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A NOIVA DE ULTRAMAR
Arnette Lamb
Alpin Mackay, uma órfã escocesa enviada a Barbados em tenra idade, sente-
se plenamente identificada com a plantação açucareira em que cresceu.
Conhece a tal ponto os mistérios da produção de açúcar que quando seu tutor,
o proprietário das terras, começa a perder saúde, é ela quem administra o
negócio com surpreendentes resultados.
Então aconteceu sua maior decepção quando o fazendeiro, ao morrer, deixa a
plantação a Malcolm Kerr, um nobre escocês e parente longínquo de Alpin. A
moça, disposta a qualquer coisa para recuperar a fazenda caribenha, retorna a
Escócia, onde se encontra com a imprevista e misteriosa hostilidade de
Malcolm. Mas Alpin não é uma mulher que se rende facilmente, e não medirá
esforços para ver cumpridos seus desejos.
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A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb
PRÓLOGO
Plantação Paraíso
Saint George Parish, Barbados
Fevereiro, 1735
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Charles, que ao fim cedeu a favor da postura conservadora; Agora Alpin MacKay
atuaria segundo suas convicções.
Uma gota de suor lhe escorregou lentamente da têmpora à mandíbula,
deslizando-se por seu pescoço até o interior da gola de seu grosso vestido negro
de algodão. Fazendo caso omisso do comichão, observou atentamente o caderno
de anotação de pele que permanecia sobre os joelhos do letrado. É que não ia ler
alguma vez o testamento?
Aproveitou uma pausa do letrado para dizer:
— Foi muito amável, Senhor Codrington, ao me economizar uma viagem a
Bridgetown. Sem dúvida você deve ser extremamente eficiente, pois Charles
disse que nunca encarregaria seus assuntos a outra pessoa.
O letrado se sentou direito. As gotas de suor lhe caíam por debaixo da
peruca empoeirada, lhe umedecendo a gravata com adornos e transformando
aquela honorável combinação de encaixes em um empapado matagal.
— Isso não é nada, querida. Charles fez um trabalho impressionante aqui.
— Lançou um ávido olhar para a fábrica de açúcar-. Embora nenhum de nós
nunca víssemos sua empresa.
Era melhor deixar que aquele letrado de cidade e todo mundo pensasse
que Charles tinha dirigido Paraíso e tinha modernizado a fábrica. Alpin não
necessitava que ninguém a elogiasse por seu trabalho, só queria tranqüilidade de
espírito e segurança, e logo teria as duas coisas. Reprimiu o impulso de repicar
impacientemente com os dedos.
— Como bem diz, Charles foi um cavalheiro onde, e sempre se preocupou
muito pelo bem-estar dos que estavam sob seu cuidado.
— Conheci-lhe faz cinco anos, antes que acrescentasse esse novo artefato
ao engenho. -Codrington abriu o caderno de anotação, que continha dúzias de
papéis, e tirou um documento com uma tira que levava um selo dourado do
tamanho de um ovo.
— Sua generosidade é o testemunho de suas crenças cristãs. -Um
benevolente sorriso curvou os lábios do magistrado, descobrindo vazios
deixados pela perda de vários dentes -. Legou-lhe uma esplêndida herança.
Ela não precisava receber nenhuma quantidade de dinheiro. Os benefícios
do açúcar seriam mais que suficientes para manter-se. Aturdida, repetiu:
— Uma herança?
Como um menino que aprendia a ler, o homem seguiu cada linha do
documento com seu dedo indicador.
— Estão os habituais legados para os serventes, uma doação para seu
clube... ah, sim, aqui está: «Cem libras ao ano para minha prima, lady Alpin
MacKay.»
— Cem libras? -perguntou com um fio de voz.
— E uma passagem para casa.
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Gratidão? Para quem? Como pôde Charles ser tão cruel para lhe legar só
uma miserável herança? Ela renunciou ao matrimônio para carregar com suas
responsabilidades. E tudo para quê? Para cuidar de um homem que tinha
afogado suas penas no álcool e que tinha acabado por doar sua fortuna a outra
pessoa? Seu sacrifício tinha sido em vão; agora Paraíso pertencia a outro.
Revolveu-lhe o estômago. Mas a quem?
A resposta estava dentro daquela carteira. Por qual outro motivo
Codrington a agarrava tão zelosamente? Um nome. Necessitava um nome.
Sentiu-se cheia de ódio. Se pudesse examinar esses papéis teria um nome para
sua cólera. Sabia como fazê-lo; Uma vez que Codrington estivesse longe da casa,
inventaria uma necessidade feminina e retornaria lá dentro.
Mas antes tinha com que se fixasse nela. Elevou o véu que lhe cobria o
rosto. Ele a olhou fixamente, com a boca aberta.
-Ocorre algo, senhor?
Codrington dirigiu seu caderno de anotação com estupidez.
— Eu, não... Você, não... É só que Charles me disse...
— O que lhe disse?
— Disse-me que você já não era casadoura, que era mais... amadurecida.
Eu esperava... –esclareceu a voz. Seus olhos posaram nos seios de Alpin-. Posso
lhe dizer que se conserva admiravelmente?
Aquele obtuso comentário, assim como o lascivo olhar de soslaio que o
acompanhou, desgostou Alpin. As pessoas acreditavam que era mais jovem
porque era miúda. Em sua adolescência, odiava que a tomassem por uma
menina, mas agora podia tirar proveito de sua aparência juvenil.
— Que amável de sua parte, senhor Codrington. Gostaria de ver a fábrica?
O letrado ficou em pé tão rapidamente que a carteira caiu ao chão, onde
ficou esquecida.
Meia hora mais tarde, com os dedos tremendo, Alpin abriu o caderno de
anotação e revisou rapidamente os documentos legais. Ao descobrir um nome
nos papéis da transferência, jogou a cabeça para trás, deixando escapar um
gemido entre seus dentes apertados; As lembranças de sua infância voltaram a
atormentá-la.
Mais tarde, quando devolveu os papéis a seu lugar e retornou à fábrica,
junto a seu convidado, Alpin já tinha elaborado seu plano. Enquanto respirava
profundamente os penetrantes aromas de Barbados, seus pensamentos já se
encontravam na Escócia, no castelo de Kildalton. Estava a ponto de liberar a
seguinte batalha de uma guerra que tinha começado muitos anos atrás, contra o
canalha que agora controlava seu destino.
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Capítulo 1
— E se me nego?
Alargando o pescoço, o soldado entrecerrou os olhos para olhar no escuro
interior das jaulas dos falcões.
— Ela está preparada para uma negativa, senhor, e eu diria que está
empregando de novo suas antigas artimanhas.
A mão de Malcolm ficou imóvel, sustentando com os dedos uma parte de
carne sobre a boca aberta de uma coruja faminta. Sua mãe ferida observava a
cena.
— Como sabe, Alexander?
— Lady Alpin disse que se não for recebê-la pessoalmente, arrancaria-lhe
os olhos e os jogaria aos texugos.
Malcolm deixou cair a carne dentro daquele bucho ávido de comida ao
mesmo tempo em que as lembranças da infância se amontoavam em sua mente:
Alpin destroçando sua espada de brinquedo e lançando-a ao poço, Alpin rindo-
se a gargalhadas enquanto o trancava na despensa, Alpin escondendo-se na
quarto da torre e chorando até ficar com sono, Alpin lhe perseguindo com um
pote cheio de vespas que zumbiam...
Um calafrio lhe percorreu o corpo. Fazia anos, aquela moça tinha feito
estragos na vida de um pobre menino, mas agora este era um homem feito que ia
lhe pagar com a mesma moeda.
— Pergunto-me como reagirá se colocar as cartas na mesa.
Alexander Lindsay, instrutor de arqueiros e professor de caça, avançou
cautelosamente pelo corredor entre falcões silenciosos, cernícalos inquietos e um
trio de águias douradas. As aves de rapina, encarapitadas em seus poleiros,
agitavam suas asas no ar. Quando chegou até Malcolm, Alexander tirou a boina
escocesa, deixando ao descoberto um cocuruco tão nu como os pináculos do
Storr. Com os olhos ainda entrecerrados, olhou em direção ao Malcolm.
— Eu só trago seu recado, senhor. Não sou quem vai interrogar a sua
convidada.
— Convidada? -exclamou Malcolm rindo. A coruja de suave plumagem
estirou o pescoço, com os olhos muito abertos, em busca de mais comida.
Sorrindo, Malcolm arrancou outro pedaço de carne do animal morto e o deixou
cair na boca ansiosa do pássaro.
— Diga a lady Alpin que estou ocupado, e me avise assim que Saladin
chegue de Aberdeenshire.
Alexander observou à coruja com precavida curiosidade.
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Entretanto, aquela mulher em miniatura já não podia lhe assustar. Desde que
nomearam a seu pai marquês do Lothian, Malcolm, como conde, governava todo
Kildalton e meia Northumberland. Seus inimigos lhe temiam e os homens de seu
clã lhe respeitavam, mas aquela mulher, Alpin MacKay, de repente lhe intrigava.
— Não era minha intenção te ferir.
Ela sorriu, esfregando os olhos.
— Isso me alivia -respondeu -. Tenho um milhão de perguntas a te fazer e
centenas de histórias com que te aborrecer. Não imagina quão distinto é
Barbados. -interrompeu-se, com os olhos totalmente abertos.
— O que ocorre? -perguntou Malcolm, pensando que jamais tinha visto
uma mulher com as pestanas mais largas e com uma pele tão aveludada. Sabia
que tinha vinte e sete anos, mas aparentava dezenove. Onde estavam suas
sardas?
— Meu deus! -suspirou Alpin, explorando o rosto de Malcolm com o olhar
-. É a viva imagem de meu anjo da noite.
A admiração de Malcolm foi substituída pelo desconcerto.
— Anjo da noite? Quem é esse?
Alpin olhou fixamente ao pátio onde antigamente se celebravam os
torneios; a concentração se evidenciava na tensão de seu queixo e nas dobras de
sua testa. Logo sacudiu a cabeça, como tratando de esclarecer suas idéias.
— Não é mais que a lembrança que me engana. Seu cabelo é tão obscuro, e
entretanto, parece-te com lorde Duncan.
Para ouvir o nome de seu pai, Malcolm pensou de novo na desgraça que
aquela mulher tinha levado a todas as pessoas que lhe tinham dado ajuda. Mas
não era o momento de revelar seus sentimentos ou seus planos com respeito a
Alpin MacKay. Era o momento de lançar o anzol da amizade e esperar que ela
caísse.
— Asseguro que minha mãe estaria de acordo contigo.
— Refere a lady Miriam, verdade? Como vai?
Malcolm sorriu ao pensar na afável mulher que tinha alimentado suas
fantasias infantis e que lhe tinha animado a transformar em realidade suas
ilusões.
— Minha madrasta continua sendo a mulher mais encantadora do mundo.
Alpin se virou para a entrada do castelo, com seus assombrosos olhos
cintilantes de emoção.
— Está aqui?
— Não. Papai e ela estão em Constantinopla.
— Que desilusão! Ela sempre era amável comigo. Tinha tanta vontade de
vê-la. Ainda é diplomática? — Malcolm assentiu cheio de orgulho e afeto.
-Sim. O sultão Mahmud quer a paz com a Persia. Pediu ao rei Jorge que a
enviasse.
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Alpin elevou os olhos com um suspiro, o qual fez com que Malcolm se
fixasse nos simétricos planos de suas clavículas e na fina corrente de ouro que
desapareceu entre seus seios.
— Deve ser magnífico ser tão valorizada para que o próprio rei te peça
algo -comentou.
Na muralha, os soldados giraram para lhes observar. O emplumador
permanecia no portal de sua oficina conversando com o Alexander Lindsay. Os
transeuntes diminuíam o passo, com seus curiosos olhares passando
rapidamente de seu senhor a sua encantadora visitante. Malcolm pegou uma
toalha.
— Acredito que ela preferiria uma estadia em Bath a um verão no
Bizancio.
— Eu prefiro os Borders. — Alpin jogou uma olhada às alamedas do
castelo, e logo às torres-. Tem irmãos? É fantástico estar em casa.
— Em casa? — Malcolm considerou a possibilidade de desafiar a absurda
afirmação de sua interlocutora, mas decidiu lançar outra ceva de cordialidade -.
Sim, tenho três irmãs.
De novo se formou a covinha na bochecha de Alpin.
— OH, que estupendo para ti! Estão aqui?
Ele quase riu, revelando o tranqüilo que se tornou seu lar sem suas
gregárias irmãs. Mas não tinha por que falar com Alpin MacKay tão
abertamente. Entretanto, tinha um assunto pendente com ela, o qual lhe
reportaria a grande satisfação de fazer justiça.
— Não -respondeu jogando a um lado a toalha-. A maior se casou com o
conde de Hawkesford o outono passado, e as outras duas estão com papai e
mamãe.
Alpin agarrou Malcolm pelo braço e começou a passear pelo pátio, lhe
atraindo para si.
— Não entendo como alguém pode querer abandonar este lugar.
Ao baixar a vista, Malcolm pôde ver os montículos de seus seios, e no
centro uma moeda romana que lhe era muito familiar. Sua mente se nublou com
vagas imagens de um traseiro enxuto e umas pernas magras como paus que
subiam para a torre do castelo. Como tinha mudado!
— Você sempre odiou o castelo de Kildalton.
— OH, Malcolm! Era uma menina tão raivosa. -Sua franqueza abrandou o
coração do Malcolm, em quem os exuberantes atrativos da jovem produziam um
efeito inesperado e incômodo -. Não tinha nada nem a ninguém. Agora tudo isto
parece haver-se tornado muito seguro, como se seus antepassados escoceses
protegessem a todos.
— Bom, sim -encontrou-se dizendo-. O castelo de Kildalton tem algo que
cativa.
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— Vê-o? -disse Alpin lhe apertando o braço-. Sabia que ainda somos
amigos, e há presentes que trouxe para ti e para o Saladin a que no fundo é um
romântico.
Malcolm voltou para sua antiga cautela. Não lhe ocorria nenhuma boa
razão para que lhe oferecesse sua amizade, e muito menos a seu confidente,
Saladin.
— Como sabe que Saladin vive em Kildalton?
— Fala-se muito de vocês em Whitley Bay. Salvador está aqui?
Salvador era o irmão gêmeo de Saladin.
— Não, ele está com minha madrasta.
Alpin apertou os lábios com pena.
— Sentirei falta dele.
Ela nunca tinha sido uma menina solitária. Antes de morrer, seu tutor em
Barbados, expressava em suas cartas ao Malcolm seu temor de que ela nunca
fosse encontrar uma alma gêmea. Agora parecia causar pena. Que tipo de farsa
estava representando?
— Mudaste de opinião notavelmente -disse ele.
— É obvio que sim. -Sua mão tocou a de Malcolm-. Agora sou uma
mulher.
Ele não necessitava dos óculos de seu pai para ver quão esplendidamente a
maturidade a tinha acolhido em seus braços.
— Estava acostumado a me chamar mucoso.
— E você a mim de anã. — Ela olhou os braços, o peito e o pescoço
masculinos. Um cândido sorriso feminino lhe desenhou de novo duas covinhas -.
Certamente, já não vou poder me colocar contigo. Tem um aspecto
impressionante, Malcolm Kerr.
Se não fosse porque a conhecia bem, teria pensado que estava flertando.
Aquela idéia o desconcertou e lhe deu asas ao mesmo tempo. Olhou fixamente a
moeda antiga.
— Me deu uma inesperada surpresa, Alpin MacKay.
— De verdade? — Lhe apertou a mão, dirigindo sua atenção à fileira de
novos barracões que havia contra a muralha do castelo -. Não estava ali o
açougue?
Malcolm se sentiu como se a jovem o estivesse enrolando para logo lhe dar
um chute. Conhecia muito bem essa sensação, e as lembranças despertaram sua
ira.
— Sim, aí é onde estava o açougueiro. Você jogou suas facas à forja do
ferreiro e incendiou seu telhado.
— Lembra-se disso? -Alpin moveu a cabeça, fazendo que os cachos de suas
têmporas se balançassem-. Era uma menina tão egoísta!
— Exceto com os animais extraviados ou feridos.
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— Oh! Fui muito atrevida. -Agachou a cabeça, mas não que ele pudesse
ver a sombra do rubor em suas bochechas -. A vida na ilha relaxa as maneiras e a
língua, ou ao menos isso dizem os que a visitam. É só que você e eu estávamos
muito unidos quando éramos pequenos; não teria sido capaz de viver em Sinclair
sabendo que você estava tão só a duas horas do caminho.
Fazia muitos anos, ela tinha desferido uma profunda punhalada na
dignidade de Malcolm. Acaso pensava consertar agora com doces palavras e
falsos sentimentos? Antes de conseguir, Alpin se converteria em uma enrugada e
velha bruxa.
-Sim, estávamos muito unidos. Sobretudo quando me pôs uma adaga na
garganta e me amarrou a uma árvore. -Estremeceu-se ao pensar no que veio
depois.
Alpin alargou o braço até a porta da carruagem. -Não briguemos. Agora
sou inofensiva, asseguro-lhe isso.
«Sim, claro -pensou Malcolm-. Tão inofensiva como Eva com um cesto cheio de
maçãs.» Mas ele não era um inocente Adão, consumindo-se no Éden e suspirando
pelo fruto proibido. Ele era o senhor da fronteira, perigosamente situado entre os
líderes dos clãs Jacobinos ao norte e os fiéis súditos britânicos ao sul. Não fazia
falta nenhum entretenimento mais. O que desejava era vingança; daí que tivesse
interferido no futuro de Alpin, reduzindo suas perspectivas a zero?
— Provavelmente você gostaria de jantar comigo antes de continuar seu
caminho -disse, observando como acariciava o atirador de cobre.
A mão se paralisou, e logo a deixou cair junto ao corpo.
— Continuar meu caminho? -De novo estirou o pescoço para lhe olhar -. V
te ver, Malcolm, porque pensei que você gostaria.
E gostava, mas seus encontros seriam quando conviesse a Malcolm, e na
casa de seu tio.
-Suponho que não esperará ficar em Kildalton. Não seria apropriado.
depois de jantar, farei com que Alexander te escolte através da fronteira até
Sinclair.
— Minha estadia não seria apropriada? -exclamou Alpin com uma risada -.
Obrigada por tentar me adular e preservar minha reputação, mas estou a tantos
anos metida em uma vitrine que já tenho teia de aranhas. A não ser que o
preocupe seja sua própria reputação. É que te converteste em um pícaro,
Malcolm?
Ele levou as mãos à cintura, com uma gargalhada tão forte que as bordas
de sua bolsa escocesa tremeram.
— Se este fosse o caso, Alpin, tenha por certo que manterei minhas fortes
inclinações a raia. Mas o que pode saber de pícaros uma solteirona?
Alpin abriu a boca de repente, ao mesmo tempo que se dava um soco na
bochecha.
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— Olá, senhor Lindsay. Faz muito tempo você me ajudou a enterrar a meu
querido texugo. Lembra-se?
Ele a olhou, embora seus olhos azul claro pareciam distantes.
— Sim. Deixamos que a pobre besta sem dentes descansasse no velho
campo de torneios.
O passar do tempo tinha curado aquela profunda dor. Outros
permaneciam, mas nenhum era tão vivo como o que supunha a perda de seu lar,
e Malcolm Kerr era o culpado.
— Malcolm queria a pele para fazer uma bolsa -recordou Alpin-, e
ameaçou desenterrar ao pobre Abercrombie. Eu não deixava de chorar, mas ele
seguia me atormentando. Você o enviou com lorde Duncan como castigo e
pediu à senhora Elliott que me preparasse uma beberagem para dormir.
Alexander engoliu saliva.
-Sem dúvida um animal muito nobre, senhora.
— Lorde Malcolm um animal? Não acredito.
-Não. -Alexander lançou um olhar ao senhor de Kildalton, que não podia
conter a risada.
-Está tirando sarro, Alexander. Todo mundo sabe que no fundo sou um
cordeirinho no que se refere ao sexo frágil e às demais criaturas de Deus.
-Olhando Alpin de relance, acrescentou-: Tem a alguma criada escondida nessa
carruagem?
Alpin pensou na miserável infância que tinha tido nos Borders. Barbados
tinha sido sua salvação. Agora devia encontrar a maneira de convencer a
Malcolm para que devolvesse seu lar.
-Sim. Chama-se Elanna. — Alpin tinha planejado que aquela mulher
causaria sensação.
— Se encarregue da garota, Alexander -ordenou Malcolm -. E que alguém
leve para dentro a bagagem.
Tomou Alpin pelo braço e começou a avançar com lentidão através do
pátio e pelas escadas que conduziam à torre da comemoração. Observando seu
enorme companheiro, Alpin se perguntou como um moço magro como um junco
podia haver-se convertido em um homem tão esplêndido.
Seus largos ombros e seu magnífico pescoço podiam competir com os de
um remador. Sua esbelta cintura e suas largas e musculosas pernas indicavam
que tinha passado muitas horas a cavalo. Tinha vivido uma existência
privilegiada, livre de preocupações, enquanto ela tinha se angustiado por cada
colheita e tinha lutado contra as forças da natureza para construir um futuro
seguro. Não era justo que os frutos de seu trabalho caíssem nas mãos daquele
homem. As palavras de Codrington ressonaram em sua cabeça: ao legar suas
posses a Malcolm, Charles estava saldando uma velha dívida de gratidão. Mas o
que tinha feito Malcolm para ser digno de tal generosidade?
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— A verdade é que eu gosto de ser baixa, assim quando tropeço não posso
cair de muito alto.
— Muito hábil.
— Senhor...? -Uma faxineira de uns quinze anos se aproximou deles. Era
uma moça loira de grandes olhos cor avelã e uma fresca tez de campo salpicada
de sardas. Levava um singelo vestido marrom tão novo que as costuras ainda se
marcavam, uma touca e um avental branco engomado.
— Perdoe, senhor. Não se apresentou ninguém para o posto governanta.
— Obrigado, Doura -Respondeu Malcolm-. Esta é lady Alpin. Por favor,
prepara uma das suítes de convidados para a senhora e sua criada.
Doura fez uma reverência.
— Qual delas, senhor? Como não está a senhora Elliott, não há ninguém a
quem perguntar.
— Alpin, você alardeou uma vez de conhecer cada rincão e cada greta de
Kildalton. Tem alguma preferência?
Suas palavras estavam cheias de sarcasmo, mas ela não fez conta.
— Não me lembro, e não sou nada caprichosa, sempre que o quarto tenha
lareira. Estou acostumada a climas mais quentes.
— Então terá a mais cálida e ensolarada das habitações. — Dirigindo-se a
Doura, acrescentou -: A suíte grande do segundo andar, onde se aloja sempre o
conde de Mar.
A criada suspirou, lançando um olhar de preocupação para o piso de
acima.
— Não há roupa nas camas, senhor. Sem a senhora Elliott, e com a marcha
da nova governanta e tudo isso...
Malcolm grunhiu ligeiramente e logo disse com paciência:
— Então, vá procurar lençóis e tudo o que faça falta. Enquanto o faz, eu
mostrarei o caminho a nossa convidada.
— Sim, senhor. -A moça se afastou murmurando:-Velas e toalhas, e muito
carvão. Azeite para os abajures, água para a bacia... .
— Você primeiro -disse estendendo a mão para as escadas.
Enquanto subia os degraus de pedra, Alpin passou por diante de várias
malhas que levavam placas de cobre com os nomes dos clãs menores que se
aliaram aos Kerr: Lindsay, Elliott, Armstrong, Maxwell, JohnStone e Ramsay;
todos eles tinham jurado lealdade a Malcolm, o seguiriam na batalha sempre que
necessitasse um exército e pagavam um tributo a seu latifundiário.
Com toda essa gente contribuindo a sua riqueza, o que ia fazer com
Paraíso? Certamente não tinha nenhum interesse em uma plantação que estava
ao outro lado do mundo. Poderia comprar um montão de Paraísos sem que sua
fortuna ficasse diminuída.
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Alpin morria por lhe perguntar o que pensava fazer com a propriedade da
ilha, e o faria assim que seu plano de se entender com ele estivesse em marcha.
Ao chegar ao final das escadas, Malcolm lhe indicou o caminho para a esquerda.
Uma porta se abriu atrás deles.
— Malcolm?
Aquela voz sufocada fez que se detivesse em seco.
Alpin olhou por cima do ombro, e o que viu a deixou sem respiração. Na
soleira da porta havia uma mulher em roupão, com os ombros e braços nus;
cobria-se até os joelhos com um tecido escocês do clã Kerr. Sua juba de cabelo
loiro como o sol pendurava desordenada. Alta e flexível, segura de si mesmo,
abriu a boca em um bocejo.
«Era sua amante», pensou Alpin, mais ciumenta do que tivesse esperado.
Os solteiros desejáveis e com recursos escasseavam na ilha de Barbados. Uma
vez a visitou um pretendente, mas Charles estava tão embaraçosamente bêbado
que aquele tipo não voltou mais, e assim que se correu a voz, nenhum outro
homem tomou o trabalho de cortejar Alpin.
Malcolm limpou a garganta.
— Boa tarde, Rosina. Apresento a minha convidada, lady Alpin MacKay,
recém chegada de Barbados.
Os claros olhos da mulher se abriram de par em par, cravando-se em
Alpin. Ruborizada, Rosina dirigiu ao Malcolm um sorriso de desculpa,
murmurando: « Que estúpida sou!», e logo retrocedeu, fechando a porta atrás de
si. Alpin seguiu andando.
— Suponho que estará horrorizada -disse Malcolm.
— Não, mas bem, estou decepcionada.
— Decepcionada? Por que?
— Porque suas promessas não são muito de confiar.
