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ESTUDOS
publicação da associação nacional de pós-graduação
URBANOS
e pesquisa em planejamento urbano e regional
ISSN 1517-4115
EDITOR RESPONSÁVEL
Marco Aurélio A. de Filgueiras Gomes (UFBA)
COMISSÃO EDITORIAL
Ana Clara Torres Ribeiro (UFRJ), Maria Flora Gonçalves (Unicamp),
Norma Lacerda (UFPE), Roberto Monte-Mór (UFMG)
CONSELHO EDITORIAL
Ana Fernandes (UFBA), Carlos Bernardo Vainer (UFRJ), Carlos Roberto M. de Andrade (USP/São Carlos),
Circe Maria da Gama Monteiro (UFPE), Clélio Campolina Diniz (UFMG), Flávio Magalhães Villaça (USP),
Frank Svensson (UnB), Frederico de Holanda (UnB), Jan Bitoun (UFPE), Lícia Valladares (IUPERJ),
Marcus André B. C. de Melo (UFPE), Marta Ferreira Santos Farah (FGV/SP), Martim Smolka (UFRJ),
Maurício Abreu (UFRJ), Tania Bacelar (UFPE), Tânia Fischer (UFBA), Wilson Cano (Unicamp), Wrana Panizzi (UFRGS)
ASSISTENTES DE EDIÇÃO
Nelma Gusmão, Rosângela de Campos Faperdue
COLABORADORES DESTE NÚMERO
Paola Berenstein Jacques (UFBA), Yara Vicentini (UFPR)
PROJETO GRÁFICO
João Baptista da Costa Aguiar
CAPA
Ana Basaglia
COORDENAÇÃO E EDITORAÇÃO
Ana Basaglia
REVISÃO
Fernanda Spinelli, Maria Apparecida Faria Marcondes Bussolotti
FOTOLITOS
Join Bureau de Editoração
IMPRESSÃO
GraphBox Caran
Semestral.
ISSN 1517-4115
O nº 1 foi publicado em maio de 1999.
ESTUDOS
publicação da associação nacional de pós-graduação
URBANOS
e pesquisa em planejamento urbano e regional
E REGIONAIS
S U M Á R I O
PRESIDENTE
Maria Cristina da Silva Leme (FAU/USP)
SECRETÁRIA EXECUTIVA
Suzana Pasternak (FAU/USP)
DIRETORES
Heloísa Soares de Moura Costa (UFMG)
Leila Christina Dias (UFSC)
Rainer Randolph (UFRJ)
Sarah Feldman (USP/São Carlos)
CONSELHO FISCAL
Eva Machado Barbosa Samios (UFRGS)
Paulo Castilho Lima (UnB)
Virgínia Pitta Pontual (UFPE)
R E S U M O Este ensaio tem por meta contribuir para uma discussão atual das re-
presentações da cidade e do urbano em um viés que procura articular conceitos comuns da
arquitetura e da geografia a partir do conceito de lugar. A argumentação será apresentada
em cinco partes: a partir de uma breve caracterização da (i) relação entre cidade e urbano
no momento atual em que os indícios apontam para o surgimento de fenômenos cada vez
mais “translocais”; passamos a uma (ii) reflexão sobre a relação local–lugar; (iii) a seguir,
tratamos do significado e da representação – e sua importância político-ideológica na for-
mação do lugar – a partir de contribuições da arquitetura e do urbanismo; o que nos leva
a questionar (iv) a geração de identidades (culturais) do lugar; para finalizarmos (v) com
a apropriação político-prática no assim chamado planejamento estratégico – dimensão tra-
balhada pelo planejamento urbano.
INTRODUÇÃO
sem cidades estaria organizado em torno de grandes aglomerações difusas de funções eco-
nômicas e assentamentos humanos disseminados ao longo de vias de transporte, com zo-
nas semi-rurais nos interstícios, áreas periurbanas incontroladas e com os serviços repar-
tidos em uma infra-estrutura descontínua.
Nosso ensaio parte dessa perspectiva de um suposto fim da cidade num mundo ur-
banizado – já debatida por nós em outros momentos (Limonad, 1996 e 1999; Randolph,
1998, 1999 e 2000; Randolph & Limonad, 1998) – não como afirmação de uma reali-
dade já consolidada cujas características empíricas pudessem ser investigadas desde já. Mas
como um dos possíveis futuros que, aqui para nós, desafia antes de tudo nossa própria
compreensão da cidade e do urbano, da diferença entre urbanização e constituição de ci-
dades, do lugar e do pertencimento das pessoas, de formas de convivência e integração e
da própria representação dos lugares como elemento cultural e ideológico.
O que nos interessa neste contexto em particular são as formas de construção e apro-
priação (cotidiana) das representações como elementos constituintes dos lugares (sua dimen-
são cultural), que, como tal, constituem também instrumentos e recursos estratégicos em-
pregados para gerar uma percepção ideologicamente estreita dos problemas urbanos
(discurso do planejamento estratégico). Cabe esclarecer, no entanto, que não enveredare-
mos em uma abordagem crítica do planejamento estratégico; neste sentido podemos nos
remeter aos trabalhos de Arantes (1998 e 2002) entre outros. Tampouco nos dedicaremos
a uma crítica do planejamento urbano e ao seu confronto com o desenho urbanístico, de-
bate que já movimentou gerações de planejadores e urbanistas como Jacobs (1974) e
Goodman (1977), apenas para citar duas importantes contribuições, sem falar nos auto-
res nacionais, como Carlos Nelson Ferreira dos Santos (1988) e Maria Adélia de Souza
(1988), entre outros.
Trataremos, sim, de aprofundar a reflexão sobre determinados conceitos e categorias
que, de certa forma contraditória às tendências acima apontadas, buscam colocar as cida-
des como protagonistas e que servem, assim, de base para a argumentação do planejamen-
to estratégico. Não há como escapar de uma investigação de caráter fundamentalmente
teórico-metodológico – com poucos, mas acreditamos ilustrativos remetimentos empíri-
cos – em razão da referida natureza do nosso objeto de estudo: lidamos hoje com indícios
de um mundo urbano sem cidades que pode ou não se tornar realidade – e cuja realiza-
ção (ou não) dependerá exatamente de nosso posicionamento, de nosso esforço de refle-
xão e das ações políticas que porventura possam resultar disto.
Acreditamos que para enfrentar um desafio deste porte – que apenas podemos ini-
ciar aqui –, isto é, enfrentar o “ponto cego” da passagem da cidade industrial para a socie-
dade urbana do qual Lefèbvre (1969) já falou décadas atrás, precisamos retomar e levar
adiante a discussão das representações da cidade e do urbano em um viés que procure ar-
ticular conceitos comuns da arquitetura e da geografia a partir do conceito de lugar. Cabe
ressaltar que trabalharemos a representação da cidade e do urbano não no viés da Geogra-
fia Cultural em que temos, no Brasil, os trabalhos de Corrêa e Rosendahl (2001 e 2001a)
e nem na linha da teoria da percepção da Arquitetura e da Geografia da Percepção da qual
existem inúmeras contribuições, entre as quais se destacam as de Ferrara, Del Rio e Oli-
veira. Nossa intenção é aproximar estas duas disciplinas em torno desse conceito – atra-
vés da intermediação da obra de Lefèbvre, um autor que não pertencia a um nem ao ou-
tro campo – o que promete, a nosso ver, a possibilidade de trabalharmos este conceito a
partir de uma perspectiva crítica e avançar na compreensão das transformações que apon-
tamos brevemente acima.
A argumentação será apresentada em cinco partes: (I) a partir de uma breve caracte-
rização da relação entre cidade e urbano no momento atual em que os indícios apontam
para o surgimento de fenômenos cada vez mais translocais; passamos a uma (II) reflexão
sobre a relação local–lugar; (III) a seguir, tratamos do significado e da representação – e
sua importância político-ideológica na formação do lugar – a partir de contribuições da
arquitetura e do urbanismo; o que nos leva a (IV) questionar a geração de identidades
(culturais) do lugar; para finalizarmos (V) com a apropriação político-prática no assim
chamado planejamento estratégico – dimensão trabalhada pelo planejamento urbano.
A RELAÇÃO LOCAL–LUGAR
laços econômicos) para o lugar da polis (laços políticos) da Antigüidade seria um dos inú-
meros exemplos que poderíamos encontrar na história da humanidade.
Política, obviamente entendida aqui como processo de influenciar as ações e toma-
das de decisão na sociedade. Em nosso entender a política do lugar refere-se às práticas
nas quais as imagens e o sentido de lugar são produzidos e reproduzidos.
Além disso, devemos considerar o papel do poder. Nesse sentido, apoiamo-nos nas
considerações de Kuusisto (1999), que trabalha a questão da política no e do lugar para
tratar da questão do poder do lugar em comunidades da Irlanda do Norte. Segundo esta
autora e Keith & Pile (1993, p.38), todas as espacialidades (uma das quais é o lugar) são
políticas por serem o meio de expressão de relações assimétricas de poder. Decorre daí que
o poder, em particular o hegemônico, geralmente definiria o conteúdo e as fronteiras de
ações e práticas de políticas do lugar; por vezes, porém, o poder contra-hegemônico teria
condições de conquistar espaço suficiente e consolidar seu lugar – nestas situações, segun-
do os referidos autores, conflitos de algum tipo tornam-se inevitáveis.
Entendem, portanto, que a política do lugar não deve ser confundida com a política
no lugar – a qual não necessariamente inclui dimensões que teriam efeitos sobre a essência
ou significado do lugar – ao contrário da política do lugar entre cujas metas a mínima e
básica é a alteração da aparência física e mental do lugar. Em decorrência, a política do lu-
gar é particular e específica dos lugares onde é aplicada, e não seria possível generalizar sua
aplicação, de maneira indiscriminada, a outros lugares. Há que se destacar também as múl-
tiplas escalas em que a política do lugar é praticada: local, nacional e internacional.
A política do lugar tampouco se restringe a uma delimitação do local. Assim, quan-
do Kuusisto (1999) fala que a política do lugar tem por base práticas restritivas e nega-
ções, como, por exemplo, a definição de espaços limítrofes e a exclusão de certos tipos de
pessoas e estereótipos negativos, não se deve compreender as restrições e negações local-
mente. Apenas durante certos períodos históricos a política do lugar esteve localmente de-
finida (por exemplo, durante a afirmação da hegemonia burguesa por intermédio dos Es-
tados nacionais).
Tais práticas, segundo Kuusisto (1999), muitas vezes convertem-se em práticas terri-
toriais coercitivas – nas quais o lugar e o espaço são estritamente guardados e as fronteiras
não são permeáveis. Portanto, o que a política do lugar põe em questão, e daí sua impor-
tância, são as possibilidades e potencialidades de apropriação do lugar e questionamento
do controle hegemônico sobre ele exercido por agentes contra-hegemônicos.
A REPRESENTAÇÃO DO LUGAR
o objeto como o produto de práticas significativas, discursos e imagens que lhe conferem
legibilidade (ver a respeito Limonad, 2002).
Mais particularmente em relação à cidade – como lugar – sua legibilidade sempre te-
ve um peso importante nos mecanismos de poder e controle da sociedade. Os esforços de
torná-la legível significaram e significam, ainda hoje, mapeá-la, torná-la cognoscível, go-
vernável e mesmo passível de controle e disciplina (ver Santos, 1988 – seja em âmbito ge-
ral ou de sua sintaxe: ruas, monumentos, paisagens etc. – ver Cullen, 1971) e de suas
composições. Mesmo no passado, essa legibilidade pressupunha o conhecimento, por par-
te do leitor – isto é do habitante –, de significados, sintaxes etc. que não se originavam no
próprio local (e tempo, para acrescentar a dimensão temporal) da cidade.
É nossa hipótese, derivada da reflexão dos itens anteriores, que o desaparecimento
das cidades está acompanhado por uma crescente dificuldade de leitura do meio urbano
local(izado). Novamente, recorreremos a uns exemplos que o arquiteto inglês Martin
Pawley aponta como indícios do surgimento de uma cidade fantasma – ilegível, tenden-
cialmente incompreensível.
Pawley (1997a) descreve em um dos seus ensaios o caso de um edifício londrino do
século XIX, que mantém sua aparência desde sua construção. Este prédio, em cujos pátios
ecoava o barulho dos cascos dos cavalos do Correio Real aí sediado, hoje abriga a sede das
matrizes européias da Nomura International, maior banco mercantil do mundo. Esta edi-
ficação ocupa uma quadra inteira e foi objeto de uma reurbanização que consu-miu um
vultoso montante de libras até sua finalização em 1991. Hoje suas paredes abrigam
46.000 metros quadrados de escritórios eletrônicos com ar condicionado em dez andares.
Sua aparência é a de um prédio de correio vitoriano, mas possui um coração eletrônico.
Conforme Pawley, essa falta de conexão orgânica entre interior e exterior é típica da ar-
quitetura urbana contemporânea: todas as cidades históricas são compostas por edifícios
sobressalentes.
A legibilidade do espaço urbano não está apenas colocada em xeque pelo próprio
meio localizado (e seus elementos, como prédios, monumentos etc.), mas mesmo por
aqueles que seriam seus leitores. As grandes cidades são cada vez mais habitadas por uma
população flutuante – os turistas e homens de negócios – cuja atração é, em grande me-
dida, a razão dos esforços de restauração urbana da qual o prédio da Nomura é apenas
um exemplo.
Um outro exemplo gritante deste descompasso de usos é o caso do shopping Punta
Carretas, situado em uma praia aprazível de Montevidéu, instalado na edificação onde há
pouco menos de uma década ainda estava instalado o Presídio Político de Punta Carretas,
de onde ecoavam os gritos dos presos políticos torturados. Este caso ilustra a síntese do
consumo no lugar e do lugar (ver a este respeito Lefèbvre, 1969, p.17). Por um lado con-
verte-se em um dos templos do consumo atual e, por outro, o próprio lugar é consumí-
vel como representação do que já foi – sítio imprescindível de qualquer roteiro turístico.
Apenas para indicar a magnitude deste fenômeno, Londres e Nova York, por exem-
plo, têm uma imensa população flutuante deste tipo; dos 26 milhões de visitantes de
além-mar que vão à Grã-Bretanha cada ano, metade permanece em Londres. Como re-
sultado, a cidade dobra sua população residente por intermédio dos visitantes anuais, e,
na alta estação das férias, quase metade da população da área central da cidade consiste
de turistas de além-mar (cidadãos ficcionais). Embora possam aparecer como cidadãos co-
muns na defesa da velha (histórica) substância urbana, os turistas possuem interesses
próprios, relacionamentos, envolvimentos etc. e geram, portanto, articulações dentro da
Um turista dos EUA que gasta muito dinheiro compensa um ônibus completamente lotado
daqueles turistas de baixo perfil (os assim chamados day-trippers) do outro lado do Canal da
Mancha que chegam com lanches embalados e um itinerário de atrações gratuitas que cus-
tam ao país mais dinheiro do que eles trazem para cá.
ocupação e uso social do espaço urbano pelos agentes sociais hegemônicos – seja através
dos meios de penetração e observação possibilitados pelos elementos físicos componen-
tes da cidade, seja através de identificações e não identificação dos indivíduos com o(s)
lugar(es) que contribuem, entre outros fatores, para estabelecer padrões espaciais de cen-
tralização e segregação. Isto não significa dizer que o espaço produzido determina as re-
lações sociais – idéia que vicejou tanto na geografia quanto na arquitetura… O que que-
remos é salientar o papel do fator cultural e da representação e do imaginário social na
composição e ordenamento do espaço urbano –, ou seja, há que se considerar que a fei-
ção das cidades litorâneas seria muito diferente e haveria uma mudança significativa na
distribuição espacial da população e das atividades econômicas se, em meados do sécu-
lo XX, não houvesse se disseminado a moda de se bronzear ao sol e a idéia de que banhos
de mar são saudáveis.
Devemos agregar às nossas considerações a necessidade de um aporte crítico às re-
presentações dos usos e percepções do espaço urbano e seu papel na construção das esfe-
ras privadas e públicas na cidade. Diferentes usos implicam ambientes diferenciados de
lazer, trabalho e consumo com sintaxes espaciais próprias e componentes físicos e psico-
lógicos diferentes – que, em um grau ou outro, interferem e contribuem para mediar as
relações sociais na cidade. Temos nesse sentido os estudos da gestalt e da percepção do es-
paço construído – relacionados às formas de possibilitar o encontro, a intimidade e a des-
coberta (ver Cullen, 1971).
Porém como ficam essas percepções e esses usos quando as relações passam a se dar
em um espaço virtual? Num urbano sem cidade?
A modernidade transformou radicalmente os padrões de tempo e espaço (ver a res-
peito Harvey, 1989) ao comprimir virtualmente o espaço através do tempo – pois não há
como diminuir o espaço físico – e, entre suas transformações, propiciou a separação en-
tre os locais de moradia e trabalho, e possibilitou a formação de descomunais aglomera-
ções urbanas – inviáveis e impensáveis até as tranformações introduzidas pelas duas pri-
meiras revoluções industriais. As grandes cidades, assim, converteram-se em metrópoles e
em cidades globais – em ícones e sínteses da modernidade.
Como já mencionamos inicialmente e discutimos acima com referência a alguns
exemplos, as grandes cidades, hoje chamadas de globais, atuaram como epicentros emble-
máticos da modernidade e das novas relações sociais – contribuíram, assim, para a elabo-
ração de distintas representações particulares do moderno em relação à organização do es-
paço intra-urbano, distribuição da população, consumo etc. e principalmente do visual
da modernidade em termos arquitetônicos. A questão é que não podemos admitir estas
cidades como produto de uma modernidade universal – admiti-lo implicaria obliterarmos
as especificidades de cada uma, tanto em termos espaciais (lugar) quanto temporais (his-
tórico). Portanto, parece-nos que estas cidades devem ser examinadas histórica e dialeti-
camente em relação às representações de formas e experiências urbanas específicas.
O fim do século XIX e início do século XX assistiram à proliferação de novas tecno-
logias visuais, formas e textos. Esta proliferação afetou os meios em que a paisagem urba-
na era representada e as formas com que a paisagem construída era habitada. Há que se
considerar, ainda, que estas mesmas formas e representações e sua estruturação influen-
ciam de diferentes modos a consciência temporal e espacial de seus habitantes ao longo
do tempo.
Na opinião de Borja & Castells (1997), a dissolução da cidade e uma possível dilui-
ção do sujeito não significam nenhuma fatalidade inexorável. Acreditam ser necessário,
diante dessa problemática, “renovar el papel específico de las ciudades en un mundo de ur-
banización generalizada, proponiendo la construcción de una relación dinámica y creativa
entre lo local y lo global” (p.12s). Estes autores tentam mostrar como o âmbito político-
administrativo em relação a representação e gestão políticas tem a mesma importância es-
tratégica na projeção do local como centro de gestão do global do que os dois outros por
eles apontados: o âmbito econômico (elemento chave da produtividade e competitivida-
de econômicas) e o sociocultural, como elemento de integração.
As cidades estão longe de desaparecer – “protagonistas de nuestra época”, “atores políti-
cos” (Borja & Castells, 1997, p.139-83) de sua história que escrevem junto com os cida-
dãos e governos.
Parece-nos questionável esta afirmação, pois nos tempos atuais de competição e
competitividade entre cidades, e luta pelas melhores condições locacionais para atrair di-
nheiro e pessoas (ver a respeito a discussão de Santos, 1996, e Benko & Lipietz, 1995).
Talvez devêssemos recordar-nos das reflexões de Lojikine sobre as condições gerais da
produção e de formas de cooperação urbana que pareciam (também para Marx ainda)
indispensáveis para a reprodução do capital. Será que hoje, na network society (Castells,
1999) – onde os circuitos dominantes passam por outras esferas virtuais de acumula-
ção – as cidades perderam essa capacidade?
Parece-nos, em uma primeira apreciação, que as propostas de melhorar as vantagens
comparativas de uma cidade continuam presas e partem de uma visão equivocada, ao tra-
tarem as cidades como indivíduos, atores (sociais e/ou políticos) com identidade própria
ou ainda como simples bens (mercadorias) ou como entidades autônomas que se enfren-
tam num mercado pulverizado, oferecendo suas externalidades locais e urbanas como
mercadoria para quem queira se valer delas.
Uma série de planos e propostas atualmente em circulação na América Latina parte,
a nosso ver, desta visão de um liberalismo urbano – como é o caso, por exemplo, dos Pla-
nos Estratégicos que já foram elaborados em diferentes lugares (inclusive no Rio de Janei-
ro e alguns dos municípios da região metropolitana).
Expressa-se nesta postura, a nosso ver, o reconhecimento de que a cidade numa socie-
dade em transição à era da informação não pode ser mais compreendida, exclusivamente,
a partir da sua especificidade locacional – como fazem os que a vêem dentro de uma luta de
todas contra todas –, mas em sua particularidade local dentro dos contextos de seus rela-
cionamentos internos e externos, que perpassam todas as escalas desde o local até o global.2 2 Não cabe aqui aprofundar
essas diferenciações entre
Este reconhecimento, todavia, não exime e expurga o caráter destes planos estraté- “especificidades” e “particula-
gicos, que, por vezes, se colocam como uma panacéia para combater os handicaps compe- ridades”; para compreender
toda sua profundidade, ver
titivos e capacitar as municipalidades a auferir lucros. De fato estes planos, mais uma vez, o tratado de Lefèbvre (1979)
tornaram-se fonte de lucro para consultorias, em uma reedição dos planos de desenvolvi- sobre a lógica dialética.
mento local e integrado da década de 60 e dos planos diretores pós anos 80. A novidade
reside hoje no fato de que isso ocorre nas mais diversas escalas – do local ao global e nas
formas de construção da identidade e significado das cidades.
Enfim, a inicialmente apontada ambigüidade da urbanização generalizada, que po-
de tanto criar como destruir uma cidade, precisa ser mais aprofundadamente discutida a
partir dos argumentos que arrolamos até aqui. Qual das duas alternativas prevalece (criar
ou destruir) depende, conforme Borja & Castells (1997, p.363-72), da situação ou solu-
ção de cinco desafios. E, um destes desafios concerne ao que os autores chamam de signi-
ficação (a cidade como produtora de sentido através de projetos urbanos que provocam
adesão). Os demais, que não nos interessam no contexto da atual argumentação, seriam:
competitividade e produtividade; segurança e seguridade (da convivência); sustentabilida-
de e governabilidade.
Se, no contexto da urbanização generalizada, uma cidade consegue cumprir essas exi-
gências, ela se perpetuará ou mesmo fortalecerá; caso contrário, ela tende a se diluir. É es-
se papel integrador da representação que é explorado pelas formas estratégicas do plane-
jamento como tentativa de conferir um novo protagonismo à cidade em relação ao
desenvolvimento local.
Sem podermos aprofundar aqui essa análise, fica desde já patente que a forma nova
de gerar uma identidade da cidade e uma identificação com a cidade lança mão de meca-
nismos de representação que deixam de ter seu referencial ético-cultural e assumem fei-
ções meramente instrumentais e ideológicas. Acreditamos que poderíamos, a partir desta
percepção, aprofundar a crítica a um planejamento que não passa da (tentativa da) cons-
trução de um discurso hegemônico conservador.
De fato seria preciso juntar todas essas peças de quebra-cabeça (ou mosaico) para
compreender a nova realidade: ainda como cidade ou como formas mais complexas de lu-
gares? Seguindo Lefèbvre (1972, p.21ss.), percebemos o quão distantes estamos ainda de
uma solução:
Que hacer? Como construir ciudades o 'algo' que substitya a lo que antaño fue la ciudad?
Ester Limonad, arquiteta, é
professora do Programa de
Como pensar el fenómeno urbano? ... Cuáles habrían de ser los progresos decisivos que ha-
Pós-Graduação em Geogra- bría que lograr para que la consciencia llegue a la altura de lo real (que la desborda) y de lo
fia da Universidade Federal
Fluminense. E-mail: possible (que se le escapa)? El eje que describe el proceso se jalona así:
limonad@superig.com.br ciudad política → ciudad comercial → ciudad industrial → zona crítica.
Rainer Randolph, econo-
mista, é professor do Institu- Estamos mergulhados, hoje, nessa zona crítica que pode, segundo o autor, ser o ber-
to de Pesquisa e Planeja-
mento Urbano e Regional da ço de uma nova sociedade caracterizada pelo urbano – onde, diríamos, as cidades não se-
Universidade Federal do Rio
de Janeiro. E-mail:
riam mais de forma dominante os lugares dessa sociedade – isto é, a articulação entre es-
randolph@uol.com.br paço e sociedade.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
TA N I A M O R E I R A B R AG A
INTRODUÇÃO
A ABORDAGEM DO
“DESENVOLVIMENTO LOCAL ENDÓGENO”
Uma das principais formas sob a qual se dá o debate sobre a assimilação da questão
do desenvolvimento nos níveis subnacionais de governo é o chamado “Desenvolvimento
Local Endógeno”. Esta abordagem tem como elemento central a elevação do local ao es-
paço preferencial da inserção econômica em uma economia globalizada, substituindo a
concorrência entre empresas e entre nações pela concorrência entre localidades (aqui en-
tendidas como cidades ou como microrregiões). Paralelo a isto, o local é alçado a espaço
preferencial de cidadania, articulação social e solidariedade.
O “Desenvolvimento Local Endógeno” teoriza sobre as possibilidades de desenvol-
vimento a partir da utilização dos potenciais – econômicos, humanos, naturais e cultu-
rais – internos a uma localidade, incorporando ao instrumental econômico neoclássico
variáveis como participação e gestão local. Entretanto, ao fazê-lo dentro da lógica própria
ao marco conceitual mais amplo no qual se insere – a lógica do mercado, do individua-
lismo e da eficiência econômica –, o faz, como seria de se esperar, sem ultrapassar os li-
mites dados por tal marco conceitual.
A grande questão que se coloca aqui é perceber como a lógica que existe por trás
das propostas de desenvolvimento local pode mudar o caráter das políticas delas derivadas.
NOTAS CRÍTICAS AO
“DESENVOLVIMENTO LOCAL ENDÓGENO”
Uma primeira crítica, de caráter mais geral, diz respeito à concepção reducionista e,
por que não, conformista, de pensar a existência de duas únicas opções: desenvolvimen-
to para fora ou desenvolvimento endógeno nos moldes “cada um por si”. Reducionista e
conformista por excluir desde o princípio a possibilidade de construção de alternativas ao
sistema econômico mundial atual, vendo-o como um dado, algo fixo e não passível de
transformação, em lugar de vê-lo como processo histórico e, por isso mesmo, sujeito
a transformação e superação.
A assertiva de que os atores locais, públicos e privados, são os responsáveis pelos in-
vestimentos e pelo controle dos processos de desenvolvimento, pilar sobre o qual se sus-
tenta a defesa da condução do processo “de dentro para fora”, também é altamente ques-
tionável. Isto porque contrasta fortemente com a realidade atual de centralização e
concentração econômica e de poder, na qual os atores que controlam os processos de de-
senvolvimento são as grandes empresas transnacionais e os grupos de interesses fortemen-
te incrustrados nos governos dos países centrais. Haveria aqui uma certa dose de ingenui-
dade, ou seria esta uma tentativa de, partindo de um discurso aparentemente
democrático, encobrir questões inerentes ao cerne do sistema econômico mundial como
a crescente concentração de capital e de poder?
