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A lei e a norma

Célio Garcia

Ao examinar a segunda clínica, os avatares por que passaram lei e norma em nossa
contemporaneidade, serão por nós explorados como instrumento de leitura e pesquisa.

Introdução
A palavra lei significa em seu sentido mais amplo, a relação constante e necessária entre
fenômenos. No sentido jurídico é a regra escrita, instituída pelo legislador.
É o preceito escrito emanado do órgão competente do Estado e que tem como principal
característica a generalidade (universalidade).
Na nossa tradição judaica-cristã, as Tábuas da Lei nos são ensinadas desde os primeiros
passos na escola ou no catecismo; para essa tradição, a Lei resultou de uma voz gravada em tábuas,
o som transformado em escritura foi transmitido de geração em geração.
O emprego do termo lei em Psicanálise suscita questões. Afinal de que lei fala a Psicanálise?
Será a mesma lei que encontramos no Direito? A mesma lei de que fala a ciência? A lei que permite
escolha livre, lei da liberdade, mencionada pela Filosofia?
Ou lei da natureza diante da qual temos que nos curvar? Ou lei assimilada a esta ultima
mesmo quando se trate de assuntos humanos, como em Kant?
Os dois primeiros parágrafos dessa pequena introdução já nos permitem dizer que:
1. se a Lei foi mandamento, ela é hoje muito mais lei da sintaxe, simples relação entre termos;
2. se a Lei é incisiva, ela pode em outros momentos se impor como lei neutra;
3. se a Lei sempre teve tom imperativo, as leis científicas são enunciadas em gráficos e
cálculos. Enfim, a dessacralização do nosso universo, ao ser dito infinito (em nossos dias, as
descobertas de novas galáxias se repetem) em contraposição a um mundo fechado, finito (mundo da
Idade Antiga até a Idade Média), terá levado à dessacralização da identidade da lei.
Quanto ao termo norma, as questões suscitadas por se apresentarem como contemporâneas,
têm tendência a serem encaradas como comuns, familiares, em sua funcionalidade.
Encontrei em Lacan três passagens (1) onde ele se refere aos dois termos na mesma frase ou
em proximidade bastante para anotarmos como ele entendia essa proximidade ou vizinhança caso
haja alguma. Em nenhuma dessas passagens ele se demora ou tematiza a distinção entre os dois
termos. É bem verdade que há um Colóquio recente (20 –21 de maio de 2000) da Escola Lacaniana
de Psicanálise instituição de orientação lacaniana na Itália, que teve como título “As patologias da
lei, clínica psicanalítica da lei e da norma”(2). Os termos ganham atualidade desde os anos 80,
como vamos ver mais adiante.

Ao dar continuidade a nossa pesquisa, encontramos menção recente quando Jacques Alain
Miller dirigindo-se a Eric Laurent por ocasião do seminário “L’Autre qui n’existe pas et ses comitês
d’éthique”, no dia 28 de maio de 1997, aula N. 19, lembra que havia convidado, há alguns anos,
François Ewald a intervir no seminário destinado a seus doutorandos para uma exposição
justamente sobre o tema “Norma e lei”. Laurent ao retomar a palavra resume dizendo que de fato a
tese de Ewald, em seu último capítulo, apresentava como conclusão uma certa ordem normativa.
(Devemos dizer que a proposta de Ewald era por ele tida como o resultado de um trabalho político
em cima da atual noção de norma, ou seja, como ele mesmo diz, graças a aproximação entre norma
e democracia).(3).
Na mesma aula Eric Laurent volta às teses de Ewald desta vez situando-as na linha do
pensamento de Foucault (durante muito tempo Ewald foi assistente de Foucault, o livro “L’état
providence” é dedicado à Foucault) para dizer –
a posição descrita por Ewald nesse regime de desmaterialização da culpa encontra obstáculo
no fato de que finalmente temos necessidade de culpados, o que aliás é demonstrado pela
Psicanálise na cura, pois a culpa se apresenta como núcleo dos sintomas; o mesmo obstáculo é
encontrado quando nos deparamos com o sintoma responsabilidade. O culpado, ou seja, aquele que
deve assumir a culpa, tem sua função, função que deve ser lembrada àqueles que pretendem
desmaterializar a culpa.
Segue-se uma longa exposição sobre o Estado e seus dispositivos de responsabilização, assim
como indenização, sem esquecer que vivemos em uma sociedade sempre atenta aos riscos já que
garantida na idéia de seguro a pagar. Vamos ver em seguida como, na atualidade, essa sociedade
lida com as questões que ora nos ocupam.

