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“O título escolhido para a revista também justifica uma explicação breve.

A pessoa humana constitui o único ser existente


no universo que busca permanentemente conhecê-lo, o que é inerente à sua sobrevivência e à afirmação da sua
especificidade humana. Como Ser curioso, está condenado a aprender e a interrogar-se. É um trabalho permanente
e inacabado que implica colocar em causa os resultados e recomeçar, sempre. A produção de conhecimento
assume formas diversas, nas quais se inclui o saber científico. Este distingue-se pelo seu carácter
sistemático, pela utilização consciente e explicitada de um método, objecto permanente de uma meta análise,
individual e colectiva. O trabalho científico consiste numa busca permanente da verdade, através de um
conhecimento sempre provisório e conjectural, empiricamente refutável. O reconhecimento da
necessidade deste permanente recomeço é ilustrado historicamente quer pela redescoberta de teorias negligenciadas no
seu tempo e recuperadas mais tarde (caso da teoria heliocêntrica de Aristarco), quer pela redescoberta de visionários que
anteciparam os nossos problemas de hoje (Ivan Illich é um desses exemplos). É a partir destas características do trabalho
científico que é possível comparar a aventura humana do conhecimento à condenação pelos

Sísifo
deuses a que foi sujeito de incessantemente recomeçar a mesma tarefa.”

revista de ciências da educação


Unidade de I&D de Ciências da Educação da Universidade de Lisboa
Direcção de Rui Canário e Jorge Ramos do Ó

n.º 03 · Mai | Jun | Jul | Ago · 2007


> TIC e Inovação Curricular
coordenação de Helena Peralta
e Fernando Albuquerque Costa

issn 1646‑4990
http://sisifo.fpce.ul.pt
Índice
Editorial . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1‑2
Sísifo
Revista de Ciências
Nota de apresentação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3‑6 da Educação

Dossier N.º 03
Tecnologias Educativas. Análise das dissertações de mestrado TIC e Inovação Curricular
realizadas em Portugal
Fernando Albuquerque Costa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7‑24 Edição

Rentabilizar a Internet no Ensino Básico e Secundário Responsáveis Editoriais deste número:


Dos Recursos e Ferramentas Online aos LMS Helena Peralta e Fernando
Albuquerque Costa
Ana Amélia Amorim Carvalho . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25‑40
Director: Rui Canário
Limites e possibilidades das TIC na educação
Director Adjunto: Jorge Ramos do Ó
Guilhermina Lobato Miranda . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 41‑50
Conselho Editorial: Rui Canário,
As TIC na Escola e no Jardim de Infância Luís Miguel Carvalho, Fernando
Motivos e factores para a sua integração Albuquerque Costa, Helena Peralta,
Lúcia Amante . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 51‑64 Jorge Ramos do Ó

O projecto “Educação Tecnológica Precoce”


Colabor adores deste número:
Uma oportunidade para implementar práticas de inovação curricular
Ana Margarida Veiga Simão, Belmiro Cabrito, Autoria dos artigos: Lúcia Amante,
Ana Amélia Amorim Carvalho,
Elisabete Rodrigues . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 65‑76
Belmiro Cabrito, Telmo Caria,
Competência e confiança dos professores no uso das TIC Cristina Costa, Fernando
Síntese de um estudo internacional Albuquerque Costa, Guilhermina
Lobato Miranda, Carla Morais,
Helena Peralta, Fernando Albuquerque Costa . . . . . . . . . 77‑86 João Paiva, Helena Peralta, Mónica
O Currículo numa comunidade de prática Raleiras, Elisabete Rodrigues,
José Luis Rodríguez Illera e Ana
Cristina Costa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 87‑100
Margarida Veiga Simão.
Simulação digital e actividades experimentais em Físico-Químicas Traduções: Robert G. Carter,
Estudo piloto sobre o impacto do recurso “Ponto de fusão e ponto Thomas Kundert, Filomena Matos
de ebulição” no 7.º ano de escolaridade e Tânia Lopes da Silva
Carla Morais, João Paiva . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 101‑112 Secretariado de Direcção: Gabriela
Lourenço e Mónica Raleiras
Recensões
Logotipo Sísifo
Recensão da obra “A Vida no Écrã. A identidade na era da Internet”,
Desenho de Pedro Proença
de Sherry Turkle [1997] Lisboa: Relógio d’Água
Mónica Raleiras . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 113‑116
Informação Institucional

Conferências Propriedade: Unidade de I&D


de Ciências da Educação
Como as comunidades virtuais de prática e de ­aprendizagem podem da Faculdade de Psicologia
transformar a nossa concepção de educação e de Ciências da Educação,
da Universidade de Lisboa
Texto da conferência proferida na Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação
issn: 1646-4990
da Universidade de Lisboa, a 31 de Maio de 2007
José L. Rodríguez . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 117‑124 Apoios: Fundação para a Ciência
e a Tecnologia

Outros artigos
Contactos
A Cultura Profissional do professor de ensino básico em Portugal
Morada: Alameda da Universidade,
Uma linha de investigação em desenvolvimento 1649-013 Lisboa. 
Telmo H. Caria . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 125‑138
Telefone: 217943651 

Sísifo, revista de ciências de educação: Fax: 217933408

Instruções para os Autores . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 139‑140 e-mail: sisifo@fpce.ul.pt


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Editorial

Paul Cézanne, um dos fundadores da pintura mo- necessidade e característica intrínsecas ao ser hu-
derna cujas rupturas abriram caminho às vanguar- mano de realizar a “expressão de si”, se inscrevem
das artísticas do início do século XX, artista ob- numa dimensão antropológica que não se acomoda
sessivo na busca da perfeição e permanentemente ao efémero, ao imediato, ao utilitário, ao conjun-
descontente e angustiado com a qualidade da sua tural. A criação supõe um tempo longo que inclui
produção pictórica (tal como o terá retratado Émile uma memória, uma visão de futuro e a capacidade
Zola no célebre romance “L’oeuvre”) afirmou, re- de explicitar uma narrativa coerente sobre uma tra-
ferindo-se à sua obra, que pretendia produzir uma jectória.
pintura “para os museus”. Num autor sistematica- Nos tempos que vivemos afirma-se uma cultura
mente relegado para os “salões de recusados” pelos do efémero, do conjuntural, do precário, do utilitá-
académicos de serviço e hostilizado pela crítica e rio, do curto prazo. Nesta perspectiva não há pas-
por grande parte do público, esta explícita procu- sado, nem futuro, mas sim a linha de horizonte que
ra da construção de um novo classicismo só pode um personagem de um romance de Cormac McCar-
exprimir a recusa de encarar a criação, neste caso thy (2007, p. 112) define nestes termos: “As pessoas
estética, como algo de conjuntural e efémero. Num estavam sempre a preparar-se para o futuro. Eu não
plano completamente diverso, o militante e teórico acreditava nisso. O futuro não se estava a preparar
comunista António Gramsci, durante os cerca de para elas. O futuro nem sabia que elas existiam”.
dez anos que permaneceu nos cárceres de Musso- Esta cultura do “novo capitalismo” produz seres
lini (de onde saiu para morrer), produziu uma obra humanos adaptados a uma total incerteza e tende a
intelectual notável, nomeadamente sob a forma de retirar-lhes a possibilidade de viver em comunida-
notas dispersas, reunidas nos “Cadernos do Cárce- de e de pensar e agir artesanalmente, ou seja, como
re”, preparatórias de um projecto que nunca viria escreve Sennett (2007), “fazer uma coisa bem feita,
ser concretizado. No entanto, apesar de desconhe- mesmo que não se obtenha nada com ela”. Acres-
cida e não publicada durante várias décadas, a pro- centa Sennett que: “só este tipo de compromisso
dução intelectual de Gramsci cumpriu o principal desinteressado pode enaltecer emocionalmente as
desígnio da sua actividade de criação no cárcere, pessoas, caso contrário, sucumbem na luta pela so-
comunicado por carta pouco depois da sua deten- brevivência” (p. 133).
ção: a de produzir algo “para sempre”. Gramsci A publicação deste terceiro número da revista
utiliza a expressão alemã “für ewig”, retomando de Sísifo coincide temporalmente com um processo de
Goethe a noção de trabalho erudito desinteressado. avaliação global das Unidades e Centros de Investi-
Com estes dois exemplos pretendo salientar como gação, nomeadamente no domínio das ciências so-
os actos de criação (estética ou científica), enquanto ciais e das ciências da educação. As organizações e


os investigadores (na sua vertente de equipas ou na o mínimo de riscos. A “bibliometria” que domina
sua vertente individual) vêem a sua actividade sujei- a avaliação contribui para promover formas diver-
ta a um escrutínio e a uma análise externas que tem, sas de redundância, para desencorajar a produção
como ponto de partida, um balanço retrospectivo desinteressada e “para sempre”, desvalorizando os
de natureza auto avaliativa. Nada deverá ser con- “clássicos”, o que, felizmente, não consegue impe-
siderado mais normal, nem mais desejável, do que dir que Platão continue a ser bastante citado, apesar
encarar esse processo de explicitação e análise crí- de nada ter publicado nos últimos cinco anos. Nes-
tica das actividades de investigação como algo que, te contexto, acentua-se a tendência para a produção
conduzido com rigor, clareza, na base de regras científica se centrar na especialização e na fragmen-
criteriosas previamente estabelecidas e conhecidas tação do saber o que, paradoxalmente, contribui
e num lapso de tempo razoável, é absolutamente para a sua inutilidade e para transformar o trabalho
necessário ao desenvolvimento de uma actividade de investigação num trabalho alienado. Este rumo
investigação fecunda, pertinente e que optimize os conduz a uma situação que, é Karl Popper (1999)
parcos recursos disponíveis. A prática de uma ava- que o afirma, é trágica, ou mesmo desesperada, e
liação externa, regular e exigente, constitui uma ne- induz por toda a parte “o jovem cientista desejoso
cessidade imperiosa que só ganha plena legitimida- de seguir a última moda e o jargão mais recente”
de se coexistir com a criação de condições favoráveis (p. 98). Cada vez mais candidatos a doutoramento
e propiciadoras de uma actividade científica que, são sujeitos a um treino, mas não iniciados na tradi-
para ser, simultaneamente, fértil do ponto de vista ção de “ser tentado e guiado por enigmas grandes
da produção de novos saberes e socialmente perti- e aparentemente insolúveis”. Se prevalecerem estas
nente, apela a condições que não têm vindo a ser as- orientações que desprezam de facto a ciência, meno-
seguradas pelas instituições a quem isso competiria. rizando o seu carácter criativo, a tradição crítica e a
A “nova cultura do capitalismo” entrou “rapi- produção de um conhecimento não imediatamente
damente e em força” nas políticas de quem tutela a útil, isso conduzirá, continuamos a citar Karl Po-
investigação, em nome, obviamente, da “moderni- pper, “a uma catástrofe espiritual de consequências
zação”, da “produtividade” e da “competitividade”. comparáveis às do armamento nuclear” (p. 99).
A crítica a estas modalidades de “modernização”
não significa a defesa do “status quo”, nem satisfa-
ção com o que tem sido realizado. Exprime, sim, a Referências bibliográficas
preocupação e a consciência dos efeitos negativos McCarthy, Cormac (2007). A estrada. Lisboa: Re-
da imposição de processos de incentivo à produção lógio de Água.
científica inspirados na divisa “publish or perish”. Crehan, Kate (2004). Gramsci, cultura e antropo-
O campo da produção científica tende a instituir-se logia. Lisboa: Campo da Comunicação.
como um território onde impera uma espécie de da- Gramsci, António (2004). Cadernos do cárcere.
rwinismo, de produção em série, taylorizada, com Volume 1. Rio de Janeiro: Editora Civilização
base numa “mão-de-obra” proletarizada e sujeita a Brasileira.
formas de trabalho cada vez mais precárias. O fi- Popper, Karl (1999). O mito do contexto. Em defesa da
nanciamento determina e condiciona os temas e as ciência e da racionalidade. Lisboa: Edições 70.
conclusões do que se estuda (dizia-se, em França, Sennett, Richard (2007). A cultura do novo capita-
que a criação do Prémio Goncourt fez florescer um lismo. Lisboa: Relógio de Água.
estilo literário próprio para tentar ganhá-lo). Os in-
vestigadores, em vez de uma comunidade de pares,
tornam-se concorrentes e tendem a valorizar o ime- Rui Canário
diato, procurando o máximo de rentabilidade com (Lisboa, 31 de Julho de 2007)

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Nota de apresentação
TIC e Inovação Curricular

Fernando Albuquerque Costa


Helena Peralta

O terceiro número da Sísifo é especialmente dedi- Embora a proliferação de computadores tenha já


cado a questões relacionadas com as tecnologias alterado um pouco a face da Escola, é reconhecido
e a aprendizagem numa perspectiva de inovação que as práticas educativas continuam a ser, na gene-
curricular. Surge numa altura de grandes transfor- ralidade dos casos, semelhantes ao que sempre se
mações, nomeadamente em termos do poder das fez e como se fazia antes de os computadores serem
tecnologias digitais de informação e comunicação e usados (Papert, 2000). Pelo menos na sua essência,
após uma fase de renovado entusiasmo sobre a sua naquilo que é fulcral para definir a própria concep-
integração e utilização na Escola. ção de Escola: a relação de poder que existe entre
Transformações porque, com o surgimento da professor e aluno, a relação de ambos com o conhe-
Internet, passa a ser possível concretizar ideias até cimento, o modo como esse conhecimento é enten-
aí apenas imaginadas por alguns visionários e que dido, o modo como se entende a aprendizagem e,
poderão vir a constituir, pelo menos potencialmen- não menos importante, o papel atribuído aos meios
te, um valor de grande alcance em termos pedagó- na transferência de informação e na construção do
gicos e didácticos. conhecimento.
Entusiasmo renovado não apenas porque, tal Mantém-se, pois, o mesmo paradigma de en-
como acontecera no passado com outras “novas” sino e os mesmos processos para estimular a
tecnologias, se continua a acreditar que estas po- aprendizagem, apesar de uma nova concepção
derão mudar a face da Escola tal como a conhece- emergente sobre o que é aprender, de uma retóri-
mos, mas também porque, como defendem os mais ca francamente favorável à adopção de estratégias
optimistas, nelas residirá o potencial necessário à alternativas e de recursos e infra-estruturas cada
resolução dos problemas em que essa mesma Esco- vez mais evoluídos.
la se encontra enredada e para os quais parece não É também o que se passa em Portugal, que é,
haver solução. aliás, no panorama europeu, um dos países com
Como vários estudos vêm demonstrando ratios de alunos por computador mais elevadas
(Cuban, 1993, 2001; Franssila & Pehkonen, 2005; (à volta de 1 computador para 15 alunos) e com um
OCDE, 2005; Paiva, 2002; Pelgrum, 2001; Wallin, nível dos mais fracos em termos de preparação dos
2005) a realidade é outra, tornando-se evidente que professores para o uso das tecnologias (European
não basta introduzir mais computadores, por mais Commission, 2006), o que não é de estranhar dado
poderosos que sejam, para que as mudanças acon- não existir qualquer atenção especial na formação
teçam e se possa efectivamente tirar partido da sua de professores neste domínio, seja em termos de
vertente mais forte que é a construção de conheci- formação inicial ou de formação contínua (Brito et
mento pelos próprios alunos. al., 2004; Matos, 2004; Ponte & Serrazina, 1998).


Paradoxalmente, ou talvez não, são os jovens domínio das Tecnologias Educativas. Síntese que
quem mais partido parece tirar das tecnologias dis- nos permite construir um panorama geral do que é
poníveis, fazendo-o de forma autónoma, sem apoio investigado e com que metodologias, quais os prin-
dos professores, usando-as, aliás, para objectivos cipais objectos de estudo e quais os quadros teóri-
que vão muito além das aprendizagens escolares e cos tomados como referência e, bem assim, perce-
fazendo-o com um grau de eficácia surpreendente, ber de que modo essa investigação contribui para
como parecem sugerir vários estudos nacionais e a criação de oportunidades de desenvolvimento da
internacionais. É o caso, por exemplo, dos resul- própria Escola.
tados do questionário aplicado juntamente com o Incidindo sobre as potencialidades da Internet
PISA 2003 (OCDE, 2005) em que os jovens portu- para uso educativo, Ana Amélia Carvalho conduz-
gueses de quinze anos de idade ocupam posições nos, no segundo texto, por uma leitura sustentada
interessantes nos rankings relativos às atitudes, mas dos diferentes tipos de recursos e questões que a
também aos saberes e competências necessários, sua introdução no ensino coloca, até às ferramentas
precisamente, para o uso das tecnologias digitais. on-line mais recentes, como é o caso dos sistemas
Saberes e competências quase sempre ignorados ou de gestão da aprendizagem e daquilo que tem vindo
desvalorizados pela instituição escolar e que con- a ser designado globalmente como software social.
tribuem para reforçar ainda mais o fosso existen- De carácter mais especulativo e com uma certa
te entre o que a escola oferece, o que os alunos aí preocupação em termos de enquadramento histó-
gostariam de ver tratado e o poder efectivo que as rico, Guilhermina Lobato Miranda elabora sobre
tecnologias assumiram já na nossa sociedade. os limites e as potencialidades das tecnologias da
informação e comunicação na educação no terceiro
Os textos que compõem este dossier temático, abor- texto do dossier.
dando aspectos muito diferenciados, têm como de- Lúcia Amante centra-se, no texto seguinte, na
nominador comum a intenção de contribuir para utilização das tecnologias de informação e comuni-
a reflexão sobre a problemática da utilização das cação em idades precoces, nomeadamente no Jar-
tecnologias digitais nas escolas portuguesas. Uma dim de Infância, tentando identificar motivos que
reflexão apoiada em perspectivas individuais sobre justificam a sua integração e factores a ter em conta
o que implica a integração das tecnologias em con- quando se pretende introduzir os computadores
texto educativo, mas também na investigação que é nesses contextos.
feita em Portugal, nomeadamente ao nível de mes- No mesmo sentido de uma intervenção precoce,
trado, e em propostas concretas de utilização dos embora com uma abordagem mais directamente re-
computadores que vão desde o ensino pré-escolar lacionada com a preocupação da igualdade de opor-
à formação profissional. Propostas que incluem as tunidades entre géneros no que respeita ao acesso e
mais recentes tecnologias em rede e uma reflexão uso de tecnologias, o texto seguinte, de Ana Maria
sobre o que elas permitem do ponto de vista pe- Veiga Simão, Elisabete Rodrigues e Belmiro Ca-
dagógico, passando pela análise das práticas dos brito, relata o trabalho desenvolvido num projecto
professores ou de projectos didácticos em áreas internacional que envolveu diferentes instituições e
disciplinares específicas, como é o caso da Físico­ que teve como base a iniciação ao pensamento tec-
‑Química. Dito de outra forma, é um dossier que nológico de crianças em idade escolar.
pôde contar com o contributo de colegas com áreas O sexto texto, de Helena Peralta e Fernando
de interesse e de investigação muito distintas e que, Albuquerque Costa, resultante também de um pro-
por isso mesmo, acabam por representar a diver- jecto internacional visando estudar a competência
sidade de abordagens que tem caracterizado este e o grau de confiança, por parte dos professores, no
campo nos anos mais recentes. uso das novas tecnologias para fins pedagógicos,
No primeiro texto do dossier, Fernando Albu- apresenta os resultados de um estudo qualitativo,
querque Costa apresenta uma síntese analítica do que viria a ser a base de trabalho de uma investi-
conjunto das dissertações de mestrado realizadas gação mais ampla com o objectivo de comparar as
em Portugal, nos últimos vinte e cinco anos, no realidades dos diferentes países envolvidos.

 sísifo 3 | nota de apresentação


No texto seguinte, Cristina Costa descreve uma Cuban, L. (1993). Computers meet classroom: clas-
comunidade de prática on-line de professores de sroom wins. Teachers College Record, 95, 2, pp.
língua inglesa como língua estrangeira em que assu- 185-210.
me papel central o próprio processo de construção Cuban, L. (2001). Oversold and Underused. Com-
do currículo enquanto gerador de aprendizagens puters in the classroom. London: Harvard Uni-
significativas e enquanto estratégia de formação versity Press.
contínua de professores. European Commission (2006). Benchmarking Ac-
O último texto do dossier, da responsabilidade cess and Use of ICT in European Schools 2006.
de João Paiva e Carla Morais, descreve sumaria- Final Report from Head Teacher and Classroom
mente um estudo em que os alunos são chamados Teacher. Surveys in 27 European Countries.
a realizar trabalho experimental, na disciplina de Franssila, H. & Pehkonen, M. (2005). Why do
Físico-Química, tendo como recurso principal a ICT-strategy implementation in schools fail and
simulação digital. ICT-practices do not develop? In Media Skills
Tal como nos números anteriores e em comple- and Competence Conference Proceedings. Tam-
mento do dossier temático, publicam-se ainda uma pere, Finland, pp. 9-16.
recensão e o texto que serviu de base à conferência Matos, J. F. (2004). As tecnologias de informação e
proferida por José Luis Rodríguez Illera, da Uni- comunicação e a formação inicial de professores
versidade de Barcelona, e que teve lugar na Facul- em Portugal: radiografia da situação em 2003.
dade de Psicologia e de Ciências da Educação da Lisboa: Ministério da Educação, Gabinete de
Universidade de Lisboa em Maio de 2007. Informação e Avaliação do Sistema Educativo.
A recensão de “A Vida no Ecrã”, de Sherry OCDE (2005). Are Students Ready for a Techno-
Turkle, da autoria de Mónica Raleiras, tem o méri- logy-Rich World? What PISA Studies Tell Us.
to de nos trazer um texto rico sobre as questões da OCDE.
identidade na era da Internet, já traduzido em Por- Paiva, J. (2002). As Tecnologias de Informação e Co-
tugal, e que talvez só agora estejamos em condições municação: Utilização pelos Professores. Lisboa:
de compreender em toda a sua amplitude, dada a Ministério da Educação - DAPP.
maior familiaridade com os ambientes virtuais e Papert, S. (2000). Change and resistance to chan-
com o que eles implicam, quer do ponto de vista ge in education. Taking a deeper look at why
pessoal, quer do ponto de vista educativo. School hasn’t changed. In A. Dias de Carva-
O texto, inédito, da conferência proferida por lho et al., Novo conhecimento. Nova aprendiza-
José Luis Rodríguez Illera sobre comunidades vir- gem. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian,
tuais de prática, analisa os conceitos centrais em pp. 61-70.
torno dos quais se desenvolveu, nos últimos anos, Pelgrum, W. J. (2001). Obstacles to the integration
esta nova problemática, articulando-a com uma of ICT in education: results from a worldwide
nova perspectiva sobre o que é aprender e discutin- educational assessment. Computers & Educa-
do as suas implicações nomeadamente ao nível da tion, 37, 37, pp. 163-178.
educação e da teoria da educação. Ponte, J. P. & Serrazina, L. (1998). As Novas Tec-
nologias na Formação Inicial de Professores. Lis-
boa: DAPP-Ministério da Educação.
Referências bibliográficas Turkle, S. (1997). A Vida no Ecrã. Lisboa: Relógio
d’Água.
Brito, C.; Duarte, J. & Baía, M. (2004). As tec- Wallin, E. (2005). The Rise and Fall of Swedish
nologias de informação na formação contínua de Educational Technology 1960–1980. Scandina-
professores. Uma nova leitura da realidade. Lis- vian Journal of Educational Research, 5, pp.
boa: Editorial do Ministério da Educação. 437–460.

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 sísifo 3 | nota de apresentação
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Tecnologias Educativas:
Análise das dissertações de mestrado
realizadas em Portugal

Fernando Albuquerque Costa


f.costa@fpce.ul.pt
Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Lisboa

Resumo:
Reconhecendo a importância que a investigação científica pode ter em termos de funda-
mentação, orientação e avaliação das práticas de uso das tecnologias em contexto educa-
tivo, é natural que se aprofunde também o conhecimento sobre a investigação neste do-
mínio realizada. É o que nos propusemos fazer, no âmbito de um colóquio recentemente
realizado em Portugal sobre a temática da Investigação em Educação1.
Tomando como ponto de partida o mote do próprio colóquio – a Investigação em
Educação entre 1960 e 2005 – decidimos debruçar-nos sobre o que tem sido investigado
no âmbito das Tecnologias Educativas, no nosso país.
Cedo nos apercebemos, no entanto, da quase inexistência de estudos neste domínio,
antes das universidades portuguesas passarem a assumir um papel activo, também no
campo das tecnologias educativas, nomeadamente depois do aparecimento dos primei-
ros cursos de mestrado, em 1987, na Universidade do Minho. Embora não conheçamos
nenhum estudo exaustivo que caracterize a investigação científica desenvolvida nesta
área em Portugal, são diversos os autores portugueses que de alguma maneira se referem
a esta mesma constatação (Abrantes, 1981, 1998; Blanco & Silva, 1993; Caldas, 2001; Fer-
nandes, 1969; Ponte, 1994; Silva, 2000).
Porque constatámos, por outro lado, que é precisamente ao nível desse grau académi-
co que se situa uma parte significativa da investigação realizada no nosso país neste cam-
po específico, decidimos centrar aí a nossa análise. Neste artigo, apresentamos, pois, o
resultado do estudo das dissertações de mestrado realizadas em Portugal, tendo em vista
compreender melhor quais as problemáticas estudadas, os quadros teóricos e metodoló-
gicos em que se situam, as universidades onde se realizam e quem faz essa investigação,
as técnicas de recolha e análise de dados utilizadas, para apenas referirmos alguns dos
aspectos em que incidiu a análise.
Uma análise exploratória e de âmbito restrito, mas que esperamos possa contribuir
para um conhecimento mais profundo das práticas de investigação neste domínio parti-
cular das Ciências da Educação em Portugal.

Palavras­‑Chave:
Tecnologias educativas, Tecnologias em educação, Investigação científica, Dissertações
de mestrado, Paradigmas, Tendências, Portugal.
Costa, Fernando Albuquerque (2007). Tecnologias Educativas: análise das dissertações de mes-
trado realizadas em Portugal. Sísifo. Revista de Ciências da Educação, 03, pp. 7‑24.
Consultado em [mês, ano] em http://sisifo.fpce.ul.pt

Introdução Em segundo lugar, parece persistir também uma
certa confusão sobre o que interessa verdadeira-
A investigação realizada no domínio da integração mente investigar e como fazê-lo, sendo colocada em
das tecnologias em contexto educativo é, reconhe- causa, em muitas situações, a própria credibilidade
cidamente, tal como noutros campos e áreas das dos estudos realizados. Fragilidades em termos de
Ciências da Educação, condicionada por múltiplos delimitação do quadro teórico de suporte, falta de
e variados factores. clareza na definição dos objectos de estudo ou ina-
Reconhecendo a importância fulcral que essa dequação ou insuficiências em termos metodológi-
mesma investigação pode ter na superação das am- cos são algumas das principais críticas apontadas
biguidades e insuficiências no que diz respeito à (Coutinho, 2000a; Reeves, 1995, 1997, 2000) e que
integração das tecnologias na escola e uma vez que contribuem para uma maior ou menor qualidade da
um dos objectivos do Colóquio referido era contri- investigação realizada.
buir para o balanço histórico sobre a investigação Do ponto de vista epistemológico as fragilidades
realizada nas diferentes áreas das Ciências da Edu- situam-se pelo menos em dois planos (Salomon,
cação, parece-nos adequado começarmos por tecer 2000, 2002). Em primeiro, porque continua a exis-
algumas considerações sobre os desafios com que a tir a crença de que o uso de determinados meios
investigação científica se confronta, nesta área es- produz melhores resultados na aprendizagem que
pecífica. outros, conduzindo a práticas de investigação po-
Uma das primeiras considerações que gostaría- sitivistas, segundo o autor desadequadas, uma vez
mos de fazer está directamente relacionada com os que são na maior parte das vezes desanimadores
resultados da própria investigação no domínio das os resultados a que se chega e porque, por isso, em
tecnologias educativas e que, de acordo com alguns nada contribuem para a valorização e aceitação do
estudos analíticos, não são conclusivos, antes pelo potencial revolucionário (Walker, 1994) das tecno-
contrário. Efeitos positivos modestos na aprendiza- logias na Educação. Em segundo, pela insistência
gem (Pelgrum, 2001; Pelgrum & Law, 2004; Plomp em se avaliarem os mesmos tipos de produtos e
& Pelgrum, 1991; Walker, 1994) e a inexistência resultados que a escola tradicionalmente privile-
de “diferenças significativas”, com ou sem uso das gia. Na opinião de Salomon é precisamente aí que
tecnologias, são algumas das conclusões mais sa- reside o erro fundamental, uma vez que, podendo
lientes quando se analisa o conjunto de estudos em constituir ferramentas poderosas ao serviço de ou-
que o uso do computador é comparado com outros tro tipo de finalidades, mais exigentes do ponto de
meios tradicionalmente usados na aprendizagem vista cognitivo, seria de esperar que a investigação
(Russell, 1999). incidisse noutros objectos empíricos e adoptasse

 sísifo 3 | fernando albuquerque costa | tecnologias educativas: análise das dissertações de mestr ado
metodologias mais adequadas e consistentes com Não sendo este o lugar para aprofundarmos os
esses novos objectos de estudo2. aspectos relacionados com as dúvidas e interroga-
Nessa linha, faria sentido, aliás, como sugerem ções sobre a crescente atenção atribuída aos dados
alguns autores, que a investigação se deslocasse para qualitativos e com as reservas de credibilidade
o estudo dos contextos em que a aprendizagem tem apontadas às abordagens qualitativas, por exemplo,
lugar, procurando sobretudo compreender como em termos de validade, objectividade, neutralida-
é que esses contextos deverão ser estruturados, de de, parece-nos fazer sentido, no entanto, a chamada
forma a estimular os alunos a utilizarem o máximo de atenção para o que isso pode significar para o
do seu potencial cognitivo (de Corte, 1996) e pode- investigador em termos de necessidade acrescida
rem alcançar, consequentemente, melhores resulta- de rigor no processo e de garantia da cientificidade
dos também em termos escolares. dos métodos utilizados.
Esta é uma forma de ver o problema da inte- A insatisfação com os resultados globais da in-
gração dos computadores no processo de ensino e vestigação a que já nos referimos, bem como os
aprendizagem que exige que a observação e a re- movimentos no sentido de uma abertura do pon-
colha de dados, numa perspectiva ecológica, tenha to de vista metodológico verificados nas discipli-
como base a exploração do potencial das tecnolo- nas afins, acabam por criar condições favoráveis
gias por alunos e professores e suas implicações na para que também aqui essa oposição se esbatesse
actividade de uns e de outros. Uma observação na e evoluísse para o compromisso e conjugação entre
acção, em que faz sentido uma abordagem mais in- as duas filosofias subjacentes, dando origem a um
dutiva e de cariz etnográfico, acompanhando, aliás, referencial metodológico próprio, porquanto mais
os movimentos nessa direcção que a partir dos anos adaptado à investigação em contextos de aprendi-
noventa se fazem sentir na investigação em geral e zagem enriquecidos com o potencial das novas tec-
na investigação nas Ciências da Educação em par- nologias (Coutinho & Chaves, 2001).
ticular. Este aspecto conduz-nos, aliás, a última ques-
Assim, em vez das técnicas de análise quantita- tão sobre a qual nos parece relevante tecer algumas
tiva utilizadas nos estudos correlacionais e expe- considerações, na medida em que pode estar ligada
rimentais clássicos (baseadas exclusivamente em ao maior ou menor impacto e influência da inves-
dados quantificáveis e mensuráveis), passa a justifi- tigação nas práticas educativas. Embora aceitemos
car-se, pois, a utilização de técnicas e métodos que que não seja um aspecto que diga directamente res-
permitam a captação da complexidade do real e a peito ao investigador, não deixa de ser importante
subjectividade dos actores (Figueiredo, 2005). Mais referenciá-lo, uma vez que pode afectar a decisão
do que a explicação dos fenómenos (construção sobre o “que” investigar e “para quê” (pertinência
de leis e teorias), importa compreendê-los (identi- e relevância social da investigação) e a consequente
ficação de regularidades, padrões, contradições, justificação em termos dos custos que envolve a sua
etc.) à luz do significado que os indivíduos lhes realização (análise do custo-benefício).
atribuem e da forma como os actores os percebem De facto, segundo alguns autores, os efeitos da
num dado momento e num dado contexto (Pour- investigação na prática educativa são na maior parte
tois & Desmet, 1988). Mais do que um plano rígido das vezes lentos e indirectos (Atkinson & Jackson,
e estandardizado, é uma perspectiva que exige do 1992; Holloway, 1996), embora isso possa aconte-
investigador uma grande flexibilidade e uma ati- cer por razões muito diversas. Poderá depender
tude clínica, podendo contar com uma grande di- não apenas da maior ou menor qualidade e credi-
versidade de técnicas de recolha e análise de dados bilidade da investigação realizada, mas também se
(incluindo procedimentos quantitativos) e em que e como essa investigação é posteriormente utilizada
está em jogo sobretudo a sua capacidade para criar (Holloway, 1996). No caso da investigação no do-
uma estratégia própria e adequada para abordagem mínio das tecnologias educativas, a constatação é
dos problemas em estudo, em função do terreno e de que pouca mudança tem havido ao nível da sala
dos objectivos de investigação (Pourtois & Desmet, de aulas, apesar de não serem muitos os estudos sis-
1988; Taylor & Bogdan, 1984). temáticos e em profundidade sobre o seu uso nas

sísifo 3 | fernando albuquerque costa | tecnologias educativas: análise das dissertações de mestr ado 
práticas quotidianas de professores e alunos (Costa ções de mestrado ou teses de doutoramento) como
& Peralta, 2006). as que aqui analisamos, ou para progressão na car-
Por um lado, parece haver uma relação entre a reira académica. Uma investigação em certa medida
amplitude dos estudos realizados e o grau de in- estéril não apenas em termos dos resultados a que
fluência que essa variável é susceptível de exercer chega (vide o que se disse sobre a inconclusividade
ao nível da decisão política e, consequentemente, dos resultados), mas principalmente em termos de
embora que de forma indirecta, ao nível micro, nas utilidade prática e influência objectiva nos contex-
práticas concretas de ensino e aprendizagem. De tos em que foi desenvolvida que, em geral, não irá
acordo com Holloway (1996), os estudos visando além de eventuais mudanças a nível individual por
a descrição e caracterização da realidade (compre- aquele ou aqueles que a conduziram.
ender o grau de difusão e explicar o quê, onde e
porquê da aceitação ou rejeição das tecnologias em
Educação), normalmente realizados em grande es- Questões de pesquisa e objectivos
cala, através de inquéritos (“surveys”), acabam por
ter mais influência ao nível dos “decision makers”, Como contributo para a caracterização da actividade
que as investigações sobre realidades de âmbito de investigação científica realizada em Portugal, no
mais restrito (o que se passa na escola ou na sala domínio das Tecnologias em Educação, no período
de aulas, por exemplo), muito menos conhecidos compreendido entre 1960 e 2005, pareceu-nos perti-
em geral e menos considerados (reconhecidos) em nente colocar algumas questões nucleares, em torno
termos de decisão política (Holloway, 1996). Com das quais se organizam também os critérios de análi-
base numa revisão da investigação recentemente re- se e a apresentação dos resultados: Que problemáti-
alizada, o autor defende a ideia de que a maior par- cas são estudadas? Com que quadros teóricos de re-
te desses estudos criam uma visão dos problemas ferência? e Com que metodologias de investigação?
mais “centrada no equipamento”, no “potencial das No que diz respeito à análise das problemáticas
tecnologias” e nas questões técnicas, acabando por estudadas, interessava-nos principalmente com-
fornecer pouca informação sobre as mudanças ope- preender se é uma investigação determinada sobre-
radas na escola e sobre o modo como a própria in- tudo pelas necessidades da prática, isto é, investi-
vestigação afecta essas mudanças (Holloway, 1996). gação com origem nos problemas e questões que
Há, por outro lado, a preocupação referida por o uso das tecnologias veio introduzir no processo
Thomas Reeves (2000), de as revisões de litera- de ensino e aprendizagem, ou se, pelo contrário, é
tura e as meta-análises nesta área geralmente não principalmente uma investigação determinada pelo
fornecerem orientações práticas claras e suficien- modo como as diferentes perspectivas e ideologias
temente esclarecedoras, em grande parte devido a (explícitas ou implícitas) entendem o acto educati-
uma insuficiente qualidade dos estudos em que se vo e o papel que os meios tecnológicos aí podem
baseiam. Segundo o autor, apesar de um cada vez desempenhar. Pretendíamos ainda identificar as
maior número de investigadores venha perseguin- temáticas em que incide a investigação, os objectos
do objectivos de interpretação e compreensão dos empíricos e a finalidade com que são estudados: se
fenómenos e de resolução de problemas práticos e os estudos visam principalmente a análise e descri-
adoptando metodologias de orientação mais quali- ção da realidade, se têm como propósito a interven-
tativa, há ainda pouca evidência de que a qualidade ção, ou se visam sobretudo a concepção e realização
da investigação tenha melhorado, com as naturais de materiais ou quaisquer outros recursos de apoio
implicações daí resultantes. à comunicação ou à aquisição de conhecimento.
Em seu entender isso deve-se também ao facto Relativamente à identificação dos quadros teó-
de grande parte da investigação neste domínio ser ricos de referência, procurámos encontrar marcas
realizada por investigadores isolados, ser uma in- que permitissem classificá-los dentro das princi-
vestigação raramente ligada a linhas ou agendas de pais perspectivas tradicionalmente utilizadas neste
investigação mais robustas, e desenvolvida sobre- campo, isto é, perspectivas behaviorista, cognitiva,
tudo no âmbito de trabalhos académicos (disserta- construtivista, sistémica, comunicacional, multi-

10 sísifo 3 | fernando albuquerque costa | tecnologias educativas: análise das dissertações de mestr ado
média, etc.. Sem prejuízo de referências explícitas assumir uma atitude exploratória que permitisse,
a outras abordagens, pretendemos perceber até que sobretudo, compreender a evolução verificada,
ponto a investigação realizada em Portugal acom- tentando evidenciar as grandes áreas e tendências
panha as grandes tendências da que é realizada da investigação. Conscientes da complexidade da
internacionalmente e quais as suas especificidades tarefa, em grande medida resultante da complexi-
em termos do suporte teórico em que assentam. dade própria das Ciências da Educação, quer do
No que respeita à caracterização das metodolo- ponto de vista da multiplicidade e inter penetração
gias de investigação, e uma vez que é uma dimensão de quadros teóricos de referência, quer do ponto
directamente relacionada com o próprio estatuto de vista estritamente metodológico, de que seria de
epistemológico da investigação realizada, impor- todo impossível desligarmo-nos, pretendemos estar
ta fazer aqui uma chamada de atenção particular, atentos à articulação com a evolução verificada nas
em articulação, aliás, com os aspectos acabados diferentes áreas afins (do ponto de vista da evolução
de mencionar. Na verdade, este é um aspecto de dos quadros teóricos de referência), e às tendências
crucial importância, uma vez que é aí que muitos que internacionalmente se foram afirmando em ter-
autores encontram razão suficiente para as severas mos de metodologias de investigação propriamente
críticas feitas à qualidade da investigação realizada ditas (evolução dos paradigmas de investigação).
neste domínio. Se bem que, tal como afirma Ree-
ves, não seja mais pobre que a investigação em Edu- Corpo documental
cação em geral (Reeves, 2000), a qualidade efectiva Como tivemos oportunidade de referir, apresentar-
da investigação desenvolvida nesta área continua se-ão no âmbito deste artigo os resultados da análi-
a ser uma das principais fontes de controvérsia e se realizada às dissertações de mestrado que, desde
deve-se em muito, segundo o mesmo autor, à con- há cerca de década e meia, vêm sendo realizadas nas
fusão entre “investigação fundamental” (“basic Universidades portuguesas. O corpo documental
research”) e “investigação aplicada” (“applied rese- recenseado até ao momento é constituído por 254
arch”). Embora não tenhamos, obviamente, como dissertações (ver Quadro 1 – Corpo documental
objectivo imediato proceder à avaliação da qualida- recenseado).
de da investigação produzida, até pelas limitações
já anteriormente referidas, estaremos atentos a esta Quadro 1
questão, tentando recolher dados que nos permi- Corpo documental recenseado
tam voltar a ela mais tarde. Tipo de publicação Nº de textos*
Nessa medida, para se poder responder global- Dissertações Mestrado 254
mente à questão das metodologias de investigação Doutoramento 23
utilizadas, pareceu-nos pertinente: distinguir os ob- * Dados recenseados até Dezembro de 2005 (actividade em progresso)

jectivos de investigação enunciados em termos de “ex-


plicação” versus “compreensão” dos fenómenos ver-
sus “resolução de problemas”; caracterizar os designs Critérios de análise
metodológicos utilizados dentro do binómio “expe- Dada a natureza do “corpus”, utilizámos, numa
rimental” versus “não-experimental”; caracterizar o primeira abordagem, os procedimentos normais
tipo de análise de dados (“qualitativo” versus “quan- de análise documental para classificação e indexa-
titativo”); identificar as técnicas de análise utilizadas; ção dos textos identificados. Isso permitiu também
e, por último, caracterizar a amplitude da amostra so- a organização de uma base de dados de referência
bre a qual incidem os estudos (macro, meso, micro). nesta área, facilitando o acesso e posterior actuali-
zação dos dados.
Numa segunda etapa, procedeu-se à análise
Metodologia qualitativa do conteúdo dos textos recolhidos, in-
cidindo sobretudo nos resumos dos mesmos, de
Não estando nos nossos propósitos imediatos pro- forma a identificar os elementos que permitissem
ceder a uma análise histórica exaustiva, decidimos “situar” cada investigação com base em critérios

sísifo 3 | fernando albuquerque costa | tecnologias educativas: análise das dissertações de mestr ado 11
previamente estabelecidos. Esses critérios, que de investigação utilizadas, este critério aplica-se
serão apresentados, com mais detalhe no ponto à descrição que, em cada trabalho, é feita sobre
seguinte, estão directamente relacionados e foram a natureza, fundamentos e técnicas de recolha
derivados dos objectivos atrás enunciados para de dados, bem como os procedimentos metodo-
este estudo. lógicos adoptados na sua planificação, análise
Sem prejuízo de alguns ajustes a que fomos pro- e interpretação. Tal como no critério anterior,
cedendo em resultado da necessidade de acomodar considerámos diferentes aspectos concorrentes
algumas categorias emergentes, foi construída uma para a caracterização das opções metodológicas:
estrutura de análise organizada em torno dos três os objectivos da investigação (procura da expli-
eixos centrais anteriormente referidos: problemáti- cação, procura da compreensão, descrição do
cas estudadas, quadros teóricos de referência e op- real, resolução de problemas); o plano metodoló-
ções metodológicas. gico (experimental, não experimental); a análise
Critério 1 - Problemáticas estudadas. Tendo de dados (quantitativa, qualitativa); as técnicas e
como objectivo identificar as principais proble- instrumentos utilizados e a amplitude da amostra
máticas estudadas, este critério aplica-se essen- considerada (ver Quadro 4 - caracterização das
cialmente à formulação da questão central de metodologias utilizadas).
pesquisa (determinante para a selecção do objecto
de estudo, mobilização de um quadro teórico de
referência, definição dos objectivos ou formulação Quadro 2
de hipóteses de investigação e elaboração de um identificação e caracterização
plano de recolha de dados empíricos). No sentido das problemáticas estudadas
de melhor se compreender o alcance da investiga- Imagem, Audiovisuais
Tecnologias da Informação
ção desenvolvida, explicitámos algumas facetas Tema
Ensino e Aprendizagem
deste critério, de forma a permitir a identificação central
Formação de Professores
não apenas do tema central estudado, e do campo Outros
empírico onde são recolhidos os dados (objecto de Linhas de investigação
Origem Problemas concretos do real
estudo), mas também a própria origem da investi- Outros
gação (linhas de investigação, problemas do real) Objectivo: Análise
Identificar Intervenção
e a sua finalidade última (análise do real, inter- Finalidade
as principais Concepção e desenvolvimento
venção, concepção e desenvolvimento). Incluímos problemáticas Outras
ainda um critério referente ao contexto estudado, estudadas O aluno
de forma a perceber o tipo de distribuição dos es- O professor
Os materiais
tudos entre contexto profissional e escolar e, den- Objecto
O processo de ensino
tro deste, pelos diferentes níveis de ensino (ver de estudo e aprendizagem
Quadro 2 - Identificação e caracterização das A formação de professores
Outros
problemáticas estudadas). Escolar (nível de ensino)
Critério 2 - Quadros teóricos de referência. Com Contexto Profissional
o objectivo de identificar os quadros teóricos usa- Outros
dos como suporte da investigação, este critério apli-
ca-se às referências feitas pelo investigador sobre as
áreas científicas, teorias ou autores específicos, seja As frequências de cada uma das categorias de
para esclarecimento da questão de pesquisa, para análise e respectivas percentagens foram calcula-
orientar a recolha de dados ou servir de fundamen- das com o SPSS. De forma a garantir a validade
to à sua interpretação (Quadro 3 - identificação e do processo de categorização, procedeu-se a uma
caracterização dos quadros teóricos de refe- segunda classificação de uma amostra aleatória de
rência). dissertações, tendo-se obtido um coeficiente de
Critério 3 - Opções metodológicas. Por último, 83,50% no teste de equivalência entre as duas clas-
com o objectivo de caracterizar as metodologias sificações obtidas.

12 sísifo 3 | fernando albuquerque costa | tecnologias educativas: análise das dissertações de mestr ado
Quadro 3
identificação e caracterização Quadro 5
dos quadros teóricos de referência Dissertações por Universidade
Perspectiva Distribuição de frequências e percentagens
comportamentalista (Skinner, UNIVERSIDADES Freq. %
Gagné, Bloom…)
U. Aberta 41 18,1
Objectivo: Perspectiva comunicacional,
Multimédia (Shannon e U. de Aveiro 25 11,1
Identificar
os principais Weaver, Mayer…) U. de Lisboa 54 23,9
quadros Referentes Perspectiva sistémica U. do Minho 98 43,4
teóricos de teóricos* (Bertalanfy, Romiszovsky…) U. Nova de Lisboa 8 3,5
referência Perspectivas cognitiva e
usados como construtivista (Bruner, Piaget, Total 226 100,0
suporte da Giardina, Papert…)
investigação.
Abordagem hipermédia e
flexibilidade cognitiva (Nelson,
Spiro…) A Universidade do Minho destaca-se das restan-
Outros tes, uma vez que aí foram realizadas quase metade
* Classificação sistematizada por Chaves (1998) e Pereira (1993). das dissertações analisadas (43,4%), seguindo-se a
Universidade de Lisboa com 23,9%. Podemos aliás,
concluir que nestas duas Universidades se situam
Quadro 4 três quartos da investigação académica realizada em
caracterização das metodologias utilizadas Portugal no domínio das Tecnologias Educativas,
Procura da explicação
Objectivos da Procura da compreensão
ao nível de mestrado. Se, num mero exercício de
investigação análise, excluirmos a Universidade Aberta 4, parece
Resolução de problemas
Outros (mera descrição…) legítima a associação entre as Universidades mais
Plano
Experimental recentes (Aveiro, Minho, Nova) e o maior volume
Objectivo: metodológico Não experimental de investigação aí realizada: Cerca de dois terços,
Caracterizar Misto
as Quantitativa contra cerca de um terço realizada na Universidade
Tipo de
metodologias análise Qualitativa de Lisboa, a única representante das Universidades
de Mista ditas “clássicas” no universo considerado. Facto
investigação Análise estatística…
utilizadas Observação, entrevistas
que poderá ser entendido em abono da hipótese de
Técnicas não estruturadas, análise o aparecimento de novas Universidades, a partir da
documental… década de oitenta, ter constituído um factor deter-
Mistas
Macro minante no desenvolvimento desta área científica.
Amplitude da
amostra Meso
Micro Como evolui o número de dissertações?
De forma a permitir verificar a evolução no tempo
desde o aparecimento dos primeiros estudos de-
Apresentação e discussão senvolvidos no âmbito de cursos de mestrado5 até
de resultados hoje, procurámos perceber como se distribuem as
dissertações pelos quatro períodos de cinco anos
Onde se realiza a investigação? em que dividimos as duas últimas décadas.
Para melhor se compreender o panorama global da Assim, com base no Quadro 6 (Evolução do
investigação realizada, começamos por apresentar a número de dissertações), é possível observar um
informação relativa à distribuição das dissertações crescendo da investigação em termos gerais, sendo
pelas universidades onde foram realizadas. Como particularmente nítida a passagem da década de oi-
se pode observar no Quadro 5 (Dissertações por tenta (com apenas 8 dissertações concluídas) para a
Universidade), o universo das dissertações con- década de noventa, como mais de metade das teses
sideradas na análise (226) concentra-se em apenas analisadas (136), ou seja, 60,2% do total.
cinco universidades portuguesas3.

sísifo 3 | fernando albuquerque costa | tecnologias educativas: análise das dissertações de mestr ado 13
Quadro 6 investigação realizada em contexto académico e,
Evolução do número de dissertações eventualmente, abrir novos horizontes pelo me-
Distribuição de frequências e percentagens nos em termos de relevância social, ou seja, como
PERÍODOS Freq. % contributo para a inovação e mudança dos modos
1986‑1990 8 3,5 de ensinar e aprender nas nossas escolas. Os qua-
1991‑1995 77 34,1
dros seguintes referem-se concretamente a cada um
1996‑2000 59 26,1
2001‑2005 82 36,3
desses eixos de análise, isto é: aos principais temas
Total 226 100,0 tratados; à origem dos problemas que motivaram a
investigação; às finalidades enunciadas pelos auto-
res das investigações; aos objectos de estudo con-
No último período considerado, já neste milé- cretos e, por último, aos contextos observados e
nio, ou seja entre 2001 e 2005, situam-se 82 disser- estudados.
tações (36,3%). O conjunto dos resultados parece
apontar para a continuação do ritmo de investigação Principais temas tratados
neste grau académico, podendo mesmo nos próxi- Com base na análise do Quadro 7 (Temas tra-
mos anos ser fortemente reforçado com a produção tados na investigação) pode dizer-se que existe
científica resultante de outros cursos entretanto ini- uma predominância do estudo de temas relaciona-
ciados, como é o caso do Mestrado em Informática dos com as “tecnologias de informação” enquanto
Educacional oferecido pela Universidade Católica ferramenta e como meio passível de ser estudado
Portuguesa e que, como é sabido, talvez por se rea- independentemente de poder estar ligado (ou não)
lizar predominantemente a distância, atingiu níveis a objectos de estudo específicos, isto é, ao serviço
assinaláveis de adesão na sua primeira edição. da aprendizagem por parte do aluno, ao serviço do
Estes resultados e a elevada procura de pós-gra- professor, ao serviço do próprio processo de ensi-
duações neste domínio, nomeadamente por parte no e de aprendizagem, em geral (41,1%). No caso
de professores, para além de ser um bom indicador de não estar ligado a outros objectos de estudo, as
do ponto de vista da quantidade da investigação “tecnologias de informação” surgem, elas próprias,
realizada no nosso país, pode representar cenários enquanto objecto de análise (avaliação de software,
mais favoráveis também no que diz respeito à utili- por exemplo), objecto de desenvolvimento, como é
zação propriamente dita das tecnologias para fins o caso dos estudos tendentes à criação e desenvol-
educativos. Principalmente pela massa crítica que vimento de novas aplicações para fins específicos
esses professores e outros intervenientes no fenó- (uma aplicação multimédia sobre Desenho Infantil,
meno educativo passam a constituir e pelo impacto para referir um exemplo concreto).
que a sua acção possa vir a ter num futuro próximo,
nomeadamente se devidamente enquadrados em
termos de projectos de intervenção específicos e Quadro 7
criados com esse intuito. Temas tratados na investigação
Distribuição de frequências e percentagens
Que problemáticas são estudadas? TEMA CENTRAL Freq. %
Audiovisuais 39 17,8
Tal como tivemos oportunidade de explicitar ante-
Tecnologias de Informação 90 41,1
riormente, para a caracterização das problemáticas Ensino e Aprendizagem 47 21,5
estudadas, tomámos como referência um conjunto Formação de Professores 20 9,1
diversificado de critérios, de forma a conseguirmos Outros 23 10,5
matizar a investigação realizada e, desse modo, Total 219 100,0
contribuir para um conhecimento mais profundo
do que se investiga, porque se investiga, em que
contexto e para quê. A ideia é, pois, que a análise É, de facto, grande a distância relativamente
articulada destes eixos venha a fornecer uma pers- ao estudo dos “audiovisuais” (com apenas 17,8%),
pectiva de conjunto sobre o esforço depositado na confirmando o crescente interesse pelas tecnologias

