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1. Introdução
1
Graduada em Direito e Psicologia, Especialista em Direito e Psicanálise, Mestre em Ciências Sociais.
2
Graduado em Filosofia e Pedagogia, Especialista em Fundamentos Psicológicos de Educação, Mestre em
Filosofia, Doutor em Filosofia.
tradicional da época moderna, uma vez que esse modelo pressupunha a exclusão sumária de
todos aqueles que (aparentemente) “não deram pro estudo”. Um arremedo desse modelo foi
instituído pela polícia militar do Rio Grande do Sul, na rede pública estadual, procedendo,
de modo suspeito e discriminatório, a uma seleção para o ingresso.3 Valiosa parece ser a
reflexão sobre o modelo big brother de escola, tecnologicamente viável e culturalmente
pouco problematizado. Mas há de se levar a sério as experiências educacionais inspiradas
no princípio da contratualização (e ritualização) das relações pedagógicas.4 Intenciona-se
aqui jogar um facho de luz sobre as condições sob as quais essa contratualização pode ser
suportada pelos/a professores/as, o que implica emoldurar e blindar a quadradura (1)
conhecimento, (2) sala de aula, (3) relação professor-aluno e (4) contrato pedagógico com
um pacto escolar que assegure a gestão democrática e vigorosa da instituição.5
3
“No edital de convocação para o concurso deste ano – Diário Oficial do Estado, de 15 de janeiro de 2010 –
está claro que o acesso não é para todos, ao contrário do que manda a Constituição Federal. Consta que os
alunos classificados nos testes de Português e Matemática serão convocados a realizar os exames de saúde e
complementares, como exame de urina e eletroencefalograma. Quem estiver apto até aí terá que fazer de 25 a
30 abdominais em um minuto, de 8 a 12 flexões e correr de 1,6 mil metros a 2 mil metros em 12 minutos.”
(TENTARDINI, Cleber Dioni. Militarização da escola pública se expande no RS. In: Extraclasse, ano 15,
número 142, abril de 2010. Destaques apostos).
4
ARENHART, L. O. A proposta do contrato pedagógico no espaço multicultural da escola pública, segundo
Julio Groppa Aquino In: Instituto Estadual de Educação Odão Felippe Pippi / SEIBT, Adelino Jacó (Org.).
Interlocução de Saberes IV. Santo Ângelo: EDIURI, 2008, p.p. 79-92.
5
ARENHART, L. O. Reflexões sobre o pacto escolar como base de sustentação da autoridade pedagógica In:
Instituto Estadual de Educação Odão Felippe Pippi / SEIBT, Adelino Jacó (Org.). Interlocução de Saberes
III. Santo Ângelo: EDIURI, 2007, p.p. 89-95.
6
ARENDT, Hannah. ARENDT, Hannah. “A crise na educação”. In: Entre o passado e o futuro. 5. ed. São
Paulo: Perspectiva, 2000, p. 225.
7
ARENDT, Hannah. Los Orígenes del totalitarismo. 3. Totalitarismo. Madrid: Alianza Editorial, 1999.
p.689.
O ser humano é um começo e, por isso, ele pode começar.8 Ter a capacidade de iniciar algo
novo – surpreendente, imprevisível, promissor –, isto é, de agir, significa precisamente a
condição de ser livre do ser humano. “Neste sentido de iniciativa, todas as atividades
humanas possuem um elemento de ação e, portanto, de natalidade”.9
O novo sempre acontece à revelia da esmagadora força das leis estatísticas e de sua
probabilidade que, para fins práticos e cotidianos, equivale à certeza.10 O novo sempre se
manifesta como maravilhoso.11 A revelação da singularidade através da fala e o
estabelecimento de um novo início através da ação incidem sobre uma teia já existente de
relações humanas.12 Em virtude dessa teia, com suas incontáveis intenções conflitantes, a
ação raramente alcança seu objetivo; mas é também graças a essa teia que a ação é real e,
naturalmente, “produz” histórias.13
Para a sua reflexão sobre o totalitarismo, Arendt traz a evocação dos casos bíblicos
de ordens políticas de infanticídios: o do Faraó do Egito em relação a Moisés (Ex 1,15-22)
e o de Herodes em relação a Jesus de Nazaré (Mt 2,1-18). O terror totalitário equivale à
destruição da novidade inscrita no nascimento. Matar as crianças, para eliminar do mundo a
novidade que poderia ameaçá-lo, eis o sentido do ato terrorista. Quem tem medo de que,
com o nascimento de cada ser humano, um novo começo se eleve e faça ouvir sua voz, no
mundo, é, literalmente, aquele que vai praticar o terror.14
8
A liberdade, negada pelos governantes totalitários, “se identifica con el hecho de que los hombres nacen e
que por eso cada uno de ellos es un nuevo comienzo, y con cada uno comienza de nuevo, en un sentido, el
mundo” (ARENDT, Hannah. Los Orígenes del totalitarismo. 3. Totalitarismo. Madrid: Alianza Editorial,
1999. p.690). El comienzo, antes de convertirse en un acontecimiento histórico, es la suprema capacidad del
hombre; políticamente, se identifica con la libertad del hombre. Initium ut esse homo creatus est (“para que un
comienzo se hiciera fue creado el hombre”), dice Agustín [De Civitate Dei, libro 12, cap.20]. Este comienzo
es garantizado por cada nuevo nacimiento; este comienzo é, desde luego, cada hombre (Id. p.706-707).
