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Querer é desejar?

- Sobre agenciamentos psicopolíticos

Argus Setembrino

Uma das coisas mais interessantes nos juízos e análises cotidianas tem sido
ultimamente, para mim, a diferença entre força e desejo. Simplificando, desejo é o que age e
força é o que percebe1. Mas antes de falar disso, um breve salvo-conduto.

Essa relação entre força (percepção) e desejo (ação), ou código e desejo, vem sendo
desenvolvida na Psicologia Política em termos de “agenciamento psicopolítico” 2. O que estou
trazendo aqui não tem a pretensão de ser fiel ao que vem sendo elaborado neste campo; é
uma variação paralela ou um uso da noção que não é pura, mas diversa. Menciono
principalmente por honestidade intelectual: não foi uma ideia que saiu de minha cachola. Se
configurar roubo, que seja um roubo declarado.

As “aplicações” são as mais variadas: um grupo de colegas que diz querer se reunir,
mas chega na hora ninguém fala nada; uma paciente que diz não querer mais o namoro e
responde às investidas do namorado; um pastor que prega contra o “homossexualismo” e
sistematicamente contrata garotos de programa e travestis; um partido cujos “companheiros”
não param de sobrecodificar os trabalhadores sujeitos revolucionários 3.

Um exemplo pessoal – e político: no início da quarentena, ainda em luto pelos projetos


suspensos e cancelados, não conseguia fazer nada que estava no planner ou na cabeça. Via
uma notícia, lia um texto nada-a-ver, assistia uma série ruim, conversava sobre a pandemia,
participava de uma reunião online, ia bater boca nas redes sociais, jogar um joguinho besta...
“Procrastinação”, como chamam, mas sem aquele juízo explorador de valor. Ainda tentando
dimensionar o tamanho do perigo do vírus para um fumante, mas também buscando como
orientar os pacientes, como re-projetar os projetos...

Em meio à balbúrdia, quando abria o computador, apesar de tudo que percebia como
urgente, retomei uma vontade há muito solapada de escrever. “Dissertar”, que é nesse caso
escrever a dissertação de mestrado. Mas mais do que isso, escrever o que desejava escrever
1
Um esboço de uma diferenciação entre força e desejo pode ser encontrada em um texto publicado
com um amigo que se chama “Uma perspectiva esquizoanalítica do conhecimento: notas acerca da
relação entre corpo e percepção”, disponível aqui
https://www.anais.ueg.br/index.php/jefco/article/view/13920
2
Cf. o capítulo sobre agenciamentos psicopolíticos do livro “Psicologia, Política e Esquizoanálise”, de
Domenico Hur. Também tive acesso a essa discussão pelas aulas no Programa de Pós-Graduação em
Psicologia da Universidade Federal de Goiás.
3
“De que serve afirmar a legitimidade das aspirações das massas se o desejo é negado em todo lugar
onde tenta vir à tona na realidade cotidiana?”, pergunta Guattari em “Somos todos grupelhos”;
pergunta que serve para o partido comunista francês – a quem foi endereçada - mas para qualquer
“quadro” do Partido Socialismo e Liberdade.
por meio de uma dissertação de mestrado. Apesar deu querer priorizar as atividades que
envolviam terceiros, isto é, querer cumprir pelo menos com aqueles compromissos firmados
com outras pessoas, o que eu desejava era minha questão, meu problema de pesquisa.

Nesse caso, no “meu” caso, divisar aquilo que eu dizia querer daquilo que eu desejava
foi importante para eu começar a sair da confusão, mas de um modo mais afeito ao desejo que
me atravessara. Abriu para outros processos, que envolvem uma retomada de questões cabais
e esse descompasso entre o querer e desejar.

Pensar em “agenciamento psicopolítico” para este desencontro entre o que se diz


querer e o que se faz me parece muito rico para uma Psicologia da Diferença. É menos
moralista que a noção de hipocrisia; e muito mais sensível que a noção de contradição - entre
“teoria e prática”, entre discurso e prática, entre o que se diz e o que se faz.

Primeiramente, o desejo é em conjunto e em direção a um conjunto 4. Tem a ver com


agenciamento de um conjunto de coisas de diferentes qualidades. Desejei, naquele exemplo,
escrever, mas não apenas escrever: responder uma questão; responder à ultrapassagem da
técnica em nossas vidas; analisar minhas implicações; devir a partir das condições minoritárias;
extrair um método do construtivismo esquizoanalítico; ser avaliado por tal banca que
reconheço como autoridade etc, etc, etc. desejei um conjunto, não um objeto.

Mas também e sobretudo desejei em conjunto. Meu desejo de escrever não esteve
fora de um conjunto: minha casa e os objetos nela – o computador, a escrivaninha; as
configurações institucionais de um mestrado; as notícias do novo coronavírus; as incertezas
em relação à reterritorizalização no pós-crise; meu medo da morte... todos esses elementos
foram agenciados em meu desejo de escrever, uma lista sempre incompleta.

Por um lado, as ações indicam um desejo, mas quais são os elementos agenciados
numa ação? Eis uma questão cartográfica que mostra a vantagem do “agenciamento
psicopolítico” em relação à “hipocrisia” e à “contradição”. Se partimos desta concepção
positiva de desejo, vinculada às ações, haveríamos de mapear o conjunto concreto em que se
dão essas ações e que modulam essas ações.

4
Na introdução da minha monografia, há uma breve explicação dessa concepção positiva de desejo, a
partir de Deleuze e Guattari (“Abecedário” e “Mil Platôs” e “Revolução molecular” e...), Baremblitt
(“Introdução à Esquizoanálise”), Rolnik (“Cartografia sentimental”) e dos próprios estudos no contexto
das pesquisas anteriores deste grupo, coordenado pela profa. Ondina Pena, em que estudamos o desejo
a partir também da Ética de Spinoza.
Uma direção da análise do desejo é esta: que elementos estão envolvidos, conectados,
ligados na ação concreta. Que matérias estão vinculadas à ação? Que linhas constituem a
cena? Que linhas podem ser inventadas?

continua...

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