Malcolm se deteve frente a uma porta ao final do corredor, elevando as
sobrancelhas inquisitivamente.
— Não?
— Não. Prometeu manter suas fortes inclinações a raia.
Um malévolo sorriso incrementou seu escuro atrativo.
Inclinou-se de forma que a negra juba que lhe chegava até os ombros
roçasse a bochecha de Alpin.
— A que distância iria bem que as mantivesse?
Estava dizendo uma coisa, mas queria dizer outra. De todos os modos, não
o conhecia o suficiente para lhe entender. Por alguma razão, Alpin olhou para a
porta por onde tinha saído a mulher, e logo para frente.
— Não estou segura. Provavelmente a uns duzentos metros. Malcolm
conteve a risada.
— A essa distância ainda seria capaz de fazer alguma outra diabrura.
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Inclusive lhe dando as costas, Alpin sentiu seu penetrante olhar e teve a
estranha sensação de que sem querer o tinha desafiado. Aquela possibilidade a
fez vacilar. Por fim se virou e replicou:
— Porque você não reconheceria o recato e a formalidade embora
estivessem diante de seu nariz.
Malcolm entrecerrou os olhos, olhando a seu redor.
— Não os vejo por nenhuma parte.
— Deveria te dar uma bofetada -disse Alpin perplexa.
— Mas não o fará. Sinta-se como em sua casa, Alpin, e se decidir a respeito
da distância que devo manter, estarei em meu estudo.
Mais zangada consigo mesma que com ele, Alpin sentiu vontade de lhe
dar com a porta no nariz, mas em troca dedicou um doce sorriso e fechou
brandamente.
A suíte continha uma sala de estar, um dormitório e um lavabo, e uma
pequena quarto para a criada.
Alpin foi para as janelas abertas e respirou aliviada. Quando chegou,
temeu que Malcolm a jogasse, mas graças a suas cuidadosas manobras, instalou-
se comodamente na casa daquele homem; além disso tinha visto com seus
próprios olhos uma prova vivente de sua escandalosa reputação. Felizmente para
ela e para sua causa, ele ia estar tão ocupado com suas luxuriosas inclinações e
sua preciosa amante, que Alpin estaria livre para pôr em marcha a segunda parte
de seu plano.
Olhou para baixo e sorriu enquanto observava o pátio do castelo. Um
estupefato Alexander ajudava a sua criada a sair da carruagem. Soldados
endurecidos pelas batalhas, lavadeiras, e inclusive os meninos de Kildalton,
olhavam a Elanna com incredulidade.
Com a mente perdida em confusos pensamentos, Malcolm contemplou a
luz do sol que se filtrava por debaixo da porta de Alpin. «A quarto de Alpin. Em
meu próprio castelo».
Ter ali a essa mulher significava que poderia lhe fazer a vida impossível
um dia atrás do outro. Poderia vingar-se pelo terrível golpe que o tinha atirado
fazia tanto tempo. Aquela perspectiva deveria o ter feito sorrir, mas do momento
em que sua conversação se dirigiu aos inocentes e furtivos beijos que
compartilhavam de pequenos, ele notou em Alpin certa vulnerabilidade.
Suspirava por algum galã ilhéu ou tinha sido sincera ao confessar que alguma
vez tinha tido aventuras?
Malcolm tratou de imaginá-la pulando nua com um homem, com os
mamilos de seus deliciosos seios insolentemente arrepiados e seus olhos de cor
lavanda obscurecidas pelo desejo. Deu-se conta de que sabia muito pouco
daquela mulher, de que não podia saber se falava de verdade ou mentia. Nas
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-Sim. A nós dois puseram nossos nomes em honra aos governantes desta
terra.
Elanna meneou a cabeça.
— Nota-se !
— É o único que temos em comum, e de pequeno, Malcolm se negava a
responder a seu nome.
— Então, como lhe chamavam?
— Cada dia da semana tinha um nome distinto. Lia coisas sobre
personagens famosos da história (reis, filósofos, guerreiros ou monges) e logo
escolhia a um para se converter nele durante esse dia. Inclusive se vestia como
eles.
Agarrando sua mala de couro, Elanna a pôs em cima da cama e a abriu.
— Quer dizer que ficava com calças estranhas e perucas brancas e frisadas?
Alpin recordou o dia em que quis ser Carlos I. Se negou a levar peruca e
ficou com uma coroa de papel. Naquela época, ela tinha escapado de Sinclair
Manor e estava vivendo em segredo na quarto da torre. Ninguém suspeitava de
sua presença em Kildalton porque somente se aventurava a sair dos passadiços
secretos durante a noite.
— Não. Não recordo que nunca ficasse com uma peruca. Uma vez
escolheu ser César. Tinha que ter visto envolto em um lençol e com uma coroa de
louro.
Elanna jogou uns pequenos sacos de ervas sobre a cama.
— Você canta uma canção feliz daqueles tempos.
— Sim. Eu gostava de Malcolm -admitiu com sinceridade, agora que sabia
que não tinha sido Malcolm quem disse a seu tio onde se escondia.
— Mas faz muito tempo. Agora é um miserável egoísta e avaro.
Agitando um molho de paus secos, Elanna disse:
— Poderia lhe dar um pouco de meu chá «te agache entre os matagais».
Alpin riu. Elanna tinha uma beberagem de ervas que servia para cada
coisa, de um coração quebrado até um olho vesgo.
— Provavelmente o faça. — De repente lhe ocorreu uma idéia, uma forma
de ganhar a confiança de Malcolm e seu futuro.
Dirigiu-se para a cama -. Trouxe os ingredientes para seu molho «vêem a
mim»?
Os escuros olhos da Elanna brilharam com interesse.
— Pode apostar que sim. Trouxe de tudo. — Então seu entusiasmo se
desvaneceu-. Não servirá de nada se não haver figos frescos ou mangas para
ocultar o sabor amargo. Só trouxe frutos secos.
— Servirão uns bagos?
Elanna encolheu os ombros.
— Ao melhor sim. Poderíamos fazer suco.
27
A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb
Capítulo 3
chão, cada vez que lady Miriam estava a ponto de dar a luz. Lágrimas de alegria
e de alívio alagavam os olhos de seu pai quando descobria que cada uma das três
meninas tinha chegado a este mundo perfeitamente sã. Os choros das recém-
nascidas ainda ressonavam nos ouvidos de Malcolm. Ultimamente, compreendia
muito bem os sentimentos de seu pai.
Passeou ante uma fileira de retratos de família. Os mais recentes
mostravam à família inteira. O primeiro representava a Malcolm, a seu pai, e a
uma lady Miriam em um estado muito avançado de gestação.
Os anos passavam, mas seu pai nunca lhe pressionava para que
encontrasse uma esposa. Assim, ele tinha adotado o cínico papel de conde
solteiro. Chefes dos melhores clãs de Escócia, que desejavam uma aliança com os
Kerr, faziam desfilar ante Malcolm a suas filhas casadouras. Ele fingia participar
do jogo do casório, mas era incapaz de enganar às inocentes moças que
desejavam de todo coração um marido que lhes desse filhos. A triste e secreta
verdade era que o nono conde do Kildalton não poderia engendrar nunca ao
décimo.
Mas provavelmente... Rechaçou esse pensamento. Não era o momento de
aferrar-se a uma esperança falsa. Os clãs do norte estavam a ponto de estalar sob
o duro e injusto governo de Jorge I e começavam a dirigir sua atenção para a
Itália e o exilado Jacob Eduardo. Aclamavam-lhe como «o rei do outro lado do
mar», e se faziam chamar jacobitas em seu nome. Se o Hannover que ocupava o
trono das Ilhas Britânicas nesse momento não mostrava mais interesse pelo bem-
estar de seus súditos das terras altas, a Escócia ia causar tais distúrbios que a seu
lado a batalha de Flodden pareceria uma disputa insignificante.
Como habitante das terras baixas e senhor da fronteira, Malcolm se sentia
apanhado entre os dois bandos. Não podia aliar-se com nenhum. Sua mãe
natural era inglesa, e lhe tinha deixado como herança seu dote, umas terras que
compreendiam uma parte considerável de Northumberland. Malcolm não podia
fechar os olhos ante seus súditos ingleses, mas tampouco podia dar as costas a
seus parentes escoceses, assim representava o papel mais neutro que lhe era
possível com a ajuda da Rosina, sua amante italiana. Esta falava um perfeito
escocês e levava mensagens dos clãs das terras altas a seu monarca banido.
Ninguém suspeitava o compromisso pela causa jacobita. Durante décadas
sua família tinha vendido sal às terras altas. Cada vez que seu amigo Saladin
levava ao norte um carregamento da preciosa mercadoria, também lhes passava
cartas aos jacobitas e recolhia suas respostas, as quais Rosina entregava ao Jacob
Eduardo fosse em Roma ou em seu imóvel de verão no Albano.
Quando Saladin retornou de sua última viagem, Malcolm abriu com muito
cuidado as cartas seladas e leu a correspondência, tomando algumas nota e
dando a sua madrasta os conselhos oportunos. Não estava disposto a ser um
cúmplice involuntário da traição. Tão somente interviria se os clãs começavam a
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A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb
— Então já não há mais que falar sobre o problema de manter a raia suas
fortes inclinações, a não ser que tenha outra amante escondida em alguma parte.
Malcolm não pôde evitar rir ao advertir que aquela menina malvada se
converteu em uma mulher ardilosa. Mas como de ardilosa? E quantas aventuras
teria tido realmente? Pensou na possibilidade de um amante, mas não achou
nenhuma prova. Alpin não se comportava com a mesma segurança feminina que
tinha apreciado nas mulheres mantidas.
— Hei dito algo mau? -perguntou Alpin.
— Não. Estou mais preocupado por encher meu estômago e evitar um
motim entre meus homens.
— Um motim?
— Sim. Exigem uma comida decente. Me diga, Alpin, sabe levar uma casa?
Ela agarrou um dos livros e o abriu. Com a unha, arrancou uma antiga
gota de cera da página.
— Lembro ter lido este conto quando me escondia aqui faz anos. -Esboçou
um melancólico sorriso que fez que parecesse ainda mais jovem -. Tráfico de um
duende que rapta aos meninos que não querem ir à cama. -Sua expressão se
voltou sombria. Fechou o livro de repente e o pôs de novo na prateleira -. Sinto
havê-lo manchado de cera.
Malcolm imaginou Alpin com seis anos, encurralada no quarto sem janelas
da torre do castelo de Kildalton, com uma vela em uma mão e uma história de
monstros na outra, e sentiu compaixão por esta menina.
— Meu Deus -disse Alpin-, era muito imaginativa.
Alpin tinha sido cruel e rancorosa com qualquer um que cruzasse seu
caminho, inclusive com os que tentavam ajudá-la.
— Imaginativa? -replicou Malcolm - Jogou fuligem no recipiente de
farinha.
Alpin franziu a sobrancelha e ergueu a cabeça com sincera surpresa.
— De verdade fiz isso? Não o recordo.
Malcolm queria vingar-se pelo que tinha feito Alpin de menina. Recordar
as passadas maldades podia resultar uma arma muito efetiva, mas ele não devia
permitir que eclipsassem os delitos mais recentes da mulher egoísta em que
Alpin se converteu.
— Não me respondeu. Seria capaz de se encarregar de uma casa tão
grande como Kildalton?
O olhar do Alpin se encontrou com o dele.
— Sim. Logo que me apresente a criadagem.
Aquela resposta estava cheia de confiança e sinceridade. Malcolm podia
apresentar aos criados; podia ameaçar despedindo de qualquer que se atrevesse
a não obedecer as ordens de Alpin, podia fazer a vida mais fácil a sua prima, mas
não o faria.
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— Troquei aquelas criaturas por outras. Por isso escapei e vim aqui.
Ela tinha convertido a vida de Malcolm em um inferno, e este enterrou a
velha ferida sob um sorriso com muito pouco entusiasmo.
— Te peguei roubando comida de nossa cozinha.
Alpin se estremeceu, virando os olhos.
— Estava tão assustada que quase molhei a cama aquela noite. Disse que
me pendurariam e usariam minhas orelhas como isca para os peixes.
— Que eu recorde, foi a única vez que tive vantagem sobre você.
Pestanejando, Alpin inquiriu:
— De verdade acredita nisso?
Ao recordar agora, algumas das confrontações de sua infância pareciam
até graciosas, e Malcolm pensou por um momento se não estaria planejando uma
vingança muito dura para Alpin.
— A você o que te parece? -perguntou Malcolm.
Então ela se inclinou para frente, e sua voz se deixou ouvir entre o
sussurro de suas anáguas.
— Só sei que me agarrou e me deu um beijo, e que me fez prometer que te
daria um filho.
A objetividade de Malcolm se desvaneceu como a luz do ocaso além da
janela.
— Asseguro-te que nunca terá que cumprir essa promessa, Alpin.
O olhar curioso de Alpin vagou pelo rosto, o pescoço e as pernas
masculinas. O rubor se apoderou das bochechas da jovem.
— Eu nunca acreditei que você esperasse que eu... que nós... que...
-Começou a brincar nervosamente com o cordão dourado das cortinas.
Divertido por seu desconcerto, Malcolm disse alegremente:
— Em que acreditou de verdade?
Com as palmas das mãos para cima, Alpin abriu a boca e voltou a fechar.
Por fim, acrescentou:
— Que fôssemos consumar aquela promessa. Estou aqui porque, como de
costume, não tenho outro lugar aonde ir, Malcolm. Charles tinha que sabê-lo
quando te legou a plantação.
— Como se inteirou disso? Tratava-se de um transação privada entre
cavalheiros.
— Mas me afetava. Charles deu por feito que você atuaria honestamente e
faria cargo de mim. Poderíamos ser amigos. Inclusive aceitei ser sua governanta.
Com tom mais enérgico, Alpin acrescentou-: Não penso aceitar sua caridade nem
ser uma carga para você.
— Como poderia ser uma carga se ganhar o pão que come? — Malcolm
odiava sentir-se culpado.
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A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb
— Tenho trabalho a fazer aqui. Devo pôr em dia o livro de contas. Nem
sequer se tem feito um inventário das provisões de grão desde que a senhora
Elliott partiu em fevereiro.
Aquilo significaria outra concessão, mas Alpin poderia tirar partido
daquelas funções adicionais.
— Eu levarei suas contas. Me saio muito bem com os números. -Ao ver
que Malcolm franzia o sobrecenho com atitude cética, acrescentou-: Juro. Pode
confiar em mim.
Malcolm clareou a voz e se levantou. Quando sua mão se fechou sobre a
sua, Alpin teve a clara impressão de que Malcolm não confiava nela
absolutamente.
Capítulo 4
Malcolm encheu a boca de água ao contemplar o festim que tinha ante seus
olhos: exatamente todos os manjares que tinha pedido.
— Preparou isto lady Alpin?
— Sim, senhor. Ela e a africana. -Doura meneou a cabeça, percorrendo com
o dedo o bordo do escritório de Malcolm-. Quem ia pensar que uma dama de
verdade arregaçaria as mangas e se acaloraria transportando na cozinha?
Uma dama de verdade. A mudança que operou o desconcertava, mas não
o suficiente para lhe fazer esquecer o passado ou alterar seus planos para o
futuro. Tinha tempo de sobra, e outras prioridades, como os jacobitas das terras
altas e seu império por se pôr ao lado de Jacob Eduardo no trono. Rogava para
que Saladin retornasse falando de posturas mais moderadas ou ao menos de uma
maior estabilidade por parte dos líderes dos clãs do norte.
— Onde está lady Alpin?
Doura esfregou uma mancha do novo avental.
— Contando as provisões na despensa e esperando que quente a água para
seu banho. -A moça acrescentou em voz baixa-: Banha-se cada noite, e o disse
diante de todo o pessoal, bom, já sabe, diante das criadas, não do engraxate nem
de nenhum dos meninos.
Ao cortar uma parte de leitão assado fumegante, Malcolm aspirou o doce
aroma a figos e uvas. A imagem de Alpin nua na banheira de madeira lhe pôs de
bom humor.
— Logo fará que você também tome um banho pelas noites.
Tal como esperava, Doura soprou como uma velha matrona de classe
acomodada a que tivessem beliscado o traseiro.
— Antes me amarraria ao arado de meu pai e atiraria dele até Edimburgo
sem levar nada mais que uma bata.
— Só era uma brincadeira, mulher.
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A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb
iria correndo a casa de seu tio, o lugar do qual escapou fazia tantos anos. Era
precisamente onde Malcolm queria que estivesse. Embora a perspectiva de ter
Alpin sob seu teto e a suas ordens -e inclusive debaixo dele, na cama -, tinha um
certo atrativo.
Com o bordo do garfo, Malcolm partiu outro pedaço de carne, absorto no
lance que disputaria com Alpin.
A tarde seguinte, encontrou Alpin nos barracões, inclinada sobre uma das
camas de armar, tirando o lençol. Meia dúzia de soldados, pavoneando-se como
rapazes em um dia de festa, vagavam a seu redor, com os olhos, uns famintos e
outros curiosos, cravados nela.
Estava paquerando com seus homens? Malcolm se enfureceu. Assim que a
menina malvada se converteu em uma mulher falsamente afetada! Mas quando
apoiou o ombro contra o marco da porta para escutar e observar, deu-se conta de
que estava contando a seus homens a história de quando Malcolm caiu de suas
pernas de pau indo parar no poço.
Com um velho vestido azul, sem enfeite nem volumosas anáguas, Alpin se
parecia mais à trabalhadora filha de um pastor que a eficiente governanta que
Doura lhe havia descrito. Malcolm se surpreendeu ante sua facilidade para
captar a atenção e a alegria com que contava aquela anedota. Deixando cair o
colchão cheio de palha, explicou:
— Depois de resgatar Malcolm, o conde Duncan lhe perguntou se estava
caçando mariposas ou ensaiando para o desfile de Primeiro de Maio. Malcolm
ficou muito rígido e lhe respondeu que simplesmente tinha muita sede.
— Nosso chefe sabe utilizar muito bem as palavras -gabou-se Rabby
Armstrong-. Suponho que lady Miriam teve algo que dizer sobre este assunto.
Os homens riram. Dois deles se aproximaram para ajudá-la, mas ela os
rechaçou com um gesto.
— É claro que sim. Lembro que soltou um discurso interminável. — Alpin
olhou pela janela -. E logo nos ensinou a nadar aos dois.
Malcolm o recordava muito bem. Uma vez terminaram as aulas e os
adultos partiram, Alpin se empenhou em que nadassem nus. Ela era muito baixa,
e magra como um pau, com os seios tão planos como tortas de aveia uns
diminutos botões rosados por mamilos. Alpin tinha sido a primeira mulher em
lhe ver nu. A menina riu, lhe advertindo que algum peixe poderia picar com
aquele verme tão grande.
Nadava Alpin nua em sua ilha tropical? Não, devia estar muito ocupada
daqui para lá e presenciando como o pobre Charles bebia até morrer. Tinha-a
feito sua infância desgraçada insensível ao sofrimento de outros? Provavelmente
sim, pois não tinha mostrado nem uma fresta de dor pela perda de seu generoso
tutor.
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A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb
não movia o pé, olhou fixamente a prega de sua saia escocesa -. O que me passa é
que tenho muito trabalho, e morro por dar um passeio nesse ruço pintalgado.
Está enchendo os lençóis de esterco.
Malcolm estava fazendo uma demonstração de força como o amo e senhor
de seus domínios que era. Alpin podia ser muito ardilosa, mas faria o que lhe
dissesse. Daí acima, podia ver o profundo canal de seu decote. Seus planos de
provocar sua desgraça tomaram diferente caminho. De repente foi consciente de
sua própria nudez debaixo do tecido de quadros. Sentiu um formigamento de
desejo.
-Ainda não me disse o verdadeiro motivo pelo que não quer que Emily
limpe os barracões.
Alpin se sentou sobre seus calcanhares, com a expressão suavizado pela
paciência.
-É por seu próprio bem. Poderia meter-se em... uma boa confusão. Seria
um mau exemplo para as demais faxineiras. Se ela não é castigada por seu
comportamento indecente, as demais pensarão que elas também podem fazê-lo.
As palavras de Alpin provocaram pensamentos impuros a Malcolm com
sua prima como o objeto de seu desejo.
-Não há nada de mau em paquerar.
-Sim, sim há. Os pais mandam a suas filhas aqui para trabalhar, e você,
como seu senhor, tem o dever de zelar por seu bem-estar, tanto físico como
moral. O mesmo princípio se aplica ao senhor que se faz cargo do filho de um
parente.
Alpin tinha razão, mas Malcolm não podia permitir que se desfrutasse
nisso. Além disso não estava disposto a terminar a conversação de qualquer jeito.
-Você também estava aqui com os homens.
Alpin riu.
-Eu sei que não sou uma tentação.
Procurava elogios? Pois Malcolm lhe ofereceria um.
-Isso quer dizer que passou muito tempo nessa Ilha, Alpin. Qualquer
desses homens teria trocado seu melhor cavalo pela oportunidade de brincar
contigo a beijar a sarda.
Com um sorriso nos lábios, Alpin murmurou:
— Asseguro-te, senhor, que isso nunca acontecerá.
— É porque perdeu todas suas sardas?
-Malcolm Kerr! -exclamou Alpin, lhe golpeando na pantorrilha-. Como se
atreve a ser tão vulgar?
Passando por cima de sua indignação, Malcolm continuou:
-Acredito lembrar que tinha umas quantas aqui -disse tocando-a no
quadril-. E aqui. -Assinalou um ponto na parte superior da coxa-. Para não falar
das de suas costas.
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A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb
—Eu tenho seis barris de rum. Você tem dez vezes mais cavalos. Se se
analisar, minha aposta é tão valiosa para mim como a sua o é para você.
Malcolm tentou assimilar o reforçado raciocínio de sua prima. Entretanto,
aquele exercício era desnecessário, pois ele tinha de ganhar. Malcolm em
realidade não queria o rum... a não ser que a ocasião lhe servisse para
compreender seu repentino interesse em uma mulher a que não deveria desejar.
—Muito bem, mas só se o compartilhar comigo.
Alpin se estremeceu.
—Um barril inteiro? Acabaremos os dois bêbados como cubas.
—Uma taça entre amigos. Entre muito bons amigos, como você nos
descreveu. A não ser que tenha mudado de idéia.
Alpin voltou a olhar seu bracelete.
—Asseguro, Malcolm, que embora o tentasse nunca poderia mudar meus
sentimentos por você.
O tom alegre com que a pronunciou não pôde mascarar aquela insinuação,
nem tampouco o brilho de seus olhos.
Malcolm respondeu com um sorriso.
—Me alegro. Estou pensando em vender Paraíso, e eu gostaria de saber
mais sobre o lugar antes de fazê-lo.
Alpin abriu os olhos de par em par e empalideceu.
—Não pode vender Paraíso. Seria uma estupidez. — Alpin agarrou o
tornozelo de Malcolm. —Por favor, não o faça.
—Por que não?
Alpin dirigiu o olhar com desespero dos beliches ao chão, e aos tecidos
escoceses que penduravam de uns ganchos na parede.
—Está claro que pode vendê-lo, posto que é seu -disse Alpin aturdida. —
Mas o que acontecerá com a gente que vive ali? Os serventes, os escravos...
Malcolm perguntou se era possível que Charles tivesse aceito dar a
plantação a ele por despeito, porque Alpin se pôs do lado dos escravos. Seu
primeiro instinto foi pensar que Alpin que ele conhecia era incapaz de defender
uma causa humanitária. Malcolm só sabia que de pequena amava muito aos
animais. Após não tinha tido nenhum contato com ela, e Charles omitia em suas
cartas qualquer informação pessoal sobre Alpin.
—Ainda não decidi o que vou fazer com Paraíso. Por que não me ajuda?
Pode-me contar tudo sobre o lugar e me dar sua opinião.
Um vago brilho brilhou nos olhos da jovem.
—Seguirá obtendo uns formosos benefícios se o conservar.
—Graças à mão de obra dos escravos?
Entrecerrando os olhos com fúria, Alpin declarou:
—Isso é uma calúnia.
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A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb
Malcolm tinha visto o mesmo olhar em seus olhos aquela vez que a tinha
ameaçado desenterrar ao texugo morto para fazer uma bolsa nova com sua pele.
Ela a tinha tomado com ele, lhe chamando cão sarnento e ameaçando pôr fogo a
sua cama enquanto dormia.
Agora não pôde resistir a seguir cravando-a.
—A escravidão tem sua graça. — Ao ver que ela abria a boca, apressou-se
a acrescentar: —Se existisse aqui em Escócia, compraria ao conde de Mar e lhe
poria a ferrar meus cavalos.
— Está mofando de mim -replicou Alpin muito séria.
— Não. Só trato de aprender contigo.
Alpin respirou aliviada.
—Estou segura de que fará o correto, Malcolm, mas de momento não há
pressa. O senhor Fenwick é um capataz muito eficiente.
Estava escondendo algo, e Malcolm sabia. Tinha que encontrar o modo de
descobrir todos seus segredos.
—Falas igual a lady Miriam.
Os olhos de Alpin cintilaram de bom humor, destacando suas sobrancelhas
perfeitamente arqueadas e as frisadas mechas de cabelo castanho em torno de
seu rosto.
— Pois você tem muito pouco de diplomático, Malcolm Kerr.
—Você não me conhece -replicou rindo.
—OH, sim! Conheço-te muito bem. -levantou-se e se dirigiu para a porta
com um movimento de quadris sedutor.
Malcolm agarrou Alpin pelo braço. Ao aproximar-se dela, lhe enredou um
pé com os lençóis, e antes que pudesse recuperar o equilíbrio, caiu ao chão,
arrastando a Alpin detrás dele. Malcolm caiu sobre suas costas, com Alpin sobre
seu peito e seus cotovelos cravados entre suas costelas. Malcolm fez uma careta
de dor e a agarrou pelas axilas.
