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EZEQUIEL DE CAMPOS E O APROVEITAMENTO DOS RECURSOS

HIDROELÉCTRICOS NA PENÍNSULA IBÉRICA


(texto provisório1)
Ana Cardoso Matos, Universidade de Évora
Fernando Faria, Museu de Electricidade

INTRODUÇÃO
Ezequiel de Campos é historicamente uma personagem interessante pelos seus escritos e pela
sua intervenção em vários sectores da economia de que se destaca o eléctrico.
A sua acção poderá dividir-se em várias fases:
1ª - A fase em S. Tomé - (1899 a 1911) em que ocupa cargos técnicos, ligados às obras
públicas, e em que estuda as suas potencialidades agrícolas. É uma fase pouco conhecida,
mas que lhe deixará marcas, pois de quando em quando é tentado a dar o seu parecer sobre
questões coloniais. Entende as colónias sobretudo como um mercado para os produtos
metropolitanos e uma fonte de matérias-primas baratas. Nunca porá em causa o seu estatuto.
2ª - A fase na Assembleia Constituinte e todo o período até à I Guerra - é um período de
expectativas, de exposição do seu programa político, assente na reforma da situação agrária, e
na criação de indústrias que apoiem o mundo rural, à frente das quais, a electricidade.
Lentamente vai descrendo do sistema partidário, tal como se encontra, por não corresponder às
suas expectativas reformistas.
3ª - A fase da I Guerra até à sua participação no Governo - É abertamente contra a guerra e
traça um quadro negro da situação político-económica que daí resulta. Aproxima-se dos
sectores que virão a dar origem à Seara Nova, embora utilize já muitos argumentos que
parecem mais retrógrados que os da maioria dos seus amigos políticos da época. Recusa duas
participações no Governo: Sidónio Pais e Bernardino Machado, e aceita o cargo de Director dos
Serviços Municipalizados de Gás e Electricidade da Câmara Municipal do Porto (1922).
4ª - A fase da Ditadura Militar - Será um período em que terá uma forte influência politica, quer
directamente junto do seu Ministro do Comércio e Comunicações, Antunes Guimarães, quer
através do seu amigo Quirino de Jesus. Embora seja o período em que dão entrada na cena
política os "industrialista", assume também ele uma postura mais pragmática e consegue, no
campo da electricidade, sair vitorioso num primeiro embate: A questão de Bitetos, central

1
Texto provisório, todos os comentários e críticas são benvindas.

1
hidroeléctrica que propõe para o Douro e que alimentaria a cidade do Porto, seu grande cavalo
de batalha na altura, é autorizada.
5ª - A fase da institucionalização do Estado Novo até à II Guerra - Verifica-se, através de
estudos no terreno, que Bitetos é inviável, o que deve ter abalado o seu prestígio.
Simultânemente os "industrialistas" vão ocupando todos os cargos do Estado nos sectores da
electricidade e da indústria. Surgem logo a seguir as acusações de corrupção, a que responde
em A direcção dos Serviços Municipais de Gás e Electricidade. Finalmente, é Ferreira Dias,
enquanto presidente da Junta de Electrificação Nacional que negoceia o novo contrato de
fornecimento de electricidade à cidade do Porto, impondo as suas condições.
6ª - A fase final da sua vida - Sem qualquer tipo de peso político real, passa a ser encarado
pelas várias correntes do regime como figura decorativa: Faz conferências sobre os vários
temas que foi estudando ao longo da vida, participa nos trabalhos da Câmara Corporativa, onde
ainda "perturba" a aprovação da lei 2005, num ajuste de contas teórico com Ferreira Dias, mas
o único cargo que o regime lhe atribui é o de Presidente do Conselho Fiscal da H.E. do Douro,
outro cargo honorífico.
***
Parte do que atrás ficou dito carece de análise mais detalhada. O certo é que a obra teórica de
Ezequiel de Campos, tendo em conta as conjunturas em que escreve, devidamente
compreendida nas suas motivações, é uma excelente fonte para a história de Portugal
contemporâneo, indispensável, para quem queira compreender o pensamento sobre as
questões agrárias na 1ª República e o complexo processo político relativo à electrificação
nacional, sobretudo após o 28 de Maio.
Não vamos neste trabalho esclarecer toda a personalidade política e ideológica de Ezequiel de
Campos, de forma a enquadrar todas as questões que a sua personalidade levanta. Vamos
somente tentar entender qual a sua posição face ao problema do aproveitamento dos recursos
hidroeléctricos na Península Ibérica ao longo de várias conjunturas politico-económicas e de
que forma essa posição é englobada no seu pensamento, no período estudado.
O nosso trabalho analisa os seus textos Pela Espanha (1916), O problema da electricidade
para a região atlântica de Portugal, (1926) e O rio Douro na Economia Política da Península
Ibérica (1942), que tomámos como os mais significativos da questão em análise, ao longo da
sua obra.

2
1. PENSANDO NA COOPERAÇÃO IBÉRICA
1.1. O sector eléctrico português durante a República.
Durante a 1ª República o processo de electrificação foi deixado à livre iniciativa dos agentes
particulares: industriais individuais, empresas por quotas ou por acções, lançaram-se na corrida
às concessões, muitas das quais não chegaram a explorar, vendendo-as muitas das vezes e
especulando com elas.
Exceptuando o mercado das grandes cidades que se encontrava coberto por centrais térmicas
com alguma dimensão, (Sociedade de Energia Eléctrica, no Porto, e Companhias Reunidas
Gás e Electricidade, em Lisboa), que para além de produzirem electricidade para a iluminação
pública e privada forneciam electricidade para a indústria2, o sector era caracterizado por uma
grande dispersão de produtores. Ou seja, numerosas centrais, na maioria térmicas, que
visavam sobretudo o fornecimento de electricidade para a iluminação pública. As maiores
fábricas do país, que recorriam à electricidade, tinham que instalar as suas próprias centrais, na
maioria também térmicas, que nalguns casos potencializavam com acordos com as Câmaras
Municipais para fornecimento de electricidade para a iluminação pública.
A primeira informação sistemática de que dispomos para este período foi coligida por
Maximiliano Apolinário em 19173 e apenas nos transmite a situação das centrais de serviço
público, ou seja, das centrais “para venda a terceiros”, ficando de fora toda a autoprodução.
Apesar das limitações de uma estatística particular, que o próprio autor reconhece, pelo que se
sabe da evolução do sector, esta parece espelhar o fundamental do que de facto existia na
época.
As 12 centrais hidroeléctricas, mais as 6 mistas, elencadas pelo autor, tinham uma potência
instalada de 2335 kW, enquanto as 21 centrais térmicas atingiam 10.801 kW, isto é, na altura a
hidroelectricidade representava menos de 17,5 % do total da potência instalada. As 35
entidades produtoras/distribuidoras4 apenas cobriam 40 concelhos do país, o que representa
cerca de 15 % do total dos concelhos portugueses.
A produção de electricidade em Portugal era marcada por um desfasamento assinalável em
relação aos principais países europeus. O consumo específico em Portugal era apenas de 19
W por habitante, o que em termos práticos significa que pouco se vendia aos particulares e que
a maior parte da produção se destinava ao consumo em iluminação pública. De salientar que

2
Sobre a electricidade no Porto veja-se Ana Cardoso de Matos, Fátima Mendes e Fernando Faria, O
Porto e a Electricidade, Lisboa, EDP, 2003.
3
“A indústria da energia eléctrica em Portugal”, Revista de Obras Públicas e Minas, n.º 583 a 588, t.
XLIX, Julho a Dezembro, 1918, pp. 103 a 113.
4
Não existe ainda a separação entre as duas actividades.

3
algumas câmaras municipais tinham entrado já na via da produção por conta própria (9 casos –
cerca de 25 % dos conselhos servidos).
A maioria das centrais referidas por Apolinário fornecia apenas o mercado local: só a
Hidroeléctrica do Coura, a Hidroeléctrica do Corvete, a Hidroeléctrica do Varosa, a
Hidroeléctrica da Serra da Estrela e as Companhias Reunidas Gás e Electricidade tinham uma
dimensão que extravasava o nível concelhio, embora não se pudessem considerar, com
propriedade, centrais regionais (alimentavam no máximo 2 ou 3 povoações) e, como sabemos,
destas apenas a Hidroeléctrica do Varosa, a Hidroeléctrica da Serra da Estrela e as
Companhias Reunidas viriam a ter um papel importante no futuro próximo do sector.
Na altura em que Ezequiel de Campos escreve a obra Pela Espanha, já tinha eclodido a 1ª
Guerra Mundial, a qual desorganizara o comércio internacional e trouxera para os países com
escassos recursos minerais dificuldades acrescidas em obter o carvão necessário à indústria.
Em Portugal esta situação reflecte-se, quase de imediato, na produção das centrais
termoeléctricas. Quer a Central Tejo, em Lisboa, quer a Central do Ouro, no Porto, reduzem
drasticamente a produção de electricidade5.
Estavam criadas as condições para que a defesa da hidroelectricidade ganhasse uma maior
projecção em Portugal, como, aliás, acontece com a maioria dos países europeus. Em
Espanha, onde os primeiros aproveitamentos são precoces (no Ebro são instaladas as
primeiras centrais na primeira década do século), até à I guerra estavam instalados cerca de
85.000 kW e só no período da I guerra são instalados cerca de 165.000 kW6.
É este sucintamente o cenário em que Ezequiel de Campos desenvolve o seu pensamento
relativamente ao futuro do sector no primeiro trabalho que vamos analisar: Pela Espanha
(1916).

