
o pequeno saco com seus pertences e algumas provisões para a viagem, e
abandonou a sala.
Alpin e ela trataram de dormir na estreita cama que compartilhavam.
Alpin despertou com o toque de uma corneta. Era o sinal de que a maré já
estava subindo. Deixaram a estalagem e se encaminharam para o navio sumidas
em um doloroso silêncio.
Acharam o Lydia Jane com a coberta salpicada de luzes e a tripulação
deslizando-se pelos arranjos como macacos no alto de uma figueira carregada de
frutos. Os passos de Alpin soaram ocos na passarela, lhe recordando o vazio que
sentia em seu interior. Um marinheiro desviou respeitosamente o olhar enquanto
lhe oferecia sua mão até a coberta. Advertiu como os outros homens a
observavam a ela e a sua estranha companheira, murmurando comentários de
estranheza e admiração.
O navio se balançava e as amarras rangiam. Na estreita escalerila que
levava aos camarotes, o ar era espesso e havia um forte aroma de lã úmida. Alpin
210
A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

sentiu como seu estômago se revolvia de novo, e respirou profundamente,


rezando para que as náuseas não a acompanhassem até Bridgetown.
Seu camarote era o terceiro à esquerda. A porta estava aberto, e a luz do
interior iluminava o corredor. Alpin cruzou a soleira e ficou paralisada. Ajeitado
no pequeno beliche, com os braços dobrados detrás da cabeça e as pernas
cruzadas, descansava Malcolm Kerr.
O coração de Alpin foi catapultado até sua garganta. Elanna chocou contra
ela e murmurou umas palavras que ressonaram como rangentes sementes de
mostarda e troncos cavados.
Malcolm atravessou a Elanna com um olhar endiabrado e assinalou com a
cabeça para o corredor. Ela se aferrou ao braço de Alpin e atirou dela, mas as
pernas de Alpin se cambaleavam como árvores jovens sob um vendaval, e seus
pés ficaram cravados ao chão oscilante. Alpin indicou a Elanna com a mão que
partisse.
— O que está fazendo aqui, Malcolm? — Ele não moveu nenhuma pestana.
—Como me encontraste?
Um amável e atraente olhar foi toda sua resposta.
A cólera parecia a melhor defesa para Alpin, que tinha ficado sem
argumentos sólidos.
— Você só me quer por ser a neta de quem sou.
— Se por acaso não o recorda, minha querida esposa –replicou Malcolm
arrastando as palavras — eu me uni a você antes de que John Gordon pusesse a
vista em cima.
Se acreditava, não tinha escapatória, mas não o fez.
Reunindo até a última gota de energia, Alpin levantou o queixo e lhe olhou
airadamente.
— Acredito que você já sabia desde o começo que eu era parente de
Comyn MacKay. Estava desesperado por se aliar com ele, por isso se intrometeu
em minha vida e se assegurou de que não tivesse outro lugar aonde ir exceto
Kildalton.
— De verdade acredita em toda essa estupidez?
Nunca tinha pensado nisso até esse momento. Estava muito absorta com
sua gravides e muito preocupada com a gente de Paraíso. Mas agora, ao recordar
o entusiasmo que Malcolm tinha demonstrado ao lhe anunciar que era a neta de
Comyn MacKay, aquela hipótese cobrou sentido. Provavelmente fazia anos que
Malcolm sabia. Alpin se sentiu utilizada e manipulada, e tudo em nome do amor.
Tinha-lhe mentido.
— Acredito absolutamente — respondeu Alpin -. Deu procuração de
Paraíso e me trouxe aqui de forma fraudulenta.
— Por que ia dar procuração da plantação? Para lhe devolver depois?

211
A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

— Para mim o funcionamento de sua desagradável mente é todo um


mistério.
— Asseguro-te, Alpin — murmurou com tom ameaçador -, que ainda não
aprendeste o verdadeiro significado da palavra «desagradável».
Ele podia tratar de assustá-la, mas nunca conseguiria que se acovardasse.
— O que fará, me pegar?
— A lei confere ao marido esse direito, entre outros.
— Como quais? Me encerrar em uma masmorra? Me arrancar o cabelo?
— Estiveste lendo as leis. — Baixou as pernas do beliche e se sentou,
aferrando-se com os dedos as bordas do colchão. Tinha os largos ombros em
tensão. —Que garota tão aplicada.
— Não importa quantas leis tenha de sua parte. Não te tenho medo. Não
pode me reter aqui para curar seu orgulho ferido.
— Não pretendo te reter aqui. Sairá deste navio voluntariamente. Montará
no cavalo que está esperando no mole e retornará a Kildalton para cumprir sua
parte do trato.
Alpin pensou que as paredes foram desmoronar-se sobre ela.
— Não farei nada disso.
Malcolm estava tão furioso que tinha o aspecto de um soldado endurecido
pela guerra. O que tinha sido do Malcolm risonho e brincalhão, o Malcolm que
lhe tinha declarado seu amor?, perguntou-se Alpin. Por desgraça, ela conhecia a
resposta. Não era mais que uma mutreta para conseguir o que queria: um laço
com um clã importante. Com os anos se converteu em um maquinador egoísta
que destruía a vida de outras pessoas para conseguir seus próprios objetivos; seu
nascimento lhe tinha dado poder, mas em lugar de utilizá-lo para o bem da gente
que dependia dele, empregava-o para destruir a qualquer um que se interpor em
seu caminho.
— Sai você ou te levo eu. Você escolhe.
— Por que faz isto? Em realidade você não me quer.
— Eu gostaria de ter a oportunidade de te demonstrar o muito que te
quero, mas por desgraça tenho muitas colheitas que recolher, e o capitão
MacMarcil tem que aproveitar a maré.
Seu tom era tão frio e educado como se estivesse declinando um convite
para jantar com um aborrecido conhecido. Ela também poderia mostrar-se
glacial.
— Suponho que conhece o capitão.
Malcolm sorriu sem vontade e assinalou a porta com a mão.
— Você primeiro. Quero estar em casa antes de que amanheça.
Alpin lhe olhou airadamente e Malcolm sei encolheu de ombros.

212
A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

— Não duvide de que estou disposto a te levar no colo, Alpin. Se chegar o


caso, insisto em que chie e esperneie. Eu adoraria que estes homens zarpassem
com uma boa fofoca que contar.
Como sempre, Alpin não tinha outra alternativa que obedecer a um
homem. Muito zangada para falar, deu meia volta e passou por diante da
Elanna, que estava esperando fora. Ao avançar pela passarela, divisou ao Saladin
e a quatro cavalos perto do mole. A seu lado havia um enorme sabujo. O cão
devia ter guiado Malcolm até ela.
A saída do sol lhes deu a bem-vinda a Kildalton. Malcolm ajudou Alpin a
descer do cavalo. Ela tentou conter um bocejo, mas não pôde.
— Vá-te à cama, Alpin. Precisa descansar.
— O que vai fazer você? — perguntou Alpin, segura de que ele estava tão
exausto como ela.
— Escolher a um homem dos que estão trabalhando no campo para que
vigie aos cavalos. Se partir outra vez, Alpin, terá que fazê-lo a pé. — Olhou ao
horizonte cheio de nuvens. Alpin pôde ver uma sombra de vulnerabilidade em
seus olhos, mas em seguida tinha desaparecido — Logo retornarei aos campos e
rezarei para que a tormenta passe de comprimento.
Muito cansada e afligida para discutir, Alpin deu meia volta e se dirigiu ao
castelo, jurando a cada passo que a próxima vez se embarcaria em um porto
maior, como o de Tynemouth ou South Shields. Inclusive iria até o Southampton
se fosse necessário.
Sua oportunidade chegou à manhã seguinte, quando os homens
retornaram esgotados dos campos.
De pé junto à Elanna na coberta de um navio mercante a ponto de zarpar
do porto de Tynemouth, Alpin escutou o fragor de uns cavaleiros que se
aproximavam. Dois membros do clã com tochas apareceram ante sua vista.
Diante deles trotava o sabujo de lady Miriam, e atrás deles cavalgava um
endurecido Malcolm Kerr. Saladin e Alexander, cada um guiando a um cavalo
sem cavaleiro, fechavam a marcha.
Alpin estremeceu de frustração. Esta vez ele nem sequer desmontou.
Permaneceu sentado sobre seu semental branco com o aspecto de um rei cuja
palavra é a lei. Alpin podia sentir sua cólera, embora sua própria raiva competia
com a dele.
O capitão do navio se apressou pela passarela ao encontro de Malcolm,
que lhe falou sem apartar a vista de Alpin. O capitão retornou e disse:
— Moça, será melhor que volte com seu marido.
— Mas, senhor, reservei uma passagem.
Ele lhe devolveu o dinheiro.
—Vai-te. Não há lugar para ti nem para essa mulher africana em meu
navio nem em nenhum outro que zarpe deste porto.
213
A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

Odiando a si mesmo por recorrer a semelhante estratagema, Alpin juntou


as mãos e advertiu:
— Mas me pegará.
O capitão soltou uma gargalhada.
— O Chefe do clã Kerr tem que defender-se das mulheres, não ao
contrário.
Durante todo o caminho de volta a casa, Alpin contemplou as costas de
Malcolm, amaldiçoando a si mesmo por ser tão estúpida. Elanna e ela tinham
escapado pela porta falsa e tinham caminhado até o povo de Weber's Glen. Ali
tinham tomado emprestados uns cavalos.
Mas o cão de caça tinha guiado ao Malcolm até elas uma vez mais. Quando
planejasse sua seguinte escapada, Alpin teria em conta seus enganos.
Aquele mesmo dia, um mensageiro chegou com uma carta de lady Miriam
para seu enteado. Alpin deu ao homem dois peniques e logo se encerrou no
escritótio. Levantou brandamente o selo e leu a mensagem: «Encomende a sua boa
estrela e guarda todos os objetos quebráveis. Volto logo.» .
A mão de Alpin tremeu. Aquela confusa mensagem não tinha sentido,
exceto as últimas palavras. Lady Miriam voltaria logo. Alpin tinha que partir.
Alguém bateu na porta. Alpin selou de novo a missiva e a pôs junto ao resto do
correio de Malcolm. Logo abriu o ferrolho. Elanna estava de pé na soleira. Uma
vez dentro, disse:
— Eu sou o motivo pelo que sempre te encontra.
Elanna era parte do problema. Uma africana em Escócia ressaltava como
um chinês em Barbados. Mas Alpin não deixaria para trás a sua amiga, e tinham
que apressar-se. Disfarçar-se parecia a solução mais lógica. Isso, e distrair a
atenção do sabujo de algum modo.
— Tem-no feito outra vez, senhor.
Como se tivesse bebido muito uísque, Malcolm se sentiu embriagado por
uma irada resolução que nublou seus sentidos.
Assegurou as rédeas e saltou do carro cheio de feno. O assobio das foices
cessou, e os camponeses e membros do clã elevaram o olhar. Os pacientes corvos
se precipitaram em sua descida para festejar um banquete.
Malcolm olhava ao Alexander mas em lugar de ver o soldado via suas
próprias mãos apertando o pescoço de sua obstinada noiva. Malcolm tirou as
luvas.
— Fechou a porta falsa?
— Sim, senhor. Também pus um vigilante mais nos estábulos.
— Então como diabos conseguiu escapar?
— Levava calças e um chapéu. Disse ao guarda que ia tirar o cavalo tordo a
dar um passeio. Como estava sozinha e parecia um menino, o vigilante não viu
nada estranho nisso.
214
A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

— Foi-se sem a Elanna?


— Não, senhor. A africana se foi meia hora mais tarde pela porta oeste.
Disse que ia recolher comida para o mouro.
— Saladin está fiscalizando a ceifa do feno em Sweeper's Heath. Envia ao
Rabby para lhe buscar.
— Sim, senhor.
— Onde está Redundant?
Alexander cravou um olhar de pesar na boina de Malcolm.
— No Farley Green, crusando com a cadela de Wiley.
Embora pudesse lhes separar, o nariz do animal não serviria de nada
nestes momentos.
— Merda!
— Será uma preciosa ninhada de cachorrinhos, meu senhor.
Malcolm lançou ao soldado um áspero olhar, e Alexander sorriu
fracamente.
—Traremo-la de volta.
Esgotado e doído, Malcolm riu amargamente ante a astúcia de Alpin. Ao
juntar ao Redundant com uma cadela no cio, tinha-lhe arrebatado seu meio mais
seguro para encontrá-la.
Vinte anos atrás, Alpin tinha vivido em Kildalton durante semanas sem
que ninguém se desse conta. Ninguém conhecia melhor que ela os passadiços e
as saídas do castelo. Agora Malcolm teria que tirar uma equipe de homens dos
campos e pô-los a vigiar as portas e os arredores.
Não conhecia o verdadeiro motivo da fuga de Alpin, mas suspeitava que
era o orgulho. O tinha desejado ardentemente falar da perigosa situação que
vivia a Escócia e lhe comunicar seu medo ante a guerra que os ameaçava, mas
não podia confiar em uma mulher que menosprezava a política escocesa e a que
não parecia preocupar-se se os campos eram colhidos ou não. Malcolm não
confiava nem sequer em si mesmo ante a presença da mulher a que amava, a
mulher a que tinha enganado em um princípio para que fosse a Escócia. Não
podia abandonar a colheita para passar os dias bancando a ser seu carcereiro.
Como chefe do clã, seu dever estava junto a sua gente.
Agora Comyn MacKay se pôs em caminho para encontrar à ovelha
perdida de seu rebanho. A mensagem de lady Miriam era muito claro. Malcolm
se estremeceu ao pensar o que faria aquele chefe de clã das terras altas se
chegasse a Kildalton ansioso por ver sua neta perdida e se inteirava de que
Malcolm a tinha deixado partir.
Tinha que retê-la, mas não por interesses políticos. Queria-a para ele, e
pelo amor que sentia e que não podia evitar. Uma vez frustrada a conspiração
jacobita, Malcolm desvendaria sua alma ante ela.