—O que está fazendo? -perguntou zangada, com os olhos muito abertos e
sua pesada trança sobre o pescoço de Malcolm.
—Eu? É você quem está em cima, para variar.
—Basta! -Tratou de liberar-se, mas ele a segurou mais fortemente.
—Admite, Alpin. Você sempre queria dominar.
—Até então éramos crianças que brincavam e brigavam.
—Você me odiava, e eu... -Seu olhar se deslizou até os lábios de Malcolm -.
Eu era...
—O que foi?
— Era muito ingênua, e não sabia até onde podiam chegar nossos jogos.
De repente a tensão de seus braços desapareceu e, com a mesma
naturalidade com que se busca o calor em uma fria noite de inverno, Malcolm a
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A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb
aproximou para ele, até que a doce rajada de seu fôlego acariciou seu rosto, e
pôde apreciar os mais pequenos detalhes do rosto de Alpin.
—Agora já sabe aonde pode levar um jogo.
—Não pode me beijar.
—Sempre o tenho feito.
—Não. Bom, sim. Quero dizer que aqueles eram outros tempos. Éramos
crianças. Agora você já não gosta.
A atitude de Malcolm não podia ser mais contrária a esta afirmação.
—Fomos amigos, não?
—Sim -sussurrou Alpin com cautela-. Você foi meu único amigo.
Alpin exagerava. Malcolm podia apreciar o engano em cada faceta de sua
pessoa. Alpin MacKay albergava fortes sentimentos para ele, mas o afeto não era
um deles.
Então, por que assegurava o contrário? Malcolm tinha que conseguir que
pusesse as cartas na mesa, e descobrir por que a mulher que lhe tinha arrebatado
a promessa de um herdeiro tratava agora de lhe seduzir com todas suas forças.
— Eu era, e ainda sou seu melhor amigo.
Alpin separou os lábios, mas, fosse o que fosse o que tinha em mente,
decidiu calar. Seus dentes apareceram por cima do lábio inferior e se fixou no
broche com a insígnia dos Kerr que unia o tartán à camisa masculina. Decidido a
levar a cabo seus planos, Malcolm deslizo uma mão pelo ombro de Alpin e lhe
sujeitou a nuca com suavidade.
—Renovemos nossa amizade. Com uma ligeira pressão, aproximou a boca
de Alpin para a sua e inclinou a cabeça para um lado. Ela fechou os olhos com
firmeza e apertou os lábios com força. Malcolm comprovaria até que ponto
podiam chegar a ser amigos.
Beijou-a primeiro com suavidade, mas ao ver que ela seguia negando-se
rotundamente lançou mão do truque de sedução mais velho que conhecia.
—Beijava melhor quando era pequena -disse.
Ela riu entre dentes, seus seios brandamente apertados contra o peito de
Malcolm e seus quadris contra os dele.
—Você também. Agora já não há sujeira em sua cara nem inocência em seu
coração.
De algum jeito ela tinha aceito sua provocação e havia o tornado contra ele.
—Nenhum de nós é inocente, Alpin. Já superamos essa etapa. -Armando-
se de determinação, Malcolm tratou de passar por cima o ardente desejo que
corria por suas veias. —Uma trégua?
Tão séria como um pecado em domingo, a mulher respondeu:
—Acredito que quer dizer uma entrevista, Malcolm.
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A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb
—Eu gosto de você –insistiu. —No fundo sempre gostei. O que outra coisa
necessita para te sentir como em casa aqui e agora? -Se ela aceitava essa mentira,
Malcolm se asseguraria de que o pagasse bem caro.
—Você é muito importante para mim, Malcolm.
O advertiu certa ambigüidade e decidiu aproveitar-se dela.
—Então demonstra-o, Alpin. Me dê um beijo em sinal de paz.
Agora que por fim tinha chegado o momento, Alpin ficou paralisada. O
tinha atraído até ali para paquerar com ele, para semear a semente da sedução.
Agora não podia tornar-se atrás, uma vez mais não tinha outro lugar aonde ir, só
que agora estava cara a cara com um homem ao qual não podia permitir
rechaçar. Resignada, elevou a mão até a face de Malcolm e, com toda a ternura
que foi capaz de reunir, apartou-lhe uma mecha de cabelo de sua frente.
Quando as mãos de Malcolm acariciaram suas nádegas, e seus quadris se
elevaram por debaixo dela, de repente foi plenamente consciente do prêmio que
lhe oferecia.
Como se tivesse recebido uma bofetada na cara, o saber o que lhe excitava
afugentou seu desejo. Mas se ele chegava a suspeitar a verdadeira natureza de
seus sentimentos, a desafiaria de novo. Devia deixar que pensasse que tinha
saído vencedor em seu intento por provar que sua amizade não somente seguia
viva mas sim se converteu em uma profunda paixão. Também tinha que livrar-se
dele, quanto antes melhor.
—Acredito -disse tornando-se para trás para recuperar o fôlego que suas
intenções pacíficas desencadearam outro tipo de guerra.
—Então, rendo-me. — Malcolm estendeu os braços -. E proponho um
tratado de satisfação mútua. Já sentamos as bases.
Desconcertada por seus roucos sussurros e surpreendida ante sua própria
conformidade, Alpin perguntou com voz aguda:
—Seria capaz de se deitar comigo?
Malcolm afogou a risada, produzindo um som que retumbou nos seios de
Alpin.
— Assim é como está acostumado a terminar este jogo.
—Jogo? -Suas boas intenções se esfumaram como as gaivotas antes de um
furacão.
—Sim, e espero que joguemos muitas partidas. O que te parece esta mesma
noite, às doze, em meu quarto?
—Esta noite? -O sangue do Alpin ferveu de indignação-. Sua amante acaba
de partir.
—Mas agora desejo a ti, e isso é quão único importa. -Golpeou com seu
indicador o nariz de Alpin-. Esta noite. Te levaria ali agora mesmo, mas Saladin
nos interromperia.
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A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb
Capítulo 5
onde escapou quando tinha seis anos. Um intenso terror se apoderou dela.
Estaria condenada a terminar seus dias sem ter conhecido o amor de um homem,
sem saber até onde podia levá-la-a paixão?
Mas Malcolm Kerr não falava de ternura nem de afeto em um sentido
tradicional. Tinha-o chamado um jogo.
Alpin sentiu uma grande amargura, e seus sonhos dourados de
adolescência se apagaram como cortinas descoloridas pelo sol. Ao ver como
Charles e Adrienne se entregavam um ao outro, Alpin compreendeu o
verdadeiro significado do amor. Esta relação também lhe tinha ensinado o perigo
de um compromisso tão profundo, pois quando Adrienne morreu, uma parte de
Charles se foi com ela.
Após ele não foi mais que a sombra de um homem, desprovido de
interesse pelo mundo que lhe rodeava e completamente cego ante as
necessidades e o futuro de sua jovem protegida.
Aquele fatídico dia mudou a vida de Alpin. Por fim deixou
definitivamente atrás sua infância. Em vez de nadar na balsa da fazenda,
começou a inventar modos de desviar água para regar os sedentos campos de
cana de açúcar; em lugar de fechar os olhos ante os meninos escravos, empregou
seu tempo em idealizar um plano para libertá-los.
Converteu-se em uma mulher prática; só lhe interessavam as coisas mais
essenciais da vida: um teto sobre sua cabeça, terras suficientes para manter-se, e
tranqüilidade de espírito.
Malcolm Kerr lhe tinha arrebatado essas três coisas. De um puxão lhe tinha
tirado seu lar e seu sustento, e depois, com um beijo, tinha-lhe roubado sua
dignidade, levou aos lábios uma mão trêmula, recordando a sensação do contato
da boca do homem. Em um momento sua resolução se dissipou. Havia uma
forma de pôr fim a sua tortura. Podia bater na porta do Malcolm a meia-noite,
abandonar-se em seus braços, e descobrir os mistérios que pressagiavam seus
beijos. Mas Alpin sabia aonde podia a levar uma aventura: ela provavelmente
conseguiria os meios para fazer realidade seu sonho de retornar a Paraíso e
liberar os escravos, mas ao fazê-lo corria o perigo de entregar seu próprio
coração a um homem que não o valorizaria.
Sua vontade férrea se rebelou contra seus sentimentos. Tinha trabalho a
fazer, planos que realizar. Por um instante se havia ensimesmado em seus
pensamentos e tinha sofrido um momentâneo reverso. Malcolm lhe tinha jogado
uma má cartada. Felicidades. Obviamente tinha esquecido que Alpin MacKay
era uma perita enganadora. A sua maneira, lhe refrescaria a memória.
Recolheu a roupa suja e a levou a tanque. Logo foi à cozinha para fiscalizar
os preparativos do jantar. Só na estadia cavernosa, Elanna estava sentada frente à
mesa de carvalho cortando uma montanha de nabos. Seus olhos, escuros como o
melaço, examinaram Alpin.
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— Sei, mas se compartilhar sua cama, ele terá que casar-se comigo. Como
sua mulher, poderei lhe reclamar Paraíso.
— Aprumado a que sim, mas tome com muito olho. Se lhe der todas as
mangas, não quererá a árvore.
Inocentemente, Alpin tinha pensado em um cortejo formal que levasse a
um matrimônio honorável. Não esperava que Malcolm a fosse trair.
—Sabe que não temos outro lugar aonde ir. Por que Charles teve que lhe
entregar nossa casa?
Ouviram repicar uns cubos no pátio junto à cozinha.
—Sshh -murmurou Elanna-. Os criados aqui são fiéis a seu escocês, e ficam
a mexericar mais rápido do que o amo Charles demorava para esvaziar uma
garrafa de rum. -Um sorriso malicioso mostrou os dentes de Elanna, brancos
como pérolas, dos que ela se sentia desmesuradamente orgulhosa-. Assim que
encontre o modo de entrar em seu escritório e olhar seus papéis, saberá por que a
plantação caiu em suas mãos.
— Já o tenho feito -admitiu Alpin segura de si mesmo-. Propus a me
ocupar também do trabalho de administradora.
—Não me surpreende. Nunca pôde te estar quieta mais de um minuto.
Quando Alpin se levantou, Elanna riu entre dentes
— Vê?
Alpin fez caso omisso da brincadeira. Tinha-a ouvido muitas vezes ao
longo dos anos.
—Se você se encarregar do jantar, eu começarei com os livros agora
mesmo.
Elanna a agarrou pela cintura.
— E o que vai fazer com o outro? Como conseguirá que te diga «sim,
quero»?
Alpin não tinha nem idéia. E o que era pior, uma parte dela suspirava por
ser sua amante, por saber de primeira mão as intimidades que um homem e uma
mulher podiam chegar a compartilhar. Mas não se apaixonaria pelo homem que
lhe tinha roubado seu lar, o trabalho de toda sua vida, e a pouca independência
que possuía.
— Não sei. Terei que ser mais esperta que ele.
— Já o é. Foi mais esperta que todos os homens brancos de Barbados.
Superar a um escocês com saias deveria ser tão fácil como subir a uma figueira.
A lembrança de seu lar fortaleceu a confiança de Alpin.
—Chama-se tartán, Elanna, e é uma vestimenta muito tradicional neste
rincão do mundo. –Se meterá em uma boa confusão se for por aí falando de saias.
Fazendo pouco, Elanna perguntou:
— Também me apedrejarão por isso?
Divertida ante a irreverência de seu amiga, Alpin moveu a cabeça.
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—Hum... -Elanna ficou pensativa-. Deve ser um mouro pobre, já que não
tem harém.
Divertida, Alpin replicou:
—Como sabe se tiver mulheres ou não?
Elanna lhe lançou um olhar de superioridade.
—As criadas do castelo foram muito rápidas em te contar o dessa garota,
Emily e seu soldado. Como não seriam capazes de guardar uma fofoca tão
suculenta como esta embora sua liberdade dependesse disso.
—Não lhe contaram muito sobre o Saladin?
—Eu não perguntei. -golpeou-se ligeiramente o esterno-. Esta princesa
africana aprende observando e escutando.
Alpin afogou sua risada.
—Quando tiver terminado de lhes servir, prepara a poção de amor. E se
lembre de me dizer o que pensa do Saladin.
As explicações foram desnecessárias. Assim que Elanna entrou no
escritório de Malcolm e viu a Saladin, seu rosto refletiu uma ampla gama de
reações, da comoção a um ávido interesse, sobre tudo quando Saladin levou a
jarra aos lábios e seus olhos negros como o carvão se mantiveram fixos na
Elanna; quanto mais a olhava, mais bebia. A jarra estava vazia quando a deixou
sobre a mesa, mas seus olhos revelavam uma sede que nenhuma bebida poderia
aplacar.
— Mais? -perguntou Elanna agarrando a jarra.
Como resposta, ele a examinou de acima a abaixo, detendo-se em seu
pescoço e em suas mãos.
—Sim, acredito que sim.
—É um homem muito sedento -afirmou ela enquanto enchia de novo a
jarra.
—E você é uma surpresa muito interessante. Como chegou até aqui?
Com um tímido olhar, Elanna respondeu:
—Em um navio lento e fedorento, majestade.
O humor se refletiu nos olhos de Saladin.
—Não sou nenhum rei.
Ela observou a Alpin, lhe piscando os olhos.
—Mas é majestoso.
—Sou? -perguntou Saladin.
Ela assentiu, com um gesto que os antigos escravos de Paraíso
considerariam descarado.
—É claro que sim!
—Sim, bom... -Saladin clareou a voz-. Nasceu em Barbados?
Ela deixou a jarra e se postou. Então, pela segunda vez. desde que a
conhecia, Alpin ouviu como dizia:
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Capítulo 6
Kildalton, as mulheres estariam enchendo baldes com água para apagar o fogo
da guerra.
— Seu lindo príncipe não é mais que um moço de quinze anos. Não pode
dirigir um exército -insistiu Saladino.
—Carlos Eduardo não é meu príncipe. Nunca pisou em chão escocês. Mas
não se equivoque: a seus quinze anos já é um perito nas artes de Marte. Thomas
Sheridan lhe deu muito boas aulas, embora o menino não seja capaz de
pronunciar mais de dez palavras em escocês. É um soldado.
Saladin se aproximou e lhe pôs uma mão no ombro.
— É um grande fanfarrão, mas duvido muito que seja um perito guerreiro
-opinou.
Tão somente Malcolm podia superar ao Saladin com a espada, e centenas
de homens o tinham tentado.
— Então te prepare para uma surpresa.
Saladin sorriu, mostrando os espaços entre seus dentes.
-Dou obrigado e elogio a Alá, mas devo recusar. — Deu grandes pernadas
até a cadeira e se deixou cair nela-. Uma surpresa por dia é suficiente para este
humilde muçulmano.
Malcolm se agarrou avidamente a aquela digressão da política escocesa e
disse:
—Suponho que está pensando na encantadora Elanna.
Rindo com bom humor, Saladin acariciou a barba e golpeou o chão com
suas botas.
— Pensar nela? Minha mente está cheia imediatamente de luxúria.
Malcolm apoiou o quadril no bordo do escritório e examinou a seu melhor
amigo. Normalmente estóico e em paz consigo mesmo, Saladin estava agora tão
nervoso como um criminoso frente às testemunhas de suas maldades.
— Acaso ameaça sua promessa de celibato? Saladin fixou o olhar na lareira
apagada.
—Não se desfaz dela antes de minhas orações da noite, o qual me leva a
pergunta em questão. -Voltou a olhar ao Malcolm. —Por que não estão em
Sinclair Manor? Você dispôs que fossem viver com seu tio, o barão Sinclair.
— Lady Alpin me enrolou. — Malcolm expôs os detalhes de seus dois
primeiros encontros.
Saladin riu a gargalhadas.
—Não mudou.
A mentira daquela afirmação fez que Malcolm avermelhasse de ira.
— É claro que sim que mudou. Agora diz que é de minha propriedade.
Saladin pendurou as pernas por cima do braço da cadeira. Suas botas
vermelhas Contrastavam vivamente com o marrom escuro do couro.
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—Ah, a lei inglesa! -lamentou com grande sarcasmo-. Parece que conhece
muito bem os estatutos. .
— Entre outras Coisas. — «Como me acender o sangue e fazer que meus
pensamentos racionais voem pela janela», pensou Malcolm. Entretanto, chegaria ao
descanso. Uma vez a tivesse em sua cama, aquela obsessão terminaria, a igual à
virgindade de Alpin. Um calafrio percorreu seu corpo ante a idéia de ensinar a
Alpin as diferentes forma de amar.
— Já vejo. — Saladin arrancou uma fibra de erva da sola de sua bota-.
Alexander me disse que sabe cozinhar, o qual é um ponto a seu favor. Além
disso, para ser branca é uma beleza, não acha?
Malcolm resmungou, e depois disse:
—Sim que o é, meu bom amigo africano. Tinha visto alguma vez uns olhos
dessa cor?
— Há vinte anos, não, e não recordo que fossem tão bonitos.
— Eu tampouco.
—Não me diga que pretende seduzir a ela? –Saladin se endireitou de
repente -. Esperava que a casasse com um desses Campbells com a cara picada
de varíola aos que tanto odeia.
Pela primeira vez desde que Alpin tinha tramado meter-se em sua casa,
Malcolm viu uma forma de pôr de novo em marcha seus planos.
— Talvez faça as duas coisas.
— Primeiro a sedução, meu amigo -reprovou Saladin agitando seu dedo
indicador.
Cheio de segurança, Malcolm beijou as pontas dos dedos e elevou sua mão
no ar.
— É obvio.
Saladin pôs os olhos em branco.
—Sinceramente, não imagino Alpin recebendo com gosto seus cuidados.
Antes nunca o fazia. O que era que estava acostumado a dizer? Ah, sim, já o
recordo! -Pôs os lábios como uma truta na rede -. Me dê um beijo de paz, Alpin.
Aborrecido pela lembrança de sua estúpida infância, Malcolm se encolheu
de ombros.
— Diz que sou seu melhor amigo.
—Se acreditar nisso, te darei um mapa para que procure o Santo Graal.
— E eu lhe direi que ponha manteiga de porco em suas tortas de aveia.
—Paz, por favor! -Saladin golpeou a coxa-, e maldita a sorte que tem com
as mulheres. Ela te fez um grande dano e merece sua vingança, mas nunca pensei
que caísse entre seus braços.
— Deve ser a vontade dos deuses.
— E o que diz a encantadora Rosina de sua nova amiga?
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— Muitas coisas, mas não tenho que escutar. Mandei-a de volta a Carvoran
Manor.
—Muito prudente, considerando as circunstâncias. Um homem sábio
sempre controla a suas mulheres.
A decisão de Malcolm de enviar fora a Rosina parecia extremamente
inteligente.
—Ou as tem em um número prudente, mas isso já não importa. Agora que
tornaste, Rosina não demorará para agarrar um navio. Por desgraça estas cartas
têm que chegar a Itália.
— Não se surpreenda se John Gordon te faz uma visita.Parecia muito
impaciente por obter uma resposta.
— Faz muitos anos que está impaciente, mas nunca o bastante para vir ao
sul -declarou Malcolm.
Saladin fez uma careta.
—Agora tem motivos. Também retirou sua aprovação para os esponsais de
sua filha com o filho de Argyle.
Jane Gordon era a herdeira mais solicitada da Escócia, e conforme diziam
alguns, a noiva mais rica das Ilhas Britânicas. Mas no caso de Malcolm, Jane
estava proibida, pois uma aliança entre o conde de Kildalton e o poderoso clã
Gordon uniria a fronteira e as terras altas, virtualmente meia Escócia. O rei tinha
proibido esse matrimônio fazia muitos anos, e se voltava a expor-se, suspeitaria
que havia problemas na Escócia.
— Pobre garota! -compadeceu Malcolm -. Desde o dia em que a batizaram,
seu pai esteve tentando permutá-la por toda Escócia e França.
—Acredito que te proporá o matrimônio. Perguntou-me se tinha
encontrado uma noiva. Quando lhe disse que não, interessou-se por seus pais.
Disse-lhe que estavam no estrangeiro por assuntos do rei. Durante um momento
ficou em silêncio.
— Estaria calculando.
— Isso acredito. Sorriu e se desculpou. Logo se foi em busca de lorde
Lovatt, que estava jogando xadrez com o conde de Mar.
—Só o fato de que os três estejam juntos é mau sinal, embora seja em
temporada de caça.
— Lovatt perdeu seu interesse na partida de xadrez. -Deveria informar a
Lady Miriam -disse Malcolm. -Tem te ensinado muito bem. Conseguiste manter
a raia aos jacobitas desde que ela se foi a Constantinopla. Por que preocupá-la
agora?
— Porque me pediu que o comunicasse tudo em seguida. Se este tentar
levar a combate ao príncipe Carlos tem êxito e o afeta negativamente a ela, eu me
sentirei responsável. Seus colegas masculinos no corpo diplomático sempre estão
procurando a oportunidade de desprestigiá-la.
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«Não até que as mangas cresçam nas figueiras», pensou Alpin. logo que
conseguisse Paraíso, iria no primeiro navio.
Saladin riu.
—Acredito adivinhar como se sente tendo Alpin tão perto.
— Tê-la tão perto sem dúvida excita minha imaginação. Só espero que não
o descubra.
—Que não descubra o que? -perguntou Saladin.
Malcolm disse algo em escocês, língua que Alpin nunca tinha aprendido.
— Os dois sabemos que sente algo especial por ela -replicou Saladin em
inglês-. Nunca me ocorreria dizer-lhe mas estou seguro de que suspeita algo.
—Por que o diz? -interrompeu Malcolm.
Alpin olhou para a negra escuridão, completamente transbordada pela
confusão e a curiosidade.
— Pela forma em que a olha.
—Como a olho? -Embora Malcolm falasse com calma, Alpin não deixou de
notar a acusação em sua voz.
— Parece um homem faminto esperando o primeiro prato de um banquete
-disse Saladin-. Não me olhe assim. Eu não escolhi o menu.
— Mas você adora lombriga nesta situação.
— Confesso-me culpado. Me diga, meu amigo, acordou lady Alpin seus
sentimentos libidinosos?
—Se não souber, logo o descobrirá. Tenho um plano.
Completamente atenta, Alpin avançou um passo mais. O dedo gordo do
pé golpeou algo duro e afiado. Esqueceu-se do maldito limpa barros. A dor
ascendeu rapidamente pelo pé, e teve que morder o lábio para afogar um
gemido.
—O que foi esse ruído?
Estremecida de dor, Alpin se apoiou contra a parede, tirou a sapatilha e
esfregou os dedos.
—Que ruído? -perguntou Saladin.
— Pareceu-me ouvir algo no túnel.
Alpin conteve a respiração. Teria gostado de os ver, mas a porta secreta
tinha sido feita com tanta habilidade que nem um raio de luz penetrava para o
túnel.
— Me passe essa lanterna e verei o que ocorre.
Alpin se estremeceu, colocou de novo o sapato e retornou ao nicho. Uma
vez no próprio túnel, procurou provas a parede e quando se orientou, tocou a
chave dentro do bolso.
— Provavelmente será um rato -comentou Malcolm.
— Desde quando há ratos em seu castelo?
—Suponho que desde que morreram as serpentes.
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— Não acredito — respondeu Malcolm com um tom sedoso que fez vacilar
Alpin. — Eu gosto de guardar meus planos com respeito a ela para mim.
— Deixo-te com sua correspondência — disse Saladin. — É a hora de
minhas orações.
Quando ouviu que a porta se abria e se voltava a fechar, Alpin retrocedeu
sobre seus passos e saiu do túnel. Uma vez no corredor, deixou-se cair no antigo
trono da família e respirou aliviada. Sua excursão pelas entranhas do Castelo de
Kildalton não lhe tinha servido de muito. Só sabia que Malcolm tinha planos com
respeito a ela, e estava decidida a averiguá-los.
O sentido comum lhe dizia que tinha as ferramentas perfeitas, mas lhe
permitiria as utilizar sua consciência?
Capítulo 7
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-Se mal não recordar -disse Alpin caminhando até um ponto perto do
muro-, este era meu território. -Desenhou uma linha no barro-. E esse era o teu.
Malcolm lhe dirigiu um descarado sorriso zombador, com seus olhos de
cor de carvalho brilhando desafiantes.
— Então estou violando seu território.
O coração disse a Alpin que se converteu em um invasor muito perito, mas
seu orgulho lhe assegurava que também nisso podia lhe superar.
— Uma de suas ofensas menores, estou segura.
— Sim? E suponho que você é a Santa que recitará todos meus pecados.
— Só uns quantos. Devo falar com suas outras mulheres para conhecer o
resto.
— Não cometi nenhum pecado contigo agora que é uma mulher. Embora o
tentei.
— Tem muita lábia, Malcolm. O que está fazendo aqui?
Ele assinalou ao outro lado da muralha.
— Acontece que às vezes vivo ali.
Alpin subiu em cima das pedras e olhou ao outro lado do muro. Na
distância, perto de um lago onde estava acostumado a ir pescar, viu um caminho
muito trilhado que conduzia a uma pequena propriedade. Entrecerrou os olhos
para distinguir os detalhes, mas estava muito longe. Então recordou.
-É Carvoran Menor.
-Sim.
Sentiu de novo um vazio no estômago.
— Tem ali a sua amante.
— Tinha. Partiu.
Alpin apertou os lábios para não sorrir.
-Ah! Quanto o sinto! Deve estar desconsolado.
Malcolm girou a boina enquanto seus olhos inspecionavam lentamente o
traje de montar de Alpin. Duvidando se a estava julgando a ela ou a seu traje,
ficou à defensiva.