1.2. As propostas de electrificação de Ezequiel de Campos


1.2.1. Pressupostos teóricos
Partindo da ideia de que deveria existir uma organização internacional da economia em função
dos recursos naturais e do grau de desenvolvimento dos diferentes países, Ezequiel de
Campos defende para países como Portugal e Espanha, o primado da agricultura como motor
do desenvolvimento económico. Segundo ele os países do Norte da Europa, com menos
condições agrícolas, deveriam dedicar-se à indústria, enquanto que os povos do sul, com

5
Em ambas as cidades a produção de gás parou por período prolongado.
6
Ver anexo II e María Isabel Bartolomé Rodríguez, La industria Eléctrica en España (1880-1936),
Tecnología, recursos e instituciones, Forença, 2003. Tese de doutoramento.

4
melhores condições agrícolas deveriam especializar-se como produtores agrícolas para o seu
consumo e para a exportação, fornecendo ao mercado europeu bens alimentares e matérias-
primas para a indústria7.
Este seria o caminho mais fácil e o mais adequado às condições, quer climatéricas, quer
culturais de Portugal8, pois, a aposta no desenvolvimento industrial implicava importar cerca de
metade dos produtos alimentares e das matérias-primas industriais, quase todo o carvão para a
indústria e transportes, metais, produtos químicos, adubos e artigos industriais acabados,
máquinas agrícolas e industriais, etc., situação que segundo Ezequiel de Campos só seria
“financeiramente viável, continuando a mandar para fora muita gente que nos ganhasse o
dinheiro, pelos outros países”.9
O primado da agricultura sobre a indústria defendido nesta obra estava já presente em outros
escritos anteriores como a Conservação da Riqueza Nacional, que publica 1913. Nas obras
posteriores o problema do desenvolvimento agrícola do país voltará a ser uma constante10,
embora com o tempo as suas posições se vão matizando e o desenvolvimento industrial
assente na electricidade ganhe uma importância crescente11.
Em Pela Espanha, embora defendesse a especialização na agricultura como base do
desenvolvimento não afastava a necessidade de desenvolver a nossa indústria: “os [nossos]
centros industriais e metalúrgicos iriam aumentando a sua actividade, estimulados pelo
progresso agrícola e pela criação de riqueza correlativa”12.
O desenvolvimento agrícola vocacionado para a exportação pressuponha a existência de vias
de escoamento dos produtos, o que para a região norte de Portugal e para grande parte do
território espanhol seria obtido através da navegabilidade do Douro. E este será um dos eixos
da defesa do aproveitamento do rio Douro defendida por Ezequiel de Campos. Aproveitamento
que seria complementado pela utilização das águas deste rio para a irrigação, sobretudo em

7
Pela Espanha, p.405.
8
Defende que também à Espanha, muito conviria que a “vasta llanura de Castilla” se preparasse para ser
um fornecedor de produtos agrícolas, para o que carecia de energia hidroeléctrica que lhe podia dar o
Douro, especialmente a jusante de Zamora.
9
Idem, p.391.
10
Segundo Fernando Rosas, Ezequiel de Campos teria um posicionamento neo-fisiocráticos inspirado
numa tradição que remontava a Oliveira Martins. Fernando Rosas “As ideias sobre desenvolvimento
económico nos anos 30” in AAVV, Contribuições para a História do Pensamento Económico em Portugal,
Lisboa, Publicações D. Quixote, 1988, pp197 e seguintes.
11
J. M. Brandão de Brito, “ A <electrificação nacional> como base do desenvolvimento: Ezequiel de
Campos e Ferreira Dias” in José Luís Cardoso e António Almodover (coord) Actas do Encontro Ibérico
sobre História do Pensamento Económico, Lisboa, CISEP, 1992, p.398
12
Idem, p.370.

5
Espanha, e pela hidroelectricidade (o mesmo seria dizer, a electricidade barata) que permitiria o
desenvolvimento industrial e agrícola no norte de Portugal.
Com estes pressupostos a cooperação entre os dois países ibéricos era para Ezequiel de
Campos fundamental, chegando mesmo a propor a criação de um mercado ibérico unificado:
“Os obstáculos naturais, que desde o desmembramento da nação portuguesa têm mantido
isolados os dois grupos étnicos inicialmente irmãos, separados pelo relevo transmontano e pelo
selvagem sulco fronteiriço do Douro, cessariam: e em boa comunhão de interesses seguiriam o
mesmo ritmo de rejuvenescimento a gente portuguesa do Noroeste e a gente espanhola do
Noroeste da Meseta. Por aqui podia a Espanha fazer connosco um simplificador tratado de
comércio quase vizinho do zolverein*”.13
A este iberismo mitigado não será certamente alheia a influência martiniana, a que
fazem referência todos os seus estudiosos14, influência que é comum ao integralismo
lusitano e que terá estado na base da aproximação entre este movimento e o grupo da
Seara Nova, de que Ezequiel de Campos fazia parte.
A cooperação seria a via pela qual se ultrapassaria a situação de atraso estrutural dos
povos ibéricos. Caso contrário, Portugal estaria sujeito à invasão dos produtos
estrangeiros, “em situação tão má ou pior do que a trazida pelo tratado de Methwen,
apesar da pauta proteccionista”15. Desfasado mesmo da Espanha, que já nessa altura,
deveria servir de exemplo a Portugal pelos seus esforços de desenvolvimento, quer no
plano agrícola, quer no industrial: “comparadas com o quase estacionamento que noto
em Portugal [...], e uma leviandade e quixotismo pateta de quase toda a gente
portuguesa em face dos graves problemas que nos dizem respeito, bem como a
carência absoluta de algumas actividades fundamentais no nosso país, em contraste
com a Espanha, levam-me a pregar, embora para o deserto, que devemos trabalhar a
sério para que não fiquemos cada vez mais distanciados da Espanha.”16.
Por volta de 1913 as principais empresas hidroeléctricas espanholas já se encontravam
constituídas. Era o caso da Hidroeléctrica Espanhola, da Hidroeléctrica Espanhola ou da União

* Zolverein – união aduaneira dos estados germânicos criada em 1833 (nota do autor)
13
Pela Espanha, p.406.
14
Ver, por exemplo, de Fernando Rosas, “As ideias sobre desenvolvimento económico nos anos 30:
Quirino de Jesus e Ezequiel de Campos”, in Contribuições para a História do pensamento económico em
Portugal, Lisboa, 1988.
15
Idem, p.389.
16
Idem, p.407.

6
Eléctrica Madrilena17. Entre as grandes empresas que se constituíram em Espanha nas
vésperas da 1ª Guerra Mundial destacou-se também a Barcelona Traction , Light & Power,
constituída em 1911. Sob o impulso desta empresa assistiu-se a um enorme desenvolvimento
da hidroelectricidade, nos anos seguintes: de 3.300kW em 1913 passou a 39.300kW em 1914,
conhecendo depois uma tendência ascendente18. Em Portugal embora já existissem alguns
aproveitamentos hidroeléctricos, o montante dos kW produzidos pelas centrais hidroeléctricas e
mistas públicas elevava-se, como se disse, apenas a 2335 kW.

