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De Evana Ribeiro
CAPÍTULO 8
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CENA 1 - QUARTO DE LEON - INT - DIA
Continuação do capítulo anterior. Leon, sentado em sua cama,
lê a carta.
ALICE
(off)
Querido Leon, não pude falar com
você pelo telefone ontem porque seu
pai desligou o aparelho. Ele não
quer que eu tenha contato com o
mundo com o qual estou acostumada.
Mas eu morro de saudades de você,
meu amor. Ainda acordo
freqüentemente no meio da noite,
imaginando que você está no quarto
ao lado. Fico imaginando se você
saiu de casa ou não, com quem
está... Cuide-se, filhinho. Não
fique esbanjando dinheiro por aí,
tome cuidado nessas ruas tão
perigosas. Se sentir alguma coisa,
uma dorzinha, por mais leve que
seja, corra para o médico. Não
durma tarde, não beba, nem fume,
nem vá a nenhum lugar esquisito com
Valentina. Estou mandando essa
carta pela empregada aqui do sítio.
Por favor, responda esta carta para
eu saber se você está realmente
bem! Ela irá buscá-la no correio.
Te amo. Um grande beijo, Alice.
Leon recoloca a carta no envelope e começa a escrever a
resposta.
CORTA PARA
VALENTINA
Lucille, está chegando a hora da
nossa viagem!
LUCILLE
Achei que nunca mais fosse tocar no
assunto!
VALENTINA
Eu estive pensando. (tempo) Falta
só um mês pro aniversário da Angie.
Por que não comemorar em Londres?
LUCILLE
Excelente idéia!
VALENTINA
E finalmente verei Layla e sua
família pessoalmente!
LUCILLE
Intrigante... Por que eles nunca
vieram para cá?
VALENTINA
Layla trabalha demais. Depois das
férias nos Alpes Suíços, ela caiu
doente. E quando se recuperou, teve
que preparar novas peças para
vendas e exposições.
LUCILLE
Você tinha comentado que um dos
filhos dela tem problemas...
VALENTINA
É, o mais velho. Ele foi casado e
tem uma filha. Mas a mulher dele
teve depressão pós-parto e se matou
quando a Liv Helen tinha pouco mais
de três meses de vida. A menina tem
cinco anos e até hoje ele não
conseguiu se recuperar da perda...
Valentina dá um mergulho na piscina.
CORTA PARA
3.
GIULIA
Foi tontura boba, pai. (tempo) Eu
tava saindo do médico e vi uma
conhecida. Tropecei e caí.
LUIGI
De toda forma, preparei uma sopa
pra você tomar. E hoje não vai para
o bar. Vai ficar em casa,
descansando.
Luigi sai do quarto. Instantes depois volta com uma tigela
de sopa sobre uma bandeja.
GIULIA
Pai, eu não tô com fome!
LUIGI
Nada de ’não tô com fome’! Vai
comer, sim!
Luigi senta na cama e faz Giulia tomar a sopa.
CORTA PARA
MARCELA
(se aproximando)
Sorteio de quê?
ANA PAULA
(impaciente)
Sorteio! (tempo) Quer me deixar
sozinha agora? Cê tá me
atrapalhando.
MARCELA
(saindo)
Já vou! Que mau humor, hein...
Marcela bate a porta. Ana Paula respira aliviada, esconde a
passagem sob o abajur e continua arrumando a mala.
CORTA PARA
LEON
Eu não devia ter saído de casa
hoje.
VALENTINA
(pára e olha fixamente para
ele)
E ia sair quando? Quando mamãe
voltasse? (tempo) E se ela não
voltar? E se a vida na fazenda
tiver tão boa que ela simplesmente
esqueceu de te controlar?
LEON
Me leva pra casa.
Valentina abre a porta do carro para ele entrar e entra em
seguida. Dá partida e ganha a rua.
CORTA PARA
MANOEL
Tá bom. Boa noite.
MILENA
(baixinho)
Boa noite.
As lágrimas voltam a banhar o rosto de Milena. Ela se joga
na cama para abafar os soluços.
CORTA PARA
MANOEL
(esmurrando a porta)
Milena! Milena! Abre essa porta,
menina!
CORTA PARA
AURORA
Não desconta nas meninas, Jairo.
JAIRO
Desculpem, meninas. (tempo) Eu não
podia esperar outra coisa daquela
menina. Algo me dizia que mais cedo
ou mais tarde ela ia fazer o mesmo
que a Meire.
CORTA PARA
GAROTO 1
Vem buscar, nanico!
LEON
Devolve logo, vai! (começa a
chorar) Tininha! Tininha!
Valentina chega correndo.
VALENTINA
O que vocês tão fazendo com o meu
irmão? Devolvam logo essa droga de
sanduíche e deixem o Leon em paz!
GAROTO 2
Vai brincar de boneca, sua metida!
Valentina avança sobre o garoto mais magro. Com uma mão
segura fortemente seu braço e com a outra, puxa a orelha do
menino, que começa a gritar. O menino mais gordo tenta
tirá-la de lá, mas Valentina o chuta e ele cai no chão. Os
outros alunos se reúnem em volta da briga.
LEON
(correndo)
Tia! Tia!
FADE PARA
LEON
Não. A mamãe chegou! (indica Alice)
VALENTINA
Então tchau.
Valentina monta na bicicleta e sai em disparada, sem esperar
Alice chegar.
FADE PARA
LEON
Eu não quero ir pra esse negócio.