Problema relevante inerente ao “Desenvolvimento Local Endógeno” diz respeito à au-
tonomização do espaço. Embora o “Desenvolvimento Local Endógeno” tome como pon-
to de partida a hipótese, com a qual há que se concordar inteiramente, de “que o espaço
não é um mero suporte físico dos objetos, atividades e processos econômicos, e sim um
agente de transformação social” (Barquero, 1998, p.3), ela não leva esta hipótese às suas úl-
timas conseqüências e acaba, por isso mesmo, autonomizando e reificando o espaço.
Levar a sério a hipótese acima, extraindo suas últimas conseqüências, significaria ver
o espaço em sua dimensão multifacetada e entender as configurações espaciais (ou as es-
pacialidades) como instrumentos de legitimação de poder e dominação político-social.
Segundo Lefèbvre (1974), o espaço possui dimensão multifacetada, sendo a um só e mes-
mo tempo receptáculo das relações econômicas e sociais, função da ordem social (como
permissão social de engajamento ou segregação/exclusão), meio de produção (como ter-
ra), força de produção (como design), produto (como objeto material), mercadoria (como
locais comprados e vendidos) e parte das relações sociais de produção (como instrumen-
to político, usado para controlar os lugares, suas hierarquias e segregações).
O “Desenvolvimento Local Endógeno” vai em direção contrária ao reconhecimen-
to da natureza multifacetada do espaço, reduzindo-o a uma mera questão de escala, de
proximidades. As teorias que o propõem o fazem reforçando as lógicas do individualismo
e do mercado, estando, portanto, longe de propor transformações profundas nas configu-
rações espaciais. Cabe ressaltar que as mudanças propostas, via de regra, recaem apenas
sobre os instrumentos de gestão do espaço.
O que existe subjacente às teorias do “Desenvolvimento Local Endógeno” é o objeti-
vo de complementar e dar maior efetividade à economia neoclássica através da ampliação
de seu escopo. O “Desenvolvimento Local Endógeno” tem a mesma matriz das demais
teorias econômicas modernas, que possui como elementos centrais o individualismo me-
todológico e a escolha racional. Enquanto o neo-institucionalismo amplia o escopo da
economia neoclássica introduzindo a política, e a teoria dos jogos o faz introduzindo a in-
certeza, o “Desenvolvimento Local Endógeno” tenta introduzir a participação e o espaço.
Entretanto, o faz de forma reducionista, conferindo-lhe outro significado. Neste aspecto,
não se afasta ou diferencia de suas “companheiras”, já que a teoria dos jogos por exemplo,
reduz a incerteza a um campo de probabilidades e os neo-institucionalistas reduzem a po-
lítica a escolhas individuais isoladas com base no cálculo econômico racional. No “Desen-
volvimento Local Endógeno” ocorrem duas reduções importantes: o espaço é reduzido a
uma mera questão de escalas, e sua introdução na teoria se dá a partir de sua autonomi-
zação e reificação; a participação é reduzida a uma série de mudanças institucionais e sua
introdução na teoria se dá de forma puramente normativa.
O “Desenvolvimento Local Endógeno” expurga o conflito ao pressupor ser o “inte-
resse local” algo monolítico, um único fim para o qual converge a ação de todos os ato-
res. Levando-se em consideração que não há possibilidade de participação autêntica, ver-
dadeira, onde não há o reconhecimento do conflito, dos interesses em conflito, isto é,
onde não há política, podemos então concluir que a participação aí proposta ocorre pre-
dominantemente no âmbito do discurso.
Embora as “teorias” do “Desenvolvimento Local Endógeno” proponham a criação
de fóruns de discussão e articulação, eles o fazem segundo uma ótica, composição e re-
gras de funcionamento tais que estes acabam funcionando antes como arenas de legitima-
1 Ver, a respeito da transfor- ção dos interesses dominantes do que como instâncias de participação cidadã efetiva.1
mação dos fóruns de partici-
pação popular em arenas de
Autores como Coraggio (1994) alertam para a possibilidade de tais interesses locais
legitimação de interesses implicarem uma regressão aos caciquismos e clientelismos, não se configurando necessa-
dominantes: Mayer (1992),
sobre os novos clientelismos riamente como um poder popular. Outros, como Mayer (1992), afirmam que nem sem-
em cidades da Itália e Gré- pre os sistemas de negociação local se abrem a influências democráticas, podendo, em
cia; e Braga (1997), sobre o
Conselho Estadual de Meio muitos casos, transformar-se em um espaço dominado por um grupo fechado que repre-
Ambiente de Minas Gerais. senta apenas interesses muito particulares. Esta autora pondera que
2 O termo “devolução”, apor- processos de “devolução”2 não implicam necessariamente em democratização. A transferên-
tuguesamento do inglês
devolution, é utilizado por
cia de poder para o nível local, que caracteriza a maior parte dos processos contemporâneos
autores da ciência política e de reestruturação do Estado, podem também implicar no fortalecimento da existência ou na
da economia urbana em re-
ferência a processos de emergência de novas elites locais. (Mayer, 1992, p.14, tradução nossa.)
transferência de poder do
governo central a governos
subnacionais. Mesmo defensores do “Desenvolvimento Local Endógeno”, como Boisier (1998,
p.10), reconhecem que a “aproximação do território em escala comunal alegando-se a ne-
cessidade de aproximar as respostas públicas das demandas das pessoas” tem por trás, não
poucas vezes, uma intenção oculta “de aliviar o governo central de cargas financeiras,
quando não outras intenções”. Explícita aqui a preocupação de que o desenvolvimento
local seja utilizado como retórica para ocultar intenções politicamente mais difíceis de se-
rem aceitas pela população, como cortes nos gastos sociais. Implícita a preocupação de
que o desenvolvimento local seja utilizado para justificar políticas que vão contra os inte-
resses das comunidades em nomes das quais se diz estar trabalhando, reforçando os in-
teresses das elites no poder.
Uma outra questão central é a seguinte: é possível pensar em desenvolvimento local
no contexto do sistema econômico mundial da atualidade?
excluída. Com isso, a maior parte do globo – cidades, regiões, países e grandes parcelas
da população dos territórios incluídos – fica cada vez mais “à margem” e o potencial de
exclusão social do “Desenvolvimento Local Endógeno” torna-se mais agudo a cada roda-
da do jogo competitivo.
Segundo o “Desenvolvimento Local Endógeno”, um dos principais mecanismos
pelos quais se daria a ampliação da capacidade de inovação do sistema econômico local
são os ajustes nos sistemas institucional, cultural e social locais em resposta a mudanças
na concorrência internacional e na disponibilidade de recursos do sistema local. Isto é
confiar demais na autonomia local, o que nos parece bastante frágil. Ainda que se acei-
te, em tese, que mudanças nos demais sistemas induzam por si só mudanças no sistema
econômico, uma série de perguntas permaneceria sem respostas. Com quais instrumen-
tos promover os ajustes institucionais? Quem negocia em que bases isto vai ser feito?
Quem perde, e quem ganha? Mais uma vez, encobrir o conflito é necessário para que a
“teoria” funcione.
Um argumento bastante usado na defesa de que o desenvolvimento endógeno fun-
ciona, não sendo apenas uma construção teórica, é a verificação empírica de casos como a
Terceira Itália, a província de Santa Fé na Argentina e o Rio Grande do Sul no Brasil, to-
dos citados por Barquero (1998). Neste ponto podemos questionar, em primeiro lugar, até
que ponto estes exemplos realmente correspondem ao modelo, como é o caso do Rio
Grande do Sul. Em segundo lugar cabe questionar, ainda que se aceitasse que eles se apre-
sentam na realidade assim como proposto pela construção teórica do “Desenvolvimento
Local Endógeno”, qual seria sua capacidade de reprodução e generalização. Não seriam tais
exemplos possíveis apenas enquanto exceções? É válido pensar em sua multiplicação em
um mundo globalizado e monopolizado, onde o capital se concentra em alta velocidade?
Argumenta-se em favor da convergência das estratégias econômicas locais e das estra-
tégias territoriais das empresas mais dinâmicas. Questiona-se: por que razão os interes-
ses/estratégias iriam coincidir? O que temos visto não é o oposto, com os interesses das
grandes empresas contrariando o interesse social, cultural e ambiental de populações locais?
Outro ponto que parece obscuro, se não indevido, é a comparação da magnitude
de externalidades positivas que podem ser criadas pelas redes com aquelas criadas pelas
grandes corporações transnacionais. Mais uma vez o ritmo da concentração do capital
e a custosa corrida pela inovação incita a considerar tal hipótese como um tanto quan-
to superestimada.
No que se refere aos recursos que compõem o potencial de desenvolvimento local,
sejam eles econômicos, políticos ou culturais, não é sensato imaginar que estes sejam ge-
rados no nível local apenas. Pelo contrário, para se falar em sistema social e político, em
uma tradição e cultura de expressão e magnitude tal que possa interagir e modificar os sis-
temas produtivos, é necessário pensar em um contexto mais amplo.
Um outro ponto a ser levantado diz respeito à crença de que sentimentos de perten-
cer a uma comunidade são maiores do que os diferenciais de interesses existentes dentro
dela. Este raciocínio, que expurga o conflito do campo de análise, inviabiliza a própria
idéia de negociação, prévia a qualquer articulação, pois sem interesses conflitantes não há
negociação. É inverossímil pensar no espaço local destituído de interesses conflitantes, co-
mo espaço de relações de cooperação apenas. Como então definir políticas, como decidir
qual desenvolvimento, para quê e para quem? Como lidar com realidades tão heterogê-
neas, como a das cidades brasileiras, sem o reconhecimento do conflito e da necessidade
de negociação?
As críticas aqui tecidas ao “Desenvolvimento Local Endógeno” não podem ser gene-
ralizadas para toda e qualquer iniciativa de promoção local do desenvolvimento. A pró-
pria existência de estratégias locais distintas, algumas guiadas pela lógica de mercado e em
consonância com os pressupostos do “Desenvolvimento Local Endógeno”, outras guiadas
por uma lógica solidária que busca se contrapor aos imperativos ditados pela mundializa-
ção do capital, é um indicativo de que o plano local possui alguma margem de manobra
para iniciativas de promoção do desenvolvimento. Mas essa margem encontra limites nas
decisões tomadas no âmbito nacional/mundial e é mais ou menos elástica em função do
processo político local, do reconhecimento do conflito e da forma com a qual se lida com
ele, bem como de limites políticos e institucionais específicos daquela localidade ou do
país ao qual ela pertence.
Só é possível compreender a existência de uma margem de manobra no plano local,
construída a partir da resistência às formas de dominação atuantes, ao se combinar a aná-
lise das políticas nos planos mais altos com a investigação no campo da arena política lo-
cal, isto é, da luta política e social no plano local.
Naquilo que tange à análise das políticas nos planos mais altos, no caso brasileiro
ganha destaque a análise dos constrangimentos políticos, socioeconômicos, financeiros,
fiscais e tributários, bem como a investigação das relações entre os diversos níveis de go-
verno e das particularidades que adquirem tais relações em um contexto federalista on-
de o nível local tem status de ente autônomo, legitimação via sufrágio direto e capacida-
de de definir normas e legislações.
A execução de políticas que tenham por objetivo central o desenvolvimento, seja
ele local ou regional, requer a capacidade de atuação sobre as grandes variáveis econô-
micas e sociais, como renda, emprego, crescimento e dinâmica da economia, mercado
de trabalho.
Não é possível pensar em política de desenvolvimento sem pensar em política de
emprego. Levar a cabo políticas de retorno das pessoas ao mercado de trabalho é tarefa di-
fícil em meio a um contexto de políticas liberais nos planos nacional e internacional. Em
face do crescente desemprego, da mudança nas relações capital trabalho e da tendência de
precarização do mercado de trabalho nas grandes cidades, o alcance das políticas compen-
satórias levadas a cabo pelos governos locais tende a ser cada vez menor. As iniciativas de
geração de emprego realizadas no plano local contribuem de maneira apenas parcial no
enfrentamento de uma questão que possui causas originadas nos níveis superiores.
atua antes sobre as condições para a reprodução da força de trabalho do que sobre as con-
dições para a reprodução do capital.
Para analisar as relações políticas/institucionais entre as diversas esferas de governo
cabe, em primeiro lugar, atentar para suas atribuições específicas refletidas na distribuição
de competências, na sobreposição de tarefas e nas atuações conjuntas e concorrentes das
referidas esferas. Um segundo passo de fundamental importância é perceber os conflitos
de interesse que surgem a partir de uma distribuição específica de atribuições, bem como
as relações de dependência e controle que surgem da adoção pelos níveis superiores de go-
verno de práticas de monopólio de informação e de segredo burocrático. Tais conflitos e
relações de controle/dependência geram constrangimentos e limitações à atuação do po-
der local na formulação e implementação de quaisquer políticas públicas, incluso aí as de
promoção do desenvolvimento.
Já para pensar em termos de arena política é preciso, em primeiro lugar, explicitar
que o poder não é exercido apenas pelo Estado, e sim através de diversas instituições so-
ciais que se relacionam entre si e com o poder político formalmente constituído através
de uma miríade de canais, práticas e pactos. Segundo Foulcault (Machado, 1996, p.X)
“não existe algo unitário e global chamado poder, mas unicamente formas díspares, hete-
rogêneas, em constante transformação. O poder não é um objeto natural, uma coisa: é
uma prática social e, como tal, constituída historicamente”.
As democracias formais modernas são na realidade um complexo sistema de inter-
4 Por “antipoderes” enten- relações de poderes e “antipoderes”4 dominado pelos interesses econômicos e financeiros,
de-se a atuação do poder
econômico no sentido de
no qual os objetivos de assegurar e manter a permanência no poder de um grupo de pro-
capturar o poder político fissionais de elite do próprio sistema político e proteger e antecipar os interesses econô-
formal através do financia-
mento de campanhas eleito- micos dominantes são mais relevantes que o objetivo de distribuir riqueza e poder. Nesse
rais, do sustento dos parti- sistema, os cidadãos são reduzidos a meros eleitores e pagadores de impostos e a partici-
dos políticos e das práticas
de “comissionamentos”. pação na vida pública é passiva, visto que ocorre apenas em dois momentos, quando da
eleição, em que os pretensos cidadãos legitimam o sistema político, e quando do paga-
mento de impostos, por meio do qual eles financiam o mesmo sistema.
Participação e vida política são tarefas árduas em sociedades de massas clivadas por pro-
cedimentos de homogeneização simbólica que ocultam os conflitos. Além disso, em tais so-
ciedades, a pressão econômica e simbólica impele os indivíduos a despender uma parcela ca-
da vez maior de seu tempo “ganhando a vida”. Quanto ao tempo livre, esse é ocupado com
compras e consumo, que são vistos como formas de recreação, ou em atividades produzi-
das pela indústria cultural que os impele a mais consumo. Nesse contexto, há muito pou-
co tempo para a sociabilidade, para a vida política e para a participação na esfera pública.
Dessa forma, o funcionamento da arena política local não corresponde à visão idea-
lizada do local como espaço de participação política, cidadania e exercício de solidarieda-
de. Pelo contrário, a arena política local funciona como espaço de conflitos de interesses,
como espaço de lutas e disputas entre agentes que se relacionam a partir de relações de
poder desiguais; ou ainda como espaço de manipulação e apatia.
Os agentes atuantes na arena política local podem ser divididos, para fins de análi-
se, em agentes econômicos e agentes sociais. Por agente econômico local entende-se um
agrupamento de setores empresariais com interesses comuns cujas atividades econômicas
estão condicionadas pelas ações de regulamentação e provisão de condições gerais de pro-
dução no âmbito local. Por agente social local entende-se um agrupamento de institui-
ções e/ou grupos sociais com interesses comuns cujas atividades de reprodução estão con-
dicionadas pelas ações de regulamentação e provisão de bens comuns no âmbito local.
Exemplos de agentes econômicos locais são aquelas empresas das quais o governo lo-
cal contrata obras e serviços, como é o caso das empreiteiras de obras públicas, das gran-
des e pequenas empresas de infra-estrutura, das fornecedoras de equipamentos e mate-
riais, das empresas prestadoras de serviços urbanos como coleta de lixo e saneamento, das
empresas de manutenção e das terceirizadoras de mão-de-obra.
Também são exemplos típicos de agentes econômicos locais as empresas que depen-
dem diretamente das regulamentações feitas por esse nível de governo, como é o caso das
construtoras, das incorporadoras imobiliárias, do setor de diversão pública, das empresas
do setor de transporte coletivo. Aqui também se incluem as empresas cuja instalação ou
ampliação estejam sujeitas a restrições impostas pela Lei de Uso e Ocupação do Solo, co-
mo plantas industriais, postos de gasolina, casas de espetáculos, entre outras.
Exemplos de agentes sociais locais são aqueles grupos que se formam a partir da
construção de uma identidade simbólica que faz referência a sentimentos de pertencimen-
to a uma classe, a um espaço intra-urbano específico ou a um estilo de vida, bem como
aqueles grupos formados a partir da percepção coletiva de uma carência comum. Entre
eles encontram-se tanto as elites sociais, culturais e políticas locais, como os movimentos
sociais e as “tribos urbanas”.
As relações de poder constituídas no plano local estão permeadas por conflitos de in-
teresses. Tais conflitos podem se dar entre os agentes econômicos e sociais, entre os diver-
sos grupos que fazem parte de um agente econômico ou social, entre o poder político for-
malmente estabelecido e a população em geral, entre o poder político formalmente
estabelecido e os “antipoderes”, entre a população em geral e os “antipoderes”.
A mediação e o ajustamento dos conflitos de interesses tornam-se particularmente
difíceis no plano local em razão da proximidade dos agentes e das assimetrias de acesso
aos recursos de poder. O nível local de governo é extremamente vulnerável às pressões
dos agentes econômicos quando da alocação de recursos em políticas alternativas. Por
exemplo, segundo Maricato (2000), a regra geral de alocação de investimentos públicos
no caso brasileiro reza que as obras de infra-estrutura que atendem aos interesses de em-
preiteiras de construção pesada e de empresas do setor imobiliário têm prioridade sobre
os investimentos sociais. Dessa forma, políticas de habitação popular, saúde, educação,
meio ambiente e cultura são relegadas a segundo plano vis-à-vis obras de infra-estrutura
urbana que abrem novas localizações para o mercado imobiliário de alta renda e susten-
tam a especulação.
Em resumo, a análise da arena política local envolve a identificação dos agentes e,
principalmente, o exame da dinâmica das relações de poder e dos conflitos entre eles, o
que só pode ser efetuado com propriedade a partir de casos concretos.
Para que o poder local possa atuar no sentido da construção de políticas de desen-
Tania Moreira Braga, eco-
volvimento local baseadas em uma lógica que prioriza a inclusão social e a solidariedade, nomista, é professora do
é necessário que compreenda a extensão dos constrangimentos à sua ação e avalie corre- Mestrado em Gestão de Ci-
dades da Universidade Cân-
tamente as possibilidades para a ação política. Para tanto, é imprescindível reconhecer a dido Mendes – Campos e
força dos oponentes e construir uma articulação robusta, que pressupõe recuperar a polí- pesquisadora do Centro de
Desenvolvimento e Planeja-
tica, o fazer política, em especial através da construção de laços de solidariedade que pos- mento Regional (Cedeplar)
da Universidade Federal
sam dar cola aos interesses tão diferentes das diversas populações marginalizadas e opri- de Minas Gerais. E-mail:
midas em nossas cidades socialmente desiguais. tania@cedeplar.ufmg.br
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
implementation of strategies of local development. Our main goal is to investigate the discur-
sive and political strategies that reside on proposals of “Local Endogenous Development” in or-
der to identify and analyse the limits to its design and implementation.
VIRGÍNIA PONTUAL
VERA MILET
INTRODUÇÃO
As recentes práticas urbanísticas relativas aos sítios históricos têm sido exaltadas como
um novo e eficiente modo de pensar as cidades. Entretanto, vozes como as de Arantes (1998;
2000), Hall (1995) e Jeudy (1990) têm ecoado no sentido de pôr em dúvida tais práticas,
enunciando que elas não passam de “culturalismo de mercado”, “cenografia gestionária da ci-
dade” ou “teatralização da vida social”. As críticas ao new urbanism e à “terceira geração ur-
banística”, vernáculos designativos das vertentes norte-americanas e européias, fundamen-
tam-se no vazio de ideais que tais práticas contêm, nas quais a requalificação implica a
minimização da ação do Estado na gestão do espaço público, na adoção de uma estratégia
empresarial segundo os fluxos do mercado e na adoção de políticas de “marketing cultural”.1 1 Segundo Arantes (2000),
os projetos de renovação ur-
De modo complementar a essas críticas, Harvey (1993; 1996), referindo-se às diver- bana podem ser ordenados
segundo três gerações: a
sas experiências realizadas nas duas primeiras gerações, como em Baltimore e Londres, primeira, relativa aos anos
afirma que tais práticas resultaram numa “repetição em série de modelos bem-sucedidos 70, confere ênfase à parce-
ria público-privado; a segun-
(…) que deixaram a maioria das grandes cidades do mundo capitalista avançado com da, nos anos 80, critica
poucas opções além da competição entre si, em especial como centros financeiros, de con- os planos normativos e o
planejamento quantitativo,
sumo e de entretenimento” (1993, p.92). Quanto aos projetos urbanísticos da terceira ge- passando a dar destaque à
ração, Arantes (2000) mostra terem-se tornado principalmente empreendimentos de va- imagem urbana que tais em-
preendimentos proporcio-
lorização imobiliária, sob o comando e os ícones das grandes corporações internacionais, nam como uma dimensão
relegando práticas urbanísticas de controle do crescimento urbano para adotar aquelas de qualitativa; e a terceira, rela-
tiva aos anos 90, é marcada
incentivo incondicional a esse crescimento. pela emergência da dimen-
são cultural. Sobre esta te-
Porém, não basta citar e referendar tais críticas, mas também enfatizar que as práti- mática ver ainda: Vicentini
cas “estratégicas” de “gerenciamento empresarial” ou de “marketing cultural” parecem ter (2001) e Castello (2001).
como pressuposto a diluição da cultura e da memória do lugar. Tais práticas estão entra-
nhadas de incoerências, pois usam a história do lugar como valor cultural, mas intervêm
homogeneizando de modo a se configurar um mesmo padrão de uso e de fruição da ci-
dade e, portanto, esvanecendo a sua especificidade e singularidade.
Se, na atualidade, essas práticas urbanísticas provocam o esquecimento do passado à
medida que são intervenções uniformizadoras de lugares, a reconstituição histórica pode
trazer outros elementos às reflexões sobre os atos dos urbanistas, considerando-se a se-
guinte indagação: Que práticas dos urbanistas levam ao esquecimento ou à memória da
história do lugar?
O percurso a ser seguido para refletir sobre essa indagação procura desprender-se de
uma postura romântica de fervor pelo passado, como também daquela adotada pelos re-
nascentistas de um futuro superior decorrente do progresso da ciência. Portanto, a refle-
xão sobre as intervenções em sítios históricos nem poderia estar presa a um apego desme-
dido pelo antigo, nem à aceitação de novidades redentoras. Assim, pretende-se fazer uma
reflexão circunscrita à relação ambígua entre memória e esquecimento.
O entendimento de memória, como ordenação dos vestígios ou trazer fatos do pas-
sado, deixa ao largo algumas lagunas. Para Le Goff (1996, p.424, 426, 472-3), memória é,
ainda, rememorar ou dar idéia de, e conservar algo consciente ou latente, enquanto o es-
quecimento, para esse historiador, é perda, é amnésia. Porém, Benjamim (1985, p.45) as-
socia esquecimento a envelhecimento, mas, ao estabelecer o entrecruzamento com remi-
niscência, afirma a constituição de “um mundo em estado de semelhança”, que contém
“força rejuvenescedora” ou revitalizadora. Nesse sentido, ao procurar conservar um sítio
histórico não estariam os urbanistas realizando um ato de esquecimento, porém estabele-
cendo semelhanças entre maneiras de viver na cidade do passado, presente e futuro.
Para fazer essa reflexão, serão relatados fatos do passado que parecem denotar des-
truição, perda, esquecimento, a exemplo do incêndio de Olinda, realizado pelos holande-
ses, em 1631. Será que esse incêndio pode ser interpretado como um ato de esquecimen-
to? É possível estabelecer um paralelo entre tal ato, num passado remoto, e os atuais atos
de revitalização efetivados em sítios históricos?
No decorrer deste texto, buscar-se-á relacionar as questões acima colocadas com re-
latos de memorialistas e textos de historiadores que informam sobre a formação da então
2 A capitania de Pernambu- vila da Capitania de Pernambuco.2 Para tanto, foram selecionados os textos mais relevan-
co foi uma das maiores do
Brasil colonial, com uma
tes, ou que possuem maior força expressiva e documental.
extensão de costa de 60
léguas, que começava na
foz do rio São Francisco e
terminava no canal que se- O INCÊNDIO DA VILA DE OLINDA:
para a ilha de Itamaracá do
continente.
QUESTÃO MILITAR E IDENTIDADE DO LUGAR
O principio do mez de novembro foi gasto completamente em remover tudo da cidade
de Olinda e arrazal-a (…) Quando retiraram da cidade de Olinda tudo quanto podia servir
e ser transportado e removeram a bagagem dos officiaes e dos soldados, o tenente-coronel or-
denou que as tropas se apromptassem para mudar de acampamento. No dia 24 de novem-
bro, pela manhã, o chefe da equipagem foi do Recife para a cidade, com archotes alcotroa-
dos e outros meios incendiarios e mandou atear fogo ás casas, sendo tudo devorado pelas
chamas (…) (Laet, 1916, p.296-7.)
Esta descrição de Joannes de Laet, historiador holandês dos feitos praticados no Bra-
sil até o ano de 1636, mostra que o incêndio não foi um impulso no decurso de uma
batalha, mas algo perseguido e desejado. As justificativas para tal façanha estão registra-
das por vários memorialistas holandeses e portugueses, assim como em estudos recentes
de historiadores pernambucanos.
Dos registros coletados, o mais prenhe de significação é o de Gaspar Barlaeus. Esse
professor holandês, apesar de nunca ter estado no Brasil, registrou os feitos da Compa-
nhia das Índias Ocidentais no Brasil, principalmente aqueles empreendidos sob o gover-
no do Conde João Maurício de Nassau, a quem ele chamou de “ex-governador supremo
do Brasil holandês”:
Desde que começaram, porém, a senhorear o Brasil os holandeses, subjugadores das ter-
ras e das águas, aprouve escolher-se o Recife e a Ilha de Antônio Vaz para sede do governo.
Como que condenada pelo destino, arruinou-se a formosa Olinda, mostrando-se chorosa. As
casas, os conventos e as igrejas, derribados, não pelo furor da guerra, mas de propósito, la-
grimavam com a própria ruina. (Barlaeus, 1980, p.154.)