— Por que me olha assim?
— Porque a ver com calças de pele significa um grande consolo para
minha perda. Sobre tudo daqui.
Só lhe estava tirando o sarro. Alpin riu e saltou ao chão.
— Não sei se é um pícaro de primeira ou um bufão engenhoso.
— Provavelmente seja ambas as coisas.
— E provavelmente eu seja uma rainha em vez de uma donzela sem lar.
O sorriso de Malcolm se desvaneceu.
— Por que sempre faz isso, Alpin?
— Fazer o quê?
— Falar com crueldade de sua vida para que eu me compadeça de ti.
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Malcolm se inclinou mais para ela, tanto que Alpin pôde distinguir cada
uma de suas pestanas e sentir seu quente fôlego.
— Então me mostre quem é de verdade. Me diga porquê veio em busca de
meu amparo.
Falar um pouco à verdade parecia o mais apropriado, considerando o
rápido que lhe pulsava o pulso e o muito que desejava jogar os braços ao pescoço
para assegurar-se de que tinha esquecido a sua Rosina.
— Você, me proteger? Tentou me seduzir no primeiro momento.
— Há coisas que nunca mudarão, como sua habilidade na arte da evasão.
Tinha que conseguir separar-se um pouco. Alpin sabia que se poderia
nervosa se não o fizesse, assim se virou para o muro.
— Já sabe por que vim a você.
— Porque não tinha outro lugar aonde ir? Não acredito. Podia ter ido a
Sinclair Manor.
A crueldade que tinha sofrido durante aqueles anos alagou de novo seu
coração. Virou-se rapidamente para ele.
— Sim! Odiava viver ali e escapava sempre que podia.
— Mas ao menos podia ter parado para fazer uma visita. Se o tivesse feito,
acredito que teria ficado ali.
— Antes voltaria a viver no quarto de sua torre.
Malcolm moveu a cabeça lentamente, com um olhar profundamente
decepcionado.
— Vê-o? Tem feito de novo. Sinto muito, Alpin, que tivesse que procurar
refúgio em um quarto sem janelas, e lamento que tivesse que roubar comida, mas
nada disso foi minha culpa.
Aquela observação tão certa a fez vacilar. Não esperava honestidade por
parte de Malcolm Kerr, mas tinha razão a respeito dos métodos que ela
empregava, e não pôde deixar de reconhecê-lo.
— Obrigado por me dizer isso não foi sua culpa que fugisse de meu tio.
-Entretanto, ele tinha feito com que perdesse Paraíso, mas antes de confessar essa
verdade ganharia a vida servindo em um botequim. Aquela alternativa não
podia ser mais irônica, pois se ele era capaz de descobrir seus métodos, ela
também podia aprender a esvaziar um barril. Engolindo seu orgulho, Alpin lhe
ofereceu a mão.
— Perdoa-me?
Ele a agarrou, percorrendo seus nódulos com o polegar.
— Aceito as desculpas. Provavelmente interesse saber que a família de seu
tio mudou.
— Certamente -disse Alpin sarcásticamente-. Agora seus parentes pobres
vivem em uma pocilga.
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Alpin tinha ganho por que se não, salvo por um verdadeiro afeto, poria ele
o bem-estar de Alpin por cima de sua luxúria? Depois deste sentimento de júbilo,
sobreveio-lhe uma pontada de culpabilidade. A poção tinha induzido a Malcolm
a amá-la, mas ela tinha chegado muito longe e tinha arriscado muito para tornar-
se atrás.
— OH, sim, Malcolm! Você é tudo o que quero -mentiu Alpin.
Capítulo 8
88
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Fez uma pausa, sentindo-se enjoado. Ao pensar que era por causa de seu
problema se repôs-. Quando conceber meu filho.
Sem notar sua preocupação, Alpin disse bruscamente: — Mas isso me faz
sentir como se só me quisesse para te dar um herdeiro.
Empurrando-a para trás para poder ver seus olhos, confessou-lhe a amarga
verdade com absoluta sinceridade:
— Juro-te, Alpin, que me dê um herdeiro é a última de minhas
preocupações. Entretanto, tenho minhas obrigações.
O sorriso que lhe dedicou Alpin poderia ter iluminado várias masmorras
de uma vez. Provavelmente ele a tinha julgado mau. E se o amava de verdade?
Se era assim, Malcolm se encarregaria de seu afeto mais tarde, mas no momento,
tinha muito que descobrir sobre aquela mulher e sobre os motivos pelos quais
desejava se casar com ele tão desesperadamente. Também necessitava uma longa
noite de sonho.
— Então, está contente?
— OH, sim, Malcolm! -Sua voz era profunda-. É meu maior desejo.
Aquelas palavras se ajustavam perfeitamente às circunstâncias, pois sua
paixão por ela era o único sentimento que Malcolm não podia disfarçar.
Agarrou-a em braços e a levou para o cavalo.
Ela se aferrava a ele como o orgulho a um escocês. Gostava de sentir-se em
seus braços. Sempre tinha desejado, compartilhar sua vida com uma mulher que
escutasse seus problemas e lhe ajudasse a preservar o nobre patrimônio do clã
Kerr, mas nunca tinha tido o valor de condenar a uma noiva inocente a um
matrimônio que nunca daria fruto.
Por alguma razão não podia conter suas egoístas necessidades. Naquele
momento a desejava com a ardente lascívia de um moço montando a sua
primeira jovenzinha complacente. Aborrecido por sua própria vulnerabilidade,
Malcolm a colocou escarranchada sobre o cavalo castrado e lhe ofereceu as
rédeas.
— O que podemos fazer agora?
Ela jogou a cabeça para trás e, ainda sorridente, inspecionou o terreno.
— Poderia me mostrar Carvoran Menor.
Malcolm se virou, agarrando as rédeas de seu próprio cavalo. Tinha-lhe
mentido sobre Rosina; não partiria a Itália até o dia seguinte. Continuando com
seu papel de pretendente encaprichado, a olhou de esguelha com um sorriso nos
lábios, expressando seu maior desejo.
— Se te levar ali, Alpin, estará fazendo o papel de esposa antes de
desfrutar o de noiva.
— OH. -Alpin, que estava atando o lenço, deteve-se com os cotovelos
levantados e o tecido de sua jaqueta tensa sobre seus seios. As calças de couro lhe
rodeavam os quadris e as esbeltas pernas.
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estava muito longe. Com horror, Malcolm a viu inclinar-se à direita, preparando-
se para tomar a curva junto à rocha.
O pânico se apoderou dele. Nunca poderia, agarrá-la a tempo.
— Alpin! –vociferou,- Pare agora mesmo!
Ela se virou, lhe dizendo adeus com o braço. Ainda estava olhando para
trás quando desapareceu da vista de Malcolm.
Um instante depois o cavalo relinchou, mas não se ouviu Alpin. Como se
tivesse estado diante, Malcolm viu o cavalo castrado detendo-se frente a enorme
árvore cansada. Viu como Alpin voava de sua cadeira, e ouviu como golpeava
contra o carvalho. Imaginou estendida no chão como um fardo inerte.
Amaldiçoando-se a si mesmo, a ela, e a todos os Santos do céu, Malcolm
conduziu seu cavalo ao outro lado da rocha. O ruço ofegante permanecia frente
ao enorme tronco, e a cadeira estava vazia. Não via Alpin por nenhum lado.
Malcolm deteve seu cavalo e saltou ao chão. Percorreu com o olhar o
caminho cheio de maleza e as samambaias cheias de espinheiros. Não havia nem
rastro de Alpin. Chamou-a a gritos. Só respondeu o silêncio.
Cheio de espanto, correu para a pequena ponte com degraus que subia
pelo tronco e baixava até o outro lado da árvore cansada. Devia ter escutado a
seu pai. Devia cortar a árvore e a limpar o caminho.
— Estúpido, estúpido -amaldiçoou-se cada vez em voz mais alta à medida
que subia os degraus, agarrando-se com raiva ao corrimão. Ao chegar acima se
deteve.
Alpin tinha sido lançada ao outro lado do enorme tronco e jazia sobre um
flanco, encurralada no centro de um urze branco. Malcolm correu até ela,
deixando cair de joelhos.
— Alpin! Me fale! -Com muito cuidado, tocou-lhe as costas.
Não houve nenhum movimento, nem sequer parecia respirar.
— Alpin!
Tinha desejado vê-la morta centenas de vezes, mas isso tinha sido antes de
tê-la entre seus braços e beijá-la, antes de apreciar a vulnerabilidade que Alpin
não era capaz de esconder. Embora não confiasse nela, agora a compreendia
melhor. Suspeitava que muito poucos de seus sonhos e esperanças se tinham
tornado realidade. Tinha direito à vida, embora inconscientemente lhe tivesse
arrebatado a parte mais preciosa da sua.
Alpin ofegou e tossiu até recuperar a respiração.
Logo se queixou. Tinha a tez completamente branca. Ligeiramente
aliviado, Malcolm lhe tocou a testa. -Alpin? Ouve-me?
Respirando com dificuldade, Alpin perguntou:
— O que aconteceu a nossa árvore?
«Nossa árvore» Malcolm se estremeceu ante essas palavras.
— Partiu-o um raio. Onde te dói?
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Malcolm a deixou no chão e fez o que lhe pedia, mas ainda desejava
mofar-se mais dela.
— Um pouco mais de decoro por sua parte, e pensarei que a vida na ilha te
converteu em toda uma senhora.
Alpin soprou ofendida.
— Oh! Deixa já de te caçoar de mim e me ajude a me pôr isto, ou estará de
noite antes que retornemos. Malcolm riu entre dentes.
— Levanta os braços e eu lhe passarei isso pela cabeça. Enquanto a ajudava
a vestir-se, Malcolm se assombrou pelas lembranças que aquele ato despertou em
sua mente. — Quantas vezes nos grampeamos e desabotoamos a roupa um ao
outro?
As dobras da saia afogaram a risada de Alpin.
— Cada vez que íamos nadar...
A saia se enroscou em seus seios. Com muito cuidado de não rasgar o
tecido, Malcolm puxou o objeto até a cintura.
— Ou dançávamos nossos rituais pagãos? –acrescentou Malcolm.
Um formoso rubor devolveu a cor ao rosto de Alpin. Olhando os lábios de
Malcolm, perguntou:
— Ainda beija às garotas?
O primeiro impulso de Malcolm foi beijá-la outra vez.
— Só às sacerdotisas celtas.
— Esquece que disse que seria um bom marido -Alpin lhe golpeou com o
dedo no estômago-. Ai! –Agarrando a mão, murmurou-: Acredito que é um
libertino.
Por alguma razão desconhecida, Malcolm desejava abraçá-la. Tão somente
abraçá-la. Devia estar emocionado ao saber que Alpin tinha escapado da morte
pelos cabelos.
— Acredito que será melhor que montes comigo.
— Eu também. Sinto-me segura em seus braços.
«Como eu me sinto seguro nos teus.» Malcolm cortou aquele alarmante
pensamento da cabeça. Colocou Alpin em seu cavalo, montou detrás dela e se
encaminhou para o castelo com o cavalo tordo trotando atrás deles.
Logo que atravessaram a entrada, Alexander correu a lhes receber.
Agarrando a rédea do cavalo de Malcolm com uma mão, o soldado tirou a boina
escocesa com a outra. Ao ver a blusa de Alpin feita farrapos, perguntou:
— O que lhe aconteceu, senhor?
Uma dúzia de homens se amontoaram a seu redor.
Dirigindo-se a todos eles, Malcolm explicou:
— A senhora se chocou contra o Carvalho Fantasma.
Alexander fez uma careta.
— Faz anos que deveríamos ter feito lenha dessa árvore cansada.
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dotado para pensar racionalmente. Entretanto, Alpin sabia que havia outro
caminho para chegar ao jardim, um caminho livre de homens arrogantes e
espectadores curiosos.
Além disso, pensou animada, aquele mesmo dia tinha conseguido que
Malcolm lhe propusesse o matrimônio. Por que forçaria a escolher entre a
lealdade para seu amigo e o compromisso para com ela?
Assim, Alpin desapareceu disimuladamente e foi a seu quarto para
recolher seu molho de chaves e um vestido para seu amiga. Agarrando um
abajur aceso do corredor, entrou no túnel. Quando chegou ao corredor
adequado, a idéia de um banho quente e a ausência de serpentes e armadilhas
lhe reanimaram. Passou pelo nicho ao outro lado do escritório de Malcolm e
sorriu, pois agora que lhe tinha proposto o matrimônio, já não teria que lhe
espiar nunca mais.
Deixou atrás a escura escada que conduzia ao quarto da torre que uma vez
tinha sido seu lar, afastando a lembrança daqueles momentos de solidão.
Malcolm tinha razão, e Alpin se negou a compadecer-se da menina assustada
que tinha sido fazia tanto tempo.
Quando empurrou a porta de ferro ao outro extremo do túnel e saiu ao
jardim murado, sua boca se abriu cheia de surpresa. Elanna estava de pé ao outro
lado do jardim, junto à porta de madeira, com o tapete de orações do Saladin
enrolada nos ombros. Sorrindo com uma doce satisfação, arrancou as últimas
páginas do Corán e as lançou ao ar, por cima da parede, junto com as tampas de
pele.
— Esqueceu algo, muçulmano -trilou Elanna, arrojando o tapete de orações
do Saladin ao outro lado do muro.
Esfregando as mãos, a última princesa Ashanti da gente de Kumbassa se
dirigiu para Alpin. Com a cabeça muito alta e os ombros retos, Elanna se
plantou ante ela tão nua como dez anos atrás, quando Charles a comprou em um
leilão de escravos em Barbados.
Entretanto, não era a nudez de Elanna o que surpreendeu Alpin, a não ser
seu desalinho. Tinha o aspecto de uma mulher a quem tinham seduzido até o
fundo. Sem o turbante na cabeça, seu cabelo pendurava grosseiramente enredado
pelos ombros. Seus lábios se viam inchados, repletos de sensualidade. A
expressão ausente nos olhos de Elanna, negros como o azeviche, confirmou a
conclusão de Alpin. Conhecia muito bem aquele olhar, e compreendeu a
natureza do desejo de sua amiga. Vítima por sua parte da sedução de Malcolm
Kerr, Alpin se sentia dominada pelo mesmo feitiço de amor.
Uma vez ao lado do Alpin, Elanna tocou sua manga destroçada, e disse
com toda naturalidade:
— As garotas ilhoas se colocaram em confusões.
Alpin assentiu, e ouviu o Saladin dizer do outro lado do muro:
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A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb
Capítulo 9
Elanna e Alpin estavam juntas em uma das janelas do piso de acima, tão
juntas que seus ombros se tocavam.
Abaixo, no pátio já escuro, Malcolm pôs o pé no estribo e montou em seu
semental branco. A luz das tochas iluminava a uma vintena de soldados que
esperavam perto, vestidos com o tartán. O som de suas vozes masculinas se
elevava no pátio, enquanto seus cavalos levantavam uma nuvem de pó.
Através das cristaleiras em forma de diamante, Alpin viu como Alexander
se aproximava de seu chefe. Malcolm se inclinou e lhe falou por longo momento.
Não podia ouvir o que dizia, mas assinalou para o campo de torneios, para as
cavalariças onde guardavam os falcões, e por último ondeou o braço coberto de
seda, assinalando todo o recinto cercado.
Alexander fechou a mão em um punho e logo elevou seu polegar no ar.
Disse umas palavras e mostrou o dedo indicador; voltou a falar, e logo se dobrou
ao meio. Malcolm assentiu e continuou com suas instruções.
Alpin bufou de cólera, mas não porque ele partisse; necessitava um pouco
de tempo para recuperar a si mesmo.
Entretanto, podia ter falado com ela, pois se sentia perfeitamente
capacitada para encarregar-se dos assuntos de Malcolm. Desde que lhe deixou
uma hora antes para resgatar a Elanna do jardim murado, não havia tornado a
lhe fazer caso.
Nesse tempo, Alpin tinha limpado as feridas e pôs a camisola e a bata.
Também tinha trocado de idéia. Não queria que se fosse, mas Malcolm parecia
mais interessado na caça que em consumar o liberal matrimônio que tinham
negociado.
— Viva a paixão -murmurou Alpin.
— As garotas ilhoas estão melhor sozinhas -disse Elanna.
Sentindo-se abandonada, Alpin raspou o sujo cristal com uma unha,
perguntando se ao menos Malcolm se despediria.
O que faria ela se Malcolm partia sem sequer lhe dirigir um olhar?
Retorceria-lhe o pescoço, isso seria o que faria. Tampouco esperava uma
despedida dramática, mas como, em nome de todo o mais sagrado, ia ela a atuar
como uma noiva devota se ele não se dignava a comportar-se como um noivo
apaixonado? O que acontecia era que ele não estava apaixonado, -admitiu Alpin
em silêncio. Só sentia luxúria, e inclusive isso se desvaneceria assim que a poção
perdesse seus efeitos.
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A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb
chão escocês como os antigos fresnos do pátio do castelo. Quando estiveram cara
a cara, Malcolm sussurrou:
— Como está sua mão?
Alpin não deu importância à lesão.
— Já está melhor.
Malcolm percorreu com o olhar sua rosto e seu cabelo solto, e logo se fixou
em sua boca. Alpin se sentia flutuar, e se perguntou se seria pela poção. Mas se
disse que não podia ser, pois tinha bebido muito pouca.
— Te cuide enquanto estou de caça, Alpin. Peça ao Alexander o que
necessite.
A tarde se desvanecia, e de repente Alpin se imaginou sentada no bordo
do velho poço, com o seio nu em poder das mãos e os lábios de Malcolm.
— Algo?
Os olhos do Malcolm brilharam com picardia. Com um encantador sorriso,
respondeu:
— Exceto coisas íntimas. Essas as deixe para seu marido.
Então depositou em seus lábios um abrasador e candente beijo de posse.
Um murmúrio se difundiu por todo o pátio, mas em lugar de envergonhar a
jovem, o saber que os homens de Malcolm lhes estavam observando, estimulou
sua paixão. Regozijando-se com o tato de seus lábios e com o poder de seu
abraço, e com uma audácia tão nova que resplandecia como fogo em seu interior,
Alpin abriu a boca amplamente.
Um grunhido de aprovação retumbou no peito de Malcolm, e enquanto
suas mãos a agarravam com mais força, sua língua penetrou na boca de Alpin,
retirando-se depois e convidando-a a lhe seguir. Aquela provocação
embriagadora e a segurança de que partia, a animou a seguir. Confiando na
intuição mais que na experiência, Alpin atraiu a língua de Malcolm para sua boca
e a sugou levemente, saboreando o persistente suco de bagos e consciente de que
a poção ainda o tinha sob seus efeitos.
Sentiu como o peito de Malcolm palpitava e seus dedos começavam a
tremer. Pensando que provavelmente tinha ido muito longe, Alpin se tornou
para trás. O aplauso dos soldados ressonou em seus ouvidos. Malcolm abriu os
olhos de repente.
— Por todos os Santos! -exclamou-. Converteu-me em um selvagem.
Absurdamente adulada e um pouco assustada pelo fervente brilho nos
olhos de Malcolm, Alpin fixou a vista na insígnia de seu clã.
— Tenho medo de cair.
Macolm a elevou um pouco mais. Seus olhos se encontraram de novo.
— Deixei te cair alguma vez, Alpin?
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secretária de Malcolm, tinha direito a estar ali. Além disso ele estava fora,
caçando. As cartas estavam de novo em seu lugar, e embora Malcolm já tivesse
retornado, nunca saberia que ela tinha estado farejando.
Além disso, aquele som metálico provinha do mesmo quarto. Era o sino
que Saladin havia trazido de La Balance. Rindo-se de si mesma, secou o suor de
suas mãos na saia e conteve o tremor de seu corpo como pôde.
Que boba tinha sido! Mas por que tinha tocado o sino? A peça de cobre
deslustrado pelo tempo seguia descansando sobre a prateleira superior, igual a
antes. Curiosa, Alpin subiu ao tamborete. Justo quando estirava o braço, o sino
voltou a soar.
Alpin soltou um grito e se tornou para trás. cambaleou-se, e tratou de
equilibrar os pés sobre o bordo da banqueta agitando os braços. Desesperada se,
lançou para frente, agarrando-se à prateleira mais próxima; por fim o tamborete
se balançou até estabilizar-se no chão. O coração de Alpin pulsava como um
tambor e a mão dolorida tremia pelo esforço. Respirou profundamente várias
vezes. Quando se acalmou, pôs os pés sobre a banqueta e relaxou as mãos,
tentando alcançar de novo o sino.
Então viu o fio. Um extremo estava enrolado ao badalo; o outro
desaparecia por um pequeno buraco a um lado da livraria.
Dominada por uma terrível suspeita, Alpin voltou a deixar o sino em seu
lugar e saltou ao chão. Não fazia muito, tinha estado no escuro túnel de detrás da
estante escutando a conversação entre o Malcolm e Saladin.
Anos atrás, fazia daqueles túneis seu lar. Alpin procurou com segurança o
atirador na parede e o girou para a esquerda.
Escutou-se um roce metálico. Uma parte da biblioteca se separou da
parede, deixando ao descoberto o corredor principal da rede de túneis. Em sua
infância, estava acostumado a cruzar os passadiços com a presteza e a agilidade
de uma lebre, e agora se introduziu cautelosamente na escuridão.
Meio metro por cima de sua cabeça, descobriu uma fileira de anzóis
oxidados que serviam de guia ao fio. Era um sinal de alarme?
Levantou o abajur e seguiu o fio, que terminava na parte superior de uma
porta, a uns sete metros. Com os dentes apertados, agarrou o pomo e atirou dele.
A porta se abriu e ante ela apareceu o corredor com suas altas fileiras de
ventarolas e seu dobro de fila de mesas e bancos, que a essa hora estavam
desertos. O enorme trono, saído de um carvalho gigante e blasonado com o sol
dos Kerr, permanecia vazio.
De menina, subia a ele e na silenciosa escuridão fingia ser a soberana
daquele reino.
Voltou a ouvir o sino mas em sua distância tangido soou mais como um
tinido. Se a porta da biblioteca tivesse estado fechada, ela não o teria ouvido,
assim havia alguém rondando muito perto.
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A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb
Aquele artefato tinha sido idealizado por uma mente diabólica e utilizado
por um desprezível canalha. Ela tinha sido a vítima, tremendo de medo para
ouvir mencionar os ratos, as serpentes e as armadilhas. Quanto deveria ter se
divertido Malcolm e Saladin!
Tratando de dominar sua cólera, refletiu sobre o recente mistério: quem
tinha aberto essa porta fazia tão somente uns minutos?
Disposta a averiguá-lo, retrocedeu sobre seus próprios passos, fechou a
estante, e obedecendo a sua intuição, foi até a cozinha.
Encontrou a Doura, acariciando o lombo arqueado de um gato que parecia
mais interessado em beber a lambidas uma tigela de leite que em acolher os
mímos da criada. Era o caçador de ratos. Alpin lhe havia dito a Doura que
encontrasse um gato e o metesse no túnel, mas isso foi descobrir que a história
dos ratos tinha sido um intento de Malcolm para intimidá-la. Amaldiçoando sua
estúpida reação, Alpin se arreganhou a si mesmo por haver-se assustado como
uma criada histérica.
— Bom dia, Doura.
A moça ficou em pé de um salto.
— Bom dia, senhora. Esta pobre gata morta de fome andou toda a noite
rondando pelos túneis sem encontrar nenhum rato. E tem uma faminta ninhada
de gatinhos miando no estábulo.
— Acaba de deixá-la sair?
— Sim. Assim que tenho aberto a porta do corredor, a pobre Delilah saiu
correndo.
Isso explicava o tinir do sino, mas não desculpava ao Malcolm, pois por
culpa de suas armadilhas Alpin podia haver-se caido do tamborete, rompendo o
pescoço.
— Eu já sabia que não havia ratos ali dentro, embora o senhor lhe dissesse
o contrário. A senhora Elliott iria se cantar a um botequim antes que permitir que
Kildalton se enchesse de roedores. Ela foi quem nos ensinou suas normas de
limpeza a todas as criadas.
— Fez muito bem, Doura. — Alpin agarrou uma torta quente e se sentou à
mesa. — Logo que Delilah termine o leite, devolve-a aos estábulos e dê ao
veterinário meio quilograma de manteiga por haver nos emprestado a gata.
— Sim, senhora. Alguma coisa mais?
— Viu a Elanna esta manhã?
— Ainda está na cama. Quer que a desperte?
— Não, mas eu gostaria que limpasse as janelas do piso de acima.
Com a cauda rígida como um mastro, Delilah se enroscou entre os
tornozelos de Doura.
— Em seguida -disse a criada agarrando à gata e dirigindo-se para a porta.
Alpin, que já tinha perdido o apetite, chamou de novo à criada:
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Capítulo 10
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voltava em si, proibiria a Elanna que usasse suas beberagens, e lhe pediria que
confessasse seus sentimentos para o mouro.
— A gente de Kildalton o quer muito, verdade?
— Sim -Respondeu Malcolm.
Saladin tossiu, e de repente abriu os olhos. Com a boca entreaberta, olhou
a seu redor e depois a cada uma das pessoas que havia junto a sua cama. Dirigiu
ao Malcolm um sorriso de dor.
— Por fim! -exclamou Malcolm deixando escapar um sopro.
Saladin se voltou para a Elanna, que chorava. Malcolm se apressou até o
outro lado da cama e se ajoelhou.
Elanna afundou a cara no trapo molhado, soluçando. Chorosa, Alpin se
aproximou de sua amiga e lhe deu uns tapinhas nas costas.
-O que é isto? -perguntou Saladin fracamente-. Um velório?
Elanna soluçou ainda mais forte. Malcolm agarrou a mão ao Saladin.
