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de montadigo que é de rebanho de ovelhas quatro carneiros, e de vacas uma vaca. Tal
montadigo pertence ao concelho (...) O gado de Covilhã não pagará o tributo de pasto em
terra alguma).Por
outro lado a grande variedade de gado citado, a protecção dada ao
gado doméstico (Todo aquele
que fizer penhorar ou apreender gado doméstico pagará sessenta soldos ao fisco
e restituirá em
dobro o gado a seu dono). Também a obrigação de comprar cavalo,
sinal distintivo da riqueza é
dada pela posse de gado: (... uma junta de bois, quarenta ovelhas, um
jumento e duas camas tem
obrigação de comprar cavalo).
A agricultura não tem referências de relevo. Provavelmente seria
menos importante que a pecuária na vida dos habitantes. José Mattoso
refere situação semelhante para o concelho de Alfaiates, referindo-a como
termo de comparação para toda a Beira Interior, onde a caça é mais referida.
As actividades mais “primitivas” sobrepondo-se às que exigiam mais
rigor, estabilidade e ligação à terra. Mas, podemos supor, contrariando essa
opinião, que a existência da propriedade (referência aos marcos divisórios,
herdades, moinhos, fornos...) implica essa posse e ligação à terra,
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condição para a agricultura de exploração individual. No foral da
Covilhã já se referia essa situação
(Aquele que mudar marco alheio na sua fazenda pague cinco soldos e a sétima parte
ao fisco.
Aquele que usurpar o limite da propriedade de outrem pagará cinco soldos sendo
para o fisco a
sétima parte).
O trabalho da lã já seria uma realidade, quer pela presença da matéria-
prima, por diversas vezes referida (costal de lã), quer dos panos de lã. O
comércio e o movimento de mercadores mouros e judeus, entrando e saindo
da vila era outra realidade do quotidiano, igualmente confirmada no foral. E
assume-se no foral a sua importância, pela protecção prestada (todo aquele
que penhorar mercadores cristãos e viandantes ou sejam judeus ou mouros que
não forem fiadores
ou devedores pagará ao fisco sessenta soldos e restituirá em dobro o que
apreendeu a seu dono...)
Em 1260, D. Afonso III, com a Carta de Feira viria novamente confirmar
esta situação.4 Nesta ocasião o rei, querendo promover a actividade
comercial e multiplicar os seus rendimentos, numa época de progresso
económico e de estabilidade política, com a conquista do Algarve terminada
e relativa paz com Castela, concede aos da Covilhã esta carta, tal como já
tinha feito com a Guarda alguns anos antes.
Será lícito supor que a partir da estabilização político-militar, depois de
D. Afonso III, com o esvair das contra-ofensivas muçulmanas e o reforço das
posições cristãs pelo Alentejo adiante, até ao Algarve definitivamente
conquistado, a actividade comercial tenha ganho um estatuto e uma
importância fundamentais, encetando-se relações com Castela, com o sul da
Beira Interior e com a Beira Litoral (o sal e o peixe, mas também os lanifícios)
através das serras do Açor e Estrela, atravessadas até Coimbra e Tomar (por
Seia, Arganil e Penacova). Esta seria a rota do sal (e da lã) que passava por
Casegas e Sobral.
Casegas constava já no mais antigo mapa de Portugal, datado de
1561 onde, entre outras,
também estão Unhais-o-Velho, Dornelas, Cebola, Carregal, Barroca
e Silvares.
Existe em Casegas um vestígio monumental importante que urge
interpretar e contextualizar: a ponte sobre a ribeira de Casegas. Esta ponte é
românica, provavelmente de origem medieval e reconstruída na dinastia
filipina. Esta é uma conjectura, baseada na arquitectura da ponte
4Carta de Feira da Covilhã (extracto):
“ Afonso, pela graça de Deus rei de Portugal, a todos os do meu reino e de todos os outro reinos
que virem
estas palavras, saúde. Sabede que mando fazer uma feira em cada ano na minha vila da Covilhã pela festa de Santa
Maria de Agosto e mando que essa feira dure oito dias [...]. todos os que vierem a esta fei ra por conta própria, para
vender ou para comprar, fiquem seguros na ida e na volta, que não se penhoram no meu reino por qualquer dívida,
desde o oitavo dia antes de começar a feira até trinta dias depois, a não ser por dívida que for feita em dinheiro na dita
feira. Quem agredir os homens que vêm a esta feira pague-me seis mil soldos e o dobro do que tomar ao respectivo
dono e todos os que vierem a esta feira paguem a minha portagem e todos os direitos que devem
pagar (...).”