Joannes de Laet relatou estes fatos bem anteriormente a Barlaeus. É provável que es-
te último, ao querer enaltecer os feitos de Nassau, tenha minimizado a importância de
Olinda e a resistência do Conselho dos XIX em destruí-la. O historiador pernambucano
José Antônio Gonsalves de Mello, a partir das cartas trocadas entre o Conselho dos XIX,
o Conselho Político de Pernambuco e o então governador, coronel Diderich van Waer-
denburch, reforça as memórias de Joannes de Laet:
conquista recente, a cidade de Olinda (…) Na Holanda, porém a sugestão para abandonar
Olinda não encontrou boa acolhida (…) Apesar disto, em Pernambuco, os holandeses resol-
veram não fortificar Olinda, o que já era uma razão para abandoná-la (…) Waerdenburg ur-
gia, em carta ao Conselho dos XIX, por uma decisão: a situação militar agravara-se com o
desembarque de 1000 homens da frota de D. Antônio de Oquendo (…) em 24 de novem-
bro de 1631 evacuou a cidade de Olinda e em seguida incendiou-a (…) Esta, a história de
Olinda – uma espécie de vida, paixão e morte – sob a dominação holandesa. (Mello, 1987,
p.45-8, 70.)
No tocante aos aspectos defensivos e à fragilidade da vila de Olinda, não se pode dei-
xar de fazer referência às discussões levantadas pelos portugueses. Conforme o historiador
Evaldo Cabral de Mello, em relatos de Diogo de Campos Moreno escritos nos primeiros
anos do século XVII, está indicado que essa vila não poderia ser adequadamente fortifi-
cada, e, portanto, estaria sempre exposta aos agravos das guerras e invasões:
A vila de Olinda em nenhum tempo pode ter fortificações que assegure suas coisas por
ser, como se vê, em assento alto e barrancoso, as casas esparcidas e as ruas de modo desenca-
minhadas que uma de per si faz um bairro, e as igrejas distantes e desacompanhadas, de mo-
do que as trincheiras da praia, que é a maior fortificação em que se estriba, não é de nenhum
efeito, para caso repentino de gente resoluta, quanto mais para um caso pensado, no qual
ainda os altos muros e largas cavas não asseguram totalmente um povo bisonho. A melhor
defesa de Olinda, pensava Diogo de Campos, consistia no Recife, que pode ser muito gran-
de e muito forte por razão do assento no salgado, cercado de água. (Mello, 1995, p.146.)
Segundo esse historiador, Diogo de Campos Moreno teria chegado a prever que uma
força naval inimiga não encontraria dificuldade em desembarcar uma tropa na barra de
Pau Amarelo, ao norte da vila, a qual, marchando pela praia, tomaria facilmente Olinda.
Exatamente o cenário que seguirão os batavos em 1630.
3 Segundo Mello (1987, O pequeno poder defensivo da cidade de Olinda3 é a razão mais fortemente evoca-
p.45), nos documentos dos
holandeses dos primeiros
da para justificar ser esta incendiada, porém as memórias escritas por Barlaeus indicam
anos Olinda era denominada razões que a própria razão desconhecia:
como cidade.
Não parecia sacrilégio aos nossos essa demolição (…) convencidos de que todo o lugar
é igualmente sagrado e idôneo para se adorar a Deus, julgavam que não cometiam nenhuma
impiedade, mas praticavam um ato de inteligência, desejando dar maior segurança à nova ci-
dade e ao seu culto (…) Sendo nós, porém, homens e capazes de comover-nos com o belo,
não podiam deixar de lamentar a assolação da cidade aflita aqueles mesmos que a devasta-
vam, pondo por terra o tôpo das igrejas e dos edifícios públicos e privados (…) E se a gente
agora visse Olinda, juraria que contemplava, jazendo em seu local desolado, Pérgamo, as ruí-
nas de Cartago ou de Persépolis (…) desaparecendo a mãe – Olinda – lhe sobrevivesse das
ruínas, embora com outro aspecto, a sua filha – Mauriciópole. (Barlaeus, 1980, p.154.)
Esse fragmento das memórias de Barlaeus tem força e significação, apesar da iro-
nia contida, por colocar a questão religiosa associada à militar, ou seja, as cortes euro-
péias eram, também, comandadas pelas Igrejas católica e protestante, que professavam,
cada uma, diferentes visões de mundo, expressas, inclusive, na organização das cidades
de então.
Quem se houvesse achado na vila de Olinda (…) antes que os holandeses a ocupassem,
e a tornasse a ver depois que nela entraram os holandeses, e a renderam, sem muito parafu-
sar, em breve alcançaria, que havia sobre ela caído a vara da divina justiça; a instância dos pe-
cados em que estava enlodada. O ouro, e a prata era sem número, e quase não se estimava;
o açúcar tanto que não havia embarcações para o carregar (…) As delícias de mantimentos e
licores, eram todos os que se produziam assim no reino, como nas ilhas. O fausto, e aparato
das casas era excessivo, porque por mui pobre, e miserável se tinha o que não tinha seu ser-
viço de prata (…) As mulheres andavam tão loucãs, e tão custosas, que não se contentavam
com os tafetás, chamalotes, veludos (…) e eram tantas as jóias com que se adornavam (…)
Os homens não haviam adereços custosos de espadas, e adagas, nem vestidos de novas inven-
ções, com que não se não ornassem os banquetes quotidianos (…) Entrou nela o pecado, fo-
ram-se os moradores dela, entre a muita abundância, esquecendo-se de Deus; e deram entra-
da aos vícios, e sucedeu-lhes (…) e às mais cidades circunvizinhas, que foram abrasadas com
fogo do céu. (Calado, 1985, p.38-9.)
A abundância e a riqueza estavam presentes não apenas nos hábitos dos seus mora-
dores mas, principalmente, nos edifícios religiosos pertencentes às congregações da Igre-
ja católica. O poder de mando dessas congregações pode ser avaliado pela ocupação do
topo das colinas por edificações religiosas, isto é, as melhores localizações em termos de
visibilidade e domínio do ambiente eram de propriedade religiosa.
Historiadores de nosso tempo têm discutido a relação entre território e estratégia lo-
cacional, para fazerem vingar posições de mando e superioridade, destacando a arquitetu-
ra jesuítica como uma das que mais utilizaram esse recurso:
(…) vê-se ao longe a igreja e o Colégio como agentes do núcleo urbano, como representan-
tes legítimos deste. Estão no alto, soberanos – uma simbologia de posição e hierarquia – o
poder simbólico da altura concretiza-se na implantação dos seus edifícios. A paisagem ao re-
dor faz-nos perceber sua imponência e lhe rende homenagem, tributa-lhe respeito. A altura
sacraliza o monumento, confere-lhe poder pela proximidade do céu, pela largueza da visão.
(Oliveira, 1988, p.35-6.)
Vale conferir, nas gravuras da época (Figuras 1, 2, 3), a localização das edificações re-
ligiosas, principalmente a do Real Colégio dos jesuítas, cuja implantação na cota mais al-
ta da colina predominava sobre as demais construções.
A gravura Marin D’Olinda de Pernambuco, presumidamente de um anônimo, ilustra
as memórias do historiador holandês Johannes de Laet (1916), realizadas em 1630, mos-
trando uma paisagem idílica, paradisíaca, e de igual modo estranha, onde o mar, o céu e
as colinas absorvem em grande medida a cena, mas o foco central são as marcas do homem
português. Este último, ao ocupar o território, escolheu os locais de maior visibilidade pa-
ra marcar a sua presença. Embora a composição dos elementos construídos guarde nessa
gravura equilíbrio na disposição das edificações, o mesmo não se pode dizer quanto ao ca-
ráter estamental, pois em grande maioria são elas religiosas. Dessas edificações, a de maior
destaque é a Matriz do Salvador (A), complementada pelos conventos dos jesuítas (B),
franciscanos (C), São Bento (E) e Carmo (R), e por uma outra matriz, a de São Pedro (L).
Assim, as edificações religiosas, sob o olhar de um artista, mostram uma organização de ci-
dade diversa das holandesas e evocam semelhanças com a atual Olinda.
A vista panorâmica de Olinda (Figura 2), gravada por Claes Jansz Visscher (1630),
é parte da descrição da invasão de Pernambuco. Essa gravura, desenhada numa perspec-
tiva mais distante do que a anterior e acima da linha de horizonte, destaca entre as edi-
ficações o convento dos jesuítas. Esse outro olhar expõe, também, extensas superfícies de
água, terra e firmamento, mas é muito parcimonioso quanto à vegetação. Talvez o autor
não quisesse diluir os elementos relativos à ocupação pelo homem. A representação da
cena, do lugar do desejo e da astúcia do invasor pode ser superposta a outras fisionomias
do passado e do presente, possibilitando a figuração de diversas Olindas, todas elas be-
las e majestosas, assim como recoloca, para quem as visualiza, o desejo de posse e per-
manência do lugar.
A paisagem de Olinda (Figura 3), gravada pelo pintor holandês Frans Post e cons-
tante do livro de Barlaeus (1980), retrata, a partir de ângulo tomado da praia, a vila de-
pois do incêndio, mostrando as ruínas e edificações que se mantiveram, como o conven-
to dos jesuítas, do Carmo e a Matriz do Salvador. Esse quadro, desenhado após a volta de
Post à Holanda, como outros, embora representem paisagens brasileiras “não deixam
de ser holandesas (…) nas quais o céu no Brasil toma o lugar da água na Holanda” (Ora-
mas, 1999, p.220). Essa interpretação dos quadros de Post por Oramas tematiza a rein-
venção da paisagem como um ato de recordação e memorização, isto é, ao desenhar Post
a maioria de seus quadros na Holanda, as paisagens reproduzidas a partir de recordações
de um lugar distante significam, também, perda ou esquecimento (1999, p.224).
Tais gravuras de artistas holandeses retratam Olinda bela e majestosa. Após o incên-
dio, já não dava para mostrá-la de igual maneira, mas dava para afirmar, ainda, a prepon-
derância do componente religioso na organização urbanística da vila.
Dessa forma, se por um lado a beleza de Olinda era reconhecida e exaltada também
pelos holandeses, por outro, era esvanecida pela inexistência de elementos arquitetônicos
relativos ao protestantismo. Portanto, pode-se pensar que o ato de incendiar Olinda, mais
do que previsto e “proposital”, mais do que ter sido considerado como um “ato de inteli-
gência”, era desejado. A vila de Olinda era coisa a ser extinta, perdida, enfim, esquecida.
Esse desejo está aludido no paralelismo estabelecido com atos ocorridos na Antigüidade
grega e romana, mas o mais significativo é o realizado por meio da relação “mãe e filha”,
deslocando fantasias e sentimentos, ou seja, palavras que dizem de desejos insatisfeitos, si-
tuados preponderantemente no domínio da subjetividade e não apenas da objetividade
dos interesses materiais. Esse ato de esquecimento, entretanto, propiciou em si próprio a
recordação de uma arquitetura florescente e bela, assim o movimento pela reconstrução
de Olinda foi um trazer de volta um modo de habitar, de conservar de forma consciente
a memória dos portugueses e brasileiros, como disse José Antônio Gonsalves de Mello:
“Um modo de demonstrar reação ao invasor, de não conformidade e antagonismo às suas
idéias” (Mello, 1987, p.58).
A beleza de Olinda foi sempre referida desde seu donatário Duarte Coelho, passan-
do pelos demais funcionários portugueses e viajantes de outras nacionalidades. Já nos
seus primórdios, os aspectos paisagísticos encontram-se largamente documentados.
Cunhada de “formosa” pela beleza natural que propiciava do alto de suas colinas, a vila
passou a ser complementada com as diversas construções empreendidas pelo homem,
mais precisamente pelos representantes do Rei e da Igreja católica de Portugal. Foi essa
dimensão paisagística que, segundo os rumores da história, motivou o donatário a esco-
lher o sítio para sede da sua capitania ao exclamar: “Oh! Linda terra e outeiro para edi-
ficar uma villa!” (Mello, 1974, p.19).
Discorrendo sobre o encantamento que Olinda provocava nos visitantes, o histo-
riador José Antônio Gonsalves de Mello evoca Manuel de Figueiredo, autor de um ro-
teiro de navegação que, em 1614, descreveu a paisagem da perspectiva dos que chega-
vam de barco:
A vila no alto dos seus morros, se apresentava espinhosa por cima e são os coqueiros e a
torre que está no meio dela e algumas casas grande que se fizeram pelo alto da povoação (…)
a terra baixa é toda igual cheia de arvoredo muito espesso. (Mello, 1983, p.37.)
caracterizado pela altura do sítio, que permitia o controle, à distância das vias de comunica-
ção e o recuo da área povoada em relação ao mar. (Oliveira, 1996, p.2.)
(…) o donatário assenta as primeiras casas no alto da colina, onde se encontra a sua torre
forte e onde próximo a esta constrói a matriz, além da Igreja e Hospital da Santa Casa de
Misericórdia, estas situadas no outro extremo da rua principal. Naturalmente, estabelecida a
administração, foram construídas a Casa da Câmara, a Cadeia, além do Açougue e Ferraria
(…) Observa-se que as ruas seguem uma disposição que tem como referência inicial aquela
colina antes citada. A ela se tinha acesso através de três ladeiras, a da Misericórdia, a da Ma-
triz e uma terceira que ia em direção ao Rossio e ao salgado. (Menezes, 1998, p.338-341.)
Chegando Duarte Coelho a este porto desembarcou n’elle e fortificou-se, onde agora es-
tá a villa em um alto livre de padrastos, da melhor maneira que foi possível, onde fez uma
torre de pedra e cal, que ainda agora está na praça da villa, onde muitos annos teve grandes
trabalhos de guerra com o gentio e francezes (…) Esta villa de Olinda terá setecentos visi-
nhos pouco mais ou menos, mas tem muitos mais no seu termo, porque em cada um d’estes
engenhos vivem vinte e trinta visinhos, fóra os que vivem nas roças, affastados delles, que é
muita gente (…). (Souza, 1938, p.27-9.)
Informa ainda Souza a população existente no ano de 1587, não só no reduto da vi-
la como também nos engenhos e roças, considerando ser esse contigente potencialmente
soldados prontos a defender a capitania de Pernambuco. Portanto, ao lado das primeiras
expressões urbanas, vale ressaltar que o mundo rural possuía uma dinâmica própria e im-
portante na organização econômica, social e militar da capitania.
A essa população correspondia uma organização social composta pelos proprietá-
rios da capitania, compreendendo a família de Duarte Coelho, pelos clérigos, jesuítas
(1551), carmelitas (1580), franciscanos (1585), beneditinos (1592), entre outros. Além
dos militares, incluindo os engenheiros militares, personagens importantes nessas expe-
dições, outros funcionários da coroa participavam também dessa população, sobretudo
portugueses, vindos na comitiva do donatário. Muitos receberam terras por doações e
tornaram-se senhores de engenho, enquanto outros se tornaram negociantes. Aos lusita-
nos somaram-se os escravos negros e os índios. Segundo a filiação religiosa, essa popu-
lação dividia-se em cristãos e cristãos-novos, muitos dos quais praticavam a religião
judaica clandestinamente.
A localização do porto da vila de Olinda era apontada como um obstáculo a seu fun-
cionamento desde o início da colonização. Mello (1974, p.51) salienta que, já em 1537,
era intenção de Duarte Coelho abrir o rio Beberibe de forma a que fosse possível os na-
vios terem acesso direto do oceano na área próxima ao Varadouro da galeota. Tal inten-
ção pode ser identificada por meio do registro contido no Foral de Olinda:
E porque por detrás do dito montinho, onde há de fazer o Senhor Governador a sua fei-
toria, há de se abrir o rio Beberibe e lançar ao mar por entre duas pontas de pedras, como
tem assentado o Senhor Governador; entre o dito rio lançado novamente e as roças da ban-
da de riba de Paio Correia e da Senhora Dona Brites e o mato que está adiante, que ora é do
senhor Jerônimo de Albuquerque, há de ir uma rua de serventia ao longo do dito rio novo
para serventia do povo, de que se possa servir de carros, que será de cinco ou seis braças de
largo e rodeará pelo pé do montinho até o varadouro da galeota. (Mello, 1974, p.51.)
No que diz respeito á praça de Olinda, temos a referir que ella está situada em forma de
angulo no dorso de um alto monte, do qual uma extremidade é mais elevada do que a outra.
No extremo mais alto do monte acha-se o Convento dos Jesuítas, sendo o extremo norte do
lugar formado pelas encostas do mesmo monte; para o lado sul encontra-se o Convento dos
Franciscanos, que tem um bonito pateo com uma bella fonte onde o povo vae buscar agua
para beber. Descendo o monte, a partir do convento dos jesuítas, depara-se novamente com
uma eminencia sobre a qual eleva-se a principal egreja parochial do lugar, chamada Salvador,
a casa da camara, debaixo da qual acha-se o açougue, e à direita acima d’ella a prisão, e uma
grande parte da cidade, sendo a eminencia em cima plana e egual; tambem alli existe uma
bella e larga rua ultimamente chamada Rua Nova, que foi a primeira rua da cidade. Porem,
no extremo meridional, onde está situado o hospital, chamado Misericordia, desce o monte
com tão aspero declive, que quasi não pode-se subil-o sem grande esforço (…) Chegando-se
em baixo no valle, onde acha-se uma encruzilhada na qual os mercadores se reunem e costu-
mam constituir a bolsa, sobe-se logo de novo outra eminencia, mas, não tão alta, e alli en-
contra-se a outra egreja parochial chamada egreja de São Pedro, e alli em volta acham-se mui-
tas bellas casas e muitos armazens, porque este é o extremo da praça, onde o rio vindo do
Recife chega e corre pela parte occidental. As casas não são baldas de conforto, mas, commo-
das e bem feitas, arejadas por grandes janellas, que estão ao nível do sotão ou celleiro, mas
sem vidros (…) (Baers, 1898, p.39.)
O cronista holandês J. Baers, integrante das tropas invasoras sob o comando do co-
ronel Diederick van Waerdenburch, relacionou os aspectos topográficos do sítio e a loca-
lização dos edifícios principais próprios à ocupação colonial portuguesa. Pontuou, igual-
mente, a existência de distintas aglomerações e a fonte de água para beber que, naquele
momento, era um dos mais importantes elementos urbanos. Essa descrição referenda as
palavras de Diogo de Campo Moreno:
As casas esparcidas e as ruas de modo desencaminhadas que uma de per si faz um bair-
ro, e as igrejas distantes e desacompanhadas. (Mello, 1995, p.146.)
O incêndio de Olinda foi tratado pelo historiador Cabral de Mello (1986) co-
mo um fato constante da história da restauração pernambucana. Em sua obra, esse
historiador examina os elos entre a ocupação holandesa e as representações mentais dos
portugueses e brasileiros, desde o período flamengo até os últimos decênios do século
XIX. Estão mostradas as relações sociais subjacentes às modificações sofridas pelo senti-
mento nativista em Pernambuco, relativos à nobreza da terra, aos mascates e à popula-
ção livre do século XIX.
Ao desvelar a visão nativista sobre o tempo dos holandeses e especialmente a quem
caberia a responsabilidade pela conquista de Pernambuco, Cabral de Mello (1986, p.242)
constrói duas leituras: a providencialista e a político-militar. A primeira reporta-se à ex-
plicação da invasão holandesa como castigo divino pelos pecados dos moradores de Per-
nambuco. Essa leitura foi elaborada com base nos relatos de memorialistas luso-brasilei-
ros, entre os quais o de Calado (1985). A segunda refere-se às injunções políticas entre o
poder de mando e de unificação da coroa e às rivalidades locais dos proprietários de ter-
ras com os comerciantes:
A condenação moral dos cronistas luso-brasileiros havia recaído sobre o conjunto da po-
pulação da capitania; após a restauração, ela adquirira uma conotação desfavorável à nobre-
za da terra e aos mazombos. Fernando Gama lhe imprimirá um sentido antiluzitano, utili-
zando o topos da corrupção dos citadinos e da pureza dos rústicos, que podia ser
comodamente enxertada na distinção entre comerciantes reinóis e senhores de engenho ma-
zombos, vale dizer, na dicotomia herdada da segunda metade do século XVII e começos do
século XVIII. (Cabral de Mello, 1986, p.272.)
Ao tratar das diversas visões dos cronistas sobre quem caberia a responsabilidade pe-
la invasão holandesa, mostra esse historiador que elas extravasam ora um sentimento an-
tilusitano, ora um acolhimento e enaltecimento pelos luso-brasileiros.
A narrativa empreendida por Cabral de Mello é diversa da esboçada neste texto.
Essas idéias versam, naquela narrativa, acerca dos fatos sociais da restauração pernam-
bucana, e nesta, sobre a configuração urbanística efetivada pelos luso-brasileiros em
Olinda. Outra diferença é quanto ao registro da narrativa, isto é, o incêndio de Olinda
não está tematizado por Cabral de Mello como um ato de esquecimento, mas ele inter-
preta as representações culturais que os luso-brasileiros elaboraram a partir da ocupa-
ção holandesa. Portanto, o registro e percurso adotados são diversos, não existindo vin-
culação direta entre as argumentações, embora se esteja tratando de um mesmo fato: o
incêndio de Olinda e as mentalidades culturais. Entretanto, cabe pontuar, como con-
vergência entre as narrativas, o ato de rememoração, a recorrência ao passado para es-
tabelecer os limites de uma discussão posta no presente.
Pode-se dizer, a partir da interpretação empreendida neste texto, que o incêndio
de Olinda foi desejado pelos holandeses como um modo de esquecer os vestígios de
uma outra experiência – a lusitana. Entretanto, tal assertiva é apenas uma parte da
questão posta. A outra é estabelecer um paralelo entre esse ato de esquecimento, em
um passado remoto, e as atuais práticas urbanísticas de requalificação efetivadas em sí-
tios históricos.
Importa referir que data dessa época o surgimento da Sociedade de Defesa da Cidade
Alta de Olinda, que terá relevante papel na defesa da memória e dos valores culturais
da cidade, colocando-se na contramão dos interesses turísticos. Tal perspectiva urbanísti-
ca será esgotada nos anos 1990, quando as práticas urbanísticas assumem o discurso e as
diretrizes do planejamento estratégico.
Pode-se dizer que o Plano Diretor de Olinda, de 1997, é uma versão local do plane-
jamento estratégico, no qual se evidenciam o acento demasiadamente ufanístico próprio
das premissas desse planejamento e a afirmação, como oportunidade e potencialidade
econômica, do turismo cultural, em razão, principalmente, de seu sítio histórico:
O foco deve ser dirigido ao aproveitamento do Sítio Histórico através da criação de uma
estrutura turística adaptada às condições locais (…) Nesse sentido pode-se estimular o surgi-
mento de pousadas e a oferta de alojamentos em residências da Cidade Alta, a construção de
infra-estrutura de informações turísticas, a definição de roteiros culturais, eventos artísticos
e culturais, etc. que venham dinamizar o aproveitamento econômico dessa potencialidade até
aqui pouco explorada. (Prefeitura Municipal de Olinda, 1997.)
Essa diretriz econômica foi o mote principal dos planos de revitalização urbana de
Baltimore e Boston, apelidados por Hall (1995, p.412-5) de “rousificação”, em referên-
cia ao empresário James Rouse, principal protagonista dessa modalidade de prática ur- 7 A exemplo do Projeto Ca-
pital da cidade do Recife e
banística. Outra vertente dessa prática provém das idéias de Jordi Borja (1996; 1996a), do Programa Santo André –
Cidade Futuro, ambos a con-
cuja influência no Brasil tem sido significativa, devido à sua participação em eventos téc- vite das municipalidades e
nicos e em planos e projetos a convite de prefeituras municipais.7 Além de ter transposto iniciados em 1997.
essa prática, o Plano Diretor de Olinda, de 1997, referendou as idéias contidas na Car-
ta de Lisboa, de 1995, resultado do 1º Encontro Luso-Brasileiro de Reabilitação Urba-
na de Centros Históricos. Esse encontro de urbanistas preservacionistas, preocupados
com as intervenções em curso em sítios históricos, procurou conceituar intervenções de
modo a não serem superadas pelas práticas emergentes, daí ter-lhes conferido o cunho
de “estratégias”.
8 A Carta de Lisboa define
como reabilitação: “É uma Assim, foi transcrito nesse plano diretor, ao explicitar as proposições de âmbito físi-
estratégia de gestão urbana co, os conceitos de reabilitação, revitalização, requalificação e renovação urbanas,8 sendo
que procura requalificar a ci-
dade existente através de atribuído às divisões territoriais da cidade essas nomeclaturas. Seria possível, num passe
intervenções múltiplas des-
tinadas a valorizar as poten-
de mágica que elas tivessem força de se fazer valer e compensar um outro ideário, cujos
cialidades sociais, econô- efeitos parecem não garantir a memória e a identidade de um lugar? O que se quer mos-
micas e funcionais (…)”;
revitalização: “engloba ope-
trar é a ambigüidade das práticas urbanísticas ao tratar de um lugar cuja memória tem im-
rações destinadas a relan- portância histórica, mas que elas se revestem de ações que redundam também num apa-
çar a vida econômica e so-
cial de uma parte da cidade gar de vestígios.
em decadência. Esta noção, A proposta mais recentes de turistificação do sítio histórico de Olinda também está
próxima da reabilitação ur-
bana, aplica-se a todas as presente no Programa de Reabilitação ou Programa Monumenta/BID,9 elaborado em
zonas da cidade sem ou meados da década de 1990, no qual se deu prioridade aos investimentos que propicias-
com identidade e caracterís-
ticas marcadas”; requalifi- sem a instalação de novas empresas e negócios ligados ao setor terciário, fossem elas de
cação: “aplica-se a locais
funcionais diferentes da
pequeno ou grande porte. Esse programa, segundo Rodrigues (2000, p.4), embora dele
‘habitação’; trata-se de ope- tenham sido implantadas apenas as pequenas ações, já pode ser avaliado pelos seus impac-
rações destinadas a tornar
a dar uma atividade adapta-
tos no sítio histórico. O incentivo à criação de associações de pequenos negócios teve ime-
da a esse local e no contex- diata acolhida, como a da Associação da Rua do Amparo, em 1998. O estudo realizado
to atual”; renovação: “ação
que implica a demolição das por Rodrigues aponta, entre suas conseqüências, o acréscimo da quantidade de veículos
estruturas morfológicas e ti- em circulação, principalmente de carga, vindo a comprometer a capacidade de carga
pológicas existentes numa
área degrada e a sua conse- dos seus morros e intensificando as rachaduras nos monumentos, e “a elevação das desca-
quente substituição por um racterizações na volumetria e na tipologia das edificações, em acréscimo de área construí-
novo padrão urbano (…) Ho-
je estas estratégias desen- da com a ocupação de quintais e na destruição da vegetação”, ameaçando a paisagem desse
volvem-se sobre tecidos ur-
banos degradados aos
sítio histórico. Após inventariar e analisar as transformações, Rodrigues escreveu as se-
quais não se reconhecem guintes palavras:
valor como patrimônio arqui-
tetônico ou conjunto urbano
a preservar”. Concluímos que o fator mudança de uso e a adequação necessária para atender o pro-
9 A Secretaria de Planeja- grama exigido por ele, vem descaracterizando os imóveis do sítio histórico de Olinda (…)
mento Urbano, Obras e Conclui-se que todos os imóveis, componentes da Associação da Rua do Amparo, passaram
Meio Ambiente da Prefeitura
Municipal de Olinda elaborou por descaracterização (…) Após essas alterações, as informações vão sendo perdidas ao lon-
a primeira versão do Progra- go do tempo. O que poderia ser considerado como um processo histórico de adequação e
ma de Reabilitação do Patri-
mônio Cultural Urbano – per- evolução do uso do espaço (…) é simplesmente destruído. (Rodrigues, 2000, p.112-3 e 9.)
fil de projetos – roteiro para
informações básicas, em
março de 1997. As negocia- As eloqüentes palavras de uma jovem arquiteta, ao constatar fatos, mostram quão
ções com o Banco Intera-
mericano de Desenvolvi-
ambíguas são as práticas urbanísticas, nas quais discurso e gesto se mesclam, compondo
mento (BID) exigiram que uma sinfonia desafinada e diluindo a memória do lugar.
fossem realizados os ajus-
tes e as complementações, Neste sentido, Jeudy (1990), referindo-se a experiências de intervenção em outros
tendo sido produzidas mais sítios históricos, mostra que as novas práticas urbanísticas têm conduzido à redução das
duas versões, uma ainda
em 1997 e outra em 1999, diferenças e à uniformização das culturas, ou seja, opera-se a diluição da memória e da
quando a proposta foi então identidade do lugar. A cidade, de objeto histórico, torna-se “estética da memória”. Esse
aprovada. Em abril de
2000, foi assinado o convê- esvanecimento da memória de um lugar seria um modo de esquecimento, de apagamen-
nio entre o BID, governos fe-
deral, estadual e municipal,
to dos vestígios de um outro tempo. Não há como negar que a menor alteração na arqui-
iniciando-se a sua execução. tetura de uma cidade significa apagar a vivência passada, significa perda.