14 sísifo 3 | fernando albuquerque costa | tecnologias educativas: análise das dissertações de mestr ado
digitais e a importância assumida por estas, relati- Minho as “tecnologias e informação” são de longe
vamente ao audiovisual e às tecnologias analógicas o tema preferido (22,83%); o mesmo acontece na
que lhe estão associadas e que, como se compreen- Universidade de Aveiro, ainda que em menor per-
de, predominam até ao momento em que os compu- centagem relativa (5,94%); na Universidade Aberta
tadores ganham expressão efectiva e generalizada o tema mais estudado é “imagem e audiovisuais”
na sociedade nos tempos mais recentes. (8,22%), seguido de perto pelas “tecnologias da in-
Apenas 9,1% dos estudos se debruçam sobre o formação” (7,31%); na Universidade de Lisboa o in-
tema “formação de professores” (20 dissertações), teresse principal é o “ensino-aprendizagem”, com a
mas cerca de um quarto tem o processo de “ensino e “formação de professores” em segundo lugar.
aprendizagem” como foco principal da observação
e análise. Dois resultados interessantes, sobretudo Origem da investigação
pelo que cada um significa em si mesmo, mas tam- No que diz respeito à selecção dos temas estudados,
bém pelo facto de apontarem em direcções opostas. é possível observar, com base no Quadro 8 (Origem
Se por um lado é vital que se desloque a atenção para da investigação), que são os “problemas do real” a
o estudo dos modos como as tecnologias são integra- determinar o que vai ser investigado. De facto, pre-
das no processo de ensinar e aprender, é preocupan- dominam de forma muito clara, na quase totalidade
te o facto de se continuar a verificar a pouca atenção dos estudos (94,2%), razões que podemos associar
dada aos contextos em que seria de esperar que os ao interesse dos autores em aprofundarem o conhe-
professores também fossem preparados na dimen- cimento sobre as questões ou problemas com que
são profissional que implica a integração e uso des- de alguma maneira já se confrontaram na sua acti-
sas mesmas tecnologias nas suas práticas lectivas. vidade profissional.
Embora estejamos conscientes que não será no
âmbito de estudos académicos de natureza indivi- Quadro 8
dual que isso deva ser feito, não deixa de ser um in- Origem da investigação
dicador da situação crítica em que nos encontramos Distribuição de frequências e percentagens
e que é caracterizada pela ausência completa de uma ORIGEM Freq. %
visão integrada e articulada de desenvolvimento Linhas de Investigação 2 0,9
Problemas do real 213 96,8
profissional dos professores neste domínio. Curio-
Outros 5 2,3
samente, como claramente evidenciam os poucos Total 219 100,0
estudos realizados sobre esta problemática (Costa
& Peralta, 2006; Matos, 2005; Ponte & Serrazina,
1998; Ponte et al., 2000), também isso acontece ao Como talvez fosse de esperar, dado o tipo de
nível da própria formação inicial, o que, quanto a relação esporádica que é estabelecida com as Uni-
nós, é um dos factores mais preocupantes no con- versidades para a obtenção deste grau académico,
texto nacional. Embora em sintonia com o que se são quase nulas as investigações em que é clara e
passa internacionalmente em termos do impacto da expressamente assumida a sua inserção no âmbito
formação inicial nas novas gerações de professores de uma determinada “linha de investigação” exis-
(Brett et al., 1997; ITRC, 1998; Makrakis, 1997; tente, por exemplo, num determinado centro ou
Willis & Mehlinger, 1996), mas com a agravante unidade de investigação.
de em Portugal isso não constituir de todo objecto
de intervenção estruturada, consistente e assente Principais finalidades
na reflexão prévia, aprofundada, sobre o papel das De acordo com os resultados no Quadro 9 (Fina-
tecnologias na aprendizagem. lidades da investigação) e em sintonia com o que
Do ponto de vista da “geografia” dos temas, isto se disse sobre a origem da investigação, pode afir-
é, da sua distribuição pelas universidades em que mar-se que a principal motivação para a realização
as dissertações foram realizadas, a observação dos do trabalho de pesquisa desenvolvido nas disser-
resultados sugere algumas preferências que pode- tações analisadas é claramente a compreensão dos
rá ser interessante explorar: na Universidade do fenómenos, situações ou contextos observados. De

sísifo 3 | fernando albuquerque costa | tecnologias educativas: análise das dissertações de mestr ado 15
facto, em quase dois terços dos estudos (70, 4%) nos casos das Universidades do Minho (26,39%), de
a finalidade dominante é a “análise”, seguida, da Lisboa (24,55%), de Aveiro (8,33%) e Nova (3,70%),
“concepção e desenvolvimento” que aparece em e pelo “desenvolvimento” de materiais na Universi-
segundo lugar, embora a grande distância, com dade Aberta (11,57%), mas também na Universida-
25,5% dos casos, ou seja um terço das investigações de do Minho (10,65%).
consideradas.
Principais objectos de estudo
Quadro 9 Da análise dos resultados apresentados no Quadro
Finalidades da investigação 10 (Objectos de estudo) é visível que os “mate-
Distribuição de frequências e percentagens riais” são o principal foco da investigação desen-
FINALIDADE Freq. % volvida no âmbito das dissertações de mestrado
Análise 152 70,4 analisadas, com 37,1% dos estudos, ou seja 79 dis-
Intervenção 9 4,2
sertações6.
Concepção e Desenvolvimento 55 25,5
Total 216 100,0
O foco no “processo de ensino e aprendizagem”
surge em segundo lugar, com 22,5% dos estudos (48
dissertações). Conjugando este valor com o conjun-
Ambos os valores parecem fazer sentido, na to das teses que se debruçam mais especificamente
perspectiva de que estamos a referir-nos a algo mui- sobre o “aluno” (considerado individualmente e em
to recente, em constante evolução e cujos contornos relação directa com a aprendizagem), com 11,3% (24
não são, como vimos anteriormente, muito nítidos, teses), e sobre o “professor” (estudos sobretudo re-
pelo menos para quem é confrontado pela primeira lacionados com as atitudes face às tecnologias ou
vez com as dificuldades e implicações inerentes à visando conhecer o tipo de uso que fazem das tec-
utilização e integração de máquinas num ambiente nologias), com 15,5% (33 dissertações), é possível
até então quase exclusivamente reservado à acção observar também o especial interesse que merecem
e interacção humanas. Poderia ser, aliás, um bom os tópicos relacionados, não propriamente com as
indicador de desenvolvimento deste campo e das tecnologias em si mesmo, mas com o contexto em
suas aplicações práticas, se fosse outro o impacto que é suposto serem usadas, com os seus utilizado-
do conjunto das investigações realizadas para ob- res mais directos e com o papel que podem ter na
tenção de grau académico. aprendizagem.
Talvez devido à fragilidade do estatuto dos au-
tores dessas investigações que, como já tivemos Quadro 10
oportunidade de referir, são na sua maioria profes- Objectos de estudo
sores que procuram, a título individual, a obtenção Distribuição de frequências e percentagens
de um grau académico que lhes permita progredir OBJECTO DE ESTUDO Freq. %
profissionalmente, não seria expectável que fosse Aluno 24 11,3
significativo o número de dissertações visando a Professor 33 15,5
“intervenção” propriamente dita. Pelo menos uma Materiais 79 37,1
Ensino e Aprendizagem 48 22,5
intervenção com carácter estruturado e com um
Formação de Professores 13 6,1
determinado suporte institucional, por exemplo Outros 16 7,5
ao nível de uma escola ou conjunto de escolas. O Total 213 100,0
elevado grau de aplicabilidade desta área contrasta,
aliás, com a baixa percentagem verificada em es-
tudos com essa finalidade (4,2%, ou seja, apenas 9 Por outro lado, apenas 6,1% dos estudos incidem
dissertações), o que não deixa de estar em sintonia na “formação de professores”, sendo esse, aliás, o
com o que se disse no parágrafo anterior. valor mais baixo verificado nesta categoria de análi-
No que se refere à associação entre universida- se. Apontando na mesma direcção e corroborando
des e finalidades, os resultados apontam para a pre- o que se disse anteriormente sobre a formação de
ferência pela “análise” e compreensão da realidade professores, é interessante verificar que apenas tre-

16 sísifo 3 | fernando albuquerque costa | tecnologias educativas: análise das dissertações de mestr ado
ze dissertações têm como foco central de observa- as que analisámos, é importante conhecer os referen-
ção e estudo, o processo e as práticas de formação tes teóricos usados na investigação, de forma a poder
de professores, o que não deixa de ser um aspecto avaliar-se quais são as tendências predominantes num
curioso a reter, até porque esse é, reconhecida e in- determinado momento e como se distribuem pelas
contornavelmente, uma pedra-de-toque nesta como universidades onde essa investigação é acompanhada.
em outras áreas das Ciências da Educação. De acordo com os resultados apresentados no
Em termos da geografia dos objectos de estudo, Quadro 12 (Quadros Teóricos de referência), é
é interessante verificar as preferências das Universi- possível concluir que a maior parte das dissertações
dades do Minho (18,78%), Aberta (11,74%) e Aveiro (53,6%) não toma como referentes teóricos aqueles
(5,63%) por estudos que incidem nos “materiais”. que tínhamos tomado como ponto de partida para a
No caso da Universidade de Lisboa a preferência re- análise e que, como referimos anteriormente, se ba-
parte-se de igual modo por dois dos objectos de es- seavam nas perspectivas que tradicionalmente são
tudo mais directamente relacionados com a situação mobilizadas para estudar a problemática das tecno-
didáctica em si mesma, isto é, o “professor” (7,98%) logias em Educação. Para além da dificuldade que
e o “processo de ensino-aprendizagem” (7,98%). tivemos, nalgumas investigações, em identificar o
enquadramento teórico tomado como referência,
Contexto em que a investigação incide quer por falta de clareza na sua explicitação, quer
Como já por mais de uma vez referimos, são princi- por não ser clara também a opção apenas por uma
palmente os professores que procuram a concreti- das perspectivas consideradas no nosso plano de
zação de pós-graduações no domínio das Ciências análise, incluímos também nesta categoria (“outros
da Educação e, em particular, as que directamente referenciais”) os estudos que apresentavam quais-
possam estar relacionadas com a reflexão estrutu- quer outras estruturas teóricas de enquadramento
rada sobre a relação entre as tecnologias e o seu que não as que havíamos definido a priori.
uso para fins educativos, nomeadamente ao nível
de mestrado. Talvez por isso, o contexto “escolar” Quadro 12
represente, no corpus aqui considerado, a quase to- Quadros Teóricos de referência
talidade das investigações realizadas (200 disserta- Distribuição de frequências e percentagens
ções, 95,7%), com apenas um valor residual (3,3%) REFERENTES TEÓRICOS Freq. %
de dissertações desenvolvidas em contexto “profis- Comunicação e Multimédia 32 22,9
Cognitivismo e Construtivismo 16 11,4
sional” fora da Escola (Ver Quadro 11 - Contextos
Hipermédia e Flexibilidade Cognitiva 17 12,1
em que a investigação é realizada). Outros 75 53,6
Total 140 100,0
Quadro 11
Contextos em que a investigação é realizada
Distribuição de frequências e percentagens Uma possível interpretação para este resultado,
CONTEXTO Freq. % nomeadamente no que se refere à última alternati-
Escolar 200 95,7 va, pode estar relacionada com o empréstimo pro-
Profissional 7 3,3 curado em outras áreas científicas, nomeadamente
Outros 2 1,0 as que estão directamente ligadas às temáticas e
Total 209 100,0
objectos de estudo específicos, como é o caso da
Formação de Professores. Se uma determinada
dissertação tem como principal tema e objecto de
Principais quadros teóricos de referência estudo a formação de professores, é natural que o
A robustez do suporte teórico é um dos atributos investigador procure fazer o respectivo enquadra-
fundamentais da investigação científica e, como não mento teórico à luz do conhecimento actual sobre
poderia deixar de ser, uma garantia da qualidade e modelos de formação de professores, por exemplo.
credibilidade dos estudos realizados. No caso das Estaríamos assim numa situação, quanto a nós de
dissertações para obtenção de grau académico como grande interesse do ponto de vista interdisciplinar,

sísifo 3 | fernando albuquerque costa | tecnologias educativas: análise das dissertações de mestr ado 17
de abertura a áreas científicas afins, para estudo de mos, poderão constituir também fonte de reflexão,
questões muitas vezes apenas confinadas a investi- nomeadamente no que ao objectivo da qualidade
gadores provenientes da área das tecnologias, com da investigação se refere e que, como tivemos opor-
o que isso possa implicar em termos de impacto e tunidade de alertar anteriormente, deve constituir
relevância da investigação realizada, quer em ter- uma preocupação para a comunidade educativa em
mos gerais, quer mesmo em termos estritamente geral, e para cada investigador em particular.
científicos.
Uma vez que em apenas três das cinco catego- Objectivos de investigação
rias de análise previamente definidas foi possível, No que se refere aos objectivos de investigação ex-
de uma forma clara, classificar as dissertações ana- plicitamente enunciados nas dissertações e com
lisadas, é por elas que se distribuem os restantes base nos resultados apresentados no Quadro 13
valores no que aos referentes teóricos diz respeito. (Objectivos de Investigação), é possível concluir
Em primeiro lugar, com 22,9% estão as dissertações que a “compreensão” dos fenómenos ou problemas
que tiveram como suporte teórico uma abordagem é a categoria mais frequente, com um total de 168
“comunicacional e multimédia”, seguindo-se, com dissertações (78,9%), seguindo-se, a grande distân-
valores muito próximos, as dissertações assentes cia, a categoria “outros” (13,6%), em que se incluí-
numa abordagem que designámos de “hipermé- ram, quer os objectivos que não correspondiam aos
dia e flexibilidade cognitiva” (12,1%) e os estudos critérios considerados, quer as dissertações em que
que tiveram como base uma abordagem “cognitiva mais do que um desses objectivos seriam visados.
e construtivista” (11,4%). Curiosamente, ou talvez Somente 15 teses (7,0%) referem explicitamente o
não, foi insignificante o número de estudos basea- objectivo de “resolução de problemas” e apenas
dos explicitamente, quer na perspectiva behavioris- numa das dissertações (0,5%) é visível a intenção de
ta, quer na abordagem sistémica, o que de alguma “explicação” dos fenómenos estudados.
maneira poderá ter a ver também com alguma infle-
xão de paradigma a que alguns autores se referem Quadro 13
(Coutinho, 2000b, 2005; Pereira, 1993) no sentido Objectivos de Investigação
da compreensão dos fenómenos educativos à luz de Distribuição de frequências e percentagens
abordagens mais actuais e em maior sintonia com OBJECTIVOS DE INVESTIGAÇÃO Freq. %
os desafios que as tecnologias digitais e em rede Explicação 1 0,5
Compreensão 168 78,9
vieram trazer ao processo de ensinar e aprender.
Resolução de Problemas 15 7,0
Outros 29 13,6
Principais metodologias utilizadas Total 213 100,0
Embora as metodologias utilizadas numa determi-
nada investigação devessem resultar sobretudo do
que se pretende estudar e dos propósitos visados, De referir ainda que o cenário acabado de traçar
nem sempre a selecção e adopção de procedimen- acontece de forma clara em todas as universidades
tos metodológicos, como o estabelecimento do onde as dissertações foram realizadas.
plano de investigação ou a selecção de técnicas de
recolha e análise de dados, são determinados ex- Plano metodológico
clusivamente pela análise aprofundada do que é o Visando perceber como se situam as dissertações
mais adequado e mais consistente, do ponto de vis- no que se refere ao design metodológico, verificou-
ta epistemológico, com a especificidade do objecto se um claro predomínio dos planos “não experi-
de estudo. São muitas vezes, pelo contrário, outros mentais”, com 78,7% do total dos estudos efectua-
factores de carácter mais circunstancial, que aca- dos (140 dissertações), sobre os planos organizados
bam por condicionar, quer o design da investigação, segundo uma lógica mais “experimental”, com ape-
quer a instrumentação utilizada. No caso concreto nas 34 dissertações (19,1%), e sobre planos “mis-
das dissertações de mestrado, muitas serão essas tos”, com apenas 4 estudos (ver Quadro 14 – Plano
contingências, pelo que os resultados a que chegá- Metodológico).

18 sísifo 3 | fernando albuquerque costa | tecnologias educativas: análise das dissertações de mestr ado
Quadro 14 notas pessoais…), com 57,8% do total de estudos
Plano Metodológico em que essa informação é fornecida, sobre as téc-
Distribuição de frequências e percentagens nicas ditas “estatísticas”, em apenas 31,3% desses
PLANO METODOLÓGICO Freq. % estudos. À semelhança do que se observou no pon-
Experimental 34 19,1 to anterior, também aqui são identificadas disserta-
Não Experimental 140 78,7
ções em que são usadas técnicas “mistas” (10,9%).
Misto 4 2,2
Total 178 100,0
Quadro 16
Relativamente ao desenho metodológico pro- Técnicas utilizadas
priamente dito, os resultados permitem concluir, Distribuição de frequências e percentagens
TÉCNICAS Freq. %
por outro lado, que os métodos “não experimen-
Análise Estatística 46 31,3
tais” são a preferência em todas as universidades Observação, entrevistas não
sendo que, apenas na Universidade do Minho, tem estruturadas, registos… 85 57,8
também alguma expressão os planos “experimen- Mistas 16 10,9
tais”. Total 147 100,0

Tipo de dados Apenas na Universidade do Minho é saliente


De alguma maneira em sintonia com os resultados a preferência por técnicas “estatísticas” (25,85%),
anteriores, é possível observar no Quadro 15 (Tipo muito embora as técnicas “não estatísticas” tam-
de Análise) a preferência da maior parte das dis- bém sejam aí usadas de forma relevante (14,97%).
sertações por uma análise de dados de tipo “qua- A opção por técnicas “não estatísticas” é claramen-
litativo” (56,0%), em detrimento de uma análise te a opção da Universidade de Lisboa (27,21%), da
“quantitativa”, utilizada em apenas 45 dissertações, Universidade Aberta (8,84%) e também das disser-
ou seja, 30,0% do conjunto dos casos em que é dada tações realizadas na Universidade Nova (4,08%).
explicitamente esta informação.
Amplitude da amostra
Quadro 15 Sobre a amplitude das amostras estudadas, o Qua-
Tipo de Análise dro 17 (Amplitude da Amostra) mostra que em
Distribuição de frequências e percentagens 68,0% das dissertações em que essa informação é
TIPO DE ANÁLISE Freq. % explícita, incidiram, como talvez fosse de esperar,
Quantitativa 45 30,0 em estudos de pequena dimensão (amostra “mi-
Qualitativa 84 56,0 cro”). Apenas 28,4% se enquadram em estudos já
Mista 21 14,0 com amplitude assinalável ( “meso”) e 3,6% em estu-
Total 150 100,0 dos com amostra de grande amplitude ( “macro”).

Numa pequena percentagem desses estudos Quadro 17


(14,0%) são utilizadas combinações de ambos os ti- Amplitude da Amostra
pos de análise (análise “mista”). A opção por dados Distribuição de frequências e percentagens
qualitativos é clara, por sua vez, em todas as uni- AMOSTRA Freq. %
versidades em cujas dissertações foi possível apurar Macro 7 3,6
essa informação. Meso 55 28,4
Micro 132 68,0
Técnicas utilizadas Total 194 100,0
Com base nos resultados apresentados no Quadro
16 (Técnicas Utilizadas), é possível verificar, ain- Neste critério particular, a opção é claramente
da em sintonia com os resultados anteriores, o pre- por amostras de fraca amplitude em todas as uni-
domínio das técnicas de recolha de dados “não esta- versidades, muito embora se encontre também uma
tísticas” (observação, entrevistas não estruturadas, percentagem de dissertações com amostras relati-

sísifo 3 | fernando albuquerque costa | tecnologias educativas: análise das dissertações de mestr ado 19
vamente maiores nos casos da Universidade do Mi- e desenvolvimento de materiais assumem a segun-
nho (14,95%) e na Universidade de Lisboa (6,19%). da linha no que às finalidades da investigação diz
respeito.
Em termos de enquadramento teórico, dife-
Síntese e perspectivas rentes sinais parecem apontar no sentido do que
alguns designam de inflexão paradigmática em
Tentando dar relevo aos aspectos mais salientes direcção à utilização de abordagens mais actuais
da investigação científica aqui analisada, termina- e mais ajustadas às novas formas de equacionar a
remos recuperando algumas das linhas-força ante- aprendizagem e ao que as políticas educativas têm
riormente apresentadas, e que, de alguma maneira, vindo a incorporar no currículo oficial, isto é, o
poderão constituir uma sistematização das prin- aluno enquanto agente activo na construção da suas
cipais tendências do que se investiga em Portugal aprendizagens, aprendizagens que são socialmente
neste domínio ao nível de Mestrado. construídas, etc.. Inflexão também em direcção a
À semelhança do que se passa a nível interna- uma maior atenção, não às tecnologias em si mes-
cional nos últimos anos, é de realçar, em primeiro mo, mas na sua relação directa com o próprio pro-
lugar, a deslocação do interesse pelo estudo de te- cesso de aprender e ensinar, com o que isso implica
mas relacionados com os audiovisuais, para o estu- em termos de abertura e mobilização de outros sa-
do de temas mais directamente relacionados com as beres, conferindo-lhe uma dimensão interdiscipli-
“novas” tecnologias de informação e comunicação, nar e envolvendo áreas científicas de importância
isto é, as tecnologias digitais. Enquanto objecto de vital e tradicionalmente não consideradas, como
estudo em si mesmo (estudos com pendor tecnoló- por exemplo o Currículo, a Avaliação ou a própria
gico), mas também, ainda que com menor incidên- Formação de Professores.
cia, na sua relação directa com os actores, contextos Por último, pode falar-se também de inflexão ao
e objectivos de aprendizagem (estudos de pendor nível das metodologias (inflexão metodológica) uma
pedagógico). vez que parece ser evidente um claro afastamento
É de salientar, por outro lado, a pouca atenção dos métodos clássicos tradicionalmente preferidos
dedicada aos contextos de formação (formação ini- (o método experimental, os estudos correlacionais,
cial e formação contínua) e aos modos de prepa- a comparação de meios…), como alguns autores já
ração dos profissionais (professores, educadores, haviam referenciado, e que se torna transparente
formadores) para a integração das tecnologias nas na tendência para a utilização de desenhos de in-
suas práticas. vestigação “não-experimentais”, na preferência por
Ainda que as universidades possam ter linhas técnicas de recolha de dados “não-estatísticas” e na
de investigação com temáticas e abordagens pre- opção por dados de natureza qualitativa.
feridas, e isso possa de alguma maneira influen- Em síntese, pode dizer-se que a investigação
ciar o que é estudado ao nível das dissertações, é aqui realizada representa uma parte relevante da
o contexto escolar e são as questões ou os proble- investigação desenvolvida em Portugal nas duas
mas concretos do real que motivam os seus auto- últimas décadas. A elevada procura de pós-gradua-
res, na maioria professores, como se viu, e visando ções nas universidades a partir dos anos noventa e,
sobretudo analisar e compreender os fenómenos, em especial, neste domínio específico, correspon-
situações ou contextos observados. Não é, pois, o dendo, aliás, ao forte apelo das novas tecnologias
propósito de intervenção a mobilizar em primeira e do seu potencial para uso em Educação, é talvez
instância o interesse destes professores investiga- uma das principais características desse período e
dores, até porque, como facilmente se compreende, acaba por determinar o que é investigado em Portu-
não seria muito fácil fazê-lo para além da sua esfera gal neste domínio. Até porque, como vimos, são os
individual de acção. professores quem mais procura a realização de cur-
Emergindo também com algum significado, sos de mestrado, nomeadamente nesta área, muito
uma vez que representam um terço das disserta- embora nem sempre as suas motivações tenham a
ções analisadas, os estudos referentes à concepção ver directamente com o estudo da integração das

20 sísifo 3 | fernando albuquerque costa | tecnologias educativas: análise das dissertações de mestr ado
tecnologias no ensino, mas por razões ligadas ao estudos científicos nas práticas daqueles que, por
desenvolvimento da sua carreira profissional. razões diversificadas e sobretudo circunstanciais,
Tendo crescido, em algumas universidades, a tiveram oportunidade de utilizar, para fins educa-
oferta de cursos de mestrado directamente relacio- tivos, as tecnologias num determinado momento
nados com as tecnologias educativas, a tendência disponíveis.
observada nos últimos quinze anos foi a de aumen- Embora o suporte científico e metodológico à
to significativo também ao nível da procura. Po- introdução das tecnologias em contexto educativo
dendo constituir, em si mesmo, um bom indicador assuma, à primeira vista, uma importância vital,
da quantidade da investigação realizada, esse facto podendo esperar-se, como acontece noutras áreas
pouco nos diz, no entanto, sobre o contributo di- do conhecimento, que a investigação precedesse
recto da investigação ao nível das práticas educa- as práticas dos profissionais respectivos, nas tec-
tivas, nomeadamente em termos de esclarecimento nologias educativas parece acontecer o inverso.
sobre modos de utilização das tecnologias, sobre As tecnologias chegam às escolas, são utilizadas,
as suas implicações na organização dos contextos, geralmente por professores mais sensíveis à sua in-
sobre o impacto na aprendizagem, para apenas refe- tegração no processo de ensino e aprendizagem, e
rimos alguns aspectos cruciais e sobre os quais não só muito tempo depois surge (quando surge) uma
há informação sistemática. eventual reflexão sobre os seus eventuais benefícios
Não deixará de representar, de qualquer modo, para a aprendizagem. Uma reflexão dependendo,
um contributo importante, pelo menos ao nível dos na maior parte das vezes, de factores circunstan-
professores que as realizaram, pela massa crítica ciais (como é o caso da própria realização dos estu-
emergente e pelo impacto que a sua acção possa vir dos para obtenção de grau de mestre) e apenas es-
a ter, num futuro próximo, por exemplo, no seio das poradicamente enquadrada num qualquer projecto
escolas em que trabalham. Tal como tivemos opor- ou linha de investigação mais abrangente, visando
tunidade de questionar anteriormente, poderá ser equacionar novas formas de ensino e aprendizagem
um impacto de sinal positivo, pelo menos se esse com tecnologias e proporcionar apoio concreto a
capital for devidamente considerado e enquadrado diferentes tipos de usos e práticas dessas mesmas
em projectos de intervenção estruturados e conve- tecnologias.
nientemente suportados, por exemplo, ao nível dos Um aspecto de capital importância, sobretudo
projectos educativos dessas mesmas escolas. no que às novas tecnologias diz respeito, não só pe-
A pouca investigação realizada fora do contex- los desafios que constituem (podem constituir!) em
to académico e a ausência de estudos de avaliação termos de inovação das concepções e práticas de
sistemáticos sobre a introdução das tecnologias na ensino e aprendizagem, mas também pela necessi-
Escola são duas características que também po- dade de acompanhar de forma rigorosa e sistemáti-
demos associar ao segundo período considerado ca a sua implementação, ou de avaliar o seu impacto
e que, em sintonia com a tendência internacional, e respectivos efeitos aos mais diferentes níveis do
nos fazem supor o fraco peso dos resultados dos quotidiano escolar.

sísifo 3 | fernando albuquerque costa | tecnologias educativas: análise das dissertações de mestr ado 21
Notas 6. Esta constatação parece estar de acordo com
os resultados observados a propósito do “tema cen-
1. XV Colóquio da Secção Portuguesa da tral” em que o interesse pela vertente mais tecnoló-
AFIRSE – Association Francophone Internationale gica assumia uma relevância de destaque, atingindo
de Recherche en Sciences de l’Education (Lisboa, uma percentagem de 58,9% dos estudos quando
Fevereiro de 2006). considerados em conjunto as “tecnologias de infor-
2. “There are literally hundreds if not thousands mação” mais os “audiovisuais” (de referir que o con-
of studies that keep repeating this horse-racing para- junto dos temas não relacionados directamente com
digm, a paradigm that has been condemned and as “tecnologias” – “ensino e aprendizagem” e “for-
sentenced to death years ago when discovery lear- mação de professores” – representam um valor de
ning, educational television, and CAI were compa- apenas 30,6% dos casos).
red with their traditional competitors” (Salomon,
2000). No fundo é como se se pretendesse medir
um determinado objecto e não se dispusesse de uma Referências bibliográficas
unidade medida válida, uma vez que não fora cons-
truída tendo em atenção a natureza e as característi- Abrantes, J. C. (1981). Tecnologia Educativa. In
cas desse mesmo objecto. M. Silva & I. Tamen (eds.), Sistema de Ensino
3. Embora saibamos que existem dissertações em Portugal. Lisboa: Fundação Calouste Gul-
de mestrado, resultantes de investigação de alguma benkian, pp. 521-551.
maneira relacionada com a área das Tecnologias Abrantes, J. C. (1998). Os media e a escola: da im-
Educativas, noutras universidades portuguesas, não prensa aos audiovisuais no ensino e na forma-
conseguimos ter acesso à informação respectiva nas ção. Lisboa: Texto Editora.
bases de dados que consultámos, nem pudemos, em Atkinson, R. C. & Jackson, G. B. (1992). Research
tempo útil, aceder às respectivas bibliotecas e cen- and education reform : roles for the Office of Edu-
tros de documentação. Temos conhecimento de que cational Research and Improvement. Washing-
fazem parte deste grupo, entre outras, as Universi- ton, D.C.: National Academy Press.
dade de Coimbra, Porto e Algarve, muito embora Blanco, E. & Silva, B. (1993). Tecnologia educati-
os valores não sejam significativos até pela inexis- va em Portugal: conceito, origens, evolução, áre-
tência, nessas Universidades, de cursos de mestrado as de intervenção e investigação. Revista Portu-
nesta área específica. guesa de Educação - CIEd, 6, 3, pp. 37-55.
4. Apenas de justificará não incluir a Universi- Brett, A.; Lee, O. & Sorhaindo, L. (1997). Effect
dade Aberta pela natureza marcadamente diferente of Field-Based Technology Laboratory on Pre-
das restantes universidades, pelos menos no que se service Teachers’ Knowledge, Attitudes, and In-
refere aos meios que utiliza para cumprir a sua mis- fusion of Technology. Florida Journal of Edu-
são, mas, neste caso concreto, somente como forma cational Research, 37, 1, pp. 1-16.
de testarmos a hipótese do contributo decisivo da Caldas, J. C. (2001). O vídeo na escola em Portu-
vaga de universidades novas surgidas após o 25 de gal. In B. Silva & L. Almeida (eds.), Congresso
Abril de 1974. Galaico-Português de Psicopedagogia. Braga:
5. Os primeiros cursos de Mestrado em Educa- Centro de Estudos em Educação e Psicologia,
ção de que temos conhecimento com especializa- pp. 383-394.
ção na área de Tecnologia Educativa tiveram lugar Chaves, J. H. (1998). Mestrado em Educação/Área
na Universidade do Minho no ano lectivo de 1991/92 de Especialização em Tecnologia Educativa. Re-
(Chaves, 1998), embora nessa Universidade já exis- sumo das Dissertações da 1ª Edição do Curso.
tisse há algum tempo uma especialização em “Infor- Costa, F. & Peralta, H. (2006). Primary teachers’
mática no Ensino” (desde 1987). No ano lectivo de competence and confidence. Level regarding
1991/92 é também iniciado um curso de Mestrado the use of ICT. In ED-MEDIA - World Confe-
na Universidade Aberta, este sobre Comunicação rence on Educational Multimedia, Hypermedia
Multimédia. & Telecommunications. Orlando.

22 sísifo 3 | fernando albuquerque costa | tecnologias educativas: análise das dissertações de mestr ado
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sísifo 3 | fernando albuquerque costa | tecnologias educativas: análise das dissertações de mestr ado 23
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24 sísifo 3 | fernando albuquerque costa | tecnologias educativas: análise das dissertações de mestr ado
s í s i f o / r e v i s t a d e c i ê n c i a s d a e d u c a ç ã o · n .º 3 · m a i / a g o 0 7 issn 1646 ‑4990

Rentabilizar a Internet
no Ensino Básico e Secundário:
dos Recursos e Ferramentas Online aos LMS

Ana Amélia Amorim Carvalho


aac@iep.uminho.pt
Universidade do Minho

Resumo:
O acesso à Internet nas escolas, o equipamento das salas de informática e a iniciativa
“Escola, Professores e Computadores Portáteis” criaram as condições tecnológicas para
que professores e alunos possam usufruir da diversidade de informação online, da comu-
nicação, da colaboração e partilha com outros, a que se acresce a facilidade de publicação
online. A integração dos serviços da Internet nas práticas lectivas com um propósito de-
finido de carácter disciplinar e transdisciplinar pode proporcionar um enriquecimento
temático, social e digital para os agentes envolvidos e sobre ela nos vamos debruçar na
segunda parte deste artigo.
Começaremos por salientar o emergir da economia do conhecimento em rede, enquanto
extensão cognitiva. Desta realidade, ressalta a necessidade de conectividade e a importân-
cia do conectivismo, imprescindível ao ser humano do século XXI e que abordamos na
segunda parte.
Na terceira parte, incidimos sobre as vantagens da utilização de LMS (Learning Ma-
nagement Systems), como o Moodle, no apoio ao ensino presencial para o professor e os
alunos. Abordamos também as suas implicações ao nível de suporte ao aluno e de inte-
racção online, que conduz os agentes educativos de uma situação de ensino presencial
para o ensino misto: blended-learning.
Por fim, concluímos advertindo para a importância de se começar a utilizar os recur-
sos e as ferramentas online, para se evoluir para um ambiente que é familiar aos alunos e
através do qual podem aprender crítica e colaborativamente.

Palavras­‑Chave:
Colaboração, Comunicação, Conectivismo, LMS, Pesquisa, Publicação online.

Carvalho, Ana Amélia Amorim (2007). Rentabilizar a Internet no Ensino Básico e Secundário: dos
Recursos e Ferramentas Online aos LMS. Sísifo. Revista de Ciências da Educação, 03, pp. 25‑40.
Consultado em [mês, ano] em http://sisifo.fpce.ul.pt

25
Introdução da Web se encontram, potencialmente, ao mesmo
nível: “uma criança encontra-se aí em pé de igual-
Termos como Internet e WWW (World Wide Web) dade com uma multinacional” (Lévy, 2000, p. 154).
enraizaram-se no vocabulário quotidiano e na vi- É, pois, imperioso preparar as gerações para esta
vência de cada cidadão, como comprova a expres- nova forma de estar, onde todos são consumidores
são “a Internet é o tecido das nossas vidas” (Cas- e produtores e onde as capacidades de pesquisar e
tells, 2004, p. 15). A Internet reflecte-se na reorga- de avaliar a qualidade da informação são críticas
nização das nossas vidas, no modo como comuni- (Carvalho, 2006; Carvalho et al., 2005).
camos e como aprendemos. A sua importância é tão
marcante que Castells (2004) a compara, ao nível de Dentro de algumas dezenas de anos, o cibe-
impacto, à galáxia de Gutenberg, expressão criada respaço, as comunidades virtuais, as suas reser-
por McLuhan (1962) para caracterizar o efeito da vas de imagens, as suas simulações interactivas,
criação da imprensa por Gutenberg, propondo, por o seu irreprimível aumento de volume de textos e
analogia, a Galáxia Internet. sinais, será o mediador por excelência da inteli-
“Não existe uma centralidade [na Internet], mas gência colectiva da humanidade. Com este novo
sim uma nodalidade, baseada numa geometria re- suporte de informação e de comunicação emergem
ticular” (Castells, 2004, p. 267). Ela mantém-se géneros de conhecimentos extraordinários, crité-
como uma rede aberta e como meio para aprender e rios de avaliação inéditos para orientar o saber,
partilhar, suportando vários serviços. novos protagonistas na produção e tratamento dos
A World Wide Web foi concebida com o intuito de conhecimentos. Toda a política de educação de-
ser um repositório do conhecimento humano, cons- verá tê-lo em consideração (Lévy, 2000, p. 179).
tituindo-se como espaço de partilha (Berners-Lee
et al., 1994), que cresce a um ritmo não imaginado. É nesta linha de preocupações que os Minis-
térios da Ciência e Tecnologia e da Educação têm
The World Wide Web (W3) was developed to be a promovido iniciativas várias que procuram fomen-
pool of human knowledge, which would allow collabo- tar a integração da Internet nas escolas. Em 2002,
rators in remote sites to share their ideas and all aspects o Ministério da Ciência e Tecnologia, em parceria
of a common project (Berners-Lee et al., 1994, p. 76). com a Fundação para a Computação Científica Na-
cional (FCCN), as Escolas Superiores de Educação
Lévy (2001) clama da dimensão da Web “oceâ­nica e algumas Universidades promoveu o Programa
e sem forma” (p. 154), para a qual todos os que nela Acompanhamento da Utilização Educativa da In-
publicam contribuem. Além disso, todos os autores ternet nas Escolas Públicas do 1º Ciclo do Ensino

26 sísifo 3 | ana amélia amorim carvalho | rentabilizar a internet no ensino básico e secundário
Básico, designado abreviadamente por Internet@ boa verdade, ela até pode reforçar abordagens cen-
EB1. Este programa teve continuidade no Projecto tradas no professor. No estudo realizado por Zhao
“Competências Básicas em TIC nas EB1”, da res- (2007), sobre a integração da tecnologia nas aulas,
ponsabilidade do Ministério da Educação através constatou-se que os professores usavam a tecnologia
da Equipa de Missão CRIE (Computadores, Re- num contínuo que vai de uma abordagem centrada
des e Internet nas Escolas), e, mais recentemente, no professor até uma abordagem centrada no aluno.
a “Iniciativa Escolas, Professores e Computadores A posição que defendemos dá particular ênfase
Portáteis”, em Março de 2006. Deste modo, muitas ao uso da Internet e dos seus serviços como meio
das escolas receberam computadores portáteis. Para para aprender, individual e colaborativamente, não
que estes equipamentos possam ser rentabilizados só através de pesquisa livre ou estruturada mas
e para que o potencial de aprendizagem através da também como meio para apresentar e partilhar
Internet possa ser aproveitado, é fundamental não o trabalho realizado à turma e a todos os que lhe
descuidar a formação dos professores. queiram aceder online.
A formação tem que incidir não só sobre a uti- Neste artigo, começamos por abordar o emergir
lização da tecnologia mas também sobre a sua in- da economia do conhecimento em rede, alertando
tegração pedagógica na sala de aula. Para além da para as suas implicações na forma como depen-
contextualização teórica, os professores devem ser demos das conexões que estabelecemos na rede
confrontados com exemplos concretos de aplicação para uma permanente actualização. Assim, aliada
nas suas áreas disciplinares para que possam ver à necessidade de conectividade, impõe-se um novo
como integrar os recursos e as ferramentas, como conceito: conectivismo.
dinamizar a sua exploração, que papel desempe- Deste emergir da economia do conhecimen-
nhar na aula. Zhao (2007) salienta que o saber que to em rede, novas capacidades são exigidas como
o professor detém sobre a tecnologia e a sua experi- pesquisar, seleccionar e citar; cooperar e colaborar
ência em usá-la são factores críticos para a aprendi- presencialmente e online; e, ainda, publicar e par-
zagem bem sucedida dos alunos com a tecnologia. tilhar online. A diversidade de informação online
Com a rapidez de evolução do conhecimento, a bem como de actividades orientadas para a pesqui-
educação deve dar prioridade à “aquisição da capa- sa, de exercícios de correcção automática, de simu-
cidade intelectual necessária para aprender a apren- lações, de jogos, entre outros, constituem recursos
der durante toda a vida, obtendo informação arma- a integrar nas práticas lectivas. Por outro lado, a
zenada digitalmente, recombinando-a e utilizando- capacidade de colaboração é um requisito cada vez
a para produzir conhecimentos para o objectivo de- mais procurado, que compete ao professor dinami-
sejado em cada momento” (Castells, 2004, p. 320). zar nas aulas, ajudando os alunos a distinguir cola-
Para isso, o professor tem um novo papel a desem- boração de cooperação.
penhar: o de facilitador da aprendizagem, apoiando Por fim, focaremos as vantagens e limitações de
o aluno na sua construção individual e colaborativa um LMS (Learning Management System), como o
do conhecimento; proporcionando-lhe autonomia Moodle, plataforma de apoio à aprendizagem no
na aprendizagem, incentivando ao desenvolvimen- ensino presencial. Perante o elevado número de
to de pensamento crítico, à capacidade de toma- endereços de escolas portuguesas no site oficial
da de decisão e à aprendizagem de nível elevado1. do Moodle, provavelmente resultante do projecto
Por vezes, associa-se o professor que usa a tec- “moodle.edu.pt”, urge investigar sobre a utilização
nologia a um professor inovador, que rege as suas real e pedagógica da plataforma.
aulas seguindo uma abordagem construtivista.
Gostaríamos de alertar para o facto de que a utili- O emergir da economia
zação da tecnologia não é garantia, por si só, de um do conhecimento em rede
determinado tipo de abordagem – mais directiva,
centrada no professor ou mais centrada no aluno, O dualismo da sociedade do conhecimento e da
mais construtivista – ou do tipo de organização da economia do conhecimento estão relacionados,
turma, em trabalho individual ou colaborativo. Em como refere Peters (2007). As ideias de uma econo-

sísifo 3 | ana amélia amorim carvalho | rentabilizar a internet no ensino básico e secundário 27
mia associada à rede surgem nos anos 70, altura em do “social bookmarking”, como o Del.icio.us, e do
que Roland Artle, Christian Averous, Lyn Squire “social networking”, como a Elgg, que integra blog,
e Jeffrey Rohlfs demonstraram a possibilidade de arquivos e a categorização por etiquetas (“tags”).
um mercado alternativo. Nos anos 90, verificaram-
se mudanças globais nas indústrias da informação, Além disso, a tecnologia RSS (Really Simple
seguindo-se a liberalização das telecomunicações Syndication) permite subscrever uma ligação à pá-
(idem). Burke (2002), referindo-se à segunda vaga gina2, recebendo o utilizador uma notificação de
da sociologia do conhecimento, menciona, entre cada vez que a página é alterada.
vários aspectos, que esta difere da primeira por se Devido à facilidade de acesso criada pela rede,
ter verificado uma mudança da aquisição e trans- uma nova abordagem vem ganhando terreno, a co-
missão do conhecimento para a sua construção ou nectividade, que exige aos professores e aos alunos
produção e por os detentores do conhecimento não a capacidade de lidarem com o conhecimento na
serem mais uma classe ou elite (apud Peters, 2007). rede. Com o conhecimento na Internet, segundo
O número de sites e páginas na Web cresce dia- Albion e Maddux (2007), emergem três pilares: di-
riamente. O conhecimento que se vai construindo reitos de autor e plágio, desenvolvimento de capaci-
duplica de 18 em 18 meses, segundo a American So- dades e competências para colaboração efectiva e a
ciety of Training and Documentation (ASTD apud avaliação do aluno. Sobre este último ponto, os au-
Siemens, 2005). A ênfase deixa de ser no acumular tores defendem que se o conhecimento está na rede,
conhecimento mas na capacidade de o seleccionar, a avaliação também se deve reflectir na rede.
transformar e de o reutilizar em novas situações. Monereo (2005) também reconhece que a Inter-
Para facilitar o acesso a informação similar ou re- net se tornou uma extensão cognitiva e um meio de
lacionada, Berners-Lee e o World Wide Web Con- socialização de grande magnitude, particularmen-
sortium (W3C) publicaram as especificações para te, para os jovens. O autor identifica quatro com-
a Web semântica, a nova geração Web, indicando petências sócio-cognitivas que podem e devem ser
as suas funcionalidades. O W3C pretende criar um rentabilizadas na Internet: aprender a procurar in-
meio universal para troca de informação, associando formação, aprender a comunicar, aprender a cola-
aos documentos descrições do seu significado para borar e aprender a participar na sociedade.
serem mais facilmente pesquisados e localizados. As oportunidades na rede são inúmeras para
professores e alunos desenvolverem uma aprendi-
The Semantic Web provides a common framework zagem autêntica.
that allows data to be shared and reused across ap- A diversidade de recursos é grande, implicando
plication, enterprise, and community boundaries. It tempo de pesquisa e de exploração. Para todas as
is a collaborative effort led by W3C with participa- disciplinas há conteúdos, actividades com correc-
tion from a large number of researchers and indus- ção automática, simulações e jogos.
trial partners (W3C, 2007, s.p.). O exemplo que se segue mostra como os alunos
podem ser envolvidos na aprendizagem e no ensi-
O’ Reilly (2005) propôs o conceito de Web 2.0, no de conteúdos, rentabilizando-se os recursos da
que consiste na conceptualização de uma nova gera- Web, partilhando-se o conhecimento, fomentando-
ção de aplicações na Web. A Web é vista como uma se a aquisição de competências tecnológicas pelos
plataforma em que tudo está acessível. As pessoas alunos. O autor reporta que também os resultados
deixam de precisar de ter o software no seu compu- obtidos nos testes foram superiores aos obtidos
tador porque ele está disponível online, facilitando numa abordagem tradicional.
a edição e publicação imediatas, como a Wikipe-
dia, o wiki, o podcast, o blog. É um novo patamar Instead of lecturing, the participant [teacher] di-
de interacção que facilita a colaboração e a partilha vided students into small groups. Each group explo-
de informação, como acontece com o hi5, o mys- red a different revolution, created a PowerPoint pre-
pace, para mencionar alguns dos tipos de software sentation with pictures from the Internet, and then
social. Bryant (2006) salienta também a utilidade taught the class about their topic. Then, each group

28 sísifo 3 | ana amélia amorim carvalho | rentabilizar a internet no ensino básico e secundário
created test questions (…) and the teacher drew from - a aprendizagem é um processo de conexão de
their test questions to create a (…) test for the class to nós especializados ou fontes de informação;
take. Further, all students used Inspiration to create - a aprendizagem pode estar em aplicativos não
a web of the wars and Timeliner program to make a humanos;
timeline of the major war events (Zhao, 2007, p. 325). - a capacidade para conhecer mais é mais crítica
do que o que é conhecido;
- criar e manter conexões é necessário para faci-
Conectividade e conectivismo litar uma aprendizagem contínua;
- a capacidade para identificar conexões entre
A conectividade caracteriza o estar do sujeito na áreas, ideias e conceitos é crucial;
rede. É uma capacidade imprescindível na eco- - actualização é a intenção de todas as activida-
nomia do conhecimento. Saber o que conectar, a des de aprendizagem conectivistas;
que conectar, passou a ser uma capacidade basilar, - a tomada de decisão é em si um processo de
perspectivada por vários autores. aprendizagem: escolher o que aprender e prever as
Por exemplo, Castells (2004, p. 76) reforça a co- consequências da nova informação no real que vai
nectividade através de um epíteto mencionando a ser alterado (idem).
“conectividade autodirigida, ou seja, a capacidade
de qualquer pessoa para encontrar o seu próprio Considerar o conectivismo uma teoria de apren-
destino na Rede e, se não o encontrar, para criar e dizagem, tal como está caracterizada por Siemens
publicar a sua própria informação, suscitando as- (2005), parece-nos infundado embora reconheça-
sim a criação de uma nova Rede”. Salvat (2003), ao mos a importância que a conectividade tem na era
enumerar dez aspectos que caracterizam a geração digital. A caracterização que o autor faz sobre a im-
digital em situações de ensino-aprendizagem, indi- portância das conexões na aprendizagem está bem
ca a conectividade, referindo que oferece oportuni- conseguida. Como refere o autor, as conexões que
dades variadas para aceder à informação e às rela- nos permitem aprender mais são mais importantes
ções sociais, concluindo que: “Por este motivo, esta do que o nosso estado actual de conhecimento.
nueva generación tiende a pensar de forma diferen-
te cuando se enfrenta um problema y las formas de Learning (defined as actionable knowledge) can
acceso, búsqueda de información y comunicación reside outside of ourselves (within an organization
se realizan a partir del uso de las TIC” (s.p.). or a database), is focused on connecting specialized
Siemens (2005) reconhece a importância da co- information sets, and the connections that enable us
nectividade, referindo que “we derive our compe- to learn more are more important than our current
tence from forming connections”. Salienta não só state of knowing (Siemens, 2005, s.p.).
a importância de estabelecer conexões entre fontes
de informação mas também criar padrões úteis de O conectivismo assenta no facto de que as de-
informação. Conexões entre ideias e áreas díspares cisões a tomar se baseiam em informações que
podem originar inovações. também estão em constante mudança. Daí que
O autor salienta que as teorias de aprendizagem, distinguir entre informação importante e muito im-
como behaviorismo, cognitivismo e construtivis- portante seja vital. Do mesmo modo, a capacidade
mo, não exploram o impacto das tecnologias e das de reconhecer quando uma nova informação vem
redes na aprendizagem, propondo uma teoria de alterar o estado das decisões tomadas torna-se tam-
aprendizagem para a era digital: o conectivismo. bém crítico, particularmente para as organizações.
Siemens (2005) menciona que o conectivismo inte- O autor salienta que o indivíduo e as organizações
gra os princípios das teorias do caos, da rede, da são organismos aprendentes (Siemens, 2005).
complexidade e da auto-organização. Considera os Uma das capacidades a desenvolver nesta era
seguintes sete princípios do conectivismo: consiste em reconhecer a importância de aprender,
- a aprendizagem e o conhecimento baseiam-se devendo o sujeito estar sensível à mudança resul-
na diversidade de opiniões; tante de novas informações.

sísifo 3 | ana amélia amorim carvalho | rentabilizar a internet no ensino básico e secundário 29
Na senda da pesquisa: reagem positivamente envolvendo-se nas tarefas
seleccionar, citar e plagiar solicitadas (Cruz, 2006; Cruz & Carvalho, 2005;
Guimarães, 2005; Martins, 2007).
Há 30 anos atrás, o acesso à informação era sobre- A Caça ao Tesouro apresenta uma introdução
tudo possível nas bibliotecas, onde se encontravam temática, questões várias sobre a temática, prefe-
livros e artigos recentes. Actualmente, tudo, ou rencialmente num crescendo de dificuldade, apre-
quase tudo, está na Web. Mesmo que determinado sentando apontadores para sites e termina com uma
texto não esteja disponível, pelo menos tem-se aces- questão aglutinadora de todas as questões coloca-
so à sua referência, podendo o utilizador proceder das, designada como a grande questão ou questão
à sua encomenda. Nos últimos anos, a política de final (cf. exemplo sobre Albert Einstein3). A Web-
Open Access tem contrariado o modo de proceder Quest é mais complexa e é constituída por cinco
tradicional de algumas revistas científicas, fazendo componentes: introdução, tarefa, processo, avalia-
com que o acesso fique aberto a todos, gratuita- ção e conclusão (cf. Carvalho, 2002). O conceito
mente, mas mantendo os critérios de avaliação dos foi criado em 1995 por Bernie Dodge e Tom March
artigos por peritos na área. (Dodge, 1995), tendo por objectivo tirar partido dos
Deste modo se compreende, como referem Al- recursos existentes online e motivar os professores
bion e Maddux (2007), que mais do que o acesso a usar a tecnologia. Dodge (2002) considera a tarefa,
à informação o desafio está, agora, sobretudo na a componente mais importante da WebQuest, ten-
selecção da informação. Esta ideia é tanto mais im- do proposto doze tipos de tarefas – a “WebQuest
portante quanto a publicação online não é neces- Taskonomy”. Para grande surpresa sua, muitas das
sariamente sujeita a qualquer avaliação prévia da WebQuests que existem não são verdadeiras Web-
sua qualidade, como acontece, normalmente numa Quests, porque se limitam a solicitar a reprodução
editora. Por outro lado, com a Web 2.0 (O’Reilly, da informação encontrada nos sites (Dodge, 2006).
2005) a facilidade de publicação online veio alargar O processo constitui, em nossa opinião, uma com-
o espectro de possíveis autores. Assim, saber pes- ponente essencial na orientação do trabalho dos
quisar e avaliar a qualidade da informação encon- alunos. Eles recebem em cada etapa informação
trada passaram a ser dois requisitos complementa- sobre o que fazer, a que sites aceder, como apresen-
res de grande importância. É necessário orientar tar determinada informação. Por estes motivos, a
os alunos na avaliação da informação encontrada, WebQuest torna-se auto-suficiente, promovendo a
ajudando-os a identificar parâmetros que os orien- autonomia dos sujeitos na aprendizagem.
tem nesse processo (Carvalho, 2006; Carvalho et Um outro aspecto que não pode ser descurado
al., 2005; Pinto, 2006). prende-se com a referência aos sites consultados,
Fomentar uma pesquisa livre, sem qualquer acautelando-se desse modo os direitos de autor e
orientação, numa aula, com alunos inexperientes, o plágio. Reutilizar recursos em diferentes contex-
trará mais inconvenientes do que vantagens. Com tos é uma forma de rentabilizar a informação dis-
esse tipo de abordagens já há alunos que associam ponível. Sensível a estes aspectos, muitos sites têm
a pesquisa na Internet a uma aula para brincadeira a permissão de reutilização dos “Creative Com-
na rede; uma oportunidade para fazerem o que lhes mons”4, no entanto, isso não dá o direito a omitir a
apetece. Por esses motivos, para além do tema geral referência da origem da informação.
de pesquisa devem também ser solicitados aspectos Embora o acesso seja livre, a referência deve
específicos, que não só permitem afunilar a pesqui- aparecer tão completa quanto possível, com a in-
sa como orientam a selecção da informação que os dicação do autor, do ano, do endereço electrónico
alunos têm de fazer. (URL) e da data de acesso. Ao abordar estes aspec-
Têm surgido actividades, como a Caça ao Te- tos é também imprescindível distinguir entre citar
souro e a WebQuest, que tiram partido dos recur- e plagiar. Muitos professores constatam plágios fre-
sos existentes na Web, disponibilizando apontado- quentes nos trabalhos e muitos deles não são por
res para os sites e orientando os alunos nas etapas desonestidade dos alunos, é mesmo por ignorância.
a seguir. Tem-se vindo a constatar que os alunos Aprender a analisar, a sintetizar e a reaplicar em di-

30 sísifo 3 | ana amélia amorim carvalho | rentabilizar a internet no ensino básico e secundário
ferentes contextos, torna-se imprescindível e pode ponsabilizando-se cada um por uma. Por esse moti-
ser, simultaneamente, uma forma de combater o vo, cabe aos professores alertarem os alunos sobre o
plágio. modo como devem trabalhar, proporcionando-lhes
orientações (Hathorn & Ingram, 2002; Johnson &
Comunicação, cooperação Johnson, 2000; March, 2003; Paulus, 2005).
e colaboração Os espaços online síncronos facilitam o diálogo
e a negociação, como as salas de conversação (MSN)
As competências sócio-cognitivas são cada vez e as ligações telefónicas online ou videoconferência
mais valorizadas e podem ser também desenvolvi- (Skype), por exemplo. Ferramentas de escrita par-
das através da Internet (Monereo, 2005). Cada vez tilhada, como o Wiki, facilitam a publicação online
se dá mais ênfase à colaboração, à dinâmica de gru- e a construção de conhecimento.
po, à auto-regulação e à capacidade de liderança.
O construtivismo social valoriza a negociação na
construção de sentido com os outros (Bonk & Cun- Publicar e partilhar online
ningham, 1998; Jonassen et al., 1995; von Glaser-
sfels, 1996). Vygotsky (1978) também perspectiva Quando os alunos sabem que vão disponibilizar os
a aprendizagem como um processo social, desen- seus trabalhos na rede, fazem-no, por vezes, com
volvendo o conceito de zona de desenvolvimento maior satisfação e empenho, porque outros ciber-
próximo. Os sujeitos beneficiam da capacidade de nautas podem ver o que eles realizaram. Esse as-
um colega ou do apoio do professor que esteja num pecto é particularmente sentido quando recebem
nível mais desenvolvido e os possa ajudar a subir um comentário ao trabalho realizado, por exemplo,
mais um degrau no seu desenvolvimento. através de um blog (Cruz & Carvalho, 2006). Des-
Actividades como a WebQuest, a Caça ao Te- te modo, passam a produtores na Web (Eça, 1998),
souro, entre outras, assentam no trabalho em contribuindo para a massa oceânica que refere
grupo, implicando a interacção entre os alunos, a Lévy (2001).
negociação da aprendizagem em curso, a respon- Com as ferramentas da Web 2.0, a facilidade de
sabilização pelo trabalho a realizar. Estas activida- publicação é uma realidade. O professor, os cole-
des, geralmente, pretendem fomentar o trabalho gas e os próprios encarregados de educação podem
colaborativo, que implica a interacção constante acompanhar os trabalhos realizados. Os alunos po-
entre os sujeitos durante a realização das tarefas. dem usar as salas de informática da escola ou a bi-
No entanto, muitas vezes, verifica-se que o traba- blioteca para realizarem as suas publicações online.
lho passa a ser cooperativo. Embora haja diferentes Os mais afortunados, podem trabalhar em casa. Al-
definições (Dillenbourg, 1999; Gokhale, 1995; Jo- guns já têm substituído o caderno diário pelo wiki
hnson & Johnson, 2000) e, mesmo, quem não dis- ou pelo blog (Carvalho et al., 2006).
tinga colaborativo de cooperativo, consideramos Ao levar os alunos a utilizarem as ferramentas
que os termos nos reportam a situações diferencia- gratuitas e de fácil publicação existentes na Web
das, tendo o termo cooperativo antecedido o termo está-se a contribuir para o desenvolvimento e pre-
colaborativo. Os dois termos partilham a ideia de paração de cidadãos aptos para a sociedade da in-
“trabalhar com”, mas a diferença reside no modo formação e do conhecimento. E, deste modo, esta-
como o processo se desenrola. mos a proporcionar condições para que os alunos
Como mencionam Henri e Rigault (1996), numa aprendam com a tecnologia, apoiando-os na “cons-
abordagem cooperativa as tarefas são divididas pe- trução de significados” (Jonassen, 2007, p. 21).
los membros do grupo e são realizadas individual- O que se tem verificado em estudos realizados
mente, numa abordagem colaborativa as tarefas são neste âmbito, é que os alunos aprendem os conte-
realizadas por todos num contínuo de partilha, di- údos, aprendem a pesquisar, a avaliar a informação
álogo e negociação. Muitas vezes verifica-se que os encontrada, a sintetizar, a apresentar e a disponibi-
alunos rapidamente optam por realizar o trabalho lizar online (Cruz et al., 2007; Moura & Carvalho,
de forma cooperativa, dividindo as tarefas e res- 2006). Eles sentem orgulho dos seus trabalhos.

