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conquistas logradas pelos hindus na ciência da
PREFÁCIO
Os diversos capítulos que compõem
este volume corresponde a outras conferências
pronunciadas em Boston e Providence. Alguns
amigos desejosos de conservar os textos das destas
conferências contrataram taquígrafos para registrá-
las. Naquela época ainda não sabíamos se estes
seriam ou não capítulos de um livro. No entanto, em
vista dessas conferências terem sido recebidas com
grande entusiasmo pelo público, nossos amigos
decidiram anotá-las em forma sistemática. Nosso
falecido amigo, o Dr. Raymond Willoughby, ex-
membro da Universidade de Brown, assistiu a
algumas conferências e leu os apontamentos. Eis
aqui seu comentário: “Vocês (hindus) tem muito a nos
dar para a educação da mente”. De modo que as
conferências foram editadas e elaboradas para serem
publicadas na forma de um livro.
O tratamento histórico do
desenvolvimento da ciência da psicologia na Índia não
foi ainda percebido. Este livro busca dar uma idéia
das conquistas da ciência da psicologia alcançadas
tanto pelos hindus quanto pelos budistas na Índia. Ele
também oferece os métodos adotados na Índia para o
desenvolvimento da mente. Talvez seja conveniente
dar um tratamento mais depurado e uma maior
consideração do desenvolvimento histórico em uma
obra dedicada, como esta, a psicologia hindu, já que
não existe, segundo nossos conhecimentos, nenhuma
outra publicação sobre a matéria.
Mas o objeto deste livro é interessar
tanto aos leitores orientais como os ocidentais nas
psicologia. Em toda nossa exposição temos como
orientação a brevidade, já que a maioria das pessoas
têm demasiadas ocupações para dedicar muito tempo
a leitura. Nós sugerimos aos estudiosos orientais que
se preparem para compartilhar seus conhecimentos
com os pensadores e leitores ocidentais. Sem
vacilar, sem poupar esforços, devem contribuir na
medida do possível para enriquecer a cultura
ocidental nos campos da religião, da psicologia e da
filosofia. Por outro lado, também devem estar
preparados para receber o que o ocidente é capaz de
dar no campo da ciência e outros ramos do saber. O
que mais recomendamos aos leitores e pensadores
ocidentais é que utilizem as conquistas da sabedoria
hindu no campo da psicologia. Será para nós uma
valiosa recompensa se conseguirmos criar nos
leitores o interesse suficiente para que no futuro
sigam estudando e praticando o sistema psicológico
hindu. Seus esforços hão de ter por prêmio uma
considerável diminuição de todo gênero de
desconfianças, perspicácia e maledicências,
reportando-os incalculáveis benefícios a todas as
populações do mundo.
Devemos esclarecer que a psicologia
hindu inclui os sistemas de pensamentos e métodos
psicológicos tanto hindus quanto budistas. A partir do
século V A.C. estas se misturaram até um ponto, na
Índia, que seria impossível separa-lás. Tanto os
psicólogos hindus como os budistas empregam em
comum vários métodos para o desenvolvimento
mental.
Freqüentemente os pensadores
ocidentais vêm a filosofia e psicologia hindu envolto
em um certo mistério; em conseqüência, omitem
quase mencioná-la ao realizar o estudo histórico
1

destes ramos do conhecimento. Estamos
convencidos que isto se deve a falta de familiaridade ,
por parte dos pesquisadores ocidentais, com as
escolas de pensamentos hindu. Infelizmente, a
palavra yoga quase invariavelmente desperta
curiosidade e suspeitas no Ocidente. Por isto temos
tratado de distanciar toda a noção equivocada da
mente de nossos leitores ocidentais. Não há nada de
misterioso na psicologia hindu, nem nos sistemas de
yoga, e tão pouco há motivo algum para que
engendrem uma atitude de desconfiança ou de
zombaria. Longe disto, se baseiam em sólidos
conhecimentos científicos de observação e Gordon W. Allport, da Universidade de Harvard; o
experimentação.
Os dois primeiros capítulos deste livro
talvez pareçam algo técnico e privados de interesses
do ponto de vista “pragmático”. Mas era necessário
trazer um quadro completo da mente, tal como a
concebem os psicólogos hindus, e, por conseqüência,
devemos enfrentar o risco de tornar o tratamento algo
técnico, a fim de fornecer a base da compreensão e
da percepção e do conhecimento . Por isso rogamos
aos leitores que sejam pacientes, pois, mais adiante
encontrarão os aspectos práticos da psicologia hindu
e seu valor na vida.
Todo mérito deste livro pertence
exclusivamente aos ensinamentos, amor, bênçãos e
inspirações de nosso amado mestre o Swami
Brahmananda, e de nosso amado guia, o Swami
Vivekananda, dois grandes discípulos de Sri
Ramakrishna. Devemos mencionar também o nome
do Swami Premananda, outro grande discípulos de
Sri Ramakrishna, a quem se deve em grande parte
nossa modesta contribuição, já que foi ele quem mais
insistiu em nossos estudos dos métodos científicos.
Também agradecemos humildemente a outros
2
discípulos de Sri Ramakrishna, por seus ideais e suas
vidas, assim como também por suas bênçãos cheias
de afeto.
O manuscrito deste livro foi lido
integralmente ou em parte por todos os Swamis da
Ordem Ramakrishna estabelecidos nos E.U.A..
Entretanto, devemos mencionar especialmente o
Swami Bodhananda, de Nova Iorque; o Swami
Prabhavanada de Los Angeles, e o Swami
Vishwananda de Chicago, por seu constante estímulo.
Nossos estimados amigos, o professor Edgar S.
Brightman, da Universidade de Boston; o professor
professor Paul E. Johnson, da Universidade de
Boston; o professor Joachim Wach, da Universidade
de Brown; o professor Parry Moon, do Instituto de
Tecnologia de Massachustts e o professor Orval
Hobart Mowrer da Universidade de Harvard, leram
gentilmente o manuscrito, formulando-me valiosas
sugestões. Estamos sumamente agradecidos aos
professores Brightman e Allport por haverem escritos
as palavras preliminares e a apresentação, como
também pelo interesse que demonstraram na
publicação da obra. Também temos contraído uma
dívida de gratidão com alguns de nossos alunos e
amigos que contrataram os taquígrafos, passaram à
máquina o manuscrito e nos ajudaram de uma ou
outra maneira. Agradecemos também aos autores e
editores os quais nos permitiram generosamente citar
seus livros.
Oferecemos o resultado deste
modesto esforço ao Ser Pleno de Amor.
AKHILANANDA
Sociedade Vedanta
Boston, Massachusetts
2
3

3

CAPÍTULO I
EXAME DA PSICOLOGIA
OCIDENTAL E DA PSICOLOGIA
HINDU
Anos atrás, a psicologia das escolas
clássicas do Ocidente se ocupavam principalmente do
estudo da mente em seus sucessivos estados de
consciência. Os psicólogos mais antigos descreviam
as funções da mente, observavam seu
comportamento e procuravam descrever as leis que
regiam suas atividades. No entanto, estes estudos se
limitaram sempre ao plano consciente. Raras vezes
se encontra uma referência ao estudo de outros
aspectos mentais. Até o grande psicólogo Wundt,
assim como outras notáveis autoridades na matéria,
passaram por alto, ao mostrar, as atividades dos
estados menos ostensivos da psique, conhecidos na
atualidade com o nome de subconsciente ou
inconsciente. Ainda que os psicólogos formassem
diferentes escolas segundo suas diversas teorias
sobre os elementos subjetivo e objetivo da
consciência, e a reação destes elementos com o
organismo físico, todos eles estudaram somente os
elementos conscientes, fazendo caso omisso dos
estados mentais subconscientes e supraconscientes.
A partir de suas observações, muitos deles chegaram
a conclusão de que a consciência e a alma não
possuíam uma existência separada da substância
4
física do cérebro, considerando-as meros produtos da
matéria cerebral. Os pensadores materialistas
ignoraram por completo o fato da possibilidade da
existência separada da mente ou da consciência, para
não dizer da existência separada da alma, se bem
que Wundt e seus discípulos expuseram o
paralelismo psicofísico.
A verdade é que a mente
habitualmente funciona, nas pessoas comuns,
mediante o sistema nervoso e as células cerebrais,
assim como a eletricidade funciona e se manifesta
através de fios e aparelhos elétricos 1. Apesar disso,
não podemos concluir que a eletricidade e os fios são
a mesma coisa. De modo semelhante, não é possível
identificar a mente em funcionamento, consciente ou
em outro estado, com os instrumentos mediante os
quais ela está operando ou se expressando.
Não obstante, a tendência da ciência
moderna difere da que prevalecia entre os
materialistas do século passado. Alguns
investigadores modernos, diferentemente de seus
predecessores, não se mostram dogmáticos em seus
juízos. Não queremos dar a entender com isso que os
psicólogos das escolas mais antigas foram os únicos
inclinados a apresenta suas idéias como soluções
definitivas. Também os físicos, químicos, e, em geral,
todos os homens da ciência eram igualmente
dogmáticos e irredutíveis em suas opiniões. Na
atualidade é grato comprovar que alguns pensadores
melhores dotados, alguns dos psicólogos mais
notáveis, tem adotado uma atitude mais liberal. Com
efeito não se limitam a um só aspecto de uma matéria
1
Nos capítulos IX e X teremos a oportunidade de ver, nos casos de
percepções extrasensoriais e de supraconsciência ali citados, que a mente
pode funcionar sem ajuda do sistema nervoso como instrumento de
percepção.
4

dada, senão que, mostram-se dispostos a considerá-
la desde outros pontos de vista, mantendo-se sempre
atentos as novidades. São muitos, inclusive, os que
admitem a possibilidade de que a mente siga
existindo depois da desintegração do corpo e do
cérebro. O Dr. William Brown, um dos psicólogos e
psiquiatras mais destacados da Europa, se sente
inclinado a aceitar a teoria da supervivência da
mente . As provas reunidas por ele mesmo,
provenientes todas de fontes autorizadas, dignas de
sua confiança, convenceram-no de que é possível e
até provável a supervivência da mente depois da
morte do organismo físico. Eis aqui suas palavras:
“Não seria fácil definir a área
envolvida pela investigação psíquica, mas
quiçá possamos assinalar como problema
característico de seu estudo...a medida em
que a mente alojada em um organismo
pode comunicar-se com mentes
independentes, quer dizer, com as mentes
de pessoas mortas, as mentes cuja
existência, invisível e alheia a forma
humana, se desenvolve em algum ponto do
planeta, segundo cabe presumir sobre a
base da autoridade da religião e dos
próprios fatos” 2.
Eis aqui o que o professor Eddington
expressa em suas análises da ciência e do
misticismo:
“Temos visto que o esquema
cíclico da física pressupõe uma base fora
2 5
Willian Brown, Science and Personality ( New Haven: Yale University
Press, 1920), p, 193.
5
do alcance de suas investigações. Nesta
base devemos encontrar, primeiro, nossa
própria personalidade e logo quiçá, uma
personalidade de maior magnitude. A idéia
de uma Mente ou Logos Universal, seria, a
meu juízo, uma dedução bastante plausível
do estado atual da teoria científica, posto
que ao menos se acha em harmonia com
ela” 3.
Igualmente, o Dr. Richard Müller
Freienfels, da Alemanha, em sua obra Evolução da
Psicologia Moderna, não despreza certas
experiências mentais carentes de elementos
sensórios, se não que propõe submete-las a uma
investigação científica4. Estas francas afirmações
provenientes de psicólogos ou outros homens da
ciência, mostram claramente uma tendência definida
a separar e a também refutar as teorias dos
materialistas do século passado. Também devemos
incluir neste grupo de pensadores o professor Gordon
W. Allport, Sir Oliver Logde, Dr. Alexis Carrekl e o Dr.
Gustaf Stromberg, autor da obra A Alma do Universo 5.
É interessante advertir que a
psicologia mesma já não se circunscreve ao estudo
do plano mental consciente, mas que tem
empreendido uma cuidadosa análise das atividades
do estado subconsciente. Este constitui, por si só,
uma maravilhosa conquista e um grande
adiantamento no campo da ciência mental. Claro esta
3
A.S. Eddington, Nature of the Physical World (New York: Macmillan Co.
1928), p 338.
4
Richard Müller Freienfels, Evolution of Modern Psychology, traducion
por W. Béran Wolf (New Haven: Yale University Press, 1935.
Gustaf Stromberg, The Soul of the Universe ( Filadelfia; David McKay
Co, 1940).
5

que encontramos exceções a esta tendência nos
conductistas, reflexólogos, e outros psicólogos
mecanicistas que rechaçam, só o subconsciente, mas
também os estados conscientes. Ainda que estes
pensadores nos mostrem, com sua negação, que
estes estados mentais não podem ser passados por
alto e que constituem fenômenos certos, que exigem
uma explicação satisfatória, qualquer que seja sua
índole , se temos de compreender a psicologia
humana.
A psicanálise tem realizado
surpreendentes progressos nos últimos tempos. Os
experimentos executados e as provas reunidas
alcançam dimensões realmente assombrosas. Em
suas tentativas de obter uma clara compreensão das
atividades que têm lugar abaixo a superfície do plano
consciente, os psicólogos realizaram experimentos
definidos e deliberados com a mente oculta. Assim,
analisam cuidadosamente os diferentes estados
psicológicos e funções mentais. Isto não é fácil
porque deve enfrentar forças mentais, sutis e
enganosas, difíceis de entender. Freqüentemente
estas forças não são reduziveis a fórmulas científicas
nem se acham sujeitas a provas concludentes.
Qualquer um pode estudar e observar certas
condições e processos psicológicos que tem lugar no
plano consciente; mas para tratar de captar o
funcionamento dos estados ocultos dos aspecto
subconsciente da mente têm falta de uma penetrante
inteligência analítica, sagacidade intuitiva, visão
lúcida, e sobre tudo, uma grande paciência. Muitas
vezes só se dispõe de inferências para respaldar-se.
As pessoas se comportam de determinadas
maneiras; experimentam certas reações. A partir da
observação da sua conduta e o estudo de seus
hábitos, o psicanalista procura descobrir a raiz de
6
onde provem seus atos, vale dizer, a causa motivante
de seu comportamento. E a dita causa só pode ser
achada na mente subconsciente.
Hoje em dia a maioria dos psicólogos
dinâmicos do Ocidente - salvo, esta claro, os
conducionistas e outros de orientação semelhante -
crêem que a conduta do homem e muitas das suas
atividades conscientes se acham realmente
determinadas pela mente subconsciente. Por
exemplo, se uma pessoa experimenta qualquer classe
de temor, estes investigadores não cessarão até
descobrir a causa subjacente. Quererão saber porque
este temor foi experimentado e o que ele produz no
estado subconsciente. De forma semelhante,
analisarão também outras tendências até convencer-
se de que encontraram, finalmente, o verdadeiro
gérmen do transtorno mental, achando-se em
condições de explicar porque se reage desta ou de
outra maneira.
Segundo Freud, Jung e outros, a
maior parte da mente se acha praticamente
submergida, permanecendo oculta a nossa vista.
Neste aspecto os hindus, concordam com os
ocidentais. Assim, pode-se comparar a mente a um
iceberg. Ainda que só se vendo um pequeno
fragmento do mesmo sobre a superfície da água, nem
por isso a parte submergida tem uma existência
menos real, ou menos digna de ser tida em conta. Na
superfície da água não é possível estimar facilmente
o tamanho de todo o iceberg , porem suas dimensões
podem ser suficientes para destruir um enorme
transatlântico, como o infortunado “Titanic”. De modo
semelhante, a mente submersa, o estado
subconsciente, é um fator poderoso com forças
suficientes para governar até mesmos as tendências
conscientes. Freqüentemente não nos damos conta
6

das influências que ali se encontram ocultas. Um
homem pode não ter consciência da força que se
esconde embaixo da superfície de sua mente e
também é possível que um observador desprevenido
não logre sequer suspeitar sua existência. Os
psicólogos hindus batizaram estas forças mentais
ocultas com o nome de samskaras6.
A psicologia moderna tem
desenvolvido outro aspecto do estudo da mente que
constitui uma contribuição única para o mundo
ocidental, especialmente no campo das ciências
médicas. Atualmente se crê que a maior parte das
nossas enfermidades são funcionais e têm origem nas
inadaptações, conflitos, frustrações, etc., ou na falta
do equilíbrio mental, com conseqüente transtorno do
sistema nervoso. Talvez isto surpreenda muitas
pessoas. Como é possível. Como pode a mente e os
nervos afetar o corpo até o ponto de provocar uma
enfermidade orgânica.
Quando os nervos não funcionam de
forma adequada, aparecem doenças em certos
órgãos. Os psicólogos nos dizem que muitas das
chamadas enfermidade orgânicas se originam quando
os órgãos não podem funcionar de maneira
apropriada , devido as inadaptações e conflitos
mentais, com a conseqüente falta de equilíbrio no
sistema nervoso. Sabemos que o sistema nevoso
desempenha um papel vital e de suma importância
em nossas vidas. Estando intimamente relacionado
com a mente, ele é afetado com facilidade pela mais
ligeira desordem mental. Em conseqüência, as
dificuldades mentais que se refletem no sistema
nervoso são, segundo pode demonstrar-se, as
verdadeiras causas de numerosas enfermidades
6 9
Recomendamos para um estudo mais amplo do ponto de vista hindu, o
Raja Yoga de Swami Vivekananda e os Aforismo Yogas de Pantajali.
7
funcionais. Assim mesmo, muitos casos de demência,
neuroses e psicoses, podem atribuir-se a insatisfação,
agitação, frustração e conflitos mentais.
Alguns anos atrás, médicos
eminentes expressaram em um congresso anual
sobre educação médica, suas firmes convicções de
que os estudantes de medicina deviam aprender
psiquiatria e que o título de doutor em medicina devia
garantir o conhecimento e compreensão da psicologia
analítica 7. Isto mostra claramente que a moderna
ciência médica começa a ter em conta a condição
mental do paciente, dando importância a ação da
psique sobre o corpo. Em sua obra O Valor Médico
da Psicanálise8, o Dr. Franz Alexander propunha o
tratamento psicossomático, este livro e o do Dr. Carl
Binger, The doctor’s job, são obras de consulta
sumamente úteis9.
As forças determinantes que agem
por detrás das atividades do homem são atualmente
objetos de um sério estudo por parte dos psicólogos
modernos, mas existem pontos de divergência entre
as escolas orientais e ocidentais. Os psicólogos
hindus aceitam que o homem possui diversos
impulsos e instintos, mas rechaçam as teoria de
7
7 The importance of Introducing Psychiatry into general Intership,
Journal of the American Medical Association, CII (1934), 982-86 e 1231-
32. O ex-decâno da Universidad de Boston, A.S. Bergg, implantou o
estudo de sistema nervoso no primeiro ano da faculdade de Medicina,
seguido do estudo de filosofia e a influência no sistema nervoso. No
segundo ano implantou o ensinamento de neuropatologia e dos princípios
psiquiátricos. Segundo o doutor E.S. Ryerson, da Universidade de Toronto,
o estudo da psicologia era obrigatório no segundo ano da faculdade de
Medicina. Os drs. C.C. Burlingame, de Hartford, Connecticut, e Franklin
Ebaugh aconselhavam o estudo dos elementos da psiquiatria durante o
internato.
8
Franz Alexander, The Medical Value of Psycoanalysis (New York, W.
W. Norton & Co. Inc. 1936), capítulos V e VI.
Carl Binger, The Doctor’s Job ( New York: W.W. Norton & Co., Inc.,
1945) capítulo VIII.
7

Freud e Adler de que o impulso sexual ou a vontade
de poder são os instintos mais fortes, ou que
constituem a verdade fundamental da natureza
humana do homem. Neste sentido, as idéias do Dr.
William Brown se parecem com a dos psicólogos
hindus, posto que sustentam que nem o sexo nem a
vontade de poder bastam para explicar a conduta
humana. Comenta também o dito autor, em Ciência e
Personalidade, que também Freud e Adler
procuraram descobrir um instinto preponderante no
homem, fracassaram por completo.
Posteriormente Freud pareceu mudar
a teoria de um impulso básico do sexo (prazer) para
uma teoria com dois impulsos básicos , a saber, “o
instinto da vida” e “o instinto da morte” ou, o que é
igual, “o impulso sexual” e “o impulso suicida”. E ,
como se sabe, concluiu que estes impulsos do
homem não se excluem mutuamente, senão que
apareciam estritamente entrelaçados na conduta
humana. Segundo Freud e alguns discípulos, tais
como o Dr. Karl A. Menninger, autor de O Homem
contra si mesmo10, a vida é uma luta entre estas duas
forças.
Os psicólogos hindus não estão de
acordo com a opinião de que o homem possui uma
tendência destrutiva fundamental. O suicídio, a guerra
e todas as demais tendências destrutivas
semelhantes não constituem expressões da mente
normal. Ao que parece, Freud e outros psicanalistas
extraíram generalizações dispensáveis e gratuitas dos
estudos de casos patológicos. Desta forma, é
igualmente ilógico e forçado ver o impulso até a morte
ou a destruição ainda que na abnegação e no
sacrifício religioso.
10
10 Karl A. Menninger, Man Against Himself ( New York: Harcourt,
Brace & Co., Inc. 1938).
8
Uma outra consideração imparcial do
verdadeiro espirito da cultura religiosa fará
convencer-nos de que as conclusões freudianas deste
tipo são completamente injustificadas. A teoria dos
psicólogos hindus é justamente o contrário. Estes
chegam a conclusão de que na mente humana existe
um impulso para a felicidade e a existência eterna. A
busca de uma felicidade duradoura constitui a
verdadeira força determinante das atividades do
homem, tanto consciente como inconsciente, tal como
sustentou Spinoza. A tendência para a destruição ou
o impulso suicida não é uma qualidade básica e
intrínseca do homem. O ódio, a guerra e outras
atividades destrutivas, se devem bem mais a
aplicação pervertida e a compreensão errônea deste
impulso para a felicidade.
Também o Dr. William McDougall
difere das escolas freudianas e adleriana em sua
interpretação da força motivante que existem por
detrás das atividades do homem. Este autor se nega
a aceitar o impulso sexual ou da vontade de poder
como o motor total, também crê decididamente que
as atividades conscientes e subconscientes do
homem obedecem a propósitos deliberados, em
outras palavras , conclui que detrás de toda
consciência há um objetivo. McDougall busca “um
impulso capital” para explicar o propósito das distintas
funções instintivas do homem, mas,
desgraçadamente, não especifica a natureza definida
ou especifica deste impulso capital.
A psicologia da Gestalt, que tem em
Wolfgang Köhler o seu principal expoente, procura
encontrar uma totalidade da experiência consciente.
Segundo esta escola, o eu consciente é uma unidade
e não uma combinação ou soma total de instintos e
percepções separadas. Entretanto os psicólogos da
8

Gestalt não nos tem explicado todavia em forma
completa esta mente “total”, vale dizer o consciente, o
subconsciente e o supraconsciente.
Podemos dizer, sem temor de errar,
que existe uma tendência geral entre os psiquiatras
modernos a considerar que todas as atividades
conscientes e subconscientes da mente funcionam
obedecendo a certa finalidade, e todas elas se acham
controladas por um princípio unificador. Se entende,
pois, que deve existir algum propósito ou razão da
conquista do homem. Os membros da escola
conducionista sustentam, pelo contrário, que o
homem é praticamente uma máquina e que a
consciência mesma não é mais que uma ilusão. Estes
investigadores criticam não só a Freud e Jung por
seus estudos do estado mental subconsciente, senão
também a todos os que crêem na existência da
consciência do homem, para não dizer nada da
existência de Deus. Para um conducionista, Deus
somente é uma ilusão criado pelo “tédio da
humanidade”. Vejamos o que disse John B. Watson, a
respeito:
“Em um grupo mais amplo, Deus
ou Jehová passa a ocupar o lugar do pai de
família. Assim, até as crianças modernas se
vêem confrontadas desde o princípio com
as sentenças dos sábios, trata-se do pai, o
adivinho do povo, de Deus ou de Jehová.
Educado nesta atitude até a maioridade, a
criança nunca põe em dúvida os conceitos
que lhes foram impostos”11.
11
11 John B. Watson, Behavirism ( New York: The People’s Institut
Publishing Co., Inc. 1924,1925), p 4. Versão cast.: O condutismo (B. Aires,
Pádios, 1955, 3° ed. 1963).
9
Os conducionistas afirmam que
devemos estudar a estrutura física de um homem se
desejamos compreender sua conduta. Esta claro que
os psicanalistas. igualmente aos psicólogos hindus,
admitem que se observam profundas modificações no
estado físico quando tem lugar modificações
semelhantes na mente, e vice-versa. Deste modo,
quando a mente se vê afetada, o corpo experimenta
uma modificação; mais ainda, assim acontece uma
quantidade de interrogações que os conducionistas
não conseguem resolver de forma adequada ou
satisfatória. Efetivamente, são incapazes de explicar
acabadamente muitos casos de psicoses e neuroses,
pois buscam as causas unicamente na estrutura dos
nervos e centros nervosos, se bem é certo que é
possível curar alguns casos de demência precoce ou
de outra natureza, mediante o emprego de insulina ou
outras drogas, e o tratamento de choque. Não
obstante, pese a todos os experimentos fisiológicos
destas escolas, suas conclusões são incompletas,
pois não explicam as percepções extrasensoriais nem
os estados supraconsientes da mente.
As escolas mecanicistas tem
exagerado a nota no concernimento da natureza
mecânica da mente. Segundo elas , a mente é um
mecanismo complexo, similar a um linotipo moderno
ou qualquer outra complicada máquina impressora,
capaz de realizar a tarefa de alguns homens. Mas não
achamos nenhuma explicação real da conduta
humana em meios e situações extremamente
complexos ou desconhecidos. A teoria mecânica não
outorga iniciativa nenhuma classe de recursos
dinâmicos à mente mecânica. Na observação da
conduta humana, não logramos encontrar traço de
engenho deliberado da mente insondável, suscetível
de converter-se em meras funções de células
9

materiais ou nervosas. O conducionista mecanicista
não pode explicar as diversas faculdades mentais
superiores nem as funções humanas, tais como o
amor e a simpatia, para não mencionar os valores
superiores de qualidades espirituais que operam nos
graus mais elevados da sociedade humana.
Por outra parte, os psicólogos
intencionistas ou hómicos como o professor
McDougall, desejam evitar algumas das limitações do
conducionismo e o funcionalismo, dotando a
consciência de faculdades deliberadas. As forças
propulsoras são inatas da mente e tem a forma de
instintos e impulsos. O homem se esforça para
superar as dificuldades que lhe aparecem,
assenhorando-se da situação. Os finalistas se acham
em melhores condições para explicar a complicada
natureza humana, se bem é certo que tão pouco
lograram uma compreensão total das experiências
humanas. Outro tanto poder-se-ia dizer dos
gestaltistas.
Devemos fazer notar aqui que a
maioria das escolas psicológicas americanas concede
uma grande importância a ação. Podemos dizer, sem
temor de equivocar-nos, que a principal tendência da
psicologia norte americana se acha voltada para o
aspecto motor da mente. O professor William James
pode ser considerado o fundador da “psicologia da
ação” neste país, e Bain e Darwin como os
precursores. Segundo James, “toda consciência é
motriz”, Münstenberg e Dewey se converteram em
grandes expoentes da escola científica que, sobre
todas as coisas destacava a atividade, o rendimento e
a conduta. No campo da psicologia, Dewey e outros
se apressaram a adotar gulosamente o pragmatismo
de James. E o resultado disto foi que
desenvolvimento da mente começou a ser medido por
10
suas expressões externas e seu rendimento no
terreno objetivo. A qualidade da inteligência se
determinou, por sua vez, pela medição da atitude para
a ação. Em conseqüência, passou-se por cima do
elemento subjetivo da mente. Na realidade,
geralmente se faz omisso o caso da meditação e da
compreensão interior. O professor Gordon Allport, da
Universidade de Harvard, fez uma magnífica resenha
da especialização da psicologia norte americana, no
discurso pronunciado na presidência da Sociedade
para o Estudo Psicológico e dos Problemas Sociais.
Eis aqui suas palavras: “O gênio da psicologia
americana reside em sua insistência na ação ou, para
dizer em termos mais precisos, na fase motriz do arco
reflexo”. E logo “Raras vezes registramos, por
exemplo, um modo de vida intelectual único e
subjetivo para o indivíduo” 12. Compreender-se-á
facilmente esta tendência da psicologia norte
americana se forem consideradas as inclinações
fundamentais da vida norte americana e a perspectiva
que estas determinam. A concepção hedonista da
vida afeta, naturalmente , todas as esferas de
atividade de uma nação. Mais adiante veremos que
a base da psicologia hindu recai em um campo
totalmente distinto, devido ao que floresceu em um
país donde os elementos subjetivos da mente e os
estados psíquicos interiores e únicos desempenham
primeiríssimo papel. Na realidade, o idealismo
espiritual constitui o fator predominante na vida
nacional hindu. Na sua estimativa da psicologia norte
americana, o professor Allport se mostra sumamente
preciso. Segundo as escolas psicológicas hindus, a
maior expressão da mente reside em sua iluminação
total, que se alcança - como veremos mais adiante -
12
Gordon W. Allport, “The Psychology of Participation” The
Psychological Review, LII (Mayo 1945), 117-31.).
10

mediante os métodos subjetivos de concentração e
meditação, com a conseqüente integração mental.
Para que uma pessoa possa lograr êxito real, a mente
deve sofrer um processo de síntese. A grandeza da
mente pode julgar-se não pela sua aptidão para a
ação, senão mais bem pela sua integração e
unificação.
Os psicólogos hindus reconhecem
quatro estados de consciência. Para utilizar a
terminologia de alguns deles, poderíamos dizer que
distinguem os estados correspondentes ao dormir, ao
sonhar, a vigília e ao superconsciente: susupti,
swapna, jagrat e turiya. Os estados correspondentes
ao dormir e ao sonhar se acham compreendidos
dentro do subconsciente. Assim, de acordo com a
terminologia ocidental, ele eqüivaleria a considerar
três estados : o subconsciente, o consciente e o
supraconsciente. A maioria dos psicólogos ocidentais
ou bem ignoram o estudo do supraconsciente, ou bem
o consideram patológico, pese a que o professor
William James estudou suas manifestações, em sua
obra As variedades das experiências religiosas 13, e o
doutor Müller Freienfels se deteve a considerar a
telepatia e outros fenômenos mentais igualmente
insólitos, ao referir-se a parapsicologia, em seu livro
Evolução da psicologia Moderna 14. Também resulta
alentador o feito do professor Rhine, da Universidade
de Duke, tenha realizado um minucioso estudo que é
denominado “percepções extrasensoriais”, em sua
obra Novas Fronteiras da Mente 15, a fim de
estabelecer se é possível alcançar a explicação
13
13 (Willian James, Variets of Religious Experiences (New York:
Longmans, Green & Co.,1229).
14
(Müller Freienfels, Evolutions of Modern Psychology, pag, 469-78.
15
Joseph Banks Rhine, New Frontiers of the Mind (New York: Farrar &
Richart, Inc 1937.
11
científica de certas percepções mentais que se
recebem com independência dos órgãos dos sentidos
e do sistema nervoso.
Ainda que a telepatia e a clarividência
pareçam ser a expressão de faculdades extras
sensoriais, não devem ser confundidas com o estado
supraconsciente ou samadhi. Na realidade considera-
se que o exercício destas faculdades extraordinárias
constitui um obstáculo para alcançar a compreensão
supraconsciente. Esta verdade é revelada nos
Aforismos Yoga de Patanjali e nos Ensinamentos de
Sri Ramakrishna. No entanto , Patanjali (o pai da
psicologia hindu) e outros pensadores reconhecem a
existência destas percepções, bem como
proporcionam os métodos mediante os quais é
possível desenvolvê-las eficazmente, se bem que não
aconselham seu emprego quando se deseja alcançar
a verdadeira espiritualidade. As vezes a telepatia, a
clarividência e outros poderes semelhante se
manifestam nos indivíduos, sem nenhum esforço
consciente de sua parte; as vezes se manifestam no
curso da prática autêntica de Yoga e do tipo correto
de concentração e meditação; mas trata-se de
faculdades ou poderes do plano terrestre, e o genuíno
buscador da verdade não deve permitir que estes os
desviem de sua meta. Na psicologia hindu e em
outros sistemas semelhantes foi realizado um
completo estudo dos diversos graus de compreensão
supraconsciente e de outras percepções
extrasensoriais alcançadas mediante as práticas da
Raja Yoga, tal como foram descritas nos Aforismos
Yogas de Patanjali. Nos livros dedicados a Hata
Yoga se analisam certos tipos de percepções
extrasensoriais inferiores; mas não é nossa intenção
descrever aqui a Hata Yoga , porque seu objetivo
primordial consiste em controlar as leis físicas.
11

É de fundamental importância advertir
que existem diferenças natas entre os métodos
experimentais e dedutivos dos psicólogos ocidentais e
as práticas subjetivas e intuitivas de yoga (ciência
mental ou psicologia) dos hindus 16. Não é possível
aplicar adequadamente ao estudo da mente o método
puramente objetivo. O psicólogo deve interpretar as
expressões interiores normais e anormais para
compreender os estados e impulsos íntimos da
mente. Inevitavelmente, têm suas interpretações com
idéias preconcebidas. pelo demais, uma expressão
particular pode obedecer as causas distintas. Há um
ditado popular segundo a qual os tontos riem três
vezes da mesma piada. Primeiro riem porque vêm rir
os demais, depois compreendem a piada, e depois
pensam o quão foram tontos ao não compreender a
piada na primeira intenção. Assim como a risada foi
determinada , neste caso, por três causas diferentes,
de igual modo uma expressão externa pode obedecer
a diferentes emoções e impulsos interiores. Em
conseqüência, dificilmente pode o método
interpretativo brindar-nos com uma compreensão
convincente da natureza interior da psique, posto que
as neuroses e psicoses podem obedecer nas distintas
pessoas a diferentes impulsos e condições mentais
subconscientes e conscientes. Portanto os hindus
consagraram inteiramente a prática dos métodos
psicológicos subjetivos que fornecem uma
compreensão clara e concludente da mente total.
Possivelmente os pensadores
ocidentais se sintam inclinados a por em dúvida a
validez dos estudos psicológicos realizados na Índia,
dado que a psicologia hindu não é experimental, no
sentido que entendem as escolas ocidentais de
16
A Yoga será analisado determinadamente no capítulo XI, que versa
sobre os “Métodos da experiência supraconsciente”).
12
psicologia experimental. Não obstante, jamais poderia
dizer-se que a psicologia hindu não é empírica, posto
que se apoia no estudo da experiência da mente.
Brentano e um bom número de seus discípulos não
atribuíram grande valor a moderna psicológica
experimental, se bem que sempre consideraram a
psicologia empírica de extremo valor, pois o que lhes
interessava era a natureza da mente. Evidentemente,
o professor Boring não tem por Bretano uma grande
estima como psicólogo, já que considerava, tanto ele
como seus discípulos, filósofos concentrados
principalmente na compreensão do todo 17.. Aos
historiadores ou outros pensadores deste tipo, pode
resultar difícil apreciar as contribuições da psicologia
hindu, e é possível que desdenhem todo o sistema
por considerá-lo uma questão filosófica, ou um
produto da literatura mística. Mas não seria justo
chegar a semelhante conclusão, dado que a
psicologia hindu proporciona métodos definidos, não
só para conhecer a natureza da mente, senão
também para desenvolver suas faculdades . Os
métodos psicológicos do Ocidente não constituem o
único procedimento para conhecer a psique.
Antes de tudo, devemos deixar bem
claro o que se entende por método subjetivo e
intuitivo da psicologia hindu. Não consiste em filosofar
sobre a natureza da mente ou alcançar um
conhecimento conceitual desta, mas no adestramento
da mente total do indivíduo, incluindo o pensamento,
as emoções e a vontade. Não depende do método
interpretativo, já que a interpretação das expressões
exteriores da mente nem sempre podem ser dignas
de crédito. Os psicólogos hindus estão firmemente
17
Edwin G. Boring, A History of Experimental Psychology ( New York:
Appleton, 1950. Version cast: História da psicologia experimental (B.
Aires, Paidos, 1959).
12

convencidos de que é possível verificar e desenvolver
o assunto e a evolução psicológica mediante o
crescimento mental pessoal. Um autêntico adepto aos
métodos de desenvolvimento psicológico pode
alcançar um crescimento único e verificar os
princípios descobertos mediante as experiências de
muitas pessoas. Como crêem na verificação de
distintas experiências mentais, os psicólogos hindus -
pesem ser subjetivos e intuitivos - são também
científicos, práticos e dinâmicos.
Na atualidade, muitos psicólogos
destacados do Ocidente consideram dinâmica a
psicologia. Nós pensamos que a psicologia hindu é
mais dinâmica , posto que educa a mente individual
para manifestar todas as faculdades latentes. Mais
adiante veremos nos capítulos sobre “A Meditação” e
“Os Métodos da experiência Supraconsciente” que,
em virtude das práticas psicológicas sistemáticas, as
faculdades dinâmicas da mente evoluem e capacitam
a mente individual para servir aos demais na
integração de suas emoções e outros processos
mentais.
O interesse primordial dos psicólogos
hindus se centra no estudo e desenvolvimento total da
mente, mais do que nas distintas funções
consideradas em separado. Aos psicólogos
experimentais ocidentais, interessa-lhes as facetas
particulares da atividade mental. Alguns deles
chegam ao cúmulo da especialização, limitando-se a
estudar as reações nervosas, por considerar que isto
lhes bastará para compreender a mente, sem dar-se
conta de que com isto somente estudam os
instrumentos de que se serve a mente. É
interessante transcrever o que o professor Hocking
acertadamente disse, ao avaliar a psicologia
ocidental: “Entretanto a ciência ou ciências existentes
13
da psique não nos tem oferecido a própria mente,
senão tão somente substitutos, podendo-se chama-
las de Mentes aproximadas”18. Agregou mais tarde:
“As múltiplas Mentes Aproximadas da psicologia
científica tem seu valor e sua existência concreta,
entretanto só vivem como órgãos da mente”19. Não
será de mais recordar que os hindus aceitam a
existência da mente independentemente dos nervos.
A Brentano e aos gestaltistas interessa-os em grande
parte, sem dúvida , a experiência total da mente; mas
aparentemente não vão bastante longe para abarcar
toda a área das experiências mentais - como já
dissemos - pois nunca levam em conta o
supraconsciente. Os psicólogos do inconsciente -
Freud, Adler, Jung e outros - tão pouco satisfazem
este requisito, segundo já vimos. Por conseguinte,
não seria demasiado ousado dizer que aos psicólogos
ocidentais interessa principalmente as diferentes
facetas do funcionamento mental, que tomam
separada e individualmente em seus métodos
experimentais; enquanto que o interesse dos
psicólogos hindus gira fundamentalmente em torno do
estudo da mente total, pois é sua convicção que as
diferentes funções - consciência, subconsciências,
superconsciência, cognição, volição (força de
vontade) e cognação (tendência consciente para
atuar) - não podem separar-se da realidade. Ademais,
acham-se interrelacionadas e como é sabido, um
pensamento dado cria uma reação emocional que por
resultado determinada atividade. Um pensamento ou
um conceito cria uma emoção interna, por exemplo,
de atração ou repulsão, prazer ou desgosto, amor ou
18
W. E. Hocking, mind and Near Mind” . Actas del Sexto Congresso
Internacional de Filosofia, ed. Edgar Sheffield Brightman (New
York:Longmans, Green & Co., 1927) p. 203.
19
. (Ibid., p 215).
13

ódio. Também nos prevemos de nossas emoções:
tais como, o pensamento e a emoção não podem ser
isolados ou observados separadamente. Os impulsos
emocionais tornam ativa a mente. É quase impossível
observar a atividade desta (função da vontade) com
prescindindo do pensamento ou da emoção. De igual
maneira, tampouco podemos observar um
pensamento prescindido da emoção ou da atividade
da mente, e por último, tampouco se pode isolar as
emoções do conteúdo gnoseológico da mente e sua
expressão dinâmica, por sutis que sejam. Assim, pois,
o pensamento, a emoção e a bondade se acham
indissoluvelmente relacionados. Por tal razão é que
os psicólogos hindus estudam as tais funções
conjuntamente ,quando tratam de desenvolver e
integrar a mente. E também aqui consideram que só
pode alcançar o pleno desenvolvimento da psique
quando se chega ao plano supraconsciente. Os
estudantes de psicologia tem conhecimento, assim
mesmo, dos conteúdos do inconsciente (samskaras)
no processo de desenvolvimento do superconsciente.
Na realidade, qualquer estudo do inconsciente em que
este se deixe isolado da educação consciente da
psique, seria perigoso ao extremo, segundo veremos
no capítulo sobre “A Mente Subconsciente”. Deste
modo, segundo os psicólogos hindus , na realidade
não é possível estudar e conhecer adequadamente
um estado dado mental, sem a integração total da
mente.
A maioria dos psicólogos norte
americanos parecem conceder extrema importância
ao aspecto motor da mente. Em outra palavras, seu
interesse primordial consiste em conhecer a atividade
- as conseqüências motrizes da vida mental - afim de
estabelecer como atua e reage a mente do ponto de
vista motor. Os psicólogos hindus, pelo contrário,
14
tratam de compreender e fortalecer as mentes totais.
Para tanto, interessa-os especialmente o
desenvolvimento caráter e da personalidade, que só
podem alcançadas mediante a integração da psique.
Por isso apreciamos alguns psicólogos ocidentais
como o professor Allport e o professor Allers, que se
mostraram interessados na personalidade total do
homem20.
Devemos aclarar de que não
desconhecemos a importância do grande número de
psicólogos hindus que professaram princípios
psicológicos com anterioridade a Patanjalli (ao redor
do ano 150 A. C. ) nos Upanishads, no Bhagavad-
Gita e no sistema Sankhya já se ensinava psicologia
aplicada. Os budistas também tiveram muitas idéias
definidas e práticas de psicologia aplicada, para a
unificação e fortalecimento da mente, como também
instruções definidas para o esclarecimento total da
psique. Em realidade, Patanjali deixou um tratado
sistemático de yoga, ainda que muitos de seus
conceitos se baseiem no pensamento do Sankhya.
Os hindus desenvolveram sua
psicologia principalmente no transcurso do seu
desenvolvimento religioso. Os psicanalistas ocidentais
- Charcot, Janet, Freud, Jung e outros - iniciaram
suas investigações com estados anômalos da mente.
Aos psicólogos fisiológicos interessa-os mais, o
estudo das reações e funções do sistema nervoso
que o estudo da própria mente. O professor Hocking,
da Universidade de Harvard, disse acertadamente
que este é um estudo “Aproximado da Mente”.
Devemos recordar que é sumamente perigoso, para
dizer o menos, generalizada as comprovações
20
(Gordon W Allport, Psychological Interpretation (New York: Henry
Holt & Co.,1937).;e Rudolph Allers The Psychology of Character (New
York: Sheed &Ward, 1934).
14

efetuadas no plano da mente anômala, para aplicar-
se as mentes perfeitamente normais posteriormente.
Freud e outros autores efetuam observações
superficiais sobre as tendências religiosas do homem,
em função do sexo, e trata de encontrar tendências
“destrutivas” ou “suicidas”, ainda que nas mentes
normais e superiores. Na realidade, as mentes
superiores funcionam completamente diferentes das
mentes normais e anômalas. Por esta razão, muitas
das infelizes generalizações de alunos de
psicoterapeutas relativas as experiências espirituais
são extremamente inexatas e carentes de rigor
científico. E por certo que distam da verdade.
A ciência da psicologia foi
desenvolvida principalmente pelos hindus, entretanto
estudavam os métodos para alcançar a mais alta
experiência religiosa, a saber, o estado de
supraconsciência ou shamadi. E este é o único
método para compreender e controlar a mente , afim
de alcançar uma consciência superior, de acordo com
os Aforismos Yogas de Patanjali, a psique se ilumina
plenamente e pode chegar transcender, incluso, os
limites do sistema nervoso, toda vez que se tenha
controle e unificação no curso do processo de
concentração e meditação profundos A mente pode
alcançar em forma imediata e direta outro plano, o
estado supraconsciente, em que se experimenta a
realidade. Vejamos como explica isto o Swami
Vivekananda, no Raja Yoga:
Existe um plano superior , o qual
se pode operar a mente. Efetivamente este
pode estar além da consciência. Assim
como o trabalho inconsciente se acha
abaixo da consciência, de modo igual existe
outro trabalho acima da consciência, e que
15
não é acompanhado do sentimento de
egoísmo. Digo sentimento egoísta somente
se dá no plano médio... Pelos efeitos, pelos
resultados da atividade, podemos conhecer
o que esta debaixo e o que esta mais
acima. Quando um homem e dorme
profundamente, penetra em um plano
situado abaixo da consciência. Seu corpo
segue trabalhando, entretanto; respira,
move-se inclusive, sem que nenhum
sentimento do eu acompanhe estes atos; e
o sujeito esta inconsciente e quando
levanta-se volta a ser o mesmo homem que
havia sido antes de dormir. A soma total do
conhecimento que possuía antes de dormir
segue sendo a mesma, pois o sonho não a
aumenta em absoluto. Não extrai dele
iluminação alguma. Mas quando o homem
penetra no shamadi, mesmo que seja um
néscio, depois de transpor o limiar voltará
convertido em um sábio”21.
Os ideais e expressões religiosos são
essenciais para a satisfação e culminação da
consciência no estado supra-sensível. Para os
hindus, a religião não é uma barreira oposta ao
desenvolvimento e a compreensão da psicologia;
longe disto, é a própria base para a iluminação total
da mente.
Segundo os psicólogos hindus,
quando a mente é submetida a disciplina de práticas
de yogas, os finos tecidos nervosos do corpo sofrem
a conseqüente transformação. As forças físicas e
21
.(The Complete Works of Swami Vivekananda ( Mayavati, Almora,
Himalayas: Advaita Ashrama (1931), I, 180 esta obra será referida com a
palavra Works.
15
 16
mentais do homem se depuram e unificam, o qual
arroja (atira-se) por resultado um equilíbrio emocional,
o desenvolvimento de uma vontade férrea e a
harmonia física. Todo o homem que experimenta o
shamadi ou compreensão supraconsciente se põe
em condições de entender a mente total, vale dizer,
consciente, subconsciente e supraconsciente.
Alcança um estado tal, em que a psique funciona com
independência do sistema nervoso, segundo os
ensinamentos do Swami Brahmananda. Na realidade,
para toda a mente se assemelha a um espelho onde é
possível ver refletida a verdade. Ademais, esta mente
unificada, uma vez disciplinada mercê a prática da
concentração, da meditação e demais processos
pertinentes, se converte em um centro de poder.
Quando é dono de suas próprias forças mentais se
acha capacitado para compreender as mentes dos
demais e influir sobre elas. Harmoniosamente
equilibrada, é capaz de criar ao seu redor uma
atmosfera de paz. E qualquer um que se aproxime de
uma pessoa deste tipo, receberá consciente ou
inconscientemente um alento de sossego, ganhando
equilíbrio e plenitude, graças ao dito contato.
Poderíamos comparar a estes seres que tem
alcançado a compreensão supraconsciente, com as
substâncias capazes de irradiar raios luminosos. Não
só eles resplandecem como também iluminam os
objetos que os rodeiam. De modo igual, um homem
dotado de uma mente unificada irradia sabedoria e
comunica sua fortaleza aos demais.

16

CAPÍTULO II
COGNIÇÃO
(AQUISIÇÃO DE UM CONHECIMENTO)
Somente nos últimos cinqüenta anos
os ocidentais começaram a captar a importância da
psicologia precavendo-se de que não se tratava
unicamente de um estudo filosófico ou especulativo,
senão também de um fator indispensável para a
satisfação das exigências da vida quotidiana prática.
Os hindus, pelo contrário, fazem séculos que tem
consciência desta verdade. Durante centenas de
anos, fizeram uso da psicologia, não só como método
para chegar a verdade religiosa - base de sua filosofia
profunda - mas também como valioso auxiliar no
campo da medicina, para procurar saúde, equilíbrio e
harmonia.
Em termos gerais, são os aspectos
mais utilitários da psicologia os que alcançaram, por
diversas razões, maior popularidade no Ocidente, em
particular nos Estados Unidos. No campo da
medicina, por exemplo, cada vez se dedica maior
atenção ao estudo da ação da mente sobre o sistema
nervoso, especialmente nos casos das chamadas
doenças “funcionais”. Atualmente os médicos
declaram que não é possível passar por cima dos
efeitos prejudiciais que exercem, sobre a saúde física,
os estados mentais ou emocionais desequilibrados,
insistindo na necessidade de um controle mental e
emocional para o bem estar orgânico. É sabido que
17
os medicamentos, as drogas e até as operações
cirúrgicas fracassam naqueles casos em que o
paciente carece de domínio sobre sua mente ou de
estabilidade emocional.
De igual modo, o conhecimento da
psicologia tem demonstrado ser de suma utilidade no
mundo dos negócios. Muitos indivíduos com
interesses comerciais, especialmente no campo da
propaganda, tem levado a cabo um cuidadoso estudo
do poder de sugestão, afim de aumentar suas
vendas. E, assim, gastam-se enormes somas de
dinheiro para influenciar os compradores, não só pela
apresentação de artigos, como também o uso de
todos os meios de difusão imagináveis, para atrair as
atenções do público sobre os produtos fabricados. Em
muitas casas comerciais ensina-se de psicologia aos
vendedores para aumentar seu êxito junto aos
clientes. Por exemplo, se ensina a dedicar maior
atenção aos homens do que nas mulheres, pois estes
costumam comprar o que necessitam no primeiro
lugar que entram, no entanto as mulheres preferem
percorrer várias casas comerciais, comparando as
ofertas. Deste modo, faz-se evidente que o poder de
influir nas mentes dos demais tem adquirido imensa
importância também no mundo dos negócios.
Por outro lado, existem pessoas
carentes de encanto, beleza ou atração, que desejam,
não obstante, alcançar êxito político, adquirir domínio
sobre os demais ou desenvolver uma grande força de
vontade. Todas estas necessidades e outras afins
têm criado um extenso mercado para os livros de
psicologia de divulgação, alguns dos quais são de
mérito escasso; mas refletem a necessidade cada vez
maior de ajudar as pessoas a solucionar seus
problemas, e demonstram claramente que o público
17

começa a apreciar a compreensão da mente como
guia da vida prática.
Finalmente, existem aqueles que
desejam compreender a psicologia pela psicologia
mesma. Não a praticamente ninguém, que uma ou
outra não tenha experimentado o desejo de saber
mais acerca de si mesmo. “Quem sou eu Porque
existo Que relação guardo com o mundo objetivo o
qual devo enfrentar todos os dias”; eis ai somente
algumas poucas perguntas que uma mente inquisitiva
e inteligente não pode deixar de formular-se.
Efetivamente, o “conhece-te a ti mesmo” segue sendo
ainda a chave da sabedoria, tal como foi nos dias de
Sócrates; e este conhecimento de si mesmo, tal como
o desenvolvido pela psicologia hindu, constitui o
caminho para a liberdade, a verdade e a harmonia.
O estudo da psicologia é em
essência, um estudo da mente, de suas funções, de
suas reações ante o mundo objetivo, e dos métodos
mediante os quais adquiri conhecimentos. Resulta
conveniente definir a psique como “aquilo que
classifica, julga e coordena as impressões e
sensações recolhidas no mundo exterior, quer dizer,
aquilo que sabe e sabe que sabe”22 . Isto nos coloca,
por certo, frente a múltiplos problemas, por exemplo:
Quem é o sujeito cogniscente e de que natureza é o
conhecimento Como é que eu sei que eu sei e
como posso eu estar seguro de que meu
conhecimento é correto Tem a mente uma
existência separada e independente da matéria física
do cérebro, ou é somente um conjunto de sensações,
o mero produto dos órgãos dos sentidos e do sistema
nervoso Ao longo deste estudo nos ocuparemos de
22
Sri Sankaracharya, Vivekachudamani, pag. 93-94.
18
todas estas interrogativas, começando agora com a
cognição e o conhecimento.
O grande físico e botânico Sir J.C.
Bose, de Calcutá, Índia, demonstrou que até as
plantas e os organismos mais simples apresentam
certas sensações e reações, que naturalmente se
fazem mais evidentes nas formas superiores de vida.
Os animais inferiores são dotados de órgãos de
sentido, mediante os quais reúnem um conhecimento
peculiar dos objetos exteriores. Os cachorros, por
exemplo, dependem em grande parte do seu agudo
olfato; até uma serpente conhece parte do mundo que
a rodeia por sua sensibilidade ao som, apesar de
carecer dos habituais órgãos externos de audição. Ao
estudar os répteis, os psicólogos ocidentais
comprovaram que, enquanto “alguns (lagartos)
parecem possuir sensibilidade auditiva, outros (as
cobras) carecem delas”23. OS animais possuem um
conhecimento instintivo sumamente preciso,
entretanto de alcance limitado, se comparado com a
cognição e percepção do homem.
Na Índia houve uma escola de
pensadores chamados Charbakas, os quais, tal qual
os conductistas e outros psicólogos semelhantes do
ocidente, declaravam que os processos do
pensamento, a cognição e a emoção, eram meros
produtos da reação nervosa, isto é, que a chamada
“mente” somente era um conjunto de sucessivas
sensações dependentes do sistema nervoso e da
matéria física do cérebro. Segundo eles, a
consciência carecia de existência independente.
Vejamos o que expressa Watson a respeito:
23
N. R. F. Maier e T. C. Schneirla, Principles of Animal Psychology (New
York: McGraw-Hill Book Co., Inc.; 1935) p. 219.
18