(1985), ao considerar que os vestígios perdidos seriam uma maneira de justaposição tem-
poral do viver na cidade, permanecendo apenas semelhanças.
As práticas urbanísticas recentes levadas ao sítio histórico de Olinda inserem-se no
âmbito dessa polêmica. Sejam planos diretores, sejam programas de renovação urbana, as
intervenções desenhadas e efetivadas nesse sítio têm introduzido modificações que esva-
necem a memória do lugar. Mas, indo ao encontro de Benjamim (1985), ao recuperar a Virgínia Pontual, arquite-
ta, é professora do Progra-
arquitetura das cidades quinhentistas e seiscentistas, adaptando-as às exigências da atuali- ma de Pós-Graduação em
dade, segue-se o princípio da semelhança. Traz-se o passado para o presente, retifica-se o Desenvolvimento Urbano
da Universidade Federal
ontem no amanhã. Esse pensar retificador constitui uma rememoração. Tomando empres- de Pernambuco. E-mail:
tadas palavras de Antônio Augusto Arantes (1984, p.14) para dispensar maiores elucubra- vp@elogica.com.br
ções, afirma-se uma perspectiva subjetiva: “Lugares e objetos são evocados como sinais to- Vera Milet, arquiteta, é
pográficos e vasos recipientes da história da sensibilidade e da formação das emoções.” professora do Centro de
Conservação Integrada Ur-
Portanto, as práticas urbanísticas efetivadas em sítios históricos, mesmo aquelas que bana e Territorial da Univer-
sidade Federal de Pernam-
aplicam os princípios da conservação urbana, inscrevem-se na ambigüidade de atos de buco. E-mail:
memorização e de esquecimento. altodase@hotlink.com.br
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
FREDERICO DE HOLANDA
Recife e Natal). Este trabalho pretende somar-se a tais esforços, quem sabe estimulando
uma experimentação coletiva no teste de procedimentos analíticos, e contribuindo para
uma taxonomia da forma urbana brasileira.
Cabe ainda observar que a abordagem crítica sobre vários aspectos de Brasília, tan-
to relativa à sua situação atual, como relativa ao seu projeto original, não implica o des-
conhecimento de sua importância. Constituiu indiscutivelmente a melhor proposta entre
todas aquelas apresentadas por ocasião do concurso para o Plano Piloto. Mais do que is-
so, trata-se de uma cidade exemplar não somente por fixar indelevelmente o seu tempo (é
claramente concebida e realizada no século XX) mas pelo fato de Lúcio Costa ter aplica-
do de maneira própria o “receituário modernista” (até transgredindo-o em alguns pontos),
e por ter sabiamente incorporado elementos fundamentais da história do urbanismo de
todos os tempos: as perspectivas barrocas, os terraplenos monumentais, o gregarismo co-
lonial brasileiro, a acrópole cerimonial, a cidade-linear, a cidade-jardim, a urbanidade dos
3 Estes aspectos foram comércios locais etc.3 Em outras palavras, uma cidade “pós-moderna” avant la lettre…
examinados mais detalhada-
mente noutra oportunidade,
Nisso reside sua força, que a distingue de todas as demais manifestações da modernidade
em Holanda, 2002. Ver tam- urbanística. Mas é exatamente o respeito que Brasília impõe que exige seu exame rigoro-
bém a análise de Matheus
Gorovitz, em Brasília, uma so, por meio de uma visão crítica que somente a distância no tempo, assim como o de-
questão de escala (1985). senvolvimento teórico e prático da arquitetura ao longo dessas décadas de sua existência
permitem. Essa a tentativa deste texto.
DISCURSO E REALIDADE
Entretanto, a contradição entre o ser da cidade brasileira (como ela de fato se estru-
turava naquele momento) e o seu dever ser (como concebido pelo projeto) logo se revela-
ria. Os milhares de trabalhadores atraídos para o Distrito Federal pela construção da Ca-
pital não tiveram acesso aos tipos edilícios propostos no Plano Piloto. No Brasil, como
em todo o mundo, a urbanização da população migrante é um longo processo no tempo,
iniciando-se com os mais elementares abrigos, que vão passando por melhorias progressi-
vas na medida das possibilidades crescentes (quando o caso) das pessoas que os cons-
troem. Esse processo real não foi contemplado pela proposta do Plano Piloto: tipos edilí-
cios diferentes dos blocos sobre pilotis e com elevadores, ou das “casas individuais”
próximas à margem do lago, não eram admitidos no projeto (cedo novos tipos foram
acrescentados, mas que não mudaram essencialmente o repertório).
Se não havia condições políticas e/ou econômicas para proporcionar “acomodações
decentes” para a totalidade da população, dentro das condições do mercado formal ou dos
programas governamentais, como queria Lúcio Costa, algum outro modo de produção do
espaço habitacional – o que implicava igualmente uma diferente tipologia edilícia – teria
de ser considerado. E o foi, porém fora do Plano Piloto. Para resumir uma longa história
de conflitos e reivindicações (Codeplan, 1984b), já em 1958 o projeto de uma nova ci-
dade – Taguatinga, a 20km do Plano Piloto – era implantado, com lotes (não edificados)
vendidos aos trabalhadores a preços acessíveis e a longo prazo. Taguatinga antecipou-se,
portanto, à inauguração da nova capital. Lúcio Costa iria depois manifestar-se em relação
a essa antecipação das cidades-satélites, no item 7 (“Características Fundamentais do Pla-
no Piloto”) do documento Brasília Revisitada:
A implantação de Brasília partiu do pressuposto que sua expansão se faria através de cida-
des-satélites, e não da ocupação gradativa das áreas contíguas ao núcleo original (…) Assim,
a partir do surgimento precoce das cidades-satélites, prevaleceu agora a intenção de manter en-
tre estes núcleos e a capital uma larga faixa verde, destinada a uso rural (…) Tal abordagem te-
ve como conseqüência positiva a manutenção, ao longo de todos esses anos, da feição origi-
nal de Brasília. Mas, em contrapartida, a longa distância entre as satélites e o “Plano Piloto”
isolou demais a matriz dos dois terços de sua população metropolitana que reside nos nú-
cleos periféricos, além de gerar problemas de custo para transporte coletivo. (Costa, 1987,
p.7, grifos nossos.)
A Brasília não interessa ser grande metrópole (…) Brasília é a expressão de um determina-
do conceito urbanístico, tem filiação certa, não é uma cidade bastarda. (Costa, 1987, p.18,
grifos do original.)
dade atual já fosse sem classes”;7 a explicação para se ter ignorado sua proposição de cons- 7 Idem, p.302.
truir moradia para diferentes níveis de poder aquisitivo estaria nos “vícios de uma
realidade econômico-social secular, [pela qual] os burgueses, apesar da familiaridade no
8 Idem, p.315. trato com os empregados, sempre os mantinham à distância”.8 Entretanto, imediatamen-
te acrescentou que isto “não teria resolvido o problema, já que grande parte da população
9 Idem, ibidem. trabalhadora é ainda menos do que pobre”,9 pelo que ele reconhecia que muita gente não
teria mesmo acesso à tipologia edilícia do Plano Piloto.
Isto não levou Lúcio Costa a reavaliar os padrões espaciais originalmente propostos,
seja quanto às características do próprio Plano Piloto, seja quanto às suas relações com as
demais cidades do Distrito Federal: a manutenção da “feição original de Brasília”, assim
como de um “determinado conceito urbanístico”, tiveram primazia. Continuou acredi-
tando na proposta originalmente concebida, porque
teria sido pior que tolice – um crime – planejar a cidade na medida da realidade subdesen-
volvida atual (…) como no capitalismo ou socialismo, a tendência universal – apesar da con-
testação desbragada e romântica – é todo mundo virar, pelo menos, classe média, o chama-
do Plano Piloto pode ser considerado uma antecipação. Assim, na realidade futura, quando lá
chegarmos, todos indistintamente se sentirão ambientados no aconchego antigo e condigno
10 Idem, p.320, grifos do da “velha capital”.10
original.
CENTRALIDADE
acréscimo de novos núcleos: ainda nos anos 1960, o Guará-I; nos anos 1970, Ceilândia 13 Para um apanhado mais
detalhado deste processo,
e Guará-II; nos anos 1980, Samambaia; nos anos 1990, Santa Maria, São Sebastião, Ria- ver Mota et al., 2000. Os
cho Fundo e Recanto das Emas (por razões de espaço, incluímos apenas os mapas corres- mapas foram preparados
com base em Codeplan
pondentes a 1960 – Figura 1, e 1998 – Figura 2).13 (1984a).
Como comentamos acima, não temos informações precisas, ao longo das décadas
14 Para que o leitor tenha
passadas, sobre o conjunto total de vias e ruas do sistema urbano do Distrito Federal. Pa- uma idéia da ordem de gran-
ra o ano 2000, a situação é ilustrada na Figura 3 (novamente, as três linhas mais integra- deza da medida de integra-
ção, nos estudos de caso
das são grafadas em traços mais espessos). A consideração do total das vias urbanas refor- realizados em regiões espe-
ça o argumento apresentado, ao puxar o centro topológico do sistema para ainda mais cíficas do Distrito Federal, a
integração mais baixa (ou
longe do Plano Piloto, nas direções oeste e sudoeste. A integração média do sistema, cons- seja, o sistema menos per-
meável entre suas partes)
tituído por 18.849 linhas axiais, é de 0,6181, enquanto a integração do Eixo Monumen- foi obtida em parte da área
tal (na parte que pertence à Esplanada dos Ministérios) é apenas 20% maior do que este central do Plano Piloto, con-
siderados conjuntamente os
valor (0,7419).14 Assim, a parte mais central do Plano Piloto sequer pertence ao núcleo Setores de Diversões Sul e
integrador, se o considerarmos, seguindo Peponis et al. (1989), como constituído por Hoteleiro Sul – 0,81; e a in-
tegração mais alta foi obtida
25% das linhas mais acessíveis de todo o sistema: o Eixo Monumental situa-se apenas no nas Superquadras 405/406
piso das 40% linhas mais integradas. Norte – 3,34 (Holanda,
2002). Dada a estrutura ex-
Evidentemente, o núcleo integrador das cidades pode se deslocar no espaço ao lon- tremamente segmentada do
go do tempo. Em cidades costeiras, por exemplo, ele tenderá a se afastar da área da fun- sistema urbano do DF, não
admira que a sua integração
dação inicial, à medida que a cidade cresce para o interior. Ou seja, o centro histórico, média – 0,6181 – seja ainda
menor do que a mínima en-
com o passar do tempo, pode tornar-se uma parte excêntrica da cidade. Isto foi o que se contrada numa região espe-
verificou, por exemplo, nos casos de Recife (Loureiro & Amorim, 2000) e de Maceió cífica.
Figura 1 – Mapa axial das principais vias do Distrito Federal, Brasil, mostrando em traço mais espesso as três
linhas mais integradas do sistema (1960).
Figura 2 – Mapa axial das principais vias do Distrito Federal, Brasil, mostrando em traço mais espesso as três
linhas mais integradas do sistema (1998).
Figura 3 – Mapa de axialidade de todas as vias urbanas do Distrito Federal, mostrando em traço mais espes-
so as três linhas mais integradas do sistema (2000).
COMPACIDADE
COMPACIDADE AXIAL
a que foi reduzido o sistema urbano, com o menor polígono convexo possível, e calcula-
mos a divisão entre o número de linhas do sistema e a área de tal polígono (esses polígonos
também se encontram desenhados nas Figuras 1 e 2). Sistemas descontínuos, ou “nuclea-
dos” – como o de Brasília – apresentarão naturalmente menores índices de compacidade.
A variação da compacidade no Distrito Federal, ao longo do tempo, está ilustrada
na Figura 4. Note-se como ela chega a cair na primeira década (anos 60), quando a cida-
de se torna mais rarefeita em razão da incorporação de núcleos bastante afastados – como
a vernacular Planaltina (40 km do Plano Piloto), que sofreu então significativa expansão
urbana. A compacidade cresce nas décadas subseqüentes, em razão do preenchimento de
alguns espaços intersticiais. Entretanto, esta compacidade ainda está muito longe daque-
la encontrada em outras cidades brasileiras nas quais pudemos aplicar o mesmo procedi-
15 Para efeito de compara- mento metodológico (Figura 5).15 Apesar da expansão da área urbanizada ao longo des-
ção com esses outros ca-
sos, consideramos o total
tes mais de 40 anos, Brasília ainda apresenta, hoje, uma compacidade cerca de oito vezes
das linhas do sistema (ano menor do que a de um núcleo histórico como o de Belém.
de 2000), não apenas as
vias arteriais, como tínha-
mos feito para os mapas
históricos das décadas an-
teriores. Objetivando maior
clareza, os números da Fi-
gura 7 resultam da divisão
do número total de linhas do
sistema, por 10 hectares de
área do polígono convexo
mínimo que as circunscreve,
antes referido.
Figura 5 – Compacidade de uma amostra de áreas urbanas brasileiras. Note-se a alta compacidade de uma
área colonial tradicional, como o Centro Histórico de Belém.
ÍNDICE DE DISPERSÃO
ρ=
Σi di pi bém, eles chamam esta me-
dida de duas maneiras ao
longo do texto: “índice de
PC compacidade” e “índice
de dispersão”. Preferimos a
segunda alternativa, pelo fa-
onde o símbolo correspondente à letra grega “rho” – “ρ” – é o índice de dispersão; “d” é to de que, em função da fór-
mula adotada, quanto mais
a distância do centróide de cada setor urbano ao centro da cidade; “p” é a população de dispersa a cidade, mais alto
cada setor urbano; “P” é a população urbana total; e “C” é a distância média dos pontos será o valor obtido.
de um círculo, de área equivalente à da cidade analisada, ao seu centro (que é igual a 2/3
de seu raio, valor obtido por meio de cálculo integral).17 17 No nosso caso, os “se-
tores urbanos” são constituí-
Obtivemos assim, para Brasília, um índice de dispersão de 2,55, inferior apenas ao dos pelas áreas urbanas
de uma das 35 cidades estudadas por Bertaud & Malpezzi: Bombaim, de índice 3,08, e a das Regiões Administrativas
do Distrito Federal. Para
mais compacta encontrada por esses autores, Shangai, com índice de 0,78. Por curiosida- uma “sintonia fina” poderão
de, vale assinalar que o Rio de Janeiro, com todos os acidentes geográficos que provocam ser utilizados os setores
censitários, quando a infor-
uma forte descontinuidade do tecido urbano, atinge um índice de dispersão de 1,97.18 mação estiver disponível. O
Bertaud & Malpezzi sugeriram uma maneira de ilustrar a dispersão: os setores urbanos da “centro” urbano considera-
do foi o ponto de cruzamen-
cidade real são representados por prismas onde a base corresponde à área do setor, e a al- to do Eixo Monumental com
o Eixo Rodoviário, no cora-
tura corresponde à sua respectiva densidade demográfica (Figura 6). Por outro lado, a ção do Plano Piloto de Brasí-
Figura 7 ilustra a cidade circular teórica de área equivalente, onde a altura corresponde à lia, uma vez que nas suas
proximidades concentra-se
densidade demográfica média do Distrito Federal (a escala desta altura é meramente con- a grande maioria dos em-
vencional, mas é a mesma para as duas ilustrações). As duas Figuras ilustram tanto a dis- pregos do Distrito Federal.
persão quanto a localização das mais altas densidades demográficas na periferia. 18 Embora Bertaud & Mal-
Mas isto não é tudo. Para compreender melhor a problemática estrutura espacial da pezzi falem em “região me-
tropolitana”, tudo indica
capital brasileira, é preciso considerar mais de perto as relações entre sua configuração, e que, pelos dados populacio-
a localização dos moradores e dos empregos, como se segue. nais apresentados, eles con-
sideraram, no caso do Rio
de Janeiro, apenas a popula-
ção do município.
Figura 6 – Ilustração convencional de densidades de zonas urbanas do Distrito Federal, por Região Admin-
istrativa (a título de exemplo, foram nomeadas algumas zonas urbanas).
Figura 7 – Ilustração convencional da densidade de uma cidade hipotética cilíndrica, com a densidade média
e a mesma superfície urbana do total das zonas urbanas do Distrito Federal.
quantitativamente, por meio de correlações simples19 entre os seus valores. Para tanto, ti- 19 A medida estatística de
correlação simples indica a
vemos que calcular uma medida de integração “regional”. Vimos como, a cada linha do maneira pela qual duas sé-
mapa de axialidade, corresponde uma medida de integração; para chegarmos a um núme- ries de valores estão rela-
cionadas. Se as duas séries
ro correspondente à região, utilizamos a média dos valores das três linhas mais integradas variam no mesmo sentido
que se localizam completamente dentro das fronteiras administrativas da região conside- (enquanto os valores de
uma crescem, os de outra
rada. A Figura 8 ilustra graficamente a correlação obtida entre estes valores.20 também crescem), a corre-
lação é positiva, podendo a
medida chegar ao máximo
Tabela 1 – Integração, empregos e habitantes, por Região Administrativa – DF de +1. Se as duas séries va-
RAs Integração Empregos Habitantes riam em sentido inverso (en-
quanto os valores de uma
RA I Brasília 0,9306 555.369 198.422 crescem, os da outra de-
RA X Guará 0,9714 72.473 115.385 crescem), a correlação é ne-
RA III Taguatinga 0,8898 31.481 243.575 gativa, podendo a medida
chegar ao mínimo de –1.
RA IX Ceilândia 0,6961 24.000 344.039
RA XVI Lago Sul 0,8049 11.228 28.137 20 Pode-se notar na Figu-
RA V Sobradinho 0,8494 7.431 128.789 ra 8 que os valores de inte-
gração não coincidem com
RA XI Cruzeiro 0,9315 6.441 63.883 a escala tradicional de valo-
RA II Gama 0,8745 5.773 130.580 res de integração como en-
RA VIII Núcleo Bandeirante 0,9660 5.377 36.472 contrados na literatura (em
torno de 1 a 2). A questão é
RA XII Samambaia 0,8919 3.335 164.319 que, por razões de ilustra-
RA VI Planaltina 0,6343 3.040 147.114 ção, estes valores foram
RA XIII Santa Maria 0,8398 1.760 98.679 “normalizados” de maneira
a facilitar visualmente a
RA XV Recanto das Emas 0,8627 1.669 93.287 comparação com o número
RA XVIII Lago Norte 0,7816 1.321 29.505 de habitantes e empregos,
RA IV Brazlândia 0,6840 1.255 52.698 revelando assim a baixa cor-
relação obtida. Para tanto,
RA VII Paranoá 0,6477 626 54.902 os valores de integração fo-
RA XIV São Sebastião 0,5917 574 64.322 ram submetidos a uma po-
RA XVII Riacho Fundo 0,8619 432 41.404 tência de 10, e em seguida
multiplicados por 500.000.
RA XIX Candangolândia 0,9075 375 15.634 Entretanto, os valores origi-
Totais 733.960 2.051.146 nais foram mantidos para o
correlação integração/empregos 0,27 cálculo das correlações co-
mentadas no texto, e indica-
correlação integração/habitantes -0,03 das na Tabela 1.
correlação empregos/habitantes 0,31
Figura 8 – Moradores, empregos e integração, nas Regiões Administrativas do Distrito Federal, Brasil.
UMA ESPECULAÇÃO
registrados na Tabela 2.
Note-se que a correlação que mais melhorou foi aquela entre empregos e habitantes,
o que indica uma mais eqüitativa distribuição dessas duas categorias na cidade. As trans-
formações de desenho urbano especuladas também melhoram significativamente a corre-
lação entre integração e habitantes, na medida em que aumentam o contingente popula-
cional na área central – que ainda é, apesar de sua excentricidade, relativamente integrada.
O menor impacto se dá na correlação entre empregos e integração, o que é compreensí-
vel: seria preciso aumentar muito mais o número de empregos nas demais cidades do Dis- 25 Em Holanda (1999;
trito Federal para que esta correlação sofresse impacto mais forte. Em síntese, uma cida- 2002) encontra-se uma dis-
cussão mais longa sobre o
de assim mais equilibrada muito ganharia em urbanidade, se por isso entendemos, entre conceito de urbanidade. A
idéia de espaço como recur-
outras coisas, menores custos sociais de deslocamento, maior acessibilidade aos equipa- so cultural está desenvolvi-
mentos públicos, mais fácil utilização do espaço urbano como recurso cultural.25 do em Peponis (1992).
Figura 9 – Mapa axial do DF, mostrando a localização de Águas Claras, Setor Noroeste e Av. W-3 Sul.
A controvérsia está longe de constituir qualquer novidade, pois é parte do velho de-
bate que de vez em quando volta à superfície: a necessidade ou não de se manter a cida-
de – ou pelo menos sua parte monumental – incólume à vida secular. Podemos lembrar
aqui o apelo de Lúcio Costa pela manutenção da “fisionomia” da cidade, e dos esforços
recorrentes para somente permitir a urbanização crescente longe do coração administra-
tivo federal (ver acima). A análise configuracional revela que os “isolacionistas” percebem
intuitivamente a maior integração que se obteria na Esplanada com uma ligação mais in-
tensa com o seu entorno: uma simulação, incluindo a terceira ponte, indica um cresci-
mento de (apenas) 5,2% na medida de integração do principal eixo que atravessa o lu-
gar, a qual passaria de 0,7418 para 0,7808. Por outro lado, revela o enorme preconceito
quanto a uma maior “secularização” deste espaço monumental, porque, ao fim e ao ca-
bo, é disso que se trata. De fato, como vimos, o impacto configuracional é realmente
muito pequeno para tal reação, particularmente se calibrarmos a integração com a (bai-
xa) densidade residencial do outro lado do lago, algo que pretendemos realizar em fu-
turo próximo.
De qualquer maneira, uma maior integração certamente significaria um acesso
mais fácil para a Esplanada, com todas as implicações – éticas e estéticas – que adviriam
disto. Eticamente, a estratégia de isolar fisicamente a sede do poder resultaria enfraque-
cida – uma estratégia, aliás, adotada historicamente por sociedades autoritárias (Holan-
da, 1999). Esteticamente, mais pessoas desfrutariam melhor da inegável beleza do lu-
gar na sua vida cotidiana, pois a Esplanada deixaria de ser apenas o ponto final de
viagens dos funcionários públicos (e/ou dos raros visitantes), e se tornaria também um
notável evento espacial ao longo de viagens rotineiras cuja origem e destino estariam fo-
ra dela. Em outras palavras, mais pessoas também desfrutariam o lugar de dentro e
CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
A N I TA KO N
INTRODUÇÃO
PREMISSAS TEÓRICAS
Os fatores de oferta e demanda do mercado de trabalho brasileiro, nos anos mais re-
centes, como visto, estiveram profundamente associados à aceleração do progresso tecno-
lógico e da globalização econômica, que obrigou a uma reestruturação tecnológica e or-
ganizacional das empresas na maior parte dos países e teve repercussões consideráveis
sobre a natureza dos processos produtivos, sobre a composição interna dos setores e sobre
a evolução e natureza do produto. Esta dinâmica teve impactos transformadores sobre as
condições e a natureza do trabalho, em todos os setores econômicos, desde que a moder-
nização econômica, com a introdução de novas técnicas, ao mesmo tempo que cria novas
funções e ocupações, elimina uma série de ocupações e postos de trabalhos.
Quando se analisam, especificamente, as questões relacionadas à distribuição das re-
munerações do trabalho, as hipóteses básicas que fundamentam esta avaliação estão rela-
cionadas às premissas teóricas que permitem associar mais diretamente esta estruturação
a alguns determinantes primordiais, que moldam conjuntamente os padrões desta distri-
buição. Estes determinantes, que serão resumidamente apresentados em seqüência, refe-
rem-se à espacialidade do trabalho, ou seja, às qualidades específicas da estruturação ocu-
pacional em cada região, que decorrem das características culturais, sociais e econômicas
próprias a cada espaço. Resultam dos reflexos regionais diferenciados sobre a estruturação
ocupacional, que decorrem das bases de recursos e socioeconômicas específicas e que são
representados: a) pela qualidade da oferta de trabalho, ou seja, do “capital humano” apre-
sentado pelos trabalhadores; b) pelas diferenças na segmentação do mercado de trabalho
internamente às empresas; c) pelos diferenciais na estrutura das remunerações; e d) pela
participação dos trabalhadores segundo o gênero (Kon, 1995).
No que se refere aos impactos sobre a economia de cada espaço, as qualidades espe-
cíficas da estruturação ocupacional em cada região, que decorrem das características cul-
turais, sociais e econômicas próprias a cada espaço, são moldadas tanto pelos componen-
tes estruturais quanto conjunturais, endógenos e exógenos à região e ao país, que afetam
estas qualidades em dado período. As transformações nesta espacialidade, apresentadas no
decorrer do tempo, resultam da capacidade de ajustamento de cada espaço aos novos re-
quisitos econômicos que periodicamente se fazem sentir nas economias mundiais, como
reflexo de mudanças nos paradigmas econômicos.
É possível apontar as mudanças significativas pelas quais passaram as economias nos
anos recentes desde a década de 1980, que resultaram em uma reorganização espacial con-
tundente tanto em sociedades desenvolvidas quanto em desenvolvimento. Entre outros
aspectos, estas transformações incluem particularmente: a) a elevação da internacionaliza-
ção das atividades econômicas; b) a reorganização das firmas dominantes; c) a crescente
integração da indústria manufatureira com a de serviços; d) o uso crescente da tecnologia
microeletrônica; e) a demanda crescente na indústria por uma força de trabalho mais qua-
lificada, porém com muitos trabalhos rotineiros sendo eliminados pela mudança tecnoló-
gica; f) a crescente complexidade e volatilidade do consumo; e g) uma mudança no pa-
pel da intervenção governamental.
