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DESENVOLVIMENTO E NARRATIVAS DE
MODERNIDADE:
Costa Pinto e a construção de uma sociologia transnacional
para o terceiro mundo
RESUMO: A vida e obra do sociólogo brasileiro Luiz de Aguiar Costa Pinto é usada aqui para pensar
a relação entre produção sociológica e a institucionalização da própria sociologia no contexto histórico
do Cone Sul no pós-guerra. Esse contexto é marcado por altíssimo associativismo internacional, em
grande parte sob o guarda-chuvas institucional das Nações Unidas, que se dá com foco na problemática
do desenvolvimento social e econômico. Novas iniciativas institucionais se deram em um contexto de
percepção de crise social, mas também de oportunidades históricas. O modo como atores-chave se
relacionam com essas novas condições – enraizadas em um internacionalismo associativo que visava
dar respostas para os grandes dilemas do mundo pós-colonial – nos revela variáveis particulares que
encontram afinidade com processos gerais. Um caso elucidativo está, justamente, na vida profissional e
na obra de Costa Pinto, especificamente em foros internacionais como o CLAPCS, a ISA e a
UNESCO, todas instituições construídas dentro do “sistema” ONU.
Palavras-chave: Luiz de Aguiar Costa Pinto, pensamento social latino-americano, cooperação
internacional, desenvolvimento.
Abstract: The life and work of Brazilian sociologist Luiz de Aguiar Costa Pinto is arranged here in
order to contrast the relations between sociological production and the institutionalization of sociology,
in the historical context of post-war Southern America. Such context is characterized by high
international associativism, specially under the United Nations institutional umbrella, focusing on the
issues of social and economic development. New institutional initiatives took place in a context which
was perceived as of social crisis, but also as of historical opportunity. The manner in which key actors
relate to those conditions – embedded in an associative internationalism that aimed for answers toward
the dilemmas of the post-colonial world – reveals us particular variables among general processes. An
elucidative case is the professional life and work of Costa Pinto, especially in international forums as
CLAPCS, ISA and UNESCO, all of them part of the UN framework.
KEYWORDS: Luiz de Aguiar Costa Pinto; Latin American social thought; international cooperation;
development.
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também por uma nova agenda para o cabo anteriormente – como a crescente
nascente “terceiro mundo” (BENDIX, inflação e a migração em massa do campo
1996). Para entender como a noção de crise para as cidades, fruto da industrialização –
social pode funcionar como trampolim foram associados à noção de crise,
para um processo de institucionalização de formando a base para processos análogos
uma corrente de pensamento e de trabalho de coletivização de males antes tidos como
científico podemos fazer múltiplos particulares (ABRAMS, 1983; DE
recortes. Em perspectiva histórica, se SWAAN, 1988; HOCHMAN, 1998). A
tomamos em conjunto iniciativas de superação da crise se torna um interesse da
institucionalização das ciências sociais no região vis a vis com o mundo em um
Cone Sul em foros transnacionais, nos contexto de disputa global entre projetos
remeteremos a narrativas específicas de de modernização/desenvolvimento, em
modernidade. suma: capitalismo(s) versus comunismoiii
A composição de centros de ensino (MOORE, 1993). Nesse contexto o
e pesquisa na área das ciências sociais, incentivo à intervenção técnica em prol da
abrigados pelo guarda-chuvas institucional superação do subdesenvolvimento fazia-se
das Nações Unidas, se deu na América valer como uma política transnacional para
Latina sob uma lógica inerente às narrativas os Estados. A noção de planejamento que
de modernidade que ganharam hegemonia permeava esses quadros técnicos nascentes
relativa no pós-guerra. O próprio é, por si, demonstrativa da opção
nascimento da ONU, embora não de modo latinoamericana mais comum no pós-
explícito, resulta de um acordo entre guerra: a preferência por critérios de
Estados nacionais com forte base na noção planejamento via Estado reforçaram, no
de crise. A configuração histórica relativa a percurso, a modernização por meio da