9
ARENDT, Hannah. A condição humana. 8.ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1997. p.17.
10
“Sobre el comienzo, ninguma lógica, ninguma deducción convincente pueden tener poder alguno, porque
su cadena presupone, en la forma de una premissa, el comienzo” (ARENDT, Hannah. Los Orígenes del
totalitarismo. 3. Totalitarismo. Madrid: Alianza Editorial, 1999. p.699).
11
LARROSA, Jorge. “O enigma da infância ou o que vai do impossível ao verdadeiro” In: ________. Jorge.
Pedagogia profana: danças, piruetas e mascaradas. 4. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2006. p.189.194.
12
ARENDT, Hannah. A condição humana. 8.ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1997. p.17. “A criança só é nova
em relação a um mundo que existia antes dela, que continuará após sua morte e no qual transcorrerá sua vida” (ARENDT,
Hannah. ARENDT, Hannah. “A crise na educação”. In: Entre o passado e o futuro. 5. ed. São Paulo: Perspectiva, 2000, p.
235).
13
ARENDT, Hannah. Los Orígenes del totalitarismo. 3. Totalitarismo. Madrid: Alianza Editorial, 1999. p.689.
14
ARENDT, Hannah. Los Orígenes del totalitarismo. 3. Totalitarismo. Madrid: Alianza Editorial, 1999. p.699.
Quando nasce uma criança, “um outro aparece entre nós. E é outro porque é sempre
algo diferente da materialização de um projeto, da satisfação de uma necessidade, do
cumprimento de um desejo, do complemento de uma carência ou do reaparecimento de
uma perda”. 15 A criança que nasce é alteridade absoluta e não um alterego, quer dizer, é
um outro enquanto outro e não um outro a partir daquilo que nós depositamos
projetivamente nela. É outro porque “sempre é outra coisa diferente do que podemos
antecipar, porque sempre está além do que sabemos, ou do que queremos ou do que
esperamos. Desse ponto de vista, uma criança é algo absolutamente novo...”16 O
nascimento implica o “aparecimento de algo no qual nós não podemos reconhecer a nós
mesmos”.17
Por isso, temos de pensar a criança como “algo” que sempre nos escapa:
- que coloca em questão os lugares que construímos para ela (e a presunção da nossa
vontade de abarcá-la).19
A infância nunca é o que sabemos, mas, por outro lado, é portadora de uma verdade
à qual devemos nos colocar à disposição de escutar; nunca é aquilo apreendido pelo nosso
15
LARROSA, Jorge. “O enigma da infância ou o que vai do impossível ao verdadeiro” In: ________. Jorge.
Pedagogia profana: danças, piruetas e mascaradas. 4. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2006. p.187. Destaque
aposto.
16
Id. Ibid.
17
Id. p.189.
18
Id. p.188.
19
Id. pp.184-185.
poder, mas ao mesmo tempo requer nossa iniciativa; nunca está no lugar que a ela
reservamos, mas devemos abrir um lugar para recebê-la.20
20
Id. p.186.
21
Id. Ibid.
22
Id. p.194.
23
ARROYO, Miguel G. Imagens quebradas: Trajetórias e tempos de alunos e mestres. Petrópolis: Vozes,
2004. p.22.
24
CODO, Wanderley & VASQUES-MENEZES, Iône. Educar, educador. In: CODO, Wanderley (Coord.).
Educação: carinho e trabalho. 3. ed. Petrópolis, RJ : Vozes / Brasília : Confederação Nacional dos
Trabalhadores em Educação: Universidade de Brasília. Laboratório de Psicologia do Trabalho, 2002. p.45.
professor transforma o outro através do outro mesmo, sem mediações. O seu produto é o
aluno educado, é a mudança social na sua expressão mais imediata.25
25
Id. Ibid.
26
Id. Ibid.
27
CODO, Wanderley & GAZZOTTI, Andréa Alessandra. Trabalho e afetividade. In: CODO, Wanderley
(Coord.). Educação: carinho e trabalho. 3. ed. Petrópolis, RJ : Vozes / Brasília : Confederação Nacional dos
Trabalhadores em Educação: Universidade de Brasília. Laboratório de Psicologia do Trabalho, 2002. p.50.
28
Id. Ibid.
29
Id. p.55.
30
Id. p.50.
31
Id. p.55.
