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título: o grande engano.

autor: jeanne allan.


título original: the waiting heart.
dados da edição: nova cultural, são paulo, 1989.
género: romance.
digitalização: dores cunha.
correcção: edith suli.
estado da obra: corrigida.
numeração de página: rodapé.
esta obra foi digitalizada sem fins comerciais e destina-se unicamente à
leitura de pessoas portadoras de deficiência visual. por força da lei de
direitos de autor,
este ficheiro não pode ser distribuído para outros fins, no todo ou em
parte, ainda que gratuitamente.

nota da digitalizadora: este livro tem dois romances: o grande engano, de


jeanne allan, e pôr-do-sol na África, de yvonne whittal.
por conveniência de arrumação, decidi separá-los, para poder colocar cada
um deles no autor respectivo.

título original: the waiting heart


copyrigth: jeanne allan publicado originalmente em 1986 pela mills boon
ltd., londres, inglaterra
tradução: vera onorato
copyright para a língua portuguesa: 1989
editora nova cultural ltda.
av. brigadeiro faria lima, 2000 - 3º andar
cep 01452 - são paulo - sp - brasil
caixa postal 2372
esta obra foi composta na editora nova cultural ltda.
impressa na divisão gráfica da editora abril s.a.

capÍtulo i

susan começou a preocupar-se quando a neve tornou-se mais densa. até


então, a paisagem do colorado lhe parecera pitoresca, principalmente
porque o aquecimento interno do carro a mantinha sob uma temperatura
agradável. mas enfrentar uma tempestade de neve numa estrada desconhecida
não seria nada divertido!
com uma certa tensão olhou para as montanhas rochosas que encontravam-se
semi-ocultas por uma forte neblina. não deveria ter aceitado o convite de
elizabeth para passar as festas de fim de ano na fazenda de sua
propriedade. isso tornaria inevitável um encontro com burke gerard, filho
de elizabeth, com quem tivera um breve contato por telefone que não fora
nada agradável. a voz autoritária e prepotente daquele homem ainda lhe
soava aos ouvidos com nitidez...
de qualquer forma, era tarde demais para arrependimentos. elizabeth a
esperava e, além disso, achava-se mais perto da fazenda do que de denver.
com aquele tempo horrível, seria loucura voltar para casa.
a nevasca piorava a cada minuto. os flocos brancos e fofos ficavam presos
ao limpador de pára-brisa, prejudicando a visibilidade. susan não cruzara
com nenhum carro desde que saíra da rodovia principal, cerca de quinze
minutos antes. por isso mesmo, dirigia com atenção, pois ninguém a
socorreria caso acontecesse algum acidente.
em vão, procurou uma pista qualquer da entrada da fazenda. segundo
elizabeth, uma caixa cinza de correio lhe indicaria o acesso à sede. num
dia ensolarado, talvez, pensou, mas na certa o detalhe passaria
despercebido em meio a uma tempestade de neve...
no instante seguinte, porém, os faróis iluminaram um objeto metálico
colocado à beira da estrada. susan parou o carro e baixou o vidro,
afastando dos olhos uma mecha de cabelo loiro em-
purrada pelo vento. suspirou aliviada ao ver o nome "gerard", pintado em
letras pretas sobre a superfície cinzenta da caixa do correio. fechou o
vidro depressa e manobrou o carro para entrar numa pequena estrada, como
a seta indicava.
de súbito uma caminhonete se aproximou vinda na direção oposta. susan
pisou no acelerador sem resultado. os pneus patinaram na neve e o carro
foi para trás ao invés
de seguir. ouviu a buzina estridente da caminhonete e tentou de novo, mas
não obteve resultado.
angustiada, engatou a marcha a ré. o carro obedeceu de imediato ao
comando, mas desta vez derrapou para frente. dessa forma, continuou
atravessado no meio da estrada e, pior ainda, andando em direção a uma
enorme árvore. num impulso, susan pisou firme no freio, impedindo a
derrapagem. o motorista da caminhonete fez uma manobra arriscada para
evitar a colisão, mas foi inútil.
se não fosse o cinto de segurança, o impacto atiraria susan de encontro
ao pára-brisa. o veículo rodou e saiu da estrada, chocando-se contra uma
pedra. atordoada, ela encostou a cabeça ao volante, tremendo pelo susto.
continuava imóvel quando alguém abriu a porta do seu carro.
- está louca? - uma voz masculina soou estridente... - onde já se viu
fazer um retorno daquele jeito?!
susan não teve forças para explicar. imersa numa sensação de vertigem,
deixou que o desconhecido praguejasse à vontade.
o recém-chegado segurou-lhe a cabeça, encostando-a ao banco. apalpou-lhe
também o corpo com cuidado, verificando se ela não sofrera nenhum
ferimento grave. assustada, susan abriu os olhos. fez menção de
protestar, porém a preocupação do estranho pareceu-lhe tão sincera que a
tranquilizou.
o rosto dele lhe era vagamente familiar, embora não se lembrasse de onde.
observou com mais atenção as feições másculas e bem-feitas forçando a
memória, mas nada!
tinha quase certeza de que já o vira antes, mas não conseguia saber onde
ou quando.
uma nova vertigem apossou-se de susan. fechando os olhos outra vez, ela
respirou fundo, numa tentativa de se livrar do mal-estar.
- não vá desmaiar agora! - a voz do estranho demonstrava irritação e
desespero.
- não sou de desmaiar.
a firmeza de susan convenceu o desconhecido. o problema era espantar o
incómodo tremor das mãos que a impedia de soltar o cinto de segurança.
ainda imersa num profundo torpor, deixou que ele a ajudasse a sair do
carro.
- acho que não se machucou - ele resmungou. - talvez isso te ensine a
decidir que
direção vai tomar antes de ficar rodopiando pela estrada!
- se quiser, pode me processar!
diante da rispidez com que era tratada, susan desobrigou-se de qualquer
explicação. aquele estranho bem que podia tomar uma providência em vez de
brigar com ela,
pensou com raiva. será que não percebia como estava abalada?
- talvez eu faça isso mesmo.
aborrecido, ele afastou da testa uma mecha dos cabelos loiros e molhados
de neve e examinou o resultado da trombada. susan, por sua vez, encostou-
se ao pára-lama dianteiro do carro e só quando olhou ao redor percebeu a
extensão do acidente.
seu carro saíra da estrada e achava-se inclinado, o porta-malas amassado
de encontro à pedra. no outro lado da rodovia, a caminhonete tinha a
frente enterrada numa vala, e a parte traseira erguida no ar.
diante da cena, susan encarou o estranho com mais complacência. ninguém
ficaria impassível depois de um estrago daqueles. mais uma vez, teve a
impressão de já o ter visto antes. o casaco de lã grossa e escura
acentuava-lhe a corpulência, e a estatura elevada e a expressão de raiva
o tornavam um pouco ameaçador. em especial numa estrada deserta, com a
noite se aproximando...
- teremos de andar - ele anunciou, conformado.
- mas não posso ir com você! tenho um compromisso me esperando.
- qual o problema? vamos até a minha fazenda, de lá você telefona. vai
precisar de um agasalho mais pesado. são dois quilómetros de caminhada
até lá.
- já disse que não posso acompanhá-lo.
- se não queria ir para a fazenda, o que estava fazendo nessa estrada?
treinando para um rally?!
ele esboçou um sorriso sarcástico e susan enfrentou-lhe o olhar com
desafio.
- o que eu faço aqui não é da sua conta! - exclamou, furiosa. - meu carro
patinou na neve quando eu fazia a curva. além disso não podia imaginar
que você não teria o bom senso de parar quando me viu naquela situação!
- agora eu sou o culpado!
- pense o que quiser! já disse que tem gente me esperando. não vou perder
meu tempo com essa discussão ridícula!
decidida, susan voltou-se para a porta do carro e abriu-a com certa
dificuldade. pegou os tapetes de borracha e calçou as rodas dianteiras.
em seguida, ligou o motor, mas o carro não saiu do lugar. engatou a
primeira, forçou o acelerador por vários segundos, mas não obteve o
mínimo movimento.
desanimada, desligou o motor, tirou as chaves da ignição e guardou-as no
bolso do
tailleur. desceu do carro e aproxímou-se devagar do desconhecido. ele
ainda permanecia
encostado ao capo, de braços cruzados, olhando-a descrente.
- se tivesse me perguntado, eu avisaria que não ia adiantar
- ele ponderou com calma. - só um carro com tração nas quatro rodas
sairia dessa posição.
- você é mesmo uma autoridade em todos os assuntos, ou só está querendo
me chatear?!
- não sou autoridade em nada, a não ser o dono dessas terras. meu nome é
burke gerard e, se você deixar de lado essa teimosia, pode ir comigo até
minha casa.
susan engoliu em seco. então era por isso a impressão de já conhecê-lo! a
semelhança entre ele e randy, o outro filho de elizabeth, era bem
acentuada.
- É claro! - susan exclamou com ironia. - estou diante do grande burke
gerard, o homem que nunca se preocupa com os mortais comuns...
nem mesmo com a mãe, completou mentalmente. por um momento, ele ficou em
silêncio, os olhos cinzentos brilhando de raiva. entendera muito bem a
acusação muda de susan e o demonstrou com um sorriso frio.
- ora, ora, então você é a professorinha de minha mãe. veio nos visitar?!
que surpresa agradável!
- vim porque elizabeth insistiu muito. deve estar me esperando e
preocupada com a demora...
- se bem conheço elizabeth, está mesmo. ela é bem do tipo
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de pessoa que se apega a heróis. mas eu sou bem diferente. se pensa que
vai chegar à fazenda e dar ordens a todo mundo...
- está confundindo as coisas! o tirano, o dominador aqui é você, não eu!
- ao menos não escolhi uma profissão para tirar recalques. você deve ser
professora para poder mandar nas coitadinhas das crianças!
susan preparou uma resposta ácida, mas calou-se. tolice se ofender com
uma acusação ridícula como aquela. além do mais, precisava dele para sair
dali e brigar não seria a melhor maneira de convencê-lo a isso.
- essa discussão não vai nos levar a nada - afirmou, controlando-se. -
ganharemos mais decidindo como resolver esse problema.
burke aproximou-se do carro e olhou para o interior. por um momento,
susan se perguntou se ele ignoraria a proposta de trégua. no entanto, a
expressão dele era calma quando voltou a fitá-la.
- onde está seu casaco?
- lá atrás.
ela olhou desconsolada para o porta-malas, cuja porta se comprimia contra
a enorme pedra. só mesmo um maçarico a abriria de novo. e, para piorar, o
elegante tailleur de lãzinha que usava não seria suficiente para protegê-
la do frio cortante.
- Ótimo! - burke resmungou. - na certa, fazendo companhia ao seu chapéu e
às suas botas...
- quando saí de casa hoje de manhã, o tempo estava lindo
- susari retrucou com raiva. - não podia imaginar que teria de fazer uma
caminhada na
neveí.
- acontece que estamos no colorado, professora, e em pleno mês de
dezembro. temos que estar preparados para tudo...
- pare de me chamar de professora! meu nome é susan! ela afastou-se,
irritada por perder o controle. o vento gelado
penetrava no tecido da roupa, fazendo-a tremer.
burke observou-a por um momento, com ar impassível. depois, foi até a
caminhonete, pegou um gorro de lã surrado e um cobertor xadrez e
entregou-os a susan. o gorro ficara enorme para ela e o cobertor tinha um
cheiro forte de mofo. contudo, não era o momento para se preocupar com
elegância ou perfume. aquele
homem podia abandoná-la ali na estrada caso o irritasse. além disso, as
peças protegiam contra o frio intenso, assim, susan as colocou no corpo
sem maiores hesitações.
- muito bem, professora! pensei que as moças da cidade suportassem
cheiros fortes...
burke sorriu diante da expressão de raiva que invadiu o rosto de susan e,
de repente, lhe deu as costas e começou a se afastar.
- aonde você vai? - ela perguntou.
- já disse, temos de andar até a fazenda. fica a alguns quilómetros daqui
e quanto mais cedo começarmos, mais cedo chegaremos.
só de imaginar a caminhada no meio da neve, susan sentiu um arrepio.
- por que não esperamos um pouco? - sugeriu. - elizabeth está me
esperando. se eu não aparecer, vai mandar alguém...
- e ela sabia a que horas você pretendia chegar?
- não, isto é... eu recusei a carona de randy e decidi vir sozinha.
liguei de denver antes de sair... se ela calcular as horas...
- e por que você não veio com randy?
susan pensou no que dizer. recusara a oferta por temer maiores
intimidades e, para tanto, inventara uma reunião de professor sem hora
certa para terminar... mas sua atitude não vinha ao caso.
- e você? - ela perguntou. - ninguém virá procurá-lo?
- claro que não, acabei de sair da fazenda. não esperam que eu volte tão
cedo.
na certa, tinha um encontro, ela pensou. por isso, ficara tão zangado com
o acidente... de certa forma, compreendia, porém isso não amenizava o
mal-estar provocado pela grosseria característica de burke.
a ideia de caminhar até a fazenda se assemelhava a um pesadelo para
susan. como se não bastasse o frio e o cansaço, aturar o mau humor de
burke lhe parecia um sacrifício sem tamanho. no entanto, não havia
alternativa. ela não conhecia a estrada e, em breve, seria noite. se o
lugar já estava deserto àquela hora, a situação pioraria com o passar do
tempo. talvez elizabeth mandasse mesmo buscá-la, mas ela já estaria morta
de frio ou de medo quando isso acontecesse.
- como é, professora? o que decide?
a expressão de burke não era nada amigável, contudo susan
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resolveu não discutir. enrolou-se mais no cobertor e aproximouse dele.
- parece que não tenho muita escolha - suspirou, resignada.
burke retomou o caminho sem olhá-la e eles caminharam em silêncio sobre
as marcas deixadas pelos pneus da caminhonete. o ritmo das passadas dele
era rápido e seguro e susan procurava acompanhá-lo sem queixas. aquilo
não era um passeio, repetia para si mesma, já ofegante. andar depressa
ajudava a espantar o frio...
em breve, a noite desceu sobre eles e a nevasca diminuiu de intensidade,
restando apenas alguns flocos ocasionais. exatamente como quando ela
encontrara elizabeth pela primeira vez...
ainda nevava naquela noite de início de primavera. após fazer compras num
supermercado, susan foi apanhar o carro. em meio às sombras do
estacionamento, viu dois vultos movendo-se de modo estranho, como numa
luta corporal. com cautela, aproximouse e confirmou as suspeitas: duas
pessoas brigavam e uma delas era mulher.
a situação de conflito ficou mais nítida quando um grito feminino ecoou
no estacionamento vazio. apesar do medo, susan correu até o local para
acudir e sua aproximação afastou o assaltante. fugindo em disparada, o
agressor deixou cair a faca com a qual atacara a senhora, que chorava
pedindo ajuda.
enquanto susan a acalmava, surgiram dois rapazes, atraídos pelo barulho.
eles perseguiram o assaltante, mas este escapara. na fuga, porém,
esquecera a bolsa roubada, que os dois devolveram à dona ao voltarem.
depois de ajudarem susan a proceder os primeiros socorros, chamaram a
polícia e uma ambulância.
a senhora agredida, elizabeth gerard, estava muito ferida e assustada e
segurava a mão de susan em busca de apoio e proteção. sem coragem de
deixá-la sozinha depois de uma experiência tão traumatizante, susan a
acompanhou ao hospital.
os primeiros exames da paciente logo denunciaram problemas. elizabeth
fraturara a perna quando fora atirada ao chão pelo assaltante, e se não
sofresse uma cirurgia imediata, corria grave risco de ter a perna
amputada, vítima de uma infecção generalizada. sem alternativa, susan
autorizou a cirurgia, embora mal conhecesse a doente.
enquanto esperava a operação terminar, susan examinou o conteúdo
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da bolsa da senhora que socorrera. na agenda achou o nome de burke
gerard, que deveria ser contatado em caso de qualquer emergência. ligou
para o número indicado,
pensando em se tratar do marido. por alguma razão ficou aliviada quando a
empregada informou que o "senhor gerard" não estava em casa. deixou um
recado cuidadoso sobre o acidente e esperou que ele a procurasse.
horas mais tarde o sr. gerard ligou para o hospital. susan já não sabia
se o detestava pela falta de consideração com a esposa, ou se temia que
ele fosse tão idoso a ponto de sentir-se mal com a notícia. quando
atendera ao telefonema, porém, a voz enérgica do outro lado da linha
desfez de imediato a ilusão de um marido idoso e apavorado.
com frieza espantosa para as circunstâncias, o sr. gerard informou que só
poderia ver elizabeth dentro de dois dias. até lá, susan deveria cuidar
de todos os detalhes para o bem-estar da doente, mediante uma bela soma
em dinheiro.
escandalizada com a oferta e ainda mais com a falta de sensibilidade do
marido da enferma, susan reagiu à proposta com uma série de desaforos.
entre outras coisas, chamou-o de monstro por tratar a esposa com tamanho
descaso. depois de ouvir em silêncio o desabafo, ele esclareceu com muita
calma que elizabeth não era sua esposa, mas sim, mãe. disse que não podia
se ausentar da fazenda onde morava por causa da nevasca. as estradas
estavam bloqueadas e o tráfego impraticável.
a tensão das últimas horas tornara susan mais explosiva do que de
costume. depois de acusar burke de mercenário e irresponsável, ia dizer o
que fazer com o tal cheque quando ele a interrompeu. informou que
chegaria tão logo fosse possível e, sem esperar resposta, desligou.
caminhando de cabeça baixa por causa do vento, susan sentia a umidade da
neve penetrar-lhe as solas finas dos sapatos, e suas mãos, dormentes,
seguravam o cobertor com dificuldade. a um certo trecho do caminho,
tropeçou numa pedra e, sem querer, esbarrou em burke. ele estendeu a mão
para ampará-la, mas susan continuou a andar ignorando o gesto.
- não falta muito - ele anunciou. - já percorremos quase a metade.
susan deu de ombros com indiferença. por dentro, contudo,
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uma onda de desânimo a invadiu. pensava estar quase chegando na fazenda!
entretanto, preferia a morte a confessar a burke o quanto se sentia
cansada. se ele fora arrogante e mesquinho com a própria mãe, não seria
com ela que demonstraria compaixão!
randy, o filho mais novo de elizabeth, chegara ao hospital primeiro.
encontrava-se na universidade quando o irmão lhe dera a notícia e pegara
o carro poucas horas depois da liberação parcial das estradas.
depois de visitar a mãe, ele telefonara ao irmão e o alertara de que o
estado de elizabeth, embora bom, exigia repouso. oferecera-se para ajudá-
lo na fazenda enquanto ela se resguardasse, mas burke recusara insistindo
que ele fizesse companhia à mãe. esta, por sua vez, dispensou-o da
obrigação. alegando que burke logo chegaria, mandou o caçula de volta aos
estudos. se precisasse de alguma coisa, pediria a susan, já que a nova
amiga se predispusera a visitá-la todas as noites.
e assim foi feito. na noite seguinte, susan encontrou elizabeth triste e
decepcionada, pois burke telefonara outra vez se desculpando. estava
atarefado na fazenda,
era impossível sair...
para susan, tal desconsideração era incompreensível. Órfã desde muito
pequena, fora criada na casa de vários parentes que se revezavam na
educação dela e dos dois
irmãos. invejava burke e randy por terem uma mãe meiga e bondosa como
elizabeth, e a indiferença de burke em relação a ela a deixava indignada.
naquela noite, não se conteve: foi ao telefone e acusou burke de ter
abandonado a mãe. furioso, ele retrucara à altura, chamando-a de
intrometida e insolente. a troca de insultos não durou muito tempo, pois
susan interrompera a ligação. em vez de discutir com aquele monstro,
ganharia muito mais dando carinho e atenção a elizabeth.
no dia seguinte, susan encontrou-a radiante quando entrou no quarto.
burke estivera no hospital naquela manhã e prometera voltar mais tarde.
sem saber dos desentendimentos constantes entre os dois, elizabeth
insistira para susan conhecer o filho mais velho pessoalmente.
inventando um compromisso inadiável, susan evitou um contato direto com
burke. depois de tantas acusações mútuas, conhecê-lo seria extremamente
desagradável. por mais que tentassem ocultar a tensão existente,
elizabeth perceberia e ficaria
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aborrecida.
burke pareceu pensar da mesma forma, pois, nos dias posteriores, sempre
avisava com antecedência o horário da próxima visita. para susan foi
fácil evitar o encontro.
não contou nada a elizabeth sobre o segundo telefonema e, na certa, burke
também não tocara no assunto. agira impulsivamente ao se intrometer em
assuntos de família e, de certa maneira, reprovava o próprio
comportamento. mas, apesar de quase não se conhecerem, uma amizade forte
e sincera nascera entre ela e elizabeth. susan se preocupava demais com o
bem-estar da amiga e não entendia como burke conseguia desprezá-la como
fazia.
mesmo depois da alta de elizabeth, as duas mantiveram contato por
telefone. susan sempre evitava falar sobre burke e, assim, o
relacionamento entre ambas corria às mil maravilhas...
susan andava sobre a neve corroendo-se de arrependimento por ter aceitado
o convite de elizabeth. o que lhe dera na cabeça para cometer uma tolice
daquelas?! se a amiga tivesse telefonado em outro momento, com certeza
encontraria uma desculpa para se escusar da oferta. mas se sentia tão
solitária quando elizabeth a procurara...
desde a transferência dos irmãos para países distantes, a trabalho,
encarara como uma vantagem poder dirigir a própria vida, sem
interferências. contudo, a aproximação do natal a deixara com uma
terrível sensação de vazio. nostálgica, lembrava-se dos natais passados
em família, a movimentação dos primos, os presentes na árvore luminosa e
colorida.
elizabeth lhe propusera passar as festas na fazenda e fora tão meiga e
amável que susan nem pensara em recusar o convite. naquele momento, as
diferenças entre ela e burke lhe pareceram superáveis. quem sabe se ele
não reconsiderara as próprias atitudes e se desculpara com a mãe? talvez
passasse por problemas difíceis na ocasião do assalto, mas não fosse uma
pessoa má...
tarde demais percebia o engano e perguntava a si mesma como elizabeth
criara dois filhos tão diferentes. randy era amável, gentil e prestativo.
susan notara o carinho e a consideração dele para com a mãe em cada
gesto, olhar ou sorriso. por outro lado, burke...
irritou-se outra vez com a ostensiva frieza dele diante de problemas tão
graves. e pensar que elizabeth nunca se queixara,
sempre
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fora compreensiva e tolerante com aquele monstro!...
enrolou-se ainda mais no cobertor, prestando atenção na estrada. a noite
estava muito clara. a lua cheia iluminava os flocos de neve, que bilhavam
como pedacinhos
de cristal. susan prestava atenção a essas belezas para não pensar no
próprio cansaço. mas o corpo lhe doía pelo esforço da caminhada e,
naquele momento, só desejava um banho bem quente...
- está vendo aqueles pontos luminosos lá na frente? - burke interrompeu-
lhe os devaneios de repente, apontando para o local. - são as luzes da
fazenda. não está muito longe, é só passarmos esse pequeno morro...
aos olhos de susan, a elevação parecia o monte everest. entretanto, ela
não encontrou forças para fazer tal observação em voz alta. ao invés
disso, guardou o último fôlego para a etapa final da estrada.
mal dera dez passos, porém, e as pernas bambearam, os músculos se
contorcendo em cãibras terríveis. perdendo o equilíbrio, susan caiu na
neve. burke seguia alguns passos à frente, mas, ao ouvir-lhe os gemidos,
parou e veio acudi-la.
- já sei, essa estrada tem buracos demais para uma moça da cidade - ele
deduziu com ironia, estendendo-lhe a mão.
susan ergueu o rosto pálido, os olhos verdes brilhando de dor.
- são cãibras, passam já - retrucou, seca.
o sorriso de burke desapareceu imediatamente.
- por que não disse antes?
- isso é perigoso... eu sei, pode dar gangrena, não é isso?!
- ela gritou, irritada.
susan sentiu um estranho prazer ao perceber no rosto de burke uma
preocupação mal disfarçada. ignorando a mão que ele lhe estendia,
levantou-se com dificuldade.
- não se preocupe, precisaria o dobro dessa caminhada com neve até os
joelhos para isso acontecer, sr. gerard. ninguém vai cortar minhas pernas
na sua sala de visitas, fique tranquilo.
susan fitou-o com ar de desafio. pela primeira vez desde que o conhecera,
burke parecia desconcertado.
- por que não disse antes? - ele repetiu, como se não tivesse ouvido as
últimas palavras de susan.
- adiantaria alguma coisa? você ia pensar que era preguiça de moça da
cidade.
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- podia ao menos tentar! se acontecer alguma coisa, eu não...
- cale a boca! farei o grande favor de não morrer em sua casa, já falei!
agora, me deixe em paz!
ela suportara a tudo com resignação: a neve, o frio, o cansaço, as
brincadeiras de mau gosto e até a dor. mas aquele homem resmungando em
suas costas para se eximir de uma responsabilidade era demais!
ainda trôpega, susan tomou a dianteira da caminhada. pela milésima vez,
maldisse a hora em que aceitara aquele convite. passar o natal na mais
completa solidão era preferível a aguentar a presença daquele homem
insuportável!
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capÍtulo ii