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A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

Mas primeiro teria que a trazer de volta, e não duvidava de que o faria,
pois ele tinha demonstrado ser mais preparado que sua ardilosa esposa. Tinha
dado ordens ao ferreiro para que fizesse uns entalhes nas ferraduras dos cavalos
de Kildalton. Se ela se arrumava para escapar em uma das montarias, Malcolm
poderia seguir com grande facilidade seu inconfundível rastro.
Como pisadas sobre a neve, os rastros dos cascos levaram ao Malcolm
inequivocamente até os moles de South Shields. De uma colina observou o porto
natural que os romanos tinham descoberto mais de mil e quinhentos anos atrás.
Não ficava nenhum sinal visível de sua presença, mas qualquer explorador
laborioso podia cavar por debaixo dos montículos de terra e descobrir as
ferramentas e os restos de uma civilização de engenheiros e construtores.
Malcolm guiou seus arreios colina abaixo. Encontrou os cavalos em um
campo perto do orfanato. Logo se dirigiu ao mole.
—Tem a uma mulher negra entre seus passageiros? — perguntou a um
capitão atrás de outro.
— Não, senhor — era a resposta que encontrava.
Uma olhada à lista de passageiros lhe deu uma idéia.
— Esta viúva, leva véu?
— Sim, senhor. É muito correta, e estou seguro de que a pobre dama está
muito afligida. Não me há dito mais que três palavras, e muito estranhas.
— Sim?
— Perguntei-lhe se queria que lhe levássemos a comida a seu camarote, e
me respondeu « É claro que sim!». Eu diria que é galesa. Têm um acento muito
estranho por ali.
Felicitando-se, e agradecendo o lapsus da Elanna, Malcolm voltou a
agarrar a sua noiva e a depositou nas escadas de Kildalton.
— As portas estão fechadas, Alpin, e dobrei o guarda nos arredores do
castelo. Não pode escapar.
— Espera e verá — replicou ela lhe dirigindo um falso sorriso.
Seu seguinte ardil foi inclusive mais engenhoso, e a segunda viagem de
Malcolm ao Tynemouth extremamente divertido, se tivesse podido esquecer o
fato de que sua esposa lhe tinha abandonado uma vez mais.
— Me fale desse leproso mascarado e da irmã de caridade — pediu-lhe ao
primeiro piloto de um bergantín com destino ao Calais.
— Chegaram em uma carreta, meu senhor. Logo que vi esse pobre
desgraçado nem à freira que vai com ele.
— Uma freira na Escócia? É muito estranho. Levava hábito?
— Pois agora que o diz, era um pouco estranho. Parecia mais o hábito de
um monge, embora a irmã não está nada mal. Imagine a uma irmãnzinha da
caridade com uns olhos como pedras preciosas de cor violeta.

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A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

Dez minutos mais tarde, quando a tirava do navio, Malcolm pensou que
seus preciosos olhos eram afiadas adagas.
— Não poderá escapar, Alpin. Da-te por vencida. Dois dias depois,
quando a apanhou pela segunda vez em Whitley Bay, seu senso de humor se
desvaneceu.
— Como pudeste colocar a Elanna em um ataúde?
— Preferiria ver-te a ti nele — espetou Alpin.
— Estávamos falando da Elanna.
— Foi idéia dela. Assegurou-me que estaria bem, ia deixar sair logo que
zarpássemos.
A paciência de Malcolm se esgotou. Tirou Alpin do navio a rastros e não se
dirigiu para o cavalo castrado cinza, a não ser para seu semental. Sem nenhuma
cerimônia, lançou-a sobre a cadeira e montou detrás dela.
— Deixe ir, canalha!
Fazendo caso omisso, Malcolm lhe deu uma palmada nas costas e pôs em
marcha ao cavalo. Saladin e os outros ficaram no mole. O mouro utilizou sua
cimitarra para arrancar freneticamente os pregos do ataúde que continha à
mulher que amava.
— Se não me deixa descer deste cavalo — gritou Alpin — arrependerá-te.
Malcolm já estava arrependido; sentia profundamente haver-se
apaixonado por aquela mulher, e odiava a si mesmo por não ser capaz de deixá-
la partir.
— Malcolm, pelo amor de Deus! Para! Estou grávida!

Capítulo 19

A escura caverna em que Malcolm estava sumido se abriu a uma luz nova
em que se desenhava uma palavra: «grávida». Estirou as rédeas e sacudiu a
cabeça. O cavalo se deteve.
Sentiu renascer a esperança varrendo as sombras de sua alma. Por fim ia
ser pai.
Alpin era virgem antes de que ele a amasse, disso não lhe cabia a menor
duvida. Assim que sua madrasta tinha estado no certo: ele podia engendrar
filhos. Alpin lhe daria um bebê. Malcolm desmontou e pôs Alpin no chão.
— Maldito canalha! -exclamou Alpin, ficando-as mãos sobre o ventre com
gesto protetor — Se perder este filho, a culpa cairá sobre sua cabeça. Oh, Deus!
por que não me deixa partir?
— Partir, aonde?
— A Barbados, a meu lar.

217
A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

Malcolm voltou para a crua realidade, e lhe gelaram até os ossos.


Compreendeu o motivo que havia detrás da fuga de Alpin e não pôde deixar de
perguntar:
— Quem é o afortunado pai?
Estupefata, Alpin lhe observou andar de um lado a outro. Se não a tivesse
dirigido como a um saco de aveia, o medo a um aborto não a teria obrigado a lhe
revelar seu estado.
— O que disse?
A brisa do oceano despenteou ao Malcolm, que olhou de esguelha contra o
vento.
— Perguntei-te quem é o homem ao que devo felicitar.
Malcolm parecia tão tranqüilo que Alpin desejou lhe dar uma bofetada em
seu rosto resignado.
— O que quer dizer? -perguntou indignada — Você é o pai.
— Duvido-o.
Encolerizada, Alpin se aproximou.
— Bom! Não foi uma concepção imaculada precisamente!
Malcolm baixou a vista mas não pareceu vê-la.
— É obvio que não. Quem é ele, Alpin? Rabby, ou um dos outros homens
da guarda noturno? Derrubava-te entre os lençóis em lugar de tirar as das
camas?
Alpin notou como lhe fraquejavam as pernas e caiu ao chão. Ao cair pôde
ver os joelhos nus de Malcolm e o bordo de sua saia escocesa. Já a tinha ferido
antes com suas falsas palavras de amor, mas esta última crueldade era ainda
pior.
— Sei que está zangado porque tentei te deixar de novo, mas não pode me
chamar adultera porque seu orgulho esteja ferido.
— Posso, e o farei.
Saladin, Alexander e os outros se uniram a eles.
Elanna não parecia afetada por sua crueldade. Malcolm saltou sobre sua
cadeira de montar e tomou as rédeas, fazendo que o cavalo ficasse a duas patas.
Alpin se precipitou para ele.
— Malcolm, espera!
— Ajuda-a a montar, Alexander — gritou por cima de seu ombro — E
tome o tempo que necessite para chegar a casa.
Malcolm se afastou, deixando uma nuvem de pó ante eles. Doída pela
cruel acusação de Malcolm e decidida a voltar para o navio, Alpin chamou o
Saladin. O mouro não podia apartar seus olhos nem sua atenção da Elanna.
— Como te encontra? -perguntou-lhe.
— Mau, muito mal-respondeu Elanna pondo muito má cara — Acredito
que seria melhor que montasse contigo.
218
A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

Saladin a olhou airadamente.


— Seria melhor que te desse uma surra.
Com um movimento descaradamente sedutor, Elanna deslizou os dedos
por seu ombro e seu pescoço.
— Seria capaz de marcar esta pele, muçulmano? Você gosta desta pele,
recorda? Diz que tem sabor de ambrósia.
Aceso o olhar de Saladin seguiu a rota de sua mão. Logo jogou a cabeça
para trás e observou uma nuvem que passava.
— Alexander -disse finalmente-, as acompanhe a casa.
Então também desapareceu apressadamente pelo caminho. Alpin olhou
ansiosa para o porto.
— Não pense nisso — aconselhou-lhe Alexander — O capitão não a
deixará subir a bordo.
Para quando chegaram a Kildalton, Alpin tinha amaldiçoado e lhe tinha
dirigido a Malcolm Kerr todos os insultos que lhe tinham ocorrido. Também
tinha idealizado um novo método para escapar. Elanna e ela reservariam uma
passagem em Tynemouth e logo cruzariam o rio Tyne até o porto de South
Shields, onde fariam outra reserva. Enquanto seu marido a estivesse esperando
na primeira cidade, ela estaria embarcando na segunda. O plano era tão simples
que se amaldiçoou por não havê-lo pensado antes. Desta vez seria mais esperta
que aquele que se fazia chamar seu marido.
Malcolm a estava esperando em seus aposentos. De pé frente à biblioteca,
apenas lhe dirigiu um olhar, mas a repugnância em seus olhos fez que Alpin
sentisse de novo vontade de chorar.
Sem deixar de pensar em como defender-se, Alpin soltou a capa e as
alforjas e lavou a cara na bacia. O quarto parecia carente de vida; não tinha nada
que ver com o lugar onde se amaram, rido, e recordado o passado. Era verdade
que tinham jazido nus na ampla cama depois de fazer amor, falando sobre as
colheitas de grãos e planejando um futuro para os irmãos Fraser? — perguntou-
se assombrada.
Agora Malcolm a odiava. Paraíso pertencia a ela legalmente. Por fim
poderia lhe contar por que devia retornar a Barbados.
— Poderia me dizer o nome de seu amante.
Alpin agarrou uma toalha de um puxão e desprezou a idéia de lhe abrir
seu coração.
— E você poderia ir ao inferno.
— Vamos, Alpin. — Agarrou um livro da fileira perfeitamente ordenada e
observou a encadernação. O contraste com suas grandes mãos diminuía o tomo
— Descobrirei-o cedo ou tarde.
— Muito bem. — Quando Malcolm levantou o olhar com interesse, Alpin
acrescentou. — Estava acostumado a lhe chamar mucoso.
219
A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

Malcolm lhe dirigiu um sorriso apagado, carente de humor.


—Tendo em conta os disfarces que usaste ultimamente, esperava uma
maior originalidade por sua parte. Não acreditará que pretendo lhe fazer dano.
Justo ao contrário.
— Por que teria que acreditar no que diz?
Os olhos do Malcolm se acenderam com violência.
Lançando o livro ao outro lado do quarto, gritou:
— Porque ele pode engendrar filhos e eu não. Por tua culpa!
Desconcertada, Alpin contemplou como o exemplar da história da nobreza
inglesa de Thomas Fuller se estrelava contra a chaminé e caía ao chão, arrastando
atrás dele uma antiga vasilha romana. Alpin se aferrou à toalha úmida.
— É o mais ridículo que já ouvi você dizer. Não pode te negar a aceitar este
filho só porque sua mãe te odeia.
Malcolm se dirigiu para Alpin com o rosto rígido de raiva e olhos
ameaçadores.
— Me despreze se quiser, Alpin. Me chame de corno — disse agarrando-a
pelos ombros— mas me diga o nome desse bastardo.
Alpin se manteve firme, como se ignorasse que com um só movimento de
mão podia lhe amassar os ossos. Considerou tratar de raciocinar com ele, mas
seu orgulho não o permitia.
— Você é um idiota com o cérebro de um mosquito, embora não mereça
ser pai!
A cólera de Malcolm se desfez como manteiga ao sol.
—Oh, demônios! -Soltou Alpin e se deixou cair em uma cadeira. Eu não
sou o pai de seu filho, Alpin. Você destruiu minha semente, assim não espere lhe
dar o nome de Kerr a esse bastardo que leva no ventre, se é que essa era sua
intenção.
Mais confundida que nunca, Alpin procurou em sua cara algum sinal de
loucura.
— Destruir sua semente? De que diabos está falando?
— Refiro-me à diabrura que fez faz anos com um pote de vespas. Meus
pais mantiveram em segredo as terríveis conseqüências. Só Saladin sabe. -Seu
marido revelava sua resignação ante o fracasso — Nunca engendrei um filho,
nem sequer em mulheres comprovadamente férteis, e me acredite que o tentei.
Alpin não sabia se ria dele ou lhe dava um murro na mandíbula. Por fim
saía à luz o enigma de por que se misturou em sua vida. Alpin compreendeu o
que se escondia atrás de suas palavras de amor e seu falso afeto. Tudo eram
mentiras. Tudo tinha sido por vingança. Seu matrimônio tinha dado um fruto,
mas a Alpin já não importava se acreditava ou não.
— Por isso convenceu ao Charles para que te desse a plantação, e por isso
me trouxe aqui.
220
A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

— Sua capacidade dedutiva não conhece limites.