O trabalho de cuidar-e-educar requer um vínculo afetivo, mas a forma de
organização do trabalho não permite que este circuito se complete, pois a tarefa requer que
se obedeça a algumas regras, que são regidas quer pela técnica, quer pelo cronograma
preestabelecido, quer pelo programa, quer pelas normas e determinações dos superiores,
quer por questões administrativas.32 Cumpre mencionar aqui a contradição sofrida pelos
profissionais da educação entre, de um lado, a obrigatoriedade da escolarização universal
(no Brasil, até os 17 anos de idade) e, de outro, a avaliação externa dos estudantes. Por
força das avaliações externas, exige-se do ensino de massa que cumpra os objetivos de um
sistema projetado para um ensino de elite, num momento e num contexto em que a
massificação do ensino já não permite assegurar a todos os alunos nem o “sucesso” nem
sequer um trabalho de acordo com seu grau de titulação.33 Ademais, grande parte dos
professores vive afligida pela contradição entre as exigências sistêmicas de renovação
curricular e metodológica, de um lado, e a desesperançada falta de recursos necessários
para levá-la a cabo, de outro.34 Acresce a perda de consenso, nas instituições de
socialização, quanto aos valores a serem transmitidos ou criticados:
32
Id. p.57.
33
ESTEVE, José Manuel. O mal-estar docente: a sala de aula e a saúde dos professores. Bauru, SP :
EDUSC, 1999. p.36.
34
Id. p.48. Os professores sabem que sua atuação prática depende fortemente do âmbito institucional e que,
individualmente, não são capazes de modificar as limitações institucionais de seu trabalho (Id. p.50).
35
Id. p.30-31.
36
Id. p.31.
Nos países europeus, já no início da década de 1980, verificava-se uma deserção dos
quadros docentes por causo do esforço psíquico a que estes têm de se submeter como
consequência do clima dominante nas instituições de ensino.37
Dos obstáculos que a realidade do trabalho nas escolas impõe à realização do afeto
(exigido dos educadores) pode resultar sofrimento psíquico mais ou menos intenso. É na
realidade da sala de aula, em condições de trabalho mais ou menos precárias e conflituosas,
que os educadores terão que produzir um sentido para o esforço e sofrimento que
normalmente as atividades de trabalho lhes exigem.40
37
Id. p.40.
38
CODO, Wanderley & GAZZOTTI, Andréa Alessandra. Op. Cit. p.58.
39
BATISTA, Anália Soria & CODO, Wanderley. Crise de identidade e sofrimento. In: CODO, Wanderley
(Coord.). Educação: carinho e trabalho. 3. ed. Petrópolis, RJ : Vozes / Brasília : Confederação Nacional dos
Trabalhadores em Educação: Universidade de Brasília. Laboratório de Psicologia do Trabalho, 2002.
pp.61.72.82-85.
40
Id. p.61.
41
Id. p.76.
escolas uma defasagem entre o trabalho “como deve ser” e “a realidade do trabalho nas
escolas” e, por conta disso, uma tensão entre o educador e o educando.42
Nesse contexto, para que o trabalho docente se realize, o tipo de vínculo exigido faz
dos professores portadores de uma fragilidade especial: a suspeição sobre a própria
competência.43 De um lado, a definição do que significa “ser bom professor” (competência
profissional) lhes é subtraída e por isso lhe é imposta e, do outro lado, quanto aos
resultados alcançados, a “realidade do trabalho” dos professores beiram o absurdo. Daí a
dúvida lancinante: “os alunos não conseguem aprender devido a falta de recursos
suficientes na escola e/ou de suas carências socioculturais ou “o problema é que eu não sei
como ensinar a eles de forma adequada, em tais circunstâncias?”44
42
Id. p.78-79.
43
Id. p.82.
44
Id. Ibid.
45
Id. p.70. TOURAINE, Alain. A escola do sujeito. In: ________. Poderemos viver juntos: iguais e
diferentes. Petrópolis: Vozes, 1999. pp.319-321.
46
VEIGA-NETO, Alfredo. Pensar a escola como uma instituição que pelo menos garanta a manutenção das
conquistas fundamentais da Modernidade. In: COSTA, Marisa V. (org.). A escola tem futuro? Rio de
Janeiro: DP&A, 2003. p.107.