“A consciência é uma simples
hipótese, tão impossível de provar e de
alcançar como o antigo conceito da alma. E
para o conductista ambos termos são
essencialmente idênticos, na medida em
que implicam um conteúdo metafísico...
Não nos dizem que é a consciência, senão
que, em seu lugar, começam a atribuir
coisas por hipóteses, e logo, quando
abordam a análise da consciência,
encontram naturalmente, o que eles
mesmos já haviam atribuído.”24
Watson e outros autores supõem que
a existência de um ente dado depende da
possibilidade de sua observação objetiva. Os
conductistas parecem esquecer que eles mesmos não
podem observar objetivamente seu próprios
processos mentais e, entretanto, crêem poder avaliar
os conceitos psicológicos de Wundt, James, e outros
investigadores. Ademais, também crêem possuir a
ferramenta para “observar a conduta”; eis aqui as
palavras de Watson:
“Porque não fazer que o
verdadeiro campo da psicologia se
circunscreva a todo aquele suscetível de
ser observado “Limitemo-nos as coisas
que podemos observar e enunciemos as
leis relativas somente a estas coisas. Pois
bem, o que podemos observar O que
podemos observar é a conduta e o que o
organismo faz e diz”.”25
24
. John B. Watson, Behaviorism (New York: W.W. Norton & Co., Inc.
1930), p. 5.
25
Ibid., p. 6.
19
O que interessa aos conductistas é
observar a conduta “em função do estímulo e a
resposta”.
Se examinamos estas afirmações
detidamente, veremos que estes psicólogos
confundem a consciência com as sensações, e os
sentidos (os instrumentos para obter conhecimento),
com o pensamento e a emoção. Um simples exemplo
bastará para explicar. Para produzir luz, a eletricidade
opera mediante cabos e lâmpadas, mas a eletricidade
não e o cabo nem a lâmpada, e a luz é o resultado de
sua ação. A eletricidade não pode ser vista nem
descrita, mas pose ser identificada em função de seu
efeito. Somente podemos comprovar sua existência
mediante o uso de um agente externo. De modo
semelhante, a mente opera nas pessoas, por meio do
cérebro e do sistema nervoso (segundo dissemos no
capítulo I) e somente é possível compreendê-la e
interpretá-la pelo modo em que emprega os poderes a
sua disposição. De modo semelhante, se a mente
somente fora produto dos estímulos nervosos,
poderia ser observada objetivamente. Mas a
observação da mente e da corrente mental de um
dado indivíduo, não é objetivamente possível e não se
pode levar a cabo satisfatoriamente sem um exame
subjetivo. Como sabemos o que pensam nossos
amigos Como pode alguém saber exatamente o que
se passa na mente de outra pessoa  Aparentemente
um homem pode estar escutando um sermão e
pensar, em realidade , em qualquer outra coisa, como
por exemplo, em sua casa, em seus negócios ou em
um motivo qualquer de preocupação. Não obstante,
para um observador objetivo, não parecerá senão que
esta prestando atenção ao sacerdote. Somente o
19

sujeito saberá, então, o que realmente acontece em
sua mente.
Outro fato que parece haver sido
omitido pelos psicólogos fisiológicos, conductistas e
mecanicistas, é a necessidade absoluta de
permanência e integração da mente do observador,
para poder classificar e coordenar as impressões e
experiências adquiridas através de seu estudo
objetivo. Se a mente é tão somente um conjunto de
sensações sucessivas, como pode reter na memória
mais de uma sensação de uma vez Deste modo,
como pode uma sensação, que é ele mesmo em um
dado momento, ser o observador de outra sensação
que constitui o objeto de seu estudo Em outras
palavras: se eu não sou senão um conjunto de
sensações, como pode “esse eu” converter-se no
observador de um “tu” que não seria senão outro
conglomerado de sensações. Como posso “eu”
correlacionar esta informação, se “eu” posso ser
consciente somente de uma coisa, a que se seguem
outras e outras de imediato
Evidentemente, tem que haver algum
fator permanente capaz de reter as ditas impressões,
discriminando-as. Isto nos leva a conclusão de que
deve ser a mente que percebe, experimenta e
converte, portanto, em sujeito cogniscente do mundo
objetivo. Também devemos recordar que as
sucessivas sensações não podem brindar-nos um
quadro total de uma coisa, a menos que haja um
fundo que sirva como receptáculo destas sensações.
Por exemplo, não é possível perceber as imagens
cinematográficas se não existir um fundo permanente
sobre o qual se projetam as figuras em constante
movimento.
Ademais, os conductistas com seu
conceito de sensação como a própria mente, são
20
incapazes de explicar o fenômeno da memória.
Efetivamente nada nos dizem de como e onde se
conservam as distintas sensações, sob a forma de
recordações. De modo que, nos vemos forçados a
aceitar a existência de um receptáculo permanente
donde se alojam os resíduos das distintas
experiências, e este receptáculo não pode ser outro
senão a mente.
Possuímos também a cognição do
mundo objetivo e percebido, como também da
prevenção interna. Nós também conhecemos as
condições mentais agradáveis e desagradáveis. Estes
estados mentais agradáveis e desagradáveis,
pretéritos e presentes, como também as apreensões
e ansiedades relativas ao futuro, são objeto de
cognição por parte dos seres humanos. Pois bem:
não é possível interpretar estas experiências como
meras sensações sucessivas ou reações nervosas.
Deve haver algo situado no fundo desta cognição dos
próprios estados mentais.
Todos nós nos prevenimos de nossas
emoções interiores. Estas podem ser uma reação a
percepção interna, ou impulsos internos. Assim,
percebemos nossos próprios sentimentos de amor,
afeto, ódio, tristeza, temor, ansiedade e aflição. Se a
mente não tivesse uma existência independente da
mera sucessão de sensações, então não seria
possível a percepção de nossas sensações internas.
Efetivamente, não poderíamos perceber fatos
previamente experimentados, com suas reações
emocionais interiores, se não possuíssemos algo para
preservá-los na forma de recordações. Na realidade,
seria impossível existir a memória, se não houvesse
um receptáculo que alojasse as sensações
sucessivas. Para compreender estes fatos bastará
reportar-nos ao exemplo do cinema. Todo homem
20

pensante sabe por experiência que pode prevenir-se
das próprias emoções. Não será demais assinalar,
desta modo, que todos temos certa classe de
consciência de nossa constante prevenção de nós
mesmos. Como disse Descartes: “penso, logo existo”.
Não é possível explicar os distintos estados da mente
sem a aceitação de uma psique permanente.
Uma vez estabelecida a necessidade
de uma mente real26, independente de meras
sensações, passaremos a considerar as formas em
que funciona com respeito à percepção do mundo
objetivo. Como adquire conhecimento o sujeito
cogniscente? Quem é o sujeito cogniscente? Que
relação tem a mente com os objetos exteriores?
Segundo os psicólogos ocidentais, os
órgãos dos sentidos recebem os estímulos que logo
são transmitidos pelo sistema nervoso à células
cerebrais. Até os psicólogos que aceitam a teoria da
existência independente da mente, consideram-na
uma entidade passiva, enquanto que ao mundo
objetivo o vêm dinâmico, capaz de imprimir-se por si
mesmo na mente, através do sistema nervoso.
Entretanto, não nos explicam como esta mente
passiva coordena para unificar as sucessivas e
contínuas sensações recebidas de um mesmo objeto.
O Rio Ganges flui em uma corrente ininterrupta, no
entanto, este fluxo sucessivo de água, que não é
outra coisa que o Rio Ganges, dá impressão de
unidade e singularidade devido ao seu leito. De modo
semelhante, por rápida que sejam as sensações, é
possível obter um quadro completo de objeto algum
sem uma existência permanente da psique.
Os psicólogos da Gestalt, ao
interpretar a mente total, aproximam-se de sua
26
Antahkarana, ou instrumento interno, segundo Brahmasutra, Aforismo
Vedanta.
21
compreensão. Segundo eles, o objeto integro se
imprime na totalidade da mente. Alguns dos
psicólogos da “ação” e outros poucos tratam de evitar
este problema da unificação das sensações em uma
mente passiva, admitindo que esta se torna ativa
quando é estimulada pelas impressões; mas em sua
maioria parecem crer que a mente é perfeitamente
passiva. Aqui se estabelecem uma série de
dificuldades, dado que não é possível que sensações
sucessivas e individuais se integrem em uma mente
passiva, ainda que seja por si mesma ou alojando-se
na mente como receptáculo passivo. James
Münsterberg e outros partidários da psicologia da
ação não lograram salvar a dificuldade com suas
idéias psicossomáticas, posto que eles mesmos
declaram que os estímulos são transmitidos às
respostas. A mente parece depender por completo
dos estímulos, ainda quando mensurada pela sua
atitude para a ação. Os psicólogos da Gestalt e da
ação também se vem impossibilitados, aparentemente
de dotar a mente da necessária independência dos
estímulos sensórios, limitando assim indevidamente o
alcance da psique. Ainda que aqueles psicólogos
dispostos a conceder que a mente possa tornar-se
ativa quando recebe as sensações exteriores, não
lograrão explicar como se unificam estas impressões
fragmentais. Alguns psicólogos declaram que a mente
não pode conhecer realmente um objeto, mas tão
somente as sensações deste objeto. Desta forma, isto
significaria, que nosso conhecimento seria impreciso,
posto que devemos depender destas sensações, as
quais variam constantemente , de acordo com a
natureza e condições da pessoa receptora, quem, por
sua vez, também é um conglomerado de sensações
sucessivas e mutáveis. Ainda observamos que uma
sensação particular de um objeto dado é interpretada
21

de modo diferente por distintos observadores,
segundo a predisposição de suas respectivas mentes.
Ademais, a psique, receptora também esta sujeita a
mudanças, posto que supõe ser um objeto de uma
contínua transformação.
Segundo os psicólogos hindus, a
mente é que sai ao mundo objetivo através dos
órgãos dos sentidos e do sistema nervoso, extraindo
as sensações e impressões pela sua mediação, ela
unifica também as experiências reunidas dentro de
um sistema coerente de informações ou
conhecimento. A palavra “mente” corresponde a
palavra vedântica Antahkarana (instrumento interno)27
que tem quatro funções: 1) manas, a faculdade
oscilante ou ambíguo; 2) buddhi, o estado decidido
que determina que “isto é uma árvore ou um homem”
3) Ahamkara, o estado que estabelece o “eu sei” 4)
chitta, o depósito dos estados mentais, que faz
possível as recordações e as referências. Poderíamos
designar esta última faculdade com a expressão
“despensa mental.”28 Segundo o sistema psicológico
hindu (Vedanta), a antahkarana se encontra entre o
eu e o objeto, e recebe o objeto da percepção,
tomando sua forma em sua totalidade. A psicologia
ocidental da Gestalt tem uma concepção semelhante,
se bem com algumas diferenças. Antahkarana é um
instrumento interno mediante o qual o sujeito conhece
o objetivo por identificação. Mas não se trata do eu.
O eu é a consciência e não o produto da relação entre
o sujeito e objeto. É o princípio subjacente que irradia
a luz do esclarecimento. O eu ou Atma recebe o
nome de Sakshi, ou seja, a realidade imutável. Sua
função é somente a de uma testemunha. A mente ou
27
Vivarana Prameya Samgraha y Vedanta Paribhasa.
28
O sistema hindu Sankhya oferece uma considerável material sobre as
diferentes funções da “despensa mental”.
22
antahkarana adquire seu poder ao associar-se com o
eu ou Atma, que é o mesmo que Brahman ou o
Absoluto. Torna-se aparentemente individualizada por
achar-se virtualmente limitada pela ignorância. 29 Não
nos propomos, entretanto, analisar agora as
implicações metafísicas do problema. Somente as
mencionamos para completar a idéia hindu da
percepção e seus diferentes aspectos.
Existe uma diferença entre a
concepção grega da alma e suas funções, e a
concepção hindu do Atma e suas funções. Os
psicólogos gregos, inclusive Aristóteles, concebem a
atividade na alma mesma, ainda que se observe
diferenças entre os diversos pensadores gregos,
quanto a natureza desta atividade. Mas o Atma dos
hindus é a Realidade imutável, o Grande
Testemunho, a Consciência Mesma, a Sakshi
Chaitanya.
Os psicólogos hindus concebem a
indriya (sentido)30 , como a ferramenta interna da
percepção, que é independente dos órgãos externos
dos sentidos e do sistema nervoso, ainda que opere
através deles. A indriya não é a mente, ainda que
esta a utilize como ferramenta. 31 Na seguinte
passagem observa-se uma diferença definida entre
ambas atividades:
“Sabe-se que a alma, que esta
sentada no interior, é a dona da carroça, e
esta última vendria representaria o corpo.
29
.Works, I, 200-201.
30
Viveranas Prameya Samgraha y Vedanta Paribhasa. A palavra Indriya
tem sido traduzida como “sentido”, já que não existe nenhuma outra
palavra apropriada. Talves alguns leitores considerem pouco usual este
emprego do termo “sentido”.
31
Katha Upanishad 3:3
22

Considera o intelecto (buddhi) representado
pelo cocheiro e a mente (manas) pelas
rédeas. Os sentidos (Indriyas) são os
cavalos e os objetos dos sentidos o
caminho pelo qual eles avançam.”32
A indriya não é passiva , mas
dinâmica e funciona ativamente para alcançar o
mundo objetivo e estimular o sistema nervoso e os
órgãos sensórios.33 A concepção de indriya é
sumamente estranha para os psicólogos ocidentais e
o mais provável é que abriguem sérias dúvidas com
respeito a sua existência. Entretanto, quando
estudamos a percepção, veremos que os hindus têm
boas razões para considerar que a mente busca
ativamente suas sensações, e que a existência da
indriya, é portanto, uma conseqüência lógica.
Quase todos os psicólogos do
Ocidente e do Oriente concluíram a percepção é o
método mais direto para obter conhecimento. Eu te
vejo; consequentemente creio na tua existência.
Ademais, se te toco, estarei convencido que estas
próximo. Mas, suponhamos que você passe ao do
lado ao atravessar a rua e eu não te veja. Posso estar
olhando na tua direção, meus olhos podem funcionar
perfeitamente e refletir tua imagem na retina, e
contudo, não saberei que você esta ali. Porque?. Se
minha mente fosse passiva, não podia deixar de te
ver. A estimulação da psique a partir do nervo ótico
não teria tardado em informar-me; mas é evidente
que neste caso algumas partes daquela não terão
reagido ao estímulo. O que se sucede é que a mente
não saiu ao mundo exterior , induzindo a indriya a
observar; em conseqüência, foi possível passar ao
32
.Ibid., 3:3 e 4.
33
Este é tratado com mais detalhe em Vedanta Paribhasa
23
teu lado sem saber que estavas ali. Isto também se
explica as chamadas “ausência mentais”, ou
distrações que se produzem quando os instrumentos
internos de percepção, a indriya e a mente, não se
interessam pelo mundo objetivo, e então o sujeito se
esquece dos assuntos exteriores. Nestes casos, a
indriya se acha ocupada ativamente com outros
objetos de interesse.
Ainda que as serpentes careçam de
órgãos externos para a audição, possuem certos
meios interiores para reconhecer os sons. A
concepção hindu da indriya explica esta peculiar
qualidade perceptiva das serpentes. As plantas
também parecem não ter órgãos externos, não
obstante, tal qual demonstrou Sir J. C. Bose,
possuem certos tipos de sensações. Isto prova que
tem algum instrumento interno para a sensação.
Não é possível explicar as
percepções extrasensoriais, se não aceitamos este
sentido interior da mente. Em outro capítulo, mais
adiante, trataremos o tema mais detidamente, por ora
basta dizer que as chamadas percepções
extrasensoriais desenvolvem-se sem que se registre o
menor contato entre os órgãos dos sentidos e o
objeto percebido. Neste caso, a indriya reúne
experiências projetando-se para o exterior,
independentemente do sistema nervoso e dos órgãos
dos sentidos. O conhecimento adquirido deste modo,
sem contato direto com o objeto, pode ser verificado
para determinar sua validez como conhecimento
verdadeiro. As visões (não as alucinações) e outras
experiências similares são exemplos bem conhecidos
da percepção deste tipo. Nos sonhos ou em certos
estados extraordinários, algumas pessoas têm tido
percepções que resultam proféticas. Tudo isto nos
.
23

mostra que a indriya é independente dos órgãos dos
sentidos e do sistema nervoso.
É necessário considerar ainda outro
aspecto da percepção. Nos referimos ao poder da
mente para interpretar as sensações dos objetos
externos ou estímulos sensórios. Segundo a
psicologia ocidental, quando se percebe um objeto
sua imagem é projetada pelas ondas luminosas sobre
a retina do olho, em posição invertida; e a partir desta
imagem a mente extrai suas conclusões sobre o
objeto. Não somente determina o tamanho, cor,
proporção e diversas propriedades do objeto, mas
também vê sua relação com os demais objetos de
natureza semelhante ou oposta. Esta claro que
somente o olho não poderia fazer tudo isto; é a mente
que correlaciona e unifica a informação recebida.
Então estabelece-se a seguinte questão: com
sabemos que o conhecimento recebido corresponde a
realidade do objeto Em uma noite escura o tronco
de uma árvore pode parecer um ladrão, um amigo ou
um fantasma, segundo qual seja nossa disposição
mental ao vê-lo. É o instrumento interno da percepção
é que distingue entre estas impressões, classificando-
as como verdadeiras ou falsas e elegendo a que mais
lhe parece exata. Mediante a comparação com
experiência anteriores, a mente “reconhece” que o
objeto em questão não é um homem nem um
fantasma, senão, tão somente um tronco de uma
árvore; de modo semelhante, a mente discerne
criticamente a evidência fornecida pelos sentidos,
para obter conhecimento do mundo exterior, do
universo e das demais mentes.
Ainda que geralmente se admita que
a percepção direta é a prova mais categórica do
conhecimento, há outros métodos cuja a validez
também cabe aceitar, especialmente nos casos em
24
que a percepção direta e indireta fosse impossível.
Por exemplo, aceitamos o conhecimento fundado na
autoridade. Como sabemos que há guerra no mundo
Não podemos percebê-la diretamente. Pelo contrário,
estamos obrigados a confiar no testemunho dos
demais, nos jornais, e na informação proporcionada
pelos testemunhos dos presentes, se temos de dar
por certo um fato desta natureza. Seria um disparate
dizer que a guerra não existe, simplesmente porque
não podemos experimentá-la de forma direta. Quando
as fontes de informação são dignas de crédito e de
confiança, ao tratar-se de acontecimento histórico ou
dos efeitos de uma droga, as conclusões alcançadas
devem ser consideradas válidas, mesmo que não
tenhamos provado ou experimentado por nós
mesmos.
Outro método de obter conhecimento
é o da inferência. Observamos, por exemplo, que o
arder do fogo produz fumaça. Consequentemente, se
vemos a fumaça, podemos inferir que deve haver
fogo em alguma parte. Se, de um edifício sai grandes
golfadas de fumaça, não esperamos ver as chamas
para chamar os bombeiros. Sabemos por inferência
que esta ocorrendo um incêndio e que, se não for
apagado, destruirá o prédio.
Se bem que existem os que tentam
classificar dentro de um mesmo rótulo a inferência e a
autoridade, trata-se de coisas distintas. A autoridade
pode dar-se sozinha, com independência da
inferência. Por exemplo, no grande incêndio de
Chicago foi um fato que podemos aceitar com base
da autoridade. Mas atualmente não podemos deduzi-
lo, posto que as provas diretas da destruição já foram
há muito tempo eliminadas.
Assim como é necessário averiguar a
autenticidade das fontes do conhecimento fundado na
24

autoridade, de igual modo, a prova do conhecimento
por inferência depende da validez das suas
conclusões e das premissas maior e menor. Ao
estabelecê-las, devemos fazer com o máximo
cuidado, pois, de outro modo, o conhecimento pela
inferência será equivocado ou diretamente falso. Isto
não quita que as percepções diretas também devam
ser averiguadas, posto que o elemento subjetivo de
cada fator da percepção contribui em grande parte
para a possibilidade de erro. Na realidade, as
percepções variam segundo as interpretações
fornecidas a luz dos conhecimentos da mente. Os
filósofos ocidentais, do mesmo modo que os hindus,
coincidem em sua maioria ao reconhecer as
contribuições da mente. O professor Eddington, em
sua obra Filosofia da ciência física, trata de provar
exeqüível e logicamente que até o conhecimento
científico, que se supõe autêntico, resulta ser relativo,
posto que ele também crê na existência de um
elemento subjetivo, mesmo que nas percepções
científicas34 . Novamente caberia citar aqui o
celebrado exemplo da epistemologia vedântica. Em
uma noite escura um homem vê um tronco de uma
árvore e é possível que ele pense ser um ladrão, ou
um amigo ou um policial, segundo as idéias pré-
concebidas de sua mente,. Por isto, o exame crítico
se faz necessário em todas estas formas de cognição
e conhecimento.
A indução e dedução são os
métodos de inferência e todos os homens da ciência
moderna se servem deles. No método indutivo parte-
se de fatos particulares para alcançar conclusões
gerais. Quase todos os investigadores usam direta ou
34
A. S. Eddington, Philsophy of Physical Science (New York: Macmillan
Co., 1929).
25
indiretamente os métodos da inferência como meios
para a cognição.
A epistimologia e a psicologia
vedântica da Índia, também aceitam a comparação, a
postulação e a não-percepção como meios de adquirir
novos conhecimentos. No entanto não nos deteremos
aqui para analisar estes pontos, já que não se acham
vitalmente relacionados com a ciência da psicologia.
É a epistemologia a ciência que se ocupa deste
estudo.
Entretanto, faremos uma rápida
consideração da questão a qual fizemos referência
nas primeiras páginas, com respeito a validez do
conhecimento. Como também neste caso trata-se de
um tema essencialmente relacionado com a
epistemologia, não nos deteremos em examinar
detalhadamente o verdadeiro critério do conhecimento
ou a cognição. Nenhum filósofo ou psicólogo pode
deixar de por em dúvida a validez do conhecimento.
Em conseqüência, formularemos concisamente
algumas proposições das escolas filosóficas hindus.
Alguns pensadores, tais como os pragmatistas norte-
americanos, consideram que o conhecimento é um
feito da verdadeira cognição quando possui valor
prático; a medida do conhecimento real depende,
assim, de sua aplicação prática na vida. Segundo esta
corrente, podemos aceitar uma hipótese e elaborar
certos esquemas que possam ter valor prático.
Entretanto, a hipótese pode não ser certa, pois é
possível que descobrimentos e percepções
posteriores a refutem. Por exemplo, a teoria
astronômica de rotação solar foi posteriormente
refutada pelo descobrimento da rotação da terra; e
entretanto, para muitos fins práticos, resultaram de
grande utilidade aos cálculos astronômicos realizados
25

pelas gerações anteriores, sobre a base daquela
teoria.
Existe entre os pensadores realistas
hindus e ocidentais quem sustente que a cognição é
verdadeira quando corresponde a fatos reais. Isto
exige, por sua vez, esclarecer o que se entende como
conceito do “real”. Quando vivemos em certo plano de
existência, as coisas podem parecer reais; mas
quando nos vemos transportados a outros planos de
existência, aquelas mesmas coisas que pareciam
reais tornam-se irreais. Quando uma pessoa enferma
de icterícia olha determinados objetos, estes parecem
de cor amarela. Enquanto durar a enfermidade, as
percepções do paciente são desta cor. As
discriminações e diferenciações raciais se baseiam
freqüentemente nas opiniões e pré-julgamento
daqueles que se encontrem no mesmo plano de
existência ou que possuem idéias e interesses afins.
Ainda que as opiniões e pré-julgamentos possam não
estar realmente baseados nos fatos, considera-os
“reais” e, em conseqüência, outras pessoas se
ajustam aos mesmos modos de compreensão e
conduta. Quando um homem sonha, as experiências
oníricas também são reais, enquanto dure o sonho.
Existe, deste modo, outro ponto de
vista compartilhado pelos pensadores hindus e
ocidentais, no sentido de que o conhecimento e a
cognição devem mostrar-se congruentes com outras
experiências, significa dizer, em harmonia com os
outros estados de vida e experiências. Esta idéia
também pode ser colocada em questão, de acordo
com os mesmos argumentos apresentados contra o
ponto de vista anterior, a saber, a teoria da
correspondência do conhecimento. O teste vedântico
do conhecimento exige que nunca seja refutado, pois
considera que o conhecimento ou a cognição
26
verdadeiros devem consistir em algo novo e livre de
toda contradição
As alucinações, os sonhos e as percepções ordinárias
da vigília tem certo valor cognoscitivo, pese ao qual
as alucinações e os sonhos se desvanecem quando
entra em ação o estado cognoscitivo de vigília. De
modo semelhante, quando um homem se eleva ao
estado supraconsciente (samadhi) ou ao quarto
estado da consciência - que descreveremos em um
dos últimos capítulos - as experiências da vigília, é
dizer, nossas percepções sensórias ordinárias ou
outras semelhantes são refutadas pelas novas
experiências. Isto não significa que a psicologia hindu
considere as alucinações como as cognições da
vigília. Quer dizer, tão somente, que as cognições da
vigília são de valor relativo, tal como afirma o
professor Eddington em sua obra A filosofia da
ciência física. O único conhecimento último, livre de
contradições e unitário, é o que se alcança ao lograr a
compreensão espiritual (samadhi). Todo o relativo a
afeição pelos distintos tipos de cognição caem dentro
do domínio da epistemologia propriamente dita. E,
para não duvidar, requereria por si só um volume
independente. Entretanto, ao ocuparmos da
psicologia propriamente dita, devemos compreender o
critério da verdadeira cognição.
As funções mentais que operam
sobe a forma de cognição, exercem uma considerável
influência sobre o organismo, segundo veremos no
próximo capítulo, que versa sobre a emoção. Os
estados e processos da mente, ainda que assumam
ou não a forma da cognição, a emoção ou volição (ato
pela qual a vontade se determina a alguma coisa),
exercem uma tremenda influência sobre a mente
mesma, e também sobre o corpo. Ainda que, estas
três funções se achem interrelacionadas, a temos
26
 27
estudadas separadamente para facilitar a
compreensão.

27

CAPÍTULO III
EMOÇÃO
Em nossa análise anterior dos
processos da cognição ou conhecimento dissemos
que todo ato cognoscitivo tem uma resposta dentro da
mente. Ao mesmo tempo, o conhecimento se acha
indissoluvelmente vinculado a reação emocional
interior, pois não é possível separar o conhecimento
de seu conteúdo emocional. Esse é o propósito de
nosso exame, considerar os fatores inerentes a mente
humana que condicionam a reação do homem ao seu
meio ambiente; e estudar, até mesmo, a forma em
que estes fatores podem converter-se em elementos
construtivos para a adaptação de uma dada pessoa a
seu meio, contribuindo para sua felicidade.
Além da cognição, possuímos
inclinações ou impulsos primitivos. O homem não
somente possui experiências emocionais, resultantes
de sensações externas, como também apresenta
impulsos primitivos independentes de toda a
sensação ou percepção. Alguns psicólogos
ocidentais, como por exemplo, o professor William
James e C. G. Lange, chegaram a conclusão que as
emoções, em geral, teriam sua origem nas sensações
ou percepções. Também admitiram, por outro lado, a
existência de impulsos e instintos primitivos
Em primeiro lugar trataremos de
compreender todas as reações emocionais da mente
humana. O interesse que nos move não é teórico,
posto que contém em seu interior uma importância
vital para a vida e a conduta humana. Não é possível
28
compreender o comportamento do homem se não
entendermos os recursos internos de seus atos. Estes
fatores internos são os que os grandes psicólogos
chamam de impulsos instintivos ou primitivos. São
eles as forças propulsoras da vida e da atividade do
homem. Por conseguinte, trata-se de conhecer não
somente nossas próprias forças propulsoras, senão
também as que governam a conduta dos demais
indivíduos.
O estudo das emoções humanas
contém em si, segundo dissemos, considerável valor
prático. Além disso, é mais fácil compreender que a
vida normal de um homem não pode achar-se bem
assentada, a menos que esta possua uma
compreensão adequada e faça um uso correto das
suas diversas emoções. Vejamos agora rapidamente
os cinco impulsos primitivos ou emoções que se
observam nos seres humanos. 35 Talvez se considere
arbitrária nossa classificação das emoções, pois
geralmente se admite que guardam uma estreita
relação entre si e com as demais emoções; entretanto
para facilitar a compreensão concreta de nossa vida
emocional mencionaremos cinco grandes impulsos
específicos:
1) Em primeiro lugar observamos a
existência de um impulso inerente a todo ser humano,
que denominamos de autoconservação. Trata-se,
sem duvida, de um impulso de fundamental
importância, que gera múltiplas emoções secundárias
que caberia chamar de emoções antecipatórias e
35
OS diversos pensadores classificam as emoções de maneiras diferentes.
É interessante destacar que Willian I. Thomas e Florian Znaniecki
mencionam quatro desejos principais no homem: 1) experiências novas; 2)
segurança; 3) resposta; 4) reconhecimento. Ver Willian I. Thomas e Florian
Znaniecki, The Polish Peasant in Europe and America. Vol. III. Life
Record of Inmigrant (Boston: Richard G. Bagder, The Gorham Press,
1919), especialmente págs. 33 e 57.
28

retrospectivas, a saber: apreensão, ansiedade, temor,
etc.. Em todo animal pode ser observado uma boa
dose destes impulsos de autoconservação; até as
crianças mostram estes instintos antes de saber
alguma coisa a respeito de seu próprio ser, ou do
meio que as rodeia.
2) Também temos de considerar o
impulso para a autoexpressão. Não só lutamos para
prolongar nossas existências, como também para
expressarmos. Se nos faltam as saídas adequadas
para autoexpressarnos, nós sumimos em uma
condição miserável. Também comprovamos que se
este impulso particular estiver exageradamente
desenvolvido, pode perturbar consideravelmente
nossas vidas. A autoexpressão vai associada com
uma quantidade de impulsos distintos; tais como, a
agressividade e a submissão.
3) O impulso sexual se converte em
vigorosa força de motivação de distintas atividades,
em todos os seres. Não somente desejamos
expressarmos, como também queremos perpetuar a
nossa existência em nossos filhos e manter a raça
para que se perdure. Na expressão deste impulso há
um certo grau de prazer. O impulso sexual esta
associado ao amor, a simpatia, o afeto, a inveja, os
ciúmes e muitas outras emoções secundárias, tanto
antecipatórias como retrospectivas.
4) Como resultado do impulso
gregário ou desejo de companhia, aos seres humanos
resulta difícil viver sozinho, preferindo a companhia de
seus congêneres. Quando não conseguem
autoexpressar-se nem dar expressão a suas emoções
de amor, afeto ou simpatia, se sentem sufocados.
Muitas pessoas experimentam uma solidão extrema
quando carecem de uma válvula de escape para suas
emoções. Alguns pensadores opinam que o homem
29
busca companhia movido pela autoconservação, para
poder livrar sua batalha pela vida e experimentar
distintos tipos de prazer junto com seus semelhantes.
Segundo eles, este impulso não seria então, senão
um aspecto da autoconservação. Quando
aprofundamos no estudo dos seres humanos,
achamos que o instinto gregário constitui um instinto
independente. As emoções secundárias que o
acompanham são o amor, a inveja, os ciúmes e
demais respostas semelhantes.
5) Com o impulso do conhecimento o
homem revela sua necessidade de conhecer, não só
seu próprio ser e todos os desejos que abriga, senão
também o meio que o rodeia, as demais pessoas e a
natureza em geral. Não é que tenhamos adquirido
este impulso quando iniciada a civilização, pelo
contrário, trata-se de uma qualidade intrínseca da
psique. Este impulso do conhecimento também
penetra nas emoções secundárias. Já vimos no
capítulo anterior que o elemento do conhecimento se
dá de diversas formas, não só no homem - civilizado
ou selvagem - senão também nos animais.
Estes cinco impulsos primitivos não
são entidades autônomas, portanto nem sempre
operam em forma independente e separada. Muitas
vezes se acham vinculadas a outras emoções; tal é o
caso, por exemplo, do impulso primitivo de
autoconservação, que bem pode ser associado com o
temor e a ansiedade. Não sabemos quantas pessoas
possuem um complexo peculiar de temor a
fantasmas. O exemplo parece gracioso, mas nem por
isso é menos útil. Sabemos que a ridícula emoção
corresponde ao temor aos fantasmas engendra
muitas outras emoções diferentes. A maioria das
pessoas já ouviu falar de fantasmas e têm certas
idéias a respeito. Quando uma pessoa entra em uma
29

casa escura e abandonada, especialmente depois de
alguma desgraça ou morte recente, começa a sentir-
se incomodada e nervosa. Se ao abrir a porta escutar
um ruído, o sujeito chega imediatamente a conclusão
de que alguém anda caminhando pelo interior, e o
primeiro impulso é virar de costas e sair correndo.
Sabemos de casos que efetivamente o sujeito saiu
correndo, não somente na Índia, mas aqui mesmo,
em populosas cidades americanas. Recordamos, por
exemplo, o caso de certas pessoas que tiveram um
susto semelhante. Ao serem interrogadas,
comprovou-se que os pisos faziam ruídos devido aos
tipos de construção e da dilatação provocada pelo
calor. Quando os sujeitos souberam que não se
tratava de um fantasma, senão tão somente do calor,
deram muitas risadas, dando rédeas soltas a emoção
da alegria, pois compreenderam quão tontos haviam
sidos ao pensar na possibilidade da presença real de
um fantasma na casa em questão.
Primeiro experimentamos temor, logo
curiosidade e finalmente prazer, segundo uma série
de emoções conforme o gênero da nossas
experiências. É difícil separar estes impulsos
primitivos das emoções secundárias; com efeito, se
acham por assim dizer, encadeadas. Todos os
impulsos primitivos estão associados com outras
emoções, tais como o temor, a alegria, a risada, a
ansiedade, a apreensão e o remorso. As vezes nos
damos conta da presença destas emoções e impulsos
primários e secundários que nos assaltam. Quando
estamos preocupados, ao percebermos isto
provocamos o surgimento de certas desordens em
nossas mentes; a conduta se altera e a consciência
começa a nos atormentar. Nos perguntamos então,
porque experimentamos estas apreensões,
preocupações e ansiedades, pois sabemos que por
30
sua causa freqüentemente arruinamos o sistema
nervoso. Como resultado, nos arrependemos de
havermos permitido essas expressões emocionais
capazes de fazer por terra nossos bens. Ao contrário,
se logramos controlar-nos nos diverte a idéia de que
podemos ser bastante tontos para arruinarmos a nós
mesmo. Deste modo, as emoções acionam e
reacionam criando múltiplos subprodutos sobe a
forma de doenças e transtornos funcionais. Quando
estas emoções primitivas perdem o equilíbrio
adequado e geram intensas emoções secundárias,
produzem então um conflito em nossas vidas.
Nos seres humanos estamos dotados
de idéias superiores e somos capazes de apreciar
neste sentido o que devemos ou não devemos fazer.
Consideremos o ciúmes, por exemplo. Suponhamos
que sentimos um grande afeto por determinada
pessoa. Então, aparece um terceiro que experimenta
uma afeto similar e assim desperta o ciúmes em nós.
Neste ponto, não podemos deixar de narrar um fato
que tivemos a oportunidade de observar neste país,
mas confiamos que este não ofenderá os leitores.
Parece que algumas pessoas possuem idéias muito
particulares sobre se uma pessoa deve ou não amar
somente a uma pessoa. Freqüentemente perguntam-
se: Pode um mestre religioso ter mais de um
discípulo A nós orientais, uma pergunta deste tipo
nos resulta desconcertante, tal como se sucederia
com um professor americano se lhe perguntassem se
poderia ou não ter mais de um aluno. Cremos que
qualquer mestre ou professor colocado nesta situação
se sentiria sumamente afrontado.
Infelizmente, temos podido comprovar que muitos
membros de organizações pseudo-religiosas parecem
crer que os mestres somente podem ter um discípulo.
E assim, os demais se sentem profundamente
30

ciumentos do aluno ou grupos de alunos associados a
um mestre espiritual. Para um hindu isto é cômico, e,
a nosso juízo, outro tanto ocorreria com todos os
demais orientais. Entretanto, semelhante concepção
do mestre religioso dista de ter fundamento nos fatos
certos. Não é tarefa nossa esclarecer se o princípio é
válido ou não, mas diremos que, quando uma pessoa
trata de estudar filosofia com a errônea idéia de que o
mestre somente pode ter um discípulo ou um grupo
limitado, sentimos como um incômodo esta questão.
E devido aos referidos sentimentos a auto-estima do
sujeito provoca um conflito em sua mente, ao exigir
que se reprima o ciúmes por esta pessoa, por tratar-
se de um discípulo de um mestre particular. Nossa
filosofia espiritual ou disciplina mística nos tem
convencido de que devemos expressar os ciúmes e a
inveja se desejamos ser espirituais. Isto provoca em
nós um conflito natural. De igual modo, a
desconfiança e outras emoções secundárias também
engendram formas extremas de desordens mentais e
nervosas, alterando nossa conduta.
Suponhamos que vemos ou ouvimos
uma quantidade de coisas desagradáveis
relacionadas com uma pessoa a quem invejamos. É
possível então que comentemos: “Sim, é muito
agradável, mas não sabe se vestir. É rude e age
assim ou assado”. Nós conhecemos uma pessoa
muito interessante, um homem eminente, que tem
uma profunda inveja de um dos seus colegas. Ao
mesmo tempo sabe que não pode dar nenhuma
mostra de ciúme, posto que, isto não convém a um
homem de sua qualidade. Este conflito tem toda a sua
conduta, impulsionando-o a utilizar expressões
indiretas para rebaixar a pessoa invejosa. Temos tido
oportunidade de observar este fenômeno
reiteradamente e podemos dizer que se trata de algo
31
extremamente lamentável. O indivíduo de nosso
exemplo padece do efeito do conflito emocional em
sua psique, em sua conduta e em seu organismo.
Ultimamente tornou-se neurótico e sofre sérios
transtornos funcionais.
Os psicólogos da escola de Freud
pensam que somente se produzem conflitos ou
frustrações em torno do impulso do sexo ou do
prazer. Os adlerianos, crêem ao contrário, que os
conflitos e frustrações derivam do impulso de
autoexpressão ou de poder. De nossa parte,
consideramos que ambos distam da verdade. Este
autores tratam de associar o conflito com uma
emoção específica que convertem, deste modo, em
um impulso capital. Mas a investigação e estudos
posteriores comprovaram que estes fatos não eram
corretos. Conhecemos um interessante psiquiatra que
se submeteu a ser psicoanalisado pelos freudianos e
estes interpretaram seu caso em função dos impulsos
sexuais. Adler também o psicoanalisou e tratou de
explicar suas dificuldades atribuindo-as a um conflito
de autoexpressão. O resultado destes exames foi
que o sujeito não se convenceu nem de um nem de
outro. Nós tivemos oportunidade de estudar
detidamente este caso, e nossa impressão é de que a
fonte de suas perturbações reside em um gênero de
insatisfações por carecer de uma sã filosofia de vida.
Os fatores de autoconservação, conhecimento e
espirito gregário operam simultaneamente na mente
humana e qualquer um destes instintos pode ser a
fonte dos diversos conflitos e frustrações.
Os pais de um jovem o convenceram
que deveria seguir a carreira de engenheiro. Teve um
êxito considerável, mas apesar da posição alcançada,
não se sentia feliz, e começou a sofrer de doenças
funcionais. Descobriu-se então que o tipo de profissão
31

a qual havia sido imposta não era apropriada para sua
natureza íntima. Havia dado o máximo de sua
capacidade, mas sem obter em troca a menor
satisfação. O mesmo ocorria no caso do psiquiatra
anteriormente mencionado: sua profissão não bastava
para satisfazer sua natureza íntima, e assim
começaram a surgir diversos sintomas funcionais e
perturbações mentais. Não será demais esclarecer
que até então tinha tido êxito em sua profissão,
gozava de uma sólida posição social, seu casamento
e seus filhos eram normais.
De modo semelhante, é comum o
caso de pessoas que sofrem de conflitos criados pelo
impulso do conhecimento. Todas estas emoções
podem gerar conflitos e produzir transtornos
funcionais. Estes impulsos primitivos e emoções
secundárias, tanto antecipatórias como retrospectivas
podem exercer sérios efeitos sobre o organismo.
Comprovou-se que as emoções secundárias da
preocupação e do remorso provocam desordens
nervosas. Deste modo, estas emoções podem ser as
causas da enxaqueca, desordens do coração e todo o
tipo de dores físicas. Pouco sabemos sobre a forma
de como estas perturbações interiores provocam as
perturbações físicas. Vejamos o que disse à respeito
o Dr. Joseph H. Pratt, do estabelecimento de
beneficência de Boston:
“O Dr. Golden, médico da clínica
do dispensário de Boston, estudou o efeito
da sugestão sobre umas 300 pessoas com
dores. Freqüentemente a dor era contínua e
intensa durante várias semanas ou meses.
Seu procedimento era introduzir uma
agulha hipodérmica esterilizada em iodo,
acoplada a uma seringa vazia na pele da
32
área dolorida. O Dr. Golden não dizia ao
paciente que iria curar a dor. Entretanto
preparava a agulha na frente do paciente,
comentava em voz baixa com a enfermeira,
em um tom suficiente para que o paciente
pudesse ouvi-lo, foi surpreendente a
eficácia do procedimento pois no prazo de
um à dois minutos curava toda as classes
de dores em 90% dos casos apresentados.
Ao fim de 30 segundos, perguntava como
se sentiam naquele momento e anotava as
respostas. Depois de outros 30 segundos
repetia a mesma pergunta. Geralmente o
paciente declarava que na primeira vez a
dor havia diminuído, e na segunda ao fim
de dois minutos, de que havia desaparecido
completamente. Ao redor da metade dos
casos, a dor voltou em 24 horas após
empregado o tratamento por sugestão, mas
em determinados casos o alívio completo
da dor perdurou semanas, e em casos
excepcionais meses inteiros.”
“O trabalho de Dr. Gordon indica ao
que parece, que são comuns as dores de origem
psíquica, e tem demonstrado ao que parece que
estas dores freqüentemente em pessoas que não
apresentam nenhum sinal evidente de histeria ou
nervosismo. Parece justificada a conclusão de que
aquelas dores que são eliminadas de imediato com o
tratamento mental, são provavelmente mais de
origem mental que física, ainda que em ocasiões
temos visto que a dor orgânica foi eliminada com o
procedimento do Dr. Golden: em um caso, em
particular, tratava-se de uma pleurisia aguda e em um
32

outro uma dor epigástrica, em um paciente que tinha
úlcera péptica que mais tarde resultou perfurada.”36
Um eminente homem da ciência me
contou um interessante caso demonstrativo de como
o medo pode paralisar uma pessoa. Um homem de
negócios saiu em viagem de prazer com uma amiga,
quando voltava foi surpreendido por uma forte
nevasca. A tempestade foi tão violenta que o homem
perdeu as esperanças de voltar a sua casa são e
salvo. Temia comprometer sua reputação e entrar em
dificuldades. Quando chegou a sua casa aconteceu
de ficar paralisado, sem poder descer do carro. E
todas as tentativas medicas de curá-lo não tiveram
êxito; nem mesmo o tratamento psiquiátrico
conseguiu devolver a normalidade. Entretanto, algum
tempo depois achou a procurada cura mediante a
orações e outros métodos espirituais. O pesquisador
que me contou este caso opina que o homem se
recuperou quando o medo e as apreensões de
diversos tipos, incluindo sua consciência culpada e
pecaminosa, foram desalojadas da sua mente, não
sobrando então nenhum rastro de paralisia.
Outra pessoa sofria há muito tempo
de dor de ouvido e havia sido examinado por vários
especialistas. O último diagnóstico de um grande
médico declarava que as perturbações emocionais, a
insatisfação e a falta de felicidade haviam afetado as
glândulas e o sistema circulatório do paciente. Destas
alterações resultava a dor de ouvido. Segundo o
especialista o paciente somente poderia curar-se
quando encontra-se satisfação emocional.
Posteriormente observou-se que ele sentia-se bem
quando se achava em paz, longe de todo fator de
perturbação.
36
Joseph H. Pratt, The influence of Emotions in Causation and Cure of
Psychoneuroses (Filadelfia: J. B. Lippincott Co., 1934), pags 9-10 .
33
O Dr. Pratt informa que as dores de
dente e outras doenças similares se originam na vida
emocional do indivíduo. Isto não significa que a dor de
dente seja imaginária, senão que a apreensão, as
preocupações, os desgostos, os ciúmes e a ira
perturbam o funcionamento normal dos nervos,
gerando distintos transtornos. O Dr. Alexander tem
efetuado interessantes observações com respeito as
desordens psicossomáticas. 37 Atualmente a maioria
dos médicos mais destacados estão plenamente
convencidos de que a maior parte de nossas doenças
físicas, são em sua origem, desordens funcionais. O
Dr. Elihu S. Wing, presidente da sociedade Médica de
Rhode Island, freqüentemente diagnostifica
desordens e transtornos funcionais psicógenos,
tratando cada caso em conseqüência. Como
terapêutica, aconselha-se decididamente a adoção de
uma sã filosofia de vida para lograr a conseqüente
estabilidade mental, que sempre resulta em um
auxiliar inestimável nos casos funcionais. Ademais,
Wing e outros médicos descobriram que até as
dificuldades glandulares, como a atividade excessiva
das tiróides e outras glândulas, obedecem a fatores
emocionais ou são intensificados por estes. Sabemos
que muitos outros médicos seguem este método, e
ajudam aos pacientes favorecendo sua adaptação e
estabilidade mental. Na realidade, conhecemos de
perto os diagnósticos realizados por alguns médicos
mais eminentes, e podemos afirmar que em todos
eles se sugere decididamente a adoção deste método
no caso de doenças funcionais.
Quando a mente se vê envolvida em
dificuldades, devido aos choques de tendências
opostas, em conseqüência dessa desarmonia e
inquietude, todo o sistema nervoso se altera e deixa
37
Alexander, The Medical Value os Psychoanalisis, pags 188-98.
33

de funcionar adequadamente. Também as glândulas
e o sistema circulatório se vêm afetados e então
surgem como resultado, múltiplas enfermidades:
dispepsia, enxaqueca, indigestão, etc., que podem
facilmente tornar-se crônicas. Talvez surpreenda a
muitas pessoas saber que alguns casos cirúrgicos
resultam ser de origem funcional, e que, se
descobertos a tempo, poderiam ter sido tratados e
curados sem a intervenção cirúrgica.
Alguns anos atrás, tivemos uma
interessante experiência quando entrevistamos um
grande cirurgião de Boston, sobre um paciente
classificado entre os casos cirúrgicos. Alguns médicos
haviam diagnosticado uma úlcera aguda do duodeno.
O cirurgião de Boston após examinar o paciente e
analisar as radiografias, chegou a conclusão de que
este caso era na realidade funcional, posteriormente
os fatos deram-no razão. Naquela oportunidade havia
um cirurgião que estava firmemente determinado a
operar, ao contrário da opinião do nosso médico de
Boston. “Swami” - disse-me - “nada me impede de
operar este homem, porém seria uma crueldade fazê-
lo. Certamente que após a operação ele se sentira
bem por alguns dias. E enquanto estiver no hospital e
impossibilitado de reassumir suas atividades normais,
tudo estará normal, mas nem bem se reintegre nas
suas tarefas de rotina, voltará a sentir os mesmos
transtornos. Em outras palavras: enquanto
permanecer em repouso, sua mente estará tranqüila e
não terá nenhuma dificuldade; mas apenas tente fazer
seu trabalho habitual, sua mente se verá perturbada e
voltarão o velhos sintomas. De modo, Swami, que
devesse ensiná-lo a viver.” Seria possível não
aceitar o conselho de um cirurgião eminente, relativo
a um paciente que havia sido considerado um caso
34
cirúrgico. Suas palavras: “ensine-lhe a viver”, são
altamente significativas.
Com outro cirurgião de Boston,
conhecido especialista em câncer e outras
enfermidades malignas - talvez o médico ocidental
mais destacado neste ramo da ciência - tivemos uma
experiência similar. Também aqui se supunha que
estava diante de um caso cirúrgico, apesar do qual
disse-me categoricamente que para ele não se tratava
de um caso de câncer, mas tão somente de um caso
funcional. Em outras palavras: como em outros
tantos casos, tratava-se aqui, uma vez mais, de um
transtorno nervoso. Então o médico em questão
aconselhou o paciente a fortalecer sua psique. E
explicou-lhe que quando o sistema nervoso estiver
sob o seu controle e o estivesse fortalecido,
desapareceram os sintomas patológicos. Deste dois
exemplos e muitos outros casos, é lícito concluir que
são válidas a afirmações de muitos psicoterapeutas e
psiquiatras com respeito a este tipo de cura.
Toda a emoção determina uma
reação no sistema nervoso. Por exemplo, o amor, a
simpatia, o afeto ou as elevadas emoções espirituais,
produzem uma reação de prazer. Por acaso não
temos observado, que quando uma mãe que se acha
muito irritada e quando encontra com uma criança
doce e sorridente, transfigura-se toda sua expressão
facial. Também temos podido comprovar que ao
nos achar-nos na presença de uma singular
personalidade espiritual, todo o organismo parece
refrescar-se. Em certas ocasiões temos visto
pessoas carregadas de pesares e transtornos, e
quando próximas a pessoas espirituais sentem-se
curadas. Bastam para eles umas poucas palavras.
Em suma o santo dizia: “Como se sente”. Ou
“Adiante, passe”, agregando em alguns casos um
34

bondoso aceno de benção. É quase impossível crer
que ocorram estas coisas; mas o certo é que
muitíssimas vezes a presença serena e sorridente do
mestre foi o bastante para curar uma enfermidade,
graças ao consecutivo aplacamento de todos os
nervos.
Tampouco não é certo que quando
comemos devemos achar-nos em uma atmosfera
feliz, evitando qualquer motivo de excitação. E para
facilitar a digestão é conveniente falar de coisas
agradáveis. Desta forma, os nervos funcionam
adequadamente e o organismo permanece tranqüilo.
Pelo contrário, quando experimentamos emoções
violentas, todos o corpo começa a tremer: a um estalo
de ira segue uma agitação geral no corpo, gerando
toxinas e a digestão já não se realizará normalmente.
Reiteradamente temos visto como se
deteriora mais de uma vida por conflitos emocionais.
A parte do conflito, as emoções também provocam
doenças funcionais e perturbações mentais, quando
falta o equilibro necessário. É interessante advertir
que a mente humana possui certas faculdades para
estabelecer um conjunto de harmonia entre as
emoções primitivas. Uma pessoa normal é aquela
cujas emoções se encontram bem equilibradas.
Entretanto, como sempre existe o perigo de neuroses,
devemos manter-nos constantemente alertas, afim
de não perder o equilíbrio mental. Quando se
apresenta um conflito ou um impulso emocional
sumamente intenso, freqüentemente tratamos de
reprimi-lo, seja por nosso sentimento de auto estima
ou por outras razões.
Muitos discípulos de Freud e até o
próprio Lord Russel procuraram persuadir-nos de que
a repressão, de modo geral, obedece os chamados
ensinamentos éticos religiosos. Existem os que
35
parecem crer que as pregações religiosas são as
causas das repressões; outros opinam que a mente
trata de reprimir as emoções ou experiências penosas
; enquanto um terceiro grupo acha que não é somente
a sensação de algo penoso o que causa a repressão,
senão o sentido de respeitabilidade, auto estima e
outras idéias semelhantes. Entretanto, podemos
concluir sem temor de errar que é nossa natureza
mesma que nos impulsiona a reprimir as emoções ou
instintos desagradáveis ou inconvenientes; e se
observarmos que nossos sentimentos começam a
escapar do nosso controle, então tratamos de reprimi-
los. Estas repressões podem ser do tipo voluntárias
ou involuntárias.
Um psiquiatra nos narrou um
interessante caso de seu filho, que foi oficial durante a
Primeira Guerra Mundial. Sempre que era designado
a dirigir uma operação especial, senti-se quase
paralisado. Tais eram seus nervos, que não podia
pronunciar uma palavra nem governar seus músculos.
O que mais o paralisava era o medo do medo, quer
dizer, o temor de que os outros percebessem sua
covardia. Depois de alguns momentos, de uma ou
outra maneira ele recobrava suas forças; isto se
sucedia a cada vez que lhe confiavam uma missão
secreta. Neste caso, o medo era tão dominante que o
sujeito se esforçava para reprimi-lo, apesar do qual, o
efeito paralisaste subsistia.
É verdade comprovada que a
repressão das emoções é prejudicial e cria
transtornos funcionais. Em terreno similar, muitas
pessoas adotam outro tipo de defesa. Como querem
ocultar suas verdadeiras emoções, então optam por
exteriorizar outras atitudes. Inclusive algumas
pessoas, desenvolvem o processo conhecido com o
nome de substituição. Por exemplo, experimentam
35

uma intensa emoção sexual ou de autoexpressão que
tratam de substituir com alguma tarefa criadora no
campo da arte, pintura ou outras atividades
semelhantes. Ou bem sublimam sua emoção
particular através da música ou das artes em geral.
Comprova-se, no entanto, que estes métodos nem
sempre têm êxito. Efetivamente, quando se conjugam
as condições ambientais adequadas, os impulsos
originários recobram sua vigência. Então, todas as
barreiras, defesas ou trincheiras, por assim dizer, são
totalmente banidas. Freqüentemente se observa que
quando a correnteza de um rio aumenta as águas
causam estragos, arrastando qualquer muro de
contenção. De modo semelhante, estes impulsos
emocionais as vezes tornam-se tão fortes, que se
apresentado os estímulos necessários e o meio
favorável, qualquer método de substituição ou
sublimação resultará inoperante.
Os psicólogos hindus e, em geral,
todos os guias espirituais do mundo, aconselham o
uso do autodomínio. Isto não significa repreensão,
entretanto, como muitos psiquiatras e racionalistas
parecem entender. O Autodomínio se baseia, na
compreensão e no emprego de valores superiores da
vida. Os estóicos aconselhavam controlar certas
tendências e condições, por considerá-las
indesejáveis; pese ao qual as vezes sentirem
desarmados diante delas. O verdadeiro espírito de
auto domínio, tal como propiciamos aqui, se acha
baseado, ao contrário, em valores mudáveis da vida.
Quando um homem descobre um alimento melhor, já
não se interessa por comer um de qualidade inferior.
De igual modo, quando a mente se acostuma a
desfrutar de valores superiores, tal como a
compreensão e a visão espiritual, já não se interessa
36
pelas tendências inferiores ou impulsos e instintos
humanos.
Alguns psicólogos ocidentais, como
por exemplo Dr. MacDougall e outros, parecem
pensar que os instintos são inalteráveis. É certo que
os impulsos instintivos são inerentes aos animais;
mas, ao opinar, estes autores não se dão conta de
que o homem, pese a sua natureza animal, alcançou
um maior grau de evolução. Atualmente o homem não
vive no plano instintivo; e suas conquistas intelectuais
provam que pode superar alguns impulsos instintivos,
graças as atitudes intelectuais superiores. Também
observamos que o homem possui uma natureza
superior e, ainda, uma natureza espiritual que inclui
os valores morais. Quando um homem evolui no
plano espiritual, então seus instintos e impulsos
primários mudam por completo. Sri Ramakrhisna, o
grande guia espiritual da Índia moderna, deu um
exemplo adequado a este sentido: “quando brotam as
folhas novas da palmeira, as velhas caem sem fazer
nenhum dano a planta”. De modo semelhante,
quando a natureza espiritual do homem evolui até as
formas de amor, de generosidade, do sacrifício e
demais tendências nobres, desaparecem seus
instintos primitivos. Em realidade, depois deste
processo, seus instintos mudam por completo. Não
será demais dizer que a natureza instintiva de um
animal muda após ter sido domesticado e mantido no
meio de uma atmosfera espiritual e harmoniosa.
Sabemos do caso de um cachorro e um cervo que
chegaram a conviver pacificamente em um lugar
espiritual habitado por diversas pessoas elevadas
espiritualmente, sem expressar sua hostilidade
natural. Efetivamente, venceram completamente
seus instintos primitivos e viveram sempre como bons
amigos. Também sabemos de um gato e um rato que
36

viveram em um mesmo lugar sem mostrar nenhuma
hostilidade instintiva. Muitos animais domésticos
perdem seus impulsos primitivos quando se domina e
mantém-nos no meio de uma atmosfera harmoniosa.
Até os animais ferozes mudam sua temível natureza
sobe a influência de grandes personalidades
espirituais; é o caso, por exemplo de São Francisco
de Assis e também de alguns grandes mestres
hindus.
“Morrer para viver” significa sobrepor-
se ao Eu inferior das emoções, afim de manifestar a
natureza superior e valores mais elevados da vida.
Então, o ser se expande deixando-se absorver pelas
fases superiores da experiência. Em conseqüência
isto determina a morte das tendências inferiores. O
espírito de autodomínio pode compreender-se
claramente se é considerada a evolução da natureza
humana. As crianças, sem dúvida, gostam dos
brinquedos; mas, uma vez adultos, encontram em
outras atividades uma satisfação muito maior que
achavam naquelas expressões emocionais primitivas.
Quando uma pessoa cresce, busca os valores mais
altos da cultura espiritual, sobe a forma de amor, da
generosidade e demais ideais elevados. Então, sua
natureza sofre uma transformação. Quando um
homem pensa e atua constantemente nos planos
superiores da existência, e manifesta em suas
atividades valores também superiores, e quando
alcança o estado da divina compreensão, seu sistema
total muda e se transforma por completo.
Naturalmente, é necessário controlar as atitudes
egoístas, se desejar expandir-se gradualmente até
uma maior universalidade. Os seres humanos
possuem uma relação peculiar com Deus; e até não
ter compreendido claramente este vínculo não
encontrará paz. O homem tem uma tendência
37
intrínseca para o universal. “A alegria esta no infinito,
não no finito”, afirma-se sabiamente nos Upanishads,
e isto explica porque nenhum homem pode deixar de
buscar um certo desenvolvimento religioso.
Conhecendo estes princípios básicos da natureza
humana, não podemos concluir, pois que, o
autodomínio tenha de assumir a forma de repressão.
O impulso mais sobressalente dos
seres humanos é a busca do espírito perpétuo ou
Deus. Existe um desejo intrínseco em todo homem
de experimentar o espírito perpétuo, e até não
alcançar esta meta, não pode aspirar a uma
verdadeira paz espiritual. Talvez isto pareça
determinante, mas quando pensamos em Deus,
comprovamos que os instintos primitivos se
submetem ante o mais imperioso da bem aventurada.
Assim podemos experimentar um intenso desejo de
autoexpressarmos, ou bem podemos trabalhar sobe a
influência de qualquer outro impulso, e no entanto,
uma vez realizado, não nos sentimos satisfeitos. O
famoso médico e psiquiatra que mencionamos mais
acima, se destaca em sua profissão, dispõe de toda a
classe de comodidades e possui uma bela família;
mas tudo isto não basta para fazê-lo feliz. Todos
sabemos e temos comprovado reiteradamente que,
quando um homem obtém êxito, freqüentemente, no
mais profundo do seu íntimo, não se acha satisfeito.
Até não haver dado ao impulso íntimo
para a bem-aventurança, não pode aspirar da vida a
obtenção de nenhuma satisfação. De igual modo,
não há nenhum outro método para sanar
satisfatoriamente as frustrações. Lamentavelmente,
não nos damos conta de que na alma possuímos uma
fonte de bem-aventurança. Vamos de um lado para
outro buscando a autoexpressão e a autoconservação
e não vemos o que nós mais ansiamos, o levarmos
37
 38
dentro de nós mesmos. Sri Ramakrishina ilustra o
caso com um interessante exemplo. O almiscareiro
segrega almíscar em torno de seu umbigo. Quando
adulto, o animal percebe a fragrância e busca a fonte
por todos lugares: é muito néscio e não se dá conta
que é ele mesmo quem a leva em seu ventre. De
igual modo, nós tampouco nos damos conta da fonte
de alegria que acumulamos em nosso seio e
buscamos a felicidade em atividades e afazeres
externos. Ao contrario quando achamos a dita
interior, as demais emoções voltam a um lugar
adequado. Isto não significa que tenhamos de nos
recolher em um monastério para compreender ao
espírito que nos guia. Mas temos que fazer Dele, o
centro de nossa vida, neste mundo, se queremos
equilibrar e harmonizar nossas emoções. Os
intérpretes individuais de uma orquestra sinfônica se
guiam pela batuta do maestro. Se a influência deste
é deixada de lado e os distintos executantes perdem a
coordenação e a cooperação mútua, já não haverá
música, senão conflito, confusão e caos. De modo
semelhante, se desatendemos ao princípio orientador
do poder divino ou do valor espiritual da vida, nós
sumiremos em um caos inevitável que irá desembocar
no conflito e na frustração. Mas enquanto tivermos a
Deus como centro de nossas vidas, encontraremos
que as emoções do tipo primitivo e secundário se
harmonizam, e se integram, desaparecendo o conflito.
Então a vida se converte em uma maravilhosa
expressão de bem-aventurança e dita. Qualquer leitor
pode verificar esta conclusão, estudando a vida dos
homens e mulheres que alcançaram um elevado nível
de compreensão espiritual.