Em vez de lei, temos a norma.


Diante do título do parágrafo, resta saber se isto nos basta.
Toda essa discussão a partir de Ewald vem na esteira de uma página de Foucault em “História
da sexualidade. A vontade de saber”. De fato, já ao final da obra Foucault arremata – “Uma
conseqüência desse desenvolvimento do biopoder é a importância crescente assumida pela atuação
da norma, às expensas do sistema jurídico da lei.
A lei não pode deixar de contar com seu braço armado e sua arma por excelência é a morte;
aos que a transgridem, ela responde, pelo menos como último recurso, com esta ameaça absoluta.
Mas um poder que tem a tarefa de se encarregar da vida terá sempre necessidade de mecanismos
contínuos, reguladores e corretivos. Um poder dessa natureza tem de qualificar, medir, avaliar,
hierarquizar, mais do que se manifestar em seu fausto mortífero; não tem que traçar a linha que
separa os súditos obedientes dos inimigos do soberano, mas opera distribuições em torno da
norma”. ...
E conclui: “Não quero dizer que a lei se apague ou que as instituições de justiça tendem a
desaparecer; mas que a lei funciona cada vez mais como norma, e que a instituição judiciária se
integra cada vez mais num contínuo de aparelhos (médicos, administrativos, etc) cujas funções são
reguladoras. Uma sociedade normalizadora é o efeito histórico de uma tecnologia de poder centrada
na vida”
Norma, mencionada no texto de Foucault, em contraposição à lei, esta última associada ao
direito do soberano (Imperador ou Pater famílias) sobre o corpo do súdito, ou do filho, direito que
poderia ir até a morte.

O tema encontrado na tese de Foucault é comentado por De Munck (jurista e analista belga
professor na Universidade de Bruxelas, autor de interessante artigo publicado por Feuillets du
Courtil sobre Direito e Psicanálise) (4). Evolução recente da ordem normativa conduz a colocar em
questão a concepção tradicional de regras jurídicas como prescrição unívoca que permitia distinguir
comportamentos permitidos de condutas proibidas. Existe em nossos dias uma incerteza sobre o
fundamento e o conteúdo da lei elementos importantes para se discernir o preceito e a infração;
entende-se perfeitamente a hesitação onde se lançou a instância jurídica, já não contamos
como antigamente com a articulação entre lei e pecado, associados tal como os encontramos já em
São Paulo. Encontro comentário a essa glosa em Eric Laurent na revista Mental N. 8 (op. cit) – o
primeiro dos paradoxos da lei repousa sobre o fato de que “É a lei que nos faz conhecer o pecado”.
Em outras palavras, o enunciado da regra implica na sua transgressão. Enfim, uma ultima paráfrase
para dizer do nosso espanto diante da Lei: Ninguém pode pretender ignorar a lei, quem conhece o
pecado conhece a lei. Sim, mas quando a norma normatiza em detrimento da lei, que fazer?
Vamos examinar nos parágrafos seguintes, esforço no sentido de nos mantermos presentes na
urbs atual convivendo com as atuais práticas jurídicas, psiquiátricas, políticas.