sísifo 3 | ana amélia amorim carvalho | rentabilizar a internet no ensino básico e secundário 31
Os professores que criam os seus sites de apoio Usar um LMS (Learning Management
às disciplinas que leccionam, não só apresentam a Systems): vantagens e limitações
planificação das suas aulas, como as actividades a
desenvolver com apontadores para os sites a con- Os LMS (Learning Management Systems) – plata-
sultar, bem como a integração de ferramentas que formas de apoio à aprendizagem - surgiram para dar
podem ser usadas como colaborativas, como o apoio à formação a distância online. As plataformas
blog, podcast e o wiki, e ferramentas de comuni- facilitam a disponibilização de recursos em diferen-
cação como o fórum e chat (cf. Cruz, 2006; Moura, tes formatos como texto, vídeo e áudio, apontado-
2005). As actividades podem ser WebQuest, Caça res para sites, avisos aos alunos, interacção profes-
ao Tesouro, outras actividades de pesquisa orienta- sor-alunos através de ferramentas de comunicação,
da, exercícios no HotPotatoes, informações áudio ferramentas de apoio à aprendizagem colaborativa
no podcast, vídeos no YouTube, entre outros. e registo das actividades realizadas pelos alunos. O
Perante os trabalhos disponibilizados pelos alu- aluno, através de um LMS, tem uma posição favorá-
nos, por exemplo, no Blogger, no Goowy, no Po- vel face à aprendizagem porque, como refere Mason
domatic, o professor disponibiliza um comentário (2006), “the learner now decides when and where
a cada um. Os debates também ocorrem de forma to log on, how to work through the course mate-
assíncrona no fórum. Por vezes, os alunos solicitam rials, what resources to draw on, whom to work
apoio online, fora do tempo escolar, no chat. with collaboratively, when to contribute to discus-
Os encarregados de educação, como também sions, and so on” (p. 65).
vêem as tarefas a realizar e os produtos feitos pelos Os LMS passaram a ser utilizados em regime
seus educandos, bem como os comentários da pro- blended-learning, no apoio às sessões não presen-
fessora a cada trabalho disponibilizado, deixam de ciais, e também no apoio ao regime presencial no
ficar apreensivos e de encararem a Internet como ensino superior e mais recentemente nos diferentes
um momento de lazer nas aulas. níveis de ensino.
Neste momento existe uma variedade ampla de O Ministério da Educação através da Equipa
ferramentas5 que os professores e os alunos podem de Missão CRIE proporcionou formação a muitos
usar e que têm a vantagem de serem gratuitas e de professores das escolas portuguesas através e sobre
fácil publicação online. A título de exemplo, indi- a plataforma open source Moodle, de acordo com
camos: Blogger, WordPress (blog); Pbwiki, Wikis- o Quadro de Referência da Formação Contínua
paces (wiki), Podomatic (podcast: áudio e vídeo), de Professores na Área das TIC. Estas iniciativas
Google Docs & Spreadsheets (processador de texto ajudam a sensibilizar os professores para o uso das
e folha de cálculo), Goowy (portal pessoal), Bubbl, tecnologias, neste caso da plataforma. No entanto,
Glinkr (mapa de conceitos); Timeliner, Dandelife a formação só poderá ser profícua se for ajustada
(barra cronológica), Slideshare (partilha de apre- ao estado de conhecimentos prévios dos formandos
sentações), Flickr (partilha de fotos), Bubblesha- e das suas práticas lectivas. Algumas questões in-
re, Slidestory (partilha de fotos e de áudio); Voki quietam-nos como: um professor que não usa nas
(apresentações em 3D); Jumpcut (criação de vídeo suas práticas o blog, o wiki, o chat, por exemplo,
a partir de imagens); Modulus (vídeo), Google Ví- vai conseguir passar a usar essas ferramentas na
deo, DailyMotion e YouTube (partilha de vídeos), plataforma adoptada? Isto é, vai conseguir mudar
Google Agenda (calendário), Google Page Creator rapidamente as suas práticas? Vai conseguir inte-
(páginas Web), SurveyMonkey (questionários on- riorizar as vantagens e as limitações de cada uma?
line). No que concerne à formação, Duarte et al. (2007)
Ainda há muitos (alunos, professores e pessoas e Valente e Moreira (2007) mostram-se críticos e
em geral) que só querem ver o que os outros fazem. preocupados. Alguns formadores também têm
Esses ainda estão numa fase de “voyeur”, têm que desabafado que embora tentem abordar aspectos
crescer e atingir a maturidade, passando a contri- pedagógicos relacionados com o uso da plataforma
buir para a Web. vêem-se questionados sobre as funcionalidades téc-
nicas da mesma. Por outro lado, Duarte et al. (2007)

32 sísifo 3 | ana amélia amorim carvalho | rentabilizar a internet no ensino básico e secundário
referem que “as questões relacionadas com a admi- gar, indicado sites, testes de escolha múltipla rea-
nistração de uma disciplina moodle, constituíram o lizados no Hot Potatoes, chat, portefólios e fóruns
centro das preocupações dos formadores, em de- que foram usados por alunos (N=42) de duas tur-
trimento das questões relacionadas com o trabalho mas de 10º ano de Biologia e Geologia.
de projecto e com a integração contextualizada das Lopes e Gomes (2007) descrevem uma experi-
TIC no quotidiano da escola e da sala de aula, com ência realizada de Abril a Junho de 2006 com uma
a natureza dos materiais de apoio disponibilizados turma de 15 alunos de Biologia e Geologia de 11º
e dos produtos esperados da formação” (p. 614). Os ano, que pretendeu envolver os alunos em activi-
autores alertam para o facto de que: “embora haja dades de pesquisa, partilha e interacção. As acti-
vantagens numa certa uniformização no softwa- vidades propostas nos espaços da disciplina foram
re utilizado [Moodle] parece-nos que também há “a realização de diários de bordo para registo de
algum perigo em que se confunda o produto, por aprendizagens, a participação em fóruns de dis-
muito bom que seja, com a classe de software a que cussão e a organização de pequenos portefólios de
pertence” (Duarte et al., 2007, p. 616). Valente e aprendizagem” (p. 820).
Moreira (2007) retomam, de certa forma, esta pre- Flores e Flores (2007) descrevem a utilização
ocupação, mencionando terem “também algumas da Moodle no 1º ano do 1º Ciclo do Ensino Básico,
reservas sobre a eficácia da moda em que se tornou tendo criado um espaço para alunos, para profes-
ter uma instância Moodle na retaguarda de tudo o sores e outro para os encarregados de educação.
que se chame formação” (p. 798). Para os alunos foi disponibilizado “um repositório
Com base nas interacções registadas no CCUM transdisciplinar: Jogos On-line, Língua Portugue-
(Centro de Competência da Universidade do Mi- sa, Estudo do Meio, Matemática, Inglês e Expres-
nho), Valente e Moreira (2007) concluem que a uti- são Plástica” (p. 496), que os pais podiam explorar
lização da “plataforma é mais a de repositório de com os filhos em casa. Dos 22 alunos da turma, “10
informação do que de local de construção de co- tinham computador e destes apenas 5 tinham In-
nhecimento atendendo à diferença abismal entre ternet. No entanto, o entusiasmo levou a que alguns
visualizações e edições” (p. 789). Tendo presente pais adquirissem computador e aderissem à Inter-
que houve o cuidado da formação de professores net“ (Flores & Flores, 2007, p. 498). Também no
em TIC, realizada em 2006, ter sido comum a nível estudo realizado por Cruz (2004) os pais reconhe-
nacional, seguindo um mesmo modelo de forma- ceram a pertinência de aceder à Internet e compra-
ção, com os mesmos materiais de suporte e tendo ram computador e o acesso à rede.
o Moodle como plataforma de trabalho, Valente e
Moreira (2007, p. 789) questionam-se sobre se “a Facilidade em usar
plataforma estará a tornar-se mais uma moda do Se muitas das ferramentas que as plataformas dis-
que um factor de inovação inequívoco”, referindo ponibilizam (blog, wiki, chat, fórum, testes de cor-
a necessidade de analisar os relatórios de avaliação recção automática, portefólios, etc.) se encontram
da formação. A que acrescentamos que é preciso ir gratuitamente na Web, a questão que se coloca é,
às escolas para avaliar o impacto da formação. então, a seguinte: porque usar uma plataforma
Resultante dessa formação, começam a surgir quando posso agregar num site apontadores para
relatos de utilização da plataforma Moodle, como diferentes ferramentas, que eu, enquanto docente
os de Lacerda (2007), Lopes e Gomes (2007) e Flo- posso escolher?
res e Flores (2007), professores experientes no uso Note-se que este problema de sentir a necessida-
das TIC. Lacerda (2007) refere que “esta platafor- de de determinada ferramenta é colocado aos for-
ma permite ao professor definir uma metodologia madores, como reportam Valente e Moreira (2007),
de ensino e aprendizagem, organizando o espaço “a diversidade de acessórios que a plataforma traz
de interacção de acordo com uma dada intencio- tem-se mostrado insuficiente para satisfazer a ânsia
nalidade, promovendo a auto-aprendizagem com de inovação ou de novidade que muitos dos utili-
recurso a uma rede de colaboração” (p. 316), tendo zadores manifestam, levando à procura de novas
colocado ficheiros para consulta ou para descarre- funcionalidades” (p. 786).

sísifo 3 | ana amélia amorim carvalho | rentabilizar a internet no ensino básico e secundário 33
A resposta prende-se com o facto de que é mais Mesmo em caso de doença, do professor ou de
fácil usar uma plataforma, na qual já existem várias um aluno, o acompanhamento pode ser dado atra-
ferramentas, do que criar um site e disponibilizar vés da plataforma, desde que haja um computador
os apontadores para as diferentes ferramentas. No com ligação à Internet em casa.
entanto, há duas grandes limitações na utilização
de uma plataforma: por um lado, as funcionalida- E o futuro?
des específicas de cada plataforma, por outro lado, O futuro está em aberto. Tudo depende das opções
as funcionalidades que o administrador do sistema feitas ou a fazer, da necessidade sentida por cada
definiu como pertinentes e que podem ser limitati- um de alterar as práticas.
vas para o professor. Numa plataforma, o adminis- Não nos agrada a ideia da plataforma também
trador define as funcionalidades que disponibiliza aparecer com a função de site da escola, como acon-
e se não tiver sensibilidade para abordagens cola- tece em alguns casos. Se pode parecer uma forma
borativas, por exemplo, poderá não colocar aces- de familiarizar professores e alunos com o ambien-
síveis as ferramentas necessárias. Ou então, consi- te da plataforma, com a sua interface, pode também
dera que determinada ferramenta não tem interesse ter o reverso da medalha. Pode induzir em erro al-
para as suas aulas, esquecendo-se de que pode ser guns docentes, motivando-os a usá-la como reposi-
pertinente para outros professores. Esse é um dos tório de conteúdos. Ora se se designa de plataforma
motivos por que se podem encontrar plataformas de apoio à aprendizagem, ou como se tem vulgari-
Moodle com diferentes funcionalidades. zado, plataforma de aprendizagem, por que há-de
A facilidade em usar é reconhecida pelos uti- funcionar como portal da escola? Porquê desvirtu-
lizadores depois de uma introdução à plataforma, ar as suas funcionalidades?
como também reportam Cowan (2006), Carvalho Não seria mais vantajoso ter o site da escola com
(2007), Lacerda (2007), entre outros. informação útil e pertinente para os encarregados
de educação, professores e alunos, como localiza-
Privacidade e segurança na Internet ção, contactos, conselho executivo, horários, ca-
Aceder a uma plataforma, normalmente, implica lendário escolar, horário de atendimento dos direc-
ter uma palavra passe. Por esse motivo, a informa- tores de turma, entre outros. Nesse site deve haver
ção fica privada ao professor e aos seus alunos, po- um apontador para a plataforma adoptada. Deste
dendo estes constituir uma pequena comunidade modo, distingue-se a informação da escola dispo-
de aprendizagem. Em privado, partilham as dúvi- nível para os agentes educativos e a comunidade em
das, as descobertas, as reflexões. Professor e alunos geral, da plataforma de apoio à aprendizagem. Este
ficam protegidos da curiosidade alheia. Na plata- ambiente de apoio à aprendizagem deve ser preser-
forma está salvaguardada a falta de segurança da vado para orientar, para questionar, para reflectir,
Internet. Privacidade e segurança ficam garantidas para aprender colaborativamente.
com a plataforma. Não nos parece surpreendente que numa pri-
No entanto, como se está num espaço protegido, meira abordagem a plataforma possa ser usada
o da plataforma, também se perde o contacto com como repositório. É preciso um período de adapta-
outros interlocutores quer sejam colegas da mesma ção, até porque é mais simples disponibilizar con-
escola ou de outras escolas e que até gostariam de teúdos do que utilizar as outras ferramentas. Além
deixar um “post” no blog. Tudo são opções com as disso, é bastante útil para o professor e os alunos
suas vantagens e as suas limitações. disponibilizarem os recursos a consultar e a anali-
O apoio a dar aos alunos online de forma sín- sar. Valente e Moreira (2007) também referem que a
crona ou assíncrona, sob a forma de comentários a plataforma está a ser mais usada como repositório,
fazer aos trabalhos ou às mensagens colocadas no como já mencionámos.
fórum, de esclarecimentos de dúvidas, muitas vezes Lopes e Gomes (2007, p. 819) relatam que das 17
tirando partido dos “emoticons”, ajuda a criar um disciplinas na plataforma da escola, 6 “disciplinas
espírito de partilha e de companheirismo na apren- disponibilizaram materiais educativos, mas sem
dizagem. qualquer actividade de interacção”, 6 “com mate-

34 sísifo 3 | ana amélia amorim carvalho | rentabilizar a internet no ensino básico e secundário
riais educativos e um fórum para apoio e orientação sores e os alunos sobre a utilização da plataforma?
dos alunos, mas sem actividades explícitas de inte- Que papel tem o Conselho Executivo na dinamiza-
racção” e só 5 “com dinamização de diversas acti- ção da plataforma na escola?
vidades de interacção e colaboração entre alunos e Estas são algumas das questões a que urge res-
entre estes e o professor na plataforma”, neste caso ponder para se compreender como está a ser utili-
“foram utilizadas várias estratégias e actividades de zada a plataforma, que já se pode designar de fenó-
interacção, desde a participação e colaboração em meno Moodle.
fóruns temáticos, a realização de portefólios digi-
tais de aprendizagem e, nalguns casos, a realização
de diários da aula e actividades de auto-avaliação Conclusão
online” (ibidem). Os próprios alunos valorizaram
os recursos na plataforma quando inquiridos, sen- Ao longo deste artigo defendemos a utilização dos
do esses dados confirmados pelos acessos, como recursos que existem na Web e salientámos a ne-
referem os docentes: “do total de entradas no espa- cessidade de saber pesquisar, saber avaliar a infor-
ço virtual, cerca de 80% foi para aceder a recursos mação encontrada e saber referir as fontes correcta-
e apenas cerca de 15% para participar em alguma mente. É importante que os alunos saibam distin-
actividade de interacção” (Lopes & Gomes, 2007, guir citar de plagiar.
p. 821). Existe uma série de ferramentas gratuitas e dis-
Os alunos também demoram a adaptar-se a no- poníveis na Web que permitem a construção de
vas metodologias. Em outros estudos tem-se verifi- blogs, wikis, podcasts, mapas de conceitos, etc.,
cado a necessidade dos alunos confirmarem com o que despertam o interesse dos alunos e que os mo-
professor a tarefa a executar por mais que ela esteja tivam para aprender porque também vão publicar
explicitada no site (Barros, 2006; Cruz, 2006; Gui- online e vão receber os comentários dos colegas, do
marães, 2005; Oliveira, 2002). Assumirem-se como professor e, possivelmente, de outros cibernautas.
condutores da sua aprendizagem, libertando-se da Aprendem a criticar os trabalhos uns dos outros
subserviência do professor demora tempo. Do mes- e a desenvolverem trabalhos colaborativos, apro-
mo modo, adaptarem-se a novas abordagens e reco- priando-se da facilidade de publicar e de interagir
nhecer a sua importância na aprendizagem também na Web através das ferramentas disponibilizadas na
necessita de tempo, de reconhecimento de uma for- Web 2.0.
ma diferente de aprender. Não podemos descurar Professores há que, sensíveis à importância des-
que os alunos estão habituados a que a sua avaliação tas ferramentas, desenvolveram sites com recursos,
seja centrada nos conteúdos, por isso, reconhecer a com actividades, com ferramentas colaborativas e
importância dos conteúdos na plataforma é coeren- de comunicação, criando uma dinâmica interactiva
te com uma prática que lhes é comum. com os seus alunos, onde se partilham trabalhos,
No site oficial do Moodle6, o nosso país está dúvidas e reflexões e onde se fomenta a aprendi-
muito bem representado com 1023 sites portugue- zagem colaborativa através de tarefas desafiantes.
ses registados num total de 26846 provenientes Todas essas funcionalidades podem ser implemen-
de 184 países, a que não deve ser alheio o projecto tadas numa plataforma de apoio à aprendizagem,
“moodle.edu.pt”7. Precisamos, agora, de estudos com a vantagem de professor e alunos terem a pri-
que nos permitam avaliar o que está a ser feito com vacidade e poderem sentir-se seguros por não esta-
a plataforma. Dos professores que receberam for- rem expostos a outros cibernautas.
mação, quantos estão a usar a plataforma nas suas A plataforma exige do professor conhecimento
disciplinas? Que funcionalidades usam? Como da tecnologia, criatividade e muita dedicação para
rentabilizam a plataforma nas aulas e fora delas? conceber e dinamizar actividades. Outras platafor-
Dão apoio aos alunos online? A plataforma está a mas há, como a “Escola Virtual”, que disponibili-
ser usada como repositório de recursos e/ou como zam os conteúdos programáticos de cada discipli-
espaço de partilha de aprendizagem? Que impacto na com actividades interactivas e orientadoras da
tem na aprendizagem? Que opinião têm os profes- aprendizagem dos alunos. No estudo realizado por

sísifo 3 | ana amélia amorim carvalho | rentabilizar a internet no ensino básico e secundário 35
Santos (2006), alunos e professores de Matemáti- ao longo da vida. Integrará espaços físicos e virtu-
ca do 12º Ano consideraram a integração da Escola ais e tem como foco o processo.
Virtual nas aulas muito profícua. Como as tecnologias móveis, como Tablet PCs,
Cremos que nesta altura compete ao Ministé- PDAs e telemóveis, estão a ficar menos dispendio-
rio da Educação assumir responsabilidade pela sas, o acesso em qualquer lugar e a qualquer hora
disponibilização de conteúdos interactivos e com à informação desejada online começa a ficar faci-
qualidade para os diferentes níveis de ensino, como litado. Além disso, a partir de Setembro de 2007
acontece no Brasil no site RIVED (Rede Interacti- inicia-se o programa e-Iniciativas, no âmbito do
va Virtual de Educação), onde há muitos objectos projecto Novas Oportunidades, para professores e
de aprendizagem prontos a serem reutilizados, que alunos do ensino básico e secundário, entre outros,
pretendem estimular o raciocínio e o pensamento poderem adquirir computador portátil e acesso a
crítico. Assim, o professor pode descarregar os con- banda larga a preços reduzidos.
teúdos e inseri-los na plataforma, na sua disciplina. Acima de tudo, gostaríamos de concluir alertan-
Ambientes em 3D têm vindo a ganhar populari- do para a necessidade de se ter um espírito aberto e
dade como Active Worlds, There, Red Light Cen- adaptável a novas ferramentas que podem ser renta-
ter, destacando-se o Second Life (SL). O mundo bilizadas no processo de ensino-aprendizagem. O
virtual em 3D é construído pelos residentes, crian- que hoje parece fascinante em breve pertencerá ao
do cada um a sua personagem. Aberto ao público passado. Com a vinda do novo browser Seadragon
em 2003, contém actualmente 7 256 167 pessoas, vamos alterar o modo como usámos os ecrãs e na-
segundo informação no site SL8. Tem sido usado vegamos na informação. Com o Surface da Micro-
sobretudo no ensino superior, mas desde 2005, foi soft vamos alterar o modo como interagimos com o
criado um espaço para adolescentes, o Teen Se- conteúdo digital: sem rato nem teclado, o ecrã está
cond Life. integrado numa mesa e com as mãos interage-se no
A Open University, no Reino Unido, tem em conteúdo, permitindo também que várias pessoas
curso o projecto “Schome Park”, desenvolvido no trabalhem simultaneamente.
Teen Second Life. Os resultados favoráveis obtidos Face a estas inovações muito se vai alterar na
no estudo piloto, fazem encarar o ambiente como forma como interagimos com o conteúdo e como
promissor de aprendizagem em ambientes 3D. O comunicamos, mas o importante é criar situações
próprio nome do projecto Schome (not school, not que envolvam os alunos na aprendizagem, que os
home) sugere um espaço híbrido. No site (Twining, ajudem a desenvolver o pensamento crítico e que os
2007) do projecto advoga-se que é uma nova forma preparem para a tomada de decisão, numa socieda-
de educar, que apoiará a aprendizagem das pessoas de globalizada e concorrencial.

36 sísifo 3 | ana amélia amorim carvalho | rentabilizar a internet no ensino básico e secundário
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Limites e possibilidades das TIC na educação

Guilhermina Lobato Miranda


gmiranda@fpce.ul.pt
Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Lisboa

Resumo:
Neste artigo começo por clarificar o conceito de Tecnologia Educativa e termos afins. Se-
guidamente analiso os resultados mais conclusivos da investigação neste domínio, para
depois descrever projectos em que estive envolvida e onde a tecnologia foi usada para
produzir inovação. Não refiro nenhuma “experiência revolucionária” a nível cognitivo e
educacional, pois as tecnologias não conseguem tal feito.
Parte da educação das novas gerações tem de ser conservadora, i.e., tem de passar o
testemunho e o conhecimento construído pelas gerações anteriores. Os conhecimentos
disciplinares são a condensação exemplar do esforço e talento humanos. Como podem
as tecnologias apoiar na transmissão e aquisição destes conhecimentos? Não será neces-
sário que as novas gerações, além de saberem usar a tecnologia, saibam e tenham sobre
ela um discurso informado e racional? Não é este também o papel da escola? Estas são
algumas das questões que orientam a minha reflexão.

Palavras­‑chave:
Tecnologia Educativa, Tecnologias da Informação e Comunicação, Aprendizagem e En-
sino, Ambientes Virtuais de Aprendizagem.

Miranda, Guilhermina Lobato (2007). Limites e possibilidades das TIC na educação. Sísifo. Re-
vista de Ciências da Educação, 03, pp. 41‑50.
Consultado em [mês, ano] em http://sisifo.fpce.ul.pt

41
Introdução Definições

Os seres humanos têm uma tendência, que diria Comecemos por uma clarificação conceptual. De
natural, para simplificar a informação que recebem que falamos quando dizemos Tecnologia Educa-
do meio. Criam categorias e associações de modo tiva (TE), Tecnologias Educativas, Tecnologias
a memorizar e compreender o que se passa à sua Aplicadas à Educação, Tecnologias da Informação
volta. Uma das associações mais recorrentes em e Comunicação (TIC), Novas Tecnologias da In-
educação é a de juntar ensino e aprendizagem. Com formação (NTI) ou Novas Tecnologias da Informa-
razão. Porque o objectivo de quem ensina é que o ção e Comunicação (NTIC), Literacia Informática
que é ensinado seja aprendido. E reciprocamente e Educação Tecnológica?
o objectivo de quem aprende é memorizar e com- O termo Tecnologia Educativa tem já alguma
preender o que é ensinado. Ensinar e aprender são tradição no mundo anglo-saxónico. É um domínio
as duas faces de uma mesma moeda, embora nem da educação que teve as suas origens nos anos 40
sempre em sintonia. Deveria existir uma qualquer do século XX e foi desenvolvido por Skinner na dé-
relação entre aquilo que é ensinado e o que é apren- cada seguinte com o ensino programado (cf. Skin-
dido, mas esta relação, como a investigação o tem ner, 1953, 1968). O termo não se limita aos recursos
mostrado, não é linear. técnicos usados no ensino mas a todos os proces-
Do mesmo modo se tem associado o conceito sos de concepção, desenvolvimento e avaliação da
de tecnologia ao de inovação e estes dois termos ao aprendizagem. Daí que no livro publicado em 1994,
de melhoria nos processos de ensino e de apren- pela Association for Educational Communications
dizagem. Considera-se que a introdução de novos and Technology, tendo em vista estabilizar a termi-
meios tecnológicos no ensino irá produzir efeitos nologia usada neste domínio, os termos Educatio-
positivos na aprendizagem, porque se pensa que os nal Technology e Instructional Technology surjam
novos meios irão modificar o modo como os pro- como sinónimos, referindo-se “à teoria e prática do
fessores estão habituados a ensinar e os alunos a planeamento, desenvolvimento, utilização, gestão
aprender. Considera-se também que novos progra- e avaliação dos processos e recursos da aprendiza-
mas, métodos e currículos são a senha que garante gem” (cit. Thompson, Simonson & Hargrave, 1996,
uma melhor aprendizagem. Como veremos ao lon- p. 2). Esta definição tem em conta o que é conside-
go deste artigo estas simples asserções nem sempre rado o domínio da Tecnologia Educativa que en-
são verdadeiras. globa três subdomínios que vão influenciar o aluno
e a sua aprendizagem. São eles: 1) as funções de ges-
tão educacional, 2) as funções de desenvolvimen-

42 sísifo 3 | guilhermina lobato mir anda | limites e possibilidades das tic na educação
to educacional, e 3) os recursos de aprendizagem. o uso de termos como Tecnologias Educativas ou
Vemos pois que o termo Tecnologia Educativa está Tecnologias da Informação e Comunicação, desde
enraizado numa tradição anglo-saxónica que valo- que no sentido anteriormente assinalado.
riza a instrução e é influenciada pela teorização pro- O termo Literacia Informática pode ser definido
duzida no âmbito da psicologia da aprendizagem, como “o conjunto de conhecimentos, competências
nomeadamente pelas teorias comportamentalistas e atitudes em relação aos computadores que levam
e cognitivistas e mais recentemente pelas teorias alguém a lidar com confiança com a tecnologia com-
construtivistas. Outras das inspirações teóricas do putacional na sua vida diária” (McInnerney, McIn-
domínio da Tecnologia Educativa são a Teoria dos nerney & Marsh; Soloway, Turk & Wilay, citados
Sistemas e a Teoria da Comunicação (cf. Thomp- por Tsai & Tsai, 2003, p. 48). Esta definição incluiu
son, Simonson & Hargrave, 1996). três termos que convém elucidar: primeiro, conheci-
O termo Tecnologias Aplicadas à Educação pode mentos e competências sobre a tecnologia computa-
ser considerado sinónimo de Tecnologias Educati- cional; segundo atitudes positivas face a esta tecno-
vas, pois trata-se de aplicações da tecnologia, qual- logia; e terceiro ter confiança para usar os computa-
quer que ela seja, aos processos envolvidos no fun- dores sem grande ansiedade. Por isso, o objectivo da
cionamento da educação, incluindo a aplicação da literacia informática deveria ser apoiar os professores
tecnologia à gestão financeira e administrativa ou a e os estudantes a iniciar ou melhorar as suas com-
outro qualquer processo, incluindo, como é óbvio, o petências e conhecimentos nesta área, desenvolver
processo educativo ou instrutivo propriamente dito. atitudes positivas face ao computador e à Internet
As pessoas que trabalham no domínio da Tecno- e diminuir a ansiedade face ao seu uso e aprendiza-
logia Educativa não se interessam só pelos recursos gem. Deveria ainda apoiar os alunos, sobretudo os
e avanços técnicos mas também, e sobretudo, pelos do ensino secundário, a analisar criticamente a evo-
processos que determinam e melhoram a aprendi- lução das tecnologias e seus campos de aplicação.
zagem. Estes processos podem integrar determina- E neste âmbito estamos já a entrar numa outra
dos tipo de recursos técnicos como, por exemplo, área, a da Educação Tecnológica. Este é um conceito
o computador e a Internet. O uso educativo do mais amplo do que o anterior, pois implica “saber
computador e da Internet pode ser considerado um usar” a tecnologia e ainda analisar a sua evolução
subdomínio da Tecnologia Educativa. e repercussão na sociedade. Supõe ainda desen-
O termo Tecnologias da Informação e Comuni- volver um discurso racional sobre as tecnologias.
cação (TIC) refere-se à conjugação da tecnologia Como refere Postman (2002), “A educação tecno-
computacional ou informática com a tecnologia das lógica não é uma disciplina técnica. É um ramo das
telecomunicações e tem na Internet e mais particu- humanidades” (p. 218). Uma verdadeira educação
larmente na Worl Wide Web (WWW) a sua mais for- tecnológica só o é quando se ensina aos estudantes
te expressão. Quando estas tecnologias são usadas a história das diferentes tecnologias (iluminuras,
para fins educativos, nomeadamente para apoiar e alfabeto, prensa tipográfica… computadores e In-
melhorar a aprendizagem dos alunos e desenvolver ternet) e dos seus criadores, dos seus efeitos econó-
ambientes de aprendizagem, podemos considerar as micos, sociais e psicológicos e ainda de como elas
TIC como um subdomínio da Tecnologia Educativa. refizeram o mundo e continuam a refazê-lo. Igual-
Os termos Novas Tecnologias da Educação mente será necessário mostrar como as tecnologias
(NTI) e Novas Tecnologias da Informação e Comu- “criam novos mundos, para o bem e para o mal”
nicação (NTIC) parecem-me redundantes, pois a (Postman, 2002, p. 219). Os estudantes deveriam,
referência à novidade nada acrescenta à delimitação ainda, ser ensinados a ler e a interpretar e a saber
e clarificação do domínio. Mais ainda, o que é novo diferenciar a informação que nos é transmitida por
hoje deixa de o ser amanhã. vários símbolos. Por exemplo, em que diferem as
Como já devem ter reparado os leitores, prefiro imagens das palavras? Uma pintura de uma foto-
usar o termo Tecnologia Educativa para delimitar grafia? Uma fala de um texto escrito?
um domínio teórico e de investigação no qual me Retomando o conceito de literacia tecnológi-
reconheço. Contudo, não me parece desadequado ca, temos que levantar em primeiro lugar algumas

sísifo 3 | guilhermina lobato mir anda | limites e possibilidades das tic na educação 43
questões: a) Que conhecimentos e competências preende-se porquê. Existem várias razões. Enun-
deveriam os alunos adquirir na escola, desde o ciarei as duas que considero mais importantes.
pré-escolar até ao final do ensino secundário? b) A primeira prende-se com a falta proficiência
Como organizar e sequenciar a aprendizagem des- que a maioria dos professores manifesta no uso das
tes conhecimentos e competências, desenvolvendo tecnologias, mormente as computacionais. Vários
um currículo em espiral? c) Devem estes conheci- estudos têm revelado que a maioria dos professo-
mentos e competências ser integrados nos currícu- res considera que os dois principais obstáculos ao
los das disciplinas já existentes, será preciso criar uso das tecnologias nas práticas pedagógicas são a
disciplinas autónomas (sobretudo a partir do 2º ci- falta de recursos e de formação (cf. Paiva, 2002; Pel-
clo do ensino básico) ou devem usar-se estas duas grum, 2001; Silva, 2003; entre outros).
estratégias em simultâneo? A segunda razão prende-se com o facto da inte-
Não existem respostas inequívocas para estas gração inovadora das tecnologias exigir um esforço
questões. Penso que a melhor estratégia é apetre- de reflexão e de modificação de concepções e prá-
char as escolas com alguma tecnologia (nomeada- ticas de ensino, que grande parte dos professores
mente computadores com ligação à Internet) e usá- não está disponível para fazer. Alterar estes aspec-
la quer de uma forma transversal às várias discipli- tos não é tarefa fácil, pois é necessário esforço, per-
nas, quer em disciplinas próprias, como foi a opção sistência e empenhamento.
do Ministério da Educação ao criar a disciplina de O problema reside em que alguns professores
TIC no 9º e 10º anos da escolaridade. Esta deve- têm uma concepção romântica sobre os processos
ria ser ainda a base para uma verdadeira Educação que determinam a aprendizagem e a construção de
Tecnológica, entendida no sentido que atrás referi, conhecimento e concomitantemente do uso das tec-
que penso não estar em sintonia com a disciplina nologias no acto de ensinar e aprender. Pensam que
com esta designação que integra os planos curricu- é suficiente colocar os computadores com algum
lares dos 7º, 8º e 9º anos. software ligados à Internet nas salas de aula que os
alunos vão aprender e as práticas se vão alterar. Sa-
bemos que não é assim.
A tecnologia e os processos Como já referi, os resultados mais conclusivos do
de ensino e aprendizagem imenso esforço de investigação que acompanhou a
introdução em grande escala das tecnologias com-
Nesta parte gostaria de descrever, com a brevidade putacionais no ensino (sobretudo a partir dos anos
necessária a um artigo, algumas experiências em 80) mostram que acrescentar estes recursos às acti-
que as tecnologias informáticas foram usadas para vidades já existentes nas escolas não produz efeitos
desenvolver ambientes de aprendizagem que consi- positivos visíveis na aprendizagem dos alunos, na
dero inovadores. Mas antes quero referir os resul- dinâmica da classe e no empenhamento do profes-
tados mais conclusivos da investigação no domínio sor (De Corte, 1993; Jonassen, 1996; entre outros).
da tecnologia educativa e o que hoje em dia se con- Existem mesmo autores, como Clark (1994), que
sidera ser as características de uma aprendizagem consideram que os Media Educativos por si só nun-
efectiva. ca influenciarão o desempenho dos estudantes. Os
efeitos positivos só se verificam quando os profes-
Resultados da investigação sores acreditam e se empenham de “corpo e alma”
A investigação tem demonstrado que a estratégia de na sua aprendizagem e domínio e desenvolvem ac-
acrescentar a tecnologia às actividades já existen- tividades desafiadoras e criativas, que explorem ao
tes na escola e nas salas de aula, sem nada alterar máximo as possibilidades oferecidas pelas tecno-
nas práticas habituais de ensinar, não produz bons logias. E para isto é necessário que os professores
resultados na aprendizagem dos estudantes (cf. De as usem com os alunos: a) como novos formalis-
Corte, 1993; Jonassen, 1996; Thompson, Simon- mos para tratar e representar a informação; b) para
son & Hargrave, 1996, entre outros). Esta tem sido, apoiar os alunos a construir conhecimento signifi-
contudo, uma das estratégias mais usadas. E com- cativo; c) para desenvolver projectos, integrando (e

44 sísifo 3 | guilhermina lobato mir anda | limites e possibilidades das tic na educação
não acrescentando) criativamente as novas tecnolo- os procedimentos e funções de um editor de tex-
gias no currículo. to. O mesmo se poderá dizer face aos programas
Analisemos brevemente cada um destes aspectos. de desenho, de gráficos, de bases de dados. Alte-
Considerar que os professores deveriam usar as ram o modo de conceber o desenho, de pensar um
ferramentas informáticas como novos formalismos gráfico, de classificar as coisas, pois assentam em
para tratar e representar a informação implica pri- formalismos diferentes dos tradicionais. Exigem
meiro perceber que a linguagem escrita, o sistema novas aprendizagens e aumentam as antigas. O que
decimal e as operações aritméticas elementares, a acontece na maioria das escolas é que os professo-
lógica das classes e das relações (sistemas de classi- res pensam que estas aprendizagens se fazem por
ficação), os gráficos… são Sistemas Convencionais transferência analógica, não necessitando de uma
de Representação e Tratamento da Informação, aprendizagem mais estruturada e formal, o que tem
residindo aí todo o seu poder comunicacional e levado a alguns dissabores.
de tratamento dos conhecimentos (Mendelsohn, Mas se o professor dominar estas novas ferra-
1999). Estes sistemas, no mundo alfabetizado e pós mentas poderá apoiar os alunos a explorar as po-
industrializado em que vivemos, devem ser apren- tencialidades destes novos sistemas de tratamento e
didos e dominados com alguma perícia até ao final representação da informação. A escrita pode expri-
do 1º Ciclo, quando as crianças têm entre 9 e 10 mir-se de um modo mais flexível e plástico quando
anos, continuando a sua aprendizagem até muito se usa um processador de texto. Fazer e transformar
mais tarde, para adquirirem uma certa mestria. gráficos pode ser uma actividade compensadora.
Aspecto interessante é que a aprendizagem destes E o que dizer da construção de bases de dados sobre
sistemas modifica de forma radical o modo como as quase todos os tópicos que se possam imaginar?
crianças percepcionam o mundo e a si próprias (es- As mudanças nos modos de aprender e de or-
tamos a referir-nos principalmente à autoconsciên- ganizar cognitivamente a informação não serão
cia), quer dizer, interferem no seu percurso natural visíveis de imediato, pois todos os processos de
de desenvolvimento (Luria, 1990; Vygotsky, 1991, mudança mental são lentos, levam gerações. Mas a
1994), amplificando-o (Bruner, 1998, 1999). O de- aprendizagem de certos sistemas simbólicos e seus
senvolvimento cognitivo segue um padrão que se formalismos interfere, quer dizer, deixa “marcas”
caracteriza precisamente pelo progressivo domínio na organização mental e mesmo cerebral, como te-
das representações espaciais (formas e transforma- orizaram Vygotsky (1991, 1994) e Luria (1990) e as
ções), das representações simbólicas (onde a lingua- investigações no domínio das neurociências estão a
gem e a escrita são determinantes), do tratamento comprovar (cf. Squire & Kandel, 1999).
das relações (gerando sistemas de categorias, clas- Com estes novos sistemas de tratamento e re-
ses e suas relações) e do tratamento das dimensões presentação da informação e de comunicação, os
(número, aritmética e mais tarde a álgebra). Parece professores podem desenvolver com os alunos acti-
existir uma sintonia entre o desenvolvimento das vidades que favoreçam a aquisição de conhecimentos
funções psicológicas superiores (Vygotsky, 1994) disciplinares significativos. Para que isto aconteça é
e os sistemas convencionais de tratamento e repre- necessário ter em consideração que a aprendizagem
sentação da informação. é um processo (re)construtivo, cumulativo, auto-re-
O que acontece é que os sistemas informáticos, gulado, intencional e também situado e colaborativo.
considerados como novos formalismos para tratar A aprendizagem é um processo re(construtivo),
e representar a informação, ancorados nos siste- o que significa que os alunos constroem os novos
mas convencionais, vão modificar o modo como conhecimentos com base nas estruturas e represen-
as crianças estão habituadas a aprender e também tações já adquiridas sobre os fenómenos em estudo
amplificar o seu desenvolvimento cognitivo. Al- e que devem estar cognitiva e afectivamente envol-
guns exemplos: os processadores de texto alteram vidos no processamento da nova informação. Uma
o modo como as crianças estavam habituadas a es- aprendizagem efectiva deve exigir esforço e manter
crever; estas precisam não só de aprender as con- os alunos empenhados na realização das tarefas.
venções e procedimentos da escrita no papel como Para isso, deve ser feita com um nível óptimo de

sísifo 3 | guilhermina lobato mir anda | limites e possibilidades das tic na educação 45
incerteza (Bruner, 1999) e estar na zona de desen- tantes da aprendizagem, sobretudo dos ambientes
volvimento potencial (Vygotsky, 1991), quer dizer, informatizados que actualmente se podem modelar
não deve evitar a crise do pensamento (Van Hiele, com recurso aos computadores e à Internet.
1986). Os professores devem ter o cuidado de não A aprendizagem ser situada significa que o seu
impor a sua estrutura e estilo de pensamento aos sentido advém do contexto onde foi realizada. São
alunos mas antes criar situações, problemas, exer- os contextos que facilitam ou, pelo contrário, difi-
cícios e projectos que conduzam os alunos para ní- cultam a aplicação dos conhecimentos. As pessoas
veis superiores de conhecimento. aprendem não só com o que lhes é directamente en-
Uma aprendizagem cumulativa implica que os sinado mas desenvolvem ainda padrões de partici-
novos conhecimentos são adquiridos com base nas pação em comunidades de prática, apropriando-se
aprendizagens realizadas anteriormente (Gagné, progressivamente do discurso, dos saberes e sabe-
1975). Todas as disciplinas exigem este saber pré- res-fazer próprios de cada comunidade, dos seus
vio. Há, contudo, algumas que são mais cumula- recursos e até identidades (cf. Greeno, 1998; Lave,
tivas do que outras. É o caso da matemática e tam- 1997; Lave & Wenger, 1995; entre outros). Ora, a
bém, em certa medida, da física. Nesta o principal criação de comunidades de prática e de comunida-
problema parece advir da dificuldade em modificar des de aprendizagem está hoje facilitada pelo recur-
as concepções que os alunos desenvolveram para so à Internet.
explicar diferentes fenómenos, antes de iniciar o Dizer que a aprendizagem é colaborativa signifi-
seu estudo científico. Estes conceitos espontâneos ca que esta se faz em contextos de práticas sociais
estão muitas vezes em contradição com os aceites que implicam a colaboração entre iguais e destes
pela comunidade científica e, na maioria das vezes, com os adultos que, em princípio, se tornam os
dificultam mais do que facilitam a aprendizagem tutores que modelam progressivamente determi-
posterior (cf. Gardner, 1993; Pina, 2005). nados conhecimentos e atitudes. A aprendizagem
A aprendizagem ser auto-regulada significa que é aqui considerada sobretudo um processo de in-
os professores devem apoiar os alunos a desenvolver teracção social que deveria ser promovido pelos
estratégias de aprendizagem de modo a adquirirem professores. Por exemplo, o desenvolvimento das
hábitos de estudo e de trabalho intelectual, e ainda estruturas cognitivas, sobretudo do pensamento
padrões de correcção do seu próprio trabalho, de formal, depende, em grande medida, da descen-
modo a progressivamente se irem autonomizando tração cognitiva, i.e., de se ser capaz de cooperar
da tutela do professor (cf. Brown, 1987; Collins & com os outros, quer dizer, realizar operações em
Brown, 1988). comum, ouvindo os argumentos e contra-argu-
A aprendizagem ser orientada para determina- mentando (Perret-Clermont & Schubauer-Leoni,
dos objectivos implica que o conhecimento, por par- 1989; Piaget, 1971). A Internet pode facilitar esta
te dos alunos, das finalidades ou metas a atingir em aprendizagem colaborativa, se o professor criar
cada situação de aprendizagem, facilita o processo projectos onde alunos (e outros adultos) possam re-
de construção de conhecimento, pois imprime-lhe alizar actividades, resolver problemas em coopera-
um intencionalidade e direcção (cf. Bruner, 1999). ção e participar em tarefas comuns. Mas nem todas
Tem ainda a vantagem de motivar os alunos para as aprendizagens se fazem de modo colaborativo e
alcançar os objectivos enunciados, garantindo uma nem todos os estudantes gostam e aprendem nestes
maior capacidade de vencer os obstáculos que se ambientes (cf. Hopper, 2003). Cerca de vinte por
encontram em qualquer processo de aprendizagem cento dos estudantes universitários preferem tra-
(cf. Gagné, 1984; Lemos, 2005). balhar e aprender sozinhos (McClanaghan, 2000,
Existe hoje uma tendência para considerar que citado por Hopper, 2003).
uma aprendizagem efectiva deve ainda ser situada e Como vemos não é suficiente introduzir os com-
colaborativa. Enquanto as características anteriores putadores e a Internet nas escolas para se começa-
não me levantam dúvidas, estas duas não estão ain- rem a obter resultados positivos na aprendizagem
da inteiramente comprovadas pelos resultados da dos alunos. É ainda necessário reflectir sobre o que
investigação. Contudo, são características impor- a torna efectiva e modificar a organização dos espa-

46 sísifo 3 | guilhermina lobato mir anda | limites e possibilidades das tic na educação
ços e das actividades curriculares de modo a que de escolaridade, por Ricardo Inácio, na altura estu-
estas novas ferramentas possam apoiar a aquisição dante do mestrado em Tecnologias Educativas. A
de conhecimento disciplinar significativo. Embora experiência tem tido continuidade.
a aprendizagem dos alunos seja a variável que con- O principal objectivo foi conceber, desenvolver
sidero mais importante quando se introduzem as e avaliar um ambiente virtual de aprendizagem de
tecnologias no ensino, outras existem que não de- matemática (AVA). Visou ainda estudar os factores
vemos menosprezar. Por exemplo, o contributo que que influenciam positiva e negativamente o desen-
o uso das tecnologias nas práticas educativas dos volvimento de uma comunidade virtual de aprendi-
professores pode dar para uma maior literacia tec- zagem (CVA) em meio escolar, funcionando como
nológica de estudantes e docentes, a motivação que complemento e não como substituto das aulas pre-
geram, as redes de relações que criam, etc. Tudo senciais. A análise dos efeitos deste ambiente nos
aspectos que me parecem muito importantes quan- resultados escolares e nas abordagens à aprendiza-
do as tecnologias são integradas e não só acrescen- gem dos estudantes foi outro dos objectivos.
tadas às actividades curriculares. O Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA)
baseou-se na WWW e funcionou como um meio
Experiências em análise de apoio à aprendizagem dos alunos nos três temas
As quatro experiências que vou referir permitem que compõem o programa da disciplina de Mate-
ilustrar o que acabei de dizer. Por falta de espaço, mática: Geometria no Plano e no Espaço I, Funções
apenas descreverei uma e de um modo muito su- I e Estatística. A construção deste ambiente virtual,
mário. Os leitores interessados podem consultar as como o autor refere, “caracterizou-se como sendo
obras que estão referenciadas na bibliografia. um processo lento, de carácter evolutivo e faseado”
Uma foi desenvolvida pela autora no âmbito da (Inácio, 2006, p. 99). A concepção e construção da
investigação conducente ao grau de doutoramento página demorou nove meses e passou por várias fa-
e designa-se Concepção de um ambiente de aprendi- ses. Refiro apenas as mais importantes: (a) elabora-
zagem Logo em meio escolar: efeitos na cognição e nos ção de um guião tipo cinematográfico (storyboards),
conhecimentos geométricos de crianças de 9-10 anos que constou da realização de desenhos e tabelas,
(Miranda, 1998). com referência às cores, fontes, textos, barras de na-
Duas foram realizadas por estudantes do mestra- vegação, disposição de conteúdos e ferramentas de
do em Ciências da Educação, área de especialização comunicação; (b) desenvolvimento da página, con-
em Tecnologias Educativas. Uma tem como título ciliando diversas linguagens de programação; (c)
Comunidade Virtual de Aprendizagem de Matemáti- validação da AVA, feita por especialistas, quer do
ca: uma experiência com alunos do 10º ano de escola- ponto de vista técnico quer do conteúdo matemáti-
ridade (Inácio, 2006) e a outra intitula-se Integrar a co; (d) apresentação da AVA aos estudantes, expli-
teoria e a prática através de um fórum de discussão: cando como iria funcionar e quais os seus objectivos.
um estudo de investigação-acção aplicado à enfer- Os conteúdos desta AVA são muitos e variados
magem da criança e do adolescente (Paixão, 2006). mas, do meu ponto de vista, o mais interessante é
A última das experiências referidas foi desen- a conjugação dos diversos conteúdos e activida-
volvida no contexto da preparação da monografia des matemáticas, com actividades de comunicação
de licenciatura e designa-se de Projecto Prom@tic síncrona e assíncrona e ainda actividades sociais.
(Rolo, 2001). Foi publicado um artigo que descreve As ferramentas disponibilizadas foram usadas pe-
esta experiência (Miranda & Rolo, 2002) e que se los estudantes, umas mais do que outras, havendo
encontra disponível on-line em: http://www.leeds. ainda estudantes mais participativos e outros me-
ac.uk/educol/documents/00002194.htm. nos, como é habitual em qualquer ambiente, seja
ele presencial ou virtual. O papel do professor na
Comunidade Virtual de Aprendizagem dinamização deste ambiente foi determinante, não
de Matemática só no que se refere ao processo de ensino e aprendi-
Esta experiência foi desenvolvida durante o ano zagem, mas ainda na construção de uma verdadeira
lectivo de 2004/2005, com uma turma do 10º ano comunidade virtual de aprendizagem de matemá-

sísifo 3 | guilhermina lobato mir anda | limites e possibilidades das tic na educação 47
tica. Transformar um ambiente numa comunidade disponibilizados. Esta tendência foi designada por
virtual não é tarefa fácil, pois esta caracteriza-se por Resnick e Collins (1996) por the “rich get richer”
ser um grupo de pessoas que partilham conheci- problem. Para estes alunos devem ser concebidos
mentos, interesses e objectivos num domínio espe- ambientes mais estruturados e direccionados para
cífico, podendo desenvolver laços de amizade atra- superar as dificuldades apresentadas. Ora este não
vés do ciberespaço (cf. Inácio, 2006). As CVA’s têm era o objectivo principal da experiência descrita.
também durabilidades diversas, dependendo de Como referi anteriormente penso que a introdução
vários factores. Contudo, o papel do dinamizador e uso das tecnologias da informação e comunicação
é fundamental para que o “tempo de vida” de uma no ensino não devem ser só avaliadas tendo como
CVA seja mais longo. A que estamos a descrever referência os efeitos que têm sobre a aprendizagem
durou um ano lectivo, embora o professor continue e os resultados académicos dos alunos. Esta é uma
a experiência com a nova turma do 10º ano. entre muitas variáveis a ter em conta, embora con-
Os resultados mais salientes deste estudo são: sidere ser a mais importante. Outras que também
(1) perceber que é possível conceber, desenvolver me parecem relevantes são: o contributo para uma
e utilizar comunidades virtuais de aprendizagem maior literacia tecnológica de docentes e alunos;
no ensino secundário, ao serviço dos alunos e da um maior interesse dos estudantes pelas discipli-
inovação dos métodos de ensino, sobretudo numa nas que usam recursos tecnológicos de um modo
disciplina que muitos consideram difícil e onde inovador e criativo; uma modificação dos métodos
existe muito insucesso; (2) análise dos factores faci- e estratégias de ensino dos professores, dando-lhes
litadores e inibidores da construção de uma CVA, uma sensação positiva de domínio das tecnologias
contribuindo para a compreensão da vida destas que são valorizadas na sociedade numa dada época
comunidades; (3) maior interesse de grande par- e por consequência um maior sentido de pertença a
te dos alunos pela disciplina, embora os que mais essa mesma sociedade.
usaram e aproveitaram este ambiente tenham sido
os estudantes que já à partida estavam predispos-
tos para estudar e valorizavam mais o desempenho Conclusão
académico; (4) existência de uma correlação posi-
tiva e significativa entre a Frequência da AVA e as O uso efectivo da tecnologia nas escolas, nome-
Classificações dos alunos (r=0,715; p<.05); (5) os adamente nas salas de aula e no desenvolvimento
estudantes com uma abordagem profunda à apren- de ambientes virtuais de aprendizagem, é ainda um
dizagem antes da experiência (pré-teste) passaram privilégio de alguns docentes e alunos. As variáveis
a usar com mais frequência estratégias típicas desta que parecem ter mais influência neste processo são
abordagem, tendo a diferença entre o pré e o pós- múltiplas, como vimos, mas penso que uma sólida
teste sido significativa (p<.5); já os estudantes com formação técnica e pedagógica dos professores bem
uma abordagem superficial não alteraram significa- como o seu empenhamento são determinantes.
tivamente as suas estratégias de aprendizagem do Será ainda preciso pensar as tecnologias não como
pré para o pós-teste (p>.05). “apêndices” das restantes actividades curriculares,
Embora a AVA tenha contribuído para que a um prémio que se dá aos alunos bem comportados
maior parte dos estudantes se tenha interessado ou um “tique” insólito de alguns docentes, mas
mais pela disciplina de matemática, os resultados como um domínio tão ou mais importante que os
sumariamente descritos parecem querer dizer que, restantes que existem nas escolas. Só assim se con-
neste como noutros domínios, são os estudantes seguirá generalizar o uso das tecnologias no ensino.
mais motivados, empenhados e que mais valorizam Ou então, num olhar pessimista ou quiçá realista,
a aprendizagem e o sucesso académico os que mais esperar pelo impulso das gerações nascidas em ple-
proveito tiram dos meios e recursos postos à sua na era da “sociedade da informação”, até porque,
disposição. Os que têm mais dificuldades, desmo- como refere Arendt (2005) a novidade é e deve ser
tivados e que não valorizam tanto o desempenho trazida pelas novas gerações. É este o fluxo e desti-
académico usam pouco os recursos que lhes são no natural e cultural da humanidade.

48 sísifo 3 | guilhermina lobato mir anda | limites e possibilidades das tic na educação
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s í s i f o / r e v i s t a d e c i ê n c i a s d a e d u c a ç ã o · n .º 3 · m a i / a g o 0 7 issn 1646 ‑4990

As TIC na Escola e no Jardim de Infância:


motivos e factores para a sua integração

Lúcia Amante
lamante@univ-ab.pt
Universidade Aberta

Resumo:
Baseados nos contributos proporcionados pela vivência de um projecto1 de investigação-
acção que desenvolvemos e acompanhámos ao longo de um ano lectivo num Jardim de
Infância, tendo em vista a integração das novas tecnologias no contexto das suas salas de
actividades (Amante, 2003, 2004b), bem como nos dados proporcionados pela investiga-
ção disponível, procuraremos, neste texto, dar conta das razões que, em nosso entender,
fundamentam e justificam a integração das TIC em contexto pré-escolar e escolar. Pro-
curaremos, ainda, salientar os factores que nos parecem fundamentais para que a integra-
ção e utilização das TIC nestes contextos seja potencializada e contribua efectivamente
para a promoção da sua qualidade educativa.

Palavras­‑chave:
Tecnologias da Informação e da Comunicação, Escola/Jardim de Infância, Desenvolvi-
mento, Aprendizagem.

Amante, Lúcia (2007). As TIC na Escola e no Jardim de Infância: motivos e factores para a sua
integração. Sísifo. Revista de Ciências da Educação, 03, pp. 51‑64.
Consultado em [mês, ano] em http://sisifo.fpce.ul.pt

51
Contributos das TIC • Os jogos de computador encorajam a produ-
para a aprendizagem na infância ção de discurso mais complexo e fluente (Davidson
& Wright, 1994);
O debate sobre a utilização das TIC por crianças • As crianças são estimuladas a usar a lingua-
pequenas deu lugar a algumas tomadas de posição gem, sobretudo quando utilizam programas aber-
entre os que defendem, mais ou menos calorosa- tos que encorajam a exploração e a fantasia, como
mente, os benefícios educacionais da tecnologia e no caso dos programas de desenho, fazendo relatos
os que a ela colocam várias objecções. Essa contro- enquanto desenham, deslocam objectos, ou “escre-
vérsia, especialmente intensa no decorrer dos anos vem” (Clements & Nastasi, 2002);
80 (Haugland & Wright, 1997) tem, contudo, nos • As crianças contam histórias mais elabora-
últimos anos, vindo a esbater-se. De facto, o poten- das acerca dos desenhos realizados em computador
cial destas novas tecnologias, quer no que se refere (Clements & Nastasi, 2002);
à natureza dos programas utilizados, quer às pos- • A interacção com os computadores estimula a
sibilidades de acesso à informação e comunicação comunicação verbal e a colaboração entre as crian-
disponíveis através da Internet, aliado à sua presen- ças (Crook, 1998a, 1998b; Drogas, 2007) e propor-
ça, cada vez mais marcante no nosso dia a dia, tor- ciona situações de conflito sócio-cognitivo propi-
na difícil ignorar o contributo destes novos media ciadoras de aprendizagem (Amante, 2003, 2004a);
no enriquecimento dos contextos de aprendizagem • A estimulação de vocalizações em crianças com
para a infância (Amante, 2003; NAEYC, 1996; Ra- perturbações na fala tem também sido demonstrada
mos et al., 2001). (McCormick, 1987, cit. por Van Scoter et al., 2001).