este tipo de institucionalização permite autoridade estatal instrumentalizada em
criar pontes com as bases sociais e detrimento da lógica de autonomia de
cognitivas do próprio processo de mercado, o que tem efeitos sobre o padrão
modernização, especialmente quando de interação entre autoridade e cidadania
mediada por essa noção de crise. (REIS, 1998). Essa tendência encontrou
O incentivo à formação de afinidade com a demanda por instituições
instituições voltadas para o problema do que já existia tanto por parte de sociólogos
subdesenvolvimento no terceiro mundo se como na economia política. No Chile, a
associa a projetos políticos de Faculdade Latino-americana de Ciências
modernização que, por sua vez, vinculam- Sociais (FLACSO) e a Comissão
se a narrativas da modernidade Econômica para América Latina e Caribe
(WAGNER, 1994) partilhadas por parte da (CEPAL) funcionaram como novos
inteligentsia latinoamericana cujas bases nas centros de prestígio para a formação e
universidades já permitiam certo grau de produção em ciências sociais. No Brasil,
rotina institucional e de legitimidade formou-se o Centro Latino-Americano de
propositiva (LÓPEZ, 2010). Destacam-se o Pesquisas em Ciências Sociais (CLAPCS),
México, o Brasil e, de outro modo, a como ramificação irmã da FLACSO
Argentina. No entanto, eram estes mesmos voltada exclusivamente para a pesquisa.
quadros de profissionais que apontavam, Todas as três instituições com laços
através de seus trabalhos, para a percepção burocráticos com a Organização das
de travas estruturais no processo de Nações Unidas.
desenvolvimento em seus países e no Muitos dos atores sociais
continente. Efeitos colaterais não previstos envolvidos nesse processo estavam ligados
dos processos de modernização levados a a quadros formalizados da intelligentsia em
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seus países e já tinham forte atuação expor vida e obra do professor com o
acadêmica. Este é o caso do sociólogo intuito de esforçar-nos por enfatizar o
brasileiro Luiz de Aguiar Costa Pintoiv. O caráter transnacional de sua carreira. Costa
recorte feito em relação à sua vida Pinto foi um dos “fundadores” da
profissional e suas ideias permite elucidar o sociologia acadêmica brasileira como a
modo como esta conjuntura especifica deu conhecemos, mas em um âmbito regional
molde institucional a debates acerca da teve também um papel relevante. Foi
noção de modernidade. Veremos a deliberadamente um ator central em um
produção de Costa Pinto, ainda fincada no processo de institucionalização da
contexto da Faculdade Nacional de sociologia no Cone Sul, cujos frutos pedem
Filosofia da Universidade do Brasil (FNFi, ainda esforços de análise.
atual IFCS-UFRJ), e o pulo que se dá em Tanto a carreira no Brasil, voltada
dois momentos capitais de estruturação da em parte importante para a configuração de
pesquisa segundo bases institucionais relações institucionais com a sociologia dos
transnacionais. O primeiro está no estudo demais países da região, assim como para a
feito a cargo da UNESCO (United Nations execução de investigações de interesse
Educatinal, Scientific and Cultural Organization) internacional, como o tempo significativo
sobre relações raciaisv. Nele a relação passado efetivamente em instituições
fomento internacional/produção acadêmicas no exterior, revelam um lado
sociológica de dá de cima para baixo, já que interessado de Costa Pinto na construção
os trabalhos (entre os quais o de Costa de uma Sociologia transnacional que
Pinto), mesmo tendo elevado grau de respondesse a interesses regionais. A
liberdade, se veem condicionados por um postura adotada pelo professor Costa Pinto
programa elaborado dentro dos quadros é a de um sociólogo preocupado com
mais enraizados no aparato das Nações objeto, método e propósito, com a idéia de
Unidas. O segundo momento diz respeito à que fazer ciência é fazer história (VILLAS-
fundação do CLAPCS, presidido por Costa BÔAS, 2002). Tentaremos aqui colocar
Pinto, onde a relação se inverte. O ênfase em dois pontos: a base conceitual
CLAPCS resulta de uma iniciativa dos própria da qual dá partida e seu trabalho
próprios profissionais da região, que em um âmbito institucional específico em
vislumbravam no guarda-chuvas construção, regional e internacional.
