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DIE VOLLKOMMENFRAU

A Mulher e a Política Nacional-Socialista

Rafael D. Oliveira

- O meu pai é membro das SA, o meu irmão mais velho é SS, o meu irmão mais novo
pertence à Juventude Hitleriana, a minha mãe à liga das Mulheres Nacional-socialistas e
eu sou membro do grupo da Liga das Jovens Alemãs.

- Mas quando é que vocês se encontram?

- Ah sim! Nos encontramos uma vez por ano no Congresso Nacional do Partido em
Nuremberg.1

Um dos fenômenos mais marcantes do período que se seguiu ao término da


Primeira Guerra Mundial foi a crise, em diferentes e marcantes níveis, da política
democrática. Do início dos anos 1920 ao fim dos anos 1930, em muitos países da Europa,
América e até mesmo da Ásia Oriental, a democracia foi substituída por diferentes
experiências ditatoriais. Para o historiador Eric Hobsbawm, autor da famigerada obra
"A Era dos Extremos", o colapso das conquistas na área da democracia, até então frutos
da idéia de "progresso" da civilização liberal do século XIX, foi um dos mais importantes
elementos que caracterizam a Era da Catástrofe, período que para o historiador
compreende os eventos entre a Primeira e a Segunda Grande Guerra.
Essa ruptura de valores expressava-se através da ideia de avanço das
conquistas democráticas, que para os contemporâneos do XIX eram certas de continuar
avançando. Esse "avanço", segundo Hobsbawm, era percebido através

[..] da desconfiança da ditadura e do governo absoluto; o compromisso com um governo


constitucional com ou sob governos e assembléias representativas livremente eleitos, que
garantissem o domínio da lei; e um conjunto aceito de direitos e liberdades dos cidadãos,
incluindo a liberdade de expressão, publicação e reunião. O Estado e a sociedade deviam

1
Relato de uma jovem integrante da Liga das Jovens Alemãs In BLASIUS, Dirk. Ehescheidung in
Deutschland 1794-1945, Göttingen, Vandenhoeck & Ruprecht, 1987, p. 7.

2
ser informados pelos valores da razão, do debate público, da educação, da ciência e da
capacidade de melhoria (embora não necessariamente de perfeição) da condição humana.2

Essa expectativa de representatividade política pautada na experiência


democrática foi, como nos mostra a trajetória histórica do "breve século XX", frustrada a
partir de inúmeras explosões totalitárias e autoritárias em diferentes regiões do Globo.
Em outubro de 1922 o italiano Benito Mussolini assumiu o poder na Itália e implantou o
regime fascista. Em junho do ano seguinte Mustafá Kemal instituiu na Turquia um
regime autocrático, o que se repete em janeiro de 1925 na Albânia sob o comando de
Ahmed Zogu. Em maio de 1926 o general Gomes da Costa realiza um golpe de Estado
em Portugal, sendo seguido pelo general Carmona. Em 1932, foi implantada a ditadura de
Antônio de Oliveira Salazar, que iria perdurar até 1974. 1928 é o ano de Stalin na URSS.
Em 1929 o próprio rei Alexandre tomou a iniciativa de um golpe de Estado na Iuguslávia.
Fevereiro de 1930 marca o inicio do governo do rei Carol II na Romênia, que instituiu
uma ditadura monárquica em 1938. Em agosto de 1936 ocorreu um golpe de Estado na
Grécia, chefiado pelo general Metaxas. O caso espanhol (1936-39) foi um dos mais
complexos, no sentido em que o sistema ditatorial, do general Francisco Franco, resultou
de uma terrível guerra civil. Também no continente asiático, em 1926 Hiroito subiu ao
trono no Japão e no ano seguinte assumiu como primeiro ministro o general Giichi
Tanaka, que implantou um governo ultranacionalista, expansionista e militarista. E o
Brasil também fez parte desse quadro através das especificidades do Estado Novo
implantado por Getúlio Vargas em 19373.
Este trabalho, porém, debruça-se sobre uma experiência ditatorial específica,
e que apesar de possuir semelhanças com os demais eventos de tomada autoritária do
poder, caracteriza-se por particularidades que extrapolam o nível político e social,
convergindo para questões filosófico-ideológicas, espirituais e étnicas. Trata-se do
Nacional-Socialismo, ou simplesmente Nazismo, a partir da ascensão de Adolf Hitler ao
posto de chanceler da Alemanha, em fevereiro de 1933.