Desenvolvimento da linguagem No que se refere à linguagem escrita, a investiga-


O desenvolvimento da linguagem e da literacia ção demonstra que as TIC, designadamente a uti-
constituem as áreas curriculares mais estudadas lização de processadores de texto, proporcionam
no que se refere à sua relação com a utilização da às crianças oportunidades de se envolverem na
tecnologia na idade pré-escolar (Laboo et al., 1999; exploração e co-construção de conhecimentos so-
Mioiduser et al., 2000; Moxeley et al., 1997). bre representação simbólica e desenvolvimento da
Ao nível das competências verbais, contraria- literacia e de conceitos com ela relacionados, como
mente à opinião dos críticos (Cordes & Miller, direccionalidade da escrita, sequencialidade, etc.
1999; Healy, 1998), o computador não inibe o de- (Amante, 2004a; Laboo & Ash, 1998). A utilização
senvolvimento da linguagem. De facto a investiga- de livros de história electrónicos, bem como a sua
ção tem revelado que: criação pelas próprias crianças e educadores (La-

52 sísifo 3 | lúcia amante | as tic na escola e no jardim de infância


boo et al., 1999; Lefever-Davis & Pearman, 2005; samento geométrico e espacial, favorecendo o de-
Trushell, Maitland & Burrel, 2003), tem também senvolvimento de conceitos de simetria, padrões,
revelado ganhos significativos. Com efeito, os livros organização espacial, entre outros (Clements &
interactivos parecem contribuir para o desenvolvi- Swaminthan, 1995). Nos programas gráficos as
mento de competências ao nível de vocabulário, crianças criam objectos e podem actuar sobre eles,
sintaxe e reconhecimento de palavras (Uchikoshi, aumentar ou diminuir o seu tamanho, juntar for-
2005), bem como da compreensão da estrutura mas que dão origem a novas formas, colorir espaços
narrativa das histórias (Verhallen, Bus & De Jong, fechados, reflectir sobre as características topológi-
2006). Por seu turno, Lewin (2000) assinala que os cas desses espaços (Amante, 2004c; Clements &
programas interactivos multimedia complementam Nastasi, 2002) e, tudo isto em consequência da sua
o desenvolvimento da literacia na medida em que acção, mais do que em virtude das características
a sua componente audio permite trabalhar ques- das formas estáticas, o que leva a considerar que
tões de pronúncia, bem como proporcionar leitura “o poder de tais ferramentas de desenho reside na
silabada ou centrada em segmentos fonémicos, de- possibilidade de as crianças virem a interiorizar os
senvolvendo deste modo a consciência fonológica, processos, construindo assim, novas ferramentas
como tem vindo a ser demonstrado por vários estu- mentais” (Clements & Nastasi, 2002, p. 580).
dos (cf. Chera & Wood, 2003; Wise et al., 2006). Programar em LOGO pode também contribuir
Para além de programas que trabalham compe- para o desenvolvimento de conceitos geométri-
tências específicas, constata-se a importância de as cos e espaciais. De acordo com a teoria piagetiana
crianças utilizarem as TIC para desenvolverem a (Piaget, 1971), as crianças apreendem as noções de
sua aprendizagem na área da leitura e da escrita de formas geométricas não através da percepção, mas
uma forma mais global e funcionalmente significa- através das acções que exercem sobre esses objec-
tiva, integrada no conjunto de outras actividades tos, primeiro físicas e depois mentais. A programa-
e servindo necessidades reais, como escrever uma ção LOGO, que tem subjacente a perspectiva pia-
receita, um aviso, uma lista de compras, etc. Ine- getiana da aprendizagem, ajuda as crianças a rela-
vitável, aqui, uma referência às muitas possibilida- cionar o seu conhecimento intuitivo do movimento
des evidenciadas pelo uso do correio electrónico e do desenho com ideias matemáticas. Ainda que
(Amante, 2003, 2004a; Siraj-Blatchford & White- os resultados da investigação não permitam con-
bread, 2003) cuja facilidade de utilização aliada à cluir sobre a influência da programação LOGO nas
instantaneidade na troca de mensagens, histórias, competências matemáticas em geral, sendo inclusi-
desenhos, etc., se revela altamente motivadora para ve controversos, designadamente no que se refere à
as crianças e estimuladora da comunicação e desco- transferência dessas competências para outras situ-
berta da linguagem escrita. ações (Crook, 1998a; Underwood & Underwood,
1990) parece, indiscutivelmente, constituir-se como
Pensamento matemático um espaço de resolução de problemas que contri-
Também nesta área de desenvolvimento educacio- bui para o desenvolvimento de noções espaciais e
nal a utilização de computadores tem demonstrado numéricas, pensamento criativo e conhecimento
estimular a emergência de alguns conceitos matemá- metacognitivo (Amante, 2004c; Clements & Nasta-
ticos tais como, reconhecimento de formas, conta- si, 2002; Underwood & Underwood, 1990).
gem e classificação. Clements e Nastasi (2002) refe- De qualquer modo, importa sublinhar a neces-
rem que as crianças que têm a possibilidade de asso- sidade de assistência do educador no sentido de
ciar experiências manipulativas directas à utiliza- relacionar o trabalho no computador com o co-
ção de um programa de computador, demonstraram nhecimento matemático, seja através do LOGO ou
maior competência em operações de classificação e de outra qualquer aplicação. Esta mediação surge
pensamento lógico do que aquelas que apenas tive- como fundamental, pelo encorajamento activo,
ram acesso à experiência manipulativa concreta. pelo incentivo à verbalização pelas crianças das es-
Mas, o grande contributo do computador pare- tratégias seguidas, levando-as a reflectir sobre o seu
ce situar-se ao nível do desenvolvimento do pen- próprio pensamento e tornando conscientes os pro-

sísifo 3 | lúcia amante | as tic na escola e no jardim de infância 53


cessos de resolução de problemas (Amante, 2004b; representar e partilhar a sua experiência com ou-
Clements, 1999; Clements & Nastasi, 2002). tras pessoas, nomeadamente familiares e amigos. A
exposição aos olhos dos outros, importantes na es-
Conhecimento do mundo fera relacional das crianças, valoriza o seu trabalho
É preocupação da educação Pré-Escolar proporcio- e atribui-lhe um sentido acrescido (Amante, 2003;
nar às crianças conhecimento do mundo, seja ele Cotrim, 2007; Drogas, 2007).
relativo ao seu mundo próximo que abarca o pró- Simultaneamente a estas possibilidades, os
prio contexto da sua sala de actividades, o espaço computadores permitem ainda às crianças comu-
exterior ao jardim de infância, físico e comunitário, nicarem facilmente com outras pessoas, família,
ou um mundo mais distante que abarca o conheci- amigos, outras escolas, instituições públicas da sua
mento e sensibilização a diferentes áreas científicas, comunidade ou quaisquer outras entidades de na-
o conhecimento de outras realidades, quer sejam tureza diversa. Ainda que a investigação a este nível
elas naturais, sociais ou culturais. Neste sentido, seja ainda muito limitada, explorar a vertente da
como salientam, entre outros, Haugland e Wright comunicação interpessoal que a tecnologia oferece,
(1997), Grácio (2002) e Rada (2004) a tecnologia in- parece constituir-se como outra das suas vantagens
formática, designadamente as possibilidades dispo- que importa considerar (Shiels & Behrman, 2000).
nibilizadas pela Internet, podem proporcionar aos Com efeito, os relatos de experiências de utilização
educadores e às crianças oportunidades únicas de destes recursos (Amante, 2003; Van Scoter & Boss,
acesso, a pessoas, imagens, sons e informações mui- 2002) evidenciam que, quer através de web-cams
to diversificadas e dificilmente acessíveis de outro que permitem a realização de fóruns on-line, e per-
modo, que podem seguramente constituir-se como mitem às crianças contactar com cientistas, palha-
poderosos recursos educacionais. Assim, desde ços, actores, ou simplesmente com outras crianças,
pesquisar informação sobre baleias e seus habitats, outras escolas, quer através da simples utilização
a “visitar” o país distante de onde veio o novo co- do correio electrónico - que permite a troca de
lega, a consultar uma enciclopédia interactiva para mensagens, cartões animados, textos, histórias,
saber o que são foguetões, ou tão simplesmente ver fotografias e desenhos digitalizados, com os seus
os trabalhos realizados por colegas de uma outra amigos, família, elementos da comunidade e cor-
escola ou jardim de infância, as TIC possibilitam respondentes - estamos a estimular as suas capaci-
dar resposta, de forma rápida, à grande curiosidade dades comunicativas, a desenvolver a sua apetência
das crianças, permitindo abrir a porta da sala de pela escrita, a favorecer a compreensão da sua fun-
actividades a todo um leque de conhecimentos que, cionalidade, sendo que o fazemos através de uma
integrado no conjunto do trabalho desenvolvido, forma de comunicação que faz, também ela, parte
pode contribuir para uma visão mais ampla e para integrante desse mundo que pretendemos que des-
uma melhor compreensão do mundo. cubra e conheça.
Mas, para além do acesso à informação, é tam-
bém possível utilizar a tecnologia para transformar Educação para a Diversidade
e produzir nova informação (Ponte, 2002). Assim, As TIC podem ser usadas de forma a contribuir
por exemplo, a Internet oferece às crianças a hipó- para que as crianças compreendam e aceitem a di-
tese de editarem em papel ou online os seus traba- versidade (Haugland & Wright, 1997). Com efeito,
lhos, seja um jornal escolar, um projecto de pesqui- as crianças não só desenvolvem desde cedo consci-
sa desenvolvido, ou uma história. A utilização de ência das diferenças sociais, culturais, raciais e ét-
câmaras digitais permite com facilidade documen- nicas como interiorizam os valores dominantes face
tar experiências vividas pelas crianças no âmbito ao estatuto social atribuído a estes grupos. Neste
da sua comunidade ou noutros contextos, facilmen- sentido, a educação multicultural das crianças pe-
te editáveis no jornal escolar, no blogue da turma quenas assume toda a relevância e deve constituir
ou no site da escola. Para além de se estabelecer li- uma preocupação do jardim de infância, tendo em
gação com o mundo exterior à escola, ao tornarem vista desenvolver atitudes, percepções e compor-
público o seu próprio trabalho, é-lhe permitido tamentos transculturais positivos que contribuam

54 sísifo 3 | lúcia amante | as tic na escola e no jardim de infância


para a formação cívica dos futuros cidadãos de uma Neste sentido importa considerar um conjunto
sociedade que se quer mais justa e tolerante. de factores que podem contribuir para uma ade-
Tal como em relação a outros materiais, tam- quada integração da tecnologia, nos contextos edu-
bém as novas tecnologias e o seu contributo para cativos. Assim, de acordo com vários autores (Hau-
esta educação multicultural dependem largamente gland & Wright, 1997; Stables, 1997; Sutherland,
da atitude e das escolhas do educador. Contudo, Robertson & John, 2004) bem como com os rela-
importa salientar que existe software educativo que tos de experiências bem sucedidas de integração
valoriza a diversidade social e cultural a vários ní- de computadores em escolas e jardins de infância
veis. Mas, mais do que qualquer software educati- (Amante 2003; Ramos, 2005; Van Scoter & Boss,
vo, pensamos que o verdadeiro potencial das novas 2002; Van Scoter et al., 2001) reunimos alguns
tecnologias neste âmbito reside efectivamente na princípios que aqui procuraremos abordar.
utilização da Internet para acesso a conhecimento
sobre outras realidades e culturas, bem como nas Localização e Acesso aos Equipamentos
possibilidades de comunicação que a esse nível se A localização dos computadores no contexto da sala
podem estabelecer. Este conjunto de possibilida- de aula emerge como um princípio básico para que
des permite-lhes expandir a sua visão do mundo, a sua integração ocorra verdadeiramente (Davis &
conhecer, questionar e compreender a sua diversi- Shade, 1994; Haugland & Wright, 1997). Papert
dade. (2001) considera a localização de computadores em
salas específicas, tipo “laboratório de computado-
res”, como uma resposta “imunológica” da escola
Factores a considerar para uma para “neutralizar” esse “corpo estranho”. De facto,
efectiva integração das TIC adoptar este procedimento, tão frequente nas nos-
sas escolas, constitui o primeiro passo para remeter
Não basta integrar as novas tecnologias nos contex- o computador para fora do contexto de aprendiza-
tos de aprendizagem para assegurarmos a melhoria gem. No que se refere ao jardim de infância, a inves-
da sua qualidade. De facto, há que pensar uma ade- tigação levada a cabo por Susan Haugland (2002)
quada integração e utilização das TIC se queremos, demonstrou que quando os computadores são co-
efectivamente, criar ambientes educativos mais ricos locados fora da sala de actividades, as crianças não
que promovam uma aprendizagem de natureza cons- experienciam os mesmos ganhos desenvolvimen-
trutivista. De acordo com as características gerais tais do que quando eles lhe estão acessíveis na sua
desta perspectiva (Coll, 1992) a tecnologia deve pois: sala, como qualquer outro material. Por outro lado,
• Ser posta ao serviço da construção activa de como refere a autora, este procedimento cria desde
conhecimentos, não dando lugar a simples acumu- logo dois grupos de crianças, os que estão fora da
lação de saberes mas a uma transformação cons- sala a utilizar o computador e os que estão dentro
tante dos esquemas de conhecimento que integram sem possibilidade, sequer, de ver o que os colegas
as novas experiências e continuamente os recons- estão a fazer. O computador assume, assim, desde
troem (Coll, 1992); logo, um estatuto especial, não o estatuto de um
• Proporcionar uma “aprendizagem significa- qualquer outro recurso que as crianças utilizam de
tiva” (Jonassen et al., 2003) que estabeleça relação forma integrada, na sua sala de actividades. Impor-
entre as novas experiências com os conhecimen- ta, pois, que a área de trabalho com computadores
tos prévios e os interesses dos alunos, valorizando faça parte integrante da sala de actividades e que
nomeadamente as aprendizagens funcionais; à frente de cada monitor sejam colocadas duas ca-
• Considerar a importância dos contextos sociais deiras de modo a sugerir, desde logo, a possibili-
de interacção, já que a aprendizagem não decorre de dade de utilização partilhada daquele equipamento
forma isolada, nem compartimentada, sendo um (Haugland & Wright, 1997). Se existirem poucos
processo eminentemente social (Coll, 1992; Crook, computadores, é preferível o equipamento rodar
1998a, 1998b). entre salas, por períodos determinados (Haugland,
2000). A acessibilidade surge como importante por

sísifo 3 | lúcia amante | as tic na escola e no jardim de infância 55


vários motivos: Permite às crianças saber quando • Sejam orientadas para a resolução de proble-
está disponível; Favorece a interacção entre os que mas, indo ao encontro de necessidades reais e dos
estão a usar o computador e as crianças envolvidas interesses da criança;
noutras actividades; Encoraja as crianças a apren- • Facilitem e promovam a cooperação entre
derem umas com as outras, cria oportunidades de crianças - em lugar da competitividade – e, conse-
tutoria entre pares e, simultâneamente, facilita a quentemente, a comunicação;
integração das actividades desenvolvidas na globa- • Estabeleçam relação com a vida real, sem
lidade do trabalho curricular. renunciar à fantasia;
• Valorizem a diversidade, étnica, cultural, ou
Aplicações Educativas outra, permitindo às crianças estabelecerem pontos
Para além dos programas utilitários mais comu- de identificação com os conteúdos, independente-
mente utilizados pelos adultos (Word, Paint, Po- mente do seu background de origem;
wer-Point) e que são igualmente úteis e adequados • Disponibilizem informação adicional aos adul-
para serem utilizados por crianças, mesmo as de tos, sobre objectivos do programa, idades adequa-
pré-escolar, cabe ao educador seleccionar alguns das, sugestões de acompanhamento da actividade, e
programas, de carácter especificamente educativo, ainda indicações relativas a instalação e resolução de
que possam ser utilizados pelas crianças. eventuais problemas.
Com efeito, a selecção de programas educativos
reveste-se da maior importância. Diversos autores Em síntese, trata-se de aplicar à utilização das
(Davis & Shade, 1994; Haugland & Wright, 1997; novas tecnologias aquilo que a investigação edu-
Ramos, 2005) têm posto em evidência que a qua- cacional nos diz sobre o modo como as crianças
lidade do software é determinante no desenvolvi- pequenas aprendem. Esses princípios são válidos
mento de experiências de aprendizagem adequadas para o software, como o são para outro tipo de ac-
sendo, por outro lado, uma tarefa que assume par- tividades e experiências. Assim, a exploração, a
ticular dificuldade dado o mercado estar inundado descoberta, a actividade auto-iniciada, o controlo
de programas que se clamam de educativos, grafi- e flexibilidade inerente aos programas abertos ade-
camente em geral muito atractivos, mas que, quan- quam-se ao desenvolvimento de uma aprendizagem
do explorados se revelam decepcionantes. Assim, e activa especialmente adequada às crianças deste
considerando a investigação disponível, as crianças grupo etário.
parecem beneficiar da utilização de aplicações que:
• Apresentem características abertas (open- Integração nas Actividades Curriculares
ended) que encorajem a exploração e a imaginação, Na verdade, importa não esquecer que utilizar a
por oposição aos programas muito estruturados do tecnologia na escola e no jardim de infância não
tipo exercício e prática (drill and practice); constitui um objectivo em si mesmo: “Learning to
• Sejam amigáveis e intuitivas, ou seja fáceis de use the computer should only be a secondary ob-
usar, apresentando menus e ícones figurativos facil- jective. Learning to communicate, to draw, to co-
mente associáveis à sua função; lor, to share and take turns-those preschool goals
• Sejam flexíveis, permitindo responder a diver- should be primary and one way of learning them
sas necessidades e objectivos educacionais, orienta- is to use the computer” (Pierce, 1994, pp. 15-16).
das para o sucesso, fornecendo feedbacks positivos e Efectivamente, não se trata de ensinar as crianças a
pistas que, se necessário, guiem a criança; usar as TIC mas antes, de as pôr ao serviço do seu
• Atribuam à criança um papel activo, solici- desenvolvimento educacional. Neste sentido, uma
tando reacções, escolhas, exploração, tomada de utilização adequada das novas tecnologias é aque-
decisões, realização de actividades; la que permite expandir, enriquecer, diferenciar,
• Sejam multisensoriais, atraentes, interac- individualizar e implementar a globalidade dos
tivas mas não se reduzam a um espectáculo de objectivos curriculares. Portanto, as actividades
sons, música, cores e movimento, sem conteúdo e desenvolvidas em redor da tecnologia devem ser
relevância; perspectivadas como novas oportunidades educa-

56 sísifo 3 | lúcia amante | as tic na escola e no jardim de infância


tivas mas integradas num todo que lhes atribuirá e mulante da interacção, incentivando as crianças a
reforçará o seu sentido. Esta visão, partilhada por comunicarem, quer entre si, quer com o adulto. As-
vários autores (Crook, 1998a; Haugland & Wright, sim, para além da atenção do adulto às suas neces-
1997; Jonassen et al., 2003; Ramos, 2005), é apoia- sidades de apoio mais imediatas, importa também
da também por várias experiências de utilização que o educador saiba estimular uma interacção pro-
das TIC em contexto educativo (Amante, 2004b; dutiva, quer durante a realização das actividades,
Van Scoter et al., 2001) e pela NAYEC (1996). De quer na sua exploração à posteriori, no sentido de
facto, esta integração surge como fundamental para fazer desses momentos importantes oportunidades
que se possa efectivamente tirar partido das poten- de aprendizagem. Com efeito, a literatura relativa à
cialidades da tecnologia e para que esta possa ser educação e tecnologia tem vindo a sublinhar a im-
vista também pelos educadores como um contribu- portância do papel dos professores quer ao nível da
to real à globalidade do trabalho que desenvolvem, orientação (De Corte, 1992), da criação de contex-
integrando-se nas rotinas de trabalho da sua sala, e tos adequados (Crook, 1998a, 1998b), quer ao nível
nas actividades habitualmente desenvolvidas, mas do desenvolvimento de modelos estratégicos e da
dando igualmente lugar a novos projectos e a novas atribuição de sentido (meaning-making) que con-
formas de acesso e de construção de saberes. Ou duza a uma aprendizagem significativa (Jonassen et
seja, as TIC na escola devem ser entendidas como al., 2003; Salomon & Perkins, 1996). Nesta linha,
um instrumento cultural ao serviço de experiências vários trabalhos desenvolvidos a propósito das
de aprendizagem educacionalmente relevantes. interacções desencadeadas em redor do trabalho
com computadores (Amante 2004d; Fisher, 1997;
Mediação do Educador e Wegerif & Mercer, 1997) tendo como quadro teó-
Dinâmicas Sociais de Colaboração rico a teoria de Vigotsky (1991) e seus seguidores,
O papel dos educadores é fundamental em vários demonstraram como algumas das actividades em
aspectos. Para além do papel inicial do educador/ que os alunos se envolvem utilizando este medium
professor na familiarização da criança com a tecno- (nomeadamente actividades de escrita), se consti-
logia, o seu apoio continua sempre a ser fundamen- tuem como momentos que confrontam a criança
tal, embora assumindo outras vertentes. Se, por com aprendizagens emergentes, ou seja em situa-
um lado, é importante que o adulto dê liberdade à ções em que a criança opera na Zona de Desenvol-
criança para experimentar e realizar o seu trabalho vimento Próximo (Vigotsky, 1991) e que, como tal,
de forma autónoma, por outro lado, é importante necessita do apoio de um adulto (ou de um par) que
que esteja atento às suas necessidades, sobretudo lhe permita dar o salto desenvolvimental necessá-
no caso das crianças mais jovens. Estas tendem a rio para atingir um novo estádio de aprendizagem.
beneficiar de uma atenção mais sistemática do adul- A capacidade do educador para estar atento, re-
to, funcionando a mediação do educador como um conhecer estes momentos e intervir, adoptando
encorajamento ao mesmo tempo que dá resposta às comportamentos de scaffolding2 (Wood, Bruner &
suas necessidades e evita que se sintam frustradas Ross, 1976) de forma a que a criança dê esse salto, é
com eventuais dificuldades surgidas (Clements & pois extremamente importante para que a aprendi-
Nastasi, 2002); com as crianças mais velhas, que já zagem tenha lugar.
desenvolveram mais competências, é possível o de- Por outro lado, no âmbito do papel de media-
senvolvimento de formas de trabalho mais autóno- ção desempenhado pelo educador, cabe-lhe tam-
mas e menos dirigidas pelo educador que assume bém promover a interacção e a cooperação entre
então essencialmente um papel de monitorização, as crianças e desenvolver esforços para melhorar a
intervindo quando necessário, orientando e colo- qualidade dessas interacções (Dawes, 1997; Drogas,
cando questões que encorajem a criança a reflectir 2007; Pierce, 1994); designadamente estimulando-
sobre a actividade e sobre os procedimentos (Van as a adoptar padrões de colaboração que contribu-
Scoter et al., 2001). am para ampliar a construção conjunta de aprendi-
O trabalho desenvolvido em redor dos com- zagens, diversificar pontos de vista e, desse modo,
putadores constitui-se como particularmente esti- promover a qualidade da prática educativa.

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Formação dos Educadores/Professores junto das crianças, são também meios de comuni-
A formação dos educadores é naturalmente crucial cação e de colaboração entre profissionais, consti-
em todo e qualquer processo que vise a adequada tuindo-se portanto como poderosos instrumentos
integração das tecnologias em contexto educativo do seu próprio desenvolvimento profissional. Para
(Clements, 1999; Haugland, 2000; Kosakowsky, além de permitirem a realização de um conjunto de
1998). Com efeito, uma das principais razões apon- tarefas de apoio ao desenvolvimento de trabalho
tadas para a resistência à integração das tecnologias com as crianças e de organização das actividades,
na escola prende-se com a inadequada ou limitada permitem ainda, através das possibilidades de co-
preparação dos educadores e professores para a municação online, estabelecer facilmente interac-
sua utilização (Ponte, 2002; Stables, 1997). Quan- ção entre pares e com especialistas, abrindo desta
do os professores/educadores aprendem a usar a forma um leque muito vasto de oportunidades de
tecnologia no contexto da sua escola, da sua sala, formação cooperativa. Na verdade, estas novas “co-
com as crianças reais e de acordo com objectivos munidades de aprendizagem” podem constituir-se
igualmente reais, têm muito mais possibilidades de como um novo e estimulante espaço pedagógico,
beneficiarem desta formação e com ela melhorarem também ao nível da formação de professores.
a qualidade dos contextos de aprendizagem em que As novas tecnologias e a Internet oferecem pois
desenvolvem a sua actividade. Nesta perspectiva, oportunidades para o desenvolvimento profissional
interessa sublinhar alguns aspectos, que poderão que até há poucos anos não podíamos equacionar.
constituir-se como áreas chave no desenvolvimento À medida que os educadores/professores se tor-
desta formação: nam utilizadores mais competentes e confiantes da
• Desenvolver a compreensão dos professo- tecnologia utilizando-a no âmbito da sua formação
res/educadores acerca da tecnologia da educação; profissional, tornam-se também mais aptos a utili-
Existe uma ampla falta de conhecimento sobre as zarem-na adequadamente com os seus alunos (Jo-
possibilidades e objectivos do uso das TIC em con- nassen et al., 2003).
texto educativo;
• Ajudá-los a ver de que modo o trabalho que Gestão da Escola/Liderança
habitualmente desenvolvem com os alunos e a expe- Tal como acontece relativamente aos processos
riência que já detêm pode ser adaptada e potenciada inovadores em geral, a adesão da administração da
pelo desenvolvimento de actividades que recorram escola, a sua atitude favorável à mudança, traduzida
à utilização da tecnologia; no suporte contínuo aos educadores/professores en-
• Desenvolver a sua confiança na capacidade de volvidos (Perrenoud, 1994) é também essencial no
utilização das TIC; a falta de segurança e a ansie- caso específico da integração da tecnologia (Han,
dade por ela provocada constitui um dos factores 2002; Haugland, 2000; Kosakowsky, 1998). Assim,
que mais inibe a utilização das novas tecnologias e de acordo com os relatos de várias experiências
pelos educadores/professores (Crook, 1998a; Sta- (Van Scoter et al., 2001) é fundamental uma gestão
bles, 1997); que, para além de facultar os eventuais recursos ne-
• Identificar actividades diversas a partir das cessários, adopte uma atitude aberta às sugestões,
quais os professores possam começar a relacionar- conceda independência aos educadores/professo-
se com as TIC, providenciando a possibilidade de res para que estes experimentem e implementem as
experienciarem por si próprios essa utilização antes suas ideias e incentive os seus esforços, prestando-
de a ensaiarem com as crianças; lhe colaboração, quer na eventual reorganização de
• Fornecer oportunidades para troca de ideias e espaços, quer na reestruturação de horários que se
partilha de práticas e constituir com base nessas tro- ajustem às necessidades de formação. Com efeito,
cas registos de “boas práticas”. uma administração que se preocupe essencialmen-
te em criar condições que favoreçam a melhoria do
Importa ainda fazer sentir aos educadores/pro- contexto de aprendizagem, que se preocupe com
fessores que as novas tecnologias, para além de ins- o desenvolvimento profissional dos seus docen-
trumentos promotores de experiências educativas tes, que adopte um estilo de liderança democráti-

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ca em que todos se sintam envolvidos, num clima na escola e no jardim de infância assume particu-
de trabalho em que impere o respeito e o diálogo, lar relevância quer porque contribui para colmatar
tenderá a constituir-se como um contexto organiza- a desigualdade de acesso às mesmas, quer porque
cional facilitador dos processos de integração e do cria situações de aprendizagem conjunta entre pais
seu sucesso. Saliente-se, ainda, que os professores/ e filhos, em que as crianças têm possibilidade de
educadores precisam de sentir que o seu trabalho demonstrar as suas competências levando-os a re-
e investimento é reconhecido e caucionado supe- conhecerem e valorizarem o desempenho dos seus
riormente, constituindo esta atitude um reforço da filhos (Cotrim, 2007; Computer Family Night Pro-
mudança, na medida em que a valoriza e legitima gram3).
(Thurler, 1994).
Assistência Técnica de Retaguarda
Ligação com as Famílias Por último, mas também essencial para o sucesso
A participação das famílias na vida escolar dos fi- da integração das TIC, é importante que as esco-
lhos é, naturalmente, sempre desejável. No que às las e jardins de infância disponham de apoios de
tecnologias diz respeito importa que a sua integra- retaguarda que providenciem assistência também
ção não descure também a importância desta liga- ao nível técnico, assegurando a manutenção dos
ção já que ela é relevante a vários níveis. Assim, dar equipamentos e a resolução de eventuais proble-
aos pais a possibilidade de visitarem a sala de acti- mas surgidos com o seu funcionamento (NÓNIO,
vidades/sala de aula dos seus filhos, utilizarem con- 2002). Sem este apoio corre-se o risco de um pe-
juntamente com eles o computador na realização de queno problema técnico inviabilizar durante meses
actividades relevantes para ambos, proporcionar- a utilização dos equipamentos e consequentemen-
lhes acesso não só às produções das crianças, mas te fazer regredir ou abortar todo o percurso até aí
à forma como as realizam, constituem, de acordo empreendido, ao mesmo tempo que desmoraliza
com algumas experiências e autores (Cotrim, 2007; e cria insegurança na sua utilização por parte dos
Thouvenelle, 2002; Van Scoter & Boss, 2002; Van educadores.
Scoter et al., 2001) importantes contributos para a
aproximação entre as famílias e a escola, para a va-
lorização da escola e do trabalho dos seus filhos e Em Síntese
para o desenvolvimento de atitudes positivas face ao
papel das TIC neste contexto. Este tipo de iniciati- Em síntese, gostaríamos de reflectir sobre algumas
vas permite aos pais desenvolverem conhecimento questões que emergem deste texto. Por um lado,
sobre as possibilidades educativas que as tecnolo- constatámos que a investigação disponível aponta
gias oferecem, alertando-os igualmente para a ne- para resultados bastante favoráveis à utilização da
cessidade de uma adequada utilização das mesmas. tecnologia na escola e jardins de infância. Por outro
Com efeito, muitas crianças têm hoje acesso em lado, como assinala Becker (2000), é um facto que
casa à utilização de computadores e outros equipa- poucos são os professores e educadores que utili-
mentos electrónicos, utilização essa geralmente va- zam os computadores nas suas escolas de acordo
lorizada pelos pais, mas que requer a sua orientação com o lado mais construtivo e criativo que a tecnolo-
no sentido de se constituir como educacionalmente gia parece oferecer, lado esse que emerge em grande
relevante. É importante que os educadores/profes- parte nos estudos realizados e do qual derivam, em
sores proporcionem aos pais informação sobre a grande parte, os resultados positivos obtidos. Efec-
adequada utilização da tecnologia e que, conjunta- tivamente, a investigação cria por vezes contextos
mente com eles possam, enquanto consumidores, específicos e bem delineados, fornece apoios téc-
exercer pressão no sentido do desenvolvimento de nicos e formativos que não correspondem, exacta-
programas educativos apropriados a crianças desta mente, às condições da maioria dos contextos edu-
idade. Por outro lado, e em particular no caso das cativos experienciados nas escolas, onde as TIC são
famílias que não têm acesso a este tipo de meios, o subaproveitadas ou mesmo utilizadas para reprodu-
contacto e as possibilidades de exploração das TIC zir práticas antigas. Nesse sentido poderá existir um

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hiato entre as possibilidades de utilização das TIC e mais uma vez, a resposta possível não está na tecno-
aquilo que efectivamente acontece quando são dis- logia mas sim nas pessoas e nas instituições. Para
ponibilizadas na maioria das escolas. Mas esse hiato, que esse projecto educativo se renove na globalida-
sendo sem dúvida uma realidade, poderá no entanto de das escolas é necessário um esforço concertado
ser reduzido se a investigação e a formação se cen- de todos os que, de um modo ou de outro, têm res-
trarem nas escolas e nas suas realidades concretas e ponsabilidades na construção da escola que quere-
específicas, considerando-as como unidades estra- mos, desde os decisores políticos, aos professores,
tégicas de inovação (Canário, 1996; Oliveira-For- às instituições que formam os professores, que têm
mosinho & Formosinho, 2001). aqui um papel determinante, aos pais e à comuni-
Existe capacidade e conhecimento para desen- dade educativa em geral. Se os avanços tecnológi-
volver uma tecnologia adequada e propiciadora de cos, que têm alterado o nosso mundo de forma tão
ambientes ricos de aprendizagem que prepare as profunda, servirem como um espelho que reflecte
crianças para aprender a construir conhecimento a imagem de uma Escola “insuficiente”, se através
e a viver num mundo de novas exigências que re- dessa imagem nos confrontarmos com a necessida-
quer cada vez mais a realização de aprendizagem ao de urgente e inevitável da sua renovação, então, im-
longo da vida. Melhorar a qualidade da educação porta fundamentalmente aproveitá-los como catali-
passa, entre muitas outras coisas, por saber tirar zadores dessa mudança, tendo em vista uma Escola
partido dessa tecnologia, por pô-la ao serviço de de construção de saberes e de formação de cidadãos
um projecto educativo renovado em que para além capazes de fazerem frente, como profissionais e
do que se aprende, se aprende a aprender. Assim, como pessoas, aos novos desafios deste novo tempo.

60 sísifo 3 | lúcia amante | as tic na escola e no jardim de infância


Notas Canário, R. (1996). A Escola, o Local e a Cons-
trução de Redes de Inovação. In B. P. Campos
1. O referido projecto, “Novas Tecnologias: Uma (org.), Investigação e Inovação para a Qualidade
Experiência de Integração no Pré-Escolar”, foi fi- das Escolas. Lisboa: Instituto de Inovação Edu-
nanciado pelo Instituto de Inovação Educacional cacional, pp. 59-76.
no âmbito da 12ª edição do concurso “Inovar, Edu- Chera, P. & Wood, C. (2003). Animated multime-
cando/Educar, Inovando”, inserido no Sistema de dia “talking books” can promote phonological
Incentivos à Qualidade da Educação (SIQE), sem o awareness: Effects of spoken language experien-
que não teria sido possível a sua concretização. ce and orthography. Cognition, 81, pp. 227-241.
1. Este conceito refere-se aos passos dados por Clements, D. H. (1999). Effective use of compu-
um adulto no sentido de delimitar uma dada tarefa ters with young children. In J. V. Copley (ed.),
procurando levar a criança a centrar-se nas compe- Mathematics in the Early Years. Reston, VA:
tências em jogo num dado processo de aquisição. National Council of Teachers of Mathematics,
Trata-se de antecipar o desenvolvimento da com- pp. 119-128.
preensão da tarefa por parte da criança e de agir em Clements, D. H. & Nastasi, B. K. (2002). Os
consonância com essa antecipação através de “inter- Meios Electrónicos de Comunicação e a Educa-
venções estratégicas”. ção de Infância. In B. Spodek (org.), Manual de
3. Esta iniciativa, e as reacções dos pais podem Investigação em Educação de Infância. Lisboa:
ser consultadas no endereço: http://www.mcps.k12. Fundação Calouste Gulbenkian, pp. 561-619.
md.us/curriculum/littlekids/archive/computer_fa- Clements, D. H. & Swaminathan, S. (1995). Te-
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64 sísifo 3 | lúcia amante | as tic na escola e no jardim de infância


s í s i f o / r e v i s t a d e c i ê n c i a s d a e d u c a ç ã o · n .º 3 · m a i / a g o 0 7 issn 1646 ‑4990

O projecto “Educação Tecnológica Precoce”: uma


opor­tunidade para implementar práticas de inovação
curricular
Ana Margarida Veiga Simão
amvsimao@fpce.ul.pt

Elisabete Rodrigues
elisrod@fpce.ul.pt

Belmiro Cabrito
BelmiroGilCabrito@fpce.ul.pt
Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Lisboa

Resumo:
O Projecto europeu “Educação Tecnológica Precoce” visou promover a educação tec-
nológica de crianças, sensibilizando-as para a compreensão dos fenómenos científico-
tecnológicos.
Para a prossecução desta finalidade, procurou-se desenvolver material pedagógico
dirigido às crianças, com aplicação na formação inicial e contínua de Educadores e de
Professores do 1º ciclo do Ensino Básico, e devidamente enquadrado por propostas me-
todológicas de ensino-aprendizagem integrando as áreas da Educação e da Tecnologia.
Como produto, elaborou-se um manual digital, de recursos didácticos disponíveis on-
line (http://www.earlytechnicaleducation.org).
Neste artigo, para além de apresentarmos o projecto e o site, referimos também os
estudos de casos realizados em Portugal, nomeadamente a valoração de algumas das op-
ções apontadas no manual.

Palavras-chave:
Metodologias de ensino-aprendizagem, Ciência e Tecnologia, Educação Tecnológica
Precoce, Inovação.

Veiga Simão, Ana Margarida; Rodrigues, Elisabete & Cabrito, Belmiro (2007). O projecto “Edu-
cação Tecnológica Precoce”: uma oportunidade para implementar práticas de inovação curricu-
lar. Sísifo. Revista de Ciências da Educação, 03, pp. 65‑76.
Consultado em [mês, ano] em http://sisifo.fpce.ul.pt

65
Introdução cias sociais e humanas, em detrimento dos domí-
nios científico e tecnológico;
O Projecto “Educação Tecnológica Precoce”1 (ETP) c) o gosto pela ciência e tecnologia e o processo
inscreveu-se na medida Sócrates-Comenius 2, que de construção de um pensamento científico inicia-
resultou de uma candidatura formulada por seis se nos primeiros anos de vida da criança.
instituições de diferente natureza de quatro países Cumulativamente, o projecto fundou-se ainda
da União Europeia2, permitindo colocar ao serviço na alegada diferente apetência da criança pelas ac-
da investigação entidades produtoras de conheci- tividades científicas e tecnológicas, em função do
mento e entidades produtoras de material pedagó- género. De facto, é usual atribuir-se aos jovens do
gico, na linha da “inovação/produção de materiais género masculino maior sensibilidade e capacida-
pedagógicos”. de de intervenção nestes domínios do que aos jo-
Deste modo, o projecto ETP (Ver Veiga Simão; vens do género feminino. Sendo uma questão algo
Cabrito & Rodrigues, 2003a) permitiu a partilha marginal no caso português (bem como no caso
de conhecimentos e experiências de instituições espanhol), face ao processo crescente de femini-
com vocações diversas, desde a formação de Edu- zação do ensino em todas as áreas científicas, ela
cadores de Infância e de Professores do 1º Ciclo continua, no entanto, a constituir uma preocupa-
ao desenvolvimento de tecnologias educativas, ção em alguns países europeus, nomeadamente da
passando pelo desenvolvimento curricular, a ava- Europa Central, onde ainda é baixa a participação
liação em educação e a produção de produtos e de das raparigas nas áreas científica, técnica e tecno-
artefactos destinados à utilização na prática peda- lógica.
gógica. Deste modo, o desenvolvimento do projecto,
Esta candidatura teve por justificação a neces- não discriminando qualquer dos géneros em bene-
sidade por muitos sentida de contribuir para o fício do outro, desenrolou-se, todavia, com a pre-
desenvolvimento de um pensamento científico e ocupação de desenvolver experiências, actividades
tecnológico junto dos jovens, assentando em três e materiais pedagógicos do domínio científico-tec-
pressupostos fundamentais: nológico apreciados por todas as crianças, de forma
a) sem depreciar as restantes áreas do saber, as a promover nelas, desde muito cedo, o gosto pela
ciências experimentais e tecnológicas constituem- ciência e pela tecnologia e a tomada de consciência
se em domínios indispensáveis ao desenvolvimento da necessidade de assumir uma postura rigorosa e
da sociedade do conhecimento; crítica face aos diferentes fenómenos.
b) na Europa comunitária, assiste-se a uma pro- No quadro dos pressupostos e finalidades já
cura cada vez maior de estudos nas áreas das ciên- evocados, o público privilegiado foi o conjunto

66 sísifo 3 | a.m. veiga simão/e. rodrigues/b. cabrito | o projecto “educação tecnológica precoce”
de crianças de ambos os géneros com idades com- Pressupostos teóricos do Projecto
preendidas entre os 3 e os 10 anos, bem como os “Educação Tecnológica Precoce”3
profissionais que trabalham com elas (Educadores
de Infância e Professores do 1º Ciclo), no sentido Para satisfazer as condições de uma Educação orien-
de lhes oferecer sugestões de trabalho e de reflexão tada para o desenvolvimento, a educação tecnoló-
que concorram para o desenvolvimento da Educa- gica deve promover nas crianças: a autoconfiança,
ção Tecnológica Precoce. levando-as a sentir que dominam a técnica, onde a
Após a decisão conjunta das premissas do de- condução das actividades respeita o seu ritmo e o
senvolvimento do projecto, nomeadamente dos seu nível etário e onde o trabalho com a técnica con-
conceitos pedagógicos, didácticos e psicológicos duz a experiências de sucesso; o autodomínio, per-
que iriam suportar a investigação, procedeu-se à mitindo actividades diversificadas, executadas com
“divisão” de tarefas e de responsabilidades, à pla- prazer e segurança, dirigidas a diferentes estilos
nificação e concepção didáctica e pedagógica das de aprendizagem e a diferentes interesses; a curio-
actividades a realizar e dos artefactos a construir e sidade, propondo tarefas próximas da experiência
à discussão dos resultados. A criação de uma plata- infantil, estimulantes, excitantes e provocatórias.
forma de ambiente colaborativo onde os produtos O projecto ETP assume que a Educação deve
parcelares iam sendo colocados, bem como as aná- ser orientada para o desenvolvimento e começar
lises/críticas e sugestões de cada parceiro, permitiu com actividades lúdicas, as quais subtilmente se
uma pilotagem do projecto assente na cooperação transformam em actividades (significativas) de
diária e na preparação das sessões de trabalho das aprendizagem. Esta educação comporta três ní-
várias equipas. veis: características básicas (liberdade emocional,
De acordo com o quadro teórico de referência, curiosidade, autoconfiança etc.); desenvolvimento
a Educação Tecnológica Precoce (ETP) foi caracte- global (ser activo, tomada de iniciativa, comuni-
rizada consensualmente do seguinte modo: “ (…) cação e linguagem, auto-expressão, compreensão
sensibiliza as crianças para os fenómenos científicos de símbolos, etc.), competências e conhecimentos
e técnicos. Cria oportunidades para desenvolver e específicos (competências motoras, conceptualiza-
apoiar o interesse das crianças e a sua compreensão ção, uso de instrumentos e técnicas, etc.).
de princípios básicos de ciência e tecnologia, pro- O desafio da ETP é o de olhar criativamente para
movendo experiências e desenvolvendo capacida- a tecnologia e para a educação científica e técnica, a
des. Está concebida para o grupo etário dos 3 aos 10 fim de as adaptar a um conceito global de objectivos
anos, para ambos os sexos, e ocorre no contexto do gerais para o desenvolvimento da criança. O ponto
mundo emocional, cultural e social das crianças. de partida é o da curiosidade natural desta acerca
Tem em conta uma variedade de conceitos de en- do mundo, tornando-se imprescindível tomar a sé-
sino, processos, materiais e métodos” (http://www. rio as perguntas (como? porquê? o quê? quem?),
earlytechnicaleducation.org). as quais devem constituir a base de aprendizagem,
No âmbito deste esforço de cooperação, o pro- aproveitando a criatividade própria deste nível etá-
duto final consistiu num manual on-line para/sobre rio sobre fenómenos científicos ou técnicos, de acor-
o ensino da ciência e da tecnologia a crianças entre do com o princípio básico de “aprender fazendo”.
as idades já mencionadas, que pode ser utilizado Com efeito, como lembram Pucket e Black
por qualquer educador e que pode servir como ins- (2000), as crianças mais novas têm uma necessidade
trumento para a formação dos educadores/profes- inata de saber e são, por isso, aprendentes fidedig-
sores neste domínio científico. nos. Ávidos de conhecimento, conseguem iniciar e
Seguidamente, apresentamos os pressupostos desenvolver os seus próprios processos de apren-
teóricos do Projecto, o manual construído e descre- dizagem, num ambiente securizante e estimulante,
vemos os estudos de caso realizados em Portugal constroem o saber em interacção com adultos, com
com a finalidade de valorar algumas das activida- os pares e com situações e materiais significativos,
des didácticas propostas. desenvolvendo-se física, emocional, social e inte-
lectualmente, em diferentes momentos.

sísifo 3 | a.m. veiga simão/e. rodrigues/b. cabrito | o projecto “educação tecnológica precoce” 67
Atendendo a estes pressupostos, as experiências adaptados a cada criança e às diferenças entre elas;
tecnológicas e científicas do projecto foram cons- compreender o essencial da disciplina e relacioná-
truídas para satisfazer a curiosidade da criança, lo com o mundo emocional e experiencial da crian-
para apoiar a sua tentativa de dar sentido ao mun- ça e completar e adaptar os recursos educativos às
do, para desenvolver a sua competência de planear suas necessidades e estilos de aprendizagem, em
e agir autonomamente e para a levar a responsabili- concordância com os objectivos do ensino.
zar-se pelo seu próprio processo de aprendizagem. Face a este leque tão diversificado de tarefas, pa-
No que respeita ao contexto, considerou-se que rece-nos natural que surjam obstáculos ao desen-
este tem de proporcionar espaço e oportunidades à volvimento de uma atitude adequada à implemen-
criança, apostando na experimentação e encorajan- tação da ETP, como os que identificámos ao longo
do-a a encontrar resposta para as suas perguntas, do projecto e que enumeramos a seguir.
desafiando-a. a) barreira cultural: modos de ensinar com ra-
Mas, para responder ao desafio de integrar a ízes na cultura nacional que são muito difíceis de
Educação Tecnológica no currículo escolar, é im- mudar. É preciso, por vezes, esperar pela melhor
portante que um Educador de Infância ou um Pro- oportunidade. Acreditamos que com este projecto
fessor do 1º Ciclo assumam como pressupostos que: estamos perante essa oportunidade e que o envol-
a) o ensino é centrado na aprendizagem da criança vimento dos professores (devidamente apoiados),
e não no currículo ou nas competências; b) o en- neste e noutros projectos, onde possam experimen-
sino reconhece e reage ao conhecimento, que cada tar inovações, pode conduzir à mudança;
vez mais se produz nas diversas áreas do currículo; b) atitude geral das pessoas: uma atitude cultu-
c) o ensino ocorre em situações individualizadas ralmente determinada, quanto ao que é próprio de
(aprendizagem) e de pequeno grupo; d) o ensino rapazes e próprio de raparigas e quanto ao que eles
admite culturas diferentes e estilos de aprendiza- e elas pensam sobre isso;
gem singulares; e) é preciso prestar atenção ao gé- c) teorias pedagógicas subjacentes: sobre o
nero no processo de aprendizagem. modo como as crianças se desenvolvem e em que
Nesta óptica, os educadores têm de desenvol- idade se pode começar a estimular novos desenvol-
ver competências em sete domínios (Vreugdenhil, vimentos. A este propósito, é importante ter conhe-
2003): pedagógico; científico na(s) disciplina(s); cimento sobre a “zona potencial de desenvolvimen-
relações interpessoais; organizacional; cooperação to” (Vygotsky, 1991);
com os colegas e cooperação com o meio e, por fim, d) o conhecimento (ou a falta dele): além do co-
reflexão sobre o desenvolvimento profissional. Es- nhecimento, os professores também sentem a falta
tas competências, em conjunto com os novos de- da experiência. Como os professores são pessoas
senvolvimentos da psicologia da aprendizagem, são activas, aprendem experimentando ou observando
indiscutivelmente relevantes para o campo da ETP. os colegas a trabalhar com as crianças. Esta estra-
Para tal, os professores devem ter: autodomínio, tégia é motivadora e pode ser um processo de for-
autonomia, curiosidade, uma atitude positiva face mação profissional muito eficaz. No entanto, nunca
a novos desenvolvimentos, autoconfiança, com- será demais referir a indispensabilidade da aquisi-
petência científica e técnica no domínio da ETP e ção do conhecimento teórico;
abertura a perguntas e necessidades de crianças e e) falta de novo input: cremos que, depois de ini-
colegas (nacionais e internacionais). ciarem um projecto no âmbito das tecnologias, os
Vreugdenhil (idem), ao descrever as tarefas do professores necessitam de apoio e de novas ideias e,
professor, defende que este deve: despertar e de- certamente, também de intercâmbio de experiên-
senvolver a motivação e o empenhamento na apren- cias. Esta partilha de ideias é muito importante e é
dizagem da criança; incentivar o aluno a progredir essencial contactar com boas práticas;
no seu desenvolvimento; planear o ensino por ob- f) inexistência de um tempo dedicado à ETP
jectivos externamente definidos, orientado para o no currículo: pensamos que a ETP pode e deve ser
desenvolvimento, através do jogo, e orientado para incluída noutras actividades/disciplinas/projectos
a tarefa, através da aprendizagem; projectar meios de forma a não se perder a visão globalizadora ca-

68 sísifo 3 | a.m. veiga simão/e. rodrigues/b. cabrito | o projecto “educação tecnológica precoce”
racterística da Educação de Infância e do 1º Ciclo no sentido de facilitar e diversificar o seu acesso a
do Ensino Básico. É essencial gerir o currículo de todos os intervenientes no processo educativo.
modo global e integrado não caindo numa lógica O manual cumpre diversas funções, nomeada-
disciplinar. mente:
Para remover estes obstáculos, é necessário que a) a de constituir um instrumento de/para for-
se possa introduzir a ETP, quer no currículo da mação de Professores e Educadores em domínios
formação dos profissionais, quer nas suas práticas tão diversos como o processo de aprendizagem da
quotidianas. Nesse sentido, sumariamos algumas criança, o planeamento e preparação das práticas
orientações numa visão prospectiva do projecto: a) educativas ou a selecção de metodologias didácti-
a autoconfiança e o à-vontade de um professor em cas e de desenvolvimento curricular;
relação à tecnologia aumentam as possibilidades de b) a de constituir um instrumento apetecível
experiência prática; b) é fundamental estimular o para os Professores e Educadores, em virtude de
desenvolvimento das crianças; c) temos de encon- um design que facilita a sua utilização;
trar as condições básicas para promover a curiosi- c) a de poder ser utilizado em qualquer local
dade, a autoconfiança e o autodomínio; d) temos (sala de aula, jardim, etc.);
de promover a flexibilidade, isto é, ter em conta a d) a de concorrer para a prática da educação tec-
singularidade de cada criança; e) a educação tecno- nológica, apresentando uma grande variedade de
lógica pode ser mais bem executada, se estiver rela- propostas de actividades experimentais que podem
cionada com outras disciplinas de forma a torná-la ser realizadas com diferentes graus de dificuldade e
significativa para as crianças; f) a educação tecno- com crianças de diferentes idades;
lógica tem de ter um lugar claro numa sequência de e) a de promover uma educação para a cidada-
aprendizagem, tem de ser renovadora e de dar espa- nia, nomeadamente pelas estratégias propostas e
ço à criatividade de alunos e professores. pela natureza dos recursos que se podem utilizar
Por isto, consideramos que o envolvimento em para a realização das diversas experiências.
projectos de curto prazo não é suficiente para tor- Para além da descrição das actividades, o ma-
nar a atitude mais positiva de educadores e crianças nual refere ainda os recursos disponíveis, as estra-
face à tecnologia, assim como não permite a conso- tégias pedagógicas possíveis e os resultados espe-
lidação das competências. Por essa razão, os pro- rados. As actividades já foram testadas com dife-
dutos do projecto ETP foram concebidos para um rentes grupos de crianças nos países participantes
uso prolongado. e um dos capítulos dá conta, exactamente, da forma
como essas actividades foram realizadas e dos re-
sultados obtidos.
Apresentação É de ressalvar que as metodologias de trabalho
do Manual Electrónico propostas não são exclusivas, bem como os mate-
riais utilizados, constituindo-se em meros exem-
No cumprimento da finalidade central do Projecto plos, para que cada educador adapte a experiência
– promover a educação tecnológica precoce – es- proposta ao seu contexto.
tabeleceu-se como um dos objectivos principais o Analisados os currículos nacionais de ensino
desenvolvimento de materiais didácticos passíveis dos diferentes países participantes, e constatada al-
de serem utilizados com crianças (dos 3 aos 10 anos) guma diversidade não só quanto ao conteúdo mas
e aplicáveis à formação de Educadores e de Pro- também quanto às opções metodológicas e de con-
fessores do 1º Ciclo do Ensino Básico. Como for- textualização pedagógica, optou-se pela estrutura-
ma de consubstanciar esta missão, acordou-se na ção dos projectos em função de tópicos (III Capítu-
construção de um manual electrónico que também lo). O Projecto está disponível no site: http://www.
integrasse os projectos ou actividades concretas a earlytechnicaleducation.org.
desenvolver. Considerando a preocupação, já refe-
rida, da necessidade do uso prolongado dos mate-
riais produzidos, privilegiou-se o suporte on-line,

sísifo 3 | a.m. veiga simão/e. rodrigues/b. cabrito | o projecto “educação tecnológica precoce” 69
seguintes categorias: Máquina fotográfica, Grava-
dor de cassetes, Computadores, Construção/Mecâ-
nica, Electricidade, Óptica/Luz, Magnetismo, Som,
Água, Química, TV. Algumas destas categorias
correspondem à apresentação de um projecto, cons-
tituído por um conjunto de actividades e subordina-
do a um tema. No entanto, outras dessas categorias
integram mais do que um projecto. Estão no primei-
ro caso as categorias: Gravador de cassetes, Com-
putadores (crianças e computadores), Electricidade
(electricidade, electromagnetismo), Magnetismo,
18
Água, Química (na pista do criminoso), TV. As res-
Figura 1 – Projecto Europeu tantes categorias subdividem-se da seguinte forma:
(http://www.earlytechnicaleducation.org). • Máquina fotográfica: máquina fotográfica; a
árvore do nosso Jardim de infância;
Assim, educadores e professores terão oportuni- • Construção/Mecânica: aldeia de cartão; cons-
dade de contactar com sugestões didácticas e de ex- trução de um barco; como se faz uma torre de ber-
perimentar materiais novos. Por outro lado, com a in- lindes; caixa de areia; “storyline (abordagem temá-
serção de um Fórum no site, pretendeu-se incentivar a tica)”; “teddymobil”; “Harry Potter”; Pianola (som,
discussão sobre a aplicação dos materiais propostos, música e mecânica);
com o consequente prolongamento da ETP e o aper- • Óptica/Luz: milagre de luz e cores; luz; luz,
feiçoamento e adaptação desses materiais, conside- espelhos e imagens;
rando diferentes contextos e situações pedagógicas. • Som: (o que é o som?), relacionando a audição
Tirando partido das potencialidades do formato e a vibração;
hipermédia, o utilizador é convidado a escolher os De uma forma geral, para além das considerações
projectos pretendidos, segundo um dos critérios: a metodológicas e de fundamentação pedagógica e cien-
idade das crianças ou o assunto. tífica, e de contextualização, a apresentação de cada um
dos projectos consiste essencialmente na descrição por-
menorizada de uma sequência de actividades. Já quan-
to a estas, o formato escolhido foi o de uma grelha cons-
truída com a preocupação de responder às questões:
O quê? Porquê? Onde? Quando? Para quem? Como?
Assim, para cada uma, é apresentada essa grelha,
com a resposta aos itens que a seguir transcrevermos:
Nome da actividade (assunto); Categoria (tópico
científico); Onde (contexto físico); Tempo (dura-
ção); O quê? (objectivos); Para quem (grupo etário e
número de alunos); Preparação (material, …); Pas-
sos (descrição pormenorizada do desenvolvimento
20
da actividade); Informação de apoio (explicação
Figura 2. Projecto ETP/III Capítulo científica, alguma bibliografia); Notas (chamadas
– Actividades e materiais. de atenção, cuidados a ter na realização das experi-
ências ou relativas à adaptação ao contexto).
No primeiro critério, consideram-se duas cate- Como exemplo, refira-se o projecto “Crianças e
gorias: idade dos 3 aos 5/6 anos ou idade dos 5/6 aos computadores” que consta dos seguintes itens:
10 anos, incluindo-se, em cada uma, propostas para • Reflexões preliminares relativas à utilização
cada um dos escalões etários considerados. Quanto dos computadores no Jardim Infantil;
ao assunto, os tópicos apresentam-se organizados nas • Duração;

70 sísifo 3 | a.m. veiga simão/e. rodrigues/b. cabrito | o projecto “educação tecnológica precoce”
• Objectivos do Projecto; 6. Utilização de CD-Rom.
• Grupo Alvo; 7. Utilização dos computadores para transferir
• Planificação Geral das actividades: conhecimento.
1. Como é que um computador trabalha? 8. Inserção de imagens com o Clip Art.
2. Como trabalha a impressora? 9. Inserção de fotografias digitais.
3. O que está dentro da caixa? 10. Elaboração de um manual de computador
4. Manuseamento do computador (processa- (actividade transversal)
mento de texto WORD).
5. Utilização de um programa de desenho e de E ainda como exemplificação, segue-se a descri-
gravação dos dados. ção de uma destas actividades:

Quadro 1 – Actividade: Como funciona um computador


Actividade: Como é que um computador Categoria: AV-Media, Computadores
trabalha?
Onde: numa sala à Tempo: aproximado O Quê? “Role play”: Como funciona um computador
parte, no hall. (1 Hora)
Preparação Passos
Material As componentes do computador estão no meio da sala. As crianças descrevem
Um computador (UCP, monitor, teclado, essas componentes e percebem que um computador só pode funcionar se
cabos), um computador grande de cartão. existirem cabos para conectar as partes individuais. Ligam todas as partes e a
Folhas de papel (pequenas e grandes) professora ajuda, se necessário, descrevem a ordem de transporte de dados (com
com letras (em cores diferentes, idênticas ajuda da professora, se necessário). As crianças transformam-se elas próprias
com cores idênticas), poster mostrando as num computador por um feitiço e vão com a professora para junto do grande
componentes de um computador, papel e computador de cartão. Verificam se todas as partes e ligações estão lá, imitam o
canetas. transporte de dados utilizando diferentes estádios – “input” das letras através do
teclado de cartão (letras de diferentes cores) – transferindo as letras para a UCP
e desta para o monitor. Cada criança introduz o seu nome e transporta as letras
impressas até que ele apareça no ecrã de cartão. A professora mostra um poster
com as componentes do computador e uma criança adiciona os cabos de conexão
desenhando-os e explicando o caminho que os dados percorrem.
A professora explica que vão construir um manual de computador, para que as
crianças do Jardim Infantil também possam aprender como é que os computadores
trabalham. As crianças projectam e desenham a primeira página que mostra as
componentes de um computador e o caminho que a informação percorre.
Informação de Apoio:
Um computador é composto por um teclado, uma UCP (Unidade Central de Processamento), um Monitor e cabos de ligação.
Os dados começam por ser inseridos com a ajuda do teclado, um cabo transporta-os para a UCP – onde são processados – e
passam depois através do cabo para o Monitor que mostra a informação.
A UCP e o Monitor ligam-se, pressionando o botão para iniciar.