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e na história económica da nossa região, pois a passagem das mercadorias
referidas e o acesso aos terrenos da margem esquerda teriam uma
importância que justificaria a sua construção e manutenção na dinastia
filipina, quando o interior do país mais se desenvolveu do ponto de vista
comercial e agrícola, já que estava em curso a “revolução do
milho”, a transumância trazia até
Casegas e à serra da Estrela, rebanhos até mesmo de Castela, não
havia fronteira entre Port ugal e
Espanha e os lanifícios desenvolviam-se bastante.
E as pessoas?
Podemos supor que a sociedade caseguense seria uma realidade,
embora diminuta, pois Casegas já tinha este nome e era povoada desde o
tempo do domínio dos Templários, portanto, antes do foral da Covilhã. A
sociedade dos séculos XII e XIII está plasmada nesse foral. Podemos
igualmente ver aí a presença do rei. Faltam-nos os quantitativos, quer da
totalidade, quer das parcelas, referentes aos diversos grupos sociais. O
tempo é de guerra e os actores adaptam-se a esse tempo. São inúmeras as
referências à guerra, em diversas palavras e expressões:fossado, batalha,
algara, azarias, armas, escudos, espadas, lança, ferir, ferido, ser morto, apresar,
mouro que se
vender no mercado... A organização da vida não é pautada pelo
calendário litúrgico, nem pelos
ciclos vegetativos, da vida, morte e renascimento que José Mattoso
encontrou noutras paragens, quiçá mais pacificadas. Os homens e as
mulheres são os actores, objecto de mais regulamentações destinadas a
pacificar e moderar a violência e a colisão entre o interesse individual e a
necessidade colectiva, trabalham, lutam, pagam impostos, entrechocam-se
na luta pela sobrevivência. Referem- se os homens, (...) o homem, (...) o
indivíduo, (...) o que matar, (...) o que roubar, (...) quem for, (...)
para designar o sexo masculino. As mulheres são
o que tiver (...)
referidas cinco vezes, contudo,
face à situação de casamento por três vezes: a mulher, filha... algumas
vezes aparece como objecto
vítima de violências: o que forçar mulher e esta gritando disser que foi
violentada (...) o que faltar
à promessa de casamento (...) o que abandonar sua mulher (...) o que bater na
mulher (...) a mulher
casada à face da igreja que abandonar seu marido...
A população organizava-se no tipo de família predominante na época, a
família extensa, apoiada numa ampla rede de solidariedades de parentesco.
Alguma gente seria originária do norte do país: o rei D. Sancho dizia no
início:queremos restaurar e povoar a Covilhã (e certamente todo o concelho). Por
isso há um conjunto de incentivos à fixação de população: concedemos que todo
o
cristão ainda que servo que habitar na Covilhã durante um ano fique livre e
ingénuo ele e a sua
descendência. Outras normas jurídicas concediam aos habitantes
da Covilhã mais liberdade e mais
regalias: o foral de uma cidade: Évora, cujo tipo era muito mais
atractivo que outros, próprios da
ruralidade, o facto de estar estabelecido que os cavaleiros de Covilhã
serão em juízo considerados
como poderosos e infanções de Portugal (...) os clérigos terão as imunidades dos
cavaleiros. (...)
Os peões serão em juízo considerados como cavaleiros vilãos de outra terra...
era atractivo. Tal
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como outras normas referentes ao pagamento de multas que deveria ser
apenas pelo foral da Covilhã, em qualquer ponto do país, a isenção de
portagem, a capacidade de os habitantes serem titulares dos seus
instrumentos de produção e outras, já anteriormente referidas, respeitantes à
pastorícia e à actividade comercial.
O casamento teria tendência para a antecipação, o que favorecia o
crescimento populacional, tendência investigada por José Mattoso5 . Era
favorecido e protegido por normas tendentes à sua manutenção,
discriminando todavia a mulher que podia, mais facilmente ser abandonada
pelo marido (um dinheiro contra trezentos soldos).
A diferenciação social também ficou plasmada no foral. Aqui
distinguimos:os moradores ouvi z i nhos que estabelecem entre si distinções
baseadas na repartição de riqueza, na diversificação de ocupações, na área
geográfica que habitam e na crença religiosa. Distinguimos o cavaleiro -vilão
dos peões, o cristão do judeu ou do mouro, o proprietário dos criados. Existe
mobilidade social, a capacidade de ascender à cavalaria-vilã, baseada na
posse de alguns bens ligados à agro-pecuária. Esta cavalaria-vilã era o topo
da hierarquia do concelho e assumia-se como a aristocracia, imitando o
estatuto da nobreza senhorial.