— Depende de como te encontre, meu amigo.
O mouro se umedeceu os lábios e engoliu saliva.
— Sinto-me como se me tivesse miserável por todo o caminho até casa.
Como cheguei aqui?
— Trouxemo-lhe na carroça.
Saladin se sentou a frente e inclinou o turbante.
— Por que chora essa africana? Vai dar alguém algo de beber? Minha boca
parece o fosso da fortaleza do Gordon.
Elanna se sorveu as lágrimas e levantou a cabeça, dizendo:
— Mouro negro insolente.
— E ingrato -acrescentou Malcolm.
Saladin sorriu, mostrando a separação entre seus dentes.
— E sedento também. Utilizaste seus poderes Ashanti para me arrancar
das garras da morte?
«Se soubesse -pensou Alpin-, que foi Elanna quem pôs sua vida em perigo.»
Elanna lhe serviu suco de laranja e o ajudou a beber.
Os olhos de Saladin não se separavam de sua cara. Quando teve esvaziado
o copo, disse:
— Salvaste-me?
Ela assentiu com a cabeça e encheu de novo o copo. Quando o ofereceu,
Saladin lhe pôs uma mão sobre a dela. Olhando primeiro ao Malcolm e logo a
Alpin, disse:
— Nos deixem sozinhos.
Alpin observou como Elanna ficava tensa e lhe surpreendeu que não
protestasse. Acreditando que sua amiga tinha medo de ficar a sós com o mouro,
disse:
— Provavelmente deveríamos ficar, Saladin. Pode ser que necessite de nós.
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Capítulo 11
Saladin decidiu que se Elanna lhe chamasse teimoso uma vez mais, pegaria
sua cimitarra e arrancaria de um golpe um pedaço do pé da cama. E se não
parava de mover-se, ataria-a à cadeira, embora estivesse muito fraco para
levantar um dedo.
Durante a meia hora que tinham estados sozinhos, Elanna não lhe tinha
dirigido nem uma dúzia de palavras. Saladin suspeitava o motivo, mas não
entendia como dez dias atrás seu encontro no jardim murado tinha começado
com doces beijos; para terminar em uma amarga briga.
— Salvaste-me a vida e entretanto não quer falar comigo, por que?
De pé junto à biblioteca, Elanna folheava o Corão ilustrado de Saladin.
— Um muçulmano é bastante preparado para sabê-lo.
Saladin se encontrou observando sua estreita cintura e a graciosa queda da
saia. O suave tecido de algodão a raias verticais de cores amarela e azul
acentuava sua excepcional estatura e destacava sua formosa pele morena. Um
turbante cobria o cabelo e realçava seu comprido pescoço.
Saladin se animou, mas para sua consternação, estava muito aturdido para
dominar suas ânsias luxuriosas e muito fraco para deixar-se guiar por elas. Tão
certo quanto a montanha tinha ido a Mahomé, Alá lhe tinha enviado aquela
mulher. A operação de compreendê-la e ganhá-la, devia ser a forma que o
Profeta tinha eleito para ensinar humildade a Saladin Cortez.
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Pensando que Malcolm queria fazer uma visita a seus pássaros, Alpin
disse:
— Está preocupado pela coruja?
Ele se deteve.
— Não. Deveria estar?
Durante sua ausência, Alpin estava acostumada a visitar as cavalariças
para afastar suas inquietações sobre Malcolm. Ali tinha revivido também
lembranças de sua infância.
— Não. Eu mesma me ocupei da ave.
— Sabia que o faria. Nunca foi capaz de dar as costas a um animal doente
ou ferido.
Depois de uma tarde tão agradável, a amabilidade de Malcolm era
contagiosa.
— Não. É verdade. Sua única necessidade é comida, e a asa de sua mãe já
está muito melhor.
— Logo terei que lhes soltar.
Alpin se entristeceu ao recordar que igual a aquelas aves selvagens, lhe
deixaria. Entretanto, não podia permitir que seus pensamentos sobre o futuro
danificassem sua noite de bodas. Ao advertir que até esse momento tinha
considerado sua partida do ponto de vista de voltar para Barbados, e não de
abandonar Kildalton, Alpin se surpreendeu.
— O que te pareceu Rot and Ruim? –perguntou Malcolm.
Alpin riu.
— Gostei muito do botequim, mas quem lhe pôs esse nome tão absurdo? É
um lugar onde se reúnen os amigos, não um ruidoso antro de perdição.
— Lembra-te de lady Alexis?
— Sim -Alpin recordava daquela mulher enorme, com o cabelo escuro
Muitos anos atrás, utilizando os passadiços secretos, Alpin tinha entrado
na quarto daquela dama da nobreza e tinha usado seus xaropes.
— Era amiga de sua madrasta, e tinha algum parentesco com a rainha Ana,
verdade?
— Sim -Malcolm a rodeou com o braço e a conduziu por debaixo do toldo
da oficina do emplumador.
— Eram primas. Deu o nome ao botequim.
— O que aconteceu com ela?
— Casou-se com Angus MacDodd, o meirinho de meu pai, vivem no
Traquair House.
Alpin sabia que este era o antigo lar dos Eduardo.
— Está perto daqui?
Malcolm se deteve frente aos estábulos.
— Está para o norte, a uns dias a cavalo. Espera aqui. Volto em seguida.
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Alpin o viu desaparecer pela porta, como uma sombra deslizando-se para
uma escuridão maior. Dos estábulos saiu um doce e penetrante aroma de feno; os
cavalos se agitaram. Malcolm lhes falou em um tom tranqüilizador e melódico.
Sua voz, que se ouvia cada vez mais distante, indicava que se afastava para o
interior.
Alpin viu sair três soldados do botequim, cada um dos quais tomou um
caminho diferente. Um homem levava um farolete cuja luz oscilava enquanto
subia as escadas que conduziam às alamedas.
Logo saíram Rabby Armstrong e Emily, a criada, agarrados na mão foram-
se em direção ao mercado. A faxineira ria bobamente enquanto o soldado falava
com tom doce.
Ouviu de novo os cavalos e o pulso começou a acelerar-se, agora Malcolm
a levaria para casa. Alpin se obrigou a pensar em outra coisa. Seu lar era Paraíso,
e não esse castelo com suas alamedas alinhadas contra o céu noturno e suas luzes
amareladas brilhando nas janelas da torre.
— Fecha os olhos e estende as mãos.
A voz soava brincalhona, como o Malcolm que tinha conhecido na
infância. Alpin sentiu uma pontada de arrependimento e logo uma profunda
pena por ela mesma, por ele e pelas circunstâncias que a tinham levado a Escócia
vinte anos depois de que tinha jurado não voltar a pôr os pés naquela terra.
Estendeu as mãos. Algo quente e suave lhe roçou as palmas das mãos.
— Sabe o que é? -perguntou Malcolm.
Era um animal. Mas qual? Alpin o apertou contra seu peito, acariciando-o.
Não podia ser um gato caçador de ratos, pois aquela criatura parecia dócil e
tranqüila. Então lhe tocou as orelhas e os pés planos traseiros.
— Um coelho.
Malcolm a rodeou com seu braço e disse:
— Mas não é um coelho qualquer. Tem um antepassado muito especial.
Hattie, outro dos animais machucados que tinham sido seus únicos amigos
na infância. Os olhos de Alpin se encheram de lágrimas de felicidade. Anos atrás,
seu tio a tinha obrigado a dar de presente aquele bichinho ao Malcolm e este
tinha deixado livre ao Hattie para que se multiplicasse em liberdade.
Cheia de gratidão, Alpin abraçou aquela lembrança vivente de seu passado
e se inclinou ante o homem que o tinha dado.
— Foi ao Sweeper's Heath — observou Alpin, aflita por tanta ternura.
— Sim -confirmou Malcolm acariciando as orelhas do coelho— Já te disse
que o lugar estava invadido pelos descendentes de Hattie. Os conhecemo como
os amigos de Alpin.
— Não sei o que dizer.
— A felicidade que mostra é agradecimento suficiente -assegurou Malcolm
abraçando-a.
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Uma vez dentro do castelo, Malcolm a conduziu escada acima até seu
quarto. Sob o tênue brilho do abajur de azeite, Alpin observou como soltava o
coelho marrom. O bichinho saltou agilmente por cima da banqueta, farejando o
caminho até meter-se detrás das cortinas.
Malcolm se encontrava frente a Alpin, as mãos em suas bochechas,
beijando levemente os lábios uma e outra vez.
O suave roçar de sua boca excitou os sentidos de Alpin, cujo corpo pulsou
de desejo. Impaciente, agarrou-se com força à cintura do Malcolm, sentindo seus
vigorosos músculos nas palmas das mãos.
— Devagar, meu amor se deixe levar.
Aquelas simples palavras dirigidas a sua inexperiência deram a noção que
necessitava dominar a fome que roía suas vísceras. No instante em que suas
mãos se relaxaram e sua mente recuperou o controle, Alpin vislumbrou o
maravilhoso lugar em que se dispunha a entrar.
Malcolm captou a alegria em seus olhos, pois sorrindo, murmurou:
— Sim. Logo será nosso.
Seu olhar vagou pelo rosto de Alpin, e com uma paciência que o próprio Jó
invejaria, Malcolm a aproximou ainda mais dele e posou sua boca sobre a dela.
Úmidos, quentes e doces como o mel, os lábios de Malcolm produziam uma
faiscante magia tão expertamente controlada que acalmava e formigava,
provocava e apaziguava ao mesmo tempo. Malcolm despertava a paixão de
Alpin por etapas: um beijo na comissura da boca despertava o anseio em seus
seios; um lento percurso de sua língua pelos lábios de Alpin fazia que seus
mamilos se arrepiassem, e sentir como sorvia seu lábio inferior enviava uma
sacudida de desejo diretamente a seu estômago. Sentindo-se no limbo, Alpin
sussurrou:
— É como se me beijasse por toda parte.
Malcolm riu entre dentes.
— E o farei, ao seu devido tempo. -Suas mãos abandonaram a face de
Alpin, vagaram por seu pescoço e se posaram em seus seios.
— Sente o desejo aqui?
Pondo suas mãos sobre as dele, Alpin pressionou até provocar um gemido.
— O que você acredita que sinto? -perguntou.
Malcolm tomou a mão de Alpin e a levou até a parte dianteira de seu
tartán até que pôs a palma sobre sua viril protuberância.
— Acredito -disse Malcolm, tomando ar — que será melhor que te tire
essas roupas.
— E o que tem suas roupas?
Um sorriso tão grande como Bridgetown encheu o rosto de Malcolm.
— Isso é com você.
Pela primeira vez, Alpin se sentiu segura.
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Contemplando-a desde muito perto, Malcolm ascendeu sobre ela até que
seus lábios se encontraram e seus corpos se tocaram dos ombros até os joelhos. O
pêlo do Malcolm roçou os mamilos de Alpin, deixando-a excitada, e os duros
músculos de seu abdômen sobre o dela fizeram com que lhe contraissem o útero
e seus quadris ondeassem. A persuasão de seus beijos e o insistente investir da
língua de Malcolm provocaram em Alpin uma gama de sensações
deliciosamente perversas.
Com mãos ávidas, acariciou as costas de Malcolm e sua cintura. Quando
ele gemeu, Alpin encrespou os dedos, percorrendo brandamente suas costelas
com as unhas. Malcolm estremeceu; seus braços tremeram e apertou seus quadris
mais intensamente contra o berço da feminilidade de Alpin.
Com o peito palpitante e sentindo um calor abrasador, Malcolm cobriu de
úmidos beijos o pescoço e clavículas femininas, descendo até o seio. As mãos de
Alpin se aferraram a sua cabeça para lhe guiar melhor. No instante em que os
lábios de Malcolm encontraram seu objetivo, ela gemeu, arqueando-se contra ele.
O ruído que produziam as suaves sucções eram leves em comparação com o
desejo que rugia nos ouvidos de Alpin.
Ela se retorceu, tratando de lhe atrair para cima, mas ouviu como
murmurava:
— Logo, meu amor. Muito em breve.
Com uma lentidão torturante, Malcolm se deslizou ao longo de seu corpo,
lhe tirando as meias enquanto descia. Logo se ajoelhou entre suas pernas e lhe
agarrou os tornozelos. O resplendor do abajur iluminou os ondulantes músculos
de seus braços e peito, acentuando a intensa concentração de sua mandíbula e
seus lábios apertados.
Completamente nua ante ele, Alpin se ouviu dizer:
— Tenho frio.
Malcolm olhou para cima, com uma mecha de cabelo negro como a noite
caindo sobre sua testa e um malicioso brilho nos olhos.
— De verdade?
Encolhido como estava, com sua virilidade feita um grosso barrote contra
seu estômago, tinha o aspecto de uma besta faminta a ponto de saltar. Ansiosa
por converter-se em sua presa, Alpin respondeu:
— Sim.
Malcolm lhe tirou os sapatos, enviou suas meias voando ao outro lado do
quarto, e logo tirou rapidamente as botas.
— Quer um lençol para te esquentar?
— Sim, mas só se for você.
Malcolm sorriu, repetindo a palavra que Alpin já começava a odiar:
— Logo.
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Reviver o êxtase era fácil, mas tinha um defeito: tinha estado sozinha. Não
tinha pensado em Malcolm, em se ele tinha alcançado ou não a satisfação. Agora
sabia que tinha sido egoísta enquanto se deixava levar pelo prazer.
— Esta vez você também desfrutará, verdade? -perguntou.
A vulnerabilidade de Alpin fez estremecer ao Malcolm.
— Sim, Alpin, mas só se confiar em mim.
Girando a cabeça para um lado, Alpin beijou sua bochecha e se acomodou
debaixo dele.
— Confio em ti -sussurrou.
Fazendo provisão da paciência que ficava e obrigando a retroceder o
desejo que oprimia suas vísceras, Malcolm voltou a cravar-se nela. Alpin, tensa e
cálida, entregava-se com valentia. Malcolm se aferrou tão firmemente como pôde
aos estreitos quadris de Alpin e empurrou para frente, centímetro a centímetro,
até que por fim ela: capturou-lhe completamente. Um gemido de alívio escapou
dos lábios do Malcolm.
O homem dirigiu sua atenção a Alpin. Ela tinha comprido sua palavra;
permanecia imóvel.
Sua observação de que a natureza tinha criado seus corpos para
complementar um ao outro não podia ser mais acertada pois Malcolm notou um
alívio da tensão nas mãos e pernas de Alpin quando a penetrou.
— Melhor? -perguntou ele.
Alpin percorreu os flancos do corpo do Malcolm com as pontas dos dedos.
— Sim e para ti?
-Oh, sim. -Tomou fôlego e começou a mover-se dentro dela — É meu
paraíso particular.
Alpin ficou em tensão. Consciente de que lhe tinha feito mal, Malcolm
voltou a penetrar mais devagar, lhe dando tempo para que se acomodasse.
Malcolm despertou de novo o prazer de Alpin, lentamente, desatando sua paixão
uma vez mais e fazendo logo uma pausa para permitir que seu prazer
aumentasse. Os gemidos de frustração de Alpin e o murmúrio de suas súplicas
para que a liberasse, só conseguiram que Malcolm lutasse por dominar ainda
mais suas necessidades de forma que pudesse intensificar as suas próprias.
Quando as magras pernas de Alpin lhe abraçaram e os músculos femininos
se contraíram ao redor dele, Malcolm soltou os grilhões do autocontrole e deixou
sua paixão em liberdade. Foi uma experiência doce, pura e de algum modo
diferente das anteriores.
Aquela observação lhe desconcertou, igual à atração que seguia sentindo
para com a mulher ofegante e satisfeita que tinha debaixo. Por causa de sua
esterilidade fazer o amor sempre lhe deixava um vazio, um sentimento de
fracasso.
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A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb
Essa noite tinha sido diferente. Aquela profusão de carinho lhe assustou,
pois de todas as mulheres pelas quais se interessou, Alpin MacKay era a que
menos merecia seu afeto. Entretanto sabia que necessitava uma companheira
como ela.
Malcolm se retirou dela e se tombou sobre suas costas, agasalhando-a na
curva de seu braço. Um suspiro de satisfação de Alpin acariciou seu orgulho
masculino. Ainda assim, remoía-lhe a consciência. Alpin tinha cumprido sua
parte do trato e muito mais. Ele a tinha induzido a uma união que nunca daria
fruto.
Mas de quem era a culpa senão dela?
De repente, a vida de vingança que tinha planejado tão cuidadosamente
lhe pareceu absurda.
— Tem sede?
— Não.
— E sono?
— Não.
— Fome?
— Tampouco.
Depois do jogo amoroso, Alpin não queria conversação nem abraços. Nisso
também era distinta a todas as demais mulheres. Não suplicava palavras de
carinho, de repente Malcolm tomou sua reserva como uma provocação, depois
de tudo, tinha muitas perguntas que lhe fazer. Mas mais que curiosidade, sentia
uma terrível necessidade de conhecê-la melhor.
— Me conte -disse, acariciando seu braço e admirando o modo em que a
luz do abajur resplandecia sobre sua pele bronzeada. — Como te divertia em
Barbados todos estes anos?
Capítulo 12
— Não sei. Meu pai morreu no mar antes de que eu nascesse. Conservo
uma vaga lembrança de minha mãe.
— Parece-te com ela?
Ao pensar em sua mãe, Alpin experimentou um profundo sentimento de
perda. Parecia-lhe recordar que tinha tido a mão de sua mãe moribunda entre as
suas; mas não estava segura, pois tanto o acontecimento como o rosto de sua mãe
estavam desenhados em sua mente.
— Não me lembro muito dela.
— Alguma vez pensou em tratar de encontrar às pessoas de seu pai?
Uma frieza muito familiar a invadiu. Os MacKay não se preocuparam por
ela. Alpin não daria nem uma manga podre em troca de todos eles, mas Malcolm
não tinha por que sabê-lo.
— Esquece que me mandaram embora aos seis anos. Como ia procurar aos
MacKay de Barbados? — replicou Alpin rindo — Além disso, nem sequer sei
onde vivem, e você?
— Sim. Ainda ocupam o extremo noroeste da ilha. Agora que vive comigo
na Escócia, suponho que quererá localizar a sua família.
O silêncio de Malcolm exigia uma resposta. Alpin não podia lhe dizer que
não tinha intenção de ficar na Escócia, mas se não confirmava a hipótese de
Malcolm, este poderia suspeitar de seus planos.
— Eu gostaria de lhes conhecer -afirmou Alpin — Mas e se eles não
querem saber de mim?
— Estou seguro de que quererão.
— Então por que o barão Sinclair não ficou em contato com eles quando
morreu minha mãe? Ele devia saber onde estavam. Ele leu os papéis de minha
mãe antes de enterrá-los com ela.
— Esse não é o estilo de Sinclair. Para ele era natural fazer-se responsável
por ti, igual a fez com seus outros primos sem recursos.
A ela nada disso lhe importava, mas se sentiu obrigada a seguir com o
assunto, já que parecia ser tão importante para Malcolm.
— O barão podia ao menos ter escrito aos MacKay.
— Não, por então não podia. Recorda que é inglês e não tem nenhum laço
com os clãs das terras altas. Além disso, naqueles tempos estava em guerra com
meu pai. Quando por fim se estabeleceu a paz na fronteira, você estava
felizmente instalada em Barbados.
Isso era certo, e tinha que voltar ali, pensou Alpin.
— O que acha que devo fazer com os MacKay? Devo lhes fazer saber que
estou aqui?
— Acredito que sim. Seu chefe jurou lealdade a meu amigo, o conde de
Sutherland. Ele poderia te ajudar a encontrar à família de seu pai.
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A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb
Escócia. Liberar os escravos de Paraíso e assegurar seu próprio futuro eram mais
importantes.
— Parece ausente. — Malcolm se ajoelhou na cama e lhe obstruiu a luz —
Tão logo se aborreceu com seu novo marido?
Alpin se sentia mais segura de si mesmo que nunca; já teria tempo de
descobrir quão secredos Malcolm escondia, mas se levantava suas suspeitas,
perderia a oportunidade de conseguir a independência.
— Só se meu marido se aborreceu de mim -repôs.
Malcolm a olhou entre as pernas.
— Se chamas aborrecido a este tipo, ainda tem muito que aprender sobre a
anatomia masculina.
O descaramento com que Malcolm tinha respondido fez minguar a
segurança de Alpin.
— Para que é esse tecido molhado? — Malcolm separou as pernas de
Alpin. Ao dar-se conta do que ia fazer, a mulher retrocedeu até a cabeceira. Fez
uma careta de dor.
— Posso me lavar sozinha.
— É verdade, e também pode admitir que ainda está sensível em certos
lugares -repôs Malcolm assinalando o regaço da jovem.
— De acordo, mas não tem por que se aproximar com um trapo gelado.
— E você não tem por que ser tão teimosa. Sou seu marido, Alpin, e eu
adoro cuidar de ti.
Provavelmente Malcolm pensava que tinha direito a comer-lhe com os
olhos, e gostava de como a olhava. E era verdade, mas antes que admiti-lo, Alpin
renunciaria a Paraíso.
Alpin fez um esforço por relaxar-se e cruzou as mãos debaixo de sua
cabeça.
— Se tiver o capricho de se fazer de criada da senhora, adiante.
— É uma mulher muito sábia. — O malicioso sorriso do Malcolm e seu
tom desenvolto anunciavam uma recompensa. Então colocou o pano entre as
coxas do Alpin e se tombou a seu lado.
— O que faz? Acreditava que...
— Se cale. — Malcolm levantou um dedo em sinal de repreensão -. Outra
vez está protestando, minha preciosa esposa. Agora vou fazer duas coisas:
esquentar a toalha e esfriar meu ardor.
A Alpin não lhe ocorreu nenhuma resposta engenhosa. Deu uma olhada a
seu «ardor» e o encontrou repentinamente dominado.
— Oh!
— Mas enquanto isso — continuou Malcolm pacientemente, — estou
seguro de que não te importará se me permito um capricho, como você muito
bem há dito.
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A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb
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A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb
Malcolm tinha falado com tanta gente no botequim que Alpin não podia
recodar a todos. Era como se todo mundo exceto ela estivesse à corrente do
presente do coelho.
— Te assegure de dar ao carpinteiro um pouco de comida além do que o
senhor Malcolm lhe pague por seu trabalho.
— Sim, senhora. Fraser adora o haggis, mas sua mulher nunca o prepara.
— Então lhe dê haggis. Toma. — Alpin lhe passou o coelho — Cuida de
minha coelhinha até que tenhamos um lugar seguro onde colocá-la. Estarei na
horta recolhendo sementes para plantar o ano que vem. Ela já teria ido na
primavera, mas as pessoas de Kildalton não sofreriam por sua marcha.
Doura acariciou as orelhas do coelho.
— Foi uma surpresa muito grande, senhora?
— Certamente.
— O senhor disse que o seria. Quando lhe ocorreu, ficou tão contente que
deu uma palmada na perna e salpicou de água todo o chão da antecozinha.
Alpin gostava de ouvir falar da generosidade de Malcolm.
— Quando foi isso?
— Ontem, enquanto ele se banhava. Você tinha subido para lhe buscar
roupa limpa. Mandou-me dizer ao Rabby que fosse ao Sweeper's Heath naquele
momento para que agarrasse a este precioso coelho. Lorde Malcolm estava fora
de si de preocupação pelo mouro, mas então Saladin ficou melhor e ao senhor
nada parecia suficiente para você.
Assim que o coelho tinha sido um presente de gratidão, não uma amostra
de afeto. Alpin sentiu uma pontada de decepção. Acreditava que Malcolm lhe
tinha sentido falta enquanto estava na caça e que havia lhe trazido o coelho como
um gesto de amor. Ela tinha se comportado como uma menina apaixonada, e
inclusive havia sentido comovida. Não existia nenhum sentimentalismo por
parte de Malcolm nem romantismo algum por ela.
— Ocorre algo, senhora?
Nada que tivesse a intenção de compartilhar.
— Claro que não, Doura. Só estava pensando em todo o trabalho que nos
espera hoje.
Doura se ergueu.
— Estou pronta para cumprir minhas tarefas. Desiludida, Alpin voltou
para a rotina.
— Eu recolherei os lençóis sujos dos barracões enquanto você ferve água
Elanna começou a depenar ontem um ganso. Termina com ele.
— Quem vai cuidar do mouro? — perguntou Doura. Alpin tinha estado
tão absorta pensando em Malcolm Kerr que se esqueceu de Saladin.
— Estou certa de que Elanna cuidará dele. Torcendo a cara, Doura disse:
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A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb
— Não acredito, senhora, e menos depois de ontem à noite. Além disso, ela
foi pescar.
— Pescar? — Elanna nunca tinha pescado em sua vida — Está segura de
que disse que ia pescar?
— Sim. Pediu-me que lhe explicasse como chegar ao lago. Certamente é o
melhor que podia fazer, depois da briga que teve ontem à noite com o Saladin.
Problemas no castelo era a última coisa que Alpin teria desejado nesse
momento. Pensando que Elanna se sentiria culpada por haver dado a poção ao
Saladin, esperava que lhe cuidasse noite e dia.
— Me conte o que aconteceu.
— Bom... — Com as bochechas acesas, a criada olhou para o coelho que
tinha nos braços. — Tiveram uma bonita briga enquanto vocês estavam no
botequim. Eu me encontrava limpando a ante cozinha, mas pude ouvir como
gritavam. Saladin queria seu tapete de orações, e a senhorita africana lhe dizia
que estava muito doente para arrastar-se pelo chão. Quando lhe exigiu o tapete,
ela o atirou pela janela e lhe ordenou que ficasse na cama.