susan quase não acreditou quando subiu as escadas de mármore da varanda


da fazenda. as luzes vindas do interior da casa ofuscaram-lhe a vista
cansada, e as pernas,
doloridas, fraquejaram nos últimos degraus. burke lhe ofereceu o braço e,
desta vez, ela aceitou. causaria boa impressão a elizabeth um
comportamento cordial entre eles.,, ao menos num primeiro momento.
elizabeth aproximou-se da porta envidraçada com um sorriso franco e
aberto. porém, ficou séria ao ver a expressão de cansaço dos dois.
- o que foi que aconteceu? - ela abriu a porta e deu-lhes passagem. - meu
deus! o que houve?
- nada - burke retrucou, amparando susan para que entrasse no hall. - eu
e a srta. maccoy tivemos apenas um encontro meio tumultuado.
em poucas palavras explicou o acidente e, para surpresa de susan, não a
culpou. ao invés disso, responsabilizou a estrada por causa da nevasca. o
repentino senso de justiça, contudo, não impressionou susan. na certa,
ele também não tinha intenção de discutir com a amiga de sua mãe logo no
primeiro dia.
- pobre susan! - elizabeth exclamou, preocupada. - vá tomar logo um banho
quente, querida; você deve estar morta de frio!... mas esse cobertor está
com um cheiro horrível! não tinha nada melhor para agasalhá-la, burke?!
ele deu de ombros, tirando o casaco.
- foi a única coisa que encontrei.
elizabeth fez menção de protestar, mas susan a interrompeu com um
sorriso.
- estou mesmo precisando de um banho, elizabeth. só me diga onde é o
banheiro.
- pode deixar, querida, eu a levo. assim lhe mostro o quarto onde você
vai ficar. onde estão suas malas?
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- tive de deixá-las no carro...
- que pena! - elizabeth voltou-se para o filho e, com ar de doce
repreensão, acrescentou: burke, você poderia ter...
- não poderia, não - ele a cortou com firmeza. - você queria que eu
caminhasse dois quilómetros na neve, carregando malas? mando alguém
buscá-las amanhã.
e saiu da sala sem esperar resposta. elizabeth ficou meio desconcertada
com as maneiras bruscas do filho, mas não fez nenhum comentário. ao
contrário, ofereceu-se para emprestar algumas roupas a susan por aquela
noite e, em seguida, levou a hóspede ao andar de cima onde ficavam os
quartos e banheiros.
enquanto comentavam o acidente, elizabeth preparou para susan um banho de
imersão. colocou generosa porção de sais perfumados na água quente para
tornar o banho mais relaxante. depois, retirou-se, deixando sua hóspede à
vontade.
susan tirou as roupas e entrou na água tão logo se viu sozinha. deitada
com a cabeça apoiada na borda da banheira, deixou o calor da água
aquecer-lhe o corpo fatigado. sentiu-se no paraíso, em especial por causa
da carinhosa acolhida de elizabeth. depois de tantas desavenças com
burke, o afeto da amiga consolaralhe a alma como a água quente
confortava-lhe os músculos doloridos.
não era um bom começo para uma visita, pensou. burke deixara bem claro
que não desejava a presença dela naquela casa. nem mesmo demonstrara
gratidão por ter cuidado
de elizabeth em circunstâncias tão especiais. ao invés, guardava rancor
apenas porque ela se aventurara a dar palpites na relação dele com a
mãe...
não haviam sido só alguns palpites, susan admitiu com relutância depois
de refletir um pouco. mesmo assim, se acontecesse tudo de novo, reagiria
da mesma forma. não conseguiria ver tantos erros calada. pouco lhe
importava a hostilidade de burke! aturaria suas atitudes grosseiras por
poucos dias e assim mesmo por consideração a elizabeth. depois, iria
embora e nunca mais o veria.
de repente, a porta do banheiro se abriu e burke entrou. susan afundou-se
na espuma, dando graças a deus por elizabeth haver exagerado nos sais.
- mas isso é o cúmulo! - ela exclamou, indignada. - me
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deixe tomar banho em paz, pelo menos!
um tanto confuso, ele ficou sem ação por um instante. em seguida franziu
a testa, irritado.
- eu é quem deveria dizer isso, moça! você está no meu banheiro.
- nosso, pelo menos enquanto eu estiver aqui. estou no quarto ao lado do
seu e usaremos o mesmo banheiro. agora, se não se importa, faça o favor
de se retirar!
burke resmungou alguma coisa e saiu emburrado, batendo a porta atrás de
si. susan soltou um suspiro de alívio, perguntando-se de onde tirara
tanto sangue-frio. enfrentara a situação como se ambos estivessem numa
sala de visitas! ao mesmo tempo, recriminou-se por ficar tanto tempo no
banho sem fechar a porta de comunicação que unia os dois aposentos.
- vai demorar muito tempo?!
a voz de burke soava rabugenta do outro lado da porta. - já vou sair!
- acho bom! você não foi a única pessoa que passou frio hoje. eu também
preciso de um banho quente!
susan enrolou-se na toalha e deixou o recinto depressa. com o génio
terrível de burke não se brincava! ele era bem capaz de usar o banheiro
com ela lá dentro.
encontrou um penhoar e uma camisola de flanela dobrados sobre a cama.
elizabeth gentilmente os deixara ali para ela usar. vestiu-os e sentou-se
diante do espelho da penteadeira para secar os cabelos. com rápidas
escovadas, os longos fios dourados ganharam volume e o brilho de antes.
susan reparou, então, no próprio rosto. apesar da pele do nariz e das
maçãs do rosto estar ainda avermelhada por causa do frio, tinha uma
aparência bastante descansada. os sais para banho de elizabeth haviam
amaciado-lhe a pele, conferindo-lhe uma textura aveludada. apenas os
olhos achavam-se sombreados por pequenas olheiras, acentuadas pelo tom
escuro dos cílios longos e das sobrancelhas bem delineadas... mas isso se
curaria com uma boa noite de sono.
após leves batidas à porta, elizabeth entrou com uma bandeja nas mãos.
era o jantar, uma suculenta sopa de ervilhas acompanhada por torradinhas
douradas de manteiga. susan sentou-se na cama e saboreou com prazer
aquelas delícias, enquanto conversava
19
com a anfitriã sobre assuntos amenos.
- a sopa estava divina! - exclamou por fim, colocando a bandeja sobre o
criado-mudo. - mas eu não queria lhe dar todo esse trabalho...
- trabalho nenhum, susan. ainda bem que você não se machucou no acidente.
- só sinto pela caminhonete. posso pagar o conserto...
- não é preciso, querida. afinal, a culpa não foi sua. e, depois, a
caminhonete não ficou muito estragada. burke disse que a traseira do seu
carro é que amassou de verdade...
- e ele deve achar bem merecido.
elizabeth sorriu e sacudiu a cabeça, complacente.
- você e burke não se dão muito bem, não é? - ela indagou, um tanto
encabulada. - quando chegaram, pareciam dois ouriços. vocês andaram
discutindo?
- não. - susan mentiu. - apenas ficamos irritados com as
circunstâncias... mas, diga, quais são seus planos para os feriados?
- ah, não! não queira mudar de assunto. burke foi muito desagradável por
causa do acidente?
- no lugar dele, eu também seria. todo motorista fica furioso numa
situação como aquela.
- burke às vezes é meio dominador. mas, quando você o conhecer melhor,
vai descobrir que é uma pessoa maravilhosa!
susan sorriu um tanto relutante. achava difícil mudar de opinião, embora
não fosse confessá-lo a elizabeth.
- não posso julgar ninguém, meu génio também não é nada fácil - admitiu,
dando de ombros. - por causa dos meus irmãos, acabei ficando meio arredia
com os homens.
- por quê?
- não gosto que me tratem como uma criatura frágil, que não sabe tomar
decisões sozinha.
- mas essa atitude acabou faz muito tempo, querida. hoje o relacionamento
entre homens e mulheres é muito diferente.
- devia dizer isso a burke.
- ele tem mesmo mania de mandar, mas não é culpa dele. meu marido morreu
quando ele ainda estava estudando... pobre james! achou que tomaria conta
da fazenda por muitos anos e nos deixou numa situação complicada. os
sócios de meu marido não queriam que burke assumisse o lugar do pai. ele
teve de lutar
muito
20
para conseguir se impor. você sabe, a juventude é sempre uma desvantagem
nesses casos... muita gente tentou tirar a autoridade de meu filho,
enganá-lo, roubar
o controle dos negócios da nossa família. burke os venceu... mas mudou
tanto!
o rosto de elizabeth tornou-se triste de repente. susan avaliava o
sofrimento dela vendo o filho se transformar em outra pessoa por culpa
das circunstâncias.
- ele era um menino alegre, que confiava em todo mundo a senhora
prosseguiu com um sorriso melancólico. - mas precisou amadurecer da noite
para o dia... muita gente o acha impiedoso, mas ele é sempre muito justo
e honesto. no fundo, meu filho ainda é uma pessoa terna e amorosa, mas só
demonstra esse lado para a família e alguns amigos... talvez uma esposa
lhe abrandasse o génio...
- ele é um homem bonito. deve ter muita moça por aqui interessada nessa
tarefa...
- tem, sim, mas desde o rompimento do noivado com tiffany... ela é filha
de um velho amigo, aliás nosso vizinho também. os dois eram amigos desde
pequenos. todos
nós sabíamos que iam acabar se casando. ficaram noivos quando ela fez
dezenove anos. mas logo depois meu marido faleceu e burke teve de ficar à
frente dos negócios. nos dois anos seguintes, enfrentou toda espécie de
dificuldade e problemas... não tinha muito tempo para a noiva e tiffany
se sentiu abandonada. mas tudo teria se acertado se um amigo de burke dos
tempos de colégio não viesse passar as férias aqui. burke pediu a steven
para distrair tiffany, fazer-lhe companhia... um mês depois, eles fugiram
para se casar.
- que horror! um amigo de verdade não faria uma coisa dessas!
elizabeth deu de ombros com um suspiro resignado.
- steven era muito mimado. herdeiro da família tallerton, uma das mais
ricas do oeste. estava acostumado a ter tudo o que queria e, quando se
apaixonou por tiffany, não deixou que nada interferisse entre os dois.
mas tenho certeza, ele a amava de verdade e a fez muito feliz. quando
vinham para cá, pareciam um casal muito unido.
- eles vinham visitá-los?!
- não, mas iam na fazenda do pai dela... sabe como é, cidade pequena, a
gente acaba encontrando todo mundo. o pai de
21
tiffany ficou desolado com o que aconteceu. burke por sua vêz mergulhou
de vez no trabalho e, por muito tempo, nem tocou no assunto... teve
outras namoradas depois, mas eu acho que nunca esqueceu tiffany...
elizabeth ficou pensativa por alguns instantes, talvez lembrando o
sofrimento do filho. o noivado malsucedido justificava a prevenção de
burke contra as mulheres. também explicava a arrogância e a frieza com
que tratava as pessoas. decerto, a mãe e o irmão o haviam mimado demais,
numa tentativa de compensálo pelas experiências desagradáveis que havia
experimentado. por isso, ele não encontrava mulher nenhuma capaz de se
curvar à sua tirania.
- ...e, quando ela pediu, eu disse que podia vir.
ao notar que perdera o fio da conversa, susan voltou à tona dos próprios
pensamentos.
- desculpe, elizabeth, eu estava distraída... o que disse sobre tiffany?
- que ela vem passar o natal conosco. não lhe disse isso por telefone?
- não, você disse que só a família estaria aqui.
- É que tiffany e ronnie são quase parte da família.
- ronnie? É o apelido do marido dela?
- não, querida - elizabeth riu. - esqueci de lhe contar. tiffany ficou
viúva há dois anos. steven era advogado, ia defender uma causa em nova
orleans... o avião sofreu um acidente. tiffany ficou arrasada. no ano
passado, nem festejaram o natal e esse ano tiffany quer passá-lo aqui,
por causa de ronnie, filha dela. fará bem às duas saírem um pouco de nova
york onde todas as lembranças de steven são mais vívidas. estava tudo
combinado com o pai dela, mas o senador viajou às pressas para a china, a
fim de participar de um congresso de agricultura. embora saiba que o pai
não vai estar por aqui, tiffany decidiu vir e ficar em nossa fazenda.
você vai gostar de tiffany. ronnie, então, é uma criança maravilhosa!
- então, está tudo superado...
- o rompimento do noivado? claro! burke e tiffany continuaram amigos. ela
me disse que ele a ajudou muito depois da morte de steven. foi burke e o
pai dela quem a confortaram depois do funeral... aliás, essa visita veio
bem a calhar.
22
- por quê?
- aqui entre nós - elizabeth assumiu um ar maroto -, acho ótimo que burke
tenha uma segunda chance. quem sabe agora encontrará a felicidade? ele
nega, mas tenho certeza de que não se casou até hoje esperando uma mulher
que fosse igual a tiffany. de certa forma, tem razão. onde ele vai
encontrar outra jóia como aquela?!
elizabeth ainda passou alguns minutos elogiando tiffany, depois despediu-
se e saiu, levando a bandeja. quando ficou sozinha, susan se perguntou
qual seria a mulher ideal para burke: uma capaz de enfrentá-lo, ou uma
submissa a todos os caprichos?
elizabeth pintara tiffany como a nora ideal. não escondia o desejo de ver
o casamento por fim acontecer. talvez, na opinião dela, já estivesse na
hora do filho formar uma família. burke tinha mais de trinta anos,
segundo ela a idade certa para um homem pensar nesse assunto com
seriedade...
mas como burke se sentia em relação aos planos da mãe? independente como
era, só se casaria com tiffany se tivesse vontade. e ele não parecia
capaz de perdoar alguém que o abandonara...
susan fechou os olhos e ficou imaginando a mulher que burke amara tanto.
sem perceber, acabou adormecendo...
na manhã do dia seguinte susan acordou totalmente refeita do cansaço da
longa caminhada na neve. dormira muito bem, mergulhada no silêncio
gostoso da casa da fazenda. como estava habituada a acordar cedo, não se
surpreendeu ao olhar no relógio de pulso sobre o criado-mudo. os
ponteiros delicados marcavam seis e meia. ela sorriu e abandonou o
relógio onde estava antes. quem bom não precisar correr para dar a
primeira aula!
aconchegando-se mais às cobertas, admirou mais uma vez o bom gosto da
decoração do quarto. as paredes cobertas de papel azul-claro formavam um
bonito contraste com o tom escuro dos móveis de mogno. embora houvesse
aquecimento central, uma lareira de mármore branco dominava uma das
paredes, dando ao ambiente um toque de sofisticação. cortinas de pregas
enfeitavam as janelas e a porta envidraçada dava para um pequeno terraço.
susan espreguiçou-se e levantou devagar. seria inútil tentar dormir de
novo. elizabeth dissera que acordava cedo todos os dias, portanto não
seria deselegante sair do quarto àquela hora.
23
ao abrir a porta ficou contente ao ver suas malas depositadas no chão.
burke cumprira a promessa do dia anterior. levando-as para dentro do
cómodo, guardou as peças no armário e escolheu, para uso, uma calça jeans
e um suéter grosso rosa pálido. depois de pronta, olhou a própria imagem
no espelho da penteadeira. sorriu e fez um gracioso muxoxo para si mesma,
enrugando os lábios carnudos. talvez ganhasse alguns quilinhos naqueles
dias, pensou, examinando a própria silhueta. e isso não seria nada mal.
apesar das colegas de trabalho lhe invejarem o corpo esguio e a estatura
elevada, susan sempre desejara engordar um pouco...
após arrumar sua cama, susan desceu as escadas até o hall. a julgar pelo
convidativo aroma de café vindo de uma porta à esquerda, aquela só podia
ser a cozinha.
atravessou uma sala escura e empurrou a porta.
encontrou burke sentado à mesa, tomando café e olhando pela ampla janela.
elizabeth, de costas para a porta, estava ocupada no fogão. quando a viu,
burke cumprimentou-a com frieza. susan esboçou um sorriso e respondeu com
um leve gesto de cabeça.
- bom dia, querida - a anfitriã voltou-se e sorriu-lhe com doçura. -
pensei que fosse dormir até mais tarde.
- É o hábito de levantar cedo e um pouco de fome, confesso. mas não quero
atrapalhar...
- não atrapalha em nada. burke e eu sempre acordamos muito cedo. sente-se
e coma um pouco desses ovos mexidos. estão quentinhos...
elizabeth colocou diante dela um prato. susan sentou-se e saboreou a
iguaria, servindo-se depois de algumas torradas com geléia acompanhadas
por uma generosa xícara de café.
- estava tudo uma delícia, elizabeth - elogiou, quando terminou a
refeição. - nunca comi tão bem na vida! acho que o ar daqui me abriu o
apetite... agora, deixe-me ajudá-la a lavar a louça.
- não se preocupe com isso. a empregada virá mais tarde e colocará tudo
em ordem. quer mais um pouco de café?
susan aceitou a oferta e deixou que elizabeth lhe enchesse a xícara outra
vez. com cautela admirou a cozinha. era moderna, funcional, e, ao mesmo
tempo, sofisticada, toda feita em madeira rústica e clara. um ambiente
delicado e aconchegante, bem do
24
gosto de elizabeth.
susan e a anfitriã conversaram enquanto bebiam o café. burke apenas as
escutava enquanto olhava os altos pinheiros através da vidraça. só
participava quando requisitado pela mãe, mesmo assim por monossílabos.
susan fingia não se incomodar com a indiferença dele. para não
constranger elizabeth, inventava novos assuntos que não precisassem tanto
da interferência de burke. entretanto, por dentro, explodia de irritação.
quem era ele para colocar a própria mãe numa situação daquelas?! a pobre
senhora se desfazia em sorrisos e gentilezas, mas mal ocultava o embaraço
diante do comportamento do filho.
foi um alívio para ambas quando o telefone tocou na sala de visitas.
elizabeth pediu licença e foi atender, deixando susan a sós com burke. ao
vê-la livre das grosserias do filho, susan nem se importou com o silêncio
pesado que reinou entre os dois.
- você não teve mais cãibras como as de ontem à noite, teve?
- ele perguntou de repente.
susan fitou-o, espantada. burke mantinha os olhos fixos na xícara vazia
diante dele, com uma expressão muito séria no rosto.
- não tive, não... aliás, quase nunca tenho isso. só quando abuso um
pouco de caminhadas...
burke parecia não ouvi-la, seu olhar mantinha-se distante e fixo na
xícara de café. quando a encarou, havia nele um misto de preocupação e
constrangimento.
- eu não teria duvidado se você me contasse sobre as cãibras
- murmurou por fim.
só então susan compreendeu: burke estava lhe pedindo desculpas! e para um
homem arrogante como ele, a tarefa não era das mais fáceis!, pensou
perplexa. primeiro, agia como se ela fosse uma intrusa, para, logo em
seguida, demonstrar preocupação com o seu bem-estar... não sabendo o que
responder, apenas sorriu.
- randy sofria de cãibras quando era garoto - burke lembrou, distraído. -
com o tempo, desapareceram.
- então me dê a receita! estou doida para acabar com as minhas...
ele deu de ombros, como se não soubesse. susan observou-o por alguns
minutos. quando estava calmo, burke ficava bem parecido
25
com o irmão caçula. aos vinte anos, randy ainda trazia no rosto um ar
infantil que, na certa, desaparecera da expressão de burke havia muito
tempo. contudo,
o cabelo loiro, os olhos, o nariz e queixo bem-feitos e angulosos
indicavam logo o parentesco existente entre os dois.
porém, na personalidade eram totalmente opostos. extrovertido e
impetuoso, randy irradiava confiança e bom humor. burke encarava o mundo
com mais cautela e pensava duas vezes antes de agir. lutava por suas
convicções, mas sempre colocava o lado racional em primeiro plano.
- você também sofreu de cãibras quando era pequeno? - susan perguntou,
forçando um ar dramático.
- não. randy e eu somos diferentes até nisso...
- eu não acho. fisicamente, pelo menos, vocês se parecem muito.
nesse momento, elizabeth entrou na cozinha e sorriu, espantada e feliz
com a harmonia repentina que invadira o local.
- eu sempre digo isso a ele, susan, mas burke não acredita
- ela afirmou, sentando-se à mesa junto com eles.
- por favor, não digam isso a ele! - burke exclamou, rindo.
- de mim, ele não aceita nem conselho! mas isso passa... randy está na
idade da auto-afirmação. há dois meses, queria ser alpinista, depois,
campeão de rodeios. agora está falando em se alistar no corpo da paz.
daqui a pouco, inventa outra tolice...
- por que tolice? - susan quis saber.
- porque há muita coisa para se fazer, aqui mesmo, no país dele. talvez
não trabalhos tão grandiosos, mas da mesma importância.
- dê-lhe tempo - elizabeth sugeriu. - randy é muito novo ainda, não sabe
direito que rumo seguir.
- você concorda que ele faça essa loucura?! viver sem nenhum conforto, no
meio de uma selva qualquer do mundo?!
- claro que não, filho! mas também não quero forçá-lo a fazer o que não
quer.
burke deu de ombros.
- eu fui forçado e isso não me prejudicou em nada.
- É verdade. mas eu ainda me culpo porque sua vida foi determinada pelas
circunstâncias da morte de seu pai, não por sua vontade...
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- não estou me queixando. só quero que randy aproveite melhor a chance
que tem de escolher seu futuro.
susan ouvira aquela mesma frase mil vezes dos irmãos quando eles
discordavam de suas decisões e ficara furiosa. por isso, quando elizabeth
a incluiu na conversa, perguntando-lhe a opinião, resolveu ser sincera.
- acho que só mesmo randy pode dizer o que é melhor para ele - afirmou.
ao ouvir isso, burke lançou-lhe um olhar cheio de raiva.
- só quem o conhece bem, como eu, sabe o que é melhor para ele. - você
não pode opinar sobre esse assunto porque está nessa casa há menos de
vinte e quatro horas.
- acontece que ele já tem vinte anos. tem direito de decidir a carreira
que pretende seguir.
- randy é só um menino! como pode decidir alguma coisa?! eu só tinha
vinte e dois anos quando meu pai morreu. tive de
- dirigir a fazenda e deu tudo certo, para mim e para todo mundo.
- e como você não pôde fazer o que queria, com randy tem de ser a mesma
coisa?!
burke atirou o guardanapo sobre a mesa, irritado.
- não estou descontando frustrações em cima do meu irmão, se é isso que
está insinuando. gosto do meu trabalho, sempre o encarei como um desafio.
as circunstâncias me obrigaram a amadurecer um pouco mais cedo do que
costuma a maioria dos rapazes, mas isso foi bom para mim. e acho que um
pouco de responsabilidade não faria mal a randy.
- responsabilidade não significa coaçào. sei muito bem o que digo. tenho
dois irmãos que passaram a vida querendo decidir as coisas por mim.
- apesar da sua grande experiência, vou continuar agindo como acho que
devo.
embora o tom da resposta fosse calmo, burke a fuzilava com o olhar. mesmo
assim susan não recuou diante da ameaça muda.
- se você deixar randy escolher por ele mesmo, ele sempre vai respeitar
as suas decisões. mas se você lhe impuser as suas vontades, seu irmão vai
se afastar de você.
burke levantou-se da mesa num impulso.
- eu passo muito bem sem as suas opiniões, moça. eu já sabia que sua
vinda aqui me causaria problemas, mas era a vontade
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de mamãe. você veio por causa dela e é com ela que tem de se entender. eu
agradeceria muito se você e seu modo de pensar ficassem fora do meu
caminho!
burke atravessou a cozinha a passos decididos e, saindo, bateu com força
a porta de entrada.
28
capÍtulo iii