A perversidade daquele plano feriu mais Alpin que o sarcasmo de
Malcolm. Durante sua infância tinha sido desprezada por adultos que não
podiam ou não queriam ver além de suas maneiras ruins. Como mulher, tinha
sido humilhada por plantadores insensíveis que se negavam a liberar uma raça
de gente indefesa. Nesse instante todo aquilo lhe pareceu insignificante
comparado com a maldade que tinha demonstrado Malcolm Kerr, o homem a
quem amava. Malcolm tinha tomado sua decisão fazia muitos anos e tinha
intervindo na vida de Alpin seguindo um plano fríamente esboçado.
— Me diga uma coisa, Malcolm — disse Alpin entre soluços.
Já não lhe importava que Malcolm a visse chorar — Quando teve lugar seu
alarmante descobrimento?
Ele levantou o olhar mas voltou a desviar.
— Que importância tem isso agora?
— Foi aos quinze anos, quando a leiteira não ficou grávida?
— Nunca me aproveitei de uma criada.
Alpin deixou acontecer aquela mentira manifesta. Nem sequer recordava
que a própria Alpin era sua governanta.
— Levaram-lhe seus pais a Londres, onde encontrou a uma dependenta
complacente que morria por seus cuidados?
— Já basta, Alpin.
— Ou tinha vinte e um anos e estava de viagem quando decidiu que uma
menina de seis anos tinha arruinado sua vida?
Todo o interesse de Malcolm parecia concentrado nas cortinas.
— Não acredito que um histórico de minhas aventuras amorosas prove
nada.
— Não? — Alpin pensou em todas essas mulheres com os olhos brilhantes,
ansiosas por conseguir o amor de um homem tão atraente e bem situado como
Malcolm Kerr. Preocupou-se Malcolm por alguma delas?
Sim lhe importavam, pois conhecia muito bem a dor que conduzia o estar
a mercê dos homens. Ela conhecia melhor que ninguém o sofrimento pelo amor
de Malcolm Kerr.
— Quantos corações rompeu para provar sua teoria?
— Sei o que está pensando, Alpin, mas está equivocada. Nunca tratei mal a
uma mulher.
— Até agora.
Soou o corno que assinalava a chegada de um visitante.
Provavelmente seria lady Miriam. A má sorte de Alpin se confirmava.
Malcolm arranhou com os dedos o braço da cadeira.
— Sei que não me acreditará, mas rechacei a idéia de um matrimônio
dinástico ao saber que tal dinastia não teria descendência.
221
A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

Alpin riu para evitar os soluços.


— Que nobre de sua parte reservar a mim seus enganos.
— Estava furioso.
— E também ansioso. Desejava este falso matrimônio porque pensava que
não sairia nada dele. O que esperava fazer comigo quando não concebesse um
filho? Iria me dar cinqüenta libras e a me mandar fora daqui?
Quando seu olhar se encontrou com o dele, Alpin viu arrependimento e
resignação. Em um tom muito razoável, Malcolm disse:
— A noite que dormimos no escritório ia lhe dizer mas você não me
deixou. Estava muito impaciente por que te cedesse a plantação Paraíso. Seu
amante se reunirá ali contigo?
— Maldito seja! Eu era virgem.
— Sim, foi-o, não o nego. Inclusive te agradeci por me entregar sua
inocência. Quanto tempo demorou depois em conseguir um amante?
Desesperada Alpin se lembrou da esponja que a última amante de
Malcolm tinha deixado esquecida. Rosina não queria um filho dele. Alpin teria
sentido pena pelo Malcolm se ele não tivesse sido tão cruel com ela. Alpin tirou
uma garrafa do armário e a lançou aos pés do Malcolm. O cristal se fez
pedacinhos e a água de rosas perfumou o ar. A esponja patinou até deter-se no
bordo do tapete.
— Não posso explicar por que suas outras mulheres nunca ficaram
grávidas, mas Rosina não o fez graças a isto. Eu não estive com nenhum homem
mais que você. Pelo amor de Deus, Malcolm, nem sequer me tinham beijado
antes.
Alpin agarrou sua capa e saiu da quarto com o coração feito pedaços.
Malcolm a escutou partir, mas não podia apartar os olhos daquele dispositivo
anticoncepcional. Debatia-se entre a esperança e a amargura. Não havia leiteiras
em seu passado; Malcolm não era da classe de filho que desonrava a uma
servente na casa de seus pais. Tampouco havia dependentas, pois não era o tipo
de jovem que se aproveita de uma moça inocente. Sempre tinha eleito mulheres
experimentadas, mulheres que já tinham tido filhos. Inclusive tinha chegado até
o ponto de desprezar a idéia de conceber.
Tratava-se de mulheres com experiência, mulheres que ganharam o
sustento lhe agradando. Acaso com sua obsessão de que não podia engendrar
um filho, tinha permitido que se tomassem a licença de evitá-lo?
A certeza de sua esterilidade se fez pedaços como a garrafa e a lembrança
de Alpin, com a cara banhada em lágrimas e seus preciosos olhos cheios de dor,
fez-lhe estremecer.
Nesse momento, Malcolm acreditou. Ela havia dito a verdade.
Amaldiçoando-se, ficou em pé e deu uma patada à esponja, que foi parar
ao outro lado da quarto. Tinha arrojado acusações como adagas, comportou-se
222
A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

como um estúpido, mas isso já tinha terminado. Iria a ela e a obrigaria a lhe
escutar. Alpin ainda sentia algo por ele, disso estava seguro.
Malcolm chorou de alegria. Lhe daria um filho, uma preciosa menina a que
poderia lançar pelos ares e mimar quanto quisesse, ou um menino que poderia
instruir, convertendo-o em um homem admirável. Fosse qual fosse o sexo de seu
filho, este seria o resultado do amor que Alpin e ele tinham compartilhado. Um
amor que compartilhariam de novo.
Malcolm lhe faria a corte. Embora levasse o resto de sua vida, conquistaria
de novo o afeto de Alpin. E começaria agora mesmo.
Malcolm saiu precipitadamente do quarto e correu escada abaixo. Ouviu
vozes no salão menor e se aproximou aí, deteve-se na soleira da porta,
completamente pasmado ao ver sua noiva conversando animadamente com o
irmão gêmeo do Saladin.
Se Saladin tinha sido bento com os ritos de seu pai mouro, sir Salvador
Cortez tinha herdado o cabelo negro e liso e a pele azeitonada de sua mãe
espanhola. Inclusive na forma de vestir se viam suas diferenças.
Salvador preferia um traje moderno; levava uma elegante jaqueta e calças
de veludo verde na moda, uma camisa branca engomada, e botas até o joelho.
Mas sua maior diferencia residia em seus pontos de vista e suas práticas
em relação ao belo sexo. Enquanto Saladin tinha jurado castidade até o
matrimônio, Salvador praticava a popular arte da sedução.
Malcolm pensou que Salvador estava praticando essa arte naquele preciso
instante por que se não tinha pego as mãos de Alpin, produzindo rubor em suas
bochechas?
Um sentimento de posse se apoderou de Malcolm.
Ao entrar no quarto, perguntou:
— Interrompo algo?
Alpin ficou sem respiração e saltou para trás como se se queimasse. O
sempre afável sir Salvador se virou com suavidade para Malcolm.
— Tão somente um feliz reencontro, senhor — disse com uma inclinação.
— Se me desculparem... — Olhando ao chão, Alpin tomou o caminho mais
comprido para a porta. Malcolm lhe fechou a frente.
— Veio a família contigo? — perguntou a Salvador
— Não. -Seu olhar se apagou — vim com uma mensagem para lady
Miriam, mas Alpin me há dito que não está aqui.
As esperanças que Malcolm tinha albergado de uma rápida reconciliação
com Alpin se desvaneceram, pois se Salvador tinha vindo sozinho procurando a
sua madrasta, com toda segurança se motravam problemas.
— Me espere no escritório, Salvador.
Arqueando as sobrancelhas com expressão interrogante, Salvador assentiu
e abandonou o quarto. Malcolm fechou a porta e Alpin lhe deu as costas.
223
A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

— Não tenho nada que falar com você — declarou.


Afligido pela difícil tarefa de ganhar seu perdão, Malcolm assegurou:
— Sei, mas eu tenho muito que te dizer.
Alpin se ergueu, como se estivesse escorando suas defesas. Malcolm
desejava abraçá-la, mas sabia que era muito cedo, ficou a observar as mechas de
cabelo encaracolado que caíam sobre a nuca de Alpin e a pensar em quão
delicada era. Embora fosse pequena, pensou, sua esposa possuía a fortaleza e a
coragem de um gladiador. Intimidado ante a idéia de conquistá-la, Malcolm
falou com o coração na mão.
— Sinto todas as coisas horríveis que te disse.
— Estou segura. Não seria melhor que fosses ver o que quer Salvador?
Malcolm tinha que romper aquela carapaça de indiferença.
— Prefiro ouvir o que quer você.
A mão de Alpin acariciou o trono da família.
— Quero ir para casa, a Barbados.
Malcolm faria o que fosse para que o castelo de Kildalton fosse sua casa.
— E levaria a meu filho?
Alpin se voltou para ele com justa cólera.
— É meu filho. Criaria-lhe na rua antes de permitir que o utilize para seus
interesses políticos ou arruíne sua vida.
Alpin se mostrava extremamente orgulhosa e desafiante, e Malcolm a
amava mais que nunca. Teve que apertar os punhos para reprimir o desejo de
acariciá-la.
— Como arruinei a sua?
— Superestima-se. Sou capaz de dirigir minha própria vida e cuidar de
meu filho.
Com o tempo, Malcolm reavivaria a chama de seu afeto, mas com Salvador
ali e a metade da colheita ainda por recolher, perguntava-se quando teria tempo
para começar sua luta pelo coração de Alpin.
— Os dois cuidaremos de nosso filho, e o faremos aqui, Alpin.
— Obrigaria-me a ficar embora se aborreça? — perguntou com medo.
— Uma vez me amou. Se nos der uma oportunidade, poderíamos ter um
matrimônio feliz.
— Não quero formar parte de sua dinastia escocesa. Agora me deixe
passar. Tenho trabalho a fazer.
Por desgraça Malcolm também tinha muito trabalho, e sentia a
responsabilidade como um grande peso sobre sua alma.
— Que trabalho?
— Os soldados estarão famintos, e estou segura de que Salvador gostaria
de ter lençóis na cama.