2
HOBSBAWM, Eric J. A era dos Extremos - o breve século XX. São Paulo: Companhia das letras, 1995,
p. 113.

3
O “cansaço” provocado pela leitura deste parágrafo é proposital. Esta exaustiva relação demonstra a
surpreendente simultaneidade destes movimentos de fundo totalitário, fruto da “quebra democrática” já

3
Uma característica específica do nacional-socialismo alemão pós-Primeira
Guerra, e que o torna especialmente perverso diante das demais experiências totalitárias
do período, foi seu discurso negativamente étnico, irracional e racista. A ideologia
política ganhou novas proporções diante de projetos bem estruturados de propaganda que
cuidavam de esclarecer para toda a população a necessidade das transformações que
seriam empreendidas pelo Führer, isto é, o "guia" da nação. De maneira geral, essas
transformações tratavam do expurgo de raças inferiores à ariana, que segundo as teorias
nacionais-socialistas era a única detentora da posição de matriz do progresso da
humanidade, sendo as demais objetos de atraso. A política racial implicou na
esterilização e eliminação coletiva de milhares de pessoas que, segundo as teorias
nazistas, não se enquadravam no perfil da população que levaria a Nova Alemanha à
glória. Principalmente os judeus, mas também negros, homossexuais, ciganos e até
mesmo testemunhas de Jeová foram sucessivamente perseguidos e conduzidos à
destruição em massa.
O regime totalitário encontrou a sua mais adequada expressão nos campos de
concentração e de extermínio, espaços cercados de arame farpado e vigiados por soldados
armados para onde os nazistas enviaram, a princípio, criminosos e prisioneiro políticos
(pessoas acusadas de serem contrárias ao regime). Porém, o campo de concentração só
tomou sua forma característica com a internação maciça de judeus. Transformados em
mão-de-obra escrava e sofrendo toda a sorte de torturas, essas pessoas foram perdendo
sua individualidade e humanidade, na medida em que transformavam-se em valas
coletivas de corpos, um amontoado de ossos descartados pelo projeto nazista. Toda essa
violência gratuita contra seres humanos está além de nossa compreensão. Segundo
Hannah Arendt 4 , ao configurar esse horror o totalitarismo demonstrou que a maldade
humana não tem limites. De fato, Hitler não se deteve diante de nada. Sua aspiração era
constituir uma sociedade mundial, na qual aos alemães e à Alemanha estava reservado o
topo, lugar exclusivo e privativo da "raça superior". Esse sonho delirante levou a
humanidade a enfrentar um dos momentos mais dolorosos de sua história, um grandioso
conflito internacional, a Segunda Guerra Mundial.

citada anteriormente.
4
ARENDT, Hannah. As origens do Totalitarismo. São Paulo: Cia das Letras, 1989, p. 514

4
Durante todo o século XX, e ainda hoje, o nazismo suscita acaloradas
discussões no mundo acadêmico. Polêmicas a parte, questionamo-nos: o que mais esse
período chamado de "negro" da história européia tem a nos oferecer enquanto pesquisa
historiográfica? Há novas abordagens? Novos campos?
Obviamente a escrita da história não cessa em empreender novas abordagens.
E na medida em que a História vai se tornando cada vez mais a História dos Excluídos,
ainda mais abordagens surgem. Nesse sentido, este trabalho pretende lançar breves
considerações sobre um sujeito histórico específico dentro do contexto nazista: a mulher.
A grande reviravolta da História nas últimas décadas (com as abordagens pós-modernas),
debruçando-se cada vez mais sobre temáticas e grupos sociais até então excluídos,
contribuiu para o desenvolvimento da História das Mulheres enquanto disciplina. Pensar
mulheres durante o período de hegemonia ideológica nazista é questionar as
configurações de gênero dadas tanto no âmbito público, como no privado, e mais ainda,
inserir movimentações políticas sexuais femininas dentro de um processo histórico que
antes parecia empreendido somente por homens. Ainda que de maneira escassa, alguns
historiadores chegam a desenvolver estudos sobre as mulheres, antes mesmo do
predomínio pós-moderno 5 da escrita da História. Michelet detém-se nesse tipo de
enfoque6, realçando, de forma coerente com o pensamento dominante de sua época, a
identificação deste sexo com a esfera privada. Na medida, porém, em que a mulher aspire
à atuação no âmbito público, usurpando - segundo Michelet - os papéis masculinos,
transmuta-se em força do mal e da infelicidade, dando lugar ao desequilíbrio da História7.
Essa visão, ao mesmo tempo inovadora (no objeto) e conservadora (na
abordagem), demonstra bem a ligação entre História e Política. De maneira geral,
inclusive, os grandes trabalhos sobre o tema da Mulher ganham notoriedade a partir da
militância feminista, que tenta recolocar a mulher na centralidade dos eventos históricos.
Em importante artigo sobre este assunto, a historiadora Joan Scott afirma que a “conexão