47
Dizer “sociedade disciplinar” não é o mesmo que dizer “sociedade disciplinada”. “Disciplinar” refere-se a
uma certa disposição ou condição que segue uma determinada lógica; “disciplinada” denota um estado final a
que se chega caso o disciplinamento se efetivar a contento (VEIGA-NETO, Alfredo. Op. Cit. p.115-116).
sujeito moderno de ocupar de forma ordeira, disciplinada e padronizada seu tempo e seu
espaço e exercer sua autonomia.48
A escola que herdamos foi projetada para funcionar com base em práticas
disciplinares. Ela foi importante para a gênese e a manutenção de uma sociedade
disciplinar.49 Encaixada na sociedade moderna, a escola disciplinadora funcionava antes
como uma grande fábrica que produziu novos modos de vida do que como um aparelho de
ensinar conteúdos e de promover a reprodução social. Junto com a família, a escola
disciplinadora ensinava a cada um a capacidade de dizer a si mesmo o que é certo e o que é
errado fazer (e não fazer). Para conseguir fazer isso, a escola precisava sequestrar em
espaços fechados os corpos das crianças e dos jovens.50
48
VEIGA-NETO, Alfredo. Op. Cit. p.106-107. O projeto social moderno foi uma sociedade em que cada um
é capaz de constranger seus ímpetos naturais a partir de dentro para fora, pensar, avaliar e censurar
previamente suas ações, de modo a direcioná-las positiva, produtiva e disciplinadamente (Id. p.117).
49
Uma sociedade disciplinar é aquela em que cada um é capaz de dizer a si mesmo o que é certo e o que é
errado fazer (e não fazer). E cada um é capaz disso porque aprendeu isso socialmente (Id. p.116)..
50
Id. p.116.
51
Id. p.108.
52
Id. p.110.
53
Id. p.111.
54
Foucault criou a expressão “sociedade de controle” para se referir a uma sociedade cuja ênfase parece recair cada vez
menos no disciplinamento precoce e vertical (dos corpos e dos saberes) e cada vez mais no controle permanente,
horizontal e minucioso (sobre os corpos) (Id. p.117).
é bem mais importante do que a lógica da disciplina.55 Na sociedade disciplinar a ênfase
recai no autogoverno a ser aprendido dentro de certas instituições durante uma fase de
nossas vidas, ao passo que na sociedade de controle todos controlam todos, todos vigiam
todos, durante todo o tempo e em qualquer lugar do espaço social.56 O deslocamento em
questão está afetando drasticamente a escola:
Pode-se prever que a educação será cada vez menos um meio fechado,
distinto do meio profissional – um outro meio fechado –, mas que os
dois desaparecerão em favor de uma terrível formação permanente, de
um controle contínuo se exercendo sobre o operário-aluno ou o
executivo-universitário. Tentam nos fazer acreditar numa reforma da
escola, quando se trata de uma liquidação.57
55
Id. p.111. Foucault foi “um dos primeiros a dizer que as sociedades disciplinares são aquilo que estamos
deixando para trás, o que já não somos. Estamos entrando nas sociedades de controle, que funcionam não
mais por confinamento, mas por controle contínuo e comunicação espontânea” (DELEUZE, Gilles.
Conversações. São Paulo: Editora 34, 2008. p.215-216). O que há de mais sutil sobre o assunto em pauta,
encontra-se no texto “Post-scriptum sobre as sociedades de controle”, último capítulo da obra citada de Giles
Deleuze. Conferir também GALLO, Sílvio. Deleuze e a educação. 2. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2008.
p.86-91.
56
VEIGA-NETO, Alfredo. Op. Cit. p.118.
57
DELEUZE, Gilles. Op. Cit. p.216.
58
VEIGA-NETO, Alfredo. Op. Cit. p.113.
59
“O papel tradicionalmente designado às instituições escolares, com respeito à transmissão de conhecimento,
viu-se seriamente modificado pelo aparecimento de novos agentes de socialização (meios de comunicação e
consumo cultural de massa etc.) que se converteram em fontes paralelas de transmissão de informação e
cultura” (ESTEVE, José Manuel. Op. Cit. p.29).
60
VEIGA-NETO, Alfredo. Op. Cit. p.114.
os cadastros comerciais; o rastreamento dos cartões de crédito, etc. Tudo isso funciona
também como novos dispositivos de subjetivação, como novas técnicas para a permanente
vigilância, como práticas saturadas de controle, um controle baseado na visibilidade
minuciosa, total e permanente.
Em tal contexto, ainda que possa aumentar a segurança social, é notável a saturação
do constrangimento individual, imposto de fora para dentro, somando-se ao fato de que as
técnicas de controle tendem a ser aceitas sem problematização e que certas mídias ensinam
a consumir o próprio controle.62
61
GARCÍA CANCLINI, Néstor. Diferentes, desiguais e desconectados. Rio de Janeiro: UFRJ, 2005, p.184-
185.
62
VEIGA-NETO, Alfredo. Op. Cit. p.118-119.
63
Id. p.120s.