institucional das Nações Unidas a Durante a pesquisa, consultamos o
possibilidade de formalizar foros de Arquivo Costa Pinto situado no NUSC
prestigio para a produção de ciências (Núcleo de Pesquisa em Sociologia da
sociais. Este movimento se deu de baixo Cultura – IFCS/UFRJ) e principalmente
para cima, ou seja, a UNESCO foi informações contidas em publicações de
procurada para ser patrona da iniciativa. A Costa Pinto, especialmente em notas de pé
este quadro na América Latina se agrega a de página, ricas em dados relativos a
constituição da Associação Internacional de publicações e eventos, assim como em
Sociologia (ISA)vi, outro desfecho da documentos obtidos na Biblioteca Marina
expansão institucional das Nações Unidas, São Paulo de Vasconcellos do IFCS-UFRJ
a qual Costa Pinto também se filia e onde e na Biblioteca Nacional uruguaia (livros e
estabelece fortes relações de trabalho. publicações do CLAPCS e documentos
Ao fim e ao cabo, o percurso administrativos). A separação por
profissional de Costa Pinto funciona como localidade e temas não está organizada de
imagem de um processo de modo rigorosamente cronológico, mas para
internacionalização da Sociologia fins de sistematização de dados
acadêmica. Neste artigo, pretendemos apresentamos ao final do artigo uma
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cronologia geral da carreira e outra preso por oito meses em 1939. Apesar de
referente especificamente à produção ter no marxismo um forte pilar de seu
bibliográfica. Os quadros apresentados pensamento social, sua militância política
foram elaborados por meio da análise não deve ser confundida com sua posição
quantitativa relativa a obras, citações e epistemológica na academia. O próprio
tendências. Os subitens estão viria a escrever acerca da diferença entre
propositalmente vinculados às instituições socialismo e sociologia (PINTO, 1963).
que de algum modo viabilizaram a Costa Pinto concluiu seu bacharelado em
produção e atuação de Costa Pinto, como ciências sociais pela FNFi da Universidade
modo a abrir caminho para um esquema do Brasil (atual UFRJ), onde em 1944
mais geral relativo à institucionalização da completou o doutorado (que então
sociologia no terceiro mundo. equivalia ao atual mestrado) e em seguida
alcançou o título de Doutor Livre docente
I – Breve recapitulação da atuação na em Sociologia, em 1947. Assumiu o cargo
Faculdade Nacional de Filosofia de professor assistente entre 1944 e 1947 e
(FNFi) logo a livre docência. Em 1947 é publicado
O lugar do acaso no discurso dos o livro Lutas de famílias no Brasil pela Cia
cientistas sociais quando falam de si Editora Nacional, resultado de uma
mesmos (em contraste com a lógica investigação já parcialmente publicada em
estrutural que aplicam a seus objetos de 1943 na Revista do Arquivo Municipal de
estudo) como referência norteadora de uma São Paulo (ano VII, vol LXXXVIII, jan,
análise da própria trajetória (PEIRANO, fev). A obra teve circulação importante na
1995; BECKER, 2007) aparece também em época de publicação, mas ganhou maior
Costa Pinto. Em entrevista dada a relevância posteriormente.