Sem dúvida que a propriedade da terra era o factor principal que dava
estatuto. Em Cas egas esta situação prolongar-se-ia até meados do século
XX, sendo dominante a agricultura de subsistência, com tendência para
se tornar uma agricultura mais “comercial”. Já não seriam chamados
cavaleiros-vilãos, mas proprietários, chegando à comercialização de
excedentes agrícolas. E a vila, depois cidade, (a partir de 1871) da Covilhã,
seria o principal mercado para os produtos dessa agricultura caseguense. E
não só da agricultura, já que a cidade e as suas indústrias e o caminho-de-
ferro irão absorver a produção de carvão de madeira e torga que as
freguesias serranas produziriam sem cessar desde finais do século XIX até
aos anos 60 do século XX.
Os peões seriam certamente a maioria, a massa do concelho, sobre
os quais recaíam as
contribuições resultantes da produção agrícola e pecuária.
Aparecem identificados como:vas s al os
de solar, (...) solarengo, (...) hortelão, moleiro, genericamente são os
dependentes de outrém, a base
e mão-de-obra da actividade agro-pastoril do concelho.
Também os que trabalham na actividade mercantil, os dome r c ado,
tinham imunidades especiais que os protegiam: osmercadores (...) os
viandantes (...) os homens de fora que pagam portagem pela introdução de
produtos no mercado, podendo ser cristãos (maioria), mouros ou judeus
(minorias). Existiu, talvez desde esses tempos, uma judiaria na Covilhã. Os
judeus são referidos comovi andant es . O foral diz-nos que os escravos eram
de origem moura, talvez capturados na guerra: de mouro que se vender no
mercado um soldo (...) de mouro que se libertar a
décima.
5 MATTOSO, José, Identificação de Um País, vol. 2, p. 72.
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Apercebemo-nos de uma sociedade diversificada, onde está ausente o
elemento da nobreza senhorial e o clérigo, onde há uma liberdade
condicionada por uma natureza ainda, em grande parte, por desbravar, e por
uma guerra. Uma região de fronteira, espaço propício à aventura e à
construção do futuro.
O rei é, apesar de ausente, a presença mais constante e forte do foral.
Ele é o fisco, omnipresente na economia do concelho, e está imanente como
autoridade última e primeira que decidiu povoar e restaurar uma terra,
outorgando-lhe uma Carta de Foral. Tem aí os seus representantes e o
alcaide. O seu poder é de natureza pessoal e institucional, fala na primeira
pessoa do plural (ordenamos, (...) mandamos, (...) determinamos, (...) damos e
concedemos). É a justiça última, calendariza a guerra e na nossa Idade Média
mostra alguma centralização do poder, por via da especial situação de
conflito permanente que se vive no espaço peninsular.
É assim que, em última instância ele faz e desfaz fronteiras
concelhias na Beira, talha e
retalha pedaços de território, outorgando cartas de foral e fazendo
doações às ordens religiosas. Sem
dúvida que os reis tiveram em conta, não só os seus interesses
pessoais e do seu “país”, mas
igualmente a correlação de forças e as possibilidades que cada grupo social,
localidade ou instituição tinham de levar a cabo o objectivo estratégico:
consolidar e alargar o domínio português e enfraquecer ou derrotar
definitivamente o poderio muçulmano. Esta autoridade real é fulcral para
compreendermos a evolução da Beira Baixa e, em particular, a evolução do
concelho da Covilhã, desde o seu aparecimento, como entidade jurídica, até
aos dias de hoje, com os seus actuais limites geográficos.
Por outro lado, a natureza particular do meio serrano e as
circunstâncias da génese histórica condicionaram certamente as
características futuras dos habitantes da Covilhã e do seu concelho: uma
particular natureza aguerrida, um sentido de inovação e aventura, misturada
com caracteres democráticos e intransigência na defesa dos seus direitos,
relativamente aos poderosos da nobreza e do clero. Transformaram um
espaço de montanhas e vales numa terra de homens, viveram e lutaram
nestes dois séculos de afirmação de um país. Aventuraram-se a sair da vila
para o seu alfoz. Em tempo de guerra e em tempo de paz. Povoaram vales
férteis como o de Casegas e encostas inóspitas, banquetearam-se nas festas
e passaram fome em épocas más. Organizaram uma vida social que se
desenrolou marcada pela Igreja (uma vez pacificada a região) e pelas suas
festividades, num ciclo anual, que fervilhou nos mercados, na condução dos
rebanhos serra acima, na tosquia das ovelhas, na venda da lã, nas reuniões
da assembleia, nos combates judiciais.
Viveram.
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