5. A síndrome de Burnout
O professor sabe que sofre, mas alguns até acharam ridículo seu empenho, tolo até;
outros lhe ofereceram sua indiferença ou um discreto sorriso capaz de transmitir dúvidas
sobre sua competência. “Os educadores são perseguidos pela evolução de uma sociedade
que impõe profundas mudanças em sua profissão”.66 Sob a pressão da mudança do contexto
social, mudou não só o papel do professor, mas também “as expectativas, o apoio e o
julgamento desse contexto sobre os educadores”.67 Em sua imagem pública, o professor
está sendo constantemente golpeado. Sem dúvida, o que coloca em questão a sua
competência fere sua identidade!68
Em suas pesquisas na Espanha, Esteve viu que, dentre os que sucumbem ante a ação
das condições psicológicas e sociais em que se exerce a docência, mais numerosos que os
que vêem sua saúde afetada por sintomas de estresse, neurose ou depressão são os
“professores que recorrem, como uma reação de defesa, a um mecanismo de inibição que
lhes permite romper a pressão à qual estão submetidos”, ou seja, aqueles que aprenderam a
64
Pode-se pensar aqui, por exemplo, na ampliação do papel de professor, isto é, no aumento das
responsabilidades e exigências que se depositam sobre os educadores. E pode-se lembrar inclusive que, “nas
atuais circunstâncias, um dos aspectos mais importantes da competência social dos educadores é, certamente,
a capacidade de viver e assumir situações conflitivas”, posto que “qualquer atitude do professor pode ser
contestada” (ESTEVE, José Manuel. Op. Cit. p.29.31).
65
BATISTA, Anália Soria & CODO, Wanderley. Op. Cit. p.83.
66
ESTEVE, José Manuel. Op. Cit. p.33.
67
Id. Ibid. “Muitos professores se queixam de que os pais não só despreocupam-se de infundir em seus filhos
valores mínimos, convictos de que essa é uma obrigação que só cabe aos professores, como também estão de
antemão dispostos a culpar os professores, colocando-se ao lado da criança, com o último álibi de que, no
final das contas, se o filho é um mal-educado a culpa é do professor que não soube educá-lo” (Id. Ibid.).
68
BATISTA, Anália Soria & CODO, Wanderley. Op. Cit. p.83.
“desimplicar-se pessoalmente das tarefas docentes, impermeabilizando-se e tornando-se
invulneráveis aos juízos de valor”.69 No entanto, comprovadamente, um professor não pode
conseguir uma educação de qualidade fora do âmbito de sua capacidade de relação pessoal.
A implicação pessoal é condição indispensável para uma relação educativa de qualidade,
mas, inevitavelmente, “propõe ao professor a exigência de um constante questionamento,
revendo continuamente a coerência da própria ação e do próprio pensamento, para
responder às interrogações que nossos alunos nos propõem”.70
69
ESTEVE, José Manuel. Op. Cit. p.59-60. “Os sintomas incluem um alto índice de absenteísmo, falta de
compromisso, um desejo anormal de férias, baixa auto-estima, uma incapacidade de levar a escola a sério – os
problemas do professor separam-se cada vez mais dos seus alunos” (Id. p.57).
70
Id. p.60.
71
BATISTA, Anália Soria & CODO, Wanderley. Op. Cit. p.84.
72
CODO, Wanderley & VASQUES-MENEZES, Iône. O que é burnout? In: CODO, Wanderley (Coord.).
Educação: carinho e trabalho. 3. ed. Petrópolis, RJ : Vozes / Brasília : Confederação Nacional dos
Trabalhadores em Educação: Universidade de Brasília. Laboratório de Psicologia do Trabalho, 2002. p. 237.
73
Id. p.239-240.
usuários de drogas passavam a apresentar alguns sintomas em comum.74 Alguns
reclamavam que estavam tão exaustos que às vezes desejavam nem acordar para não ter
que ir para o trabalho. Outros afirmavam que já não conseguiam atingir os objetivos que
haviam imaginado, sentindo-se derrotados. Outros ainda se queixavam de que já não viam
seus “pacientes” como pessoas que necessitassem de cuidados especiais, visto que eles não
se esforçavam para parar de usar drogas.
Quando se fala de burnout, fala-se de três fatores que podem aparecer associados,
mas que são independentes: (1) exaustão emocional, (2) baixo envolvimento pessoal no
trabalho e (3) despersonalização.75
O baixo envolvimento pessoal no trabalho, que também pode ser entendido como
baixa realização pessoal no trabalho, ocorre nesta relação afeto-trabalho, sendo na verdade
a perda do investimento afetivo. Não conseguir atingir os objetivos aos quais se propõe traz
ao professor um sentimento de impotência, de incapacidade pessoal para realizar algo que
tanto sonhou. Este conflito leva o professor a se auto-depreciar, de modo que o seu
trabalho perde o sentido.77
74
Id. p.240.
75
Id. p.241.
76
Id. Ibid. São questões, do instrumento de pesquisa, pelas quais se verifica a exaustão emocional: Eu me
sinto esgotado ao final de um dia de trabalho. Eu me sinto como se estivesse no meu limite. Eu me sinto
emocionalmente exausto pelo meu trabalho. Eu me sinto frustrado com o meu trabalho. Trabalhar diretamente
com pessoas me deixa muito estressado. Eu me sinto esgotado com meu trabalho. Eu sinto que estou
trabalhando demais no meu emprego. Eu me sinto cansado quando me levanto de manhã e tenho que encarar
outro dia de trabalho. Trabalhar com pessoas o dia inteiro é realmente um grande esforço para mim (Id.
p.243s.).