pesquisadores do IFCS, ele conta como No livro Lutas de famílias no Brasil
decidiu escrever um artigo para a revista (1949) aborda uma questão recorrente no
“Sociologia” ao vê-la em uma banca de pensamento social brasileiro: a família no
jornal. Segundo ele, sequer sabia da período colonial. A noção de ambivalência
existência da revista, a qual seguiu social, de contemporaneidade do não-
publicando mais artigos seus a partir de coetâneo, exprime por um lado uma
então. Em um plano institucional, a aversão total a um evolucionismo vulgar
Faculdade Nacional de Filosofia aparece (VILLAS-BÔAS, 2006) e por outro uma
como o farol que ilumina a sociologia teoria nova quanto à relação entre passado
acadêmica no Rio de Janeiro a partir dos e presente, publico e privado. Esta é a base
anos 30. Este lugar central é apresentado para seus postulados sobre mudança social
por Maria Almeida (ALMEIDA, 1989) e desenvolvimento, às quais considera de
como resultado de certa afinidade entre modo distinto, analítica e
uma elite intelectual e estruturas de poder, epistemologicamente, como instâncias
interessadas em ações de state building. Essa irredutíveis uma a outra.
é uma posição compartilhada por Sérgio Esta posição é reforçada pela
Miceli (MICELI, 1989), a partir da qual este investigação no Recôncavo baiano, a qual
reivindicará o caráter jurídico político da resultou na publicação de Recôncavo:
sociologia na academia carioca. laboratório de uma experiência humana em 1958
Costa Pinto chegou ao Rio de já pelo CLAPCS (PINTO, 1958). A
Janeiro em 1937 e iniciou a formação condução da investigação foi
universitária em 1938. Na universidade, se compartilhada com Herbert Blumer da
envolveu com o movimento estudantil e a Universidade de Columbia e tomou como
juventude comunista, o que o levou a ser pontos-chave as relações de trabalho e as
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1944 publica seu primeiro livro em língua esses anos, ainda poderíamos dizer que a
estrangeira, Problemes démographiques atividade profissional do professor Costa
contemporains, em colaboração com Jacques Pinto extrapola os limites da sociologia
Lambert. Era próximo também de Donald brasileira. As publicações em espanhol
Pierson: chegou a desejar estudar na predominam no período entre 1961 e 1970,
Universidade de Chicago, de onde nunca onde o autor se empenhou na construção
obteve o título de Doutor por ter tido o do CLAPCS e no debate regional. No
visto de entrada nos EUA negado, em decênios 1970-1980 e 1980-1990, todas as
vésperas da defesa. Em 1958, publica o suas publicações são em espanhol, inglês
artigo Economic development, social change and ou francês, o que não se justificaria
population in Brazil em colaboração com W. somente pela sua saída do Brasil, visto que
Bazzanella. Com o CLAPCS e mesmo poderia simplesmente não ter produzido ao
depois, publicou em língua espanhola sair da FNFi (Como não produziu
diversos artigos e sete livros, editados na Florestan Fernandes ao sair do Brasil, por
Argentina, no México e na Colômbia. O exemplo). E mais, é deliberada a ação do
gráfico abaixo é bastante elucidativo da sociólogo em função de rotinizar e
volatilidade quanto à origem dos trabalhos institucionalizar foros transnacionais de
publicados de Costa Pinto. Poderíamos competência acadêmica, mas que sirvam,
ainda contabilizar as conferencias e aulas simultaneamente, como ferramenta de
ministradas fora do Brasil, que foram transformação de realidades específicas,
muitas e estão fora desse quadro. mais claramente o terceiro mundo ou
mundo subdesenvolvido. Trata-se de uma
relação complexa, pois tampouco se perde
Artigos publicados por L. A. de vista a grande teoria, formulada
Costa Pinto, por idioma essencialmente nos chamados países
20
18 centrais, o que configura uma postura
16
14
contrária à de Guerreiro Ramos, por
12 exemplo.