224
A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

Malcolm sentiu uma fresta de esperança. Parecia que Alpin se preocupava


com ele, por que outro motivo se não estaria tão ansiosa por reatar seu trabalho?
—Até mais tarde, então.
Antes de reunir-se com Salvador, Malcolm procurou a Alexander e lhe
disse:
—Traz para todos os homens dos que possa prescindir nos campos e
ponha a fazer guarda nas saídas. Faça com que inspecionem as carretas antes
que abandonem o castelo.
— Sim, senhor, mas que desculpa devo pôr para o registro?
— Lhes diga que o coelho de Alpin se perdeu.
— Não voltará a escapar, senhor.
De pé junto as ventarolas do solário do piso de acima, Alpin podia ver
claramente a seu marido. Marido. Aquela palavra a acendeu de novo. Uniu-se a
um homem obstinado e egoísta capaz de dizer ou fazer algo para salvar seu
orgulho escocês. O que estaria dizendo ao Alexander? Alpin abriu a janela, mas
estavam muito longe e havia muito ruído no pátio do castelo para que pudesse
ouvir uma palavra.
Como se não tivesse nenhuma preocupação na vida, Malcolm retornou de
novo ao castelo. Com crescente temor, Alpin viu o Alexander entrar nos
barracões.
Quando saiu, seguiam-lhe uma dúzia de homens. Ordenou algo a gritos e
oito deles se dispersaram em casais. Os quatro restantes se dirigiram para as
portas principais.
Alpin permaneceu ali um momento mais. Para seu desespero, os soldados
começaram a registrar cada carro e carreta que saía de Kildalton. Imaginou que
haveria guardiães em todas as saídas.
Já que a fuga parecia impossível, precisava encontrar um estímulo. Com a
esperança de consegui-lo, entrou no túnel através do armário de sua quarto e se
dirigiu pelas escuras escadas até o corredor que havia junto ao escritório de
Malcolm. Ao aproximar-se desde outra direção, não tinha por que preocupar-se
com o sino. Pegando-se à porta, ouviu-lhe dizer a Salvador:
— Você o que crê ?
Ouviu-se um ranger de papéis.
— Acredito que meu pai leva muito tempo casado com uma diplomática e
se está contagiando. Escreve de um modo tão delicioso como o dela.
— Onde está lady Miriam? — perguntou Salvador.
—Tratando de dissuadir ao John Gordon de que se vá ao estrangeiro.
Alpin se estremeceu ao recordar a aquele rude homem das terras altas e a
forma em que a tinha examinado para proclamar que era a neta de Comyn
MacKay.
— Então tem feito uma viagem inútil — disse Salvador.
225
A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

— O que quer dizer?


— Segue lendo, meu amigo. Está tudo na carta de seu pai.
Depois de um breve silêncio, Malcolm exclamou:
— Por todos os Santos! De verdade quer vir a Escócia?
John Gordon vivia em Escócia, assim não podiam estar falando dele. Alpin
se perguntou a quem se refeririam.
— Queria, mas seu pai falou com o seu e este fez mudar de ideia ao moço.
Agora mesmo quer ir ao Aix -I-chapelle.
— Por que quer ir ali? — inquiriu Malcolm.
— Quem sabe como funciona sua mente? Por isso precisamente lady
Miriam deve retornar comigo. Lorde Duncan acredita que ela terá mais sorte se
tratar de o dissuadir.
Alpin não sabia absolutamente de quem estavam falando, mas era óbvio
que aquele homem e suas viagens eram uma fonte de grande preocupação.
— Agora que já entreguei minha feliz mensagem...
Malcolm riu, mas sua risada continha mais dor que bom humor.
— Vai me contar — continuou Salvador — por que sua antiga tortura,
Alpin MacKay, retornou a Escócia?
— Minha tortura? Esqueceste a vez que te rompeu as costelas?
Salvador resmungou.
— Não, mas tinha merecido seu castigo. Falei com barão da zorra ferida
que Alpin tinha encontrado. Ele a obrigou a olhar enquanto matava ao animal e
pendurava sua pele na porta do estábulo.
Alpin também o recordava. Vomitou durante dias, mas ao menos tinha
salvado às crias.
— Esse bastardo! — espetou Malcolm.
— Mudou muito — declarou Salvador — Agora adora aos meninos.
— Sim. Ainda segue na Irlanda com seu último neto, meu deus! Foi muito
cruel com Alpin.
— Falando dela, o que estava fazendo aqui contigo?
— Vivemos juntos e ela está esperando nosso primeiro filho.
— Como?
Alpin não podia escutar mais, dirigiu-se à cozinha, onde encontrou a
Doura fazendo manteiga. Depois de lhe dar instruções à faxineira para que
acrescentasse outro frango ao guisado e preparasse um quarto a Salvador, Alpin
perguntou:
— Onde está Elanna?
— Foi a Sweeper's Heath a levar a comida ao Saladin.
«Pobre Saladin », pensou Alpin. Seus problemas amorosos eram quase tão
terríveis como os dela.

226
A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

O corno voltou a soar, advertindo a chegada de outro visitante. Certa que


esta vez seria lady Miriam.
Alpin precisava estar sozinha e se encaminhou às cavalariças, onde deu de
comer e de beber aos pássaros. Logo se sentou na banqueta de três pernas e se
arreganhou duramente por haver dito ao Malcolm que esperava um filho dele.
«Se nos der uma oportunidade» havia dito Malcolm, «poderíamos ter um
matrimônio feliz». Entretanto, isso era um sonho impossível, pois ela já se
comprometeu com Paraíso, e ali a aguardava a batalha mais dura.
A coruja apareceu esticou a cabeça e Alpin lhe deu uma parte de carne.
Tratou de imaginar ao Malcolm escapando das responsabilidades de seu reino
para dar de comer aos pássaros, mas aquela idéia lhe pareceu equivocada. Como
ia um homem egoísta e maquinador encontrar refúgio naquele lugar escuro e
cheio de paz? E como podia ela o querer tanto?
Amaldiçoou a Malcolm Kerr por havê-la retido ali tanto tempo,
destroçando sua vida e se amaldiçoou por não querer lhe deixar.
Os cernícalos se agitaram ao advertir um alvoroço no exterior. Contra sua
vontade, Apin deixou as cavalariças. Protegendo os olhos do sol, dirigiu-se de
novo ao castelo.
Duas dúzias de soldados se reuniram junto às portas principais, e todos os
homens das alamedas olhavam para o caminho do norte. Uma grande espera
flutuava no ar.
Por que causaria a chegada de lady Miriam tanto alvoroço? E se não era
ela, quem podia ser? Alpin pensou no jantar e se perguntou se haveria suficiente
comida para todos.
De repente se deteve. Não era seu castelo, e não tinha por que preocupar-
se tanto. Para que Malcolm voltasse a confiar nela levaria a cabo seus deveres e
se encarregaria dos problemas domésticos à medida que fossem surgindo.
Mas não fazia falta que fizesse nada mais.
Justo ao chegar às escadas a porta se abriu. Por ela saiu Rabby e atrás dele
um Malcolm com o sobrecenho franzido. Levava posta sua boina e seu sabre.
Quando a viu, baixou correndo as escadas.
— Agora mesmo ia te buscar. Algo ia mau. Estircando o pescoço, Alpin
olhou para cima.
— Por que vai armado?
Malcolm se virou para Rabby.
—Vá a Sweeper's Heath e traz o Saladin contigo.
Quando o soldado se afastou, Malcolm agarrou Alpin pelo braço.
— Levo a espada porque pode ser que a necessite. Vêem comigo. Temos
convidados.
Alpin ficou cravada em seu lugar.
—Você tem convidados, não eu. Eu só trabalho para ti.
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A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

— Alpin — grunhiu Malcolm, lhe apertando o braço — este visitante tem


muito que ver contigo.
Alpin escutou o retumbar de uns cavalos que se aproximavam por detrás
dela.
— Não me importa nada nem ninguém na Escócia.
Malcolm olhou por cima dela.
— Nem sequer Comyn MacKay?

Capítulo 20

Em fila de quatro, os cavaleiros procedentes das terras altas cruzaram as


portas de Kildalton. Um sol radiante de primeira hora da tarde se refletia em
suas espadas e escudos. À cabeça daquele mar de soldados vestidos a quadros
negros e verdes, montava o chefe do clã. Só ele levava três plumas de águia na
boina, mas aquela ornamentação era desnecessária; Comyn MacKay gotejava
poder por todos os poros.
Alpin tremeu interiormente, pois uma vez mais tinha ante si a outro
homem que se acreditava com direito interferir em seu destino. Primeiro seu tio,
que a tinha arrancado das garras da pobreza e logo a desterrou por ser uma
menina molesta. Depois Charles quem, carente de vontade e com o coração
destroçado, tinha-a deixado à deriva, a mercê de um adversário ainda mais
perigoso. Mas o crime de seu amante tinha sido o maior de todos pois tinha
alterado o curso de sua vida e o processo lhe tinha roubado o coração Se sentia
feita em pedaços, aterrorizada e sozinha. Malcolm pôs um braço ao redor de seus
ombros e a aproximou dele.
— Em que quarto podemos lhe acomodar?
Aquela pergunta a fez voltar para a realidade. Alpin se encontrava ante
outra das encruzilhadas da vida, e ao Malcolm só lhe ocorria discutir sobre o
alojamento de seus hóspedes. Tremendamente furiosa, Alpin inclinou a cabeça
para trás até que seus olhos se encontraram.
— Por isso a mim respeita, pode lhe colocar nos estábulos.
Malcolm apertou Alpin docemente contra seu peito.
— Ele é só um homem que procura a sua neta. Mas eu sou o homem que a
encontrou.
Por fim ele tinha conseguido que esquecesse a incerteza, fazendo que
pensasse de novo na vida diária. Alpin achou consolo na resposta de Malcolm e
lhe amou um pouco mais por isso.
— Acredito que lhe darei a suíte contigüa a do Saladin.
— É uma escolha perfeita — disse Malcolm lhe piscando os olhos —
Acredito que, como dizem, temos quebrados para todos os descosturados.
A espada de Malcolm fez um ruído metálico.
228
A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

— Não lhe tem medo?


Malcolm olhou fixamente para as portas do castelo.
— Não, porque espero que você se ocupe dele. É seu exército o que me
preocupa.
Alpin se virou para os visitantes e calculou que já tinham cruzado a
entrada quase cinqüenta soldados. Ao olhar ao chefe do clã, surpreendeu-se ao
descobrir um par de olhos muito familiares.
Comyn MacKay desmontou e se encaminhou para eles entre um repicar de
esporas e um balançar de braços, com um passo tão rápido e ligeiro como o de
um homem muito mais jovem. Ao advertir que aquele homem a examinava com
uma intensidade tão grande como a sua, Alpin ficou a tremer violentamente.
Comparado com o Malcolm não era um homem alto, mas era esbelto,
elegante e tinha um porte muito digno. Levava o tartán do mesmo modo que
Malcolm, com a banda por cima e assegurada com um broche de prata em forma
de uma mão que sustentava uma adaga ereta. Sua bolsa escocesa estava feita com
a pele de um estupendo tejon costurada com intrincados pontos e bonitas borlas
douradas.
Ao tirar a boina, deixou a descoberto uma juba de cabelo branco e
encaracolado, embora tanto suas sobrancelhas como sua espessa barba ainda
estavam salpicadas de mechas vermelha escura. Seguindo o costume das terras
altas, luzia estreitas tranças nas têmporas.
Deteve-se a um metro de Alpin. Seus olhos, do mesmo tom que os dela, se
entrecerraram, umedecidos pelas lágrimas.
— Sabe quem sou, pequena?
Todas suas dúvidas fugiram como soldados covardes ante o sinal de
batalha. Não podia evitar que seus lábios tremessem ao dizer:
— Sim.
Com os braços totalmente abertos, Comyn riu entre dentes e disse:
— Então se aparte deste tipo das terras baixas e dê um abraço a seu avô.
Seu afeto parecia sólido e quando Malcolm a empurrou brandamente,
Alpin se aproximou dele de boa vontade.
Comyn MacKay a apertou contra seu peito com força. Cheirava como o
bosque ao entardecer.
— Minha pequena – suspirou - estiveste separada do rebanho durante
muito tempo.
Naquele instante todos os sonhos de sua infância se fizeram realidade. Os
MacKay a queriam. Nenhum horrível defeito em seu caráter tinha feito com que
a abandonassem. O destino a tinha levado até o barão Sinclair, e ele a tinha
separado da família de seu pai ao enviá-la a Barbados.
Malcolm esclareceu voz.
— Por que não continuamos com nossa reunião lá dentro?
229
A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

Comyn manteve Alpin por uns instantes a certa distância mas sem soltar
sua mão e logo voltou a aproximar. Ela olhou ao Malcolm, que sacudiu a cabeça,
observando repetidamente a ela e ao homem que a abraçava.
— Meu deus! –exclamou — São todo um par dos MacKays. Ela é de sua
família, Comyn. Não há quem pode negá-lo.
— Tão seguro quanto o rei é um Hannover –replicou Comyn com desdém.
—Espero que o sangue alemão do muito canalha ferva quando se inteirar de que
tomaste a uma de minhas garotas das terras altas como esposa.
Uma vez mais a política escocesa se misturava na vida de Alpin. Ao casar-
se com ela, Malcolm zangaria ao rei inglês, pois pareceria que estava com aquele
chefe das terras altas: o avô de Alpin.
Comyn se separou de sua neta.
— Vejo que ainda não terminaste com a colheita — Comentou ao Malcolm.
— Não, tivemos umas quantas interrupções por culpa de sua neta —
explicou, lançando a Alpin um olhar muito expressivo.
— Não há dúvida de que é dos meus. É a viva imagem de minha mãe. —
Comyn lhe deu uma palmada nas costas de Malcolm — Chama o capataz. Meus
soldados podem dirigir uma foice tão bem como qualquer um.
— Obrigado, senhor -Malcolm sorriu — Não nos viriam mal uns braços
extra. -Chamou o Alexander.
Quando este se aproximou, Malcolm e Comyn deixaram Alpin e se
aproximaram dos recém chegados. O MacKay escolheu a um de seus soldados,
certamente seu próprio homem de confiança, e se fizeram as apresentações.
Esquecida no momento, Alpin observou aquela camaradagem masculina e
pensou que Barbados nunca lhe tinha parecido tão longínquo. Sentia nostalgia de
seus amigos e de sua vida estável e ordenada, e ao mesmo tempo se sentia
atraída para o avô que a tinha estreitado entre seus braços e lhe tinha falado de
sua mãe. Para cúmulo dos males se apaixonou por um homem que a utilizava
como um trampolim para o poder.
Agora enfrentava a intimidante tarefa de alojar e alimentar não somente
aos soldados de Kildalton mas também aos homens de Comyn MacKay. Alpin
subiu as escadas e entrou na cozinha. Doura estava desossando cerejas, mas
pelas manchas que se viam em sua boca, Alpin deduziu que tinha comido umas
quantas.
—Vai ao açougueiro, lhe diga que necessitamos vitela suficiente para o
jantar de cem homens.
Doura se queixou, consternada.
— E o que vamos fazer de verdura?
—Traz todas as ervilhas e o que encontre no mercado, peça a sua mãe e ao
Nell que lhe ajudem a lavá-los e a cozinhá-los, diga ao padeiro que necessitamos