77
CODO, Wanderley & VASQUES-MENEZES, Iône. Op. Cit. p.242. São questões, do instrumento de
pesquisa, pelas quais se verifica o envolvimento pessoal no trabalho: Eu me sinto muito cheio de energia. Eu
me sinto estimulado demais depois de trabalhar lado a lado com minha clientela. No meu trabalho, eu lido
com os problemas emocionais com muita calma. Eu posso criar facilmente um ambiente tranquilo com a
minha clientela. Eu posso entender facilmente o que sente a minha clientela acerca das coisas. Eu tenho
realizado muitas coisas importantes neste trabalho (Id. p.243s.).
A despersonalização ocorre quando o vínculo afetivo é substituído por um vínculo
racional e frio, quando há a perda do sentimento de que estamos lidando com outro ser
humano, quando há a “coisificação” do outro ponto da relação, ou seja, quando o aluno é
tratado como mero objeto. Neste estado psíquico, o professor desenvolve atitudes negativas
em relação aos alunos, atribuindo a eles o seu próprio fracasso. O trabalho passa a ser visto
exclusivamente como fonte de rendimentos.78
Burnout foi o nome que se achou para falar de desistência no trabalho – mas não
desistência do trabalho, já que a necessidade obriga o trabalhador ficar ali.79 Essa
desistência não tem uma só forma; ao contrário, ela comparece como um monstro de mil
cabeças. Quando uma é cortada outra toma o seu lugar.80
Burnout é uma síndrome que vai avançando com o tempo, corroendo devagar o
ânimo do educador. O fogo vai se apagando devagar.82 O profissional exaurido está
encalacrado em uma situação de trabalho que se tornou insuportável. Mas ele também não
pode desistir, pois depende desse trabalho para sobreviver. Então, inconscientemente, ele
arma uma retirada psicológica, um modo de abandonar o trabalho, apesar de continuar no
posto. O burnout é uma desistência de quem ainda está lá.83
O professor com burnout está presente na sala de aula, mas passa a considerar cada
aula, cada aluno, cada semestre, como números que vão se somando em uma folha em
branco: “... Tanto faz sobre o que estou dando aula, sequer me interessa se foi boa ou não,
o que me interessa é que mais uma aula passou...”; “... Tanto faz que meus alunos estejam
78
CODO, Wanderley & VASQUES-MENEZES, Iône. Op. Cit. p.242. São questões, do instrumento de
pesquisa, pelas quais se verifica a despersonalização: Eu sinto que os clientes me culpam por alguns dos seus
problemas. Eu sinto que eu trato alguns dos meus clientes como se eles fossem objetos. Eu acho que me tornei mais
insensível com as pessoas desde que comecei esse trabalho. Eu acho que este trabalho está me endurecendo
emocionalmente. Eu não me importo realmente com o que acontece com alguns dos meus clientes (Id. p.243s.).
79
Id. p.248.
80
Id. Ibid.
81
Id. p.249.
82
Id. p.254.
83
Id. Ibid.
apaixonados pelo conteúdo ou que as minhas palavras atravessem seu cérebro como a um
deserto, cumpro apenas a minha obrigação...”84
Jeca Tatu tinha o ventre corroído pelos vermes, a vítima de burnout tem o espírito
corroído pelo desânimo, a vontade minguando devagar, até atingir os gestos mais banais.
Jeca Tatu é uma obra de ficção, o burnout é um fenômeno real, a corroer, dia após dia, o
educador e a educação.85
84
Id. Ibid.
85
Id. Ibid.
86
Sobre a liquidação da escola, ver DELEUZE, Gilles. Op. Cit. p.216. 225. Sobre a criação de “vacúolos de
não-comunicação” a fim de escapar ao controle, ver Id. p.217-218.
87
Id. p.218.
88
GALLO, Sílvio. Deleuze e a educação. 2. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2008. p.91.
resistir a esta nova dominação, muito diferentes que aquelas que se exerciam antes contra
as disciplinas”.89
Por este viés, torna-se problemático o modelo big brother de escola. O sistema de
câmeras (catracas e carteirinhas-ponto) de vigilância eletrônica, sem áudio, para monitorar
professores e alunos (no espaço comum: da chegada, das salas de aula, dos corredores, das
áreas de recreação e da saída) tem sido defendido com o argumento de que ele coíbe casos
de violência, especificamente, de maus-tratos contra os alunos; permite desfazer mal-
entendidos e esclarecer questões sobre o comportamento dos alunos e a atuação dos
professores; possibilita aos pais acompanhar (via internet ou, se for o caso, assistir em
vídeo) o andamento das aulas e das brincadeiras dos/das filhos/as, evitando as mentiras
destes/as e dos profissionais. Em suma, utiliza-se o sistema de monitoramento eletrônico
com a justificativa de que ele oferece segurança aos estudantes. É previsível que, antes da
implantação desse sistema, deve ser realizado um trabalho de conscientização com os
alunos, alegando a necessidade de instrumentos de segurança para a escola.