10
8
6
4
2
0
1941 1951 1961 1971 1981
-50 -60 -70 -80 -90
português 19 6 6 0 0
espanhol 0 0 8 3 0
francês ou
inglês 0 4 0 8 7
TOTAL 19 10 14 11 7
Gráfico I: produção de L.A. Costa Pinto
segundo idioma de publicação
Gráfico II: relação entre teoria,
institucionalização e objetivo de ação
As publicações em inglês e francês
para o desenvolvimento.
são numerosas, fruto especialmente das
É difícil medir o sucesso desta
duas últimas décadas de carreira, em que
empreitada, assim como o nível de
trabalhou quase exclusivamente no Canadá.
afinidade com a intenção de seus
Porém, mesmo se desconsiderássemos
interlocutores, especialmente no cone Sul.
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O CLAPCS encarnou esse espírito, não há perspectiva perdeu-se com o declínio desse
dúvida, mas seu desaparecimento e a pouca “paradigma regional” concomitante a
relevância que lhe é atribuída (mesmo se processos próprios de fortalecimento ou
indevida) demonstram também que a declínio das instituições propriamente
solidez desse esquema pode ser nacionais. É possível dizer que este
questionada. Por outro lado a FLACSO empreendimento mostra afinidade com
continuou, e não é menos certo que outros processos gerais relativos à noção de crise
cientistas sociais que uma vez estiveram no derivada de efeitos colaterais oriundos dos
Centro continuaram suas atividades em projetos de modernização. Mas também da
linhas de pesquisa semelhantes. A perspectiva de oportunidades de
tendência, em si mesma, à rotinização da desenvolvimento, o que levou a uma ação
sociologia via instituições internacionais, centrada na idéia de planejamento. Quais
sob o guarda-chuvas das Nações Unidas, seriam então os portadores do
mostra relações de solidariedade específicas planejamento/desenvolvimento? Essa era
que se repetem em outros campos uma pergunta sem resposta, marcada por
científicos (sanitarismo, economia, uma disputa entre técnicos, políticos e logo
meteorologia, etc). militares.
Os golpes de Estado sucessivos no Do ponto de vista macro-histórico,
continente ofereceram condições objetivas é possível fazer uso dos modelos analíticos
para a desestruturação deste trabalho, mas que relacionem ambas narrativas da
não pode recair sobre este aspecto a única modernidade e os projetos de
via explicativa; é bem mais circunstancial. modernização (WAGNER, 1994), com
Simultaneamente houve instituições que processos de
ganharam corpo durante o regime militar institucionalização/coletivização, vis a vis à
no Brasil. Além disso, uma vez findadas as percepção de efeitos não desejados e não
ditaduras no continente, cada país apareceu esperados da modernização (DE SWAAN,
à luz da democracia com uma conjuntura 1988). A afinidade entre a teoria social
acadêmica diferente. No Brasil, a ciência desenvolvida em diferentes âmbitos
social nunca parou; já o Uruguai, por acadêmicos do continente e a ação
exemplo, teve o seu Instituto de Ciências recíproca no intuito de formar instituições
Sociais fechado antes de cumprir sequer de caráter transnacional, incentivadas por
uma década (DE SIERRA, 2002) e, governos e por organismos internacionais,
restabelecida a democracia, retomou em deram corpo a certo espírito e sentido de
ponto morto sua sociologia oficial, às comunidade na sociologia dos anos 50 e
custas de quadros formados em centros 60. Este, por sua vez, levou a um tipo
privados ou no exterior. específico de institucionalização que hora
Conclusão se mostra bem sucedido, hora não. É esta
A noção da trajetória de uma vida sensação de haver ali um processo
como refém da contingência estabelece resultante de afinidades eletivas que nos
uma relação de interdependência entre remonta ao lugar da contingência na
eventos (BECKER, 2007), da qual formação de quadros institucionais e na
sobressai o caráter de moeda e matriz do trajetória de seus membros e portadores
próprio indivíduo em relação à sociedade intelectuais.