230
A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

montanhas de pão, leve todas as cerejas à senhora Kimberley para que faça bolos.
Quando Elanna voltar, te ajudará.
Alpin se girou para partir mas então se lembrou do alojamento.
— Que Emily e sua irmã venham e preparem todas as habitações de
convidados.
— Sim, senhora. Mas e a comida para amanhã?
Alpin se sentiu desfalecer uma vez mais ao pensar em sua fuga. Se era o
suficientemente preparada, utilizaria a chegada dos MacKay para cobri-la.
Enquanto Malcolm dormisse, Elanna e ela se iriam a caminho a Tynemouth. Por
um lado Comyn a atraía, mas por outro se sentia desleal por volta de Bumpa
Sam e os outros homens amáveis que durante anos tinham desempenhado o
papel de avô em sua vida. Sentia falta de sua bondade, o afeto que sempre tinha
recebido deles. A nenhum importaria quem era o pai de seu filho nem pensariam
nos benefícios que o menino poderia lhes trazer; se limitariam a adorá-lo.
Quando ela houvesse tornado, certamente.
Entretanto, se evitasse seus deveres em Kildalton agora, Malcolm podia
suspeitar e dobrar seus esforços para evitar sua fuga. Atormentada pela
indecisão, agarrou uma jarra de cerveja, reuniu alguns copos, e se dirigiu ao
salão pequeno. Salvador observava pela janela a atividade no pátio.
Alpin acabava de servir a bebida quando Comyn MacKay entrou
anunciando que o vigia tinha visto a carruagem de lady Miriam aproximando-se
pelo caminho de Aberdeen. Alpin perguntou se sua chegada significaria uma
bênção ou uma maldição.
«Bendita seja», pensou Malcolm enquanto a ajudava a sair da carruagem.
— Passeemos um pouco — pediu-lhe, guiando-a mais à frente do castelo,
para o jardim cercado. Lady Miriam lançou uma olhada a quantos soldados
havia no pátio.
—Vi a alguns trabalhadores nos campos perto de Otterburn. Levavam as
cores dos MacKay. Suponho que Comyn já chegou.
— Sim. Está lá dentro, mas pode esperar. — Falou-lhe da carta que
Salvador lhe tinha entregue — Pai persuadiu ao Jacob para que proíba a seu filho
de viajar a Escócia. Agora o príncipe Carlos quer ir ao Aquisgrán. O único sinal
de agitação em lady Miriam foi o vigor com que sacudiu o pó da saia de seu
vestido de veludo.
— Isso está muito perto de Hannover e também do rei Jorge.
Malcolm não tinha tido em conta a geografia.
— Se o rei se inteira de que um príncipe Eduardo se está metendo em sua
querida Alemanha…
— Enviará a seus rudes mercenários antes de que possa dizer «rei ao outro
lado do mar», e o Jovem Pretendente se encontrará consumindo-se na Torre.

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A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

Angustiado pelo medo, Malcolm fez um gesto afirmativo ao guarda que


havia junto à porta de madeira, enquanto conduzia a lady Miriam dentro do
jardim.
A tranqüilidade que produzia o barulho da fonte e o som das cotovias
contrastava com os tumultuosos acontecimentos do dia.
— Provavelmente Carlos só procure o martírio.
— Não. — Lady Miriam caminhou para a fonte e se sentou no banco —
Aquisgrán é um dos refúgios favoritos para escoceses e ingleses. Estou segura de
que pensa mesclar-se com eles para ganhar seu apoio, jurou recuperar a coroa
para seu pai. Esta viagem é só o primeiro passo de sua volta a Escócia.
Malcolm ainda sentia calafrios ao imaginar a um príncipe Eduardo em
chão escocês.
— Esperemos que ninguém em Londres se inteire das viagens do príncipe.
— Não podemos confiar na discrição de ninguém — assegurou lady
Miriam -. Walpole parece conhecer todos os movimentos dos Eduardo incluso
enquanto os estão fazendo, e as notícias viajam a grande velocidade entre
Londres e Hanover.
— Por isso meu pai quer que retorne com Salvador.
— Farei-o – confirmou — dentro de um ou dois dias. Que mais aconteceu?
Os problemas do reino se desvaneceram.
— Alpin está grávida.
—Oh, Malcolm! -exclamou lhe agarrando as mãos. Seus olhos azuis
brilhavam de alegria. —Estou tão contente pelos dois!
Malcolm pensou com amargura no pouco domínio que tinha sobre Alpin.
O medo de perdê-la queimava as vísceras como um carvão aceso. Falou com sua
madrasta dos intentos de Alpin para escapar.
Lady Miriam olhou as mãos atentamente.
— Está seguro de que está desgostosa porque acredita que só a quer para
um matrimônio dinástico?
Malcolm quase soltou uma gargalhada.
— Está mais que desgostosa, mãe. Está obcecada com a idéia de voltar para
Barbados.
— Não me surpreende. Que pessoa decente poderia observar impassível
como os escravos são maltratados?
— Ela te contou isso?
— Sim. Com todo detalhe. Não contou a você?
Alpin o tinha tentado mas ele tomou o assunto à ligeira.
— Eu não a escutei.
— Você? Não posso acreditá-lo. É um homem generoso, Malcolm
Suas palavras lhe remoeram a consciência.
— É parcial, mãe.
232
A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

— Acredito que podem arrumar as coisas entre vocês. Onde está o encanto
dos Kerr?
— Acredito que o joguei pela janela quando a acusei de me ser infiel, mas
não podia acreditar que o filho fosse meu. Deveria escutado a você. — Então lhe
falou da esponjinha contraceptiva que Rosina tinha deixado esquecida.
Lady Miriam fechou os olhos com força e esfregou as têmporas. Malcolm
observou seus flexíveis dedos e pensou nas vezes que tinha colocado as mãoes
para ver se tinha febre ou lhe tinha dado afetuosos tapinhas na bochecha. Ela
tinha sido muito mais que uma mãe para ele; lady Miriam era uma amiga em que
podia confiar e a quem adorava.
— Bom. -levantou-se e se virou para a saída do jardim — O que pensa
fazer?
Malcolm não achou nenhuma experiência em seu passado para lhe ajudar
a cumprir a missão que tinha ante ele. Entretanto, o instinto lhe dizia que a
sinceridade devia ser o primeiro passo.
— Às vezes me pergunto como foi sua vida e que tipo de amigos teve. Tão
somente desejo que me fale mais dos anos que passou em Barbados. É uma
mulher apaixonada e excitante.
— Estou segura de que o é, tendo em conta que meu neto está a caminho.
Timidamente, acrescentou:
— Estou encantada. Seu pai se emocionará quando se inteirar.
Pensando bem, Malcolm descobriu que não se esforçou o suficiente para
ser amigo de Alpin MacKay, preocupou-se mais pelo aspecto físico de sua
relação; provavelmente tinha chegado o momento de seduzir sua mente.
— Esse olhar em seus olhos não pressagia nada bom — insinuou lady
Miriam.
Mas então Malcolm recordou que tinha o castelo cheio de convidados e
uns campos por colher.
— O amor terá que esperar.
— Tolices. Sua felicidade afeta a todo mundo, e desde que querer a Alpin,
até a senhorita Lindsay e todas essas bruxas do mercado. O que há mais
importante que a felicidade?
— Nada — respondeu Malcolm consciente de que tinha razão.
Sua madrasta contemplou o castelo com olhar ausente.
— Antes pensava que não havia lugar para mim aqui. Seu pai estava
solidamente instalado em seu papel de conde e formava parte destas terras. Eu
não podia me imaginar vivendo aqui, pois tinha passado a vida na corte da
rainha Ana ou viajando em seu nome. Ao final, a presença daquela mulher na
fronteira tinha acabado por melhorar a vida de todos.
— Meu pai fez com que mudasse de idéia.
Lady Miriam riu.
233
A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

— Com a ajuda do Senhor da Fronteira.


Só umas quantas pessoas sabiam que o pai de Malcolm se disfarçou
daquele legendário herói.
— Estou muito contente de que o fizesse, mãe, e desejaria ser tão
romântico como ele.
— Oh, mas você o é, Malcolm. É um homem amável e generoso, e não te
dá medo mostrar seus sentimentos. Só recorda que ninguém te jogará na cara o
tempo que demore para ganhar o amor de sua esposa. As pessoas de Kildalton
esperam que tenha um matrimônio feliz; e em certo modo o deve.
Ela tinha razão.
— A harmonia começa em casa — disse Malcolm fazendo-se eco de um
dos dogmas de lady Miriam.
— Exatamente, e esta noite, enquanto você corteja a sua noiva, eu
conhecerei melhor a Comyn MacKay. Amanhã negociarei um dote digno de
Alpin.
Sua esposa havia se sentido terrivelmente orgulhosa ao possuir Paraíso.
Agora seria uma herdeira do clã MacKay, com toda a riqueza e a influência que
acompanhariam ao território do dote. A madrasta de Malcolm se encarregaria de
que fosse assim.
— Quando retorna a Itália? — perguntou Malcolm.
— Dentro de um par de dias, mas agora mesmo morro por um demorado
banho e uma sesta em minha própria cama. Estou farta de que os assuntos de
estado interfiram em minha vida.
Ele a compreendia perfeitamente.
Aquela tarde, no salão menor, reinavam a jovialidade. Sentada em uma
das mesas de banquete com seu marido a um lado e seu avô ao outro, Alpin
flutuava entre a culpabilidade e a euforia. Ao outro lado da mesa, lady Miriam
conversava com Saladin e Elanna.
Durante toda a tarde, Alpin tinha sido vítima de um dobro assalto.
Malcolm e sua madrasta lhe tinham arrojado uma contínua corrente de
perguntas sobre sua vida em Barbados.
Sua tática era tão transparente como os cristais das janelas: Malcolm estava
tratando de reparar sua ofensa por havê-la acusado de infidelidade e lady
Miriam lhe ajudava. E por que não fariam? Acreditava que Malcolm estava a
ponto de casar-se com uma rica herdeira cujos laços familiares uniriam a um clã
das terras altas.
Além Malcolm não deixava de tocar em Alpin. Quando não lhe agarrava a
mão, punha o braço ao redor de seus ombros ou brincava com os dedos sobre
sua coxa. Pequenos beijos, piscadas, e olhadas ardentes transbordantes de
promessas sensuais recalcavam cada uma de suas palavras. Durante horas