1.2.2. As propostas de electrificação


Na obra Pela Espanha, Ezequiel de Campos analisa a importância hidroeléctrica do Douro,
deixando de lado toda a região sul, Tejo incluído. Esta prioridade dada ao Douro, resulta da
tese central que desenvolve nesta obra – a necessidade de a cooperação com Espanha passar
pela navegabilidade do Douro, como forma de se obter uma estrada comercial para o Noroeste
da Meseta. Mas, o seu interesse no aproveitamento hidroeléctrico do Douro justifica-se também
pelo peso do norte do país no desenvolvimento agrícola, industrial e demográfico, e,
provavelmente, pelo peso das Companhias Reunidas no mercado de Lisboa
Ao analisar o traçado do Douro, dividindo-o em três secções:
- de Zamora a Barca d’Alva
- de barca d’Alva a Mosteirô
- de Mosteirô ao Porto
Na primeira secção, ainda do lado espanhol encontra-se um grande desfiladeiro (500 metros de
desnível). Aí era indispensável fazer uma ou mais represas. Estas represas eram necessárias
para a regularização do rio e para a sua utilização do lado português. A energia produzida nesta
secção do rio destinar-se-ia fundamentalmente ao mercado da região espanhola do noroeste da
Meseta. Na segunda secção, já em território português, as obras a realizar seriam sobretudo
destinadas à navegabilidade do Douro, já que a existência da linha-férrea não permitiria outras
obras Na terceira secção, os únicos embaraços residiam na existência de povoações que seria
necessário inundar, mas “Vencida esta dificuldade social-financeira” poder-se-iam construir
centrais hidroeléctricas cujo mercado preferencial seria o do Porto.

17
Maria Isabel Bartolomé Rodrigues, La Industria eléctrica en España (1880-1936). Tecnologia, recursos
e instituiciones, Tese doutoramento, IUF, 2003, p.48. Veja-se o quadro anexo.
18
Horácio Capel (dir.) Las Tres Chimeneas. Implantación Industrial, cambio tecnológico y transfornación
de un espacio urbano, Barcelona, FECSA, 1994, p.47-49.

7
A falta de levantamentos topográficos e de estudos científicos sobre este rio, como aliás sobre
todos os principais rios portugueses, impedem-no de indicar a localização das centrais que
seria necessário construir.
Nesta obra afasta outras hipóteses de produção de hidroelectricidade para a região do
Nordeste pois, segundo ele, os outros rios não tinham as vantagens do Douro, apenas
resolvendo o problema da energia eléctrica mais urgente e deixando por resolver o problema
comercial, ou seja, o da navegabilidade do Douro. No entanto, considera que num cenário em
que não fosse possível a cooperação com a Espanha a única alternativa viável era o
aproveitamento do Cávado-Rabagão, com bacia quase toda em território nacional e com
grande capacidade fluviométrica. Mas esta solução só resolveria a curto prazo o problema, pois
“daríamos ao Noroeste apenas a energia hidroeléctrica mais fundamental de momento”19. Nesta
altura a cidade do Porto já tinha 36.000 CV-vapor de potência instalada, a qual, segundo
Ezequiel de Campos, seria insuficiente quando o fornecimento de energia hidroeléctrica
entrasse em vigor, já que previa que esta energia por ser mais barata teria como consequência
o aumento do consumo. Concretizando-se esse aumento de consumo “então o
Cávado-Rabagão, com os seus cinquenta mil cavalos nas centrais, não chega para o
Noroeste”20.
Além disso, o Porto não veria resolvido o seu problema de transportes por via fluvial, ao longo
do Douro; as relações comerciais com a Espanha não seriam incrementadas; e perdia-se, a
favor de Espanha, a oportunidade de aproveitar o valor energético do Douro para o
desenvolvimento económico português. Ideia que Ezequiel de Campos retomará em 1918 ao
afirmar – “a maior questão vital do Nordeste é a das quedas de água: se nós não soubermos
defende-las para e aproveita-las para nós, não teremos o direito de nos queixarmos quando (...)
os estrangeiros nos venderem caro a energia da água que lhes tivermos dado de graça”21.
O desenrolar da 1ª Guerra Mundial, ao dificultar o abastecimento de carvão para as centrais
termoeléctricas favorecerá a defesa da produção de electricidade a partir da “hulha branca”, o
que reforça a necessidade de se conhecer as potencialidades dos recursos hídricos
portugueses. E Ezequiel de Campos conhecido pela sua defesa da hidroelectricidade é
chamado a colaborar nesses trabalhos. Assim, em Janeiro de 1918, Francisco Xavier, ministro
do Comércio, que conhecia os trabalhos deste engenheiro e que era também um defensor do

19
Idem, p.394.
20
Idem, p.396.
21
Ezequiel de Campos, “Quedas de água. Um grande valor que nos foge” in O Trabalho Nacional, Ano
IV, n.º 42, Junho de 1918, pp.81-82.

8
aproveitamento dos rios portugueses como fonte de produção de electricidade22, nomeia-o
chefe de Brigada de Estudos Hidráulicos, integrada na Junta de Hidráulica Agrícola. No
desempenho destas funções Ezequiel de Campos promove o levantamento das plantas do rio
Douro e dos seus afluentes, do rio Cávado e seus afluentes e do rio Tejo, desde Vale de
Figueira até abaixo de Setil. O conhecimento das potencialidades destes rios terá influência nos
seus escritos posteriores, nos quais o Douro deixa de ser a única alternativa.
A sua entrada para a Direcção dos Serviços Municipais de Gás e Electricidade da Câmara
Municipal do Porto em 1922, exige-lhe o estudo de soluções concretas para resolver a
necessidade de aumentar o fornecimento de electricidade à cidade, a que degradada Central
do Ouro já não conseguia dar resposta. Por sua iniciativa a partir de 1923 a Central do Lindoso,
localizada no rio Lima e que entrara em funcionamento no ano anterior, passa a fornecer a
electricidade necessária à cidade do Porto.
Assim, se o aproveitamento do Douro tinha sido, e continuaria a ser, o seu cavalo de batalha as
suas responsabilidades enquanto técnico dos serviços camarários portuenses obrigam-no a
virar-se para as soluções disponíveis.
.
2. PENSANDO NO EXEMPLO ESPANHOL
2.1. O sector eléctrico no pós I Guerra Mundial
É por volta de 1915, em plena guerra, que o sector eléctrico inicia uma segunda etapa de
progresso tecnológico que diversifica os seus usos e democratiza a sua utilização23. O motor
eléctrico, embora já fosse utilizado pela indústria, conhece uma difusão exponencial e com o fim
do conflito as utilizações públicas e privadas ampliam-se, o que obriga a aumentar a produção
de energia eléctrica.
A guerra é também o momento em que os países se viram definitivamente para os
aproveitamentos hidroeléctricos. Em França, por exemplo, entre 1914-1918 os pedidos de
concessão de aproveitamento hidroeléctricos foram numerosos e a potência aumenta 94%
durante estes anos24.
No pós 1ª Guerra assiste-se em todos os países industrializados à criação de grandes centrais
e à interconexão entre elas. A partir de 1920 as empresas electrotécnicas adoptam estratégias
cujos principais eixos são a especialização e a complementaridade. Assiste-se a, assim, à fusão
de concorrentes num mesmo país e à constituição de carteis quer a nível nacional, quer a nível

22
VER Livro O Porto e a Electricidade
23
Maria Isabel Bartolomé Rodrigues, La Industria eléctrica en España (1880-1936)., Ob. Cit., p.30.
24
Alain Beltrain e Patrice A. Carré, La fée et la servante. La société française face à l’électricité. XIXe –
Xxe Siècle, Paris, Belin, 1991, p.257.

9
internacional. Entre 1920 e 1935 a electricidade conhece um vasto movimento de integração
vertical, que reúne produção, transporte e distribuição, e horizontal, pela extensão das regiões
abrangidas, como aconteceu em França25. O desenvolvimento do sector eléctrico se, por um
lado corresponde ao aumento de consumo público, privado e industrial, por outro lado, passa a
exigir uma maior mobilização de capitais.
Os grandes investimentos que a produção de electricidade passa a exigir, a par com a política
de internacionalização seguida pelos grandes grupos de empresas de electricidade, traduzem-
se no aumento de investimento estrangeiro em Portugal. A partir de 1913 a SOFINA passa a
ser um dos grandes accionistas da CRGE e a UEP resulta da associação dos capitais
espanhóis da Electra del Lima com a casa bancária Pinto & Sotto Mayor.
Para Portugal conhecem-se dados oficiais a partir de 1927 e pela estatística desse ano e do
seguinte26 ficamos a saber que existiam em Portugal:
- 314 Centrais eléctricas das quais 174 eram de serviço particular e 140 de serviço público
(destinadas à distribuição).
- As centrais de serviço particular representavam apenas 16,5% da Potência Instalada (PI).
- Das centrais de serviço público, 36 eram hidroeléctricas e 104 termoeléctricas.
- A potência instalada (PI) em centrais hidroeléctricas representava 25% da PI total (e 29,1%
do consumo). Esta potência era, em números globais de 134 156 kW.
- Das centrais hidroeléctricas apenas duas excediam os 5 000 kW (central do Lindoso, no rio
Lima e do Chocalho, no Varosa) e das termoeléctricas apenas três (CRGE, em Lisboa,
Freixo, no Porto e Companhia Carris de Lisboa).
Em 1927/28 o sector eléctrico era caracterizado pela existência das primeiras empresas de
dimensão regional: a Electra del Lima/União Eléctrica Portuguesa (UEP), as Companhias
Reunidas Gás e Electricidade (CRGE), a Empresa Hidroeléctrica da Serra da Estrela (EHESE),
a Hidroeléctrica do Alto Alentejo (HEAA), a Empresa Hidroeléctrica do Coura (EHE Coura), a
Companhia Hidroeléctrica do Varosa (CHEV); mas todas elas ainda em situação embrionária,
quer quanto aos seus sistemas electroprodutores, quer quanto aos futuros mercados.