38

CAPÍTULO IV
A MENTE SUBCONSCIENTE
Até cinqüenta anos atrás, quase
todos os psicólogos e filósofos ocidentais se
mostravam interessados somente na compreensão do
estado consciente da mente, tanto que o estudo do
subconsciente ou inconsciente praticamente não se
conhecia. Ainda que existissem algumas referências
ao subconsciente nos escritos dos psicólogos, eles
não davam uma idéia completa do mesmo. No
Ocidente, o estudo do subconsciente foi iniciado pelos
grandes psicólogos franceses Charcot e seu discípulo
Janet. Eles investigaram alguns casos mentais e ao
longo de suas observações se deram conta de que os
estados conscientes da mente e a conduta do homem
dependiam consideravelmente de algo desconhecido
para o indivíduo e para os demais. No curso de suas
experiências de hipnoses38 reuniram uma série de
dados que os convenceram de que a mente não só
tinha um estado consciente, senão também um
estado oculto, o subconsciente, que era o fator
determinante das atividades conscientes do homem.
O sucessor de Janet, Freud, realizou uma importante
descoberta em relação aos estados interiores da
mente que não são conhecidos pelo homem médio e
que entretanto, possuem um grande poder e
dinamismo para alterar as atividades e a conduta do
consciente.
38
Foi Mesmer quem iniciou a prática de hipnotismo, (conhecido como
mesmerismo). O Dr. Braid, cirurgião inglês, foi quem começou a usar mais
tarde como o nome de hipnotismo.
39
O estudo do subconsciente não tem
meramente um significado escolástico ou implicações
puramente filosóficas senão que se acha vitalmente
relacionado com a personalidade do homem.
Efetivamente, não é possível determinar a conduta de
um indivíduo, a menos que compreendamos
perfeitamente os estados subconscientes da sua
mente. Na maioria dos indivíduos, a porção maior da
mente permanece oculta a vista das pessoas. Acha-
se submergida, como o exemplo do iceberg, sob as
águas superficiais da consciência. Entretanto, a
mente subconsciente é mais poderosa e dinâmica que
a consciente. Segundo muitos psicólogos ocidentais,
a mente subconsciente determina a conduta humana;
em realidade, as atividades conscientes de um
indivíduo se acham totalmente determinadas pelos
estados subconscientes. Freqüentemente quando
nos comportamos de um modo particular
encontramos, ao perguntar-nos porque nos temos
comportado assim, de uma forma na qual não
conhecemos a razão, posto que a nossa conduta não
obedece a nossa mente consciente, senão ao poder
do subconsciente. Muitos psicólogos ocidentais
concluem que este subconsciente é, na realidade, o
que configura o estado consciente, que viria a ser
pouco mais que umas bolhas na superfície da mente.
Os hindus explicam o subconsciente dizendo que é o
depósito dos samskaras ou impressões passadas, as
quais constituem o conteúdo principal da mente
subconsciente. Eis aqui o que disse Swami
Vivekananda em sua explicação em Karma Yoga:
“Cada ato que realizamos, cada
movimento do corpo, cada pensamento
que nos ocorre, deixa uma impressão na
despensa da mente, e ainda quando tais
39

impressões não sejam visíveis sobre a
superfície, serão bastante fortes para
operar debaixo dela,
subconscientemente...; o caráter de cada
homem se acha determinado pelo soma
total destas impressões.”39
Vemos pois, que o estudo do
subconsciente é de vital importância. Não é possível
alcançar a compreensão de uma pessoa e de sua
conduta até não haver compreendido seus estados
mentais íntimos.
Quando estudamos a mente
comprovamos que se trata de um campo de batalha
em que se chocam emoções, idéias e sentimentos
antagônicos . É a conferência de nossos estados e
processos mentais. A mente contém os pensamentos
e sentimentos conscientes compreendidos dentro do
raio de nossa percepção, como também as idéias e
emoções subconscientes cuja existência ignoramos.
Freqüentemente surgem do reino subconsciente
pensamentos e tendências que a mente consciente
trata de submergir ou reprimir. Esta tendência para a
repressão se chama “reação de defesa”.
Freqüentemente costumamos experimentar impulsos,
emoções ou sentimentos, não obstante sabemos que
estes são indignos, imprudentes ou desagradáveis.
Então nos esforçamos por eliminá-los ou mantê-los
sobe controle, pensando que assim iremos nos
libertar definitivamente deles. Mas, por desgraça as
coisas não são tão simples. Estes impulsos
reprimidos permanecem na esfera do subconsciente,
permanecendo dentro da vida mental interior. E na
primeira oportunidade não tardam em aflorar à
superfície , recuperando sua atividade. Se são muito
39
Works, I,52.
40
intensos, mas apesar disto, são mantidos em estado
reprimido durante muito tempo, podem provocar
desordens nervosas, condições neuróticas ou
desequilíbrio mental. As emoções e sentimentos
reprimidos, os impulsos e desejos inconscientes
determinam enfermidades funcionais e aparecem na
raiz de múltiplas doenças e males. Também, o
processo repressivo pode dar-se no plano
subconsciente. As vezes, certos sentimentos, idéias
e complexos subconscientes limitam nossa liberdade
de expressão ou o funcionamento dos impulsos
normais no plano consciente. Os modernos
psicanalistas chamam a este tipo de restrição de
“censura”.
Existe outro método para fazer frente
aos desejos proibidos ou insatisfeitos e as tendências
reprimidas, que os psicanalistas deram o nome de
“sublimação”. Esta ocorre quando a mente realiza um
esforço consciente para substituir uma emoção por
outra, ou para dar a um estímulo outro tipo de
expressão. A emoção, enquanto segue sendo
utilizada, desvia-se do seu curso que deveria seguir
naturalmente e a energia vital ou libido se canaliza em
outras direções. Desta forma, o objeto do desejo é
substituído gradualmente por outro ideal, e sua força
motivante é absorvida pela conseqüência de outro
propósito. Imaginemos um homem vítima de um forte
impulso ou instinto que poderá leva-lo a realizar
certos tipos de atos, e que ele trata de canalizá-los
em outras direções. Assim, talvez logre desviá-lo
para a criação artística ou literária ou para alguma
outra meta construtiva, crendo que ao faze-lo será
possível eliminar o forte impulso original. Muitas
pessoas crêem que este processo os permite
controlar as emoções e sentimentos submergidos ou
subconsciente. Estes indivíduos tratam de dirigir seus
40

impulsos primitivos para alguma forma de expressão
superior. Em alguns casos, a sublimação alcança um
valor criador e construtivo; as vezes, proporciona um
raio de luz a indivíduos submergidos no caos mental.
Entretanto, existem pessoas que não
conseguem realizar este processo de sublimação e
recorrem a bebida, as drogas ou a outros hábitos
indesejáveis, afim de esquecer seus desejos
frustrados, seus conflitos mentais e suas
perturbações. Evidentemente tratam de sair de um
estado deplorável, mas sem acertar com o melhor
caminho. O alívio que conseguem somente é
temporário, posto que se limitam a trocar um desejo
proibido, reprimido ou insatisfeito, por algo mais
perigoso ainda. Se bem que o álcool e as outras
drogas podem liberar a psique provisoriamente do
pesar ocasionado pelas esperanças e desejos
frustrados, mercê ao falso estímulo, ao esquecimento
ou as agradáveis sensações físicas que procuram, os
efeitos últimos sobre o cérebro e o sistema nervoso
não podem ser piores. O desejo de beber ou ingerir
drogas se torna cada vez mais imperioso, até que a
necessidade de satisfazer a ansiedade gerada se
converta em um verdadeiro tormento. Ademais, a
causa original que originou estes hábitos subsiste
todavia e permanece na fundo mental, torturando o
indivíduo e incitando-o a perturbar-se mais e mais.
Um simples estudo a respeito das pessoas que se
tornaram escravas das drogas ou álcool, bastará para
convencer qualquer um de que a força de vontade se
debilita gradualmente até sua completa destruição, e
que o equilíbrio emocional e o domínio de si mesmo
terminam desaparecendo definitivamente. Todo o
sistema nervoso, tanto voluntário quanto involuntário,
fica seriamente afetado, com o conseguinte
desenvolvimento de transtornos funcionais. Enquanto
41
que o processo de sublimação pode ajudar os
indivíduos a resolver seus problemas emocionais,
este outro método de evasão jamais conduz a
resultados similares. Pelo contrário, seu resultado
usual é a desintegração extrema da psique.
Os psicólogos modernos sustentam
que nem a reação de defesa nem a sublimação
bastam para eliminar nossos conflitos internos. Em
seu lugar podem, inclusive, chegar a criar complexos.
Efetivamente sucedem freqüentemente, que as
reações de defesa e as de censuras são causas de
repressões e complexos. Já temos dito que as
repressões são extremamente prejudiciais. Os
psicólogos hindus, assim como os psiquiatras
ocidentais concordam em que nas raízes dos
complexos de temor, e as vezes nos de
superioridade, inferioridade e sexuais, assim como
também em outros desvios neuróticos, se encontram
tendências reprimidas. Entretanto, a sublimação pode
resultar eficaz se empregada com um critério
acertado. Na realidade, todos os complexos derivam
das tendências subconscientes da mente que foram
reprimidas pelo pensamento consciente, pela censura
exercida sobre o plano consciente desde o
subconsciente ou por certas tendências
inconscientes. Eis ai onde reside a utilidade da
psicoterapia.
Mediante a psicoterapia se procura
revelar os estados e processos mentais, os
pensamentos, impulsos e desejos do plano
subconsciente. Afirma-se que a maioria das
enfermidades mentais, nervosas e funcionais, podem
ser curadas sempre que o sujeito logre desenterrar
seus desejos, emoções ou complexos ocultos. Nem
bem o paciente os descobre e reconhece, resolve-se
o problema da condição neurótica ou o desequilíbrio
41

que o afligia. Segundo muitos psicanalistas, a
expressão natural das emoções e impulsos reprimidos
bastam para anular as tendências desviadas, pondo
fim ao estado neurótico. Insistem estes
investigadores em que se deve dar vazão aos
instintos ou impulsos primitivos do homem. De modo
que, o amor ou o ódio não expressados devem
libertar-se e dirigir-se para o médico. Alguns opinam
que esta mesma liberação e expressão afetiva
bastam muitas vezes para aliviar a tensão mental e
restabelecer o equilíbrio.
Existem diversos métodos mediante
os quais os psicólogos tratam de devolver a
normalidade mental aos pacientes; como a sugestão
e análise. Estes métodos não são incompatíveis, mas
os consideramos separadamente por razões de
conveniência prática. A sugestão, por sua parte, tem
duas formas diferentes
1) Em primeiro lugar, pode lograr
desde o exterior, isto é, pela mediação do analista ou
do médico. Se o paciente aceita a sugestão, se
esforçará por absorvê-la dentro de seu sistema
estabelecendo assim um harmonioso estado
espiritual. O propósito da sugestão é atuar sobre a
mente para eliminar o conflito entre um impulso
intenso e outra tendência oposta. Está claro que este
método da sugestão deve basear-se em uma relação
“transferencial” entre o médico e o paciente. Deve
existir transferência psíquica pois, de outro modo, a
sugestão proporcionada não será aceita ou
assimilada, resultando ineficaz. A transferência entre
o médico e o paciente é, portanto, essencial para a
psicoterapia. Seria conveniente determo-nos no que
expressa o Dr. Carl Binger a respeito, em seu recente
livro A missão do médico. O capítulo que leva o título
“A relação entre médico e paciente” é de suma
42
utilidade, tanto para os médicos como para os
psicoterapeutas. O Dr. Binger, crê categoricamente
que deve existir uma relação amistosa entre médico e
paciente. Eis aqui suas palavras: “Sua importância
reside no feito de que a efetividade do médico, seu
poder de curar, depende em grande parte da
intimidade desta relação.40” Demonstra a continuação
que a recuperação dos pacientes afligidos por
diversas enfermidades se vê favorecida pela relação
com o médico. Então agrega: “Proponho assim a
incorporação de um novo instrumento à bagagem
técnica do médico, a saber: uma perita compreensão
humana. Sem ela muitas de nossas drogas, testes e
medicamentos podem resultar perfeitamente
inúteis.”41
Os psicólogos hindus opinam que
deve existir uma relação harmoniosa ou amistosa
entre o mestre (Guru) e o discípulo, ou entre o
psicólogo e o paciente, segundo cada caso. O
discípulo ou paciente deve achar-se em atitude
receptora , a fim de obter frutos duradouros dos
ensinamentos ou tratamentos recebidos. A mera
liberação da tensão emocional pode ser de utilidade
provisória, servindo de consolo para a mente
transtornada. Assim como uma conversa
compreensiva e amistosa pode aliviar a dor
ocasionada pela frustração e o conflito mental; se
bem que em nenhum dos dois casos cumpre-se uma
verdadeira integração da mente, resolvendo os
conflitos e tensões emocionais. Por isto os
psicólogos hindus insistem em que o paciente não só
deve abrigar um sentimento harmonioso para com o
psicólogo, mas também que sua atitude deve ser
receptiva e submissa. O psicólogo, pelo contrário,
40
Binger, The Doctor’s Job, p. 43.
41
.Ibid, p. 51.
42

deve ser um homem altamente integrado, a fim de
poder prestar uma ajuda eficiente. Alem disso, deve
achar-se compenetrado dos princípios mais elevados
da religião42. Quer dizer que não deve ter tão
somente uma compreensão intelectual ou ideológica
da religião, senão que, em sua vida emocional, deve
achar-se totalmente inspirada na aplicação prática
dos princípios religiosos. Por último, deve apresentar
um pensamento, uma emoção e uma vontade
inteiramente unificados.
2) Na Segunda forma, a sugestão é
procurada pela própria pessoa. Por exemplo, uma
pessoa pode chegar a se dar conta, pela meditação e
auto-análise ou algum outro método semelhante, de
que sua insatisfação e conflitos mentais criaram-lhe
desordens nervosas, agitação mental, irritação,
preocupações, insônias, etc., e os conseguintes
transtornos funcionais. Pode encontrar, desta forma,
que é incapaz de controlar suas emoções e tratar de
oferecer a mente alguma sugestão construtiva,
harmonizante e unificadora, na forma de um ideal
elevado ou de uma sã filosofia de vida. Se logo
conseguir exercitar sua mente em conformidade com
estes propósitos, poderá restabelecer o equilíbrio
mental e restaurar a normalidade de espírito. Desta
maneira, poderá eliminar as condições neuróticas e
as doenças nervosas. Os psicólogos hindus
propiciam veementemente este método. Pode dizer,
neste sentido, que os casos avançados de neuroses
necessitam, entretanto, ajuda, alento e outras
inspirações externas. Se empregada com critério
acertado, a auto-sugestão pode resultar em um meio
sumamente poderoso para endireitar e harmonizar as
atitudes do sujeito.
42
. Works, III, 50-51.
43
Mediante o outro método, o de
análise, o médico trata de estudar a mente do
paciente, permitindo-lhe falar com liberdade e
abandonar-se do que se chama “livre associação”,
escutando atentamente todos os relatos, efetuando
observações e anotando todos os detalhes. No início
da psicanálise, Janet hipnotizava o paciente para
conseguir trazer a tona as tendências ocultas da
psique. Freud também se utilizou da hipnose; mas
como não lhe pareceu eficaz, conclui por abandoná-
la. Os mestres hindus consideram que a hipnose, em
qualquer de suas formas, é positivamente prejudicial.
A superimposição da vontade alheia, por bem
intencionada que seja, debilita a força de vontade do
paciente. Um homem submetido à influência hipnótica
perde a iniciativa e a faculdade de decisão, com
efeitos desastrosos para a harmonia e equilíbrio
mental. É absolutamente necessário desenvolver a
própria força de vontade, se quiser estar livre da
perturbação mental.
O método de Freud consistia em
deixar o paciente narrar toda a história de sua vida, e
hoje em dia este é o método que a maioria dos
psicólogos utiliza. Muitos freudianos opinam que a
mente recupera a estabilidade no processo de análise
quando o paciente descobre a si mesmo, sua vida e
suas tendências. Outros sustentam que o analista
deve decidir pelo paciente. Assim, quando se logra
que o paciente fale e ponha a descoberto seu
complexo oculto, o psicólogo deve oferecer alguma
sugestão útil ou idéia construtiva. No estudo e análise
dos casos, os psiquiatras vão encontrar que o
paciente não consegue recordar plenamente os
detalhes de sua vida e então proporcionam-lhes uma
pequena ajuda. Em geral, podemos afirmar, sem
temor de equivocarmos, que quando termina a
43

análise, de acordo com a psicologia ocidental,
médico ou psiquiatra sabe realmente como reage a
mente do enfermo. Mediante o uso deste método
tem-se contribuído em muito para a cura de muitos
pacientes, especialmente nos casos de transtornos
emocionais. Segundo se afirma, muitas pessoas
adquirem o ansiado equilíbrio dos impulsos
reprimidos, e dos conflitos da mente se desvanecem
de forma automática.
Talvez sejam os casos de desordens
emocionais originados em conflitos e frustrações
emocionais, os que com mais frequência devem tratar
o psiquiatra. Muitas pessoas fazem mau emprego de
suas emoções ou as dirigem erroneamente, por
diversas razões: circunstâncias inesperadas, erros de
avaliação, compulsão familiar, tradição social, etc. E
experimentam insatisfações com seu destino quando
acontecem mudanças, por exemplo, a perda de algum
amigo, alterações financeiras, morte de alguém
querido, etc., inclusive quando acontecem mudança
inevitáveis da saúde física, via de regra, quando a
juventude e o vigor dos anos moços avançam para a
velhice. Esta insatisfação provoca a instabilidade da
mente, e o conflito assim criado somente pode ser
sanado quando se obtém o restabelecimento do
equilíbrio das tendências perturbadoras. Então é
possível tratar com êxito as enfermidades funcionais e
nervosas causadas por uma condição neurótica.
A análise também pode ser útil para
determinar a vocação de uma pessoa. Assim, por
exemplo, é possível que um homem creia que possui
aptidão para uma carreira, digamos a engenharia,
porém, encontrando, esta não lhe trás satisfação.
Esta desconformidade pode motivar uma condição
mental característica que, a seu tempo , converte-se
em uma psicose. O sujeito vira mal humorado e
44
taciturno, e até começar a evidenciar tendências
anômalas. Mediante a análise, o psiquiatra pode
descobrir a verdadeira natureza da mente do sujeito,
assim como seu talento real e os dotes ou tendências
naturais que foram reprimidos. Orientado por este
descobrimento, estará então em condições de sugerir
a vocação apropriada para dar livre expressão as
aptidões do paciente, com a conseguinte satisfação.
Uma vez que o sujeito começa a desempenhar a
atividade para qual se achava realmente capacitado,
e que a mente subconsciente desejava desde o
princípio, desaparece automaticamente a condição
neurótica e se restabelece o bem estar mental.
O professor Carl Rogers tem
aportado interessantes idéias no terreno da
psicoterapia, em sua obra Conselhos e Psicoterapia.
Este autor, assim como muitos outros no Estados
Unidos, sustentam que a indagação e conhecimento
por parte do paciente desempenha um papel
sumamente eficaz no tratamento psicoterapeutico.
Seu emprego da palavra “conselho” constitui um
verdadeiro e eficaz acerto. Segundo estes autores, o
psiquiatra deve orientar o paciente para que se
informe sobre as causas de sua perturbação mental.
O professor Rogers crê que o paciente deve adquirir
este conhecimento ao longo do tratamento de
orientação, adotando um método chave para manejar-
se na vida. Eis aqui suas palavras:
“O desenvolvimento por parte do
paciente tende a desenvolver-se
gradualmente, avançando, em geral, desde
a compreensão menos significativa até a de
maior transcendência. Ela envolve a nova
percepção de relações não reconhecidas
com anterioridade, como também a
44

disposição em aceitar todos os aspectos do
Eu, e mais concretamente, uma verdadeira
eleição da nova meta a seguir. Em
conformidade com esta nova visão do Eu e
os novos objetivos a vista, promovem-se
ações por iniciativa própria que tendem
para a consecução da ditas metas... O
paciente adquire, deste modo, uma nova
segurança e independência.”43
O professor Rogers chega a
conclusão de que se as sugestões orientadoras que
se formulam no curso da análise não resultarão tão
efetivas. O sujeito pode realiza-las pela metade ou
descarta-las diretamente.
Tem ocorrido casos de autognosis em
que o sujeito descobre mediante a auto-análise seus
próprios complexos e impulsos ocultos, somente
examinando os incidentes de sua vida. Em certo
sentido, é uma forma de voltar a viver a própria vida.
Em lugar de consultar ao psiquiatra, algumas pessoas
(ainda que poucas). Logram reconhecer suas
tendências inconscientes mediante a introspecção, e
então eles mesmos procuram restabelecer o equilíbrio
necessário. A maioria dos modernos psiquiatras
analistas não concedem maior crédito a este método.
Entretanto, o Dr. William Brown, o menciona em sua
obra Ciência e Personalidade.
Neste aspecto, devemos mencionar
especialmente o livro dedicado a auto-análise, da Dra.
Karen Horney. Esta autora insiste no uso de auto-
análise como método eficaz de psicoterapia. Seus
argumentos são recentes e convincentes: eis aqui
suas próprias palavras:
43
Carl R. Rigers, Counseling and Psychotherapy (Boston: Houghton
Mifflin Co., 1942), p. 216.
45
“Ainda que deixando de lado
estas plausíveis razões, aqueles indivíduos
capazes de auto-análise tem logrado
benefícios indiscutíveis, de caráter mais
espiritual, menos tangível, mas não por isso
menos real. Poderíamos sintetiza-lo como
um aumento da fortaleza interior e, em
conseqüência, de segurança em si
mesmo.”44
Alguns psiquiatras crêem que nem a
autognose nem a heterognose são suficientes para
estabelecer a harmonia entre os impulsos
antagônicos, necessária para a condição normal da
mente e do sistema nervoso. Nos referimos em
especial a Adler, Jung e alguns outros autores, quem
tem compreendido que o mero conhecimento dos
impulsos subconscientes e das causas da repressão
não podem ser suficientes para restaurar o equilíbrio
mental. O paciente necessita, segunda Adler, um
adestramento educacional definido e segundo Jung,
Brown e outros, uma preparação religiosa.
Os hindus defendem veementemente
o método de auto-análise. Em efeito, fazem especial
insistência nos métodos religiosos de disciplina, para
restabelecer a saúde mental do homem. Nesta forma
de auto-análise o sujeito descobre, a não duvidar de
suas tendências ocultas; mas também sintetiza a
mente. Segundo o ponto de vista hindu, não se deve
somente analisar o próprio ser, deve-se também
reconstruir a vida. Assim é necessário estabelecer um
sólido sistema filosófico, procurando ajustar a vida a
seus princípios. Para isto, é particularmente útil a
44
Karen Horney, Self-Analisys (New York: W. W. Norton & Co., Inc.,
1942) ,p 36
45

prática da concentração. É conhecido que muitas
mentes desintegradas alcançam a síntese mercê aos
métodos combinados de auto-análise e a
concentração. O mero descobrimento de um conflito
mental não alcança integrar a mente, este já é
constatado mediante o método freudiano de
psicanálise, a compreensão de Rogers ou auto-
análise. Nossa experiência nos demonstra que é a
prática da concentração 45 que traz à luz as forças
mentais ocultas, capazes de reconstruir e integrar a
mente total. Poderíamos ilustrar com exemplos o
efeito da combinação dos métodos de indagação e da
prática da concentração, citando múltiplos casos
coroados de êxito. Também temos visto pessoas que
foram submetidas a análises por psiquiatras
freudianos ou de outras escolas. Os pacientes tinham
conhecimento e compreendiam as causas de seus
transtornos mentais; entretanto, não obstante, não
eram capazes de sintetizar sua mente desintegrada,
pois careciam do poder necessário de concentração e
de vontade unificada. Em conseqüência, os hindus
consideram que a exercitação é parte essencial da
orientação mental. De fato, esta exercitação põe em
movimento as faculdades latentes da mente, dando
cabimento e esperança e segurança em si mesmo,
segundo veremos mais adiante.
Muitos psiquiatras dão grande
importância a análise e interpretação dos sonhos para
compreensão do subconsciente. Freud e seus
discípulos, por exemplo, insistiram consideravelmente
neste ponto. Segundo eles, os sonhos obedecem, na
realidade, impulsos reprimidos; se bem que estes
podem estar encobertos por símbolos. Mediante a
compreensão e interpretação dos símbolos oníricos é
45
No capítulo sobre “A meditação” explicaremos a prática da
concentração
46
possível então compreender a verdadeira natureza do
impulso subjacente, assim como sua intensidade.
Alguns psicoterapeutas baseiam seus trabalhos neste
método; mas quando as distintas escolas de
psicologia aplicada procuram analisar os símbolos
oníricos e as causas e princípios básicos da neurose,
jamais chegam a um acordo.
Os freudianos atribuem tudo ao
impulso sexual ou ao antagonismo conflitual entre os
impulsos para a “vida” e para a “morte”, em tanto que
os discípulos de Adler interpretaram o mesmo sonho
em função do afã do poder. O professor McDougall
submeteu seus próprios sonhos a análise das
autoridades de diferentes escolas e comprovou que
ao mesmo sonho atribuíram-se causas distintas,
segundo as teorias sustentadas pelos diversos
psiquiatras. Como resultado da experiência declarou:
“Chegou-se a conclusão de que a
fórmula de Freud para a interpretação dos
sonhos pode ser verdadeira em alguns
casos, especialmente quando se trata de
sonhos de sujeitos neuróticos... mas carece
de fundamento suficiente para que
procuremos a todo custo enquadrar as
interpretações de qualquer sonho dentro da
dita fórmula.”46
É inegável que muitas pessoas
encontrem satisfação e alívio quando explicam que
suas dificuldades são atribuídas ao impulso sexual ou
ao impulsos da autoexpressão; mas seria imperdoável
dizer que um ou outro é a chave da natureza do
referido sujeito ou que qualquer sonho possa ser
46
Willian McDougall, Outline of Abnormal Psychology (New York;
Charles Scribner’s Sons, 1926), p 186.
46

interpretado em função de tais princípios. O que se
tem dito a respeito da interpretação dos sonhos,
também se aplica aos demais métodos de psicanálise
em geral, qualquer que seja o nome da escola e os
métodos específicos.
Os psicólogos hindus não aceitam a
teoria de que os sonhos são determinados pela
relação casual com experiências passadas ou por
impulsos sexuais ou de autoexpressão reprimidos; tão
pouco tratam de explicar todos os sonhos em função
das repressões mentais, a satisfação de desejos e
demais causas semelhantes. Os sonhos não tem por
que obedecer necessariamente a inibições, impulsos
conscientes ou subconscientes reprimidos ou,
inclusive, as impressões de pensamentos e ações
passadas, se bem que é certo que muitos sonhos se
devem a estes fatores. Os sonhos nem sempre são
retrospectivos. A fim de ilustrar o que acabamos de
afirmar, não será demais relatar algumas experiências
oníricas de certos amigos íntimos que temos no
Ocidente. Somente narraremos os sonhos mais
definidos, que foram submetidos a uma verificação
posterior. Deliberadamente temos escolhidos os
casos de fontes norte-americanas.
Uma amiga nossa teve um sonho
extremo surpreendente, precisamente antes que a
Sociedade Vedanta de Boston adquiri-se seu atual
edifício. Alguns anos atrás nós já vínhamos
negociando a compra desta propriedade em uma
imobiliária, e em uma manhã pedimos a essa senhora
que fizesse uma oferta pela casa. Então nos
respondeu: “Swami, se fizer a oferta não darei um
centavo a mais da quantidade ofertada a qual
sonhei.”, esta oferta não representava nem a metade
do valor de venda, e começamos a achar que a
Sociedade perderia a oportunidade de adquirir sua
47
própria sede, se fosse feita tal proposta. Entretanto
nossa amiga insistiu, e quando fomos a Boston e
propusemos a referida oferta, o agente imobiliário se
sentiu aviltado, e esteve a ponto de terminar as
negociações, porém conseguimos persuadi-lo a
entregar um cheque ao proprietário, o qual daria a
última palavra. Na manhã seguinte a imobiliária
telefonou para nossa amiga dizendo que seu sonho
havia se realizado, pois o proprietário aceitará a
oferta, e o prédio pode ser comprado tal como o
sonho havia antecipado.
Outra amiga teve um sonho insólito,
em que se incendiava uma parte da cidade de Boston.
Tão forte foi o sonho, que foi possível descobrir a
posição dos mastros e outros detalhes dos edifícios
que nunca havia visto em sua vida. Na manhã
seguinte, o jornal informava a notícia de um vasto
incêndio em Boston e a investigação posterior
demonstrou que o sonho era exato em todos os seus
detalhes.
Um amigo nosso sonhou que um
Swami adoeceria, e assim efetivamente ocorreu, os
detalhes da doença, como também o processo de
recuperação, tais como apareceram no sonho
coincidiram ponto a ponto com a enfermidade
sonhada. Como estes, poderíamos contar uma
infinidade de casos relacionados com o futuro e que
logo se confirmaram como reais, portanto é um erro
considerar que os sonhos podem achar-se
casualmente determinados e ser de natureza
retrospectiva.
Alguns sonhos são retrospectivos e
criadores; outros dão prova de envolvimento
espiritual. Assim mesmo, existem os que deixam
tremendas impressões nas mente, equivalentes a
alegria e compreensão espiritual. Jung considera que
47

alguns sonhos são prospectivos. Este autor menciona
muitos exemplos em que os sujeitos sonharam feitos
futuros.47 Os hindus também crêem na natureza
profética dos sonhos, significa dizer que as vezes os
sonhos nos brindam com indícios ou antecipações do
futuro, como nos casos mencionados acima.
Os sonhos também podem assumir a
forma de instruções religiosas. Conhecemos
exemplos autênticos em que os homens e mulheres
receberam instruções espirituais definidas através dos
sonhos. Alguns tem recebido através dos sonhos
iniciações espirituais (nomes simbólicos de Deus e
outras práticas espirituais) de seus mestres
espirituais, os mantras (nomes de Deus) que
receberam por estas vias eram absolutamente
desconhecidos, de modo que vinham a construir um
conhecimento completamente novo. Outras
instruções recebidas em sonhos, sobe as formas de
práticas espirituais, métodos de trabalho e modos de
vida, resultaram únicas e enaltecedoras. Os
conteúdos deste sonhos não podem ser atribuídos a
nenhum feito experimentado previamente e nem a
nenhuma forma de inconsciente pessoal, ou “racial”,
como Jung quis que acreditássemos. As pessoas
haviam tido experiências únicas que não podiam
atribuir-se as razões a que pertenciam. Alguns nem
sequer conheciam a linguagem e o significado do
mantra (nome de Deus) até que posteriormente lhes
foi revelado pelo mestre. As instruções que os fiéis e
os estudantes obtidas através dos sonhos, indicam
não somente inspiração espiritual como também de
natureza profética. Novamente afirmamos, pois, sobre
a base destes casos conhecidos, que existem muitos
47
Carl G. Jung, Modern Man Seach of a Soul (New York: Harcourt, Brace
& Co., Inc. 1935),Capítulo I.
48
sonhos que não se originam no subconsciente nem
em desordens físicas.
À parte da compreensão dos feitos
ordinários, existem sonhos - tal como dissemos antes
- que decididamente formam parte de uma
compreensão espiritual. Assim, seu efeito permanece
no indivíduo e modifica o curso de sua vida. Deste
modo alguns sonhos resolvem múltiplos problemas
metafísicos e espirituais da vida brindando novos
conhecimentos e uma alta satisfação pessoal.
Segundo os psiquiatras modernos ,
os homens possuem instintos primários ou primitivos
aos quais deve ser dar livre expressão, se quiser
aspirar a normalidade e ao equilíbrio. Entretanto, os
psicólogos não estão de acordo no que concerne a
importância relativa destes impulsos ou qual deles é o
mais fundamental e preponderante. Freud e seus
discípulos interpretaram as atividades do homem em
função do instinto sexual, se bem que posteriormente
adotaram um ponto de vista mais amplo. Assim,
tratam de demonstrar que o instinto sexual é a força
motivante que se encontra detrás de toda expressão,
desde as formas mais simples, como a busca do
prazer, até as mais valiosa conquistas da arte ou de
outras atividades criadoras. Para eles, as
experiências religiosas não são senão as tendências
sexuais trasladadas para as esferas das emoções
espirituais. Alguns chegam a dizer, inclusive, que a
própria idéia de Deus tem sua origem no sexo.
Consequentemente nesta posição analisam toda a
natureza do homem e sua estrutura mental por este
ponto de vista , considerando que no caso de haver
algo anômalo poderá atribuir-se diretamente a este
impulso fundamental. Para estes autores a repressão
dos impulsos sexuais é insana e perigosa. Em efeito,
afirmam que podem motivar complexas neuroses e
48

outros transtornos mentais indesejáveis, e inclusive
um entusiasmo religioso. Como dissemos no primeiro
capítulo, posteriormente Freud modificou sua teoria
sobre impulso primário, chegando a conclusão de que
as atividades do homem podem reduzir-se tanto ao
instinto da “vida” como o da “morte”, ou aos impulsos
sexuais e suicidas e que a conduta do homem é
motivada pela interação dos ditos impulsos. Os
freudianos ortodoxos como Karl A. Menninger,
defendem uma infortunada (quase repugnante)
interpretação da vida.48 Se bem que não estamos de
acordo com as generalizações, reconhecemos o valor
de muitas e notáveis conquistas nas análises de
casos mentais aptos ou sensíveis a interpretação pelo
impulso sexual. Não obstante, nos atrevemos a
afirmar que partindo de casos anômalos, foram
realizadas generalizações desnecessárias e pouco
felizes.
É interessante destacar que Adler
adota um ponto de vista diferente de Freud, com
respeito ao impulso fundamental do homem. É sua
convicção que o instinto preponderante do homem é o
afã de poder ou de autoexpressão, e não compartilha
as idéias do mestre de que o impulso sexual reside na
raiz de todas as atividades do homem. Adler ensina
que o homem possui uma forte tendência para
expressar-se, para exercer poder e lograr a
materialização de todas as suas possibilidades.
Quando a dita tendência se vê obstaculizada ou
reprimida , então é provável que surjam dificuldades.
Quando um homem não pode expressar-se, quando
não pode exercer poder, ou como se sucede em
alguns casos, quando não pode dominar outras
pessoas, se sente limitado, prisioneiro e frustrado.
48
Karl A. Menninger, Love Against Hatred (New York: Harcourt, Brace &
Co., Inc. 1942, e Man Against Himself..
49
Adler sustenta que estas são as verdadeiras raízes do
desequilíbrio mental.
Certo é que os homens desejam o
poder - freqüentemente para governar os demais - e
tampouco se pode negar que em todo mundo existe
uma forte tendência para a autoexpressão. Quando
este impulso é desmesuradamente forte e intenso, ou
quando a válvula de escape é insuficiente, a mente
não obtém satisfação e surgem os transtornos
habituais: dificuldades nervosas, complexos, etc.
Entretanto, ao estudar a natureza total do homem, ao
analisar cientificamente a totalidade de sua psique,
custa considerar certas doutrinas da escola freudiana
ou da adleriana. Sem dúvida, as duas tem realizado
uma valiosa contribuição à psicologia, e seus
princípios são de utilidade em mais de um caso; mas
a nosso juízo não foram longe. Efetivamente,
generalizam arbitrariamente a partir do estudo de
poucos casos patológicos, sem um fundamento
sólido, segundo explicamos previamente. A
observação e o estudo cuidadoso nos demonstram
que existem outros instintos primário na natureza do
homem, separadamente do impulso sexual ou da
vontade de poder. Por exemplo, temos o instinto de
autoconservação, acompanhado pela poderosa
emoção do medo. Muitas atividades humanas tem
sua origem neste impulso. Com que rapidez o medo
se apresenta quando um homem vê ameaçada sua
segurança ou suspeita que existe um perigo que
possa destrui-lo A maioria das pessoas tendem a
aferrar-se a vida com todas as suas forças, e é sabido
que um pânico súbito pode transformar um conjunto
de cidadãos honráveis e cultos em uma massa de
feras bestiais. Nem sempre temos de buscar o
impulso sexual ou da vontade de poder na raiz de
todos os transtornos mentais. Também o instinto de
49

autoconservação, em certas condições, pode criar
dificuldades.
Neste sentido, nós tivemos a
oportunidade de estudar certo caso detidamente. De
modo que podemos afirmar que não tinha nada a ver
com os impulsos sexuais ou de ambição de poder.
Trava-se de uma mulher vítima de uma neurose
psicógena. Tinha sido examinada por distintos
analistas, mas sem obter a cura, se bem que em
algumas ocasiões recebeu certa ajuda. Alguns
ensinamentos que recebera quando criança, criaram
um medo anômalo ao castigo, como resultado de
algumas más ações. Isto ficou gravado com tal força
na mente da dela, que quando esta cresceu não
conseguiu desprender-se da infância. Durante muito
tempo, a vida lhe sorriu, tanto nos negócios como no
casamento, mas devido a certas mudanças
circunstanciais, sua segurança foi ameaçada. Isto
trouxe ao primeiro plano o antigo temor, esquecido
até os trinta anos de idade. Surgiu então uma seria
desordem mental e nervosa, e a mulher chegou a ter
medo de atravessar a rua sozinha. E, somente,
chegou a recobrar seu estado mental normal quando
teve as compreensão cabal e exata dos verdadeiro
valores superiores da vida e da natureza mais
elevada do homem. Com esta compreensão
encontrou significado e utilidade para a vida. Neste
caso, nem a psicanálise nem a autognose geral ou
indagação por parte da pessoa haviam servido para
cura-la. A autognose ajudada pela sugestão criadora
e construtiva, que a diferencia da sugestão infantil
destrutiva e negativa, resultou de suma eficácia. Para
devolvê-la a normalidade, devemos proporcionar-lhes
uma sã filosofia de vida, insistindo na natureza
superior do homem. A exercitação e o adestramento
mental começaram gradualmente a levar a síntese a
50
sua psique. A prática constante da concentração
trouxe a tona uma força interior latente, dando lugar a
recuperação da confiança em si mesma; sobre esta
base se reconstruiu a mente da paciente e esta pode
voltar a vida normal, finalmente.
Conhecemos muitas pessoas
afetadas pela inadaptação ao impulso de
autoconservação e outros instintos e emoções.
Poderíamos citar muitos casos para provar que todas
as emoções podem, em certas circunstâncias,
converter-se em fontes de dificuldades. Depois da
Primeira Grande Guerra, alguns eminentes homens
da ciência - o Dr. William Brown entre outros -
observaram casos de neuroses originados, não na
repressão dos impulsos sexuais ou na necessidade
de autoexpressão, senão no complexo do medo.
Efetivamente, comprovou-se que alguns pacientes
haviam sofrido psicoses e até demência, em razão do
temor da guerra e da destruição. Muitos casos
classificados como neuroses de guerra na realidade
não a haviam experimentado de perto, mas eles não
obstante, haviam desenvolvido sintomas idênticos
devido o temor de ver-se envolvidos no conflito.
De modo igual, também é sumamente
forte no homem o instinto gregário. Os homens
buscam companhia, querem ter amigos e gente que
os rodeie. Quando não tem nada por perto, sentem-
se sozinhos e abandonados. Este desejo de reações
sociais é um dos instintos primários, segundo
explicamos no capítulo sobre a “Emoção”. Não
devemos identifica-lo como um instinto sexual - como
tratou de fazê-lo Freud apoiado em generalizações
sem fundamento - nem devemos atribui-lo ao desejo
de poder ou ao dominar aos demais, como queria
Adler. O homem quer ter amigos, antes de tudo,
porque desfruta em sua companhia. Não os busca
50

somente para proteger-se ou como expressão do
desejo sexual ou do poder, senão também para trocar
idéias e emoções, para compartilhar seus
pensamentos e experiências. A repulsão ou negação
deste impulso gregário pode ser causa freqüente de
distúrbio mental. A observação tem demonstrado que
as pessoas transtornam-se, se ficarem sozinhas por
um longo período. Quando nos vemos privados de
amigos ou companheiros; quando deve-se viver em
lugares isolados, em um deserto, uma ilha ou em
confinamento solitário, tende a transformar-se em
estranha e excêntrica, se não positivamente louca.
Existem diversas razões que explicam, mas a causa
fundamental é a repressão do instinto normal de
camaradagem. Existem, por hipótese, algumas
pessoas excepcionais a quem não interessa a vida
social, devido a um temor íntimo, resultado da
educação inicial de seus pais, ou de outras condições
e circunstâncias; mas estes casos são raros.
Também há pessoas que levam uma intensa vida
interior , não porque tenham a natureza egoísta de
um introvertido, senão por um profundo interesse na
compreensão das coisas mais elevadas, a saber; a
espiritualidade, a verdade ou Deus. Os homens
dedicados a investigação científica, os grandes
mentores espirituais, os estudiosos e outros
indivíduos de natureza semelhante, preferem a
solidão durante longos períodos. Nestes casos, suas
atividades proporcionam uma profunda satisfação e
por isto não necessitam dos contatos sociais para
serem felizes.
Também existem outros instintos no
homem, conhecido com o nome de instinto
cognoscitivo. É o afã do saber. O homem quer
compreender a si mesmo e o meio que o rodeia; quer
analisar e descobrir a verdade sobre tudo o que vê.
51
Pode demonstrar esta tendência desde a mais tenra
infância, formulando perguntas e revelando interesse
pelo mundo que o rodeia. A esta classe de indivíduos
não os satisfaz saber que uma coisa existe; querem
saber como e porque existem. As teorias de Freud e
Adler sobre os impulsos primitivos não podem servir
para interpretar o instinto cognoscitivo. Como nos
casos anteriores, quando este impulso recebe uma
intensidade indevida ou não se acha em harmonia
com as demais tendências mentais, também pode ser
a causa de transtornos mentais. Por exemplo, se um
homem tiver somente uma possibilidade de
desenvolvimento intelectual, mas apesar disto sofre
de um insaciável desejo de conhecimentos, pode cair
em uma neurose, exatamente como no caso dos
impulsos desequilibrados ou insatisfeitos. Um desejo
anômalo ou frustrado de conhecimentos pode
determinar o aparecimento de complexos de
inferioridade e superioridade e outras formas e
desordem mental.
Depois de estudar a interpretação da
mente subconsciente, de acordo com as teorias da
moderna psicologia ocidental, fica a impressão de que
se considera o subconsciente algo como uma força
mental separada, encarregada de regular o que um
indivíduo médio considera sua mente consciente.
Mesmo assim, cabe inferir daquelas interpretações,
que o subconsciente é o depósito das forças
“escuras” e tendências reprimidas pelo homem, que
provocam as anomalias ou neuroses. Finalmente,
encontramos que Jung fala do “inconsciente coletivo”,
que influi sobre o inconsciente dos indivíduos. De
tudo se destaca que, pelos menos alguns psicólogos
modernos, tem chegado a conclusões de que a mente
subconsciente contém, não só tendências reprimidas
51

de um indivíduo, senão também as daqueles que os
rodeiam.
Os psicólogos hindus insistem
particularmente nas tendências intrínsecas ou
impressões passadas (samskaras) das quais se
compõem o subconsciente. Estas impressões de
pensamentos de atos passados podem ser de
qualidade boas, má ou indiferente. Em consequência
permanecem no que se conhece como estado
subconsciente da mente, sob a forma de tendências.
Podem ressurgir como recordações e converter-se
em poderosos fatores, chegando a determinar em
muitos casos as funções do estado consciente.
Vejamos o que o Swami Vivekananda diz a respeito:
“Se um homem escuta
continuamente palavras más, pensa e
executa idéias más, sua mente ficará cheia
de más impressões, que haverão de influir
sobre seus pensamentos e sua obra, sem
que ele chegue a ter consciência destes
atos...; será como uma máquina nas mãos
de suas impressões, que o obrigarão a
cometer o mau. De modo semelhante
...quando um homem realizou muitas boas
obras e pensou em muitas idéias nobres,
promove-se nele uma irresistível tendência
para o bem, ainda quando deseje fazer o
mal, e apesar de si mesmo, sua mente, que
é a soma total de suas tendências, o
impedirá. Neste caso, o sujeito estará
completamente dominado pela influência
das boas tendências.”49
49
Works, I, 52-53.
52
A mente de uma pessoa também
recebe a influência do meio e da companhia de
terceiros. O professor Jung assinala um considerável
valor ao subconsciente coletivo50 . Assim, chega a
conclusão de que a mente consciente e
subconsciente do homem acham-se
consideravelmente influenciados pelo subconsciente
coletivo. Os psicólogos hindus não só ensinam que
as impressões provenientes de outras mentes podem
ser de natureza passiva, como também que existem
influências dinâmicas e, deste modo, uma
transferência ativa do pensamento. Em todas as
épocas, os mestres hindus advertiram o fato de que a
mente de um indivíduo pode exercer uma influência
ativa nos estados conscientes e subconscientes dos
demais. Tampouco passou-lhes desapercebido o
poder da sugestão. Para eles, a mente
subconsciente não é tão somente um depósito de
pensamentos e atos passados, mas que contém
também as impressões recebidas consciente e
inconscientemente dos demais. Crêem, desta forma,
que as impressões passadas podem provir de uma
vida anterior.
Segundo os mestres hindus, a mente
traz consigo experiências de existências passadas,
posto que crêem na teoria da reencarnação. 51 Os
filósofos e psicólogos hindus opinam que a alma
individual atravessa diversos estágios de vida,
acumulando experiências e retendo possibilidades
latentes de evolução e desenvolvimento futuro, assim
como a semente contém a possibilidade de uma
50
Carl Gustav Jung, Integration of Personality (New York: Farrar &
Richart, Inc. 1939).
51
Nas seguintes obras acharão referências a teoria da reencarnação: Work,
I, 239, 318 e 330; II, 218-20, 224-25, Swami Abhedananda, Reincarnation
(Mylapore, Madras: Sri Ramakrishna Math).
52

árvore futura. Ainda que o corpo material pereça, as
impressões (samkaras) dos demais pensamentos e
atos passados subsistem no corpo sutil. Os
pensadores hindus não somente sustentam que a
alma possui um corpo material, mas também um
corpo sutil e outro causal, cada um dos quais
desempenha diferentes funções. Para compreender
estes três corpos ou bainhas, podemos recorrer ao
exemplo da pessoa e seus vestidos, com as distintas
peças de vestuários exteriores e interiores. Cada
uma delas desempenha uma função particular. O
corpo material da alma do indivíduo funciona também
em um plano material. Os instrumentos internos
(Antahkarana-manah, buddhi, ahamqar e chitta,
segundo explicado no cap. II), e demais funções sutis
se acham no corpo sutil. O corpo Causal consiste
nas impressões sutis e na consciência básica do Eu,
que individualiza o ser. Na reencarnação, a alma
individual retorna para este mundo em um novo corpo
material, com aqueles samkaras como base de que
chamamos tendências.52 A mente inconsciente
guarda estas impressões. Diante deste ponto de vista
é possível explicar satisfatoriamente múltiplos
temperamentos e tendências individuais. A
reencarnação prolonga-se mediante a impressão de
impulsos criados pelos resíduos passados de atos e
pensamentos. O ciclo de nascimento e de morte se
extingue somente quando a mente total, consciente e
inconsciente, se unifica por completo e alcança a
liberação final de seus apetites e impulsos
desordenados, graças a iluminação definitiva.
Dentro da mente subconsciente
reside a soma total das experiências, impressões e
tendências do indivíduo e a qualidade de sua
52
Srimad-Bhagavad-Gita, traduzido pelo Swami Swarupananda
(Mayavati, Almora, Himalaya: Advaita Ashrama, 1933), capítulo II: 32.
53
influência sobre o estado consciente. Assim como
também sobre a mente dos demais, se acha
determinada pela qualidade das ditas impressões,
segundo sejam boas, más ou indiferentes. 53 Mas o
homem não tem porque ser uma criatura do passado.
O conteúdo da mente subconsciente criada por suas
próprias idéias e ações passadas, assim como
também pela influência dos demais, pode modificar-se
ou transformar-se, criando novos samkaras ou
impressões.54 Ao modificar a qualidade de seus
hábitos mentais no presente, um homem pode
determinar por si mesmo qual será seu futuro estado
mental. Assim, regulando seus pensamentos e
emoções, um indivíduo pode ganhar para si novas
esperanças e possibilidades.
Existem muitas pessoas no Ocidente
que consideram fatalista a religião e a filosofia hindu.
Isto esta longe de ser verdade. Os filósofos e
psicólogos hindus crêem firmemente que um homem
pode modificar o curso de sua vida, se possuir uma
reta compreensão e proceder em consequência,
criando deste modo um novo conjunto de samkaras
ou impressões para reorientar sua vida.
53
Works, I 52.
54
Aforismos yogas de Pantajali.
53

CAPÍTULO V
VONTADE E PERSONALIDADE
Nossas emoções, impulsos e instintos
se acham indissoluvelmente relacionados com nossa
volição. Em efeito, nós desejamos expressar todas
as nossas emoções. Quando a mente se torna ativa
em sua totalidade, a denominamos “vontade”. Sem
esta vontade, não nos é possível traduzir nossas
idéias ou emoções para a ação ou à um estado
dinâmico. Em consequência, ainda quando tenhamos
pensamentos e ideais elevados e emoções exaltadas,
estes resultarão inoperantes em nossa vida prática. A
vontade é de importância fundamental para qualquer
indivíduo. As vezes comprovamos que, quando se
produz um conflito ou uma confusão na mente
subconsciente , a vontade não consegue completar-
se. Devido ao conflito, os impulsos surgem primeiro
em uma direção e logo em outra, com o resultado de
que nenhum impulso sozinho ou conjunto de impulsos
alcançam sua máxima satisfação. Deste modo, a
vontade não toma uma forma concreta e perde poder.
Poucos de nós se dá conta de que nossos fracassos
na vida devem-se a uma vontade incompleta.
Geralmente, diz a expressão popular: “este homem
não tem força de vontade”. Entretanto, é um erro
pensar que não possuímos vontade. O exato seria
dizer que não a temos integrado ou completada.
Nestes casos, a mente se divide e sobrevem o
fracasso. Portanto, não podemos realizar coisa
alguma a menos que disponhamos de uma vontade
54
integrada ou unificada. Seu cultivo é, pois, de
importância fundamental.
Em alguns casos, as perturbações
mentais fracionam totalmente a personalidade. Estes
casos deverão ser tratados, em primeiro lugar,
clinicamente. A todos nós tem ocorrido de encontrar
pessoas que sentem medo de atravessar a rua
sozinhas. Há alguns anos atrás, um amigo nosso nos
apresentou uma pessoa que sentia profundo temor
quando tinha de atravessar a rua; tal era seu estado
nervoso que não podia desenvolver nenhuma de suas
atividades cotidianas. Trata-se de uma condição
deplorável, e nós sabemos por nosso contato pessoal
com outros casos, como também pelas experiências
de alguns de nossos amigos médicos, que existe um
sem-número de casos em que o indivíduo não logra
controlar sequer as funções ordinárias. Geralmente,
os psiquiatras conseguem ajudar a estes pacientes,
ao desenterrar o conflito oculto e, uma vez
descoberto, a mente volta a funcionar na forma
normal. O lado dinâmico da psique entra em ação e
então o indivíduo se encontra em condições de
desempenhar corretamente suas atividades
Entretanto, nós não nos conformamos
com isso; nós queremos algo mais que uma
conclusão média. É certo que os homens e mulheres
médios, podem conduzir satisfatoriamente seus
assuntos ordinários, mas resultam completamente
impotentes para a expressão de seus ideais. Em
efeito, lamentavelmente fracassam no emprego das
emoções e ideais espirituais superiores, no transcurso
de sua vida e de seus atos, ainda quando não lhes
falte a compreensão teórica da filosofia religiosa. Os
cristãos tem estudado completamente os
ensinamentos de Cristo, assim como os adeptos de
outras religiões tem estudado seus respectivos
54

ensinamentos. Nós não cremos que existe uma só
criança que não compreenda os princípios
fundamentais dos ensinamentos de Cristo e dos
demais grandes mestres. Todos eles sabem que “o
ódio não pode ser conquistado pelo ódio senão pelo
amor”. Todo o mundo conhece os princípios elevados
e, no entanto, muitas vezes não logram levar à prática
tais ideais. Porque Porque falta-lhes força de
vontade. Sua vontade se acha completamente
desintegrada e, por conseguinte, são incapazes de
levar a cabo seus objetivos e ideais.
Se observarmos uma criatura,
comprovaremos que, em momentos diferentes, possui
diferentes ideais. As vezes, admira a sua mestra;
outras vezes, a mestra da escola dominical; em outra
ocasião, a um de seus pais. Logo passa a admirar ao
outro progenitor e começa consequentemente a imitá-
lo, para mudar em pouco tempo, e assim
sucessivamente. Seus ideais variam continuamente,
e dado que não exercem uma ação acabada na vida
da criança, suas emoções não chegam a integrar-se.
Quando um indivíduo entra na adolescência, se não é
educado para unificar seus ideais, experimentará um
revolvimento de emoções determinantes de conflito.
Atualmente, como resultado desta falta de precaução,
os jovens adolescentes de ambos os sexos ingressam
no amadurecimento em deploráveis condições, sendo
incapazes, em geral de colocar em prática os ideais
que sustentam. Perdem, deste modo, seu equilíbrio
mental e caem sujeitos a fácil influência das distintas
pessoas que cruzam em sua vida, seguindo ora em
uma direção ora em outra, segundo as circunstâncias;
por esta razão é necessário desenvolver a vontade se
queremos que nossa vida seja governada por
emoções integradas e ideais vigorosos; de outro
modo, seremos escravos, não só de nossos próprios
55
desejos e emoções, senão também das emoções e
desejos dos demais.
Muitas pessoas tem uma idéia
confusa do que é a verdadeira natureza da vontade,
como também da diferença que existe entre a
vontade e o desejo. No caso do desejo, é duvidoso
se será visto ou não cumprido. Por exemplo, eu
desejo fazer fortuna, mas não estou seguro de
consegui-la. Desejo ser santo, mas não estou
completamente seguro de que isso me seja possível,
ou, de sê-lo, de que consiga unificar minhas emoções
e transferir meu ideal para a ação. E então, enquanto
que esta falta de convicção é a que caracteriza ao
desejo, a condição primordial da vontade é,
precisamente a convicção. Brown, McDougall e a
maioria dos psicólogos opinam que é necessário
possuir uma convicção dinâmica ou fé em si mesmo
para desenvolver a vontade. Os psicólogos hindus
declaram freqüentemente que a qualidade básica da
vontade é o que denominam shraddha, que se traduz
como “fé”. Como disse o Swami Vivekananda:
“O ideal da fé em nós mesmos
nos causa uma inestimável ajuda. Se fosse
ensinado e praticado na forma mais
exaustiva a fé em nós mesmos, estou
seguro de que grande parte dos males e
misérias que atualmente nos afligem,
teriam desaparecido. Em toda a história da
humanidade, se existe alguma força
propulsora mais potente que as demais, na
vida de todos os grandes homens e
mulheres, essa é a fé em si mesmo... Mas
não se trata de uma fé egoísta, posto que a
Vedanta é, uma vez mais, a doutrina da
55