234
A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

Malcolm se prodigalizou em cuidados para com Alpin, que acabou por


abandonar seu aborrecimento.
— Acredito -sussurrou-lhe ao ouvido— que goste de algo doce.
Alpin reprimiu suas vontades de sorrir e se render ante ele.
— Ficou bolo na cozinha. Quer que te sirva um pouco mais?
— Muito grande. Eu estava pensando em um minúsculo bocado.
Alpin sentiu como lhe subiam as cores.
— Um confeito?
— Muito forte. Estou faminto de algo delicado que acalme meu paladar.
Os sorrisos de cumplicidade provenientes dos outros ocupantes da
habitação choveram sobre eles, aumentando a vergonha que Alpin sentia.
Entretanto, ele levava sobre ela toda a noite, lhe murmurando uma insinuação
atrás de outra.
— Uma colherada de mel?
—Oh! -sussurrou Malcolm-. Como guarnição? Sim, eu gostaria.
— É um indecente! — Alpin riu interiormente, temia que se Malcolm
continuasse pressionando-a perderia a compostura e riria bobamente como uma
menina apaixonada.
— Ainda não, querida, mas o tento.
— Me diga Elanna — perguntou lady Miriam — como se sente sendo uma
mulher negra livre em Barbados?
— Muito, muito bem, mas muito sozinha. — Elanna olhou Alpin com
carinho — Sou a única pessoa negra livre em Barbados, graças a minha senhora.
Alpin podia sentir o olhar de Malcolm. Lady Miriam se inclinou para ouvir
o comentário da boca de Alpin.
— Nenhuma pessoa tem o direito de possuir a outra.
— Brindo por isso. Saladin levantou sua jarra com suco de laranja.
Os copos de estanho chocaram uns com outros enquanto todo mundo se
unia ao tributo.
Comyn bebeu e logo observou Alpin.
— Proponho um brinde à saúde de John Gordon, por me haver reunido
com minha neta. — De novo soaram as taças. Logo acrescentou: — Pensava
encontrá-lo aqui.
Malcolm ficou em tensão.
— Como? — Lady Miriam parecia o retrato da serenidade feminina, com o
olhar firmemente cravado em Comyn. —Vai vir a Kildalton?
— Sim. Quando me avisou de que encontrara a Alpin aqui, disse-me que
se reuniria conosco a metade da semana. –Jogou uma olhada a Alpin. —
Provavelmente chegará amanhã e levará toda a glória por te haver encontrado.
Hoje era quinta-feira, assim John Gordon se atrasou, e se o pressentimento
de Alpin era correto, aquela informação não tinha causado nada bem a Malcolm
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A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

nem a sua madrasta. Comyn esvaziou sua jarra e a deixou sobre a mesa com um
golpe.
— São todas as mulheres da África tão formosas como você, senhorita
Elanna? -perguntou.
Ela ergueu, seu comprido pescoço e ficou muito direita. Seus olhos escuros
brilhavam com orgulho.
— É claro que sim!
Alpin não pôde evitar burlar-se dela.
— Inclusive as mulheres dos equafos comilões de mosquitos?
—Oh, sim! — interveio Saladin. —Nos diga o que pensa realmente sobre
essa gente que leva ossos nos narizes.
Elanna apertou os lábios e olhou ao teto. Por fim, e em um inglês perfeito,
declarou:
— Uma princesa Ashanti deve ser tolerante com as culturas mais
primitivas.
Só Alpin e Saladin riram.
— É uma princesa? — perguntou Comyn surpreso.
— É obvio que é uma princesa, e já pode fechar a boca, meu senhor —
advertiu-lhe lady Miriam. Logo se dirigiu a Alpin — Nos fale de sua educação na
ilha.
— Não seja tímida, Alpin — animou-a Malcolm – Conta.
Disposta a não estragar aquele ambiente jovial, Alpin explicou.
—Quando era pequena, dava-me aulas Adrienne. Logo tomamos a um
tutor que também exercia de administrador da plantação.
Mais tarde, quando Charles se afeiçoou à bebida, Henry Fenwick se
converteu na mão direita de Alpin. .
— Um inglês? -inquiriu Malcolm.
Henry era um homem muito reservado, daí que Alpin demorasse cinco
anos em descobrir por que se foi de Northampton. Por respeito e por costume,
ela era reservada em comentar os assuntos privados do administrador.
— Sim, era inglês — continuou agarrando a jarra — Alguém quer mais
cerveja?
Malcolm levantou seu copo. Enquanto Alpin o enchia de novo, ele se
aproximou dela.
— Não muito, querida -sussurrou-. Não quero danificar meu apetite ou
diminuir meu desejo por uma doce sobremesa.
Ao pensar em suas noites de amor, Alpin sentiu um calafrio muito familiar
percorrer seu corpo, entretanto, ainda tinha rancor para com Malcolm.
— Eu adoraria viver uns anos em Barbados — interveio lady Miriam -.
Tenho interesse por conhecer esse tipo que utiliza às escravas como cavalos.

236
A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

— Suspeito que você faria ver quão equivocados são suas maneiras —
comentou Saladin.
— Tentaria-o com todas as minhas forças, e agora que Alpin está instalada
em Kildalton, não faço muita falta aqui. O que diz, Alpin? Venderia-me a
plantação Paraíso?
Desconcertada, Alpin observou à madrasta de Malcolm para comprovar
que estava brincando. Sua proposta era a solução ao problema de ajudar os
escravos, mas se Alpin rompia seus laços com Barbados, não teria outro lugar
aonde ir. Um antigo temor se apoderou dela. Se concordava em vender Paraiso,
Malcolm a teria atada a Escócia e conseguiria seus fins políticos. Acaso não
tinham idealizado aquele plano ele e sua madrasta pelos mesmos motivos por
que mostravam tanto interesse por seu passado? Alpin respondeu com evasivas:
— Pode ser que o advogado já tenha feito entendimentos com um
comprador.
— Os negócios podem esperar -interrompeu Malcolm levantando-se e
oferecendo a mão a Alpin. —Odeio ter que abandonar uma companhia tão
agradável, assim levarei Alpin comigo. Boa noite a todos.
Enquanto se levantava do banco, Alpin se sentiu adulada por completo.
Provavelmente lhe tinha julgado muito duramente. Provavelmente Malcolm
merecia o benefício da dúvida. Logo, Alpin viu um homem de pé junto à porta
que levava aos túneis. Era um guarda. Outro dos homens de Malcolm estava
sentado em um dos bancos na entrada principal com o sabujo deitado no chão
junto a ele. Levantou o olhar para as escadas e viu um vigilante mais. Todos eles
estavam em seus postos desde a primeira hora da tarde, enquanto seus colegas
faziam guarda nas saídas do castelo. Mas o motivo não era que o castelo
estivesse cheio de convidados das terras altas. Os homens de Malcolm a tinham
seguido durante todo o dia, inclusive quando ia dar de comer ao coelho ou
entrava no banheiro. Aquela vigilância permanente lhe punha os nervos de
ponta, perguntou se os sentinelas do exterior estariam ainda de guarda.
— Espera aqui — Alpin se retirou — Volto em seguida.
— Aonde vai? -perguntou Malcolm tratando de alcançá-la.
«Ver se ainda me retém como prisioneira», quis responder Alpin, mas em lugar
disso seguiu a tática que tinha aprendido de Malcolm e respondeu com uma
piscada:
— Ouvi que ronda pelo castelo um monstro que gosta de muito os doces.
Os olhos do Malcolm se iluminaram.
— Vai dar de comer à besta?
— Se não o fizer, poderia me devorar — replicou fingindo um sorriso.
— Pode ser que o faça de todos os modos.
—Verei-te acima.
Malcolm lhe agarrou o queixo e se inclinou para ela.
237
A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

— Acenderei o fogo e prepararei a cama. — Logo lhe deu um beijo muito


prometedor
— Venha logo.
Na cozinha encontrou a Rabby Armstrong junto à porta traseira. Ao vê-la,
sorriu como pedindo perdão.
— Um jantar delicioso, senhora. Todos os MacKay o comentavam. Nós
lhes dissemos que não há dúvida de que nosso chefe soube escolher a esposa.
Alpin se encolheu de ombros sentindo-se traída pela lealdade de Rabby
para Malcolm. Ela tinha o mesmo direito à felicidade e à tranqüilidade de
espírito que Malcolm.
— Como está sua mãe? — perguntou para mudar de assunto e dissimular
seu rancor.
— Anda muito melhor desde que você trouxe esse cataplasma para o pé.
— Dê lembranças a ela, Rabby. -Serviu um pedaço de bolo e ficou com o
pote do mel sob o braço.
No vestíbulo, ofereceu o prato ao guarda. Com os olhos cravados no chão
pela vergonha, o soldado acariciou ao cão murmurando palavras de
agradecimento.
Alpin subiu as escadas e fez caso omisso do sentinela que permanecia fora
da quarto que compartilhava com Malcolm. Uma vez dentro, deteve-se. Com os
pés descalços e sorridente como um rei no dia de sua coroação, seu marido a
esperava convexo na cama. Ela também sorriu. Que mulher não o teria feito ante
a idéia de fazer o amor com um homem tão atraente e poderoso? Malcolm
dobrou um joelho, e a saia escocesa se enrugou sobre seu regaço. Entre as escuras
dobras do tecido, sua virilidade despertou. Alpin se aproximou até os pés da
cama com curiosidade, onde pôde desfrutar de uma clara visão de suas costas.
Tratou de controlar seus pensamentos luxuriosos, mas sua mente parecia
disposta a provocá-la com um prazer antecipado. Agarrou o pote de mel com
ambas as mãos. Nu e completamente excitado, Malcolm parecia cômodo com sua
masculinidade.
—Viu o que me tem feito? -perguntou.
Nem sequer a uma distância de cinqüenta passos poderia Alpin ter
deixado de perceber sua fogosidade.
— Mas se ainda não te fiz meio doido.
— Não, mas te ver acariciar esse pote de mel estimula minha imaginação e
me faz pensar em uns quantos jogos maliciosamente deliciosos que poderíamos
ensaiar, embora duvide que a noite seja o bastante longa para praticar todos.
Aquelas palavras lascivas pronunciadas em um tom tão sedutor fizeram
voar a fantasia da própria Alpin, que ao mesmo tempo não pôde deixar de
pensar nos interesses que Malcolm ocultava atrás de seu desejo.
— Encontra-me mais atraente agora que te uni com um clã das terras altas?
238
A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

— Esquece essa aliança, Alpin. Não tem nenhuma importância, e te


asseguro que as relações entre clãs nunca se interporão entre nós.
Oxalá isso fosse verdade, pensou Alpin, mas como sempre, Malcolm
estava falando de suas obrigações e esquecendo as dela. Alpin tinha uma
responsabilidade: seu próprio clã.
— Deixa a jarra um momento, Alpin.
Alpin se ajoelhou com cansaço e deixou o recipiente no chão. Quando se
levantou de novo, sentiu a mente leve, um estranho contraponto do intenso
desejo que a ameaçava.
— Tire a roupa -murmurou Malcolm.
Alpin desabotoou o sutiã com dedos trêmulos e torpes e observou como
Malcolm a olhava com brilhantes olhos de desejo. Um brilho de suor reluzia em
sua frente e em seu lábio superior e sua palpitante virilidade se movia ao
compasso do subir e descer dos seios feminino. Alpin conhecia bem aquele
ritmo, pois ressonava em seus mais íntimos rincões femininos. Inundada em um
oceano de promessas sensuais, Alpin escutou o som do corneteiro. A
concentração de Malcolm se cambaleou, mas só por um instante.
— Me mostre seus preciosos seios.
Com a boca alagada pelo desejo, Alpin tirou os braços das mangas de seu
vestido e deslizou os suspensórios de seu sutiã por cima de seus ombros.
Lentamente, baixou o objeto até sua cintura, deixando seu seios ao descoberto. A
respiração de Malcolm se voltou pesada ao tempo que os mamilos de Alpin
endureciam. Malcolm dobrou as mãos detrás da cabeça, estirou as pernas e
cruzou os tornozelos. Era uma postura que Alpin recordava muito bem, mas em
lugar de estar convexo em uma elegante cama, com a mente transbordante de
paixão, Malcolm se encontrava no estreito beliche de um navio, com o coração
cheio de raiva.
Alpin tremeu sentindo-se vulnerável. Malcolm levantou suas escuras
sobrancelhas.
— Não se detenha agora. Morro por ver-te e por sentir seu corpo junto ao
meu.
Apesar da sinceridade de sua petição, Alpin não podia esquecer o frio e
despótico comportamento de Malcolm nem sossegar o eco das iradas palavras
que a tinha dirigido.
— Senhor! — Alexander esmurrou a porta.
— Vai-te! -gritou Malcolm.
— Mas, senhor...!
— Te largue, Alexander!
Malcolm tendeu a mão a Alpin, mas os pés da jovem pareciam negar-se a
obedecer a seu cérebro. Amar a esse homem só conduzia angústia e problemas,
mas lhe deixar implicava solidão e dor. Pelo menos, consolava-se Alpin, poderia
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A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

curar suas feridas entre amigos em uma terra que conhecia muito bem. Alpin
assinalou com a cabeça para a porta.
— Poderia ser importante.
— Não -murmurou Malcolm-. Nada é mais importante que você.
Ante aquelas palavras Alpin se acalmou por fim e decidiu esquecer os
obstáculos que a separava do momento e aceitar a paixão que lhe oferecia. Estava
esperando um filho dele. Que mal podia fazer compartilhar outra noite de prazer
naquele acolhedor quarto? Perguntou-se.
— O que está acontecendo? -perguntou Malcolm.
«Que não estamos em um ninho de amor», quis responder Alpin. Aquele
quarto, aquele castelo, eram seu cárcere, e o pai de seu filho era seu zelador.
— Alpin -disse ele-. Asseguro-te que ninguém vai nos incomodar. — Com
um sorriso zombador, acrescentou: —Eu mando aqui, já sabe.
Malcolm podia dar ordens às pessoas, pensou Alpin, mas ela dominava
seu desejo. Dirigiu-lhe um descarado sorriso.
— Pensava que ainda não terminei de me despir para você.
O olhar de Malcolm deslizou lentamente desde sua cabeça até a ponta de
seus sapatos. Seu corpo voltou a pulsar com renovado vigor.
— Sou todo olhos, e você é uma tentadora perigosa.
— Malcolm, deve vir! -Era a voz de lady Miriam.
— Maldita seja! -exclamou seu enteado, fechando os olhos e apertando a
colcha de veludo entre os punhos.
Alpin observou como a evidência do desejo desaparecia do corpo de
Malcolm. Desanimada, colocou de novo os braços no vestido e o grampeou.
— Parece que esse «ninguém» chegou por fim.
Malcolm saltou da cama e a abraçou.
— Voltarei. Dou-te minha palavra.
— É obvio que o fará. — Lhe acreditou, mas se deu conta com amargura
que ela e seus interesses estariam sempre depois da política escocesa nos
pensamentos de Malcolm.
— Mantén a cama quente -disse, e a beijou profunda e possessivamente.
Logo colocou as botas, agarrou rapidamente sua bolsa e saiu pela porta.
Alpin ficou ali de pé pensando na tristeza de sua relação e perguntando-se sobre
a identidade dos recém chegados.
A curiosidade venceu. Ao abrir a porta, o guarda deu um passo atrás. Era
seu carcereiro. Furiosa, Alpin dirigiu ao solário do piso de acima e abriu as
cortinas.
A cena lá abaixo a deixou boquiaberta.