25
Cristian Stoffaes, “Naissance da la régulation” in Alain Beltran, La ville-Lumiêre et la fée électricité,
Energie électrique dans la région parisienne ; service publique et entreprises privées, Paris, Ed Rive
Gauche. IHI, 2002, pp. XXIII,- XXVI
26
Publicada, a primeira, na Revista da Associação dos Engenheiros Civis Portugueses, n.º 646, de
Maio/Junho, 1928; e a segunda em volume autónomo. A partir de 1928 passam a ser publicadas por
iniciativa das entidades com tutela sobre o sector: Repartição dos Serviços Eléctricos, referentes a 1928
a 1930; Direcção dos Serviços Eléctricos, referentes a 1929 a 1934; Junta de Electrificação Nacional,
referentes a 1935 a 1942; Direcção Geral dos Serviços Eléctricos, referentes a 1943 a 1982; Direcção
Geral de Energia, referentes a 1983 e1984.

10
Esta situação reflecte o desfasamento de Portugal em relação à situação internacional. De facto
o consumo per capita português estava longe dos valores atingidos pelos países
industrializados. Elevando-se a 29,14 kWh (tendo em conta a população recenseada em 1920),
este valor que ficava muito aquém dos registados para os principais países europeus. O próprio
relatório apresenta uma comparação com outros países: Canadá – 975 kWh; Suíça – 800;
Estados Unidos – 560; França – 238; Alemanha – 182; Itália – 180; Inglaterra – 177; Espanha –
100.
Desfasamento ainda maior se se atender a disparidade do consumo nas várias regiões do país.
Só os distritos de Lisboa (38,37%) e do Porto (27,67%), representavam mais de metade do
consumo nacional. O consumo tinha ainda algum significado em Braga, Leiria, Viseu, Setúbal e
Coimbra (entre os 6,1 e os 3,33%), mas era insignificante nos restantes distritos (no total de
11%). De notar que, por exemplo, em Setúbal, apesar dos seus 3,54% de consumo total, a
cidade não dispunha sequer de uma rede de distribuição pública sendo por isso todo o seu
consumo apenas industrial.
As empresas de distribuição com dimensão regional apenas serviam, de uma maneira ou de
outra, 36 concelhos em todo o país, enquanto que os restantes ou não tinham electricidade
(135 dos 272 concelhos) ou estavam ainda na fase anterior, ou seja, na fase das pequenas
centrais locais (metade das quais camarárias), que apenas serviam a iluminação pública e
alguma (pouca) iluminação doméstica. Porque muitas destas centrais apenas funcionavam ao
fim da tarde e princípio da noite, não se punha, na maior parte do país, a possibilidade de
outros usos domésticos.
Foram empresas acima referidas as primeiras e praticamente as únicas a venderem à indústria,
mas devido à sua política de preços e à irregularidade de fornecimento anual, não davam totais
garantias, e a indústria preferia a autoprodução, na esmagadora maioria de origem térmica, ou
pelo menos a instalação de centrais de reserva destinadas a ser usadas quando falhava a rede
pública. Assim, muitas das centrais de empresa eram das maiores existentes em Portugal nesta
altura.
Tal como aconteceu nos outros países, os anos da guerra e a década de vinte foram marcados
por numerosos pedidos de concessão de aproveitamentos hídricos para produção de
electricidade, facto que é referido na Estatística de 1927. No entanto, Vasco Taborda Ferreira27
alerta para o facto destes números não traduzirem a totalidade das disponibilidades hidráulicas
do país. Refere também que poderiam existir projectos de “escasso valor técnico e económico”,
mas apesar disso os números são impressionantes: contra os 49 368 HP (cerca de 33 335 kW)

27
Chefe da Repartição dos Serviços Eléctricos, responsável pela estatística.

11
de potência instalada existiam 1 766 974 HP (mais de 1 300 000 kW) em pedidos de
concessão. Isto é, apenas 3% das disponibilidades hidroeléctricas conhecidas estavam
instaladas, mas existia quem se candidatasse a novos aproveitamentos hidroeléctricos.
O maior interesse pelos recursos hídricos do país teve correspondente na legislação e em 1926
foi publicada a “Lei dos Aproveitamentos Hidráulicos”28. Nesta lei definem-se logo à partida os
princípios de uma intervenção proteccionista por parte do Estado no sector eléctrico e
especialmente hidroeléctrico, como forma de reduzir os custos de importação do carvão
estrangeiro e de valorizar os recursos nacionais, no sentido de apoiar integradamente o
desenvolvimento industrial e agrícola. Pretendia-se com estas medidas estabelecer um clima de
confiança por parte dos investidores, que poderiam contar, inclusive com o apoio financeiro do
Estado.
A lei nas suas Bases define:
- O conceito de Rede Eléctrica Nacional, como o conjunto das “linhas destinadas a efectuar o
transporte de energia eléctrica das regiões produtoras para as consumidoras, (...), as linhas
colectoras da energia produzida pelas centrais e as linhas ou redes de distribuição regional”.
- Que “as linhas classificadas como fazendo parte da rede eléctrica nacional serão
consideradas de utilidade pública e de interesse nacional para os efeitos da sua construção
e exploração, e serão objecto de concessão” o que “nunca importará porém o monopólio de
servir a região atravessada por elas”.
- Que “será criado um fundo especial de electrificação destinado a auxiliar” a construção das
linhas, as oficinas hidroeléctricas, a instalação de centrais térmicas de interesse nacional, a
criação de indústrias de interesse nacional utilizadoras de electricidade e, a custear todas as
despesas da sua própria gerência e demais serviços da rede eléctrica nacional.
- “Que o fundo especial de electrificação seja constituído pelo produto dos empréstimos
emitidos pelo Estado, pelas dotações orçamentais anuais, pelas rendas que ao Estado
paguem as empresas exploradoras de concessões de aproveitamentos hidroeléctricos,
pelos rendimentos provenientes da exploração das linhas da rede eléctrica nacional que
forem exploradas pelo Estado e pelas rendas ou impostos que o Estado receba daquelas
que forem exploradas por particulares, pelos impostos pagos ao Estado pelas empresas que
exploram oficinas de produção de energia e redes de distribuição, pelo produto de um
imposto adicional a lançar sobre os combustíveis importados. Este fundo ficará a cargo da
Administração Geral dos Serviços Hidráulicos e da secção de electricidade do concelho
geral dos mesmos serviços”.

28
Decreto n.º 12.559 de 20/10/1926, do Ministério do Comércio e Comunicações.

12
- Que a Direcção Geral de Minas e Serviços Geológicos procederá ao estudo dos carvões
nacionais sob o ponto de vista da sua utilização mais completa, perfeita e económica, tendo
em atenção a produção de energia eléctrica como complemento dos aproveitamentos
hidroeléctricos do País
- Que o Ministério do Comércio e Comunicações procederá imediatamente aos estudos
definitivos da viabilidade técnico-económica das linhas de transporte e de distribuição de
energia eléctrica destinadas a servir Lisboa, Porto, Coimbra, Aveiro, Alentejo, e redes de
distribuição nas regiões consumidoras vizinhas das mesmas linhas como: Minho litoral, Vale
do Ave, Porto e arredores, Baixo Vouga, Baixo Mondego, Estremadura litoral, Estremadura
ribatejana, Lisboa e arredores, região mineira do sul e litoral do Algarve, bem como das
centrais que as alimentem.
- Que o material eléctrico e todo o outro material importado que se destine às centrais
produtoras de energia eléctrica e à instalação e exploração das indústrias eléctricas que
ainda não seja produzido pela indústria nacional, será livre de direitos alfandegários.
Tratava-se de todo um programa de actuação no sector eléctrico, com o qual se pretendia, por
iniciativa e sob a direcção do Estado, inverter o nosso atraso estrutural no sector.