Mesmo que os alunos se acostumem e não se sintam vigiados, fica sem resposta a
questão da educação da e para a responsabilidade: é possível aprender a ser responsável por
seus atos e decisões, quando se está sendo permanentemente vigiado? Sob um sistema de
espionagem, as relações entre professores e alunos não tendem necessariamente a um
artificialismo em que pessoas não podem comparecer perante outras pessoas? Não é pela
tomada da palavra que as pessoas se educam umas com as outras? Por que eliminar do
processo educativo a possibilidade de transgredir? É possível ser educador e manter
relacionamentos humanos sob condições de desconfiança institucional? Enfim, a instalação
e a utilização da espionagem total e permanente na escola já não é a confirmação ostensiva
da destituição dos educadores de seu lugar institucional e simbólico? Hannah Arendt
escreveu que se deveria proibir de participar da ação de cuidar-e-educar as pessoas que se
recusam a assumir a responsabilidade coletiva pelo mundo, na forma da autoridade
pedagógica. De acordo com a filósofa citada, a autoridade pedagógica “se assenta na
responsabilidade que ele assume por este mundo. Face à criança, é como se ele fosse um
89
DELEUZE, Gilles. ؟Qué es un dispositivo? In: BALBIER, E. et alii. Michel Foucault, filosofo. Barcelona:
Gedisa, 1999. p.160.
representante de todos os habitantes adultos, apontando os detalhes e dizendo à criança: -
Isso é o nosso mundo”.90 Sob este prisma, o modelo big brother de escola destrói a relação
pedagógica, porque subtrai do/da professor/a a autoridade dos adultos perante as crianças.
O modelo militar de escola tem vantagens psicológicas, por exemplo, de evitar e/ou
diminuir as ansiedades dos aprendizes e fomentar neles o sentimento de distinção, por conta
da ritualização estetizante das relações instituídas, sob os princípios da hierarquia e da
disciplina. Com a chancela do governo do Estado, a polícia militar do Rio Grande do Sul,
na rede pública estadual, está a restaurar o modelo discipinador da escola tradicional da
época moderna. Sabe-se que esse modelo pressupunha a exclusão sumária dos alunos que
tinham dificuldades de se adaptar às normas instituídas ou de aprender os conteúdos
curriculares. Ora, o modelo militar não cabe ser adotado pela rede pública de escolas,
precisamente porque, de modo discriminatório e inconstitucional, procede a uma seleção
para o ingresso, no que repete o modelo tradicional, intempestivamente.91 A Constituição
Brasileira de 1988 proíbe as escolas mantidas com recursos públicos selecionar alunos e,
assim, produzir a exclusão no sistema de ingresso. Se uma escola pretende se tornar top de
linha, deve “esmerar-se em criar condições didáticas e pedagógicas para incluir
progressivamente todos os alunos que nela tentam ingressar. É muito fácil dar aula para
alunos selecionados, mediante testes, e lograr objetivos educacionais nobres com tais
alunos”.92 É previsível que, sob as condições de um regimento militar e para alunos
selecionados, professores/as incapazes em condições normais, isto é, para alunos que
enfrentam todo tipo de problemas de aprendizagem, dão conta de passar e cobrar os
conteúdos escolares previstos.
90
ARENDT, Hannah. “A crise na educação”. In: Entre o passado e o futuro. 5. ed. São Paulo: Perspectiva,
2000, p.239.
91
“Inconstitucional” não significa aqui exatamente “ilegal”, já que a Lei nº 12.349, de 26 de outubro de 2005,
do Rio Grande do Sul, em seu artigo primeiro, instituiu o Ensino Médio na Brigada Militar “de forma
preparatória para o ingresso na carreira militar”. Ocorre que, contrariando princípios constitucionais, as
peculiaridades militares limitam o ingresso de qualquer aluno, seja com problemas físicos ou mentais, ou até
mesmo de adolescentes que estiverem acima do peso. A Constituição Federal de 1988 elegeu como um dos
princípios para o ensino a igualdade de condições de acesso (...), “não podendo excluir nenhuma pessoa em
razão de sua origem, raça, sexo, cor, idade, deficiência ou ausência dela”. Também fala como princípio
constitucional a “gestão democrática do ensino público” e como dever do Estado a “progressiva
universalização do ensino médio gratuito e o atendimento educacional especializado aos portadores de
deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino”. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação diz que “o
Poder Público adotará, como alternativa preferencial, a ampliação do atendimento aos educandos com
necessidades especiais na própria rede pública regular de ensino” (TENTARDINI, Cleber Dioni. Op. Cit.).
92
BECKER, Fernando, apud TENTARDINI, Cleber Dioni. Op. Cit.