Unidade. Isto significa fé em todos, porque
um e todos são uma mesma coisa” 55 .
Shraddha é mais que a fé, é uma
convicção de poder e o desejo de levar a fé ao terreno
da ação. Quando um homem tem a convicção de que
pode expressar um ideal ou emoção dada, então
unicamente sua psique torna-se dinâmica, ativando-
se em sua totalidade. Quando não há convicção ou
fé, não há possibilidade de unificar a vontade. Alguns
de nossos leitores tiveram a experiência de que,
enquanto se aprende a dirigir um automóvel ou andar
de bicicleta, qualquer coisa que se tivesse interposto
no caminho bastava para deixar-los nervosos. Se,
conserva a calma e se tem a convicção de que é
perfeitamente possível desviar do obstáculo, então se
prosseguirá sem vacilações. Pelo contrário, se
carecem da convicção de que é possível, por
exemplo, passar o carro que segue na frente ou evitar
as pedras que obstruem o caminho, se encontrará
invariavelmente que a vontade se debilita e que não é
possível afrontar a experiência sem extremo
nervosismo e inquietude, do qual somente resulta um
acidente ou outras dificuldades. Para desenvolver e
completar a vontade, devemos ter serenidade mental
e convicção. A menos que um homem utilize esta
convicção ou shraddha, não será possível obter-se
coisa alguma na vida.
The man of faith,
Whose heart is devoted,
Whose senses are mastered
He finds Brahman (God)...
The ignorant, the faithless,
the doubter
55
Works, II, 299.
56
Goes to his destruction 56
.
Há outro hábito simples que é
indispensável para o desenvolvimento da vontade. A
miúdo empreendemos uma atividade que logo
abandonamos devido a nossos pensamentos e ideais
em conflito, desejos e anseios divergentes. As vezes,
queríamos ser músicos ou matemáticos; logo, quando
estamos rodeados de homens da ciência,
gostaríamos de ser cientistas, e filósofos, ao
contrário, quando encontramos e travamos amizade
com um filósofo. Então, durante dias,
acompanhamos uma escola de música para fazer-nos
músicos, ou de uma escola hindu para sermos
psicólogos ou yoguis, e igualmente podemos acudir a
um filósofo para que nos ensine filosofia. Em suma,
não levamos ao final nenhuma das atividades
empreendidas, e o resultado é que desperdiçamos
nossa energia; malgastamos nosso poder mental e
nossa vontade não se vê estimulada nem unificada.
É necessário completar uma ação, qualquer que seja.
Talvez o sujeito tenha iniciado os estudos culinários,
então; é necessário que não recue em seu esforço
até haver aprendido a cozinhar. Se temos começado
a cozinhar uma torta, devemos terminá-la. Não
interessa se salgamos bem ou mal; o importante é
terminá-la. A mente tem características muito
particulares: se uma vez a deixar-mos rebelar-se ou
andar a seu capricho, depois nos resultará difícil
dominá-la. Outra característica da psique é que se
comporta como as crianças. O leitor tem observado
que as crianças põem à prova sua mãe, tratando de
56
Bhagavad-Gita, Tradução do Swami Prabhavananda e Christopher
Isherwood (Hollywood: Marcel Rodd Co., 1944), p. 68. O homem de fé,/
que tem coração devoto,/ e é senhor de seus sentidos,/ esse encontra a
Brahman (Deus).../ O ignorante, o infiel, o incrédulo/ marcha para sua
destruição.
56

ver até onde podem levar suas exigências. E se
descobrem que a mãe sempre lhes concede uma
pequena margem adicional, então seguem exigindo, e
quando se quer voltar a impor a disciplina, se
rebelam. De modo semelhante, a mente também nos
põe a prova procurando, se a permitimos, seguir seus
próprios impulsos. Por isso, quanto antes
imponhamos disciplina, mandando-a por exemplo:
“não, não podes ir, antes de fazer qualquer outra
coisa tens de terminar esta lição de música”, tanto
mais fácil será adquirir o hábito de completar todos os
atos iniciados, já sejam motivados por um impulso
particular, ou por uma emoção, um instinto ou um
ideal. E o resultado será a unificação de nossa
vontade.
Os psicólogos hindus insistem na
orientação da mente para objetivos puros e únicos.
Para desenvolver o tipo mais elevado de vontade, o
indivíduo não deve permitir que prevaleçam suas
emoções subalternas. Com efeito, deve cultivar
princípios de ética superiores, pois de outro modo o
corpo e a mente não poderiam chegar a ser puros.
Ademais, estes devem unificar-se e coordenar-se. Na
sua maior parte, a mente funciona mediante o sistema
nervoso, de modo que, quando os nervos se
debilitam, outro tanto se sucede com a mente. Por
conseguinte, os hindus preconizam a força do corpo,
do sistema nervoso. Freqüentemente observamos
que o corpo se sente cansado e preguiçoso, ou pelo
contrário, enérgico e ativo, ou finalmente equilibrado
e regulado, ou seja, para usar a terminologia hindu,
tamasic, rajasic, e sattvic. Quando o organismo ou o
sistema nervoso se mostra invadido pela inércia, a
mente em consequência se entorpece. Quando o
organismo se mostra ativo, a mente também se ativa.
Pelo contrário, quando o corpo se acha em um estado
57
equilibrado, a psique permanece serena e feliz. Esta
claro que estes três estados em geral são
classificados pelo predomínio de um sobre o outro.
Quando dizemos que se preconiza a pureza do
organismo ou sistema nervoso, queremos dizer que
deve manter-se o corpo em um estado de equilíbrio e
bem controlado, e que é indispensável sobrepor-se a
preguiça ou inquietude extrema. A menos que se
fortaleça o sistema nervoso, as pessoas comuns não
podem aspirar a possuir mentes vigorosas.
Entretanto, os seres extraordinários que tem
alcançado a integração mental mediante a prática da
concentração, são capazes de conservar uma
vontade forte e uma mente total unificada, ainda
quando o corpo se debilita consideravelmente. Os
psicólogos hindus opinam que é necessário conservar
a vitalidade mediante uma vida bem regulada.
Aconselham, assim mesmo, um método psicológico
para fortificar a vontade.
Existem duas maneiras de ajudar o
sistema nervoso:
1) Uma é física, e consiste em ingerir
certos alimentos ou vitaminas para fortalecê-lo. Este
fortalecimento conseguido mediante agentes físicos é
temporário, pois quando a mente sofre conflitos
emocionais ou perturbações subconscientes, os
nervos se debilitam e ressentem, pese o regime
dietético. Todos nos temos observado com
frequência que, quando se experimenta uma emoção
violenta, os nervos sofrem uma sacudida. Um
homem débil ou nervoso não pode aspirar a possuir
uma vontade dinâmica, pois neste caso a mente é
incapaz de funcionar em sua totalidade. Em
consequência, a vontade ao poucos se desvanece.
Por isto os hindus aconselham começar por integrar,
purificar e unificar as emoções para que os conflitos
57

interiores se dissipem e seja possível robustecer os
nervos. Uma vez fortalecidos mediante a purificação
mental, a vontade se torna dinâmica.
Nossa força vital 57 geralmente
funciona por meio das correntes nervosas centrais,
ida e pingala, de acordo com a terminologia hindu, ou
correntes nervosas sensórias e motrizes, segundo os
modernos termos fisiológicos. Quando se permite que
estas duas correntes nevosas, a sensória e a motriz,
se dissipem, a vontade se debilita. Os centros ou
correntes nervosas também podem ser sobre-
estimulados e esgotados por conflitos mentais
extremos, frustrações, apreensões, ansiedades e
outras perturbações análogas. Então todo o sistema
nervoso se desintegra e o funcionamento da força
vital decresce ao extremo. Segundo os psicólogos
hindus é possível conservar ou esgotar a energia
mental e física quando se faz funcionar a força vital
em forma efetiva ou inadequada. Desta forma, esta é
uma das razões pelas quais alguns mestres hindus
preconizam certas formas de respiração rítmica. A
respiração apropriada favorece o relaxamento dor
corpo inteiro, a fortificação do sistema nervoso e a
conservação da força vital. Depois de tudo, a forma
de expressão mais sutil da força vital na fisiologia
humana reside no sistema respiratório. Quando o
sujeito regula o sistema respiratório, pode estar
seguro de conservar a força vital. Como resultado
deste, os nervos se robustecem, e já sabemos que
quando os nervos são fortes, também o é a mente, a
qual pode funcionar em sua totalidade. E, como
consequência, a vontade se torna dinâmica.
2) Outro importante método
aconselhado pelos hindus, é a prática da
concentração e da meditação. Por enquanto somente
57
Prana, vale dizer, a entidade que fornece energia e potência ao sistema.
58
nos ocuparemos do primeiro, pois o segundo teremos
oportunidade de considerá-lo extensamente no
próximo capítulo. A prática da concentração
acostuma a mente a centrar-se em torno de um só
ponto. Quando tratamos de concentrar-nos,
enfocamos a mente sobre um objeto e não
permitimos nenhuma flutuação lateral. Nosso
propósito é disciplinar a mente e obrigá-la a pensar
em uma coisa por vez. Esta claro que a princípio
resulta sumamente difícil focar a mente sobre um só
objeto, posto que carecemos do hábito de pensar
durante vários minutos em uma só coisa. É possível
que pensemos constantemente em algum amigo, ou
em nossos filhos; mas ainda assim os pensamentos
são sucessivos e mudam permanentemente; falta,
pois, um pensamento único. Ainda quando tenhamos
formosas idéias e emoções, se estas se dão em
forma sucessiva , não haverá unificação nem
focalização. Quando pensamos em um filho, não
enfocamos a mente sobre um aspecto particular,
senão sobre os diferentes aspectos do mesmo.
Quando pensamos em nosso amigo, consideramos os
detalhes das distintas experiências que
compartilhamos. Raras vezes visualizamos a um
amigo e permanecemos absortos, concentrados em
um de seus aspectos particulares. Os hindus nos
aconselham focar a mente sobre uma só coisa por
vez, durante certo tempo. O resultado é maravilhoso:
a mente inteira com todas as suas forças converge
para o ponto onde há de integrar-se. Para
compreender as características desta concentração
caberia pensar nos raios solares. Quando os raios
são difusos, as radiações solares carecem de
intensidade calorífica e luminosa; mas quando os
raios convergem, centrando-se sobre um objeto, até é
possível acender um fogo com o calor produzido. De
58

modo semelhante, quando nos concentramos
enfocamos a mente inteira: todas as funções da
mente convergem para um só ponto. O resultado da
operação é a unificação geral e da integração da
vontade.
Para integrar a vontade e desenvolver
a faculdade de concentração é mister ter em conta
outro fato importante. Com efeito, sempre devemos
possuir um ideal unificado que nos guie. Quando se
tem esse ideal ou valor de vida superior e os estados
mentais podem operar sob sua influência, então as
forças mentais logram integrar-se e os conflitos se
dissolvem gradualmente, permitindo que a vontade se
torne ativa em sua totalidade. Consideremos, por
exemplo, os heróis nacionais. Todos eles, possuíram
algum ideal a cuja influência organizaram suas vidas.
Todas as suas forças mentais foram postas a seu
serviço e disto resultou sua enorme potencialidade
para a ação. De modo inverso, um homem também
pode ser terrivelmente destruído se todas as suas
forças se acham orientadas em sentido negativo.
Atualmente observamos, ao estudar a
história política do mundo, que existem pessoas
capazes de levar seus ideais à prática, devido a que
suas mentes se acham purificadas. Se um sujeito
tem por norte de sua vida um ideal nacional ou
familiar, invariavelmente estes ideais entraram em
conflito com outros fatores. O mero nacionalismo
como ideal não pode resultar construtivo e sintetizante
para a humanidade, ainda quando possa contribuir a
unificar as emoções de um homem, dinamizando sua
vontade. Este tipo de vontade unificada não conduz,
certamente, a felicidade humana. Um ideal familiar ou
nacional como força integradora pode, sem dúvida,
unificar estados mentais, mas sempre cria conflitos
entre os indivíduos, as famílias ou as nações, que
59
trazem como resultado discórdias, guerras e
destruição. As páginas da história universal estão
cheias de exemplos onde a discórdia e as
perturbações deste tipo conduzem finalmente, aos
homens cuja vontade se há integrado com aqueles
ideais, a formas extremas de infortúnio e aniquilação.
Ideais tão estreitos e limitados não podem, em
verdade, criar um estado espiritual saudável.
Os psicólogos hindus e alguns
psicólogos ocidentais nos aconselham a adotar o ideal
universal, quer dizer, o ideal de Deus, escolhendo-o
como fator construtivo para desenvolver a vontade.
Quando elegemos a Deus como fator unificador,
elemento integrativo ou ideal de vida, todas as
emoções, processos intelectuais e estados mentais
alcançam a unificação; e então a vontade integrada
começa a operar somente para o bem e felicidade de
todos e não para a destruição e o caos. Todas as
famílias e nações, por distintas que sejam, podem
unificar-se na existência universal de Deus , com a
certeza de que são verdadeiras manifestações do
Absoluto, é dizer, filhos de Deus. Quando uma
pessoa adota este ideal universal como o valor de
vida mais elevado, elimina espontaneamente a causa
do conflito, ao obstar a divergência de interesses
entre os distintos indivíduos e grupos, unificando a
todos sob o império de Deus. As ambições e
interesses pessoais ficam assim subordinadas e
harmonizadas para o bem e a felicidade de todos.
Por este motivo, a prática da concentração em um
ideal elevado é a melhor maneira de materializar o
poder latente que possuímos. Nos últimos capítulos
voltaremos a considerar este ponto mais detidamente.
Mediante a unificação da vontade se
alcançam diversos tipos de percepções
extrasensoriais; em realidade, somente pode-se ter
59

experiências místicas e visões supraconscientes
quando a vontade se acha integrada. Sabemos,
desta forma, que a vontade unificada exerce uma
tremenda influência sobre o corpo. A psicologia hindu
explica a forma em que se podem controlar as ações
involuntárias do organismo mediante a vontade
desenvolvida. Muitas pessoas tem provado, na India,
que é possível manter sob controle as ações
involuntárias dos músculos, e nós sabemos de gente
que alcançou um insólito domínio sobre as funções
elementares do corpo humano. Também existem os
que podem alterar o ritmo do sistema circulatório
mediante o controle mental. A vontade é capaz de
aplacar os desejos humanos tais como fome e sede;
de fato, pode até eliminar os males físicos.
Freqüentemente escutamos falar de cura mental.
Certos de que existem muitos casos fraudulentos;
mas não são menos , e se conhecem em todo o
mundo, os casos genuínos de cura mental. No
Ocidente, consideram-os como milagres. O Dr. Alexis
Carrel tem registrado alguns casos, e nós, por nossa
parte, também temos tido ocasião de presenciar feitos
desta natureza. Sabemos ademais , que certas
pessoas dotadas de tremenda força de vontade
podem chegar a controlar, inclusive, as leis da
natureza. Este fator será analisado no capítulo
dedicado aos efeitos da “Meditação”.
É um feito perfeitamente conhecido
para o mundo cristão que São Francisco de Assis
teve os estigmas da crucificação. A verdadeira
explicação do fenômeno é que São Francisco havia
unificado a totalidade de sua mente com Cristo, com
tanta intensidade, que chegou a identificar-se
fisicamente com o Senhor. Existem muitos incidentes
na vida de São Francisco que constituem resultados
diretos da vontade integrada. Sabemos de uma
60
monja na Bavária, Alemanha, a quem também saíram
em seu corpo certas características físicas de Cristo.
Afirma-se também, que outra monja de Roma
apresenta sintomas corporais todos as sextas feiras
santas. Tudo isto pode ser explicado se
compreendido as leis superiores da psique.
Quando estudamos a vida de Sri
Ramakrishna, da India (1836-1886), encontramos
multidão de feitos relacionados com o acontecimento
de variações físicas sujeitas as modificações de seus
estados mentais. Em distintos momentos de sua
vida, tiveram efeitos múltiplas mudanças físicas
definidas de funções voluntárias e involuntárias do
seu corpo 58 .
SUGESTÃO
O desenvolvimento da vontade
guarda uma estreita relação com a transferência do
pensamento. Os homens são seres gregários.
Vivemos em sociedade; constantemente nos vemos
submetidos a influência dos demais e, a nossa vez,
incidimos diretamente ou indiretamente sobre algum
indivíduo.
Existem dois tipos de sugestão. Uma
é a que tem lugar através da razão e da lógica, tal
como nos é apresentada quando lemos certos livros.
Em alguns sistemas filosóficos nos é dado seguir o
processo do pensar e a corrente intelectual,
logicamente, passo a passo. Neste caso, apreciamos
e aprendemos algumas idéias e ideais, adotando
racionalmente as sugestões ali contidas. Por outro
lado, temos as sugestões que não são de caráter
58
Swami Saradananda, Sri Sri Ramakrishna Lilaprasanga, Vol. II.
Sadhakabhava (Calcuta; Oficina Udbohan), capítulo 14.
60

racional nem deliberados. Temos, por exemplo, as
sugestões que podem ser dadas por nossos vizinhos
durante uma conversa. É possível que nos contem
histórias de fantasmas e obsessões e que nossa
mente consciente, longe de aceitarem-nas, achem-
nas ridículas. Não obstante, é possível que a mente
inconsciente aceite a sugestão. E que, ao achar-nos
tempos depois em um lugar solitário, ou em uma casa
escura, ressurja a idéia - despojada já do ridículo - e
nos encha de temor. Este medo origina-se porque a
mente subconsciente, em um outro momento, a
aceitou e apreendeu, em forma não racional, certas
sugestões. Comprovamos, pois, que a mente
subconsciente é a portadora da ditas sugestões.
Freqüentemente, nossos pais nos dissuadem, com a
melhor intenção, de fazer determinada coisa. “João,
você e Maria não deveriam sair sozinhos esta noite”;
eis ai uma idéia negativa, embora seja possível que
João e Maria não se dêem conta disto. Então,
conservam subconscientemente a idéia e, ao saírem
efetivamente sozinhos a noite, se sentem - talvez sem
saber porque - estranhamente nervosos. As
sugestões relativas as enfermidades são deploráveis.
Atualmente os jornais, revistas e demais publicações
se ocupam permanentemente dos sintomas de certas
doenças. Entretanto, muitos desses sintomas são
comuns em outras doenças. Consideremos, por
exemplo, as enfermidades do estômago. Estas
doenças podem originar-se como resultado do
excesso de ácido gástrico ou de um nervosismo geral
exacerbado, pois quando o sistema nervoso se acha
agitado e perturbado, pode provocar certos tipos de
transtornos gástricos. As dificuldades surgem quando
se ingere algo inadequado para a digestão da pessoa,
ou quando este ingere um alimento achando-se
exausto ou emocionalmente alterado. As vezes os
61
sintomas podem ser devido a uma úlcera ou tumor
maligno. Então, quando uma pessoa se intera dos
sintomas deste tipo de enfermidade, é provável que
pense: “Talvez tenha um tumor no estômago”. O
medo começa a obcecá-lo e esta mesma obsessão
transtorna seu sistema nervoso, submetendo-o a uma
condição neurótica. Nós conhecemos vários casos
desse tipo. Muitas psiconeuroses provém de uma
apreensão ou falso medo, sendo sua base, de caráter
irracional e provocada pela sugestão indireta.
A sugestão direta e indireta podem
ser construtivas ou destrutivas, positivas ou
negativas. Na sugestão construtiva somos
persuadidos com uma idéia em um processo lógico
direto e ainda na conversação direta; digamos, por
exemplo, que é bom amar o próximo. Talvez na
conversação direta alguma pessoa nos tenha dado
um exemplo e a mente subconsciente retenha a idéia
de que o amor conquista ao ódio. Não necessitamos
ler as Escrituras ou revisar todos os ensinamentos da
Lógica para chegar a esta conclusão. A psique,
simplesmente, aceita a sugestão. Se eu tenho a
convicção de que, efetivamente, o amor conquista ao
ódio, então quando presente à ocasião, tratarei de por
em prática esse princípio, ainda que
inconscientemente. Pelo contrário, da sugestão
negativa ou destrutiva, resulta o ódio as demais
raças. Não faz muito tempo, muita gente deste país
associava os chineses com os tintureiros, ou donos
de restaurantes; pensava-se que um chinês somente
poderia servir para limpar roupa ou servir comidas.
Não ocorria as pessoas que um chinês também
pudesse ser um estrategista genial, um filósofo, um
industrial ou um banqueiro. Creiam que estas
qualidades eram patrimônio exclusivo de certas raças
e grupos étnicos. Ainda hoje se impõe as crianças
61

idéias semelhantes, que são acreditadas ao pé da
letra. Em consequência, uma vez adultos, seguem
expressando estas qualidades negativas. Os conflitos
entre judeus e cristãos constituem um bom exemplo.
Neste caso, é dado comprovar que freqüentemente
os padres expressam diretamente ou indiretamente
idéias negativas, e os filhos se embebem das
mesmas e as expressam a sua vez, mesmo depois de
ter chegado na maturidade, no convencimento que é
bom fazer mal a um grupo antagônico. Estas idéias
negativas são aceitas sempre que contenham certa
dose de fé.
Não será demais dizer aqui que os
movimentos da Ciência Cristã e o Novo Pensamento
se servem com frequência, do método da sugestão
para tratamento de seus fiéis. Pode ser que as
mentalidades científicas aceitem ou não a filosofia
destes grupos, é inquestionável que em muitos casos
o método tem resultado eficaz. Em ambas as
tendências se observa uma considerável influência da
psicologia hindu. Sabemos que alguns de seus
membros reitores assistiram as conferências e aulas
proferidas pelo Swami Vivekananda em Nova Yorque,
na última década do século passado. Sabemos
também que Mary Baker Eddy, a fundadora da
Ciência Cristã, reconheceu sem débito de gratidão
com os ensinamentos do Bhagavad-Gita, em uma das
primeiras edições de sua obra “Ciência e Saúde” 59 .
Não queremos dizer com isto que as personalidades
reitoras da Ciência Cristã e o Novo Pensamento
hajam adotado cabal e sistematicamente os sistemas
filosóficos e psicológicos hindus. Somente adaptaram
59
Mary Baker Eddy, Science and Health ( 24 ed., 1886), cap.,8
especialmente p. 259; citado por Swami Abhedananda, Cristian Science
and Vedanta (7 ed., São Francisco: Vedanta Ashrama, 1902), pags. 2-3.
62
certas idéias à suas próprias concepções e práticas
filosóficas.
HIPNOSE
Também existem métodos para
subministrar sugestões construtivas ou destrutivas
deliberadas, como a hipnose. A hipnose não é senão
uma sugestão consciente e deliberada, imposta a
uma pessoa que a aceita e crê. Tanto na sugestão
ordinária como na hipnótica, existe um fator de suma
importância, a saber, a atitude da mente que recebe a
sugestão. O fato de que a chamemos sugestão
deliberada ou hipnose não supõe nenhuma diferença.
A mente deve achar-se disposta a aceitá-la, seja
consciente ou inconscientemente. As vezes ouvimos
dizer que alguém é capaz de fazer uma pessoa se
interessar por uma determinada idéia ou,
inversamente, que “nada pode influenciá-la”; mas
imediatamente se sente intrigado e então recebe a
sugestão, porque crê na possibilidade de ser influído.
Freud e certo número de psicólogos
ocidentais, pensam que deve haver uma
“transferência” entre a pessoa que dá a sugestão e a
que a recebe. O tratamento baseado na sugestão é
amplamente utilizado pelos psiquiatras, os quais
crêem que existe transferência entre o médico e o
paciente. A transferência significa uma relação entre
a pessoa que impõe a sugestão e a que a recebe.
Freqüentemente vê-se como uma transferência de
emoções antigas, fortes, arraigadas e inexpressadas,
se bem poderia ter lugar , inclusive, na esfera do
inconsciente.
Na vida espiritual deve haver algo
mais que uma mera relação; deve haver uma
62

verdadeira obediência, lealdade e amor por parte do
discípulo para a pessoa que impõe a sugestão e a
disciplina, para que esta se torne dinâmica e
operante. Tanto Brown como McDougall discordam
neste aspecto com a interpretação freudiana da libido.
Com efeito, sustentam que a causa da receptividade
para a sugestão não é o impulso da libido senão o
espírito de submissão. Tanto estes dois grandes
psicólogos como muitos outros investigadores, crêem
que existe uma tendência intrínsica da condição
humana de submeter-se aos demais, considerando-o
como um dos impulsos primitivos do homem. Na
realidade, a sociedade não poderia funcionar sem
uma tendência humana desta índole. Jamais
poderíamos aprender coisa alguma de nossos
mestres - nas escolas, colégios secundários ou
universidades - se não for a mercê deste espírito de
submissão ou receptividade. As vezes nossos jovens
se chateiam pelo emprego da palavra submissão;
reagem como se com ela se quisesse cercear as
dimensões do Eu. Mas nem por isso é menos certo
que sem esta atividade receptiva para com as demais
não seria possível aprender coisa alguma na terra,
seja no terreno intelectual, como na moral ou o
espiritual. Consequentemente, devemos esforçar-nos
por adquirir este espírito de submissão. Os hindus
afirmam que as sugestões somente se tornam ativas
e dinâmicas quando existe um profundo sentimento
ou vínculo entre a pessoa que proporciona a sugestão
e a que a recebe. Se não existe nenhum ponto de
contato emocional, faltará a via necessária para a
sugestão. O moderno psiquiatra deve levar em conta
este feito quando puser em prática o método da
sugestão. Ainda que a mera liberação de uma antiga
emoção inexpressada e sua transferência a outra
63
pessoa possam aliviar o paciente, nós cremos que
não bastam para construir a personalidade.
Hoje em dia, as práticas hipnóticas,
em maior ou menos grau, têm perdido vigência.
Charcot, Janet e outros investigadores se serviram
delas para curar casos de neuroses ou transtornos
mentais. Freud pôs em prática este método quando
iniciou, antes de desenvolver seu sistema
psicanalítico. Alguns psiquiatras todavia utilizam a
hipnose para a exercitação do processo da memória;
mas como método educativo não é muito bom e,
neste sentido, convém bani-la. A razão é óbvia. Na
hipnose , a vontade do sujeito mantém-se inativa, pois
esta se limita a receber a sugestão do hipnotizador,
que não o permite o emprego de sua própria psique.
Assim, é possível impor-lhe a sugestão de que esta
tremendo de frio ou dormindo, e esta se cumpre no
grau máximo a custa dos próprios pensamentos ou
sentimentos do sujeito. Deste modo, fica em
suspenso a atividade psíquica do paciente, e o efeito
não pode ser mais deplorável. É certo que um
homem pode declarar-se muito satisfeito por ter sido
curado de algumas obsessões ou de haver
descoberto parte de seu processo subconscientes;
mas não é menos certo que ao mesmo tempo sua
psique sofreu uma considerável debilitação. Ademais,
é um fato comprovado que uma vez que uma pessoa
sofre uma hipnose, o efeito do fenômeno perdura por
longo tempo. Conhecemos algumas pessoas que,
depois de haverem sido submetidas a um tratamento
hipnótico, padeceram seus efeitos por muitos anos,
sem que o fato passasse desapercebido. Seus
sistemas nervosos se debilitaram; suas mentes se
tornaram passivas e negativas e, por último,
acostumaram-se a receptividade de qualquer
sugestão ou idéias que fossem-lhes formuladas. Por
63

exemplo, se alguém os dizia: “Não sabe fazer nada,
como vai aprender isto”, ou: “Não deves sair
sozinho”, eles recebiam estas idéias negativas
convencidos de que não serviam para nada. É
possível , inclusive, que pensassem: “Talvez o que
disse este homem seja certo; nunca fui capaz de
fazer nada construtivo e valioso”. Temos conhecidos
casos em que estas atitudes negativas persistiram por
longo tempo, devido ao efeito da hipnose e de outras
sugestões similares. Também temos observado que
alguns deles desenvolveram uma espécie de atitude
obstinada, acompanhada de um complexo de
superioridade, destinado a encobrir seu sentimento de
inferioridade. Alguns também tratavam de fazer-se
notar, opondo-se sistematicamente a tudo o que se
propõem, com um ponto de vista contrário. Em suma,
podemos comprovar que, em geral, todos eles
revelam sinais de tendências sumamente insólitas
que não apresentavam antes do tratamento hipnótico.
Isto se deve a que todo o sistema nervoso fica
desagregado, e por isso, não se deve estimular o uso
da hipnose, ainda quando no primeiro momento
pareça aliviar o paciente. Um êxito passageiro não
pode justificar o debilitamento permanente da vontade
de nenhum indivíduo.
Coué, o expositor francês da teoria da
sugestão aplicada a psicoterapia, considera que no
tratamento por sugestão não se deve permitir ao
paciente que utilize a vontade. Parece crer que isto
cria um conflito entre a sugestão e o esforço.
Entretanto, o paciente não consegue integrar suas
emoções, não porque se produza um conflito entre a
sugestão e a vontade, senão , mais porque a vontade
não esta completa. Também Brown crê que deve-se
permitir a vontade funcionar em sua integridade. Nós
também propiciamos veementemente
64
funcionamento completo da vontade, a fim de eliminar
o conflito entre as emoções, os impulsos primitivos e
os ideais superiores da vida.
A psicologia hindu se acha
decididamente contra o hipnotismo, ainda que alguns
dos mestres tenham elaborado depurados métodos
de hipnotismo bashikaran, ou transferência de
pensamento, nunca se aconselha sua prática. Como
disse Swami Vivekananda:
“A chamada sugestão hipnótica
somente pode atuar sobre uma mente
débil. E até que o operador não consiga -
seja por meio de um olhar fixo ou outro
método - subordinar a mente do sujeito,
colocando-a em uma condição mórbida e
passiva, suas sugestões não surtirão
efeito...”
.............................................................................
..................
“Qualquer tentativa de controle
que não seja voluntária, quer dizer, que não
se leve a cabo com a participação da
mente do próprio sujeito controlado, não
somente é desastrosa senão que burla os
mais altos objetivos humanos. A meta de
toda a alma é a liberdade, o domínio de si
mesma, a libertação da escravatura a que
nos submete a matéria e o pensamento; é
o controle da natureza interna e externa.
No lugar de conduzir-nos nesta direção,
qualquer corrente volitiva proveniente de
outro indivíduo, qualquer que seja a forma
de sua transmissão e que se manifeste no
o controle direto dos órgãos e na ordem de
64

controlá-los, sob uma condição de
passividade mórbida, não faz senão
agregar mais um elo a pesada cadeia que
nos liga aos pensamentos e superstições
passadas. Portanto, devemos
precavermos de toda influência estranha a
nossa vontade. Também devemos nos
cuidar para não levar alguém à ruína sem
sabê-lo. Por certo alguns logram fazer o
bem a muitos sujeitos, durante algum
tempo, ao imprimir uma nova orientação a
suas inclinações; mas ao mesmo tempo
arruinam milhões de indivíduos mercê as
sugestões subconscientes que impõem a
seu redor, provocando nos homens e
mulheres esta condição mórbida, passiva e
hipnótica que termina por privá-los,
praticamente, da alma. Por conseguinte,
qualquer um que peça a alguém que creia
cegamente ou que arraste as pessoas atrás
de si, mediante o poder dominador da sua
vontade mais forte , comete um grande mal
para a humanidade , ainda que não seja
este o propósito”.
“Portanto, é necessário utilizar a
própria mente, controlar por nós mesmos o
corpo e o intelecto; recordar que enquanto
estando sãos, nenhuma vontade estranha
poderá causar um efeito sobre nós...;
guardemo-nos de tudo aquilo que possa
privar-nos de nossa liberdade.
sobremaneira perigoso. E por isto
devemos evitá-los acudindo a todos os
meios a nosso alcance” 60 .
60
Works, I, 172-73.
65
A suspensão do funcionamento
voluntário da mente sempre atua em detrimento da
unificação e integração da vontade. Não somente o
controle hipnótico é positivamente prejudicial, por
suspender o funcionamento normal da mente;
porquanto, a experimentação e o estudo dos
toxicômanos e dos bebedores contumazes, tem
demonstrado que eles também perdem a força de
vontade; uma vez que, seu funcionamento fica
transitoriamente suspenso, enquanto permanecem
sob a influência das drogas e do álcool.
Posteriormente, a medida que se vai contraindo o
hábito de suspender as atividades voluntárias da
mente , a vontade destas pessoas vão se
desintegrando paulatinamente, até que se tornam
quase incapazes de completar um ato qualquer em
um dado momento. Em consequência, estão
condenadas ao fracasso em tudo aquilo que exija a
intervenção da vontade dinâmica.
Contudo, no caso do hipnotismo, não
é possível forçar ninguém a submissão hipnótica, se
isto vai contra a sensibilidade moral. Alguns
destacados psicólogos, como Willian Brown, relatam
casos em que indivíduos se recusaram a comportar-
se de forma imoral, pese sua condição mórbida. Isto
nos prova que a parte da mente (inconsciente)
permanece, de certo modo, longe do que se sucede,
e que o sujeito deve crer nas sugestões do
hipnotizador e desejar aceitá-las, para colocar-se por
completo sob sua influência.
É
PERSONALIDADE
65

O problema da personalidade marcha
paralelo ao desenvolvimento da vontade. Um homem
não pode possuir uma personalidade dinâmica capaz
de afetar a vida dos demais, se não tem também uma
vontade integrada. É um fato característico que não
podemos manejar nossos próprios negócios e os de
nossos amigos e parentes, se não estamos dotados
de uma forte vontade. Mas não confundamos força
com arrogância. As pessoas começam a pensar que
para ter personalidade necessita-se ter uma espécie
de arrogância, ou que têm de “deslumbrar” o mundo.
De modo algum. A arrogância poderia resultar eficaz,
mas não com todas as pessoas. Como disse Lincoln:
“Você pode enganar algumas pessoas sempre, e
algumas vezes a todo o mundo, mas não é possível
enganar todo mundo sempre”. A arrogância é um
fator restritivo. Quando somos egolatras ou
arrogantes, tendemos a nos separar dos demais. A
personalidade, ao contrário, nos unifica. Um homem
dotado de personalidade atrai a todas as pessoas que
o rodeiam, enquanto que o arrogante somente pode
convencer as pessoas ou utilizar-se delas por curto
tempo. Ademais, as atividades de um arrogante
terminam sempre por criar discórdia e confusão,
enquanto que a de um homem de verdadeira
personalidade estabelece harmonia e o acordo mútuo,
em útil união.
Existe uma diferença marcante entre
individualidade e personalidade. A individualidade é
esta qualidade particular que distingue cada membro
de um grupo. Um homem é baixo e esta qualidade o
diferencia dos outros homens. A individualidade pode
ser de ordem física, mental, intelectual, emocional ou
de algum outro tipo, mas sempre separa uma pessoa
do grupo a que pertence. Existe quem os confundem,
não obstante, individualidade com personalidade.
66
Mas, enquanto a primeira nos limita, a personalidade
é a causa de nossa expansão, fazendo-nos ganhar
gradualmente em universalidade.
Todos sabemos que existem pessoas
dotadas de algo que atrai as demais. Em que consiste
esta atração  Os hindus afirmam que nossas
mentes individuais formam parte da mente universal.
Como tal, nos achamos profundamente relacionados
uns com os outros. Assim como nossas almas
individualizadas são parte da alma cósmica, outro
tanto ocorre a nossas mentes. Eis aqui o que disse a
respeito o Swami Vivekananda:
“...Existe uma continuidade da
mente, como dizem os yoguis. A mente é
universal. Tua mente, a minha, todas as
pequenas mentes não são senão
fragmentos desta mente universal, quer
dizer, pequenas ondas em um imenso
oceano; e graças a esta continuidade,
podemos transmitir nossos pensamentos
em forma direta” 61
Quando uma mente se torna ativa em
sua totalidade mediante o desenvolvimento da
vontade, entra em contato com a existência cósmica.
Se em uma dada pessoa registra uma onda de
pensamento, as vibrações desse pensamento
haverão de afetar a outros indivíduos. Se um homem
de uma personalidade vigorosa e uma pureza
extrema vive recluso em uma cabana, em um ponto
remoto da Terra, e concebe um pensamento
dinâmico, o pensamento haverá de influir sobre a
mente das pessoas que vivem em outras partes do
mundo. Não cremos, acaso, que Jesus nasceu há
61
Works, II, 13.
66

dois mil anos, que Ele concebeu uma porção de
pensamentos dinâmicos e lhes deu expressão e que
ainda hoje suas vibrações nos afetam  Mais ou
menos seis séculos antes de Cristo, Buda expressou
algumas idéias poderosas que ainda hoje nos afetam.
É surpreendente como os pensamentos dinâmicos de
Krishna, Buda, Cristo e Sri Ramakrishna, incidem
sobre o mundo atual. Sri Ramakrishna praticou a
harmonia religiosa. Seus pensamentos dinâmicos
sobre a harmonia das religiões incidem atualmente
sobre todos os povos do mundo, que começaram a
tornar-se mais liberais em sua compreensão e apreço
com a religião dos outros. Em lugar de renunciar a
religião, tendem a aceitá-la. As obras de Romain
Rolland, do professor Hocking e de outros autores,
demonstram que as idéias dinâmicas de Sri
Ramakrishna têm exercido influência direta sobre o
mundo. Em um recente livro, “As religiões vivas e a
fé do mundo”, o professor Hocking nos mostra como
progridem as tendências do mundo. Este autor é um
fiel cristão, mais que agnóstico ou humanista, e
quando lemos sua obra compreendemos plenamente
até que ponto aprecia as outras religiões.
Nossa modesta experiência com
mentores religiosos de Rhode Island, Massachusetts
e outros estados, tem sido em extremo felizes e
cordiais, por dizer menos. Tão amistosa e estreita é a
vinculação com nossos excelentes amigos o professor
Brightman, o decano Marlatt, o decano Skinner, o Dr.
Claxtomn, o professor Jonhson, o professor Wach, o
rabino Braude, o rabino Bilgray e muitos outros
representantes e mestres de distintas religiões, que
poderia crer-se que nos temos educado no mesmo
meio. E a esta lista poderíamos agregar muitos
outros nomes. Isto prova categoricamente que toda a
atmosfera se acha em vias de transformar-se
67
radicalmente, entre os pensadores e fiéis mais
profundos. Tal tem sido a experiência de muitos
membros de nossa Ordem (Os Swamis da Ordem
Ramakrishna) no Ocidente. Não só na América
senão também na Europa se tem observado
resultados similares, pois nos hão recebidos sempre
com atitudes favoráveis nos círculos dos intelectuais -
psicólogos, racionalistas e homens da ciência
universitária - mais destacados.
A criação da personalidade não
reside nas expressões físicas, senão na unificação da
mente. São Francisco de Assis não era uma pessoa
atrativa do ponto de vista da estrutura física, como
não era tão pouco Abraham Lincoln. Não obstante o
qual encontramos que os pensamentos de São
Francisco e outras personalidades semelhantes
influíram profundamente sobre os demais. De modo
similar, também as idéias de Lincoln obraram
profundamente sobre seu povo. Com efeito,
enquanto existir este país, o ideal proclamado por
Lincoln será defendido, honrado e apreciado.
Enquanto a mente humana goze da faculdade de
pensar, se manterão vivos os ideais de São Francisco
de Assis e os pensamentos do Swami Vivekananda .
Um grande estudioso da India expressou em certa
ocasião sua estima por Swami Vivekananda, dizendo
que enquanto o sol e a lua permanecerem no céu, as
contribuições de Vivekananda para a cultura hindu
conservariam seu dinamismo. E isto foi dito por um
membro, não de uma escola liberal, senão de uma
grande escola ortodoxa hindu.
É uma verdade indubitável que o fluxo
magnético dos homens reside no desenvolvimento da
vontade e não na cultura física. Somente quando
nossas emoções se acham totalmente integradas, a
vontade alcança sua máxima atividade. Todo o
67

jovem, todo homem adulto deseja adquirir uma
personalidade dinâmica e magnética. Mas são
poucos os que se dão conta que não é possível
desenvolver a personalidade até não haver unificado
a mente e integrado as emoções e a vontade.
Quando o caráter de um homem se forja sobre a base
do desenvolvimento de sua mente total, seus
pensamentos, emoções e vontade alcançam a
integração; em cada um de seus atos se encontra a
marca de seu caráter. Um homem de personalidade
não é aquele que fala de um ideal, senão aquele que
o põe em prática. Existem muitos gigantes
intelectuais capazes de explicar com palavras
formosas a filosofia, a arte, a ciência e a religião.
Existem muitas pessoas capazes de proporcionar
maravilhosas descrições da religião e do misticismo.
Mas as palavras não bastam para afetar a gente,
porque quem as dizem, nem sempre ajustam suas
vidas aos ideais os quais preconizam. Suas palavras
podem satisfazer nosso intelecto; mas, por outro lado,
as declarações simples e desprovidas de todo o
rebuscamento de um homem dotado de ricas
experiências religiosas são capazes de modificar o
curso dos pensamentos e da vida dos homens,
trazendo à luz a perfeição interior de inumeráveis
indivíduos. Nestes casos, o mestre não diz uma só
palavra que não ponha em prática, de tal modo que o
que afirma supõe a abertura concreta de novos
caminhos para a civilização. O que confere tanto
poder as palavras de Cristo é a vida que há detrás
delas. Outro tanto ocorre com as vidas de Krishna,
Buda e outras personalidades similares, devido a que
suas palavras se acham magnetizadas pela vontade
integrada. Muitas vezes pudemos comprovar como
bastam umas poucas palavras simples, pronunciadas
por uma grande personalidade espiritual, para
modificar o pensamento de muitos homens e
68
de suas mentes. Nós recordamos de um homem que
veio ao nosso Monastério para dissuadir seu irmão
maior que entrara na Ordem. Chegou bêbado e, na
realidade, toda a sua vida estava longe de ser
exemplar. Quando falou com o Swami prior da Ordem
- que era um homem de elevada iluminação espiritual
- se mostrou em princípio sumamente rebelde e
ignóbil; mas a grande personalidade espiritual do
Swami Premananda - discípulo de Sri Ramakrishna -
o contestou de maneira cordial e carinhosa, tratando
de consolá-lo, e que daria permissão a seu irmão para
que retorna-se a sua casa, quando esta fora a sua
vontade. Então o Swami lhe ofereceu alguns
refrescos para que se aplaca-se sua sede, pois era
um dia muito quente. Certamente que o homem
jamais havia sido tratado desta maneira; pese a sua
conduta impertinente, o Swami o tratou como se
tivesse sido seu amigo durante toda vida e, ao se
despedir pediu para que voltasse ao Monastério para
visitá-lo. A recepção tão afetuosa que havia sido
feita, impressionou ao jovem descaminhado até um
ponto, que já não pode esquecer a personalidade
magnética do Swami, e seguiu freqüentando o
Monastério assiduamente para visitá-lo. Até que,
finalmente, em lugar de persuadir seu irmão de que
abandonasse a Ordem, ele mesmo se incorporou ao
Monastério, convertendo-se em um ardente discípulo
do Swami. A influência deste guia espiritual,
transformou o homem de nosso exemplo de maneira
incrível, convertendo-o em uma nobre personalidade
e, mais ainda , em um guia religioso. É interessante
advertir que este homem, assim ganhado para a
causa do bem, não só leva uma vida intensamente
religiosa, senão que se converteu em um verdadeiro
servidor do gênero humano, tendo mandado construir
um grande hospital e um centro de socorro para o
68

bem estar dos que sofrem. A influência do grande
Swami conseguiu tirar o melhor dele e convertê-lo em
um fiel servidor do homem e de Deus.
Recorrendo as vidas do Swami
Vivekananda, Swami Brahmananda e outros guias
espirituais de nossa história contemporânia,
poderíamos extrair uma quantidade de casos
semelhantes. Esta claro que, por conhecidos, não faz
falta citar exemplos tomados de Krishna, Buda, Cristo
e Sri Ramakrishna. Qualquer historiador sabe quão
saturados de casos deste tipo se acham as vidas
destes espíritos encarnados. A fortaleza das ditas
personalidades unificadas reside nas suas
experiências religiosas ou, melhor dizer, em sua
aplicação concreta para a vida dos princípios
religiosos. O professor Allport expressa
acertadamente:
“A religião e a busca de um valor
que se encontra debaixo de Todas as
coisas e, como tal, é a mais ampla de todas
as filosofias possíveis da vida. Uma
experiência religiosa profundamente
comovedora não se esquece facilmente,
senão que, pelo contrário, permanece como
centro de pensamento e de desejo” 62.
Consequentemente, quando
desejamos influir sobre os demais, quando desejamos
modificarmos, devemos começar por mudar nossa
própria vida, trasladando nossos ideais para a
vontade dinâmica e para a ação subsequente. Eis ai
o segredo da influência humana. Vejamos o que
disse a respeito o Swami Vivekananda:
62
Allport, Personality, A Psychological interpretation, p.226.
69
“...A personalidade do homem
representa as duas terças partes, e seu
intelecto, suas palavras, são o terço
restante. O que nos comove no homem
verdadeiro é a sua personalidade. Nossas
ações não são senão efeitos; quando o
homem vale, as ações falam por si só...”
“O ideal de toda educação, e de
todo adestramento deve ser esta
conformidade do mundo. Em seu lugar,
quase sempre tratamos de polir a parte
externa... A finalidade e objetivo de toda a
educação é fazer o homem crescer. O
homem que influi, que - por assim dizer -
projeta sua magia sobre seus semelhantes,
é um verdadeiro dínamo gerador de
energia; e quando esse homem esta
pronto, pode fazer qualquer coisa que
deseje, e qualquer seja o propósito a que
se aplique sua personalidade, o resultado
será sempre coroado de êxito” 63.
63
Works,II, 15.
69

CAPÍTULO VI
A MEDITAÇÃO
Não é possível desenvolver o poder
dinâmico da personalidade humana sem a integração
total da mente humana - a cognição, a emoção e a
volição - devem unificar-se para materializar todas as
possibilidades latentes do homem. Sabemos que
todas as atividades culturais gloriosas que registra a
história do mundo foram dirigidas e realizadas por
homens e mulheres de uma força de vontade
concentrada.
Os psicólogos hindus sustentam que
a vontade deve integrar-se por completo e a mente
deve alcançar uma atividade total para poder lograr o
emprego integral das forças mentais. Podemos dizer,
inclusive, que tem assombrado as autoridades da
ciência positiva com seu adestramento subjetivo da
mente. O falecido Sir B. N. Seal, da Universidade de
Calcutá, demonstrou como se desenvolvem as
ciências positivas dos hindus, mercê a obra dos
homens e mulheres profundamente educados na
concentração do intelecto. 64
A prática da concentração é, sem
dúvida, a medula da evolução religiosa. Sem a
prática da concentração e da meditação, ninguém
pode aspirar a alcançar o estado mais elevado da
evolução espiritual. Quando estudamos a vida dos
grandes místicos cristãos, judeus, hindus, budistas e
maometanos, compreendemos plenamente que
64
B. N. Seal, The Positive Sciences of the Ancient Hindus. (Londres:
Longmans, Green & Co., 1915)
70
alcançaram o último grau da consciência espiritual
mediante o desenvolvimento do poder da
concentração.
À parte das conquistas religiosas e
filosóficas do homem, logradas a custa da prática da
concentração, também devemos reconhecer seu valor
pragmático na integração da mente e das
personalidades humanas. No tocante a solução dos
seus conflitos humanos, um homem não pode
resolver satisfatoriamente suas emoções antagônicas,
até não haver desenvolvido certo poder de
concentração. Os modernos psicólogos e psiquiatras
ocidentais, como também os hindus , têm explicado
claramente que a mente humana é o plano para onde
fluem e põem-se em luta numerosos impulsos e
emoções antagônicas. Quando um psiquiatra perito
analisa a uma pessoa presa em muitos transtornos
emocionais, é possível que traga à luz a natureza do
conflito. Também é possível que o paciente
compreenda que, a menos que aquilo seja eliminado,
praticamente não terá nenhuma esperança de
alcançar a paz e a felicidade espiritual. Fora isso
também pode compreender que suas doenças
funcionais obedecem a conflitos e frustrações
psíquicas e, não obstante, pese a auto-análise e
psicanálise de permanecerá na maior impotência para
saná-los. Sabemos, com tudo, que algumas pessoas
recebem certo alívio mediante estes métodos; mas,
no geral, não alcançam uma integração permanente.
Tais métodos não bastam , no entanto, para
desenvolver e fortalecer a psique, ainda quando
coadjuvem para moderar a inquietude de forma
provisória.
Muitas pessoas se apegam tanto as
experiências agradáveis como desagradáveis. É
possível que duvidem ter apego aos incidentes
70

desagradáveis da vida, posto que, parece natural
preferir os aprazíveis. Desgraçadamente, entretanto,
as pessoas se aferram as apreensões, temores e
demais sentimentos desagradáveis e perturbadores,
ainda quando saiba que isto acarretara a perda de
sua paz espiritual. Então, seus pensamentos seguem
seu caminho, sem controle algum.
Consequentemente, quem padece de tal problema
não pode dormir, põe-se nervoso e contrai uma
quantidade de doenças funcionais, ao se deixar
envolver por suas apreensões, temores, ansiedades e
demais incidentes desagradáveis da vida.
Willian James compreendeu a
dificuldade dos conflitos emocionais. Desta maneira,
reconheceu a utilidade de um adestramento
sistemático da mente. Eis aqui suas palavras:
“As emoções e excitações
originadas em ...situações habituais, são os
estimulantes correntes da vontade. Mas
estes atuam de forma descontínua, e nos
intervalos, os níveis mais superficiais da vida
tendem a fechar-se sobre nós separando-
nos dos mais profundos. Em conseqüência,
aqueles que praticamente melhor conhecem
a alma humana, tem herdado o que foi
chamado de disciplina ascética metódica,
para manter-se em constante contato com
os níveis mais profundos. É coisa admitida,
segundo creio, que os cultivadores do
ascetismo são capazes de alcançar um alto
grau de liberdade e força de vontade”65.
652
Willian James, “The Energies of the Man”, Memories and Studies (New
York: Longmans, Green & Co., 1911), p. 251.
71
Os hindus se dão conta da enorme
utilidade que reportam a prática da concentração. Até
onde alcança nossa experiência com as condições
patológicas da mente humana, diremos que estamos
totalmente convencidos de que, sem a prática da
concentração, não é possível aspirar reunir as forças
mentais que os impulsos e conflitos emocionais se
encarregam de dispersar e anular. A prática
constante da concentração relaxa a mente, permite
que os pensamentos não se confundam e se centre
sobre um só ponto, e faz que o sistema nervoso se
relaxe, de modo que, o sujeito possa gozar do sonho
e o repouso. Eis aqui o que disse a respeito o Swami
Vivekananda: “Nunca digais que um homem não tem
remédio, porque somente representa um caráter , um
punhado de hábitos que é possível substituir por
outros melhores”66.
Os psicólogos da Índia
desenvolveram uma ciência sobre a base desta
concentração. Patanjali, o pai da Raja Yoga
(psicologia aplicada), nos brinda com um depurado
tratamento da ciência da concentração. Patanjali
menciona oito passos necessários para chegar ao
estado de concentração perfeita (a supraconsciência),
a saber: yama (controle mental), niyama (regulação
física e adestramento mental especial), asana
(postura), pranayama (exercícios respiratórios),
pratyahara (desprendimento por parte da mente dos
objetos sensórios), dharana (concentração), dhyana
(meditação), samadhi (supraconsciência). Tais
passos são graduais à serem seguidos, para alcançar
a meta desejada. James reconheceu que “o sistema
ascético mais venerável e aquele cujos resultados
tem obtido a maior corroboração experimental é, sem
663
Works, I, 208.
71

duvida, o sistema yoga induista”. Segundo Patanjali,
67
um homem deve praticar a concentração
sistematicamente, enfocando a mente sobre um
objeto dado, a fim de unificar as forças mentais 68
Claro esta que no princípio pode levar certo tempo
para alcançar o estado desejado de concentração.
posto que o estado inicial da psique é de uma
completa dispersão. Eis aqui as palavras do Swami
Brahmananda:
“Mediante a prática regular é
possível aquietá-la (a mente) e colocá-la
sob controle... A princípio, a meditação
resulta sumamente difícil e árida. Mas
persistindo-se - exatamente como quando
se toma um remédio - se encontrará nela
uma perene fonte de gozo, puro e sem
mácula”69.
Também se afirma no Bhagavad-Gita,
que a mente é indócil e, para duvidá-lo, difícil de
submeter. Mas é possível controla-la mediante a
prática constante e o exercício
desapaixonamento.70
Os psicólogos hindus antigos e
modernos estão de acordo em que, ainda quando a
prática da concentração seja difícil, qualquer um pode
alcançá-la, mediante exercícios sistemáticos.
princípio, devemos escolher certos objetivos
concretos como centro de nossa concentração.
674
James, Memories and Studies, p. 251.
685
O sistema de Patanjali se baseia em certas concepções do sistema de
pensamento Hindu de Sankhya.
69
SpiritualTeachings of Swami Brahmananda (2° ed.; Mylapore, Madras :
Sri Ramakrishna Math., 1933), p. 100.
70
Srimad-Bhavagad-Gita, VI: 35.
72
Assim como nossa psique se vê atraída pelo mundo
objetivo, também nossos órgãos e instrumentos do
sentidos e acham constituídos de tal modo que
tendem constantemente para o exterior 71. Em
consequência, a mente é constantemente abastecida
de novas sensações e experiências, as quais fazem
saltar de uma coisa para outra, com grande
mobilidade para dar entrada a novos dados e as
conseguintes reações mentais.72 Ademais, já temos
acumulado os resíduos de nossas experiência
passada na zona do subconsciente, onde se mostram
permanentemente ativas, tratando também elas de
incorporar-se ao plano consciente. O resultado é que
a mente se comporta como um verdadeiro
macaquinho, indo agilmente de um lado para outro,
segundo a acertada comparação do Swami
Vivekananda em seu Raja Yoga.73
Os flutuantes estados mentais fazem
que sistema nervoso também se agite em alto grau.
Até não haver alcançado os estados superiores da
consciência, a mente funciona, quase por completo,
mediante o sistema nervoso. Quando este se vê
de afetado, a mente também sofre, e vice versa. De
modo que, os psicólogos hindus aconselham dois
passos preliminares para a concentração mental, a
saber: o yama (observação ética e controle mental) e
o niyama (higiene física, descrições dietéticas, etc., e
A certo adestramento mental)74. O yama e o niyama
compreendem os mandamentos de não matar, dizer a
verdade, não roubar, guardar continência, purificar-se
interior e exteriormente, alegrar-se e autodominar-se
71
Katha Upanishad, 4:1.
72
Gita, II: 62-68.
73
Works, I, 174.
74
Ibid., 137.
72

75
. A princípio, deve-se procurar limpar a mente e o
corpo mediante os processos purificatórios
apropriados. Um simples regime dietético pode ser
suficiente para fortalecer o sistema nervoso. Todos
sabemos que quando ingerimos estimulantes ou uma
droga, nossos sistemas se ativam ou entorpecem,
respectivamente. Pelo contrário, quando ingerimos
alimentos ou líquidos sãos, nutritivos e calmantes,
logramos que nosso sistema nervoso e o organismo
inteiro gozem de serenidade. Sempre é conveniente
certo grau de controle nos alimentos e nas bebidas,
ao iniciar as práticas de concentração, para que a
mente e o sistema nervoso não se vejam nem
sobrecarregados ou sobreexcitados nem sonolento ou
entorpecido. A higiene mental é ainda mais
importante que a física. Desgraçadamente, a
experiência nos demonstra que, quando se insiste
excessivamente no progresso físico, pode-se
descuidar da saúde mental e, sobre tudo, do
desenvolvimento espiritual. Assim, os Hata Yoguis
desenvolveram a cultura do poder físico ao par de
extraordinárias faculdades psíquicas e ocultas, mas,
desgraçadamente muitos deles descuidaram ou
passaram por alto do desenvolvimento espiritual. Na
América e em outras partes observamos, deste modo,
muitos casos de pessoas que se interessam
excessivamente do desenvolvimento físico,
convertendo-se em verdadeiros fanáticos do esporte,
a custa da autêntica saúde mental e do crescimento
espiritual. Swami Vivekananda se inclinava por um
justo termo médio, propiciando uma observação
simples das regras fundamentais para a saúde
psíquica.76
75
Ibid., 260-61.
76
Ibid., 136.
73
William James parecia estar
convencido de que certos exercícios mentais e físicos
eram úteis para o desenvolvimento total da mente.
Em sua obra As energias do homem nos descreve
um caso em que um amigo seu praticou certas
disciplinas yogas hindus, com um maravilhoso
resultado. 77
A higiene interior é de importância
vital, na medida em que corresponde a integração
psíquica e a prática da concentração. Sabemos que a
mente humana se transtorna e agita sobremaneira
quando obram alguns impulsos primitivos e emoções
secundárias, tais como a ambição, a ira, o ódio, os
ciúmes e a inveja. Também sabemos por nossas
próprias observações e experiências que, enquanto
as tendências das emoções incontroladas conservam
sua força, a mente não encontra repouso. Patanjali
aconselha em seu primeiro capítulo de seus
Aforismos sobre o Raja Yoga, o cultivo da resignação
e do contentamento, junto com outras qualidades
semelhantes. Também sugere que quando uma
pessoa expresse formas extremas de suspicácia,
ciúmes ou ódios, aconselha que cultivem
deliberadamente as tendências opostas. Nada pior
para a paz e a felicidade humanas que estas
emoções nocivas. Sabemos, pelo estudo de distintos
casos, que muitas vidas humanas se frustam por
completo devido a desconfiança, o ódio, o ciúmes, a
ira e a ambição desenfreada. Patanjali sustem que é
necessário induzir aos homens imbuídos destas
tendências, seja com a razão ou sem ela, a que
cultivem os sentimentos de amizade, generosidade e
afeto para aqueles indivíduos contra os quais dirigem
sua malevolência. A vezes pode resultar penoso e
desagradável, mas devemos tratar de criar, ao menos
77
James, Memories and Studies, p. 253.
73

subjetivamente, tendências construtivas, posto que
elas nos ajudam a moderar o caráter áspero da
mente.
A medida que lutamos para vencer as
condições perturbadoras da mente que tem sua
origem no desengano, na frustração ou no conflito,
devemos cultivar positivamente a faculdade de
concentração e meditação. Trata-se de uma situação
característica em que se acha a maioria das pessoas;
é, praticamente, um círculo vicioso. Um indivíduo não
pode possuir a faculdade de concentração apropriada
se não consegue dissipar, em certa medida, os
impulsos antagônicos e o sentimento de frustração.
Inversamente, não poderá sobrepor-se a estes
elementos perturbadores da mente, a menos que
trate de alcançar a faculdade de concentrar-se. Por
isso, devemos tratar deliberadamente de combinar o
processo se superação dos conflitos e frustrações,
mediante o método positivo de cultivo das emoções
opostas e construtivas de índole superior, com a
prática constante de meditação.
Por outro lado, é conveniente tratar
de relaxar o corpo quando se pratica a concentração.
O sistema nervoso da maioria das pessoas se acham
em tal grau de tensão, que as vezes, ainda quando o
sujeito deseja dormir, não consegue descansar
satisfatoriamente. O relaxamento físico é
extremamente útil para o repouso mental, pelo qual os
psicólogos hindus aconselham sentar-se em uma
posição relaxada (asana) e deixar frouxo todo o
sistema neuromuscular. Isto ajuda gradualmente a
relaxar todo o sistema nervoso. Ainda que pareça
improvável, a experiência nos revela que a prática
matutina e vespertina destes exercícios contribui para
o relaxamento do sistema neuromuscular também em
outras horas. Foi comprovado, desta forma, que
74
quando aparecem certos fatores de excitação, é
possível relaxar o sistema neuromuscular e eliminar a
tensão nervosa junto com as conseguintes
perturbações psíquicas. Não queremos dizer com
isto que a mente seja produto do sistema nervoso,
mas não podemos deixar de reconhecer que, nestas
primeiras etapas do aprendizado, a mente depende
ainda em grande parte do tipo de funcionamento do
sistema nervoso. Entretanto, chega um momento, no
curso do desenvolvimento mental, em que a própria
mente pode controlar inteiramente o sistema nervoso.
A respiração rítmica (pranayama)
também é de suma eficácia, segundo se tem podido
comprovar. Quando se a pratica, o sistema nervoso
se tranqüiliza e a mente se acalma. Alguns
psicólogos da India, especialmente os Raja Yoguis e
os Hata Yoguis, aconselham certos tipos de
exercícios respiratórios para a prática da
concentração, se bem que é necessário andar com
prudência e cuidado ao adotar os exercícios
respiratórios do tipo vigoroso. Algumas práticas de
pranaymas algo rigorosas, somente devem-se seguir
sob a orientação de um exímio mestre,
acompanhando a exercitação com certas prescrições
dietéticas e uma estrita disciplina mental. É
necessário evitar terminantemente a ingestão de
qualquer alimento ou bebida de ação estimulante ou
adormecedora. De outro modo, se ocorre o risco de
provocar transtornos tanto no sistema nervoso como
na mente. Entretanto, em muitos casos basta uma
simples respiração rítmica de curta duração.
Queremos deixar bem claro que, ainda que tanto os
exercícios respiratórios simples como os vigorosos
contribuem para o relaxamento, não são em absoluto
necessários para a prática da concentração.
74