O normal e o anormal
Na busca de esclarecimentos sobre o termo norma e seu emprego na atualidade, uma outra
referência fundamental terá sido G. Canguilhem (5). Norma é a palavra latina que traduz esquadro e
normalis significa perpendicular. A origem técnica do termo autorizava o emprego do mesmo para
designar o instrumento que serve para traçar ângulos retos. Como metáfora, o termo será retomado
para designar regra de direito; a partir da referência à regularidade arquitetural da natureza, fala-se
da natureza como “norma da lei”. Sinônimo de regra, o termo prosseguirá sua trajetória, para
finalmente acontecer uma alteração. Norma já não será um outro nome para regra, antes vai
designar ao mesmo tempo um certo tipo de regras, uma maneira de as produzir e sobretudo um
princípio de valorização dela mesma, em detrimento da importância da lei. É certo que a norma
continua designando uma medida que serve para apreciar o que é conforme à regra e o que dela se
distingue, mas esta já não se encontra ligada à idéia de retidão; a sua referência já não é o esquadro,
mas a média...E o vocabulário da norma havia de se alargar consideravelmente: norma já não se
declinaria apenas como normal, mas como normalidade (atestada por Canguilhem desde 1834)
normativo (desde 1868) normalização (desde 1920).
Que terá acontecido na passagem do século XVIII e XIX tanto nas práticas sociais como nos
saberes, que tornasse possível e reclamasse essa inflação normativa?
Com a política de segurança (como se diz em termos atuais), a norma vai servir para o
controle e o gerenciamento da vida das populações. Trata-se de passagem, dirá Foucault, do nível
de uma microfísica do poder para um nível biopolítico.
Mas, a norma saberá se apresentar assumindo consistência no discurso da modernidade.
Assim, ela não se apresenta como totalitária, pelo contrário ela pretende individualizar;
- ela permite que cada indivíduo reivindique sua individualidade;
- a norma não é o todo do grupo que exerce o seu constrangimento sobre cada indivíduo, ela é
unidade de medida, relação sem suporte.
Quanto a nós, com Foucault, diremos que o normativo permite compreender como malgrado
dispersão e afrontamento dos valores que desde há dois séculos caracterizam a vida das sociedades
e as relações entre Estados, numa conjuntura marcada pelo fim do universal, como pode o
normativo garantir e tornar ainda possível a comunicação.
A norma é o meio de produzir direito como direito social, um direito que se caracteriza pelo
fato de as suas práticas se terem afastado de uma referência anterior tida como universal. O direito
já não é ordenado no interior do modelo da lei, porquanto se o fosse a lei continuaria a ser o ato de
uma vontade soberana; e ninguém pode ter a pretensão de ser sujeito da enunciação da norma, ela é
o fato de todos, sem que ninguém o tenha querido explicitamente.

[O termo forclusão generalizada aplicada à linguagem vem em paralelo com essa análise; nos
estudos de Lingüística atualmente, o uso passou a ser critério único para dar sentido, donde se dizer
“use is meaning”. A indagação sobre como pode funcionar a comunicação da qual todos nós
dependeríamos finalmente, encontra no uso (norma) a resposta. Ou então como me ocorreu
responder: no seu sintoma, meu caro!]
Por conseguinte, não podemos admitir que vamos fazer meia volta (nem seria possível) e
tentar recuperar um regime de assimilação da lei simbólica e lei legal, reafirmando “o ritual do pai”
quando a “Referência fundadora” (outro nome para o Nome do Pai) fosse restauradora de um certo
ordenamento. São as posições teóricas defendidas por Pierre Legendre, resumidas em dois critérios:
1) instituir o pai e 2) impedir que o pai instituído venha a desistir, por exemplo, dificultando sempre
que possível a contestação de paternidade. Ou ainda, fazer prevalecer argumentação genealógica em
detrimento de provas biológicas (caso do DNA). Se me demoro na citação de teses devidas a
Legendre é porque sua influência tem se feito presente na administração e instituições jurídicas
francesas.(6) Vamos mencionar alguns aspectos com os quais se apresenta a norma, logo veremos
que ela veio para ficar.