Através do site referido anteriormente, no III de cartão”, “como se faz uma torre de berlindes”,
Capítulo do manual, também é possível aceder a “storyline” e “teddymobil”.
relatos ilustrados (com imagens e filmes) da apli-
cação de actividades com crianças, realizada por
participantes no Projecto. Inserem-se nesta área A experiência: os casos
as secções denominadas “Impressions” e integra-
das nos projectos: aldeia de cartão, caixa de areia, No decorrer do ano lectivo de 2005/2006, foram
“storyline”, “teddymobil” e “Harry Potter”. realizados doze estudosd de caso em contextos au-
Alguns relatórios das experiências efectuadas, tênticos (contextos diversificados escolares formais
incluindo algumas conclusões, sugestões e refle- e não formais), sustentados por dispositivos de en-
xões quanto a futuros desenvolvimentos e quanto sino/aprendizagem diversificados, integrados nos
à prossecução de objectivos, podem ser consulta- respectivos projectos curriculares dos contextos.
das nas rubricas “Test” em assuntos como “aldeia

sísifo 3 | a.m. veiga simão/e. rodrigues/b. cabrito | o projecto “educação tecnológica precoce” 71
Os contextos

Quadro 2a – Cinco Escolas do 1º ciclo do Ensino Básico


Crianças
Projectos/Temas Tópicos Tecnológicos (ETP)
Número/Idade
“A Óptica e a Luz” Construir um periscópio; construir um caleidoscópio; fazer da água
26 10 a 12
Óptica /Luz uma lupa e conhecer como funciona um filme.
Tirar e fazer fotografias; saber como funciona uma máquina
“Pequenos Grandes Artistas”
20 8 a 11 fotográfica; construir uma máquina “pinhole”e uma máquina de
Máquina Fotográfica
verdade.
Investigar: tecnologia em edifícios e veículos; electricidade
elementar.
“Lisboa Iluminada”
Desenhar e construir edifícios e veículos; aplicar circuitos eléctricos;
21 9 a 11 Construção; Mecânica;
aplicar aprendizagens em Matemática.
Electricidade
Utilizar conhecimentos da língua; construir um dicionário técnico
ilustrado sobre construção.
Ouvir, fazer e sentir sons/ruídos.
“Os Amiguinhos do Mestre André
20 9 a 11 Fazer telefones com copos de plástico; fazer música com copos com
Som
água, com uma caixa de madeira, com os estranhos sons da selva.
“Aprender a Ouvir” Fazer telefones com copos de plástico; fazer música com copos com
27 6a7
Som água e construir uma caixa de música.

Quadro 2b – Três Jardins de Infância


Crianças
Projectos/Temas Tópicos Tecnológicos (ETP)
Número/Idade
Som: ouvir, fazer e sentir sons/ruídos; o som pode ser canalizado; o
“Som Água e Cores” som é uma onda.
24 3a6
Som; Água; Luz Água: a arte da evaporação.
Milagre de cores: separar as cores.
“Uma casinha de madeira e uma
Projecto e desenho de edifícios e veículos.
Maqueta do Bairro ideal”
22 3a6 Construção de uma casa de madeira; construção dos acabamentos
Construção; Mecânica;
interiores; electrificação da casa.
Electricidade
“As minhas primeiras Água: copos agitados – flutuar e afundar;
experiências” Açúcar e tinta – o que se dissolve primeiro?
15 3a6
Água; Electricidade e Electricidade: manequins eléctricos saltitantes; construção de um
Electromagnetismo. electroíman.

Quadro 2c – Quatro “A.T.L.” Centros de Actividades de Tempos Livres


Crianças
Projectos/Temas Tópicos Tecnológicos (ETP)
Número/Idade
Ouvir o som das árvores: som ou ruídos? Acústica; som; resistência
“Da Audição à Vibração” do ar.
6 3a5
Som Fazer telefones com copos de plástico; fazer música com copos com
água, com os estranhos sons da selva.
O que é o som?: ouvir, fazer e sentir sons/ruídos.
“A aventura do Som”
10 6a7 Fazer telefones com copos de plástico; fazer música com copos com
Som
água, construir uma caixa de música.
Água: copos agitados, flutuar e afundar.
“Aprender a Pensar” Mistura de água; o sabor da água; a água é dura? A água é um
10 5a6
Água solvente.
Açúcar e tinta: o que se dissolve primeiro?
Água: copos agitados, flutuar e afundar; a água é dura?
“Cientistas de Palmo e Meio
Electricidade: manequins eléctricos saltitantes.
12 6 a 10 Água; Som; Electricidade e
Som: fazer telefones com copos de plástico, ouvir os estranhos sons
Electromagnetismo.
da selva.

72 sísifo 3 | a.m. veiga simão/e. rodrigues/b. cabrito | o projecto “educação tecnológica precoce”
Os procedimentos profissionais com a introdução da tecnologia/ téc-
Nas diversas experiências, a aprendizagem activa e nica no quotidiano das suas práticas?
auto-regulada, desenvolvimento de competências 3 - De que forma os dispositivos de ensino/
disciplinares e transversais, opção por tutoria, tra- aprendizagem implementados (tutoria, trabalho
balho colaborativo, resolução de problemas, traba- colaborativo, resolução de problemas e trabalho de
lho de projecto e articulação universidade/contexto projecto) contribuem para o desenvolvimento de
constituíram os eixos norteadores dos referidos competências na área da Educação Tecnológica/
projectos. técnica e promovem a sua articulação com o desen-
Nestes doze estudos de caso, incidimos essen- volvimento de outras competências (leitura, escri-
cialmente no modo como os profissionais inter- ta, e aspectos sociais)?
pretaram a forma como foram concretizadas as 4 - Quais as possibilidades de transferência das
intervenções, enquadrando-a no paradigma in- aprendizagens identificadas pelos profissionais para
terpretativo pois “os acontecimentos só se podem os seus educandos, para si e para os estudantes uni-
compreender se compreendermos a percepção e versitários que participaram nas intervenções?
interpretação feitas pelas pessoas que neles partici-
pam” (Tuckman, 2002, p. 508). As potencialidades
Os dados foram recolhidos através de entrevistas Todos os profissionais que participaram nos doze
semi-directivas aos profissionais implicados (três estudos de caso apontaram potencialidades nas
educadores, cinco professores do ensino básico, intervenções realizadas no âmbito da tecnologia/
dois directores e dois monitores), e analisados re- técnica associadas essencialmente às razões se-
correndo à técnica da análise de conteúdo (Bardin, guintes:
1997). Salientamos que, para além destas entrevis- 1. integração nos projectos curriculares dos con-
tas, utilizámos, em todos os doze estudos de caso, textos, o que foi considerado “bastante oportuno,
um amplo conjunto de instrumentos de recolha de pois inseria-se no Projecto Educativo de Turma e
dados nomeadamente questionários de diagnóstico de Escola, e muitos dos assuntos abordados eram
e de conhecimentos às crianças, observação parti- enfatizados em outras aulas/sessões, por outras ex-
cipante no decorrer das actividades, e reflexões dos periências semelhantes”;
estudantes universitários. 2. bom suporte científico, dando reforço à per-
O interesse em realizar estes estudos de caso tinência de projectos como a ETP, atendendo às
emergiu do contacto directo com os profissionais dificuldades que surgem neste âmbito e que dizem
(Educadores de Infância, Professores do Ensino respeito à complexidade dos conceitos abordados
Básico, Directores de Instituições, Monitores de e à necessidade da sua adequação a crianças dos 3
Tempos Livres) envolvidos na concretização das aos 10 anos, porque o “objectivo destes projectos
doze intervenções em contexto educativo (contex- na área da técnica/tecnológica é fazer um primeiro
tos diversificados escolares formais e não formais) contacto com métodos científicos possíveis e moti-
com crianças dos 3 aos 10 anos tendo como suporte var as crianças para fenómenos técnico-experimen-
o projecto internacional ETP (Educação Tecnoló- tais” e porque, “para além disto, existe a necessida-
gica Precoce). de de se realizarem actividades relacionadas com as
Com base na constatação de posturas diferen- Ciências para promover uma atitude investigativa
ciadas em relação à área da tecnologia/técnica pe- nas crianças” (…) “contribuindo para a utilização
los profissionais, foram definidas quatro questões de vocabulário científico”;
gerais que constituíram o ponto de partida para a 3. estímulo à participação activa dos alunos, que
realização deste recorte do estudo: “se envolveram bastante, existindo uma interacção
1 - Quais as opiniões dos profissionais face às positiva, quer entre eles, quer com as orientadoras
intervenções realizadas no âmbito da tecnologia/ e porque “era notória a motivação mostrada nas ac-
técnica? Quais as oportunidades propiciadas por ções dos alunos”, revelando “o como é bom serem as
essas intervenções? crianças a construírem pelas próprias mãos, sabe-
2 - Que questões éticas se põem à reflexão dos rem de onde é que as coisas vêm, como é que se che-

sísifo 3 | a.m. veiga simão/e. rodrigues/b. cabrito | o projecto “educação tecnológica precoce” 73
gou a determinado resultado, terem que pesquisar e um conteúdo e também como uma ferramenta para
reorganizar a informação e trabalharem em grupo”; aprender” que pode “promover o respeito mútuo, a
4. contribuição para aprendizagens e para desen- responsabilidade tendo em conta o desenvolvimento
volvimento de competências em várias áreas, que se das crianças”. Por outro lado, o projecto foi ainda
“verifica no geral nas aprendizagens efectuadas pe- valorizado por permitir que os alunos compreendam
los alunos, no aumento das competências técnicas, o vasto campo das tecnologias, fazendo-os perceber
(…) no ganho de conhecimentos científicos rela- que “tecnologia não é só computador (…) mas que
cionados com as actividades realizadas (passando tem a ver com domínios técnicos nas várias áreas”.
também pela aquisição de vocabulário), no aumen- A necessidade sentida pelos profissionais de ino-
to de competências de reflexão (na medida em que var ao nível dos métodos de ensino levou-os igual-
os alunos foram induzidos à reflexão) e no aumento mente a valorizar a introdução dos dispositivos de
da valorização intra-pessoal (através da potenciação ensino/ aprendizagem (tutoria, trabalho colaborati-
da autonomia dos alunos e a da sua auto-estima”; vo, resolução de problemas e trabalho de projecto),
5. aposta em dispositivos de ensino/aprendiza- dando ênfase os seus contributos para o desenvol-
gem (tutoria, trabalho colaborativo, resolução de vimento de competências na área da Educação Tec-
problemas e trabalho de projecto) que contribuem nológica/Técnica, face à sua possibilidade de arti-
para promover a autonomia do aprendente, a en- culação com o desenvolvimento de outras compe-
treajuda e uma atitude científica “permitindo que tências (leitura, escrita e aspectos sociais). Um deles
as crianças explorem o ambiente que as rodeia, sa- afirma que o projecto “desenvolveu as capacidades
ciando a sua curiosidade, evitando constrangê-las, que o método científico exige, a capacidade de ob-
como tantas vezes acontece, e impedindo-as de se- servação, de atenção, de concentração, de questio-
rem espontâneas na procura de respostas para as namento, de reflectir sobre o que viram, de diálogo
suas questões”. entre eles, de pesquisa, de domínio da Língua Por-
Foi amplamente referida a necessidade de reflec- tuguesa e ainda de outras áreas que são importan-
tir sobre o impacto da utilização das tecnologias no tes trabalhar” e um outro revela satisfação por “as
desenvolvimento das crianças tendo surgido ques- crianças conseguirem explicar alguns fenómenos e
tões de natureza ética. Por exemplo, um dos aspectos conceitos, terem capacidade de questionar, de ob-
que foram salientados prende-se com o acesso des- servar e de reflectir”, por ser uma “estimulação para
regulado à Internet que pode “transformar as nos- elas irem mais além e também o elas não tomarem
sas crianças em pessoas que pensam que o acesso a realidade como um facto adquirido”, bem como o
à informação faz delas, automaticamente, conhe- facto de se ter feito “a ponte entre as experiências e
cedoras da realidade”, bem como dos perigos que a escrita, os relatórios escritos em grupo ou indivi-
ela comporta o que leva à necessidade de “acompa- duais e o facto de as crianças estarem a ler, escrever
nhar as crianças na sua incursão (…)”. Uma preocu- e desenhar”. A ênfase na dimensão do registo teve
pação que atravessa as afirmações dos profissionais em alguns dos projectos um papel determinante
prende-se com a reflexão sobre o papel das tecno- pois, como afirma um professor, “faz com que as
logias no questionamento de valores, como defende crianças tenham possibilidade de reflectir sobre o
uma das educadoras, colocando a tónica na cons- que fizeram, sobre o processo (…)”.
ciencialização e na reflexão, ao salientar a “grande No que diz respeito à transferência das apren-
urgência de as crianças se consciencializarem da dizagens proporcionadas pelas intervenções e à
necessidade de respeitar o ambiente, para a sua pró- continuação deste trabalho, podemos considerar
pria sobrevivência e para o bem comum. Através da existir concordância entre os profissionais, ao nível
experimentação e das construções técnicas, estas dos princípios, da necessidade e mesmo da sua im-
poderão tomar conhecimento das vantagens e das prescindibilidade, mas constatamos que, para uma
consequências potenciais ou efectivas de um mundo maioria, “a aplicação de projectos como estes, im-
tecnológico, de curto ou longo prazo”. plica que o professor esteja disposto e seja capaz de
A adesão dos profissionais ao projecto prende-se modificar as suas rotinas e hábitos de ensino”, o que
também com o facto de se “encarar a tecnologia como nem sempre acontece devido a uma multiplicidade

74 sísifo 3 | a.m. veiga simão/e. rodrigues/b. cabrito | o projecto “educação tecnológica precoce”
de factores (rotinas, falta de formação científica e pe- Conclusão
dagógica, ausência de recursos, espaços inadequa-
dos …). Um dos directores “lamenta que os profes- Face ao exposto, podemos afirmar que o projecto
sores não apliquem mais este tipo de actividades nas ETP cumpriu os seus objectivos. De facto, partin-
suas disciplinas, na medida em que isso poderia ser do de uma caracterização consensual de ETP, foi
extremamente proveitoso para os alunos, pois o ní- possível a edição on-line de um manual que pode
vel de motivação (…) aumenta quando as realizam” ser facilmente utilizado por qualquer educador no
(…) e “mostra como é possível trabalhar um concei- seu quotidiano. E este é, quanto a nós, certamente
to de uma forma palpável”, salientando que, por ve- um dos contributos mais valiosos: um manual de
zes, “a cultura de escola não é suficientemente per- fácil utilização que faz o inventário de problemas
meável para deixar entrar este tipo de actividades”. que se colocam aos educadores e professores na sua
Em síntese, a utilidade e flexibilidade das acti- prática, ao mesmo tempo que propõe actividades
vidades seleccionadas, a sua adaptação ao grupo de de execução extremamente fácil e adaptáveis a dife-
crianças e aos projectos curriculares das institui- rentes contextos, recursos e idades das crianças.
ções, a preocupação com a criação pelas crianças O manual apresentado constitui-se, portanto,
da possibilidade de acção, articulada com o rigor como um instrumento de auto e hetero-formação,
científico, o facto de este projecto ter sido uma opor- já que pode ser utilizado, simultaneamente, quer
tunidade de os profissionais actualizarem conheci- pelo educador, que aprende a fazer e a reflectir so-
mentos científicos e metodológicos, assim como a bre o seu próprio percurso, quer pelo formador de
oportunidade de os estudantes universitários arti- educadores que nele encontra sugestões de leituras
cularem a teoria e a prática, podem ser considerados e de actividades que proporcionam e potenciam a
os principais contributos deste tipo de intervenção. sua reflexão com os formandos.
Podemos também constatar que os estudantes Considerando que constituir-se num instru-
da licenciatura em Ciências da Educação que par- mento de formação dos educadores era um dos
ticiparam nestes estudos de caso puderam consoli- objectivos subjacentes à própria ideia do projecto,
dar, aprofundar e aplicar os conhecimentos sobre apreciamos positivamente o trabalho realizado, que
pedagogia, investigação e apresentação. Adquiri- se transformou num itinerário formativo para aque-
ram conhecimentos nas áreas do desenvolvimento les que nos ajudaram a construir o manual, através
curricular, sobre o Sistema Educativo e sobre me- da experimentação de algumas das actividades
todologias de ensino baseadas na experimentação, propostas. Para além disso, o (in) sucesso dessas
ficando assim mais sensibilizados para a impor- concretizações no terreno permitiu aferir melhor
tância da educação tecnológica, para as questões o fio condutor de natureza pedagógica, didáctica e
de género e para a pertinência de uma perspectiva psicológica que norteou o desenvolvimento do pro-
construtivista do conhecimento científico a desen- jecto e um mais adequado ajustamento do proposto
volver com as crianças. à população alvo.
Quanto a estas, concluiu-se que, de uma forma No nosso caso específico dos investigadores, o
geral, todas aprenderam os conceitos pretendidos, projecto ETP contribuiu para o aprofundamento
mostrando-se curiosas, interessadas e motivadas da respectiva reflexão sobre a problemática da edu-
pelas actividades e experiências, as quais contribu- cação científica, técnica e tecnológica bem como
íram para o estímulo da sua interactividade e cria- sobre a utilização da ciência e a exigência do rigor
tividade, assim como para o desenvolvimento de na prática educativa, desde os primeiros anos de
competências técnicas de raciocínio lógico e cien- vida da criança. Foi uma reflexão que deu corpo a
tífico. Foi ainda possível observar a evolução das um conjunto de actividades e das quais se alimen-
suas primeiras intuições (concepções alternativas) tou, concretizando um processo de investigação na
para concepções mais correctas cientificamente. e para a acção.

sísifo 3 | a.m. veiga simão/e. rodrigues/b. cabrito | o projecto “educação tecnológica precoce” 75
Notas de investigação em educação. Lisboa: Fundação
Calouste Gulbenkian.
1. Prémio Europeu para a Aprendizagem ao Veiga Simão, A. M.; Cabrito, B. & Rodrigues, E.
Longo da Vida (Medalha de Bronze). (2003a). Some approaches on “early technical
2. O projecto ETP decorreu entre 2002 e 2004 education” at pre-school and primary school in
e teve por parceiros: a escola profissional Richard- Portugal. In A. Mendez-Vilas; J. A. Mesa Gon-
von-Weizsäcker-Berufskolleg de Lüdinghausen zález & J. Mesa González (orgs.), Advances in
(Alemanha, que assumiu a coordenação geral); a Technology-Based Education: Toward a Know-
escola profissional Berufsbildende Schulen IIV – ledge-Based Society, 15, III. Badajoz: Formatex,
Sozialwesen, de Braunschweig (Alemanha); a Uni- pp. 1480-1484.
versidade Técnica Haagse Hoogeschool, de The Veiga Simão, A. M.; Cabrito, B. & Rodrigues,
Hague (Holanda); o Departamento de Didáctica de E. (2003b). Towards an intervention on early
Matemática e das Ciências da Universidade de Bar- technical education. In A. Mendez-Vilas; J. A.
celona (Espanha); a Faculdade de Psicologia e de Mesa González & J. Mesa González (orgs.),
Ciências da Universidade de Lisboa (Portugal) e a Advances in Technology-Based Education: To-
empresa Volkswagen Coaching GmbH, Wolfsburg ward a Knowledge-Based Society, 15, III Badajoz:
(Alemanha). Formatex, pp. 1510-1514.
3. Ver Veiga Simão; Cabrito & Rodrigues, Veiga Simão, A. M.; Cabrito, B. & Rodrigues, E.
2003b. (2005a). Integration of Sciences and Technolo-
4. Os estudos implicaram os alunos da licencia- gy on Education: “ETP Project” way. IADAT,
tura em Ciências da Educação da FPCE-UL, que Journal of Advanced Technology on Education,
assim tiveram oportunidade de viver uma enrique- 2, 2, pp. 219-221.
cedora experiência formativa. Veiga Simão, A. M.; Cabrito, B. & Rodrigues,
E. (2005b). The Project “Early Technical Edu-
cation”: Some Contributes to the Integration
Referências bibliográficas of Sciences and Technology on Childhood
Education. Proceedings of the International
Bardin, L. (1997). Análise de Conteúdo. Lisboa: Association for the Development of Advan-
Edições 70. ces in Technology, IADAT-e2005. Internatio-
Early Technical Education. Consultado em Janeiro de nal Conference on Education Technological
2007 em http://www.earlytechnicaleducation.org Advance Applied to Theoretical and Practi-
Puckett, M. B. & Black, J. K. (2000). Authentic cal Teaching, Biarritz: IADAT, pp. 122-126.
Assessment of the Young Child. Upper Saddle Ri- Veiga Simão, A. M.; Cabrito, B. & Rodrigues, E.
ver, NJ: Prentice-Hall, Inc. (2006). How the education professionals view
Rodrigues, E.; Veiga Simão, A. M. & Cabrito, B. the manifold potential of a technological project.
(2006). The “Early Technical Education”: Pro- In A. Méndez-Vilas; J. A. Solano Martín; J.
ject as an efficient Learning Tool for University A. Mesa González & J. Mesa González (orgs.),
Education Sciences Students. Proceedings of the Current Developments in technology – Assisted
International Association for the Development of Education, 1 Sevilha: Formatex, pp. 463-467.
Advances in Technology, IADAT-e 2006. Inter- Vreugdenhil, C. (2003). Pre and basic competen-
national Conference on Education Innovation, cies for primary school teachers. Versão provisó-
Technology and Research on Education. Barce- ria da comunicação em Holandês. The Hague:
lona: IADAT, pp. 129-133. EDUCOM.
Tuckman, B. W. (2002). Manual de investigação Vygotsky, L. S.(1991). A formação social da mente.
em educação: Como conceber e realizar o processo (4ª ed.) S. Paulo: Martins Fontes Ed.

76 sísifo 3 | a.m. veiga simão/e. rodrigues/b. cabrito | o projecto “educação tecnológica precoce”
s í s i f o / r e v i s t a d e c i ê n c i a s d a e d u c a ç ã o · n .º 3 · m a i / a g o 0 7 issn 1646 ‑4990

Competência e confiança dos professores


no uso das TIC. Síntese de um estudo internacional

Helena Peralta
hperalta@fpce.ul.pt

Fernando Albuquerque Costa


f.costa@fpce.ul.pt
Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Lisboa

Resumo:
Este artigo tem como propósito apresentar um estudo de caso múltiplo, de natureza qua-
litativa, sobre a competência e a confiança dos professores do ensino básico1 no uso das
TIC nas práticas educativas. Cada caso refere-se a um dos cinco países europeus (Es-
panha, Grécia, Holanda, Itália e Portugal) envolvidos no projecto IPETCCO “Investi-
gation in Primary Education Teachers’ Confidence and COmpetence. Supporting In-
novation...”2, um projecto de investigação em parte financiado pela Comissão Europeia
(Programa Socrates/Minerva). Utilizou-se a entrevista de grupo como técnica principal
de recolha de dados. Tendo principalmente em vista a elaboração dos instrumentos de
recolha de dados da fase seguinte do estudo, emergiram da análise das entrevistas três
grupos de factores ou dimensões centrais em torno dos quais se viria a organizar um
questionário: factores individuais, factores contextuais (ao nível macro e micro) e factores
relacionados com a formação de professores (a consciência dos professores sobre a sua
prática).

Palavras­‑chave:
TIC, Inovação, Professores, Competência, Confiança.

Peralta, Helena & Costa, Fernando Albuquerque (2007). Competência e confiança dos professo-
res no uso das TIC. Síntese de um estudo internacional. Sísifo. Revista de Ciências da Educação,
03, pp. 77‑86.
Consultado em [mês, ano] em http://sisifo.fpce.ul.pt

77
Introdução ência nos modos de desenvolvimento profissional
dos professores e funcionará, por outro lado, como
Estudos recentes, realizados nomeadamente no factor motivacional para os próprios professores
âmbito de projectos europeus, sugerem que os ní- se empenharem mais claramente ou, pelo menos,
veis de resistência à introdução de inovação basea- considerarem o seu envolvimento em práticas de
da nas TIC nas escolas do ensino básico nos países inovação.
do sul da Europa são superiores aos dos países do Como base comum de fundamentação para ser-
norte (Barajas, 2002; Barajas et al., 2002; Costa et vir de enquadramento e guia ao estudo empírico,
al., 1999; Eurydice, 2001). Este facto depende de tomaram-se, como ponto de partida, algumas de-
uma variedade de factores que vai das estruturas finições dos conceitos-chave com os quais traba-
curriculares e da organização da educação à aces- lhámos, ou seja, os conceitos de competência e de
sibilidade de equipamento e da compreensão do confiança. Nessa linha, usamos aqui o conceito de
professor sobre o potencial (e/ou as limitações) das competência enfatizando a sua complexidade e a
TIC para uso pedagógico e didáctico. A investiga- sua dependência do contexto, na linha de Rychen
ção revela ainda que a competência e a confiança e Salganik (2003, p. 44) que afirmam: “Ter uma
dos professores são factores decisivos na implemen- competência significa não só possuir as componen-
tação da inovação nas práticas educativas (Becker tes que a constituem, mas também ser capaz de mo-
& Riel, 2000; Williams, 1993). O “espaço” de flexi- bilizar esses recursos adequadamente e usá-los, no
bilidade permitido no currículo em conjunto com momento adequado, numa situação complexa”, e
os níveis de confiança e de competência dos profes- do projecto DeSeCo (2006) que acentua a natureza
sores parecem, pois, definir o âmbito e a abrangên- holística da competência. Importantes são também
cia da inovação das TIC em contextos educativos os contributos de especialistas como Eraut (1994),
(Barajas et al., 2002). Le Boterf (1997, 2000) e Perrenoud (2000, 2001).
O estudo aqui apresentado investigou a questão A competência, de acordo com Eraut (1994) é um
da inovação no ensino básico precisamente dessa “conceito lato que incorpora a habilidade para
perspectiva, tentando perceber qual a relação en- transferir capacidades e conhecimentos para no-
tre as capacidades, conhecimentos e atitudes dos vas situações, no âmbito da sua área de ocupação.
professores em relação às TIC e a sua predisposi- Abrange a organização e a planificação do trabalho,
ção para utilizarem os computadores numa pers- a inovação e o envolvimento em actividades fora da
pectiva de inovação curricular. A ideia subjacente rotina habitual. Inclui aquelas qualidades de eficiên-
é que uma tal identificação facilitará, por um lado, cia pessoal que são necessárias no local de trabalho
alcançar índices mais elevados em termos de efici- para lidar com colegas, gestores e clientes” (p. 160).

78 sísifo 3 | h. per alta / f. albuquerque costa | competência e confiança dos professores no uso das tic
Para definir o conceito de confiança baseámo- Plano global de Investigação
nos no conceito de auto-eficácia de Bandura (1977,
1997). A confiança dos professores é entendida não O estudo que agora se apresenta é parte de um pla-
apenas como a percepção da probabilidade de su- no de investigação mais amplo desenvolvido no seio
cesso no uso das TIC para fins educativos, mas do Projecto IPETCCO: Investigation in Primary
ainda em que medida o professor entende esse su- Education Teachers’ Confidence and COmpetence.
cesso como dependendo do seu próprio controlo. Supporting Innovation… Reporta-se, mais concre-
Segundo Keller (1987), baseado também em Ban- tamente, à primeira fase da investigação sobre a uti-
dura, a confiança tem diferentes componentes: in- lização das TIC nas práticas de ensino e aprendiza-
teresse (preferências e atenção num determinado gem e desenvolveu-se numa perspectiva de estudo
contexto); relevância (utilidade percebida e objec- de caso. Constituindo essencialmente um estudo
tivos de uma determinada actividade); expectativas de natureza exploratória e qualitativa, foi suporta-
(perspectivas de sucesso do próprio indivíduo); e do pela realização de um conjunto de entrevistas de
resultados (valor de reforço dos resultados obtidos, grupo em cada um dos países e pela subsequente
aqui, dos ganhos alcançados com o uso das tecno- análise qualitativa dos dados recolhidos. A segun-
logias na aprendizagem). da fase da investigação é um estudo quantitativo,
Além disto, e de modo a que o nosso estudo baseado na análise estatística dos dados recolhidos
pudesse fazer sentido, quer no plano teórico, quer através da aplicação do questionário construído
do ponto de vista pragmático, optámos por um com base nos resultados do primeiro estudo, e apli-
quadro de referência provisório, de forma a que os cado a uma amostra estratificada de 150 professores
indicadores seleccionados para ancorar as ques- em cada um dos países envolvidos no projecto.
tões de investigação fossem garantia de validade
em termos conceptuais. Nessa linha, definiram- Figura 1
se, com o acordo dos parceiros dos diferentes pa- Plano global da investigação
íses, alguns princípios basilares que acabam por
constituir o enquadramento teórico em que a pri-
meira fase do estudo se situou: o construtivismo
como perspectiva de aprendizagem privilegiada,
quer do ponto de vista ideológico, quer em termos
pedagógicos; uma teoria de ensino que enfatiza
o profissionalismo e a autonomia do professor,
considerando o professor como um construtor de
currículo (uma perspectiva de currículo aberto,
com foco humanista, centrado no aluno e orienta-
do para o processo; uma perspectiva de formação O plano global de investigação, organizado em
de professores baseada na observação, na acção e três fases distintas, como se pode observar na Figu-
na reflexão, etc.); uma teoria da “inovação baseada ra 1, incluía diferentes objectivos complementares,
nas tecnologias”, que atende às características de dos quais se destacam: a) a análise das estruturas
legitimidade em função do currículo formal e do curriculares dos quatro países do sul da Europa
currículo prescrito, ao nível de confiança e poder com o propósito de identificar e caracterizar o “es-
de decisão dos professores, à competência pro- paço curricular” de inovação respectivo; b) a refle-
priamente dita no uso das TIC na prática de sala xão sobre a situação actual relativa à aplicação das
de aula, à autonomia dos alunos e dos professores, TIC na prática de ensino e aprendizagem (estudos
ao isomorfismo na formação de professores como de caso); c) a investigação sobre a competência e os
estratégia central para se aprender a trabalhar com níveis de confiança de futuros professores (estu-
as TIC em sala de aula. dantes menores de 25 anos a frequentar cursos de
formação inicial de professores) e de um grupo de
professores do ensino básico (estudo quantitativo);

sísifo 3 | h. per alta / f. albuquerque costa | competência e confiança dos professores no uso das tic 79
e, por último, d) a sistematização e disseminação que medida as diferenças verificadas na integração
dos resultados dos diferentes estudos efectuados. das TIC nas práticas pedagógicas dos professores
participantes é influenciada pela sua competência e
confiança no uso das TIC? e) Em que medida o ní-
O Estudo qualitativo vel de confiança dos professores é influenciado pelo
seu efectivo domínio das TIC, isto é, pelo seu nível
É o estudo qualitativo, correspondente à primeira de competência?
fase, que apresentamos neste artigo. E referir-nos-
emos apenas aos quatro estudos de caso relativos Objectivos do estudo
aos países do sul da Europa. Numa fase posterior Baseados nestas questões, e de modo a operacio-
seria, então, estabelecida a comparação dos resulta- nalizar a forma de lhes responder, foram definidos
dos destes estudos com os do estudo de caso relati- dois objectivos de investigação: O primeiro, pro-
vo à Holanda. ceder à análise comparativa da competência e do
Como ponto de partida demos relevo a algumas nível de confiança dos professores no uso das TIC
ideias que emergem da observação da prática, na nas suas práticas de ensino; O segundo, identificar
forma de três pressupostos: 1) Geralmente, os pro- e seleccionar os factores mais importantes a incluir
fessores não usam as TIC nas suas práticas peda- num questionário destinado a mapear as capacida-
gógicas; 2) Mesmo quando o fazem, essas práticas des, os conhecimentos e as atitudes dos professores
não são pedagogicamente muito consistentes, quer em relação à inovação baseada nas TIC.
com os princípios da aprendizagem construtivista
tal como são enunciados nos currículos da maioria Metodologia
dos países participantes, ou sugeridos pelos estu- Abordagem metodológica: De carácter explorató-
dos europeus que serviram de guia a este estudo, rio, este estudo segue uma metodologia qualitativa
quer com o estado da arte no que se refere a contex- apoiada por um conjunto de entrevistas de grupo
tos de ensino e de aprendizagem enriquecidos com como técnica de recolha de dados (Carey, 1994;
tecnologias; 3) O uso das TIC pelos professores é, Krueger, 1997; Morgan, 1997; Powney, 1987) e pela
de acordo com a literatura e os exemplos de boas subsequente análise qualitativa dos dados recolhi-
práticas, um factor estimulante para a inovação dos (Anderson, 1994; Denzin & Lincoln, 1994; Ru-
curricular. bin & Rubin, 1995). A razão para a escolha deste
suporte metodológico prende-se com a necessidade
Questões de Investigação de recolher informação de um número significativo
A análise destes pressupostos deu origem às se- de sujeitos, neste caso, professores em diferentes
guintes questões de investigação: a) Há diferenças situações e, provavelmente, com perspectivas dife-
assinaláveis entre os vários grupos de professores renciadas relativamente ao uso das TIC em contex-
no que respeita ao uso e integração das TIC nas to educativo.
suas práticas pedagógicas? b) Essas diferenças são População e amostra: Abrangendo um total de
determinadas sobretudo por factores individuais 80 professores (4x20), o estudo envolveu 20 pro-
(contexto pessoal), por factores de ordem estru- fessores em cada país, organizados em quatro gru-
tural e organizacional ao nível da escola (contexto pos de cinco professores cada (4x5): 2 grupos de 5
local), ou por factores de ordem estrutural e orga- professores do ensino básico, com experiência de
nizacional, de natureza macro, ao nível da política ensino (Grupo I e II), 1 grupo de 5 futuros profes-
educativa e da estrutura curricular de cada um dos sores (Grupo III) e 1 grupo de 5 professores em iní-
países (nível regional/nacional)? c) Em que medi- cio de carreira (Grupo IV). O grupo I é composto
da os sistemas de formação de professores (inicial por cinco professores aleatoriamente seleccionados
e contínua), em cada um dos países envolvidos no de entre os professores de uma escola considerada
estudo, influenciou a competência e o nível de con- inovadora (designados no estudo por professores
fiança dos professores no que diz respeito à integra- inovadores); o grupo II é composto por cinco pro-
ção das TIC nas suas práticas pedagógicas? d) Em fessores aleatoriamente seleccionados de entre os

80 sísifo 3 | h. per alta / f. albuquerque costa | competência e confiança dos professores no uso das tic
professores de uma escola tradicional, isto é, uma da formação na competência e no nível de confiança
escola com funcionamento dito “normal” (desig- dos professores relativamente à integração das TIC
nados aqui por professores tradicionais); o grupo nas suas práticas educativas; iv) impacto da compe-
III é composto por cinco professores em formação, tência e da confiança dos professores na integração
aleatoriamente escolhidos de entre os estudantes das TIC nas suas práticas pedagógicas; e v) depen-
do último ano do curso de formação de professores dência do nível de confiança dos professores no
(designados por futuros professores) e, finalmente, uso das TIC do domínio efectivo que têm das TIC
o grupo IV é composto por cinco professores no (competência).
seu primeiro ano de ensino (designados por profes-
sores iniciados). Devido à probabilidade mínima Diferenças e/ou semelhanças entre grupos
de encontrar professores que obedecessem a esta Concluída a análise, verificámos que há, de facto,
condição numa só escola, usaram-se critérios di- mais semelhanças do que diferenças entre os pro-
ferentes para a sua selecção, reunindo, por exem- fessores do ensino básico nos quatro países alvo do
plo, professores provenientes de diferentes escolas estudo e mesmo entre os diferentes tipos de profes-
numa mesma entrevista de grupo. sores, quando foi possível fazer a sua identificação,
Recolha e análise de dados: A entrevista de gru- quer no texto explícito (o que disseram) quer no
po foi a técnica de recolha de dados escolhida. É texto implícito (o que se pode inferir do que não foi
uma técnica na qual um entrevistador/moderador mencionado).
introduz temas ou questões de forma a suscitarem No geral, os professores dos quatro países mos-
a discussão entre os entrevistados e de modo a ob- tram uma atitude positiva para com as TIC e estão
ter-se uma cobertura ampla do tópico, no âmbito conscientes das suas potencialidades para respon-
do grupo em estudo. Para além de consumir menos der aos desafios sociais e educativos, agora e no fu-
tempo do que outras técnicas possíveis, pareceu- turo, mas, ao mesmo tempo, também das suas limi-
nos ser a melhor opção precisamente pelo facto de tações, quer no plano institucional, quer no plano
permitir captar a diversidade de perspectivas entre pessoal. Só os professores tradicionais, em Itália,
os professores envolvidos. O conteúdo das entre- parecem manifestar uma atitude negativa em rela-
vistas foi, depois, analisado tendo como base um ção às tecnologias. Outra diferença diz respeito aos
sistema de categorias e de subcategorias, parcial- futuros professores: enquanto na Itália declararam
mente identificadas a priori (sistema construído a não ter conhecimento sobre a existência das TIC
partir das questões centrais do guião de entrevista) nas escolas, em Espanha parecem bastante familia-
e parcialmente emergentes do texto produzido com rizados com elas “quanto mais jovens e inexperien-
base na transcrição das entrevistas. tes são os professores, mais parecem conscientes do
potencial das TIC para as necessidades educativas
e, em termos mais gerais, da necessidade de uma
Estudos de Caso Nacionais: individualização das actividades educativas…”,
uma síntese comparativa pode ler-se na síntese do caso espanhol.
É opinião geral que as TIC assumem um papel
Os principais tópicos para questionamento na en- secundário nas práticas dos professores, sendo
trevista foram: a) as relações dos professores com apenas usadas como complemento de outros mate-
as TIC; b) o uso das TIC na escola; c) a relação das riais. Com uma ou duas excepções (por exemplo o
TIC com o currículo; e d) a formação de professo- programas Click em Espanha), os professores dos
res para as TIC. Estes tópicos foram considerados quatro países conhecem as mesmas ferramentas e
como guias de acção, o que nos permitiu organizar os mesmos programas. Não há muitos exemplos
os resultados mais significativos em cinco catego- concretos de actividades de aprendizagem dura-
rias: i) principais diferenças e/ou semelhanças entre douras e significativas apoiadas pelas TIC, excepto
grupos; ii) fontes destas diferenças (factores de or- a referência a alguns projectos na Grécia e em Por-
dem individual, factores estruturais e organizacio- tugal. Contudo, mesmo nestes casos, não é clarifi-
nais em diferentes níveis e contextos); iii) influência cado o papel das TIC no seu desenvolvimento, nem

sísifo 3 | h. per alta / f. albuquerque costa | competência e confiança dos professores no uso das tic 81
as vantagens de usar novas tecnologias. Além disso as TIC” como uma prioridade. Os professores são,
não são identificados ganhos na aprendizagem re- eles próprios, uma das principais causas da dificul-
sultante do uso das TIC. Não são feitas referências dade em introduzir a inovação na educação. Muitos
ao valor das TIC como factor de inovação, excepto nem sequer se preocupam em saber qual a pers-
na Grécia onde “todos relacionam a inovação com pectiva de aprendizagem que fundamenta a orga-
a disponibilização e uso das TIC nas escolas”. Os nização curricular que seguem. Apesar da retórica
outros países concordam com o que é referido no oficial, explicitada em muitos textos curriculares,
relatório espanhol em que se escreve que “a palavra os professores não parecem estar conscientes de
‘inovação’ em relação com as TIC nunca foi referida uma abordagem curricular centrada no aluno, com
pelos professores”. ênfase em práticas individualizadas e diferenciado-
ras, nem parecem preocupar-se com as abordagens
Causas das Diferenças construtivistas que usam as TIC para enfatizar
Como dissemos anteriormente, as diferenças não metodologias abertas, trabalho de projecto, activi-
são tão flagrantes e significativas que mereçam ser dades autónomas e de investigação, isto é, um con-
referidas como tal. Preferimos, por isso, dar espe- texto privilegiado para explorar o potencial peda-
cial atenção às causas das barreiras mais referidas gógico das TIC. Muitos professores não se sentem
relativamente à implementação das TIC numa suficientemente confiantes para usar um computa-
perspectiva de inovação educativa. Das principais dor com os seus alunos ou mesmo para aprender a
fontes de dificuldades consideradas nos quatro pa- trabalhar com ele.
íses, salientam-se o tempo e o equipamento, apoio
técnico incluído. O tempo, como um dos maiores Influência da Formação de Professores
desafios referidos por todos os grupos de professo- na Competência e no nível de Confiança
res (tempo que não tiveram na sua formação, pres- dos professores no uso das TIC
são do tempo para “dar” o programa, tempo de que na sua prática pedagógica
precisam para adquirir novas competências, tempo A maioria dos professores experientes (de escolas
para conhecer novo software, tempo para “seguir tradicionais ou inovadoras), nos quatro países, afir-
o programa”, etc.). O equipamento e apoio técnico ma que as TIC nunca foram objecto de trabalho
constituem outro conjunto de dificuldades, embo- da sua formação inicial. Alguns deles adquiriram
ra sejam percebidas de modo diferente pelos vá- literacia informática posteriormente, em cursos de
rios grupos de professores, até porque, as escolas formação contínua ou, informalmente, em casa.
inovadoras, por exemplo, tendem a dispor de mais Mesmo os professores iniciados e os futuros pro-
equipamento e mais actualizado do que as outras fessores admitem que não foram convenientemente
escolas. preparados, ainda que em Portugal e em Espanha
Por vezes o problema reside também na própria tenham obtido “alguns créditos” em cursos de “no-
organização escolar – grande número de alunos por vas tecnologias”.
turma, número reduzido de computadores dispo- Apesar da falta de formação para as TIC, ou de
níveis para uso dos alunos, falta de apoio técnico e uma formação insatisfatória, a maioria dos profes-
pedagógico, individualismo de muitas das tarefas sores atribui grande importância à formação como
dos professores (o ensino colaborativo ainda é uma forma de desenvolver a sua confiança no uso das
utopia e a cooperação é uma excepção ocasional). TIC e de desenvolver uma atitude positiva para
Somente a Grécia e a Itália, no seio do grupo de com as TIC em contexto escolar. Só os professores
professores inovadores, referem que as TIC pro- gregos não partilham esta opinião, relacionando
movem o trabalho colaborativo. Outro condiciona- este aspecto mais com factores de ordem pessoal
mento à inovação por meio das TIC são as autorida- (tais como o interesse pessoal e a necessidade de
des educativas locais, que não demonstram grande excelência profissional) e com outros factores de or-
interesse pelas novas tecnologias. dem externa, do que com a formação propriamente
O curriculum (formal ou real) nos diferentes dita.
países participantes não considera “ensinar com

82 sísifo 3 | h. per alta / f. albuquerque costa | competência e confiança dos professores no uso das tic
Relação da competência e do nível de um decréscimo de problemas disciplinares e um
confiança dos professores com a ­integração acréscimo da eficiência docente são mencionados
das TIC na sua prática pedagógica como efeitos positivos do uso das TIC, a par com o
Todos os grupos de professores parecem conscien- desenvolvimento da autonomia dos alunos.
tes da pluralidade das competências necessárias ao Na Grécia, os professores inovadores relacio-
uso das TIC para fins pedagógicos. Os professores nam o ensino e a aprendizagem baseados nas TIC
italianos dão grande importância à competência com a pedagogia adoptada, que é, segundo eles, de
técnica, embora acreditem que esta só por si não natureza construtivista. Por outro lado, os profes-
é suficiente; são de opinião que a competência pe- sores tradicionalistas consideram o currículo como
dagógica e a competência didáctica também são um factor condicionante da aprendizagem.
necessárias se se quiser levar a cabo intervenções Para os professores inovadores, em Itália, as
educativas efectivas e eficientes. TIC desempenham o papel de “um recurso cogni-
Ao contrário dos italianos, os professores gregos tivo na aprendizagem permitindo o desenvolvimen-
dão ênfase especial às competências pedagógicas e to de pensamentos mais complexos e mais ricos”
didácticas, assim como às características pessoais e os professores iniciados sustentam que aumenta
dos professores, embora todos os grupos refiram a auto-estima dos alunos. Os futuros professores
também a importância da competência técnica. portugueses partilham a mesma opinião, acrescen-
Em Portugal, os professores partilham pontos tando que os computadores favorecem a motivação
de vista diferentes sobre as competências mais im- dos alunos para aprender. Os professores inovado-
portantes para ensinar recorrendo às novas tecno- res consideram que as TIC contribuem tanto para
logias: quer os professores experientes, quer os que a melhoria da aprendizagem como para o processo
iniciam a sua profissão enfatizam as capacidades de ensino, ao ajudar os alunos a desenvolver o pen-
técnicas e a atitude para com as TIC, sendo que os samento crítico, a responsabilidade e estratégias de
professores inovadores valorizam as competências autonomia. Os professores tradicionais, pelo con-
curriculares e didácticas. Os futuros professores trário, exprimem a opinião de que o computador
acham que são igualmente importantes a compe- diminui as capacidades cognitivas e comunicativas
tência técnica e a eficiência para o uso das TIC em e a interacção com a máquina torna os alunos passi-
contextos educativos e acentuam a necessidade de vos, ao não os estimular a pensar autónoma e cria-
experiência. De uma maneira geral, podemos dizer tivamente, embora pensem que as TIC os ajudam a
que os professores com mais experiência no traba- resolver problemas de disciplina.
lho com computadores têm mais confiança na sua Na Grécia todos os grupos acreditam nos efei-
capacidade para os usar de forma eficaz. tos positivos das TIC, independentemente da pers-
Em Espanha, os professores experientes enfa- pectiva de aprendizagem que seja considerada. Os
tizam precisamente a competência técnica como o professores tradicionais tendem a manter as suas
principal suporte da confiança. Outro factor salien- rotinas de ensino apesar das TIC.
te para o desenvolvimento da confiança, de alguma Em todos os países se reconhece que o currículo
maneira referido nos vários contextos, é a experiên- formal abre portas para a integração das TIC, até
cia prévia com as TIC e a exposição dos professores mesmo na Grécia, país em que o currículo não é, de
ao verdadeiro potencial das TIC em educação. todo, aberto. O facto é que, subordinados às mes-
Para lá destas considerações mais gerais, vale a mas orientações curriculares, as escolas inovadoras
pena referir algumas percepções de diferentes pro- relatam o seu uso regular das novas tecnologias,
fessores sobre o efeito das TIC nas actividades de enquanto outros o não fazem. O problema reside
aprendizagem e a sua relação com o currículo. A mais na vontade dos professores e nas condições
maioria dos professores relaciona as TIC com a me- das escolas, porque, como se afirma no relatório
lhoria do processo de ensino e aprendizagem e com espanhol: “… esta abertura dificilmente pode ser
o melhor aproveitamento dos alunos. Em geral, os considerada uma vantagem, porque tirar benefício
professores consideram que as TIC favorecem a dela significaria investir muito mais tempo do que o
motivação dos alunos para aprender. Em Portugal, disponível, dadas as actuais condições de ensino”.

sísifo 3 | h. per alta / f. albuquerque costa | competência e confiança dos professores no uso das tic 83
A maioria dos professores mostra uma atitude Em Portugal, os professores inovadores asso-
passiva e obediente para com o currículo. Os pro- ciam o conceito de confiança à perda de medo de
fessores ajustam as suas práticas às regras implíci- danificar o material ou de fazer erros ao usar as TIC
tas do currículo formal, embora muitos deles (Es- e, ao mesmo tempo, a um sentido de poder sobre
panha, Portugal e Itália) adoptem uma perspectiva a máquina. Apontam as seguintes condições como
flexível permitindo redesenhá-lo ao planificarem as sendo favoráveis ao ganho de confiança: necessida-
suas aulas. Só o currículo grego não tem, de acor- de de muito tempo disponível (a confiança é ganha
do com todos os grupos, qualquer compatibilida- de forma lenta trabalhando e praticando muito com
de com o uso das TIC. Isso explica por que razão o computador), apoio de colegas mais experientes
só os professores inovadores parecem acreditar no e treino. Os professores tradicionais referem-se
efeito positivo das TIC em termos de inovação cur- sobretudo a questões organizacionais, ao nível da
ricular. escola, como factores facilitadores da confiança. Os
Na Grécia, no que diz respeito à planificação professores iniciados, embora reconhecendo o va-
das aulas, os futuros professores dizem integrar as lor das componentes técnica e pedagógica, afirmam
TIC nos seus planos, enquanto que os outros pro- que a confiança no uso das TIC depende, acima de
fessores só o fazem ocasionalmente. Na Itália só os tudo, de factores pessoais.
professores inovadores e os que estão no início de De acordo com o relatório espanhol: “o grau de
carreira incluem as TIC, parcialmente, na sua pla- competência é reconhecido em todos os grupos de
nificação e, em Portugal, só os professores inova- professores como o factor mais crítico para criar um
dores admitem fazê-lo. Contudo, temos de admitir sentimento de confiança pessoal nas TIC. Um grau
que a integração das TIC no currículo, com suces- mínimo parece ser necessário para mostrar uma tal
so, depende sobretudo do facto de o professor estar confiança pessoal. Contudo, por outro lado, nem a
convencido da relevância das TIC como meio de competência nem a confiança são suficientes para
promover o acesso a um conjunto mais alargado de instilar nos professores a necessidade de promover
recursos, para eles próprios e para os seus alunos, inovação educativa baseada nas TIC”.
mais do que de decisões políticas. Quanto às áreas
curriculares mais abertas às novas tecnologias ne-
nhuma parece ser excluída, embora a Matemática, Principais Conclusões e Implicações
as Ciências e as Línguas tenham quase a preferên- para A Investigação Futura
cia total.
Se não se tratasse de um estudo exploratório com
Dependência da competência e do nível um objectivo pré-determinado, de alcance limita-
de confiança dos Professores no uso das TIC do, seria agora o momento para apresentar algumas
do seu domínio efectivo das TIC (competência) conclusões e fazer as sugestões apropriadas. Contu-
Os relatórios nacionais sugerem que a confiança no do, o que nos cabe fazer agora é tentar extrair des-
uso das TIC é ainda um aspecto polémico para os ses resultados a identificação das principais dimen-
professores do ensino básico. Os professores italia- sões que nos permitiriam organizar o questionário
nos privilegiam a competência técnica, e bem assim anteriormente referido e, por fim, sugerir alguns
a didáctica, como essenciais para melhorar a con- tópicos para nele serem incluídos.
fiança na utilização das TIC. Na Grécia, os profes- Assim, sobre o uso das TIC nos quatro países
sores mais experientes (inovadores e tradicionais), do sul da Europa, assumimos os seguintes pontos
e somente estes, referem os factores pedagógicos e principais como síntese emergente da análise dos
pessoais como os que mais contribuem para a sua dados, e que viriam a funcionar como pontos de an-
confiança no uso das tecnologias. Os professores coragem para a investigação quantitativa:
iniciados põem a ênfase no desenvolvimento de • As TIC não são ainda um recurso integrado
competências pedagógicas e didácticas como forma nas actividades de ensino;
de ganhar confiança, e os futuros professores ambi- • Os professores usam as TIC sem a compreensão
cionam mais experiência com as TIC. cabal dos princípios de aprendizagem subjacentes;

84 sísifo 3 | h. per alta / f. albuquerque costa | competência e confiança dos professores no uso das tic
• Os professores sabem usar o computador, mas rados necessários para o uso pedagógico e a explo-
não em sala de aula com os seus alunos; ração das TIC; 1.6) Conhecimento de diferentes so-
• No caso dos professores que já usam os com- luções tecnológicas (programas, aplicações...); 1.7)
putadores, as TIC não alteraram significativamente Domínio técnico destas soluções tecnológicas; 1.8)
as atitudes, os papéis, e as formas de ensinar e de Conhecimento de modelos de exploração das TIC
aprender. para fins educativos; 1.9) Experiência no uso das
Em suma, fica a ideia geral de que não há muitos TIC em contextos educativos; 1.10) Relação com o
professores competentes no uso das TIC no ensino, desenvolvimento profissional; 1.11) Capacidade para
pelo que se torna necessário investir na sua re-educa- trabalhar em colaboração e para tomar a iniciativa;
ção. Mesmo os professores que estão agora a iniciar 1.12) Consciência das teorias da aprendizagem, da
a sua profissão não foram adequadamente prepara- filosofia de ensino e do modelo didáctico que sus-
dos para o uso das novas tecnologias. Por isso, pre- tenta o uso pedagógico das TIC em cada contexto.
parar os professores para usar as tecnologias é uma 2. Factores Contextuais: A escola enquanto faci-
responsabilidade que as instituições de ensino supe- litadora do trabalho dos professores em termos do
rior responsáveis pela sua formação devem assumir. uso pedagógico das TIC: 2.1) Equipamento e infra-
Da análise apresentada é possível inferir também estruturas tecnológicas; 2.2) Recursos humanos
que o trabalho com as TIC com objectivos pedagó- para apoio técnico e pedagógico; 2.3) Ferramentas
gicos acentua aspectos incluídos em três dimensões de software (software comum, aplicações pedagógi-
principais: a primeira relaciona-se com o conheci- cas, etc.); 2.4) Integração das TIC no currículo; 2.5)
mento e as capacidades de base dos professores, isto Uso das TIC em projectos curriculares; 2.6) Nível
é, com aquilo que eles aprenderam anteriormente e de iniciativa dos professores; 2.7) Liderança por
como o aprenderam; a segunda, que é uma dimen- parte da direcção da escola, mas também políticas
são crucial, refere-se às características individuais, nacionais e regionais para a promoção e o apoio às
quer de natureza afectiva, quer cognitiva; a terceira TIC para uso pedagógico: 2.8) Infra-estruturas em
tem a ver com factores de ordem contextual, quer rede; 2.9) Apoio técnico; 2.10) Incentivos ao desen-
no plano organizacional da escola, quer de ordem volvimento de projectos; 2.11) Parcerias na indús-
macro estrutural. Cumprindo o objectivo princi- tria; 2.12) Sistema de formação contínua e desenvol-
pal deste estudo qualitativo, terminamos com a vimento profissional de professores; 2.13) Quanti-
apresentação dos indicadores, organizados em três dade e qualidade dos conteúdos pedagógicos e do
dimensões, de onde haveriam de emergir os itens suporte; 2.14) Observatório de práticas inovadoras;
para construção do questionário: 2.15) Visão das TIC no currículo nacional e regional.
1. Factores Individuais: sobretudo de ordem 3. Factores relacionados com a formação de pro-
afectiva, relacionados, em geral, com a percepção fessores: 3.1) Uso das TIC no ensino de professores;
dos professores sobre as TIC, e, em particular, com 3.2) Integração (desenvolver a capacidade de inte-
a sua utilidade e eficácia para a aprendizagem: 1.1) grar as TIC no processo de ensino); 3.3) Uso das TIC
Atitude geral para com as TIC; 1.2) Expectativas por futuros professores durante as suas actividades
face ao uso das TIC em contextos educativos; 1.3) escolares (uso das tecnologias durante o trabalho de
Valor atribuído às TIC como facilitadoras da apren- campo); 3.4) Aconselhamento por parte dos super-
dizagem; 1.4) Satisfação com os resultados; 1.5) visores sobre o uso das TIC; 3.5) Envolvimento dos
Sentir-se bem preparado. Sobretudo factores cog- formadores e dos futuros professores em projectos
nitivos relacionados com o domínio efectivo de um de investigação relacionados com o uso das TIC
conjunto de capacidades e conhecimentos conside- em situações reais de ensino e de aprendizagem.

sísifo 3 | h. per alta / f. albuquerque costa | competência e confiança dos professores no uso das tic 85
Notas tributions for the Pedagogical Efficiency and the
Quality Assessment (No. Project PEDACTICE).
1. Utilizamos aqui a designação de ”professores do Lisboa: Faculdade de Psicologia e de Ciências
ensino básico” por nos parecer ser a mais adequada da Educação.
para traduzir, no contexto português actual, o Inglês Denzin, N. K. & Lincoln, Y. S. (eds.) (1994).
“primary teachers” utilizada no projecto IPETCCO. Handbook of Qualitative Research. Thousand
2. Mais informação sobre o projecto IPE- Oaks: Sage.
TCCO pode ser consultada em http://www.fpce. DeSeCo/OCDE (2006). Definitions and Selection of
ul.pt/pessoal/ulfpcost/ipetcco/ Competencies. Theoretical and Conceptual Foun-
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www.portal-stat.admin.ch/deseco/index.htm
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86 sísifo 3 | h. per alta / f. albuquerque costa | competência e confiança dos professores no uso das tic
s í s i f o / r e v i s t a d e c i ê n c i a s d a e d u c a ç ã o · n .º 3 · m a i / a g o 0 7 issn 1646 ‑4990

O Currículo numa comunidade de prática

Cristina Costa
c.mendesdacosta@salford.ac.uk
Universidade de Salford, Inglaterra

Resumo:
Com este artigo pretendemos descrever o processo de construção do currículo no inte-
rior de uma comunidade de prática online constituída maioritariamente por professores
de língua inglesa como língua estrangeira – os Webheads in Action (WiA). Centrais neste
artigo são as temáticas do currículo flexível e construtivista, das comunidades de prática
online e da formação de formadores. Para tal realizámos um estudo de investigação, de
cariz qualitativo, tendo por base uma estratégia de estudo de caso, que será aqui suma-
riamente descrita.
Como pontos-chave desta investigação, reconhecemos que os Webheads in Action são
realmente uma comunidade de prática online, uma vez que reúnem as três características
principais apontadas pela teoria da especialidade (Wenger, 1998a): (1) uma empresa con-
junta; (2) um compromisso mútuo e (3) e um reportório partilhado. A par disso, apresen-
tam, igualmente, outros elementos que permitem relacionar os Webheads in Action com
as comunidades de prática: história, identidade, pluralidade, autonomia, participação,
mutualidade, integração, futuro, tecnologia e aprendizagem (Schwier, 2002). Verificou-
se, também, que a sua actividade assenta numa estrutura curricular flexível e aberta,
segundo uma abordagem sócio-construtivista. A aprendizagem, centrada no indivíduo,
ocorre em situações contextualizadas e autênticas, sendo essas práticas, e a comunidade,
o próprio currículo (Wenger, 1998a).
Concluímos, ainda, que a actividade desenrolada no seio da comunidade gera uma
dinâmica de grupo, que potencia aprendizagens significativas e viabiliza a formação con-
tínua de professores de uma forma eficaz e motivadora.

