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Programa e Metas Curriculares de Português do Ensino Secundário

Textos I - LEITURA

Texto 1
[…] O dia nasceu vermelho-alaranjado sobre Cape Town, na Nova Escócia. Estava frio no
cais da aldeia. Fizemo-nos ao mar e David Cameron, capitão do Bay Queen IV, navegou para
Norte, em direção ao golfo de São Lourenço. Mais adiante, em mar aberto, pescam-se os
maiores atuns-rabilhos do mundo.
A grande ilha de Cape Breton estava a estibordo. A bombordo, passámos pelo pequeno
ilhéu adjacente de Port Hood, baixo e verde, com casas brancas de madeira dispersas. Dennis
cresceu ali. Recorda-se de caçar esquilos no bosque, de vasculhar as praias em busca de boias
velhas e de apanhar lulas encalhadas para o seu pai usar como isco – um modo de vida
desaparecido. A grande fábrica de lagosta enlatada do ilhéu fechou há muito tempo. A frente
costeira, repleta de barcos de pesca na década de 1920, uma floresta de mastros, encontra-se
atualmente deserta. Cerca de vinte famílias de pescadores e agricultores sobrevivem desde a
década de 1950 e o número diminuiu gradualmente. A ilha tem agora apenas um residente a
tempo inteiro.
É um fado comum a comunidades piscatórias em toda a parte. Os oceanos estão a
morrer. O desaparecimento dos barcos de pesca assinala esse declínio: bacalhau nas províncias
Marítimas do Canadá, anchovas ao largo do Peru, salmão no Noroeste do Pacífico, merluza-
negra do Chile na Antártida, tubarões em todos os oceanos.
O atum-rabilho é uma das espécies mais excessivamente pescadas do mundo. A
população que desova no Atlântico Ocidental sofreu uma redução de 64% desde a década de
1970. Há décadas que os labirintos de gaiolas de rede utilizadas, durante milénios, pelos
sicilianos para capturar atuns gigantes mortos estão a ser retirados, uns atrás dos outros, à
semelhança de outros labirintos no Mediterrâneo […].

Kenneth Bower, “Rápido e épico”. National Geographic, vol. 13, n.º156, março de 2014, pp. 46-47.