susan e elizabeth terminaram o café caladas. susan culpava-se pela


discussão absurda com burke. prometera a si mesma não fazer cenas diante
da amiga e, na primeira
oportunidade, quase haviam se engalfinhado! numa coisa concordava com
ele: às vezes, dava opiniões demais...
- sinto muito - disse por fim, encabulada. - eu não devia ter levado o
assunto tão longe.
elizabeth sacudiu a cabeça com um sorriso complacente.
- não ligue para burke. ele não gosta que ninguém aponte os erros que
tem. parece que gostou demais de ser o patrão... por isso mesmo, não
entende o desinteresse de randy pelos negócios da família. mas não se
preocupe. burke é teimoso, mas quer o bem do irmão.
embora duvidasse de tal afirmação, susan não disse nada a elizabeth. foi
um alívio quando uma mulher de cabelos negros entrou na cozinha,
interrompendo a conversa.
- susan, esta é vera ramirez - disse elizabeth. - É ela quem de fato
manda aqui, é nossa empregada, e se não fosse ela a casa já teria
desabado... vera, essa é susan maccoy, a moça que me salvou a vida.
um sorriso franco iluminou o rosto de vera enquanto ela estendia a mão a
susan.
- É um prazer conhecê-la, srta. maccoy. nós todos estamos muito gratos
pelo que fez.
susan apertou a mão da mulher, sem graça,
- por favor, me chame de susan. e não acredite nos exageros de elizabeth.
qualquer um no meu lugar teria feito a mesma coisa.
- não é bem assim - elizabeth protestou. - quando eu penso no que aquele
garoto podia ter feito a você...
- não pense mais nisso - vera aconselhou. - há coisas bem mais
importantes e alegres para encher sua cabeça, hoje.
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- como sempre, você tem razão, vera - elizabeth concordou. - tiffany e
ronnie vão chegar hoje à tarde. pensei que burke fosse buscá-las no
aeroporto de denver, mas o senador payton pediu ao administrador da
fazenda dele para recepcioná-las.
- o pai de tiffany ainda é senador? - susan quis saber, franzindo a
testa. - não me lembro de nenhum senador com esse nome.
- na verdade, ronald foi senador pelo estado de denver há muitos anos.
quando a mãe de tiffany morreu, ele abandonou a política. queria dedicar
mais tempo à filha... ainda o chamamos desse jeito por força do hábito.
- pena que o senador não tenha casado outra vez, tido mais filhos - vera
suspirou, tirando a louça do café. - teria sido muito melhor para
tiffany.
- tem razão - elizabeth concordou. - ela é uma pessoa maravilhosa, mas às
vezes a acho um pouco fraca. foi muito mimada pelo pai, criada por uma
série de governantas... falando em tiffany, poderia me ajudar a arrumar o
quarto dela, susan? vera e a faxineira já fizeram a limpeza, mas ainda
falta arrumar as camas.
susan aceitou com prazer o convite. detestava ficar sem nada que fazer,
em especial quando se hospedava em casa de amigos. além do mais, estava
acostumada ao serviço doméstico. desde o casamento dos irmãos, arcava
sozinha com todas as tarefas da casa.
em menos de uma hora tudo ficou pronto. susan examinou o resultado,
satisfeita. como sempre, elizabeth fora muito feliz na combinação das
cores da decoração. verde-claro e bege nas cortinas, colchas e papel de
parede contrastando com os móveis de madeira escura.
terminada a tarefa, ambas passaram uma revista na casa. elizabeth fez
questão de verificar os mínimos detalhes antes da chegada das outras
hóspedes. demonstrava até certa ansiedade, confirmando em cada gesto as
suspeitas de susan: ela queria muito o casamento de burke e tiffany.
a casa encontrava-se em perfeita ordem quando chegou a hora do almoço.
burke não apareceu para a refeição e susan concluiu que ele se zangara de
verdade com a discussão que haviam tido pela manhã. das próximas vezes,
controlaria mais o génio impulsivo
30
e guardaria suas opiniões só para si, alertou-se. não seria ela a
estragar a festa preparada com tanto carinho por elizabeth. depois do
almoço, as duas conversavam
na sala de jantar. quando, de repente, a campainha da porta da frente
tocou, elizabeth sorriu, alegre.
- devem ser elas! - exclamou, já correndo para a porta. porém, quem
entrou primeiro foi randy, carregando uma porção de caixas embrulhadas
para presente.
- olhe o que eu encontrei aqui na nossa porta - brincou, beijando a mãe
no rosto.
atrás dele, entrou uma mulher vestindo um lindo casaco de peles.
elizabeth abraçou-a com entusiasmo e susan não demorou a perceber de quem
se tratava.
a amiga não exagerara em nada ao descrever tiffany, ela concluiu olhando
a cena. dona de uma beleza exótica, a nova hóspede possuía cabelos
negros, longos e ondulados, em contraste com a pele clara e rosada. o
porte mignon não diminuía em nada a beleza do corpo sensual, de curvas
pronunciadas. o rosto, miúdo, parecia um camafeu desenhado com capricho,
em especial por causa dos enormes olhos violeta.
enquanto a recém-chegada sorria para a anfitriã, burke apareceu na porta
do escritório, na certa atraído pelo barulho. abraçou a hóspede com
entusiasmo, numa recepção bem diferente da que dera a susan...
de repente, uma sensação desagradável de ser intrusa numa reunião íntima
invadiu susan. já ia saindo em
direção às escadas quando burke a viu. a expressão subitamente séria no
rosto dele demonstrava ressentimento pela discussão durante o café da
manhã. entretanto, a voz era agradável quando a chamou para apresentá-la
à recém-chegada.
- tiffany, esta é susan maccoy, amiga de elizabeth. susan, esta é tiffany
tallerton, uma velha amiga da família.
- nenhuma mulher beirando os trinta anos gosta de ser chamada de velha
amiga - tiffany protestou, sorrindo para burke; depois, voltou-se para
susan com um sorriso encantador. - É um grande prazer conhecê-la.
nesse momento, um pequeno furacão invadiu a sala, chamando a atenção de
todos. uma menina de mais ou menos seis anos, de cabelos castanhos e
encaracolados, se agarrou às pernas de
31
burke.
- oi, burke - cumprimentou, ofegante.
- oi, ronnie.
- quantas vezes eu já lhe disse para não correr dentro de casa? - tiffany
perguntou, desanimada. - burke não gosta de barulho.
- ele não liga, não - a menina assegurou. - somos namorados.
um coro de risadas seguiu-se a essa declaração. tiffany olhou para susan
com um suspiro.
- a namorada dele é minha filha ronnie - explicou. - ronme, está é a
srta. màccoy.
susan sentiu-se examinada com atenção por um par de marotos olhinhos
azuis.
- não gosto de você - sentenciou a menina.
- e por quê?!
- você é professora e eu detesto professoras. a seriedade da menina
deixou tiffany aturdida.
- ronnie! pare com isso!
- verónica, peça desculpas para susan - burke disse, olhando muito sério
para a criança. - É muito feio dizer uma coisa dessas.
- não me chame assim! você sabe que eu detesto esse nome!
- vou chamá-la de verónica todas as vezes que se comportar mal. onde já
se viu menosprezar a profissão dos outros?!
na certa, só ele tinha tal privilégio, susan pensou.
- desculpe, srta. màccoy - ronnie pediu, baixando a cabeça; depois, olhou
para burke e completou: - mas algumas professoras são mesmo muito más.
ele mordeu os lábios, disfarçando o riso.
- elizabeth me disse que susan é uma professora muito boa com as crianças
- ele assegurou.
cheia de dúvidas, ronnie olhou para susan.
- verdade?
- eu procuro ser - susan confirmou, muito séria. - além disso, agora
estou de férias. gosto muito das férias, sabia? tanto quanto você.
não sabia que professoras gostam de férias! e de feriados, você gosta?
32
- adoro.
- É quando você joga cartas, não é?
- eu?!
- É. burke disse a mamãe que você era uma solteirona que passava os
feriados jogando cartas.
susan contou até dez para não explodir. era muita ousadia daquele homem
fazer suposições sobre sua vida particular com pessoas que nem a
conheciam! um clima de tensão
dominou o ambiente e ronnie olhou o rosto sério dos adultos, assustada.
para amenizar o mal-estar geral, susan sorriu com naturalidade.
- É, sim, mas jogo dominó muito melhor - garantiu, piscando o olho para a
menina. - que tal fazermos uma parceria?
- mas eu não sei jogar.
- se quiser, posso ensinar. afinal, sou professora, não sou? o esforço de
susan foi recompensado por um largo sorriso de
ronnie. tiffany também sorriu-lhe antes de levar a filha para o quarto.
quando saíram da sala, susan encarou burke e randy com ar tranquilo.
embaraçado e muito vermelho, randy saiu de perto a pretexto de pegar as
malas. burke pigarreou e baixou os olhos. apesar da expressão serena, o
rosto dele estava ligeiramente afogueado.
- acho que lhe devo desculpas - presumiu sem olhá-la.
- eu não esperaria tanta gentileza de sua parte, mas se quiser... susan
deu de ombros, deixando claro que as opiniões dele não
lhe interessavam. estava muito magoada com o incidente, mas morreria mil
vezes para que burke não percebesse isso.
- a maioria das mulheres ficaria descontrolada com o que ronnie falou -
ele comentou, fitando-a com um brilho estranho nos olhos. - mas você nem
ficou aborrecida... deve ser mesmo uma excelente professora!
- obrigada! mas, na verdade, não ligo muito para o que pensam de mim.
- foi um comentário tolo e peço desculpas por isso. ronnie deve ter
ouvido essa bobagem quando as visitei o mês passado... sinto muito que
ela tenha repetido.
- não faz mal.
susan virou-se para sair, mas burke segurou-a pelo braço.
- faz mal, sim - ele baixou a cabeça, como se lhe custasse
33
prosseguir. - eu sempre me orgulhei de enfrentar situações difíceis com
auto-suficiência. mas ouvir elizabeth elogiar você o tempo todo irritaria
até um santo. eu não queria magoar minha mãe apontando defeitos em seu
anjo perfeito. acho que tudo isso veio à tona quando tiffany me perguntou
se você era realmente tão maravilhosa quanto minha mãe descrevia...
- você está com ciúme.
- de maneira alguma. só quero saber o que você vai pedir em troca dessa
amizade por elizabeth.
- não julgue os outros por você mesmo. nunca lhe passou pela cabeça que
eu goste de sua mãe de verdade?!
- pensei nisso, sim, mas acho estranho você ter recusado todos os
convites para vir aqui. ainda mais porque acabou aparecendo, não é?
- fica difícil entender você! se não venho, estou errada, se venho, sou
suspeita! decida-se, meu caro!
burke observou-a por um momento.
- você devia ter cabelos vermelhos, sabia? - disse por fim.
- assim todo mundo saberia que génio explosivo você tem... proponho uma
trégua em nossas brigas. até as guerras param no natal e eu não quero
estragar as festas de elizabeth.
- que coragem a sua me dizer isso! foi você quem começou essa conversa
toda! e duvido que consiga se comportar decentemente por mais de um
segundo!
burke sacudiu a cabeça com um sorriso resignado.
- É, parece que a única coisa com que concordamos é que discordamos em
tudo...
o comentário soou um tanto amargo. parecia que o acordo de paz entre eles
tinha uma importância bem maior do que ele queria admitir. sem se dar
tempo de cair nas malhas daquele sorriso encantador, susan voltou-se e
subiu para o quarto. as constantes mudanças no humor de burke a deixavam
desconcertada...
pelo resto da tarde, susan viu-se às voltas com ronnie. enquanto ajudava
tiffany a desfazer as malas, ficou ouvindo as histórias da menina sobre
nova york. ao mesmo tempo, observava tiffany, numa tentativa de conhecê-
la melhor.
sem dúvida, tiffany era um encanto de pessoa. contudo, até elizabeth
reconhecia nela a falta de iniciativa própria. para ela, tomar a mínima
decisão representava um sacrifício. ansiosa por
34
agradar a todos, solicitava ajuda até na escolha da roupa que deveria
usar no jantar.
com certeza, era exatamente a insegurança dela que atraía tanto burke,
susan concluiu. pareciam mesmo feitos um para o outro. o homem machista e
a mulher dependente; o casal perfeito!
depois de tudo pronto no quarto de tiffany, susan foi descansar um pouco
antes do jantar. esperou burke sair do quarto dele para só depois tomar
banho. não se arriscaria a repetir a cena desagradável da noite anterior.
aliás, cada encontro com burke era mais desagradável que o outro. a razão
dele a tratar tão mal parecia clara: ela descobriralhe o ponto fraco.
cometera o crime de enxergar um homem em que todos viam um deus!
por isso mesmo, susan recusara tantas propostas de casamento. todos os
homens eram iguais, todos como burke e seus irmãos! pareciam subjugar
meio mundo ao redor deles para se sentirem felizes. quando diziam amar
uma mulher, achavam-se logo no direito de dirigir-lhe a vida.
tal atitude ela nunca permitira. os anos que vivera sob as ordens dos
irmãos já bastavam. não arriscaria por ninguém a independência
conquistada a duras penas. só se casaria com um homem amável, meigo e
companheiro. e se não encontrasse ninguém com tais qualidades, optaria
mesmo em ficar solteira!
fechou o zíper do vestido de malha verde-claro, ajeitando a saia godé. ao
menos burke tivera a decência de se desculpar! e, de repente, voltou-lhe
o prazer de ouvir dele que se arrependia do comentário feito a tiffany e
ronnie... entretanto, toda a alegria desapareceu quando lembrou das
insinuações de burke sobre a amizade existente entre ela e elizabeth. ele
a julgava uma interesseira, capaz de tirar partido de uma pessoa idosa!
realmente, burke era um homem insuportável!
ao descer as escadas susan encontrou todos conversando na sala de estar.
pouco depois, dirigiu-se para a sala de jantar. mais uma vez, susan
admirou a decoração requintada, combinando o bege claro do papel de
parede com o vermelho vivo do estofado das cadeiras. uma ampla
cristaleira dominava parte das paredes, no interior da qual cristais
raríssimos brilhavam como jóias. a mesa estava posta com um lindo
aparelho de porcelana branco com frisos prateados reluzentes sob o brilho
de um luxuoso lustre
35
de cristal.
- acho essa sala lindíssima - susan comentou com elizabeth. - um belo
exemplo do bom gosto da dona da casa. e esse lustre dá ao ambiente um
toque muito especial.
- não comemos em pratos de lata só porque moramos na fazenda - burke
comentou com sarcasmo.
- mas não são todas as fazendas que têm uma sala de jantar tão bonita,
nem um lustre tão extraordinário.
- esse lustre foi a discórdia da família há uns anos atrás tiffany
lembrou, rindo. - tio james comprou-o contra a vontade de elizabeth
quando os dois viajaram para a austrália.
- eu queria uma peça mais simples - elizabeth explicou. mas james se
encontrou quando viu esse lustre e teimou em adquiri-lo. eu avisei que se
ele colocasse essa coisa dentro de casa, teria de limpá-la sozinho.
decerto ele pensou que, com o tempo, eu voltaria atrás, mas se enganou.
- ela e vera fizeram uma conspiração contra o lustre - burke contou. -
chamavam-no de "loucura de gerard" e não tocavam um dedo nele.
lembrando-se desse incidente, burke passou a conversar com a mãe sobre
outros assuntos de família. todos entenderam suas piadas, menos susan.
conhecendo-os a pouco tempo, não sabia do que estavam falando. ao vê-la
quieta, randy, sentado ao lado dela à mesa, sorriu-lhe.
- burke está lembrando da época em que mamãe quis vender o lustre -
explicou. - na verdade, ela só ameaçava. o lustre virou uma espécie de
piada particular entre papai e mamãe. depois da morte dele, é uma
lembrança muito grata para todos nós, principalmente para minha mãe.
susan olhou mais uma vez para as centenas de prismas de cristal,
refletindo luz e propagando-a por toda a sala.
- É uma lembrança bonita... em todos os sentidos - comentou. - acho que,
agora, elizabeth nem liga de limpá-lo.
- burke faz isso para ela. diz que, assim, ajuda mamãe a manter seu ponto
de vista.
randy começou a participar da conversa com os outros, deixando susan com
seus pensamentos. a atitude de burke em relação ao lustre a surpreendera.
um homem como ele na certa considerava a tarefa de limpar um objeto tão
cheio de detalhes
36
algo muito maçante. por isso o gesto ganhava um significado especial.
demonstrava respeito e consideração por elizabeth, poupando-a de um
trabalho tão carregado de recordações e de saudades...
do outro lado da mesa, burke provocava ronnie, que ria às gargalhadas. o
afeto da menina por ele era evidente e justificado. burke a tratava com
carinho e severidade na dose certa. misturando educação com brincadeira,
conseguia dela muito mais do que a própria tiffany...
de repente, susan sentiu-se deslocada em meio àquele grupo de pessoas.
todos ali possuíam um passado comum, lembranças gratas de momentos
desfrutados juntos. só ela ficava à margem das conversas, uma estranha no
meio da felicidade daquele reencontro. porém, reagiu logo contra a
autopiedade. ela sempre soubera como seria a situação. passar o natal ali
jamais seria como estar com sua própria família. claro que com tiffany
era diferente. ela conhecia os gerard havia muitos anos, encarava-os
quase como se fossem parentes...
susan observou-a por alguns momentos. tiffany ouvia as brincadeiras entre