Depois de lograr o relaxamento
durante alguns minutos, devemos tomar um símbolo
ou aspecto personal de Deus, a fim de centrar-nos
nele em nossa mente. Na prática da concentração,
devemos eliminar todo o pensamento que não seja
esse símbolo ou aspecto particular de Deus.
Efetivamente, devemos enfocar a mente integra sobre
este ser ou tema específico da concentração e retê-lo
no pensamento o maior tempo possível. A princípio,
se observará que a mente trata de evadir-se para
pensamentos prévios e para os objetos dos sentidos
experimentados anteriormente Neste caso devemos
tratar de subtrair a mente da influência destes objetos
e pensamentos (pratyahara). Desgraçadamente, a
prática demonstra que nessas ocasiões ocorrem de
acudir à superfície da mente experiências
desagradáveis. É precisamente por esta razão que
Jesus disse:
“Portanto, se tiveres para trazer a
tua oferta ao altar e ali te lembrares de que
o teu irmão tem alguma coisa contra ti,
deixa a tua oferta ali diante do altar e vai
primeiro reconciliar-te com teu irmão; e
depois virás apresentar a tua oferta.”78
Patanjali e outros grandes psicólogos
da India sempre insistem em que se deve cultivar a
serenidade da mente, adotando uma filosofia sã de
vida. Como dissemos antes, devemos criar
deliberadamente uma atmosfera grata e amistosa em
nosso redor. Devemos tratar de sobrepormos ao
ódio, a inveja, aos ciúmes e demais sentimentos
negativos, a fim de procurar um estado mental
sereno. Neste sentido, é absolutamente
78
São Mateus, 5: 23-24.
75
imprescindível adotar os princípios éticos e sãos. A
medida que a mente se acalma e relaxa, fica mais
fácil a concentração no objeto desejado (Ishta). Mas
a mente deve limitar-se sempre a um só ponto
(dharana).
Não devemos desanimarmos e
abandonar a prática da concentração quando nos
resulte difícil manter o pensamento em Deus durante
mais de alguns segundos. Se perseverarmos alguns
meses na prática da concentração, finalmente
adquirimos a faculdade de manter continuamente o
pensamento no aspecto particular ou símbolo
desejado de Deus. A princípio, devemos passar por
alto da mobilidade da mente. Não é senão natural
que a mente se mostre consideravelmente agitada
durante o primeiro período da prática da
concentração, posto que, todavia gravitam nela uma
quantidade de motivos, tendências subconscientes,
conflitos e perturbações. Mas a experiência
demonstra que em pouco tempo a mente se acalma e
se torna constante. O progresso depende da
intensidade da prática.79
O resultado da prática da
concentração e da meditação depende da eleição do
objeto. As vezes resulta engraçado comprovar que
algumas pessoas que pretendem desenvolver-se
espiritualmente centram o pensamento em um objeto
indiferente. No Raja Yoga, Pantajali descreve
detidamente os diversos tipos de objeto de
concentração que o discípulo deve adotar por
distintas razões. Se concentramos a mente em
partículas ou entidades materiais, podemos adquirir,
sem dúvida, a faculdade da concentração; mas o
resultado será muito distinto do que obteríamos se
nos concentracemos em um aspecto de Deus. O
79
Aforismos yogas de Pantajalil, I: 21-22.
75

homem pode alcançar extraordinárias faculdades
mentais ocultas, psíquicas, etc., como a meditação, a
suspensão da respiração, a irradiação de luz, a leitura
do pensamento e a transferência do pensamento 80.
Também pode obter o controle de algumas leis da
natureza , mediante a concentração sobre distintos
objetos materiais e outros objetos sutis. Estes tipos
de concentração podem satisfazer a curiosidade de
certos indivíduos e subministrar, desta forma, uma
sorte de poder sobre a natureza e as pessoas; mas,
em última instância, não contribuem para a integração
da personalidade total do indivíduo. Alguns anos
atrás, um homem oriundo da India, Khoda Box, fez
uma demonstração de sua faculdade de sair ileso,
depois de haver sido submetido a ação do fogo, na
presença da Associação Médica de Londres. Sem
dúvida deve ter sido uma exibição interessante e
assombrosa. Nós conhecemos pessoalmente, na
India, alguns indivíduos dotados de extraordinárias
faculdades, com as quais parecem poder burlar o que
chamamos “leis da natureza”. Mas devemos
acrescentar francamente que tais pessoas não logram
a integração de suas personalidades, embora tenha
este insólito desdobramento de poder. O que deve
interessar-nos primordialmente é o desenvolvimento
mental e a evolução espiritual, e não o controle das
leis da natureza ou a exibição de extraordinárias
faculdades psíquicas ocultas.
Os Raja Yoguis, os grandes
psicólogos hindus, previnem as pessoas contra a
exibição de ditos poderes. Buda conseguiu
transformar-se em um de seus discípulos e
desenvolveu, inconscientemente, algumas faculdades
extraordinárias, cujos fatos se conhecem
correntemente como milagres. A muitas pessoas
80
Ibid., capítulo III.
76
pertencentes a grupos cristãos entusiasmam estes
milagres porque Jesus também os executou. Mas
não se dão conta que um homem de Sua classe teria
de possuir a faculdade de permanecer indiferente aos
milagres, posto que Ele se achava arraigado na
consciência de Deus. E aqui suas palavras: “Uma
geração má e adultera busca um sinal”81. Outras
autoridades hindus também nos ensinam que as
faculdades extraordinárias (siddhis) são obstáculos
para a evolução mental e espiritual superior. Pantajali
descreve os métodos para desenvolver estas
faculdades, mas logo adverte que um sincero
buscador da verdade não deve permitir-se a estas
práticas 82. Sri Ramakrishna previne enfaticamente
contra a manifestação destes poderes extraordinários,
ocultos e psíquicos. Efetivamente, declara
categoricamente que um homem não pode evoluir
espiritualmente enquanto seu intelecto se ocupe em
sua prática; ademais, opina que no curso da
expressão destas faculdades a pessoa se degrada. E
agrega:
“Não acudais os mercadores de
milagres e os exibicionistas de poderes
ocultos. Estes homens são ovelhas
desgarradas do caminho da verdade. Suas
mentes se enredaram nos laços dos
poderes psíquicos, que balizam o caminho
de peregrinação a Brahman (o Absoluto). 83
Seus grandes discípulos também nos
dissuadiram de cultivar ditas práticas. Por tudo isto,
81
São Mateus, 12:39.
82
Aforismos Yogas de Patanjali, capítulo III.
83
Seyings of Sri Ramakrishna (Mylapore, Madras: Sri Ramakrishna,
Math., 1925), capítulo XXXVI: 696.
76

estamos profundamente convencidos de que
devemos ter extremo cuidado na eleição do objeto da
concentração.
Quando a concentração é muito
profunda e a mente não vacila, mas que permanece
enfocada no objeto pensado, estamos então ante a
meditação (dhyana). Segundo os psicólogos hindus, a
meditação não é tão somente um belo pensamento,
um vôo poético ou uma livre fantasia de experiências
agradáveis, mas também a profundidade da
concentração em que a mente flui ininterruptamente
até o objeto dado, como “o óleo vertido de um
recipiente à outro”. Não se trata de uma sucessão de
muitos pensamentos sobre o mesmo objeto. Na
mente não se deve registrar a menor intermitência.
De modo que, um homem estará realmente
meditando quando sua mente se houver libertado de
todo outro pensamento e se encontre totalmente
enfocada no objeto de sua concentração.
Os métodos para a prática da
concentração diferem, entretanto, segundo os
diversos tipos de mentes. Existem alguns psicólogos
que propiciam a prática de esvaziar a mente por
inteiro, esses exercícios. Desta forma, aconselham o
estudante que converta a sua mente em um vácuo,
eliminando ou controlando todos os pensamentos que
tratem de aflorar. Não obstante, esta seja uma forma
perigosa de iniciação. Quando o indivíduo carece de
suficiente força mental, é possível que ao penetrar
nos seu estado passivo negativo, entrem em atividade
os impulsos subconscientes , aproveitando-se do
desaparecimento de todos os controles e censuras.
Alguns grupos modernos afirmam que logram escutar
vozes e as indicações de Deus, mantendo-se a mente
vazia de todo pensamento. Contudo, é algo arriscado
confiar plenamente na eficácia das ditas experiências.
77
As pessoas mais débeis (como o são quase todos os
principiantes) possuem mentes não integradas, cheias
provavelmente de resíduos de experiências passadas,
alojadas na região subconsciente, e que, ao aflorar,
podem ser erroneamente consideradas como as
diretivas de Deus. Este falso “guia” pode consolar-
nos, brindando-nos com uma espécie de
autosatisfação; mas, não contribui em um mínimo
para integrar e fortalecer a mente para alcançar uma
evolução espiritual mais elevada. É nossa opinião,
pois, que não convém adotar este método, nas etapas
iniciais da prática da concentração, a menos que se
disponha de um guia adequado. Caso contrário
poderia resultar, grandemente decepcionante. Os
últimos filósofos budistas, mestres religiosos e
psicólogos compreenderam as limitações deste tipo
de meditação. Consequentemente, preconizaram a
adoção do aspecto pessoal de Buda como objetivo de
concentração, meditação, reverência, adoração e
amor. Também começaram a utilizar símbolos e
formas, e desenvolveram uma ciência da simbologia.
Contudo, devemos admitir que em toda época
existem pessoas altamente intelectuais capazes de
adotar este método com êxito, ainda que no começo
das práticas.
A maioria dos principiantes devem
adotar como objeto de meditação em aspecto pessoal
de Deus. O mais conveniente é eleger um aspecto
que se acomode ao temperamento e estrutura
pessoal do sujeito. Se um cristão fervoroso deseja
praticar a concentração, deverá escolher a Jesus ou a
Virgem Maria como objeto ideal, concentrando o
pensamento em um ou em outro.
Se o sujeito, ao contrário, é hindu,
poderá tomar qualquer das Encarnações veneradas
por sua religião. Se pertence a tradição judaica,
77

escolherá um aspecto de Deus que se adapte ao seu
sentir, segundo a tradição e cultura hebraica. Existem
aqueles que crêem ser incapazes de adotar um
aspecto corporal de Deus como tema de
concentração. As vezes - para dizer em termos
filosóficos - resulta-lhes difícil aceitar Deus como uma
pessoa sem forma. Em todo o mundo existem
pessoas que sentem-se afetados, quase no sentido
de dignidade, quando se pede que associe o Infinito,
o Absoluto, com um corpo e uma forma. Desde o
ponto de vista racional , não existe nenhuma objeção
válida contra a adoção de um aspecto físico de Deus.
Por certo que é possível ter uma concepção do
Absoluto segundo a qual careça de atributos e esteja
mais além da relação espaço-tempo; mas o aspecto
corporal de Deus constitui a compreensão mais
elevada do Impessoal, ao alcance da mente humana.
É dizer que, quando a mente humana trata de
compreender a Deus, necessariamente deve pensar
n’Ele em função de suas experiências. Nesta etapa,
nossas mentes se acham em um estado tal que não
nos é possível conceber uma coisa sem nome, sem
forma e sem as qualidades que se dão no tempo e no
espaço. É quase impossível fixar o pensamento -
ademais, sumamente móvel ao princípio - em algo
que não pode sequer ser concebido pela mente. Aqui
podemos ilustrar de novo o que afirmamos com um
exemplo tomado da eletricidade. Não se pode
ensinar uma criança ou um adulto médio a natureza
da eletricidade sem ensinar suas manifestações
através da luz, do calor ou do movimento. Uma
pessoa compreende a eletricidade quando esta revela
seu poder sob a forma de uma lâmpada , uma estufa
ou um motor. Isto se deve por não se compreender a
eletricidade abstrata. Consequentemente, deve-se
concentrar nela seu pensamento, dever-se-á
78
concebe-lá em algum de seus estados manifestos, a
saber: luz, calor ou movimento. De modo semelhante
se temos de concentrarmos em Deus, no Absoluto,
nos resultará mais fácil fazê-lo quando enfocarmos a
mente sobre Seu estado manifesto, como Deus
visível, quer se trate de uma Encarnação ou um
símbolo, a saber, sakar e saguna (que tem forma e
atributos).
Devemos nos preocupar por
compreender o símbolo empregado, a fim de que
resulte eficaz na prática da concentração.
Efetivamente, deve significar as qualidades universais
de Deus. De outro modo, não nos brindará a
desejada compreensão espiritual. Contudo, pode
promover a faculdade de concentrar-se e, deste
modo, contribuir para desenvolver poderes ocultos ou
psíquicos ou outros fenômenos extraordinários.
É conveniente enfocar a mente sobre
um aspecto visível ou corporal de Deus ou uma
Encarnação e meditar n’Ele, se queremos dirigir para
Ele nossas emoções. A todo homem resulta fácil e
natural pensar em uma pessoa amada. Assim,
nenhuma mãe deve esforçar-se para pensar em seu
filho; a nenhum cônjuge custa pensar no outro; uma
pessoa não necessita disciplinar-se para pensar em
seus amigos queridos, etc., pois em todos os casos
existe uma atração emocional inerente aos objetos de
nossos cuidados. Esta é a razão pela qual Patanjali
e outros psicólogos hindus, semelhante aos grandes
místicos cristãos, budistas, judeus, defendem o cultivo
do amor por um aspecto pessoal visível de Deus.
Outra variante é tomar a Deus com
qualidades e atributos, mas sem forma corporal
(saguna e nirakara). Existem muitas pessoas, tanto
na India como no Ocidente, que preferem um aspecto
pessoal de Deus. Ainda que também existam os que
78

não se importam em pensar em Deus com forma
física. Crêem estas pessoas que Deus possui
atributos e qualidades como a “consciência” e o
“amor” , mas sem forma. Cabe mencionar,
especialmente, as escolas filosóficas personalistas da
América e Europa, calorosamente defendidas por
Brown, Bringhtman, Hocking e outros, se bem que
diferem em sua interpretação das qualidades e
atributos. Segundo Brightman: “Deus é uma pessoa
de suprema consciência, supremo valor e suprema
criatividade, ainda que limitado, tanto pela livre eleição
das demais pessoas, como pelas restrições inerentes
a sua própria natureza.”84
Devemos deixar bem assentado que
a concepção hindu de Deus Impessoal não significa
que Deus não seja um Ser consciente. Segundo os
Impersonalistas ou Absolutistas das escolas hindus,
Deus carece de atributos e forma (nirguna e nirakara),
é invisível e esta mais além das categorias da mente:
Existência, Consciência e Absoluto-Bem-Aventurança
(Satchidananda). Ele é a Consciência Mesma; Seu
ser irradia consciência e luz. “Yat Vai Tat Sukham
Raso Vai Saha, Rasam Hyevayam Labdhwanandi
Bhavati”. “Aquele que é o próprio Autor de seus dias,
é a alegria mesma. Quando alcança esta dita, o
homem se torna bendito”.85 Deus está mais além da
consciência empírica, tal como o entende a mente
finita, e esta mais além da mente e da linguagem.
“Avam Manasah Gocharam”. Ali não chego eu, nem
a linguagem nem a mente”86. “Este Atman jamais
84
Edgar S. Brightman, The Problem of God ( New York: The Abingdon
Press, 1930), p. 113. Para um tratamento completo da idéia de Deus, ver
The Problem of God, capítulo VI, A Philosophy of Religion (New York:
Prentice Hall, Inc., 1940), capítulos V-X.
85
Taittirya Upanishad, Vol VII, Brahmananda Valli.
86
Kena Upanishad, 1:3.
79
poderá ser alcançado pela linguagem nem, pela
mente”87. Sri Sankaracharya e outros não dualistas o
explicam dizendo que É a Existência Absoluta, A
Consciência e a Bem-aventurança. Esta mais além
da expressão e da interpretação humanas. Por sua
parte, Sri Ramakrishna, expressa: “O Absoluto e o
Incondicionado não podem expressar-se nos termos
do Relativo e do Condicionado. O Infinito não pode
expressar-se em termos Finitos” 88. E Swami
Vivekananda: O Deus Pessoal é a leitura mais
elevada a que se pode aspirar, desse Impessoal, o
intelecto humano”89. Sri Ramakkrishna concilia as
três atitudes e interpretações de Deus aparentemente
discrepantes, considerando-as três aspectos
diferentes de uma mesma realidade. A saber: 1)
Corporal e visível, com atributos; 2)Invisível, mas
com qualidades e atributos (como crêem os
Personalistas americanos e alguns hindus e
muçulmanos); 3) Invisível e mais além de toda
qualidade e atributo90. Estes aspectos da Realidade
podem chegar a ser compreendidos pelos amantes da
verdade nas distintas etapas evolutivas, mediante a
disciplina espiritual.
É importante recordar que a aquisição
de poder mediante a concentração e a meditação, e a
subsequente evolução espiritual, dependem em
grande parte da eleição de um ideal ou Ishta. Um
mestre de uma elevada autoridade espiritual pode
descobrir as exigências espirituais e as tendências
intrínsecas do discípulo, ajudando-o a eleger o objeto
mais adequado para a meditação. Os psicólogos
87
Katha Upanishad, 6:12.
88
Evangelho de Sri Ramakrishna (Gospel of Ramakrishna) (5° ed:
Mylapore, Madras: Sri Ramakrishna Math, 1930), I, 92.
89
Works, I, 376.
90
Evangelho, I, 98.
79

hindus e mestres espirituais tem considerável
insistência na eleição individual do ideal, posto que
não existem duas mentes idênticas relações e
atitudes afetivas para com Deus, ainda quando
tenham sido educadas na mesma tradição e dentro de
igual marco cultural. A experiência tem demonstrado
que os distintos membros de uma mesma família
podem apresentar uma devoção afetiva orientada
para aspectos diferentes de Deus, e viverem juntos
em perfeita harmonia, pese a dita divergência.
Consequentemente, os psicólogos hindus insistem em
que as instruções para eleger o objeto de meditação
sejam dadas de forma individual.
Na grande maioria dos casos de
relação divina, as pessoas devem cultivar uma
atração por Deus, criando uma imagem dele. A
adoração interna e externa e os recursos dos
incidentes das vidas das personalidades divinas,
servem para estimular o pensamento sobre Deus. Na
prática da meditação é de utilidade a repetição do
nome de Deus. Os hindus desenvolveram toda uma
ciência do nome de Deus (mantra vidya), como
também ainda ciência do culto. Poderia-se escrever
um tratado inteiro somente sobre a técnica do mantra.
Entretanto, devemos dizer que os diferentes aspectos
de Deus estão representados por nomes especiais.
Os aspectos, nomes e formas são inseparáveis: “A
palavra que o manifesta é Om”. ‘A repetição desta
palavra (Om) e a meditação sobre seu significado o
melhor procedimento”91. Quando um fiel repete um
nome determinado de Deus, o aspecto designado
pela dita palavra se converte em fator dominante de
sua vida. Quanto mais repita o nome de Deus, que
se adapte a sua personalidade , tanto melhor
compreenderá a presença de Deus. Esta repetição
91
Aforismos yogas de Patanjali, I: 27-28, e Works, I, 217-20.
80
estabelece definitivamente um vínculo de amor entre
Deus e o fiel. A história registra que muitos fiéis
alcançaram os estados mais elevados de
desenvolvimento e de integração mental, como
também de evolução espiritual, mercê a repetição de
nome de Deus. Não será demais insistir aqui que
necessita-se de instruções especiais para eleger o
nome específico de Deus, associado com um de seus
aspectos particulares.
Estes procedimentos são sumamente
eficazes para estabelecer com Deus um vínculo
emocional mais elevado. Uma vez estabelecido, a
concentração e a meditação se tornarão espontâneas
e agradáveis. Então, não existe mais interrupções
nas quais luta-se para subtrair a mente da influência
do mundo objetivo dos sentidos. Nestas condições ,
a mente flui naturalmente para Deus. Eis aqui como
se expressa o Swami Brahmananda:
“Pensemos Nele enquanto
comemos, enquanto estamos sentados ou
nos achamos entregues ao repouso. Se
efetuarmos nossos exercícios deste modo,
não tardaremos em comprovar que, ao
sentarmos para meditar, nossa mente se
concentra naturalmente na idéia de Deus. E
assim que a mente se abstrai em sua
meditação, uma fonte da dita começa a
brotar em nosso interior”92.
Todos os mestres religiosos, os
grandes homens de Deus, admitem a existência de
uma relação indissolúvel entre a alma individual e a
“alma superior” ou Deus. Entretanto, dado que nossas
92
The Eternal Companion (Hollywood: Sociedade Vedanta de Sul da
Califórnia, 1944), pags. 143,144.
80

mentes se acham tão preocupadas com as
experiências objetivas do mundo, e são presas de
interesses e conflitos divergentes, não é fácil nem
natural, para a maioria das pessoas, sentir a
influência de Deus. Consequentemente, as práticas
antes mencionadas se tornam extremamente úteis
para acalmar a mente, unificar as emoções e,
finalmente, para permitir a uma pessoa o gozo da
meditação.
Também existem métodos para o
treinamento gradual dos indivíduos que não tem
nenhuma inclinação para pensar em um Deus
pessoal. As grandes mentes científicas ou dos
pensadores racionalistas, custam a adotar uma
personalidade como tema de concentração. Vejamos
o que disse a respeito Sir Arthur Keith:
“Creia então, igual que agora, que
a palavra “Senhor” é perigosa e demasiado
propensa a assumir forma humana; e por
certo que esta assumiu efetivamente na
mente de meus críticos. Meus
colaboradores tem tido mais sorte em sua
escolha; assim, falam de “uma essência
imortal”, “uma penetrante força espiritual”,
“um princípio conducente ao bem”, “uma
grande causa primeira”... Talvez o poeta
tenha razão em dizer que o Universo é o
adorno visível de Deus; mas para esse
Deus ou Criador, a ciência tem uma
nomenclatura completamente diferente.” 93
Existem muitas pessoas deste tipo, a
quem lhes resulta-lhes difícil tomar um aspecto
93
Clifton Fadiman (ed.), I, Believe (New York: Simon and Schuster, 1039),
p. 379.
81
pessoal de Deus, seja com forma ou sem ela, ou do
“Senhor, que é uma escolha pouco feliz”, segundo Sir
Arthur. Nestes casos, devem adotar o aspecto
impessoal de Deus, ainda que o dito Ser Impessoal
esteja por hora mais além das categorias da mente
humana. Esta é precisamente a razão pela qual o
Swami Vivekananda, aconselhou veementemente o
emprego de um símbolo ou substituto do Impessoal 94.
Desgraçadamente - como já explicamos - nossa
mentes humanas não podem adaptar-se de imediato
a um objeto de meditação desprovido de qualidades,
atributos, nomes e forma. Se bem que a estas
pessoas resulta-lhes “pouco feliz” e difícil aceitar
intelectualmente um aspecto visível de Deus, suas
mentes não se acham suficientemente preparadas
para ir mais além da relação tempo-espaço e de
relações de nome e forma. O Ser Incondiconado, o
Absoluto, não pode ser objeto de pensamento e
meditação em seu estado atual de desenvolvimento.
A medida em que praticamos a concentração,
seguimos cultivando o pensamento. Por isso os
psicólogos hindus recomendam veementemente o
uso de símbolos, tais com a luz ou o sentido
universal, para representar as qualidades universais
do Ser Impessoal. Eis aqui o que disse a respeito Sri
Ramakrishna: “A chave para a compreensão do
Absoluto reside somente na Divina Pessoa, o Saguna
Brahman dos Upanishads, o Deus pessoal dos
Fiéis”95. Quando uma pessoa se acha preparada
para meditar no aspecto pessoal de Deus, pode
transcender as limitações de tempo, de espaço e da
causa, alcançando o Impessoal, mas é quase
impossível para um indivíduo médio, enfocar a mente
sobre o Ser Impessoal, o Absoluto, ao começar as
94
Works. III, 59.
95
Evangelho de Sri Ramakrishna, I, 105.
81

práticas de concentração e meditação. Muitas
pessoas podem achar-se intelectualmente bem
desenvolvidas, e estarem emocionalmente, por
desgraça, no último degrau da escada. Por isto,
existe uma considerável confusão em seu
pensamento, como também em sua prática de
meditação. As vezes que as pessoas deste tipo não
conseguem satisfazer-se com a meditação, porque
não aceitam a um Deus pessoal como ideal, nem
conseguem alcançar o Impessoal. Ao que parece,
ambas alternativas estão vedadas a ales. A solução
consistiria em compreender que, se bem que o
Impessoal pode ser seu objeto último de meditação,
por hora, devido ao modo peculiar de sua
constituição, não devem deixar de adotar um aspecto
visível de Deus ou símbolo do Impessoal. A seu
devido tempo, quando houverem evoluídos
interiormente, haverão de encontrar que também eles
podem transpor os limites da mente e chegar ao
Absoluto.
Algumas pessoas que exteriormente
parecem intelectuais, possuem interiormente um alto
grau de desenvolvimento emocional. As vezes sua
vida emocional parece presa a frustração e a
insatisfação. Neste caso, de nada serviria a
meditação no Impessoal; longe disto, haveríamos de
convencê-los racionalmente de que, por razões
psicológicas e para a unificação de suas emoções,
devem dirigir a mente para um aspecto pessoal de
Deus. Então, uma vez alcançada a estabilidade
mediante este método, desaparecerão os conflitos
emocionais; o sentimento de frustração deixará de vir
à mente e se obterá uma profunda satisfação interior.
Como resultado disto, o indivíduo alcançará
gradualmente a madurez necessária para a
meditação no Impessoal. A história religiosa do
82
mundo nos demonstra categoricamente que tem
existido pessoas que iniciaram suas práticas
espirituais, assim como também os processos de
concentração e meditação, com um aspecto pessoal
de Deus e que logo evoluíram paulatinamente até
96
alcançar o Impessoal. E aqui o que expressa a
respeito o Swami Brahmananda:
“O melhor é partir do Dualismo.
Se, se avança curto trecho por este
caminho, não se tardará encontrar que se
chega naturalmente ao Não-dualismo. Ver a
Deus fora de nós constitui um caminho
acertado. Posteriormente, será possível; ver
a Deus dentro de si mesmo. E esta é a
forma mais elevada da concentração.”97
Existem inumeráveis variantes na
constituição mental e nas tendências intrínsecas dos
distintos indivíduos; e segundo vimos, os detalhes dos
métodos para a prática da concentração e da
meditação variam em consequência. Tal a razão pelo
qual Swami Brahmananda sustem categoricamente,
em sua obra Ensinamentos Espirituais, que a
instrução individual - ou o que os hindus denominam
tecnicamente iniciação - é absolutamente necessária
na India. Todos os livros sobre psicologia superior e
instrução espiritual insistem neste ponto. Assim,
disse Swami Brahmananda:
“A iniciação é necessária porque
ajuda a concentração. Quando alguém esta
iniciado, conhece o objetivo em que deve
concentrar a mente. Por outro lado, não é
96
97
Spiritual Teaching of Swami Brahmananda, p. 154.
82

possível permitir que a mente flutue de um
tema a outro. Se alguém, ao contrário, não
está iniciado, carece de objeto fixo para
concentrar-se....Resultado disso é uma
inconveniente mobilidade, e nada mais
prejudicial para o principiante. Até não
haver sobreposto a dito estado e havê-lo
substituído com uma serena atitude da
mente, a compreensão espiritual seguirá
sendo uma meta inatingível”98.
Entretanto, alguém pode empreender
a prática da concentração e a meditação por sua
própria conta , até encontrar uma pessoa que lhe
ministre instruções precisas. Com tal finalidade,
daremos alguns ideais de orientação geral.
O momento mais oportuno para a
prática é a conjunção do dia com a noite, vale dizer,
na madrugada ou ao entardecer. Isto nem sempre
pode ser praticado por muitos ocidentais, posto que
suas vidas rotineiras estão carregadas de atividades.
Para eles será mais conveniente praticar a meditação
imediatamente depois de acordar, pois é então,
geralmente, quando a mente se encontra mais
serena. Também, é possível praticar nas primeiras
horas da noite ou um pouco antes de dormir. Por
último, existe quem considera que o meio dia também
é uma hora adequada.
Antes de sentar-se para meditar é
necessário refrescar-se. Logo se elege um canto
tranqüilo e se possível um assento especial para a
prática quotidiana. Um fator de vital importância para
o exercício da meditação é a regularidade. Quando
alguém se exercita regularmente a certa hora do dia,
a mente contrai o hábito de serenar-se, sobre tudo
98
Ibid., p. 102.
83
nesta hora. Pode começar com um período de dez
minutos, logo prolongando paulatinamente este
tempo. Deve recordar-se que um principiante não
deve exagerar as coisas e começar precipitadamente
com longos períodos de exercitação, ou sentar-se
para meditar durante períodos variáveis. Neste
casos. as pessoas experimentam uma reação
desfavoráveis, sobre tudo se mostra em extremo
zelosa durante alguns dias e logo abandona por
completo a prática da concentração e da meditação.
A inconstância, tanto para a hora como para a
duração dos períodos, é um obstáculo no caminho
para a unificação da vida mental
O principiante deve começar por
relaxar todo o corpo e sentar-se em posição ereta,
mantendo direito o tronco e a coluna vertebral. Não é
essencial sentar-se de cócoras, posto que este força
as articulações, os músculos e os ligamentos. A
posição adequada é importante; mas o primordial é
estar cômodo, pois de outra maneira a mente se
distrai e vê obstaculizado seu propósito. Deve
recordar-se sempre que a meditação se acha
profundamente vinculada com a psique. Os
exercícios postulares e respiratórios são de ordem
secundário e somente tem por objetivo ajudar a mente
a serenar-se.
Depois de haver relaxado o corpo e
haver adotado uma adequada posição sentada,
deverá tomar um aspecto de Deus - segundo
dissemos antes - e enfocar a mente sobre este
aspecto e nada mais que sobre este aspecto. É
necessário visualizar a forma do símbolo no interior
de si mesmo. Certo é que para algumas pessoas
resulte conveniente visualizar na parte de fora o
objeto da concentração; mas é melhor tratar de
pensar no ideal dentro de si. Então, a medida em que
83

se desenvolve a consciência do ideal interior, um se
percebe de sua presença no exterior e nas demais
pessoas. A princípio custa a visualizar o ideal, no
interior, pois geralmente estamos acostumados a
experimentar as coisas objetivamente. É conveniente
ao principiante colocar uma imagem do aspecto
particular de Deus ou do símbolo de Deus escolhido,
na habitação ou habitações que mais freqüenta. Isto
resulta sumamente útil para a prática da
concentração, posto que cria uma forma pensada,
consciente e inconsciente do ideal. Também é útil
para a concentração repetir o nome de Deus,
especialmente aquele aspecto ao qual se medita.
Disse Swami Brahmananda:
“Quando alguém se senta para
meditar, deve começar por pensar em uma
divina forma bem-aventurada. Isto surtirá
um efeito sedante sobre os nervos. De
outro modo, se correrá o risco que a
meditação se torne árida e tediosa. teremos
de pensar na forma do Ideal escolhido,
sorridentes e cheios de dita”99.
Não nos gostaria finalizar o capítulo
sem formular uma última advertência ao principiante,
para que não se desanime quando lhe resultar difícil
visualizar o ideal ou sentir a presença de Deus. As
vezes os noviços pensam que talvez outro símbolo
fosse melhor para a concentração que o já elegido;
entretanto, não deve mudar por nenhum outro até que
o sujeito não se tenha assentado cabalmente no
mesmo e esteja preparado em consequência, para a
mudança. Isto não supõe necessariamente uma
limitação; o principiante deve recordar que os outros
99
The Eternal Companion, p. 127.
84
objetos e símbolos são expressões do mesmo Deus
ou Absoluto, ainda quando de certo aspecto dado seja
mais apto que os outros para o desenvolvimento
superior de indivíduo.
Se requer de seis meses a um ano
para sentir o efeito da prática constante, ao iniciar-se
o adestramento psicológico, dado que é necessário
mudar as formas pensadas. Temos advertido que
muitos resíduos de experiências passadas
permanecem nas zonas do subconsciente e afloram à
superfície, perturbando o poder mental. Também se
tem comprovado que algumas impressões sutis
provenientes de outras mentes, influências externas e
correntes de pensamentos negativas, de forma menor
afetam o indivíduo enquanto se esforça por meditar.
Não devemos nos desalentarmos por nenhuma
dessas influências, nem devemos determos a
considerar se progredimos ou não. Em seu lugar,
devemos perseverar firmemente na exercitação,
durante certo tempo. Então começaremos a sentir o
efeito da meditação pela relação mental e física, pelo
sossego e também pela própria qualidade da
meditação. É dado observar, desta forma, que as
qualidades éticas e espirituais superiores não tardam
em tornar-se manifestas na pessoa que pratica a
concentração e a meditação. E aqui o conselho do
Swami Brahmananda aos principiantes:
“Portanto, convém meditar um
pouco todos os dias, sem deixar um dia
somente de fazê-lo. A natureza da mente é
tal que tende a escapar como uma criatura
movediça. Sempre que queira escapulir,
deveremos retrai-la e obrigá-la a meditar
em Deus. Se logramos sustentar esta luta
84
 85
durante dois ou três anos, obteremos um
gozo inefável” 100.

100
”Spiritual Teaching of Swami Brahmananda, p. 100.

85

CAPÍTULO VII
EFEITOS DA MEDITAÇÃO
Entre os grupos religiosos e também
entre aqueles que estão alheios a religião, existem os
que criticam a prática da concentração e da
meditação. Os primeiros parecem pensar que torna o
sujeito demasiadamente passivo e negativo. Têm
medo, quando menciona-se a palavra meditação, pois
estão convencidos de que sua prática arrebata a
iniciativa da mente, tornando-a vaga e negativa.
Verdade é que ao mesmo tempo aconselham fazer o
bem aos demais mediante a assistência social e as
obras filantrópicas; mas de certo modo, criticam e se
opõem a prática da meditação. Freqüentemente se
afirma que os ocidentais não devem adotar a prática
da meditação oriental, porque neste caso correriam
perigo de perder o interesse neste mundo e tornarem-
se passivos. Donde se deduz que normalmente são
agressivos, dinâmicos e intelectuais e, portanto,
inadequados para o hábito da contemplação. Alguns
chegam a dizer, inclusive, que a mente ocidental não
é apta para os métodos científicos de observação e
experimentação ou, em outras palavras, que os povos
ocidentais se adaptam melhor ao estudo do mundo
objetivo, em um sentido objetivo.
O professor Jung não subestimava o
efeito da prática da concentração e da meditação nos
países orientais como a India e a China, ainda que
opinava que os métodos adotados no Oriente não
poderiam ser adotados para a mentalidade ocidental.
Parecia crer este autor que os ocidentais deviam
86
desenvolver uma técnica própria. Mas o estudo da
vida e ensinamentos dos místicos orientais e
ocidentais não justificam semelhante opinião.
Recordemos o que expressa sobre a meditação Santa
Tereza de Ávila:
“Se me houvessem perguntado
sobre a meditação, poderia tê-los instruídos
e aconselhados quem quer que fosse, a
praticá-la, ainda quando não possuíssem
as virtudes pertinentes, pois este é o
primeiro passo para obtê-las; é vital para
todos os cristãos iniciarem-se nesta
prática”101.
Santa Tereza, Santo Inácio e outros
insistiram na utilidade prática da contemplação, da
concentração e da meditação, e nenhum deles se
cansou de recordar este método aos seus discípulos.
Por certo que não achamos nenhuma diferença
fundamental entre seus sistemas e os propiciados
pelos mestres hindus. A única diferença que
encontramos é, ou melhor, a que separa as
mentalidades devotas das mentalidades intelectuais,
coisa que ocorre igualmente no Oriente e no
Ocidente. Ao contrário, não cremos que possa achar-
se diferença entre ocidentais e orientais, pois em
qualquer destes grupos pode observar-se a presença
de diversos tipos psicológicos, segundo veremos no
capítulo “Os Métodos da Experiência
Supraconsciente”.
Os críticos pertencentes aos grupos
religiosos rechaçam, naturalmente, a prática da
meditação, não porque saibam coisa alguma de sua
técnica e seus efeitos reais, mas porque a seus olhos
101
Caminho da Perfeição.
86

é uma espécie de hábito misterioso executado pelos
orientais. Tememos muito que a tendência de
considerar a meditação como uma simples fraude
esta tida pelas conquistas da ciência ocidental e sua
aplicação na vida quotidiana. O estudo objetivo da
natureza, tal como enunciaram os pensadores gregos
e o adotaram mais tarde todas as mentalidades
européias, deu ao homem um grande poder sobre as
leis da natureza, pondo o prazer mais próximo a suas
mãos. Sem conhecer a técnica e o valor da
concentração, estes grupos ocidentais sentem a ter
medo até de pensar nela, pois temem perder sua
iniciativa e agressividade. Ignorando, pois, de que se
trata , sentem um receio natural para aquilo que não
compreendem.
Também existe a idéia errônea de
que os orientais não têm obtido nenhum êxito
ressonante no mundo, devido a sua prática geral da
concentração e da meditação. A isto se contrapõem
a forte convicção de que os ocidentais têm alcançado,
ao contrário, mercê ao estudo objetivo da ciência e do
progresso material, um controle físico cada vez maior,
não só da vida ocidental, mas também da oriental.
Não é nossa intenção justificar aqui as conquistas da
ciência e seu valor pragmático, como fonte de
verdadeira felicidade e satisfação para o homem.
Este é outro problema. Mas, se nos vemos obrigados
a refutar as conclusões não científicas dos
pensadores científicos e de algumas autoridades
religiosas.
Nossas repostas a estes últimos é
que a prática da meditação e da concentração tem
sido utilizada, não só por grupos orientais religiosos,
senão também por muitos grupos religiosos
ocidentais, tais como os místicos cristãos - São
Bernardo, São Inácio, Santa Tereza e São João da
87
Cruz 102
- e muitos místicos judeus antigos e
medievais da Europa e também da Ásia 103. Não faz
falta dizer que Meister Eckhart, Tomás Kempis,
George Fox, John Wesley e bom número de outras
personalidades cristãs recentes, propiciam certa
forma de concentração e meditação 104. A nós, nos
parece impossível que um homem experimente a
Deus sem certo tipo ou forma de meditação. Pode
haver discrepância nas práticas aconselhadas, mas
todos têm que controlar igualmente a mente, para
poder gozar da experiência direta da Realidade
Última. Para alcançar a meta da religião é necessário
eliminar o Eu e o egoísmo, qualquer que seja o
sistema posto em prática. Conhecemos a concepção
hindu das práticas de meditação; no entanto, em
realidade, todos devemos lavar a mente antes de ver
a Deus. Eis aqui o que se lê na Teologia Germânica:
“Observai, ademais, que o Ser único em que se funde
Deus e o homem é livre de si mesmo e de todas as
coisas; e qualquer que seja seu conteúdo, este
responde a Deus mesmo e não ao homem ou sua
criatura”105. E São Tomas de Aquino: “Em
consequência, para ver a Deus é necessário certa
semelhança com Deus por parte da faculdade visual,
mediante a qual o intelecto se torna capaz de ver
Deus”106
102
Don Cuthbert Butler, Western Mysticism (Londres: MacMillan & Co.,
1922).
103
Gershom G. Echolem, Major Trends in Jewish Mysticism (Jerusalem:
Schoken Publishing House, 1941).
104
Rufus M. Jones, Studies in Mystical Religion (Londres: MacMillan &
Co., 1923) e também Evelyn Underhill, Mysticism (7° edição, Londres:
Methuen & Co., Ltd. 1918).
105
Theologia Germânica, traduzida por Suzana Winkworth (Londres:
MacMillan & Co., 1874), p. 77.
106
Basic Writings of Saint Thomas Aquino, editado por Anton C. Pegis
(New York: Random House, 1914), I, p.94.
87

A meditação não torna uma pessoa
nem passivo nem negativo; pelo contrário, contribui
para trazer a luz o poder dinâmico da mente.
Somente aquele acostumado com a meditação, e que
tenha alcançado uma compreensão direta de Deus,
pode servir com êxito a humanidade.
Freqüentemente temos visto homens e mulheres
iniciarem um trabalho de assistência social com boas
intenções, mas logo perdem seus altos ideais,
confundindo-os com a ambição, ao renome, a fama e
o poder. A história das organizações religiosas e de
caridade reforçam a esta afirmação. Ao contrário,
aqueles que realizam tarefas de assistência social, e
ao mesmo tempo praticam a concentração, a
meditação e outros exercícios devotos, se acham em
condições de preservar o espírito de abnegação e
reverência, no meio e por meio de seu trabalho.
Alguns dos maiores homens inclinados a meditação
foram os que melhor serviram a humanidade; por
exemplo, São Francisco de Assis, na tradição cristã, e
Swami Vivekananda, na tradição hindu. Buda e seus
discípulos defenderam vigorosamente a prática da
concentração, e ao mesmo tempo, pertenceram a um
povo que inundou ao mundo antigo com pregações de
caridade e demais tarefas desinteressadas.
Enquanto aos pensadores
racionalistas, dizemo-lhes que não devem precipitar-
se a extrair conclusões sobre o efeito da meditação,
sem antes efetuar uma observação crítica da técnica
empregada e de seus resultados sobre a psique.
Fora o seu valor religioso, a prática da meditação
exerce tremenda influência na construção da
personalidade total humana. Novamente repetimos
que é ela, na realidade, a que materializa o poder
dinâmico da mente com todas as suas possibilidades
potenciais, segundo expressamos no capítulo sobre a
88
“Vontade e Personalidade”. É quase inevitável
concluir, então, que sem a meditação não é possível
eliminar os conflitos. A moderna psicologia pode
trazer uma ajuda passageira, mas ela sozinha é
incapaz de subministrar fortaleza e energia suficientes
para salvaguardar a psique de influências nocivas
influências da vida moderna.
É certo que nos países ocidentais,
graças a ajuda dos progressos científicos, tem sido
feito muito pelo melhoramento da vida quotidiana do
homem. Entretanto, não é menos certo que no
Ocidente, devido ao desassossego, infelicidade e
insatisfação da psique, se produzem constantes
conflitos e frustrações que provocam formas extremas
de desordens mentais, transtornos nervosos e
doenças funcionais. Isto nos demonstra que as
normas modernas de vida , baseadas nos
descobrimentos científicos e suas aplicações, não
resolveu os problemas psicológicos do Ocidente.
Muito pelo contrário; seus problemas cada vez se
tornam cada vez mais alarmantes.
Consequentemente, é o Ocidente quem deve
encontrar um remédio para esta perigosa situação.
Jung é do parecer que os ocidentais
deveriam desenvolver uma técnica própria para a
meditação. Com isto, supõem tacitamente que a
mentalidade ocidental difere da oriental. Entretanto, o
exame crítico demonstra cabalmente que ocidentais e
orientais tem igual mentalidade. Nada mais errôneo
que afirmar a existência de uma mentalidade
ocidental, por um lado, e por outro, uma mentalidade
oriental. A investigação psicológica revela que os
atos e reações de ambos os grupos são semelhantes.
No Oriente, as mães amam seus filhos com o mesmo
fervor que no Ocidente. O ódio, os ciúmes e a inveja
não são patrimônio exclusivo de nenhum dos grupos.
88

Outro tanto poderia dizer-se das conquistas
intelectuais, e, sobre tudo, das experiências
espirituais. Estas últimas se parecem, devido a
semelhança existente entre as atitudes mentais e as
expressões emotivas de ocidentais e orientais. Os
devotos emocionais do Oriente, como Tulsidas e
Mirabai, são semelhantes a dos ocidentais e orientais,
como Santo Antônio e Santa Tereza. O tipo
intelectual de vivências espirituais de Yajnavalkya,
Sankara e Swami Vivekananda, têm sua contraparte
em São Dioniso, São Bernardo e Meister Eckhart. As
diferenças no tipo ou forma de conquistas e vivências
espirituais se devem a natureza da mente mesma e
não a sua localização geográfica. Por exemplo, as
experiências espirituais dos devotos que se acercam
a Deus através das emoções de amor e veneração,
são semelhantes mas não idênticas as daquelas que
acercam a Deus mediante o intelecto, vale dizer ,
mediante o discernimento e o raciocínio. Tanto nas
civilizações orientais como nos ocidentais, se tem
observado o fenômeno da decadência espiritual; e em
ambas as partes do mundo tem surgido
personalidades espirituais capazes de injetar novo
fervor a seu povo. Buda, Lao-Tsé, Krishna, Sri
Ramakrishna e muitos outros espiritualizaram uma e
outra vez a vida dos povos orientais, salvando-os de
um cruel materialismo. De modo similar, Cristo, São
Francisco, São Boaventura e outros grandes místicos,
salvaram ao Ocidente de uma completa
desintegração. É verdade que os métodos científicos
e objetivos ocidentais permitiram ao homem lutar
contra os males da natureza, ganhando comodidade,
mas isso não prova em absoluto que a natureza
interior do homem tem melhorado graças aos
adiantos científicos, ou que a mente de um ocidental
89
necessite menos meditação e exercícios religiosos
para alcançar as vivências espirituais de um oriental.
Fora dos valores religiosos que
contem a prática da concentração, existe nela uma
rica reserva de bens, no que concerne aos problemas
psicológicos do homem moderno. Os psicólogos
hindus classificam os estados mentais em cinco
categorias: 1) inquietude externa, 2) inquietude
parcial, 3) embotamento 4) estado concentrado 5)
concentração absoluta. Todos os psicólogos
modernos compreendem cabalmente que um homem
pode alcançar uma verdadeira satisfação e felicidade,
se não tiver superado a inquietude extrema.
Consequentemente, os médicos e também os
psicoterapeutas concedem grande importância a
necessidade de estabilidade mental de seus
pacientes; em realidade, têm chegado a prescrever
métodos definidos para consolidar a estabilidade da
psique. O Dr. Joseph Pratt, de Boston, o Dr. Carl G.
Jung, de Zurich, e muitos outros investigadores tem
posto em prática métodos clínicos para acostumar o
paciente a relaxar-se voluntariamente e a controlar
seu pensamento. Os médicos informam
categoricamente que muitos casos de doenças
físicas, tais como dor de dente , a “febre histérica”, a
psoríase, etc., tem sido curadas mediante métodos
exclusivamente psicológicos.107
Alguns psicólogos experimentais se
perguntam se o zelo religioso e a insistência
excessiva de um ideal religioso não criariam um
conjunto de temor, com os imagináveis conflitos
conseqüentes. Entretanto, uma verdadeira atitude
religiosa não pode provocar nenhum medo nem
conflito na mente. Muito pelo contrário; a
107
Carl G. Jung, Psicologia e Religião (Buenos Aires, Paidos, 1955; 3° ed.
1961),p. 27-28.
89

compreensão adequada dos valores da religião
elimina toda a classe de temores e conflitos. Uma
filosofia sã nos ajuda a vencer a inquietude extrema,
como também os estados mentais de embotamento.
A prática da concentração estimula o interesse em um
aspecto de Deus e, assim, contribui gradualmente a
superar o desassossego.
Às vezes se argüi que a prática da
meditação durante poucos minutos pela manhã e
outros tantos a tarde, não pode bastar para estabilizar
a vida de um homem; mas a experiência demonstra
que a prática sustentada da concentração, ao longo
de meses e anos, vai estabilizando paulatinamente a
psique, ao mesmo tempo cria uma fonte de
satisfação, que é o que buscam os psicoterapeutas.
Não podemos compreender porque o mero
conhecimento das emoções em conflitos e as causas
das frustrações são suficientes para estabilizar a
psique. Pelo contrário, nossa experiência nos diz que
as pessoas de certa forma se desalentam e se
transtornam quando conhecem as ditas causas e
conflitos; Deste modo, se torna imperiosa a
necessidade de adestrar a mente para alcançar a
concentração, ainda que não seja parcial. Este
método serve também para esclarecer os valores
superiores da vida. Tem-se observado que a
inquietude da mente originada no conflito e frustração
ou qualquer outra dificuldade, provoca sérios
transtornos físicos; ao contrário quando um homem
prática concentração e a meditação vai-se
sobrepondo-se gradualmente ao desassossego
mental extremo, uma vez que fortalece
espontaneamente o sistema nervoso e logra um
funcionamento adequado de todos os órgãos. Ainda
do ponto de vista terapêutico, a prática do
relaxamento e da concentração é de notável
90
importância, segundo se depreende do trabalho
desenvolvido Joseph Pratt e seus colegas, na clínica
psicológica do Dispensário de Boston. Estes
investigadores demonstraram que a prática do
relaxamento ajuda aos pacientes a superar o
desassossego e a eliminar os transtornos funcionais.
Não cabe dúvida que é
absolutamente necessária uma filosofia superior de
vida para poder levar uma existência satisfatória, pois
nos ensina que todas as aspirações, esperanças e
desejos devem subordinar-se para a meta suprema
do viver, segundo explicamos mais acima. A
compreensão efetiva de uma filosofia superior nos faz
ver a necessidade de regular nossos afetos e
ambições exagerados. Por outro lado, também a
prática do relaxamento e da concentração é
absolutamente essencial. Podemos possuir um
sistema filosófico; podemos saber teologia; podemos
ter princípios religiosos; mas é necessário aplicar
todas estas noções à vida, em forma individual,
através da disciplina, o adestramento e os exercícios.
A história demonstra que a filosofia resulta ineficaz, a
menos que se aplique praticamente para a vida
quotidiana. A exercitação da concentração da saída a
iniciativa da mente, permitindo que nossas idéias
filosóficas se tornem dinâmicas. Qualquer criança
sabe que é errado mentir. Qualquer criança sabe que
é errado irritar-se; qualquer homem sabe que é ruim e
nocivo ter ódio e ciúmes, e todo o homem sabe que a
desconfiança destrói a paz de quem a padece; mas
ninguém é capaz de libertar-se destas baixas
emoções se não possui a suficiente força de vontade
para aplicar os princípios da religião e da filosofia em
suas reações emocionais. A prática da concentração
unifica a mente, fortalece a vontade e permite por em
prática tais princípios. Com tudo isto, os contatos
90
 91
sociais do indivíduo se tornam harmoniosos,
agradáveis e satisfatórios.
No capítulo dedicado a “Experiência
Supraconsciente” estudaremos o efeito mais
importante da concentração e da meditação. Basta
dizer, por hora, que ninguém pode alcançar um
verdadeiro conhecimento espiritual ou percepção
imediata de Deus sem antes haver aprendido os
métodos da meditação. Os místicos e os aspirantes
espirituais podem divergir nos métodos específicos
empregado, mas acham-se igualmente convencidos
de sua imensa utilidade.