Polaridade e não anormalidade


A norma é polaridade e a relação do normal com o anormal deixa de ser de contradição ou
exterioridade, mas de inversão ou polaridade.
Aqui introduzo comentário diretamente trazido por questões da prática clínica com jovens
delinqüentes - a instância judiciária, senão o Juiz, terá mais de uma vez se dirigido ao psicólogo ou
o psiquiatra, no sentido de uma manifestação sob a forma de laudo, perícia ou outro documento a
respeito da periculosidade de um jovem infrator reincidente ou réu cumprindo sentença por ocasião
de uma mudança no regime da pena. Como entender o termo periculosidade? Deixo de rastreá-lo,
desta vez, na sua trajetória desde a Psiquiatria ao atender solicitação da Prática Jurídica diante de
criminosos para quem o crime não fazia sentido, não se mostrando capazes de responder pela
responsabilidade de seus atos. Foi a criação por parte da Psiquiatria (seguida pela adoção pela
instância judiciária) do termo monomania (como nos ensinou Foucault) que veio preencher um
claro, um vazio semântico político e a instituição judiciária pôde voltar aos seus afazeres. Algumas
décadas se passaram entre esse episódio inaugural e a função do juiz em nossos dias. A tese que
percorre o presente texto diz respeito à evolução de nossa prática clínica assim como evolução da
função do juiz se nos voltamos para a instância jurídica, ao examinarmos os desdobramentos do
sintagma Lei e Norma. Hoje o juiz não se sente imbuído de missão julgadora assemelhada à palavra
divina trazida à terra; não se limitando ao exame exclusivo da lei e do delito (posição colocada
como paradigma por Kelsen, luminar no pensamento jurídico durante a primeira metade do século
XX), o juiz volta sua atenção para a inserção de sua prática no social, enriquecendo seus decisões
em termos de adequação aos tempos que correm. Em vez de exclusão, de excomunhão (para
mencionar o Direito Canônico que acentua com o termo a comunidade e os que dela estão
exilados), a prática jurídica conhece critério como a polaridade.
Vamos interrogar o termo polaridade, seguindo a sugestão de Canguilhem, por conseguinte
entendendo que o termo já não é mais empregado na sua concepção original de exterioridade,
monstruosidade em contradição a natureza humana.
Polaridade aqui quer dizer funcionalidade dentro de um sistema, ou seja, a anomalia é normal,
exatamente como para a estatística não há senão desvios, sem constantes. Se nem todos os possíveis
são normais, não é porque alguns sejam, por natureza, impossíveis; mas porque nem todos os
possíveis são equivalentes para aqueles que tem de os viver.

Caso da psicose
O termo francês declenchement (desencadeamento) já assinalado por Lacan na sua tese de
1931, reunia para este autor uma causa acidental (encontro de Um-pai) à dissolução de elemento
estabilizador (uma identificação), a dupla associada a uma causa específica (forclusão do
significante paterno). Em nossa tradição clínica ele designa clinicamente o início de uma psicose.
O termo não aparece no vocabulário tradicional da psiquiatria francesa. Para Pinel “o andamento da
loucura é o mesmo que o de outras doenças do corpo humano”. Os psiquiatras se interessavam
evidentemente pelo começo da doença, mas o início se inscreve na evolução. No centro das
classificações opera o binário das causas ligadas à predisposição (endógenas, próprias ao individuo)
e causas determinantes (exógenas, acidentais). O esforço da Psiquiatria consistia em melhor
examinar as causas ligadas à predisposição, abandonavam-se assim as classificações sintomáticas
em benefício das classificações etiológicas.