2.2. As propostas de electrificação de Ezequiel de Campos


2.2.1. Pressupostos teóricos
O texto O problema da electricidade na região atlântica é apresentado no 3º Congresso da
Electricidade, o qual tinha como um dos principais objectivos discutir os grandes problemas do
sector. Porque exposto num congresso de electricidade o pensamento de Ezequiel de Campos
é neste texto muito menos desenvolvido no campo teórico29. Assim, apenas no capítulo final faz
algumas considerações sobre a prioridade que se devia dar à electrificação como motor do
desenvolvimento: “Então a electricidade tem de ser fatalmente o grande factor do
rejuvenescimento. [...]. Só a cega ignorância não vê que, em Portugal, falta, de Norte a Sul,
desde a região brumosa e húmida do Noroeste até ao litoral luminoso do Algarve, a
electricidade abundante e barata como factor essencial e imprescindível da nossa reforma
mental, moral e de bem-estar”30.
Embora continue a defender a agricultura como base do desenvolvimento do país --Não tendo
Portugal um passado de utilização científica do seu vasto e variado território, nem na indústria
nem na agricultura, e não estando educada para a vida real do trabalho bem organizado a
29
Não sabemos até que ponto esta secundarização dos seus temas teóricos favoritos tem a ver com a
conjuntura política resultante da Revolução de 28 de Maio.
30
Idem, p.53.

13
nossa população, não será prudente esperar-se um grande desenvolvimento industrial, agora
condicionado pela metalurgia do ferro e pela electroquímica, como, por exemplo, realiza a Itália.
Mais fácil se afigura um forte progresso na agricultura, acompanhado imprescindivelmente pela
indústria das máquinas agrícolas e por todas as indústrias relacionadas com as necessidades
normais da vida para que tenhamos matérias-primas”31- considera-a agora dependente da
electricidade.
Só com o desenvolvimento da produção de electricidade se criariam as condições para uma
modernização efectiva do sector “... para Portugal, como para a Itália e para a Espanha, o factor
indispensável, e o mais potente modificador do afinal ingrato condicionamento climático e
territorial (...), é a electricidade, sem a qual não se pode obter água de rega nem aumentar a
nossa capacidade de produzir em todo e qualquer ramo de actividade necessária”32. Mas, se a
electricidade passara a ser um elemento fundamental do desenvolvimento agrícola, o papel que
desempenha na modernização industrial exige a produção de altos contingentes desta energia,
situação que favorece a concentração das empresas electrotécnicas.
Homem do seu tempo, que acompanhara o progresso tecnológico do sector eléctrico e a
concentração de empresas registada na produção e distribuição de electricidade33, Ezequiel de
Campos, contrapõe a este movimento a realidade portuguesa, onde apenas a hidroeléctrica do
Lindoso tinha uma produção de electricidade que rondava os 7000kW34. E onde, ao arrepio do
que se verificava nos outros países industrializados, a desconexão da produção e distribuição
de electricidade continuava a ser a regra. Como refere neste texto - “Exceptuando o Lindoso e a
sua serventia, toda a produção da nossa região atlântica está ainda desconexa e
individualizada, na maior parte pelo vapor. E não há também nenhumas outras linhas de
transporte de electricidade além das do Lindoso e Varosa”35.
Ao contrário de Portugal, a Espanha acompanhava nesta altura o movimento geral da Europa,
quer no aproveitamento de recursos hídricos, quer na concentração de empresas (veja-se o
mapa anexo). Neste processo Juan Urrutia, de que Ezequiel de Campos, conhecia os projectos,
a obra e as publicações36, tem um papel de grande relevo37.O próprio aproveitamento do

31
Idem, p.51/52.
32
Idem, p.52.
33
Idem, p.1.
34
Idem, p.9.
35
Idem, p.10.
36
Das obras de J. Urrutia destacam-se: La energia hidráulica en España e sus aplicaciones (1917); La
energia hidroeléctrica en España. Antecedentes que deben tener-se en cuenta al redactar la nueva ley de
aprovechamientos hidráulicos para la producción de energia (1918); La energia hidroeléctrica en
España. Réplica en propria defensa a ciertos escritos contrarios mis anteriores folletos (1919).

14
Lindoso faz-se com o recurso a capitais espanhóis. A Empresa Electra del Lima, que explora
esta central e a linha de transporte Lindoso-Porto, tem como accionistas as sociedades
Hidroeléctrica Espanhola, a H. Ibérica, a Electro de Viesgo; a Cooperativa Electra de Madrid, a
Electra Valenciana, a Union Eléctrica Vizcaina e a Union Eléctrica de Cartagena.
E o caso espanhol surge logo à partida como exemplo a seguir por oposição ao que Ezequiel
de Campos (que aqui seria acompanhado pela maioria dos que pensavam o sector) considera
serem os pontos fracos da electrificação portuguesa: a pequenez das centrais existentes, a falta
de interligação entre os sistemas, a necessidade de recurso à autoprodução, pela indústria.
Para a resolução do problema eléctrico português, este engenheiro continua a apostar na
hidroelectricidade, considerando que, apesar dos aperfeiçoamentos técnicos que nos últimos
anos tinham conhecido as caldeiras e turbinas de vapor e que se traduziam por um menor
consumo de combustível, a escassez e o fraco valor calórico dos carvões nacionais remetiam
para lugar secundário a opção térmica. E isto apesar da região atlântica de Portugal dispor de
dois portos marítimos que facilitariam a importação de combustível. Como dirá esta solução era
“uma dependência muito grande em caso de guerra ou perturbação social nos países
fornecedores de carvão, como era o caso da Inglaterra”. A este inconveniente acrescentava
ainda os custos mais elevados de montagem e manutenção das centrais térmicas, na maioria
dos casos dependentes da tecnologia estrangeira.
Ezequiel de Campos justifica a sua defesa da hidroelectricidade pela “lição dos países de
recursos carboníferos similares, ou relativamente mais abundantes que os nossos, da Espanha
e da Itália, por exemplo, aonde a utilização hidroeléctrica já tomou e vai tomando cada vez
maior incremento e predomínio à termoeléctrica”38.
Embora não abandone a ideia da cooperação com Espanha para o aproveitamento do Douro,
considera que “A prioridade que houve nas realizações hidro-eléctricas que estão em laboração
em Espanha, e as possibilidade de energia em Portugal mais fáceis de realizar, colocam o
Douro fronteiriço, para nós portugueses, na categoria dos aproveitamentos pouco prováveis por
enquanto”39. Assim, as opções portuguesas em matéria de produção de electricidade são
estudadas tendo em conta a lógica interna do país e a Espanha surge apenas como o grande
exemplo a seguir.

37
Sobre o assunto veja-se Maria Isabel Bartolomé Rodrigues, La Industria eléctrica en España (1880-
1936)., ob. Cit., principalmente o ponto « Saltos del Duero y el grupo Eléctrico: Orbegozo vs Urrutia”, p.
274 e segts.
38
O Problema da electricidade…, ob. Cit., p.22.
39
Idem, p. 2.

15
2.2.2. As propostas de electrificação
Afastada a hipótese da cooperação com a Espanha no aproveitamento do Douro, Ezequiel de
Campos centra a sua análise na região atlântica do Porto a Lisboa, a qual “desde o rio Minho
até ao Tejo, tem uma população tão ou mais densa que a das regiões espanholas de máximo
consumo de electricidade, e possibilidades agrícolas, industriais e comerciais equiparáveis às
daquelas”40.
A esta alteração não será alheia a concretização pela Electra del Lima e pela sua subsidiária
União Eléctrica Portuguesa (UEP) das centrais do Lindoso (hidroeléctrica) e do Freixo
(termoeléctrica de apoio), de capital espanhol em exclusivo, a primeira, ou maioritário, a
segunda, que tinham capacidade produtiva para alimentar toda a região de noroeste até ao
Porto e mesmo de se expandir mais para sul. Este sistema tornou-se, (a par da Central Tejo,
para a região de Lisboa), o maior em território nacional (12.000 kW) e o único de dimensão
realmente regional. Na altura, apenas a Companhia Hidroeléctrica do Varosa, tinha uma linha
de transporte para esta zona (até Matosinhos), mas com pouca potência instalada (4.300 kW) e
sem regularização estival.
O levantamento da capacidade produtiva das diferentes centrais existentes no país levam-no a
considerar que o sistema Lindoso-Freixo tem condições para suportar as necessidades de
fornecimento de electricidade, mesmo atendendo ao presumível aumento dos consumos, e
alimentar toda esta região pelo menos até 1930. E conclui que esse será o tempo (1926-1930)
de que o país dispõe para avaliar a viabilidade das diferentes opções e concretizar os projectos
que dessem uma resposta ao previsível aumento do consumo de energia eléctrica.
Segundo Ezequiel de Campos existem duas possibilidades fundamentais:
a) A solução termoeléctrica, que afasta de imediato, pelo menos em larga escala, por não
oferecer vantagens, nem no custo da energia produzida, nem na influência financeira e
económica, pois representaria um pesado tributo ao estrangeiro, quer no custo dos
carvões quer nos custos de instalação, reparação e manutenção das centrais, e seria
pouco menos que utópico pensar nessa solução com carvões nacionais tendo em conta
a produção de então e os custos para a sua exploração intensiva. Apenas numa central
de apoio, se justificaria a utilização dos carvões durienses. Também aqui o exemplo
espanhol serve para reforçar as suas ideias: “Citemos apenas alguns casos de
Espanha: a Electra de Viesgo, que abastece uma boa parte das terras cantábricas de
fácil acesso ao carvão estrangeiro, e vizinhas dos jazigos de carvão asturianos, na
produção de cinco milhões de kWhora no início, em 1911, mais de metade fora pelo