ronnie e burke com um sorriso de aprovação. a gola do vestido pink, rente
ao pescoço, salientava-lhe a beleza do rosto delicado... um meigo rosto
de anjo combinado com um corpo provocante, susan pensou com um suspiro.
aquela mistura explosiva fora capaz de deixar burke cego de amor quando
mais jovem. com certeza, ainda a amava, mas escondia o sentimento atrás
de uma conveniente máscara de amizade. talvez esperasse o momento
oportuno para arrancá-la. ou a usaria para sempre em nome do
ressentimento?
- susan?
a voz de randy soou um tanto impaciente, como se ele já a chamasse a
algum tempo.
- desculpe, eu estava tão longe...
- perguntei se concordava com burke sobre eu me alistar no corpo de paz.
susan ia dar uma resposta cautelosa, mas o olhar ameaçador de burke a fez
desistir da ideia. não mentiria só para satisfazer a vontade dele.
- acho que o trabalho do corpo de paz é muito bonito e humano - ela
respondeu com segurança. - só que você precisa
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estar muito seguro de que é isso que deseja de verdade. se conseguir essa
certeza, não vejo por que não se alistar como voluntário.
- nesse ponto, então, estamos de acordo - burke observou com um sorriso
calmo. - estávamos discutindo se ele deve ou não terminar o colégio
antes. você, como professora, sabe a importância de uma boa formação.
depois, com calma, ele decide o que fazer.
susan concordou com um sorriso polido e um gesto de cabeça. o argumento
era válido, embora a intenção não tivesse nada a ver com sinceridade. a
repentina liberalidade de burke não passava de uma manobra para ganhar
tempo. apesar de ser contra, na certa sabia que uma oposição declarada só
faria o corpo de paz ainda mais atraente para o irmão.
- para dizer a verdade, estive pensando - randy anunciou, depois de
refletir por um momento. - burke, o que você acha de eu estudar direito?
burke olhou para susan triunfante antes de responder ao irmão e, durante
o resto do jantar, conversaram sobre as opções profissionais de randy.
todos participaram, menos susan. estava farta das ironias e pequenas
agressões de burke. além do mais, reconhecia, quase sempre discutiam por
tolices.
terminada a refeição, elizabeth levantou-se da mesa.
- vou ajudar tiffany a levar ronnie para o quarto - anunciou. - a
coitadinha está morrendo de sono!
as duas saíram da sala, levando a menina pela mão. randy também se
retirou e susan ia fazer o mesmo quando burke se interpôs em seu caminho.
- precisamos ter uma conversa, professora - afirmou, fechando a porta.
desconfiada com aquela atitude, susan disfarçou a insegurança com uma
armadura de ironia. a ideia de ficar sozinha com burke numa sala a fazia
sentir-se ameaçada.
- deve ser um assunto muito importante - comentou com sarcasmo.
- e é mesmo. quero que pare de dar palpites em assuntos de família.
- ah, sim! você quer continuar sendo o senhor de todas as coisas por
aqui!
uma expressão estranha surgiu no rosto de burke, um misto
38
de raiva e outro sentimento, que susan não conseguiu identificar.
- por que você insiste em me provocar? - ele perguntou.
- não seja convencido! não tenho culpa de ter opiniões diferentes das
suas. se isso o incomoda, problema seu!
- eu acho que não é bem isso. sou o primeiro homem que você não consegue
dobrar. talvez esteja procurando isso mesmo: alguém que não lhe faça
todas as vontades.
- não tenho quem me faça as vontades. além do mais, você não tem nada a
ver com isso!
- talvez eu tenha.
burke aproximou-se dela e segurou-a pelos ombros. depois de um momento de
indecisão, inclinou-se e beijou-a nos lábios. a carícia suave e
envolvente desarmou susan. mesmo a contragosto, ela correspondia à
persuasão dos lábios, da língua, do corpo de burke. ao mesmo tempo,
porém, a razão lhe contrariava os sentimentos. e uma vozinha insistente
dentro dela lhe dizia para -fugir àquele contato tentador. burke era
habilidoso e sensual, mas queria apenas dominá-la. num impulso, susan
reagiu, empurrando-o para longe de si.
- não sei o que há em você que me tira do sério - ele afirmou, depois de
um curto silêncio. - normalmente, não faço coisas impensadas como essa.
- pois eu acho que foi muito bem pensado. fez isso porque não gosta de
mim. e devo dizer que encontrou um jeito muito eficiente para me agredir.
o ressentimento na voz de susan mudou bem depressa a confusão de
sentimentos estampada no rosto de burke. nos olhos dele surgiu uma luz
fria e penetrante como o aço dos punhais.
- então acho que nós dois atingimos direto o alvo - ele respondeu e saiu
da sala sem olhar para trás.
ao ver-se sozinha, um turbilhão de emoções contraditórias assolou susan.
burke era mesmo um tirano, egoísta e autoritário! usaria qualquer recurso
para controlá-la, até a sedução. a raiva dele, no entanto, voltava-se
contra ela própria. sentia-se como uma colegial, impressionada com o
beijo do primeiro namorado. mas nunca daria a ele o prazer de saber
disso, jurou para si mesma enquanto saía da sala.
perto da escada encontrou elizabeth que se dirigia à sala de estar.
tiffany fora até a fazenda do pai, randy saíra para visitar
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alguns amigos e burke se trancara no escritório. elizabeth e susan
assistiram então a um programa de natal na televisão. contudo, susan
estava tão distraída que, quando a anfitriã fez um comentário sobre o
espetáculo ao desligar o aparelho, não soube o que responder.
logo depois, elizabeth foi se deitar e susan subiu para o quarto também.
enquanto trocava de roupa, analisou os sentimentos contraditórios que o
beijo de burke lhe desencadeara. de repente, bateram à porta. ao abri-la,
susan deparou-se com o sorriso encantador de tiffany.
-- estou um pouco tensa - ela se justificou, um tanto sem graça. -
podemos conversar, ou você está muito cansada?
- não estou com sono nenhum. entre.
susan afastou-se da porta e tiffany entrou, inundando o ambiente com um
perfume suave mas marcante. susan reparou numa agitação mal disfarçada
nos gestos da outra, em geral lentos e graciosos.
- na verdade, queria conhecê-la melhor - tiffany confessou.
- elizabeth fala tanto em você! que bom para ela você ter aceitado o
convite para nos fazer companhia no natal. mas seus parentes devem ter
ficado aborrecidos com sua decisão.
- na verdade, eles nem sabem direito onde estou. só tenho dois irmãos.
tom está no japão, servindo como comandante da marinha. míke, meu outro
irmão, é da aeronáutica e está na alemanha.
- puxa, eu a invejo. É horrível ser filha única! gostaria de ter irmãos
mais velhos... ter com quem desabafar, alguém para nos apoiar, dar
conselhos...
- ou ordens, como no meu caso! meus irmãos sempre quiseram dirigir minha
vida. tive de brigar muito com eles para fazer o que queria.
susan sacudiu a cabeça com um sorriso triste. tom e mike sempre queriam
protegê-la, compensá-la pela infância sem a presença dos pais. quando
eles morreram, os três eram muito pequenos. foram criados um pouco na
casa de cada parente, pois ninguém na família tivera condições de assumir
sozinho a educação de três crianças. tom
e mike, nove e oito anos mais velhos que susan, sentiam-se responsáveis
pela irmã. quando criança, ela aceitara a dedicação dos dois com prazer.
contudo, na
adolescência, os
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cuidados deles se tornaram sufocantes e susan se rebelara contra a sua
prproteção. daí em diante, uma verdadeira tempestade de discussões se
instalava entre ela
e os irmãos a cada decisão importante de sua vida. namorados, problemas
de colégio, escolha da profissão - tudo era motivo para tom e mike
tentarem tomar as rédeas de seu destino.
- seus irmãos são casados?
- sim, os dois. tom tem dois filhos lindos...
com o casamento dos irmãos, susan esperava que eles interferissem menos
em suas decisões. no entanto, acontecera o contrário. agora, as cunhadas
também a superprotegiam, por influência dos maridos.
- você nasceu no colorado?
- não, vim para denver a trabalho. meus irmãos eram contra a ideia,
queriam que eu fosse para uma cidadezinha de nebraska, morar com uma de
nossas tias. mas as escolas de lá eram muito tradicionalistas, não
aceitavam minhas ideias sobre educação. e eu nunca me sentiria bem
tratando os alunos como débeis mentais como eles exigiam. por isso, vim
para denver, onde arranjei um trabalho como eu queria. no inicio, não foi
muito fácil. não conhecia ninguém na cidade, me sentia um pouco perdida.
mas, com o tempo, fiz novas amizades, passei por experiências
interessantes... hoje, não troco minha vida lá de jeito nenhum.
a voz de susan não soara tão segura quanto de costume. a perspectiva de
ter ainda duas semanas de férias ao lado de burke lhe trazia ao espírito
uma estranha sensação
de ameaça. mas, talvez, não fosse tão difícil assim. elizabeth a adorava,
randy e tiffany eram muito simpáticos e ronnie, um encanto de menina. só
precisava manter distância de burke e tudo correria muito bem.
- e tem razão de não trocar - tiffany afirmou. - você lutou muito para
conseguir o que queria, mas foi vitoriosa. hoje, é uma mulher
independente e forte... eu sou exatamente o seu oposto.
- ora, tiffany, não fale assim!
- mas é verdade! também fiquei órfã de mãe muito pequena e meu pai me
protegeu demais. só que sempre achei que meu pai tinha razão... e nunca
reagi. eu te invejo por isso também.
- por isso o quê?
- por você ser tão forte. eu só percebi minha fraqueza tarde
41
demais. na idade em que a maioria das moças pensava em ir para a
universidade, eu estava dirigindo a casa de meu pai, aprontando tudo para
o casamento com burke.
e quando me casei, meu marido me tratava como um bibelô chinês... devem
ter lhe contado em que circunstâncias eu casei com steven...
- contaram, sim.
- meu pai queria que eu me casasse com burke e eu concordava. só quando
conheci steven, percebi que não amava burke de verdade. steven quis que
casássemos logo, mas meu pai não aprovaria nunca. fugir nos pareceu mais
fácil que enfrentar brigas inúteis.
- mas você nem tentou conversar com seu pai sobre isso? tiffany deu de
ombros, desanimada.
- para quê? meu pai nunca me perguntou o que me faria feliz. todo mundo
tomava atitudes por mim e eu achava natural concordar com eles. eram meus
amigos, meu pai... só queriam o meu bem.
- mas só você mesma sabe o que é melhor para você.
- eu concordo, pelo menos em teoria, - tiffany fez uma pequena pausa,
como se procurasse os termos para expressar os próprios sentimentos com
exatidão, depois, acrescentou: - mas as pessoas sempre me convencem de
que as soluções delas são melhores do que as minhas... eu pareço uma
boba, não é? primeiro, deixo meu pai me convencer a casar com burke.
depois, steven me convence a fugir com ele... na verdade, burke foi o
único a entender essa situação absurda.
- você contou a burke sobre steven?
- contei.
- e como ele reagiu?
- foi maravilhoso, até se ofereceu para contar tudo a meu pai. susan a
encarou surpresa. as duas falavam sobre a mesma pessoa, ou ela perdera um
pedaço da conversa?
- você contou tudo a burke e não a seu pai?! - susan tornou a perguntar,
atónita.
- eu precisava devolver o anel de noivado a burke antes de me casar com
steven. mais do que isso, eu queria explicar a ele como tudo acontecera.
steven era o melhor amigo dele, não seria honesto da nossa parte não lhe
dar uma satisfação. e foi burke mesmo quem nos aconselhou a não contar
nada a meu pai. se
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fizéssemos isso, ele usaria de todos os recursos para impedir meu
casamento com steven. por isso, burke se ofereceu para contar tudo, mas
só depois da nossa fuga...
parece incrível!
tamanho desprendimento não combinava em nada com o burke frio e distante
que susan conhecia. talvez, a desilusão tivesse lhe roubado a vontade de
lutar por tiffany.
também matara dentro dele qualquer doçura e gentileza em relação às
mulheres. embora não o desculpasse pela maneira ríspida como a tratava,
susan o compreendia melhor agora.
- e você foi feliz?
- minha vida com steven foi um sonho - tiffany engoliu em seco, contendo
as lágrimas. - quando ele morreu, eu quis morrer também. se não fosse por
ronnie... e burke me deu muito apoio. quando papai quis que eu voltasse
para cá, foi ele quem o convenceu a não insistir. eu não queria vir. não
suportaria as expectativas da cidade inteira por um futuro casamento
entre mim e burke. precisava me refazer primeiro. e foi ótimo ter burke
como aliado naquele momento... como vê, eu continuo me apoiando nele.
todo mundo que o rodeia faz a mesma coisa. por isso mesmo, ele admira
tanto a sua força.
por um momento, susan ficou sem ação diante daquelas palavras. depois,
soltou uma gostosa gargalhada.
- mas que brincadeira! burke simplesmente me detesta!
- não é bem assim. ele admira muito sua coragem por ter socorrido a mãe.
ficou agradecido também pela dedicação que demonstrou no hospital durante
a internação de elizabeth.
- tão agradecido que discutiu comigo na primeira conversa.
- bem, burke devia estar muito nervoso. ele me disse que se culpava pelo
assalto.
- mas como aquele incidente podia ser culpa dele?
- É que elizabeth lhe pedira para levá-la de carro a denver naquele dia,
mas ele se recusou por causa de trabalho. segundo ele, nada teria
acontecido se a tivesse acompanhado.
- mas elizabeth não o responsabiliza pelo que houve.
- claro que não, mas isso só piora as coisas para burke. ele não assumiu
só os negócios da família com a morte do pai. ele também se sente
responsável pela vida de todos nós. É como se tivesse obrigação de tomar
conta de cada passo que damos, de
43
cada gesto, de cada decisão importante. se alguma coisa sai errada, como
no caso de elizabeth, ele logo se responsabiliza. e, como você o
substituiu numa obrigação que ele julga só dele, isso o irrita. talvez se
sinta um pouco inferiorizado diante de você, e burke detesta essa
sensação.
- mas ele me trata como se eu o tivesse ofendido! até parece que cometi
um crime dando carinho e atenção à mãe dele.... e depois, ele devia ter
largado tudo para
cuidar de elizabeth.
- aquela nevasca foi terrível de verdade, susan. papai me contou que
perdeu vários bezerros, mesmo com a ajuda de todos os empregados que
trabalharam dia e noite.
acho que o problema também aconteceu com burke. além disso, ele ainda
tinha de se preocupar com os outros.
- que outros?
- os pequenos fazendeiros da região. eles não possuem a infra-estrutura
dessa fazenda e são os mais atingidos quando o tempo fica ruim. burke
passou vários dias sobrevoando as áreas mais isoladas e jogando comida
para o gado, para evitar prejuízos ainda maiores.
tiffany passou algum tempo descrevendo os trabalhos de reconstrução das
estradas e das cercas das fazendas. ao ouvi-la, um misto de remorso e
espanto apoderou-se de susan. ela mal imaginava que burke pudesse ter
atitudes tão humanitárias com os vizinhos mais pobres, passando noites em
claro para cuidar do património dos outros...
quando tiffany despediu-se dela e foi para seu quarto, susan já se
arrependera mil vezes das palavras duras que dissera a burke naquela
ocasião. por que ele não lhe explicara a situação? se ela soubesse o
quanto a presença dele era necessária na fazenda, não teria insistido
tanto para que fosse visitar a mãe em denver!
agora, até considerava a antipatia de burke por sua pessoa inevitável.
por outro lado, ele devia compreender a sua posição naquele momento.
passara por uma experiência terrível no assalto e estava preocupadíssima
com o estado de saúde deelizabeth. no lugar dela, ninguém teria paciência
num momento tão delicado.
além do mais, ela não merecia ser tratada com tamanha grosseria.
reconhecia a gravidade dos problemas de burke na ocasião. mas isso não
justificava o fato de ele considerá-la uma mercenária antes mesmo de
conhecê-la. e, pior ainda, de ter o displante
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de ainda lhe fazer tal acusação depois de tanto tempo!
quando terminou de vestir a camisola, não havia dentro de susan o menor
vestígio de remorso. diante do que tiffany lhe contara, o comportamento
dela não fora perfeito.
contudo, burke também perdera a razão ao lhe fazer acusações. estavam
quites, pois ele nem mesmo lhe agradecera por cuidar de elizabeth.
além disso, mesmo se tivesse alguma intenção de se desculpar, não seria
agora o momento mais indicado. convencido como era, burke decerto
atribuiria a mudança de atitude ao beijo daquela noite...
a lembrança daquele instante de arrebatamento trouxe de volta à boca de
susan o calor insinuante dos lábios de burke. afastando de si essa
recordação, ela enfiou-se embaixo das cobertas e pegou um livro para ler,
jurando a si mesma que não pensaria mais naquele beijo.
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capÍtulo iv