Estas transformações foram interpretadas como uma modificação da sociedade for-
dista baseada na produção e consumo de massa em grande escala, apoiada pela demanda
dos gastos governamentais para o gerenciamento de suas funções e para a Previdência e
Saúde (principalmente nas nações mais avançadas em que prevalecia o Welfare State). Co-
mo visto, as formas pós-fordistas de produção emergiram desde os anos 70, quando a in-
dústria passou a utilizar nova tecnologia e uma força de trabalho mais flexível para res-
ponder mais rapidamente às mudanças do mercado e à competição internacional,
encorajadas por novas formas de governo, que se retirava de funções empresariais e res-
tringia suas funções produtivas (Marshall & Wood, 1995).
Nesse contexto, a crescente proeminência dos serviços e suas contribuições relevan-
tes e multifacetadas para a mudança estrutural têm como origem: a) a importância da
crescente interdependência entre a produção de bens e serviços, pelo fato de qualquer pro-
duto material ou de serviço ser criado por uma seqüência complexa de trocas materiais e
de serviços que envolve fornecedores e consumidores, incluindo subcontratados e consul-
tores; b) o valor da especialização em serviços no capitalismo do fim do século XX, que
contribui para a manipulação de matérias-primas, informação, capital e trabalho, em
qualquer atividade de produção ou consumo; como interpretar o mundo tornou-se uma
tarefa mais complexa, a produção de bens e serviços tornou-se mais capital-intensiva e o
papel destes serviços especializados então se intensificou; c) a forma pela qual as mudan-
ças técnicas criam novas oportunidades para a exploração da especialização em serviços; e
d) a maneira pela qual as qualificações e especializações para atividades de serviços que es-
tão presentes na força de trabalho influenciam significativamente os padrões locacionais.
Como salienta McKee (1988), uma das funções das atividades de serviços nas eco-
nomias nacionais, além de sua localização urbana, é o fato de que elas têm sido reconhe-
cidas como facilitadoras ou reforçadoras do impacto sobre os pólos de crescimento, ou se-
ja, sobre as atividades que lideraram tanto de forma quantitativa quanto qualitativa a
determinação dos padrões de expansão em âmbito nacional. A capacidade dos serviços de
Por outro lado, o capital humano é outro condicionante das diferenças na espaciali-
dade do trabalho. As primeiras discussões a respeito da relevância do capital humano so-
bre as condições de emprego e remuneração salientavam que, na realidade, a força de tra-
balho é heterogênea, com diferenças entre indivíduos, e as diferenças no mercado de
trabalho como efeito desta heterogeneidade interferem diretamente na remuneração dos
trabalhadores.1 A partir deste enfoque, este capital humano é composto em parte pelas ca- 1 Entre os pioneiros a de-
senvolverem as idéias sobre
pacidades mentais e físicas dos trabalhadores que são inatas, porém outras são o resulta- o Capital Humano, desta-
do da escolaridade adquirida, treinamento no posto de trabalho e em outros cursos pro- cam-se Schultz (1961 e
1967), Mincer (1958) e
fissionalizantes ou de especialização. A característica comum destas capacidades são que Becker (1975).
elas mantêm ou aumentam o valor de mercado do trabalho oferecido pelas pessoas que
participam na força de trabalho. A estrutura salarial, ou seja, as diferenças de remunera-
ções entre grupos em uma economia são freqüentemente associadas a idade, gênero, raça
e tipo de ocupação, porém também refletem as diversidades em escolaridade, treinamen-
to e experiência no mercado de trabalho. Na atualidade, grande parte de estudos sobre o
mercado de trabalho se preocupa consideravelmente com as diferenças de investimento
em capital humano entre grupos de ocupações e a forma pela qual se relacionam à distri-
buição da renda pessoal.
Parte das capacidades mentais e físicas dos trabalhadores são inatas, porém outras são
adquiridas através de investimento planejado. O traço comum destas capacidades adqui-
ridas é que conduzem à melhora ou à manutenção do valor de mercado do trabalho das
pessoas que participam da força de trabalho. Dessa forma, as diferenças salariais ou de re-
muneração entre grupos, que são associadas a variáveis como idade, gênero, raça e tipo de
ocupação, são em grande parte atribuídas nas análises econômicas a diferenças incorpora-
das em cada trabalhador pela educação, treinamento ou experiência no trabalho. As esco-
lhas individuais ou das famílias para adquirir educação ou das empresas para fornecer o
treinamento, bem como as decisões da sociedade de financiar a educação e o treinamen-
to com fundos públicos são comportamentos relevantes para o entendimento das direções
do investimento em capital humano em cada sociedade (Rima, 1996, p.109).
Entre um conjunto considerável de ações que poderiam qualificar-se como investi-
mentos em capital humano, a política pública regional utiliza programas aplicados a es-
timular: a) educação formal em todos os níveis; b) atividades de treinamento no empre-
go (on the job training); c) melhoria nos cuidados da saúde; d) tempo dos pais dedicado
ao cuidado dos filhos; e) atividades da procura de trabalho pelos trabalhadores; f ) mi-
gração dos trabalhadores, de uma região para outra (Hoffman, 1986, p.150). Do ponto
de vista espacial, são observadas diferenças notáveis entre regiões de países em desenvol-
vimento, ligadas à potencialidade estrutural de cada espaço de mobilizar este investimen-
to em capital humano, tendo em vista as condições de suas bases de recursos e de suas
bases macrossociais que envolvem aspectos culturais, políticos e econômicos específicos
(Kon, 1995).
Diferenças na estrutura das remunerações têm sido analisadas, a partir de dois enfo-
ques básicos, quais sejam, diferenciais entre ocupações e entre pessoas. O enfoque tradi-
cional (desenvolvido por Adam Smith) dos diferenciais entre as ocupações, considera a
economia como uma rede de mercados de mão-de-obra para cada uma das muitas ocu-
pações, que são diferenciadas de acordo com os requisitos de qualificação, regularidade do
que são homogêneos com respeito à educação e produtividade e que diferem apenas em
termos de raça, ou gênero, ou antecedente cultural. Tais diferenciais implicam que o mer-
cado atribui um valor a determinadas características pessoais que não são relacionadas
à produtividade.
Ao lado da participação crescente da mulher no mercado de trabalho, observa-se ca-
da vez mais que a continuidade do emprego da mulher durante a idade de trabalho tem
deixado de ser exceção, em grande parte dos países de vários níveis de desenvolvimento,
substituindo a sazonalidade tradicionalmente observada, em que a mulher se retira da for-
ça de trabalho durante alguns anos, enquanto seus filhos são pequenos.
Quando analisam as causas determinantes das diferenças de remuneração entre os
gêneros, grande parte dos estudos destacam também a disponibilidade de capital huma-
no entre as primordiais, paralelamente à existência de diferenciais de compensação para
tipos de trabalhos e a discriminação. As diferenças sistemáticas no tipo de capital huma-
no que explicam muitas defasagens salariais entre os sexos, em alguns trabalhos são vistas
como resultantes de escolhas do indivíduo sobre o tipo de capital humano a ser adquiri-
do. Por exemplo, durante muito tempo, historicamente as mulheres foram mais inclina-
das a investir em capital humano que traria um retorno maior fora do mercado de traba-
lho, em doméstico ou que acarretaria maior satisfação seja no tempo de trabalho ou de
lazer, enquanto os homens tendem a investir em capital humano que traga maior retorno
no mercado e maiores salários, embora menor satisfação pessoal (Jacobsen, 1998).
Os contratantes argumentam a necessidade de diferenciações salariais entre gêneros
tendo em vista que determinadas atribuições sociais têm tradicionalmente implicado,
mais para a mulher do que para o homem, intermitências e dificuldade de dedicação in-
tegral de tempo para aquele investimento. Além disso, as diferenças no planejamento so-
bre o tempo de vida útil no trabalho do homem e da mulher levam à consideração pelos
empregadores de que os maiores retornos ao treinamento oferecido ao trabalhador serão
conseguidos por uma vida útil maior na empresa; nesse sentido, as mulheres têm sido des-
privilegiadas porque alguns treinamentos devem ser efetuados em um prazo maior e por
este motivo acarretam em maiores remunerações posteriores, e as evidências têm mostra-
do que os homens têm apresentado uma maior vida útil nas empresas. Mas mesmo no ca-
so de treinamentos que ocupam menor tempo, a previsão de menor vida útil do trabalho
feminino afeta os ganhos dos gêneros. No caso da intermitência da mão-de-obra, a re-
entrada em uma ocupação pode ser considerada como uma nova entrada inicial que re-
quer novos custos de treinamento e, portanto, é considerada como uma maior taxa de de-
preciação do capital investido.
Ao lado disso, diferentes remunerações resultam do fato de que homens e mulheres
expressariam diferentes preferências por certas condições de trabalho e classificariam as
oportunidades de emprego a partir destas condições; estas diferentes preferências influen-
ciam suas escolhas no investimento em capital humano, o que repercute nas variações das
possibilidades de absorção segundo o gênero. Algumas características dos postos de traba-
lho, que acarretam em escolhas diferenciadas entre os gêneros, são mencionadas como:
variedade no número de tarefas, autonomia de trabalho, clareza sobre o tipo de trabalho,
esforço, grau de desafio, relações com companheiros de trabalho, grau de controle, tem-
po de locomoção ao trabalho, liberdade de dispensas no trabalho, uso das capacidades de
trabalho, condições de saúde (Mutari, Boushey e Fraher, 1997).
A discussão dentro do campo econômico tende a se limitar à discriminação na forma
de remuneração, nas condições de contratação e nas práticas de promoção. No entanto,
ASPECTOS METODOLÓGICOS
A análise empírica para a verificação das diferenças regionais na distribuição das re-
munerações no Brasil na década de 1990, teve como base as informações dos microdados
das PNADs do IBGE, nos anos selecionados de 1989 e 1997, que permitiram a agrega-
ção dos dados em categorias ocupacionais específicas. Para esta avaliação, foram calcula-
dos coeficientes de Gini, para cada região, considerando-se a distribuição das remunera-
ções para o total da população ocupada e para a população ocupada nas empresas,
examinando-se as situações de vínculo empregatício com ou sem carteira assinada e os di-
ferenciais entre gêneros.
As diferentes classes de remunerações foram associadas a uma Tipologia de Ocupa-
ções elaborada por Kon (1995), de modo a agregar as informações de acordo com cate-
gorias de trabalhadores dentro e fora de empresas, de acordo com níveis de qualificação
que resultaram nos diferenciais de remuneração.
Os coeficientes de Gini foram calculados através da expressão:
n
G = 1 − Σ (Y i + Y i − 1) ( Xi − X i − 1), em que
• i=1
• Xi = percentagem acumulada da população ocupada que recebe remuneração na cate-
goria i;
• Yi = percentagem acumulada da remuneração na categoria i;
• i = categoria ocupacional;
• n = número de categorias ocupacionais.
Sendo 0 < G > 1, os coeficientes que mais se aproximam de zero revelam melhor dis-
tribuição entre as remunerações, ou seja, quanto mais próximo da unidade, pior a distri-
buição das remunerações entre as categorias ocupacionais.
Observe-se inicialmente que os coeficientes são calculados apenas para a população
ocupada, de acordo com os objetivos específicos deste trabalho, e portanto as concentra-
ções de remunerações apresentam-se consideravelmente inferiores às reveladas pelos coe-
ficientes tradicionalmente calculados, tendo em vista a distribuição global de renda da re-
gião e do País, que incluem os não-economicamente ativos e os desempregados, ou seja,
o total da população residente.
Por outro lado, o objetivo da análise é a comparação das distribuições entre regiões
e a observação das diferenças de acordo com vínculo empregatício e gênero, e nesse senti-
do o valor dos coeficientes observados que mais se aproximam de zero do que da unidade,
CONSIDERAÇÕES FINAIS
permitam mais facilmente esta articulação, porém que se revestem de um caráter instá-
vel e de menor remuneração.
Em suma, as diferenças regionais na estrutura ocupacional que se refletem na distri-
buição das remunerações, por sua vez, resultam do fato de que, de acordo com a estrutu-
ra produtiva e o perfil da força do trabalho de cada espaço, podem ser verificadas desi-
gualdades de remunerações, quando: a) uma mesma ocupação que exija os mesmos Anita Kon, economista, é
professora do Programa
requisitos de habilitação for desempenhada em diferentes condições de produtividade ou de Estudos Pós-Graduados
qualidade nos mercados de trabalho regionais; b) for diferenciada a situação de vínculo em Economia Política da
PUC/SP e pesquisadora
empregatício entre trabalhadores em uma mesma ocupação; c) a taxa de progresso tecno- dos núcleos EITT – Econo-
lógico em cada atividade resulta em diferentes perfis de demanda por trabalhadores, que mia Industrial, Trabalho e
Tecnologia e ERAMA – Eco-
exigem qualificações diferenciadas; d) comparando a situação das remunerações entre ca- nomia Regional, Agrária e
tegorias ocupacionais ou setores em que a influência da existência de um sindicato mais Meio-Ambiente da mesma
universidade. É também
(ou menos) atuante se faz sentir. As regiões que concentram mais intensamente ativida- professora e pesquisadora
da EAESP/FGV. E-mails:
des urbanas de maior nível tecnológico apresentam menores desigualdades na distribui- anitakon@pucsp.br
ção das remunerações do trabalho, do que as mais especializadas em atividades rurais. akon@fgvsp.br
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M A R I A F L O R A G O N Ç A LV E S
como pesquisando e providenciando formas de garan- sultivo, composto de um representante de cada entida-
tir a sua continuidade e manutenção. Além disso, a de associada/filiada.
criação da homepage da Anpur era uma expectativa Minha primeira providência ao assumir a Presi-
ainda não realizada, apesar de tentativas nas duas ges- dência foi mapear as instituições integrantes – por Es-
tões anteriores. tado/região e por especialidade acadêmica – para que
A Diretoria 1997-1999 trabalhou com grande ficasse claramente visível para toda a comunidade an-
entrosamento e foi ficando evidente a dificuldade de puriana quem é a Anpur. Foi o primeiro insumo para a
dirigir essa Anpur ampliada, com a estrutura prevista homepage e um elemento de ilustração utilíssimo para
para uma instituição mais simples. Surgiu em conse- as reuniões que fiz Brasil afora informando a associados
quência a proposta de se formular um Plano de Ação, e não-associados sobre a Anpur e suas atividades. Cons-
com base numa reflexão coletiva de que participassem tatei sermos uma associação integrada por 33 institui-
também as instituições associadas/filiadas, tendo em ções, assim distribuídas no País: uma na região Norte
vista prever como atualizar a estrutura e funcionamen- (Belém); sete no Nordeste (uma em Fortaleza, uma em
to da Anpur de modo a adequá-la à nova situação. Natal, duas em Salvador, três em Recife); três no Cen-
Assim tomou corpo o Plano de Ação 1999-2003, tro-Oeste (Brasília); dezoito no Sudeste (duas em Belo
formulado de dezembro de 1998 a maio de 1999. Horizonte, cinco no Rio de Janeiro e 11 em São Paulo,
Principiou com consultas, por meio de questionários das quais seis na Capital, três em Campinas e duas em
enviados às instituições, sobre objetivos e expectativas São Carlos); e quatro no Sul (uma em Curitiba, uma em
em relação à Anpur, cujas respostas deram origem a Florianópolis e duas em Porto Alegre). Desse conjunto,
uma pauta de discussão que foi amplamente debatida 11 instituições trabalhavam predominantemente no
por representantes de 16 entidades, ao longo de dois campo das ciências sociais e da economia; nove, no da
dias de reuniões na FAU/USP em 27 e 28 de abril de arquitetura e urbanismo; seis, no da geografia; três, no
1999. Concluiu-se o Plano em Porto Alegre, numa da administração pública; e quatro, em outros (enge-
reunião prévia ao VIII Encontro Nacional da Anpur, nharia urbana, demografia e multidisciplinares).
em que foram discutidas as propostas que seriam apre- Essa composição levou-me a pensar que o que ci-
sentadas à Assembléia Geral. Dos membros da chapa menta a relação entre todas elas é o pertencimento a
que se candidatou à eleição em 1999, quase todos par- um certo campo de pesquisa e conhecimento que vem
ticiparam dessas discussões e, como Diretoria eleita, sendo estruturado por meio do estímulo recíproco, da
tinham o compromisso de implantar as propostas troca de questões, da colaboração na produção de co-
contidas nesse Plano, aprovado na mesma Assembléia nhecimento entre esses campos disciplinares indicados
que a elegeu. acima, numa prática que vem construindo uma pro-
O Plano de Ação 1999-2003 propunha cinco blemática específica acerca de como se articulam (e se
grandes projetos prioritários: 1) mapeamento institu- determinam) a produção e reprodução de espaços ur-
cional e acadêmico das instituições integrantes; 2) di- banos e regionais e a produção e reprodução de certos
fusão e imagem da Anpur; 3) articulação de uma agen- processos sociais. Este trabalho vem se desenrolando
da de pesquisa e de influência sobre o poder público; dentro mesmo das atividades da Anpur – nos Encon-
4) articulação do ensino de pós-graduação no sentido tros Nacionais, em demais eventos, e publicações.
de promover uma cooperação interinstitucional; 5) fo- Essa idéia levou-me por sua vez a concluir que a
mento, visando adequar e atualizar a estrutura e fun- força e a importância da Anpur será tanto maior quan-
cionamento da Anpur em dois aspectos: implementa- to mais bem representada estiver dentro dela a comu-
ção de novas formas de sustentabilidade e inovação na nidade multidisciplinar de ensino e de pesquisa que
forma de gestão, mantendo-se a diretoria com a com- constituem o campo dos estudos urbanos e regionais.
posição atual – como pólo de confluência e de irradia- Dada a diversidade disciplinar que caracteriza a sua
ção das propostas das instituições integrantes – e crian- composição, sua força institucional está na capacidade
do-se duas novas formas de organização: Comitês de, mediante a pesquisa e a formação acadêmica de-
Temáticos, constituídos em torno da agenda de proje- senvolvidas nas instituições anpurianas, articular esse
tos, e um Conselho de Representantes como fórum con- campo de conhecimento e travejar com crescente
solidez uma problemática suficientemente rica e consis- estruturação de redes institucionais e de pesquisadores,
tente para estruturar programas de pesquisa e de ensi- formais e/ou informais, permanentes e/ou passageiras
no pós-graduado. Numa associação assim, a convivên- e dentro desta complexa trama de relacionamentos –
cia entre instituições menores e maiores pode propiciar de amplitudes e alcances muito diferentes – a Anpur
uma troca fecunda, um espaço de colaboração, em que deve se posicionar: participando de algumas, estimu-
umas poderão crescer com o apoio de outras. lando outras, dando acolhida e espaço para a expressão
Expus freqüente e sistematicamente essa opinião de outras tantas e criando oportunidades para que seus
em reuniões realizadas em cerca de dez Estados da Fe- associados tomem contato, se informem e decidam em
deração, organizadas a meu pedido por uma institui- que âmbitos dessas relações desejam participar. A ho-
ção local, reunindo representantes das demais associa- mepage e o Encontro Nacional são espaços privilegia-
das/filiadas e também de entidades não-integrantes dos para isso.
especialmente convidadas, com o objetivo de levar a A necessidade de alcançar-se uma autonomia fi-
presença da Anpur e informar sobre suas atividades, nanceira para a Anpur deu origem à proposição do pa-
divulgar a revista e o site eletrônico, atrair colaborado- gamento de anuidades pelas entidades integrantes, de-
res e estimular novas filiações. Quase metade das ins- finindo outro item importante a ser incorporado à
tituições associadas/filiadas à Anpur estão no eixo Rio- pauta de trabalho rotineiro da Diretoria: a programa-
São Paulo, o que reflete a realidade da concentração ção, arrecadação e administração de recursos próprios,
encontrada nessa região do País; creio que trabalhar abrangendo anuidades, assinatura e venda de publica-
para a maior diversificação da composição da Anpur ções, e, eventualmente, o estabelecimento de taxas pa-
(e, por conseqüência, do seu universo e repertório) só ra cobrir custos e viabilizar serviços, como envio postal
trará benefícios. de publicações e outros, a exemplo do que fazem asso-
Ao final da gestão 1999-2001, enviei uma carta a ciações congêneres.
todas as instituições associadas e filiadas à Anpur ten- Entre maio de 1999 e maio de 2001 o universo
do em vista informar os delegados sobre a pauta a ser anpuriano abrangia 33 instituições filiadas/associadas
discutida na Assembléia de 2001. Chamava a atenção e, ao final desse período, outras três se candidataram e
para o fato de que a Anpur havia mudado de patamar entraram – entre elas, a primeira no campo do Direito
no que diz respeito à abrangência de sua atuação e, por Urbano. A Anpur de 1999-2001 tinha o triplo do ta-
conseqüência, à complexidade da sua agenda de traba- manho daquela que Martim Smolka presidiu em
lho. Novos papéis e funções foram criados, passando a 1987-1989. E, se tomarmos o tamanho adquirido pe-
demandar respostas que se efetivam em procedimentos la Anpur na Assembléia de 2001, com o ingresso des-
novos, que para ganhar permanência requerem ser ins- sas três instituições, e o compararmos com aquele exis-
titucionalizados: incorporados às normas e à pauta de tente ao início da gestão de Milton Santos, a partir de
trabalho do corpo administrativo que move os seus vá- junho de 1991, constatamos que em dez anos o núme-
rios âmbitos de atuação, para que sejam desempenha- ro de entidades integrantes aumentou de 20 para 36,
das as novas funções e os novos papéis gerados. perfazendo o espantoso acréscimo de 80%.
Além do Encontro Nacional bienal, cuja organi- O crescimento da pauta de trabalho rotineiro da
zação tradicionalmente mobiliza a energia da Diretoria Anpur produz um acúmulo de tarefas concentradas
e da comunidade, a estrutura anpuriana passou a in- principalmente nas mãos da Presidência e da Secretaria
cluir uma Revista, uma Premiação e uma Homepage – Executiva, que dificulta o desempenho em frentes im-
para programar, financiar, e prover manutenção e con- portantes de trabalho, particularmente na pauta de
tinuidade. O intercâmbio internacional assumiu pro- ação política nos vários âmbitos a que diz respeito uma
porções inéditas na história da Anpur, facilitado pela associação acadêmica como a Anpur. Destaco alguns
comunicação em tempo real via Internet e estimulado campos de discussão e de intervenção para os quais so-
pelo interesse dos associados/filiados em participar e mos chamados ou impelidos a participar:
intervir nos rumos de uma crescente globalização das a) discutir a política nacional de ciência e tecnologia
relações interacadêmicas. com as demais associações científicas, principal-
A comunicação eletrônica abriu caminho para a mente no espaço da SBPC;
b) analisar os programas nacionais de fomento ao en- de fomento ao ensino e à pesquisa e outras agências
sino pós-graduado e criar na Anpur um espaço de e/ou campos de atividades que possam contribuir pa-
discussão, invenção e experimentação de formatos ra o pensamento criativo, a sociabilidade acadêmica e
de cursos multidisciplinares e pluri-institucionais; o não-isolamento da Universidade. A Anpur ampliou
c) estreitar o diálogo entre a Anpur e as agências de fo- em muito esse exercício, como se viu no IX Encontro
mento à pesquisa, alertando para a importância de Nacional, no Rio de Janeiro, e certamente continuará
certos temas, analisando a evolução de bolsas e au- ampliando no futuro.
xílios e lutando por mais recursos para a área; Para a Direção da Anpur no período 1999-2001
d) estreitar o diálogo e a troca de experiências entre a foi fundamental o apoio institucional recebido do Ins-
Anpur e as Associações Nacionais de campos afins tituto de Economia da Unicamp, à época dirigido por
(Anpocs, Anpec, Anpege, Anpad, Abep e outras) e Geraldo Di Giovanni e, no final do período, por Pau-
sociedades científicas das áreas constituintes da An- lo Eduardo de Andrade Baltar; agradeço particular-
pur (geografia, economia, ciências sociais, adminis- mente o apoio de todas as horas dado por Rinaldo Bar-
tração, demografia, arquitetura e urbanismo e ou- cia Fonseca, coordenador em exercício do Nesur-IE/
tras), estabelecendo cooperação e ação comum no Unicamp e diretor associado do Instituto. A Presidên-
encaminhamento de questões que interessam a esses cia da Anpur pôde contar com uma retaguarda sempre
campos de ensino e de pesquisa; segura, incluindo complementação de recursos quando
e) adentrar os espaços de discussão criados pela globa- necessário, e integral apoio administrativo.
lização, inclusive no mundo acadêmico, participan- Também a secretaria executiva teve total apoio da
do de e/ou organizando eventos internacionais e es- Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, con-
tabelecendo pautas de conversação e de cooperação tando com todas as condições necessárias para o me-
com associações congêneres de outras regiões do lhor desempenho do trabalho da Anpur, tanto pela
mundo; ação de sua diretora, Maria Ruth de Amaral Sampaio,
f) pautar discussões nacionais sobre experiências, ne- como da coordenadora do programa de pós-gradua-
cessidades e formatos para políticas públicas de de- ção, Ermínia Maricato, pelo quê expressamos mais
senvolvimento urbano e regional. uma vez o nosso agradecimento.