91

CAPÍTULO VIII
VISÃO INTUITIVA
Existe uma considerável confusão
quanto ao significado da faculdade intuitiva do
homem. O vulgar crê que as experiências da
compreensão intuitiva consistem em “adivinhar as
coisas”. Desta maneira a maioria das pessoas
utilizam o termo para a descrição, com toda a
liberdade. A verdadeira faculdade intuitiva não se
expressa tão facilmente e requer um considerável
esclarecimento, que esta relacionado com a prática
da meditação.
A visão intuitiva é um estado no qual
a mente se torna ativa em sua totalidade. A prática
da concentração desenvolve todos os poderes
mentais e obriga-o a trabalhar em somente uma
direção. Consequentemente, a mente inteira entra
em atividade e desperta, quando se alcança o estado
absoluto da concentração. Aquele que tenha
alcançando esta concentração absoluta na meditação
profunda, conhecerá a mente inteira e seus
pensamentos se tornarão transparentes e luminosos.
Assim, não necessitará nenhum estudo objetivo para
compreender os estados subconscientes, nem para
conhecer por inferência as tendências ocultas do ser,
como no caso da moderna psicanálise. Efetivamente,
se achará em condições de descobrir imediata e
diretamente a grande quantidade de impressões da
psique, alojadas na zona do subconsciente, com a
mesma nitidez com que vê os objetos em uma vitrine.
A autognose se converte no efeito da percepção
92
direta. Ademais, se adquire uma compreensão
acabada da experiência total da mente. Em tal caso,
o sujeito não necessita acudir a ninguém para
interpretar seu sonho ou sua conduta, conhecerá por
si só, direta e indiretamente as partes construtivas de
toda sua psique.
À parte disto, o benefício mais
valioso do estado da concentração profunda, assim
como a visão intuitiva mais elevada, é a experiência
da Realidade situada mais além do mundo objetivo.
Quando as radiações solares são difusas, não nos é
possível fazer uma idéia perfeita de sua potência
luminosa ou calorífica. Ao contrário, quando
convergem todos os raios em um só ponto,
observamos uma luminosidade poderosa e um
intenso calor. De modo semelhante, quando as
forças mentais se acham dispersas, nos é impossível
compreender a mente ou coisa alguma,
objetivamente. Neste casos extremos de dispersão, a
mente se some em um estado irremediável de
debilidade e desatenção. Mas, quando as forças
mentais se centram sobre um dado objeto, todos os
elementos dispersos se unificam e a psique alcança
extraordinários poderes. E esta é a razão,
precisamente, pela qual os homens consagrados nas
meditações mais profundas conhecem sua mente
total e, mercê a sua concentração, gozam a vivência
da Realidade. Segundo pudemos observar na vida
dos grandes mentores espirituais pertencentes as
distintas religiões, o segredo do seu êxito reside no
caráter convergente de seus pensamentos.
Conseguem abstrair o pensamento em Deus de tal
forma, que freqüentemente chegam a esquecer a
consciência do seu próprio corpo.
Quando um homem alcança tal
estado de concentração profunda, também pode
92

dirigir sua psique convergente para outras psiques, e
compreender de forma imediata e direta seus
diferentes estados, assim como qualquer um pode ver
objetivamente as coisas contidas em uma vitrine.
Não existe nenhum mistério no que concerne a
compreensão das mentes dos demais. É um fato
corroborado pela experiência que isto é possível,
sempre que se alcance o estado mental concentrado
ao qual vimos nos referindo. Neste caso, não se
necessita interpretar a conduta ou os sonhos de um
indivíduo para compreender a causa de seus atos,
nem faz falta nenhum método inferencial para
compreender suas tendências subconscientes.
Efetivamente, é possível ter um conhecimento direto
das impressões de sua psique, por sutis que sejam.
Verdade é que nem todos alcançam esta completa
compreensão e emprego total da mente. A razão
fundamental, não é que seja impossível, senão em
que, nestes casos, não se desenvolveu a
concentração absoluta da psique, a qual esta sujeita
ainda a influência das experiências objetivas.
Consequentemente, não superou todavia a etapa da
dispersão. Somente quando um homem alcança este
estado absoluto de concentração e, graças a ele, sua
mente se torna translúcida e livre, somente então,
chega a possuir o conhecimento de sua própria mente
e, se assim o quiser, das mentes dos demais.
O estudo objetivo e o conhecimento
por inferência dos conteúdos da mente
subconsciente, são arriscados e estão sujeito a erros,
devido que o observador, ao interpretar as
impressões desconhecidas do subconsciente, não
pode deixar de ter a interpretação as suas próprias
impressões e tendências pré-concebidas. Uma dada
conduta pode obedecer a causas diferentes. Um
homem pode experimentar desassossego em razão
93
de uma ambição anormal, por uma desilusão com
seus amigos, por falta de autoexpressão, por perda
de dinheiro, pelo fracasso em um empreendimento
intelectual ou material, etc. Não é senão natural que
um observador objetivo tenda a interpretar a causa do
desassossego e conseguinte desordem nervosa do
paciente, segundo uma ou outra de suas próprias
impressões pré-concebidas. A menos que o
observador seja um homem de concentração
profunda, ser-lhe-á quase impossível operar com
imparcialidade. Consequentemente, o uso de
métodos objetivos de interpretação de sonhos e da
simbologia freudiana freqüentemente conduzem ao
fracasso na interpretação das impressões
subconscientes e dos complexos da conduta.
Aproveitaremos a ocasião para
examinar aqui a diferença que existe entre a visão
intuitiva e o conhecimento analítico. Os homens da
ciência estudam objetivamente os fatos da
experiência, mediante métodos de observação e
experimentação. Na realidade não fazem senão
aplicar o método “experimental controlado” - tal
como o chamam o professor Carlson e outros - , e as
leis e princípios que encontram com sua ajuda se
referem aos fatos da experiência. Em sua maioria, os
investigadores científicos parecem considerar que
este é o único método definido e positivo do
conhecimento, e todos os feitos são julgados sobre a
base do referido método. Em geral, o professor
Carlson e demais homens da ciência materialista e
mecanicista excluem toda outra forma de
conhecimento. Para eles, qualquer tipo de
conhecimento intuitivo - incluindo as vivências
religiosas - é .superstição! 108
108
A. J. Carlson, “Science and the Supernatural”, Scientific Monthly, LIX
(Agosto, 1944, 85-95.)
93

Em nossa análise e avaliação do
estudo objetivo da mente109, achamos que é difícil
reconhecer sua atividade interior mediante o estudo
objetivo baseado na inferência. O exame dos
conteúdos emocionais e impulsos subconscientes é
incerto, quando levado a cabo mediante as
interpretações objetivas de determinadas experiências
exteriores. Certamente que não é nosso propósito
diminuir a importância do método analítico e
desconhecer o lugar que ocupa em certas áreas da
vida. Mas, de modo algum, pode-se tomá-lo como
instrumento cognoscitivo de absoluta certeza, em
todos os campos. A visão intuitiva não pode ser
substituída por nenhum sistema analítico para a
compreensão imediata e completa da psique e da
Realidade Última. O método por inferência baseado
no estudo objetivo é extremamente incerto e vago. O
professor Eddington, em sua obra Filosofia da Ciência
Física, chega acertadamente a conclusão de que o
conhecimento científico do tipo analítico é relativo.
Ademais, é incapaz de subministrar conhecimento
algum do Absoluto, pois este se encontra mais além
das categorias do tempo, espaço e da causa.
Efetivamente, não pode fazer-nos conhecer a “coisa
em si” de que fala Kant, nem a “Alma do Universo” do
professor Stromberg. Os filósofos como Kant, Hebert
Spencer, etc. tem razão, em certo sentido, quando
afirmam que a Realidade Última não é conhecida nem
pode conhecê-la, posto que se referem ao
conhecimento empírico analítico, cujos alcance
excede aquela. Mas, em outros sentidos se
equivocam, pois a Realidade Última é muito mais que
algo desconhecido e incognoscível: é a natureza
mesma da alma, da existência. Nós afirmamos
decididamente que é possível alcançar este
109
Ver capítulo IV, “A mente Subconsciente”.
94
conhecimento mediante o desenvolvimento da
percepção intuitiva. Não é razoável, então,
desconhecer o importante papel desempenhado pela
intuição nas vivências religiosas e processos
superiores da psicologia.
A esta altura se propõe
naturalmente duas perguntas: 1) É possível
desenvolver a faculdade intuitiva; 2)Qual é prova de
sua validade Consideremos primeiro a possibilidade
de seu desenvolvimento. É induvidável que algumas
pessoas têm, as vezes, “palpites” e centelhas de
compreensão intuitiva. Uma mãe amante
freqüentemente sabe por instinto quando se acha em
perigo seu filho; freqüentemente não necessita
nenhum meio externo para sabê-lo. Seus sentimento
interiores fazem-na conhecer por si mesmos a
situação de seu filho. Poderíamos dar uma grande
lista de exemplos, posto que são muitas as pessoas
que têm experiências deste tipo.
Uma mãe, via de regra, nos contou
que há pouco tempo uma noite não fazia mais do que
pensar em seu filho, o qual, neste momento, se
achava combatendo na área do Pacífico; e lhe era
impossível tirar de seu pensamento a recordação do
seu filho. Durante a noite assalto-lhe uma intensa
ansiedade e começou a tremer violentamente, apesar
dos cobertores que a cobriam. Repentinamente
sentiu uma presença luminosa na alcova e ouviu uma
voz que lhe dizia: “Tudo anda bem, mamãe”. Na
manhã seguinte, recebeu uma mensagem do governo
comunicando-a que o avião de seu filho havia sido
derrubado no Pacífico e que o jovem havia morrido.
Um médico eminente nos narrou, faz
algum tempo que uma paciente foi ao seu consultório
e lhe disse que neste dia havia sentido sumamente
preocupada com seu marido. Nesta noite um
94

telegrama de Washington lhe informou que seu
esposo havia morrido em um acidente de avião.
Toda a alma amante compreende as
exigências interiores do ser amado, mas não possui o
domínio definido sobre estas experiências. E assim,
nem todas a vezes em que o objeto do afeto se acha
em perigo, tem-se um sentimento dele. Poderia
sustentar-se que estas experiências obedecem a
“casualidade” ou a meras “coincidências” , ou que
excedem os limites da investigação científica. Então;
nós admitimos que as experiências intuitivas não se
acham comumente sob o controle do homem médio,
e nossa explicação é que a mente não alcançou um
estado suficiente de concentração na vida ordinária.
O pensamento das pessoas correntes é prolixo e
disperso, obedecendo ao fluxo de toda a sorte de
coisas, sem centrar-se sobre nenhuma durante longo
tempo. Por tudo isto, suas mentes são incapazes de
operar continuamente e em sua totalidade. Assim se
explica que não possuam a visão intuitiva, apesar de
que freqüentemente deveriam tê-la. Entretanto, em
certas circunstâncias, suas mentes podem tornar-se
totalmente ativas, de forma passageira, brilhando
repentinamente como um relâmpago de
conhecimento intuitivo. Nós temos podido observar
que, em alguns casos as faculdades intuitivas têm-se
desenvolvido sem uma concentração prévia. E, ainda
que não seja possível explicar estes fatos
cientificamente, os pensadores hindus , em
conformidade com a fé na teoria da reencarnação,
sustentam que as faculdades intuitivas devem ter-se
desenvolvido em uma vida anterior.
Qualquer pessoa pode cultivar
sistematicamente esta faculdade , praticando
consciencosamente a concentração mediante o
método de subtrair a mente de qualquer classe de
95
atividades, para concentrá-la regularmente em um só
objeto. Assim, se desenvolve o poder de dirigir a
mente a seu gosto. A integração da vontade constitui
um dos métodos mais importantes para cultivar a
intuição. Como veremos no próximo capítulo, a visão
intuitiva alcança seu máximo desenvolvimento nos
indivíduos profundamente estabelecidos na
meditação.
Passemos a considerar agora a
validez de seu funcionamento. Embora sabendo que
existem casos autênticos de visão intuitiva, nos
damos plena conta que existem muitas pessoas que
pretendem possuí-la e que na realidade, carecem
dela, julgando freqüentemente aos demais sobre esta
base. A verdade é que de certa forma são injustos
com as pessoas, considerando-as sobre a base de
uma suposta visão intuitiva. E muitos carregam com
isto grandes dificuldades, confusões e transtornos. É
sumamente imprudente confiar em meros “palpites” e
tê-los por fatos certos, a menos que não o
submetamos a uma prova cuidadosa. A visão intuitiva
válida se dá naquelas pessoas perfeitamente
integradas e cuja vontade se encontra unificada e
integralmente ativa, por achar-se arraigada nos
princípios mais elevados da ética e na prática da
concentração profunda e da meditação. Basta, pois,
observar detidamente a vida de um indivíduo para por
a prova a validade da sua intuição. De fato, podemos
afirmar sem temor de equivocar-nos que somente se
pode confiar na visão intuitiva e te-la como certa,
quando a mente daquela que se diz possuí-la se acha
unificada e integralmente ativa graças ao
adestramento e a disciplina. Ademais, uma cintilação
ocasional de intuição pode resultar certo em
determinadas circunstâncias; mas não devemos
95
 96
considerá-la válida ou confiar em sua verdade, sem
antes verifica-lá.

96

CAPÍTULO IX
AS EXPERIÊNCIAS
EXTRASENSORIAIS
A maioria das pessoas comuns e
muitos homens da ciência supõem que as
experiências conscientes e sensórias são as únicas
realidades do mundo. Entretanto, existem algumas
experiências na vida humana que não guardam
relação com a percepção imediata dos sentidos.
Geralmente se as conhece com diversos nomes .
Assim se fala, neste sentido, de telepatia, percepção
extrasensorial, milagres, fenômenos sobrenaturais e
místicos ou vivências religiosas. Estes fenômenos
não foram estudados por mentes científicas até que o
professor William James, da Universidade de Harvard,
reuniu, compilou e classificou alguns deles como, por
exemplo, as experiências religiosas. A maioria dos
psicólogos se zombaram destas experi6encias
estudadas pelo professor James e freqüentemente as
incluíram na esfera do patológico. Mas para nós não
deixa de ser uma sorte que um investigador tão
destacado aja reunido este fatos para sua observação
e estudos gerais, de maneira sistemática e científica.
Longe de zombá-lo, de apoiar-se em noções pré
concebidas ou de pré-julgados, recolhe-os
objetivamente para submete-los a um estudo sério e
desapaixonado.
Tanto nos grupos religiosos como
fora deles, existem críticos destes acontecimentos
extraordinários. É fato aceitado que as experiências
inusitadas do homem não podem observar-se em
97
forma objetiva, dado que geralmente é impossível
repeti-las em condições de controle, para seu estudo
científico; mas é absurdo ridicularizá-las ou condená-
las, sem mais, negando-se a investigá-las
cientificamente. Existem umas poucas sociedades
avançadas, como a Sociedade de Investigação
Psíquica, de Londres, que começaram a estudar
estes fenômenos. O fruto de seus trabalhos tem sido
a compilação de uma série de feitos notáveis, que
caem, sem lugar a dúvida, dentro do âmbito da
psicologia.
Não queremos dizer com isto que
todas as pretendidas experiências extraordinárias e
extrasensoriais sejam válidas. Na história do insólito
se registram muitas afirmações sem fundamento que
não se viram verificadas nem corroboradas pelos
fatos. De modo que não seria justo culpar a nada de
mostrar-se céptico ou crítico nesta matéria. Nós
mesmos também prefiramos a atitude crítica e
estamos dispostos a combater o tráfico que pode
ocorrer com o misterioso. Semelhante proceder
desmoraliza e confunde as pessoas, tornando--as
facilmente crédulas e supersticiosa. Nossa norma é
não rechaçar este gênero de fenômenos, como queria
o professor Carlson, senão propor uma atitude crítica
e a amplitude de critério necessária para poder
alcançar a verdade definitiva. Em todas as
investigações que empreendamos deve privar uma
atitude rigorosamente científica. A psicologia, como
ciência, também deve possuir o verdadeiro espírito da
observação e a investigação - tal como expressam o
professor James e o professor Müller-Frienfels - ,
ainda quando estas experiências não possam repetir-
se aos efeitos da observação controlada. Mas, neste
sentido, cabe assinalar que existem muitos feitos de
nossa vida mental que nem sempre são passíveis de
97

um tratamento objetivo, como, por exemplo, os
conteúdos concretos de nossas reações emocionais.
O professor Rhine, em seu livro
Novas Fronteiras da Mente, descreve algumas destas
experiências extrasensoriais do homem, tratando de
desenvolver uma técnica para a sua compreensão.
Junto com alguns colegas chegou a conclusão de que
a mente esta dotada de certas faculdades para
adquirir conhecimentos com prescindencia das
reações nervosas habituais. McDougall também
parece simpatizar com este sistema de investigação.
Verdade é que as percepções ordinárias nos chegam
através do sistema nervoso; mas as experiências
extraordinárias se alcançam sem nenhum contato
direto dos órgãos dos sentidos e do sistema nervoso.
E, não obstante, possuem um valor exato e imediato
em quanto correspondem a experiência; o mesmo
valor, em realidade, que se houvera tido lugar
mediante os sentidos. Não se trata, por certo, de vôos
imaginativos e poéticos, senão de conhecimentos de
valor prático, capazes de subministrar-nos um saber
novo sobre determinados fatos do conhecimento
imediato em oposição ao conhecimento por
inferência. E tenham ou não tenham relação com as
vivências religiosas, muitas pessoas religiosas que
experimentam visões místicas superiores, também
tem estas percepções extrasensoriais.
Detenhamo-nos a examinar alguns
exemplos em que as ditas percepções se produziram
concretamente. A filha de um amigo nosso - um
grande médico e uma grande autoridade nesta estado
- teve uma experiência peculiar ou extraordinária
quando tinha 13 anos de idade. Uma noite chamou
sua mãe após ter deitado, e disse que sentia cheiro
de queimado. A mãe considerou o despertar a filha e
aconselhou-a a deitar-se novamente e que
98
procurasse dormir. Passados alguns minutos, a
menina voltou a chamar e insistiu que sentia
nitidamente um forte cheiro de carne queimada. Desta
vez, a mãe já não pode conformá-la com razões, e se
levantou para percorrer toda a casa; mas ao não
achar nenhum rastro de fogo, tratou de tranqüilizar a
sua filha, sugerindo que talvez fosse somente um
sonho. Um momento depois a menina voltou a
levantar-se e a insistir em que havia percebido
distintamente um forte cheiro de algo queimando;
diante do qual a mãe se declarou impotente. Na
manhã seguinte, logo cedo, receberam uma chamada
telefônica de uma cidade distante, comunicando-as de
que nesta noite havia morrido vítima de incêndio que
destruiu a casa, um dos parentes mais próximos da
mãe da menina. Esta e outra experiências similares
indicam claramente que os seres humanos podem ter
percepções diretas de coisas que ocorrem em lugares
distantes, sem nenhum contato direto por meio dos
sentidos ou do sistema nervoso.
Em certa ocasião nos achávamos
lendo, na sala de visitas de nossa casa, com uma
amiga. De repente ela exclamou, cheia de ansiedade:
“nesta casa ocorrerá uma morte”, e começou a
chorar. Então lhe disse que eu não havia recebido
nenhum sinal de que estivesse próximo de morrer
nem tão pouco de que sua filha ou algum de nossos
amigos comuns corria perigo de morrer subitamente.
Contudo tratei de convence-la de que não teria motivo
para preocupar-se. Uns três dias depois, durante
nosso serviço, um homem que acabará de executar
certa composição musical, caiu fulminado, vítima de
um ataque do coração, morrendo em poucos minutos.
A experiência de minha amiga, que com tanta
claridade profetizou a morte, é um fato inegável de
que fomos testemunhas várias pessoas e que
98

qualquer um dos que assistiram ao serviço religioso
podia confirmar. Esta mesma amiga, falando-nos na
India, me disse repentinamente, em certa ocasião,
que haveria uma morte brevemente. Acabará de ter
uma experiência imediata deste acontecimento futuro.
Ao final de um ou dois dias recebemos um telegrama
dos Estados Unidos comunicando-nos que um de
nosso Swamis, que era particularmente querido por
mim, havia deixado de existir. Por último a mesma
amiga teve igual tipo de experiência em outra ocasião,
profetizando uma morte à curto prazo.
Na India conhecemos muitos casos
de homens e mulheres capazes de antecipar fatos
futuros, como a morte ou as enfermidades, direta e
imediatamente, sem travar contato com o fato mesmo
através do sistema nervoso ou dos sentidos. Em
todas as partes do mundo existem pessoas de
constituição inusitada, que compreendem fatos
distantes em forma imediata e direta, mesmo antes de
ocorridos. Também conhecemos alguns outros casos
na América, na India e em outros pontos do planeta, e
não é possível negar sua validez, posto que os fatos
concretos se encarregam de confirma-lo.
Muitos de nós sabemos que os
pensamentos podem ser transferidos a um lugar
distante. Algumas pessoas se acham conformadas
emocionalmente de um modo tal, que podem
transferir seus pensamentos e emoções a outra
pessoa sem falar-le ou sem ter contato direto com ela.
Um norte americano amigo nosso contávamos que
ele e sua mãe se achavam tão ligados que não
necessitavam falar-se para conhecer seus
pensamentos e emoções; cada um adivinhava os
desejos e sentimentos do outro em forma direta, sem
necessidade de nenhuma explicação. Da mesma
maneira, freqüentemente dá-se casos de amigos ou
99
de pais e filhos que se interam de enfermidades que
ocorrem com um deles , mediante a telepatia, ainda
quando se encontrem em lugares diferentes ou até
em países distantes.
Nos capítulos referentes a “Vontade e
personalidade” e a “Visão Intuitiva” descrevemos
algumas faculdades extraordinárias mediante as quais
o homem pode controlar as leis normais da natureza
como, por exemplo, a propriedade que tem o fogo de
queimar, também conhecemos casos de suspensão
da vida e de irradiação de luz e demais poderes
extraordinários.110 Não é necessário cita muitos
exemplos, ainda que coubesse mencionar muitos
fatos desta índole que foram submetidos a uma estrita
verificação. Geralmente os grupos religiosos incluem-
nos na ordem dos milagres ou aparições divinas.; por
exemplo, os extraordinários acontecimentos da vida
de Jesus são considerados, nos países ocidentais,
como a manifestação, por sua manifestação, por sua
mediação, do poder divino. Os fieis ocidentais
interpretam da mesma forma as manifestações
extraordinárias dos místicos cristãos ou judeus.
Os psicólogos hindus, como Patanjali
e outros, descobriram certas leis da psique que
explicam este acontecimentos extraordinários. As
percepções extrasensorias ou poderes ocultos não
são milagrosos nem acidentais , senão que se acham
governados e controlados por sutis leis psíquicas. A
psicologia ocidental, ao enganar-se e fazer caso
omisso destes fatos, perdeu lamentavelmente a
oportunidade de estudar fenômenos mentais de sumo
interesse. A psicologia hindu, pelo contrário, levou em
conta estas faculdades extraordinárias e desenvolveu
métodos mediante os quais qualquer um pode chegar
a experimenta-las e manifesta-las. Em nosso juízo, a
110
Swami Saradananda, Sri, Sri Ramakrishna Lilaprasanga, II.
99

psicologia ocidental se mostra estreita ou parcial ao
deixar de lado e condenar estes fenômenos sem uma
prévia e completa investigação científica.
Reconhecemos que existem algumas dificuldades
para a investigação científica deste tipo, dado que, os
métodos para desenvolver estas faculdades
extraordinárias, diferem radicalmente dos métodos
familiares da física. Os métodos utilizados, tanto para
manifestar ou verificar ditos poderes, são puramente
subjetivos e internos. Patanjali nos proporciona uma
apurada descrição destes fenômenos, como também
das formas em que é possível desenvolvê-los,
mediante os métodos prescritos de concentração
sobre certos objetos. Explica, desta forma, que
algumas pessoas nascem com estas tendências,
enquanto que outras devem cultivá-las mediante uma
forma prática111.
Devemos agora agregar umas
palavras com respeito a crítica destes poderes
extraordinários. Se acudimos a um químico, com
problemas químicos, este aplicará certos métodos
adequados à investigação dos fatos químicos. Ao
contrário, tratando-se de um biólogo, empregará em
sua indagação um método completamente diferente; e
outro tanto poderíamos dizer do astrônomo, que
recorre aos dados siderais por meio de seu telescópio
e demais aparatos de observação. Não é possível,
entretanto, utilizar o telescópio para observar os
dados da biologia ou da química. De modo similar,
somente é possível investigar os fatos psicológicos
mediante métodos psicológicos. É assim que Patanjali
prescreve ditos métodos para desenvolver o poder
mental. Qualquer um deseje investigar estas
extraordinárias faculdades de experiências
extrasensoriais, deverá alcançar o mesmo estado de
111
Aforismos Yogas de Patanjali, capítulo III.
100
desenvolvimento das pessoas que as manifestam. Se
não se possui o poder mental requerido, será
impossível observar e justificar adequadamente ditas
manifestações sutis das percepções extrasensoriais e
os poderes ocultos. Para nos , a atitude dos homens
de ciência que não levam a sério estas experiências,
sem incomodar-se em invetigá-las devidamente, é em
extremo insensata. certamente, sustentamos que o
experimentados deve achar-se tão bem, adestrado
como o sujeito submetido ao e tudo, de tal modo que
lhe seja possível dispor de um critério adequado e
correto para a avaliação; assim como é o joalheiro e
não o padeiro quem pode taxar uma jóia. Nós também
aplaudimos o espírito crítico em nossa observação.
Existem alguns sujeitos anormais que
falam de visões e experiências extraordinárias; mas
estas pretendidas faculdades não são senão
figurações de sua mente. Efetivamente, padecem
delírios e alucinações com respeito a certos fatos e
também de si mesmos. A pessoa que padece de
delírios e alucinações mostra sintomas de
desagregação mental, carece de controle sobre suas
emoções, seus nervos se acham desagregados e,
geralmente, ocupam um nível muito inferior ao de
uma pessoa média, sã Um estudo ligeiramente crítico
bastará para revelar que tais pessoas são anormais e
pertencem, portanto, a esfera da psicopatia. Muitos
casos psicopáticos apresentam estas ilusões
extraordinárias e ataques hipnóticos em tal grau, que
parecem viver em uma terra de sonhos. É, pois,
absolutamente evidente que não possuem uma
integração normal da psique e que sua conduta se
acha viciada pelas suas fantasias e percepções
imaginárias. O critério real reside no efeito sobre o
caráter da pessoa. Se observarmos que as
pretendidas experiências tem debilitado a
100
 101
personalidade e desmoralizado o indivíduo, então rebaixará ao nível de tais poderes, em lugar de
poderemos concluir que estas experiências são mero elevar-se ao plano divino112.
fruto da imaginação.
Isto não significa, entretanto, que
todas as percepções extrasensoriais caibam dentro
da esfera das alucinações. É fácil diferenciar entre
estas e as verdadeiras percepções extrasensoriais,
mediante um exame crítico da validade de seus
efeitos, e mediante um estudo do caráter da pessoa
em questão. O mesmo teste científico servirá para
revelar-nos quando as experiências são válidas e
quando são tão somente o produto de uma mente
desequilibrada. No caso das alucinações não se
incorpora nenhuma informação nova ao campo do
conhecimento. A pessoa que sofre delas tem idéias
confusas; enquanto que na percepção extrasensória
sempre se adquire algum conhecimento novo sobre
fatos concretos.
Patanjali, em sua descrição dos
diversos poderes extrasensórios e métodos para
alcançá-los, declara categoricamente que existem
grandes obstáculos no caminho para as experiências
espirituais superiores e visões místicas. Como já
dissemos, Buda, Sri Ramakrishna e demais mestres
combateram o uso dos poderes ocultos. Ademais,
sempre ensinaram que se alguém deseja alcançar
visões espirituais de ordem superior, deve afastar
todo interesse pelos fenômenos extraordinários, se
bem que estes podem dar-se simultaneamente com
as práticas espirituais. Na realidade, sabemos
positivamente que no curso de algumas práticas
espirituais intensas, as vezes se alcançam estas
faculdades de forma inconsciente e involuntária. Os
verdadeiros mestres da vida espiritual sempre
aconselham a seus discípulos que combatam sua
manifestação; de outro modo a mente deles se
112
Aforismos Yogas de Patanjali, III : 51.

101

CAPÍTULO X
O ESTADO
SUPRACONSCIENTE
Alguns grupos religiosos e religiosos, esquecem o objetivo primordial da vida,
pensadores científicos criticam e põem em questão as
experiências espirituais ou visões supraconscientes,
como também a meditação. A primeira objeção é que
as visões místicas submergem o sujeito no
trasmundo, fazendo com que se converta em o que
chamam de um “introvertido”; quer dizer que estas
experiências fazem que o sujeito se esqueça de seus
congêneres, preocupando-se mais com si mesmo.
Aqueles que afirmam tais coisas parecem crer que o
mais importante da vida religiosa é fazer o bem aos
demais. Em seu apoio, acodem ao que alguns
chamam de “evangelho social”, que se baseia na
máxima “amar ao próximo”. Não negam totalmente a
utilidade das preces, mas sustentam que as pessoas
não lhe devem dedicar demasiado tempo. Um
homem serve a Deus quando faz o bem aos seus
semelhantes, quando consolida a justiça social e a
estabilidade econômica para todos e quando combate
as pragas da sociedade. Este é, de certo, um nobre
sentimento; mas estes grupos religiosos e pensadores
científicos passam distante do verdadeiro objetivo da
vida religiosa. Não é em vão que Jesus deu este
como seu primeiro mandamento: “Amarás ao Senhor
Teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma e
102
de todo o teu entendimento, e com todas as tuas
forças”. E seu segundo mandamento: “Amarás ao
teu próximo como a ti mesmo”113.
Não devemos esquecer que o
propósito e a meta da religião é conhecer e
experimentar a Deus ou seja a Realidade Última. Se
um indivíduo ou um grupo de pessoas ignora o
primeiro mandamento de Jesus, é provável que
percam de vista o objetivo primordial da religião. A
história religiosa do mundo nos prova que donde
queira que as pessoas ou grupos, especialmente dos
invariavelmente adquirem um caráter social e político.
Com o passar do tempo, modifica-se até a
compreensão original do segundo mandamento. O
entusiasmo pelo bem-estar social se vai esfriando e o
fervor se extingue. A história contemporânea o
demonstra de modo irrefutável.
Os humanistas modernos da Europa
e da América negam por completo o sentido do
primeiro mandamento e passam por cima da utilidade
da oração, para não dizer nada da meditação. As
experiências religiosas e visões supraconscientes
são-lhes totalmente alheias e desconhecidas. Basta
dizer, para compreendê-lo, que tem esquecido
inteiramente o problema principal da vida religiosa.
Cabe mencionar que, tanto os humanistas científicos
como os religiosos esquecem que a religião deve
guiar-nos para o conhecimento da Realidade Última
de Deus, são pessoas bem inspiradas que defendem
com veemência da vida ética e o bem-estar social.
Entretanto, nos atrevemos a dizer que a ética não é a
meta da religião, se bem não é possível crer
espiritualmente a menos que a pessoa se ache
profundamente firmada nos princípios éticos
113
São Marcos, 12: 30 e 31, e São Mateus, 22: 37 e 39.
102
 103
superiores, tal como explicamos no capítulo sobre a superiores. Não é possível que um indivíduo tenha
“Meditação”. Os psicólogos hindus e preceptores experiências supraconscientes válidas e que, ao
religiosos fazem particular insistência neste ponto. mesmo tempo, leve uma vida amoral ou imoral.
Afirmam eles que uma pessoa não pode estar apta Ademais, estas experiências são muito, superiores ao
para meditar se não leva uma vida ética, quer dizer, mero viver ético. De fato, um homem dotado de
se não sobrepuserem-se as causas das agitações compreensão supraconsciente constitui uma
mentais. Ditas causas são as tendências inferiores verdadeira encarnação da ética.
do homem, a saber: o ódio, a inveja, os ciúmes, a Por outro lado, as pessoas muito
cobiça, a luxuria, o afã do poder, o egoísmo e demais arraigadas nestas experiências superiores e no amor
qualidades negativas. A todo crítico da filosofia e de Deus, praticam e ensinam a autêntica assistência
religião hindu, aconselhamo-lhes observar que não se social, as obras filantrópicas e o amor ao próximo. De
considera apto a um homem para estudar as modo que, a oposição de alguns grupos religiosos e
questões espirituais superiores, e interrogar-se sobre pensadores científicos não tem consistência. Os
a natureza de Deus ou Brahman, a menos que se verdadeiros místico que tem visões espirituais ou
ache arraigado no shama e dama, quer dizer, a experiências supraconscientes, interessam-se muito
purificação interna e externa.114 por seus semelhantes, posto que, encontram neles
uma manifestação de Deus. Um místico sente a
“E aquele desprovido da reta presença de Deus em todas as partes, por isto toma
compreensão, irreflexivo e de permanente um solícito interesse, não somente pelos seres
impureza, nunca alcançará a meta, humanos, como também por outros seres. São
perpetuando-se no ciclo de nascimentos e Francisco de Assis, depois de ter suas visões
das mortes. místicas, viu primeiro a presença de Deus em todos
Mas aquele dotado de os objetos e, somente depois, sentiu a irmandade
inteligência, de constante pureza e capaz de universal em todas as partes. Chegou a transformar
controlar sua mente, alcançará a referida animais ferozes em criaturas mansas, graças a suas
meta, além da qual ninguém voltará a manifestações de amor. De modo similar, na Índia,
nascer”115. se conhecem pessoas que conseguiram mudar a vida
de muitos seres humanos ou infra-humanos, mercê
O viver eticamente é absolutamente as suas expressões de amor, originadas na
necessário para as experiências religiosas e a visão profundidade de suas visões místicas. Swami
supraconsciente. Veremos também que a medida Vivekananda, Swami Brahmananda e outros mestres
que um homem tem estas experiências cresce se converteram em verdadeiros propulsores da
intensamente no cultivo de princípios éticos cultura hindu e em fiéis servidores da humanidade,
devido a suas intensas visões espirituais que deram
114
Tudo isto esta explicado no Katha Upanishad e outros Upanishads; no Vedanta Sutra; corpo a seu amor pela humanidade. Quando se
no Vivekachudamani, de Sri Sankaracharya, e nos Aforismos Yogas. estuda a vida dos místicos cristãos, hindus, budistas e
115
Katha Upanishad, 3, 7 e 8

103

maometanos, como também outras personalidades
religiosas, comprova-se que o segredo de seus
prestimosos serviços residem na profundidade de
suas experiências místicas supraconscientes.
Outro opinião da crítica é que estas
experiências religiosas somente se dão em um plano
anormal e patológico. Esta objeção data de um
tempo imemorável. Todas as grandes personalidades
espirituais, em uma ou outra época, foram
consideradas patológicas. É certo que as
experiências deste tipo são insólitas e que as pessoas
comuns não têm idéia delas. Ademais, estão muito
mais além do raio das experiências analisadas no
capítulo anterior. As percepções extrasensoriais,
incluindo a telepatia e os poderes ocultos e psíquicos,
são de uma categoria inferior e não devem ser
confundidas com as visões e intuições
supraconscientes. Estas faculdades extraordinárias
não nos proporcionam conhecimento da Realidade ou
de Deus e, como tais, carecem praticamente de valor
para a investigação religiosa. De fato, tal como
explicamos no capítulo precedente, muitas vezes se
convertem em verdadeiros obstáculos. Contudo,
servem para subministrar certas indicações sobre
algumas esferas sutis da consciência, ainda quando
não se tenha nenhuma experiência da Realidade
Última: as visões superconscientes, ao contrário,
conduzem diretamente a compreensão do Real ou
Deus.
O homem médio é incapaz de
compreender o supraconsciente. Segundo os termos
do Gita, “Naquela que é noite para todos os seres,
desperta o homem dono de si mesmo. E, aquilo que
é dia para todos os seres, é noite para o Muni
(homem de compreensão), observador de si mesmo”
104
. Portanto, a visão de Deus nem é anormal nem
116
procede de uma mentalidade insana. Swami
Saradananda nos da uma avaliação crítica destas
experiências, demonstrando que aqueles que a
possuem são personalidades transformadas 117.
Declara, desta forma, que o homem comum não pode
experimentá-las sem um adestramento regular e sem
uma constante exercitação espiritual. Estas visões
purificam e proporcionam gradualmente uma infinita
felicidade.
Concluímos, pois, que não são
anormais, ao contrário, são superiores a normalidade.
Nos casos anômalos se comprova que a mente da
pessoa se acha desintegrada; suas emoções carecem
de harmonia; seu intelecto e suas emoções não se
acham coordenadas, e seus atos são incongruentes e
contraditórios; por todo conceito, as pessoas
anormais são muito inferiores as das médias. Ao
contrário, quem tenha experimentado a visão
supraconsciente alcançará uma integração completa
da psique; suas emoções se acharão plenamente
controladas, e seu intelecto, suas emoções e sua
vontade atuarão numa íntima coordenação. De fato,
um homem não pode ter experiências
supraconscientes superiores, a menos que sua mente
esteja perfeitamente controlada e disciplinada.
Vejamos o que disse a respeito Swami Brahmananda:
“Esta mente não pode conhecê-
lo. Ele está mais além desta mente mortal,
muito mais além do intelecto humano. Este
universo aparente que vemos esta dentro do
domínio da mente. A mente é sua autora, a
116
Srimad-Bhagavad-Gita, II, 69
117
Swami Saradananda, Sri Ramakrishna Lilaprasanga, II, 44.
104

mente que a conjurou. E por isto não pode ir
mais além de seus próprios domínios.
Detrás da mente de que temos
consciência, existe uma mente sutil,
espiritual, de vida latente. Mediante a
contemplação, a reza e ao japam (repetição
do nome de Deus), esta mente se desenvolve
e, junto com seu desenvolvimento, abre-se
uma nova visão. O aspirante compreende
múltiplas verdades espirituais, entretanto,
esta não é a experiência definitiva. Esta
mente sutil tão pouco pode alcançar a Deus,
ao Atman Supremo. Mas nos aproxima dele.
A esta altura, o mundo perde todo seu
encanto para o aspirante, que permanece
absorto na consciência de Deus.
Logo vem o Samadhi. A
experiência do samadhi é indescritível: esta
mais além do ser e do não ser. Nesta
agraciada experiência, não há nem felicidade
nem miséria, nem luz nem escuridão. Tudo é
o inefável Ser Infinito” 118
Patanjalli insiste na prática do
controle dos estados mentais, em sua análise do Raja
Yoga. Segundo ele, a Yoga (estado de união ou
samadhi) se alcança mediante o perfeito controle
mental 119. Swami Vivekananda nunca se cansou de
insistir na necessidade de um estrito controle mental,
entendendo com isto mais como uma transformação
fundamental que uma repressão. Eis aqui suas
palavras:
118
The Eternal Companion, p. 100.
119
Aforismos Yogas de Patanjali, I, 2 e II, 2.
105
“A maioria de nós convertemos a
nossas mente em criaturas mal criadas,
permitindo-as fazer o que lhes deseja. Por
isso é necessário praticar constantemente o
kriya-yoga (exercitação espiritual), a fim de
retomar o controle da mente e submetê-la a
vontade. Os obstáculos no caminho para a
Yoga (visão supraconsciente) provém da falta
de controle e nos produzem desgostos.
Somente é possível eliminá-los resistindo-se
a mente e contendo-a, mediante a kriya-yoga”
120
Os místicos cristãos e outros de
distintas religiões insistem também, enfaticamente, na
necessidade de uma preparação mental. Segundo
São Tomás de Aquino:
“Faz falta esta luz para ver a
essência divina, não como uma semelhança
na qual se veja a Deus, senão como uma
perfeição do intelecto que se esforça por ver
a Deus. Por isso, podemos dizer que esta luz
não é o meio no qual se vê a Deus, senão
pelo qual se vê a Deus; e dito meio não
arrebata a visão imediata de Deus” 121.
E Santa Tereza:
“Posto que não perseveramos em
nosso afã obedecendo a planos pessoais,
não teremos por que temer que o trabalho
seja ruim. Repara no que digo, que todos nós
corremos atrás D’Ele, porque não estamos
120
Works, I, 237.
121
São Tomas de Aquino, I, 99.
105
 106
aqui com nenhum outro propósito. Corre de, ataque epilépticos, o sujeito perde a consciência, e,
pois, não durante um ou dois anos somente, depois do ataque, todo o sistema nervoso e sua
ou dez sequer, não deve parecer que psique se mostram afetados e mais débeis. Podemos
renunciamos como covardes”. 122. afirmar categoricamente que com isto não se alcança
coisa alguma nem se adquirem novos conhecimentos.
O irmão Lorenzo também fala de O efeito é similar, freqüentemente, ao produzido por
disciplina mental: narcótico. Ao contrário, quando um homem penetra
no estado supraconsciente, ocorre de fazê-lo como
Não consigo imaginar como um ser ordinário para sair convertido em um homem
podem viver satisfeitas pessoas religiosas melhor. Sua personalidade inteira se transforma; sua
sem a prática da presença de Deus” emoções se submetem ao controle da vontade; o
homem é dono de si mesmo; sua vontade se mostra
“Ocupemos nossa mente com a presença extremamente dinâmica; é possível a ele alcançar
do Senhor. Se alguma vez, errante, se tudo o que quiser, e adquire conhecimentos que
substrai a Ele, não nos inquietemos demais nunca havia tido antes. Swami Vivekananda deixa
por isso; a inquietude e as preocupações bem claro, em Raja Yoga, que o sonho, o ataque
contribuem melhor para distrair a mente que a epiléptico e qualquer outro estado semelhante se
recolhe-la; a vontade deve encarregar-se de acham por debaixo do plano consciente. Ao contrário,
devolvê-lá à tranqüilidade” .123 a supraconsciência se acha muito acima deste; eis
aqui suas palavras:
Carece de sentido dizer que estas
somente são idéias orientais. Efetivamente, estas “Qual é a diferença De um
idéias são comuns a todas as pessoas profundamente estado, o sujeito sai sendo exatamente o
espirituais que alcançaram a compreensão mesmo que quando entrou. Enquanto que,
superconsciente. Isto nos demonstra que a crítica no outro sai iluminado, convertido em um
contra as experiências supraconscientes não se sábio, profeta ou santo, com o caráter e a
baseiam nos fatos e, por conseguinte, não se pode tê- vida transformados, e luz em toda a parte.
la por científica. Temos, pois, dois efeitos distintos. E então:
Outra objeção consiste em afirmar se os efeitos são distintos, também as causas
que as chamadas experiências supraconscientes são o serão. Posto que, a iluminação com que
ataques epilépticos e, em conseqüência, um homem retorna do Samadhi é muito
manifestações do funcionamento anômalo da mente e superior a de que se pode obter em um
do corpo. Nossa resposta é que, na ausência ou no estado subconsciente, ou muito mais elevada
que a que se pode investigar no raciocínio em
122
Caminho da Perfeição, capítulo XVIII, partes 1 e 2, p. 57. um estado consciente, deve proceder da
123
Irmão Lorenzo, The Pratice of the Presence of God (New York: Fleming H. Revell
Co., 1895), pags. 32 e 35.

106
 107
supraconsciência, e por isso chamamos ao faziam muitas vezes - , explicando-o por meio
Samadhi o estado supraconsciente.”124 de comparações de acordo com que o Senhor
me explicava. Mas isso era em vão, porque,
É de sumo interesse destacar o que como havia pessoas muito santas neste lugar
expressou a respeito Santa Tereza D’Ávila. Em seus (sendo eu, em comparação, uma pessoa
parágrafos, responde enfaticamente aos críticos de perdida) que não eram levadas por Deus por
todos os tempos. Eis aqui: esse caminho, logo surgia nelas o temor...
Eu lhes disse uma vez que, se os que falam
“Se uma visão for o mero produto isso me dissessem que uma pessoa com
da própria mente...seria com a quem eu acabasse de falar, e conhecesse
experiência...etc.”125. muito, não era ela mesma e que eu me
enganava, eu acreditaria mais neles do que
“Se fosse produzido pelo naquilo que tinha visto. Mas que, se a
intelecto, isso não deixaria os grandes efeitos pessoa em questão deixasse comigo algumas
de que falei nem geraria frutos, pois seria a jóias como prova do seu grande amor por
situação de alguém que quisesse dormir, mas mim, ficando eu - antes pobre e sem
permanecesse desperto porque o sono não nenhuma jóia - rica, eu não poderia acreditar
veio. Essa pessoa, sentido necessidade de neles, mesmo que quisesse. E eu poderia
dormir ou a cabeça fraca, e querendo mostrar a eles essas jóias, porque todos os
adormecer, esforça-se por consegui-lo; que me conheciam viam que sem dúvida a
depois de algum tempo, às vezes parece minha alma se transformara - e assim o dizia
conseguir algum resultado. Contudo, se não meu confessor. A diferença era muito grande
for verdadeiro, o sono não se sustenta nem em todas as coisas, nada tendo de
fortalece a cabeça, deixando-a em certas dissimulação, mas sim de uma clareza que
ocasiões mais atordoada. É mais ou menos o todos podiam ver. Eu dizia que, tendo sido
que acontece na visão falsa: a alma fica antes tão ruim, não podia acreditar que o
confusa, sem sustento e sem força , cansada demônio, para me enganar e me levar ao
e desgostosa. Na visão verdadeira, não inferno, empregasse um recurso tão contrário
posso exagerar a riqueza que fica; o próprio como era tirar-me os vícios e imprimir em
corpo recebe dela saúde e conforto. mim virtudes e forças. E eu percebia
Eu arrolava essa e outras razões claramente que essas coisas me deixavam
quando me diziam que minhas visões vinham modificada por inteiro.”
do demônio e que eu me enganava - e o
As experiências supraconscientes
124
Works, I, 181. não somente modificam o aspecto intelectual da
125
As Vidas de Santa Madre Tereza de Jesus, capítulo 28, partes 10 e 11, e D. Vicente de mente, ao subministra-lhe um novo corpo de
Fontes, Obras de Santa Tereza de Jesus (1881), vol. 1, pags. 165, 166.

107

conhecimentos da realidade situada mais além do
mundo fenomenal, senão que também modificam a
qualidade da vida emocional. Uma mente que
experimentou a visão supraconsciente não necessita
nenhuma inferência ou lógica para compreender a
existência de Deus. Efetivamente, experimenta e
percebe de forma imediata essa Realidade, possuindo
a convicção dinâmica da existência de Deus e da
alma. O intelecto se acha plenamente iluminado e as
emoções se integram e encontram satisfação. Nos
homens agraciados com estas visões existe um
grande refinamento e exaltação dos conteúdos do
aspecto emocional da mente. Sua felicidade não
conhece limites, posto que, alcançaram a culminação
da consciência, a fonte da bem-aventurança. Toda a
vida interior goza da maior paz; tanta que, todo aquele
que se acerque pode sentir sua radiação, alcançando
uma parte da sua felicidade. 126
Freqüentemente argumenta-se que a
religião somente pode proporcionar-nos os valores
superiores da vida, ensinando-nos princípios morais.
Entretanto, a religião estabiliza a sociedade
assentando valores morais de igualdade e irmandade
que asseguram uma vida harmoniosa. Também os
pensadores científicos objetivos estão dispostos a
aceitar este valor da religião, desde o ponto de vista
pragmático e utilitário. E por certo que a religião
subministra efetivamente valores superiores de vida.
Mas o que nós sustentamos é que não é esta sua
principal contribuição. A visão supraconsciente revela
novas experiências, desconhecidas até então pelo
mundo. Elas nos dão um conhecimento direto e
imediato da Realidade ou Deus. Assim, a verdade se
126
The Gospel of Sri Ramakrishna, Tradução do Swami Nikhilananda (New York:
Ramakrishna-Vivekananda Center, !942); e Sayings of Sri Ramakrishna (2° ed. ;
Mylapore, Madras).
108
alcança em sua unidade integral; a pessoa
compreende a unidade básica da existência. O
exame das visões supraconscientes de Sri
Ramakrishna nos demonstrará que todo um rio de
conhecimento flui para os homens com ricas
experiências religiosas 127. Também nos permitirá ver
que estas experiências são verificáveis, sempre que
se sigam os métodos indicados para a disciplina e
para o adestramento mental. De fato, qualquer um
pode chegar a alcançar as experiências
supraconscientes, sempre que efetue os exercícios
requeridos.128
Assim, como os homens da ciência
não pretendem que a possibilidade de verificação da
verdade científica seja patrimônio exclusivo de um
grupo ou país particular, de igual modo nós afirmamos
que ninguém pode ter o direito exclusivo do
conhecimento supremo de Deus. Qualquer homem,
pertencente a qualquer religião, grupo ou país, pode
alcançar os mesmos tipos de experiências
supraconscientes. Como veremos no próximo
capítulo, é possível adotar distintos métodos, segundo
as características individuais de cada mente - devota,
reflexiva, intelectual ou ativa - mas, sem que influam o
lugar ou grupo específicos a que pertencem.
Também se sustem que estas
experiências podem não ser condições patológicas
concretas; mas sim projeções dos próprios
pensamentos, produtos da imaginação criadora ou
casos de auto-hipnose e auto-sugestão. Alguns
declaram que muitas crianças dotadas de imaginação
criadora acabem falando com pessoas imaginárias,
achando grande prazer nas ilusões criadas por ditos
127
Life of Sri Ramakrishna (3° ed., Mayavati, Almora, Himalayas; Advaita Asharama,
1929).
128
Sayings of Sri Ramakrishna, capítulo XIX.
108

estados mentais. Estas críticas parecem considerar
que as experiências supraconscientes são similares
as da imaginação infantil, o que as mostra mais
tolerantes que as outras e inclinadas, a menos, ao
compadecer mais do que a combater a quem afirma
tê-las obtido. A seu juízo, ditas pessoas são vítimas
de uma ilusão, vivendo em um mundo de alucinações
ou de fantasia. Consequentemente, tratam de
eliminar o chamado “feitiço” da imaginação ou
alucinação, dando-lhes uma reta compreensão. Mas
a estimação crítica das experiências supraconscientes
não admitem a possibilidade de interpretá-las como
estados patológicos ou como produtos da fantasia,
das alucinações ou da auto-sugestão. Se fora tal
caso, os efeitos seriam purificadores, segundo já
dissemos antes. A auto-sugestão pode ocorrer em
uma pessoa em estado de esquecimento e torpor,
permitindo-lhe levar uma vida de sonho, mas ao
contrário, a experiência supraconsciente nos
subministra novos e definidos conhecimentos e
transforma a personalidade, coisa que de modo algum
poderíamos obter na auto-hipnose ou da imaginação
criadora. Por poderosas que sejam as imaginações
ou as sugestões, jamais poderão dar mais do que a
mente tem, nem poderão modificar tampouco a
personalidade, integrando suas emoções. A Vemos, pois, que as experiências
compreensão supraconsciente expande nossa
consciência e a enche de luz, trazendo-lhe um
genuíno conhecimento do Absoluto ou Deus. Para
expressá-la com os termos da Teologia Germânica,
segue abaixo:
“Ademais, existe todavia outros
caminhos para chegar a vida de amor de
Cristo, aparte dos já mencionados, a saber, a
união total de Deus e o homem, para que
109
possa dizer com verdade que Deus e o
homem são um só. E isto acontece da
seguinte maneira: Ali, donde reina sempre a
Verdade, coincidem o Deus perfeito e
verdadeiro e o homem perfeito e
verdadeiro...”129
Nós cremos que as experiências
alcançadas por Sri Ramakrishna , Cristo, Buda,
Krishna e outras personalidades menores são
realmente a base dos valores sociais. Assim, todo
homem deve ser justo e dar abertura ao amor, devido
a experiência da unidade da vida e da existência.
Igualmente, a irmandade e demais princípios similares
se baseiam, na realidade, nestes fatos do
conhecimento. Na verdade, as experiências
religiosas deste tipo são os verdadeiros pilares da
assistência social. O homem dotado destas visões é
verdadeiramente capaz de servir a seus
semelhantes, porque experimentou a unidade da vida
e da existência. Eis aqui, pois, a profundidade do
“ama a teu próximo”. As idéias éticas elevadas, que
nós apreciamos e propomos, são resultado das visões
superiores dos homens e mulheres pertencentes as
distintas crenças religiosas.
supraconscientes não nos dão tão somente valores
superiores da vida, mas também novos corpos de
conhecimento que antes não possuíamos. Este
conhecimento é, além de único e novo, é universal e
verificável por todo aquele que deseje submeter-se ao
adestramento necessário. Ademais, este
conhecimento único subministra verdadeiramente a
profundidade e a razão de ser dos valores superiores
da vida, sob a forma de amor ao próximo, da
129
Theologia Germânica, pags. 75, 76.
109

irmandade e da igualdade. Liberdade, igualdade e
fraternidade são as divisas que ensinam os homens
que passam por estas experiências, e nos atrevemos
a afirmar que não é possível estabelecê-las na
sociedade humana, a menos que provenham da
inspeção, do fervor e da guia de homens agraciados
com dita compreensão. A história contemporânea
nos demonstra que o amor não se manifesta por si só
e que, o mero falar de religião e de Deus, em nada
nos ajuda a consegui-las. Somente aqueles cujo
caráter se baseia na experiência supraconsciente,
podem induzir uma sociedade a estabelecer a
irmandade universal, mostrando-lhes o que significa o
verdadeiro amor. Os autênticos mestres não falam de
amor, mas manifestam-no em forma dinâmica,
através de suas vidas e de seus atos, segundo já
vimos antes. São, se nos permitem a metáfora, os
que amam, ébrios de sabedoria divina, a Deus e ao
homem.
O Samadhi, ou experiência
supraconsciente pode corresponder a distintas
categorias, de acordo com a descrição de Patanjali 130
e outras grandes autoridades como Sri Ramakrishna
131
. A vida e experiências desta grande
personalidade, revelam muitos fatos interessantes
relacionados com a compreensão espiritual. Existem
muitas experiências que não podem ser consideradas
como samadhi, propriamente ditas, não obstante
constituem-se nas “balizas do caminho para o
progresso”, de acordo com a expressão do Swami
Vivekananda. Estas experiências são visões das
formas divinas ou aspectos pessoais de Deus e
pertencem a diversos tipos , segundo a constituição
130
Aforismos Yogas de Patanjali, capítulo I.
131
Gospel of Sri Ramakrishna (5° ed., Mylapore, Madras; Sri ramakrishna Math., 1930) I,
87-123.
110
mental do indivíduo . Existem inumeráveis
132
experiências semelhantes e todas elas servem para
convencer a quem busca a verdade de que se acha
na rota certa. Cabe assinalar que, nem todos os
devotos tem as mesmas experiências e visões; de
fato, é possível que alguns não as tenham em
absoluto e se achem em contínuo progresso para a
compreensão superconsciente, já que cada vez se
tornam mais puros, mais generosos e mais
embebidos de amor. Assim, tenham ou não tenham
estas visões , invariavelmente manifestam suas
qualidades espirituais.
Entretanto, existem pessoas que
crêem erroneamente que se um sujeito não tem estas
experiências extraordinárias, isto se deve a falta de
qualquer evolução espiritual. Muitas vezes é esta a
opinião de pessoas sinceras. Muitos devotos se
desanimam em sua afanosa busca da vida espiritual,
pela ausência daquelas visões que balizam o
caminho. Segundo se sabe, as vezes alguns
discípulos de Sri Ramakrishna expressavam-lhe
desânimo. Certa vez, um deles se advertiu que seus
condiscípulos e outros devotos tinham diferentes tipos
de experiências espirituais e também de Samadhi,
enquanto que, nada havia sentido. Então, expôs o
seu problema à Sri Ramakrishna, quem lhe infundiu
ânimo, dizendo que nem sempre essas experiências
acompanhavam o crescimento espiritual. A
verdadeira prova reside na manifestação do amor, da
devoção, da convicção, da fortaleza e pureza mental.
Posteriormente, esta evidente, que este discípulo teve
a referida experiência; o samadhi.
Temos plena consciência de que
algumas mentes científicas julgam as experiências
extraordinárias com olhos sumamente críticos. E, em
132
Swami Saradananda, Sri Sri Ramakrishna Lilaprasanga, II capítulo 2.
110

verdade, não podemos culpá-los, porque são muitos
os casos questionáveis ou diretamente fraudulentos,
em que se nutre seu ceticismo. Entretanto, como
dissemos anteriormente, não devemos ignorar todas
as experiências pela razão de que algumas sejam
falsas. Nossa resposta às críticas é que as
experiências válidas modificam o caráter das
pessoas. Efetivamente, pouco a pouco, este vai
manifestando suas qualidades éticas e espirituais
superiores. E, francamente, cremos que os
resultados são a melhor e mais legítima prova de sua
validade. Ademais, podem ser verificadas por
qualquer pessoa que se prepare adequadamente,
segundo se verá nos próximos capítulos.
Quando os devotos alcançam níveis
superiores de crescimento espiritual, passam por
distintas etapas do samadhi ou seja os distintos
estados superconscientes. Efetivamente, existe toda
uma graduação nos diversos tipos de samadhi. O
Savikalpa samadhi proporciona a experiência do
aspecto pessoal de Deus. Nesta etapa, o indivíduo
adquire um conhecimento direto e imediato do
aspecto pessoal de Deus, enquanto que permanece
separado do objeto de reverência ou de amor. O
caráter desta experiência é, como se vê, dual. Depois
de algum tempo de absorção no ideal, apresentam-se
diversas modificações no corpo e na mente. A
pessoa perde toda a consciência do mundo físico;
mas, ele não obstante, se da plena conta da dita, no
que se refere a sua compreensão. Exteriormente
poderia parecer que está preso a algo semelhante a
um feitiço, ou que se acha inconsciente; mas na
realidade esta plenamente consciente do objeto que
experimenta. Sua mente inteira se acha
completamente subtraída do mundo objetivo,
centrando-se no objeto de sua compreensão. É
111
verdade que não tem consciência do mundo objetivo,
mas isto não significa que não se dá conta de quanto
passa no mundo sutil interior. Neste estado, o devoto
consegue estabelecer uma relação cheia de amor
com o aspecto pessoal de Deus (Ishta). O devoto
toma a Deus por mãe, pai, filho, amigo ou amante e,
deste modo, se absorve nele. Nesta forma de
samadhi, o amor alcança seu máximo; e, como tal,
faz do devoto uma verdadeira encarnação do amor.
Sucede freqüentemente que o sujeito que alcança o
Savikalpa samadhi mediante uma forma intensa de
amor, vai chegando gradualmente a outras formas de
samadhi.
No estado supraconsciente de
nirvikalpa samadhi o indivíduo transcende a limitação
da personalidade, experimentando imediata e
diretamente o Absoluto, em sua unidade integral. Sua
alma se identifica completamente com o absoluto.
Sujeito cognescente, objeto conhecido e
conhecimento se tornam uma mesma coisa (Tripuiti
Veda). Eis aqui as palavras de um dos Upanishads:
“Como resultado da meditação, o gozador, o gozado e
o poder que engendra o gozo, passam a ser os três
estados de Brahman”133. Em outras palavras, todas
as diferenças e suas respectivas relações se fundem
em uma só coisa. Como disse Jesus: “Eu e meu Pai
somos Um Só”. E os mestres hindus afirmam: “Eu
sou Brahman”. Estas afirmações provém da
profundidade da compreensão da fusão com o
Absoluto. Neste estado, o sujeito também permanece
completamente inconsciente do mudo objetivo, e
também de seu próprio corpo, ainda que interiormente
seja uma só coisa com a Consciência Mesma. Toda
sua vida interior mudou, e ele mesmo se identificou
com a totalidade do existente. Toda a limitação de
133
Svetasvatara Upanishad, 1, 12.
111

tempo, espaço, causalidade e demais categorias do
conhecimento objetivo, ficam completamente
anuladas. O que resta é, então, existência pura,
conhecimento puro e bem-aventurança pura. Todos
os conteúdos do Eu empírico são completamente
desenterrados, ficando assim o Eu puro (Atma).
Swami Brahmananda nos da concisamente uma clara
idéia deste processo:
“Geralmente se reconhece duas
classes de samadhi. No savikalpa, que é a
primeira classe de samadhi, existe uma visão
mística de uma forma espiritual de Deus, no
entanto, subsiste a consciência da
individualidade. No nirvikalpa, o outro tipo de
samadhi, o sujeito perde sua individualidade e
vai mais além de uma visão da forma de
Deus. Então desaparece todo o universo.
Existe, todavia, uma terceira forma, chamada
Ananda (bem-aventurado) samadhi. Se um
homem comum alcança esta experiência,
nem seu corpo nem seu cérebro conseguem
resistir o supremo êxtase de dita. Então,
perece ao cabo de vinte e um dias”134.
A expressão exterior dos distintos
tipos de experiências superconscientes varia nos
diferentes indivíduos. Existem algumas mudanças e
expressões físicas que são consideradas como
manifestações de emoções espirituais mais elevadas
do ser físico 135. São estes os indícios corpóreos do
crescimento interno superior. Entretanto, não
devemos confundir estes sintomas com a meta da
vida, pois, estes são somente, sintomas de progresso.
134
The Eternal Companion, p. 107.
135
Estas são as oito expressões físicas das bhavas interiores (emoções espirituais).
112
Quanto maior seja um homem, tanto maior será seu
controle dos sintomas físicos exteriores. É
interessante assinalar que a grande mística cristã,
Santa Tereza D’Avila, expressa uma idéia semelhante
136
.
A bhava e os diversos tipos de
samadhi variam consideravelmente de um indivíduo
para outro, os quais são classificados em sequência.
Assim, por exemplo, são chamados Jivan Muktas
(almas libertas) de diversos tipos, segundo a
profundidade de suas experiências 137. Sua
capacidade de amor difere, desta forma, segundo a
graduação das suas visões. Também aqui se
observa que é variável seu poder para modificar as
vidas dos demais. Alguns podem transformar certo
número de pessoas, enquanto que os outros mudam
as sociedades inteiras e existem os que abrem
verdadeiros caminhos para uma nova civilização,
modificando o pensamento prevalecente no mundo,
mercê a sua própria vida e caráter. Suas
personalidades transformadas são tão dinâmicas, que
se convertem em centro de uma nova civilização. Sri
Krishna, Buda, Cristo, Sri Ramakrishna e outros
pertencem a este grupo. Eles são os arquitetos da
civilização; o poder que exercem, ostenta uma
perfeita fusão com o Absoluto. Os devotos comuns
não podem permanecer nestes estados
extraordinários de supraconsciência, durante longo
tempo, como se depreende claramente do Evangelho
de Sri Ramakrishna e dos ensinamentos de Swami
Brahmananda, o qual já nos referimos. Mas as
Encarnações permanecem absortas em um bem-
aventurado samadhi, do qual emergem, de tempos
em tempos, para ajudar a humanidade. Quem tenha
136
Caminho da Prefeição, pag. 107.
137
Evangelho de Sri Ramakrishna, I, 87-123.
112

tido pelo menos um vislumbre de bhava ou, uma
forma inferior de experiência espiritual, assombrar-se-
á ao deparar-se em estado tão ditoso. Um homem
com certa experiência somente pode apreciar este
resultado com maravilhoso regozijo. Uma vez mais,
repetimos que a ciência moderna não compreende
estas experiências. Por isto, nós pedimos aos
homens da ciência que eles mesmos recebam a
educação necessária e verifiquem a verdade do que
afirmamos.
O professor Jung sustem em seu livro
Integração da Personalidade, que esta experiência
supraconsciente não é mais que um profundo estado
inconsciente.
“Existem sonhos e visões de tipo
tão informativo que as pessoas resistem em
crer que derivem da psique inconsciente.
Preferem supor, ao contrário, que são o
produto de uma condição de
supraconsciência. Tais pessoas distinguem
entre um inconsciente quase fisiológico ou
intuitivo, e uma esfera psíquica ou logos,
situada “acima” da consciência e que
denominam supraconsciência. Na realidade,
a psique que a filosofia hindu tem por superior
ou universal corresponde ao que no Ocidente
se chama de inconsciente”138.
E logo prossegue:
“Os yoguis se submergem no
Samadhi, condição estática que parece
eqüivaler a um estado inconsciente... Uma
consciência universal é logicamente idêntica
138
Integration of the Personallity, Carl G. Jung, p. 15.
113
ao inconsciente..., mas os conteúdos da
consciência se tornam tão vastos que
resultam obscuros, e existe neles uma
multiplicidade infinita de objetos que se
fundem em uma totalidade indistinta; em tal
estado, o subjetivo e o objetivo resultam
quase completamente idênticos. Tudo isto
está muito bem, mas dificilmente pode ser
recomendado ao norte do trópico de Câncer”
139
.
O professor Jung parece concluir que
as experiências supraconscientes são “vastas mas
obscuras”, sem ter a mínima compreensão das
mesmas. Qualquer indivíduo que tenha
experimentado estas visões, não poderá rir diante de
semelhantes afirmações. Patanjali, Swami
Vivekananda e Swami Brahmananda nos dão
precisamente o ponto de vista oposto. Segundo eles,
o samadhi ou estado supraconsciente é vívido e
definido. É verdade que em certos estados
superconscientes o sujeito, o objeto e a relação entre
ambos; o receptor, o percebido e a percepção, e o
gozador, o gozado e seu gozo são totalmente
idênticos, desvanecendo-se até a última diferença
nesta unidade integral. Isto ocorre porque todas as
manifestações se fundem então em uma só
Existência Absoluta, sem distinção de nenhuma
classe. De modo que, o supraconsciente não é
inconsciente; longe disso, tem clara consciência de
tudo, ou melhor dizendo, é a Consciência Mesma.
Não é de modo algum científico - para
não dizer menos - para um homem da ciência
terminar sua fugaz incursão por estes estados com a
afirmação de que “dificilmente podem ser
139
Ibid., p. 26.
113
 114
recomendados ao norte do trópico de Câncer”, Não estamos de acordo com o Dr. Jung em que estas
quando. na realidade, não os conhece em absoluto. experiências não possam ser recomendadas no
O estudo das experiências dos místicos judeus ou Ocidente. Na realidade, qualquer indivíduo, seja
cristãos “ao norte do trópico de Câncer”, não deixa oriental ou ocidental, deverá alcançar certa visão, se
por certo esta impressão. Esqueceu acaso o propõe experimentar a Realidade. De outro modo, o
professor Jung os ensinamentos de Santa Tereza  conhecimento de Deus e da religião, expressado pelo
Meister Eckhart declara de sua parte: professor Jung e outros autores de idéias
semelhantes, seria sempre fortuito e indeterminado.
“Na alma existe um agente de Cabe assinalar que Rudolf Otto expressa em seu livro
primeira ordem, o intelecto, por meio do qual “A Idéia do Sagrado”, o seguinte: “Este estado mental
a alma descobre e conhece a Deus. Tem é perfeitamente sui generis, pelo qual não se pode ser
cinco faculdades. Primeiro, é independente reduzido a nenhum outro estado e, igualmente a
do aqui e do agora. Segundo, é sui generes, qualquer dado absolutamente primário e elementar,
quer dizer que não parece com nenhuma se bem que é passível de ser examinado, não pode
outra coisa. Terceiro, é puro e ser objeto de uma definição estrita”142.
incontaminado....” 140. Existem muitos pensadores
racionalistas no Ocidente que expressam idéias
Qualquer um que estude os similares as do professor Jung, sem ter o trabalho de
ensinamentos e registros das experiências dos estudar detidamente as práticas místicas, tanto dos
místicos ocidentais e orientais terá o bom cuidado em sistemas orientais como dos ocidentais,
não formular jamais asserções tão pouco científicas especialmente dos orientais. São desta forma
como as do professor Jung. As experiência culpáveis pela superficialidade e da falta de rigor
supraconscientes dos místicos ocidentais são científico. Citamos deliberadamente os juízos do
idênticas as dos místicos do Oriente. Rudolf Otto professor Jung porque sabemos que este investigador
disse “que o misticismo é o mesmo em todo tempo e se interessa pelo estudo de muitas escolas
lugar e que, eterno e independente da história, intelectuais ocidentais como as orientais. Entretanto,
sempre se mostrou idêntico. Neste ponto se parece evidenciar uma considerável confusão, por
desvanecem as diferenças entre Oriente e não empregar termos mais severos. O que afirma
Ocidente”141. Segundo já dissemos, pode haver este autor dista de ser verdade. Existe sim, certa
diferença nos tipos de experiência, não porque similitude externa, entre os estados superconscientes
ocorram no Oriente ou Ocidente, mas porque nem e os inconscientes, mas entre ambos existe um
todos os temperamentos individuais são idênticos. abismo de diferença. Um homem médio carece de
conhecimentos quando se acha em um estado
140 inconsciente. Freqüentemente, os conteúdos
Meister Eckhart, traduzido por Raymond Bernard Blakney (New York: Harper &
Brothers, 1941), pag. 167.
141 142
Rudolf Otto, Mysticism East and West. Traduzido por Bertha L. Bracey e Richard C. Rudolf Otto, The Idea of the Holly, Traduzido por John W. Harvey ( London:
Payne (New York: McMillan Co., 1932) p. XV e capítulo I Humphrey Milford, Oxford University Press, 1925), p. 27.