Rupturas epistemológicas
O processo mórbido como outras causalidades orgânicas, concebe a entrada na doença como
efeito direto da causa ligada à predisposição.
Quanto ao processo psíquico (desde Jaspers reconhecido por Lacan) ele é disruptivo, pois
introduz na personalidade um elemento estranho. “Greffe parasitaire” dirá Lacan na tese de 1931,
elemento novo, heterogêneo, cuja experiência de significação pessoal terá sua expressão clínica.
Lacan atribuía a Clérambault importância fundamental com a noção de “anideismo” (8), à
qual Lacan associou a teoria do significante, operando-se assim a ruptura, e o paradigma
schreberiano estava formulado.
O trabalho realizado pelos analistas da Escola da Causa Freudiana no sentido de examinarem
casos onde o desencadeamento não se dava de maneira tradicional foi a pedra de toque para que se
investigasse desde Arcachon (realizou-se uma célebre conversação em Arcachon onde as pesquisas
foram confrontadas) a possibilidade de uma psicose que não tivesse a conjunção clássica P zero (a
figura do pai atingida pela forclusão que faria desaparecer a vigência do Nome do Pai) e Phi zero
(marca de invalidação do falo e seus efeitos ordenadores). Assim examinou-se caso onde se
manifestava Phi zero sem o aparecimento de Um-pai (terceiro elemento no desencadeamento da
psicose), um outro onde Phi zero não era acompanhado imediatamente de P zero, somente mais
tarde vindo a se conjugarem os dois termos. Em Arcachon Jacques Alain admitiu os termos
debranchement / rebranchement (desencaixe/ reencaixe) para falar de casos em que esses termos
eram preferíveis a declenchement (desencadeamento). Era a “psicose ordinária” (título da
publicação com os trabalhos e discussões levados a efeito em Arcachon) que atraia a atenção dos
analistas. Na contracapa do livro o anuncio da jornada traduz o espírito e impostação de uma nova
leitura:
Na história da Psicanálise, houve sempre grande interesse pela psicose “extraordinária” (o
termo é de Miller), pelo caso Schreber, hoje interessamo-nos por psicóticos mais modestos: a
psicose compensada, a psicose suplementada, a psicose não-desencadeada, a psicose medicada, a
psicose em terapia, a psicose em análise, a psicose que evolui, a psicose sintomática.
Ao se concluir o parágrafo que acabo de resumir (em tradução livre) se diz:
o psicótico declarado tanto quanto o normal são variações do falaser.(parlêtre)
Num texto como este onde trabalhamos o advento da norma em detrimento da prevalência da
Lei vem a ser sugestivo o posicionamento a que se chegou em Arcachon; agora já não é mais a Lei
e um conjunto de teses, termos primitivos (forclusão do Nome do pai, neologismos tidos como
perturbação psicótica da linguagem, axiomas a partir de P zero e Phi zero) em torno da psicose que
se mostram decisivos, mas dispositivos os mais variados onde encontramos procedimentos e
normas em vez de leis que se queriam inarredáveis.
Os termos forclusão generalizada, ou ainda dispensar a capitonagem (9) vão no mesmo
sentido, isto é, um belo exemplo de passagem da lei à norma com as características já mencionadas