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A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

Capítulo 21

No escuro pátio, Alpin viu a Malcolm, lady Miriam, Saladin, Salvador e


Alexander dirigindo-se para as portas abertas. Os gêmeos levavam faróis. Mais à
frente do muro do castelo, dois cavaleiros com tochas galopavam para a entrada.
Os homens levavam boinas escocesas e os quadros próprios dos Gordon. Depois
deles cavalgava seu chefe de cabelo vermelho e meia dúzia mais de homens.
Alpin se fixou em um homem cujo cabelo loiro ondeava sob uma boina
elegantemente inclinada. Embora ia vestido como todos outros, parecia
desconjurado.
Ao voltar sua atenção para o grupo que ia receber lhes, Alpin se
surpreendeu quando viu como a ira de Malcolm se desatava sobre lady Miriam.
Inclinava-se sobre sua madrasta com o rosto tenso pela raiva e lhe gritava. O
cabelo vermelho da mulher resplandecia sob a luz do farol; lady Miriam olhava a
seu enteado com expressão suplicante enquanto o agarrava pelo braço para
conter sua evidente cólera. Justo quando as escolta do clã Gordon atravessaram a
grade e se aproximaram do castelo, soltou-o.
Alpin abriu a janela, mas o ruído dos cascos afogou as palavras de
Malcolm. Os visitantes desmontaram e Malcolm e seus companheiros se
adiantaram. Quando chegou até o tipo com a boina emplumada, Malcolm e
Alexander se inclinaram ante ele de um modo extranhamente formal. Lady
Miriam se precipitou até eles, agarrou a mão do jovem cavalheiro e o conduziu
até o castelo.
Mais desconcertada que nunca, Alpin correu para as escadas. Ouviu a
Lady Miriam falar em francês, mas seu tom era muito baixo para entender o que
dizia. Seguia-a um pisar de botas, e pela direção do som, Alpin soube que tinham
entrado no escritório de Malcolm. Enquanto voltava para seus aposentos, Alpin
viu sair a seu avô do dormitório e baixar as escadas apressadamente. O guarda
que havia junto à porta de Alpin não lhe emprestou nenhuma atenção.
Duplamente desgostosa, entrou no quarto e passou o ferrolho. Então correu o
painel que havia ao fundo do armário e se introduziu no túnel. Um ar frio e
rançoso roçou suas bochechas, e uma profunda escuridão se abateu sobre ela.
Seguindo o muro, com a mão, andou cuidadosamente pelo passadiço até as
escadas de caracol que conduziam ao primeiro piso. O vigilante que havia à
saída do túnel seguia ali.
Alpin retrocedeu sobre seus passos soltando uma maldição. Uma vez de
volta em sua quarto, ficou a andar acima e abaixo presa da agitação. Seu avô
havia dito que John Gordon estava a caminho. Então por que sua chegada tinha
afetado tanto ao Malcolm? Alpin não pensou nem por um momento que o mau
humor de seu marido provinha da interrupção de seus jogos amorosos.

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A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

Durante a seguinte hora, tentou desentranhar o mistério mas não


descobriu mais que as peças pulverizadas de um quebra-cabeças. Tinham
mencionado a traição em várias ocasiões, mas ela não sabia o suficiente sobre a
política escocesa para tirar uma conclusão.
Perguntando-se se Elanna estaria ainda acordada, Alpin abriu o ferrolho
da porta. O corredor estava vazio. Aonde tinha ido o guarda? Certamente ao
banheiro. Alpin bateu na porta de Elanna e esta se abriu imediatamente.
— O que está acontecendo? — perguntou a princesa Ashanti.
— Não sei. Acreditei que você saberia.
— O muçulmano não disse nada, exceto que voltaria. Maldita seja sua
alma!
A cólera de Elanna era motivo de risada entre os escravos de Paraíso;
asseguravam que perdia seu ar de rainha por completo. Alpin estava de acordo.
— O guarda se foi — informou Alpin.
Elanna saiu ao corredor e conduziu Alpin até as escadas.
— Não faça ruído! -sussurrou, baixando as escadas nas pontas dos pés.
A entrada também estava deserta. Alpin sentiu um estalo de emoção. Por
fim a fuga parecia possível. Uma parte dela lutava contra essa idéia e lhe rogava
que ficasse, entretanto, em seu interior podia ouvir as vozes da ilha suplicando
sua volta e lhe recordando os embustes de seu marido. Provavelmente voltaria a
fracassar em sua fuga, mas, tinha que tentá-lo.
— Vá à cozinha e olhe se Rabby segue fazendo guarda — sussurrou ao
ouvido de Elanna — Eu inspecionarei o salão menor.
—Voltaremos para casa? — perguntou Elanna esperançada.
— Provavelmente -replicou Alpin sentindo-se profundamente dividida.
Elanna a abraçou.
— Bumpa Sam e os outros lhe necessitam.
— Sei. Agora vamos depressa.
O casco de navio mercante o Brittany Bull se movia pesadamente na água,
com a maré saliente atirando dos cabos de amarração. Alpin e Elanna
permaneciam na coberta, perto da passarela, com seus nervosos olhares cravados
na estrada que levava ao vizinho porto de Tynemouth. Tinham-no deixado duas
horas antes, depois de reservar duas passagens em um navio com destino a
Calais.
Desta vez tinham escapado sem nenhuma dificuldade. A lua cheia cujo
reflexo brilhava agora tremendo sobre a superfície do mar, ajudou-as em sua
fuga.
Alpin sentia seu coração retumbar em seu peito, e notava como se as mãos
lhe pegassem cada vez mais ao corrimão. Em qualquer momento, alguém
soltaria as amarras e o navio zarparia aproveitando a maré.

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A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

Viria Malcolm a procurar por ela? Perguntou-se, com certeza que sim.
Uma vez mais, ofereceria-lhe seu coração e lhe perguntaria por que tentava lhe
abandonar. Mas desta vez quereria sabê-lo de verdade. Falaria de seu
compromisso com as pessoas de Paraíso. Malcolm a escutaria e compreenderia o
dilema que rasgava sua alma. Navegaria com ela até Barbados, no que seria sua
viagem de núpcias.
— O que é isso?
Para ouvir a voz de Elanna, Alpin olhou de novo para a estrada.
— Aí atrás, na água.
Alpin deu meia volta e viu como uma fragata entrava no porto muito perto
deles. Centenas de soldados elegantemente uniformizados enchiam a coberta.
Suas vozes chegavam do outro lado da água, mas Alpin não podia entender suas
palavras, pois falavam em uma língua estrangeira. Enquanto os escutava,
lembrou-se do sapateiro de Bridgetown que era alemão. Ansiosa por distrair-se,
cruzou a coberta para os ver mais de perto. A uns três metros, na coberta do
outro navio, havia um oficial que levava infinidade de medalhas e galões.
Desdobrou um mapa e o estendeu sobre um barril. A seu lado, um de seus
subordinados sustentava um farol. Estavam falando.
Então Alpin escutou como o homem dizia:
— Kil-dal-tom, aqui! -e assinalava o mapa com um dedo enluvado.
Por que iriam a Kildalton soldados alemães armados? Perguntou-se
perplexa e súbitamente assustada observou ao oficial dar ordens. Abriram as
portas da adega do navio e os cavalos foram conduzidos a terra firme.
Alpin não deixava de pensar que sua fuga tinha resultado muito fácil,
como se Malcolm quisesse que partisse. John Gordon tinha chegado a meia noite.
Malcolm se tinha zangado. Quem era o homem de chapéu com distintivo? Por
que não havia sentinelas nas alamedas? Por que tinham deixado os estábulos
desatendidos? Alpin tinha infinidade de perguntas sem resposta.
Alpin se sentiu atendida por uma angustiosa sensação de perigo.
—Voltamos para Kildalton.
—O que? -exclamou Elanna.
—Temos de retornar a Kildalton.
Agora que a cólera tinha passado e uma repugnância que roía suas
vísceras, Malcolm permanecia reclinado sobre sua cadeira e observava como sua
madrasta desdobrava suas manobras mágicas diplomáticas.
Carlos Eduardo Luis Felipe Silvestre Casimiro María, mais conhecido
como o Jovem Pretendente, mantinha uma expressão zangada não isenta de
graça, em uma das poltronas. Desde que lady Miriam tinha reduzido sua
hostilidade a um nada, John Gordon se limitava a rondar pelo quarto. Comyn
Mackay ainda bufava de cólera.
Por deferência ao príncipe, lady Miriam falava em francês.
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A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

— Estou segura de que compreenderá, Sua Alteza Real, que embora


esperada por muitos com impaciência, sua visita parece inoportuna para uma
importante minoria.
Aos quinze anos, o príncipe possuía uma singular maturidade. Seu olhar
calculador passava de Gordon ao MacKay para voltar até lady Miriam.
— Nas terras altas me apoiarão.
Comyn MacKay ficou em pé de um salto.
— Pendurarão-lhe antes que chegue ali. Como se atreve a vir a Escócia
acompanhado só de John Gordon e uma dúzia de seus homens?
O príncipe sorriu.
— Mas você trouxe cinqüenta de seus soldados para me escoltar.
— Eu não fiz tal coisa. Vim aqui para conhecer minha neta. -Lançou um
olhar feroz ao Gordon. —E me arrependo de me haver deixado coagir e de ter
utilizado a jovem para seus propósitos.
O jovem Malcolm se sentiu doente de solidão mas o saber que ao menos
ela estava a salvo, longe dos problemas que ameaçavam Kildalton mitigou sua
dor.
— Agora, cavalheiros -concluiu lady Miriam-, já solucionamos este
assunto. Se não me equivocar, Comyn, aceitou a desculpa de John e ao mesmo
tempo lhe ensinou algo a respeito de valorizar às mulheres.
O avô de Alpin acessou a sentar-se de novo, mas seguiu mostrando seu
desgosto para seu camarada das terras altas. Rígido pelo desprezo e o
ressentimento, recordava a sua neta vivamente. A melancolia invadiu uma vez
mais o coração de Malcolm e enquanto lady Miriam convencia ao príncipe
Estuardo de que a volta a Itália redundaria em seu próprio benefício, Malcolm se
amaldiçoava e desejava com todo seu coração ter outra oportunidade de
recuperar a sua noiva. Tinha jurado lhe oferecer sua amizade, mas no instante
em que se encontraram a sós, as boas intenções tinham sucumbido ante a atração
sexual. Deixá-la partir tinha sido o mais duro que tinha feito em sua vida. Mas
Alpin estava a salvo, pensou Malcolm uma vez mais com consolo.
A porta se abriu de repente, e o objeto dos pensamentos de Malcolm
irrompeu no quarto. Todas as olhares se voltaram para ela, e Malcolm saltou de
sua cadeira.
— Malcolm! — Quase sem fôlego, com as bochechas rosadas pelo frio ar da
noite, Alpin correu a seu lado — Os soldados vêm para cá. Soldados alemães.
Vieram em navio, a South Shields.
— Quem é esta mulher? — perguntou o príncipe.
— É minha esposa — respondeu Malcolm.
— E minha neta — declarou Comyn MacKay.
Malcolm agarrou as mãos de Alpin. Estavam frias como o gelo, e ele as
esfregou entre as suas.
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A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

—Recupera o fôlego, querida. Mãe, traga algo para beber.