Palavras­‑chave:
Comunidades de Prática, Currículo flexível, Aprendizagem, Tecnologias educativas,
Formação, Construtivismo.

Costa, Cristina (2007). O Currículo numa comunidade de prática. Sísifo. Revista de Ciências da
Educação, 03, pp. 87‑100.
Consultado em [mês, ano] em http://sisifo.fpce.ul.pt

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Introdução Neste sentido, orientámos o nosso estudo com
base nas seguintes questões de investigação: Que
A tecnologia está hoje presente na nossa vida pes- características reúnem os WiA para que efectiva-
soal e profissional. Em boa verdade esta é parte mente possam ser considerados uma Comunidade
integrante da nossa sociedade. Graças à Internet e de Prática, segundo os parâmetros teóricos previs-
às tecnologias que nos auxiliam no dia-a-dia temos tos pela literatura? Como se caracteriza o modelo
assistido à emergência de inúmeras Comunidades curricular que orienta as práticas efectuadas pelo
em espaços online. Estas são criadas em torno de grupo? Que papel desempenha a comunidade de
vários objectivos, uns de carácter lúdico, outros de prática de professores de língua Inglesa enquanto
cariz mais sério, de entre os quais destacamos as modelo de formação profissional partilhada?
Comunidades de Aprendizagem e, especialmente, A resposta às questões acima mencionadas foi
as Comunidade de Prática (Wenger, 1998a). As Co- encontrada com base na informação recolhida atra-
munidades de Prática (CP) caracterizam-se por um vés da análise de dados e com o apoio da teoria pro-
grupo de pessoas, que se une espontaneamente, não duzida nas áreas de sustentação deste trabalho, isto
só com o objectivo de partilhar interesses comuns, é, sobre o que nos diz a literatura relativamente às
mas também, e maioritariamente, de reportar as Comunidades de Prática online, ao currículo numa
suas actividades e de se empenhar colaborativa- Comunidade de Prática, às teorias da Aprendiza-
mente em práticas que potencializem a sua aprendi- gem que o legitimam e, ainda que de influência in-
zagem e beneficiem o seu desempenho profissional. directa, à formação contínua de professores.
Actualmente, os participantes de CP dependem,
cada vez mais, de meios tecnológicos para estabele-
cer contacto entre si e desenvolver a sua prática con- Enquadramento Teórico
juntamente. Os indivíduos que compõem uma dada
Comunidade de Prática são conhecidos não só pe- Parece-nos, assim, pertinente começar por enun-
los seus interesses, mas também pela sua actividade ciar alguns desses pressupostos teóricos em função
profissional e pela forma como a desempenham, da sua área mais específica.
através da partilha de histórias e experiências que
acabam por contribuir para o conhecimento dos As Comunidades de Prática Online
demais, numa perspectiva de formação. É sobre As Comunidades de Prática não são propriamente
este tipo de comunidade, como forma de formação uma novidade deste século, nem tampouco uma
contínua de professores, que a nossa investigação experiência recente, quer na esfera da educação,
incidiu, a par do modelo curricular a ela subjacente. quer na profissional, ou nas duas que aqui se encon-

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tram interligadas por objectivos óbvios. Tal como muns aos seus membros. Lave e Wenger definem
definidas por Wenger (1998b) as CP caracterizam- CP como
se, em traços largos, por três dimensões:
• O que as define (o que são): uma actividade um conjunto de relações entre pessoas, activida-
conjunta, que é contínua e conscientemente ali- de e mundo, estendidos no tempo e em ligação com
mentada e renegociada pelos seus membros; outras Comunidades de Prática que culminam e se
• Como funcionam: a sua actividade mantém-se tocam (…) Implica a participação num sistema de
graças ao empenho das partes implicadas, acaban- actividades, acerca das quais os participantes parti-
do inevitavelmente por estabelecer elos de ligação lham percepções relativamente ao que fazem e ao que
e, por conseguinte, formar uma identidade social; isso representa nas suas vidas e para as suas comu-
• Que capacidades desenvolvem: reportório nidades (1991, p. 98).
partilhado de recursos comuns, progressivamen-
te desenvolvidos pelos indivíduos que constituem Em relação às comunidades de prática, Schwier
a CP e que activamente participam nela, entre os (2001, 2002) identifica também um conjunto de ele-
quais se destacam hábitos, sensibilidades, artefac- mentos inerentes à sua constituição, que embora
tos, linguagem própria, estilos, etc. toquem alguns dos pontos já aqui anteriormente
As CP estão associadas a actividades e/ou inte- tratados, trazem alguma novidade ao estudo deste
resses de carácter profissional, evidenciando deste tema, como podermos constatar através do quadro
modo objectivos e interesses bastante claros e co- apresentado abaixo.

Elementos da comunidade Descrição


História As comunidades são mais fortes quando partilham uma história.
Identidade As comunidades encorajam a um sentido de identidade partilhada.
Pluralidade As comunidades devem muito da sua vitalidade a “associações intermédias”, como
famílias, igrejas, e outros grupos periféricos.
Autonomia Dentro da ênfase sobre a identidade do grupo é importante que as comunidades
respeitem e protejam a identidade individual.
Participação    A participação social em comunidade, especialmente a participação que promove
autodeterminação favorece a autonomia e sustenta a comunidade.
Integração Todos os elementos acima mencionados dependem de normas de apoio, crenças e
práticas.
Futuro As comunidades de aprendizagem não são estáticas; elas criam movimento numa
direcção ao prepararem-se para o futuro.
Tecnologia Nas comunidades de prática virtuais a tecnologia pode facilitar e desenvolver a
comunidade, mas também pode inibir o seu crescimento.
Aprendizagem A aprendizagem é um elemento central das comunidades de prática, embora a
natureza da aprendizagem possa ser definida de modo muito genérico e contextual.
Mutualidade A Comunidade é formada e mantêm-se através de uma interdependência e
reciprocidade .
Quadro 1: Elementos das Comunidades de Prática segundo Schwier
(Adaptado de Schwier, 2002, p. 4).

A grande novidade no caso deste autor consis- o empenho dos seus participantes como práticas
te no facto de este já contemplar a tecnologia como que se desenvolvem num sentido inovador, em di-
uma variável associada às comunidades de prática, recção ao futuro, facto igualmente considerado por
embora com algumas restrições, e de percepcionar Wenger (1998a).

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Currículo de uma Comunidade de Prática como uma actividade social plenamente integrada”
e Teorias de Aprendizagem (Figueiredo, 1999, p. 3).
Nos últimos tempos o currículo tem vindo a ser Em suma, o currículo como prática proporciona
entendido, por alguns autores, como uma constru- aprendizagens de naturezas diversas, que se inter-
ção social e cultural, como forma de organizar um relacionam (Coll, 1998) e que incidem “nas diver-
conjunto de práticas e saberes que reflectem uma sas capacidades das pessoas, em suas competências
cultura, uma sociedade, um cenário histórico e cul- e no seu bem-estar” (Zabala, 1999, p. 104). É este
tural. Pensar o currículo é, assim, segundo Grun- também o tipo de currículo que se encontra patente
dy (1987), considerar um grupo de pessoas que se no contexto das comunidades de prática.
interrelacionam mediante certas situações e certos Esta concepção de currículo em construção é
interesses que lhes são comuns e se emancipam por reforçada pelas teorias de aprendizagem que as su-
meio de práticas conjuntas, que lhes abrem novas portam: as perspectivas construtivistas. Estas têm,
perspectivas sobre a realidade. “O currículo não é em grande parte, servido de base teórica para a
um mero conjunto de planos a ser implementado; construção do currículo e para a aplicação das tec-
é antes constituído através de um processo activo, nologias no ensino e aprendizagem.
no qual planear, agir e avaliar estão reciprocamente A teoria construtivista, associada à filosofia, psi-
ligados e integrados” (Grundy, 1987, p. 115). cologia e cibernética, tem tido elevada expressão
O currículo é, deste modo, visto como uma for- nos últimos tempos e define-se resumidamente pela
ma de prática social, que ocorre no mundo real em forma como os indivíduos apercebem e apreendem
que está inserido, em situações autênticas e, portan- o mundo (von Glaserfeld, 1989). O indivíduo, en-
to, significativas para os sujeitos participantes. O quanto aprendente, desempenha um papel activo,
conhecimento, visto por este prisma, é também ele é responsável pela sua própria aprendizagem e é in-
uma construção social, na medida em que os parti- terveniente directo na construção de conhecimen-
cipantes, ao empenharem-se numa reflexão crítica to, à medida que reflecte sobre as suas experiências
sobre uma dada área de saber, pela qual partilham e interage em situações de aprendizagem significa-
interesse, se tornam activos na construção do seu tivas e contextualizadas.
próprio conhecimento. “A prática assume, [assim,] Das várias abordagens desenvolvidas pela teoria
um processo de fazer-sentido que reconhece o sig- construtivista, consideramos como a mais relevante
nificado como uma construção social” (Grundy, para o nosso estudo a que se designa por constru-
1987, p. 116), um entendimento colectivo de algo. tivismo social, a qual está especialmente ligada às
“A ideia de uma comunidade crítica é importante teorias desenvolvidas por Vygotsky, Bruner e Ban-
aqui” (Grundy, 1987, p. 124), até porque este tipo de dura (Shunk, 2000).
currículo está vocacionado para grupos de pessoas O construtivismo social atribui especial impor-
cuja relação é alimentada, e se caracteriza, pela discus- tância à cultura e ao contexto em que a aprendiza-
são permanente de interesses mútuos. Como Grundy gem ocorre. Outro factor enfatizado por esta pers-
(1987) relembra, através das palavras de McTaggart e pectiva é a natureza colaborativa da aprendizagem,
Singh (1986, p. 44), este “criticismo pode apenas ser principalmente desenvolvida por Vygotsky (1978).
conduzido numa comunidade onde haja determina- Este autor sublinha a importância da interacção
ção para aprender racionalmente uns com os outros”. social na aprendizagem. O desenvolvimento cogni-
Este relevo atribuído ao currículo negociado tivo do sujeito está directamente relacionado com o
não implica que não exista uma estrutura a este seu desempenho em sociedade e o modo como este
subjacente. Contudo, um dos aspectos fulcrais de interage e comunica com ela. A aprendizagem acon-
um currículo mais dinâmico será, sem dúvida, o es- tece primeiro em sociedade e só depois tem impac-
tímulo de uma consciência crítica, através da cons- to ao nível dos processos cognitivos do indivíduo.
trução de conhecimento por meio de uma aborda-
gem mais flexível dos conteúdos, que proporcione Cada função do desenvolvimento cultural da crian-
uma aprendizagem em contextos autênticos e que, ça aparece duas vezes: primeiro no nível social e depois
por sua vez, possibilite a construção do “saber no nível individual; ou seja, primeiro entre as pessoas

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(interpsicológica) e depois no interior da criança (in- níveis de conhecimento (Lave & Wenger, 1991; Mc-
trapsicológica) Tal aplica-se igualmente à atenção Mahon, 1997; Oliver & Herrington, 2000).
voluntária, à memória lógica e à formação de concei- Desta forma, as abordagens sócio-construtivis-
tos. Todas as funções superiores têm origem nas rela- tas preconizam a colaboração de pares e a multipli-
ções reais entre os indivíduos (Vygotsky, 1978, p. 57). cidade de perspectivas (Jonassen, 1994), a partilha
mútua de conhecimentos, a aprendizagem baseada
Vygotsky defende, portanto, a aprendizagem com em problemas e em contexto e outras formas que
base na construção de conhecimento em comunidade, envolvam o aprender no e com o meio circundante,
a partir da colaboração e interacção entre os indiví- a sociedade, ou seja, a aprendizagem situada e em
duos.Ocontextosocialé,pois,umaspectoimportante comunidade (Lave & Wenger, 1991; Scardamalia &
e determinante na aquisição e construção de saber. Bereiter, 1996).
A interacção pressupõe igualmente um ambiente
favorável a uma multiplicidade de perspectivas. No que respeita aos novos modelos de aprendi-
Assim, o impacto da teoria construtivista na zagem (principalmente com base na web), Oliver
aprendizagem começa logo com o currículo. O e Herrington (2000) chegam mesmo a propor um
construtivismo apela à eliminação de um currículo conjunto de nove elementos-chave que, na sua pers-
padronizado, promovendo, por outro lado, a cons- pectiva, reúnem os desígnios essenciais para criar
trução de currículos alternativos e flexíveis, base- um ambiente de aprendizagem contextualizado e as-
ados nos conhecimentos prévios dos aprendentes sente num modelo construtivista de aprendizagem.
e na realidade destes. Para além disso, esta pers- Os elementos-chave são apresentados abaixo em
pectiva valoriza igualmente a prática e construção forma de esquema, seguido de uma explicação su-
de saber activo entre intervenientes com diferentes cinta sobre cada um deles.

Actividades
Autênticas

Construção Colaborativa Articulação


de Conhecimento

Papéis e Acesso a Diferentes


Perspectivas Níveis de Conhecimento
Múltiplas
Elementos
Estruturantes
de Aprendizagem Online

Reflexão Contextos
Autênticos

Coach e Avaliação
Scaffolding Autêntica

Esquema 1. Elementos-chave do Modelo de Aprendizagem online


(Baseado em Oliver, Herrington, Herrigton & Sparrow, 2006).
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1. Contextos autênticos: o ambiente de aprendiza- indivíduos, que vêem nesta uma forma não só de
gem deve ser desenhado como um todo complexo, melhorar as suas práticas, mas também de progre-
que seja passível de ser explorado espaçadamente dir na sua carreira e no seu desenvolvimento sócio-
no tempo e que motive e dê sentido à aprendizagem; profissional. A formação contínua de professores
2. Actividades autênticas: as estratégias de apren- não tem sido excepção. Como modelos e respon-
dizagem devem ser organizadas para providenciar sáveis pela formação de futuros profissionais, os
tarefas que se baseiem no mundo real e não que não professores devem mais do que nunca acompanhar
passem de uma série de exemplos sem nexo ou liga- a evolução da sociedade e adaptar as suas práticas
ção ao que se pretende aprender; de ensino/aprendizagem à realidade vigente. Como
3. Acesso a diferentes níveis de conhecimento: defende Nóvoa, a “formação de professores é  algo
acesso dos participantes com vários níveis de co- (…) que se estabelece num continuum” (2001), sen-
nhecimento, acesso à periferia social ou a eventos do a aprendizagem um processo que se estende ao
reais, tal como estes ocorrem; longo do percurso profissional, e individual tam-
4. Papéis e perspectivas múltiplas: a importância bém, e que deve reflectir as necessidades do tempo
dos indivíduos acederem e explorarem perspecti- presente. As tecnologias educativas são nossas con-
vas diferentes; temporâneas e por isso não podem ser ignoradas
5. Construção colaborativa de conhecimento: pelos indivíduos e muito menos pela escola.
elemento fulcral, especialmente na aprendizagem Como relembra Costa é
a distância. A colaboração deve ser proposta de for-
ma a empenhar o grupo e não apenas o indivíduo, importante que os professores possam beneficiar
através de tarefas apropriadas e da comunicação via do potencial dessas tecnologias em termos do seu pró-
tecnologia; prio desenvolvimento profissional, mas sobretudo,
6. Reflexão: a reflexão eficaz decorre de contextos para poderem utilizá-las com os seus alunos, propor-
e actividades autênticos, anteriormente descritos cionando-lhes situações de aprendizagem inovado-
7. Articulação: as tarefas devem articular o co- ras, mais interessantes e mais próximas da realida-
nhecimento tácito e o explícito; de envolvente (2003, p. 1).
8. Coaching e Scaffolding: Providenciados atra-
vés da aprendizagem colaborativa, onde professores O desenvolvimento de competências profissio-
e alunos contribuem e negoceiam significado. Igual- nais (Perrenoud, 1998), e de conteúdos de aprendi-
mente visto como uma forma de o professor mediar zagem, bem como a adequação de práticas é, pois, o
e facilitar a aprendizagem através das tecnologias; intento da formação contínua de professores.
9. Avaliação autêntica: integrada no processo O século XXI representa o continuar de uma
de ensino/aprendizagem, nas actividades levada a era onde o progresso tecnológico se demarca niti-
cabo pelos alunos. damente de todos os outros avanços concretizados
pela humanidade. As tecnologias abriram novos
Contudo, estes elementos só têm expressão se horizontes e providenciaram novas perspectivas.
estiverem inseridos num contexto de aprendiza- No caso dos professores, a necessidade de actuali-
gem, se as actividades aí propostas fomentarem uma zação face a este fenómeno emergente, bem como a
aprendizagem mais centrada no aluno e de carácter adopção de novas práticas para a sala de aula, tor-
colaborativo e se a tal modelo estiver subjacente um na-se quase imperativo, de modo a conseguir, com
dispositivo de apoio e moderação de aprendizagem tais práticas, uma visão renovada e moderna da es-
eficaz, onde o conhecimento activo é valorizado e cola, fazendo, assim, a ponte entre a realidade esco-
facilitado pelas tecnologias da comunicação. lar e a realidade do dia-a-dia tal como é vivenciada
pelos alunos.
Formação Contínua A introdução das Tecnologias de Informação e
A formação contínua tem vindo, nos últimos tem- Comunicação (TIC) em ambientes de aprendiza-
pos, a ser encarada como um “mal necessário” ao gem pode fazer essa diferença. As tecnologias edu-
desenvolvimento das aptidões profissionais dos cativas, quando eficazmente utilizadas, podem au-

92 sísifo 3 | cristina costa | o currículo numa comunidade de pr ática


xiliar a aprendizagem positivamente. Aprender com Opções Metodológicas
as tecnologias, como Costa (2005) valoriza no seu
site1, pode ter os seus benefícios, tanto para alunos No âmbito da investigação qualitativa, que orien-
como para professores: a possibilidade de ambos tou o nosso percurso de investigação, adoptámos o
aprenderem e ensinarem, respectivamente, com método de Estudo de Caso, de natureza descritiva
recurso à tecnologia e a ferramentas disponíveis e interpretativa, por ser esta uma investigação que
da Internet pode enfatizar, melhorar e motivar a visa focar um fenómeno da realidade actual, em que
aprendizagem, bem como toda a prática educativa. o investigador não tem qualquer tipo de controlo
Preparar os professores para o uso destas, dotan- sobre o ambiente que se propõe estudar e porque
do-os com os conceitos e conhecimentos base, é o gostaríamos de nos centrar numa investigação de
primeiro passo a dar. Transformar as suas perspec- cariz descritivo e interpretativo, a partir de uma
tivas e entusiasmá-los para o uso eficaz das tecno- perspectiva exploratória (Yin, 1994). “O objecti-
logias educativas nas suas actividades de ensino e vo (…) é compreender o mundo dos sujeitos e de-
aprendizagem passa, essencialmente, por uma for- terminar como e com que critérios eles o julgam”
mação adequada e actualizada das práticas educa- (Bogdan & Biklen, 1994, p. 287).
tivas. As comunidades de prática online são, neste Recorremos a diferentes formas de recolha e
sentido, dinamizadoras e fontes eficazes de forma- análise de dados, para que pudéssemos, de forma
ção contínua. mais completa e com base em vários pontos de vis-
ta, fazer uma leitura mais precisa do nosso objecto
de estudo (Cohen, Manion & Morrison, 1989). A
O Caso em Estudo comparação de dados a partir de várias fontes pren-
de-se com a necessidade de conferir validade ao es-
O caso em análise, nosso objecto de estudo, consis- tudo e de lhe atribuir fiabilidade, por meio de uma
tiu num grupo de professores de língua inglesa, apo- análise de perspectivas múltiplas.
logista das tecnologias educativas ao serviço da edu- Os procedimentos de recolha de dados foram
cação, que se reúne online com o intuito de introdu- tomando forma à medida que fomos avançando no
zir e debater tal temática, é designado por Webheads terreno e conhecendo melhor o nosso objecto de
in Action (WiA). O objectivo principal desta comu- estudo. Começámos por efectuar uma observação
nidade consiste na utilização, por parte dos parti- exploratória, que nos permitiu não só recolher in-
cipantes, das ferramentas de comunicação, media- formação preciosa em relação ao grupo, mas tam-
das por computador, numa perspectiva de inter- bém estipular as primeiras categorias de análise,
ajuda; que colaborativamente aprendam algo mais que em muito contribuíram para um entendimen-
sobre ambientes de aprendizagem online e mistos to mais claro do nosso problema. Posteriormente
(blended) e que possam aplicar os conhecimentos procedemos à recolha de documentos produzidos
produzidos às suas realidades de ensino e/ou a pro- pelos participantes durante o período de observa-
jectos, que pretendam desenvolver (Stevens, 2001). ção e, já numa fase final do nosso estudo, aplicámos
Trata-se, portanto, de um grupo de professores-alu- um mini-questionário aos participantes, onde so-
nos, que usam as tecnologias para aprender e para licitámos a resposta aberta às três questões funda-
ensinar. mentais do nosso estudo, cujo principal intuito era
Os seus membros estão espalhados pelos qua- confirmar a informação recolhida e tratada e assim
tro cantos do mundo e a sua maioria só se conhece triangular os dados extraídos a partir das três for-
virtualmente, ou seja, por meio de ferramentas de mas de recolha e análise de dados.
comunicação síncronas e assíncronas, via Internet.
A sua actividade é frequente, e o grupo é, nas pala- Resultados
vras do seu coordenador, coeso (Stevens, 2001). Os
Webheads in Action parecem representar, portanto, Como resultado da análise e interpretação dos da-
um exemplo exímio daquilo que se espera de uma dos, apurámos que os WiA se definem, de facto,
comunidade. por um leque de características referenciadas na

sísifo 3 | cristina costa | o currículo numa comunidade de pr ática 93


literatura, que nos permite “denunciar” este grupo e motiva a continuação da comunidade até aos dias
de professores como uma comunidade de prática e de hoje. De facto, este é, sem dúvida, um dos as-
que passamos a seguir a enunciar. Retomando a te- pectos curiosos desta comunidade, na medida em
oria de Schwier (2002), verificámos que aos Webhe- que o seu objecto de aprendizagem é igualmente o
ads in Action está subjacente um passado histórico, meio pelo qual os seus membros efectuam as suas
que remonta a vários anos de uma actividade no aprendizagens, ou seja, estes aprendem sobre as
plural, que não só fundamenta a sua existência en- tecnologias com as tecnologias, tal como Schwier
quanto comunidade, mas que também permite aos (2002) prevê e Costa (2005) preconiza. Estamos pe-
seus membros identificarem-se com ela. Ao longo rante um paradigma de aprendizagens autênticas e
do nosso estudo verificámos, na postura dos seus contextualizadas.
membros, uma forte identificação com o grupo, ao Convém ainda realçar, tal como frisam Wenger,
designarem-se e assumirem-se como Webheads, o McDermott e Snyder (2002), que os Webheads in
que nos leva, portanto, a concluir que existe igual- Action podem ser vistos como uma comunidade de
mente um sentido de unidade e de pertença que prática porque existe um objectivo comum e parti-
fundamenta esta identidade adoptada pelo grupo, lhado pelos indivíduos que a compõem; porque é
apesar deste ser composto por uma grande varieda- visível uma paixão sobre uma área temática que es-
de de indivíduos de diversos países e com perspec- tes pretendem cultivar e desenvolver em conjunto, a
tivas e experiências totalmente díspares. Da Euro- fim de beneficiar a sua prática individual, ao mesmo
pa ao continente Americano, passando pela Ásia e tempo que cada um dos participantes activos, con-
Austrália, esta comunidade conta com um número tribui igualmente para o conhecimento comum, o
bastante vasto de representantes de várias nacio- de toda a comunidade. É também graças às tecno-
nalidades e com apetências diferentes. Esta diver- logias que estes não só melhoram as suas práticas
sidade possibilita aos WiA a construção conjunta enquanto professores, actualizando-as e preparan-
de conhecimento, de interdependência uns com do-se para a educação do presente e do futuro, mas
os outros, com base numa pluralidade de ópticas e também desenvolvem afinidades entre eles, o que
acepções, visíveis através da uma multiplicidade de permite a construção de laços afectivos, que se es-
perspectivas emitidas para o seio da comunidade. tendem para além dos interesses de aprendizagem
Tal acaba por contribuir para um conhecimento e que os levou a integrar a comunidade em primeiro
uma aprendizagem mais significativa dos indivídu- lugar. Estes laços têm por base não só as interac-
os que a compõem. Não quer isto, contudo, dizer ções frequentes, mas também um forte sentimento
que o indivíduo se anule perante o grupo; antes de socialização e de relacionamento sócio-afectivo,
pelo contrário, e tal como tivemos oportunidade que é evidenciado pelo entusiasmo e pela motivação
de verificar na nossa análise, essa pluralidade é sempre presentes na relação que estes estabelecem
aceite e valorizada, o que acaba também por faci- uns com os outros e que se verifica igualmente no
litar a integração e a participação dos indivíduos seu percurso de aprendizagem. A socialização é, na
na comunidade. Aos membros dos Webheads está nossa opinião, um elemento que gostaríamos aqui
igualmente reservada uma autonomia que é implí- de frisar como sendo um dos principais catalizado-
cita à actividade e à postura destes perante a apren- res da actividade e aprendizagem em comunidade.
dizagem. Aqui cada um aprende o que quer, me- Verificámos, de acordo com a análise e interpre-
diante os seus interesses práticos e ao seu próprio tação efectuadas, que estamos perante um currícu-
ritmo, sem que isso seja encarado como um ponto lo decisivamente flexível e baseado em pressupos-
negativo da participação de cada um na actividade tos construtivistas.
da comunidade. A postura é de flexibilidade e de Como Oliver e Herrington (2000) apontam, o
uma aprendizagem baseada em interesses próprios, modelo de aprendizagem que define a comunida-
concretizada por uma actividade de reflexão e de de de prática online Webheads in Action pressupõe
práticas conjuntas e constantes, dentro de um con- contextos autênticos de aprendizagem, uma vez que
texto específico: o das tecnologias educativas. É a os participantes aprendem sobre as tecnologias
exploração entusiastica desta temática que alimenta com recurso a estas mesmas tecnologias. O espaço

94 sísifo 3 | cristina costa | o currículo numa comunidade de pr ática


de actuação desta comunidade é online e as tarefas constante e intensa, manifesta ao longo de todo o
propostas são igualmente efectuadas neste mesmo processo de aprendizagem. Num esforço de refle-
cenário, o que viabiliza o empenho dos participan- xão contínua sobre os conhecimentos adquiridos e
tes em actividades autênticas e contextualizadas, aplicados à prática, da articulação entre o conheci-
uma vez que estes não só exploram as ferramentas, mento tácito e o explícito, visível através dos resul-
como também as aplicam na sua prática de ensi- tados práticos aplicados aos contextos profissionais
no, transportando assim para a sala de aula e, por dos participantes na CP, sobressai uma construção
conseguinte, para a sua vida profissional, os conhe- colaborativa de conhecimento, que marca e define
cimentos adquiridos em comunidade. Este facto todo o percurso de aprendizagem e que reflecte um
contribui para o nosso entendimento de currículo currículo flexível. Este currículo vai-se construindo
como uma prática que possibilita uma aprendiza- à medida que a comunidade evolui na sua prática,
gem efectiva e baseada em situações reais. Não se avalia o seu desempenho, individual e colectivo, e
trata aqui de um currículo prescrito, nem formal, (re)define o seu propósito. Como Wenger propõe
mas antes de um currículo que se constrói à medi- (1998a) “a aprendizagem não pode ser desenhada”
da que a comunidade se desenvolve e que reflecte o (p. 225), mas pode, sem dúvida, ser baseada na ex-
que ela é. periência e na prática progressivas de um grupo de
Para além disso, a aprendizagem efectuada pelos indivíduos, que sirvam de sustentação de uma es-
membros desta comunidade realiza-se numa dia- trutura, que ainda que informal, se verifica eficaz
léctica de dar e receber, onde os noviços aprendem em garantir a construção de conhecimento signifi-
com os mais experientes, onde diferentes níveis de cativo com base numa prática partilhada.
conhecimento concorrem para uma aprendizagem Assim, concluímos que estamos perante um
efectiva e onde o Scaffolding é uma realidade. Con- modelo curricular que assenta numa prática e em
sequentemente, desta união de indivíduos, com ní- situações reais, que visa uma aprendizagem contex-
veis de saber e perícias diferentes, resulta uma troca tualizada, onde a colaboração e a interacção entre
de informação e uma prática de ensinar e aprender indivíduos, permitindo o contacto com diferentes
conjunta que se verifica rica e influente nas apren- perspectivas do saber, promovem oportunidades
dizagens da comunidade. Com dúvidas e/ou suges- de aprendizagem reflexivas e autênticas. Ou seja,
tões todos acabam por contribuir para o objectivo inerente aos Webheads in Action está intrínseco um
comum da comunidade: o de aprofundar conheci- currículo de aprendizagem tal como definido por
mento e também o de construir novas linhas de pen- Lave e Wenger (1991).
samento. O acesso a uma multiplicidade de perspec- É, igualmente, nosso entendimento que esta
tivas e papéis é também contemplado na actividade comunidade desempenha um papel fulcral na vida
dos WiA, onde facilmente qualquer um dos indi- dos seus participantes, quer ao nível profissional
víduos, que detenha conhecimento sobre um dado quer ao nível pessoal, influenciando decisivamente
assunto, desempenha, a dada altura, um papel de as suas práticas de uma forma positiva e inovadora.
destaque, que se prolongará enquanto esse mesmo Como pudemos constatar, ao longo de todo o pro-
contributo for entendido como pertinente para a ac- cesso de investigação, a actividade da comunidade
tividade da comunidade, podendo outros assumir é intensa e motivante e reflecte-se na prática diária
alternadamente essa liderança, nesta perspectiva de dos seus membros que transportam as competên-
aprender e contribuir para a aprendizagem dos ou- cias adquiridas para a sua esfera de desempenho
tros, sempre que tal se justifique. Este é igualmente profissional, ao introduzirem e aplicarem os novos
um factor de enriquecimento da comunidade, tal conhecimentos nas salas de aula, enquanto profis-
como o são as interacções e os aspectos colabora- sionais de educação.
tivos a que a estrutura implícita a esta comunidade Esta comunidade de prática é, sem sombra de
impele. De facto a aprendizagem dos indivíduos dúvidas, uma excelente e eficiente maneira de pro-
desta comunidade reflecte-se principalmente nos mover a formação profissional no âmbito das tecno-
resultados de conhecimentos partilhados e traba- logias educativas — área que esta comunidade privi-
lhados em conjunto, por meio de uma interacção legia, como é logo à partida desvendado pelo nome

sísifo 3 | cristina costa | o currículo numa comunidade de pr ática 95


que adoptaram: Webheads in Action, ou seja, estamos e no seu desempenho profissional ao desenvolverem
perante um grupo de indivíduos (Heads) intelec- novas competências e aptidões, ao fazerem parte de
tualmente estimulados e interessados em aprender uma rede de conhecimento, na qual está patente
com recurso à Web, interesse esse que os une no em- uma multiplicidade de perspectivas, ao dinamiza-
penho mútuo de uma actividade (action) conjunta. rem práticas e ao estabelecerem um forte sentido
Em colaboração com os Webheads não só se de identidade profissional, que lhes confere uma
aprende sobre as tecnologias como também se maior motivação e confiança para progredirem na
aprende a utilizar as tecnologias e a aplicá-las ao con- sua actividade educativa. A par disso, a inter-ajuda
texto de cada um. Nesta comunidade exploram-se e a colaboração em novos desafios, o acesso a co-
vários tipos de conteúdos, que concorrem para uma nhecimento especializado e diversificado, a interac-
aprendizagem mais eficiente e também mais com- ção e a socialização entre pares, a participação sig-
pleta. Estes reflectem-se tanto no indivíduo como nificativa e o forte sentido de pertença evidenciados
no profissional que cada um é, e em que cada um se pelos Webheads facilitam-lhes a progressão na sua
transforma à medida que desenvolve o seu conheci- experiência profissional e no estatuto de professo-
mento e, consequentemente, evolui na sua prática. res inovadores e ousados, muitas vezes apelidados
Retomando Wenger, McDermott e Snyder pelos próprios de Tech-Teachers.
(2002), consideramos que a comunidade Webheads Apresentamos, seguidamente, um esquema do
in Action consiste numa forma activa e inovadora de que acreditamos ser a essência dos Webheads in Ac-
estímulo ao desenvolvimento profissional. Enquan- tion, com base na relação entre os pressupostos teó-
to membros activos desta comunidade, os professo- ricos anteriormente referidos, aos quais acrescentá-
res Webheads conseguem progredir na sua carreira mos alguns aspectos que considerámos pertinentes.

Elementos de uma CP
Identidade ELEMENTOS Mutualidade
ESTRUTURANTES
Actividades Contextos
Autênticas Estimulados Por: Autênticos
Pluralidade

Resultado
Articulação Avaliação
Autonomia entre Integrada
Conhecimento História
Tácito e Desenvolvimento
Explícito Profissional
Coach e
e Aquisição de Scaffolding

Acesso a
Comunicação
BOAS PRÁTICAS Discussão Papéis e Socialização
Diferentes Perspectivas
Níveis de Múltiplas
Conhecimento
Participação Partilha Colaboração Construção
Colaborativa de
Conhecimento Orientação
para Futuro

DE APRENDIZAGEM
Integração
NUMA CP ONLINE Tecnologia
Aprendizagem

Esquema 2. Esquema Conclusivo relativo aos Webheads in Action.


96 sísifo 3 | cristina costa | o currículo numa comunidade de pr ática
O esquema acima é a nossa visão sucinta do que pação nesta. As conclusões patentes nestes dois úl-
caracteriza os WiA. Nele estão expressos dez ele- timos níveis são fruto das nossas interpretações no
mentos que representam esta comunidade, à luz da âmbito desta investigação.
proposta de Schwier (2002) e aos quais sentimos a Em suma, os Webheads in Action reúnem os
necessidade de adicionar um décimo-primeiro – o pressupostos antecipados pela literatura para se-
da socialização – de modo a frisar a dimensão só- rem uma comunidade de prática online, sendo que
cio-afectiva, também expressiva nesta comunida- a sua actividade se encontra estruturada em torno
de. Ao esquema adicionámos, igualmente, os ele- de uma base curricular de cariz flexível e constru-
mentos que estruturam a aprendizagem online da tivista, que fomenta um conjunto de boas práticas
comunidade, com base nos aspectos apontados por aplicadas ao ensino e aprendizagem de línguas. De
Oliver e Herrington (2000). O esquema foi comple- facto, a comunidade tem impacto na vida dos seus
tado por nós com mais dois níveis, respeitantes aos professores participantes, na medida em que esta
estímulos, que mantém a chama desta comunidade é, ela própria, um modelo de formação profissional
acesa, e aos resultados obtidos a partir da partici- activo, eficaz, gratuito e voluntário.

sísifo 3 | cristina costa | o currículo numa comunidade de pr ática 97


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100 sísifo 3 | cristina costa | o currículo numa comunidade de pr ática
s í s i f o / r e v i s t a d e c i ê n c i a s d a e d u c a ç ã o · n .º 3 · m a i / a g o 0 7 issn 1646 ‑4990

Simulação digital e actividades experimentais


em Físico­‑Químicas. Estudo piloto sobre o impacto
do recurso “Ponto de fusão e ponto de ebulição”
no 7.º ano de escolaridade
Carla Morais
carlamorais@imediato.pt

João Paiva
jcpaiva@fc.up.pt
Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Lisboa

Resumo:
As tecnologias devidamente integradas e em sintonia com o currículo constituem um
meio de renovação do ensino e das práticas pedagógicas. Em particular, a aplicação de
simulações é vantajosa para o processo de ensino-aprendizagem das Ciências. Neste ar-
tigo apresenta-se o desenvolvimento de uma simulação, designada por “Ponto de fusão e
ponto de ebulição”, que tem como objectivo proporcionar aos alunos situações de apren-
dizagem que lhes permitam aprender de forma mais significativa os conceitos inerentes
às Ciências Físico-Químicas no 7.º ano de escolaridade. Levou-se a cabo um estudo, de
cariz qualitativo, baseado na observação dos alunos e na realização de entrevistas. Defen-
de-se que a utilização didáctica desta simulação sirva como complemento da componente
prático-experimental e nunca para a substituir.

Palavras­‑chave:
Educação, Tecnologias da Informação e da Comunicação, Ciências Físico-Químicas, Si-
mulação computacional.

Morais, Carla & Paiva, João (2007). Simulação digital e actividades experimentais em Físico-
Químicas. Estudo piloto sobre o impacto do recurso “Ponto de fusão e ponto de ebulição” no 7.º
ano de escolaridade. Sísifo. Revista de Ciências da Educação, 03, pp. 101‑112.
Consultado em [mês, ano] em http://sisifo.fpce.ul.pt

101
Introdução Se uma sociedade é influenciada de forma decisiva
pelas questões comunicacionais, como é aquela em
Actualmente o mundo depara-se com uma imensi- que vivemos actualmente, todos os comportamen-
dão de linguagens e códigos semióticos em que o tos e, sobretudo, os que se encontram mais directa-
paradigma analógico perdeu face ao digital. Devido mente ligados às questões da aprendizagem sofrem
à conjugação de apenas dois algarismos, o 0 (zero) grandes alterações.
e o 1 (um), é possível colocar a circular na Internet A garantia de uma educação relevante e com
um número infinito de informações. O mundo digi- qualidade para todos os estudantes é sem dúvida a
tal transformou a humanidade e constituiu a socie- melhor resposta que os sistemas educativos podem
dade da informação. Esta mudança despertou a ne- dar à sociedade da informação.
cessidade de provocar alterações no conhecimento A aprendizagem será a actividade principal dos
do Homem. O Livro Verde para a sociedade da indivíduos e das organizações numa sociedade em
informação em Portugal (Livro Verde, 1997, p. 75) plena mudança. Aprender outras formas de desen-
refere a dada altura: “A vida nas sociedades de hoje volver novas competências, novos processos para
exige, de todos e de cada um, uma capacidade de criar novos produtos, aprender a descobrir novas
captar, transmitir e processar dados, disseminados necessidades, aprender a equacionar novos pro-
num espaço cada vez mais global e mais facilmente blemas e a procurar novas respostas, investindo
acessível, transformando-os em informação e em continuamente na formação (Adell, 1997; Salomon,
saberes pertinentes, capazes de tornar inteligíveis 2002).
os diversos cenários e trajectórias de evolução pos- As escolas não ficaram indiferentes a todas as
sível nos percursos pessoais e colectivos. A socie- mudanças que ocorreram na sociedade, tendo sido
dade da informação exige novos conhecimentos e “invadidas” pelas Tecnologias da Informação e da
novas práticas, obriga a um esforço de aprendiza- Comunicação (TIC). Mas, apesar de todos os avan-
gem permanente.” ços tecnológicos a que temos assistido, é na dinâ-
O poder deixa então de estar ligado à força mus- mica pedagógica que a estrutura escolar tem difi-
cular, a recursos energéticos ou a quaisquer bens cultado as inovações, dado que a sua dimensão é
materiais, como aconteceu na sociedade industrial, ainda bastante tradicional. A implementação de um
e passa a pertencer a quem detiver mais informação, trabalho colectivo e a criação de outras formas de
de melhor qualidade e de forma mais organizada. gerir tempos, espaços e conteúdos é, por isso, mui-
Com o advento da sociedade da informação é to dificultada, reforçando a imagem de que a escola
preciso fazer uma reflexão sobre o acto educativo, e está ultrapassada em relação aos espaços e tempos
sobre o papel dos seus intervenientes mais directos. que lhe são exteriores.

102 sísifo 3 | carla mor ais / joão paiva | simulação digital e actividades experimentais em físico‑químicas
A aproximação das escolas à sociedade da infor- As TIC na escola: potencialidades
mação e aos alunos que nasceram e cresceram na e limitações pedagógicas
era digital (para os quais o mundo não faz sentido
sem as tecnologias), dependerá da sua capacidade A inclusão das TIC na esfera educativa é funda-
de se tornarem o centro da comunidade aprendiz e mental para o desenvolvimento de um país através
da flexibilidade conseguida para proporcionarem a da formação de cidadãos com educação abrangente
todos entradas e saídas que se adaptem à nova rea- em diversas áreas, que demonstrem flexibilidade e
lidade social. capacidade de comunicação. Tal formação permi-
Neste contexto a escola do século XXI cria no- tir-lhes-á uma melhor integração no mundo que
vos desafios aos professores. Estes são confronta- está em constante mudança.
dos diariamente com múltiplas tarefas e têm de ser Reconhecer todas as possibilidades didácticas
capazes de tornar a experiência da escola relevante decorrentes do uso das TIC com objectivos e fins
para a sociedade da informação. educativos, devidamente integradas no currículo,
A informação massiva, existente nas bases de significa aprender através delas mais do que apren-
dados, que chega aos alunos de forma desorgani- dê-las. É englobá-las harmoniosamente com os res-
zada, exige, pois, da parte deles, uma maior capa- tantes componentes desse currículo; é utilizá-las
cidade e espírito crítico, para seleccionar e mani- como parte importante com o objectivo de apoiar
pular a informação pertinente – o professor assume uma disciplina ou conteúdo e não como um apên-
aqui um papel fundamental como organizador, dice ou recurso periférico.
orientador, mentor e facilitador da aprendizagem, Em termos legislativos, neste contexto, publi-
conduzindo e dando maior sentido a esta informa- caram-se os Decretos-Lei n.º 6 e 7/2001 de 18 de
ção. Deste modo, a responsabilidade do professor Janeiro, que se referem à reorganização curricular
aumenta em vez de diminuir, uma vez que deixa de do Ensino Básico e Secundário, respectivamente.
agir num plano disciplinar bem definido e limitado Estes apontam para a exploração e integração das
a um conhecimento que adquiriu na sua formação TIC nas salas de aula. O artº. 3º, do Decreto-Lei
inicial. 6/2001, que explicita os princípios orientadores do
O principal desafio lançado aos professores, que currículo, consagra a “(…) valorização da diversi-
tal como os alunos vivem a escola integrada na so- dade de metodologias e estratégias de ensino e acti-
ciedade da informação, é que ultrapassem a aparen- vidades de aprendizagem, em particular com recur-
te dicotomia entre o ensino tradicional e o ensino so a tecnologias de informação e comunicação”.
recorrendo às TIC e que encontrem o equilíbrio Criando um utilizador tecnologicamente com-
saudável e proveitoso entre ambos, inovando e re- petente, a escola pode contribuir para evitar uma
criando as formas de desenvolver nos seus alunos possível exclusão social do aluno, ao mesmo tempo
as mais variadas e abrangentes competências. que colabora activamente para o seu sucesso na so-
Assim, neste artigo faz-se uma breve referência ciedade de informação.
às vantagens e limitações pedagógicas decorrentes As práticas pedagógicas que utilizam as TIC de
do uso das TIC em contexto educativo, e destaca-se uma forma planeada, sistemática e devidamente in-
particularmente a utilização de simulações compu- tegrada em contexto curricular, têm diversas e re-
tacionais no ensino das Ciências Físico-Químicas. conhecidas potencialidades (Wild, 1996). Uma das
Seguidamente apresenta-se uma pequena reflexão mais notórias potencialidades das TIC é o facto de
sobre a importância e a utilização do trabalho ex- ajudarem o aluno a descobrir o conhecimento por
perimental no ensino das Ciências e avança-se para si: é uma forma de ensino activo em que o professor
a descrição do processo de concepção da simulação ocupa um lugar intermédio entre a informação e os
“Ponto de fusão e ponto de ebulição”. Terminamos alunos, apontando caminhos e avivando a criativi-
com o estudo de impacto piloto realizado com alu- dade, a autonomia e o pensamento crítico. Existe
nos do 7.º ano de escolaridade, resultados e conclu- uma relação reflectiva e interventiva entre o aluno
sões daí decorrentes, bem como algumas propostas e o mundo que o rodeia. As tecnologias promovem
para projectos futuros. o pensamento sobre si mesmo (metacognição), a or-

sísifo 3 | carla mor ais / joão paiva | simulação digital e actividades experimentais em físico‑químicas 103
ganização desse pensamento e o desenvolvimento pedagogicamente enriquecedor, e a ausência de si-
cognitivo e intelectual, nomeadamente o raciocínio tes específicos para todos os conteúdos, promoven-
formal. A diversificação das metodologias de ensi- do a navegação livre pela Internet, a qual não sendo
no-aprendizagem, o aumento da motivação de alu- devidamente orientada poderá tornar-se dispersiva.
nos e professores, o volume de informação dispo- De uma forma geral, pode-se afirmar que, apesar
nível e a potenciação da interdisciplinaridade são destes constrangimentos, a integração das TIC na
mais algumas vantagens inerentes ao uso pedagógi- escola constitui um meio auxiliar bastante podero-
co das TIC. Igualmente reconhecida é a capacida- so para inovar o processo de ensino-aprendizagem.
de que as TIC têm de permitir formular hipóteses, As tecnologias são um bom pretexto para a mudan-
testá-las, analisar resultados e reformular conceitos, ça, mas não são mais do que isso, pois a renovação
pelo que estão de acordo com a investigação cientí- terá de estar sempre para além de uma máquina!
fica. Ao mesmo tempo possibilitam o trabalho em
simultâneo com outras pessoas geograficamente
distantes, propiciam o recurso a medidas rigoro- Recursos digitais para o ensino
sas de grandezas físicas e químicas e o controlo de das Físico-Químicas – o caso
equipamento laboratorial (sensores e interfaces). particular das simulações
Podem ainda apontar-se como potencialidades pe- computacionais
dagógicas das TIC a criação de micromundos de
aprendizagem: são capazes de simular experiências No Ensino das Ciências, as TIC assumem uma par-
que na realidade são rápidas ou lentas demais, que ticular importância pois a sua capacidade didáctica
utilizam materiais perigosos ou que decorrem em é-lhe intrínseca e a sua utilização é fundamental na
condições impossíveis de reproduzir. As tecnolo- exploração da simulação, modelação, interactivida-
gias são também boas aliadas na detecção das difi- de, movimento e perspectiva tridimensional, entre
culdades dos alunos. outros aspectos (Cachapuz et al., 2002).
Estas potencialidades pedagógicas das TIC não Nomeadamente nas Ciências Físico-Químicas,
são ainda desfrutadas na íntegra por professores e o uso do computador tem sofrido algumas evolu-
alunos dada a existência de algumas limitações na ções. Destacamos, no âmbito do nosso trabalho, as
sua utilização. Alguns desses constrangimentos são simulações computacionais que são programas que
as barreiras às inovações tecnológicas que natural- apresentam um modelo de um sistema real ou ima-
mente surgem nas escolas e desencadeiam a neces- ginário (Paiva & Morais, 2006).
sidade de acções de sensibilização. A escola terá Verifica-se uma evolução nas simulações cons-
de se consciencializar de que já não é o único meio truídas para o ensino. À medida que o software e o
de transmissão de conhecimento. Por outro lado, a hardware se tornaram mais sofisticados, as simu-
escassez de software de elevada qualidade técnica lações estão a tornar-se mais realistas, com muito
e pedagógica, que implica um trabalho colabora- mais opções para o utilizador controlar a dinâmica
tivo de pedagogos e programadores, apresenta-se do fenómeno representado no ecrã (Mintzes et al.,
também como uma limitação ao uso das tecnolo- 1998). Estas permitem manipular experiências de
gias. Outras limitações existem e prendem-se com diversos tipos, nomeadamente experiências de rea-
o grande número de alunos que, por dificuldades lização complexa, morosas e até perigosas de serem
económicas, não possuem computador, a falta de reproduzidas na sala aula. O aluno pode verificar a
formação inicial e contínua dos professores para o validade das suas hipóteses relativamente às situa-
uso das tecnologias e respectivo aproveitamento pe- ções que surgem no ambiente simulado, manipular
dagógico, a falta de conhecimento sobre o impacto variáveis e verificar as alterações no comportamento
do uso das TIC em contexto educativo e a escassez do modelo perante uma variedade de condições.
de tempo, que é indispensável na aprendizagem das As simulações computacionais podem consti-
tecnologias e na preparação das aulas. Aliadas a es- tuir-se como um importante complemento ao con-
tas limitações são de referir também a utilização ina- tacto directo com os fenómenos naturais e ao tra-
dequada de muito material tecnológico, tido como balho experimental, mas nunca para os substituir,

104 sísifo 3 | carla mor ais / joão paiva | simulação digital e actividades experimentais em físico‑químicas
pois não faz sentido simular um processo que pode O trabalho experimental
ser facilmente observado (Boyle, 1997). no ensino das Físico-Químicas
A utilização, devidamente integrada e planea- — alguns dados e reflexões
da, das simulações computacionais apresenta al-
gumas vantagens pedagógicas, pois estes recursos A realização de trabalho experimental é fundamen-
podem despertar ou aumentar o interesse dos alu- tal, e sem dúvida essencial, no ensino e na apren-
nos, dada a possibilidade de variar parâmetros e dizagem de ciências eminentemente experimentais
observar o efeito dessas variações em diversas situ- como a Física e a Química.
ações e condições, tendo oportunidade de reflectir Oliveira (1999) explica que, ao falar de trabalho
e tomar novas decisões. As simulações oferecem a experimental, se refere a “investigações em que os
possibilidade ao aluno de desenvolver hipóteses, alunos podem desenvolver, recorrendo a recursos
testá-las, analisar resultados e aperfeiçoar os conceitos. variados, experiências significativas, construindo,
Esta modalidade de uso do computador na educação no seio de comunidades de aprendizagem, signi-
é muito útil para fomentar o trabalho em grupo. Os ficados de conceitos próximos dos que são aceites
diferentes grupos podem testar diferentes hipóteses pela comunidade científica”.
e, assim, ter um contacto mais “real” com os conceitos São vários e importantes os objectivos que se
envolvidos no problema em estudo. O uso de simula- pretendem atingir com a realização de trabalho ex-
ções computacionais é coerente com a própria prática perimental (Gunstone, 1991; Sweeney & Paradis,
de investigação científica, que as utiliza cada vez mais. 2004). Alguns dos mais significativos consistem
A criação de um ambiente interactivo de “aprender em desenvolver no aluno capacidades e atitudes
fazendo”, presente nas simulações, permite ao aluno associadas à resolução de problemas em Ciência,
estar mais envolvido e ter uma participação mais ac- transferíveis para a vida quotidiana, tais como: o
tiva na elaboração do conhecimento. Outra grande espírito criativo, a formulação de hipóteses, a ob-
vantagem pedagógica das simulações computacionais servação, a tomada de decisões, o espírito crítico,
é propiciarem a interdisciplinaridade, uma vez que a curiosidade, a responsabilidade, a autonomia e
o ambiente representado pode ser transdisciplinar. a persistência. Familiarizar os alunos com as teo-
Contudo, a utilização das simulações computa- rias, natureza e metodologia da Ciência e ainda
cionais também apresenta algumas dificuldades, com a relação Ciência-Tecnologia-Sociedade-
nomeadamente, o facto de as boas simulações com- -Ambiente (CTSA), assim como levantar concep-
putacionais requererem grande poder computacio- ções alternativas do aluno e promover o conflito
nal e bons recursos gráficos e sonoros, de modo a cognitivo com vista à sua mudança conceptual, são
tornar a situação — problema o mais aproximada objectivos que se pretende atingir com a realização
possível do real. Por outro lado, é importante es- de trabalho experimental. Não se esgotando o leque
tar consciente de que o uso de uma simulação, por de metas a atingir e de competências a desenvolver
si só, não cria a melhor situação de aprendizagem. o trabalho experimental tem ainda como objectivos
A simulação deve ser vista como um complemento desenvolver no aluno: o gosto pela Ciência, em ge-
de outras estratégias de ensino. Caso contrário, não ral, e pela disciplina e/ou conteúdos em particular,
existe garantia de que a aprendizagem ocorra e de assim como capacidades psicomotoras, com vista
que o conhecimento possa ser aplicado à vida real. à eficácia de execução e rigor técnico nas activida-
Outra limitação à qual é necessário estar atento é a des realizadas. Proporcionar ao aluno a vivência
possibilidade do aluno poder formar uma visão dis- de factos e fenómenos naturais, assim como cons-
torcida a respeito do mundo, por exemplo, ser leva- ciencializá-lo para intervir, esclarecidamente, na
do a pensar que o mundo real pode ser simplificado resolução de problemas ecológicos/ambientais, ao
e controlado da mesma maneira que nos programas mesmo tempo que se promove a sua sociabilização
de simulação. Portanto, é necessário criar condições (participação, comunicação, cooperação, respeito,
para o aluno fazer a transição entre a simulação e o entre outras) com vista a uma melhor integração so-
fenómeno no mundo real. Esta transição não ocorre cial, são também objectivos fundamentais inerentes
automaticamente e deve ser trabalhada. à realização de trabalho experimental.

sísifo 3 | carla mor ais / joão paiva | simulação digital e actividades experimentais em físico‑químicas 105
Pelo exposto anteriormente, a realização de tra- frequente entre os professores de Física e Química.
balho experimental reveste-se de uma importância De uma maneira geral, pode dizer-se que os profes-
ímpar. São os alunos os primeiros a reconhecer essa sores do Ensino Básico realizam mais actividades
importância e a manifestarem gosto pela realização de Física do que de Química e que as experiências
de trabalho experimental. mais realizadas são essencialmente as mais clássicas.
Para evidenciar esta afirmação recorremos a De acordo com a Tabela 1, na Química o grupo
dados fornecidos por Martins et al. (2002, 2005), e de experiências mais realizadas são: “Processos de
que referimos de seguida. separação de misturas”; “Reacções ácido-base; os
Assim, pela análise do Gráfico 1, podemos ve- indicadores; escala de pH”. No grupo das experi-
rificar efectivamente que uma maioria significativa ências menos realizadas encontramos a “Determi-
dos alunos (82% do 9° ano) gosta de realizar activi- nação dos pontos de fusão e de solidificação”.
dades experimentais de Física e de Química. As actividades prático-experimentais utilizadas
têm carácter eminentemente fechado e essencial-
Gráfico 1 — Gosto pela realização
mente virado para a verificação de leis, fenómenos e
de actividades experimentais
100% teorias, pouco centradas na formulação e verificação
9.º ano de hipóteses e na resolução de problemas abertos.
90% 88% 89%
11.º ano
82% Tabela 1 — Actividades experimentais
80% realizadas no 8.º ano
Ens. superior
QuÍmica %
70%
Processos de separação de misturas 99
60% Regras de segurança no laboratório de Química 98
Reacções ácido‑base; os indicadores; escala de pH 99
50% Análise de rótulos de diversos produtos químicos 96
Cromatografia 96
40% Estudo de reacções químicas diversas 93
Determinação da densidade de uma substância 90
30% Análise de misturas homogéneas e heterogéneas 86
Lei de Lavoisier 87
20%
Separação de substâncias puras 83
Energia das reacções químicas ­exotérmicas, 82
10% 7% endotérmicas e atérmicas
6% 6% 5% 5% 5%
4% 3%
0% Factores que aumentam a velocidade de uma reacção 79
0%
Sim Não Não sei Nunca fez Determinação dos pontos de fusão e solidificação 48
Fonte: Martins et al., 2002, p. 105.
Fonte: Martins et al., 2002, p. 69.
De acordo com Martins et al. (2005), se com-
pararmos as diferenças percentuais entre a Física Quando uma turma tem mais de 22 alunos é co-
e a Química, pode afirmar-se que, os alunos gos- mum nas escolas fazer-se o desdobramento da turma
tam mais de actividades experimentais de Química em dois turnos de modo a permitir aos professores im-
porque: motivam/interessam mais os alunos para plementar actividades laboratoriais e experimentais.
os assuntos científicos; tornam as aulas mais diver- Contudo, segundo Martins et al. (2002), verifica-se
tidas e interessantes e desenvolvem capacidades de que os professores utilizam estes tempos lectivos com
manuseamento de equipamento laboratorial. o objectivo de reforçar um ensino mais focado na sis-
Mas, de acordo com Martins et al. (2002), infe- tematização e resolução de exercícios e menos na prá-
lizmente apenas uma minoria de cerca de 27% dos tica laboratorial e no desenvolvimento de competên-
professores realiza regularmente actividades expe- cias. Apenas 26% dos professores inquiridos utiliza
rimentais de Física e Química, dedicando-lhes, em os turnos sempre ou quase sempre para realizar traba-
média, menos de 20 horas por ano lectivo. A reali- lho experimental em oposição a 51% que utiliza mui-
zação de trabalhos experimentais não é uma prática tas vezes os turnos para resolver exercícios (Tabela 2).