tanto para a lei como para a norma. Falar é perturbação ao nível da linguagem (Parler c’est un
trouble du langage), dirá Jacques Alain Miller em uma de suas numerosas intervenções em
Arcachon; ou ainda, a Psicanálise subverte a idéia de língua. Por conseguinte, não vale uma leitura
fraca (uma versão fraca da tese apresentada por Jacques Alain Miller) que reservasse o termo
forclusão generalizada para a extensão que pode tomar o fenômeno em se tratando de um
determinado caso; nem tampouco a forclusão restrita designaria a Verwerfung atuando ao nível do
Nome do Pai e inativa ou abrandada a outros níveis. Só há um nível para Verwerfung na sua
acepção original. No entanto entendemos perfeitamente a maneira como a forclusão generalizada
pôde ser graduada indo de uma forclusão restrita até sua extensão. É que esta leitura é de nossa
época, inteiramente vazada no paradigma da norma em detrimento da lei. Não é por esse caminho
que retomaremos a questão.
O que gostaríamos de propor seria levar até as últimas conseqüências a hipótese que dispensa
o ponto de capiton ou capitonagem como se tem dito. De fato foi o que Eric Laurent expôs em São
Paulo em conferências no ano 2001; igualmente Jacques Alain Miller em Arcachon apontava na
mesma direção, agora em se tratando da psicose.
Prepara-se assim ao nível dos seus conceitos e modalidade de cura a Psicanálise para debater
com os contemporâneos a questão que diz respeito à redução do “indivíduo à uma estatura
conveniente a medida da lei (agora vista como norma)” (7), ou seja, o aparelho normativo ao
esquadrinhar todas as práticas individuais veio a se superpor ao sujeito, reduzindo sua culpa
desmaterializando-a, porém ao custo de desculpabilização que desconhece o núcleo da neurose.
Prepara-se a Psicanálise para um aggiornamento de sua elaboração clínica. O termo é de fato
a primeira frase do livro contendo os trabalhos de Arcachon. Aggiornamento aqui quer dizer além
de discutir o novo desencadeamento (neo-déclenchement), mas também o desencaixe
(debranchement) e reencaixe (rebranchement) de cada paciente num momento dado com relação ao
Outro, o que nos conduz a dar lugar à clínica contemporânea para além da clínica estrutural que
distinguia entre neurose e psicose em função da presença ou ausência do operador que é o Nome do
Pai. Tais noções como desencaixe e reencaixe estritamente empíricas podem se revelar como
operatórias na direção da cura. Essa clínica abre espaço para “formas clínicas” (no sentido de
variantes), modos atípicos, a serem abordados graças a uma condução da cura inventiva diante da
qual a querela dos diagnósticos não se apresenta como obstáculo, nem tampouco a cooperação de
colegas psiquiatras que venham a medicar um paciente em análise.
Faço alusão ao tema do Encontro de Psiquiatria realizado em Paris em fevereiro de 2001,
“O homem e nossa sociedade contemporânea”, tema que nos levou à indagação assinalada na
apresentação do evento – que vem a ser a Psiquiatria quando a sociedade se fragmenta, quando o
indivíduo se libera das interdições e da culpabilidade, tornando-se mero consumidor cuja defesa
caberia ao Código (normas!) do Consumidor e não a uma Lei maior?