5
As décadas de 80 e 90 do século XX inauguram a inserção de novos objetos e abordagens para a
produção historiográfica. Neste caso, o amor, a sexualidade, a paixão, os sentimentos e a mulher (ou
mulheres) tornam-se objetos válidos para a pesquisa histórica.
6
MICHELET, Jules. A Mulher. Sao Paulo: Martins Fontes, 1995.
7
Essa questão foi aprofundada em trabalho monográfico entregue como parte da avaliação do 3º termo, em
História Contemporânea I, sob o título “Michelet: A Mulher e a Operária”.

5
entre a história das mulheres e a política é ao mesmo tempo óbvia e complexa”8. Talvez
por isso seja comum encontrarmos obras de História das Mulheres que tendem a enxergar
a participação feminina em eventos históricos como parte de um processo de
emancipação. Isso deve ser revisto, pois nem sempre a introdução em massa da mulher
em processos históricos significa sua “libertação” dos ditames patriarcais da sociedade
ocidental. As obras que discutem o papel de mulheres na Primeira Guerra Mundial, por
exemplo, são questionadas por toda uma linha historiográfica atual, referente à sua
afirmação de que a ida feminina para o mercado de trabalho, forçada dentro das
necessidades da guerra, significou sua emancipação. Produções mais recentes enxergam
este processo como mais uma maneira de subordinação, como se a mulher necessitasse da
“bênção” bélica para conquistar sua liberdade. De fato, esses discursos voltam a enxergar
as mulheres como um objeto que navega de acordo com a maré, e não como um sujeito
histórico. Ou na melhor das hipóteses, as mulheres são vistas somente a partir de dois
vieses: ou como vítimas, ou como rebeldes. Isso invalida toda uma gama de experiências
femininas que não se restringem a esses dois caminhos, tratando-se sim de experiências
policromáticas.
No que se refere ao nazismo, o erro procede às avessas. Tendência até então
comum, é conceber a mulher como um produto de procriação da raça pura e “senhora do
lar”, como se ela não tivesse protagonizado ações de resistência e aderência ao sistema,
inclusive lançando mão de sua própria força de trabalho. É por esse último viés que
nossas considerações caminham. Partimos da premissa de que as mulheres tomaram
posturas de aderência à ideologia nazista, protagonizando ações no seio da militância, da
mesma forma que também foram feitas vítimas e concebidas como “vaso da nação
futura” donde proviria a Nova Humanidade sonhada por Hitler.
Um caminho de duas mãos, que gerou alguns inconvenientes para mulheres
da época e causou resultados importantes para toda uma sociedade. O título, Die
Vollkommenfrau - termo de construção simples da língua alemã - traz justamente um
problema em sua tradução para o português: a mulher ideal. Mas quem ou como seria a
Mulher Ideal? O que percebemos é que dentro do contexto nazista, a mulher ideal ganha

8
SCOTT, Joan. “História das Mulheres” In BURKE, Peter. A Escrita da História. São Paulo: Unesp, 1992,
p. 64

6
um leque de possibilidades e tonalidades. Para explorar essa miríade de concepções,
utilizamos dois tipos de fontes históricas, ambas ligadas à produção oficial da propaganda
nazista: a primeira, um documento escrito, consiste em um capítulo da obra de Adolf
Hitler, o Mein Kampf ou Minha Luta. O capítulo Povo e Raça nos oferece uma
oportunidade de lançar luz sobre questões como a formação da “raça pura” e a concepção
do ditador que empreendeu a luta de levá-la à ascensão. A segunda fonte utilizada trata-se
de um conjunto de pôsteres e fotografias oriundas da propaganda oficial nazista e que traz
imagens femininas idealizadas, representando o ideal de mulher esperado para a
construção da Nova Alemanha9.