40
Idem, p.10.

16
vapor; (...), na (produção) de 103 milhões em 1925, menos de 2,6 milhões
termoeléctricos (1/40)”41.
b) b) A solução hidroeléctrica, para a qual apresenta diversas alternativas, afastando,
contudo, quer os aproveitamentos que não tinham dimensão regional, quer os
aproveitamentos do Tejo, do Zêzere e do Paiva, onde considerava não ser possível
conseguir a potência necessária para a região em estudo.
Para o Douro português prevê dois aproveitamentos relativamente grandes, que não identifica,
mas é bastante céptico em relação à sua concretização “por falta de ambiente”, apesar de
considerar que, não só seria a melhor solução sob o ponto de vista dos interesses regionais,
como era viável realizar um aproveitamento hidroeléctrico próximo do Porto, que combinado
com os sistemas Lindoso-Freixo e Serra da Estrela, atingiria no Verão 40.000 kW e no Inverno
63.000 kW, energia que seria suficiente para toda a região atlântica, incluindo Lisboa. Com a
correcção do regime do rio, obras que estavam previstas para Espanha, era previsível que
estes aproveitamentos aumentassem ainda a sua potência estival.
As obras no Douro tinham ainda a vantagem de facilitar a sua utilização como via de
comunicação, ideia que associou sempre ao aproveitamento energético deste rio.
A sua aposta no aproveitamento do Douro inscreve-se nos mesmos princípios que estiveram
subjacentes ao decreto espanhol de 23 de Agosto de 1926 que atribuíra ao Douro três funções
primárias: rega; energia e navegação. E, apesar de considerar que o momento não era
favorável a um entendimento entre os dois países em relação ao Douro, continuava a
considerar que “se, por uma bem entendida política luso-espanhola, viesse a efectivar-se o
aproveitamento do Douro português (abaixo de Barca de Alva), dentro de alguns anos estaria
realizada a interconexão desde o Porto até Madrid, ao longo do Douro português e através das
Castelas, e de Madrid até Valência, na primeira linha transversal do Atlântico ao
Mediterrâneo”42.
Temia, contudo, “que da nossa parte e da parte da Espanha seja difícil e demorado o ajuste de
interesses: e que, por isso, fique tão retardado o aproveitamento do Douro português, que
outros valores primeiro se realizem”43. De facto a concretização deste projecto exigia
“demorados preliminares de realização, pelas expropriações, por interferir com a navegação
fluvial e marítima e com o caminho-de-ferro do Douro, e pela própria grandeza do

41
Idem, p.22
42
Idem, p.40
43
Idem, p.41

17
empreendimento, parte do qual em pedidos de concessão, irrealizáveis todos nos seus
termos”44.
As negociações com Espanha que, como vimos, considerava difíceis levam-no a abandonar a
solução do Douro. No entanto, ao contrário daquilo que previa no ano seguinte, por iniciativa
espanhola, chegou-se a um acordo de exploração do Douro internacional, mas tal acordo não
deu quaisquer frutos da parte portuguesa, antes dos anos 50.
No contexto em que apresenta este texto acaba por considerar, um pouco a contragosto, a
solução do Cavado como a mais viável, “se apenas da grandeza dos valores potenciais ficasse
dependente a solução do problema da energia” pois era “o rio de maior valia e capaz de só por
si bastar para a serventia da região atlântica Porto-Lisboa por algum tempo”, prevendo uma
potência mínima permanente de 20.000 kW. Mas “será provável a saturação rápida da
capacidade do plano do Cávado, no caso de ele servir também Lisboa”45.
E, tendo em conta a situação: “de carência de empresas de Portugal para as grandes obras
hidroeléctricas; da falta de iniciativa dos governos; de mesquinhez do mercado regional de
energia; de atraso das minas de carvão; e, sobretudo, do vagar em todo o progresso económico
português”46, considera improvável a realização de um grande plano hidroeléctrico. Assim
sendo Lisboa continuaria com a produção termoeléctrica e apenas se realizaria o plano da
Serra da Estrela (rio Alva), com ou sem uma central termoeléctrica relacionada com as minas
de carvão durienses.
Com estes elementos poderia lançar-se a linha de transporte Porto-Coimbra a 130 kW, e
Coimbra-Leiria, a 40 kV, podendo alcançar-se Alcobaça e Tomar; Caldas da Rainha e
Entroncamento.
“Até quando bastaria para o mercado atlântico esta potência? Não o sabemos prever: talvez até
1938, se continuar morosa a nossa vida.47”. Mas como refere Ezequiel de Campos, “uma
conclusão ressalta deste exame sumário das soluções do abastecimento de electricidade à
região atlântica: que individualmente cada um dos valores hidroeléctricos potenciais não
satisfará as exigências do mercado senão por um período muito curto. E, por isso, é necessário
ir interligando os valores hidroeléctricos”48.
Nesta obra aborda também uma outra questão: a falta de empresas portuguesas com a
dimensão necessária para a realização dos projectos de electrificação, concluindo que não há

44
Idem, p.46
45
O Problema da electricidade..., p.27.
46
Idem, p.29.
47
Idem, p.35.
48
Idem, p.44.

18
nenhuma empresa portuguesa com capital suficiente e que os governos se têm limitado “a
registar no ‘Diário do Governo’ e em alvarás concessões hidroeléctricas irrealizadas”. À falta de
dimensão das empresas portuguesas contrapõe o exemplo espanhol, onde ao nível da
capacidade de concretização dos projectos hidroeléctricos sobressai o nome do engenheiro D.
João Urrutia y Zulueta49. De facto Urrutia esteve na base de 21 empresas, na maioria
hidroeléctricas, quer em Espanha, quer em Portugal, quer na América Latina.
O exemplo de Urrutia é aqui também evocado para lembrar que a partir do Lindoso/Freixo o
problema da electricidade para Portugal está intimamente ligado a Espanha, pois a
Electricidade do Porto para o sul está entregue à iniciativa dos espanhóis e o capital espanhol
já colocado nesse sistema ”obrigará à marcha para o sul do Douro até ao Mondego, e para lá
do Mondego... É uma fatalidade. As estradas, os portos, as obras de rega, os caminhos-de-
ferro... tudo o mais pode ficar à espera da nossa iniciativa: a electricidade do Porto para o sul
está entregue à iniciativa dos espanhóis”50.
A falta de desenvolvimento do sector eléctrico em Portugal é em grande parte atribuída por
Ezequiel de Campos ao governo, pois “não foi propriamente a real deficiência de estudos e
planos, a miséria de capital e a falta de engenheiros peritos o que estorvou a realização das
obras da electricidade: foi e é sobretudo a insciência de um programa de acção, e a
51
incapacidade orgânica de coordenação e comando da parte governativa” . A lei de
Aproveitamentos Hidráulicos, promulgada em 1926, que permitia, “assegurar a mais urgente
resolução do problema da electricidade, não só para a região atlântica, mas para todo o país”;
vem ao encontro do que Ezequiel de Campos já defendera nos anteriores Congressos de
Electricidade - “a necessidade da intervenção do governo na realização hidroeléctrica, visto
não haver empresas nem municípios capazes de fazer as obras”52.

3. APROVEITANDO O “ESFORÇO” ESPANHOL


3.1. Contexto português
Os anos que medeiam entre 1926 e a segunda guerra são caracterizados ao nível da evolução
do sector eléctrico português pelos seguintes aspectos:
Ao nível do aparelho de Estado, pela criação de estruturas de controle:

49
Urrutia surge para Ezequiel de Campos como o herói contemporâneo que merece uma resenha
biográfica da parte do autor (tinha falecido no ano anterior).
50
Idem, p.58.
51
Idem, p.54.
52
Idem, p.54.