Notas
1. A primeira ocorrência encontrada está no seminário 4, aula 6, 9 de janeiro 1957; a segunda
ocorrência está no seminário 10, aula 16, 27 Março 1963; a terceira ocorrência pode ser encontrada
no seminário 16, aula 9, no dia 29 de janeiro de 1969.
2. Do colóquio encontramos seis artigos publicados em ORNICAR? N. 133 e 135
respectivamente.
3. A citação de Laurent não menciona o título da tese; pelo que podemos entender, a
tese terá sido publicada em livro no volume “L’État providence”, primeira edição de 1986,
quando o último capítulo se intitula “L’ordre normatif”. Do mesmo Ewald temos: “Foucault, la
norme et le droit” de onde retiro numerosos elementos para a redação do parágrafo.
4. De Munck Jean et Verhoeven Martie (dir.) Les mutations du rapport à la norme. Un
changement dans la modernité? Bruxelles, De Boeck Université, coll., 1997. O artigo de
autoria de Jean de Munck a que me refiro está no número 12 de Feuillets du Courtil, Junho 1996.
“La psychanalyse, passagère clandestine du discours du droit”.
5. Canguilhem, Georges – Le normal et le pathologique. Paris, 1966.
6. A influência de Legendre é examinada em artigo na revista MENTAL N. 8, Setembro de
2000, de autoria de Catherine Patoux-Guerber “Des juges por sauver le père?”. Resumo o artigo:
Dificilmente saberíamos avaliar a influência de Legendre em termos de número de juizes
simpáticos às suas teses; o fato é que sua influência direta junto aos Ministérios é conhecida. O
artigo de Catherine Patoux-Guerber enumera relatórios oficiais, “grupo de trabalho”criado junto a
Vara da Infância e Adolescência , direção do Instituto de Altos Estudos sobre a Família, ocasião em
que fica patente a influência das idéias de Legendre.
Na bibliografia de seu artigo, a autora cita especialmente o livro de Pierre Legendre “Le crime
du caporal Lortie”, Fayard, 1989.
[Autor da presente nota, ao ser portador de um convite dirigido a Pierre Legendre por parte
do Instituto Brasileiro de Direitos da Família por ocasião do primeiro Congresso sobre os Direitos
da Família em Belo Horizonte, recebido pelo eminente professor, pude me dar conta das suas
preocupações e da sua posição de nos alertar para os perigos que nos ameaçam se não tomarmos
alguma providência diante de prazos fatais para nossa civilização cristã.]
7. Fiz alusão a uma frase profética de Walter Benjamim na década de vinte quando ele num
texto fulgurante nos retrata o que terá restado da tensão por ele rastreada entre dois termos
respectivamente destino e caráter. A frase em francês ficou assim redigida: “Les lois du destin, le
malheur et la faute sont erigés par le droit em mesures de la personne”. Escrito inicialmente em
1919, o texto de Benjamin foi publicado pela primeira vez em 1921. Tive acesso ao texto em
“Oeuvres I” Walter Benjamin, Gallimard edição de 2.000. A referência de Benjamin me foi
sugerida pela leitura de “Les impasses du texte de loi” de autoria de Véronique Voruz, na revista
Mental, N. 8, Setembro 2.000.
8. O termo é encontrado em “L’automatisme mental” de Gaetan Gatian de Clérambault. O
exemplo fornecido pelo autor seria encontrado em “jogos silábicos”; Clérambault menciona por
outro lado “automatismo idêico” : “uma boa parte da ideação não é construída pela reflexão do
sujeito, mas é elaborada mecanicamente no subconsciente revelando-se à consciência através de
resultados íntimos...”.
9. Veja-se Cahier ACF-VLB N. 1, Automne 1993 “Forclusion généralisée” Jacques Alain
Miller, primeira transcrição da aula do dia 27 de maio de 1987;
A mesma aula consta da publicação “Los signos del goce. Los cursos psicoanaliticos de
Jacques Alain Miller, edição Paidos, Buenos Aires, 1998.
Nessa aula Jacques Alain Miller assinala que aqui vai opor forclusão à comunicação; em
seguida aproxima a forclusão generalizada de uma outra expressão estabelecia por Lacan “não há
relação sexual”, pois com esta expressão Lacan havia questionado a estrutura da comunicação que
faz crer haver uma relação entre o significante e o Outro; conclui dizendo que cabe ao sintoma levar
a cabo a contenção [ da fuga de sentido, como dirá em outro lugar] diante da forclusão generalizada
tornando possível o que chamamos comunicação. Através da abordagem proposta transferimos do
Simbólico para o Real a questão da forclusão, assim como da comunicação.
Cito Jacques Alain Miller – “Hago um paralelo entre forclusión y comunicación porque cual
es la problemática de la comunicación sino la del desplazamiento del sujeto al Otro y viceversa?
De hecho, esta estructura no esta sostenida por la transferencia del sujeto al Otro sino por la de lo
Simbolico a lo Real”.
Uma outra referência para a forclusão generalizada seria – “Ambiguités sexuelles –
Sexuation et psychose”. G. Morel, editions Anthropos, 2.000.
Finalmente podemos encontrar a forclusão generalizada em “Cinq scolies de l’insconscient
interprète” de Pierre Gilles Guegen, La Lettre mensuelle, Fevereiro 1997.

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