Hitler impressiona - com suas gravuras e pinturas - artistas contemporâneos,


da mesma forma como impressiona literatos com a sua obra Minha Luta, escrita na prisão
de Landsberg em 1925. A habilidade de utilizar conhecimentos científicos vigentes na
época de maneira a manipulá-los a fim de fazer frente às suas próprias concepções de
mundo, dão a obra o atestado de “científica”, ou na pior das hipóteses, de trazer alguma
“verdade”. Essa era a forma como a obra foi lida pela população. Quantidade grande de
leitores, diga-se de passagem.
A apreensão dos extratos de conta dos direitos autorais da Eher Verlag - a
editora nazista - feitas pelos Países Aliados em 1945 revelou que em 1925, ano de seu
lançamento, Minha Luta (custando 12 marcos cada volume) vendeu 9.473 exemplares, a
partir de então as vendas caíram gradativamente para 6.913 em 1926, para 5.607 em 1927
e somente 3.015 em 1928. Com as vitórias nas eleições pelos nazistas, a partir de 1929 as
vendas cresceram, alcançando 7.669 naquele ano, e saltando para 54.086 em 1930, ano
em que surgiu uma edição popular de oito marcos. Em 1931, 50.808 exemplares foram
vendidos, e 90.351 em 1932. Em 1933 quando Hitler se tornou chanceler, as vendas
saltaram para um milhão de exemplares. Em 1940, seis milhões de exemplares do Minha
Luta foram vendidos10. O Partido nazista afirmou que o livro antes disso já era um grande

9
As fontes se restringem à produção oficial nazista. Uma outra possibilidade de abordagem seria aquela
que utilizasse a produção marginal, como imprensa não-oficial e documentos particulares. Esta seria uma
maneira de comparar a nível de cotidiano o passo da propaganda política em indivíduos não diretamente
ligados à produção ideológica do período.
10
Adolf Hitler: Tax-payer (Adolf Hitler: contribuinte) publicado no The Americal Historical Review, julho
de 1955, Oron James Hale.

7
vendedor. Hitler possuía rendimento de 10% dos direitos autorais sobre o livro (sua
principal fonte de renda à partir de 1925), 15% à partir de 1933, quando o rendimento da
venda do livro superou um milhão de marcos11.
Os números demonstram que o livro do Führer foi amplamente divulgado,
servindo ele próprio de sustentáculo ideológico do partido nazista. As principais ideias do
livro são aquelas que mais tarde foram aplicadas durante a Alemanha nazista e a Segunda
Guerra Mundial. Hitler desejava transformar a Alemanha num novo tipo de Estado, que
se estruturasse com o conceito de raças humanas e incluísse todos os alemães que viviam
fora da Alemanha, estabelecendo também o Führerprinzip - conceito do líder -, em que
Hitler dita que ele deveria deter grandes poderes, estabelecendo uma ideologia universal.
O livro é dominado pelo anti-semitismo. Hitler diz, por exemplo, que a língua
internacional Esperanto faz parte da conspiração dos judeus, e faz comentários a favor da
antiga ideia nacionalista alemã do "Drang nach Osten": a necessidade de ganhar o espaço
vital para o leste, especialmente na Rússia.
Outro aspecto importante é o posicionamento político claramente
anti-comunista, e uma preocupação evidente com a expansão da ideologia marxista, tida
pelo autor como "uma ideia tão judaica quanto o próprio capitalismo". Hitler usou como
tese principal o "Perigo Judeu"12, que fala sobre a conspiração dos Judeus para ganhar a
liderança na Alemanha. No entanto, o livro também é autobiográfico: dá detalhes da
infância de Hitler e o processo pelo qual ele se transformou em um nacionalista, depois
num antissemita, e finalmente num militarista, tendo sido marcado pela sua juventude em
Viena, Áustria.
O capítulo Povo e Raça traça as feições científicas das considerações de
Hitler a cerca da constituição da Humanidade. Aqui ele defende que somente uma raça
pode ser a fundadora da cultura humana. Obviamente esta raça é a que ele próprio
supostamente faz parte, a ariana. Então o autor discorre a respeito da teoria do racismo