um sobressalto acordou susan no meio da noite. com o coração apertado,


ela sentou-se na cama num impulso, sem saber direito o que a acordara. na
escuridão, observou
os contornos dos móveis, insinuados pela luz ténue vinda da janela.
ouvidos atentos, perscrutou o silêncio da noite sem resultado.
respirou fundo, numa tentativa de normalizar a respiração acelerada.
devia ter sido um pesadelo. não se lembrava do sonho, mas o pavor que ele
provocara ficara-lhe preso na garganta.
procurando apoio na realidade, susan olhou o relógio sobre o criado-mudo.
passava um pouco da meia-noite. um pouco mais calma, deitou-se de novo e,
puxando as cobertas, tentou dormir de novo.
de repente, um uivo horrível atravessou a calma da madrugada. o grito
sinistro gelou o sangue de susan. um segundo depois, o som se repetiu, e
mais outra vez, e ainda outro, numa sequência apavorante.
inútil cobrir a cabeça ou tapar os ouvidos com as mãos. o som diabólico
penetrava-lhe até na alma, fazendo-a estremecer. apavorada, susan saltou
da cama e correu para o corredor. talvez encontrasse alguém para explicar
que ruído assustador era aquele.
andando em meio à escuridão, susan foi surpreendida por outro grito
tenebroso. trémula, encolheu-se junto à parede. entretanto o cotovelo
produziu um som peculiar ao chocar-se contra a superfície lisa e fria.
imediatamente percebeu o engano: ali era a porta do quarto de burke.
relutante, se afastou e já prosseguia o caminho quando ele abriu a porta.
segurou-lhe a mão com rapidez e firmeza e puxou-a para dentro do quarto,
fechando a porta.
por um instante, susan ficou sem ação. burke a fitava com um sorriso ao
mesmo tempo meigo e insinuante, os olhos cinzentos
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brilhando com intensidade incomum na penumbra do ambiente. estava apenas
com a calça do pijama, deixando à mostra o peito forte, os braços
musculosos cruzados sobre o ventre rijo numa atitude de espera.
- você fica linda à luz do luar - ele afirmou baixinho.
nenhum perigo do mundo jamais a deixara tão ameaçada quanto aquele olhar
de burke. susan tentou ir embora, porém foi detida.
- não se arrependa agora - ele pediu, num murmúrio. É uma surpresa ter
você aqui, mas uma surpresa maravilhosa.
burke entendera tudo errado, era óbvio. susan abriu a boca para lhe dizer
isso, mas a voz calou, teimosa, na garganta. burke aproveitou o instante
de indecisão e envolveu-a num abraço quente, os lábios sedentos subindo-
lhe pelo pescoço para, por fim, atingirlhe a boca.
susan lutou por alguns instantes, porém sucumbiu à persuasão muda
daqueles lábios contra os seus. perdida num turbilhão de emoções, deixou
que a língua dele lhe explorasse a boca com estonteante perícia. até a
voz da razão calou-se dentro dela enquanto burke acariciava-lhe as
pálpebras, orelhas e pescoço com beijos rápidos, envolventes.
- também estava pensando naquele beijo quando você bateu à porta - ele
afirmou. - eu queria outro, professora, muitos outros, muito mais...
susan emergiu por completo daquele delírio ao ouvir tal confissão.
aturdida, empurrou-o para longe de si com firmeza, vencendo a resistência
de burke em obedecer-lhe.
- não bati à porta de propósito - garantiu. - estava andando no escuro e
dei um encontrão, só isso.
burke a encarou por um momento, um sorriso incrédulo e malicioso
brincando-lhe nos lábios.
- e o que estava fazendo em frente a minha porta de madrugada? a desculpa
de tomar um copo d água não vale. está muito frio para se ter sede no
meio da noite.
susan preparava uma resposta ácida quando o uivo terrível soou mais uma
vez. trémula, ela recuou um passo, batendo de novo o cotovelo contra a
porta e produzindo um som idêntico.
- o que é isso?! - perguntou, aflita.
burke baixou os olhos, muito sério. a situação dispensava explicações
47
e ele pareceu embaraçado pelo engano. mas logo retomou o costumeiro ar de
segurança e soltou um suspiro resignado.
- venha até a janela - sugeriu. - vou lhe mostrar.
atravessaram juntos o aposento até a janela. a lua cheia brilhava no céu
límpido, iluminando boa parte do pátio diante da casa. os pinheiros,
embalados pelo vento, projetavam enormes sombras sobre a neve. burke e
susan ficaram admirando em silêncio a beleza estranha daquela noite.
- ainda está com medo? - ele a interpelou com calma. espero que não seja
de mim... mas, depois do que aconteceu agora há pouco, eu não a culparia.
susan baixou a cabeça, embaraçada. estranhamente, não queria que burke se
desculpasse. aquele arrebatamento de desejo fora a primeira atitude
humana dele desde o primeiro contato entre os dois. em especial porque
ele confessara não ter esquecido o primeiro beijo.
burke aproximou-se um pouco mais. pousou-lhe as mãos nos ombros com
delicadeza, o rosto roçando-lhe de leve os cabelos.
- olhe, ali, perto das árvores, perto da clareira. está vendo?
seguindo as indicações, susan viu um cão enorme sair das sombras e
sentar-se sobre as patas traseiras. voltando-se para a direção do luar,
ergueu o focinho para o céu e soltou um uivo agudo, penetrante.
- É ele quem faz todo esse barulho?! - ela quis saber, admirada.
- sim, coiotes sempre fazem serenatas nas noites de luar. acho que para
atrair as namoradas...
o animal uivou de novo e, de repente, ouviu-se um outro uivo longínquo em
resposta. a estranha comunicação demorou ainda alguns minutos. depois, o
coiote levantou-se e voltou em silêncio para a escuridão do bosque.
- parece que ele encontrou quem procurava - burke suspirou. - um lindo
espetáculo, não acha? ou ainda está com medo?
- só tenho medo de coisas que não conheço.
susan afastou-se da janela e olhou para burke a tempo de surpreender no
rosto dele uma mistura confusa de sentimentos.
- eu também - ele confessou, lançando-lhe um olhar penetrante.
- estou com frio. acho melhor voltar para meu quarto. boa
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noite, e obrigada pelo show.
susan caminhou para a porta a passos decididos. tinha vontade de correr,
livrar-se de uma vez da aura diabólica de sedução que envolvia aquele
homem. contudo, preferia
a morte a deixálo perceber o quanto a atingira com seu arroubo de desejo.
- susan...
a voz dele, quase um pedido, a fez hesitar por um momento. a vontade de
fugir aumentou, no entanto ela voltou-se para
burkce com um sorriso tranquilo.
- sim?
por um instante, o rosto dele expressou uma angústia profunda. abriu a
boca para dizer alguma coisa, mas arrependeu-se a tempo e baixou a
cabeça.
- não é nada. boa noite.
susan saiu do quarto sem esperar outra tentativa. conhecera naquela noite
um outro burke, carente, delicado, carinhoso e cheio de dúvidas. um burke
do qual elizabeth e tiffany já haviam lhe falado, mas que ela nunca
acreditara existir. um homem fascinante e, por isso mesmo, perigoso.
susan voltou para o quarto e deitou-se depressa. no entanto, custou a
dormir. e mesmo em sonho a voz de burke
chamando-lhe o nome perseguiu-a a noite inteira como um pedido de
socorro.
susan acordou no dia seguinte com os raios cintilantes do sol batendo-lhe
no rosto. devagar, as lembranças da noite anterior voltaram-lhe à mente.
uma onda de calor
percorreu-lhe o corpo ao pensar no beijo trocado na véspera. contudo,
reprimiu com energia qualquer ilusão sentimentalista. burke reagira
daquela forma porque se julgara desejado e, quando percebera o engano,
não fizera nada mais do que a obrigação em tratá-la com gentileza!
o que mais a incomodava, porém, era a própria reação diante do que
acontecera. correspondera aos beijos dele com uma intensidade que, agora,
a envergonhava. irritada, sentou-se na cama e consultou o relógio de
pulso sobre o criado-mudo. ainda bem que já era tarde! na certa, burke já
tomara café e saíra. isso lhe daria tempo para refazer as emoções e
recuperar o auto controle antes de encontrá-lo de novo.
susan arrumou-se sem nenhuma pressa e desceu as escadas. no entanto, a
primeira pessoa que viu ao entrar na cozinha foi burke.
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ele tomava café junto com ronnie, randy e a mãe. cumprimentou-a com uma
polidez estudada, desfazendo assim, para susan, os últimos resíduos da
impressão da véspera.
só existia um burke, frio, insensível... insuportável.
disfarçando o desconforto, ela cumprimentou a todos com um sorriso.
depois, foi até o fogão e serviu-se de café. já se acomodava à mesa
quando randy perguntou:
- alguém ouviu o luar ontem à noite?
como burke e elizabeth respondessem afirmativamente, ronme soltou uma
gargalhada.
- que gente boba! - exclamou. - ninguém pode ouvir o luar, isso é coisa
que se vê!
- depende do luar - randy insistiu, provocando a menina. ronnie deu de
ombros.
- depende nada. luar é tudo igual, não é, susan?
- não sei, ronnie. se eles estão se referindo à luz da lua, só se pode
vê-la, mas...
- acontece que esse luar é de ver e ouvir - burke interferiu, fingindo
seriedade.
- então é o coiote - susan deduziu, rindo. - eles chamam o coiote de
luar, ronnie.
- a professora tirou nota dez. já faz três ou quatro anos que nosso amigo
nos visita todas as noites de lua cheia... pelo menos, parece sempre o
mesmo. ele canta bem, não é, professora?
por um curto instante, susan viu nos olhos de burke o mesmo brilho meigo
da noite anterior. sorriu, mas ele desviou o olhar para a xícara de café.
- canta mesmo - ela concordou. - no começo, fiquei gelada de medo, mas
quando vi que era um coiote fazendo serenata, me diverti bastante.
- puxa, você teve sorte! - randy admirou-se. - em geral não dá para vê-lo
do quarto onde você está.
uma sombra de tensão passou pelo rosto de burke, mas ele não ergueu os
olhos. observando-o, susan soltou uma gargalhada.
- quem foi que disse que eu tive coragem de ficar no quarto com aquele
barulho?! - perguntou, bem-humorada. - sou um bicho da cidade, esqueceu?
não estou acostumada com essas coisas! a primeira coisa que fiz foi bater
à porta de burke para saber do que se tratava. para me tranquilizar, ele
me mostrou o luar
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da janela do quarto dele.
randy deu-se por satisfeito com a explicação e mudou de assunto.
entretanto, o evidente embaraço de burke diante daquele assunto intrigou
susan. ela o encarou de esguelha. burke se recuperara bem depressa do
apuro. agora, a observava fixamente, um misto de raiva e admiração nos
olhos cinzentos. desta vez, foi susan quem fixou a atenção sobre a xícara
de café, encabulada, e burke sorriu.
- o que há de tão engraçado no roubo do gado? - randy quis saber,
franzindo a testa.
- desculpe, eu estava a quilómetros daqui...
nesse momento, elizabeth fez um comentário com randy e ele voltou-se para
responder. burke aproveitou a oportunidade para completar o pensamento só
para susan.
- estava pensando num outro problema - disse bem baixinho. - na eterna
guerra entre homens e mulheres...
susan apertou o guardanapo com raiva diante daquela nova ofensa. burke se
sentira ameaçado pela ajuda dela. pensava que apresentara a versão
censurada do episódio da noite anterior para guardar a verdadeira como
arma contra ele! isso deixava claro apenas uma coisa: as investidas
sexuais de burke não passavam de uma comprovação de autoridade. machista
como era, na certa achava que a melhor maneira de se lidar com uma mulher
era levála para a cama!
revoltada, susan teve de se esforçar para conversar com naturalidade
durante o resto da refeição. burke não a queria por perto porque ela o
enxergava como era de fato: mesquinho, e qualquer oportunidade parecia um
recurso para que recuperasse o orgulho ferido.
foi um alívio para susan quando burke e randy se retiraram da mesa. ela
ainda se demorou mais um pouco conversando com elizabeth, depois foi à
saleta íntima. a anfitriã gostava de distrair ronnie lendo em voz alta, e
susan as acompanhou nessa atividade.
o ambiente trazia marcas inconfundíveis da personalidade da dona da casa.
era aconchegante, elegante e, ao mesmo tempo, alegre e descontraído. o
tapete florido formava um belo contraste com o tom claro das cortinas,
estofados e paredes. vasos de flores suavizavam a seriedade dos móveis de
madeira escura e dos
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dois sofás de couro.
numa estante enorme, ao lado dos livros coloridos sobre pássaros e
animais selvagens, encontravam-se várias fotos de família. susan as
observou com curiosidade, pensando em quantas lembranças preciosas
aqueles porta-retratos não trariam a elizabetb. lá estava ela, muito
jovem, vestida de noiva ao lado de um homem cuja semelhança com burke era
impressionante. em outro retrato, a pequena família - elizabeth, o marido
e burke, ainda bebé.
como filho mais velho, burke desfrutava de evidente privilégio na galeria
de recordações da mãe. ele era o menino sorridente ao lado do pónei, o
adolescente triunfante segurando o diploma do colégio, o homem adulto
surpreendido pela câmara fotográfica em pleno trabalho na fazenda. talvez
por isso fosse tão arrogante, como se todos tivessem obrigação de tratá-
lo como uma pequena divindade.
no entanto, alguma coisa dentro de susan desmentiu tal pensamento. a
imagem dos olhos de burke, brilhando na penumbra do quarto, inquietos,
vulneráveis, voltou-lhe à mente. naquele curto instante, ele manifestara
as dúvidas, medos e angústias que normalmente ocultava sob uma armadura
de indiferença... ou tudo seria apenas imaginação?
susan afastou de si tais reflexões, com raiva da própria inexperiência.
aos vinte e quatro anos, reagia à presença física de burke como uma
adolescente. talvez tivesse criado a fantasia de um outro homem, sensível
e amável como ela sempre desejara... só que encarnado no corpo másculo e
sensual de burke.
ela saíra com vários rapazes durante sua vida, mas nunca aprofundara um
relacionamento mais sério com nenhum deles. tinha medo de perder a
independência, de se tornar apenas um objeto na vida de alguém. talvez,
se encarasse a própria sexualidade de forma mais casual, o magnetismo de
burke não a afetasse tanto...
- só num dia como hoje a gente sente a proximidade do natal. a voz de
elizabeth a trouxe de volta à realidade. olhando pela
janela, susan deu razão à amiga. uma fina camada de neve salpicava
árvores e arbustos, criando uma imagem de muita fantasia.
- uma boa ideia para sua árvore de natal - susan comentou. - quando vai
armá-la?
elizabeth olhou-a consternada.
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- esqueci completamente da árvore. há muitos anos não me preocupo com
isso. nem me lembrei de que ronnie sentiria falta de uma.
- eu adoro árvores de natal - ronnie confirmou.
- eu também. - elizabeth confessou. - mas depois que os meninos
cresceram, perderam o interesse, e eu não achava graça em armar uma
árvore de natal só para mim. mas agora é diferente. se vocês quiserem me
ajudar, faremos uma linda.
susan e ronnie aceitaram a tarefa com entusiasmo. com isso, elizabeth
ficou ansiosa por começar os preparativos.
- ronnie, vá buscar seu casaco - ela disse, animada. - mas antes pergunte
a sua mãe se você pode vir conosco.
a menina saiu correndo da saleta e susan olhou para elizabeth com ar
preocupado.
- você vai cortar uma árvore do pinheiral? - quis saber.
- claro que sim! não fique preocupada, lá há árvores lindíssimas.
- eu imagino. mas será que burke não vai se importar?
- não, querida, especialmente quando ele souber o quanto ronnie gostou da
ideia.
- de que ideia ronnie gostou tanto? - burke perguntou, entrando na saleta
com tiffany. - cuidado, aquela menina às vezes tem uma imaginação muito
fértil...
- decidimos fazer uma árvore de natal. quero encontrar um pinheiro bem
bonito aqui na fazenda.
- você decidiu ou foi susan?
- susan apenas me lembrou, mas eu já devia mesmo ter pensado no assunto.
burke franziu a testa.
- não acho essa ideia muito boa, não.
- eu estava justamente dizendo isso a elizabeth quando vocês chegaram -
susan afirmou. - que você não ia deixar que cortássemos um pinheiro.
- não me chame de avarento, professora! só acho que vai dar muito
trabalho a elizabeth.
- bobagem, susan e ronnie vão fazer tudo. eu só vou supervisionar.
o esforço de elizabeth em atenuar o clima de tensão foi de pouca valia.
embora não respondesse à provocação de burke, susan
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quase não disfarçou o ressentimento pela aspereza da resposta que
recebera. a pretexto de pegar o casaco no quarto, retirou-se. naquele
momento, até mesmo olhar para burke se tornara um sacrifício.
depois de se agasalhar bem, susan esperou por elizabeth na varanda. logo
a anfitriã apareceu acompanhada por randy, encarregado por burke de
acompanhá-las. quando ronnie se juntou ao grupo, todos se encaminharam
para o carro, estacionado no pátio. elizabeth sentou-se com ronnie no
banco traseiro, enquanto susan ocupou o lugar da frente, ao lado de
randy.
já estavam quase de partida quando burke apareceu na varanda e fez sinal
a randy para que esperasse. aproximou-se do carro e debruçou-se na janela
aberta do lado de susan para conversar com o irmão. um perfume suave,
envolvente emanava dele, e penetrou na alma de susan. num misto de raiva
e atração, ela desviou os olhos para a paisagem.
terminada a conversa com o irmão, burke afastou-se devagar e lançou a
susan um olhar de censura.
