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Criticar, Criticar, Criticar

Divisar as críticas entre construtiva e destrutiva é uma coisa que orienta já o senso comum.
Talvez tenha sido Paulo Freire quem propôs esses dois tipos: a crítica construtiva seria aquela
que vem acompanhada de uma proposta de solução. “Olha, isso aí tem esse e aquele
problema, mas você poderia fazer assim...”. Tem mesmo algo de construtivo nesse gesto.

Dizque a diferença entre remédio e veneno é a dose. Talvez também se aplique a esse gesto
crítico. Quando criticar é tão repetido, tão reiterado, tão fundamental que se torna um hábito,
uma instituição. E quando estamos já institucionalizados e a crítica se torna uma disposição
cognitiva, uma "atitude" - internalizada, por definição.

É uma virtude, a atitude crítica. A esse respeito, alguém certa vez disse a crítica não existe
senão em relação a algo que não ela mesma;

se põe limites ou outras direções àquilo que critica, não é sem uma função subordinada e uma
espécie de “parceria adversária” com os domínios criticados; a crítica é um meio para uma
verdade que ela própria não saberá nem será. Quando imagino qualquer coisa que critico, vejo
que é assim mesmo... se critico, por exemplo, a postura ou didática de uma professora minha,
ela pode ignorar, rever sua maneira de dar aula, mas ainda é ela dando aula e me ensinando.
Nesse caso, ajudo a "construir" uma aula mais afeita a mim, que inclua certos aspectos, que vá
em outra direção... mas ainda será uma aula, ainda estarei como aluno. Dizque o que não
mata, engorda.
Michel Foucault, em entrevista publicada com o título "O que é a
crítica?", foi quem disse dessa subordinação da atitude crítica

Seja construtiva ou destrutiva, a crítica é sempre (ou quase sempre) uma reação a uma ação
de alguém ou alguma coisa. Por isso é subordinada. Ninguém critica o que não está te
afetando, te interferindo, te comandando.

Nesse sentido toda crítica tem um pouco de autocrítica, na medida em que aquilo que se
critica faz parte do sua vida, senão de si mesmo - se é que são coisas diferentes. Não no
sentido de uma projeção, mas em qualquer sentido em que um si mesmo não seja um
indivíduo fechadinho e bunitinho...

Há quem diga que a melhor crítica é aquela que faz da coisa criticada um conceito. Vejo algo
disto, por exemplo, em Milton Santos e Maria Laura Silveira quando propõem uma outra
classificação das regiões brasileiras: "região concentrada", eles chamam o conjunto do que
para o IBGE são as regiões sul e sudeste. Se a densidade tecnológica, as informações, as
visibilidades são maiores nesta região a ponto de se tornarem dominantes em relação às
demais, deram-lhes um nome condizente, numa proposta nova, fizeram disto um conceito ou
algo parecido.

É o caso também de René Lourau, ao criticar uma "metástase" do uso do conceito por ele
trabalhado - a (análise de) implicação -, deu um nome: sobreimplicação passou a ser a
impossibilidade, a dificuldade e a confusão em relação à análise de implicação.

Não é uma completa ruptura, como seria por exemplo "virar o rosto e olhar em outra direção";
ou sair da sala, no caso da aula criticada em nosso exemplo anterior. Há ainda uma relação
com a coisa criticada, mas menos subordinada. Ao menos não subjetivamente subordinada,
embora maquinicamente, no cotidiano a subordinação ainda se imponha e tente entrar, fazer
um conceito da coisa criticada é já uma mudança de "atitude" ou disposição diante dessa
coisa. Crítica ativa?
Quem falou desse tipo de crítica talvez se referia mais a uma crítica autística, já que também
dizia que o conceito é conhecimento, mas do próprio conceito.
Foi Gilles Deleuze, em "O que é a filosofia?" quem trouxe essa definição de conceito - também trabalhada em outras
postagens aqui. Com Félix Guattari a crítica ganha aspectos revolucionários...
Mas em todo modo, nomear a coisa criticada, dar-lhe uma significação que não é a que ela
própria dá - como é o caso da "região concentrada" e da "sobreimplicação", é já escapar de
alguns riscos. Um deles é o de cair num chorare infinito. Já encontrei pessoas assim, que viam
na crítica uma virtude mas nessa crítica subordinada: fazem da crítica (reativa) sua ética e sua
morada; é uma ladainha sem fim, um choramingo hediondo... tenho impressão de que essas
pessoas odiariam se suas críticas surtissem efeito e a coisa criticada mudasse mesmo, pois
perderiam o sentido da própria vida delas.

Mas não ocorreria, porque qualquer elaboração que se ponha a criticar, o que ela pode nos
oferecer é “soletrar o mundo sabendo que o perdemos”. Ela pouco pode nos qualificar a “ler”
o mundo e, mais importante, “escrevê-lo”.

O leitor há de notar que esse texto poderia ser intitulado "crítica da crítica", e como qualquer
crítica, pode ser destrutiva, construtiva, reativa, autística e por isso tudo, uma autocrítica.
Também eu me vejo apaixonado por situações, entre elas as do chorare, e critico aquilo que
não sou capaz de destruir. A ideia também não é invocar um Nietszche moralista e jogar a
reatividade pra debaixo do tapete, como às vezes ocorre entre nitianos que confundem ética
com etiqueta...

Procuro pensar a crítica - seja qual for - como devendo ser um lugar de passagem: necessário,
mas sem demora. No plano das coisas materiais, a crítica ativa ou autística seria algo como
buscar entre as coisas algo de diferente... Passar da crítica a outra coisa, portanto, porque se a
crítica sempre tem relação com a coisa criticada, que essa relação seja cada vez mais
dispensável. Penso isso sobretudo em relação às teorias sobre a sociedade, sobre os governos
e governantes, mas qualquer coisa que tem a ver com o cotidiano e modo de vida.

Talvez toda crítica seja construtiva, qualquer que seja seu tipo ou classificação. É por isso que
talvez a gente deva guardá-la a quem mereça... desconfiar de quem não te critica, se afastar de
amizades acríticas. Criticar os amigos quando for bom tempo, mas lembrando também que "só
fortalece aquilo que não mata". Criticar pode ser bem um ato generoso...

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Arte por Haruka-K, DeviantArt

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