Nossa resposta a essas demandas ocorreu de for- Para o bom andamento das realizações da Anpur
ma mais ampla ou mais restrita, conforme os recursos nesse período, foi fundamental a experiência e a efi-
de que dispúnhamos na Diretoria e os recursos adicio- ciência de Raquel Martins, que deu suporte adminis-
nais que conseguimos reunir nas diferentes ocasiões em trativo à Secretaria Executiva desde dezembro de 1999,
que isto se fez necessário. Fizemos sempre o melhor assim como a criatividade e iniciativa de Camila de Al-
possível, dentro das circunstâncias objetivas da realida- meida, estagiária do curso de economia que a direção
de; procuramos sempre extrair o melhor proveito das do Instituto de Economia pôs à disposição da presi-
circunstâncias e lidar com obstáculos e dificuldades de dência da Anpur.
modo a aprender com os erros e transformar os revezes Sou muito grata a Yvonne Mautner pela eficiente
em oportunidades. e calorosa colaboração prestada na segunda metade da
Os novos âmbitos de atuação desenvolvidos, as- gestão e, especialmente, por ter se disposto a assumir a
sociados às novas tecnologias de comunicação, am- Secretaria Executiva de repente, sem ter se preparado
pliaram sobremaneira a presença social da Anpur. Ao para isso. Aos Diretores, agradeço a participação na
importante papel de fórum público, onde o conheci- realização do que foi proposto e as oportunas opiniões
mento produzido se expõe à crítica e à divulgação, em e sugestões que frequentemente me deram; e, particu-
que a Anpur constitui ponto de convergência para larmente, a Henri Acselrad, pelo belíssimo Encontro
pesquisadores, professores e estudantes, somam-se no- por que foi responsável.
vos papéis, que se desdobram do fato de a Anpur ser A Anpur se move – e cresce – pela ação voluntá-
– e assumir isso – o local mais próprio para o encon- ria dos seus integrantes. Ao longo das próximas pá-
tro entre pesquisadores, professores e estudantes em ginas o leitor poderá ver o enorme número de pessoas
redes de pesquisa, sociedades científicas, instituições que fez acontecer e participou das atividades aqui
relatadas. Num período como o dos últimos anos, em nomes de pessoas interessadas em manter-se infor-
que as pessoas que se ocupam do mundo acadêmico madas sobre as atividades da Anpur, o qual permite
estão de modo geral sobrecarregadas de trabalho, che- estimar a abrangência da influência institucional da
ga a ser espantosa a quantidade de esforço dedicado Associação.
por elas às realizações nos vários âmbitos da Anpur. Is- c) Articulação de uma agenda de pesquisa e de influên-
to só pode ser justificado pela importância que a An- cia sobre o poder público. Aqui foram desenvolvidas
pur exerce no seu campo de atividades e pelo amor que atividades de natureza diferente: o seminário nacio-
as pessoas dedicam a esta Associação. Por essas razões, nal “Regiões e Cidades, Cidades nas Regiões – a es-
foi uma honra e um privilégio ter tido a oportunidade pacialidade do desenvolvimento brasileiro”, organi-
de dirigi-la. E a todos que colaboraram com nossa ges- zado pela Diretoria em seis sessões regionais; a
tão e me apoiaram quando foi preciso, dedico profun- participação da Anpur no Comitê Nacional Istam-
do agradecimento e a minha mais sincera homenagem. bul+5, encarregado de preparar o documento na-
Vejamos então o balanço do que foi realizado pe- cional para a participação do Brasil na reunião espe-
la Diretoria 1999-2001 com relação a cada um dos cial da ONU dirigida a avaliar a implementação da
grandes projetos prioritários propostos no Plano de agenda Habitat nos países nela representados; a or-
Ação aprovado na Assembléia de 1999. Em seguida ganização e realização do IX Encontro Nacional da
são apresentadas em detalhes as realizações menciona- Anpur; os eventos realizados por instituições asso-
das, além de outras não previstas no Plano de Ação ciadas/filiadas com o apoio da Anpur e que com-
1999-2003. põem uma agenda anpuriana já tradicional.
d) Articulação do ensino de pós-graduação para promo-
IMPLEMENTAÇÃO DO PLANO ver a cooperação interinstitucional. Este projeto in-
DE AÇÃO 1999-2003 cluiu a tentativa de organizar um programa de coo-
peração interinstitucional nacional apoiado no
a) Difusão e imagem da Anpur. As realizações referen- Procad (Capes) e a organização e realização do IV
tes a este projeto incluem a consolidação da Revista Encuentro de Posgrados sobre Desarrollo y Politicas
Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais e do Prê- Territoriales y Urbanas de los Países del Cono Sur,
mio Brasileiro “Política e Planejamento Urbano e ocorrido dentro do IX ENA.
Regional”, o projeto e lançamento da homepage, a e) Atualização da estrutura e funcionamento da Anpur.
criação de novo logotipo, a publicação dos Anais do No que diz respeito a inovações na forma de gestão
VIII e do IX ENA e a preparação de livro com os da Anpur, foi dado início um Comitê de Intercâm-
textos do seminário “Regiões e Cidades, Cidades bio Internacional, foi constituído um Comitê de
nas Regiões”. Assessoria e Apoio Executivo à Presidência e à Se-
b) Mapeamento institucional e acadêmico das institui- cretaria, e estruturado o Conselho de Representan-
ções integrantes. Foi veiculado dentro do site tes que havia sido aprovado na Assembléia de 1999
www.anpur.org.br o mapeamento das 33 institui- para constituir um fórum consultivo.
ções filiadas/associadas à Anpur, organizado segun- f) Fomento. Os recursos que passaram a ser recolhidos
do os Estados/regiões do País e as áreas em que mediante pagamento de anuidades pelas entidades
atuam na formação acadêmica e em pesquisa. A ser associadas/filiadas, conforme proposta do Plano de
ampliado e aprimorado nas próximas gestões, in- Ação aprovada na Assembléia de 1999, vieram con-
cluiu informações relativamente simples mas sufi- trabalançar relativamente a perda de amplitude do
cientes para identificar a Anpur como uma associa- apoio financeiro dado tradicionalmente à Anpur
ção que reúne uma diversidade de especializações pela Finep, que teve funções e objetivos redireciona-
acadêmicas e se define pela articulação de um cam- dos pelo MCT para o campo empresarial e, com is-
po de conhecimento científico – teórico e aplicado so, restringiu o financiamento à área acadêmica. A
– sobre o desenvolvimento urbano e regional e seu venda de revistas passou a constituir outra nova
planejamento. Foi criado também um cadastro in- fonte de recursos, embora insuficiente para a manu-
formatizado abrangendo cerca de mil e setecentos tenção da publicação. Uma prioridade da Diretoria
1999-2001 foi trabalhar para conseguir fontes per- Novembro de 2000. Nesta fase inicial, a prioridade es-
manentes de financiamento para a Revista Brasilei- sencial foi criar e manter um fluxo de trabalho contí-
ra de Estudos Urbanos e Regionais e para o Prêmio nuo entre autores, editora e conselho editorial visando,
Brasileiro “Planejamento Urbano e Regional”. Os antes de mais nada, consolidar a revista. Há muito ain-
recursos para realizar o IX Enanpur e o seminário da que fazer: indexá-la, estabelecer permutas de índices
nacional “Regiões e Cidades, Cidades nas Regiões” com outros periódicos (conforme feito com EURE no
foram, como de costume, solicitados às instituições número 2), estudar uma política em relação ao meio
de fomento ao ensino e à pesquisa. eletrônico (vide SciELO, portal de periódicos Capes),
ampliar assinaturas e vendas etc.
REVISTA BRASILEIRA Gradualmente foi sendo organizado um sistema
DE ESTUDOS URBANOS inicial de distribuição, abrangendo doação a bibliote-
E REGIONAIS cas para divulgação, campanha de assinaturas, distri-
buição às instituições filiadas/associadas para venda,
Quando nossa Diretoria tomou posse, em maio criação de pontos de venda em livrarias dentro e fora
de 1999, tinha acabado de ser lançado o primeiro nú- dos campi universitários, venda em eventos, estímulo à
mero da revista e tudo o mais estava por ser feito. In- organização de lançamentos dos novos números em di-
vertendo-se os papéis, Norma Lacerda, a ex-presidente ferentes cidades, tendo ocorrido vários por iniciativa
responsável pelo lançamento da revista, foi convidada dos membros da Diretoria e da comissão editorial. Fi-
a assumir o cargo de editora responsável. A revista pas- cou também decidido que ex-presidentes e ex-secretá-
sou a ficar sediada no MDU/UFPE, foi mantida a rio/as executivo/as têm direito a sempre receber um
mesma comissão editorial e criado o cargo de editora exemplar de cada número da Revista Brasileira de Estu-
assistente, assumido por Lúcia Leitão. dos Urbanos e Regionais, como uma retribuição simbó-
A Revista Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais lica da Anpur ao que deram de si a ela os seus ex-diri-
foi registrada no Ibict e ganhou seu ISSN. Durante a gentes – o que fizemos com os números 1, 2 e 3 e a
gestão de nossa Diretoria vieram a público os números nova Diretoria da Anpur continuou a fazer, ao distri-
2 e 3, estando o número 4 pronto em maio de 2001, buir a edição número 4.
apenas aguardando a liberação dos recursos pedidos ao A Revista Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais
CNPq para ser impresso.3 Nesse período a Revista Bra- nesse período foi editada em Recife, mas produzida em
sileira de Estudos Urbanos e Regionais foi classificada pe- São Paulo e distribuída pela Secretaria Executiva – es-
la Capes na categoria nacional nível A e incluída na lis- sa foi a solução possível, temporariamente convenien-
ta Qualis da área de Planejamento Urbano e Regional. te, mas que deve ser reestudada pelas Diretorias futu-
A norma do CNPq é somente financiar revistas ras tendo em vista alcançar uma solução mais
cuja circulação já se mostrou estável e, portanto, provi- permanente e profissional.
denciamos o financiamento dos três primeiros números Na ocasião do IX Encontro foi pedido à Comis-
– com recursos Finep oriundos da gestão anterior e com são Editorial que fizesse uma avaliação do regimento
recursos negociados com o Lincoln Institute of Land interno da revista, com base nesses primeiros dois anos
Policy nas duas gestões – antes de solicitar recursos. de experiência. Ficou estabelecido pela Assembléia de
A criação da Revista Brasileira de Estudos Urbanos 2001 que decisões sobre o funcionamento da revista
e Regionais só foi realmente completada ao finalizar-se poderão ser tomadas no âmbito da própria revista, não
a composição do seu conselho editorial, amplo e repre- precisando ser submetidas à aprovação da Assembléia.
sentativo, criado mediante a indicação de nomes pelas Nessa oportunidade, a editora Norma Lacerda pediu
instituições integrantes da Anpur, e que passou a fazer afastamento do cargo devido a uma sobrecarga de
parte dos créditos da revista a partir do número 3 – compromissos profissionais e, para substituí-la, foi no-
meado Marco Aurélio Filgueiras Gomes como novo
3 O número 4 da Revista Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais editor da Revista Brasileira de Estudos Urbanos e Regio-
acabou sendo impresso com recursos que havíamos deixado em cai-
xa para a próxima gestão, conforme decisão tomada em comum com
nais, que, com isso, teve sua sede transferida para a Fa-
a nova Diretoria, no período de transição entre uma e outra. culdade de Arquitetura da UFBa.
por iniciativa dos organizadores do evento, numa pri- Unicamp, em Campinas, onde também se realizou a
meira e feliz aplicação da marca. reunião do júri para a escolha dos premiados. A secre-
taria ficou a cargo de Camila de Almeida, que aprovei-
CADASTRO tou essa oportunidade para dar grande impulso à estru-
Com a generalização do uso de correio eletrôni- turação e alimentação do cadastro da Anpur.
co, foi necessário reorganizar o cadastro de pessoas in- O edital foi publicado no Diário Oficial da
teressadas em manter proximidade à Anpur, pelo regis- União em 1º de dezembro de 2000 e as inscrições se
tro sistemático de informações em todo e qualquer encerraram em 31 de janeiro de 2001, após ampla di-
contato estabelecido entre a Anpur e o público: lança- vulgação – uma vez no início e outra no fim desse pe-
mentos da revista, listas de presença nos eventos reali- ríodo – através de mensagens eletrônicas (informando
zados, distribuição da revista, inscrições para o Prêmio, e pedindo divulgação) enviadas para: todas as institui-
resumos enviados para o IX ENA e, de modo geral, na ções filiadas e associadas; aos cerca de 800 inscritos no
ocasião de qualquer pedido de informação sobre ativi- IX ENA; às instituições filiadas à Anpocs, Anpec e An-
dades da Anpur. pege; à Abep, Ancib e SBPC; à Fundap, ao Seade e de-
Chegou-se a pouco mais de 1.700 nomes, e a mais instituições congêneres; aos cursos da área urbana
atualização do cadastro pode passar a ser feita no site e regional das principais universidades do País encon-
da Anpur. trados via Internet; aos jornais eletrônicos da SBPC e do
CPDOC/FGV; ao Prossiga/CNPq; a alguns veículos im-
REUNIÕES DE INFORMAÇÃO SOBRE A ANPUR pressos da grande imprensa diária e da imprensa uni-
Em todos os deslocamentos da Presidência no versitária.
território nacional foi pedido previamente a uma insti- Foram inscritos 67 trabalhos, assim distribuídos:
tuição da região visitada que organizasse uma reunião 14 livros, 15 teses de doutorado, 26 dissertações de
convidando representantes das instituições locais filia- mestrado e 12 artigos. O total de inscrições correspon-
das/associadas e, também, representantes de institui- de a cerca de cinco vezes o número de trabalhos inscri-
ções não-integrantes mas interessadas em conhecer tos na primeira edição do Prêmio, em 1998. Os jura-
mais de perto a Anpur. dos reuniram-se durante dois dias em Campinas, nas
Foram feitas reuniões assim em Belém, São Luiz, dependências do Instituto de Economia da Unicamp,
Natal, Recife, Salvador, Brasília, Florianópolis, Rio de e em 26 de abril de 2001 a presidente do júri informou
Janeiro e São Paulo, das quais resultou a troca de infor- à presidência da Anpur o resultado da premiação.
mações e o revigoramento de laços entre a Anpur e Os prêmios foram anunciados por carta aos res-
seus integrantes, a reaproximação com instituições que pectivos ganhadores e em 30 de maio de 2001, dentro
haviam se distanciado da Anpur e, também, a organi- do IX ENA, foram entregues em solenidade pública os
zação do seminário “Regiões e Cidades, Cidades nas certificados aos premiados: “A Ordem Urbana Walra-
Regiões”. so-Thütneniana e suas Fissuras: o Papel da Interdepen-
dência nas Escolas de Localização”, de Pedro Abramo,
II PRÊMIO BRASILEIRO “POLÍTICA E na categoria Artigo; “Formas Urbanas. Cidade Real &
PLANEJAMENTO URBANO E REGIONAL” Cidade Ideal. Contribuição ao Estudo Urbanístico de
Foi conferida pela segunda vez a premiação, ago- Salvador”, de Antonio Heliodório Lima Sampaio, na
ra dentro do Encontro Nacional da Anpur. Integraram categoria Livro; Menção Especial de Livro a “Desequi-
o júri os professores Clélio Campolina Diniz líbrios Regionais e Concentração Industrial no Brasil
(UFMG), Luiz Antonio Machado da Silva (Iuperj), (1930-1995)”, de Wilson Cano; divisão do Prêmio de
Maria Adélia Aparecida de Souza, que o presidiu (Uni- Dissertação de Mestrado entre “A Experiência da Auto-
camp/USP), Pasqualino Magnavita (UFBA), Wrana gestão em Ipatinga: uma busca pelo Conceito”, de Al-
Maria Panizzi (UFRGS) e, como suplente, Murilo fio Conti, e “Largo da Misericórdia”, de Jacques Sillos
Marx (USP). de Freitas; divisão do Prêmio de Tese de Doutorado en-
A organização desta atividade ficou diretamen- tre “Espaços Metropolitanos em Tempos de Globaliza-
te subordinada à presidência e sediada no Nesur-IE/ ção: um Estudo de Caso sobre o Rio de Janeiro”, de
Glauco Bienenstein, e “Os Rumos da Cidade: Urba- encaminhada para a próxima Diretoria a indicação dos
nismo e Modernização em São Paulo”, de Cândido nomes de Mauricio de Abreu e de Murilo Marx (este
Malta Campos Neto. último, suplente em 2001, para titular em 2003).
A avaliação das duas premiações mostrou a neces-
sidade de adequar à prática o regulamento do Prêmio. SEMINÁRIO NACIONAL
A experiência mostrou duas ordens de problemas: a) é “REGIÕES E CIDADES,
muito trabalhoso e instável ter que providenciar finan- CIDADES NAS REGIÕES: A
ciamento a cada premiação – é preciso encontrar uma ESPACIALIDADE DO DESEN-
solução mais permanente, que tenha continuidade VOLVIMENTO BRASILEIRO”
gestão após gestão; b) o regulamento aprovado em
1997 é muito aberto, e omisso em pontos importantes Partindo do princípio de que é papel da Anpur
– é preciso revê-lo. Além dessa avaliação da diretoria, posicionar-se em sua área de competência acadêmica e
foi também pedido aos jurados discutir a adequação formular uma agenda alternativa para a proposição do
do regulamento. desenvolvimento regional e urbano nacional, o Semi-
No que diz respeito a recursos, seguindo o que foi nário visou os seguintes objetivos:
feito quando da primeira edição do Prêmio, foram fei- a) analisar a dinâmica espacial do desenvolvimento
tas gestões junto à Secretaria de Desenvolvimento Ur- brasileiro, integrando as dimensões urbana e regio-
bano da Presidência da República (SEDU) para o finan- nal;
ciamento da premiação. Além disso, foi feita uma b) discutir o desenvolvimento urbano-regional numa
consulta à vice-presidente do CNPq, Alice Paiva abordagem multidisciplinar;
Abreu, sobre a possibilidade de concessão de prêmios c) preparar e realizar uma reunião nacional que cons-
pelo CNPq em créditos abertos aos ganhadores, na trua uma referência para a formulação de propostas
forma de bolsa ou auxílio em categorias diversas, como de desenvolvimento e planejamento urbano-regio-
um procedimento a ser institucionalizado e que vales- nal;
se para as premiações futuras. Nesta segunda edição do d) fortalecer o papel da Anpur como criadora de um
Prêmio Brasileiro, a reunião do júri acabou sendo rea- espaço de interlocução a respeito das questões urba-
lizada mediante o apoio financeiro do Nesur-IE/Uni- na e regional;
camp e a premiação e pró-labore aos jurados foram in- e) estimular a filiação à Anpur de entidades afins, de
corporados ao orçamento do IX Encontro Nacional. modo que ela venha de fato a representar todo o
Na Assembléia Geral da Anpur, em 2001, ficou universo de instituições de ensino e/ou pesquisa
aprovada a criação de um Grupo de Trabalho para, em atuantes no campo dos estudos urbanos e regionais;
um tempo determinado, propor a reformulação do re- f) discutir os “Eixos Nacionais de Integração e Desen-
gulamento do Prêmio Brasileiro “Política e Planeja- volvimento” propostos nos programas “Brasil em
mento Urbano e Regional”, levando em conta as su- Ação” e “Avança Brasil”, estratégia espacializada de
gestões de mudança elaboradas pelo júri do II Prêmio desenvolvimento do governo federal.
(2001) e a possibilidade aberta pela vice-presidente do O Seminário teve cinco sessões regionais e uma
CNPq, quando consultada, de serem estudadas alter- conclusiva nacional, todas realizadas sob o mesmo tí-
nativas para a concessão de prêmios em créditos aos tulo geral e discutindo o temário proposto no projeto.
ganhadores, na forma de bolsas ou outras categorias de Foram sugeridas algumas questões gerais de referência:
auxílio disponíveis no CNPq. quais as questões consideradas cruciais, hoje, nos
A Assembléia também autorizou a Diretoria a estudos (urbanos, regionais, urbano-regionais) desen-
proceder às mudanças que julgar necessárias e adequa- volvidos nas instituições da região? Quais os possíveis
das no regulamento do Prêmio Brasileiro “Política e impactos (nacionais e regionais) dos Eixos Nacionais
Planejamento Urbano e Regional”, assim como a esco- de Integração e Desenvolvimento? Qual a importância
lher os jurados, sem que seja necessário submeter essas estratégica dos investimentos nele indicados tendo
decisões à aprovação pela Assembléia, alterando deste em vista os principais problemas e prioridades regio-
modo o que era determinado pelo regulamento. Foi nais? Que questões deveriam ser contempladas na
formulação de uma política regionalizada de desenvol- sentido de ser retomada a organização de seminários
vimento para o Brasil? temáticos regionais.
Foram propostas questões específicas, para balizar Concluindo o circuito desta atividade, está sendo
essa discussão indicada acima: que urbano e que regio- produzida a publicação da coletânea Regiões e cidades,
nal? – questão que se desdobra em outras: que critérios cidades nas regiões: o desafio urbano-regional brasileiro,
e escalas de região são importantes/adequados, hoje, organizada por M. F. Gonçalves, C. A. Brandão e A. C.
para apreender as dimensões mais significativas das se- Galvão, cujo lançamento deverá ocorrer no X Encon-
melhanças/diferenças naturais e construídas no espaço tro Nacional da Anpur, em Belo Horizonte, numa co-
social brasileiro? Que escalas de urbano são mais signi- edição Anpur/Editora da Unesp.
ficativas (e importantes de serem estudadas) nas dife- O Seminário foi realizado com recursos da Finep,
rentes macrorregiões brasileiras? Como se articulam CNPq e Fapesp, contando também com o apoio das
urbano e regional na dinâmica espacial da região? E, instituições que organizaram as sessões regionais. O li-
por consequência, que planejamento? – o que envolve vro está sendo produzido com apoio financeiro do
conclusões evidentes de imediato e questões a serem CNPq e da Finep, que deste modo colaboram para a
investigadas e aprofundadas. divulgação mais ampla dos resultados do evento cuja
A propósito dessas indagações, aplicadas em maior realização financiaram.
ou menor medida às especificidades regionais, desen-
volveram-se as discussões nas seis sessões realizadas: EVENTOS COM
Sessão Centro-Oeste, na UnB, Brasília, em 10 e 11 de APOIO DA ANPUR
julho de 2000, dentro da 52ª Reunião Anual da
SBPC, organização de Frederico de Holanda e Ma- Encontro com a Planners Network: Planejadores
rília Steinberger; urbanos e justiça social – São Paulo (SP), 10 de dezem-
Sessão Sul, na UFSC, Florianópolis, em 17 e 18 de ju- bro de 1999, promoção de núcleos de pesquisa e pro-
lho/2000, dentro do XII Encontro Nacional dos gramas de ensino pós-graduado em Arquitetura e
Geógrafos, organização de Cássio Rolim (Anpur) e Urbanismo da USP, PUCCAMP, USP-São Carlos e Mac-
Sérgio Martins (AGB); kenzie e das entidades Unitrabalho, Nepur-PUCSP,
Sessão Norte/Nordeste, na UFBa, Salvador, em 4 e 5 de NHDU-Unitau, Fenea-SP e Anpur; organização de Er-
dezembro de 2000, organização de Ana Fernandes; mínia Maricato, João Sette Whitacker Ferreira e Ma-
Sessão Sudeste/MG, na UFMG, Belo Horizonte, organi- riana Fix.
zação de Clélio Campolina Diniz e Geraldo Mage- VIII Colóquio Internacional sobre o Poder Local –
la Costa, em 22 de dezembro de 2000; Salvador (BA), 9 a 11 de dezembro de 1999, promo-
Sessão São Paulo, na FAU/USP, organização de Carlos ção do Nepol/UFBA, coordenação de Tânia Fischer.
Antônio Brandão, desdobrada em duas reuniões: a IX Congresso Ibero-Americano de Urbanismo –
primeira em 10 de novembro de 2000 e a segunda Recife (PE), 27 a 30 de novembro de 2000, promoção da
em 23 de março de 2001; Prefeitura do Recife, Governo do Estado de Pernambu-
Sessão conclusiva nacional: “O desafio urbano-regional co, Associación Española de Tecnicos Urbanistas, As-
na construção de um projeto de nação”, no IE/ sociação dos Urbanistas Portugueses e apoio do MDU/
Unicamp, Campinas, em 5 e 6 de abril de 2001, or- UFPE, IBAM, IAB, Fundarpe, Emprel, além da Anpur.
ganização de Carlos Antônio Brandão e Antônio VI Seminário de História da Cidade e do Urbanis-
Carlos Galvão e colaboração de Nádia Somekh, mo – Natal (RN), 24 a 27 de outubro de 2000, pro-
com a participação de representantes dos seminá- moção da FAU/UFRN e MDU/UFPE, coordenação de Sô-
rios regionais e outros cientistas sociais convidados. nia Marques.
Oficina: Metodologias de Avaliação de Projetos
A organização deste Seminário satisfez também à de Desenvolvimento Local (Programa de Desenvolvi-
demanda de diversas instituições associadas/filiadas, mento Local e Gestão Social) – Salvador (BA), 5 a 7 de
expressa na reunião para o Plano de Ação realizada em fevereiro de 2001, promoção do Nepol/UFBA, coorde-
São Paulo, e reiterada no Encontro de Porto Alegre, no nação de Tânia Fischer.
em três volumes, e foram entregues a todos os partici- na: desafios éticos e legais” e “As políticas urbanas e
pantes no momento de sua inscrição no Encontro.6 habitacionais e o Estatuto da Cidade”. As conferências
A Comissão Científica concluiu a seleção dos tra- de abertura e de conclusão do Encontro foram pro-
balhos a serem apresentados no IX ENA após dois dias nunciadas por Bishwapryia Sanyal, chefe do Departa-
de reunião, em que esteve presente também a diretoria mento de Planejamento Urbano e Regional do Massa-
da Anpur. A seleção foi feita a partir da leitura de có- chussetts Institute of Technology, e por Eric
pias sem menção de autoria. A autoria dos trabalhos Swyngedouw, do Departamento de Geografia da Uni-
não selecionados foi mantida desconhecida mesmo pa- versidade de Oxford.
ra a própria comissão científica. Desde a primeira reunião para a organização do
Somente após a escolha dos trabalhos foram veri- IX Encontro, realizada no Ippur/UFRJ em março de
ficados os nomes dos autores dos textos selecionados; 2000, ficou assente a perspectiva de que o Encontro
aplicou-se então a norma definida pela comissão orga- Nacional da Anpur deve ser não só um encontro aca-
nizadora, segundo a qual um mesmo autor só poderia dêmico mas um grande momento de encontro nesse
ter dois trabalhos aprovados para apresentação oral campo de ensino e pesquisa, isto é, um espaço de tro-
unicamente no caso de um deles ser em co-autoria. Pa- ca de informações, de explicitação de interesses, de
ra os trabalhos selecionados para apresentação sob a estabelecimento de parcerias, de ampliação de perspec-
forma de poster, não houve restrição ao número de tra- tivas, de convergência para todas as redes instituciona-
balhos aprovados por autor. Durante o Encontro, a co- lizadas e informais de pesquisadores e, se possível, de
missão científica selecionou o melhor poster por sessão oportunidade de comunicação entre representantes das
temática, que recebeu um certificado. sociedades científicas de todos os campos disciplinares
A seleção dos trabalhos teve por base critérios re- presentes na Anpur – a qual, por sua multidisciplina-
lativos à qualidade e caráter inovador dos textos, assim riedade é, por excelência, um espaço para a descoberta
como à sua capacidade de favorecer o debate. Sem dú- de afinidades e troca de experiências entre diferentes.
vida, dado o grande número de trabalhos apresentados, Nesta perspectiva, a Anpur deu início à organiza-
muitos textos de boa qualidade não puderam ser incluí- ção do Encontro já contando com acolher, dentro do
dos. O conjunto dos textos encaminhados permitiu, seu espaço, redes de pesquisa com relações já estabele-
porém, a configuração de um amplo panorama da pes- cidas com a Anpur, como a Planners Network e a Red
quisa sobre Planejamento Urbano e Regional, ajudan- Iberoamericana de Investigadores sobre Globalización
do os membros da comissão científica a produzir os ba- y Territorio.
lanços do estado da arte, para as respectivas sessões Tradicionalmente, o Encontro Nacional tem sido
temáticas, que foram incluídos nos Anais do Encontro. uma oportunidade para estreitar laços com instituições
O IX Encontro contou, ainda, com seis mesas re- congêneres de outros países, particularmente das
dondas, voltadas para a discussão de questões atuais Américas. Desta vez, o IX Encontro ofereceu excelente
da conjuntura nacional: “Violência nas cidades – di- oportunidade para a ampliação dos laços de intercâm-
mensões socioespaciais e sanitárias”, “Desenvolvimen- bio internacional, fazendo o contato entre as institui-
to regional e sistemas locais de inovação”, “Os eixos ções amigas latino-americanas ou a norte-americana
continentais de integração e as implicações territoriais ACSP, que vêm frequentando os nossos Encontros, com
da Alca”, “A pós-graduação e a política de fomento ao representantes de outras associações congêneres reuni-
ensino e à pesquisa”, “Terra urbana na América Lati- das no percurso de conversações para uma articulação
internacional, a ser formalizada na ocasião do 1º Con-
6 Uma síntese das principais questões que motivaram os trabalhos gresso Mundial de Escolas de Planejamento (I World
selecionados para o IX Encontro, sob o título “Pensamento e ação so- Planning Schools Congress) programado para Shan-
bre o território – um balanço reflexivo do IX Encontro Nacional da An-
pur”, foi publicada na seção “eventos” da revista Pós número 10, de- gai, China, em julho de 2001.