11
SHIRER, William L. Ascensão e queda do Terceiro Reich Triunfo e Consolidação 1933-1939. Volume
I. São Paulo: Agir Editora Ltda., 2008. p. 320-321.
12
Ou Os Protocolos dos Sábios de Sião, texto surgido, originalmente, em idioma russo. Alega-se ter sido
forjado em 1897 pela Okhrana (polícia secreta do Czar Nicolau II), que descrevia um projeto de
conspiração para que os judeus atingissem a dominação mundial. Segundo alguns historiadores, o seu
propósito era político: reforçar a posição do Czar Nicolau II, apresentando alguns de seus oponentes como
aliados de uma gigantesca conspiração para a conquista do mundo.

8
científico, segundo a qual a mistura de raças é prejudicial para aquela que possui o status
de “pura”. Acontece que mesmo sendo a raça mais forte e importante, as demais se
proliferam mais rápido, fazendo com que - nesta lógica - a outra seja fadada ao
desaparecimento.
Hitler evoca, no início do capítulo, uma suposta “lei natural” que deveria
gerir inclusive a reprodução humana. Segundo ele, a natureza nos demonstra que a
mistura de raças é algo nocivo, pois as experiências atestam que os frutos dessas misturas
são sempre imperfeitos, o que se opõe diametralmente a ideia de perfeição clássica então
empregada pelo projeto nazista para o mundo. Ele afirma:

Cada animal só se associa a um companheiro da mesma espécie. O abelheiro cai com o


abelheiro, o tentilhão com o tentilhão, a cegonha com a cegonha, o rato campestre com o rato
campestre, o rato caseiro com o rato caseiro, o lobo com a loba etc. Só circunstâncias
13
extraordinárias conseguem alterar essa ordem.

Continuando na mesma lógica, Hitler defende a ideia de que quando ocorre a


mistura,

[...] a Natureza começa a defender-se por todos os meios, e seu protesto mais evidente
consiste, ou em privar futuramente os bastardos da capacidade de procriação ou em limitar a
fecundidade dos descendentes futuros. Na maior parte dos casos, ela priva-os da faculdade de
14
resistência contra moléstias ou ataques hostis.

Fica evidente que, para Hitler, o que os materialistas históricos chamam de


luta de classes, transforma-se em luta de raças. Esquece-se a formação de grupos sociais a
partir de suas condições materiais e passa-se a enxergar o indivíduo dentro de um quadro
étnico, definido pela sua “procedência” e características físicas. Mas como isso se
relaciona com a trajetória da Mulher inserida no contexto nazista? Conclui-se que a
mulher era vista como mantenedora da ordem racial, aquela que impedirá que ocorra a
“mistura”, iniciando-se o discurso da mulher ideal, título deste trabalho.

13
HITLER, Adolf. Mein Kampf (Minha Luta). São Paulo: Editora Moraes, 1983, p.185.
14
Idem.

9
Observando as produções propagandísticas do partido nazista, deparamo-nos
com uma série de pôsteres que deixam claro como deveria ser a “boa família alemã” e,
portanto, a mulher ideal. Realizando uma análise prévia, é possível perceber discursos
que convergem para a manutenção da raça pura. Em um desses pôsteres15, é possível ver
o que seria uma família camponesa composta por um homem (pai), uma mulher (mãe)
que traz um bebê no colo e duas crianças que admiram a cena. Os cinco elementos
parecem ser abraçados pela águia de ferro, um dos símbolos do partido nazista16. O olhar
dos pais para a criança que é trazida no peito da mãe indica a visão de que o futuro da
nação alemã dependia exclusivamente da observância dos “cuidados com a raça”,
percebida pelas características físicas das personagens retratadas: altas, vigorosas,
brancas, loiras e fisicamente perfeitas. O fato de tratar-se de camponeses significa muitas
coisas, entre elas o ideal de conservadorismo e ligação com a terra, além da tentativa de
abranger a toda a nação através de seus diferentes grupos sociais. O pôster ainda traz os
seguintes dizeres: NSDAP sichert die volks-gemenschaft. Volksgenossen braucht ihr rat
und hilfe so wendet euch an die ortsgruppe (O Partido nacional-Socialista protege as
pessoas. Seu companheiro camponês precisa de sua ajuda e aconselhamento para se
juntar a organização local do partido).
Outro pôster17 produzido em 1938 retrata outra família que também traz o
ideal de raça pura. Neste, os elementos do “ariano puro” são facilmente percebidos
através das características físicas das personagens - sempre o ideal de beleza
greco-romana. Neste, ainda, a hierarquia sexual é claramente exposta, de forma que o
homem ocupe a posição mais alta, e a mulher a posição de mãe.