106 sísifo 3 | carla mor ais / joão paiva | simulação digital e actividades experimentais em físico‑químicas
Tabela 2 — Forma de ocupação lectiva dos turnos experimentais
Realizar ­trabalho Leccionar
Rever matéria Resolver exercícios
experimental ­matéria nova
Nunca ou raramente 2 27 42 3
Algumas vezes 37 55 44 35
Muitas vezes 36 14 11 51
Sempre ou quase sempre 26 4 4 11
Fonte: Martins et al., 2002, p. 130.

Concepção da simulação “Ponto do manual – Manual Multimédia 7CFQ (Fiolhais et


de fusão e ponto de ebulição” al., 2006).

O conteúdo programático Do conjunto de recursos digitais desenvolvidos,


As Orientações Curriculares para as Ciências Físi- iremos neste trabalho, debruçarmos sobre a simu-
cas e Naturais no 3° ciclo apontam para um ensino lação: “Ponto de fusão e ponto de ebulição”.
dos conteúdos numa perspectiva não por anos mas
sim por ciclo, de forma a dotar os alunos com um Aspectos técnicos e visuais atendidos
conjunto de competências essenciais que eles de- na concepção da simulação
vem adquirir até ao final deste ciclo com o estudo “Ponto de fusão e ponto de ebulição”
de quatro temas organizadores: Terra no Espaço; A escolha dos programas e/ou das ferramentas in-
Terra em Transformação; Sustentabilidade da Ter- formáticas usadas na concepção da simulação “Pon-
ra e Viver melhor na Terra. to de fusão e ponto de ebulição” foi cuidada e teve
A escolha do tema Terra em Transformação de- em consideração o resultado final que se pretendia
veu-se ao facto de ser o tema que introduz o estudo da obter, bem como o nosso objectivo primordial: mo-
Química no Ensino Básico. De acordo com o Currí- tivar os alunos para o estudo da Química.
culo Nacional do Ensino Básico – Competências Es- Assim, alguns dos programas usados para a sua
senciais com este tema – Terra em Transformação: concepção foram: o Macromedia FreeHand, Adobe
“(…) pretende-se que os alunos adquiram conheci- Photoshop, Macromedia Flash, Adobe Premíere e
mentos relacionados com os elementos constituin- Pro-Tools – HD7.
tes da Terra e com os fenómenos que nela ocorrem”. O aspecto visual e a criação de um ambiente
No âmbito do Mestrado em Educação Multi- agradável e amigável de utilização podem, de al-
média da Faculdade de Ciências da Universidade guma forma, contribuir para a motivação do aluno
do Porto, pretendeu-se desenvolver um conjunto na exploração do recurso. Deste modo, teve-se em
de recursos digitais com o intuito de tornar este consideração vários aspectos que justificam as nos-
primeiro contacto dos alunos com a Química uma sas opções de cor, texto, tipo de letra, composição
experiência enriquecedora e motivante para eles, espacial do ecrã, interface e animação.
contribuindo para o desenvolvimento do gosto por Dado o nível etário dos alunos a quem se destina
esta Ciência, assim como, proporcionar-lhes ex- a simulação optou-se por fazer textos curtos e de
periências de aprendizagem que os conduzissem a fácil leitura para ajudar na compreensão dos con-
aprender mais, a aprender melhor e de forma mais teúdos e, ao mesmo tempo, evitar a desmotivação
significativa. e a saturação dos alunos aquando da exploração da
Os recursos digitais desenvolvidos foram depois mesma. Algumas indicações de natureza contextu-
utilizados por uma editora de manuais escolares e alizadora e operacional vão sendo apresentadas nos
integram actualmente um projecto pioneiro, que vários ecrãs da simulação (Roerden, 1997).
de forma integrada conjuga um manual em versão Apresentam-se de seguida print screens de ecrãs
digital com múltiplos recursos multimédia, que da simulação “Ponto de fusão e ponto de ebulição”
complementam e explicitam os conteúdos ao longo (Figura 1).

sísifo 3 | carla mor ais / joão paiva | simulação digital e actividades experimentais em físico‑químicas 107
Estudo de impacto piloto da
simulação “Ponto de fusão e
ponto de ebulição” com alunos
do 7º ano de escolaridade

Descrição do estudo
A amostra usada no estudo foi uma turma do 7º ano
de escolaridade da Escola EB 2,3 de Maria Lamas
– Porto, no ano lectivo de 2005/2006. A turma era
constituída por 15 rapazes e 6 raparigas que apre-
sentavam uma média de idades de 12 anos.
Planificou-se a aula de 45 minutos na qual a
simulação computacional foi usada pelos alunos
e elaborou-se o roteiro de apoio à exploração da
mesma (Figura 2). Os roteiros de exploração têm
como principal objectivo estreitar a relação entre
as peças de software educativo e os objectivos de
aprendizagem que se pretendem desenvolver (Mo-
rais, 2006). (O roteiro de exploração está disponível
no URL http://www.jcpaiva.net/content.php?d=
curriculum/12 ).

Figura 1. Vários ecrãs da simulação Figura 2. Páginas do roteiro de exploração da


“Ponto de fusão e ponto de ebulição”. simulação “Ponto de fusão e ponto de ebulição”.

108 sísifo 3 | carla mor ais / joão paiva | simulação digital e actividades experimentais em físico‑químicas
O estudo teve um cariz qualitativo introdutório tam como principais razões o facto de terem apre-
e baseou-se, principalmente, na observação atenta ciado particularmente os gráficos e o termómetro;
dos alunos a explorarem o software e na realização aprenderem a interpretar melhor um gráfico; ter
de entrevistas. Apresentam-se de seguida alguns ocorrido a assimilação de conceitos associados a
resultados decorrentes desse estudo. esta simulação levando a aprendizagens significa-
tivas.
Análise dos resultados Depois de explorarem a simulação, todos os
O impacto da aplicação da simulação “Ponto de alunos reconheceram a vantagem dessa exploração
fusão e ponto de ebulição” no processo de ensino- ter sido feita com o auxílio de um roteiro de ex-
aprendizagem, foi avaliado através da análise das ploração, dizendo que: sabem qual o objectivo do
respostas dadas às questões presentes no roteiro trabalho a desenvolver; explica as principais fun-
de exploração, análise das observações efectuadas cionalidades do recurso digital a explorar; favorece
e análise das entrevistas realizadas. A análise dos o empenho na procura das respostas pretendidas;
resultados assenta numa abordagem qualitativa evita a dispersão para aspectos menos relevantes
(Morais, 2006). para a actividade; impede os cliques indiscrimina-
Verificou-se essencialmente que o facto da aula dos e compulsivos; permite tirar conclusões; apren-
ter decorrido na sala de informática motivou espe- dem de forma mais significativa e rentabilizam mais
cialmente os alunos. A exploração da simulação o tempo.
pelos alunos foi, numa fase inicial, feita de forma Os alunos consideram que o que há de mais
impulsiva não tendo sido dada a devida atenção positivo no estudo da Química usando recursos
ao roteiro de exploração distribuído (cuja utili- digitais é: ser mais simples e menos trabalhoso
dade tinha sido previamente esclarecida). Tal- para aprender; perceberem-se melhor os conteúdos
vez por os alunos terem considerado a simulação (pois podem-se visualizar e explorar novamente os
apelativa tenha aumentado o seu interesse, pois recursos) e o facto de a presença de imagens e de
estes podiam seleccionar a substância, seleccio- áudio ajudarem na compreensão e despoletarem
nar se pretendiam observar a fusão ou a ebulição nos alunos um maior grau de atenção, pelo facto de
da mesma, assim como ver a construção do gráfi- se sentirem mais cativados. Os alunos consideram
co, temperatura em função do tempo, à medida ainda que os professores deveriam utilizar mais re-
que o aquecimento estava a decorrer. Logo que cursos digitais na sua prática lectiva. Segundo os
interiorizaram a utilidade do roteiro na explora- alunos, as razões para que tal não aconteça são: falta
ção da simulação a aula decorreu tranquilamente, de ideias ou possibilidade de o fazer; os professo-
não tendo havido mais solicitações à professora. res considerarem que o “quadro e giz” são recursos
As questões presentes no roteiro de exploração mais eficientes e ainda por comodismo e/ou falta de
foram respondidas sem qualquer dificuldade. Em vontade dos professores.
geral, verificou-se que a maioria dos alunos chegou
à conclusão que o ponto de fusão e o ponto de ebu-
lição são propriedades físicas que permitem identi- Conclusões finais e propostas
ficar uma substância e que o patamar constante do para projectos futuros
gráfico corresponde à temperatura à qual uma dada
substância pura funde ou entra em ebulição. É nossa convicção que a criação desta simulação
Registou-se alguma desordem aquando da cor- poderá contribuir para o aprofundamento dos con-
recção das questões, pois o entusiasmo e a vontade ceitos de ponto de fusão e ponto de ebulição assim
de participar era tal que os alunos tiveram de ser como complementar a realização experimental da
chamados à atenção e foi solicitado que não esque- determinação destas duas propriedades físicas,
cessem as regras de participação ordenada, pedin- uma vez que a “Determinação dos pontos de fu-
do a palavra antes de começarem a falar. são e de ebulição” está no grupo das experiências
Os alunos dizem ter gostado de explorar a simu- menos realizadas em Química (recordar a tabela 1,
lação “Ponto de fusão e ponto de ebulição”. Apon- secção 4).

sísifo 3 | carla mor ais / joão paiva | simulação digital e actividades experimentais em físico‑químicas 109
A utilização de simulações computacionais, em rentes ao estudo não se poderá tomar os resultados
geral, apresenta vantagens para o processo de en- obtidos para além de um simples indicador positivo
sino-aprendizagem e a sua exploração desencadeia a favor da utilização de recursos digitais com os alu-
nos alunos reacções muito positivas, nomeadamen- nos. Contudo, para que essa vantagem se torne uma
te: “ Esta simulação é gira, vê-se o gráfico à medida realidade cada vez mais comum nas nossas escolas
que a temperatura aumenta”; “ Nunca percebi nada é fundamental uma mudança de mentalidades, ati-
de gráficos, mas estes até são fáceis porque se vê o tudes e perspectivas dos vários intervenientes no
que acontece com a temperatura e ao mesmo tempo processo educativo.
vê-se o computador a desenhar o gráfico”. No seguimento do que foi feito pretende-se,
Os alunos apreciaram a exploração de recursos num futuro próximo, realizar novas fases de teste
digitais, contudo tal pode dever-se também a um do protótipo construído, intervindo directamente
factor extra de motivação – a novidade. São unâni- junto dos professores, melhorando os recursos de-
mes em reconhecer o proveito pedagógico e a vanta- senvolvidos e produzindo novos recursos digitais
gem na utilização de roteiros de exploração e acima para níveis de ensino superiores. Pretendemos tam-
de tudo reconhecem ter aprendido mais e melhor. bém avaliar o seu impacto junto dos alunos, de uma
Devido às limitações nas conclusões e generali- forma mais sistemática.
zações (ameaças à validade interna e externa) ine- Todas as sugestões são bem-vindas.

110 sísifo 3 | carla mor ais / joão paiva | simulação digital e actividades experimentais em físico‑químicas
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sísifo 3 | carla mor ais / joão paiva | simulação digital e actividades experimentais em físico‑químicas 111
112 sísifo 3 | carla mor ais / joão paiva | simulação digital e actividades experimentais em físico‑químicas
s í s i f o / r e v i s t a d e c i ê n c i a s d a e d u c a ç ã o · n .º 3 · m a i / a g o 0 7 issn 1646 ‑4990

Recensões

A vida no ecrã. A identidade na era da internet, de porque, há que ter presente, apesar da discussão em tor-
­Sherry Turkle no dos perigos da Internet e do possível desfasamento
entre vida real e vida virtual, a ideia de realidade virtual
é anterior à difusão das redes de comunicação e à ideia
Web 2.0, Second Life, comunidades virtuais, avatares, de ciberespaço. A participação nesses mundos virtuais
software social, instant messenger, são frequentemente é apresentada nesta obra como uma simulação de algo,
tópico de conversa e discussão, seja com entusiasmo, ou simulação essa que, como perspectivou Baudrillard
com receio e descrédito, sobretudo quando se levanta a (1991), inunda há muito as nossas vidas.
questão do desenvolvimento socioafectivo das gerações Uma vez superada esta falsa oposição real/virtual,
que dominam já o uso destas ferramentas. Nessa dis- a autora defende que as experiências de utilização dos
cussão, as opiniões dividem‑se entre aqueles que vêem computadores e a fixação da tecnologia no nosso quo-
esta configuração como um quebrar de barreiras físicas tidiano permitem que “as pessoas alcancem uma certa
e culturais e aqueles que consideram que estamos pe- compreensão do pós‑modernismo e reconheçam a sua
rante uma superficialização das relações humanas e da utilidade para retratar certos aspectos da sua experiên-
relação com o mundo. Para nos situarmos criticamente cia tanto on‑line como off‑line” (p. 25).
face a estas práticas, o trabalho de Sherry Turkle cons- De modo sumário, apresento algumas ideias‑chave
titui um instrumento útil e esclarecedor, até porque a que constituem a relevância de A Vida no Écrã para
investigação que tem vindo a desenvolver se situa no compreendermos a nossa relação com a tecnologia:
campo da relação subjectiva e de intimidade que esta-
belecemos com a tecnologia. • De humanos a cyborgs. A autora mostra como, nas
Nesta obra, Sherry Turkle, professora de Estudos últimas décadas, a reflexão em torno da “oposição” hu-
Sociais no MIT, traça um mapa temporal das últimas mano/máquina, suscitada pelo rápido desenvolvimen-
décadas quanto ao modo como nos temos vindo a rela- to da tecnologia, criou um efeito inverso: pensamos na
cionar com os computadores e a tecnologia e como nos nossa humanidade através do computador, definimo‑la
temos pensado e pensado a máquina a partir dessa re- através dele, ideia que não é estranha a Donna Haraway
lação, seja no domínio da filosofia, seja na investigação (2006) para quem, antes de sermos humanos, nos torna-
científica, ou mesmo na literatura e no cinema. mos humanos. Tornamo‑nos humanos com outros, seja
Abordando temas como a interface dos computa- nas relações com os animais ou com a tecnologia. O
dores, a inteligência artificial e os MUDs (Multi‑Users computador é assim, para estas autoras, um objecto‑cifra
Domains – simulações da vida real em que os utilizado- que condensa o núcleo da “natureza” humana que se tem
res participam criando personagens e interagindo entre vindo a “constituir”. Vários são os exemplos apresenta-
si), Sherry Turkle baseia‑se na entrevista a utilizadores dos por Sherry Turkle que ilustram esta relação. Assim,
com diferentes experiências de relacionamento com os a autora refere a utilização do computador pessoal no
computadores, para referir uma “erosão das fronteiras desenvolvimento e difusão de psicoterapias, que tornou
entre o real e o virtual, o animado e o inanimado, o eu necessária a adaptação dessas teorias à máquina e, como
unitário e o eu múltiplo” (p. 12). Assim, o que se passa tal, impulsionou um investimento em algumas teorias
nos mundos virtuais abrange também a vida off‑line, até psicológicas e não noutras; do mesmo modo, começámos

113
a ponderar a nossa “programabilidade”, semelhante à da • Uma relação performativa. Nos mundos virtuais
máquina, com o desenvolvimento dos estudos sobre o podemos criar personagens que interpretamos e com as
ADN e a proliferação de anti‑depressivos; também o de- quais nos podemos identificar, mais ou menos, na vida
senvolvimento dos estudos sobre inteligência artificial se off‑line. Mantemos uma performance de acordo com
baseia na ideia cada vez mais assente de que a máquina essa personagem. Como a autora alerta, esta cultura
comporta uma dimensão de imprevisibilidade, tal como permite‑nos pensar na nossa própria identidade como
a mente humana que hoje consideramos ser emergente, sendo fluída, múltipla e complexa. Para tal, usa como
descentrada e com múltiplas subjectividades. Humano exemplo a possibilidade de adoptar um género dife-
e máquina situam‑se assim lado a lado, sendo cada vez rente ou ambíguo on‑line, e a necessidade que muitos
mais subjectiva a diferença que construímos entre ambos. utilizadores sentem de o fazer, seja por forma a ampliar
as suas possibilidades de actuação, seja possibilitando
• Estabelecemos relações de intimidade com o com- a realização de fantasias que aceitamos que se concreti-
putador. São diversas as relações de intimidade que zem apenas num mundo virtual, entendido como uma
estabelecemos com o computador, desde o uso com suspensão da realidade. Deste modo, a autora retoma a
sucesso de softwares de psicoterapia para tratamento ideia de género como performance, categoria última de
da depressão, que surpreendentemente levaram a que organização dos corpos dóceis, tal como sugerido por
os utilizadores sentissem necessidade de fazer confi- Judith Butler (2003). Trata‑se assim de, através da(s)
dências à máquina, até à “personalização” que fazemos identidade(s) que usamos na vida on‑line, podermos
das suas superfícies. Queremos estar a sós com o nosso pensar na(s) identidade(s) da vida off‑line.
computador pessoal, construindo o seu “conteúdo” e
adornando o nosso espaço virtual. Não pretendemos • O computador como metáfora. A autora mostra‑nos
dominar o funcionamento do computador e procura- como ao longo das últimas décadas os computadores
mos conhecê‑lo como conhecemos uma pessoa: desco- deixaram de ser considerados “máquinas de calcular
brimos atalhos, truques, particularidades. Assim, “o gigantes”, cujas “entranhas” podiam ser analisadas e
objecto físico foi relegado para segundo plano. O objec- conhecidas, uma vez que o comportamento era line-
to psicológico tornou‑se o centro das atenções e objecto ar e o seu código de programação obedecia a critérios
de elaborações adicionais” (p. 115), refere Turkle. Des- rígidos e universais, para passarem a ser vistos como
te modo, seguimos o pensamento mágico das crianças objectos opacos, demasiado complexos para serem
para quem os seus brinquedos podem ter personalida- compreendidos, e cuja manipulação não nos exige que
de própria. A autora situa o florescimento do mundo da conheçamos o seu funcionamento interno. De modo
auto‑ajuda e do “faça você mesmo” como um contexto paralelo, o modo de pensar sobre a sociedade e a nossa
em que o computador se apresenta como parceiro ideal filosofia do quotidiano, sofre, segundo Turkle, a mesma
na organização do nosso quotidiano. O computador é alteração, deixando de ser viável “analisar coisas com-
assim, segundo Turkle, um espelho do nosso self. plicadas fragmentando‑as em partes mais simples, para
conhecermos os seus contornos” (p. 63). Quando pen-
• A Internet aproxima e afasta as pessoas ao mesmo sávamos conhecer “as entranhas do computador” (p.
tempo. Através da interacção com outros utilizadores 63), pensávamos que podíamos conhecer e agir sobre a
on‑line, “projectamos nos écrãs dos computadores as sociedade, refere. É deste modo que a autora descreve o
nossas ficções pessoais, nas quais somos produtores, uso do Macintosh e da sua navegação por janelas como
realizadores e vedetas” (p. 37). Podemos estar fisica- uma certa sensação de invocação mágica, já que os nos-
mente isolados, desconectados do exterior e, simul- sos cliques e a nossa “navegação” sobre a superfície que
taneamente, estabelecer relações significativas com nos apresenta, baseada em simulações diversas, permite
outros utilizadores que se encontram geograficamente realizar acções sobre as quais não temos sequer de vis-
distantes e cujo perfil seria improvável de encontrar en- lumbrar as estruturas internas e modo de funcionamen-
tre os nossos amigos “da vida real”. Para outros autores, to. Mas é pela mesma razão que muitos utilizadores sen-
como a própria Sherry Turkle refere, este é um sintoma tiram que este objecto era emblemático da sua perda de
do declínio da profundidade e autenticidade com que poder já que, e no sentido denunciado por Ivan Illich,
experimentamos as emoções. De resto, e como afirma apenas alguns especialistas conhecem o funcionamento
Bauman (2005), necessitamos do computador e outras da máquina.
tecnologias para nos ligarmos uns aos outros. Usamos
o telemóvel e as mensagens instantâneas para sentirmos • Navegamos por superfícies. Através da análise de
que alguém está disponível em qualquer momento e se Sherry Turkle sobre o desenvolvimento da nossa rela-
preocupa connosco. Do mesmo modo, um dos elemen- ção com o computador, concluímos que temos vindo a
tos de sedução dos mundos virtuais é que aí há sempre escolher navegar por superfícies preparadas para nós,
alguém interessado em interagir connosco. as quais adaptamos em função daquilo que nos é per-

114 sísifo 3 | recensões


mitido, sendo que essa ideia de adaptação é cada vez que, segundo Zizek (2004), não representa uma novi-
mais sedutora. Superfícies que assumimos que são de- dade na medida em que precisamos de “testemunhas”
masiado complexas para serem analisadas e nas quais para os nossos actos. Apresentar‑se no espaço público
navegamos com os nossos avatares — desdobramentos virtual pode ser então uma boa forma de ter essa audi-
identitários descartáveis — entrando em jogos em rede, ência anónima. No domínio do privado, levantam‑se
participando em fóruns, iniciando‑nos em simulações questões de segurança quer no que respeita às relações
da vida real. Neste aspecto, a autora segue a visão de que os utilizadores estabelecem entre si através da In-
Baudrillard (1991) sobre as simulações que efectuamos ternet, quer quanto ao rastro que vamos criando on‑line
a partir de outras simulações. Arriscaria que esta sedu- e pelo qual somos responsáveis. Os nossos “actos vir-
ção, esta “não‑inscrição”, é a mesma que tem conduzido tuais” são‑nos imputados, através dos mecanismos de
à expansão dos universos fantásticos (Tolkien, Harry vigilância.
Potter, New Age). Em troca, recebemos o prazer da na-
vegação. Navegamos para ampliarmos o nosso self: para • Diários públicos. A “explosão” de weblogs pesso-
“deixar de ser eu e ser outro”, testando os nossos limi- ais veicula uma nova relação do indivíduo com a refle-
tes, ou para nos conhecermos, procurando uma unida- xividade e a autobiografia, bem como com a autoria de
de condensadora da nossa identidade e ampliando o seu conteúdos. Temos necessidade de existir on‑line para
espelho. Somos fascinados por este mundo de criação, termos reconhecimento.
ainda que dentro do que nos é permitido criar. Pela
ponta dos dedos nos teclados dos nossos computadores • Novas formas de exclusão. A institucionalização da
aproximamo‑nos, na perspectiva de Donna Haraway, “existência virtual” cria novas formas de exclusão base-
da imagem da mão de Deus e do seu dedo criador. Po- adas, por exemplo, na literacia digital.
demo‑nos tornar peritos em “manobrar” uma superfí-
cie (um jogo de computador, um sistema operativo) sem • Novos espaços de encenação. A utilização de sof-
conhecer em profundidade o seu funcionamento. Cons- tware social (do qual o Orkut, o Hi5, Myspace e o Fa-
truímo‑nos assim a partir da máquina e não o oposto. O cebook são os mais populares) tem vindo a ganhar um
desenvolvimento da nossa relação com o computador é grande impacto na estruturação da vida socioafectiva
então apresentado pela autora como uma metáfora da dos jovens. Este tipo de software convida a uma “apre-
primazia da superfície sobre a profundidade, da simu- sentação de si” (através da selecção de imagens, criação
lação sobre o real, do lúdico sobre o sério. de redes de amigos, descrições sobre si próprio), fora
dos avatares, e impõe‑se cada vez mais como um espa-
• O virtual como moratória. A Vida no Écrã mos- ço de encenação do sujeito. Neste caso, trata‑se não de
tra‑nos, a partir das experiências dos utilizadores, criar personagens virtuais, mas antes de construir a sua
como o mundo virtual pode ser usado enquanto la- própria identidade on‑line, selecionando o que se mos-
boratório de experiências da própria identidade (“Na tra e o que se silencia, seguindo práticas comuns.
Internet ninguém sabe que tu és um cão”, p. 16), no
qual nos inventamos à medida que progredimos. Este No nosso quotidiano é‑nos solicitado que tenhamos
é então um elemento de atracção dos mundos virtuais: uma vida pública virtual e é cada vez mais difícil esca-
a possibilidade que oferecem de experimentar, jogar, par a essa sedução. Neste contexto a A Vida no Écrã tem
testar as identidades, como um espaço de adolescência o mérito de, através da consulta directa à experiência
prolongada. Ora é esta possibilidade de desdobramento mais subjectiva de utilizadores, nos traçar o percurso
da personalidade que leva a autora a constatar que para de constituição das relações com a tecnologia, de fazer
muitos utilizadores a participação em mundos virtuais a leitura deste fenómeno recorrendo a diversas corren-
é uma terapia de natureza semelhante ao psicodrama e tes de pensamento e de mostrar como a cultura emer-
um período de moratória. gente da simulação afecta as ideias de corpo, mente e
máquina, levando‑nos a questionar “o que é o real? O
que estamos dispostos a considerar real? Até que pon-
Tendo decorrido uma década desde a edição portugue- to estamos dispostos a tomar as simulações por reali-
sa de A Vida no Écrã, o tema da “identidade na era da dade? De que modo conservamos a percepção de que
internet” ganhou novos contornos, que naturalmente existe uma realidade distinta da simulação?” (p. 108),
não são abordados pela autora, como por exemplo: questões que abrangem o nosso quotidiano e não são
específicas das práticas de utilização da Internet e dos
• Vigiados e vigilantes. As tecnologias disponíveis e computadores na aprendizagem. Assim, só aceitando
a ampliação da nossa existência para uma dimensão vir- esta prerrogativa de que humanidade e tecnologia se
tual permitem‑nos vigiar mais e ser mais vigiados (note­ encontram estreitamente ligadas entre si poderemos,
‑se, a título de exemplo, o interesse pelas webcams), o como sugere Zizek (2004), questionarmo‑nos acerca da

sísifo 3 | recensões 115


“realidade do virtual” e da “virtualidade do real”, pro- lona, a 22 de Maio. Consultado em Julho de 2007,
curando resposta não para o que o sujeito produz, mas em http://www.macba.es/media/haraway/
para de que modo o sujeito é produzido nestas práticas Zizek, S. (2004). The reality of the Virtual. A film by Ben
e nestes discursos. Wright. Saint Charles, IL: Olive Films.

Referências blibliográficas
Mónica Raleiras
Baudrillard, J. (1991). Simulacros e simulação. Lisboa:
Relógio D’Água Editores.
Bauman, Z. (2005). Identidade. Rio de Janeiro: JZE.
Butler, J. (2003). Problemas de gênero: Feminismo e
subversão da identidade. Rio de Janeiro: Civilização Raleiras, Mónica (2007). Recensão da obra “A vida no écrã. A identidade
Brasileira. na era da internet”, de Sherry Turkle [1997]. Lisboa: Relógio d’ Água.
Haraway, D. (2006). When species meet: feminism after Sísifo. Revista de Ciências da Educação, 03, pp. 113‑116.
cyborgs. Conferência proferida no MACBA, Barce- Consultado em [mês, ano], em: http://sisifo.fpce.ul.pt

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s í s i f o / r e v i s t a d e c i ê n c i a s d a e d u c a ç ã o · n .º 3 · m a i / a g o 0 7 issn 1646 ‑4990

Conferências
Como as comunidades virtuais de prática
e de aprendizagem podem transformar
a nossa concepção de educação
Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação
da Universidade de Lisboa, 31 de Maio de 2007

José L. Rodríguez Illera


As comunidades virtuais aparecem como o resultado Neste artigo, e atentos os seus limites, propusemo­
de uma prática continuada, a partir dos anos 80 ou até ‑nos analisar os elementos desta problemática, isto é,
antes, quando as tecnologias de comunicação passaram como se gerou uma concepção que inter­‑relaciona as
a permitir interligar um grande número de utilizado- comunidades (virtuais ou presenciais), a prática quo-
res num espaço comum de intercâmbio de mensagens. tidiana e a aprendizagem, de forma a ficarem comple-
Exemplos bem conhecidos e documentados são comu- tamente unidas. Não o faremos tanto de um ponto de
nidades como a UseNet, com milhões de utilizadores, a vista histórico, mas procuraremos sobretudo mostrar as
Minitel, em França, a WELL, nascida nos Estados Uni- vantagens, sem esquecer as dificuldades, além de espe-
dos (Reinghold, 1996). As tecnologias subjacentes são cialmente destacar as suas repercussões para o campo
anteriores ao desenvolvimento da Internet, a começar educativo.
pelo correio electrónico, seguido dos portais de anún-
cios e posteriormente dos fóruns de discussão, dos sí-
tios web e até tecnologias mais recentes como os diários O conceito de comunidade
ou weblogs, ou os wikis e outras mais especializadas.
Juntamente com este desenvolvimento tecnológico, Comunidade é uma palavra que provém do latim com-
cujo uso foi sempre explorado pelos utilizadores para mune e communis, conjuntamente, em comum, con-
além dos desenhos originais, outra linha surgiu, neste junto de pessoas que se vinculam pelo cumprimento
caso mais académica, baseada na ideia de comunidade: de obrigações comuns e recíprocas (Corominas, 1987)
a que enfatiza o carácter social da aprendizagem e que e que se utiliza desde meados do século XV. Além da
a pensa sempre como resultado de uma situação comu- sua raiz e acepção em usos importantes como comunis-
nal ou societal, mais que como matéria meramente in- mo e comunicação, o seu interesse teórico, pelo menos
dividual ou pessoal. Esta linha provém, desde logo, de para os nossos propósitos (para uma revisão histórico­
Vygotsky e seus continuadores (Cole, 1996; Leontiev, ‑filosófica, ver Todorov, 1996), provém da distinção
1978), assim como de outras tradições não menos impor- clássica de Tönnies (1979 [1887]) entre Comunidade e
tantes como o pragmatismo norte­‑americano de J. Dewey Associação. Tönnies elabora esta distinção no contexto
e G.H. Mead — para uma revisão histórica, ver Valsiner de pensar formas distintas de agrupamento, particular-
e van der Veer (2000). Mais recentemente, a crítica an- mente as que distinguiriam a sociedade pré­‑industrial
tropológica (Lave, 1988), e a psicológica e pedagógica, da que se desenvolve a partir do século XVIII e do sécu-
criticaram a visão meramente cognitiva/cognitivista da lo XIX, em especial. A Comunidade seria uma forma de
aprendizagem a partir de uma perspectiva que coloca em agrupamento baseada na proximidade, partilha de ex-
primeiro lugar o carácter altamente contextualizado de periências e formas de vida ou mundividências, sensibi-
qualquer aprendizagem. O resultado acumulado de am- lidades e experiência, instituições como a família, mais
bas as tradições é uma concepção, que hoje em dia pode- ligada a ambientes rurais ou grupos de pequena dimen-
ríamos considerar de grande importância, que enfatiza são; pelo contrário, a Associação reger­‑se­‑ia por um dis-
o carácter social e comunitário da aprendizagem e a im- tanciamento experiencial e físico, um tipo de agrupa-
portância dos diferentes contextos de socialização, ou mento baseado na conveniência, com uma duração tem-
de prática, como geradores dessa mesma aprendizagem. poral mais circunscrita aos interesses compartilhados.

117
Embora a distinção de Tönnies, como dissemos, se “(1) conhecimentos, valores e crenças partilhadas; (2)
enquadre na problemática geral, que partilha com ou- histórias coincidentes entre os seus membros; (3) in-
tros sociólogos, do pensamento sobre a passagem da terdependência mútua; (4) mecanismos de reprodução
sociedade pré­‑industrial para a sociedade moderna, o […] (5) uma prática comum e/o um empreendimento
certo é que utiliza uma forma de dualidade que pode mútuo; (6) oportunidades para interagir e participar;
conduzir ao erro. Não só porque se baseia em tipos ide- (7) relações significativas; e (8) respeito pelas distintas
ais, isto é, formas idealizadas que abrangem realidades perspectivas e pontos de vista minoritários”.
muito mais diferenciadas e, portanto, matizáveis; essa Como Shumar e Renninger (2002) mostraram clara-
é uma característica geral deste tipo de dualismos que mente na sua análise do conceito de comunidade, não se
nos permite pensar de maneira esquemática uma rea- pode dizer que o próprio conceito esteja perfeitamente
lidade subjacente muito mais complexa. Mas também definido, nem que as classificações sociológicas men-
porque tende a fazer­‑nos pensar que tais extremos idea- cionadas possam dar conta dos matizes em presença,
lizados podem chegar a existir como tais. E que conse- nem, tão­‑pouco, que a ideia utópica das comunidades
quentemente o que é chamado Comunidade é algo que como formas organizacionais seja muito realista. As co-
podemos encontrar como forma associativa de forma munidades, virtuais ou não, são sempre organizações
concreta e real. temporais, coesas mas multi­‑nível, tanto pelos interes-
Algo parecido ocorre com a distinção de Durkheim ses individuais (o tema em torno do qual gira a comuni-
(1982 [1900]), que procura conceber as formas de coesão dade), como pelo enquadramento institucional e social
social na perspectiva dos laços que se produzem entre em que ocorrem. Em qualquer caso, tudo depende de
os membros de um grupo, em termos de solidariedade considerarmos que uma comunidade é uma entidade
mecânica e solidariedade orgânica. que pode ser descrita, com características reconhecí-
A ideia de Comunidade aparece, pelo menos na re- veis e em que o seu aspecto estrutural é determinante,
flexão sociológica inicial, com uma dupla acepção: de ou, então, como uma entidade com valor fundamental-
carácter metodológico (Tönnies, Durkheim), enfati- mente simbólico, de estabelecimento de limites, e por
zando a sua descrição, assim como os mecanismos que isso intencional, devendo ser descrita também a partir
a constituem e, desde logo, os seus limites; e, por outro de dentro da experiência dos seus participantes. Se a
lado, de carácter semântico, contendo uma conotação sua definição é imprecisa — razão pela qual o concei-
quase nostálgica sobre o que se perdeu ao passar para to de comunidade pode ser útil — sê­‑lo­‑á pelo grande
a modernidade (como o assinalaram Cohen, 1985; Shu- número de pertenças com que pode ser examinado ou
mar & Renninger, 2002), isto é, a coerência do sistema construído (sobretudo se pensarmos que a sua existên-
de vida baseado em formas de relação mais interdepen- cia é fundamentalmente simbólica, como assinala Co-
dentes e coesas, de proximidade quotidiana e com uma hen, 1985).
grande implicação afectiva para todos os participantes.
Assim, na definição de Hunter (2002, p. 96): “uma
comunidade virtual é definida como um grupo de pes- As comunidades virtuais
soas que interagem entre si, aprendendo com o trabalho
das outras e proporcionando recursos de conhecimen- A par das comunidades virtuais “em geral”, que se
to e informação ao grupo, em relação a temas sobre os criam por motivos muito diferentes (desde o consumo
quais há acordo de interesse mútuo. Uma característica de informação, a interesses particulares num tema con-
definidora de uma comunidade virtual neste sentido é creto, passando pelo recurso a canais de comunicação
o facto de uma pessoa ou instituição dever ser um con- estáveis), as comunidades de prática são organizações
tribuinte para a base de conhecimento em evolução do que mantêm uma continuidade temporal, mas que so-
grupo e não somente um receptor ou consumidor dos bretudo se definem pela partilha de uma prática entre
seus serviços ou base de conhecimentos”. A definição os seus diferentes membros, mais que por ter uma ideia
não só não diz nada sobre o carácter virtual, ou não, da de comunidade muito mais definida que as comunida-
comunidade, como também enfatiza de tal forma as ca- des virtuais esporádicas, conjunturais.
racterísticas de participação e implicação dos membros Wenger (1998) mostrou as inter­‑relações que se dão
em relação às comunidades de prática, que apenas aco- no interior das comunidades de prática, entre uma
lhe posições mais periféricas como as assinaladas por nova visão da aprendizagem, a identidade que resulta
Lave e Wenger (1991). Nesta visão idealizada, todos os de pertencer à comunidade e o significado que se atri-
membros contribuem co­‑responsavelmente. bui às práticas comuns. As comunidades de prática não
Há outras definições que também insistem numa só estariam, em muitos âmbitos, praticamente ocultas
concepção de máximos. Barab, MaKinster e Schekler ao nosso olhar (que até recentemente não lhes presta-
(2004, p. 54), retomando uma definição anterior (Barab va atenção) como também constituiriam um elemento­
& Duffy, 2000), assinalam as seguintes características: ‑chave a considerar na compreensão dos processos e

118 sísifo 3 | josé l. rodríguez iller a | como as comunidades virtuais de pr ática e de aprendizagem…
mecanismos de influência educativa que ocorrem em nada mais lhes reste senão cumpri­‑las, isto é, se virmos
contextos educativos (quiçá com mais propriedade de- que a virtualidade pressupõe um conjunto de diferenças
signados de sociais) não formais e informais, e inclusi- ligadas à especificidade das novas formas de mediação
vamente em instituições formais, e os quais a reflexão e de interacção e que, portanto, estão a criar comunida-
pedagógica tradicionalmente apenas tem sabido invo- des diferentes das tradicionais. Alguns autores (Hung
car, mas sem compreender os seus modos de actuação. & Nichani, 2002) puseram em dúvida que se tratasse de
Contrariamente às concepções de aprendizagem autênticas comunidades, antes as considerando como
que provêm da psicologia cognitiva, o enfoque das co- quase­‑comunidades, pelas dificuldades de catalogação
munidades de prática une vários eixos de forma indis- e diferenças tão profundas que mantêm. No entanto,
solúvel. Illeris (2002) mostrou como à noção de apren- pensá­‑las como quase­‑comunidades não parece con-
dizagem subjazem dimensões ou eixos analiticamente duzir a um ganho teórico especial, senão apenas a uma
muito diferentes, mas unidos na experiência das pes- definição por contraposição ou pela negativa.
soas: aspectos cognitivos, afectivos e sociais. Todos Pois, precisamente, a virtualidade (no sentido sim-
eles se encontram juntos na experiência, como assinala ples de ser não­‑presencial e mediada telematicamente)
Dewey (1997), esta, sim, considerada um conceito maior conduz à perda de alguns dos componentes interactivos
a orientar a teoria educativa de raiz pragmática e social, que se consideravam muito importantes na teorização
poucas vezes retomada mais recentemente. A sistemati- das comunidades de prática: a presença e a interacção
zação de Illeris situa no centro do seu triângulo de pen- face a face inclui uma boa dose de elementos não­‑verbais
samento sobre a aprendizagem a posição de Wenger e a que contribuem para situar o significado de uma men-
das comunidades de prática, como equilíbrio singular sagem, e, de facto, considera­‑se que a interpretação do
entre todas as dimensões. canal não verbal está associada à veracidade da mensa-
Portanto, a teorização sobre as comunidades de gem. Isto é, na comunicação mediada por computador
prática pressupõe também uma mudança importante (CMC) perde­‑se, em parte ou totalmente, conforme o
nas concepções de aprendizagem. Assim como as de- tipo de CMC, um canal muito importante de comunica-
nominadas comunidades virtuais de aprendizagem se ção, o que no caso das comunidades virtuais conduziu a
baseiam em teorias novas sobre a aprendizagem (como, que, até ao presente, se venham baseando quase exclu-
por exemplo, a aprendizagem colaborativa), se bem que sivamente na escrita. Há excepções importantes, como
relativamente difundidas e apesar disso pouco compre- o caso da Second Life, e de outras que sem dúvida se vi-
endidas, as comunidades de prática mudam o enfoque rão a desenvolver, no entanto, o facto de genericamente
do que se entende por aprendizagem. Não se trata de se basearem na escrita é algo habitual em muitas ordens
considerar que uma abordagem é mais importante do culturais e de grande potencialidade tanto expressiva
que a outra, mas de entender as suas diferenças e pro- como comunicativa.
curar situar a noção de aprendizagem num contexto Em qualquer caso, as comunidades virtuais pare-
mais geral: o da instituição educativa, mas sobretudo cem ter­‑se adaptado muito bem a essas restrições. Tan-
o da própria vida das pessoas que aprendem — mesmo to as de prática como as de aprendizagem tiveram de
para além da sua pertença temporal a uma instituição reforçar o valor simbólico da sua pertença: ao não ha-
educativa. ver laços pessoais baseados em formas de comunicação
De algum modo, o que está em jogo nestas concep- directa (fala, gestualidade, posição) nem um critério de
ções sobre as comunidades de prática não é apenas a proximidade geográfica, o carácter simbólico da comu-
aprendizagem — muito menos uma abordagem didáctica nidade saiu reforçado. O facto da comunicação ser basi-
que a contempla como mero output de eficácia dos pro- camente escrita conduziu a que os limites que definem
cessos de ensino—, mas a relação entre a aprendizagem e uma comunidade sejam sempre explícitos. A escrita e
o conjunto da vida pessoal e social. A referência à comu- o registo permanente das interacções anularam a dupla
nidade, como origem da vida social e, portanto, como visão, externa e interna, emic e etic, que se poderia ter
principal contexto de referência para qualquer sujeito, ao observar uma comunidade, pois tudo nas comunida-
faz com que a aprendizagem não seja vista como um fim des virtuais é exterioridade e falta de complexidade na
em si mesmo (o que ocorre muitas vezes nas abordagens definição das fronteiras.
meramente pedagógicas ou psicológicas), mas como Paralelamente e atentas as dificuldades de uma abor-
uma componente mais do conjunto da experiência1. dagem estrutural, as comunidades podem ser caracteri-
Saber se as comunidades, quer de prática quer de zadas de forma funcional. Este é o enfoque de muitas
aprendizagem, entraram numa nova era digital e podem das classificações mais habituais e talvez mais interes-
ser “virtuais” é obviamente um aspecto central. Não santes, se considerarmos que, apesar dos problemas
há dúvida de que, em muitos casos, essa é a forma que que transporta uma classificação funcional, ela oferece
adoptam, especialmente se não as assoberbarmos com distinções mais finas que as tentativas anteriores de ca-
um número de atributos e condições tão exaustivo que racterizar comunidades por características genéricas.

sísifo 3 | josé l. rodríguez iller a | como as comunidades virtuais de pr ática e de aprendizagem… 119
Neste contexto, Riel e Polin (2004) distinguem entre vavelmente todas exprimem um aspecto relevante e os
comunidades de aprendizagem orientadas para tarefas, matizes que formam ganham sentido do ponto de vista
comunidades orientadas para práticas e comunidades que utilizam.
orientadas para a construção de conhecimento. A pri- Procuraremos agora comentar algumas das pro-
meira é um grupo de pessoas unidas com o fim de rea- blemáticas que se nos abrem, tanto a nível conceptual,
lizar uma tarefa e obter um produto; trata­‑se de um tipo como a nível da prática, assim como o seu interesse para
específico de trabalho/aprendizagem colaborativa, mas as teorizações sobre educação.
a ênfase na comunidade torna­‑o diferente pela relevân-
cia outorgada ao contexto organizacional. a) Em primeiro lugar, a mudança no conceito de
As comunidades orientadas para a prática corres- aprendizagem habitualmente utilizado em educação
pondem à ideia de comunidades de prática, isto é, um — e que é preponderantemente de carácter psicológi-
grupo amplo de pessoas que revelam interesse em par- co. A ênfase de Wenger (1998) numa teoria social da
tilhar uma prática em comum. A aprendizagem que se aprendizagem, reunindo muitos contributos anteriores,
produz pode ser muito importante e apresenta as carac- é uma mudança de perspectiva, embora acrescente con-
terísticas assinaladas por Wenger (1998). Finalmente, as ceitos novos, mas é sobretudo a estreita interligação en-
comunidades de aprendizagem baseadas na construção tre conceitos anteriormente separados: aprendizagem,
de conhecimento são semelhantes às anteriores, mas identidade, prática, significado, comunidade, contexto.
cumprem o objectivo específico de produzir conheci- A teorização sobre a aprendizagem como um elemento
mento como resultado do processo de discussão sobre aglutinador dos outros enumerados, ou se se preferir
a prática. como um elemento aglutinado da participação social, é
Cada uma delas é pensada de acordo com uma sé- provavelmente a chave, ou uma das chaves, para abordar
rie de dimensões: a pertença como membro da comu- o que na tradição pedagógica se tem chamado educação
nidade, características das tarefas ou dos objectivos de não formal e, especialmente, uma boa parte da denomi-
aprendizagem do grupo, estruturas de participação e nada educação informal. De facto, as teorias educativas
mecanismos de crescimento e reprodução. sempre se moveram melhor enquanto o seu enfoque foi
Outras caracterizações, como a de Hakkarainen et a escola ou a educação formal em geral, pela dificuldade
al. (2004), mais uma vez através da aplicação de um em pensar com os conceitos habituais (instituição, ob-
critério funcional, mostraram, no contexto das comuni- jectivos, matéria, professor, lição, avaliação, etc.) situa-
dades virtuais de aprendizagem, os diferentes tipos de ções muito menos organizadas, em comparação com a
modalidades que elas adoptam: o critério, neste caso, é forma particular que adopta o ensino regular.
o do tipo de participação e objectivos dos participan- Porventura, a consequência mais importante desta
tes. Distingue­‑se, assim, entre comunidades em que os teoria, para além dos aspectos metodológicos, encontra­
membros procuram a aquisição de conhecimento, par- ‑se no reposicionamento da aprendizagem (tradicional)
ticipam activamente, ou, por fim, criam conhecimento como valor educativo último. Os enfoques evolutivos,
novo conjuntamente com outros participantes. Hakka- construtivistas ou não, tendem implicitamente a pensar
rainen e os seus colegas baseiam­‑se, ainda que matizem, a relação educativa como um processo de desenvolvi-
no enfoque de Scardamaglia, Bereiter e outros autores mento intelectual do aprendiz, e em menor medida
sobre as comunidades construtoras de conhecimento afectivo e social, do qual importa, sobretudo, alcançar
como objectivo educativo. Esta abordagem, muito re- o momento posterior que integre os precedentes. Este
lacionada com uma aplicação informática especialmen- tipo de crítica (Walkerdine, 1984) sobre o fundamento
te criada para o efeito (primeiro denominada CSILE teleológico do raciocínio foi realizado particularmente
e mais tarde Knowledge Forum), enfatiza a análise das no caso piagetiano — se bem que, sempre convém re-
comunidades virtuais em ambientes intencionalmente cordar, o próprio Piaget apenas se tenha centrado na
educativos, mas na perspectiva de criação de conheci- aprendizagem. Mas a teoria social da aprendizagem não
mento de modo colaborativo e reflexivo entre todos os pensa, em geral, em termos evolutivos (talvez porque o
participantes. seu foco principal sejam os adultos), de maneira que a
aprendizagem aparece completamente relacionada com
o resto da vida pessoal e social dos sujeitos e não só com
Consequências para a pedagogia o domínio cognitivo de competências e destrezas, a ad-
quirir. Este reposicionamento pressupõe que a aprendi-
Esta revisão rápida mostra­‑nos as dificuldades do con- zagem não seja considerada como o fim único ou último
ceito, mas também nos mostra o seu potencial de ope- da prática, mas como um elemento de interligação entre
racionalização em contextos formalmente educativos e aspectos que têm a mesma importância para o sujeito
em contextos de vida quotidiana e de trabalho, além das que a simples melhoria do desempenho ou aquisição de
múltiplas classificações de que pode ser objecto. Pro- determinadas habilidades.

120 sísifo 3 | josé l. rodríguez iller a | como as comunidades virtuais de pr ática e de aprendizagem…
b) Em estreita relação com a consequência anterior, a tácita: aprende­‑se pela própria prática, por mais que se
ligação que se estabelece entre a aprendizagem e o mun- possa intervir sobre os mecanismos mentais implicados
do do trabalho. Não é a única teoria que enfatiza estas (Schank, 1995) e ainda que sempre dentro dos limites
relações (Engeström, 1987; Engeström, Miettinen & Pu- que impõe a própria dinâmica das comunidades.
namäki 1999; von Cranach & Harré, 1982), mas contra- Por outro lado, a ideia de que há uma garantia (re-
riamente às concepções sobre a teoria da acção e da acti- presentada tradicionalmente pelo professor ou pela
vidade, que deram prioridade a uma densa descrição das própria instituição educativa) quanto ao significado
relações em contextos complexos do mundo do trabalho, e interpretação da experiência, ou das representações
esta centra­‑se mais em compreender como reformular o conceptuais e escritas, é relativizada por uma dupla ca-
conceito de prática, unindo­‑o ao de aprendizagem, iden- racterística: a posição de quem tem mais conhecimento
tidade, significado e outros, e assim mostrando o carácter é sempre uma posição adquirida, por força da interacção
transformador da actividade quotidiana. As aplicações e do diálogo, além disso, a manutenção dessa posição ao
não se fizeram esperar, iniciadas pelo próprio Wenger, longo do tempo também não está predeterminada, ela
e por vezes sob o enfoque da gestão do conhecimento, depende pelo contrário da manutenção da implicação
e logo prosseguidas por outros autores como Saint­ na comunidade. Wenger, McDermott e Snyder (2002),
‑Oge e Wallace (2003), Hildreth e Kimble (eds., 2004). Levin e Cervantes (2002) iniciaram uma análise da
As consequências deste percurso teórico são varia- evolução temporal das comunidades de prática, assim
das. Uma consequência evidente reside nos objectivos como das distintas posições dos seus membros, embora
da própria abordagem: Não só descrever mas também não do ponto de vista da compreensão das consequên-
transformar. Ainda que esta mudança de pertinência cias para a aprendizagem.
seja mais um desejo que uma realidade, o certo é que
fixa um novo horizonte para a teoria, pois as questões d) Um novo olhar sobre o papel dos grupos, naturais
metodológicas sobre a unidade de análise ou o detalhe o artificiais, no desenvolvimento pessoal e na aprendiza-
na descrição de uma actividade não se apresentam como gem. Este aspecto não é obviamente novo, mas talvez te-
as primeiras, o que faz com que a própria abordagem nha sido pouco considerado. Apenas com o advento das
seja diferente. Poder­‑se­‑á objectar, desde logo, que é um teorias da aprendizagem colaborativa se repensaram os
retrocesso em relação a descrições mais pormenoriza- grupos, embora quase sempre se tenha tratado de gru-
das, mas cremos tratar­‑se de uma mudança de enfoque pos criados artificialmente com fins de aprendizagem;
e de pertinência: como ocorre em muitos outros casos, de facto, as comunidades virtuais de aprendizagem
uma mudança de pertinência quanto ao que se consi- pertencem maioritariamente a esta categoria e utilizam
dera que deve de ser explicado determina colocar em a ideia de colaboração como eixo central para a com-
primeiro plano aspectos até esse momento descurados preensão dos processos de aprendizagem que ocorrem.
e, inversamente, a perda de visibilidade de outros que
até esse momento se consideravam mais centrais.
Potencial e problemas
c) Outra das consequências é o lugar que ocupa a
influência educativa. Por um lado, os mecanismos cons- Em conjunto, a problemática das comunidades virtuais
cientes que os professores utilizam para influenciar os abre um espaço de reflexão e reconceptualização para a
alunos aparecem diluídos numa interacção mais com- pedagogia e, em geral, para o estudo das novas formas
plexa e com muito menos regras e hierarquias — e não de comunicação e sociais associadas à virtualidade. É
tanto porque não estejam contempladas, mas porque certo que nem todos os tipos de comunidades virtuais
não são o único aspecto a considerar. Talvez esta seja têm o mesmo status: as mais genéricas, movidas pelo
uma das diferenças centrais entre as comunidades de avanço da chamada web social, como são os diários ou
prática e as de aprendizagem: nestas últimas, a influên- blogs, com números na ordem das centenas de milhão,
cia educativa está situada em primeiro lugar, de manei- as macro­‑comunidades, como MySpace ou o YouTube,
ra explícita e intencional, repensada ou matizada por se é que o próprio termo de comunidade tem algum sen-
enfoques teóricos que contemplam a influência entre tido para elas, ou os grupos de discussão em torno de
iguais, o consenso democrático sobre os objectivos de um tema de interesse comum, são exemplos de como
aprendizagem, ou o situar os interesses dos aprendizes o avanço tecnológico potenciou as capacidades comu-
no centro da acção educativa, mas sempre no contexto nicativas globais, mas também como se revela comple-
de um processo educativo maioritariamente situado no xo pensar em termos de intervenção educativa. Não há
interior de uma instituição educativa que o assegura e dúvida de que há e continuará a haver uma reutilização
o tutela. No entanto, a influência nas comunidades de educativa destes progressos tecnológicos, se bem que
prática não é tão intencionalmente educativa, embora o seu valor como comunidades educativas ainda esteja
obviamente também o possa ser, quanto o é implícita e por estudar.

sísifo 3 | josé l. rodríguez iller a | como as comunidades virtuais de pr ática e de aprendizagem… 121
No outro extremo situam­‑se as comunidades virtu- te, seria impossível situar todo o tipo de aprendizagem
ais de aprendizagem. Os educadores encontraram nelas em relação a uma comunidade (virtual ou não), e não
uma possibilidade concreta de utilização da força social só por problemas operativos e organizacionais relativos
das comunidades para fins educativos, sobretudo pelo ao curriculum, ao tempo disponível e ao ritmo que re-
modo como as formas colaborativas permitem abordar quer uma aprendizagem global ou total no interior de
tarefas em equipa ou aprender uma nova forma de tra- uma comunidade, mas também porque nem todos os
balhar e inclusivamente de pensar. O carácter social da conhecimentos educativos parecem necessitar de ser
colaboração manifesta­‑se nelas como tendo a mesma adquiridos ou construídos no seio de uma comunidade
relevância que as aprendizagens cognitivas, o que exige de prática, para além da escolar ou da familiar. Berei-
uma reflexão importante sobre os próprios objectivos ter (1997) assim o afirmou na sua crítica à aprendizagem
destas comunidades e da educação. As comunidades situada, em relação ao conhecimento abstracto que se
virtuais de aprendizagem e outras formas de aprendiza- produz em contextos universitários e de investigação,
gem colaborativa mais conjunturais continuarão a cres- e cremos que seria aplicável às comunidades de prática
cer cada vez mais à medida em que a sua operacionaliza- — não porque se não produza conhecimento novo sem
ção, tanto tecnológica como pedagógica, se vá tornando relação com uma comunidade de prática (ou de comu-
menos complexa que na actualidade. nicação, em terminologia filosófica), mas porque feliz-
mente acontece não apenas em relação com ela.
As comunidades virtuais de prática constituem
uma abordagem mais recente e, como referimos, uma Enfim, o conceito analisado por Wenger não abran-
reconceptualização de vários temas centrais da teoria ge, como é lógico, todas as formas de interacção (para
educativa. No entanto, e talvez pelo seu grande interes- algumas posições críticas, ver Barton & Tusting, eds.,
se teórico, tão­‑pouco deixam de apresentar as suas pró- 2005). Embora registe progressos significativos em re-
prias interrogações. Há quem as pense (Henri & Pude- lação a concepções anteriores — incluindo as teorias
lko, 2003) como um grau superior das comunidades de post­‑vygostkyanas sobre a actividade que consideram
aprendizagem, no sentido em que nas comunidades de o sujeito individual como eixo e origem da activida-
prática sempre se produz algum tipo de aprendizagem, de—, precisamente porque oferece um esquema sobre
embora, como eles mesmos referem, se trate de uma a complexidade das interacções comunitárias (e das
aprendizagem por “apropriação de novas práticas”, isto suas consequências em termos de aprendizagem e iden-
é, na linha de Lave e Wenger (1991). tidade), deixa ainda espaço para outros tipos de análise
Outra das interrogações, como sugerem Hung das formas de interacção, virtuais ou não, entendidas
e Nichani (2002), tem a ver com a dúvida sobre se se como actividade conjunta. Nardi, Whittaker e Schwarz
trata de autênticas comunidades ou antes de quasi­ (2002) analisam o que designam de redes intencionais: o
‑comunidades: esta contraposição não parece muito conjunto de interlocutores que uma pessoa determina-
útil, como se já referiu, pois além do mais haveria que da tem, o conhecimento acumulado de contactos pes-
alargá­‑la às comunidades virtuais de aprendizagem e às soais, que lhe permite organizar um trabalho conjunto
comunidades virtuais em geral, a menos que se consi- ou uma equipa (e que constitui, portanto, uma parte do
derassem as características de contraposição (p.ex. os seu capital social), mas cujos actores se não conhecem
laços de reciprocidade débil das comunidades virtuais) necessariamente entre si. As redes intencionais não se
como geradoras de tipos de actividade diferençada 2. confundem com as comunidades de prática, mas cons-
tituem outra forma de pensar como actuam as relações
Por outro lado, há quem considere que as comunida- na realidade quotidiana, em múltiplos contextos.
des virtuais de prática constituem a forma adequada de Algo assim ocorre com os nodos de trabalho anali-
realização de aprendizagens autênticas (Barab & Duffy, sados por Engeström, Engeström e Vähäaho (1999),
2000), isto é, aquelas que se adquirem e são validadas quando estudam situações de colaboração ou de coo-
no interior de uma comunidade real e não só como si- peração, conforme a perspectiva, entre equipas/grupos
mulações ou problemas apresentados no interior de que se formam para realizar uma tarefa e que logo se
uma instituição educativa, a que chamam campos de desagregam (por exemplo, as tripulações de um avião,
prática. Se é certo que todas as abordagens metodoló- determinadas equipas cirúrgicas, ou até mesmo um tri-
gicas baseadas em campos de prática (casos, projectos, bunal académico reunido para julgar um projecto ou
problemas, simulações — talvez inclusivamente muitas uma tese); grupos em muitos casos sem grande conhe-
das comunidades virtuais de aprendizagem) não podem cimento prévio, que realizam uma tarefa, em geral alta-
atingir o grau de “realidade” que têm as autênticas co- mente especializada, e esse é o seu único objectivo. Tais
munidades de prática, não cremos que se possa traçar nodos não são de modo nenhum comunidades, nem
entre elas uma linha divisória tão rigorosa (Rodríguez tão­‑pouco equipas colaborativas, mas são sem dúvida
Illera & Escofet Roig, 2006). Levada a distinção ao limi- um tipo de actividade conjunta de importância social.