- posso ser avarento, mas você fez uma bela imitação de uma megera -
murmurou-lhe ao ouvido.
afastando-se do carro, deixou-os partir. por longos minutos susan ignorou
por completo a conversa dos companheiros de viagem. o perfume de burke a
perseguia, associado ao intenso arrepio provocado pelo hálito dele de
encontro a seu ouvido. nem mesmo a ofensa superava aquela sensação
inesquecível...
- pensei que sua mãe viesse também, ronnie - ela observou de repente,
para puxar assunto.
- burke precisava ir à fazenda de vovô payton e ela preferiu ir com ele.
uma bela oportunidade para namorar, susan pensou um tanto irritada.
porém, logo esqueceu o mau humor, pois ronnie contagiava a todos com seu
entusiasmo. em dado momento, randy puxou um coro desafinado de canções de
natal, fazendo-a rir até as lágrimas. o sinal para o fim da cantoria foi
dado quando o carro parou diante de um imenso pinheiral.
- você tinha razão, elizabeth - susan comentou, observando as árvores. -
os pinheiros daqui são belíssimos!
saltando do carro, ela aspirou com prazer o ar perfumado. o grupo logo se
dividiu para escolher um pinheiro. depois de alguns
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minutos, ronnie chamou a atenção de todos.
- achei - gritou animada. - venham ver.
os três se juntaram à menina que apontava, orgulhosa, para sua
descoberta.
- aquela ali é bonitinha, não é? - ronnie afirmou, contente. os adultos
se entreolharam, embaraçados. randy segurou o riso para não aborrecer
ronnie.
- É sim - concordou, relutante. - mas é um pouco esquisita. repare como é
torta e só tem galhos de um lado...
- por isso mesmo gosto dela. É diferente das outras.
- mas com tantas árvores bonitas, tenho certeza de que poderemos
encontrar coisa melhor, querida - elizabeth interveio.
- por que não procuramos mais um pouco?
- eu gosto dessa - ronnie teimou, emburrada. - parece com stela.
- quem é stela? - susan perguntou, espantada.
- É uma menina do colégio. ela só tem uma mão. nós somos muito amigas,
mas, pelo que vejo, vocês não iam gostar dela. não acham bonito as coisas
diferentes...
aborrecida, ronnie afastava-se do grupo quando susan a chamou.
- eu também gosto dessa - afirmou, disfarçando a emoção.
- se a enfeitarmos direitinho, vai ficar uma beleza! um sorriso radiante
iluminou o rostinho da menina.
- você acha mesmo, susan?!
- claro! por mim, a escolha já está feita.
percebendo a determinação de susan, randy examinou a árvore com ar
crítico.
- talvez não seja tão má assim - ponderou. - podemos colocá-la num canto
e só decorar a parte da frente. ou, quem sabe, cortar alguns galhos daqui
e prendê-los com um arame do outro lado.
- boa ideia, randy. obrigada. e você, elizabeth, o que acha? a senhora
deu de ombros.
- vocês decidem.
- está bem, então a árvore será essa mesma - randy decidiu. - mas com
certeza burke não vai gostar nada da nossa escolha.
- se ele ficar zangado, eu assumo a responsabilidade - susan
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afirmou com segurança.
- randy está brincando. burke nem vai notar que essa árvore é um pouco...
diferente.
- esperem só até eu enfeitá-la. vai ser a árvore mais bonita que vocês já
viram! - susan garantiu.
- vai ser a árvore mais linda do colorado - ronnie confirmou, acariciando
o tronco.
randy pegou a serra no porta-malas do carro e em questão de segundos o
som estridente do aparelho encheu o ar. enquanto esperavam, elizabeth e
ronnie foram até um córrego próximo e se divertiram em quebrar a fina
camada de gelo de sua superfície com pequenas varas. susan preferiu um
passeio pelo bosque. apesar do frio, a manhã estava radiosa. as densas
copas dos pinheiros mais altos filtravam a luz do sol, que inundavam o
solo com seus raios dourados.
quando a serra emudeceu, susan voltou para o local onde haviam deixado
randy. os dois colocaram o pinheiro no carro, sob os palpites bem-
humorados de ronnie. os quatro tomaram seus lugares no veículo e voltaram
para casa.
o percurso foi feito no mesmo clima de animação da ida. todos arriscavam
seus palpites sobre como a decoração da árvore deveria ser feita.
chegando à fazenda, puseram mãos à obra. randy instalou o pinheiro num
canto da sala e iniciou o trabalho de recolocação dos galhos. susan,
elizabeth e ronnie acompanhavam a tarefa com atenção,
descontraindo o ambiente com brincadeiras constantes. ao cabo de uma
hora, randy deu um passo para trás e observou a própria obra com ar
crítico.
- ficou melhor do que eu esperava - disse, satisfeito. - o que vocês
acham?
- está perfeita! - susan elogiou. - você fez um ótimo trabalho com esses
galhos! depois de enfeitada, vai ficar fantástica!
- o que você acha, mamãe?
elizabeth inclinou a cabeça de cabelos grisalhos para o lado, examinando
a árvore com ar de dúvida.
- acho que susan tem mais imaginação do que eu - admitiu. susan olhou
para a senhora, um tanto preocupada. apesar de
todas as intenções nobres envolvidas na escolha daquela árvore, não
queria desagradar elizabeth. afinal, a casa era dela.
- se você não gosta dessa, escolhemos outra - avisou.
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- não, senhora! - randy protestou. - depois de todo trabalho que eu
tive?!
- e eu quero essa árvore! - ronnie atalhou. elizabeth riu, sacudindo a
cabeça devagar.
- eu também não teria coragem de me desfazer dela - afirmou, olhando
susan com carinho. - sei muito bem por que você apoiou a escolha de
ronnie, susan, e aprovo inteiramente. agora, vamos enfeitá-la? randy, vá
perguntar a vera onde estão os enfeites de natal. susan e ronnie vão com
você para escolher o que quiserem. não vale a pena trazer tudo aqui para
a sala.
vera encaminhou-os ao sótão, onde várias fases da vida da família se
traduzia em objetos. havia móveis, livros e brinquedos, cada qual dono de
uma recordação. susan logo compreendeu por que a própria elizabeth não as
acompanhara até ali. na certa, queria evitar aquele reencontro inevitável
com o passado.
- depois de escolher os enfeites, voltaram à sala. decoraram a árvore num
clima festivo. quando algum enfeite lembrava a randy e elizabeth natais
passados, sempre se tratava de um episódio engraçado, que alegrava ainda
mais o ambiente.
aos poucos, a árvore se vestia de gala, integrando-se à sala ampla e
confortável. susan gostava de imaginar quantos saraus haviam acontecido
entre aquelas mesmas paredes altas e imponentes. as cortinas cor de vinho
ainda lembravam os tempos antigos, embora a família gerard tivesse
imprimido ali a marca de sua personalidade no decorrer dos anos. mesmo
assim, o ambiente trazia em si o requinte sóbrio da tradição nas
poltronas de couro e nos pesados móveis de madeira escura. a sala, que
sobrevivera a várias gerações de botas, animais de estimação e crianças,
era o lugar ideal para abrigar também a árvore torta.
terminado o trabalho, susan olhou para a árvore e sorriu satisfeita.
- então, o que vocês acham? - perguntou aos outros.
- você fez um trabalho de mestre! - elizabeth exclamou, admirada. - nunca
pensei que ficasse tão bonita!
- de pleno acordo - randy admitiu. - contanto que as pessoas não toquem
em nenhum desses enfeites. caso contrário, não me responsabilizo pelo
calço que coloquei no pé do pinheiro para ele não ficar inclinado. e
esses arames dos galhos não merecem nenhuma confiança...
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susan fez uma careta para randy e voltou-se para ronnie.
- e você, o que acha?
- está uma beleza! quero ver a cara de burke! randy espiou pela janela.
- pois acho que ele está chegando com sua mãe.
- então, vamos apagar as luzes da sala e acender as da árvore para fazer
surpresa.
- está bem, mocinha. mas só apague a luz quando eu mandar. está meio
complicado achar a tomada por aqui. os galhos do pinheiro estão bem em
cima dela...
porém a menina, excitada de alegria, não ouviu a recomendação. e quando
menos se esperava, a sala foi imersa numa escuridão total. as cortinas
escuras em espesso veludo não deixavam passar a mínima luz, embora o sol
brilhasse lá fora.
- ainda não! - a voz de randy soou, aflita. - não consigo achar a tomada!
susan segurou a custo uma gargalhada ao ouvir o barulho das bolas de
aljôfar batendo umas nas outras. a previsão de randy se cumpria: os
frágeis disfarces não haviam resistido às sacudidelas do corpo dele.
ouvindo vozes no hall, susan se preparou para uma cena desagradável.
decerto, burke encararia aquela árvore como uma provocação. ronnie teria
a desculpa de ser criança, mas ela...
respirou fundo, preparando-se para a batalha. não se arrependia um
milímetro por apoiar a escolha de ronnie. a menina possuía sentimentos
maravilhosos e puros, que mereciam todo o incentivo. e, depois, tudo
teria dado certo se não fosse o pequeno incidente... agora, era aguentar
as consequências. mais uma discussão com burke não faria tanta diferença.
os passos pararam junto à porta. as luzes da sala se acenderam ao mesmo
tempo que as da árvore. susan olhou para burke parado na porta, os olhos
pregados na árvore de natal. ao lado dele, tiffany trazia no rosto uma
expressão de espanto.
de costas para a porta, randy saiu debaixo da árvore e fitou-a, desolado.
- eu bem disse que aqueles arames não mereciam confiança... e, da próxima
vez, espere até eu dar a ordem, ronnie!
- não adianta mais - susan avisou, segurando o riso diante do espanto dos
recém-chegados.
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randy, ainda abaixado, olhou para susan.
- por que você diz que não adianta mais?
ela fez um gesto em direção à porta e ele olhou timidamente para o irmão,
enquanto burke entrava na sala, devagar.
- vocês parecem ladrões apanhados no meio de um assalto
- ele comentou.
ao aproximar-se da árvore, porém, o rosto dele traduziu um misto de
espanto e incredulidade. com cuidado ele andou para o outro lado da
árvore, agora pensa e desajeitada. examinou os galhos presos com arame e
tocou um deles, como se custasse a acreditar nos próprios olhos.
susan, como os demais, aguardava o julgamento de burke. no entanto, ele
permaneceu de costas por um longo instante, no mais absoluto silêncio. de
repente, seus ombros tremeram.
- a árvore sofreu um pequeno acidente - elizabeth justificou, incerta.
burke voltou-se para a mãe com um sorriso largo e, em seguida, teve um
acesso de riso. aos poucos, controlou-se e endireitou o corpo.
- pelo amor de deus, onde vocês encontraram essa... triste imitação de
árvore?!
diante da pergunta, randy baixou os olhos. estava dividido entre a
lealdade para com susan e ronnie e o medo da chacota do irmão. susan ia
se pronunciar, mas elizabeth adiantou-se.
- todos nós escolhemos essa - afirmou, em tom de desafio.
- por quê? você não aprova?
o filho lançou-lhe um olhar incrédulo.
- você jamais escolheria uma árvore feia como essa!
- pois eu não acho. estou muito satisfeita com minha escolha.
- e é uma árvore muito linda! - ronnie completou, batendo o pé. - você
não vê porque é bobo!
- ronnie, não seja malcriada! - tiffany repreendeu-a; em seguida, olhou
para burke hesitante: - eu acho que esta árvore é muito... encantadora.
- estava muito melhor antes de vocês chegarem - randy justificou. - como
mamãe disse, houve um pequeno acidente...
emocionada com as manifestações de carinho, susan decidiu pôr um ponto
final no assunto. burke atormentaria a mãe e o irmão com críticas pelo
resto da vida se eles assumissem a culpa.
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quanto a ela, aguentaria apenas mais alguns dias.
- fui eu quem escolheu a árvore - assegurou. - os outros apenas
concordaram.
burke ensaiou um protesto diante da declaração, mas mudou de ideia. olhou
de novo para a árvore e recomeçou a rir.
- pare de rir! - susan o repreendeu, apontando ronnie com um gesto de
cabeça.
a menina recolhia os enfeites caídos no chão com tristeza. uma expressão
de culpa passou pelo rosto de burke ao aproximar-se dela.
- precisa de ajuda para colocá-los na árvore? - perguntou, sem graça.
ela sacudiu a cabeça numa negativa e jogou os enfeites na caixa com
raiva.
- o que é isso? - burke repreendeu-a. - esses enfeites não merecem ficar
na sua árvore, ou você está é zangada comigo?
- não sou mais sua namorada - ronnie respondeu quase chorando. - você é
igualzinho a todo mundo, não gosta de coisas diferentes. aposto que se
conhecesse stela, riria dela como as meninas do colégio... só porque ela
não tem uma das mãos!
burke corou, embaraçado, e olhou para a mãe pedindo ajuda. quando
elizabeth desviou o olhar, baixou a cabeça com um suspiro.
- É claro que eu não faria isso, ronnie! me desculpe por ter rido. .
- você não vai jogar a árvore fora?
- se você não quiser não jogo, não.
- então sou sua namorada de novo.
- e eu me orgulho disso. sabe, mocinha, você nos deu uma grande lição.
a menina agradeceu o elogio com um beijo e um longo abraço. elizabeth
aproximou-se dela com um sorriso terno.
- agora precisamos colocar os pacotes de presente embaixo da árvore -
anunciou. - você me ajuda a trazê-los para cá, ronnie?
a menina concordou, entusiasmada, e ambas saíram da sala. tiffany
acompanhou-as e randy juntou as ferramentas, levandoas para dentro. susan
pediu licença e já se retirava quando burke segurou-a pelo braço.
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- fique um instante. quero falar com você.
- estou ocupada.
- mas é só um minuto. preciso te pedir desculpas.
- por me chamar de megera? não me importo com o que você pensa de mim.
- não; por caçoar da árvore.
- para mim é indiferente se você gosta dela ou não. burke a encarou por
um momento, irritado e desanimado.
- você não facilita em nada as coisas, não é? - desabafou.
- eu não sabia que ronnie havia escolhido a árvore... e por quê. achei
bonito o modo como você a incentivou a ter um sentimento de
solidariedade... além do mais, tudo isso serviu para fazer tiffany
sorrir. desde a morte de steven, isso não acontecia. aliás, você faz
muito bem a ela, parece que a anima. ultimamente, ela anda triste demais.
.- - natural, depois de perder o marido...
- mas já faz dois anos! não quero que ela esqueça steven, mas não adianta
nada se enterrar com ele! ela é muito jovem, devia se casar de novo...
ela não lhe disse nada sobre isso?
- claro que não! nos conhecemos outro dia, ela não me faria confidências
tão íntimas.
- pois eu acho que faria, sim. tiffany nunca teve muitas amigas e se
apega às pessoas com facilidade. como vocês conversam muito... você
poderia dar um empurrãozinho. diga que ronnie precisa de um pai.
- não vou fazer nada disso. em primeiro lugar, porque não concordo. em
segundo, porque os problemas sentimentais de tiffany não são da minha
conta.
- não concorda! - ele resmungou, agastado. - tif precisa de um homem ao
lado dela!
- o que eu não concordo é que uma mulher se case para dar um pai a seu
filho ou para ter quem troque as lâmpadas da casa. a única coisa que
justifica o casamento é o amor, e isso não é romantismo da minha parte.
- por isso você ainda não se casou?
- sim, e acho que vou passar muito tempo solteira. não existem muitos
homens no mundo dignos desse sentimento.
- não tenho nada com isso, mas seu comportamento assusta um pouco os
homens. parece que está querendo provar que eles
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são uma coisa supérflua na sua vida... susan riu.
- que pensamento machista! só porque não sou dependente deles?
- porque é orgulhosa. mesmo morrendo de cãimbras, recusou minha ajuda
quando caiu.
- eu estava zangada com você.
- mas não fui eu quem provocou o acidente.
- não, mas gritou comigo o tempo todo e chamava todas as minhas queixas
de frescuras!
- fiz isso só uma vez... e me arrependo até hoje.
burke lançou-lhe um olhar penetrante e inquieto, fazendo-a lembrar do
homem ardente e carinhoso que a incendiara de desejo na noite anterior.
contudo, ele logo baixou o rosto. e ao encará-la de novo, seu olhar
trazia a costumeira expressão de frieza.
- além do mais, você estava tão sensível que se eu fosse gentil demais,
você sentaria na estrada e começaria a chorar...
- eu quase nunca choro - susan atalhou com firmeza. essa é uma das
heranças de se conviver a vida inteira com dois machistas iguais a você.
burke deu de ombros.
- de qualquer forma, valeu a precaução - afirmou. - deu uma bela
demonstração de força naquela noite, sabia? pela sua cara, dava para
notar o quanto odiava o cheiro daquele cobertor...
- ainda bem que, pelo menos, você se divertiu.
susan o mediu por um instante com raiva, porém, o sorriso dele desarmou-
a. loucura sentir uma atração tão forte por aquele homem!
- eu sabia que não podia contar com sua ajuda para falar com tiffany -
burke afirmou com seriedade. - como você disse, os problemas dela não são
da sua conta!
- conselhos só atrapalham nestes assuntos. por que você não lhe dá mais
tempo? acho que está se preocupando à toa.
- pode ser... - burke voltou-se para sair e, olhando a árvore, .
acrescentou: - deixando de lado a estética, essa árvore tem muito de
você, sabia?
- isso é um elogio ou uma ofensa?! burke esboçou um sorriso misterioso.
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- descubra sozinha. você é a professora.
burke deu as costas e saiu sem maiores explicações. enquanto subia as
escadas em
direção ao quarto, susan pensou qual seria o enigma daquela charada.
63
capÍtulo v