Enquanto os homens murmuravam, lady Miriam serviu Alpin uma taça de
brandy.
—Toma, Alpin.
Ela bebeu, mas só um sorvo. Aferrando-se à taça e ainda ofegante, disse:
— Por que vêm soldados alemães? — Examinou aos homens do quarto —
O que têm feito?
Gordon blasfemou, e o príncipe ficou em tensão.
— Vocês sabiam que não sairia nada bom disto –recordou Comyn.
— Há uma explicação perfeitamente clara –assegurou lady Miriam.
—Oh, sim! — corroborou Comyn — vieram pelo jovem príncipe, e levarão
nossas cabeças como lembrança.
— O príncipe? — Alpin franziu o senho — Que príncipe?
— Apresento ao Carlos Eduardo — disse Malcolm. Logo, em francês,
acrescentou: —Senhor, esta é minha esposa, Alpin MacKay.
— Nos fale desses soldados — pediu o príncipe.
Para grande surpresa de todos, Alpin respondeu em francês.
— A verdade é que não sei muito, Sua Majestade. Têm um mapa, mas
acredito que não sabem exatamente aonde se dirigem. Suponho que ainda estão
a várias horas do caminho.
Carlos abriu de par em par os olhos deixando ver de repente o moço de
quinze anos que era em realidade.
— O que vou fazer? — perguntou Malcolm.
O conde de Kildalton não tinha intenção de enfrentar aos soldados do rei.
Provavelmente no futuro estalasse a guerra para pôr no trono a um Eduardo,
mas ainda não tinha chegado o dia. Os clãs ainda lutavam entre eles, e enquanto
não se unificassem qualquer intento de destronar aos Hanover seria inútil.
Malcolm se dirigiu à porta e chamou a Alexander. Explicou-lhe a situação.
— Envia a um grupo de cavaleiros ao caminho de South Shields. Quero
saber exatamente onde estão esses alemães em cada momento.
— Sim, senhor. — Alexander girou sobre si mesmo e partiu.
Malcolm voltou a entrar em seu escritório e fechou a porta.
— Deve retornar a Itália — disse.
O príncipe Carlos assentiu.
— Mas como?
Lady Miriam se situou entre os dois.
— É muito fácil lhe reconhecer, inclusive com a vestimenta do clã Gordon.
— Poderia disfarçar-se — atravessou Alpin.
Malcolm a rodeou com seus braços e agradeceu em silencio ao caprichoso
príncipe por havê-la devolvido a seu lado.
— Como grande perita em disfarces, o que lhe aconselha?
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A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

Alpin se ruborizou e lhe lançou um olhar que prometia mais discussão, o


qual agradou a Malcolm. Logo examinou ao príncipe. .
— Devemos ser ardilosos e o tirar daqui o quanto antes possível. Que tal
um dos trajes da senhora Elliott?
O príncipe soltou uma gargalhada.
— Não posso viajar vestido de mulher.
— Sim que pode -afirmou lady Miriam com um sorriso -. É a forma mais
segura. -girou-se para o Gordon -. John, vá aos estábulos e deixe que preparem
minha carruagem.
— Quando teve partido, lady Miriam se dirigiu de novo ao príncipe-:
Venha comigo, Sua Alteza Real.
—Mãe — disse Malcolm pensando no que diria seu pai desse plano -. É
muito perigoso. Deixa que Gordon lhe acompanhe.
— Não se preocupe. Estive em situações mais perigosas.
Provavelmente era verdade, mas Malcolm não podia presenciar como
arriscava sua vida.
— Eu irei com ele.
— Não — disse lady Miriam — Salvador e eu íamos retornar a Itália de
todas formas, e conheço Whitley Bay e a suas gente. Qualquer pescador dali nos
levaria com agrado.
— De todas as formas, nunca ganhei uma discussão contigo — resmungou
Malcolm, consciente de que ela tinha razão.
— Assim é como deveria ser entre mãe e filho. Malcolm a contemplou
enquanto conduzia ao príncipe Eduardo fora do quarto. Comyn levou as mãos
aos quadris.
— Eu gostaria de saber o que fazia você em South Shields, pequena.
Alpin ficou paralisada.
— Ia para casa em Barbados.
— Barbados? -exclamou com desconcerto-. Logo vai casar de verdade, e
disse que iria vender essa plantação.
Malcolm notou como ela se escapulia, mas se sentiu no dever de defendê-
la, embora isso significasse perdê-la.
— Acredito que era feliz ali antes me intrometer em sua vida e a obrigasse
a representar o papel de minha esposa.
— Obrigou-a? — A barba de Comyn tremeu.
— Deixem já de gritar por cima de minha cabeça. — Alpin se retirou a um
lado.
Malcolm se preparou para a cena mais angustiosa de sua vida. Quando os
olhos de Alpin se encontraram com os seus, viu neles tortura e fortaleza.
— Fui feliz ali -admitiu Alpin tranqüilamente, embora tinha os punhos
apertados. —Levava uma vida agradável com pessoas que me queriam e
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A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

dependiam de mim. Prometi os libertar, Malcolm, e o farei, aconteça o que


acontecer.
Então, pensou Malcolm, a força que a guiava não era outra que sua
lealdade às pessoas de Paraíso. E ele não tinha sabido vê-lo. Agora devia repará-
lo.
— Perdoa-nos Comyn? — O avô de Alpin tocou o ombro de sua neta-.
Aqui também lhe queremos, menina. Eu estarei de seu lado aconteça o que
acontecer.
Alpin lhe dedicou um sorriso vacilante.
— Obrigada, avô.
Comyn olhou ao Malcolm com dureza e logo abandonou o quarto.
— Desta vez me deixou partir, verdade? –inquiriu Alpin.
— Sim, mas não queria fazê-lo.
— Então por que o fez?
— Porque te amo.
Alpin ficou em tensão.
— Essa não é a única razão.
— Não. Tinha medo por ti.
— Por culpa desse príncipe?
Malcolm não pôde evitar sorrir. Em boca de Alpin, as esperanças dos
jacobitas e o orgulho da dinastia mais importante da Escócia pareciam minúcias.
— Sim. Quer começar uma guerra na Escócia e conseguir a coroa para
Jacob, seu pai.
— Odeio a política escocesa — disse Alpin com olhar sombrio.
— Eu também -assegurou Malcolm com absoluta sinceridade.
— De verdade? -perguntou Alpin. A tensão a tinha abandonado e suas
mãos relaxaram.
Malcolm pôs sua mão sobre a insígnia de seu clã.
— Dou-te minha palavra de Kerr. Entretanto, estou muito interessado na
política de Barbados.
— Sim?
— Sim, já que a afeta.
Alpin começou a andar pela quarto.
-Devo libertar os escravos.
— Então o fará. O que posso fazer eu para ajudar?
Ela se deteve e o observou, dividida entre a dúvida e a esperança.
— Iria ali comigo? Ajudaria-me a lutar por sua liberdade?
Com essas duas perguntas, Alpin tinha aberto a porta para seu futuro.
Malcolm lhe ofereceu sua mão.
— Podemos esperar até manhã?
Alpin se lançou a seus braços.
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A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

—Oh, Malcolm. Você gostará das pessoas de Paraíso. Espera conhecer a


Bumpa Sam e a todos outros.
Ele a escutou falar carinhosamente de sua família da ilha e contar histórias
de sua vida entre pessoas que a adoravam e dependiam dela. Nunca antes
Malcolm se havia sentido tão bem, tão em harmonia com o mundo. Apertou
Alpin contra seu peito.
— Só te ponho uma condição. Nego-me a chamar a nosso primogênito
Bumpa Sam.
A risada de Alpin selou seu destino, vencendo todos seus medos. Pensou
nos filhos que daria ao Malcolm, e imaginou os educando com ternura e com
amor, os convertendo em pessoas decentes e honoráveis. Pensou que não podia
haver ninguém no mundo tão feliz.
— Casará-te comigo na igreja, Alpin MacKay? Estará a meu lado na
riqueza e na pobreza?
Alpin pôs suas mãos sobre as bochechas de Malcolm, e seus olhos
brilharam com adoração.
— Amarei-te sempre, Malcolm Kerr.
Ele a beijou.
Vinte minutos mais tarde, encontravam-se agarrados nas escadas do
castelo. A carruagem estava preparada; Salvador tinha se despedido de todos e
esperava dentro. Uma dúzia de homens do clã Kerr, com o Alexander à cabeça,
formavam redemoinhos no pátio. Vários cavaleiros tinham sido enviados a
diferentes pontos do caminho para vigiar aos soldados que se aproximavam.
Segundo o último relatório, os alemães tinham tomado um caminho equivocado
e ainda estavam a horas de distância.
—Desejaria que John Gordon acompanhasse ao príncipe — disse Alpin.
Malcolm advertiu que ela também estava preocupada com a segurança de
lady Miriam.
— Salvador estará com ela. Não se deixe enganar por suas maneiras
distintas. É tão mortífero com a espada como Saladin.
Malcolm ouviu o roçar produzido pela roupa feminina e girou. Sua
madrasta e o Jovem Pretendente apareceram pela porta do castelo.
Ao ver o orgulho de Escócia vestido com um traje de mulher de musselina
de cor parda e com uma touca imensa sobre a frente, Malcolm não soube se ria
ou chorava. Um severo olhar de sua madrasta o conteve a tempo.
—Vêem aqui, mãe — Malcolm estendeu seu braço livre.
Lady Miriam lhe abraçou.
— Não se preocupe, filho. Mandarei ao Alexander de volta logo que
encontremos no navio.
Parecia excitada pelo desafio de sua tarefa.Malcolm a beijou.
— Quero-te, mãe.
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A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

Lady Miriam olhou Alpin com carinho.


—Estará aqui quando retornar?
Devolveu-lhe um olhar de incerteza.
— Malcolm e eu pensamos ir a Barbados. Ele me ajudará a libertar os
escravos.
Lady Miriam agarrou a mão de Alpin.
— Me esperem. Quero ir com vocês. Tenho muita vontade de intervir na
política da ilha.
Malcolm compadeceu dos homens de Barbados, ao pensar na equipe
feminina que lhes cairia em cima.
Alpin levantou o olhar para Malcolm, com as sobrancelhas arqueadas em
sinal de interrogação.
—Você decide, querida.
— Esperaremos — disse Alpin.
— Quero aos dois. — Lady Miriam lhes deu um beijo e logo voou escada
abaixo e se meteu na carruagem.
O príncipe estendeu a mão.
— Outra vez será.
— Outra vez, senhor.
Torpemente entre suas volumosas saias, Carlos Eduardo entrou
pesadamente no veículo.
— Esperem! — Saladin saiu do castelo precipitadamente, arrastando a
Elanna, que caminhava obstinada a seu braço — Vou com vocês.
— Maldito louco muçulmano. Esta princesa Ashanti o proíbe que vá.
— Não faz falta que vá, Saladin -declarou Malcolm: —Alexander e
Salvador os protegerão e terá que lutar, o príncipe é um perito espadachim.
Arrancando as mãos de Elanna de sua camisa, Saladin a rodeou com um
braço.
— Não me parto só por esse motivo. Esta condescendente e caprichosa
princesa africana não se casará comigo até que olhe a meu pai nos olhos. Tenho a
intenção de lhe encontrar.
Elanna lhe abraçou.
— Que os deuses lhe acompanhem. Volta são e salvo, e o quanto antes .
—Farei o que posso. — Saladin ofereceu a mão ao Malcolm — Cuida dela
até que eu volte.
Elanna suspirou. Malcolm assentiu com a cabeça e contemplou a seu velho
confidente despedir-se com uma saudação da mulher a que amava e logo subir à
carruagem.
Alpin recostou a cabeça sobre o ombro de Malcolm.
— Não suspeitarão os soldados alemães quando virem aqui aos homens de
meu avô?
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A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb

Em circunstâncias normais, aquilo lhe teria alarmado, mas os problemas


políticos eram o que menos preocupava a Malcolm nesse momento.
— Não se os convidarmos à cerimônia.
Alpin se inclinou para trás e seus olhares se encontraram.
— E se o rei se opõe a nossa boda?
— Então deixaremos este lugar a cargo de meu pai e nos casaremos em
Barbados até que o rei mude de idéia.
Alpin lhe rodeou a cintura com as mãos.
— Amo-te, Malcolm Kerr – disse com um suspiro.
Enquanto abraçava à mulher que adorava, Malcolm pensou nos muitos
papéis que ela tinha representado em sua vida, e nos que ainda ficavam por
compartilhar com ele. Um brilhante futuro se abria ante eles, um tempo de paz e
de compreensão, de amizade e de amor eterno.

FIM

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