15
Todos os pôsteres analisados neste trabalho seguem em anexo para a apreciação do leitor. Neste caso
trata-se da figura 1. É importante ressaltar que alguns deles não trazem datas individuais, mas todos foram
produzidos dentro da baliza temporal a qual se refere nossas considerações, qual seja 1933 a 1945. Todos
estão disponíveis online no site do United States Holocaust Memorian Museum, em Washington DC, EUA,
no link http://www.ushmm.org/ acessado em: 10/10/2010
16
Como parte do apreço pela cultura da Antiguidade Clássica, Hitler adotou símbolos da tradição
greco-romana, entre eles a águia, símbolo do poder do imperador, representa o próprio césar nos locais
onde ele não pode estar fisicamente. Outros símbolos foram emprestados de outras tradições, entre elas a
tibetana, como é o caso da Suástica encontrada nos bustos de Budas esculpidos em pedra. Sobre isso,
consultar a obra COUTO, Sérgio P. Os segredos do Nazismo. São Paulo: Universo dos Livros, 2008.
Apesar de simplória e, em alguns momentos, sensacionalista, a obra proporciona reflexões interessantes
que devem ser aprofundadas com pesquisas ainda a serem empreendidas.
17
Figura 2 nos anexos.

10
Estes pôsteres circulavam por toda a Alemanha e era possível encontrar
exemplares em regiões próximas. Eram colados em lojas, hospitais, locais públicos e até
mesmo em casas de filiados do partido. Eram, dentre uma variedade de propagandas e
linguagens propagandísticas, o meio mais popular de divulgar os ideais nazistas e
arrebanhar filiados ao partido.
Entretanto, não foi somente à ideia de mulher ideal que o nazismo influiu
ideologicamente. De maneira decisiva, a propaganda nazista bem como seus ideais
essenciais dissolveram-se na experiência feminina. O movimento e o regime
nacional-socialista eram, e eles próprios explicitamente o afirmavam, um movimento e
um regime de homens. A questão da emancipação feminina, que tanto progrediu durante
o século XIX assim como os ideais democráticos, ruíram durante o período nazista, como
já demonstrou Hobsbawm. A emancipação das mulheres era denunciada como um
produto da influência judaica. Como afirma Marion Kaplan, a propaganda
nacional-socialista descrevia os homens judeus como violadores e proxenetas; mas de
uma maneira geral, o antisemitismo econômico e político acompanhou um
“antisemitismo sexual”18.
Algumas mulheres deveriam contribuir, enquanto mães, para a renovação
nacional e para o aumento da taxa de natalidade após o seu longo declínio (o que pode ser
percebido pela insistência com a qual as mulheres são representadas com crianças de colo
nos pôsteres oficiais). Outras eram consideradas indesejáveis sobretudo como mães. Em
1930, seis anos depois de Hitler ter polemizado no Minha Luta contra as mulheres judias
e defendido a esterilização de milhões de pessoas “inferiores”, o partido nazista em uma
de suas teorizações “científicas” classificou as mulheres em quatro categorias: as
mulheres que deveriam ser incentivadas a ter filhos, aquelas cujos filhos seriam
considerados “aceitáveis”, as que era melhor não os terem e aquelas que deviam ser
absolutamente impedidas de os ter, particularmente através da esterilização.
O nacional-socialismo converteu essas ideias e atitudes numa prática
complexa, coerente e sistemática de política racial que, por fim, e em apenas doze anos,
levou a massacres sem precedentes de mulheres e homens “inferiores”. Desta forma, a

18
KAPLAN, Marion. The Jewish Feminist Movement in Germany. The Campaigns of the Jüdischer
Frauenbund, 1904-1938. Westport: Greenwood Press, 1979, p. 114.