19
- é criada a Repartição dos Serviços Eléctricos, na Administração Geral dos Serviços
Hidráulicos53, como “organismo especialmente destinado a orientar e coordenar os trabalhos
de electrificação no sentido de se constituir uma rede eléctrica nacional”,
- é criado o Conselho Superior de Electricidade,
- a Inspecção das Instalações Eléctricas, ambos subordinados à mesma Administração Geral,
- nomeia-se também o conselho de administração do fundo de electrificação nacional54,
- conjuntamente com esta legislação orgânica são aprovados diplomas relativos a
concessões para aproveitamentos hidroeléctricos, a condições de segurança, etc.,
- Entretanto, no sentido de unificar a tutela sobre a electrificação dividida entre a
Administração Geral dos Serviços Hidráulicos e a dos Correios e Telégrafos é criada a
Administração Geral dos Serviços Hidráulicos e Eléctricos, criando-se nesta administração,
em substituição da Repartição dos Serviços Eléctricos a Direcção dos Serviços Eléctricos,
para cuja direcção foi nomeado Ferreira Dias,
Apesar da lei de 1926 e das posteriores alterações orgânicas o estado não tem uma política
efectiva para o sector e não se assiste a qualquer iniciativa estatal para impulsionar a produção.
Pelo contrário, as próprias iniciativas das empresas privadas vão sendo inviabilizadas ou
suspensas. É o caso dos decretos n.º 22.076 e 22.850 que no seu conjunto suspendem por um
ano a atribuição de concessões. É também o caso do indeferimento de várias concessões de
que se destaca, pela importância do aproveitamento em questão, a da Companhia Nacional de
Viação e Electricidade para o rio Zêzere, em Castelo de Bode55,
Em 1936 é criada a Junta de Electrificação Nacional56 que substitui provisoriamente a Direcção
dos Serviços Eléctricos e que tinha como principais missões:
“a) estudar as providências necessárias para o desenvolvimento da electrificação e, (...)
propondo a publicação dos diplomas necessários;
b) Estudar a unificação dos serviços do Estado que hoje têm superintendência nesta
matéria, propondo o que for tido como conveniente para a levar a efeito;
c) Fixar as necessárias directivas para a concessão das licenças de instalações eléctricas;
A criação da Junta apenas veio adiar o problema e esta continua quase tão limitada na sua
capacidade de acção como a anterior Direcção. O seu Presidente e anterior Director dos
Serviços Eléctricos continuam sem capacidade real de intervenção junto das empresas e sem
capacidade orçamental para a tão esperada intervenção estatal.

53
Decreto n.º 14.165 de 25/8/1927.
54
Decreto n.º 14.772 de 18/12/1927.
55
Decreto n.º 27712 de 19/5/1937
56
Decreto n.º 26.470 de

20
Para mais o mandato da Junta foi sendo adiado só tendo terminado quando o próprio Ferreira
Dias, nomeado Subdirector Geral da Indústria, consegue a sua extinção e a criação da
Direcção-Geral dos Serviços Eléctricos em 1944, meses antes da aprovação da lei 2.002.
Ao nível do desenvolvimento do aparelho produtivo assiste-se:
- Ao desenvolvimento dos sistemas regionais, quer com alargamento da potência instalada
nas centrais já existentes (é o caso do sistema Lindoso-Freixo), que pela instalação de
novas centrais (é o caso do sistema da Serra da Estrela), para dar apenas dois exemplos.
Este desenvolvimento do sistema electroprodutor representou um real desenvolvimento da
potência instalada e da respectiva produção e consumo de electricidade, mas apesar disso
Portugal continuava muito abaixo nos níveis de consumo da maior parte dos países
europeus.
- à interligação dos principais sistemas electroprodutores de valia regional, trabalho que é
aprofundado no período da guerra com a criação da Comissão de Interligação das Centrais
do Norte. Esta evolução se bem que estimulada pelas estruturas do Estado ligadas ao
sector corresponde também a uma necessidade sentida pelas empresas no sentido de
complementarem as suas necessidades de distribuição.
- À ausência de quaisquer iniciativas, por parte do Estado e à inviabilização todas as
iniciativas por parte de empresas para o desenvolvimento dos sistemas que mais significado
teriam num possível salto qualitativo no sector: Cávado/Rabagão; Douro e Zêzere.
A Guerra com a grande pressão a que sujeitou a industria eléctrica, obrigando a uma
intervenção muito directa do governo, quer ao nível do racionamento dos combustíveis, quer ao
nível das interligações indispensáveis, quer ao nível do condicionamento dos consumos
privados, públicos e industriais, levou a que o sector do aparelho de Estado directamente ligado
à electricidade conseguisse ter a força que até aí lhe faltara, para impor os seus pontos de
vista.

3.2. As propostas de electrificação de Ezequiel de Campos


3.2.1. Enquadramento teórico
Ezequiel de Campos escreve este artigo no âmbito do congresso luso-espanhol para o
progresso das ciências realizado em 1942.
Aparentemente este artigo poderia ser considerado um repisar dos temas já focados, sobretudo
na primeira fase da sua produção teórica: descrição dos aspectos orohidrográficos do rio Douro
e utilizações preferenciais: em Espanha – a rega, a electricidade e a arborização, e em Portugal
– a electricidade, a navegação e, só secundariamente a arborização e a rega.

21
No entanto, tendo em conta a altura em que é escrito, responde a aspectos conjunturais, a
saber:
- o caudal do rio Douro através da barragem de Ricobayo, no rio Esla, tinha sido regularizado,
o que permitia encarar de forma diferente o plano do seu aproveitamento em Portugal,
- as ideias de desenvolvimento de um plano hidroeléctrico nacional apoiado pelo Estado,
ganhavam peso na sociedade portuguesa, devido sobretudo às dificuldades da guerra, e as
instâncias oficiais desenvolviam os estudos das várias bacias hidrográficas, para o seu
desenvolvimento futuro.
A esta luz este trabalho surge como mais uma peça na defesa da prioridade a dar aos
aproveitamentos no Douro nacional, no seu troço final.

3.2.2. As propostas de electrificação


A argumentação é muito semelhante à anterior no que respeita à necessidade de
aproveitamentos dos recursos hidroeléctricos no Douro. Aliás, ele próprio lembra que o assunto
já é velho mas é preciso voltar a ele porque nada foi feito: “muitos sonhos e palavras desde
antes do começo da guerra de 1914-1918 até agora mas nada de plano definido quanto aos
valores potenciais de electricidade a realizar para o abastecimento do Norte do país. O Côa, o
Alvadia, o Paiva, o Cávado... e o próprio Douro fronteiriço e português foram discutidos e
solicitados, e continuam a ser, por ainda não estar cumprida a tarefa do decreto-lei n.º 26.470,
de 28 de Março de 1936, marcada para dois anos à Junta de Electrificação Nacional quanto à
orientação do problema da energia”.
Reafirma a necessidade estudar as obras nos rios portugueses, para a sua correcção e
aproveitamento hidráulico, “para se saber e integrar a sequência dos trabalhos, desde os portos
de mar, pelo ordenamento fluvial, até à defesa da erosão e à electricidade, em esclarecimento e
actualização deste sector do plano triquinquenal português da lei n.º 1914, de 24 de Maio de
1935”57.
Tira, no entanto, à partida a conclusão de que “provavelmente se concluirá que o rio Douro
pode facultar desde já, em sequência metódica e lucrativa de realização, o melhor valor
hidráulico de entre todos os rios do Norte de Portugal, devendo por isso ser o primeiro a
aproveitar na electricidade para o trabalho, a riqueza e o bem-estar da gente desta parte do
país”58.

57
Idem, p.18/19
58
Idem, p.19

22
Esta conclusão é reforçada pelo facto de, graças à central de Ricobayo, se ter regularizado e
“trazer no verão mais de cem metros cúbicos por segundo. E assim ganhou muito valor, até
para centrais de pequena queda e sem reserva hidráulica nenhuma de propósito: isto é,+
apenas com o aproveitamento de modesta flutuação da água retida pelos açudes”59.
Apesar disso, o Douro continua sem produzir um único kWh de energia, e os seus afluentes
pouco produzem. E se nos anos de 1938 a 1940 os consumos na cidade do Porto se
mantiveram estacionários (fundamentalmente devido às dificuldades resultantes da guerra), nos
do noroeste cresceram, tendo aumentado a produção hidroeléctrica.

Consumo na cidade do Porto e Produção no Nordeste


200

150

100

50

0
1938 1939 1940

Consumo Porto
Produção Hidroeléctrica no Noroeste
Produção Termoeléctrica no Nordeste
Produção total Nordeste

Como consequência deste aumento, “tem havido dificuldades, no estio sempre, e até no
inverno de 1941-1942, de abastecimento suficiente de electricidade pelo menos à indústria do
Porto”60, pelo que era necessária maior produção hidroeléctrica. Tendo em conta a evolução
dos consumo no quinquénio 1935-1940 e, atendendo à introdução de novas indústrias e à
introdução da electricidade nos usos agrícolas previa a necessidade de substituir a produção
termoeléctrica por hidroeléctrica, para o período de 1940-1950, altura em que seria preciso uma
potência mínima de 32.000 kW, a qual seria conseguida com o aproveitamento do Douro.
As obras a realizar neste rio consistiriam na construção de três barragens do Porto à Régua: Pé
de Moura, Carrapatelo e Pear. Na central de Pé de Moura esperava poder obter-se anualmente
entre 210 e 240 milhões de kWh anuais, na central de Carrapatelo obter-se-iam entre 344 e 386
milhões de kWh anuais e na central do Pear 260 a 290 milhões de kWh.