Texto 2
Com O Tímido e as Mulheres Pepetela acrescenta mais umas sublimes pinceladelas ao
retrato de Angola que tem vindo a construir ao longo de quatro décadas de vida literária. A sua
já vasta obra é marcada pela busca identitária, que se torna o tema central ao qual o autor
regressa incessantemente. Esta procura da apreensão da identidade do povo angolano tem-no
levado a revisitar vários tempos da História do país, centrando-se este romance no presente da
consolidação da independência.
Qualquer que seja o tempo da história, o olhar e a voz dos diferentes narradores
caracterizam-se invariavelmente pela acutilância das suas intervenções e a ironia dos seus
discursos. Neste caso, o registo irónico é desde logo anunciado e enunciado na epígrafe alógrafa
colocada em abertura do corpo do texto: “Tenta o Bem/ Atingirás o Mal – Lição de satanás aos
sobrinhos, dúbia como todas as ficções”. A citação, que recupera um ensinamento atribuído (a
acreditar no autor textual) a Satanás, esboça pistas de leitura que apontam para um cenário que
não pode deixar de inquietar os leitores. A epígrafe, ao sugerir a diluição de fronteiras entre o
bem e o mal, o mesmo é dizer a possibilidade da mutação do bom no vilão, deixa entrever um
entrecho marcado pela ambivalência, pelo ludíbrio, pela derisão. Por outro lado, a identificação
dos destinatários originais da mensagem de Satanás (os seus sobrinhos) é também fator de
inquietação, já que ficamos a saber da existência de legado diabólico. É, pois, a partir destes
condimentos que empreendemos a nossa leitura, procurando inferir da veracidade dos
horizontes de leitura construídos a partir desta epígrafe “dúbia como todas as ficções”.
O entrecho, centrando-se na vida do Heitor, um jovem angolano oriundo de um meio
privilegiado (apartamento, carro, emprego…), que tem a particularidade de ser tímido,
especialmente com as mulheres, constitui-se de facto como uma pungente denúncia do
enriquecimento das classes dirigentes, da corrupção generalizada e das fortes desigualdades
sociais. Esta é a história dos amores e desamores de Heitor que, por desgosto sentimental,
decide cortar com velhos é cómodos hábitos e isolar-se numa casa, nos subúrbios da capital, em
risco iminente de destruição por via da especulação imobiliária, para se dedicar à escrita de um
romance.
A mudança de espaço traz consigo o contacto com pessoas e locais dos quais os
privilégios da família o tinham mantido afastado. Aí encontra duas mulheres que vão abalar a
sua timidez: a bela e sedutora Marisa, a locutora de rádio, que lhe incendeia os desejos,
deixando-lhe frustrações, assim como a jovem e voluntariosa Orquídea, moradora no musseque,
filha de Dona Luzitu, a vendedora ambulante. A partir da vida destas personagens centrais, às
quais se junta uma panóplia de indivíduos, esboça-se o retrato da sociedade de Luanda, uma
cidade que vive num turbilhão de mudanças que se pautam pela procura de ganhos ilícitos, de
poder e de privilégios, que têm na sua génese aquilo que o narrador considera ser “o nó do
problema, a ganância”.
A efabulação constrói-se pelo viés de um constante diálogo com os leitores, que se
assume como a inscrição textual da cumplicidade com o outro a quem se destina. As
interpelações a que me refiro irrompem no relato da vida de Heitor, por meio de apartes
opinativos do narrador, frequentemente sarcásticos, que surgem diferenciados na mancha
gráfica através de duas formas distintas de relevo, que produzem efeitos de leitura também eles
diversos. Reencontramos o uso de itálico como técnica mais evidente de destaque a par de
parágrafos constituídos por expressões muito curtas, por vezes apenas uma palavra, onde o
narrador tece comentários incisivos e irónicos acerca das atitudes e pensamentos das
personagens, tornando-nos assim seus confidentes. Para além destes comentários acerca da
intriga, os apartes opinativos estendem-se igualmente ao ofício e ao universo da escrita, com
referências ponteadas de humor aos escritores, aos editores, aos livreiros, aos leitores, sem
esquecer os críticos, num claro desafio à nossa cumplicidade.
Muito centrado na vida quotidiana de Luanda, este é porventura o romance de Pepetela
que retrata com mais pormenor a vida das diferentes classes sociais que coabitam na capital e
na sua periferia, com as suas práticas, as suas vivências, os seus gostos. São particularmente
interessantes as referências à gastronomia e à culinária, a partir das quais podemos contruir um
retrato impressivo da sociedade. Cada família tem hábitos e rituais específicos, ditados pelo
desejo de ostentação de um estatuto social ou, ao contrário, por contingências económicas.
É, pois, sob o signo da distopia que O Tímido e as Mulheres se constrói, constituindo-se
a denúncia de injustiças e de corrupção, assim como das desigualdades sociais e do abuso do
poder o tema fulcral do romance. É à luz destas circunstâncias que devem ser lidas as imagens
de grande poder sugestivo utilizadas para descrever a vida em Luanda, vista como “uma alegoria
do lixo”, onde alguns ostentam uma “pornográfica fortuna”. Sintomática é também a expressão
escolhida para encerrar o relato, “LimpaMerdas”, que, designado a milícia do bairro de
musseque, remete também para a consciencialização social que o romance procura despertar.
Muitas outras leituras podem ser feitas deste admirável romance de Pepetela, na verdade tantas
quantos os leitores que decidem empreender esta viagem até Luanda, conduzidos pelo olhar do
autor que, por interposta personagem, reconhece: “Um livro é tanto do leitor como do escritor,
pois o leitor reescreve-o constantemente”.