11
política racial nazista ganhou feições claramente sexuais, pois implicava, entre outras
coisas, na qualificada limpeza étnica que atendesse às necessidades das mulheres,
enquanto “pacientes especiais”.
O papel da mulher no contexto político do nazismo é um assunto abrangente,
pois implica pensar na revisão de bibliografia sobre este período da História e na
articulação de novos padrões de abordagens historiográficas que considerem o gênero
feminino a partir de sua complexidade e relação com outros âmbitos da análise histórica.
As considerações feitas aqui, objetivaram perceber que há uma outra possibilidade de
interpretação dessa história que parece já tão esgotada, a do Holocausto. Questões de raça
esbarram-se facilmente em questões de gênero, e acabam por criar um amplo espectro de
eventos que congregam para formar este processo de genocídio, etnocídio e
“genero-cídio”.
Utilizando a propaganda oficial, seja através da leitura da obra escrita por
Hitler, seja a partir dos pôsteres do partido, pode-se explorar um campo vasto, que
reformule a escrita da história do nazismo. Mais uma vez vemos que a mulher serviu
como base de construção de uma “possível” sociedade, e mais uma vez foi por ela
subjugada. Isso demonstra que apesar de todas as suas características específicas, o
nazismo recorreu a uma postura comum a projetos totalitários e autoritários, o de um
patriarcado político, onde à mulher resta a resistência através do embate direto, ou
dissolvida no dia-a-dia. Die Vollkommenfrau é, portanto, a mulher que serve ao projeto
nazi, na hora, da forma e na intensidade que ELE delega e decide. Ora, a esposa, a mãe e
a menina que sempre serão uma Eva Braun19 atrás de um grande homem, de um “grande
Hitler”.

19
Eva Braun foi durante muitos anos a companheira de Adolf Hitler e, por um dia, sua esposa. Em 1945,
Eva Braun seguiu o Führer para o Führerbunker onde, no dia 29 de Abril daquele ano, ele a desposou. Um
dia depois, no dia 30 de Abril, Adolf Hitler matou-se com um tiro na têmpora direita. Eva o seguiu no
suicídio, bebendo cianeto.

12
ANEXOS

13
Figura 1. Família Camponesa. Os ideais de boa família expressos no convite feito às
populações rurais para a aderência ao partido. Este pôster foi analisado no decorrer deste
trabalho.

14
Figura 2. 1938 – Família ariana. Os ideais de raça pura muitas vezes convergiram para o
conceito de beleza Greco-romana. Neste pôster é possível perceber estes ideais
claramente expressos através das características físicas das personagens. É possível
perceber, ainda, certa divisão hierárquica entre os elementos, sendo a posição mais alta
ocupada pelo pai, e a mulher representada sempre como a mãe. Note-se a águia voando
ao fundo.

15
Figura 3. A mulher e Mãe são convocadas a manifestar apoio ao partido nazista. A
imagem retrata a típica família alemã, porém insatisfeita com sua situação (República de
Weimar). Neste caso, Hitler representa a única solução. O fato de a mulher estar em pé
liga-se à convocação feita especialmente às mulheres.

16
Figura 4. Representação da família alemã que construirá a Nova Alemanha. Os pais
deveriam incentivar seus filhos a participarem das atividades da Juventude Hitleriana.
Lutar pelo avanço da nação se torna obrigação de todos aqueles que estão enquadrados no
tipo de alemão ideal.

17
Referências Bibliográficas

ARENDT, Hannah. As origens do Totalitarismo. São Paulo: Cia das Letras, 1989

BLASIUS, Dirk. Ehescheidung in Deutschland 1794-1945, Göttingen, Vandenhoeck &


Ruprecht, 1987

COUTO, Sérgio P. Os segredos do Nazismo. São Paulo: Universo dos Livros, 2008

HITLER, Adolf. Mein Kampf (Minha Luta). São Paulo: Editora Moraes, 1983

HOBSBAWM, Eric J. A era dos Extremos - o breve século XX. São Paulo: Companhia
das letras, 1995

KAPLAN, Marion. The Jewish Feminist Movement in Germany. The Campaigns of the
Jüdischer Frauenbund, 1904-1938. Westport: Greenwood Press, 1979

SCOTT, Joan. “História das Mulheres” In BURKE, Peter. A Escrita da História. São
Paulo: Unesp, 1992

SHIRER, William L. Ascensão e queda do Terceiro Reich Triunfo e Consolidação


1933-1939. Volume I. São Paulo: Agir Editora Ltda., 2008

18

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