59
Idem, p.19/20.
60
O Rio Douro..., p.17.

23
A produção da central de Carrapatelo equivaleria “a mais do dobro da produção total de todas
as centrais do serviço público e particular que houve em cada um dos últimos anos, dos distritos
de Viana do Castelo, Braga, Vila Real, Porto, Aveiro e Coimbra”61.
Elenca seguidamente as vantagens do esquema apresentado:
“1.ª - Fica integrado perto dos centros industriais: cidade do Porto e Vale do Ave; e de ligação
económica com as terras de entre o Douro e Mondego;
2.ª - Faculta a navegabilidade do rio Douro;
3.ª - Não provoca alagamentos grandes de terras marginantes e nos afluentes; não estorva o
caminho-de-ferro do Douro; nem embaraça as pontes do Douro e dos seus afluentes;
4.ª - Cada açude faculta um escalão de electricidade de grandeza adequada ao crescimento
das precisões;
5.ª - Vai proporcionando por obras modestas a valorização da bacia duriense até à Régua, (...),
a que afluirá toda a riqueza comerciável da região do vinho do Porto e das terras suas
circunvizinhas: com o que se irradia progressivamente a actividade da gente tão adensada do
Noroeste de Portugal”62.
Comparado com o aproveitamento de outros sistemas hidrológicos: “contrasta com a realização
de grandes centrais que exigem logo de início da sua laboração massas enormes de mercado a
servir, como teria de ser para os aproveitamentos do Douro fronteiriço e do Cávado – Rabagão.
Realiza a máxima vantagem ponderada pelos fins múltiplos que satisfaz; em vez de atender
unicamente à energia eléctrica. Aproveita a regularização do regime do rio Douro que de graça
nos oferece a Espanha: e assim pode ir subindo o Douro, desde a foz, ao inverso da marcha
normal a descer das cabeceiras”63.
De todo o seu raciocínio conclui que a primeira central a realizar seria a de Carrapatelo,
seguindo-se Pé de Moura.
Relembra que, tal como a central espanhola de Ricobayo, cuja electricidade servia uma vasta
região que se estendia até Bilbao, “a electricidade das centrais do Douro poderia servir uma
área bem maior que a da sua bacia, indo abastecer todas as terras do Norte em complemento
apropriado, pela regular interconexão com a rede eléctrica regional desde o rio Minho ao
Mondego” 64.

61
Idem, p.21.
62
Idem, p.21.
63
Idem, p.21/22.
64
Idem, p.23.

24
CONCLUINDO
O pensamento de Ezequiel de Campos quanto à electrificação prendeu-se sobretudo com uma
“obsessão” – o aproveitamento do Douro -, e nos seus diversos textos retoma este assunto.
Segundo ele só o aproveitamento hidroeléctrico do Douro permitiria resolver de forma
satisfatória o problema de fornecimento de energia eléctrica à região norte de Portugal e
procurando pôr em prática as suas ideias Ezequiel de Campos chega a pedir pessoalmente a
concessão de Carrapatelo. Precisamente no ano (1942) em que escreve o último dos textos
que aqui estudamos, mas não obtém resposta.
Contra a sua opinião, quando, na sequência da lei 2002, o Estado decide constituir as grandes
empresas produtoras, para a exploração dos nossos recursos hidroeléctricos, começa pela
constituição da Hidroeléctrica do Zêzere (HEZ) e do Cávado (HICA), em 1945. Só em 1954,
quando já estavam construídas as grandes centrais de Castelo do Bode e de Vila Nova/Venda
Nova, se constitui a Hidroeléctrica do Douro (HED). E contra a sua opinião a HED decide iniciar
o seu plano de obras pelo Douro Internacional: Picote (1958), Miranda (1960) e Bemposta
(1964) .
Apesar de não ter conseguido impor as suas ideias, Ezequiel de Campos foi um marco na
história do sector eléctrico português e, como que para reconhecer o muito que lutou pelo
Douro, em 1953, convidam-no para Presidente do Conselho Fiscal da Empresa, tinha então 78
anos. E na central do Carrapatelo, que tanto ambicionara construir foi colocada uma placa
alusiva à sua luta.
Ao longo da segunda metade do século XX foram sendo realizados aproveitamentos
hidroeléctricos no Douro, mas estes não esgotaram o seu valor energético.
Ainda hoje não está resolvida de forma satisfatória a utilização racional da bacia do Douro. Os
seus afluentes, que deveriam produzir electricidade e, sobretudo, servir de reserva estratégica e
simultaneamente de regularização dos caudais (nas cheias e nas estiagens), não estão
aproveitados. Das cerca de duas dezenas de aproveitamentos previstos para os seus principais
afluentes, apenas se concretizou o de Vilar (1965, no Távora) e o do Torrão (1988, no Tâmega).
O potencial energético do Sabor, do Tua, do Paiva e do Côa, continuam por valorizar.
Como é dito em recente publicação da Rede Eléctrica Nacional: “o recurso às reservas de
emergência a constituir é, sob os pontos de vista energético e ambiental, a única forma de
resolver satisfatoriamente as dificuldades que surgirão na gestão hídrica e energética do Douro

25
Nacional, independentemente da gestão da água que venha a ser introduzida na bacia
espanhola, o que lhe confere uma altíssima importância no que respeita ao interesse público”65.

65
Carlos Madureira e Víctor Baptista, Hidroeléctricidade em Portugal, memória e desafiao, Lisboa, REN,
2003.

26
ANEXO I

Plano hidroeléctrico para a Península Ibérica de Urrutia

Fonte: Ezequiel de Campos, O problema da electricidade para a região atlântica de Portugal, Porto, Officinas de ‘O Comércio do
Porto’, 1926.

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ANEXO II
CENTRAIS ESPANHOLAS, 1926
REGIÃO EMPRESA CENTRAL PI (kW) SUBTOTAIS
Electra Industrial Goruñesa Ferrenza 1600
Cantábrico Coruña 4800
Capela 3200
Oviedo e Gijon Saltos de Somiedo Somiedo 14000 14000
Puente-Viesgo 320
Torina 9500
Bárcena 1000
Urdon 4800
Santander Electra del Viesgo 57620
Camarmena 11200
San Isidro 4000
La Paraya 4300
Navia (Projecto) 22500
La Fortunata (rio Cinca) 30000
Puentelarrá 6000
Quintana 3000
Bilbao Hidroeléctrica Iberica Leizaran 3000 43360
Aedillo 540
Ungfo-Nava 410
Mercadillo 410
Pobla 2800
Tremp 26500
Riegos y Fuerza del Ebro
Camarasa 70000
Seros 35000
Barcelona Capdella 23000 225300
Energia e Cataluña 23000
Molinos
+14000
Seira 21000
Catalana Gas Electricidad
Barbastro 10000
Anzanigo 4400
Carcavilla 4100
Zaragoza Electras Reunidas 13500
Marracos 4650
Canal Imperial 350
Hidroeléctrica Española Molinar 21600
Villora 22800
Cortes de Pallás 30000
Tranco 2560
Batanejo 1600
Dos-Aguas 54000
Fanzara (Projecto) 2700
Ovila (Projecto) 2300
Madrid e Gualda (Projecto) 5300
199510
de Cartagena a Valência Auñon (Projecto) 6200
Elect. Almadenes Almadenes 10000
Valenciana de Electricidad Chulilla 3850
Navarro Rubielos 2000
Bolarque 15400
Bolarque-Electra Castilla
Villalva 10500
Navallar 2000
Santillana
Marmota 2700
Canal de Isabel II 4000

28
Olvera 1000
Escuderos 1000
Vado 700
Cordoba Mongemor 14350
Mengibar 2800
Valtodano 1000
Carpio 7850
Rouquillo 21000
Buitreras 7000
Corchádo 4200
Sevilha Compañia Sevillana Pintado (projecto) 28000 74300
Pavones (projecto) 8500
Montejarque(projecto) 5600
Algar(projecto) 7000
Malaga El Chorro El Chorro 7.000 7000
653740

Fonte: Ezequiel de Campos, O problema da electricidade para a região atlântica de Portugal, Porto, Officinas de ‘O Comércio do
Porto’, 1926.

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