Elanna sempre se burlou das religiões tradicionais, e culpava aos
missionários por ter irradiado enfermidades a sua tribo. Alpin quase podia
escutar à mulher africana burlando-se da fé de Saladin, sobre tudo se entorpecia
sua cura. Se tinha ido ao lago era para que Saladin, que não comia carne, ao
menos comesse pescado.
— Busca o tapete e leva-o ao Saladin com o café da manhã.
Doura fez uma reverência.
— Sim, senhora, mas necessitarei a chave do jardim murado. Ali onde
aterrissou o tapete — O quarto de Saladin, no segundo piso, dava ao jardim.
— As chaves estão na prateleira debaixo, na ante cozinha.
— Em seguida vou.
Depois de recolher os lençóis sujos dos barracões, Alpin se ocupou com as
ferramentas de jardinagem e umas bolsas de tecido para guardar e deixar secar
as sementes. Logo se dirigiu à horta em busca de solidão. Acabava de agarrar a
última das sementes de manjericão quando escutou umas botas que se
aproximavam no caminho empedrado. Seu instinto, e o forte pulsar de seu
coração, disseram-lhe que se tratava de Malcolm.
O homem se aproximava dela, pavoneando-se como um galo. Alpin não
pôde evitar admirar sua imponente figura embelezada com o chamativo tartán
vermelho e verde dos Kerr e as mangas da suave camisa de algodão ondulando
sob a brisa da já avançada amanhã. Até pela graciosa inclinação de sua boina se
via que era um homem nascido para governar.
— Devia me acordar.
Vencendo o impulso de iniciar uma briga, Alpin replicou com sarcasmo.
— Não acordado nem com uma guerra entre clãs.
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— Devo supor que isso significa que você gosta? Levando uma mão ao
coração, Alpin confessou, pestanejando:
— Estou muito apaixonada, muito, meu senhor.
— Estou vendo. — Malcolm tomou a mão e desenhou com o polegar lentos
círculos em sua palma -. Então provavelmente deveríamos retornar à cama para
explorar seus sentimentos. Com o tempo, estou seguro de que trocará esse
«muito» por um «completamente».
Alpin pensou que Malcolm era capaz de seduzir a uma freira. Até poderia
entrar furtivamente em um convento e conseguir que toda uma ordem de
religiosas renunciassem a seus votos.
Zangada consigo mesma por lhe desejar tanto, burlou-se:
— E se dorme e volta a tentar me jogar fora da cama?
Malcolm lhe acariciou o braço e o pescoço e a atraiu para ele com
suavidade.
— Teremos que assegurarmos de que não o faça.
Consciente de que estava perdendo a batalha contra o desejo, Alpin
desviou o olhar da boca de Malcolm e observou a pluma de sua boina.
— Como?
Quando seus lábios estavam a uns centímetros, a mão de Malcolm deixou
de fazer pressão.
— Usa sua imaginação.
Por cima do ombro de Malcolm, Alpin viu o Alexander aproximar-se.
Acompanhava-lhe um estranho vestido, com um descolorido capote escocês a
quadros verdes, negros e amarelos que Alpin não reconheceu. Consciente de que
Malcolm não podia lhes ver, Alpin disse maliciosa:
— Poderia te atar os braços e as pernas à cama.
Malcolm levantou as sobrancelhas e a olhou de esguelha.
— Uma proposta realmente arriscada. Estaria indefeso, não poderia evitar
que jogasse quanto quisesse com meu corpo nu.
— Deveria ter vergonha, Malcolm Kerr.
— A mim? -perguntou, tão inocente como um bebê no dia de seu batismo.-
Foi sua idéia, e muito original, por certo. Devo te confessar que morro de
vontade de provar.
Os homens se aproximavam, mas Malcolm não deu sinais de os haver
ouvido, Alpin não pôde resistir a dizer:
— Te excita a idéia de ser meu escravo?
Malcolm soltou uma gargalhada.
— Dê uma olhada debaixo de minha saia e verá quanto me entusiasma a
idéia.
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mais soldados do que o normal, assim deduziu que o visitante não era uma
ameaça para a segurança do castelo de Kildalton. Então, por que sua chegada
tinha alterado tanto ao Malcolm? Acreditou que não se devia ao sal.
Cheia de curiosidade, abandonou o horta e se dirigiu ao corredor
principal, que nesse momento estava vazio, deteve-se um momento para admirar
os oito retratos de tamanho natural dos anteriores condes de Kildalton, que
incluíam o pai de Malcolm, o loiro lorde Duncan. Inclusive agora, seus olhos cor
avelã a olhavam com amabilidade.
Então foi até o escritório de Malcolm. A porta estava fechada. Escutou os
amortecidos sons de uma discussão, mas falavam em escocês e não entendeu
nada. Se deslizasse furtivamente no túnel para espiar, faria soar o sino, e se
ficasse ali, algum criado podia vê-la. Assim finalmente se dirigiu às escadas onde
penduravam os escudos dos clãs que se aliaram com os Kerr.
O escudo da família Gordon brilhava por sua ausência.
Capítulo 13
Uma vez mais a velha discussão. Malcolm se esforçou por utilizar a lógica.
— Os clãs das terras altas não compartilham uma fronteira com os
ingleses.
Enfurecido, Gordon agitou o punho e assegurou:
— Se fosse assim, nós os teríamos vencido.
— Do mesmo modo que os vencem uns aos outros? Não são capazes de
deixar de lutar entre vocês o tempo suficiente para criar uma frente unificada.
Até que não o sejam, Jacob Eduardo não terá a quem guiar ou governar.
Impassível ante o raciocínio de Malcolm, Gordon ficou a examinar o marco
dourado.
— Suponho, que sua peça preferida ainda não retornou.
Embora sabia muito bem a quem se referia, Malcolm se negou a lhe seguir
a idéia.
— Minha peça preferida?
Depois de um último olhar ao retrato, Gordon acomodou seu volumoso
corpo em uma das cadeiras frente a mesa de Malcolm.
— Rosina.
— O que te faz pensar que não retornou?
— Duas coisas. Em primeiro lugar, se houvesse retornado, você teria
enviado ao mouro ao norte com a resposta de nossos amigos de Albano. E em
segundo lugar, não pertence ao tipo de homens que se deita com duas mulheres
de uma vez. Nisso se parece com seu pai.
A falta de tato de seu convidado zangou Malcolm, mas ao reprovar
Gordon e suas maneiras não faria mais que prolongar a visita. Malcolm optou
por responder ironicamente.
— Nunca pude te esconder nada, John.
Gordon lhe pisco os olhos maliciosamente.
— Tinha muito bem escondida a sua escocesa. Quem é?
Escocesa. Resultava estranho ouvir alguém referir-se a Alpin dessa forma.
Malcolm nunca tinha pensado nela quanto a sua origem. Sempre tinha sido
Alpin: a prima que teria vivido com seu tio inglês. Agora era sua Alpin, já que
Malcolm encontrava muito contente, sobretudo depois da noite anterior. Nesse
momento só queria analisar os sentimentos que ela despertava nele, e o faria
assim que seu convidado retornasse a sua guarida do norte.
— Não a conhece.
Gordon se encolheu de ombros e agarrou a jarra de cerveja.
— Resulta-me familiar.
Aquilo era muito estranho, pensou Malcolm.
— O que é o que te resulta familiar nela?
— Esses olhos tão pouco comuns, e o cabelo cor mogno, mas não consigo
recordar onde os vi antes. A que clã pertence?
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— Parece-me que temos melhores coisas a fazer que estar aqui sentados
esbanjando nosso tempo citando as diferenças entre os habitantes das terras altas
e os das baixas.
— Sim, «baixo» é a palavra — grunhiu Gordon secamente — é você que se
empenha em riscar uma linha entre minha gente e a tua.
— Eu não risquei a fronteira das terras altas. Foram seus antepassados
quem o fizeram séculos atrás.
— Fizemo-lo para protegermos dos habitantes das terras baixas, que
beijariam os pés de qualquer estrangeiro que se sentasse no trono. Responde a
minha pergunta: quando chegar a hora, unirá-te ou não a seus irmãos das terras
altas?
— Está bem. — Malcolm ficou em pé de repente, rodeou o escritório e se
plantou diante de Gordon — vamos arrumar isto de uma vez por todas. Tem um
sabre, John?
Gordon ficou imóvel e elevou o olhar para o Malcolm.
— É um menino muito valente, e quando te convém, é igual a o Grande
Reiver, seu antepassado Kerr.
Poucas pessoas se atreveram a fazer aquela insultante comparação. O avô
paterno de Malcolm, ao que chamavam Grand Reiver, tinha sido um homem
violento que se considerava por cima da lei, igual a Gordon. Kenneth Kerr não
legou a seus descendentes mais que conflitos e miséria.
Durante seu mandato como oitavo conde de Kildalton, lorde Duncan, o pai
de Malcolm, tinha tratado de endireitar as ofensas do sétimo conde com
paciência e inteligência. Hoje, todo mundo recolhia os frutos.
Parecia-se com seu avô fisicamente, ambos eram altos e tinham o cabelo
escuro. Não obstante, entregava a alma ao diabo antes de pôr em perigo a sua
gente.
— Me comparar com o Grand Reiver é outro insulto muito pouco original.
— Insulto? — Gordon soltou uma gargalhada — Seu avô disse aos ingleses
o que podiam fazer com suas leis e seus impostos. Se viesse de onde eu venho, a
comparação seria um grande elogio.
Terras altas e terras baixas; Malcolm estava cansado de tantas
divergências, mas Gordon e os de sua classe desfrutavam enfrentando a
escoceses contra escoceses. Para eles, a paz era uma trégua iniciada por
necessidade que acabava por irritarem-se.
— O que escolhe, Gordon? Espadas ou silêncio?
Os olhos do chefe do clã brilharam tenuemente de entusiasmo.
— Quer me provocar para que brigue contigo, verdade?
Malcolm o desejava, mas não por nenhuma razão que Gordon pudesse
entender. Malcolm suspirava por acabar de uma vez e voltar para os braços de
Alpin.
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— Eu, te provocar? Está louco se acha que pode vir a minha casa para me
insultar.
— Devo te recordar — continuou Gordon — que sou dez anos mais velho
e dez vezes mais lento que você?
Se ao chefe do clã Gordon lhe faltava juventude e fortaleza física, sem
dúvida não carecia de experiência e engenho. Mas Malcolm tinha aprendido as
sutilezas verbais de uma professora qualificada, sua madrasta, que lhe tinha feito
de mentor. Ao recordar a paciente e ardilosa lady Miriam, Malcolm se relaxou e
se sentou na borda de seu escritório.
— Então segura essa maldita língua, John, e pensa nos verdadeiros
problemas que afetam a sua gente e à minha. Me mostre que é capaz de fazer
algo em benefício do futuro de todos os escoceses, estejam por cima ou por
debaixo da fronteira.
Gordon se acomodou de novo na cadeira.
— Muito bem — disse com uma careta de satisfação — Darei a minha filha.
Malcolm conhecia essa proposta pelo Saladin. Unificar a meia Escócia equivaleria
a declarar a guerra aos ingleses, sobretudo tendo em conta que o rei tinha
expressado sua contrariedade com aquela aliança quando Malcolm era um
menino, e não o tinha feito de forma muito cordial, precisamente.
— Acreditei que a tinha comprometido com o filho de Argyle — replicou
Malcolm, que sabia que Gordon lhe estava pondo a prova.
— Não a quer?
Em realidade o que Gordon queria saber era se Malcolm seria capaz de
desafiar à coroa. Desde que Malcolm assumiu o mando do clã Kerr, tinha-lhe
feito a mesma pergunta várias vezes, mas nunca entre os muros de Kildalton. O
fato de que tivesse ido ver-lhe quando os pais de Malcolm estavam fora do país
era muito significativo.
Pensar naquilo zangou ao Malcolm mais que o atrevimento de sua oferta.
— Não converterei Kildalton em um campo de batalha.
— Olhe, menino — começou a dizer Gordon com cordialidade, pondo as
palmas das mãos para cima — um dia ou outro teremos que lutar contra os
ingleses.
Os Gordon que sempre desejavam lutar contra alguém não encontrariam
outra razão melhor para derramar sangue que devolver ao trono a um Eduardo.
— Fala por ti. Eu não enfrentarei a um inimigo ao que não posso vencer.
— Mas você pode vencer os ingleses. O rei Luis nos proporcionará uma
frota e mil e duzentos regulares franceses. Com o Jovem Pretendente a bordo,
desembarcarão perto de Londres e agarrarão os ingleses de surpresa. Quando
esses covardes Hanover fujirem para o norte, você e eu lhes estaremos
esperando. Defenderemos os Borders até que Jacob deva reclamar sua coroa.
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A ajuda militar era uma cenoura que os franceses tinham pendurado ante
os narizes do Eduardo exilado com o único propósito de pôr nervoso à Hanover
que ocupava o trono da Inglaterra. E Gordon e outros chefes mais das terras altas
estavam tão ansiosos por ver reinar a Jacobo III que acreditavam nas falsas
promessas de Luis XV. Em certo modo, Malcolm compadecia dos jacobitas por
sua ingenuidade, mas por outro lado, não podia suportar sua teima.
— Não acredito que os franceses vão cercar uma guerra pela causa
escocesa, além disso, não me parece muito honroso deixar que outros liderem
nossas batalhas.
— O resto dos escoceses se unirão a nós, espera e verá. — Gordon tentava
lhe enrolar-. Assim que vejam o Jovem Pretendente, aderirão-se a ele.
— E por que não lhe apóiam agora, se tão decididos estão a ver um
Eduardo no trono?
— É pelo Jacob. Ele pretende reconciliar aos escoceses com os ingleses um
por um. Isso lhe levaria anos, e além disso, quando se viu a um inglês reconciliar-
se por meios pacíficos?
— Acredito que Jorge I foi o último grande conversor de almas. —
Comentou Malcolm com tom triste. Quando Gordon franziu o sobrecenho,
apartando o olhar, Malcolm acrescentou: — Guillermo de Orange e sua esposa
María também acessaram ao trono em uma revolução cruel.
— Eles reclamaram a coroa inglesa.
Ao limite de sua paciência, Malcolm apertou os dentes.
— Jorge reclamou a união das coroas, igual a rainha Ana. — Não pôde
evitar acrescentar: — Se por acaso não o recorda, era uma Eduardo.
— Uma anglicana — Gordon cuspiu.
À medida que os argumentos de Gordon se voltavam mais absurdos,
Malcolm se perguntava se alguma vez haveria paz nas terras altas.
— Então, é uma guerra religiosa o que querem agora?
Gordon se golpeou a coxa coberta pelo tecido de quadros.
— É uma guerra para preservar a casa real da Escócia. Malcolm esteve a
ponto de replicar que graças à generosidade da Batata, os Eduardo e seu dilatado
séquito de escoceses exilados viviam magnificamente preservados em suas vilas
italianas, mas em troca, respondeu tranqüilamente:
— Unir a nossos clãs através do matrimônio é impossível, John. Já tenho
uma esposa.
— A italiana? — Gordon se aferrou aos braços da cadeira -. A que classe de
acordo chegaste com os Eduardo?
Assim pensava que Rosina era um elo na intriga em vez de uma simples
mensageira entre os escoceses e a família real exilada, pensou Malcolm. Era uma
hipótese muito interessante, e tão tipicamente jacobita que Malcolm teve que
apertar os lábios para não sorrir.
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Além disso, que irônico resultava que seu matrimônio com Alpin pudesse
ser tão vantajoso em sua vida ou repercutir de uma forma tão positiva na política
escocesa. Paradoxalmente, ela sempre tinha formado parte de sua vida, embora
estivessem separados. Se Malcolm estava casado com ela, sua negação
incondicional a unir aos Kerr com os Gordon não tinha porque ser um insulto
para os clãs das terras altas.
— E bem? — exigiu Gordon, cético e mal-humorado.
— Não é Rosina, é a moça escocesa que viu na horta.
— Como se chama?
Malcolm esquivou a pergunta.
— É parente de meu vizinho inglês, o barão Sinclair.
— Ah. Então é meio inglesa — esclareceu Gordon amargamente.
— Sim, igual a mim.
O ruivo suspirou, aborrecido.
— Quem é?
Divisando o final da conversação, Malcolm se esforçou objetivamente a
situação. Pensou que se Gordon conhecia a família de Alpin, lhe seria muito mais
fácil lhes localizar. Agora saberia por que tinha voltado para Escócia: não tinha
outro lugar onde ir. A noite anterior, ela não parecia muito decidida a localizar
os MacKay. Disse que não acreditava que ela lhes importasse muito. Sua reação
lhe parecia para Malcolm o mais natural; durante toda sua vida, Alpin tinha sido
arrastada de um parente a outro. Malcolm pensou que não tinha nenhum direito
de evitar que Alpin averiguasse o paradeiro de sua família escocesa.
— Seu nome é Alpin MacKay.
Com a vista cravada no escritório, Gordon se esfregou a testa. Por fim, um
ardiloso sorriso iluminou seu sorriso envelhecido.
— Já me parecia que a conhecia de algum lugar. Bem feito, Malcolm!
— Só sei é que bebe tanta cerveja para encher um fosso — replicou Doura,
que estava encharcando uns nabos em um balde com água — depois de esvaziar
a segunda jarra, o próprio lorde Malcolm agarrou o barril e o levou ao escritório.
— Quanto tempo faz isso?
— Mais de uma hora.
— Ainda estão discutindo?
— Não, senhora, mas o senhor parecia muito abatido.
Alpin pensou que se não era ela o motivo de seu aborrecimento, não podia
ser outro que o convidado. Rezando para que fosse assim, Alpin preparou uma
jarra de laranjada e se encaminhou para a única pessoa que podia lhe revelar o
significado daquela visita.
Esparramado na cama, com uma montanha de almofadões sob as costas e
uma pedra de afiar e sua cimitarra no regaço, Saladin parecia um sultão em seu
trono. Alpin lhe serviu um copo de suco de laranja.
— Já recuperaste a cor. Como estás?
— Melhor, graças aos generosos e doces cuidados que recebo.
Recordando o que Doura lhe tinha contado sobre sua briga com a Elanna a
noite passada, Alpin decidiu mediar entre eles.
— Elanna não compreende sua religião.
Saladin lhe lançou um olhar significativo repleto de cepticismo.
— Sente muitíssimo ter arrojado ontem à noite seu tapete de orações pela
janela. Por isso foi pescar.
Saladin deixou a pedra e cruzou os braços.
— Devo supor que em sua retorcida mente africana ir pescar é algum tipo
de expiação?
Alpin sorriu.
— Em realidade é um castigo. Em sua cultura, uma princesa Ashanti
nunca vai procurar comida, nem sequer para o chefe da tribo. Antes morreria de
fome.
— Não me cabe a menor duvida. — Saladin riu.
— É uma concessão tremenda de sua parte, Saladin.
Olhando ao teto, acariciou-se a barba.
— Então, por minha parte me mostrarei completamente submisso quando
lhe tirar os espinhos do pescado e me ofereça os mais tenros bocados.
— Oh, ela nunca fará isso.
Ao ver Saladin arquear as sobrancelhas com evidente segurança; Alpin
quase se arrependeu de ter falado sobre a expedição ao lago. E quando o mouro
continuou falando, seu arrependimento foi total.
— Dará-me de comer, e dará graças a seus deuses pagãos por ter a
oportunidade de fazê-lo.
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Capítulo 14
seu olhar zombador. «Era a venda de Paraíso o motivo da visita daquele homem?»,
perguntou-se aterrada.
Alpin sentia crescer seu terror com cada passo que dava através da estadia.
A cada tanto, convencia-se de que era impossível que Malcolm tivesse destruído
seus sonhos, as esperanças que a tinham sustentado durante anos.
Chegou-lhes o eco de umas risadas masculinas. Os vigilantes noturnos
jogavam para matar o tempo até o pôr-do-sol. «Lhes teria levado Doura suficiente
comida?», perguntou-se Alpin.
Malcolm se deteve no centro do vestíbulo.
— Alpin, está tremendo. O que te ocorre?
Alpin não queria explicá-lo, pois desse modo acreditava que podia manter
seu medo a raia. «Se pudesse afastar-se dele, pensaria no modo de o deter», disse-se.
— Só me perguntava se os soldados teriam suficiente comida.
— Não te acredito, me diga no que estava pensando.
Alpin dirigiu um olhar veloz para a porta da cozinha.
— Preocupa-me seu convidado. Não quero que pense mal da
hospitalidade de Kildalton. Paga-me muito bem... e o que sejamos marido e
mulher não significa que eu me converta em uma folgazona e esqueça meus
deveres.
— Alpin... — advertiu-lhe Malcolm — Está esquivando do assunto.
Alpin pensou que Malcolm podia ver através dela, mas não lhe ocorria
nada mais que acrescentar.
— Me olhe.
Alpin obedeceu a contra gosto; os lábios tensos de impaciência.
— Sim? — disse com um sorriso trêmulo.
Os nódulos de Malcolm a roçaram na bochecha.
— Me responda, e por favor, seja sincera — pediu-lhe com ternura.
«Por que tinha que ser tão diabolicamente encantador?, perguntou-se Alpin.
Porque não tinha nem idéia de como desconfiava dele nem suspeitava quão desesperada
estava por salvar às pessoas de Paraíso».
— Sobre o que?
— Sobre o que pensava agora mesmo.
Distraiu-se por um instante. Agitando a mão, riu nervosamente.
— Pensava no muito que odeio as surpresas.
Malcolm lhe ofereceu um sorriso confiado e cativante.
— Esta você gostará. É um presente de seu marido. Ele sabe o que é o
melhor para ti. — Então a levou até seu escritório.
Gordon estava de pé frente a um dos retratos de família, com o sobrecenho
franzido. As rugas distorciam os quadros de seu tartán, e sobre o cinturão surgia
uma barriga proeminente. Sobre seus joelhos se pendurava uma elaborada bolsa
de cacique, conferindo-lhe um aspecto descuidado.
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pequena. Mas agora, apenas duas semanas depois de sua chegada, os tinha
ganho a todos.
Malcolm começou a contemplá-la sob uma luz diferente. Viu o valor e a
integridade com que se enfrentava à crueldade do mundo. De menina vociferava
para ocultar seus sentimentos feridos. Como mulher, tinha encontrado uma vida
digna, e era o destino de Malcolm conseguir o melhor para seu futuro.
Malcolm se sentiu em paz consigo mesmo. Escreveria a lady Miriam para
informá-la da visita do Gordon e da crescente discórdia entre os clãs do norte,
mas guardaria suas novidades pessoais e suas suspeitas a respeito dos parentes
de Alpin para contar a ela e a seu pai pessoalmente assim que retornassem.
A partir da manhã seguinte trataria de ganhar a confiança de Alpin e
descobrir seus segredos, mas de momento se limitaria a estreitá-la entre seus
braços.
Saladin lhes encontrou de pé no escritório, fundidos em um abraço
reparador. Sentiu uma pontada de inveja. Entretanto, não havia duas pessoas no
mundo que merecessem mais encontrar a felicidade um com o outro que aqueles
adversários da infância. Malcolm levantou o olhar e sorriu.
— Bem-vindo ao mundo dos vivos, meu amigo.
As palavras da Elanna ressonaram em sua mente: «Os deuses lhe mandaram
de volta uma vez, e o farão de novo», mas Saladin as guardou para si. Seus
sentimentos para ela eram muito complicados para descobri-los, inclusive ante o
Malcolm.
— Vim felicitá-los — disse.
Alpin se apartou um pouco, mas Malcolm a atraiu de novo para ele.
— Não seja tímida. É Saladin. Ele nunca fará que te ruborize nem te dirá o
que deve fazer.
— Já sei, mas será melhor que me ocupe do jantar. — Dirigiu ao Malcolm
um sorriso de despedida e se apressou a sair da escritório.
— Deveria dizer a verdade — disse Saladin. Malcolm começou a andar
acima e abaixo.
— Sei, mas não agora. O que é que diz sempre sobre mentir? Ah sim! «Um
mal que cria cem verdades é melhor que uma verdade que cria cem maus.»
— Não compreendo por que engana Alpin com este tipo de união. Deveria
se casar com ela diretamente.
— Sei, e o farei.
Saladin era tão somente cinco anos mais velho que Malcolm, mas suas
diferenças filosóficas eram enormes. Um muçulmano nunca tomaria uma mulher
decente fora do matrimônio, e Saladin não podia suportar que Malcolm se
deixasse arrastar pela mentira.
— Como pode justificar o engano?
Malcolm se esfregou a frente.
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Saladin necessitava consolo, mas nem sequer dez mil orações lhe
ajudariam a passar a noite. Naquelas circunstâncias, a religião e os princípios não
eram muito bons companheiros de cama. Para aliviar sua tortura, Saladin
escolheu um caminho que sabia que se arrependeria de ter tomado.
Capítulo 15
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— Acreditei que você gostava de estar enrolado. Isso é o que disse ontem à
noite.
— Isso foi ontem à noite. Agora é agora -repôs Malcolm chiando os dentes
— Sai de cima de meu estômago ou o lamentará.
— Está me ameaçando, por que me lamentar ?
— Pode ser que vomite em cima de ti, me desate.
Alpin sentiu náuseas e se deslizou até os quadris do Malcolm, despertando
sua virilidade.
Malcolm abriu os olhos de repente.
— Por Deus, Alpin. Não atormente a um homem que está lutando contra
os demônios do excesso de cerveja. Só me falta receber uma bronca de minha
mulher.
Alpin jogou os ombros para, atrás, sem dignar-se a responder.
— É ? — inquiriu Malcolm fracamente. Sua cara refletia sofrimento.
Alpin não pôde evitar ceder um pouco.
— Boa garota — cantarolou Malcolm — Deixa que me levante e falaremos
sobre o que tanto a preocupa. Ambos somos pessoas inteligentes e compassivas.