VALENTINA
Qualé, cara? Vai ser divertido!
LEON
Divertido pra você, que tinha
amigos, que era a mais popular do
colégio inteiro. Aquele pessoal
sempre me odiou.
VALENTINA
Era brincadeira de criança...
LEON
Brincadeira de criança? Eu fui
chamado de mariquinha do primeiro
ao último dia de aula! (tempo) Isso
é brincadeira de criança?
VALENTINA
Sinto informar, mas você dava
motivos pra eles te tratarem assim.
LEON
E você! Você também me molestava na
escola, em casa/
VALENTINA
(interrompe)
Era verdade! Você simplesmente não
cresceu! Até um dia desses Alice
controlava sua vida como você fosse
uma marionete.
LEON
Ela só tava tentando me proteger.
VALENTINA
Proteger! (tempo) O bonequinho de
porcelana, que sempre viveu na
redoma de vidro, vem me falar de
proteção! Eu sei o que é proteção,
meu caro. Eu tenho uma filha,
lembra? (tempo) Proteção, no meu
mundo, é guiar o outro, pra que
aquele ser que você ama e quer ver
feliz não dê um passo maior do que
as suas pernas podem dar. Mas no
mundo em que você cresceu, proteção
é outra coisa, não é mesmo?
17.
LEON
Não é/
VALENTINA
(interrompe)
No seu mundo, proteção é prender o
outro numa gaiolinha de ouro!
LEON
A minha doença/
VALENTINA
A sua doença já tinha sido
superada! Ela não tinha motivos pra
te prender como te prendia!
LEON
Era o jeito dela demonstrar que me
ama!
VALENTINA
(seca)
Amor. (tempo) Você teve o amor
dela. Engraçado, né? Talvez se eu
ficasse à beira da morte quando era
bebê, ela me amasse.
LEON
Você tá com inveja?
VALENTINA
(levantando a voz)
Não, não estou! (mais calma) Graças
a Deus, Lucille se tornou a minha
mãe. Ela deu tudo o que a minha mãe
biológica fez questão de me negar.
LEON
Admite, Valentina. Você sempre se
roeu de inveja da minha relação com
a mamãe.
VALENTINA
Você acha que eu ia ter inveja
dessa coisa doentia que é a sua
vida? Você não vive, você vegeta,
trancado nesse quarto, em função da
mamãezinha, como se fosse um
brinquedo movido a controle remoto!
LEON
Invejosa!
18.
VALENTINA
Mariquinha!
LEON
Mal amada!
VALENTINA
Crianção! Filhinho da mamãe, é isso
que você é!
LEON
Você não se conforma, né? Sempre
quis ser o centro das atenções.
Quando eu tive um pouco mais de
carinho por parte da mamãe, ficou
com raivinha!
VALENTINA
Eu nunca, nunca ia querer ter o
amor dela pra ser como você.
Prefiro ter sido rejeitada e ter
trilhado meu caminho com minhas
pernas a viver nesse
mundinho... (irônica) Nesse
mundinho perfeito, limpinho e sem
graça que ela criou pra abrigar o
filhinho doente! Coitadinho dele!
(tempo) Ou melhor, coitadinha dela,
que é a verdadeira doente da
história.
LEON
(grita)
Não fala assim da nossa mãe!
VALENTINA
Falo! Ela não é minha mãe mesmo!
Leon levanta a mão para dar um tapa em Valentina. Valentina
segura firmemente seu pulso antes que ele a estapeie.
LEON
Me solta... Você tá me machucando!
VALENTINA
Chama a mamãe agora, chama! É uma
criança indefesa num corpo de
adulto. Não sabe nem se livrar de
uma garota!
Leon usa o braço que está livre para empurrar Valentina
violentamente. Esta se desequilibra e sai do quarto, caindo
de costas no chão do corredor. Leon sai do quarto e a
observa caída no chão.
19.
LEON
(irônico)
Sabe que é a primeira vez que eu te
vejo assim, caída?
VALENTINA
Não dá pra ficar de pé o tempo
todo. Mas eu sei me reerguer, ao
contrário de certas pessoas.
(levanta rapidamente do chão)
Certas pessoas que não sabem perder
porque simplesmente não sabem
lutar.
LEON
Ah, é? Quer ver quem é ruim de
briga aqui?
Leon parte para cima de Valentina, a deixando sem saída.
Leon segura seus braços e a derruba no chão. Valentina usa
as pernas para fazê-lo cair. Os dois começam a rolar no
chão, se estapeando. Valentina arranha Leon nos braços e no
rosto, além de rasgar sua camisa. Leon dá tapas no rosto de
Valentina e puxa seus cabelos. Ambos gritam. Atraída pelos
gritos, Angela aparece na porta do quarto de Valentina e se
assusta. Lucille também aparece na porta.
LUCILLE
(grita)
Parem, pelo amor de Deus, parem!
Angela, entra no quarto, entra
logo!
Angela obedece. Lucille se mete no meio da briga e tenta
separá-los. Acaba levando alguns tapas e arranhões.
Finalmente consegue desvencilhar Valentina dos braços de
Leon e a levanta. Leon fica no chão, gritando.
LEON
Volta, Valentina! Volta aqui, que a
gente ainda não acabou nosso acerto
de contas!
LUCILLE
(baixinho, para Valentina)
Não ouça. Venha comigo, filha.
Valentina se debate, tentando voltar para continuar a briga.
Lucille a abraça e a conduz até o quarto. Leon, enraivecido,
dá um soco no chão.