susan sentou-se na saleta íntima de elizabeth para ler um pouco. a


anfitriã saíra para as compras da semana e tiffany e ronme encontravam-se
no quarto embrulhando
os presentes de natal. randy fora ajudar a mãe com os afazeres e burke
cuidava das tarefas da fazenda.
apesar de apreciar muito a leitura, susan não conseguia se interessar
pela história. alguma coisa mudara dentro dela desde que chegara àquela
casa. tentava em vão compreender a razão de uma modificação tão
repentina. entretanto, até mesmo dizer o que se alterara nela própria lhe
parecia difícil...
- estou interrompendo uma história muito interessante? susan sorriu para
tiffany, parada junto à porta da saleta. era
um alívio se livrar daqueles pensamentos intrigantes.
- nada é mais interessante que uma boa conversa - garantiu, colocando o
livro de lado. - onde está ronnie?
- brincando no jardim. aliás, quero lhe agradecer por ter tanta paciência
com ela. minha filha está apaixonada por você.
- ronnie é muito meiga. você a educou muito bem.
- Às vezes, acho que não fiz nada para ela ser assim. desde bebé, ronnie
foi uma criança dócil e carinhosa. houve uma época que até a abandonei um
pouco; logo depois da morte de steven. dentro de mim, só havia lugar para
o sofrimento. foi burke quem chamou minha atenção para isso. eu me senti
tão culpada por negligenciar a minha filha que chorei durante dias...
- você não devia deixá-lo comandar sua vida desse jeito. burke é muito
autoritário e machista.
- mas ele estava certo. quando ronnie queria conversar comigo sobre o
pai, eu mudava de assunto, porque me era muito doloroso encarar a
realidade. não percebia que ela também precisava de espaço para sofrer e
entender o que estava acontecendo...
- mas isso já passou. você tem a vida inteira para se redimir
64
dessas pequenas omissões. tiffany caminhou pensativa até a janela.
- todo mundo diz que eu deveria me casar de novo por causa de ronnie. o
que você acha?
- acho que é um motivo bem tolo para alguém se casar. a segurança da
resposta desapareceu dentro de susan ao ver
um ar sonhador estampar-se no rosto da outra.
- e você? - perguntou. - quer casar pela segunda vez? num instante, a
expressão sonhadora deu lugar à incerteza.
- acho que sim. ele me disse várias vezes que deveria casar novamente,
mas ainda não fez o pedido. e eu lhe dei todas as oportunidades...
talvez, nem esteja interessado em mim.
- tenho certeza que está.
depois da conversa com burke na véspera, tudo ficara bem claro para
susan. ele estava apaixonado por tiffany e por isso lhe pedira com todas
as letras que a convencesse
a aceitá-lo!
- - sabe, eu queria lhe dar filhos. ele é maravilhoso com ronme, mas eu
sei que gostaria de ter filhos altos, fortes e orgulhosos como ele... - e
acrescentou, numa queixa irritada: - só que ele é orgulhoso demais!
susan não entendeu bem a irritação de tiffany. depois do fracasso do
primeiro compromisso entre os dois, era natural que burke resistisse a um
novo envolvimento. desta vez, tiffany deveria tomar a iniciativa.
- por que você não o pede em casamento? - sugeriu.
- não posso fazer isso! e se ele disser não?!
- e se disser sim? não vale a pena arriscar? está na hora de você lutar
pela sua felicidade! não pode esperar a vida inteira que os outros
decidam sua vida.
tiffany esboçou um sorriso triste.
- vou pensar - prometeu. - sabe, gostaria de ser como você: é muito
segura de si e nada parece te impedir de conseguir aquilo que deseja.
tiffany despediu-se e saiu da saleta, preocupada que ronnie fizesse
alguma traquinagem perigosa no jardim. alguns meses antes, o conceito que
tiffany fazia era verdadeiro, susan pensou, desanimada. mas seu mundo
virara do avesso desde que conhecera elizabeth e a família gerard. uma
insatisfação constante a acompanhava como se, de repente, a vida tivesse
se tornado sem graça.
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naquele momento, por exemplo, um ciúme terrível queimavaa por dentro.
mesmo antes de saber da pretensão de burke em casar-se, invejava os
pequenos mimos e atenções
com que ele cercava tiffany. para ela, susan, sobravam ironias e o mau
humor!
impressionada com a intensidade dos próprios sentimentos, reagiu contra
si mesma. não sabia a causa de tanta amargura, mas, por certo, não queria
a vida de tiffany para si. já experimentara um pouco do tipo de amor que
a rodeava e quase fora sufocada pelos cuidados excessivos dos irmãos...
contudo, por que estava tão descontente?
fechou o livro e foi ao encontro de ronnie no jardim. talvez a menina
quisesse dar um passeio e isso faria bem para ambas.
porém, quando atravessava o hall, um barulho estranho interrompeu-lhe os
passos. ao virar-se, viu randy escorregando pelo corrimão da escada, e,
depois de uma descida vertiginosa, aterrissar bem perto de onde ela
estava.
- muito bem, moço! - disse com severidade fingida. - É por isso que esse
corrimão não tem remate?!
surpreso, randy voltou-se para ela com um sorriso.
- já faz tempo. papai contava que também descia assim quando era criança.
mamãe não é a primeira mulher que ameaça colocá-lo. disse que vai fazer
isso só quando nós crescermos.
- o que, pelo visto, vai demorar muito tempo ainda!
- você está é com inveja! se acha velha demais para brincar assim e morre
de medo.
- morro nada!
- então tente, que eu quero ver!
- tentar, não. vou conseguir!
susan subiu correndo as escadas. de repente, parou e olhou para trás, um
tanto relutante.
- como é que a gente sabe que já chegou aí embaixo?
- com a prática. mas pode deixar, eu te seguro.
- se não me segurar, vai ver só!
ela percorreu até o topo da escada, animada como uma menina. montou no
corrimão de costas para randy e soltou o corpo. por um instante, sentiu-
se no ar. só as mãos quentes por causa do atrito denunciavam a rapidez da
descida. desejou prolongar a sensação de liberdade até o infinito, mas
logo randy a segurou pela cintura. entusiasmada, susan voltou-se para o
companheiro
66
de brincadeira, rindo muito.
- que delícia! posso tentar de novo...
susan interrompeu a frase, espantada. ao invés de randy, era burke quem a
segurava com uma expressão muito séria no rosto.
- se está querendo se matar, existem métodos mais eficientes do que esse
- ele assegurou com frieza.
- não seja desmancha-prazeres. só estava brincando com randy. onde ele se
meteu?
- brincando! randy tem desculpa porque é uma criança. mas você, uma
professora, sair por aí fazendo acrobacias é demais! devia ter mais
juízo, moça!
ela observou-lhe o rosto zangado com um sorriso calmo. até que era
gostoso irritá-lo de vez em quando!
- ora, fala isso porque está velho demais para se divertir.
apesar da provocação, susan sentiu uma alegria enorme. burke estava
zangado daquele jeito porque se preocupava com ela! prova disso era o
modo carinhoso como ainda a segurava pela cintura.
- você acha mesmo?! - ele a questionou, furioso.
soltando-a, burke subiu a escada de dois em dois degraus. incrédula,
susan o observou e mal pôde acreditar quando ele montou no corrimão.
segundos depois, o percurso foi concluído e ele a encarou de mãos na
cintura.
- então, quem é o velho aqui?!
susan ria tanto que acabou por contagiá-lo.
- sabe que eu não resisto a um desafio, não é, professora? - mas nunca
pensei que fosse aceitar esse!
- É que você não me conhece tão bem quanto imagina.
burke lançou-lhe um olhar penetrante, pleno de mistério. inútil fugir da
intensidade daquele olhar. susan deixou-se arrastar pela força enigmática
que emanava
daquele homem.
- Às vezes, acho que nem eu mesmo me conheço - ele murmurou, abraçando-a
pela cintura. - quando estou perto de você, por exemplo...
susan fechou os olhos, entregue por completo à vertigem de umdesejo
febril. quando sentiu os lábios quentes de burke sobre os dela, agarrou-o
pela camisa para
empurrá-lo... ou para aproximá-lo ainda mais? não sabia. apenas a
intensidade das caprícias de burke em seu corpo dominavam-lhe a mente.
enquanto
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ele a provocava com as mãos, os dentes, a língua ousada e hábil
acariciando-lhe os lábios, ela experimentava sensações inéditas,
intensas, irresistíveis.
susan entreabriu os lábios devagar, obedecendo a um impulso
incontrolável. burke aconchegou-a mais ao corpo,
comprimindo-lhe os seios túrgidos de desejo. em seguida
tocou-lhe os quadris, as costas, a cintura com movimentos lentos,
enlouquecedoramente sensuais. susan não conseguia, não podia mais ignorar
o próprio desejo.
por um momento, burke ficou parado, passivo à exploração atrevida da
língua de susan em sua boca. quando, porém, ela fez menção de se afastar,
ele a deteve. parecia querer todo o mel daqueles lábios numa dose
infinita. devagar insinuou os dedos por baixo do suéter de susan, na
ânsia de tocar-lhe a pele macia, aveludada. na urgência do prazer, ela
sentiu uma necessidade angustiante de possuir o corpo daquele homem,
fonte inesgotável de delícias...
- por que vocês estão se beijando?
susan emergiu no mesmo instante daquele torvelinho de emoções. afastou-se
de burke e olhou para ronnie. parada no meio da escada, a menina os
observava muito interessada.
- os homens gostam de beijar mulheres bonitas - burke respondeu com
naturalidade.
- papai sempre beijava mamãe. você acha que é por isso que, às vezes, ela
chora à noite? por que ela não tem mais ninguém para beijá-la?
afastando-se de susan, burke segurou a menina e sentou-se ao lado dela no
degrau da escada.
- ela chora porque sente falta de seu pai, da companhia e do carinho dele
- respondeu, sério. - isso acontece quando as pessoas
se amam.
ronnie abraçou burke, com uma expressão de tristeza no rostinho delicado.
- eu também sinto muita falta de meu pai - afirmou.
a menina começou a chorar e burke sentou-a em seu colo. olhou para susan
pedindo ajuda e ela aproximou-se, acomodando-se na escada ao lado deles.
não havia nada que pudessem fazer. ronnie queria apenas sentir-se
acompanhada em sua dor.
68
observando a cena, susan certificou-se de que burke seria um excelente
padrasto para ronnie. tiffany acertara na escolha, pensou com amargura.
e, na certa, ele dividiria muito bem seu amor entre ronnie e os filhos
que teria com tiffany. mas tiffany teria dificuldades em controlar a
família, em especial se os filhos de burke puxassem o temperamento do
pai. nessa tarefa, ela, susan, levaria vantagem sobre a outra... mas de
onde lhe vinham pensamentos tão descabidos?!
- me desculpe por chorar, burke - ronnie enxugou as lágrimas com a palma
das mãos -, não costumo fazer isso.
- e quem disse que é vergonha chorar quando a gente está triste? É
natural que você sinta saudades de seu pai, querida. eu também sinto.
quando quiser falar sobre
ele, vou gostar muito de ouvir, está bem?
ronnie fez um gesto afirmativo com a cabeça e um sorriso apareceu-lhe no
rosto ainda coberto por algumas lágrimas.
- eu amo você - ela afirmou, abraçando-o. burke apertou-a contra si,
emocionado.
- também amo você, querida... mas agora que estabelecemos esse acordo de
admiração mútua, vamos...
- o que é admiração... como você disse?!
- um acordo de admiração mútua é quando as pessoas decidem gostar sempre
uma das outras.
- e a gente pode fazer isso com qualquer pessoa?
- pode sim. por quê? você quer incluir mais alguém no nosso acordo?
- susan, é claro! ela é a professora mais bonita e boazinha que eu
conheço!
burke olhou para susan com um sorriso enigmático.
- gostaria de participar do nosso acordo, srta. maccoy?
- agradeço o convite, srta. tallerton - ela respondeu para ronnie,
ignorando-o de propósito. - será uma honra.
burke levantou-se, colocando ronnie de pé.
- então está bem. agora, quem quer ir comigo até a cidade? preciso de
umas ferramentas e esqueci de pedir a elizabeth.
- eu quero! - ronnie respondeu, prontamente.
- e você, susan?
ela fez menção de recusar o convite. burke a incluíra no passeio por mera
formalidade. no entanto, ronnie lançou-lhe um
69
olhar suplicante.
- por favor, venha - pediu. - quando burke chega na cidade, as pessoas
não param de falar com ele sobre coisas que eu não entendo...
- está bem. não quero que você se aborreça...
ronnie bateu palmas de alegria e correu até o quarto para avisar a mãe
sobre o passeio. susan também ia buscar um casaco quando burke a chamou.
- só queria agradecer - ele disse.
- mas por quê? não fiz nada.
- você ficou conosco. percebeu o quanto ronnie precisava de companhia
naquele momento. não é todo mundo que tem essa sensibilidade.
- esquece-se de que eu lido com crianças o tempo todo? se eu saísse de
perto, ela pensaria que é errado chorar por causa do pai. você também foi
maravihoso com ela...
- e isso surpreendeu, não foi?
- para ser franca, sim. burke sacudiu a cabeça devagar.
- que génio!
- olhe quem fala! não sei se tiffany vai aguentá-lo por muito tempo!
- o quê?!
susan ficou horrorizada com a própria atitude. jamais deveria revelar a
burke as confidências de tiffany. entretanto, ele possuía o estranho
poder de tirá-la do sério.
- desculpe, esqueça o que eu disse - pediu desconcertada.
- não, senhora. já que começou, vá até o fim.
- está bem - susan suspirou e o encarou com amargura antes de prosseguir.
- tiffany falou sobre você agora há pouco. acho que está querendo casar
de novo. talvez, precise apenas de um pouco de coragem.
- ela disse meu nome?
- não, mas de quem mais ela estaria falando?
uma sombra de apreensão passou pelo rosto de burke.
- não sei - admitiu, pensativo.
- bem, vou pegar meu casaco. volto logo.
susan foi para o quarto intrigada. Ás palavras de burke sobre beijar
mulheres bonitas não lhe saíam da cabeça. um aviso
muito
70
sugestivo para que não levasse a sério os rompantes sensuais daquele
homem. e a expressão de angústia no rosto de burke ao saber das intenções
de tiffany apenas
confirmava a insinuação. queria ter certeza dos sentimentos da ex-noiva
antes de pedi-la em casamento mais uma vez.
quem podia culpá-lo por essa desconfiança? enquanto esperava uma
confirmação definitiva dos sentimentos de tiffany, fazia com ela um jogo
de sedução, pensou desanimada. e nem por isso podia responsabilizá-lo! em
especial, depois do ardor com que correspondera aos beijos... mas isso
nunca mais se repetiria! burke que encontrasse outra pessoa para
exercitar sua sedução!
susan vestiu o casaco e desceu, indo direto para a varanda. a caminhonete
da fazenda estava a postos diante da casa, mas burke ainda não chegara e
ronnie também não estava por perto. enquanto os aguardava apreciou a
linda paisagem, com as montanhas rochosas a distância e os picos cobertos
de neve contra um céu muito azul. arbustos e pinheiros cobriam os morros
mais próximos. nas folhagens ainda cintilava a neve caída durante a
noite, pequenos cristais refletindo a luz do sol.
ela desceu devagar as escadas da varanda, encostou-se à caminhonete e
observou a casa dos gerard. o telhado, com enfeites de madeira, era pouco
comum às casas de fazenda. a varanda imponente e o pátio ajardinado
lembravam mais uma mansão urbana, cercada por bem cuidadas alamedas.
- não é o que se espera de uma fazenda, não é?
susan voltou-se e deparou com burke atrás dela. sorriu e virouse de novo
para a casa.
- É um tanto excêntrica, mas eu gosto de coisas incomuns afirmou,
distraída.
- quem a construiu foi meu bisavô. dizem que ele ficou rico do dia para a
noite porque encontrou um filão de ouro. então, comprou essas terras para
criar gado e quis uma casa parecida com as de denver na época. só que a
mulher dele era muito mais prática e decorou o interior para ser mais
confortável do que bonito.
- mas há certos detalhes pomposos lá dentro também. a escada, por
exemplo.
- só que sempre se pode utilizar esses detalhes de forma nada pomposa...
ainda bem, não é?
71
ronnie chegou e os interrompeu. susan ignorou mais aquela provocação e em
silêncio, entrou na caminhonete, que partiu em seguida. melhor aproveitar
o passeio e o
raro bom humor de burke.
em questão de minutos, deixaram para trás as planícies, transformadas em
morro à medida que se aproximavam das montanhas rochosas. durante toda a
viagem, o clima dentro da caminhonete foi descontraído. ronnie fazia
perguntas curiosas sobre tudo o que via, exigindo respostas minuciosas. a
garota encantou-se quando avistou um grupo de antílopes correndo, livres,
à margem da estrada. os corpos ágeis dos animais, cujos pêlos castanhos
reluziam ao sol, ofereciam um belo espetáculo. susan também apreciou a
beleza selvagem daquelas criaturas e as guardou na memória por longo
tempo depois de tê-las perdido de vista.
quando chegaram à cidade, burke deixou ronnie e susan nas ruas centrais,
onde várias lojas chamavam a atenção dos transeuntes. animadas, as duas
admiraram as mercadorias expostas de artesanato e de inúmeras outras
opções de presentes.
o tempo passou sem que percebessem. desolada, susan consultou o relógio.
passaria o resto do dia se divertindo com ronme, mas tinha combinado de
encontrar com burke em cinco minutos. não desafiaria o bom humor dele por
causa de um atraso.
- tenho certeza de que burke não chegou ainda ao lugar que combinamos -
ronnie assegurou. - sempre tem alguém para conversar com ele na última
hora. sempre se atrasa quando vem aqui.
se fosse assim, melhor, susan pensou, enquanto se dirigia ao local
combinado. em todo caso, não daria motivo para que ele fizesse uma cena
diante da menina.
de fato, não o avistou ao se aproximar do ponto de encontro. para chegar
até lá, tinham de atravessar uma rua movimentada e susan pegou a mão de
ronnie. entretanto a menina, por brincadeira, desvencilhou-se, tropeçando
no meio-fio. na tentativa de se equilibrar, parou no meio da rua, no
exato instante em que
uma carro se aproximava.
susan correu na direção dela, mas antes de alcançá-la um homem alto, com
um chapéu de cowboy, atravessou a rua como um raio, segurando ronnie e a
colocando de
volta
72
na calçada. depois sorriu para susan, o rosto vermelho da corrida.
- obrigada, moço - ela agradeceu com um suspiro de alívio. - essa mocinha
aqui me deu um susto e tanto!
- eu estava só brincando - ronnie protestou tentando se desculpar.
- eu sei, querida. mas você poderia ter se machucado muito. por isso me
assustei.
- desculpe, não faço mais. está zangada comigo?
a menina lançou-lhe um olhar tão doce que susan sorriu, acariciando-lhe
os cabelos.
- não estou, não. além do mais, você já prometeu não repetir a façanha. -
depois, voltou-se para o desconhecido: - mais uma vez, obrigada por
salvá-la.
- estou sempre às ordens para ajudar uma moça bonita ele retrucou, com ar
galante. - meu nome é howard webb. vi quando você desceu da caminhonete
de burke. aquele danado tem muito bom gosto.
susan sorriu diante dos elogios, mas preferiu mudar de assunto.
- o senhor também tem fazenda na região?
- não, eu sou banqueiro. aliás, foi por isso que conheci burke, e seu pai
também.
- meu pai?!
- quando vi você descendo da caminhonete de burke, fiquei espantado. todo
mundo sempre me disse que a filha do senador payton era bonita, mas nunca
pensei que fosse tanto! agora sei por que a cidade inteira comenta que
burke não vai deixá-la escapar dessa vez...
- acho que está enganado, sr. webb. eu não sou...
- ah, não me venha com essa história de bons amigos! - ele piscou-lhe um
olho, matreiro. - conheço a vida, e uma paixão como a de vocês dois não
se apaga assim tão fácil.
susan corou, embaraçada, em especial porque burke se aproximava.
- sr. webb...
- pode me chamar de howard, como todo mundo - e, voltando-se para burke,
saudou-o com um sorriso. - burke, como vai você?
susan ficou em silêncio enquanto os dois se cumprimentavam.
73
ainda esperou até que eles terminassem os comentários sobre a nevasca que
assolara a região alguns dias antes para esclarecer o equívoco.
- com licença, mas eu preciso dizer uma coisinha - ela anunciou na
primeira oportunidade. - sr. webb, eu não sou tiffany tallerton.
howard a encarou, confuso.
. - não é!? mas eu podia jurar que vi essa menina chamando o senador
payton de vovô quando a vi pela última vez!...
- mas essa é ronnie tallerton. eu sou apenas amiga de elizabeth. estou
passando alguns dias na fazenda e vim dar uma volta com a menina na
cidade. meu nome é susan maccoy.
o homem enrubesceu e afastou o chapéu, desconcertado.
- desculpe a confusão, srta. macgoy. mas quando vi burke tão bem
acompanhado... com todos os boatos que andam pela cidade, pensei que...
sinto muito, mesmo!
o embaraço de howard era enorme. mas, na ânsia de se desculpar, ele só
piorava o desconforto de susan. foi um alívio para ela quando burke pôs
um fim na conversa e levou-a para a caminhonete depois de se despedir do
amigo.
durante a viagem de volta, burke não mencionou o incidente. foi susan
quem tocou no assunto, intrigada.
- não entendo como o sr. webb pôde me confundir com tiffany - ela disse
de repente. - ele mora aqui e a cidade não é grande.
- acontece que howard não é daqui. ele veio de nova york.
- pois não parece. quem o vê com aquelas roupas de cowboy jura que é
fazendeiro até a medula dos ossos.
- que nada! ele mudou para cá faz apenas alguns anos. a empresa dele
comprou um banco aqui e a diretoria o indicou como gerente.
susan riu, lembrando da figura curiosa de howard.
- ele até parece um xerife do velho oeste.
- pois é tão excêntrico que mandou fazer uma estrela de ouro para usar na
lapela em ocasiões especiais.
- você está inventando isso! ninguém é tão louco assim!
- tem razão, é brincadeira. É que eu gosto quando você ri.
- susan tem mesmo uma risada bonita, não é, burke? - ronme concordou. -
mamãe diz que quando ela ri é como ouvir um
74
córrego da montanha. não sei muito bem o que isso quer dizer, mas também
gosto quando ela ri. e também quando lê histórias para mim.
- eu não sabia disso. pensei que esse passatempo fosse de sua mãe.
- mamãe não gosta de ler em voz alta. ela não tem uma voz como a de
susan, mas é bonita também, não é?
- sua mãe é muito bonita - susan afirmou.
- eu acho - a menina disse com orgulho. - mas você também é, susan.
- muito obrigada. eu também acho você muito bonita, ronme. gostaria de
ter esse cabelo ondulado.
- essa é uma das razões por que ela é minha namorada preferida - burke
afirmou sorrindo.
- sou mesmo, burke?!
- claro! não dei minha sobremesa para você ontem à noite? entre nós, isso
é quase um pedido de casamento.
ronnie soltou uma gargalhada, mas, logo em seguida, ficou séria de novo.
- vou lhe dar minha sobremesa, hoje - decidiu. - mas quando eu crescer,
não quero me casar com você.
- não?! - burke fingiu decepção.
- mas quero cuidar de você quando estiver bem velhinho: trazer seus
chinelos, ler em voz alta para você, dar remédio na sua boca, essas
coisas. se eu casar com você, vou ficar velhinha junto e não vou poder
fazer nada disso.
susan ficou emocionada com o carinho existente entre os dois. ronnie
confiava em burke como em si mesma, a ponto de contarlhe seus sentimentos
mais secretos. ela não conhecia outra pessoa capaz de estabelecer um
relacionamento tão profundo com uma criança daquela idade. essa faceta da
personalidade de burke lhe despertava
uma admiração profunda e, ao mesmo tempo, a intrigava. como alguém
conseguia represar dentro de si tanto carinho, escondendo do mundo o
melhor que havia em seu coração?
susan observou a paisagem imersa em divagações. burke, por sua vez, se
concentrou na estrada, e ronnie, sem ter com quem conversar, acabou
adormecendo com a cabeça apoiada no colo da amiga. susan acariciou-lhe o
rosto com ternura, sob o olhar
75
indecifrável de burke.
- você tem muito jeito com crianças - ele afirmou, de repente.
- gosto delas. além do mais, tenho certa prática por causa do trabalho.
- fiquei um pouco surpreso quando elizabeth me disse que você só dá aula
para o jardim de infância.
- por quê?
ele voltou a atenção para a estrada e pensou por alguns momentos antes de
responder.
- não sei - confessou por fim. - em nossos encontros, você me pareceu uma
pessoa bastante inteligente. achei que estivesse interessada em alguma
coisa mais complexa, como o colegial ou a universidade.
susan suspirou, controlando a irritação.
- pois fique sabendo que não há nada mais complexo do que o ensino no
jardim de infância - assegurou. - pena que muita gente ainda pense como
você, inclusive pais de alunos. acham que as crianças só brincam lá,
fazem coisas sem importância...
- e não é verdade?
- claro que não! as crianças aprendem coisas importantíssimas, mas num
clima adequado à idade delas! várias pessoas passaram a vida inteira
estudando sobre o melhor método de ensino para essa idade. não se
perderia tanto tempo se o assunto não merecesse atenção.
- passaram a vida inteira estudando a melhor maneira de ensinar uma
criança a amarrar os sapatos?!
- entre outras coisas. É claro que ensinamos isso também. mas a maior
parte das atividades se referem à preparação para a leitura,
desenvolvimento do raciocínio numérico e lógico, viver em sociedade...
sem tudo isso, uma criança não está pronta para ser alfabetizada.
- só que ainda há muitas atividades que servem apenas de diversão. ler
histórias, por exemplo.
- engano seu. quando a gente lê para uma criança, está despertando nela o
desejo de ler sozinha. criando o interesse, a alfabetização se torna
muito mais fácil.
burke olhou para susan com um sorriso satisfeito.
- está bem, professora, você me convenceu. acho bonito seu
76
amor à profissão. muita gente dá aula para o jardim de infância por falta
de outra oportunidade. e, pensando no trabalho que deve dar, eu não os
culpo.
- pois, para mim, é um desafio e acho a recompensa fantástica. a alegria
deles quando conseguem montar um quebra-cabeça sozinhos é emocionante! e
quando as crianças aprendem a dividir o mesmo brinquedo, quando
diferenciam uma letra da outra!... são conquistas pequenas para um
adulto, não há dúvida, mas sem elas ninguém chegaria aos grandes
feitos... administrar a fazenda, por exemplo, dá um trabalho enorme, não
é? e você gosta menos do que faz por causa disso?
- não, na verdade eu gosto porque dá muito trabalho. penso nisso todos os
minutos do dia. talvez porque esse trabalho sempre foi um desafio muito
grande para mim desde o começo... elizabeth lhe contou, não é?
- sim, contou.
- Às vezes, eu me revoltava com o destino. não entendia por que um homem
ainda jovem como meu pai tinha de morrer de repente, deixar a família
naquela situação... chegava a ter raiva do meu pai, por jogar todas as
responsabilidades nas minhas costas, sem ter me preparado antes... eu sei
que é absurdo, mas eu sentia isso.
- sentimentos nunca são absurdos. aliás, acho que sentir raiva dos mortos
acontece a todo mundo. só que as pessoas têm vergonha de admitir.
- você também teve raiva de seus pais quando eles morreram?
- na época, não. eu era muito pequena, nem sabia direito o que era a
morte. na adolescência, tive algumas crises desse tipo, mas passaram
logo. É que, ao contrário de você, havia muita gente para cuidar de
mim... até demais!... mas, me diga uma coisa: o que você tinha planejado
para o futuro antes de seu pai morrer?
- eu queria ser veterinário.
- e o fato de não ter conseguido te entristece?
- não. - fez uma pausa e sacudiu a cabeça com um sorriso.
- sabe, aconteceu uma coisa estranha. durante muitos anos, eu marquei
prazos para voltar à faculdade. dizia para mim mesmo: assim que tal
problema estiver resolvido, eu deixo tudo nas mãos de outra pessoa e
volto a estudar. mas, logo em seguida, aparecia
77
outra coisa e, na minha opinião, só eu cuidaria daquilo direito... um
dia, compreendi que não queria de verdade voltar a estudar. os problemas
dos negócios eram só pretextos para adiar a decisão. na verdade, eu gosto
mesmo desse desafio, por isso prosperei tanto. multipliquei muitas vezes
os negócios de meu pai. hoje, além do gado, também lidamos com minério,
investimentos imobiliários em denver... - interrompeu-se, lançando a
susan um olhar envergonhado. - desculpe, não tinha intenção de contar
vantagem.
- não diga isso! acho bonito quando alguém se entusiasma pelo que faz. se
não for assim, melhor tentar outra ocupação. por isso, acho...
ia falar de randy, mas desistiu. tolice estragar o clima de harmonia
entre os dois voltando àquele assunto. numa coisa, burke tinha razão: a
escolha profissional de randy não era problema dela.
- por isso, você acha que eu não devo interferir nas opções de randy -
burke adivinhou.
- isso mesmo.
ele ficou pensativo por alguns momentos, os olhos fixos na estrada.
- talvez você esteja certa.
- não concorde comigo, por favor! - susan exclamou brincando. - minha
diversão predileta são as nossas discussões!...
- não se preocupe, isso não vai acontecer mais.
depois disso, burke se trancou num mutismo obstinado pelo resto da
viagem. com ronnie ainda dormindo em seu colo, susan passou o resto do
tempo admirando a paisagem pelas janelas amplas da caminhonete. será que
burke não suportava que o contradissessem nem por brincadeira?! decerto,
estava habituado demais a ser obedecido cegamente pela família e pelos
empregados. mas ela não era nem parente nem empregada dele. portanto,
podia expressar com liberdade as próprias opiniões. azar o dele se
emburrava por qualquer bobagem!
entretanto, não era tão simples assim não se incomodar com burke. a
personalidade dele constituía um mistério para susan, uma inesgotável
caixa de surpresas. era como se ele lhe revelasse uma faceta oculta e,
logo em seguida, se arrependesse. então, vestia de novo a armadura de
frieza e arrogância com a qual se protegia
78
do mundo.
se não fosse assim, como explicar a ternura que demonstrava ao lado de
ronnie? e ainda havia aquele olhar terno e, ao mesmo tempo, inquieto com
que a encarara naquela noite, na solidão do quarto dele. havia o pedido
mudo de cada carícia nos momentos arrebatados de paixão. havia os
silêncios repletos de significado quando ficavam a sós...
e, no entanto, ele estava apaixonado por tiffany! por que escolhera a
ela, susan, para guardar esses segredos? por que a confundia daquela
forma para, em seguida, trancar-se no seu mundo de pensamentos
insondáveis?
angustiada, ela ainda refletia sobre tantos enigmas quando a caminhonete
chegou à fazenda. ao se aproximarem da casa, susan viu tiffany acenar
festivamente para eles, vindo ao encontro do carro assim que estacionou
diante da varanda. ronnie acordou e espreguiçou-se. burke pegou-a no colo
e levou-a para dentro da casa.
uma enorme solidão invadiu susan vendo os três seguirem à frente dela.
ronnie, agarrada ao pescoço de burke, contava à mãe todos os detalhes do
passeio. tiffany
sorria da empolgação da filha e lançava um olhar especial a burke
enquanto acariciava os cabelos da menina. um olhar apaixonado.
era normal burke se comportar daquela maneira, todo carinhoso e bondoso
para com ronnie. ela era filha de tiffany, a mulher que ele nunca deixara
de amar. howard webb estava certo: burke não perderia a chance de se
casar, agora que o destino estava a seu favor. ela, susan, seria apenas
uma lembrança; alguém em quem burke pudera confiar enquanto sofria a
incerteza do amor de tiffany.
com um suspiro, caminhou devagar para o interior da casa. burke vivia um
momento confuso de sua vida, dividido entre o amor e o orgulho. mas com
ela, não precisava dissimular os sentimentos, nem se comportar como um
deus. e, se isso provocava tantos desentendimentos entre os dois, também
os aproximava de uma forma muito especial...
enquanto subia as escadas em direção a seu quarto, susan se convenceu da
racionalidade dos próprios argumentos. porém o coração, traiçoeiro,
insistia em traí-la trazendo à boca o gosto amargo da derrota.
79
capÍtulo vi