Atuemos como tais.
Alpin tinha que reconhecer que Malcolm era condenadamente razoável,
tornou-se a um lado e ele sorriu em sinal de triunfo.
— Não tão rápido. Quero uma explicação.
— Querida, estava bêbado. Era a cerveja que falava, e não pode me fazer
responsável por isso.
— Claro que posso, e deixa de mudar de conversa. Intrometeu-se ou não
em minha vida?
— Você quis retornar a Kildalton. Veio para mim porque era seu melhor
amigo. Isso é o que disse, recorda? Por favor, deixa que me levante, Alpin. Tenho
que ver o Saladin. Certamente se encontra tão mal como eu.
— Isso não é uma resposta.
— Sim o é.
— Não o é, por que me quer aqui?
Malcolm ficou imóvel.
— Porque te amo, Alpin — replicou tranqüilamente — e acredito que você
não faz mais que procurar desculpas para não me amar.
Alpin ficou paralisada pela surpresa. Ela não esperava que Malcolm
declarasse seu amor; havia tantas coisas que explicar ainda e tantos assuntos por
esclarecer entre eles.
— Essa é uma resposta injusta, Malcolm.
— Te amar é injusto? Por que?
— Porque o disse para me confundir.
— Então tenho feito o que você faz sempre. É formosa, Alpin.
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Malcolm não sabia como transmitir que a amizade de toda a vida entre
dois homens admitia este tipo de confissões.
— Ontem à noite, Saladin me contou os segredos de seu coração. Senti-me
obrigado a devolver aquela honra lhe contando um dos meus.
Alpin enrugou a testa confundida.
— Foi tua idéia, não minha — protestou.
Malcolm ansiava pôr fim à discussão com um beijo, e lhe perguntar o que
era o que realmente a preocupava. Discutir não levava a nenhuma parte. Além
disso, tinha todo um dia de trabalho por diante e com os efeitos de uma noite de
excessos. Entretanto, Malcolm ansiava conseguir a harmonia com Alpin. Sabia
que havia algo que estimularia o interesse da jovem e poria uma faísca em seus
olhos.
— Já que demonstraste tanta praticidade, poderia me aconselhar a respeito
da venda da plantação Paraíso.
Alpin se sentiu como se tivesse dado uma bofetada, e em lugar da faísca
nos olhos esperada, Malcolm viu um olhar de temor.
— O que quer dizer? Vai vender a? – interrogou — Quando o decidiste?
Pode que tivesse sido sincera ao dizer que queria retornar a Escócia, mas
Malcolm sabia que Alpin MacKay tinha alguns assuntos pendentes em Barbados.
Estava ansioso por conhecer os detalhes, mas já tinha vencido sua irritabilidade
matinal e não queria arriscar-se a zangá-la de novo. Tinha que ganhar seu amor;
só então poderia descobrir seus segredos.
— Codrington me enviou uma lista de possíveis compradores. Têm o
dinheiro suficiente, e estão ansiosos por fechar o trato.
— Quais? Como se chamam?
— Não o recordo, mas te mostrarei a carta. Agora, me desate, ou faz que
esta prisão valha a pena. Um rubor encantador tingiu as bochechas de Alpin.
— Acreditei que tinha problemas com o estômago.
O ansioso corpo de Malcolm respondeu com uma força que só Alpin
MacKay podia inspirar.
— O problema está agora um pouco mais abaixo.
Capítulo 16
«Amo-te.»
Mais tarde, aquela mesma manhã, de pé no concorrido mercado e com a
mão sobre um montão de nécios recém cortados, Alpin escutou o eco das
palavras de Malcolm. A seu redor, o bate-papo feminino se desvaneceu, e as
pessoas se converteram em um conjunto de suaves sombras desenhadas, sentia-
se flutuar e notava uma grande emoção em seu ventre.
«Amo-te.»
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Suas palavras se fizeram tangíveis, tão reais que parecia que poderia as
transpassar em uma cadeia de ouro e as pendurar sobre as portas do castelo para
que todos as vissem.
«Amo-te.»
Essas palavras eram a resposta a todas as preces que tinha sussurrado na
solidão de sua vida de órfã, de menina desterrada a de mulher solitária.
Trocariam seu futuro e a vida de todas as pessoas às que queria, mas também
afetariam a outra vida: a do filho que levava dentro.
O penetrante aroma de porros lhe produziu náuseas. Agora compreendia
por que tinha estado tão irritável aquela manhã. E a ausência de menstruação,
tinha concebido o filho de Malcolm.
No meio do torvelinho em que se converteu sua vida, viu uma âncora a
que agarrar-se, e deu graças ao destino por havê-la levado a Escócia. Sua estadia
ali não só lhe tinha feito esquecer a amargura de sua infância, mas também tinha
enriquecido o presente a uma mulher que esperava muito pouco da vida.
O filho de Malcolm. O amor de Malcolm. Um sentimento de culpabilidade
toldou sua felicidade. Ele tinha chegado muito tarde, pois Alpin MacKay já se
comprometeu com um futuro e com umas pessoas a milhares de quilômetros de
distância. Mas a criatura que crescia em suas vísceras teria melhor sorte; não teria
que mendigar amor e segurança; não olharia com ansiedade os rostos de
estranhos em busca de um sorriso ou uma palavra amável para receber
indiferença ou uma bofetada por lhes haver incomodado.
De repente teve a sensação de que alguém a observava. Ao virar-se, viu
um grupo de mulheres que a observavam com caras risonhas. Conhecia-as: eram
a senhora Kimberley, que ajudava a fazer o pão; a senhorita Lindsay, a tia
solteira de Alexander; Nell, a esposa do taberneiro, e a mãe de Doura, Betsy, que
dirigia o mercado. Alpin não podia as considerar suas amigas, pois eram
escocesas, e portanto cruéis juizes de seu passado assim como peças chaves de
seu destino.
Pela primeira vez desde sua chegada a Escócia, Alpin tinha decidido ir ela
mesma ao mercado. A declaração de amor de Malcolm lhe tinha dado forças para
enfrentar-se aquele baluarte de autoridade feminina.
Enquanto as olhava, de repente se lembrou de outro grupo de mulheres do
outro lado do oceano. Eram escravas com a pele de ébano e um sonho de
liberdade; estava segura de que se alegrariam ante a notícia de sua iminente
maternidade.
Retrocedeu no tempo e voltou a estar preparada para o desdém que
sempre tinha recebido das mulheres de Kildalton.
— Estamos muito contentes de que seja a mulher de lorde Malcolm —
disse Betsy, que deu um passo adiante — Ele jurava que nunca se casaria, até que
encontrasse à esposa perfeita, e algumas de nós o cremos.
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Sua esposa temporária. Lutando contra a dor pelo que nunca poderia ser,
Alpin retornou o fio da conversação.
— Precisamente por isso, o que te preocupa me preocupa .
Malcolm deixou escapar um grunhido de satisfação e bebeu um sorvo de
brandy.
— Este ano os benefícios deveriam ser maiores tivemos abundantes
chuvas, e o fertilizante do gado.
Alpin aproveitou a oportunidade.
— E se alguém se interessa por comprar alguns dos animais enquanto você
não está?
— Duvido de que isso aconteça, mas pode lhes dizer que voltem para mês
que vem. Aquele bate-papo não a levava a nenhuma parte. Teria que ser mais
ardilosa.
— Acredita que não sou capaz de vender uma vaca.
Malcolm começou a subir a saia do Alpin até o joelho.
—Acredito que seria capaz de vender uma mina de carvão em Newcastle.
Se possuísse uma mina de carvão não estaria grávida nem apaixonada por
um homem que a queria só para divertir-se na cama e por razões políticas, disse-
se indignada.
— Só me está adulando porque não me compraste nenhum presente
decente.
Malcolm quase se afogou.
—Sabia que queria outra coisa de mim além de te reunir com os MacKay.
Do que se trata?
Ele era quem desejava aquele encontro, não ela, pensou Alpin. Seguindo
sua estratégia, replicou:
— Era uma brincadeira, Malcolm. Tenho tudo o que necessito, exceto o
trabalho suficiente para me manter ocupada.
— Isso mudará logo para todos — declarou Malcolm referindo-se à
colheita.
— Não para mim, se tudo o que tiver que fazer é cozinhar e mandar de
volta a casa aos compradores de gado. — Estalou os dedos — Ah!, quase me
esquece ia me mostrar a carta de Codrington. — Alpin conteve a respiração,
esperando que Malcolm engolisse o anzol.
— O que tem que ver isso com se manter ocupada? — Bom... — Alpin lhe
esfregou o pescoço — Já que eu sei mais coisas da plantação que você, poderia
me dar Paraíso como presente de bodas.
A mão do Malcolm se deteve, e a saia voltou de novo para seu lugar,
cobrindo o joelho do Alpin.
— Para que a quer?
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Ninguém poderia detê-la; ninguém poderia lhe tirar sua propriedade nunca
mais. Com a ajuda de seus amigos, criaria ali a seu filho, e Malcolm poderia
casar-se com sua herdeira das terras altas.
Sentiu uma punhalada de ciúmes.
— Provavelmente algum dia tenha uma filha. A plantação poderia ser seu
dote.
Malcolm saltou da cadeira de modo que quase atirou Alpin ao chão.
— É um pouco cedo para falar dessas coisas, não crê ?
Alpin recuperou o equilíbrio e ficou imóvel, horrorizada ante a estranha
atitude de Malcolm. Parecia distante, hipnotizado pelo retrato de família que
havia na parede do fundo.
— Mas o tema dos filhos é importante — comentou Alpin finalmente — O
que aconteceria eu não ficasse grávida? Seguiria estando obrigado a conceber um
herdeiro para o Kildalton. O que seria de mim então?
Malcolm se virou para olhá-la, com os traços endurecidos pela ira.
— Não é necessário que discutamos isso agora.
— Ao contrário.
— Deixa-o já, Alpin — grunhiu.
Desconcertada por sua repentina cólera, Alpin se esforçou em ser razoável.
— Olhe, Malcolm. Se eu tivesse meus próprios meios, você não teria que
preocupar-se por cuidar de mim.
— A que se refere? Aos benefícios pela venda da plantação Paraíso?
Ela não tinha intenção de vendê-la, mas Malcolm não tinha por que sabê-
lo. Uma vez tivesse assinado os papéis lhe cedendo a plantação, Alpin poderia
respirar tranqüila. O dia em que começasse a colheita, Alpin MacKay iniciaria
sua volta a casa.
— Sim. Ter meus próprios recursos é importante para mim. Pode entendê-
lo?
— Sim, mas não deveria te sentir como um parente pobre neste
matrimônio.
Em realidade se sentia como uma formiga, mas sairia daquele matrimônio
com o futuro assegurado e com o maravilhoso presente de um filho.
— Preparará os papéis agora? Dessa forma poderia responder a carta do
Codrington amanhã. — Alpin disse que se não podia idealizar um modo de
escapar rapidamente, escreveria uma carta ao governador de Barbados lhe
informando da transferência da propriedade e de seu plano de retornar à ilha.
— Se isso te fizer feliz, farei-o. -Malcolm abandonou a, quarto.
Paralisada pelo nervosismo, Alpin contou os passos que se afastavam e
escutou o sapateio das botas nas escadas. Não o entendia; ela tinha registrado o
dormitório de ponta a ponta sem resultado. A curiosidade foi mais forte que o
entusiasmo, e Alpin correu para a porta. Ao voltar a esquina, viu-lhe desaparecer
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pelo corredor que conduzia às habitações de seus pais. Assim ali era onde
guardava os papéis, disse-se assombrada de não havê-lo pensado antes.
Mas agora já não importava onde tivesse escondido os documentos; quão
único importava era os ter em seu poder.
Malcolm retornou com uma caixa de madeira ricamente trabalhada
debaixo do braço. Sentando-se ante seu escritório, ofereceu ao Alpin a carta de
Codrington e logo começou a redigir a transferência legal. Parecia preocupado.
Mas Alpin estava muito excitada para analisar o humor de Malcolm.
Segundo Codrington, as atividades da plantação progrediam
adequadamente sob a supervisão de Henry Fenwick. Alpin se relaxou.
Uma vez terminou de escrever o documento, Malcolm lhe ofereceu a
pluma.
— Por que está tão nervosa? — perguntou.
Concentrando-se muito, Alpin conseguiu que sua mão deixasse de tremer
o tempo suficiente para escrever seu nome.
— Porque nunca havia possuído nada antes.
— Bom, pois agora é teu. — O sorriso do Malcolm era forçado, e sua voz
soava tensa.
Tirou da caixa várias folhas de contas que ela mesma tinha escrito ao longo
dos anos. Charles tinha insistido em guardar todas as contas. Agora Alpin soube
que tinha começado a enviar-lhe ao Malcolm cinco anos atrás, depois de lhe
haver transferido a propriedade da plantação.
Alpin sustentava os papéis brandamente, embora desejava apertá-los
contra seu peito e dançar pela quarto.
— Alpin, há algo que quero te dizer.
Malcolm parecia terrivelmente sério. Pensando que ia dar uma conferência
sobre as responsabilidades de um latifundiário, Alpin pôs os papéis sobre a mesa
e replicou:
— Agora não, Malcolm. Brindemos por nosso matrimônio.
Malcolm apertou os dentes com expressão angustiada.
— O que tenho que te dizer é importante para nosso matrimônio.
— E são más notícias, a julgar pela sua expressão. Deixa-o no momento,
por favor. Celebremos nossa boa sorte.
Malcolm observou os outros documentos que haviam na caixa com
indecisão. Com o coração transbordante de felicidade, Alpin se sentou no tapete
que havia junto ao lar.
— Vêem e sente-se a meu lado – rogou — E traz o brandy contigo. Estou
ansiosa por saber tudo sobre o gado que vendeste hoje.
— Morreria de aborrecimento, Alpin.
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uma alegria nascida de duas almas que procuravam unir-se naquele mesmo
instante.
Logo Alpin sentiu um desejo que já lhe resultava familiar e parecia atá-la
irremediavelmente a ele, engendrando uns sonhos que nunca se fariam
realidade. Enredou as mãos no cabelo do Malcolm, desenhando a forma de sua
cabeça e tratando de memorizar a rica textura de seu cabelo, sua testa alta, e o
leve afundamento em suas têmporas.
Agora que já não estava atada às cadeias de um futuro incerto, Alpin se
sentia livre para explorar a Malcolm, para tomar as rédeas de sua relação. Com a
mesma entrega que lhe tinha demonstrado desde a primeira noite de amor,
Alpin lhe abraçou, e lhe encheu de beijos, o rosto, o pescoço e o lóbulo da orelha.
Malcolm a deteve.
—Se meu presente inspirou em ti esta devoção de esposa — disse junto à
bochecha de Alpin — encarregarei-me de te fazer um cada dia do ano.
Passando por cima sua referência a um tempo que nunca compartilhariam,
Alpin sussurrou ao ouvido.
— Não foi sua generosidade, a não ser você. Por favor, Malcolm, me ame.
Ele gemeu e lhe tirou a roupa com a destreza e a rapidez de um homem
que não tem tempo que perder. Logo tombou Alpin sobre o suave tapete e
encheu seus seios de doces e úmidos beijos, roçando os mamilos com a língua e
com o tentador fio dos dentes. Quando por fim a sugou de verdade, Alpin lançou
um grito e se apertou contra ele.
No ventre, a familiar dor se converteu em uma raivosa necessidade.
Levantou o tartán de Malcolm e lhe acariciou com ambas as mãos, distinguindo
as diferentes texturas de seu sexo; as suaves e pesadas bolsas, a pele aveludada
que encerrava sua virilidade de aço, e a glória que a havia meio doido
intimamente.
Alpin olhou para baixo e contemplou a um homem profundamente
apanhado no anseio do prazer absoluto. Tinha os olhos entre fechados e a boca
ligeiramente aberta. Consciente de que era ela quem lhe tinha levado a aquele
estado de excitação, Alpin se voltou mais intrépida em sua manipulação.
Apalpou seu sexo com a palma da mão e lhe roçou com as gemas dos dedos;
logo lhe percorreu brandamente com as pontas das unhas.
Malcolm ofegou e abriu os olhos de repente. Então lhe dirigiu um
luminoso olhar.
— Acredito que será melhor que se detenha — advertiu.
Sentindo-se valente, Alpin piscou.
— Mas eu gosto.
Malcolm sorriu.
— Então faz comigo o que te agrade, Alpin, mas lhe advirto isso: logo
tomarei a revanche.
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Capítulo 17
«Espero que essa morena nua não seja Jane Gordon», havia dito.
Malcolm tratou de decifrar aquela advertência. A vida de sua madrasta
estava freqüentemente afetada pela política, mas, ela não se metia nunca na vida
privada de Malcolm. Ele lhe tinha escrito contando a visita de Gordon e sua
inquietação pelos clãs do norte. Também se referiu à oferta de Gordon de lhe
entregar a sua filha em matrimônio.
Uma vez teve tirado suas conclusões, Malcolm declarou tranqüilamente:
— Não é Jane Gordon.
— Bem. Esse tipo é capaz de algo para conseguir seu propósito. — Lady
Miriam agarrou a caixa de marchetaria e a pôs sob o braço -. Estava procurando
isto.— Na caixa estavam as notas que Malcolm tinha tomado durante os meses
de correspondência entre Gordon e os Eduardo exilados.
Alpin se agitou. Para não despertá-la, Malcolm sussurrou:
— Me espere lá fora, mãe, e leve esse cão contigo.
—Sim, é obvio. Sinto-o muitíssimo. — Lady Miriam levou a mão à
bochecha, de pele tão suave como a de uma mulher com a metade de anos que
ela — Não esperava te encontrar aqui a estas horas. Quero dizer que esperava
que estivesse acordado, mas não aqui com... Oh, Malcolm! por que não fechou a
porta com chave?
Alpin se moveu de novo, e desta vez roçou com o joelho a virilha de
Malcolm. Esquivando a flecha do desejo, ele apertou os dentes.
— Desculpas aceitas. Que horas são?
Lady Miriam observou o montão de objetos masculinos e femininos que
estavam pulverizadas pelo chão.
— Quase as seis.
Malcolm deu uma olhada nas cortinas, mas o pesado tecido impedia a
passagem da luz.
— Deixa aqui o abajur. Reunirei-me contigo dentro de um minuto.
Lady Miriam estalou os dedos. O enorme sabujo, chamado Redundant por
ser parecido com sua avó, trotou para a porta. Entre um redemoinho de seda
verde e com majestosa elegância, lady Miriam se deslizou fora da quarto.
Malcolm fechou os olhos e respirou profundamente, concedendo a sua
dignidade uns instantes de recuperação. Embora passava a maior parte do tempo
no castelo de Kildalton, sempre tinha tido a suas mulheres em Carvoran Manor.
Suas irmãs menores viviam ali, e tinha que pensar nelas. Além disso respeitava a
seus pais muito para fazer alarde de suas inclinações luxuriosas diante deles.
Mas já não tinha vontade de amantes; a mulher que estava entre seus
braços era tudo o que necessitava. Sua sinceridade, e os motivos pelos quais lhe
tinha pedido a propriedade de Barbados falavam eloqüentemente do muito que
desejava que seu matrimônio fosse um êxito.
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Lady Miriam tinha passado sua infância na corte e sua vida de adulta no
corpo diplomático, e entretanto, ainda tinha senso de humor.
— O que posso fazer eu para ajudar com os Eduardo? — perguntou
Malcolm.
— Rezar para que o impetuoso príncipe mude de idéia, ou para que seu
pai o proíba de desencadear uma guerra.
— Falaste com Jacob?
— Sim. Ele estava ao meu lado, mas temo que lorde Lovatt e lorde Murray
têm muita influência sobre nosso jovem guerreiro Eduardo.
— O que pensa fazer?
— Irei às terras altas e falarei com Gordon e os outros chefes de clã. Se não
puder dissuadi-los, irei a França e falarei com o rei Luis. Já me escutou outras
vezes. Tratarei de o fazer mudar de idéia quanto a financiar a invasão dos
Eduardo. Em realidade, é inconcebível.
— Sabe a rainha Carolina?
— Estou segura de que nestes momentos não é consciente disso, mas o
caso é que há grandes conspirações entre os jacobitas na Itália. Não me
surpreenderia que alguém levasse a informação a ela ou ao Walpole.
— Você fará com que John Gordon veja o quanto equivocado está com sua
atitude. Confio em ti plenamente, mãe.
— Obrigado, mas te direi um segredo, Malcolm. — Seu ar formal se
quebrou, e Malcolm viu uma fresta da carinhosa mãe que lhe tinha curado os
joelhos feridos e lhe tinha consolado em seus momentos de decepção — Começo
a estar farta de evitar que os homens arrogantes da nobreza façam coisas que só
prejudicam às pessoas comuns.
Lady Miriam parecia cansada, com falta de sua energia característica.
— Quantas noites faz que não dorme bem?
— Desde que vi seu pai por última vez. — Suspirou e com uma força de
vontade que nunca deixaria de surpreender ao Malcolm, sobrepôs-se a seu
esgotamento — Insisto -disse golpeando a mesa com a mão — em que me conte
mais sobre minha nova filha.
Malcolm poderia ter falado durante horas, com o que teria purgado sua
alma de mentiras pecaminosas e enumerado as recompensas da sorte amorosa.
Quem melhor para ouvir sua confissão que a única mãe que tinha conhecido?
Provavelmente só existia uma: a única mulher a que tinha amado. Assim ficou a
pensar na informação sobre Alpin que mais podia interessar a lady Miriam.
— John Gordon assegura que Alpin é a neta perdida de Comyn MacKay.
Diz que é exatamente igual a ele.
O interesse e o intenso olhar de sua madrasta a Malcolm, advertiu que não
olhava a ele, a não ser por cima de seu ombro.
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— Isso explicaria o ódio do barão para com ela e sua impaciência por
enviá-la a Barbados. Por então odiava todo o escocês. Direi-te uma coisa,
Malcolm: será melhor que encomende a sua boa estrela e guarde todos os objetos
quebráveis quando Comyn MacKay lhe ponha a vista em cima.
Malcolm se virou e viu Alpin junto à porta; levava o cabelo perfeitamente
trancado e enrolado sobre a cabeça e um vestido de cor lavanda que convertia
seus olhos em cintilantes ametistas.
Com o coração transbordante de amor, Malcolm lhe fez um gesto para que
se aproximasse. Logo se dirigiu de novo a lady Miriam.
— Também acha que se parece com Comyn MacKay?
Com o olhar cravado em Alpin, sua madrasta sussurrou:
— É o rei alemão? — Logo, com um tom mais alto e desenvolto, simulou
uma conversação amistosa — Verbatim adorava viajar...
Capítulo 18
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— Para quem?
— Para ti, é obvio. Como herdeira do clã MacKay lhe corresponderão as
terras do dote que sua avó deu a seu pai.
Alpin só desejava um pedaço de terra no mundo, e já o possuía.
— Como pode estar tão segura de que sou uma herdeira?
— Os MacKay são muito ricos.
— Que fiquem com seu dinheiro. Eu não o quero.
— Então pensa além de ti, Alpin. E se a gente da Escócia se beneficiasse
pelo fato de que você seja uma MacKay das terras altas?
A Alpin não importava absolutamente a política escocesa mas a lady
Miriam sim.
— Duvido de que eu pudesse fazer algo. Não reconheceria a essa gente
embora entrassem agora mesmo pela porta.
— Sim o faria. Conheço muito bem a esse clã, e ele é muito grande para
passá-lo por alto. – Observou a cara e o cabelo de Alpin — No norte, chamam a
seus excepcionais olhos «olhos do céu». Comyn é seu avô.
Com a paciência esgotada, Alpin apoiou as palmas das mãos sobre a mesa
e se levantou.
— Bom, já sou maiorzinha para necessitar de um avô, muito obrigado.
Lady Miriam lhe agarrou a mão.
— Ele tratou de te encontrar, Alpin. Anos mais tarde me inteirei de sua
busca. Não podia saber que estava aqui, na fronteira com a Inglaterra, mas dizem
que rastreou cada garganta e cada ladeira por cima da fronteira das terras altas e
todos os portos da costa oeste.
Sua doce e persuasiva voz e seus olhos suplicantes alcançaram à menina
solitária que havia em Alpin, mas a mulher não se deixou influenciar. Fez uma
promessa às pessoas de Paraíso e tinha que cumpri-la.
— É admirável, e agradeço sua preocupação, mas não me interessa.
— Terá que enfrentar ao MacKay. Estou segura de que John Gordon lhe
terá explicado onde está.
Aquela ameaça quebrou a decisão de Alpin de ser educada.
— Gordon veio aqui faz mais de um mês, e até hoje não soubemos nada
desse Comyn MacKay. Está superestimando seu interesse.
Lady Miriam esboçou um sorriso pelo qual qualquer menina órfã a teria
adorado.
— Já veremos o que ocorre, querida, mas te aconselho que esteja
preparada. John Gordon não dá um passo até que lhe convém. Quando lhe for
vantajoso falar com o Comyn de ti, fará-o. Tão somente penso que deveria estar
preparada.
A advertência de lady Miriam era totalmente inútil, disse-se Alpin, pois
pensava deixar Escócia esse mesmo dia.
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Mas primeiro teria que a trazer de volta, e não duvidava de que o faria,
pois ele tinha demonstrado ser mais preparado que sua ardilosa esposa. Tinha
dado ordens ao ferreiro para que fizesse uns entalhes nas ferraduras dos cavalos
de Kildalton. Se ela se arrumava para escapar em uma das montarias, Malcolm
poderia seguir com grande facilidade seu inconfundível rastro.