zembro de 2001 (revista do programa de pós-graduação em Deste modo, várias atividades dentro do IX En-
Arquitetura e Urbanismo da FAU/USP), preparada por Henri Acselrad,
coordenador da comissão organizadora, tendo por base a leitura que contro desempenharam um papel articulador. Na for-
deles fizeram os próprios membros da comissão científica, expressa
nos textos introdutórios a cada Sessão Temática nos Anais do IX En-
ma de mesas redondas formais, desenvolveram-se arti-
contro Nacional da Anpur. culações em que a Anpur está diretamente envolvida:
a) a mesa redonda internacional organizada e coorde- sitária José Bonifácio (UFRJ), da FAU/USP e do Nesur-
nada pela Anpur para discutir o tema “Em direção ao IE/Unicamp.
século XXI: a nova agenda urbana”, reunindo repre-
sentantes da ACSP (EUA), Universidad de los Andes RELAÇÕES INTERNACIONAIS
(representando a associação colombiana e a América
Latina), AESOP (Europa), ASRDLF (França) e An- A existência de um conjunto de demandas rela-
pur, em que o representante da AESOP era também o cionadas ao exterior do país sugeria a necessidade de se
coordenador do Comitê Organizador do Congresso organizar um grupo de assessoria que ajudasse a Dire-
Mundial de Shangai; b) as duas mesas redondas que toria da Anpur a unificar e organizar suas relações ex-
integraram o IV Encuentro de Posgrados sobre Desar- ternas. Essas demandas eram: a proximidade da reu-
rollo y Políticas Territoriales y Urbanas de los Países del nião da ACSP no ano 2000, o início da organização do
Cono Sur, promoção conjunta da Anpur e da Red Ibe- World Planning Schools Congress (Shangai, julho de
roamerica de Investigadores en Globalización y Terri- 2001), a situação irresoluta do Prêmio Latino-Ameri-
torio, organizado por Rosélia Piquet (UFRJ) e Angela cano (aprovado pela Assembléia da Anpur de 1997
Penalva Santos (UERJ) e realizado nas manhãs dos dias mas não implantado por dificuldades operacionais), e
30 e 31 de maio.7 o compromisso assumido com a Red Iberoamericana
Muitas das sessões livres consistiram em encon- de Investigadores en Globalización y Territorio de or-
tros entre redes de pesquisa formais e informais: reu- ganizar, no Brasil, o IV Encuentro de Posgrados sobre
nindo pesquisadores latino-americanos e europeus em Desarrollo y Políticas Territoriales de los Países Del
torno de temas como políticas urbanas comparadas e Cono Sur.
transformações na América Latina e Europa relaciona- Em carta de 12 de maio de 2000, foi feito um
das à globalização; reunindo pesquisadores brasileiros convite formal a Carlos Vainer, que quando presiden-
em torno de temas tão diversos como a articulação en- te da Anpur tinha desenvolvido iniciativas nessa dire-
tre pesquisadores, ativistas e planejadores urbanos no ção, para que “ajudasse a estruturar de modo mais per-
Brasil, estudos lefebvrianos, o urbanismo modernista manente dentro da Anpur o campo das atividades de
no Brasil, metrópoles, população e meio ambiente, re- intercâmbio internacional, assumindo a função de
presentações do espaço, a pesquisa ligada ao meio ele- pensar, propor e discutir com esta Diretoria o embrião
trônico, e outros. de um Comitê de Intercâmbio Internacional, a ser im-
O IX Encontro incluiu ainda duas reuniões do plantado ainda nesta gestão”.
conselho de representantes criado na Assembléia de Dada a premência de tempo com que os aconte-
1999, uma reunião da comissão editorial da Revista cimentos foram exigindo respostas e soluções, um co-
Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais e a atribuição mitê propriamente não foi constituído, mas a ativida-
do Prêmio Brasileiro “Planejamento Urbano e Regio- de seguiu em frente: Carlos Vainer assumiu o papel de
nal”; além de, como de costume, a realização da As- representante da Anpur em relações internacionais e,
sembléia Geral da Anpur. nessa qualidade, organizou, junto com a Diretoria, a
Este Encontro Nacional da Anpur foi realizado participação da Anpur no Congresso Mundial de
com o apoio financeiro do BNDES, Caixa Econômica Escolas de Planejamento (I World Planning Schools
Federal, Capes, CNPq, Finep, Lincoln Institute of Congress) programado para ser realizado em Shangai,
Land Policy, Ministério da Ciência e Tecnologia, Mi- na China, de 11 a 15 de julho de 2001, organizado
nistério da Saúde, Prefeitura do Rio de Janeiro, Secre- por quatro associações: a norte-americana ACSP, a eu-
taria do Desenvolvimento Urbano da Presidência da ropéia AESOP, a asiática APSA e a australiana e neo-ze-
República, Faperj e fundações estaduais de fomento à landesa ANZAPS.
pesquisa. Contou também com o apoio administrati- Estabeleceu-se intensa correspondência eletrônica
vo e institucional do Ippur/UFRJ e Fundação Univer- entre a Anpur e várias instituições congêneres de ou-
tras partes do mundo; duas reuniões da diretoria da
7 Mais detalhes podem ser encontrados na programação do IX Encon-
tro Nacional da Anpur – Ética, planejamento e construção democrática
Anpur foram realizadas no Rio de Janeiro e parcial-
do espaço, Rio de Janeiro 28 de maio a 1 de junho 2001. mente dedicadas à discussão do posicionamento da
Maranhão sob a coordenação geral de Raquel Rolnik e recursos em sua própria instituição. Os membros do
supervisão da secretária executiva da Anpur Yvonne Comitê Nacional assumiram a coordenação ou relato-
Mautner, consistindo num dia inteiro de discussão da ria das sessões temáticas do workshop e a presidente da
versão preliminar do Relatório Nacional Brasileiro Is- Anpur foi relatora da discussão sobre o tema “Desen-
tambul+5. Para que a Anpur pudesse estar presente e volvimento Social e Erradicação da Pobreza”. Estive-
atuante nesse processo de avaliação, foi solicitado às ram presentes no workshop por indicação da Anpur,
instituições anpurianas que mobilizassem seus inte- além da sua presidente: Raquel Rolnik, Eva Samios,
grantes para participar de duas formas: 1) ou direta- Roque Laraia (presidente da Anpocs), Eduardo Rios
mente na Jornada Istambul+5, juntamente com repre- Neto (presidente da Abep).
sentantes de ONGs e outras entidades da sociedade civil O texto final viria a ser o documento oficial do
convidadas pelo Fórum da Reforma Urbana e pela governo brasileiro com normas e proposições para o
Conam, co-organizadores do evento; 2) ou apontando desenvolvimento urbano. Levando isso em conta, os
questões/problemas/posicionamentos a respeito dos representantes da sociedade civil, como a Anpur, o
cinco temas (Moradia, Gestão Ambiental, Governan- Conam, a Fase, o Fórum Nacional de Reforma Urba-
ça, Relações Internacionais e Desenvolvimento Social) na, o IAB, o Ibam, a Federação dos Prefeitos e outros,
tratados no documento. trabalharam principalmente para o avanço político no
O texto-base (versão de 19 de março) foi enviado conteúdo do capítulo de estratégias e propostas, tendo
a todas as entidades, com o pedido de que assinalassem em vista constituir uma agenda formal para a ação po-
os devidos reparos ao documento, para que a Direção lítica futura. As sucessivas versões preliminares do Re-
da Anpur os considerasse em suas intervenções futuras latório Nacional foram enviadas para as instituições as-
no âmbito do Comitê Nacional. A professora Raquel sociadas/filiadas e ficaram disponíveis para análise e
Rolnik coordenou esta consulta e colaborou com a Di- download na homepage da Anpur. O documento final
retoria na sistematização das contribuições recebidas, incorporou as propostas previamente preparadas, refe-
tendo preparado, juntamente com Grazia de Grazia ridas acima, que foram encaminhadas nos subgrupos
(Fase e FNRU) e Nelson Saule (Polis e FNRU), o docu- temáticos dentro do workshop.
mento que orientou a intervenção da Anpur e de ou- Dado o amplo espectro de posições teóricas e po-
tros representantes da sociedade civil no workshop or- líticas existentes dentro da Anpur e o prazo muito cur-
ganizado pelo Comitê Nacional em Brasília, para to disponível para que se trabalhasse na elaboração do
consulta mais ampla à sociedade civil, realizado em 17 documento, a firmeza de posição da Anpur resultou
e 18 de abril de 2001 com cerca de 80 participantes. em negociação no sentido de ser o Relatório Nacional
A Diretoria da Anpur convidou os seguintes pes- Brasileiro aprovado pelo Comitê Nacional com a res-
quisadores, de instituições associadas/filiadas, para salva de que “os representantes das instituições que in-
representá-la na discussão dos temas tratados no work- tegram o Comitê Nacional Istambul+5 concordam
shop em Brasília: Ana Fernandes, FAU/UFBA, (Coopera- com o teor geral do documento mas não necessaria-
ção Internacional); Carlos Bernardo Vainer e Adauto mente com o sentido literal de todos os conceitos e juí-
Cardoso, Ippur/UFRJ, (Gestão Ambiental); Ermínia zos nele emitidos” (Introdução, nota 4).
Maricato, FAU/USP, e Circe Maria Monteiro, MDU/ A posição da Anpur, assim como a de outros repre-
UFPE, (Moradia); José Antônio Fialho Alonso, FEE, e sentantes da sociedade civil, foi trabalhar para garantir a
Eva Machado Barbosa Samios, Propur/UFRGS, (Desen- continuidade desse fórum de discussão e sua evolução
volvimento Econômico); Raquel Rolnik, PUC/Campi- na direção proposta no Capítulo X: “Estratégias de
nas, (Governança). A Anpur também indicou ao Co- Ação e Iniciativas Futuras”, itens 22.11 e 22.12 (Repú-
mitê Nacional outras associações científicas a serem blica Federativa do Brasil, Relatório Nacional Brasileiro
convidadas: SBPC, Abep, Anpocs, Anpec. Istambul+5, Brasília, maio de 2001), com desdobra-
Tendo sido decidido pelo Comitê que a priorida- mentos imediatos como a criação de um Conselho Na-
de nos recursos disponíveis seria para financiar repre- cional de Desenvolvimento Urbano, a recomendação de
sentantes de movimentos sociais e de ONGs (nesta or- aprovação do Estatuto da Cidade, da Lei que cria o
dem), compareceram pesquisadores que obtiveram Fundo Nacional da Moradia Popular e outras medidas.
Tecnológico – FNDCT, de criação de grupos de traba- • Maria Cristina Leme – colaboração em relação ao IX
lho com a finalidade de propor programa de desenvol- ENA (cuja organização propriamente era responsabi-
vimento científico e tecnológico e respectivo modelo lidade da Comissão Organizadora formada no Rio
de financiamento para vários setores (aeronáutico, de Janeiro e coordenada por Henri Acselrad);
agro-negócios, saúde, energia, espacial, petróleo, tran- • Nádia Somekh – colaboração na organização do Se-
portes), e outras. Sempre que recebeu material infor- minário Nacional “Regiões e Cidades, Cidades nas
mativo a esse respeito, a Anpur repassou-o para suas Regiões”, integrando-se à equipe composta por
entidades integrantes. Carlos Antônio Brandão e Antônio Carlos Galvão;
A Anpur participou de diversas das reuniões que • Sarah Feldman – colaboração na montagem do sis-
a SBPC organizou para discutir a mudança em anda- tema de distribuição da Revista Brasileira de Estudos
mento, informou as instituições associadas/filiadas Urbanos e Regionais.
e alertou-as para a importância desse processo. No
IX Encontro Nacional, em 2001, quando os fundos se- CONSELHO DE
toriais já estavam criados, a tradicional mesa redonda REPRESENTANTES
realizada com a participação de representantes das en-
tidades de fomento teve como pauta a nova organiza- A proposta de criação de um Conselho de Repre-
ção dos recursos para a pesquisa. sentantes foi aprovada na Assembléia de 1999, dando-
se-lhe o nome de Conselho Consultivo Provisório. Era
AMPLIAÇÃO DO QUADRO DE ASSESSORES AD HOC intenção da Diretoria convidá-lo a reunir-se, mas a di-
Dada a diversidade de programas e de temas de ficuldade de recursos, dado o não-pagamento das anui-
pesquisa nesse campo, a diretoria da Anpur propôs ao dades, desencorajou a continuidade a essa iniciativa.
CNPq uma ampliação da composição do seu corpo de Ao invés, a primeira reunião foi convocada para a vés-
assessores nesta área; enviou-lhe a lista de pesquisado- pera do IX Encontro Nacional da Anpur, para discutir
res que tiveram trabalhos selecionados nos últimos cin- a natureza de seus objetivos e rever a proposta irreal de
co Encontros Nacionais da Anpur para, após ser passa- que tivesse duas reuniões ordinárias por ano. Foi enca-
da pelo filtro do curriculum Lattes, resultar numa lista minhada, para discussão e votação pela Assembléia,
de doutores que aumente e diversifique o arquivo dis- uma recomendação de formato e atribuições do Con-
ponível de assessores que avaliem pedidos de bolsas e selho Consultivo (ainda provisório), resultante desta
auxílios. Esta lista pode ser repassada à Capes e outras primeira reunião, desdobrada por dois dias durante o
entidades de fomento. IX ENA, em 28 e 30 de maio de 2001, com a presença
(somadas as duas reuniões) de: Maria Flora Gonçalves,
COMITÊ DE ASSESSORIA Yvonne Mautner, Geraldo Magela, Edna Castro, Ana
E APOIO EXECUTIVO À Cristina Fernandes, Carlos Roberto M. de Andrade,
PRESIDÊNCIA E À SECRETARIA Heloisa Costa, Angela Fontes, Frederico de Holanda,
Raquel Coutinho, Angela Gordilho, Esterzilda B. de
Em 18 de agosto de 2000, Yvonne Mautner, da Azevedo, Maria Cristina Leme, Tânia Fischer, Eva Ma-
FAU/USP, assumiu o cargo de secretária executiva da chado Barbosa Samios.
Anpur, por indicação da Diretoria e segundo as nor- Recomendou-se que o Conselho Consultivo Pro-
mas estatutárias, em razão do afastamento de Maria visório reunisse os coordenadores das instituições filia-
Lúcia Refinetti Martins, da mesma instituição. das/associadas anualmente, em fins de maio (no En-
Na ocasião foi constituído um Comitê de Asses- contro Nacional da Anpur e entre os ENAs), com as
soria e Apoio Executivo à Presidência e à Secretaria, seguintes atribuições: 1) discutir demandas dos pro-
com o propósito de ampliar-se a divisão do trabalho gramas, de interesse local, regional e nacional, no cam-
em algumas funções, tendo a seguinte composição: po do ensino, pesquisa e fomento; 2) pautar trabalho
• Philip Gunn – colaboração no acompanhamento dos Comitês (Ensino, Pesquisa e Relações Interna-
de pedidos de financiamento e prestação de contas cionais); 4) prestar apoio à Diretoria no desenvolvi-
às entidades financiadoras; mento de suas atividades executivas, potencializando a
• Incluir suplências ou outra forma de resolver a va- rias terem tempo de se instalar – uma possibilidade é
cância de cargos na diretoria: presidência, secreta- a transmissão dos cargos se efetivar não logo após a
ria executiva e diretorias; discutir a criação do car- eleição mas depois de um período a ser fixado.
go de tesoureiro. • Discutir função e formato do Conselho Consultivo.
• Incluir referência à existência da Revista Brasileira • Discutir a conveniência de formalizar-se o processo
de Estudos Urbanos e Regionais e definir o vínculo eleitoral: nomeação de comissão eleitoral para coor-
com a Diretoria. denar o processo eleitoral, prazo para inscrição de
• Incluir um período de transição para as novas direto- chapa e registro do programa etc.
que pressupõem um crescimento ilimitado, que tive- Ao final de sua análise, Campos salienta o poder de
ram em Prestes Maia um representante. Assinala-se o permanência da visão expansionista e “rodoviarista” de
conflito entre o padrão urbanístico dos bairros-jardins Ulhoa Cintra e de Prestes Maia, enumerando interven-
e os modelos de vias retilíneas e largas consagrados nos ções recentes na cidade de São Paulo que concretizam
códigos das primeiras décadas do século XX, além dos diretrizes do Plano de Avenidas, como a passagem sub-
embates entre defensores e críticos da verticalização do terrânea da avenida Tiradentes, que integra o períme-
centro da cidade, e entre propostas de criação de gran- tro de irradiação e túneis e vias ligando as avenidas
des avenidas por meio do alargamento de vias existen- Bandeirantes e Salim Maluf, que integram o terceiro
tes ou criação de novas vias em fundos de vale. circuito perimetral.
Ao assinalar o descompasso entre planos e inter- Ao tratar a cidade de São Paulo como um campo
venções, o autor contrapõe ao teor e a amplitude dos de disputas entre idéias, práticas e projetos urbanísti-
projetos as características e o caráter parcial das realiza- cos, que contrapõem concepções que afetam interesses
ções. Mostra o limite geográfico restrito atingido pelas diversos, o livro desvenda o papel central de urbanistas
reformas urbanas do início do século XX. Citando ins- que atuaram no período em análise na mediação de
trumentos como as taxas de calçamento e a contribui- conflitos de interesses e de visões de cidade. Analisan-
ção de melhoria, indica a dificuldade encontrada de do esta atuação, mostra como o domínio de técnicas, o
pôr em prática medidas amplamente defensáveis em conhecimento de experiências internacionais e uma
termos conceituais. Referindo-se aos casos dos urbanis- suposta neutralidade fundamentada numa pretensa ra-
tas Anhaia Melo e Prestes Maia, mostra os limites da cionalidade foram instrumentos importantes. Mas, o
aplicação de muitas das ditas “soluções racionais” reco- grande mérito da obra é precisamente sublinhar o vas-
mendadas por urbanistas, que não conseguiram efetuá- to campo de lutas – tantas vezes escamoteado em abor-
las mesmo quando prefeitos da cidade. Tal descom- dagens restritas a aspectos formais – que permeia o
passo evidencia não apenas limitações orçamentárias, pensamento e a prática do urbanismo.
como também a busca em conciliar a ação pública com
interesses locais. Ao analisar a trajetória entre a formu-
lação das propostas urbanas e a eventual intervenção, CIDADES ESTREITAMENTE
Campos evidencia os ajustes introduzidos e as negocia- VIGIADAS: O DETETIVE
ções efetivadas que buscavam conciliar interesses diver- E O URBANISTA
sos de setores do capital, de valorização fundiária, de Robert Moses Pechman
reprodução da força de trabalho e de legitimação dos Apresentação de Stella Bresciani
dirigentes. Analisando este percurso entre proposições Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2002.
e ações, o autor salienta como “o processo de interven-
ção urbanística, longe de ser mero campo de progresso Amilcar Torrão Filho
técnico, implicava opções com sérias conseqüências so-
bre as condições de vida, acumulação e produção vi- Clarice Lispector escreveu em uma crônica que,
gentes no centro urbano” (Campos, 2002, p.283). quando criança, acreditava que os livros nasciam em
Em meio a tais embates, o autor assinala o deli- árvores. Hoje sabemos que eles têm autores e são resul-
neamento de algumas tendências, entre as quais a mais tado de muito trabalho e de um esforço de imaginação.
nítida é a crescente ênfase das intervenções – em espe- Há ainda aqueles que são escritos inspirados em outros
cial a partir da década de 1920 – nas questões referen- livros, que lhes abrem o caminho ou servem como fon-
tes a tráfego e sistema viário. Tal ênfase ocorre em de- te de informação, estímulo ou inspiração. É este o ca-
trimento de outras demandas – estéticas, habitacionais so de Cidades estreitamente vigiadas: o detetive e o ur-
e de lazer – e se direciona, sobretudo, ao estímulo do banista, de Robert Moses Pechman, inspirado que foi
transporte particular e do ônibus entre as modalidades pela leitura de um pequeno livro já tornado um clássi-
de transporte coletivo. O Plano de Avenidas – conce- co. Considera-se o autor uma destas pessoas a quem,
bido por Prestes Maia no final da década de 1920 – por defeito de fabricação, os “livros desequilibram, pro-
surge como um momento exemplar desta tendência. duzem abismos, causam estragos, torcem a vontade,
bagunçam a vida, desnorteiam o norte, enfim, mudam levar a cabo a “reforma urbana” empreendida na reno-
o rumo da vida” (Pechman, 2002, p.13). Desnorteado, vada capital: zelar pelo cuidado e conservação da cida-
bagunçado, desequilibrado, nosso autor se dedicou a de, de seus logradouros públicos, pelo cumprimen-
estudar a cidade. to da Lei e repressão ao crime e pela obediência ao
Este livro trata da paixão por livros; da paixão pe- código de moral e costumes da urbanidade que se pre-
lo estudo das cidades e do urbanismo; da paixão por tende implantar. A polícia é, também, um poderoso
uma cidade, que todos os brasileiros aprendemos a agente de civilização; e a cidade é o laboratório onde se
amar: o Rio de Janeiro. Trata-se de entender o proces- experimenta o “modelo nacional de ordem e civiliza-
so de constituição de uma nova ordem social, urbana, ção”, é “o lugar da exemplaridade” (p.107).
civilizada, cortesã, “estimuladora da boa moral e da do- Por meio do delicioso romance de Manuel Anto-
çura dos costumes” com a chegada da família real nio de Almeida, Memórias de um sargento de milícias,
portuguesa, na transferência inédita de uma corte eu- Robert Pechman observa as estratégias de controle da
ropéia para os tristes trópicos. O livro do professor nova polícia urbana e as brechas de resistência encon-
Pechman vem preencher uma lacuna nos estudos urba- tradas por parte da população que não se enquadrava
nos brasileiros ao destacar um período tão importante nas “novas práticas da sociabilidade nos marcos do que
da história do Rio de Janeiro, e de todo o País, que até se passou a chamar de civilidade” (p.76). Por meio da
então só vinha atraindo a atenção da historiografia po- persuasão a Intendência Geral de Polícia procura in-
lítica ou social. Apesar da ruptura tão grande que sig- corporar o indivíduo ao mundo da ordem, reconhecer
nificou para a Cidade Maravilhosa a chegada da corte, a esfera pública, tão difícil numa sociedade como a
os melhoramentos urbanos de D. João não suscitaram brasileira, na qual a esfera privada sempre ocupou es-
um interesse muito além do anedótico para a historio- paço tão importante. Observa o autor que, ao contrá-
grafia do período. rio da tradição colonial, de exílio, degredo, morte na-
Civilização e barbárie se enfrentam no Rio que se tural e, no limite, condenação à morte, a nova ordem
“civiliza”. Um conceito não vive sem o outro, cruciais, de civilidade se fundamenta, precisamente, “a partir do
segundo o autor, como elementos “no processo de for- ‘reconhecimento’ e ‘incorporação’ da nova camada de
mulação de imagens que deu legitimidade à moderna indivíduos moradores da cidade, os quais têm que ser
ordem urbana brasileira, e que se fundou no que talvez trazidos para a órbita da sociabilidade” (p.80). Função
pudéssemos chamar de pacto urbano” (p.24). Apesar que caberá à polícia, aos novos manuais de civilidade
de predominantemente agrário, é na cidade, no espaço que se multiplicam na recém-liberada imprensa, pre-
urbano, que se constitui uma pax villae, um “processo gando a doçura dos costumes e o respeito às hierar-
civilizatório” brasileiro, que ao mesmo tempo se opõe quias e à ordem estabelecida, à civilidade entendida co-
e se adapta à antiga ordem senhorial. É na nova capi- mo “antídoto à revolta, à maldade e ao ócio” (p.88).
tal do Reino de Portugal, e depois do Império do Bra- Estamos aqui, como lembra o autor, no domínio da
sil, que se constituirá este pacto urbano, em que o política: “Ordem, etiqueta, cortesia, civilidade, políti-
príncipe regente acomodaria, “com todos os rapapés e ca acabam se articulando na manutenção da paz social
politesses ainda que um tanto gastos, uma sociedade e devem ser entendidas como fazendo parte de um
cortesã” (p.67). mesmo processo de construção de imagens sobre o que
Robert Pechman faz uma leitura original de suas se deva ser o convívio social” (p.90). Mas o efeito da
fontes e do período que estuda. Ele, por exemplo, re- polícia na garantia da estabilidade social, da pax
toma o sentido coevo da palavra polícia: não apenas urbana, não é maior do que o potencial sedutor da
“conter a criminalidade”, policiar significava também cidade, “sua capacidade de evocar a civilização, seu po-
“polir, assear, adornar”. Disciplinar e reprimir sim, mas der de atrair para um projeto que prometia o futuro”
tendo em vista um código de costumes e de convivên- (p.112), que prometia a ordem, a civilização e o con-
cia urbana, de cortesia, de chamar à ordem os que de- trole dos bárbaros que assaltavam incessantemente os
la se desviavam, “numa espécie de ‘integração social’ muros da civilidade.
pela civilidade” (p.72). Tão logo chega ao Rio, D. João A cidade colonial, vista como defasada, inculta,
empossa o intendente geral da polícia, encarregado de desorganizada, não serve aos propósitos do processo
civilizador, não está preparada para receber o “espírito acha mesclado à grosseira familiaridade africana, onde
cortesão” e as novas formas de sociabilidade que che- o encontro dos costumes americanos, africanos e euro-
gam com a família real portuguesa e, em seguida, com peus que se chocam e se repelem, constitui um todo
o Império. Uma nova cidade deve-se desenvolver para informe” (p.314). Uma proximidade que ameaça a ci-
abrigar esta sociabilidade cortesã que se forma, já que, dade e sua ética cortês e urbana.