114

inconscientes da mente se convertem em causas de
certas anomalias e transtornos funcionais, ainda que
a pessoa afetada os ignore. Em um homem vulgar,
os estados inconscientes provocam uma quantidade
de perturbações. Ademais, posto que, o sujeito não é
consciente dos mesmos, é incapaz de reconhecê-los
como tal. Ao contrário, na experiência
superconsciente, toda a mente se banha em luz. O
homem que experimentou a visão superconsciente
conhece todos os conteúdos passados de sua psique.
Ademais, ninguém pode alcançar o referido estado se
não tiver conseguido controlar os conteúdos do
inconsciente, integrando-os e esvaziando-os em
seguida por completo. Ninguém pode aspirar uma
experiência supraconsciente se não conseguiu
purificar-se por completo tanto nos estados
conscientes como os inconscientes da psique,
mediante intensas práticas espirituais. Deste modo,
os conteúdos inconscientes e as experiências
supraconscientes, distam tanto entre si como os dois
pólos. Um se acha debaixo do desenvolvimento da
consciência; e o outro, muito por cima da consciência
ordinária. Um constitui em obstáculo para a vida
normal; e o outro é uma forma de vida superior da
normal, muito mais elevada que os chamados estados
normais. Identificar o estado supraconsciente com o
inconsciente é confundir a obscuridade com a luz. No
segundo caso, o homem não tem o menor
conhecimento da existência de Deus; no primeiro, o
homem percebe plenamente sua existência; quer
dizer, se acha identificado com Ele 143. Eis aqui como
descreve o Swami Vivekananda dos estados da
consciência:
143
O Evangelho de Sri Ramakrishna, I, 87-123.
115
“Em primeiro lugar, temos o plano
consciente, onde toda a atividade vai sempre
acompanhada do sentimento de egoísmo.
Logo vem o plano inconsciente, onde
nenhuma atividade vai acompanhada do
sentimento de egoísmo. Aquela parte da
atividade mental que não vai acompanhada
do sentimento egoísta é a atividade
inconsciente, e aquela acompanhada do
egoísmo, é a atividade consciente. Nos
animais inferiores, esta atividade
inconsciente se denomina instinto. Nos
animais superiores e no mais elevados de
todos, o homem, prevalece o que chamamos
atividade consciente.
Mas, nem tudo termina aqui.
Existe todavia um plano superior na qual a
mente pode operar e que vai mais além da
consciência. Assim como a atividade
inconsciente se acha por debaixo da
consciência, do mesmo modo, existe outra
atividade acima daquela e que tampouco vai
acompanhada do sentimento de egoísmo.
Isto somente se dá no plano médio. Quando
a mente esta por cima ou por baixo desta
linha, não existe sentimento de “Eu”, apesar
da mente continuar funcionando. Quando a
mente transpõe esta linha da consciência de
si mesmo, chega ao que se conhece pelo
nome de Samadhi ou supraconsciência”144
Quando estudamos as obras dos
grandes místicos cristãos, percebemos que as
conclusões do professor Jung são em extremo
superficiais e errôneas. Meister Ekchart, um dos
144
Works, I, 180.
115
 116
grandes homens que experimentou visões, declara:
“Quando se chega a Deus em sua divindade,
possuindo a realidade de Deus dentro de si, Deus
banha-o com todo com sua luz. Tudo tem Seu sabor
e Seu reflexo. E, permanentemente resplandece
Deus em um”145. Existem estados de experiências
supraconscientes que não podem ser descritas nem
narradas na linguagem humana, posto que, se acham
mais além do estado grosseiro da psique 146. A
linguagem esta circunscrita ao reino do Eu empírico,
que desaparece nestas circunstâncias.
Consequentemente, a mente humana, que é a base
do Eu empírico, é incapaz de descrevê-los. Como
disse Swami Brahmananda:

“Não é possível descrever o

Samadhi; esta mais além do alcance da
mente material e da linguagem. Esta mais
além do Asti e do Nasti (o cálculo humano),
mais além do prazer e da dor, mais além da
alegria e da tristeza, mais além da luz e da
obscuridade, mais além de todo dualismo. A
língua humana é demasiada insuficiente para
expressar o que significa esse estado de
bem-aventurança”147

145
Meister Eckhart, p. 9.
146
O Evangelho de Sri Ramakrishna, I, 88.
147
Spiritual Teachings of Swami Brahmananda, p. 126.

116

CAPÍTULO XI
OS MÉTODOS DE
EXPERIÊNCIA
SUPRACONSCIENTES
Do ponto de vista científico propõe-se
a questão da experiência supraconsciente de um
indivíduo dado, se ela pode ou não ser verificada
pelos demais. Quando estudamos a história
religiosas do mundo, comprovamos que são poucos
os casos em que homem e mulheres experimentaram
visões místicas sem uma severa disciplina ou
exercitação prévias. Saulo, a caminho de Damasco,
teve a maravilhosa experiência de Jesus que o
transformou em São Paulo e o converteu em um
sólido pilar da igreja de Cristo. Casos como este
também se conhece na Índia e outras partes da Ásia,
como também na Europa. Geralmente são
considerados manifestações e expressões especiais
da graça de Deus.
Os homens da ciência querem saber
se este conhecimento pode ser adquirido da mesma
maneira que os fatos científicos. Em outras palavras:
existe algum método que permita conhecer estas
experiências Nossa reposta é que existem certos
métodos para alcançá-la, mas deve-se seguir
estritamente à estes métodos. É verdade, que estes
métodos não são como os experimentos científicos de
laboratório. Neste último caso, é possível estudar
objetivamente os fenômenos externos independentes
de nós. Mas, para estudar os fatos da visão
117
supraconsciente devemos adotar um método
totalmente distinto. Os sistemas de estudo e
investigação são subjetivos. Nós mesmos educamos
nossa mente. Entretanto, estes métodos são
científicos no que corresponde a universalidade e
possibilidade de sua verificação. Qualquer homem da
ciência pertencente a um país, raça ou religião pode
realizar os experimentos requeridos, verificar os fatos
científicos e chegar as mesmas conclusões e
experiências, enquanto não erre o caminho. De igual
modo, qualquer indivíduo pertencente a qualquer
país, raça ou religião, poderá experimentar o mesmo
tipo de visões superconscientes, sempre que siga
fielmente os métodos aconselhados; com o qual
poderá verificar por si mesmo a verdade que
afirmamos. Na realidade, segundo alguns grandes
mentores hindus, a religião só começa realmente com
o samadhi. Swami Brahmananda insistiu
enfaticamente neste ponto, alertando seus discípulos
para que alcançassem a compreensão espiritual. 148
Esta poderia parecer uma concepção
rígida da religião. Efetivamente, a condição
necessária se acha aparentemente demasiada
elevada, quase mais além da esfera do homem
comum. Desta forma, caberia argüir que uma religião
deste tipo não poderia ter muitos adeptos. E o pouco
em que nos detivermos para refletir sobre a questão,
compreenderemos que a referida informação é exata.
Deus e as experiências de Deus são praticamente
ignoradas pelo homem médio. Para ele, a religião
significa seguir certas doutrinas e ritos ou crer em
Deus e em algumas grandes personalidades
espirituais. Deus segue sendo todavia uma
concepção ou crença intelectual baseada nos livros e
nas palavras dos demais. Não é um fato da
148
Spiritual Teaching of Swami Brahmananda.
117

experiência. O conhecimento conceitual de Deus e a
experiência concreta D’Ele são coisas muito distintas;
na realidade, existe todo um abismo entre ambas. O
efeito da dita experiência de Deus - segundo vimos no
capítulo anterior - nos demonstra que é necessário ter
uma visão supraconsciente para conhecer a Deus na
forma imediata e direta. Consequentemente, a
verificação é a melhor confirmação ou prova das
experiências religiosas, e, em tal caráter, devemos
considerá-la científica. Os métodos também o são,
posto que conduzem à compreensão da verdade
religiosa.
Freqüentemente se argui que estas
experiências chegam ao homem mediante a divina
graça e a divina meditação, e que não está em
nossas mãos provocá-las a vontade. As vezes alguns
crentes ainda consideram sacrilégio o mero pensar
em adotar práticas espirituais para alcançar a
experiência de Deus. Eles sentem, que as
experiências espirituais somente se alcançam
mediante a graça divina e que é nosso dever manter-
nos passivos, na espera de que a divina vontade se
realize através de nós.
Certamente admitimos que existem
casos semelhantes na história religiosa do mundo;
casos em que homens e mulheres tiveram uma
experiência supraconsciente de Deus sem esforço
algum de sua parte. Mas ditos casos são raros, tanto
no Oriente como no Ocidente. Ao contrário, a maioria
das grandes personalidades religiosas seguiram
práticas sistemáticas que os permitiram alcançar a
meta da vida - a consciência de Deus - após ter
recorrido paulatinamente as distintas experiências
místicas. Também existem os que se disciplinaram o
bastante para alcançar estas elevadas experiências
espirituais e estados supraconscientes. As ordens
118
místicas cristãs de São Bernardo, São Francisco,
Santa Tereza, São João da Cruz, Meister Eckhart,
Tomás Kempis e outros, tinham uma disciplina
espiritual sistemática e definida para a compreensão
das experiências religiosas ordinárias. Cabe
mencionar especialmente os exercícios místicos de
São Inácio e Santa Tereza. Tomás Kempis, também,
proporciona úteis sugestões úteis para a exercitação
espiritual 149. Os místicos cristãos que tiveram
realmente os distintos tipos de experiências
supraconscientes, concederam uma tremenda
importância as práticas espirituais. Do mesmo modo,
em algumas das organizações judias se propiciam
certos processos disciplinares ou práticas devotas
para alcançar a compreensão superconsciente.
Algumas ramificações do Islamismo também
prescrevem métodos para a compreensão de Deus.
O hinduismo e o budismo levaram a cabo uma
investigação científica destas experiências, como
também dos métodos para alcançá-las, e o resultado
se evidência em toda uma série de bem definidos
detalhes científicos que ostentam os métodos para a
compreensão superconsciente adotados pelo sistema
hindu.
Os ensinamentos de Sri Krishna
contidos no Gita, o ensinamentos de Patanjali e os de
outros grandes mestres espirituais hindus, nos
subministram diversos métodos, após estudar os
diferentes temperamentos individuais. Estes métodos
se chamam Yogas. Freqüentemente este termo tem
sido empregado erroneamente no Ocidente,
especialmente na América. A maioria das pessoas
parece crer que a Yoga é a leitura do pensamento, a
arte de advinhar, a arte de fazer dançar uma corda ou
qualquer outra expressão das potências misteriosas.
149
Tomás Kempis, Imitação de Cristo.
118

Não cremos que faça diferença dizer quem são os
responsáveis pela arbitrária interpretação desta
palavra. Entretanto, reconhecemos que a yoga
representa algo desconhecido neste país e que os
norte americanos não conhecem seu significado
exato. Na realidade, quer dizer “união”, pois deriva da
raiz yuj, que significa ungir. Mediante a yoga nos
unimos a Deus. E nisto não há nenhum mistério.
Patanjali define a yoga como o controle completo da
defesa mental (chitta vrittis) 150. Quando o indivíduo
controla plenamente sua psique, a Verdade revela-se
por si mesma. A serenidade mental pode ser
alcançada de diversas maneiras, segundo os métodos
de yogas empregados. Swami Vivekananda, a grande
autoridade na ciência da yoga - tanto na teoria quanto
na prática - nos explica:
“ Existem diversas Yogas ou
métodos de união, mas os principais são
quatro: Karma-Yoga, Bhakti-Yoga, Raja-
Yoga, Jnana-Yoga.
Cada homem deve desenvolver-
se de acordo com sua própria natureza.
Assim como cada ciência tem seus métodos,
o mesmo ocorre com cada religião. Nós
chamamos yoga aos métodos para alcançar o
objetivo da religião, e as distintas formas de
Yoga que ensinamos se adaptam as diversas
naturezas e temperamentos dos homens.
Temos classificado da seguinte maneira, sob
quatro denominações diferentes:
1) Karma-Yoga: a compreensão
de um homem de sua própria divindade
através das obras e do dever;
150
Aforismos Yogas de Patanjali, I, 2.
119
2) Bhakti-Yoga: a compreensão
da divindade através da devoção e do amor a
um Deus pessoal;
3) Raja-Yoga: a compreensão da
divindade de um homem através do controle
da mente;
4) Jnana-Yoga: a compreensão
da própria divindade de um homem através
do conhecimento.
Todos estes são diferentes
métodos que conduzem a um mesmo ponto:
Deus.”151.
De acordo com os mestres hindus, as
mentes humanas se agrupam em quatro tipos
distintos: intelectuais, emocionais, ativas e reflexivas.
A parte disso, estes diversos tipos se subdividem de
acordo com a estrutura mental dos inumeráveis
indivíduos, e cada um destes tipos e indivíduos
possuem distintos métodos de desenvolvimento
espiritual. As visões supraconscientes são processos
da evolução espiritual e não se obtém mediante a
sobre-imposição; pelo qual os mestres procuram
descobrir as características individuais dos distintos
aspirantes e prescrever-lhes em conseqüência, os
métodos particulares, aptos para seus
temperamentos ou atitudes. Entretanto, existem
alguns requisitos comuns a todos os tipos de
mentalidade. Por exemplo, a ciência da ética é o
fundamento das práticas espirituais para todos as
caráters. Sem uma esmerada educação ética, não é
possível aspirar o controle da psique. A prática dos
princípios éticos e da psicologia andam juntas. De
acordo com os mestres espirituais hindus, as
experiências supraconscientes se baseiam na ciência
da ética e na psicologia superior. Como dissemos
151
Works, V. 219-220.
119

previamente, não é possível possuir a faculdade de
concentrar-se a menos que se procure controlar e
purificar a mente, como também desenvolver as
qualidades éticas fundamentais. Isto é que os
místicos cristãos denominam o “estado purgatório” e
os hindus yama e niyama ou shama e dama. Uma
vez purificada a mente, pode-se enfocá-la em Deus.
As grandes personalidades espirituais do mundo
destacaram este fato em seus ensinamentos. Assim,
Jesus expressou: “Bem-aventurados os limpos de
coração: porque eles verão a Deus” 152. E Sri Krishna:
“Mas, o homem dono de si
mesmo, capaz de mover-se entre os objetos
mantendo os sentidos controlados e livres de
toda atração ou aversão, alcança a
serenidade.
Com a serenidade desaparece
todo o pesar, pois o intelecto daquele cuja
mente esta serena, não tarda em adquirir
firmeza e rigidez.
Os inconstantes não tem
conhecimento algum do EU. Tampouco
gozam da meditação. Para o irreflexivo não
há paz. E como seremos felizes sem paz”153.
Patanjali fez particular insistência em
que a purificação interna e externa é absolutamente
imprescindível para o crescimento espiritual; o yama e
o niyama são os primeiros passos para a
compreensão de ordem superior 154. Sri Ramakrishna
disse: “Vê-se a Deus quando a mente esta
152
Sã Mateus, 5: 8.
153
Srimad-Bhagavad-Gita, II, 64-66
154
Aforismos Yogas de Patanjali, II, 29-33, e Vivekachudamani
120
perfeitamente tranqüila” . Consequentemente, as
155
práticas éticas constituem um requisito prévio para
qualquer método de compreensão supraconsciente.
A prática da concentração somente pode resultar
frutífera quando a mente se serena mediante a
purificação ética superior e todo o sistema nervoso se
acha depurado e fortalecido graças a prática do yama
e do niyama.
O aspirante do tipo intelectual segue
o método racionalista consistente para distinguir entre
o verdadeiro e o falso, entre o real e o irreal, mediante
o emprego da faculdade de discriminação e análise.
Trata-se neste caso de Jnana Yoga. Para este
método faz-se falta uma força de vontade férrea,
posto que é necessário negar e rechaçar os
fenômenos transitórios ou supérfluos, a fim de
conhecer o permanente, o Absoluto. As emoções
devem ser controladas e reguladas, de fato, não se
deve dar saída a nenhuma expressão emocional,
posto que, qualquer tipo de expressão emocional
supõe pluralidade e dualidade. Os adeptos de Jnana
Yoga devem recordar constantemente a idéia de
unidade. Qualquer coisa que traga consigo a idéia do
múltiplo deve ser rechaçada de plano. Para poder
alcançar este objetivo, tem-se que desenvolver, em
alto, grau a faculdade de concentração e a vontade.
Este método parece completamente contrário as
funções ordinárias do seres humanos, dado que
sempre nos sentimos inclinados a expressar nossas
emoções; ademais, todas nossas atividades supõem
certo tipo de fundo emocional.
A prática da concentração e a
meditação na Jnana Yoga é sumamente difícil para
um homem comum, posto que, faz falta enfocar a
mente sobre o “impessoal”, o não corpóreo; em uma
155
Sayings of Sri Ramakrihna, XX, 392.
120

palavra, sobre o Absoluto Autoconsciente (Satchid-
ananda, Nirguna Brahman). É sumamente difícil para
uma pessoa ordinária, que vive no plano das
categorias de tempo, espaço e causalidade, onde
tudo tem nome, formas e atributos, conceber algo
mais além de certos critérios. É verdade que,
freqüentemente, utilizam-se certos símbolos, como o
som e a luz, o modo de objetos de concentração;
mas, ainda estes símbolos ou substitutos do absoluto
incondicionado (Nirguna Brahman) é um árduo ideal
para os principiantes. De modo que, este método que
estamos abordando não é aconselhado para homens
ou mulheres médios, dado que a vida desenvolvida
em um plano ordinário resultaria contraproducente.
Na realidade, são poucas as pessoas no mundo
capazes de iniciar suas práticas espirituais ao longo
desta senda espiritual. Efetivamente, é o caminho
que mais disciplina e preparação ética requer.
Resulta fácil falar de princípios teóricos e de filosofia;
mas é muito distinto praticar a vida do intelecto, e
ainda mais difícil, ver a singularidade da vida e a
existência na conduta humana ordinária. Na
realidade, todo adepto ao Jnana Yoga, ou método
intelectual, deve tratar de descobrir a unidade e a
divindade em cada pensamento e em cada ação.
Deve-se tratar de encontrar o Absoluto mais além do
relativo. Esta deve ser sua prática constante e todas
as suas atividades devem ser reguladas por elas.
Desta forma, se desvanecerão gradualmente a
pluralidade e também a dualidade de qualquer classe,
para isto deve-se eliminar toda consciência das
diferenças na vida cotidiano. Por isso é difícil para
uma pessoas média seguir este caminho, ainda que
se trate de uma filosofo. Muitas pessoas parecem
crer que são, por sua filosofia, absolutistas mas, seus
atos revelam que ainda funcionam em um plano
121
inferior de existência relativa ou Maya. Segundo os
mestres hindus, estes indivíduos vivem todavia em
ignorância.
Um grande filósofo norte americano
nos falou de certo absolutista professo deste país.
Deixemos bem claro que mencionamos este caso
com o devido respeito ao intelecto do absolutista em
questão. Depois da Primeira Guerra Mundial se
estabeleceu a questão de se a Associação Filosófica
Norte-americana, haveria ou não de reiniciar suas
relações intelectuais com os filósofos germânicos. O
Absolutista se opôs a esta proposta, sobre a base de
que não desejava ter nenhuma relação com alemães.
E conste que não trate aqui de um exemplo
excepcional; temos visto em todo mundo casos
similares. Mas nós nos perguntamos como pode um
indivíduo ter impulsos intelectuais de Absolutismo e,
não obstante, permanecer emocionalmente no plano
vulgar do ódio e demais tendências diferenciantes.
Quando um homem é consciente da diversidade e
não utiliza seu discernimento, não pode alcançar
conhecimento algum do Absoluto. Esta é a razão
pela qual os Aforismos Vedantas156 ensinam que
deve-se ter um intenso desejo de conhecimentos
superiores e estar disposto a sacrificar tudo para
alcançá-lo; quer dizer que devemos renunciar a tudo
aquilo que provoque a consciência de dualidade e
pluralidade, ou que de uma ou outra forma recorde a
existência física e a consciência independente. Deve-
se possuir um agudo poder de discernimento, e sobre
tudo, qualidades éticas superiores. Somente desta
forma poderá avançar com êxito ao longo deste
caminho. As qualidades éticas são os requisitos
indispensáveis o referido método. É possível adotá-
156
Brahma Sutra, com um comentário (Introdução) de Sri Sankaracharya
e Vivekachudamani, se Sri Sankaracharya.
121

lo, entretanto, uma vez obtidos considerados
progressos com outras práticas.
As pessoas de natureza emocional
devem começar com suas emoções para alcançar as
visões espirituais. Para isto, se aconselha o Bhaki
Yoga ou senda do amor e da devoção. A grande
maioria das pessoas é preferencialmente emocional;
por isso as vezes é conveniente e necessário
recomendar o emprego de suas emoções para seu
desenvolvimento espiritual de ordem superior.
Dificilmente consegue-se encontrar um homem ou
uma mullher que não possui fortes impulsos
emocionais e o mais prudente é dar-lhes expressão,
em lugar de rechaçá-los ou privar-se deles. As
emoções são forças poderosas; todo aquele que
busca a verdade deverá, Consequentemente, orientá-
las para um aspecto adequado de Deus para seu
próprio temperamento. Não é correto supor que
somente podem ser dirigidas para um aspecto
particular de Deus, com exclusão de todos os demais.
Algumas pessoas se tornam estreitas e fanáticas em
sua vida espiritual e insistem em um aspecto
determinado como único objeto possível de amor e
devoção para todo o mundo. Mas posto que o Ser
pleno de amor é infinito, também o serão todos seus
aspectos. Para dizer em termos psicológicos: os
seres humanos possuem distintas atitudes mentais e
graus de poder. Quando tratam de conceber a Deus
com a mente constrangida pelas condições da relação
espaço-tempo, suas mentes geralmente se vêm
limitadas pelas reações ante o mundo objetivo do
nome e da forma. Ademais, apresentam certas
predisposições e noções preconcebidas dos objetos
que experimentam. Consequentemente, possuem
diferentes tipos de emoções, de acordo com as
inclinações preexistentes. Na realidade, a mente se
122
acha sobremaneira limitada as condições finitas da
vida. Deste modo, é forçoso que por hora vejam a
Deus dentro de suas limitadas possibilidades mentais.
Consequentemente, sempre se subsistirão algumas
diferenças na compreensão de Deus. Os mentores
espirituais hindus sustentam que estas diferenças e
variantes não afetam o crescimento espiritual do
indivíduo. Ainda assim, é sua opinião que na
iniciação da vida espiritual, cada pessoa deve tomar
um aspecto particular de Deus, adequado a suas
próprias inclinações e possibilidades individuais. De
fato, segundo eles, o crescimento espiritual se
acelera, se é possível tomar um aspecto de Deus
para a meditação que leve em conta a natureza
íntima do aspirante, segundo foi explicado no capítulo
sobre “A Meditação”.
Também é falso crer que Deus pode
ser concebido somente com pai e não como mãe,
amigo, amante ou filho. Todas as emoções
caracteristicamente implícitas nestas relações
humanas também podem ser aplicadas a Deus, de
acordo com os temperamentos e requisitos dos
distintos indivíduos. Tal é a razão pela qual os
místicos devotos variam em seus métodos de
acercamento de Deus. Uns poucos preferem
concebê-lo como a um filho, no entanto a maioria
prefere ver a Ele como pai ou mãe, e outros, por
último, o amam como um amigo ou amante, por ser
esta a atitude que melhor se acomoda a seus
temperamentos individuais, resultando-lhes natural e
espontânea a conseqüente relação. Estas relações
têm sido denominadas bhavas pelos mentores
religiosos hindus 157. São elas: shanta (plácido amor
para com o Criador, o Senhor ou o Todo-poderoso);
157
Ver Bhagawatam: A Literatura Vaishnava da India; Narada, Vhakti
Sutra e Swami Saradananda, Sri Sri Ramakrishna Lilaprasanga, II.
122

dasya (relação entre o amo e o servo); sakhya
(vínculo entre dois amigos); vatsalya (amor entre pais
e filhos), e madhura (doce relação entre amantes).
Alguns devotos estabelecem, desta forma, uma
relação segundo a qual Deus é a mãe e o sujeito, o
filho 158. Estas bhavas devem cultivar-se e
estabelecer-se praticamente em conformidade com os
mesmos modelos de nossa conduta humana para
com os seres amados. Muitos místicos cristãos e de
outras religiões também seguiram este processo de
estabelecer relações afetivas com Deus, segundo as
tendências predominantes das suas próprias mentes.
Mercê a este método, a relação com Deus se torna
fácil e eficaz, e, ao mesmo tempo, não se malgastam
as tendências naturais congênitas 159. Todo o
indivíduo possui certos impulsos espontâneos. Os
mestres hindus preferem que seus discípulos
empregem e orientem suas inclinações naturais, pois
a experiência demonstra que as pessoas crescem
imensamente deste modo, ao satisfazer a
necessidade se expressar seus poderes emocionais
inatos. Os mestres hindus têm comprovado que
quando uma pessoa cultiva esta relação amorosa
com Deus, acelera-se o crescimento espiritual.
Seguindo qualquer destas bhavas se alcança, então,
a meta suprema da vida. Entretanto, não se deve
substituir nenhuma bhava por outra, até não haver
alcançado a culminação da relação empregada. Mas
se é possível trocar uma relação por outra uma vez
que se tiver logrado estabelecer perfeitamente uma
bhava e que tenha sido possível experimentar ao Ser
pleno de amor por seu intermédio. Este tipo de
mudança foi levado acabo por Sri Ramakrishna 160
158
Works, III, 92-98.
159
Sayings of Sri Ramakrishna, capítulo XXV.
160
Swami Saradananda, Sri Sri Ramakrishna Lilaprasanga, II.
123
Para cultivar relações emocionais
com Deus convém adotar diversos métodos
auxiliares, tais como, por exemplo, a adoração interna
e externa e demais práticas similares. No culto
externo, o devoto trata de pensar em Deus através de
sua adoração, com ingredientes materiais tais como
flores, luz, incenso, perfumes e alimentos. No interno,
o sujeito deve dirigir suas emoções junto com a
oferenda de qualidades e atributos internos e
elementos de seu corpo e de sua mente. Alguns
tratam, desta forma, de recordar e recapitular os
incidentes da vida das Encarnações como Krishna,
Buda e Cristo. A evocação da Paixão e outros
incidentes da vida destas grandes personalidades é
de utilidade para integrar e unificar a mente total.
Alguns aspirantes costumam adotar em suas práticas
a repetição do nome de Deus. Os místicos hindus
desenvolveram toda uma ciência da repetição do
nome de Deus (mantra shatra), e, segundo eles, um
buscador da verdade pode alcançar os estados mais
altos da compreensão supraconsciente, repetindo
alguns nomes simbólicos de Deus, enquanto se
medita nele ao mesmo tempo. Existem nomes breves
e diferentes para os diversos aspectos de Deus, e, tal
como dissemos no capítulo sobre “A Meditação”, tais
nomes variam de acordo com o temperamento de
cada indivíduo. O progresso dos aspirantes depende,
em grande parte, da escolha que façam destes
nomes. A repetição os ajuda a alcançar a
concentração, conduzindo ao estado mais profundo
da meditação. Swami Brahmananda põe em relevo a
importância do japam (repetição do nome de Deus):
“Japam. Japam. Japam.
Enquanto trabalhais, praticais o Japam. Faça
que a roda do nome de Deus gire em torno de
123

todas as vossas atividades. Prova e vereis
que se acalmará todo o ardor do coração.
Não sabeis, acaso, quantos pecadores se
tornaram puros, livres e divinos refugiando-se
no nome de Deus Tenhais intensa fé em
Deus e em Seu nome. Saibais que Deus e
seu nome são um só. Ele habita no coração
de seus fiéis. Invoca-o solenemente. Roga-
lhe: “Revela-me Tua graça. Dai-me fé e
devoção”. Reza solenemente. Até que vossa
mente e vossos lábios sejam uma só coisa.
Cubra tudo com Deus. Veja-o em
todas as criaturas. Assim que aprendais ver
a Deus em todas as partes, tornar-vos-eis
mais “humildes que uma graminea de pasto”.
Não presteis a atenção a nada que não seja
deus, faleis somente com dele. Descarta a
todo o lugar em que seu nome não seja
pronunciado, assim como se descarta um
areal.
.............................................................................
....................
Repete seu nome e invoca-o. Ele
esta muito perto de nós e todos amam-No.
Porque não fala e revela a nós Abramo-lhe
nossos corações. Ele os guiará pela boa
senda. Não há nada mais purificador que seu
nome e a meditação nele. Ele é nosso
próprio ser. Ele nos será revelado facilmente”
161
. também nunca aspires o fruto do teu trabalho.” 164
124
comprovado que é a mais fácil e mais adequada para
compreender a verdade em nossa época. Sri
Ramakrishna, o grande mentor hindu, fez
considerável insistência em seu valor. John Woodruff
traduziu algumas escrituras hindus sobre este tema.
As pessoas de tipo ativo podem
alcançar a compreensão supraconsciente realizando
com desprendimento trabalhos desinteressadamente.
Isto é o que se chama Karma Yoga. Disse Sri
Krishna:
“O homem verdadeiro digno de
admiração controla seus sentidos graças a
força de sua vontade. Todos os seus atos são
desinteressados. Todos estão dirigidos para
a união com Brahman.
.............................................................................
....................
Cumpri sempre com vosso dever, mas
com desprendimento. Esta é a melhor forma
para chegar a verdade última: trabalhando
sem mostrar-se ansioso por resultados” 162.
Existe um método especial para
encarar o trabalho163. Segundo ele, devemos
esquecer de nós mesmos durante o seu
desenvolvimento, assim como também do resultado
que haverá de nos conduzir ao trabalho. Disse Sri
Krishna: “Somente tens o direito de trabalhar;

A história registra muitas grandes 162

Bhagavad-Gita, traduzido por Swami Prabhavananda (1944), pag. 53-
personalidades que alcançaram elevadas 55.
163
experiências místicas graças a esta prática. Tem-se Works, I, 23-116.
164
Srimad-Bhagavad-Gita, traduzido por Swami Awarupananda (1933),
161
O Eterno Companheiro, pag. 145. II, pag 47.

124

Neste método, o devoto recorda constantemente a
Deus em meio e por meio de seus atos. Enquanto o
aspirante intelectual recorda o Absoluto e sente a
singularidade do universo. Os adeptos do Karma
Yoga procuram ver a manifestação de Deus em todos
os homens, ao mesmo tempo que os serve. Para
eles um enfermo, em analfabeto, um indivíduo débil
submergido na ignorância e dominado por tendências
inferiores é uma autêntica manifestação de Deus.
Portanto, sua missão será servir ao doente
humanidade. Não é que saiam a fazer “caridade”,
nem que os envaideça a idéia de mostram-se
filantrópicos. Pelo contrário, se ajudam aos
desamparados, somente o fazem por amor e
lealdade. Swami Vivekananda, o grande campeão do
Karma Yoga de nossa era, nos diz:
“Vede a Deus em todo o homem,
e em toda mulher. Vós não podeis ajudar a
ninguém; somente podeis servir aos filhos
do Senhor, servir ao Senhor Mesmo, se
gozais desse privilégio. Se o Senhor
concede-lhes a graça de ajudar a algum de
seus filhos, sereis bem-aventurados; não
penseis em vós mesmos. Sereis bem-
aventurados por haver recebido esse
privilégio de que outros não gozam. Faça
vossa obra com fervor. Eu devo ver a Deus
nos pobres, e é por minha salvação que os
adoro e os reverencio... São estas, palavras
ousadas; mas permita-me repetir que o
maior privilégio de nossas vidas é poder
viver ao Senhor sob todas as formas” 165.
165
Woks, III, 246-47.
125
Entretanto, existem pessoas (alguns
budistas) que alcançaram sua iluminação sem
nenhuma idéia de Deus pessoal o impessoal, senão
executando as obras por seu valor intrínseco,
esquecendo-se de si mesmos por completo e
permanecendo indiferentes aos resultados de seus
atos.
Estabeleceu-se uma polêmica quanto
a eficácia deste método e, especificamente, sobre se
o Karma Yoga é o único procedimento para alcançar
o conhecimento da Realidade ou se trata-se , tão
somente, de um limiar que deve ser transposto para
chegar as práticas espirituais superiores. Alguns
pensadores, também nos grupos hindus, parecem
crer que o senda do trabalho deva ser seguido com o
fim de purificar o indivíduo. Então, uma vez que este
se ache preparado para uma meditação superior e
outros exercícios devotos, deverá intensificar estas
práticas e abandonar a ação. Segundo estes
pensadores, nenhum tipo de ação pode conduzir
diretamente ao Absoluto. Outros sustentem, ao
contrário, que se deve combinar o obrar com o culto e
as práticas devotas da meditação. Sua teoria é que a
combinação destes métodos, trabalho e reverência
(Karma Yoga e Bhakti Yoga) é o mais adequado para
alcançar a compreensão última, e até não alcançado
este objetivo, deverá continuar o método combinado.
Mas, Sri Krishna e Swami Vivekananda expressaram
categoricamente que é possível alcançar a meta da
religião seguindo qualquer destes métodos. Sri
Krishna expressa que “somente as crianças, fazem
diferenças”. Quer dizer que nenhuma senda é
superior a outra. E agrega depois: “...para o reflexivo,
a senda do conhecimento; para o ativo, a do
trabalho.”166 Também afirma que são muitas as
166
Srimad-Bhagavad-Gita, III, 3.
125

pessoas que alcançaram a perfeição seguindo o
Karma Yoga.
Cabe assinalar, neste último sentido,
que o Karma Yoga não da entrada à atividade sem
freio. Um Karma Yogui deve estar sempre alerta,
cuidando para que sua mente não se mescle com a
ambição nem com a chamada “autoexpressão”.
Igualmente, ao Jnana Yoga, deverá tratar sempre de
eliminar a consciência de si mesmo ou do Eu. É
perfeitamente concebível que no meio da atividade,
por melhor intencionado que se haja mostrado em um
princípio, o Eu de uma pessoa se vê estimulado pelo
êxito objetivo de sua obra. Entretanto, o êxito no
Karma Yoga não significa nenhuma conquista
exterior, melhor ainda a purificação e a conquista
interna do Eu inferior. Que fique bem claro, qual deve
ser o processo do Karma Yoga e quais as conquistas
inerentes a este método; de outro modo, se somente
produz resultados exteriores e objetivos, sob a forma
do êxito na criação de instituições melhores e
superiores, de cidades, etc., resultará
contraproducente. Se os Karma Yoguis não se
preocupam pelo trabalho interno da mente, deixando-
a sujeita a ambição ou as conquistas externas, sua
prática deixará de ser uma verdadeira Karma Yoga.
De modo que, a senda da ação não tem porque
conduzir necessariamente ao êxito no sentido
objetivo, mas que sua meta final deve ter sempre um
sentido subjetivo; quer dizer que deve levar o sujeito a
um estado mental de serenidade, desprezando todo o
interesse pelo fruto exterior de seus atos.
Consequentemente, os grandes mentores espirituais
aconselham a prática da meditação aos principiantes
que se inclinam por este método, o culto ou qualquer
outro método auxiliar, para manter bem presente o
ideal e conseguir, desta forma, eliminar todo o afã
126
ambicioso e de “autoexpressão”. Contudo, algumas
pessoas são capazes de seguir o Karma Yoga
rigorosamente, sem nenhum método auxiliar.
Devemos destacar, desta forma, que
a ação é particularmente grata a nossa era e Swami
Vivekananda, exímio mestre de todos os sistemas de
yoga, sustenta categoricamente que a maioria das
pessoas, em maior ou menor grau, devem seguir a
senda da ação. Na realidade, a forma autêntica da
ação ou Karma Yoga podem ser aplicados a todos os
aspirantes espirituais, estes devem passar
forçosamente por certas fazes do Karma Yoga no
transcurso de sua evolução espiritual. Sri Krishna
declara no Gita que o homem trabalha impelido por
sua própria natureza. 167. Por isso é um erro crer que
as pessoas espirituais se esqueçam necessariamente
deste mundo, descuidando seus deveres sobre a
terra. Muito pelo contrário; os verdadeiros mestres
dos sistemas de yoga, como Sri Krishna e Swami
Vivekananda, tem glorificado os elementos ativos do
homem, orientando-os na direção adequada para eles
mesmos guiarem-se para a compreensão direta e
imediata de Deus. Não é demais dizer que o caminho
para a ação não é um mero passo para alcançar
práticas superiores, senão que tem tanta importância
como qualquer outra yoga - Jnana, Bhakti ou Raja -
conduzindo para a mesma meta.
Os indivíduos reflexivos devem adotar
certas formas de concentração e meditação, tais
como as descritas no capítulo sobre “A Meditação”,
para alcançar as experiências supraconscientes.
Trata-se nesta caso da Raja Yoga ou método
psicológico. A palavra Raja significa “régio, real”. Em
todos os métodos, se bem que de maneiras distintas
em cada caso, se requer em maior ou menor grau a
167
Ibid, III, 5
126

prática da concentração e da meditação; é por esta
razão que se tem considerado este caminho como o
caminho “real”. O Raja Yoga ajuda a integrar a
mente; graças a sua ação se unificam todos os
estados mentais. Ademais qualquer homem da
ciência pode segui-lo passo a passo, ainda que
resista, em princípio, a aceitar a idéia de Deus. Muitos
budistas e hindus começaram com esta Yoga
psicológica, alcançando finalmente a meta desejada.
Na realidade quando a mente se acha bem regulada,
controlada e unificada, a verdade se revela por si só.
No capítulo VI explicamos detidamente os oito passos
da Raja Yoga. Portanto, para não incorrer em
repetições, aqui somente daremos uma breve
resenha dos mesmos.
A Hatha Yoga interessa a muitos
leitores ocidentais e orientais. Ocorre das pessoas
confundirem-no com a Raja Yoga, pois ambos
possuem em comum certos aspectos físicos. Cabe
assinalar que os psicólogos hindus do tipo da Raja
Yoga comprovaram, no transcurso de suas
experiências, que a saúde física é de grande
importância para o desenvolvimento mental, dado que
a mente do homem comum funciona por meio do
sistema nervoso. Quando o corpo esta enfermo ou
débil, o sistema nervoso se vê Consequentemente
afetado, a mente se torna inquieta ou incontrolada, ou
então se mostra inerte, embotada e sonolenta. Todos
estes estados constituem obstáculos para o
desenvolvimento mental superior. Para por em
prática os quatro últimos passos - pratyahara
(retraimento da mente), dharana (concentração),
dhyana (meditação) e samadhi (supraconsciente) - o
sujeito deve controlar todas as funções do corpo.
Também deve estar dotado de nervos fortes; de outro
modo, não poderia alcançar uma concentração ou
127
meditação efetivas, com o qual resultaria impossível
chegar ao último passo da Raja Yoga. Muitos yoguis
observam, nos primeiros dias da prática da Raja
Yoga, certas regras da Hatha Yoga, preferentemente
físicas, a fim de fortalecer sua constituição orgânica.
É esta uma das razões pelas quais ocorre de
considerar a Raja Yoga como um processo psicofísico
para alcançar a verdade.
Infortunadamente, muitas pessoas
que praticavam a Hatha Yoga desenvolveram
algumas percepções extrasensoriais e poderes
ocultos e psíquicos, e se esqueceram do objetivo
primário das práticas das yogas. Estas faculdades
devem ser encaradas como verdadeiros obstáculos
(como já vimos no capítulo sobre “As Experiências
Extrasensoriais”), e por isso nos abstivemos
deliberadamente de efetuar um tratamento acabado
da Hatha Yoga, embora seja possível a muitos
leitores ocidentais o interesse profundo por algumas
desta práticas para controlar as leis físicas com o
poder mental.
Alguns pensadores subdividem, por
sua vez, as quatro divisões principais da yoga, que
são Jnana, Bhakti, Karma e Raja. Por exemplo,: o
Mantra Yoga e demais subdivisões semelhantes,
formam parte, na realidade, de uma das principais
divisões. Os mestres mais eminentes, como Swami
Vivekananda, não sentiram a necessidade de tratá-los
separadamente; tampouco nós tratamos
separadamente, pois estas somente tem acarretado
confusões.
Uma das coisas que mais custa aos
principiantes é consolidar-se nas práticas espirituais
superiores. A mente sempre demora em perder sua
mobilidade, e se o sujeito persiste em uma mesma
prática, esta imediatamente se torna monótona. Por
127

isto o mais conveniente é combinar os distintos
métodos - estudo, devoção, trabalho e meditação -
até quando não se tenha despertado um autêntico
interesse e amor por Deus. De outro modo, existe o
perigo de reações contraproducentes ou de uma
absoluta esterilidade nas práticas espirituais. Muitas
pessoas abandonam os exercícios, estagnando-se
em sua marcha para os ideais superiores, por carecer
de uma sábia condução. Outros, ao contrário,
levados por seu entusiasmo inicial, tratam de imitar
aos grandes santos e personalidades de grande
ascendência espiritual. Assim, procuram intensificar a
meditação ou o culto, omitindo outros aspectos da
vida e da atividade, mesmo no começo da vida
religiosa. Todos os indivíduos necessitam de um guia
para evitar as reações contraproducentes, a
esterilidade e a falta de interesse. Por isto sempre
convém introduzir certa variação nas primeiras etapas
das práticas espirituais. Um devoto alcançou
expressar acertadamente o problema: “todos temos
nosso Destino, se bem que elegemos diferentes
caminhos que conduzem para a despensa do
Conhecimento Infinito, deixando que o Eu os explore”.
Swami Vivekananda era partidário de
desenvolver em forma harmônica estes quatro
métodos ou Yogas . Creia este mestre que,
combinando dois ou três deles, o desenvolvimento
seria mais completo que seguindo um único caminho.
Eliminar-se-ia, deste modo, qualquer possibilidade de
uma visão parcial ou unilateralidade, e o caráter
alcançaria seu pleno desenvolvimento, sem
asperezas nem duras arestas. Entretanto, não é fácil
aperfeiçoar-se simultaneamente em todas as yogas.
Esta claro que existem pessoas capazes de fazê-lo,
mas geralmente basta seguir somente um sistema de
forma sistemática, para alcançar a meta. Não é
128
demais dizer que para lograr a desejada
compreensão. é necessário - qualquer que seja o
método escolhido - ir até as últimas conseqüências.
Contudo, a prática parcial ou combinação de alguns
destes métodos é muito desejável, especialmente
para os principiantes, por seu efeito depurador. Um
dos principais cuidados do aspirante será não perder
o interesse em Deus pela adoção de práticas
inconvenientes. Também tem de ser levado em conta
o próprio temperamento, ao escolher os métodos a
serem seguidos. Segundo Swami Brahmananda:
“Todos têm um único e igual
propósito: a compreensão de Deus. Existem
tantas diferenças entre um homem e outro,
por suas inclinações e temperamento, que
não se pode atribuir um método único para a
Sadhana ou progresso espiritual. Os distintos
temperamentos requerem distintas Sadhanas
e métodos de culto. Para satisfazer estas
múltiplas exigências, as Escrituras
prescrevem quatro métodos principais, a
saber: Samadhi (adoração direta do
Absoluto), Dhyana (meditação, em que o fiel
permanece separado), Japam (repetição do
nome de Deus), a oração e o culto
extremo”168.
Assim como as distintas yogas ou
métodos espirituais conduzem todos por igual a Deus,
assim também os diversos credos e religiões do
mudo, nos levam a um mesmo e único Deus.
168
Spiritual Teaching of Swami Brahmananda, p. 130.
128

CAPÍTULO XII
PODE SER DISTRIBUIDO O
CONHECIMENTO
SUPRACONSCIENTE?
Eis aqui uma pergunta legítima que
ocupa o pensamento da grande maioria dos
pensadores científicos. Se temos de investigar
cientificamente o conhecimento supraconsciente, este
deve ser comunicável. Muitos religiosos devotos são
de opinião que este conhecimento nos chega por
graça de Deus - segundo dissemos no capítulo
anterior - e consequentemente, não pode ser objeto
da investigação científica, nem pode ser transmitido
de uma pessoa para outra como poderia sê-lo um
objeto. A história da religião nos demonstra que tanto
o conhecimento supraconsciente como as percepções
extrasensoriais inferiores e os poderes psíquicos
ocultos, podem ser transmitidos e assimilados. Esta
claro que a pessoa que as comunica e a que as
recebe devem preencher certas condições
indispensáveis. Em primeiro lugar, nem todas as
pessoas para as quais acontece imprevistamente
experiências extraordinárias , mesmo que se trate de
poderes ocultos ou visões supraconscientes de ordem
superior, podem transmitir estas faculdades com a
eficiência que seria de desejar. Quando alguém tem
espontaneamente experiências espirituais pode
alcançar uma certa visão concreta da Realidade
Última. Mas, ele não obstante, por carecer de uma
técnica sistemática, é incapaz de transmitir este
129
conhecimento, em forma direta e imediata, aos
demais. Quiçá possa descrever, ao todo, algumas
experiências e brindar certa idéia de suas visões
pessoais. Mas quando o sujeito domina
perfeitamente o plano supraconsciente, seja a mercê
de certas práticas ou por graça divina, se acha em
condições de transmitir seu poder e conhecimento
aos demais, não como conhecimento imediato, senão
como percepção direta.
Entretanto, é verdade que resulta
impossível comunicar a natureza exata da reação
emocional em certas visões espirituais, nem
expressar todo o seu valor através da palavra, assim
como não se pode expressar qualitativamente o
sentimento de amor. Para compreender o verdadeiro
efeito do amor devemos senti-lo. Uma mãe não pode
comunicar a ninguém a emoção interna que a inunda.
Para compreender o amor de uma mãe, é necessário
ser mãe. De modo semelhante, as visões espirituais,
seja as que se apresentam em forma quase
espontânea, por mediação divina, ou graças a prática
espiritual junto com a meditação divina, não podem
ser expressadas em seu valor qualitativo, nem podem
ser plenamente descritas em qualquer língua humana,
quanto a seu valor quantitativo, posto que, no que se
refere as pessoas, constituem experiências únicas,
assim como é única a experiência do amor.
Também é verdade que existem
alguns métodos sistemáticos por meio dos quais é
possível alcançar estas experiências. Ao contrário, as
chamadas percepções extrasensoriais, poderes
ocultos e demais atributos extraordinários das
faculdades mentais ou psíquicas podem ser
expressados perfeitamente, de acordo como foi
afirmado por Patanjali, no Raja Yoga. Também é
possível alcançar as visões supraconscientes
129

superiores, mediante métodos sistemáticos, segundo
o ensinado por Patanjali e outros grandes mestres
religiosos, pertencentes a diversos países e religiões;
métodos que examinamos no capítulo anterior.
A pessoa que transmite ou distribui
este conhecimento é o Guru (mestre), e a pessoa que
o recebe é o shisya (discípulo). O Guru não é um
mestre comum, tal como os encontramos nas escolas
religiosas ou de outra índole do Ocidente. O conceito
de Guru é profundo e significativo para a vida
espiritual. Segundo a maioria das autoridades hindus,
dificilmente pode-se aspirar a alcançar o estado
superior da divina compreensão sem ajuda de um
Guru. Swami Brahmananda disse a respeito:
“As coisas não são tão fáceis
sem um Guru. O Guru é quem os mostra a
senda de Deus, através de um mantram
(nome sagrado). Distribui o segredo de suas
práticas espirituais, vigia e protege seu
discípulo, evitando que se desencaminhe por
um caminho equivocado. Todo grande Guru
deve conhecer a Brahman” 169.
Dado o papel essencial do Guru no
desenvolvimento espiritual dos discípulos, não é
estranho que os requisitos para chegar a ser um
mestre religioso sejam sumamente severos.
Como dissemos antes, todo mestre
de psicologia superior ou de compreensão espiritual
deve dominar perfeitamente as experiências a que se
propõem ensinar aos demais. Sua mente deve achar-
se plenamente iluminada, em primeiro lugar, pelas
práticas éticas, e, em segundo lugar, pelas práticas
da concentração, da meditação e demais processos
169
O Eterno Companheiro, p. 184.
130
disciplinadores. Quando um homem se encontra
familiarizado com as visões de ordem superior, sua
mente se torna completamente incolor ou livre de toda
noção ou impressão preconcebida, podendo esvaziar
os conteúdos de sua psique a vontade. Quando trata
de distribuir a seus discípulos os métodos adequados
para a prática e o adestramento espiritual, o Guru
libera a sua mente por inteiro de toda a idéia e
pensamento preconcebido e, em conseqüência, é
capaz de compreender imediatamente a própria
natureza do seu discípulo. Pode, desta forma,
compreender as distintas qualidades particulares de
cada mente. O Guru também deve inspirar confiança
e reverência no discípulo; a relação entre estas duas
pessoas deve ser extremamente harmoniosa e
calorosa. Se um mestre suporta as dificuldades a que
se supõe ao transmitir o conhecimento
supraconsciente a um discípulo, ele se deve tão
somente a um intenso amor por este. Para usar o
moderno termo psicológico, diremos que deve haver
“transferência”, do tipo mais elevado, entre o mestre e
o discípulo. Esta relação se origina não somente pelo
amor existente entre ambos, mas também pelo
caráter comum de suas convicções. O mestre deve
ter fé em seu aluno e estar convencido de que este é
capaz de assimilar seus ensinamentos. O mestre,
mercê a sua própria compreensão, conhece de
antemão as possibilidades futuras do aluno, de modo
que sua fé e sua segurança estimulam as
possibilidades latentes do discípulo 170.
Também o shisya (discípulo) deve
possuir as qualidades necessárias para alcançar a
compreensão e o desenvolvimento de ordem superior.
Em primeiro lugar, deve ter fé em seu mestre e deve
reverenciá-lo e amá-lo. Em segundo lugar, deve estar
170
Works, IV, 19, 27.
130

impregnado do espírito de obediência e achar-se
disposto a seguir os conselhos e instruções do
mestre. Isto não exclui, entretanto, o espírito
inquisitivo. Longe disto, aos discípulos sempre se
estimula para que formulem perguntas: “Conhece-a
(a Verdade) perguntando”, dizem as escrituras hindus.
Mas a condição mais importante para o
desenvolvimento espiritual é o espírito de humildade,
se bem que as perguntas e indagações sempre são
estimuladas em toda relação espiritual autêntica entre
o mestre e o discípulo. Este último também deve ter
perseverança e tenacidade para não abandonar as
prática nem as disciplinas aprendidas. Existem uma
infinidade de pessoas que, por pura curiosidade,
decidem efetuar uma breve experiência durante
alguns dias, e com isso se conformam, abandonando
logo as práticas. Esta volubilidade tem sido
condenada por todos os psicólogos religiosos.
Patanjali vê nela um dos maiores obstáculos para o
desenvolvimento espiritual. Swami Vivekananda, por
sua vez, deu enorme importância ao Shraddha (fé
dinâmica e ação conseqüente). Sem esta fé tenaz ,
sem uma constância metódica para as práticas,
dificilmente poderá alcançar as visões superiores.
A verdade é que freqüentemente os
discípulos se desanimam porque não conseguem
alcançar a meta no tempo esperado. Mas é fácil
compreender que a prática que tende a desenvolver
visões superiores requer uma tremenda paciência,
posto que se deve lutar contra a mente enganosa e
instável. Desgraçadamente, nossa psique se acha
dominada e agitada por inúmeras experiências
passadas. Fora isto, as impressões subconscientes
(samskaras), os resíduos acumulados de idéias e
ações passadas são tão fortes, que fazem da psique
um objeto de agitação permanente. Os modernos
131
psicanalistas e outros investigadores surpreendem-se
a medida em que os estados subconsciente
perturbam a psique consciente. Os psicólogos hindus
sabem perfeitamente qual é a razão.
Consequentemente, advertem aos discípulos para
que não se perturbem ou se desalentem, quando
resultar-lhes difícil reter a mente sobre o objeto dado
de concentração. Eis aqui os métodos do Swami
Brahmananda para ajudar o aluno a superar estas
dificuldades:
“São estas as diversas etapas ao
longo das quais progride o aspirante. Todo
homem deve partir do princípio. Se, por
exemplo, dizemos a um homem comum que
medite na união com o Absoluto Brahman,
não compreenderá a Verdade dessa união
nem poderá ajustar-se as nossas instruções.
É possível que realize a tentativa, mas não
tardará em se cansar e desistirá. Entretanto,
se, ao mesmo homem, lhe dissermos que
cultive o amor à Deus com flores, perfume e
demais objetos concretos, comprovaremos
que sua mente vai-se concentrando
gradualmente em Deus e logo experimentará
uma alegria desconhecida por seu novo
sentimento de reverência. Por meio do culto
ritualista é possível cresce na devoção pela
execução do japam. A medida em que a
mente vai se tornando mais sutil, maior será
sua capacidade para realizar formas mais
elevadas de reverência. O japam torna a
mente propensa à meditação. Assim, o
aspirante move-se para seu Ideal, graças a
um processo natural de crescimento” 171
171
O Eterno Companheiro, p.103.
131