Agripina Carriço Vieira, “Luanda, do musseque à Ilha”, Jornal de Letras, Ano XXXIV, n.º 1133, 5-18 de
março de 2014, p. 13

Texto 3
Tenho más notícias a dar-vos, a todos os nossos concidadãos e a todas as pessoas que
desejam a paz em todo o mundo: Martin Luther King foi morto a tiro esta noite.
Martin Luther King dedicou a sua vida ao amor e à justiça entre seres humanos, e morreu
por essa causa. Neste dia difícil, nestes tempos difíceis para os Estados Unidos, talvez faça
sentido perguntar que tipo de nação somos nós e que direção queremos tomar. Aqueles de vós
que são negros – tendo em conta as provas evidentes de que houve pessoas brancas que foram
responsáveis – podem estar cheios de amargura, de ódio e de um desejo de vingança. Podemos
seguir nessa direção enquanto país, a da grande polarização: negros entre negros e brancos
entre brancos, cheios de ódio uns pelos outros.
Ou então podemos fazer um esforço, tal como fez Martin Luther King, por compreender
e aceitar, e por substituir essa violência, esse derramamento de sangue que tem manchado a
nossa terra, por um esforço para compreender com compaixão e com amor.
Àqueles de vós que são negros e que se sentem tentados a encher-se de ódio e de
desconfiança contra todos os brancos perante a injustiça de tais atos, eu posso apenas dizer que
tenho o mesmo sentimento no meu coração. Um membro da minha família foi morto, mas foi
morto por um homem branco. Mas temos de fazer um esforço nos Estados Unidos. Temos de
fazer um esforço para compreender e para ultrapassar estes tempos realmente difíceis.
O meu poeta preferido é Ésquilo. Ele escreveu: “Durante o nosso sono, uma dor que não
se pode esquecer cai gota a gota sobre o coração, até que, no nosso próprio desespero, contra
a nossa vontade, a sabedoria chega pela terrível graça de Deus.”
Aquilo de que precisamos nos Estados Unidos não é de divisão. Aquilo de que
precisamos nos Estados Unidos não é de ódio. Aquilo de que precisamos nos Estados Unidos
não é de violência e de criminalidade, mas de amor e de sabedoria, e de ter compaixão uns pelos
outros, e de uma vontade de justiça para com os que ainda sofrem dentro do nosso país, sejam
eles brancos ou negros.
Por isso peço-vos que esta noite regressem a casa e que façam uma oração pela família
de Martin Luther King, sim, mas, mais do que isso, que façam uma oração pelo nosso país, que
todos nós amamos; uma oração pelo entendimento e pela compaixão de que vos falei.
Podemos sair-nos bem neste país. Atravessaremos tempos difíceis; atravessámos
tempos difíceis no passado; atravessaremos tempos difíceis no futuro. Este não é o fim da
violência, não é o fim da criminalidade, não é o fim da desordem.
Mas a grande maioria das pessoas brancas e a grande maioria das pessoas negras
querem viver juntas, querem melhorar a qualidade de vida de todos nós, e querem justiça para
todos os seres humanos que habitam a nossa terra.
Vamos dedicar-nos ao que os gregos escreveram há tantos anos atrás: a amansar a
selvajaria do homem e a tornar suave a vida neste mundo.
Vamos dedicar-nos a isso, e fazer uma oração pelo nosso país e pelo nosso povo.

Robert Kennedy, “Sobre a Morte de Martin Luther King” (April 4, 1968). In Ripples of Hope: Great
American Civil Rights Speeches. Edited by Josh Gottheim. Forward by President Bill Clinton.
Afterword by Frances Berry. New York: Basic Civitas Books, 2003, pp. 318-319; trad. Amândio Reis.