lembra o autor, corte e cidade, “apesar de ocuparem o A cidade é, assim, o espaço desejado e temido,
mesmo espaço, não são a mesma coisa” (p.238). Antes céu e inferno da civilização, cheia de mistérios, tenta-
mesmo de ser cidade, o Rio de Janeiro se tornou cor- ções e perigos insondáveis, que atrai talentos como o
te, espaço onde se gesta a civilidade, onde a burguesia de Juliano Sorel de Stendhal, de Luciano de Rubempré
se “aristocratiza”, onde a civilização luta contra a bar- e de Eugênio de Rastignac de Balzac para, em seguida,
bárie. Daí a necessidade de um romance urbano que destruí-los. Cidade que atrai também os “rejeitados da
sintetize as definições da cidade, da corte e da civilida- civilização”, onde se acomodam “os dissolutos, os pre-
de; mas, para que nasça este romance urbano, “é pre- guiçosos, os mendigos, os turbulentos e os esbanjado-
ciso, antes de tudo, inventar o urbano, ainda que a ci- res de dinheiro.1 A cidade dos vícios e crimes subterrâ-
dade exista já há muito tempo”. O urbano entendido neos, que irrompem quando menos se espera, dos
como a “invenção social na cidade” (p.204), como o selvagens, das classes perigosas, dos que se ocultam pa-
conjunto de normas, regras e modelos que marcam as ra contaminar a civilização. Daí a necessidade do dete-
fronteiras entre civilização e barbárie. tive para descortinar o mal que se acastela nas fímbrias
Na construção desta sociabilidade urbana, Pech- do urbano. O romance policial é o caminho através do
man destaca o terror que os habitantes da cidade bra- qual Pechman vai se “defrontar com as questões da or-
sileira do Império sentiam em relação aos escravos. dem urbana, tão caras na configuração da urbanidade
Mas sua originalidade está em perceber neste medo quanto do próprio urbanismo” (p.272). Se a cidade é
não somente o desejo de manter a ordem senhorial es- o “campo de batalha onde a vida social vai ser jogada
cravista, mas acima de tudo de evitar a desordem urba- e, de sua conquista, depende a sobrevivência da ordem
na. Pois na cidade “o sistema escravista não pode ser social (p.275)”, o romance policial nasce para detectar
pensado fora de um projeto de ordem urbana” (p.304). o mal escondido; e o detetive nasce com a incumbên-
A particularidade da escravidão urbana, marcada pela cia de solver os seus mistérios e identificar seus crimi-
“ausência do feitor”, faz do escravo “não necessaria- nosos e os bárbaros que ameaçam o “pacto urbano”
mente um revoltoso mas, certamente um desordeiro. (p.290). E aí vem o golpe de mestre do autor – para
No ambiente urbano, o escravo não é só um cativo, ele usar uma linguagem próxima do romance policial:
é, também – à sua maneira – um ‘habitante’ da cida- identificar o detetive ao urbanista. O detetive, treinado
de” (p.304). Assim, no Rio de Janeiro da corte não é no espírito racionalista-científico derivado da Ilustra-
apenas o medo de que a cidade se transforme num ção, “está na origem de um esforço de leitura da cida-
Haiti que aterroriza os brancos e preocupa a polícia, de que irá desembocar, no século XX, no urbanista, cu-
mas de que ela se torne mais parecida a Londres ou Pa- ja missão é transformar a cidade num objeto de todo
ris, com suas hordas de miseráveis e desocupados e seu transparente com o fito de desvendar seus enigmas e,
terrível “espetáculo da pobreza”. O medo ao negro, co- ao fazê-lo, enquadrar a cidade de forma a controlar to-
mo diz o autor, “se urbaniza e, ao se urbanizar, faz do da ameaça de desordem e quebra da lei” (p.282). Des-
negro a imagem da anticidade daquilo que não deve sa maneira entende Pechman o aparecimento dos en-
ser a cidade” (p.310). genheiros-urbanistas e as grandes reformas urbanas
O escravo pode não apenas “incendiar” a cidade pelas quais passa o Rio de Janeiro no século XX, então
mas acima de tudo contaminá-la, tanto física quanto capital republicana.
moralmente. É assim que ele aparece na literatura, no Os urbanistas têm como função a defesa da cida-
teatro, nos folhetins, nas teses de medicina. Como nes- de contra os bárbaros que a querem desfigurar, macular
ta de 1846, citada por Pechman, na qual o doutor Ma-
1 Maria Stella Martins Bresciani, Londres e Paris no século XIX: o es-
noel Moraes e Valle afirma ser o “Rio de Janeiro, cida- petáculo da pobreza [1982]. 5.ed. São Paulo: Brasiliense, 1989, p.42.
de vasta e populosa (…) onde o polido do cortesão se (Col. Tudo é História, v. 52.)
sua beleza, em geral os pobres. Dar uma ordenação ra- mento cada vez mais raro. Paradoxalmente, hoje,
cional e científica à organização urbana. Realizar a an- como nunca, a publicação de livros e textos sobre ar-
títese daquilo pelo qual se critica as cidades medieval e quitetura tem crescido exponencialmente. Evidente-
colonial, que crescem desordenada, orgânica e livre- mente, a questão não se encontra na proliferação viral
mente, de acordo com a vontade e os “caprichos” de de publicações que preenchem as estantes de livrarias
seus moradores, muitas vezes estes bárbaros a que tan- e bibliotecas especializadas, mas no uso de novas for-
to se teme. Este urbanismo que cria a cidade sem criar mas de pensar, no emprego de novas lógicas, de instru-
o cidadão. mental teórico inovador. Regra geral, a quase totalida-
Robert Pechman utiliza de maneira criativa uma de de livros e textos que integram o universo editoral
grande diversidade de fontes: crônicas, folhetins, ro- contemporâneo relacionados com a arquitetura cons-
mances, peças teatrais, revistas de ano, teses de medici- titui um incomensurável catálogo de repetições e reci-
na, correspondência e documentação dos órgãos de clagens conceituais herdado da modernidade.
polícia, manuais de civilidade, tudo isso numa prosa O livro Estética da ginga de Paola Berenstein Jac-
fluente, acessível, às vezes agradavelmente informal (os ques constitui um singular acontecimento no âmbito
tradicionais agradecimentos são substituídos, por exem- da cultura arquitetônica em nosso país. Filosoficamen-
plo, por um carioquíssimo Aquele Abraço), mas sem te, o termo Acontecimento, no sentido empregado por
perder o rigor e a sofisticação da análise. Isso sem con- Deleuze/Guattari, ocorre quando surge um problema,
tar referências culturais variadas, como a poesia con- um questionamento que favorece uma virtualização.
temporânea, o cinema tcheco, do qual empresta o títu- Esse processo imaginativo que constitui o Virtual pres-
lo de seu livro (do célebre filme Trens estreitamente supõe o Atual e visa a sua atualização. Quando o vir-
vigiados, de Jiri Menzel), ao romance policial (cujos se- tual, como entidade, adquire consistência, tal fato
guidores constituem uma seita fiel e que encontrarão constitui um acontecimento, um ato de criação. Pro-
nesta obra uma leitura muito prazerosa), além de um priamente, o acontecimento, como processo, não co-
projeto gráfico excelente. meça nem acaba, pois tem uma parte sombria e secre-
Para terminar vale lembrar que o livro que mu- ta que não pára de se subtrair ou de se acrescentar à sua
dou o rumo de sua vida e inspirou suas pesquisas em atualização. É um real sem ser atual, ideal sem ser abs-
urbanismo foi Londres e Paris no século XIX: o espetácu- trato. O acontecimento, em sua potencialidade, é pu-
lo da pobreza, de Maria Stella Martins Bresciani, ra reserva. A Estética da ginga, como acontecimento,
orientadora deste trabalho apresentado como doutora- possui justamente essa potencialidade criativa. Trata-se
do na Unicamp, que certamente inspirou a muitos ou- de um ensaio teórico/conceitual aberto que procura
tros estudiosos da cidade no Brasil. sua atualização vislumbrando uma nova forma de pen-
sar os fundamentos da arquitetura e, dessa forma, tem
como alvo contrapor-se às formas convencionais e aca-
ESTÉTICA DA GINGA – dêmicas de entender a arquitetura.
A ARQUITETURA DAS A mudança nas formas de pensar constitui um
FAVELAS ATRAVÉS DA OBRA referencial marcante da cultura contemporânea. Tal
DE HÉLIO OITICICA fato é bastante evidente quando se tem presente o pro-
Paola Berenstein Jacques cesso de deconstrução da lógica binária e do modelo
Rio de Janeiro: Editora Casa da Palavra, Rio Arte, 2002. arborescente que lhe corresponde, herança da condição
cultural moderna. Entre as formas de pensar contem-
Pasqualino Romano Magnavita porâneas, o surgimento da lógica da multiplicidade e a
percepção rizomática que lhe corresponde (Deleuze &
No mundo editorial contemporâneo a publica- Guattari) constituem um marco significativo dessa
ção de livros relacionados com aspectos teóricos/con- deconstrução na forma de pensar. Inserindo-se nesse
ceituais inovadores, visando estabelecer parâmetros processo deconstrutivista, a autora optou por adotar
inéditos na formação discursiva da arquitetura e de como ferramenta teórica o repertório conceitual con-
seus fundamentos, tem se demostrado um aconteci- tido na referencial obra Mil platôs escrito em parceria
por Gilles Deleuze e Felix Guattari. Entretanto, a au- essas formas promovem ao se relacionarem entre si,
tora reconhece que a transposição de noções teóricas e não vacilou, em sua decisão, em optar pela abordagem
filosóficas à arquitetura torna-se quase sempre uma estética, afastando, assim, de seus propósitos, a tirania
questão problemática, particularmente quando essas da racionalidade científica que tanto caracterizou o
transposições se fazem por analogias estritamente for- pensamento moderno e que todavia ainda perdura.
mais, como se constata em vertentes da chamada ar- Em relação às figuras conceituais empregadas, há
quitetura pós-moderna. uma explícita advertência: elas devem ultrapassar a es-
A obra em pauta constitui um trabalho teóri- fera do formal para alcançar o conceitual. Não há preo-
co/conceitual e tem na obra do artista Hélio Oiticica, cupação da autora em estudar as formas, mas sim os
à guisa de um fio condutor, uma ferramenta teórica, e processos que as [trans]formam. Para ela, essas figuras
isso, em razão de que o referido artista procurou resga- não são metáforas arquitetônicas, nem simples figuras
tar a estética própria do espaço das favelas cariocas e, formais, afirmando, pois, que “só quando se chega ao
paralelamente ao seu trabalho de criação artística, não puramente conceitual, à abstração de uma teoria, é que
se limitou à dimensão físico-espacial, transbordou a se pode fazer um retorno ao real; só a partir desse mo-
sua criação para a dimensão social. Importante assina- mento será possível avançar algumas idéias ligadas à
lar que se trata de um artista que concedeu um status prática da arquitetura e do urbanismo”. Prefere, por-
estético às favelas. É justamente com base nessa expe- tanto, ir do real ao abstrato, do formal ao conceitual,
riência singular do artista que a autora formula a hipó- partindo sempre de percepções da realidade, e isso,
tese principal do seu trabalho: “as favelas têm uma es- através de mudança de escala. No Fragmento, passa do
tética própria”. Para tanto, a autora trabalha em dois corpo físico à arquitetura; no Labirinto, da arquitetura
níveis de compreensão: em primeiro lugar, o questio- ao urbano; no Rizoma, do urbano ao território. São
namento dos fundamentos da arquitetura e do urba- três momentos de análise: a favela real, a concernente à
nismo racionalistas que tradicionalmente são transmi- obra de Oiticica e a puramente conceitual.
tidos nas nossas academias, questionamento este que Sem dúvida, Rizoma constitui o capítulo mais
subjaz ao longo de todo o texto; em segundo, a ”tenta- inovador do livro. Associando Rizoma à idéia de cres-
tiva de decifrar o dispositivo arquitetônico e urbanísti- cimento, de ocupação de territórios e formação de ter-
co das favelas, espaço desconhecido da maioria dos ar- ritórios urbanos, a autora procura demonstrar o que
quitetos e urbanistas”. diferencia o processo de territorialização, de ocupações
Atendendo a sua principal hipótese, e procuran- informais, “selvagens”, de terrenos vagos, das ocupa-
do demonstrá-la, a autora usa três figuras conceituais: ções formais que emanam de leis e modelos codifica-
o Fragmento, o Labirinto e o Rizoma, particularmente dos por especialistas. E, igualmente, estabelece a dife-
as duas primeiras mais explícitas e presentes na obra de rença entre a forma de pensar a complexidade na
Oiticica e em seus relatos e escritos sobre suas vivências multiplicidade, isto é, no âmbito da percepção rizomá-
no morro da Mangueira; ao passo que a figura concei- tica, contrapondo-a à lógica binária, ao modelo arbo-
tual Rizoma traduz a familiaridade que a autora possui rescente, da árvore raiz. Para tanto, traz à tona as for-
com a lógica da multiplicidade. Foi inspirada nessa es- mulações de Chistopher Alexander em A city is not a
tética destilada da obra de Hélio Oiticica que a autora tree, de 1965, procurando mostrar que o autor, apesar
denominou o seu trabalho estética da ginga. Contudo, de suas preocupações em superar o modelo arborescen-
vale observar que a decisão pela abordagem estética é te, seus diagramas matemático-geográficos, continua-
justificada pela autora como alternativa ao racionalis- ram racionais, cartesianos, arborescentes.
mo ainda hegemônico na forma de pensar e criar. Acei- A transformação da metáfora vegetal do rizoma
tando, portanto, as formulações filosóficas de Deleuze em conceito filosófico, por Deleuze e Guattari, pressu-
e Guattari que, contrariando as concepções convencio- põe um processo que pode ser distinguido por um
nais do positivismo científico, demonstram não existir conjunto de “características aproximativas”, a exemplo
nenhuma predominância, hegemonia, entre as diferen- dos de conexões e heterogeneidade; de multiplicidade; da
tes formas de pensar e criar, isto é, entre a Ciência, a ruptura a-significante; da cartografia e da decalcomania.
Arte e a Filosofia. A autora, ciente da heterogênese que Aderente a esse instrumental conceitual, a exemplo de
uma rede aberta, a autora compara o processo de fave- mentos da arquitetura e urbanismo, a Estética da ginga
lização – de ocupações informais – com o mato que pode ser considerado um ponto de inflexão.
nasce discretamente nas bordas e que logo acaba ocu- Para concluir, valeria acrescentar que, no caso es-
pando a totalidade dos vazios deixados pela máquina pecífico do processo de ocupação de terrenos e criação
imobiliária. Estabelece, assim, um confronto entre a de favelas, questão chave do trabalho, os processos ur-
lógica do mato (da “erva daninha”) e a lógica da árvo- banos, especificamente as produções de arquitetura e
re, ou seja, entre o sistema erva/rizoma do pensamen- urbanismo, podem vir a ser considerados tanto “má-
to da multiplicidade e aquele configurado no pensa- quinas abstratas” de sobrecodificação efetuadas pelo
mento binário ainda dominante. Insiste na oposição “aparelho de Estado” quanto “máquinas de guerra” que
entre uma cultura acentrada, não-hierárquica, instável, procuram escapar à sobrecodificação e resistir aos “apa-
e uma cultura arborescente, hierárquica e enraizada. relhos de captura” que se encontram a serviço do
Explica, assim, como um rizoma, a exemplo do mato, aparelho de Estado. Essa situação extremamente con-
da erva, está sempre no meio, não têm começo nem flitante em nosso país acaba por exigir, compulsoria-
fim, transborda, e evoca a idéia de infiltração, de um mente, ao lado das realizações de natureza estética, no
escoamento que preenche vazios. O processo de faveli- espaço físico da percepção urbana, um inadiável posi-
zação, na surpreendente comparação ao mato, escapa à cionamento ético, passando inevitavelmente pelo viés
idéia de projeto, cresce onde não se espera, formando político, que poderá promover uma melhor qualidade
encraves no território urbano. de vida, hoje tão aviltada e insegura sob a hegemonia
Na parte final do trabalho, apropriando-se da do paradigma científico/tecnológico.
proposição criativa “jardins em movimento” do paisa-
gista Gilles Clément e contestando ao mesmo tempo
sua idéia de “arte involuntária” e sua aplicação às fave- MODERNIDADE E MORADIA.
las, refere-se à suposta intenção da prefeitura do Rio HABITAÇÃO COLETIVA
de Janeiro de “preservar” as favelas. Contrariando o NO RIO DE JANEIRO NOS
senso comum e o consenso generalizado dos responsá- SÉCULOS XIX E XX
veis pelas intervenções do programa oficial “Favela- Lílian Fessler Vaz
Bairro”, a autora propõe: em lugar de preservar as fa- Rio de Janeiro: 7 Letras, 2002.
velas o que “seria necessário preservar é o seu próprio
movimento”, ou melhor, “territórios em movimento”, Eloísa Petti Pinheiro
ainda melhor, “bairros em movimento”, procedendo
através de quase não-intervenções, ou seja, interven- Partindo das primeiras habitações coletivas no
ções mínimas. Rio de Janeiro – os cortiços e as estalagens do século
Depois dessas breves considerações sobre o traba- XIX – até chegar ao edifício de apartamentos con-
lho à guisa de resenha, ocorre perguntar que lição o lei- temporâneo, e aos arranha-céus dos anos 30 do século
tor de Estética da ginga poderá tirar? Sem dúvida, a ati- XX, a autora analisa não apenas as diversas manifesta-
tude de ousar, de contrapor-se à forma de pensar ções de habitação coletiva como também as mudanças
consensual, lançando no intercâmbio de idéias, ima- tipológicas e populacionais ao longo do período abor-
gens conceituais novas que podem receber um desejá- dado. Lílian demonstra de que forma as habitações co-
vel acolhimento em relação aos fundamentos da arqui- letivas surgem como habitação popular, transforman-
tetura e do urbanismo. Como ato criativo, o trabalho do-se, ao final do período estudado, em habitação das
constitui um singular acontecimento, pois, como tal, classes média e alta, compreendendo os diferentes es-
pressupõe ainda um processo de atualização, isto é, co- paços construídos como produtos dos sistemas econô-
mo sistema aberto, propício a conexões e heterogenei- mico, político e cultural.
dades sob a égide da lógica da multiplicidade, instru- Considerando a habitação coletiva como mani-
mental teórico extremamente rico em noções e festação própria da modernidade, a autora percorre os
conceitos. Sem dúvida, no âmbito dos estudos teóricos distintos tipos de moradia propondo-se a fazer uma
produzidos no País e que se relacionam com os funda- leitura da modernidade, ultrapassando os limites da ar-
quitetura e do urbanismo. O livro aborda ainda, em de alto custo. Além disso, há também as avenidas,
relação ao caráter simbólico, a habitação coletiva do sé- classificadas, por Lílian, como “tipo em transição”, e
culo XIX, símbolo da pobreza, da doença, da promis- consideradas estalagens higienizadas que abrigam no-
cuidade e da insalubridade, substituída, no século XX, vos moradores – uma vez que os antigos não podem
pela moradia multifamiliar, moderna e funcional, ex- pagar os aluguéis –, excluindo, assim, os benefícios da
pressão privilegiada da modernidade. modernização dos seus destinatários específicos. Se-
A metodologia adotada, uma pesquisa através de gundo a autora, “iniciava-se o processo de melhora-
classificados dos imóveis, permite rastrear as transfor- mento das moradias mediante a substituição dos seus
mações ocorridas e verificar na habitação, como a moradores” (p.45).
condição do que é coletivo passará a definir a inserção Na análise do processo de especialização funcio-
da cidade na modernidade. Também são analisadas as nal e social do espaço urbano, o uso do solo e as clas-
transformações urbanas, arquitetônicas e simbólicas ses sociais, categorias que antes se misturavam, agora
através de um levantamento de plantas de estalagens, passam a ocupar áreas exclusivas. A população pobre
avenidas, vilas operárias, casas de cômodos e de aparta- instala-se em locais onde os casebres são tolerados, em
mentos, prédios para renda e hotéis, e fica claro como terrenos de difícil edificação e de propriedade indefini-
o edifício de apartamentos inclui uma série de caracte- da, enquanto a classe média, que tem um aumento
rísticas presentes nos seus antecedentes e rejeita outras. progressivo a partir dos anos 20 do século XX, partem
Lílian define, assim, que o surgimento dos apar- para novas opções de moradia: casas isoladas ou em sé-
tamentos não ocorre como uma evolução dos tipos de rie nos bairros servidos por modernos bondes elétricos
casas ou quartos enfileirados – as estalagens, avenidas e e/ou “auto-ônibus”, e com infra-estrutura de serviços e
vilas –, mas representa uma profunda ruptura nessa comércio. As avenidas cedem lugar às vilas, definidas
evolução, apesar de ser um padrão que aprofunda a como “conjunto de habitações isoladas em edifícios se-
tendência de agrupar, cada vez mais, pessoas em uma parados ou não, e dispostos de modo a formarem ruas
área menor, tornando mais coletiva ou mais socializa- e praças interiores sem caráter de logradouro público”
da a moradia. O novo modelo a ser reproduzido, se- (Decreto 2.087 de 19/01/1925).
gundo a autora, é o prático-simbólico, no caso do Rio As vilas, uma vez desvinculadas das habitações
de Janeiro, onde a habitação não é apenas um abrigo, coletivas, vêm atender à emergente classe média e pas-
construção ou elemento isolado, mas também um sam por modificações, buscando privacidade, utilizan-
componente dos sistemas espaciais em que se insere e do novos materiais e novas técnicas que permitem um
que define seu complexo valor de uso. melhor aproveitamento dos lotes: começam as cons-
Tendo como limites espacial e temporal a cidade truções em altura, mesmo antes que se difundisse o uso
do Rio de Janeiro de 1850 a 1937, o livro se desen- do concreto armado.
volve em três partes e cinco capítulos, começando pela Por fim, surgem os apartamentos nos anos 20,
história da habitação coletiva em que são destacados um novo padrão de habitação no Rio de Janeiro que
não só os “grandes momentos de ruptura, mas também terá sua melhor expressão em Copacabana onde a os-
as permanências, fortes impactos e sutis modificações, tentação e o luxo da nova burguesia se cristalizam no
além de uma série de contradições inerentes ao proces- prédio que rompe a ocupação horizontal do recém-
so de transformação da moradia nos tempos moder- ocupado areal.
nos” (p.16). O livro enfatiza a importância da divulgação na
Adotando o conceito de habitação coletiva como aceitação da nova forma de morar, quando busca des-
várias unidades habitacionais abrigadas sob o mesmo vincular os apartamentos da sua condição de habitação
teto e construídas sobre o mesmo lote onde se com- coletiva, sempre associando-os a casas isoladas e inde-
partilham certos equipamentos, a autora identifica di- pendentes, pois, como explicar a aparição e difusão dos
ferenças em cada momento histórico. Das habitações apartamentos se havia um horror generalizado pela
coletivas insalubres, cortiços e estalagens, passa-se às habitação coletiva? A autora considera que o fato de
casas higiênicas – como um modelo ideológico ao os primeiros edifícios de apartamentos terem surgi-
qual são incorporadas inovações técnicas e sanitárias do em áreas nobres e modernas da cidade – como a
Cinelândia, no Centro, e Copacabana, na Zona Sul – uso residencial, com mudanças quanto ao uso do solo
e serem ocupados por estrangeiros e capitalistas, além e à distribuição da população.
de estarem associados a certas práticas próprias das clas- No novo espaço urbano muda-se a relação entre
ses média e alta, pode explicar, em parte, esta aceitação. habitação popular e habitação coletiva. Desde a proi-
Como afirma a autora “o edifício de apartamentos e bição dos cortiços e a redução da tradicional forma de
Copacabana viriam a sintetizar um novo modo e mo- moradia popular, as favelas se multiplicam, localizadas
rar que significava simplesmente ser moderno” (p.81). próximo a possibilidade de trabalho, seja no setor da
Essa aceitação pode, também, estar vinculada às construção civil ou nas proximidades das moradias
formas de divulgação através da promoção das suas vir- da classe média. É assim que a verticalização e a faveli-
tudes pelos meios de comunicação – os jornais e as re- zação dominam boa parte do cenário carioca, expondo
vistas –, que constroem a imagem da nova moradia co- a cidade sua face mais moderna.
letiva através das características opostas aos dos antigos Ao abordar a questão da modernidade, o livro
cortiços. “Rompe-se, dessa maneira, o elo de ligação aponta a habitação coletiva como expressão privile-
com os tipos antecessores de habitações coletivas” giada da modernidade, e vai além do contexto habi-
(p.87). tacional da arquitetura e do urbanismo, buscando a
Na questão estética e formal, afirma-se que, na interface entre as áreas temáticas da habitação e da mo-
medida em que as habitações coletivas são apropriadas dernidade. Nos itens específicos, a autora busca, em
pela classe média, são incorporados elementos de dife- cada um, uma particularidade, uma constatação e uma
rentes estilos arquitetônicos, um processo de embur- observação sobre algum aspecto dessas transformações.
guesamento da habitação coletiva, além da transforma- É na relação entre o individual e o coletivo, a moradia
ção de seu conteúdo social no período abordado. A e o trabalho, a fragmentação do espaço e a exclusão so-
diferença entre as antigas habitações coletivas, destina- cial que busca estabelecer um paralelo entre a escala da
das às classes trabalhadoras, consideradas insalubres, e cidade e a escala da habitação.
os novos prédios de apartamentos, destinados às clas- Concluindo, Lilian levanta discussões de grande
ses média e alta, está em ser a primeira concebida por pertinência ao mesmo tempo que proporciona uma
uma classe para a outra enquanto a segunda é a mora- leitura agradável, com exemplos e imagens que facili-
dia da própria classe que formula conceitos de bem e tam sua compreensão. O livro, que não pretende es-
mal morar. “Desde o início da polêmica ficou clara a gotar o tema, traz uma grande contribuição ao estudo
articulação habitação coletiva/‘desprovidos da sorte’ e da história das habitações no Brasil, principalmente
edifícios de apartamentos/burguesia” (p.133). Marca a considerando o percurso realizado – as transforma-
diferença a utilização de habitação “multifamiliar” em ções arquitetônicas, urbanas, sociais e simbólicas da
substituição à habitação “coletiva”. habitação coletiva no Rio de Janeiro do final do sécu-
Este simbolismo marca-se, principalmente, pela lo XIX até os anos 30 do século XX. Sem dúvida, um
requalificação de elementos existentes, deixando pa- percurso pouco explorado, com poucas publicações e
tente que os edifícios de apartamentos não são nada muitas possibilidades dentro da historiografia da ar-
do que as antigas habitações coletivas foram, e passam quitetura brasileira.
a ser tudo o que aquelas não haviam sido. Além do Muito já se escreveu sobre as experiências de ha-
que, ao prestígio da moradia soma-se o prestígio do bitação coletiva no final do século XIX e princípio do
local da moradia, o “conceito da habitação coletiva foi século XX no Rio de Janeiro – como, por exemplo,
renovado, transformando-se o seu sentido negativo Roberto Moura, em Tia Ciata e a Pequena África no
em positivo e metamorfoseando o seu sentido simbó- Rio de Janeiro, e Lia de Aquino Carvalho, em Contri-
lico” (p.141). buição ao estudo das habitações populares. Rio de Janei-
No que se refere ao espaço urbano, a abordagem ro 1886-1906, além de outros, que mesmo não tra-
se faz através das transformações na morfologia e na es- tando especificamente do tema, abordam questões
trutura urbana que acontecem com o início do proces- referentes às formas da habitação das classes menos fa-
so de verticalização que, no caso do Rio de Janeiro, vorecidas como Visões da liberdade e Cidade febril, de
apresenta o predomínio da localização litorânea e do Sidney Chalhoub, e Evolução urbana do Rio de Janeiro,
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GODARD, O. “Environnement, modes de coordination et systèmes de légitimité: analyse de la catégorie de patri-
moine naturel”. Revue Economique, Paris, n.2, p.215-42, mars 1990.
BENEVOLO, L. História da arquitetura moderna. São Paulo: Perspectiva, 1981.
Se houver até três autores, todos devem ser citados; se mais de três, devem ser citados os coordenadores, orga-
nizadores ou editores da obra, por exemplo: SOUZA, J. C. (Ed.). A experiência. São Paulo: Vozes, 1979; ou ainda,
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