Isto nos demonstra que o discípulo
necessita uma cuidadosa atenção nas primeiras
etapas de seu desenvolvimento espiritual, e o Guru é
o encarregado de remediar as dificuldades que se
levantam no caminho dos discípulos. Também estão
nas “horas sombrias da alma”, como dizem os
místicos cristãos; mas o Guru, com sua própria visão
espiritual, compreende as lutas interiores de seus
discípulos e consequentemente os guia. Assim, se da
conta dos altos e baixos da aprendizagem espiritual e
os previnem contra o desalento. Patanjali, Swami
Vivekananda e outros declaram que a prática
constante é absolutamente necessária para vencer os
obstáculos 172; mas quando o mestre tem autoridade e
o discípulo esta apto, então o resultado é positivo.
“Maravilhoso é seu mestre e (de forma semelhante)
hábil é o aluno. Maravilhoso é, em verdade, quem
compreende a verdade ensinada por um preceptor
capaz” 173
As grandes personalidades espirituais
perfeitamente familiarizadas com as visões de ordem
superior, podem transmitir seu conhecimento aos
discípulos, ainda quando estes não hajam realizado
severas práticas espirituais. Sri Ramakrishna, que
nasceu na Índia em 1836, era capaz de transmitir a
seus discípulos seu poder espiritual e outras diversas
experiências, de maneira direta e imediata. Sua
biografia contém a descrição de muitos fatos deste
tipo 174. Swami Vivekananda tinha dezoito anos de
idade quando visitou pela primeira vez a Sri
Ramakrishna. O grande Mestre tocou o peito do
172
Aforismos Yogas de Patanjali, I, 13.
173
Katha Upanishad, II,7.
174
Romain Rolland, The Life of Sri Ramakrishna (Mayavati, Almora,
Himalayas: Advaita Ashrama, 1931).
132
jovem aspirante e este entrou, em seguida, de
maneira imediata e direta, no mais alto estado de
compreensão supraconsciente. Posteriormente,
perdeu a consciência física na visão da Realidade
Última. De igual maneira , enquanto, Swami
Brahmananda ungia com óleo o corpo de Sri
Ramakrishna, também alcançou de forma espontânea
e direta a compreensão supraconsciente. Não só
perdeu toda a consciência do mundo exterior e
objetivo, como também experimentou a Realidade
Última. Em outra ocasião, este grande mestre
escreveu um dos nomes de Deus na língua de outro
discípulo e isto foi o suficiente para o discípulo ter a
compreensão deste aspecto pessoal de Deus.
Sabemos pela história desta época que este grande
homem possuía o estranho poder de ativar as
possibilidades latentes de seus discípulos e que
inumeráveis homens e mulheres receberam dele suas
mais elevadas visões, graças a um contato, uma
palavra, ou inclusive um simples olhar. Um dos
maiores discípulos do mestre, Swami Shivananda,
disse que na vida do mestre todos os seus discípulos
alcançaram a visão mais elevada (Shamadi).
E suas vidas nos demonstram sem a
menor sombra de dúvida, que todos eles se achavam
perfeitamente estabelecidos em Deus, afora a graça
da compreensão de um de seus aspectos pessoais
(corpóreo) ou a do aspecto Impessoal (Sem forma) de
Deus. São Paulo menciona estes dois tipos de
compreensão: “Conheço um homem em Cristo...(se
em seu corpo, eu não sei; se fora do corpo, não sei;
Deus o sabe)”175.
A pessoa que alcançou o grau
supremo de desenvolvimento não somente podem
transmitir esta faculdade imediata e diretamente à
175
II Corintios, 12: 2.
132

aqueles discípulos que não executaram práticas
espirituais, mas que também conseguem, por
influência indireta, que até estes discípulos possam
despertar em outros os poderes espirituais latentes e
comunicar suas visões superiores. Sabemos
positivamente que Swami Vivekananda, Swami
Brahmananda e outros transmitiram os referidos
poderes , em certas ocasiões, a seus discípulos e
fiéis. Os psicólogos religiosos da Índia nos explicam
que também personalidades menos desenvolvidas
que as citadas acima, também podem ajudar a seus
discípulos a despertar a consciência espiritual,
sempre que estes se encontrem solidamente
assentados nas visões superiores e os alunos
efetuem as práticas de conformidade com seus
conselhos e diretrizes.
A esta altura, na mente de muitos
leitores sinceros se formaram duas importantes e
significativas perguntas: 1) Qualquer homem que
pertence a qualquer religião ou nacionalidade pode
praticar a Yoga 2) Qualquer um pode ter
experiências supraconscientes Estas perguntas
trazem com elas diversas implicações. Sabemos que
os distintos grupos religiosos reclamam a
exclusividade para seus ensinamentos. Não somente
afirmam que sua doutrina é única válida, mas que
fazem particular insistência no fato de que somente
se pode chegar a Deus através de seus próprios
preceitos, atitudes ou idéias particulares. Para aclarar
este ponto, citaremos aqui a Sri Ramakrishna, o
maior mentor espiritual moderno da Índia e ele nos
permitirá responder as perguntas formuladas. Eis
aqui o que expressa a respeito:
“Os distintos credos não são
senão caminhos diferentes para chegar a um
133
único Deus. São múltiplos e diversos os
caminhos que levam ao templo da Mãe... De
modo semelhante, também são muitos os
caminhos que conduzem a casa do Senhor.
Cada religião não é senão um destes
caminhos pelas quais a humanidade caminha
para Deus.
Assim como de uma mesma
substância, o ouro, se fabricam diversos
ornamentos de diversos nomes e formas, de
modo igual, o mesmo Deus é reverenciado
nos distintos países e épocas, sob nomes e
formas diferentes...” 176.
Isto nos demonstra que para os
distintos tipos de pessoas existem múltiplas sendas
adequadas. Conhecendo este fato fundamental,
podemos responder categoricamente que as Yogas
podem ser praticadas por qualquer indivíduo, qualquer
que seja sua religião ou raça a que pertença. Na
religião não existe exclusividade. Como explicamos
anteriormente, a yoga é um sistema prático para a
compreensão de Deus. Como tal, qualquer um que
deseje experimentar a presença de Deus pode e deve
praticar certos exercícios. Estas práticas são as
diferentes formas de yoga, que já descrevemos.
As diferenças teológicas quanto a
concepção de Deus não afetam a prática da yoga.
Qualquer indivíduo, pertencente a qualquer grupo
religioso ou com qualquer conceito de Deus, pode
praticá-la e receber por seu intermédio uma intensa
ajuda. É possível adaptar as práticas à própria
interpretação teológica pessoal da Verdade. A
capacidade ou incapacidade de uma pessoa depende
totalmente da intensidade de seu desejo de crescer
176
Sayings of Sri Ramakrishna, XXXVIII, 716 e 717.
133
 134
espiritualmente, sem que influam em absoluto por
suas idéias religiosas. Em outras palavras, um hindu
é tão apto como um cristão, um judeu, um budista ou
um muçulmano para alcançar seu desenvolvimento
espiritual, sempre que impelido por um desejo
autêntico e intenso.
A resposta para a segunda pergunta
é semelhante a anterior. As experiências
supraconscientes não são patrimônio exclusivo de
nenhuma religião ou grupos particulares., se bem que
é possível que exista quem assim os expressem. Os
membros de qualquer religião podem alcançar a meta
da vida religiosa se praticarem de forma sistemática e
acabada a yoga ou outras formas de exercitação
espiritual, seja ministrada por um mestre hindu ou por
mestres cristãos, judeus, budistas ou maometanos. A
história religiosa do mundo nos demonstra que todas
as grandes religiões produziram muitos homens e
mulheres de compreensão supraconsciente . É
verdade que existem diferenças em suas
experiências, tal como vimos no capítulo anterior. Mas
isto não se deve a diferenças de ordem racial,
geográfica ou religiosa, mas ao temperamento e
aptidão de cada um. Esta diferença também se
observa entre os indivíduos pertencentes a mesma
religião e também entre os discípulos de um mesmo
mestre, devido as características distintas de cada
individualidade.

134

CAPÍTULO XIII
A RELIGIÃO E A
PSICOTERAPIA
Existe uma difundida controvérsia
quanto ao poder da religião em contribuir ou não para
a estabilização das funções mentais. Existem muitas
pessoas, entretanto, que estão convencidas de que a
educação psicológica é absolutamente necessária
para os ministros progressistas da religião, a fim de
estarem capacitados para sanar os inconvenientes de
seus fiéis. Mas devemos começar por considerar a
origem dos transtornos mentais para poder determinar
se a religião, adequadamente compreendida e
praticada, pode estabilizar a mente dos homens,
conduzindo-os em vida a uma verdadeira satisfação e
felicidade.
Quando se estudam os estados
anômalos das pessoas, se reconhecem três tipos
distintos de transtornos funcionais: 1) a neurose, que
tem sua origem em um transtorno físico concreto,
como por exemplo uma lesão cerebral, ou no sistema
nervoso; 2) a neurose psicógena, que tem sua
origem nas perturbações mentais de tipo dos conflitos
psicológicos, frustrações e sentimentos de
insatisfação; e 3) a psicose, que é uma enfermidade
mental.
As neuroses de origem puramente
físicas podem ser tratadas e remediadas clinicamente
pelos neurologistas. Para combater as condições
neuróticas deste tipo necessita-se conhecimento
técnicos, pelo qual somente os médicos autorizados
135
podem ser de utilidade para estes pacientes, por seu
conhecimento da estrutura e funcionamento do
sistema nervoso e demais partes do organismo.
As condições neuróticas psicógenas
provém de outra fonte. Os conflitos e confusões
mentais obedecem a impulsos anômalos primários e
secundários. O aspecto físico somente pode ser
remediado pelos neurologistas ou psicoterapeutas e
médicos, mas seu tratamento não pode resultar
satisfatório, a menos que seja complementado por
uma sã e conveniente filosofia de vida. E esta
somente pode proceder por uma pessoa que tenha o
conhecimento por si mesmo, quer se trate de um
religioso, um psiquiatra, um psicólogo ou um médico.
Então, e somente então, achará remédio o neurótico
psicógeno. Como se verá, não temos nenhum
interesse em confiar a tutela religiosa somente a
aqueles que adotaram concretamente uma vida
religiosa. Médicos e psicólogos podem ser igualmente
religiosos, a nosso juízo, se possuírem a
compreensão e a apreciação adequada da filosofia e
das práticas religiosas. O professor Jung coincide
conosco em que os valores mais elevados da vida
somente podem proceder de quem já os possui por si
mesmo. Em certa ocasião em que falávamos da
utilidade prática da concentração, compartilhou
plenamente este ponto de vista , expressando: “Não
posso ajudar aos meus vizinhos a arrumar o jardim,
se eu mesmo não o tiver feito.” E para o
adestramento psíquico é de importância vital. É
possível ensinar as ciências práticas sem ter a mente
integrada; mas não se pode ensinar religião e cultura
mental sem estar profundamente embebido nelas.
Os casos de psicoses também podem
receber uma imensa ajuda daqueles que possuem
uma mente estável e uma sã filosofia de vida. A
135

psicose é gerada pelos conflitos e confusões e
frustrações da mente, assim como também pelas
emoções incontroladas. Difícil é eliminar essas
tendências, a menos que o paciente assimile os
valores superiores da vida e os leve imediatamente à
prática. Quando um homem possui o ideal religioso e
ajusta ao mesmo todas suas atividades, consegue
levar um modo de vida satisfatório. É possível que
muitas vezes não consiga alcançar a meta, mas
somente a tentativa será uma fonte de contentamento
e bem-estar para a mente. Nas primeiras etapas da
luta, os elementos em conflito podem conservar seu
vigor , causando contratempos e desilusões; mas ao
longo do tempo a mente inteira terminará por unificar-
se, em razão da subordinação de todas suas
atividades ao valor mais elevado ou meta da vida.
Todavia, existe a apreensão, entre
alguns destacados pensadores, de que o zelo
religioso com relação a salvação, provoque
freqüentemente conflitos psicológicos. Não obstante,
uma filosofia adequada de vida não pode provocar
conflito algum. Por mais pecador que um homem
seja, por deplorável que seja sua conduta, sempre
terá a seu alcance a possibilidade de redenção e
iluminação. Nos ensinamentos de Cristo, de São
Paulo, dos grandes místicos judeus e dos mestres
hindus e budistas, encontramos uma definida
compreensão da possibilidade de transformação
humana. A reta compreensão da religião e dos ideais
religiosos, não podem hipnotizar a um homem
provocando uma paralisia, nem podem criar nele
nenhum sentimento anormal de medo. Muito pelo
contrário, sempre lhe dará estímulo, decisão e poder
para alcançar a meta anelada. É necessário
compreender adequadamente as próprias debilidades
para tratar de superá-las, com a conseqüente
136
satisfação. Sempre se encontra prazer na luta e
superação dos obstáculos e debilidades que
entorpecem nosso progresso. Também é fonte de
dita a obtenção do êxito no progresso de evolução
superior.
Outra preocupação dos pensadores
mais destacados é que um meio desfavorável possa
ser causa de conflitos mentais. É verdade que as
condições ambientais podem provocar certas
situações desfavoráveis para o são desenvolvimento
da vida mental e para a evolução espiritual.
Entretanto, a pobreza e as perturbações mentais não
são simultâneas e não costumam coexistir em certas
partes do mundo. Um homem pode ser pobre e
possuir, não obstante, uma sã filosofia de vida,
praticando os mais altos princípios da ética e da
religião em sua vida quotidiana. Um homem de
condição humilde não tem por que ser,
necessariamente, imoral ou psicologicamente volúvel.
Conhecemos a muitas pessoas de ambiente humilde
em alguns países orientais, que possuem profundas
qualidades espirituais e uma grande estabilidade
mental, graças a sua sã filosofia de vida e sua
aplicação prática. Sabemos de muitas almas nobres
da Índia que chegaram a ser grandes personalidades,
apesar de sua pobreza.
Os grandes mestres espirituais
antigos e modernos, com suas vidas e ensinamentos,
resolvem todos e conflitos e frustrações do povo,
proporcionando-lhes uma base sã para a verdadeira
felicidade. Estes princípios serviram para manter o
povo a Índia e as primitivas civilizações cristãs em
paz e harmonia. Raras vezes viu-se nelas as
difundidas enfermidades mentais e funcionais da
atualidade. Também nos é dado observar que não
somente os grandes mentores religiosos, mas
136

também alguns de seus discípulos que organizaram
autenticamente sua vida sobre uma base espiritual,
foram as pessoas mais ditosas da terra. Sua vidas
nos demonstram, sem a menor sombra de dúvida,
que os conflitos e frustrações podem dissipar-se por
completo, graças a prática da filosofia espiritual no
viver cotidiano.
Sri Ramakrhisna e outros mestres
hindus antigos e modernos nos dizem que Deus é a
Bem-aventurança. Qualquer um que medite na Bem-
aventurança ou em Deus obterá uma dita iluminada.
Disse Swami Brahmananda:
“Trate de fixá-la (a mente) uma e
outra vez, centrando-a sobre o Ideal Elegido
e terminareis absorvendo-se nele. Se
prolongais vossa prática durante dois ou três
anos, começareis a experimentar uma dita
inefável e vossa mente se tornará firme e
constante. A princípio, a prática do japam e
da meditação parecem áridas. É como tomar
um remédio amargo: tem que verter a força a
idéia de Deus dentro da mente. A mais amplo da palavra, se amalgamarem,
perseverança fará desabrochar uma torrente
de dita.”177.
Quando o peçonhento hedonismo se
transforma em filosofia espiritual, se desvanecem
automaticamente, nas diversas esferas da existência,
os sintomas crônicos da moderna infelicidade. Todas
as leis progressistas para o bem estar social
constituem nobres tentativas para dar felicidade e
segurança às pessoas, mas não terão sentido
enquanto não mudar a filosofia fundamental da vida.
É como se fizessem todo o possível para cozinhar um
177
O Eterno Companheiro, p. 175.
137
bom prato, mas esquecem-se de por sal. Qualquer
cozinheiro fracassará se não puser o sal. De modo
semelhante, todas as leis e regulamentações
progressistas estão destinadas ao fracasso se não
modificarem a natureza interior do homem. Se os
legisladores e os administradores da justiça seguem
sendo iguais, também os seguirão sendo os
beneficiários destas leis. Consequentemente, será
inevitável a aparição de conflitos de todo tipo; pode-se
modificar a condição social das pessoas, mas as
causas profundas manterão sua predominância,
provocando novas dificuldades. Deste modo, em
lugar de um pensar progressista, nos encontramos
em um círculo vicioso, posto que não se logra
compreender a raiz do mal na sociedade moderna. E
todas as nobres tentativas dos psiquiatras modernos,
assim mesmo, estarão condenadas ao fracasso, pese
seus êxitos parciais em certos terrenos. Sem dúvida,
de certo modo, prestam ajuda à humanidade no
hemisfério ocidental; mas o remédio somente é
temporário. A verdadeira extirpação do mal somente
terá lugar quando a psiquiatria e a religião, no sentido
cooperarem e coordenarem adequadamente seus
esforços. Eis ai, em nosso conceito, a utilidade da
religião.
Sabemos que propaga-se o ceticismo
e certa atitude crítica entre alguns filósofos e
psiquiatras, com respeito ao valor da religião na
psicoterapia. É possível, entretanto, que parte da
crítica dirigida contra certas atitudes religiosas e
interpretações da vida sejam justificadas. Se
passarmos por cima das diferenças rituais e de forma
menor sobre o credo e retornarmos aos ensinamentos
dos grandes fundadores da religião, comprovaremos
que não pode haver duas opiniões distintas com
137

respeito ao valor de uma concepção religiosa da vida.
Os homens discrepam nos ritos, nas cerimônias e no
uso de símbolos e formas. Mas tudo isto não é, de
modo algum, a parte essencial da religião. A semelhante, enquanto existir egoísmo no
verdadeira medula reside na compreensão do ser
mais elevado, de Deus ou da alma superior, e no
controle do Eu inferior ou empírico, do Eu egoísta e
egocêntrico. Os ritos, as cerimônias, os credos, as
doutrinas e dogmas constituem a parte secundária da
religião. Se alguém imagina por ventura que basta
cumprir com todos os deveres religiosos e observar
certos ritos e cerimônias, e crer em determinadas
personalidades, então está claro que as críticas dos
psiquiatras e psicoterapeutas serão justificadas. Ao
contrário, Sri Ramakrishna expressa o seguinte:
“O Conhecimento leva a unidade,
mas a Ignorância à diversidade.
Enquanto Deus pareça estar fora
e longe, haverá ignorância. Mas quando
advertirmos a presença de Deus em nosso
interior, então haverá um verdadeiro
conhecimento.
Meditai no conhecimento e na
Bem-aventurança Eterna, e vós também
sereis bem-aventurados. A Bem-aventurança
é, em verdade, eterna; só que se acha
coberta e eclipsada pela ignorância. Quanto
menos apegados estivéreis aos sentidos,
tanto maior será vosso amor para com Deus.
Quem quiser chegar a Deus e
progredir em sua fé religiosa, deverá guardar-
se muito especialmente da cilada da injúria e
da cobiça. De outro modo, jamais alcançará
a perfeição.
138
O sol pode dar luz e calor ao
mundo inteiro, mas nada pode dar quando as
nuvens obstruem seus raios. De modo
coração, a luz de Deus não poderá chegar
até ele.
O ferro, uma vez convertido em
ouro mercê ao contato com a pedra filosofal,
poderá ser acumulado zelosamente em baixo
da terra, ou arremessado ao monte dos
desperdícios; mas sempre seguirá sendo
ouro e nunca voltará a sua condição anterior.
Outro tanto ocorre com o homem cuja alma é
roçada, ainda quando não seja somente uma
vez, pelos pés do Senhor Todo-Poderoso.
Ainda que habite no tumulto das grandes
cidades ou na solidão de um bosque, nada
poderá contaminá-lo.” 178.
É necessário compreender que a
religião traz a luz o melhor do homem, deixando
manifestada a divindade que este guarda
potencialmente. De fato, a interpretação superior de
qualquer religião se reduz a isto: a extrair do homem o
melhor que encerra. Swami Vivekananda definiu a
religião como a “manifestação da divindade que existe
potencialmente no homem”. Se entendermos a
religião corretamente, não poderemos deixar de
compreender que ela é a única que pode resolver o
problema fundamental das perturbações mentais.
Quando as práticas, credos, ritos, cerimônias,
símbolos e efígies religiosas nos ajudam a manifestar
a divindade que encerramos, nos damos conta então
da verdadeira meta da vida. Assim, alcançamos uma
178
Sayings of Sri Ramakrihna, I, 1, 33 e 38; Xxi, 399; Xxii, 460, e XXVII,
565.
138

herança compartilhada com Cristo, como nos ensina
São Paulo em uma de suas Epístolas: “...Somos
filhos de Deus. E se filhos, também somos
herdeiros; herdeiros de Deus, e co-herdeiros de
Cristo”179. Conhecendo este fato, nos vemos obrigado
a pensar que, quando um homem trata de manifestar
o melhor de si, quer dizer, a divina natureza que
encerra o espírito de Deus que existe nele, não pode
sucumbir a paixões e ambições mais baixas.
O dever dos preceptores religiosos é
realizar as qualidades superiores, em lugar de insistir
nas tendências ignóbeis ou de atemorizar os fieis por
suas fraquezas. A religião deve ajudar o homem a
extirpar a causa do conflito e da frustração, mediante
o método positivo da revelação da divindade (Atma)
que leva em si. Esta Realidade é inalterável, eterna,
pura e bem-aventurada. Muitos observadores
científicos tem comprovado que as escolas religiosas
que põem em primeiro plano a natureza débil e
pecaminosa do homem, costumam converter-se em
fontes de desalento, frustração e conflitos mentais,
como tantos pensadores haviam suspeitado. Nós
estamos plenamente convencidos de que a correta
compreensão da filosofia religiosa da vida, tal como
ensinaram e puseram em prática os grandes
fundadores da religião e seus discípulos mais
afortunados, não pode provocar nenhuma objeção
entre os psicoterapeutas. Por isso afirmamos que
uma ampla e clara compreensão da religião pode
conciliar-se e complementar-se, certamente, com o
conhecimento técnico da psicoterapia moderna. Na
realidade, a psicoterapia, tal como a praticam os
psiquiatras, e a filosofia religiosa devem andar de
braço dado. Não existe nenhuma razão para que
surjam conflitos entre a verdadeira tutela religiosa e a
179
Rom., 8, 16 e 17
139
psicoterapia autêntica . Neste sentido nos compraz
180
citar o professor Gordon W. Allport:
“Por todo conceito, é muito pouco
o que a psicologia tem feito para proporcionar
um quadro sistemático de todas estas diversa
formações dinâmicas que representam a
culminação do desenvolvimento das
personalidade madura. Com o transcurso do
tempo, uma vez extirpados os erros de um
elementarismo e genetismo excessivos, e
substituído o princípio da autonomia funcional
como guia geral, a situação sem dúvida,
haverá de melhorar consideravelmente.”181
Sabemos que algumas autoridades
religiosas se mostram mais críticas e receosas com
respeito aos métodos da psicoterapia.
Desgraçadamente, existem um receio e ceticismo
mútuos por parte de ambos os grupos nos países
ocidentais, mas isto poderia ser sanado mediante
uma adequada compreensão da religião. Então a
psicologia moderna não se mostraria antagônica à
uma interpretação da religião, nem esta haveria de
considerar a psicoterapia um mero rebento da
filosofia materialista da vida. É verdade que muitos
psiquiatras e psicólogos ocidentais são materialistas,
no mais amplo sentido da palavra. Mas o que nós
afirmamos é que se conseguirmos levar a psicologia
mais além do terreno fisiológico ou “mente
aproximada”182, como chama o professor Hocking,
então os psicólogos haverão de compreender a
180
Jung. Psicologia e Religião; e Modern Man in Seach of a Soul, Cap.
XXXI.
181
Allport, Personality, A Psychological Interpretation, p. 277, versão
cast: Psicologia de la Personalidad, Buenos Aires, Paidos, 1959
139

realidade que há por detrás dos três estados
possíveis da consciência, a saber: a vigília, o dormir e
o sonhar; ou seja, mais além da vida consciente e
inconsciente.
A análise destes três estados da
consciência não tardará em convencê-los de que
detrás deles existe uma realidade permanente. De
fato, essa realidade é o fundo destes três estados, é o
Atma, a presença divina no homem, o substrato de
todos eles. A mesma idéia destes três estados
possíveis provém da existência inalterável e
permanente que está por detrás. Um sistema
psicológico bem desenvolvido não pode deixar de
aceitar a existência de uma realidade permanente
detrás dos estados observáveis da consciência. Nos
referimos ao quarto estado, que denominamos turiya,
quer dizer, superconsciente.
Por isso cremos que a psicologia e a
religião bem entendidas e elaboradas com rigor
lógico, não podem deixar de se misturar. De fato, na
Índia, a psicologia é a ciência fundamental da
evolução espiritual. Os mentores religiosos são
autoridades éticas e psicológicas. Para nós é
evidente que um homem não pode desenvolver uma
personalidade cabalmente religiosa se não domina
perfeitamente os princípios mais elevados da ética e
da psicologia. Deve ter, efetivamente, um perfeito
conhecimento e domínio de seus estados mentais e
processos intelectuais, afim de alcançar as
experiências espirituais de ordem superior que
descrevemos nos capítulos anteriores.
Por outro lado, os psicólogos também
devem exercer um perfeito domínio sobre sua própria
mente para poder tratar com eficácia seus pacientes,
182
Hocking, Actas del Sexto Congresso Internacional de Filosofia (1927),
pag. 203, 205.
140
pois um homem que não conseguiu integrar sua
psique não pode ajudar à integração das mentes dos
demais. O professor Jung e outros destacados
psicólogos se deram plena conta de que, a menos
que um psicólogo esteja perfeitamente assentado na
integração e unificação de sua própria mente e tenha
sanado seus próprios conflitos e frustrações, não
poderá ser de utilidade alguma para seus pacientes e
discípulos. Devemos reconhecer, no entanto, que a
moderna psicoterapia tem feito muito para diminuir o
padecimento de uma infinidade de pessoas. Nos
atrevemos a dizer, não obstante, que ele somente
será de utilidade temporária se não promovermos
uma base religiosa superior para eliminar os fatores
em conflito. Isto significa que não pode bastar a
teoria psicológica para formar psiquiatras. Estes
devem aplicar os princípios psicológicos a sua vida
pessoal. A qual nos leva à conclusão de que todo
psicoterapeuta deve ser religioso, no sentido mais
amplo da palavra. Pode, por certo, deferir dos demais
na sua concepção de Deus. Também pode deferir
nos métodos para integrar suas emoções,
pensamentos e vontade, segundo suas próprias
tendências e aptidões naturais. Mas, este amplo
princípio é aplicável aos níveis superiores da religião.
Portanto, um bom psicoterapeuta em exercício e um
bom mestre religioso deverão gozar, igualmente de
paz e felicidades espirituais. Do ponto de vista hindu,
a psicologia e a religião jamais podem contrapor-se;
longe disto, viriam a ser o melhor das faces distintas
do mesmo ramo de conhecimento.
Tanto os mestres religiosos como os
psiquiatras devem trabalhar juntos para a eliminação
dos conflitos e transtornos mentais, e devem ser fonte
de inspiração para o homem e para a mulher comuns,
graças a sua vida irrepreensível. A tutela religiosa
140
 141
deve ministrar a filosofia ou modo de viver
adequados, mostrando a aplicação prática desta
filosofia à vida quotidiana, com a conseguinte
subordinação de todas as atividades ao ideal
religioso. Enquanto que, os psiquiatras e psicólogos
deverão ministrar seu conhecimento técnico e sua
aplicação aos casos individuais. Está claro que,
aqueles que padecem de neuroses orgânicas ou
psicoses originadas em lesões orgânicas, deverão
correr por conta exclusiva dos psicólogos e
neurólogos dotados de conhecimentos médicos e
técnicos. Enquanto que, os preceptores religiosos
deverão estar sempre dispostos a prestar seus
serviços, tanto aos psiquiatras como aos pacientes.

141

CAPÍTULO XIV
A FILOSOFIA DA VIDA
Muitos indivíduos reflexivos se
sentem desolados quando observam a saúde mental
dos homens e mulheres modernos. Na realidade, os
sistemas de Freud, Jung, Adler e outros, nos provam
que estes grandes pensadores preocuparam-se
sobremaneira com o estado mental de seus
contemporâneos. Quando estudamos as informações
estatísticas dos hospitais, descobrimos que a maioria
dos casos podem ser classificados em dois grupos:
casos mentais concretos e desordens funcionais. Os
elementos funcionais procedem, na realidade, da
inadaptação da mente, que pode padecer de distintas
perturbações emocionais, complexos, insatisfações e
frustrações que incidem sobre o sistema nervoso
total, com as conseguintes afecções e transtornos
nervosos. Os psiquiatras modernos procuram
encontrar o remédio para estes conflitos e
frustrações, de modo que seja possível restabelecer a
harmonia na mente. Destacados psiquiatras da
Europa e da América realizam atualmente notáveis
tentativas de resolver os problemas mentais de nossa
civilização.
Freqüentemente as pessoas se
perguntam se os mentores religiosos podem ou não
ser de utilidade para a restauração da saúde mental
do povo. Alguns psiquiatras parecem crer que o tipo
de religião com que se acham familiarizados provoca
um dano positivo na saúde mental. O professor J.
McVicker Hunt, da Universidade de Brown, levou a
142
cabo uma investigação que pôs a descoberto uma
série de infortunados fatores na vida de alguns
pacientes mentais de uma famosa clínica deste país;
tais fatores se achavam relacionados com a maior
insistência nas qualidades negativas que nas positivas
do indivíduo 183. Outros psiquiatras parecem
considerar que a própria religião constitui um fator
determinante de conflitos mentais. Segundo
dissemos no primeiro capítulo e nos últimos, muitos
freudianos criticam a religião pelo dano mental, que,
segundo eles, tem causado e sustentam que a mente
não consegue dar livre vazão a seus impulsos
primitivos devido ao temor religioso; assim surge o
conflito que logo segue crescendo até o momento de
sua eclosão.
Também é dado observar que muitos
psicólogos ocidentais procuram resolver os problemas
dos conflitos e frustrações, aferrando-se a antiga
teoria hedonística - ou do prazer - da vida. Parecem
dar por princípio que o objetivo primordial da vida é
obter o maior prazer possível no plano dos sentidos.
Em sua obra Mais Além do Princípio do Prazer,
Freud analisa os instintos do prazer e da morte,
expressando: “Não posso crer em sua existência (na
existência do impulso para a perfeição) e não vejo a
forma de preservar a ilusão do prazer” 184. No mesmo
capítulo expõe uma série de idéias confusas, por não
dizer menos, e nega praticamente toda a esperança
de estabilidade espiritual para o gênero humano, ao
dizer: “As formações e sublimações de substituição
ou reação em nada favorecem o relaxamento da
183
J. McV. Hunt. “Social Conflit in Psychosis”, The American Journal of
Orthopsychiatry, VIII (janeiro,1938).
184
Sigmund Freud, Beyond the Pleasure Principle (London: Internecional
Psychoanalytic Press, 1922), p. 52.
142

permanente tensão” . Freud e seus discípulos não
185
parecem ministrar uma sã filosofia para eliminar as
dificuldades, conflitos e frustrações da mente
humana. Ainda quando alguns defensores do
princípio humanístico levem em conta “a maior
felicidade para o maior número de pessoas”, o
destaque fundamental recai no maior prazer do
indivíduo em questão.
Nós não conseguimos compreender
como uma pessoa pode eliminar seus conflitos e
frustrações sustentando uma filosofia hedonística.
Em nossa opinião, a frustração é inevitável, enquanto
o prazer siga sendo o objetivo primário da vida,
devido a que o referido prazer se circunscreve ao
plano dos sentidos. Se nos detivermos em analisá-lo,
veremos que é alcançado em maior grau quando os
sentidos guardam um harmonioso contato com os
objetos sensíveis. Tal contato haverá de variar
inevitavelmente de acordo com as mudanças da vida,
posto que, por sua própria natureza, são mutáveis e
inconstantes186. A criança possui certas atitudes
frente a alegria e o prazer, que se modificam quando
entra na adolescência. Do mesmo modo, os prazeres
de um adolescente não são os mesmos que os de um
adulto. As pessoas maduras e as anciãs não podem
ter o mesmo tipo de prazer de quando seus corpos
eram jovens e vigorosos; de modo, pois, que seus
interesses devem mudar forçosamente. Estas etapas
da vida são inevitáveis, por mais que nos
desagradem. Por outro lado, os objetos do sentido
também mudam. É possível que gostemos estar com
um determinado amigo, mas quando este muda,
então sua companhia deixa de ser agradável
freqüentemente sucede que a mesma pessoa que um
185
Ibid., p. 53.
186
Srimad-Bhagavad-Gita, II, 14.
143
dia nos fez feliz se torne insuportável. As variações
são inevitáveis, tanto nos que desfrutam dos objetos
dos sentidos como nos objetos próprios. As
condições de vida e os ambientes também mudam.
As pessoas que não conseguem se adaptar as
variáveis condições de vida, tendem a ser vítimas de
conflitos e frustrações, com a desdita conseguinte.
Isto ocorre, especialmente, quando se possui uma
filosofia que outorga importância unicamente aos
aspectos prazeirosos da vida no reino objetivo. Os
conflitos criados pelos impulsos sensóriais ou pela
autoexpressão se tornam em extremamente
perturbadores se persiste-se no uso das referidas
manifestações como última meta para alcançar a
felicidade. O professor Jung graceja com razão em
seu livro, O Homem Moderno em Busca de um a
Alma, das mulheres que gostam que as tomem por
“irmãs menores de suas filhas”. Entretanto, não custa
compreender por que as mulheres maduras gostam
de imitar a suas filhas, quando o objetivo primordial da
vida é obter a maior quantidade possível de prazer no
plano dos sentidos. Em nosso conceito, estes modos
de expressão anti-naturais não podem ser evitados se
persiste-se no ponto de vista hedonístico.
Consequentemente, nenhuma psicologia poderá ser
eficaz nem de valor permanente para sociedade ou
nação alguma, se não se modificar antes a filosofia de
vida. E, assim, enquanto o homem siga buscando tão
somente o prazer no plano sensual como objetivo
primordial da vida, os transtornos e as dificuldades
mentais seguirão sendo características da civilização
ocidental. A mente permanecerá insatisfeita e
desgraçada, e como corolário, haverá de sofrer os
diversos tipos de desordens mentais e físicas que
observamos no Ocidente.
143

É possível que contestem nossa
avaliação da forma de vida do mundo ocidental
moderno. Assim, alguns sustentam que nós
subestimamos a civilização. É provável que afirmem
que os religiosos em geral, se achem perdidos em
outros mundos, criticando injustamente, portanto, o
sistema terreno de vida. Vejamos, pois, a situação
detidamente, a fim de levantar para um ponto de vista
mais amplo.
Toda civilização e toda a sociedade
possuem um ideal como norte de seus esforços.
Todas as atividades se acham reguladas de tal modo
que seja possível expressar e cumprir o referido ideal
em e mediante os indivíduos e instituições da
sociedade em questão. Os sistema sociais,
econômicos, políticos e até religiosos são planejados
com a mente posta naquela finalidade. Talvez pareça
estranho que digamos que até a religião é utilizada
para expressar um ideal coletivo; mas a observação
crítica e imparcial da sociedade moderna demonstrará
a verdade do que afirmamos. Os sistemas
educacionais também se acham condicionados por
dito ideal; de fato, toda a vida de um homem se
desenvolve para sua manifestação.
O indivíduo, desta forma, forja um
ideal como norte de seu trabalho e empenho. Assim,
regula suas atividades, a fim de expressar esse
objetivo primordial da vida e se põe em condições de
atingir a meta proposta, qualquer que seja sua
natureza. Uma dada pessoa pode eleger um dentre
muitos ideais para integrar-se a si mesmo ou a sua
sociedade. Eduard Spranger, da Alemanha, e alguns
outros pensadores pertencentes a mesma escola,
enumeraram os ideais escolhidos pelas pessoas.
Afirma este autor que existem seis classes: teóricos,
144
econômicos, estéticos, sociais, políticos e
religiosos187. Eis aqui as diferenças características
destas seis classes:
1) O homem do tipo teórico adota o
ideal do conhecimento e a verdade. Seu interesse
supremo é buscar o conhecimento e a verdade em
todos os aspectos da vida. Consequentemente, dirige
sua atenção para a filosofia, a ética e a ciência pura,
consequentemente tratando de regular sua vida.
2) O objetivo do homem econômico é
satisfazer as necessidades físicas da vida. Assim, se
mostra prático em sua adaptação econômica, na
acumulação de riquezas e em seu uso para o prazer,
no plano dos sentidos. Sua única finalidade é o
prazer, e a este subordina a educação e até a religião.
(É interessante assinalar que as universidades e
escolas somente tem um objeto, e este é, o de tornar
apto ao indivíduo para assegurar seu bem-estar e
potencialidade econômica.).
3) O ideal estético move o homem
para a buscar a beleza. Para este tipo o formoso é o
verdadeiro e o real. Poetas e artistas encontram a
expressão da vida no ideal estético, pelo qual
organizam sua vida em conformidade com tais
princípios.
4) O ideal social do homem move-o
para melhorar as condições sociais de vida. A este
tipo de pessoas preocupam o bem-estar do homem.
É generoso e compreensivo e expressa
continuamente estas tendências na vida quotidiana.
5) O homem político aspira a
manifestação do poder. Seu único objetivo se
restringe a função política da vida. Seu interesse por
seus semelhantes obedece a uma atitude egocêntrica
187
Eduard Spranger, Types of Man (New York: G. E. Strchert & Co.,
1928).
144

e todas as suas atividades estão ligadas ao afã de
poder.
6) O ideal religioso impulsiona o
homem a buscar Deus. A unidade e a harmonia são
os objetivos da sua vida. Suas atividades se dirigem
para a consecução da unidade na acepção mais
elevada do termo. Prepara-se, desta forma, para o
referido ideal.
Se estudarmos detidamente estes
seis ideais de Spranger, veremos que é possível
classificá-los em dois grupos: religiosos e
hedonísticos. Está claro que pode haver certas
diferenças na intensidade e aplicação destes ideais à
vida, mas a nossa opinião, as molas da ação podem
ser atribuídas em todos os casos para a compreensão
religiosa, ou ao desejo de prazer no plano dos
sentidos. Os ideais econômicos e políticos residem
diretamente no plano sensual, enquanto que os tipos
religiosos buscam a unidade no plano espiritual. Os
tipos estéticos, sociais e teóricos podem inclinar-se
para um outro ou outro lado, segundo seu
florescimento em culturas sensuais ou religiosas.
A moderna sociedade ocidental
orienta suas atividades referencialmente para o plano
dos sentidos. A partir do Renascimento, o Ocidente
alcançou maravilhosos resultados mediante o uso da
ciência positiva e aplicada, baseada no hedonismo,
mas também criou, ao mesmo tempo, a fonte de
todas as dificuldades contemporâneas na vida
individual e coletiva. E, neste sentido, não é
necessário fazer nenhum esclarecimento; as provas
concretas não fazem senão tornar demasiadamente
evidente esta verdade. As condições da sociedade
atual, a estrutura da família e a vida do indivíduo,
bastariam para convencer a uma criatura da validade
de nossa afirmação. O professor Pitirim A. Sorokin,
145
em sua obra mestra, A crise de nossa época, qualifica
a atual civilização ocidental de “sensual”, enquanto
que, a sociedade religiosa é “ideacional”. Também
fala que uma sociedade “ideal”, onde ambos os tipos
se combinam com a “razão”.
Os indivíduos se vêm profundamente
afetados pela filosofia que sustenta a sociedade em
que vivem. Nada mais certo, por hipótese, de que o
fato de que uma civilização se edifica originalmente
sobre o ideal escolhido pelas personalidades mais
destacadas do grupo. E se atualmente a civilização
do Ocidente é “sensual”, não é necessário
perguntarmos como se chegou a tal estado; bastá-
nos saber que todas as suas atividades se acham
reguladas por tal ideal. É interessante assinalar que,
ainda que os princípios sociais, a ciência da psicologia
e outros ramos e instituições afins do conhecimento
aspiram este único objetivo. Temos demonstrado que
a psicologia da “ação ”expressa a tendência intrínseca
da concepção sensual da vida; a inteligência do
homem é valorizada por sua atitude para a ação.
Observamos, assim, que os grandes educadores
concedem cada vez maior importância a tecnologia e
as ciências aplicadas, pois sabem que desta forma
haverão de alcançar seu ideal num maior grau,
podendo dar as pessoas maior bem-estar no plano
dos sentidos. Tememos que as universidades
estejam em via de converter-se em grandes
instituições tecnológicas, em lugar de centros de
cultura para a mente e o coração que deveriam ser.
Mas, isto é inevitável ali onde a meta de vida consiste
no prazer dos sentidos. O resultado é igualmente
axiomático: a nenhum homem de visão resultará difícil
predizer as condições futuras da civilização ocidental,
depois de observar a tendência preponderante de seu
pensamento. Faz uns cinqüenta anos, Swami
145

Vivekananda predisse lucidamente a crise atual. Eis
aqui suas palavras:
“No Ocidente tratam de resolver
o problema do máximo que um homem pode
possuir, enquanto que, aqui procuramos
resolver o do mínimo suficiente para viver.
Esta luta e esta diferença perdurarão ainda
alguns séculos. Mas se a história não
mente e se é que os prognósticos se
cumprem alguma vez, diremos que, quem
se exercitar agora para acostumar-se a viver
com o mínimo e serem donos de si mesmos,
haverão finalmente de ganhar a batalha, e
que aqueles que hoje correm atrás do prazer
e do esplendor mundano, por mais vigorosos
que pareçam momentaneamente, haverão
de perecer na mais completa aniquilação”188.
O hedonismo por mais que se
modifique e condicione, não pode resolver os
problemas da vida moderna. É certo que Augusto
Comte, assim com também muitos outros
humanistas, realizou nobres tentativas neste terreno.
Outro tanto caberia dizer de Karl Marx e seus
discípulos, que trataram de lutar contra os males
originados na filosofia fundamentalmente hedonista.
É evidente que a teoria do prazer racionaliza o
egoísmo, a cobiça e o amor ao poder e ao bem-estar.
Este ponto de vista tem provocado incalculáveis
frustrações, tanto no terreno individual como no
coletivo. O exame dos fatos históricos nos revela que
todas as dificuldades da vida moderna provém de sua
visão e filosofia equivocadas. Os grandes cultores da
Revolução Francesa e os filósofos marxistas tinham
188
Works, III,181.
146
razão ao prescrever certos remédios para os males
modernos; mas também é evidente que seu
tratamento da enfermidade moderna é sintomático e
fragmentário. Assim, não é possível alcançar o
reajuste econômico e a distribuição igual dos artigos
de primeira necessidade, sobre a base da teoria do
prazer como o bem máximo. A filosofia utilitária do
maior prazer para o maior número de pessoas soa
muito boa, mas não fornece uma base real para
possibilitar que um homem sacrifique seu prazer pela
felicidade de outro.
Os pensadores superficiais
podem achar certo tipo de remédio no humanismo e
na filosofia marxista e utilitária, para a desigualdade
existente. Efetivamente, é possível que remedeiem
passageiramente certos males econômicos e sociais;
mas com isso jamais conseguirão modificar a vida do
homem. A menos que se mude de plano a vida
interior, subsistirão os conflitos e frustrações.
Devemos considerar que se basearmos nossas vidas
no plano dos sentidos e desconhecermos tudo aquilo
que o transcenda, então serão inevitáveis as
frustrações os desenganos, tal como já havíamos
explicado. Os remédios aconselhados por ditos
pensadores, por melhor intencionados que sejam,
resultam extremamente superficiais e de curto
alcance. Os referidos pensadores dão a impressão
de atuar como médicos míopes, que tratam de curar
um caso crônico de reumatismo, transladando a dor
do tornozelo para o joelho e do joelho para o cotovelo.
O reumatismo crônico não pode ser eliminado de
forma completa se não se expulsa a causa fora da
corrente sangüínea, que deve purificar-se para livrar o
paciente dos diversos sintomas reumáticos. Por
plausível que seja a tentativa de eliminar a dor do
tornozelo ou do joelho, esta persistirá até que a causa
146

fundamental não seja totalmente extirpada do
sistema. De modo similar, não é possível eliminar o
“reumatismo” crônico da infelicidade, os conflitos
mentais e as frustrações, enquanto aquela venenosa
filosofia de vida que entroniza o prazer sobre o plano
dos sentidos siga sendo o objetivo último da vida. É
esta e não outra a razão pela qual Swami
Vivekananda defendia o que chamava uma reforma
radical. É dizer que não aprovava o tratamento
sintomático aconselhado pelos pensadores
superficiais, mas que deseja modificar a raiz da
filosofia hedonística, substituindo-a pela manifestação
da divindade no homem, com o Paramartha como
meta suprema de vida.
Disse o professor Sorokin:
“Já vimos que a moderna cultura
sensual surgiu com a crença fundamental
de que a verdadeira realidade e o
verdadeiro valor eram principal ou
exclusivamente sensórios. Todo aquele
que transcendia o plano sensorial era ou
duvidoso como realidade, ou fictício como
valor. O bem não existia diretamente, ou,
por ser imperceptível para os sentidos, era
como se não existisse. Consequentemente
os órgãos dos sentidos, com a ajuda
secundária da razão humana, foram
instituídos em árbitros do verdadeiro ou do
falso, do real ou do irreal, de valioso ou de
supérfluo. por conseqüência, começou-se a
negar toda relação carismática supra-
sensória e supra-racional, toda a empírico relativo, para maior nobreza do
experiência mística e toda a verdade da fé,
desconhecendo sua validade como
experiência, como verdade e como genuíno
147
valor. A premissa maior da natureza
sensória da verdadeira realidade e do
verdadeiro valor é a raiz a partir da qual se
desenvolveu a árvore de nossa cultura
sensual, com seus frutos esplêndidos, mas
venenosos. Seu primeiro fruto positivo é o
desenvolvimento sem precedentes das
ciências naturais e dos inventos
tecnológicos. O primeiro fruto venenoso é
o fatal estreitamento do reino da verdadeira
realidade e do verdadeiro valor”189.
Eis aqui a solução proposta pelo
distinto professor:
“...a tratada preparação para a
virada completa supõe a mais profunda
revisão das principais premissas e valores
da cultura sensual, o rechaço de seus
inaceitáveis pseudovalores e a
reentronização dos verdadeiros valores,
que se deixou de lado. A norma geral para
tal reavaliação será a concepção
integralista da verdade e da realidade...
Desde o ponto de vista integralista, o atual
antagonismo entre ciência, religião,
filosofia, ética e arte é necessário, para não
dizer desastroso. Para a luz de uma
adequada teoria da realidade e valores
verdadeiros, todas elas resultam numa
mesma coisa e servem a um único fim: o
desenvolvimento do Absoluto no mundo
Homem e para maior glória de Deus.
189
Pitirim A. Sorokin, The Crisis of Our Age (New York: E. P. Dutton &
Co.,1941), p. 311
147
 148
Neste sentido, devem e podem cooperar dar em troca de sua vida”? . E São Paulo: “De fato,
192

para o cumprimento de sua grande tarefa o desejo da carne é a morte, ao passo que o desejo
.................................................................................... do espírito é vida e paz” 193 E segundo Buda: “O dom
.................... da religião excede todos os dons; a doçura da religião
excede toda douçura: o deleite da religião excede
A cura do mal exige uma todo o deleite: a extinção da sede supera a todas as
mudança completa da mentalidade coisas”194. Sri Krishna insiste reiteradamente no Gita
contemporânea, uma transformação que somente pode alcançar-se uma felicidade
fundamental de nosso sistema de valores e perpétua, conhecendo o Ser Supremo ou Deus e
a mais profunda modificação de nossa subordinando as atividades da vida que se
conduta para com os demais homens, para desenvolvem no plano terreno a consecução do
os valores culturais e para o mundo em conhecimento permanente da realidade de Deus.
geral”190. Disse este mestre: “Aquele que vive desprovido de
toda a ansiedade, livre de desejos e sem sentido de
De modo, pois, que a sociedade e os EU e de MEU, alcança a paz”195. De modo
indivíduos devem mudar sua maneira de ver as semelhante Sri Ramakrishna combate toda a
coisas. A filosofia hedonística não faz senão despojar concepção moderna da vida, especialmente na teoria
o homem do que realmente busca., quer dizer, de sua do prazer e declara que “a alma que provou uma vez
felicidade. A experiência deixa bem claro: o a douçura da divina bem-aventurança, não encontra
hedonismo sempre termina por destruir este objetivo dita alguma nos prazeres vulgares do mundo”196. E
primário da vida. A filosofia da história nos convence por último, o conselho de Swami Vivekananda para
de que a única saída do atoleiro consiste em mudar todo o povo da Índia pode ser aplicado atualmente ao
nossa presente atitude em relação a vida, mundo inteiro, na realidade o mundo é um só, pois
estabelecendo o ideal religioso. Todos os grandes todas as nações e todos os indivíduos, em maior ou
mentores religiosos antigos ou modernos - os grandes menor grau, têm sido afetados pela concepção
fundadores da religião como Cristo, Buda, Krishna e hedonista. Disse o grande Swami:
Sri Ramakrishna, igualmente seus discípulos -
insistiram na obtenção da paz e da felicidade no plano “Portanto, se tiveres êxito na
divino. Assim, lemos nos Upanishads: “Yo vai vhuma tentativa de despojar-vos da religião para
tat sukham nalpe sukhamasti”. “O infinito é bem- submergirdes na política ou na sociedade,
aventurança; não existe bem-aventurança no ou em qualquer outro interesse mundano,
pequeno finito”191. disse Jesus: “De fato, que
192
aproveitará ao o homem se ganhar o mundo inteiro São Mateus, 16: 26.
193
mas arruinar a sua vida? Ou que poderá o homem Rom., 8: 6.
194
Dhammapada (Sayings of Buddha), capítulo XIV.
190 195
Ibid., págs. 316, 21. Srimad-Bhavagad-Gita, II, 71.
191 196
Chhandogya Upanishad, capítulo VII, sec. 23. Sayings of Sri Ramakrishna, XXXI, 603.

148

como, por exemplo, o desenvolvimento da
vossa vida nacional, o resultado será vossa
extinção. Para evitá-lo, devereis fazer que
tudo e em toda circunstância trabalhe
fortalecendo a vitalidade de vossa religião.
Faça com que todos os nervos vibrem a
partir da coluna vertebral de vossa
religião”197.
Agora chegou o momento de
concretizar o que entendemos por uma concepção
“religiosa” da vida. A concepção hindu, que neste
sentido eqüivale a concepção religiosa, consiste em
fazer da meta espiritual (Paramartha) o objetivo
primário da vida humana. Isto significa que o objetivo
supremo do homem será compreender sua natureza
divina (Atma), segundo dissemos anteriormente.
Novamente devemos recordar que “a religião é a
manifestação da divindade do homem”, como disse
Swami Vivekananda. Qualquer outro esforço humano
deve subordinar-se a esta meta suprema. Não cria
nada que tratamos de passar por alto a existência de
outros anelos do homem, o que desejamos criar é um
mundo utópico, negando as necessidades humanas
no mundo real. Certamente que não somos
“sonhadores” nem “visionários” como se pode crer,
nem vivemos exclusivamente com o pensamento
posto em mundos extraterrenos. O que queremos
dizer é que todas as atividades que se desenvolvem
neste plano relativo devem subordinar-se a aquele
objetivo supremo de vida, em lugar de ter por único
norte a acumulação de dinheiro, a supremacia sobre
os demais e a maior quantidade possível de prazer.
Lutemos para que nem todas as funções do homem
se sujeitem à busca destes objetivos.
197
Works, III, 220.
149
Nós admitimos de bom grado o
desejo do homem de ser feliz, neste mundo dos
sentidos. O homem tem acesso aos tesouros da
natureza e é lógico que queira utilizá-los e desfrutar
deles fisicamente, de todos os modos possíveis.
Aspira a utilizar todas as forças da natureza em seu
próprio proveito; necessita satisfazer sua natureza
artística e estética e dar curso a sua força poética e
intelectual. Sua vida emocional deve dar encontrar
satisfação e harmonia. De outro modo, será a vítima
das frustrações e do conflitos, e a mente será o
cenário de lutas entre os impulsos antagônicos. O
homem, necessita desta forma, uma adequada
educação para poder realizar todas as suas
aspirações e esperanças, desejos e ambições. Longe
de nós a intenção de afirmar que se deve anulá-los ou
reprimi-los, para adotar o ponto de vista religioso.
Nenhum preceptor religioso - seja hindu, cristão ou de
qualquer outra fé - ignora os mais mínimos fatos da
existência. O que nós sugerimos é recordar que
estas aspirações e impulsos devem encontrar sua
expressão em tal forma que harmonize com a idéia do
religioso. Em outras palavras: devem expressar-se
de modo necessário para poder alcançar, por seu
intermédio; a meta proposta. Efetivamente, sua
expressão não deve ser um obstáculo em nossa
marcha para o progresso; nossos anelos e impulsos
devem converter-se em auxiliares de nosso
desenvolvimento religioso; devem ajudarnos a
alcançar a meta suprema (Paramartha).
Para o gozo das experiências físicas,
intelectuais e estéticas, necessitamos de uma
preparação adequada e um adestramento prático. No
dito adestramento deve ser dividido de tal forma que
não contrarie o objeto supremo. Consequentemente,
devemos ajustar nossa conduta aos princípios éticos.
149

A educação, as relações sociais e demais contatos e
as instituições humanas também devem achar-se
sujeitas ao nosso ideal. Outro tanto cabe dizer dos
sistemas políticos e econômicos; de fato a vida inteira
dos indivíduos deve reger-se em conformidade com o
referido adestramento, se temos de eliminar os
conflitos e perturbações mentais que nos afligem.
Com esta interpretação da vida e com
forças suficientes para colocá-las em prática, tendo
sempre por norte os princípios superiores da ética,
poderemos alcançar o ideal supremo, tal como ensina
o Gita. Sri Ramakrishna nos da uma idéia
semelhante de como pode levar-se no mundo uma
vida estabelecida na Realidade Suprema. Eis aqui
suas palavras:
150
acabará alcançando a meta suprema da vida humana.
Recordemos as palavras do Swami Vivekananda:
“Cada a alma é potencialmente
divina. A meta consiste em manifestar esta
Divindade interior, mediante o controle da
natureza externa e interna.
Alcance-a pelo trabalho, pela
adoração, com o controle psíquico ou com
a filosofia; com um só destes métodos, ou
com todos eles simultaneamente. Assim
sereis livres. Nisto consiste a religião. As
doutrinas, os dogmas, os rituais, os livros,
os templos e as formas são somente
detalhes secundários”199.

“Assim como as crianças se

aferram a um poste ou uma coluna e giram
ao seu redor com os pés para o alto, sem
medo de cair, de tal maneira deveis cumprir
com vossos ideais terrenos, aferrando-se
firmemente na idéia de Deus e então
estareis a salvo de todo o perigo...: levai
assim vossa vida no mundo, mas recordai
sempre de Deus”198.

Deste modo, pois, é possível

conservar os objetos secundários - físicos,
intelectuais, emocionais e estéticos - sem ser afetado
por eles. Assim, e somente assim, poderemos
eliminar as causas dos conflitos e frustrações que
agitam a mente, nossa conduta se tornara
harmoniosa e estável; os nervos se fortalecerão e a
mente transbordará de alegria e paz. Em suma, se

198 199
Sayings of Sri Ramakrishna, XXXIV, 631. Works, I, 257.

150