(ELIAS, 2006). A empreitada intelectual de Não há uma origem comum
Luiz de Aguiar Costa Pinto está ligada à explícita entre a institucionalização das
formação de quadros institucionais e a uma ciências sociais nos distintos países do
agenda brasileira e latino-americana para o continente; entretanto, podemos ver uma
estudo do desenvolvimento. Esta afinidade de pautas que foi otimizada pela
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ação dos agentes envolvidos e pelas seu tempo como um ponto de partida para
possibilidades institucionais do pós-guerra. a formação de novos quadros e novas
Entre eles o próprio Costa Pinto ganha pautas.
destaque, não apenas por ter acumulado ACERVOS CONSULTADOS
condições relativas à produção deste BIBLIOTECA MARINA SÃO PAULO
campo que lhe permitiram exercer este DE VASCONCELLOS IFCS-UFRJ
papel, mas também por certa convicção NUSC/UFRJ. Arquivo Costa Pinto. Rio de
com relação à qual o modelo institucional a Janeiro, UFRJ
se buscar, com a perspectiva de levar a SALA URUGUAY de la Biblioteca
cabo uma mudança provocada (VILLAS- Nacional, Montevideo, BN
BÔAS, 2006). No mesmo sentido, a
tendência histórica no Brasil de então, e em Referências Bibliográficas:
outros países do Cone Sul, de dar
preferência aos critérios de autoridade ABRAMS, P. Historical sociology. New
política frente aos foros do mercado e da York: Cornell University Press 1983
cidadania deu amplo respaldo a noção de
planejamento (REIS, 1998), criando novas ALMEIDA, M. H.T. Dilemas da
possibilidades associativas e Institucionalização das Ciências Sociais
institucionalizantes. Essa no Rio de Janeiro. In: MICELI, Sérgio
institucionalização foi em parte patrocinada (org.). História das Ciências Sociais no
pelo que chamamos aqui de “sistema Brasil. volume 1, São Paulo: Vértice /
ONU”. Mas a própria acentuação do Editora Revista dos Tribunais / IDESP.
planejamento como atribuição da esfera de 1989
autoridade retirou legitimidade de grande
BENDIX, R. Construção nacional e
parte de seus portadores iniciais com a
cidadania São Paulo: Edusp 1996
emergência de regimes amplamente
autoritários. BECKER, H. S. 2007. Coincidência In:
Por isso mesmo, essa configuração Segredos e truques da pesquisa. Rio de
se viu, especialmente nos anos 70, Janeiro: Jorge Zahar, p. 50-58.
igualmente contraposta por novos eventos
(aumento da tensão social, golpes de BLANCO, A. La Asociación
Estado, consequente migração dos Latinoamericana de Sociología: una historia
cientistas para âmbitos institucionais de sus primeros congresos. In Sociologias
afastados, etc.) que marcam o declínio de no.14 Porto Alegre July/Dec. 2005
algumas dessas empreitadas, levando
consigo instituições como o CLAPCS e BOTELHO, A. Uma sociedade em
atrofiando outras como o IFCS. Do movimento e sua intelligentsia In
mesmo modo a nova configuração BOTELHO,A.; BASTOS, E.R. e VILLAS-
fortalece novas pautas e instituições; tal é o BOAS, G.K. O moderno em Questão
caso da antropologia brasileira (CORREA, Rio de Janeiro: Top Books 2008
1995). Por meio da idéia de configuração
como certo tipo de foro unificador entre CORREA, M. 1995. A Antropologia No
ação e estrutura, indivíduo e sociedade Brasil (1960-1980). In: MICELI, Sérgio.
(ELIAS, 2006) ou como equivalente à idéia (Org.). História das ciências sociais no
de intercontingência (BECKER, 2007), Brasil volume 2. São Paulo:
temos para nós que a trajetória intelectual Sumaré/Fapesp, v. 2.
de Costa Pinto apresenta tanto um ponto
DE SIERRA, G. La sociologia moderna
de chegada para as ambições do campo em
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