Texto 4
Apenas tomada ao Islão, Lisboa foi descrita e escrita pelo cruzado Osborne. E nunca mais
deixou de o ser: desde Fernão Lopes, émulo de Froissart, passando por Tirso de Molina na sua
idade de ouro, antes de adormecer numa certa indolência faustuosa como se o Oriente que a
tinha fascinado continuasse a ecoar nas suas ruas.
De capital barroca de um império onde o sol nunca se punha tornou-se nos tempos de
William Beckford uma espécie de Babilónia sórdida, esquecida da Europa, embebida em
devoção e imersa, a título póstumo, num sonho imperial sem regresso.
Nem um tremor de terra de eco universal a acordou do seu torpor. Só o tornado
napoleónico lhe lembrou que a Europa existia e que não convinha adormecer na idade de ferro
em que, a bem ou a mal, estava entrando.
Durante um século Lisboa pôr-se-ia à escuta da Europa – a do progresso técnico e da
nova literatura -, tentando como podia seguir o ritmo de Londres ou de Paris, imitando as suas
audácias que ela tomava por vícios. Violentada nos começos do século XIX, Lisboa entrou à força
na Modernidade.
Quase dois séculos mais tarde, Lisboa, primeira cidade a ter abandonado a Europa,
levando aos confins do mundo um sonho desmedido para os seus meios, voltou ao porto. Uma
Europa fatigada de si mesma descobre-a então como uma espécie de paraíso perdido. Os
europeus, abandonados por um futuro que se confundia com o mundo, reintegram Portugal no
seu horizonte, e a sua capital, também ela regressada de um passado sem retorno, numa espécie
de presente imóvel que se pode viver em toda a sua indolência.
Lisboa não é apenas a cidade que acorda mais tarde do que todas as outras, como dizia
Pessoa, é uma cidade realmente adormecida, semelhante à Bela tocada pela morte. Mas o que
Lisboa estreita entre os seus braços não é bem a morte; é antes uma rosa dos Tempos, dos
tempos que ela foi sucessivamente, sem se dar muito conta disso, e que nós hoje podemos
respirar num só hausto passeando nas suas ruas outrora romanas, árabes, medievais, sobretudo
barrocas, dispostas como um labirinto em volta de Lisboa das Luzes que a vontade de Pombal
impôs à desordem da Natureza e da História.
[…] Contrariamente à nossa legenda dourada, esta capital que foi uma “cidade-mundo”
não trouxe muitos tesouros, ou bem poucos, das tantas praias em que se atardou. Nenhum
vestígio glorioso – obelisco ou friso grego, ou arco romano – abrilhanta as suas belas praças.
Lisboa limitou-se a recolher “tempos” e desses tempos fez um colar de desvairadas cores que
todo o passante nosso ou alheio desta terra que tanto gosta de se desviver, respire como se
fosse o perfume de uma cidade de mortos-vivos.
[…] No quotidiano de uma Lisboa em vias de se tornar uma metrópole – ela que tinha
sido no século XVI a capital virtual do mundo, a par de Sevilha -, Eça de Queirós tinha já
entrevisto o seu ser aparente em busca de uma realidade comparável à de Londres ou Paris.
Quando ela se parecia mais com Nápoles, vivendo despreocupada paredes meias com a morte.
A nossa capital não se resignava a ser apenas uma cidade de província europeia que se lembrava
do Oriente, que se tinha multiplicado, como num espelho, em Goa, na Bahia ou no interior de
Minas; como se tivesse enfim remorsos ou nostalgia do seu antigo esplendor. É a Lisboa de
Cesário Verde. Os seus sonhos de ambição ou de amor eram sonhos abortados e este destino
parado fazia as vezes da vida. O Sul, antigo centro da vida, só sonhava com o Norte.
O que havia de vivo em Lisboa, no momento em que [o] jovem Pessoa, vindo de algures,
a descobriu, eram os sonhos dos outros, esses barcos que traziam o mundo à beira do Tejo e
que o poeta da “Ode Marítima” iria evocar com exaltação e angústia. Imensos navios povoavam
o Tejo – o rio de Camões – de sonhos que não eram mais os nossos. O olhar de Pessoa descobre
então uma cidade espetral – uma cidade que dorme com os olhos abertos, sonhando com um
passado que não existe mais – transfigurando-a do interior […].
O mais estranho é que esta cidade, pura irrealidade, que só existe nos seus poemas e no
Livro do Desassossego, coloriu de uma outra luz – ou melhor, de outra luminosidade – a cidade
real, como todas as outras da Europa ou do mundo, cada vez mais americanas. Vem-se a Lisboa
para passear nas ruas reais do fictício morador da rua dos Douradores, do mais ausente dos
seres, aquele para quem Lisboa era um sonho de um sonho e a converteu em mito cultural.
[…] Na realidade, a nova Lisboa só comunica nesse novo culto a sério quando aí se
celebra, de uma maneira ou de outra, o seu único tempo verdadeiro e universal: o da Lisboa
rainha dos oceanos. A ponte que une as duas margens do Tejo brilha na luz azul do presente.
Mas, como era fatal, demos-lhe o nome de Vasco da Gama.
Lisboa – ou o eterno retorno das Índias. Das que foram. Das que já não são. Das que
esperamos que voltem.

Eduardo Lourenço, “Tempo de Lisboa”. Jornal de Letras, Ano XXXIV, n.º 1133, 5-18,
março de 2014, p. 25.

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