122 sísifo 3 | josé l. rodríguez iller a | como as comunidades virtuais de pr ática e de aprendizagem…
Poder­‑se­‑iam citar mais exemplos como as configura- line Professional Development Community. In S. A.
ções de Zager (2000), ou a análise por nexos de prática Barab; R. Kling & J.H. Gray (eds.), Designing Vir-
de Scollon (2001), ou a análise da acção proposta por tual Communities in the Service of Learning. New
Strauss (1993), todos eles procurando abranger outros York: Cambridge University Press, pp. 53­‑90.
aspectos da interacção, menos centrais para as comuni- Barton, D. & Tusting, K. (eds.) (2005). Beyond Com-
dades de prática ou de aprendizagem, precisamente por munities of Practice. Language, Power and Social
se distinguirem desse tipo de análise. Context. New York: Cambridge University Press.
Bereiter, C. (1997). Situated Cognition and How to
Como se verifica, apenas começou a reflexão sobre a Overcome it. In D. Kirshner & J. A.Whitson (eds.),
problemática das comunidades e das comunidades vir- Situated Cognition. Mahwah (NJ): Lawrence Erl-
tuais, assim como de outras formas de analisar a activi- baum Associates, pp. 281­‑300.
dade conjunta em contextos formalmente educativos e Cohen, A. P. (1985). The Symbolic Construction of Com-
sociais, em geral. O discurso pedagógico e a sua elabo- munity. London: Routledge.
ração teórica interessaram­‑se decididamente pelo assun- Cole, M. (1996). Cultural Psychology. Cambridge, MA:
to, dado terem­‑se apercebido como o conceito central Harvard University Press.
de aprendizagem se enriqueceu e tornou mais ubíquo, Corominas, J. (1987). Breve diccionario etimológico de
num processo de transformação que mudará também a la Lengua Castellana. Madrid: Gredos.
própria concepção de educação — como parece inevi- Dewey, J. (1997). Experience and Education. New York:
tável nesta sociedade digital em que nos encontramos. Free Press.
Durkheim, E. (1982 [1900]). La división social del tra-
bajo. Madrid: Akal.
Notas Engeström, Y. (1987). Learning by expanding: An
activity­‑theoretical approach to developmental rese-
1. Verificar­‑se­‑á que utilizamos “experiência” no sen- arch. Helsinki: Orienta­‑Konsultit.
tido de Dewey, retomado por Illeris, e reservamos “prá- Engeström, Y.; Engeström, R. & Vähäaho, T. (1999).
tica” para a designação tanto da forma concreta da expe- When the Center Doesn’t Hold: The Importance of
riência, como do campo de conhecimento/acção que ali- Knotworking. In S. Chaiklin; M. Hedegaard & U.
cerça o interesse comum de uma comunidade de prática. Jensen (eds.), Activity Theory and Social Practice:
2. Em tal caso, haveria inclusivamente que verificar Cultural­‑Historical Approaches. Aarhus, Denmark:
se a classificação teórica seria generalizável. Por exem- Aarhus University Press, pp. 345­‑374.
plo, Stone (1995) relata o surgimento das primeiras co- Engeström, Y.; Miettinen, R. & Punamäki, R.­‑L.
munidades baseadas em portais de anúncios e fóruns, a (eds.) (1999). Perspectives on Activity Theory. Cam-
CommuniTree e outras, comentando o caso de um per- bridge: Cambridge University Press.
sonagem inventado que participava muito activamente Hakkarainen, K.; Palonen, T.; Paavola, S. & Lehi-
numa delas; quando o seu criador decidiu abandonar nen, E. (2004). Communities of Networked Experti-
a comunidade não pode fazê­‑lo, perante a quantidade se. Oxford: Elsevier.
enorme de mensagens relacionadas com a sua persona- Henri, F. & Pudelko, B. (2003). Understanding and
gem (que os outros membros tratavam como real), che- analyzing activity and learning in virtual communi-
gando a ter que inventar uma operação —e muitos dos ties. Journal of Computer Assisted Learning, 19, 4,
membros da comunidade ofereceram imediatamente pp. 472­‑487.
todo tipo de ajudas e intenções de visita ao hospital. A Hildreth, P. & Kimble, C. (eds.) (2004). Knowled-
força da relação nem sempre depende da presença “fí- ge Networks. Innovation Through Communities of
sica”, como já se começou a teorizar nos contextos de Practice. Hershey: Idea Group.
educação virtual. Hung, D. & Nichani, M. (2002). Differentiating be-
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sísifo 3 | josé l. rodríguez iller a | como as comunidades virtuais de pr ática e de aprendizagem… 123
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124 sísifo 3 | josé l. rodríguez iller a | como as comunidades virtuais de pr ática e de aprendizagem…
s í s i f o / r e v i s t a d e c i ê n c i a s d a e d u c a ç ã o · n .º 3 · m a i / a g o 0 7 issn 1646 ‑4990

Outros artigos
A Cultura Profissional do professor
de ensino básico em Portugal: uma linha
de investigação em desenvolvimento

Telmo H. Caria
tcaria@utad.pt
Universidade de Trás‑os‑Montes e Alto Douro

Resumo:
Este artigo pretende fazer uma síntese das principais conclusões da investigação etnográfica que
realizei com professores do ensino básico nos anos 90 em Portugal. Esta síntese é feita com base
na investigação que se tem desenvolvido em Portugal sobre a educação, o trabalho e o conheci-
mento em grupos profissionais. Neste quadro, é explicado o conceito de cultura profissional e
o método etnográfico que o serve. Caracteriza­‑se a cultura e a profissionalidade dos professores
por referência às relações de poder que são desenvolvidas por este grupo face às políticas edu-
cativas de democratização do ensino desenvolvidas em Portugal, desde o final da década de 80,
pondo­‑se em evidência a dualidade de sentido existente entre o contexto de acção profissional
docente e o contexto de acção política em educação.

Palavras­‑chave:
Cultura profissional, Método etnográfico, Poder periférico dos professores, Uso profissional do
conhecimento.

Caria, Telmo H. (2007). A Cultura Profissional do professor de ensino básico em Portugal: uma li-
nha de investigação em desenvolvimento. Sísifo. Revista de Ciências da Educação, 03, pp. 125‑138.
Consultado em [mês, ano] em http://sisifo.fpce.ul.pt

125
Pretendo com este texto regressar às conclusões da in- temos dado ao conceito de Cultura Profissional (Caria,
vestigação etnográfica que realizei com professores do 2002, 2005d, 2006b, 2007a, 2007b; Caria & Vale, 1997).
ensino básico nos anos 90 em Portugal (Caria, 1995a, Ele faz parte de uma problemática teórica de inspiração
1995b, 1996, 1997, 2000). Farei sobre elas uma síntese e sociológica e antropológica que visa dar conta de três
uma leitura mais actual, face ao conhecimento que en- tipos de fenómenos sociais, relativos ao modo como as
tretanto foi desenvolvido por um grupo de investigação pessoas vivem as organizações e as instituições sociais
(seminário de análise social das profissões em traba- nas sociedades capitalistas pós­‑industriais (Beck, 1998;
lho técnico­‑intelectual (ASPTI)) (Caria, 1999b, 2001a, Bell, 2004; Boltansky & Chiapello, 1999). Estes três fe-
2002, 2005a, 2006a, 2007c) que tenho dirigido desde nómenos são: o papel institucional e a posição social
1998. Este grupo de investigadores tem­‑se dedicado ao ocupados, a identidade profissional e a actividade so-
estudo do trabalho e dos saberes de diversas profissões ciocognitiva em contexto de trabalho.
numa perspectiva que tenho designado de etnosocio-
logia dos grupos profissionais1 (Caria, 2001b, 2003a,
2005b; Filipe, 2003; Granja, 2005; Loureiro, 2006; Pe- Papel, posição e identidade social
reira, 2003, 2004). na Cultura Profissional
Este texto está organizado em torno dos seguintes
tópicos: (1) em primeiro lugar começarei por resumir No que se refere ao fenómeno do papel institucional di-
o essencial da problemática teórica sobre a temática da remos que este conceito começa por introduzir uma de-
cultura profissional; (2) mostrarei de seguida a sua de- limitação: refere­‑se às profissões cujo trabalho e empre-
pendência relativamente a uma certa concepção episte- go têm um estatuto e prestígio social elevados, baseado
mológica do método etnográfico e de como conceber o na posse de um título e de uma qualificação escolar de
“objecto cultura” em Ciências Sociais; (3) num terceiro nível superior que permite o uso e aplicação de conhe-
momento voltarei à mesma problemática para abordar cimento abstracto e científico em acções que são tidas
as principais conclusões que obtive sobre a cultura pro- como da competência exclusiva de profissionais, e não
fissional do professor em Portugal. de amadores. Deste modo, corresponde a uma procura
Em todos estes tópicos situarei a investigação sobre social de profissionalismo, consequência de haver na
os professores no contexto mais vasto da análise etnoso- sociedade uma consciência colectiva sobre a necessida-
ciológica das culturas profissionais e procurarei, ainda, de de um certo conjunto de actividades de trabalho só
responder, de forma indirecta, a alguns colegas que têm poderem ser bem desempenhadas se forem desenvolvi-
construtivamente criticado a nossa perspectiva de análise. das por profissionais com títulos escolares superiores.
Assim, esclarecerei que a nossa perspectiva interaccionis- Esta abordagem inspira­‑se nas contribuições da So-
ta e conjuntural de cultura não exclui a problemática do ciologia dos Grupos Profissionais e, em parte, na Socio-
poder e que ela não constitui um reducionismo analítico logia das Classes Sociais. Tem por base o sentido anglo­
quando trata a cultura do professor no singular e quando ‑saxónico de profissão e não o sentido comum que em
dá especial ênfase aos seus processos microsociológicos. Portugal damos à noção de profissão, relativa a qualquer
O melhor modo de começar por enunciar a nossa ocupação e emprego remunerado. Importa, por isso, fa-
perspectiva de análise estará em explicitar o uso que zer algumas especificações para melhor entender o modo

126 sísifo 3 | telmo h. caria | a cultur a profissiona l do professor de ensino básico em portugal
como lemos estas duas tradições de investigação. Em No caso, se nos referimos a professores do ensino
primeiro lugar, como deixámos explícito atrás, referimo­ básico, convirá ter presente para este efeito os estudos
‑nos a grupos sociais que respondem a uma procura de empíricos realizados em Portugal, inspirados em Eric
profissionalismo e não tanto decorrentes de uma oferta Olin Wright, nos quais este grupo profissional é catego-
de profissionalismo. De facto, a tradição anglo­‑saxónica rizado como técnicos não gestores e técnicos supervisores
da Sociologia das Profissões tendeu sempre a privilegiar (Estanque & Mendes, 1998). Esta localização de classe
a análise dos grupos profissionais que têm uma ofer- social resulta do facto de se tratar de um grupo social
ta de profissionalismo de elevado estatuto social e em assalariado, sem propriedade ou auto­‑determinação
consequência um passado histórico que começou por dos/sobre os meios de produção económica/de pro-
se organizar em profissão liberal e por se instituir em dução simbólica de verdade sobre o mundo (posição
área científica universitária. Em consequência, esta tra- dominada no capital económico e no capital científico­
dição sociológica acabou por considerar outros grupos ‑tecnológico), com elevado capital escolar (posição
profissionais como semi­‑profissões, por comparação, dominante na cultura legítima instituída) e que ocupa,
por exemplo, com médicos e advogados, que tinham como vimos atrás, posições sociais intermédias.
um passado histórico de oferta institucionalizada de Deste modo, através do conceito de Cultura Profis-
profissionalidade e de trabalho intelectual não assala- sional desenvolve­‑se uma visão do papel institucional
riado, como é o caso dos professores (Dubar & Tripier, que reconhece a importância dos processos de recipro-
1998; Rodrigues, 1997; Sánchez Martínez et al., 2003). cidade de sentido na construção do social, mas que não
É para evitar esta limitação analítica que definimos o circunscreve as profissões apenas a um ideal tipo ou a
papel profissional na lógica da procura, e não da oferta. uma idealização das relações sociais, dissociadas das
Deste modo, o valor social de um grupo profissional é condições organizacionais e das posições desiguais de
mais claramente entendido como uma construção social poder sobre recursos/capitais sociais.
plural e heterogénea, e por isso não se confunde com a Quanto ao fenómeno identitário introduz­‑se uma
legitimação da ideologia profissional de um dado grupo outra delimitação: existe uma identificação do actor
social (Caria, 2005c). Mas convirá também não esque- social com a actividade laboral que é principalmente
cer que a análise deste trabalho intelectual assalariado determinada pela interacção social (presencial ou em
pressupõe dimensões organizacionais de autonomia rede) entre pares da mesma profissão e que por isso não
técnica, simbólica e política no processo de trabalho se limita apenas à interpretação e interiorização pessoal
(Caria, 2000, pp. 117­‑221; Terssac, 1992) que o leva a do papel no quadro da instituição em que se trabalha,
ocupar posições sociais intermédias (trabalho técnico­ ou à resistência e oposição a processos de racionali-
‑intelectual ou knowledge workers) que não se confun- zação técnico­‑burocrática das organizações. Há uma
dem com os lugares organizacionais de decisão estraté- identificação do grupo profissional com a actividade,
gica (trabalho político­‑intelectual), nem com os lugares sendo esta principalmente determinada pela subjecti-
de execução prática de tarefas organizacionais (trabalho vidade colectiva dos profissionais em causa, inscrita,
técnico­‑prático ou trabalho proletário) e que não são in- como referimos atrás, na autonomia que estes têm para
teiramente coincidentes com os lugares de direcção/co- definir o processo do seu trabalho (Falzon & Teigner,
mando intermédio organizacional (Caria, 2005c, 2006b; 2001; Jobert, 2001; Sainsaulieu, 1988).
Dieuaide, 2004; Freidson, 1994, 2001; Rodrigues, 1999). Esta abordagem inspira­‑se na Sociologia do Tra-
Em segundo lugar, o sentido dado ao conceito de balho e na Teoria das Organizações que tratam dos
papel institucional não decorre apenas de uma recipro- processos sociais de subjectivação, informalização e
cidade de sentido de tipo ideal, como é comum fazer­‑se co­‑aprendizagem nas organizações sócio­‑económicas
na interpretação funcionalista da fenomenologia social (Crozier & Friedberg, 1977; Probst & Buchet, 1997; Sen-
(Pharo, 1993; cf. Lukman e Berger, 1973). Trata­‑se, de ge, 2002). Neste âmbito, importa não só considerar a
facto, de uma descrição sociológica que supõe uma re- autonomia individual no quadro dos constrangimentos
ciprocidade instituída de sentido, inscrita na subjecti- organizacionais como também o importante papel que
vidade e normatividade social, mas que está para além as estruturas informais desempenham na abertura das
dela porque, tal como Pierre Bourdieu entende, qual- organizações ao meio social envolvente (Bagla, 2003;
quer papel institucional inscreve­‑se num campo social Gadrey & Zarifian, 2002). Não se trata apenas da inte-
de práticas que é marcado historicamente pela apropria- riorização pessoal ou colectiva de um papel e na corres-
ção de recursos (capitais) e pela construção de discur- pondente identificação e/ou distanciação do “eu” com o
sos que inscrevem desigualdades de poder e conflitos requerido institucionalmente. Trata­‑se principalmente
de legitimidade. Deste modo, entende­‑se que qualquer de reconhecer que nas sociedades modernas e capitalis-
grupo profissional tem uma localização objectiva de tas existe, na actualidade, uma crise de legitimidade das
classe social face à estrutura de capitais que possui em instituições sociais (e em especial da instituição esco-
diversos campos sociais (Bourdieu, 1987). lar), que questiona a pertinência de continuar a pensar

sísifo 3 | telmo h. caria | a cultur a profissiona l do professor de ensino básico em portugal 127
os processos de socialização profissional (dos professo- cias da Educação, particularmente nas contribuições
res ou de outros grupos) apenas como uma simples in- que visam entender os processos de aprendizagem em
teriorização das condições sociais e culturais externas dois sentidos: os que vão do formal para a acção práti-
(Caria, 2005d; Dubet, 1994, 2002). A problemática em ca e os que vão da acção prática para o formal (Caria,
torno do conceito sociológico de qualificação, relativo 2007b; Correia, 1997; Schön, 1983, 1998; Tersac, 1998;
ao uso social de títulos escolares e profissionais e aos Touchon, 1998).
processos de regulamentação dos conflitos de classi- Convirá, no entanto, reter com maior detalhe os dois
ficação que eles contêm, dá conta das limitações com factos que acabámos de descrever, para não cairmos em
que hoje ainda se pensa sociologicamente a socialização simplificações relativistas ou positivistas. Assim, por um
profissional (Ramos, 2002). lado, contra alguma epistemologia positivista deverá ser
Nesta linha de pensamento será de reter, como de precisado que quando se vai do conhecimento formal
especial interesse, a abordagem que Claude Dubar faz e abstracto para a acção profissional desenvolvem­‑se
das formas identitárias e das implicações na história das processos de recontextualização que permitem aplicar
relações sociais, quando distingue uma forma identitá- princípios gerais de conhecimento a novas situações,
ria reflexiva e colectiva nas sociedades pós­‑modernas, embora não se deva cair na ingenuidade de pensar, tí-
claramente distinta da reflexividade narrativo­ pica do racionalismo dogmático, que o domínio teórico
‑individualista e dos colectivos grupais das sociedades destes princípios permite automaticamente saber apli-
tradicionais (Caria, 2006c; Dubar, 2000). Deste modo, car esse conhecimento a todas as situações, ou que a
através do conceito de Cultura Profissional, cria­‑se um intervenção profissional competente num caso/situação
espaço social e teórico que toma como objecto de aná- singular é apenas a concretização das regularidades já
lise a partilha de sentido em contexto de trabalho, por conhecidas. Por outro lado, contra uma epistemologia
via da intersubjectividade inscrita em colectivos de pro- relativista deverá ser precisado que quando se vai do
fissionais (Wenger, 2001). conhecimento prático­‑profissional para o formal/abs-
tracto desenvolvem­‑se processos de transferência de
conhecimento, que permitem comparar experiências
A Cultura Profissional diversificadas, detectar analogias entre situações singu-
como actividade sociocognitiva lares e casos e segmentar/formalizar rotinas e recursos
usados em diferentes contextos, embora não se deva
No que se refere à actividade sócio­‑cognitiva, ela é con- cair na ingenuidade de pensar, típica de um construti-
cebida no quadro desta problemática para estabelecer vismo romântico, que o domínio prático de um contex-
uma ligação teórica entre os conceitos de papel e de to de acção gera espontaneamente a possibilidade de o
identidade profissional. Assim, temos afirmado que é transpor para outro contexto ou que a análise compe-
a associação entre o uso da ciência e do conhecimento tente de uma situação profissional complexa é apenas
abstracto, decorrente da delimitação referida do papel dependente de uma experiência localista acumulada.
institucional, com a autonomia em contexto de traba- Mais especificamente, serão de considerar as contri-
lho, presente no processo identitário colectivo nas or- buições sociológicas de Basil Bernstein (1993, 1998) e
ganizações e nas redes sociais, que nos permite dizer Pierre Bourdieu (1979; com Passeron, 1978), ainda que
que a cultura profissional é um fenómeno que decorre numa perspectiva em parte crítica, relativas à proble-
da mobilização sociocognitiva de saberes, que junta a mática do controlo simbólico da prática social. Recon-
aplicação da ciência com o sentido prático da actividade textualização é um conceito usado por Bernstein para
acumulado e aprendido colectivamente na experiência dar conta das mediações e instâncias que permitem
contextual de trabalho. explicar a passagem da produção de sentido discursi-
Deste modo, no conceito de Cultura Profissional vo sobre a acção para a aplicação deste sentido na inte-
é sobrevalorizado o fenómeno sociocognitivo em dois racção social. Como o próprio mostra estes processos
planos: (1) na relação com o papel institucional dá­‑se a de mediação são complexos e heterogéneos e, por isso,
mobilização dos sentidos colectivos do conhecimento pensamos, têm que pressupor a possibilidade do uso do
profissional que permitem recontextualizar os conhe- conhecimento no campo da prática poder ter um efeito
cimentos científicos e abstractos, obtidos na educação potencial de transformação do sentido “original” dado
formal superior, nos contextos de acção e trabalho; (2) pela estruturas abstractas de conhecimento, ainda que
na relação com a identidade profissional dá­‑se a mobili- num regime que não é o da governação da verdade ou da
zação dos sentidos colectivos do conhecimento profis- dominação simbólica (cf. Foucault, 1966, pp. 327­‑446,
sional que permitem transferir recursos e rotinas de ac- 2002), mas sim o da acção (Dodier, 1993; cf. Boltansky
ção entre diferentes contextos e actividades de trabalho & Thevenot, 1991) ou da compreensão crítica mútua (cf.
(Frenay, 1996; Meirieu et al., 1996). Existe neste âmbito Gadamer, 2002, pp. 400­‑558) e, portanto, a partilha
alguma inspiração nas Ciências Cognitivas e nas Ciên- eclética, oral e circunstancial de significações: a cons-

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trução de uma mente cultural (Iturra, 1990a, 1990b, los, contraditórios e concorrentes, sem por isso se che-
1994). garem a encontrar para se articular e integrar2.
A ideia relativa a um sentido prático supõe uma es- Mas conhecer uma Cultura Profissional é indisso-
truturação da prática social que tem uma dupla deter- ciável de uma metodologia adequada de construção do
minação social (Bourdieu, 1972; Bourdieu & Wacquant, objecto “cultura”. É deste entendimento sobre a investi-
1992): externa e de interiorização das condições mate- gação etnográfica que passarei de seguida a tratar.
riais de existência, relativa à posição/trajectória social
ocupada na estrutura de capitais; uma determinação
interna e de exteriorização da posição/trajectória social Uma orientação para o
ocupada, mediada/regulada no actor social através de método etnográfico
uma mente incorporada (um habitus), que exprime uma
actualização da estrutura interiorizada em percepções, A orientação epistemológica que seguimos na investi-
apreciações e antecipações improvisadas, de um modo gação etnográfica sobre profissões está balizada pela
inconsciente, em campos sociais da prática. crítica, como disse atrás, ao racionalismo dogmáti-
Como o próprio sempre admitiu, a regulação que o co e ao construtivismo romântico. Assim, a presença
habitus faz desta dupla determinação social não é mecâ- continuada e prolongada do investigador no terreno
nica, porque aberta ao improviso social. Pelo que será profissional, junto daqueles que estão envolvidos nas
de colocar a hipótese da possibilidade de haver desfa- actividades de trabalho, numa acção de observação e
samentos, discordâncias e falhas (hysteresis da prática de participação/reflexão conjuntas, é entendida dentro
social) entre os processos internos e simbólicos e os ex- das seguintes orientações (Caria, 1999c): (1) as constru-
ternos e objectivos (Bourdieu, 1998, pp. 113­‑144). Fenó- ções simbólicas dos actores sociais não são entendidas
meno que, do nosso ponto de vista, para ser adequada- como resultados de uma estrutura ou norma cultural
mente regulado, terá que ser complementar ao habitus, que seria independente destes e que poderia ser desco-
isto é, deixar de ser pré­‑reflexivo, passando a convocar berta, como se de alguma forma fosse algo escondido
a consciência prática e a intersubjectividade dos actores por detrás da aparência dos fenómenos socioculturais
sociais e uma lógica que passaria de uma mente incor- (Caria, 2006c); (2) as construções simbólicas dos ac-
porada a uma mente cultural (Caria, 2006c, 2007b). tores sociais não são entendidas como interpretações
Esta reconceptualização do sentido prático da práti- arbitrárias do observador (cf. Hekman, 1990), sobre o
ca aproxima­‑se das contribuições de Anthony Giddens qual não se poderia fazer qualquer juízo de adequação
(1989), relativa ao conceito de dualidade da estrutura ao real. Tal entendimento decorre do facto de se ter uma
(estrutura social como determinação e oportunidade de interpretação da visão fenomenológico­‑hermenêutica
acção), embora não se esteja a pressupor (ao contrário do método etnográfico que parte de três formulações:
deste autor) que ela existe de igual forma para todas as (1) as construções simbólicas dos actores sociais têm
sociedades e grupos sociais. De facto, nestes processos um presente experiencial de simultaneidade e de co-
então implicadas dimensões de legitimidade da produ- existência intersubjectiva (uma relação em nós) que
ção de verdade, de controlo simbólico e de multicultu- pode ser explicitado, parcialmente e segmentadamente
ralidade que carecem de estudo específico (cf. Foucault, na interacção social (na convivência) (Schtuz, 1993); (2)
2002; Grignon & Passeron, 1989; Lahire, 2003). as construções simbólicas dos actores sociais têm um
Em conclusão, o conceito de Cultura Profissional, horizonte possível de ampliação de sentido, desde que
no plano sociocognitivo, está associado à hipótese de se desenvolva uma visão crítica sobre os limites da cada
considerarmos que só é possível haver alguma consci- particularismo (Gadamer, 2002), tanto na reflexividade
ência da transferência de sentidos práticos quando o do investigador como na dos membros do grupo rela-
desfasamento entre as estruturas simbólicas e sociais tivamente ao etnocentrismo mútuo (Caria, 2003b); (3)
do habitus possa ser objecto da atenção reflexiva dos os membros do grupo (entendido como caso particular
actores sociais nos processos de interacção social e, de um qualquer objecto da ciência) não são passivos à
portanto, ser reconhecido pela investigação etnográ- forma como são desenvolvidos os actos de construção/
fica como um potencial de acção. Conhecer uma Cul- interpretação protagonizados pelo investigador (como
tura Profissional é interrogar e colocar hipóteses sobre parte de uma comunidade científica de referência), pois
as condições, as instituições, as actividades e as inte- influenciam o modo como o investigador actua (dando­
racções sociais que são facilitadoras ou bloqueadoras ‑lhe assim retroacção sobre a adequação das suas inter-
dos processos de recontextualização e de transferência pretações aos contextos observados) e o modo como,
de conhecimento profissional, dado ambos não serem em consequência, se constrói a intercepção de horizon-
desencadeados de modo automático e espontâneo, nem tes comuns (uma interculturalidade) que permitem re-
serem obrigatoriamente complementares e implicados. lativizar as desigualdades de poder simbólico entre as
De facto, estes dois processos são muitas vezes parale- partes (Caria, 1995c).

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As metodologias qualitativas, etnográficas ou não, vêem o sentido prático apenas como uma resultante dos
que abordem os fenómenos socioculturais apenas no processos de recontextualização do conhecimento ou
plano discursivo e descontextualizado da acção, e por vêem­‑no apenas como um sentido localista de experi-
isso apenas contextualizado pela relação de interpreta- ência, sem se deterem nos processos de transferência de
ção (arbitrária) centrada no texto (incluindo o texto de conhecimento regulados pela consciência prática.
entrevista), têm com certeza também virtualidades para Se temos como certo, como enunciámos atrás, que
dar conta de processos identitários e/ou cognitivos, mas as recontextualizações e transferências de conhecimento
não estão em condições de, em simultâneo, ter acesso à não são automáticas e espontâneas entre diferentes es-
análise da mente e da prática da cultura profissional: a paços e tempos da vida social, pergunto: como então
mente cultural da profissão. Friso, mente e prática em é que podemos dar como garantido que a eficácia do
simultâneo: importa que fique claro que não temos um sentido discursivo de uma qualquer política, incluindo
entendimento da investigação etnográfica que tome a a educativa, possa depender apenas da maior ou menor
acção social como um texto a interpretar (cf. Hekman, falta de recursos para bem interpretar os textos de polí-
1990). Como vimos atrás, através dos conceitos de habi- tica ou da falta de sistematicidade e coerência dos textos
tus e mente cultural, não subscrevemos uma concepção para inscreverem adequadamente o sentido discursivo
cognitivista ou subjectivista da relação em pensamento das políticas produzidas?
e acção: não há mente por um lado, com as suas repre-
sentações, e uma prática por outro, com os seus cons-
trangimentos e condições estruturais (Borzeix et al., Do défice ao filtro:
2003). Esta recusa supõe, ainda, que da busca de inter- a prática da etnografia
cepções críticas sobre as mentes culturais em presença,
se poderá ter alguma reflexividade sobre o modo como Para melhor explicar as dificuldades de implementa-
as relações de poder simbólico limitaram e potenciam ção de uma dada política, incluindo a educativa, seria
os processos de compreensão etnográfica e, portanto, mais adequado, penso, partir de uma epistemologia de
um juízo sobre a adequação do sujeito ao objecto da ci- filtro. Esta formulação é uma metáfora que se destina
ência social (cf. Bourdieu, 2001; Caria, 2008). a explicar o modo como concebemos o funcionamen-
Esta formulação específica para a investigação et- to de uma cultura profissional na relação com qualquer
nográfica tem importantes consequências para o modo discurso abstracto (da política ou da ciência, por exem-
como se perspectiva a análise da relação entre discursos plo). Repare­‑se que quando nos centramos na ideia
e práticas na vida social, com especial relevância para de défice entre discursos e práticas estamos a pensar o
os discursos que inscrevem o sentido das políticas que conhecimento a partir de quem centralmente na insti-
enquadram a prática profissional. Assim, há que con- tuição produz sentido e, em seguida, vamos verificar,
trariar e combater uma tendência muito comum na in- de modo crítico ou legitimador, em que medida esse
vestigação educacional, em particular em Portugal, na sentido se difunde e é reinterpretado pelos seus desti-
análise da relação dos professores com as políticas pú- natários (mesmo que entendamos os seus destinatários
blicas de educação, quando se põe em evidência a opo- como vítimas de um qualquer poder simbólico). Pelo
sição ou o défice de adequação entre políticas e práticas contrário, quando partimos da metáfora da filtragem
escolares. Nesta formulação elabora­‑se uma epistemolo- começamos por nos colocar do ponto de vista daquele
gia de défice que dá especial ênfase a uma descrição dos que usa no quotidiano o conhecimento e que, portan-
professores (vitimizando­‑os ou culpabilizando­‑os, im- to, num primeiro momento não é um produtor legítimo
plicitamente) naquilo que estes não têm, não percebem, do mesmo. Este, no entanto, é activo no uso que faz da
não conhecem, etc, dando como adquirido que as esco- informação que está disponível, porque selecciona, es-
las locais e os professores têm uma “continuada surdez” colhe e reorganiza­‑a, mas ao mesmo tempo despreza e
face às orientações político­‑educativo centrais. Contra ignora intenções, sentidos e conteúdos que, para quem
esta epistemologia, tenho afirmado que o sentido do se coloca do ponto de vista do centro da instituição,
quotidiano escolar não está em défice ou em oposição à são vistos como erros ou falhas dos utilizadores, e não
lógica discursiva político­‑institucional da Escola. Tem, como opções identitárias e cognitivas destes quando
antes, uma lógica e um sentido na acção que não está manifestam uma certa forma de poder periférico a um
totalmente subordinado à violência simbólica dos dis- dado sistema institucional.
cursos político­‑centrais. Fenómeno que parece escapar É aqui que uma abordagem etnográfica das cultu-
aos cientistas da educação, porque, de modo mais ou ras profissionais, na orientação epistemológica que
menos crítico, são cúmplices da epistemologia do défi- atrás referi, é essencial. Repare­‑se que na tradição da
ce, não sendo por isso suficientemente capazes de con- antropologia social o estudo das culturas é marcado
ceber as formas de sentido na acção que dependem do pela necessidade do etnógrafo se colocar na intercepção
quotidiano vivido e do sentido prático dos professores: crítica dos horizontes comuns a diferentes mentes cul-

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turais, abandonando duas formulações erradas sobre poníveis e por isso podiam ser usados (havia acesso à
o método etnográfico: (1) a ideia ingénua e empiricista informação), mas tinham que ser por mim, enquanto et-
de que alguma vez o investigador poderia relativizar to- nógrafo, também ignorados ou acalentados, tal como os
talmente o seu poder simbólico e o etnocentrismo de professores faziam, sob pena de não conseguir entender
académico ocidental e, portanto, assumir totalmente o esta cultura por não ser capaz de “sair da lógica” do sen-
ponto de vista do nativo (Clifford, 2002; Geertz, 1996); tido discursivo da política. Eu tinha que perceber a fil-
(2) a formulação relativista de que ninguém conseguiria tragem de conhecimento que os professores realizavam,
pensar/interpretar fora dos contextos de acção em que porque só assim é que o meu texto etnográfico, como
uma dada mente cultural é construída (Hekman, 1990; sentido discursivo de tradução entre culturas, tinha a
Reynoso, 2003, pp. 11­‑61). Deste modo, a cultura de um garantia de ter operado numa racionalidade adequada à
qualquer nativo, relativa a um dado contexto de acção, cultura do professor.
contém um ponto de vista do autóctone sobre o mundo, De salientar que, neste entendimento da etnogra-
incluindo a relação de si/nós com o mundo mais alarga- fia, o estudo de uma cultura profissional corresponde à
do: um horizonte de sentido que pode ser interpretado análise do modo como um dado grupo social se vê e vê
pelo etnógrafo social, enquanto intercepção crítica en- os outros na instituição/campo em que participa. Dá­‑se,
tre mundos culturais diversos. assim, conta das fronteiras que o grupo cria para si pró-
Em consequência, estar na periferia de um dado sis- prio para definir o mundo social que o rodeia, dentro
tema social é ao mesmo tempo não poder deixar de es- dos limites de poder que tem e julga ter. Em consequên-
tar consciente, através de um saber prático­‑contextual, cia, o objecto de estudo contém a análise do próprio et-
de uma condição de existência objectiva, filtrada pela nocentrismo profissional e o modo como este, em deter-
partilha intersubjectiva com outros. Este saber prático­ minadas condições sociais, consegue ser mais ou menos
‑contextual opera de modo parcial, segmentado e es- relativizado, pela intercepção de horizontes com o outro.
pontâneo, como consciência prática comum, não sendo À luz destas conclusões pude então dizer que não
por isso um operador social inconsciente como o habi- via em que é que os professores eram individualistas,
tus. Será antes, uma explicitação reflexiva e partilhada conservadores ou dominados pela instituição, como
(uma reflexividade interactiva) de passagem de uma ati- muita bibliografia científica sobre a profissionalidade
tude natural para uma atitude reflexiva face ao mundo docente afirmava. Os professores apareciam­‑me como
social (cf. Cefaï, 1998). Passagem que, mais à frente, de- um colectivo que evidenciava ter um enorme poder no
signaremos de saber­‑estar. quotidiano da instituição escolar e uma capacidade bas-
Aplicando esta orientação, nos anos 90, ao estudo tante para experimentar o novo e criar inovação.
dos professores, tive que tornar claro para mim que o
meu objecto de investigação não podia partir da legisla-
ção da reforma educativa, nem do que era esperado que O poder periférico da
os professores fizessem com base na definição oficial da cultura­‑conjuntura do professor
instituição escolar. O meu objecto de estudo tinha que
partir da intersubjectividade do grupo, do fazer e pen- Mas conceber e descrever este tipo de poder colectivo,
sar colectivo que era transmitido aos mais novos e que inscrito numa dada cultura profissional, não é ver o
se ia actualizando (de modo consensual e interactivo) à grupo profissional como uma comunidade, nem é vê­‑lo
medida que a nova conjuntura política se desenvolvia. como um participante activo nos debates políticos que
Tratava­‑se, nas conclusões a que cheguei, de uma tradi- afectam a sua actividade. A modalidade de poder a que
ção que continha os três elementos de uma cultura pro- nos estamos a referir é aquilo que já designámos como
fissional que atrás recenseei: uma interpretação colec- poder periférico, por oposição ao poder centralizado no
tiva do seu papel institucional, uma certa identificação campo social que institui práticas sociais legítimas.
com a actividade quotidiana de trabalho e uma certa O poder na periferia da instituição/campo é funda-
mobilização de saberes, uns abstractos e outros práti- mentalmente informal, oral e interactivo. Não se orga-
cos, que produziam no local, o que era tido como sendo niza de modo a constranger a acção individual ou a fixar
um profissional competente (Caria, 2000, pp. 240­‑276 a conduta dentro de um modelo de acção. Sendo assim,
e 307­‑408). não pretende ser pró­‑activo ou afirmar um qualquer
Era em torno destes elementos da cultura profissio- projecto de acção comunitária de origem ou de destino.
nal que o conteúdo da política educativa, e seus ins- O poder periférico é o da resistência, da sabotagem, da
trumentos legislativos e administrativos, eram então oposição silenciosa; que, portanto, não tem uma identi-
reinterpretados e apropriados pelos professores, e logo dade discursiva própria que permita disputar um lugar
eram por estes nuns casos ignorados e desprezados ou dentro do poder e dos conflitos legítimos a um dado
noutros casos apoiados e acalentados. Os textos e dis- campo social, mas que, ao mesmo tempo, todos os dias,
positivos do discurso político­‑educativo estavam dis- pode limitar ou potenciar o poder prático de instituir.

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Deste modo, a interpretação colectiva que os professo- Como escreve Bourdieu só os grupos sociais que
res fazem do seu papel e identidade profissional cultiva têm maior poder social e económico na sociedade é que
um saber­‑estar e não um saber­‑ser. Os professores não se podem “dar ao luxo” de colectivamente mostrar ou
evidenciam um saber­‑ser, porque não querem afirmar cultivar diferenças e conseguir que estas tenham cono-
um saber próprio e colectivo que seja parte das lutas tações de distinção social no estilo de vida (Bourdieu,
políticas e simbólicas educativas. E por isso não podem 1979). Na linguagem de todos os dias dos professores é
nem desejam tomar posição no debate político sobre dito que o grupo não vê com bons olhos quem se desta-
a educação. Mas os professores sabem estar perante a ca, quem se afirma excessivamente, quem faz questão de
política educativa, porque isso lhes garante a unidade ser autor de pensamentos ou fazeres, isto é, quem cria
na acção necessária para que em cada momento saibam distinção e por isso revela a heterogeneidade do grupo
escolher como se colocar perante a instituição para pre- ao exterior. Pelo contrário, o grupo vê com bons olhos
servar o seu poder periférico: o que desprezar ou aca- quem inova, quem propõe, quem experimenta, mas que
lentar, em cada conjuntura, na interacção social (Caria, o faz e pensa sem marcar e radicalizar as divergências,
2000, pp. 542­‑570). parecendo querer partilhar a inovação com o resto do
O poder periférico sabe estar, porque sabe o que co- grupo. Partilha que não é por altruísmo, mas porque
lectivamente não quer, sabe o que não é seu, sabe o que se sabe que o grupo não se irá apropriar daquilo que
não pode ter, sabe o que não é esperado que aconteça. O tem autor, pois para a preservação do poder periférico
saber­‑estar afirma­‑se, portanto, através de um ethos de colectivo nunca irá formalizar a inovação educativa que
negação e de evitamento da acção pró­‑activa. É por isto distingue o que cada um experimenta (Caria, 2000).
que, como disse atrás, não é uma comunidade de ori- Em consequência, a cultura profissional dos profes-
gem, nem de projecto: toda e qualquer atitude mais pró­ sores desenvolvida no saber prático­‑contextual tem que
‑activa gera e põe em evidência as separações e divisões ter capacidade para silenciar divergências de posições
de ideologias e projectos profissionais que co­‑existem no grupo e saber lidar com dissonâncias de interpre-
no seio dos professores. Em síntese, o poder periférico tação no modo como vê o mundo envolvente. O grupo
não quer correr riscos: o risco de perder eficácia na li- tornava­‑se hábil na arte de desenvolver uma cultura que
mitação e sabotagem silenciosa do poder institucional sabe criar consensos, por entre a heterogeneidade de
de quem dirige e debate a Escola, pois não tem qualquer posições e trajectórias profissionais. E sabia fazer coe-
garantia que possa ganhar um quinhão significativo de xistir no mesmo local, sem oposições e clivagens explí-
poder político sobre o sistema escolar pelo facto de ser citas, a inovação educativa, informal e interactiva com o
participante no debate educativo. conservadorismo formal e institucional, de resistência
Mas face a este risco não basta cultivar um ethos de- ao poder central da instituição. A cultura do professor
fensivo ou de oposição passiva é preciso que este prin- realizava um trabalho simbólico sobre si mesma, no sen-
cípio da prática vá mais longe, porque como os profes- tido de tornar e fazer parecer igual aquilo que é social e
sores não são, como disse, uma comunidade de origem culturalmente heterogéneo (Caria, 2000, pp. 309­‑341).
ou de projecto, importa saber­‑estar de modo a saber Sendo assim, regressamos à ideia de que o “objecto
lidar com a grande heterogeneidade social e cultural cultura” não é para nós uma norma, nem é uma estrutu-
que o seu próprio grupo profissional contém. De facto, ra simbólica. É uma construção social aparente que se
verificámos que cada vez que o grupo arriscava afirmar torna real pela reprodução social localizada de um dado
uma posição e optava por um caminho alternativo en- grupo social, através de uma tradição. A possibilidade
tre vários, que não é apenas a afirmação de um “não” de pensar a cultura nestes termos supõe, julgamos, vê­‑la
face a decisões institucionais dadas, imediatamente se como uma determinação conjuntural da prática, asso-
cindia numa multiplicidade de aspirações, de sentidos ciada à atrás indicada reflexividade interactiva, e não
e de orientações para a acção. É por isto que é decisivo como uma determinação estrutural­‑simbólica, como é
para um qualquer grupo profissional criar uma tradição o caso do habitus (Caria, 2004; cf. Miranda, 2002).
local de fazer e pensar, que socialize os mais novos e que Se não há para os professores a opção da distinção
os ensine a saber­‑estar com os pares, sabendo conviver social, a solução que resta, para conseguir exercer po-
com as divergências de projectos profissionais e as di- der, ainda que periférico, é a de realizar um jogo sim-
ferenças de trajectórias sociais existentes no seu seio. bólico, que tenho chamado de igualitarização social
De contrário, correm sempre o risco de as diferenças (inverso ao da distinção social): o grupo cultiva as se-
que são evidenciadas serem hierarquizadas e tomadas melhanças pelos silêncios de algumas práticas e pelos
como défices relativamente a um padrão ou modelo, no consensos de sentido sobre outras. De tal modo o faz,
caso um padrão de profissionalidade docente, que lhes que as divergências e conflitos entre as ideologias pro-
é estranho e externo, porque formatado pelos grupos fissionais de diferentes professores não têm expressão
sociais que detêm maior poder económico e social (Ca- pública e informal na interacção social dentro do grupo.
ria, 2000, pp. 525­‑541). Mas este jogo simbólico tem que ser levado a sério pelos

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participantes (não é um “faz de conta”) para que estes da instituição/campo escolar) têm que ser filtrados pelo
possam crer que são uma comunidade, quando ao mes- sentido prático dos saberes da cultura de poder peri-
mo tempo não têm condições objectivas para o serem. férico dos professores. A filtragem tem, aliás, que ser
Entretanto, o jogo observado foi tão a sério que também mútua para que a aparente opacidade entre discurso e
convenceram o etnógrafo, eu na altura, a reconhecer a prática se reproduza continuada e mutuamente.
existência simbólica de uma cultura profissional no sin- Uma qualquer cultura profissional, ao fazer uma in-
gular, não a de culturas profissionais (no plural) como terpretação do seu papel institucional e ao desenvolver
é tradição a análise sobre o profissionalismo docente uma identificação com o conteúdo da actividade institu-
revelar. Como contra­‑prova do valor desta conclusão, cional que lhe é próprio, fá­‑lo através de uma actividade
poderei dizer que teria, inversamente, chegado à con- sociocognitiva que se expressa não apenas no conteúdo
clusão de que existiriam diversas culturas profissionais3 contextual de sentido (o texto do discursivo ou o saber
se o grupo profissional tomasse posição perante as polí- da prática), mas principalmente uma forma de uso do
ticas educativas e, portanto, entrasse no jogo de revelar conhecimento que exprime e inscreve o poder que se
nos debates sobre a instituição escolar as diversas ide- tem ou julga ter nas práticas de institucionalização do
ologias profissionais existentes e suas articulações com conhecimento.
as várias posições em discussão. No caso dos professores, o conteúdo do conheci-
mento educativo está subordinado ao formato de um
uso que inscreve um poder periférico no campo escolar.
O uso do conhecimento Mas tal poder deve ser visto como uma relação social:
esta periferização profissional está numa relação de su-
Como me parece ter ficado claro, nesta descrição da bordinação formal ao poder discursivo central e ao uso
cultura conjuntural do poder periférico está bem enfati- dogmático do conhecimento nas orientações político­
zada a forma que os professores dão ao uso do conheci- ‑educativos em Portugal. Dizemos uso dogmático, por-
mento. Repare­‑se que o que estamos a pôr em evidência que as evidências encontradas parecem indicar que a
não é o facto de os professores concordarem, ou não, forma de uso do conhecimento abstracto operada pelo
com o conteúdo das políticas educativas4. O que esta- poder político­‑central se mostra, simultaneamente, in-
mos a referir é que qualquer conteúdo está subordinado capaz de dialogar com o saber dos práticos (discurso
a uma certa forma de usar o conhecimento: não há con- sem valor contextual­‑prático) e incapaz de se impor
teúdo sem forma de conhecer. E como a própria pala- com eficácia aos práticos (discurso sem valor técnico­
vra indica, o conteúdo de qualquer política educativa é ‑instrumental). Reproduz­‑se uma aparente separação
formatado, como no caso dos professores, por um uso entre a mente cultural­‑discursiva (a mente racional­
que serve a expressão de um poder periférico e não por ‑positiva, segundo Raúl Iturra), que inscreve uma prá-
um uso que sirva a afirmação ou participação no poder tica político­‑educativa central num texto de política (es-
político da Escola. pecífica ao campo escolar), e a mente cultural­‑prática,
Há, assim, para a cultura do professor, uma diferen- que inscreve em saber uma prática político­‑educativa
ça qualitativa determinante entre os contextos de acção periférica (específica a um quotidiano profissional).
e tomada de posição na política educativa e os contextos Em conclusão, ambas as mentes sociais inscrevem
de acção pedagógico­‑didácticos de ensino que constitui conteúdos e formas de uso do conhecimento sem, no
a cultura do professor. Em ambos os contextos o uso do entanto, chegarem a interceptar­‑se numa reflexividade
conhecimento (conteúdo e forma) é determinado pela comum: os actores sociais entendem que a prática dos
posição que se cultiva e se ocupa no campo escolar: a práticos e os textos dos políticos não têm valor contex-
posição central ou uma posição periférica. É esta grande tual para a outra parte. Não ter valor contextual, como
diferença de culturas de poder que explica, como atrás vimos, não significa que os textos não sejam usados pe-
dissemos, a aparente “surdez” dos professores em Por- los práticos, nem que as práticas não sejam do conhe-
tugal às orientações de político­‑educativas centrais. As- cimento dos políticos. Significa, apenas, que a reflexi-
sim, a recontextualização do sentido dos textos propos- vidade de uns não serve a reflexividade de outros: não
tos pela cultura político­‑educativa (localizada no centro existe intercepção crítica de horizontes culturais.

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Notas Bourdieu, Pierre (2001). Science de la science et réflexi-
vité. Paris: Éditions Raisons d’agir.
1. Para uma informação mais pormenorizada, ver pá- Bourdieu, Pierre & Wacquant, Loic (1992). Réponses:
gina Web: http://home.utad.pt/aspti/. pour une anthropologie réflexive. Paris: Seuil.
2. As diferentes modalidades de (des)articulação Bourdieu, Pierre & Passeron, Jean­‑Claude (1978). A re-
destes dois processos de mobilização do conhecimento produção — elementos para uma teoria do sistema de
têm sido por nós conceptualizadas como estilos de uso ensino. Lisboa: Vega.
do conhecimento. Esta problemática poderá ser encon- Caria, Telmo H. (1995a). A interpretação da reforma
trada nos trabalhos já referenciados, da minha autoria, educativa como processo de subordinação formal
pós­‑2002. dos professores. Inovação, VIII, 3, pp. 333­‑344.
3. Repare­‑se que no trabalho etnográfico original Caria, Telmo H. (1995b). Qual o sentido e a organiza-
reconhece­‑se a existência de várias culturas curricula- ção da área­‑escola? — uma abordagem sociológica.
res entre os professores, recolhidas através de relatos Educação, Sociedade e Culturas, 3, pp. 57­‑71.
da acção na sala de aula. Mas estas não são objecto da Caria, Telmo H. (1995c). Prática e aprendizagem da in-
atenção colectiva do grupo, da sua interacção social e da vestigação sociológica no estudo etnográfico duma
reflexividade interactiva. Neste caso, a diversidade cul- escola básica 2.3. Revista Crítica de Ciências Sociais,
tural manifesta­‑se apenas no plano individual e privado 41, pp. 35­‑62.
da sala de aula, porque a cultura organizacional cultiva o Caria, Telmo H. (1996). As políticas educativas e a
individualismo docente, resultante do efeito de segmen- mente cultural dos professores. Economia e Sociolo-
tação da actividade escolar em espaços e tempos discipli- gia, 62, pp. 81­‑92.
nares (Cf. Caria, 2000, pp. 409­‑523). Caria, Telmo H. (1997). As culturas curriculares dos
4. Isso até parecia ocorrer em muitos casos de pro- professores de matemática — uma contribuição et-
fessores por mim questionados isoladamente e de modo nosociológica no quadro do 2º ciclo do ensino bási-
privado. co. Educação, Sociedade & Culturas, 7, pp. 55­‑74.
Caria, Telmo H. (1999a). A racionalização da cultu-
ra profissional dos professores — uma abordagem
Referências bibliográficas etno­‑sociológica no contexto do 2º ciclo do ensino
básico. Revista Portuguesa de Educação, XII, 1, pp.
Bagla, Lusin (2003). Sociologie des Organisations. Pa- 205­‑242.
ris: La Découverte. Caria, Telmo H. (1999b). Investigar os intermediários
Beck, Ulrich (1998). La Sociedad del Riesgo: havia una do conhecimento. Comunicação ao Colóquio Come-
nueva modernidad. Barcelona: Paidós. morativo dos 20 anos da Revista Crítica de Ciências
Bell, Daniel (2004). Las Contradicciones Culturales del Sociais. Coimbra: Centro de Estudos Sociais da
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138 sísifo 3 | telmo h. caria | a cultur a profissiona l do professor de ensino básico em portugal
s í s i f o / r e v i s t a d e c i ê n c i a s d a e d u c a ç ã o · n .º 3 · m a i / a g o 0 7 issn 1646 ‑4990

Sísifo, revista de ciências de educação:


Instruções para os Autores

1. A Sísifo é uma revista universitária de Ciências da Educação, em formato electrónico, publicada pela Unidade
de I&D de Ciências da Educação da Universidade de Lisboa;
2. A Sísifo é de consulta livre e está disponível no endereço http://sisifo.fpce.ul.pt.
3. A Sísifo é publicada em duas versões (portuguesa e inglesa). As traduções são da responsabilidade da revista;
4. Cada número da revista terá um responsável editorial que poderá solicitar o parecer de especialistas para, em
conjunto com o Conselho Editorial, assegurar a qualidade e o rigor científico dos textos;
5. O núcleo central de cada número da revista é constituído por um dossier temático. A revista aceita trabalhos
académicos sob a forma de artigos, notas e recensões de livros em Ciências da Educação. Pode aceitar artigos
já publicados em línguas estrangeiras desde que inéditos em português;
6. As colaborações devem ser submetidas através do e­‑mail sisifo@fpce.ul.pt;
7. Os artigos não devem exceder os 60.000 caracteres, incluindo espaços, notas e bibliografia (excepto quadros
e gráficos); os estudos, notas e review articles não deverão ultrapassar os 30.000 caracteres e as recensões
individuais 10.000 caracteres.
8. Os artigos devem ser acompanhados de um resumo de 1.200 caracteres, 4 palavras­‑chave e os dados de
identificação do autor (instituição, áreas de especialização, últimas publicações e elementos de contacto —
telefone e e­‑mail);
9. As citações e referências a autores no texto seguem as normas seguintes: (autor, data) ou (autor, data: página/s);
se houver referências a mais de um título do mesmo autor no mesmo ano, elas serão diferenciadas por uma
letra minúscula a seguir à data: (Bastos, 2002a), (Bastos, 2002b). No caso de a referência se referir a mais de
um autor: (Bastos, et al., 2002).
10. As notas de rodapé deverão ser reduzidas ao estritamente indispensável e conter apenas informações
complementares de natureza substantiva; a bibliografia será colocada no final do artigo e conterá apenas a lista
das referências feitas no texto ordenadas alfabeticamente e por ordem cronológica crescente para as referências
do mesmo autor;
11. Critérios bibliográficos:
a. Livros: Bastos, C. (2002). Ciência, poder, acção. Lisboa: Imprensa de Ciências Sociais.
b. Colectâneas: Bastos, C.; Almeida, M. & Feldman­‑Blanco (orgs.) (2002). Trânsitos coloniais: diálogos
críticos luso­‑brasileiros. Lisboa: Imprensa de Ciências Sociais.
c. Clássicos, nomeadamente em tradução, indicar data da 1.ª edição e nome do tradutor: Espinosa, B.
(1988 [1670]). Tratado teológico­‑político. Tradução de D. P. Aurélio. Lisboa: Imprensa Nacional­‑Casa da
Moeda.

139
d. Artigos em revistas: Cabral, M. V. (2003). O exercício da cidadania política em perspectiva histórica
(Portugal e Brasil). Revista Brasileira de Ciências Sociais, 18 [indicar o número do volume anual], 51
[indicar o número da revista], pp. 31­‑60.
e. Artigos em colectâneas: Bastos, C. (2002). Um centro subalterno? A Escola Médica de Goa e o Império.
In [Bastos, C.; Almeida, M. V. & Feldman­‑Blanco, B. (orgs.)], Trânsitos Coloniais: diálogos críticos luso­
‑brasileiros. Lisboa: Imprensa de Ciências Sociais, pp. 133­‑149.
f. Artigos em Revistas on­‑line: Hidi, S. (2006). Interest: A unique motivational variable. Educational Research
Review, 1 [indicar o número do volume anual], 2 [indicar o número da revista], pp. 69­‑82. Consultado a
[mês, ano], em http://www.sciencedirect.com/science/article/B7XNV­‑4M21TB1­‑2/2/ccf7573a154cffb09d7
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140 sísifo 3 | instruções par a os autores

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