Como pisadas sobre a neve, os rastros dos cascos levaram ao Malcolm
inequivocamente até os moles de South Shields. De uma colina observou o porto
natural que os romanos tinham descoberto mais de mil e quinhentos anos atrás.
Não ficava nenhum sinal visível de sua presença, mas qualquer explorador
laborioso podia cavar por debaixo dos montículos de terra e descobrir as
ferramentas e os restos de uma civilização de engenheiros e construtores.
Malcolm guiou seus arreios colina abaixo. Encontrou os cavalos em um
campo perto do orfanato. Logo se dirigiu ao mole.
—Tem a uma mulher negra entre seus passageiros? — perguntou a um
capitão atrás de outro.
— Não, senhor — era a resposta que encontrava.
Uma olhada à lista de passageiros lhe deu uma idéia.
— Esta viúva, leva véu?
— Sim, senhor. É muito correta, e estou seguro de que a pobre dama está
muito afligida. Não me há dito mais que três palavras, e muito estranhas.
— Sim?
— Perguntei-lhe se queria que lhe levássemos a comida a seu camarote, e
me respondeu « É claro que sim!». Eu diria que é galesa. Têm um acento muito
estranho por ali.
Felicitando-se, e agradecendo o lapsus da Elanna, Malcolm voltou a
agarrar a sua noiva e a depositou nas escadas de Kildalton.
— As portas estão fechadas, Alpin, e dobrei o guarda nos arredores do
castelo. Não pode escapar.
— Espera e verá — replicou ela lhe dirigindo um falso sorriso.
Seu seguinte ardil foi inclusive mais engenhoso, e a segunda viagem de
Malcolm ao Tynemouth extremamente divertido, se tivesse podido esquecer o
fato de que sua esposa lhe tinha abandonado uma vez mais.
— Me fale desse leproso mascarado e da irmã de caridade — pediu-lhe ao
primeiro piloto de um bergantín com destino ao Calais.
— Chegaram em uma carreta, meu senhor. Logo que vi esse pobre
desgraçado nem à freira que vai com ele.
— Uma freira na Escócia? É muito estranho. Levava hábito?
— Pois agora que o diz, era um pouco estranho. Parecia mais o hábito de
um monge, embora a irmã não está nada mal. Imagine a uma irmãnzinha da
caridade com uns olhos como pedras preciosas de cor violeta.
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A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb
Dez minutos mais tarde, quando a tirava do navio, Malcolm pensou que
seus preciosos olhos eram afiadas adagas.
— Não poderá escapar, Alpin. Da-te por vencida. Dois dias depois,
quando a apanhou pela segunda vez em Whitley Bay, seu senso de humor se
desvaneceu.
— Como pudeste colocar a Elanna em um ataúde?
— Preferiria ver-te a ti nele — espetou Alpin.
— Estávamos falando da Elanna.
— Foi idéia dela. Assegurou-me que estaria bem, ia deixar sair logo que
zarpássemos.
A paciência de Malcolm se esgotou. Tirou Alpin do navio a rastros e não se
dirigiu para o cavalo castrado cinza, a não ser para seu semental. Sem nenhuma
cerimônia, lançou-a sobre a cadeira e montou detrás dela.
— Deixe ir, canalha!
Fazendo caso omisso, Malcolm lhe deu uma palmada nas costas e pôs em
marcha ao cavalo. Saladin e os outros ficaram no mole. O mouro utilizou sua
cimitarra para arrancar freneticamente os pregos do ataúde que continha à
mulher que amava.
— Se não me deixa descer deste cavalo — gritou Alpin — arrependerá-te.
Malcolm já estava arrependido; sentia profundamente haver-se
apaixonado por aquela mulher, e odiava a si mesmo por não ser capaz de deixá-
la partir.
— Malcolm, pelo amor de Deus! Para! Estou grávida!
Capítulo 19
A escura caverna em que Malcolm estava sumido se abriu a uma luz nova
em que se desenhava uma palavra: «grávida». Estirou as rédeas e sacudiu a
cabeça. O cavalo se deteve.
Sentiu renascer a esperança varrendo as sombras de sua alma. Por fim ia
ser pai.
Alpin era virgem antes de que ele a amasse, disso não lhe cabia a menor
duvida. Assim que sua madrasta tinha estado no certo: ele podia engendrar
filhos. Alpin lhe daria um bebê. Malcolm desmontou e pôs Alpin no chão.
— Maldito canalha! -exclamou Alpin, ficando-as mãos sobre o ventre com
gesto protetor — Se perder este filho, a culpa cairá sobre sua cabeça. Oh, Deus!
por que não me deixa partir?
— Partir, aonde?
— A Barbados, a meu lar.
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A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb
como um estúpido, mas isso já tinha terminado. Iria a ela e a obrigaria a lhe
escutar. Alpin ainda sentia algo por ele, disso estava seguro.
Malcolm chorou de alegria. Lhe daria um filho, uma preciosa menina a que
poderia lançar pelos ares e mimar quanto quisesse, ou um menino que poderia
instruir, convertendo-o em um homem admirável. Fosse qual fosse o sexo de seu
filho, este seria o resultado do amor que Alpin e ele tinham compartilhado. Um
amor que compartilhariam de novo.
Malcolm lhe faria a corte. Embora levasse o resto de sua vida, conquistaria
de novo o afeto de Alpin. E começaria agora mesmo.
Malcolm saiu precipitadamente do quarto e correu escada abaixo. Ouviu
vozes no salão menor e se aproximou aí, deteve-se na soleira da porta,
completamente pasmado ao ver sua noiva conversando animadamente com o
irmão gêmeo do Saladin.
Se Saladin tinha sido bento com os ritos de seu pai mouro, sir Salvador
Cortez tinha herdado o cabelo negro e liso e a pele azeitonada de sua mãe
espanhola. Inclusive na forma de vestir se viam suas diferenças.
Salvador preferia um traje moderno; levava uma elegante jaqueta e calças
de veludo verde na moda, uma camisa branca engomada, e botas até o joelho.
Mas sua maior diferencia residia em seus pontos de vista e suas práticas
em relação ao belo sexo. Enquanto Saladin tinha jurado castidade até o
matrimônio, Salvador praticava a popular arte da sedução.
Malcolm pensou que Salvador estava praticando essa arte naquele preciso
instante por que se não tinha pego as mãos de Alpin, produzindo rubor em suas
bochechas?
Um sentimento de posse se apoderou de Malcolm.
Ao entrar no quarto, perguntou:
— Interrompo algo?
Alpin ficou sem respiração e saltou para trás como se se queimasse. O
sempre afável sir Salvador se virou com suavidade para Malcolm.
— Tão somente um feliz reencontro, senhor — disse com uma inclinação.
— Se me desculparem... — Olhando ao chão, Alpin tomou o caminho mais
comprido para a porta. Malcolm lhe fechou a frente.
— Veio a família contigo? — perguntou a Salvador
— Não. -Seu olhar se apagou — vim com uma mensagem para lady
Miriam, mas Alpin me há dito que não está aqui.
As esperanças que Malcolm tinha albergado de uma rápida reconciliação
com Alpin se desvaneceram, pois se Salvador tinha vindo sozinho procurando a
sua madrasta, com toda segurança se motravam problemas.
— Me espere no escritório, Salvador.
Arqueando as sobrancelhas com expressão interrogante, Salvador assentiu
e abandonou o quarto. Malcolm fechou a porta e Alpin lhe deu as costas.
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Capítulo 20
Comyn manteve Alpin por uns instantes a certa distância mas sem soltar
sua mão e logo voltou a aproximar. Ela olhou ao Malcolm, que sacudiu a cabeça,
observando repetidamente a ela e ao homem que a abraçava.
— Meu deus! –exclamou — São todo um par dos MacKays. Ela é de sua
família, Comyn. Não há quem pode negá-lo.
— Tão seguro quanto o rei é um Hannover –replicou Comyn com desdém.
—Espero que o sangue alemão do muito canalha ferva quando se inteirar de que
tomaste a uma de minhas garotas das terras altas como esposa.
Uma vez mais a política escocesa se misturava na vida de Alpin. Ao casar-
se com ela, Malcolm zangaria ao rei inglês, pois pareceria que estava com aquele
chefe das terras altas: o avô de Alpin.
Comyn se separou de sua neta.
— Vejo que ainda não terminaste com a colheita — Comentou ao Malcolm.
— Não, tivemos umas quantas interrupções por culpa de sua neta —
explicou, lançando a Alpin um olhar muito expressivo.
— Não há dúvida de que é dos meus. É a viva imagem de minha mãe. —
Comyn lhe deu uma palmada nas costas de Malcolm — Chama o capataz. Meus
soldados podem dirigir uma foice tão bem como qualquer um.
— Obrigado, senhor -Malcolm sorriu — Não nos viriam mal uns braços
extra. -Chamou o Alexander.
Quando este se aproximou, Malcolm e Comyn deixaram Alpin e se
aproximaram dos recém chegados. O MacKay escolheu a um de seus soldados,
certamente seu próprio homem de confiança, e se fizeram as apresentações.
Esquecida no momento, Alpin observou aquela camaradagem masculina e
pensou que Barbados nunca lhe tinha parecido tão longínquo. Sentia nostalgia de
seus amigos e de sua vida estável e ordenada, e ao mesmo tempo se sentia
atraída para o avô que a tinha estreitado entre seus braços e lhe tinha falado de
sua mãe. Para cúmulo dos males se apaixonou por um homem que a utilizava
como um trampolim para o poder.
Agora enfrentava a intimidante tarefa de alojar e alimentar não somente
aos soldados de Kildalton mas também aos homens de Comyn MacKay. Alpin
subiu as escadas e entrou na cozinha. Doura estava desossando cerejas, mas
pelas manchas que se viam em sua boca, Alpin deduziu que tinha comido umas
quantas.
—Vai ao açougueiro, lhe diga que necessitamos vitela suficiente para o
jantar de cem homens.
Doura se queixou, consternada.
— E o que vamos fazer de verdura?
—Traz todas as ervilhas e o que encontre no mercado, peça a sua mãe e ao
Nell que lhe ajudem a lavá-los e a cozinhá-los, diga ao padeiro que necessitamos
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montanhas de pão, leve todas as cerejas à senhora Kimberley para que faça bolos.
Quando Elanna voltar, te ajudará.
Alpin se girou para partir mas então se lembrou do alojamento.
— Que Emily e sua irmã venham e preparem todas as habitações de
convidados.
— Sim, senhora. Mas e a comida para amanhã?
Alpin se sentiu desfalecer uma vez mais ao pensar em sua fuga. Se era o
suficientemente preparada, utilizaria a chegada dos MacKay para cobri-la.
Enquanto Malcolm dormisse, Elanna e ela se iriam a caminho a Tynemouth. Por
um lado Comyn a atraía, mas por outro se sentia desleal por volta de Bumpa
Sam e os outros homens amáveis que durante anos tinham desempenhado o
papel de avô em sua vida. Sentia falta de sua bondade, o afeto que sempre tinha
recebido deles. A nenhum importaria quem era o pai de seu filho nem pensariam
nos benefícios que o menino poderia lhes trazer; se limitariam a adorá-lo.
Quando ela houvesse tornado, certamente.
Entretanto, se evitasse seus deveres em Kildalton agora, Malcolm podia
suspeitar e dobrar seus esforços para evitar sua fuga. Atormentada pela
indecisão, agarrou uma jarra de cerveja, reuniu alguns copos, e se dirigiu ao
salão pequeno. Salvador observava pela janela a atividade no pátio.
Alpin acabava de servir a bebida quando Comyn MacKay entrou
anunciando que o vigia tinha visto a carruagem de lady Miriam aproximando-se
pelo caminho de Aberdeen. Alpin perguntou se sua chegada significaria uma
bênção ou uma maldição.
«Bendita seja», pensou Malcolm enquanto a ajudava a sair da carruagem.
— Passeemos um pouco — pediu-lhe, guiando-a mais à frente do castelo,
para o jardim cercado. Lady Miriam lançou uma olhada a quantos soldados
havia no pátio.
—Vi a alguns trabalhadores nos campos perto de Otterburn. Levavam as
cores dos MacKay. Suponho que Comyn já chegou.
— Sim. Está lá dentro, mas pode esperar. — Falou-lhe da carta que
Salvador lhe tinha entregue — Pai persuadiu ao Jacob para que proíba a seu filho
de viajar a Escócia. Agora o príncipe Carlos quer ir ao Aquisgrán. O único sinal
de agitação em lady Miriam foi o vigor com que sacudiu o pó da saia de seu
vestido de veludo.
— Isso está muito perto de Hannover e também do rei Jorge.
Malcolm não tinha tido em conta a geografia.
— Se o rei se inteira de que um príncipe Eduardo se está metendo em sua
querida Alemanha…
— Enviará a seus rudes mercenários antes de que possa dizer «rei ao outro
lado do mar», e o Jovem Pretendente se encontrará consumindo-se na Torre.
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A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb
— Acredito que podem arrumar as coisas entre vocês. Onde está o encanto
dos Kerr?
— Acredito que o joguei pela janela quando a acusei de me ser infiel, mas
não podia acreditar que o filho fosse meu. Deveria escutado a você. — Então lhe
falou da esponjinha contraceptiva que Rosina tinha deixado esquecida.
Lady Miriam fechou os olhos com força e esfregou as têmporas. Malcolm
observou seus flexíveis dedos e pensou nas vezes que tinha colocado as mãoes
para ver se tinha febre ou lhe tinha dado afetuosos tapinhas na bochecha. Ela
tinha sido muito mais que uma mãe para ele; lady Miriam era uma amiga em que
podia confiar e a quem adorava.
— Bom. -levantou-se e se virou para a saída do jardim — O que pensa
fazer?
Malcolm não achou nenhuma experiência em seu passado para lhe ajudar
a cumprir a missão que tinha ante ele. Entretanto, o instinto lhe dizia que a
sinceridade devia ser o primeiro passo.
— Às vezes me pergunto como foi sua vida e que tipo de amigos teve. Tão
somente desejo que me fale mais dos anos que passou em Barbados. É uma
mulher apaixonada e excitante.
— Estou segura de que o é, tendo em conta que meu neto está a caminho.
Timidamente, acrescentou:
— Estou encantada. Seu pai se emocionará quando se inteirar.
Pensando bem, Malcolm descobriu que não se esforçou o suficiente para
ser amigo de Alpin MacKay, preocupou-se mais pelo aspecto físico de sua
relação; provavelmente tinha chegado o momento de seduzir sua mente.
— Esse olhar em seus olhos não pressagia nada bom — insinuou lady
Miriam.
Mas então Malcolm recordou que tinha o castelo cheio de convidados e
uns campos por colher.
— O amor terá que esperar.
— Tolices. Sua felicidade afeta a todo mundo, e desde que querer a Alpin,
até a senhorita Lindsay e todas essas bruxas do mercado. O que há mais
importante que a felicidade?
— Nada — respondeu Malcolm consciente de que tinha razão.
Sua madrasta contemplou o castelo com olhar ausente.
— Antes pensava que não havia lugar para mim aqui. Seu pai estava
solidamente instalado em seu papel de conde e formava parte destas terras. Eu
não podia me imaginar vivendo aqui, pois tinha passado a vida na corte da
rainha Ana ou viajando em seu nome. Ao final, a presença daquela mulher na
fronteira tinha acabado por melhorar a vida de todos.
— Meu pai fez com que mudasse de idéia.
Lady Miriam riu.
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nem a sua madrasta. Comyn esvaziou sua jarra e a deixou sobre a mesa com um
golpe.
— São todas as mulheres da África tão formosas como você, senhorita
Elanna? -perguntou.
Ela ergueu, seu comprido pescoço e ficou muito direita. Seus olhos escuros
brilhavam com orgulho.
— É claro que sim!
Alpin não pôde evitar burlar-se dela.
— Inclusive as mulheres dos equafos comilões de mosquitos?
—Oh, sim! — interveio Saladin. —Nos diga o que pensa realmente sobre
essa gente que leva ossos nos narizes.
Elanna apertou os lábios e olhou ao teto. Por fim, e em um inglês perfeito,
declarou:
— Uma princesa Ashanti deve ser tolerante com as culturas mais
primitivas.
Só Alpin e Saladin riram.
— É uma princesa? — perguntou Comyn surpreso.
— É obvio que é uma princesa, e já pode fechar a boca, meu senhor —
advertiu-lhe lady Miriam. Logo se dirigiu a Alpin — Nos fale de sua educação na
ilha.
— Não seja tímida, Alpin — animou-a Malcolm – Conta.
Disposta a não estragar aquele ambiente jovial, Alpin explicou.
—Quando era pequena, dava-me aulas Adrienne. Logo tomamos a um
tutor que também exercia de administrador da plantação.
Mais tarde, quando Charles se afeiçoou à bebida, Henry Fenwick se
converteu na mão direita de Alpin. .
— Um inglês? -inquiriu Malcolm.
Henry era um homem muito reservado, daí que Alpin demorasse cinco
anos em descobrir por que se foi de Northampton. Por respeito e por costume,
ela era reservada em comentar os assuntos privados do administrador.
— Sim, era inglês — continuou agarrando a jarra — Alguém quer mais
cerveja?
Malcolm levantou seu copo. Enquanto Alpin o enchia de novo, ele se
aproximou dela.
— Não muito, querida -sussurrou-. Não quero danificar meu apetite ou
diminuir meu desejo por uma doce sobremesa.
Ao pensar em suas noites de amor, Alpin sentiu um calafrio muito familiar
percorrer seu corpo, entretanto, ainda tinha rancor para com Malcolm.
— Eu adoraria viver uns anos em Barbados — interveio lady Miriam -.
Tenho interesse por conhecer esse tipo que utiliza às escravas como cavalos.
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A Noiva de Ultramar (Border 2) – Arnette Lamb
— Suspeito que você faria ver quão equivocados são suas maneiras —
comentou Saladin.
— Tentaria-o com todas as minhas forças, e agora que Alpin está instalada
em Kildalton, não faço muita falta aqui. O que diz, Alpin? Venderia-me a
plantação Paraíso?
Desconcertada, Alpin observou à madrasta de Malcolm para comprovar
que estava brincando. Sua proposta era a solução ao problema de ajudar os
escravos, mas se Alpin rompia seus laços com Barbados, não teria outro lugar
aonde ir. Um antigo temor se apoderou dela. Se concordava em vender Paraiso,
Malcolm a teria atada a Escócia e conseguiria seus fins políticos. Acaso não
tinham idealizado aquele plano ele e sua madrasta pelos mesmos motivos por
que mostravam tanto interesse por seu passado? Alpin respondeu com evasivas:
— Pode ser que o advogado já tenha feito entendimentos com um
comprador.
— Os negócios podem esperar -interrompeu Malcolm levantando-se e
oferecendo a mão a Alpin. —Odeio ter que abandonar uma companhia tão
agradável, assim levarei Alpin comigo. Boa noite a todos.
Enquanto se levantava do banco, Alpin se sentiu adulada por completo.
Provavelmente lhe tinha julgado muito duramente. Provavelmente Malcolm
merecia o benefício da dúvida. Logo, Alpin viu um homem de pé junto à porta
que levava aos túneis. Era um guarda. Outro dos homens de Malcolm estava
sentado em um dos bancos na entrada principal com o sabujo deitado no chão
junto a ele. Levantou o olhar para as escadas e viu um vigilante mais. Todos eles
estavam em seus postos desde a primeira hora da tarde, enquanto seus colegas
faziam guarda nas saídas do castelo. Mas o motivo não era que o castelo
estivesse cheio de convidados das terras altas. Os homens de Malcolm a tinham
seguido durante todo o dia, inclusive quando ia dar de comer ao coelho ou
entrava no banheiro. Aquela vigilância permanente lhe punha os nervos de
ponta, perguntou se os sentinelas do exterior estariam ainda de guarda.
— Espera aqui — Alpin se retirou — Volto em seguida.
— Aonde vai? -perguntou Malcolm tratando de alcançá-la.
«Ver se ainda me retém como prisioneira», quis responder Alpin, mas em lugar
disso seguiu a tática que tinha aprendido de Malcolm e respondeu com uma
piscada:
— Ouvi que ronda pelo castelo um monstro que gosta de muito os doces.
Os olhos do Malcolm se iluminaram.
— Vai dar de comer à besta?
— Se não o fizer, poderia me devorar — replicou fingindo um sorriso.
— Pode ser que o faça de todos os modos.
—Verei-te acima.
Malcolm lhe agarrou o queixo e se inclinou para ela.
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curar suas feridas entre amigos em uma terra que conhecia muito bem. Alpin
assinalou com a cabeça para a porta.
— Poderia ser importante.
— Não -murmurou Malcolm-. Nada é mais importante que você.
Ante aquelas palavras Alpin se acalmou por fim e decidiu esquecer os
obstáculos que a separava do momento e aceitar a paixão que lhe oferecia. Estava
esperando um filho dele. Que mal podia fazer compartilhar outra noite de prazer
naquele acolhedor quarto? Perguntou-se.
— O que está acontecendo? -perguntou Malcolm.
«Que não estamos em um ninho de amor», quis responder Alpin. Aquele
quarto, aquele castelo, eram seu cárcere, e o pai de seu filho era seu zelador.
— Alpin -disse ele-. Asseguro-te que ninguém vai nos incomodar. — Com
um sorriso zombador, acrescentou: —Eu mando aqui, já sabe.
Malcolm podia dar ordens às pessoas, pensou Alpin, mas ela dominava
seu desejo. Dirigiu-lhe um descarado sorriso.
— Pensava que ainda não terminei de me despir para você.
O olhar de Malcolm deslizou lentamente desde sua cabeça até a ponta de
seus sapatos. Seu corpo voltou a pulsar com renovado vigor.
— Sou todo olhos, e você é uma tentadora perigosa.
— Malcolm, deve vir! -Era a voz de lady Miriam.
— Maldita seja! -exclamou seu enteado, fechando os olhos e apertando a
colcha de veludo entre os punhos.
Alpin observou como a evidência do desejo desaparecia do corpo de
Malcolm. Desanimada, colocou de novo os braços no vestido e o grampeou.
— Parece que esse «ninguém» chegou por fim.
Malcolm saltou da cama e a abraçou.
— Voltarei. Dou-te minha palavra.
— É obvio que o fará. — Lhe acreditou, mas se deu conta com amargura
que ela e seus interesses estariam sempre depois da política escocesa nos
pensamentos de Malcolm.
— Mantén a cama quente -disse, e a beijou profunda e possessivamente.
Logo colocou as botas, agarrou rapidamente sua bolsa e saiu pela porta.
Alpin ficou ali de pé pensando na tristeza de sua relação e perguntando-se sobre
a identidade dos recém chegados.
A curiosidade venceu. Ao abrir a porta, o guarda deu um passo atrás. Era
seu carcereiro. Furiosa, Alpin dirigiu ao solário do piso de acima e abriu as
cortinas.
A cena lá abaixo a deixou boquiaberta.
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Capítulo 21
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Viria Malcolm a procurar por ela? Perguntou-se, com certeza que sim.
Uma vez mais, ofereceria-lhe seu coração e lhe perguntaria por que tentava lhe
abandonar. Mas desta vez quereria sabê-lo de verdade. Falaria de seu
compromisso com as pessoas de Paraíso. Malcolm a escutaria e compreenderia o
dilema que rasgava sua alma. Navegaria com ela até Barbados, no que seria sua
viagem de núpcias.
— O que é isso?
Para ouvir a voz de Elanna, Alpin olhou de novo para a estrada.
— Aí atrás, na água.
Alpin deu meia volta e viu como uma fragata entrava no porto muito perto
deles. Centenas de soldados elegantemente uniformizados enchiam a coberta.
Suas vozes chegavam do outro lado da água, mas Alpin não podia entender suas
palavras, pois falavam em uma língua estrangeira. Enquanto os escutava,
lembrou-se do sapateiro de Bridgetown que era alemão. Ansiosa por distrair-se,
cruzou a coberta para os ver mais de perto. A uns três metros, na coberta do
outro navio, havia um oficial que levava infinidade de medalhas e galões.
Desdobrou um mapa e o estendeu sobre um barril. A seu lado, um de seus
subordinados sustentava um farol. Estavam falando.
Então Alpin escutou como o homem dizia:
— Kil-dal-tom, aqui! -e assinalava o mapa com um dedo enluvado.
Por que iriam a Kildalton soldados alemães armados? Perguntou-se
perplexa e súbitamente assustada observou ao oficial dar ordens. Abriram as
portas da adega do navio e os cavalos foram conduzidos a terra firme.
Alpin não deixava de pensar que sua fuga tinha resultado muito fácil,
como se Malcolm quisesse que partisse. John Gordon tinha chegado a meia noite.
Malcolm se tinha zangado. Quem era o homem de chapéu com distintivo? Por
que não havia sentinelas nas alamedas? Por que tinham deixado os estábulos
desatendidos? Alpin tinha infinidade de perguntas sem resposta.
Alpin se sentiu atendida por uma angustiosa sensação de perigo.
—Voltamos para Kildalton.
—O que? -exclamou Elanna.
—Temos de retornar a Kildalton.
Agora que a cólera tinha passado e uma repugnância que roía suas
vísceras, Malcolm permanecia reclinado sobre sua cadeira e observava como sua
madrasta desdobrava suas manobras mágicas diplomáticas.
Carlos Eduardo Luis Felipe Silvestre Casimiro María, mais conhecido
como o Jovem Pretendente, mantinha uma expressão zangada não isenta de
graça, em uma das poltronas. Desde que lady Miriam tinha reduzido sua
hostilidade a um nada, John Gordon se limitava a rondar pelo quarto. Comyn
Mackay ainda bufava de cólera.
Por deferência ao príncipe, lady Miriam falava em francês.
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FIM
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