Fernando Becker apresenta outra importante objeção ao modelo espartano de
educação em discussão:
O autor citado sugere que a escola faça valer os efeitos que dela todos esperam nos
limites de sua ação cotidiana, fortalecendo o âmbito específico de suas competências.95 Por
esta razão, ele insiste em que o trabalho escolar deve ser estruturado pela “quadradura
conhecimento / sala de aula / relação professor-aluno / contrato pedagógico”.96 Aquino
acentua que a relação professor-aluno deve ser cotidianamente lastreada pelo contrato
pedagógico, especialmente por razões de ordem ética – exigência e cuidado de incluir
93
Id. Ibid.
94
AQUINO, Julio Groppa. Diálogos com educadores: cotidiano escolar. São Paulo: Moderna, 2002, p. 109.
95
AQUINO, Julio Groppa. Erro e Fracasso na Escola: alternativas teóricas e práticas. São Paulo: Summus
Editorial, 2002, p. 108.
96
Id. Ibid.
integralmente o outro no cenário educativo –, mas também de ordem disciplinar.97
Semelhante é a posição defendida por Juan Carlos Tedesco.98
Há que acrescentar que, nas condições de trabalho atualmente vigentes nas escolas
da rede pública, no Brasil, salvo melhor juízo, o cumprimento dos contratos pedagógicos
tanto pelos/as professores/as quanto pelos/as alunos/as depende, cada caso, de um bem
constituído pacto escolar, focado na aprendizagem dos/das alunos/as.99 Os impactos sociais
aversivos e patogênicos sobre a subjetividade do/a professor/a, especialmente aqueles que
se manifestam através de atos infracionais dos/as alunos/as e danos morais provenientes dos
seus responsáveis parentais ou legais, podem ser minimizados mediante esse pacto de
proteção mútua entre os profissionais da educação – diretor(a), vice-diretor(a),
supervisor(a), orientador(a), professores/as, monitores/as e até porteiros/as. Condição
imprescindível para a celebração e o cumprimento dos contratos pedagógicos em sala de
aula é a ação dos profissionais da supervisão escolar e da orientação educacional no sentido
de mediar e resolver conflitos entre alunos, entre alunos e professores, entre professores, e
entre professores e responsáveis parentais ou legais dos alunos. Estes conflitos são
inevitáveis onde e quando a avaliação externa força as escolas a competirem entre si quanto
ao rendimento intelectual dos alunos, mas, ao mesmo tempo, proíbe selecionar no ingresso
e no percurso. E esses conflitos, caso não forem adequadamente enfrentados no âmbito da
própria unidade escolar, machucam os professores de modo arrasador.
7. Conclusão
97
AQUINO, Julio Groppa. Diálogos com educadores: cotidiano escolar. São Paulo: Moderna, 2002,
p.17.51.97.100.106.168ss.
98
TEDESCO, Juan Carlos. O novo pacto educativo: educação, competitividade e cidadania na sociedade
moderna. São Paulo: Ática, 2002, p.133-136.
99
ARENHART, L. O. Reflexões sobre o pacto escolar como base de sustentação da autoridade pedagógica
In: Instituto Estadual de Educação Odão Felippe Pippi / SEIBT, Adelino Jacó (Org.). Interlocução de Saberes
III. Santo Ângelo: EDIURI, 2007, p.p. 89-95.
Mas à medida que, após a segunda grande guerra, esta lógica passou a ser
substituída pela lógica do controle, a bem consolidada educação escolar começou a ser
liquidada. E os/as profissionais da educação passaram a ser exigidos/as a estabelecer
relações móveis e plurais, em contextos práticos variáveis e imprevisíveis, com crianças e
adolescentes titulares de direitos e resistentes a formas de ação em que não fossem tratados
como sujeitos. A forma contemporânea de subjetivação das crianças e adolescentes, em sua
condição de outros complementares dos cuidadores-educadores, reduz as pretensões de
acolhimento, de saber e de poder destes. Crianças e adolescentes tendem a sabotar as
técnicas disciplinares, mesmo que consideram naturais as formas pós-modernas de controle.
Por conseqüência, os/as profissionais do cuidar-e-educar se sentem constantemente
colocados/as em dúvida quanto à sua competência profissional. Seus esforços e sofrimentos
tendem a perder o sentido em função do acúmulo de experiências de frustração e
desprestígio. O sofrimento psíquico pode se intensificar de modo a desenvolver, de forma
independente ou conjunta, a exaustão emocional, o baixo envolvimento pessoal no trabalho
e a despersonalização. Trata-se de indicadores de um processo de corrosão do ânimo
dos/das profissionais, de tal modo que, mesmo estando no trabalho por razões econômicas,
subjetivamente desistiram do mesmo, pois não conseguem mais investir nele afetivamente.
AQUINO, Julio Groppa. Erro e Fracasso na Escola: alternativas teóricas e práticas. São
Paulo: Summus Editorial, 2002.
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