o natal se aproximava. elízabeth quase não saía de casa, pois sofrera um


pequeno acidente doméstico e machucara a perna. embora o ferimento não
fosse grave, o médico
recomendara repouso. assim, susan passeava sozinha pela fazenda, já que
ronnie se tornara a segunda sombra da mãe.
tiffany passava cada vez mais tempo na fazenda do pai. quando saía, dava
satisfações vagas sobre tratar de negócios pendentes. as desculpas,
contudo, não convenciam susan. com certeza, a moça queria um pouco de
solidão para decidir sobre o futuro casamento. tiffany morava há muitos
anos em nova york e, sem dúvida, ponderava bem antes de assumir uma
mudança tão brusca.
não seria fácil para uma mulher sofisticada como ela morar de novo numa
fazenda. para piorar, burke não parecia muito dado a festas e vida
social. contudo, susan estava certa de que o amor entre os dois falaria
mais alto, anulando pequenas diferenças. com um pouco de compreensão de
ambas as partes, o problema seria contornado com facilidade.
burke não parecia preocupado com as frequentes ausências de tiffany. com
certeza, entendia a situação e não queria precipitar a decisão dela. um
dia, porém, susan os surpreendera conversando na porta do escritório.
burke parecia empenhado em convencê-la de alguma coisa, decerto a assumir
de vez um compromisso definitivo. entretanto, observando-os durante as
refeições, não percebia nada de anormal entre eles.
enquanto aguardava a decisão de tiffany, burke dedicava muita atenção à
filha dela. talvez julgasse que a relutância da moça fosse também o medo
de dar a ronnie um padrasto severo demais. constatar o quanto esse receio
era infundado podia ajudála a resolver mais depressa o impasse.
susan, burke e ronnie saíam sempre para passear na fazenda.
80
burke era uma companhia alegre e agradável quando queria e convencia com
facilidade a menina a deixar elizabeth sozinha por algumas horas.
mas nem mesmo os passeios constantes estabeleceram entre susan e ele um
clima pacífico. pelo contrário: quanto mais se conheciam, mais descobriam
as próprias diferenças. tal constatação apenas agravava as discussões,
que se tornavam cada dia mais frequentes.
qualquer assunto era motivo para desavenças: uma notícia de jornal,
política, música, agricultura. Às vezes, susan achava que burke
discordava dela só para irritá-la. mas, por consideração a elizabeth,
susan mantinha um ar de superior indiferença, mesmo quando se roía de
raiva por dentro.
de vez em quando, porém, ela o surpreendia observando-a. nesses momentos,
os olhos dele assumiam uma expressão enigmática e profunda, ganhavam
vida, prometiam-lhe coisas indecifráveis e fascinantes... e, no instante
seguinte, voltavam à frieza habitual. confusa, susan atribuía tudo a sua
imaginação. ninguém fingiria tão bem a ponto de iludir com apenas um
olhar.
por fim, chegou o dia de natal. mal amanheceu, todos foram arrancados da
cama por ronnie, ansiosa para abrir os presentes.
susan recebeu uma lembrança de cada um e ficou feliz pela demonstração de
carinho. só o presente de burke tivera um significado duvidoso. eram três
livros, obras famosas sobre mulheres, independentes e corajosas, contudo
solitárias. susan não teve dúvidas da intenção dele de provocá-la e, de
propósito, fingiu não percebê-la. agradeceu o presente com doçura,
mostrando-o a todos como uma criança feliz. a recompensa do esforço foi
imediata: o brilho diabólico nos olhos dele foi substituído por uma
perplexidade mal disfarçada.
afora a brincadeira de burke, o dia transcorreu num clima pacífico e
festivo. deixando de lado as pequenas desavenças, os dois evitaram
qualquer assunto polémico. até se permitiram certas cordialidades, porém
sem ultrapassar os limites do formalismo. como ele próprio lhe cochichara
ao ouvido no jantar, era natal e até as guerras paravam naquele dia.
susan dedilhava as teclas do piano e uma melodia alegre enchia
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a sala. dois dias depois do natal, a árvore torta estava ainda mais
inclinada para o lado. as folhas secas caídas no chão indicavam que já
estava na hora de
ser retirada dali. porém, ninguém tocava no assunto, talvez em nome das
lembranças agradáveis e emocionantes que evocava.
se não fosse o piano, a casa estaria imersa em completo silêncio.
tiffany, elizabeth e ronnie haviam ido para denver, buscar o senador
tallerton no aeroporto. susan pensara que burke iria acompanhá-las, mas,
ao invés disso, o administrador da fazenda do senador se oferecera para
levá-las. apesar da agitação da partida, susan guardou uma boa impressão
de neal rutherford. ele usara de carinho e energia na dose certa quando
ronme teve uma crise de choro por perder seu ursinho de pelúcia. a
gritaria fora tanta que até elizabeth, em geral calma, ficara perturbada,
e burke se refugiara no escritório. por sorte, o sr. rutherford
controlara a situação com tranquilidade e, logo, todos já haviam
esquecido o incidente.
burke saíra logo em seguida e randy fora à cidade encontrar os amigos.
vera preparava o jantar, mas, como sempre, recusara a ajuda de susan.
- deixe para estragar suas mãos quando não tiver outro remédio - a
senhora brincara. - quando casar, por exemplo. e, com um pouco de sorte,
nem assim. tiffany foi casada muitos anos e duvido que tenha entrado numa
cozinha a não ser para dar ordens...
susan sorrira da comparação com certa amargura. não conhecia pessoas com
destinos tão diferentes quanto ela e tiffany. a outra possuía tudo sem
nenhum esforço: dinheiro, posição, beleza, uma filha maravilhosa, o amor
de burke. quanto a ela, sempre tivera de lutar para conseguir coisas
básicas como um pouco de uberdade e respeito. nesse aspecto, sentia-se
vitoriosa. contudo, nos últimos tempos, uma insatisfação constante a
perseguia como um fantasma.
para afastar de si tal sensação, sentara-se ao piano e começara a tocar
uma música bem alegre. algum tempo mais tarde, vera a interrompera.
- como só você e burke vão jantar em casa hoje, elizabeth me deu
permissão para sair mais cedo - avisou. - a carne com legumes está no
forno, fica pronta mais ou menos daqui a uma
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hora. a salada e a sobremesa estão na geladeira. e não se preocupe com a
louça, eu lavo tudo amanhã.
susan agradeceu e voltou ao piano. a ideia de ficar sozinha com burke
causava-lhe uma sensação estranha, mistura de desconforto e ansiedade. no
entanto, não havia motivo para alvoroço. na certa, ele chegaria atrasado,
comeria depressa e iria para o escritório.
depois de desligar o forno como vera recomendara, susan se aprontou para
o jantar. quando desceu, ouviu barulho no escritório e foi até lá. bateu
à porta e burke resmungou alguma coisa. com certeza, estava de mau humor,
pensou com um suspiro resignado. de qualquer forma, daria o recado sobre
o jantar e sairia.
ao abrir a porta, viu burke sentado à escrivaninha de costas para ela.
- o que foi?
- só quero saber quando...
ele voltou-se para susan. olheiras profundas marcavam-lhe o rosto
dominado por uma expressão desolada.
- o que aconteceu?! - ela perguntou assustada.
- nada.
ele virou-se de costas de novo, deixando claro que não deseja-
va conversar.
- quando você quer jantar? estamos só nós dois em casa e vera saiu mais
cedo. preciso saber para servir.
- jante sem mim, está bem? estou sem um pingo de fome. susan fez menção
de sair, contudo voltou atrás. burke queria
ficar sozinho, mas, era evidente, precisava desabafar com alguém. talvez
preferisse tiffany, porém não tinha escolha naquele momento. parada na
porta, ela aguardou uma decisão.
- um amigo meu tentou o suicídio - ele confessou de repente.
susan o encarou, chocada. entrou no escritório devagar e sentou-se na
poltrona de couro diante da escrivaninha. aquela notícia dada de repente
era o melhor indício do quanto ele necessitava de um bom ouvinte.
- quer me contar como foi? - perguntou, cautelosa.
- um tiro na cabeça. por sorte, pegou de raspão.
- mas por que ele fez isso?!
83
- estava arruinado! você consegue imaginar o que isso significa para quem
se acostumou a ter tudo?! a humilhação, a vergonha... nem sempre as
pessoas aguentam isso.
- ele devia estar muito desesperado, mesmo. todo mundo tem medo da morte.
só mesmo um sofrimento muito grande faz alguém esquecer isso...
- a verdade é que todo mundo esqueceu dele! - burke afirmou, revoltado. -
quando ele era rico, estava sempre rodeado de amigos, a casa cheia de
gente alegre e bonita. um bando de interesseiros! ninguém o socorreu
quando ele perdeu seus bens. e só hoje eu soube da situação real das
empresas dele...
- por que ele não te procurou antes?!
- não sei! acho que por orgulho. sempre houve uma certa competição entre
nós, mas eu levava a coisa na brincadeira. não pensei que ele encarasse
essa tolice com tanta seriedade!
- talvez porque você estivesse numa situação de superioridade. sua
prosperidade já é uma prova do seu sucesso como administrador. por isso,
não precisa de auto-afirmação.
burke lançou-lhe um olhar angustiado, depois esboçou um sorriso amargo.
- É muito gentil, professora, mas nós dois sabemos bem porá que roy não
me pediu ajuda.
ele esperou por uma confirmação de susan, contudo ela permaneceu em
silêncio. não sabia o que dizer diante daquela explosão de humanidade de
burke.
- É esse meu jeito de ser que afasta as pessoas - ele explicou, como se
falasse consigo mesmo. - a vida me tratou com dureza, professora. só eu
sei o quanto me custou ser vitorioso. aos poucos, fui me tornando duro e
rigoroso e, quando percebi, só sabia dar ordens. não me arrependo de nada
do que tenho feito, sempre tentei ser justo, correto com as pessoas...
mas desaprendi como se é doce, como se faz carinho.
- está sendo rigoroso demais com você mesmo. você é muito carinhoso com
ronnie, por exemplo. por isso, ela gosta tanto de você.
- mas ronnie é diferente. ela é uma criança tão meiga que nem mesmo se eu
fosse de pedra poderia resistir. mas não existe só ela em minha vida. e
para os outros, eu tenho sido apenas o patrão...
84
a voz de burke estava carregada de amargura. e, mais uma vez, susan viu
nos olhos dele a inquietação e a angústia denunciando uma enorme solidão.
- roy não me pediu ajuda com medo de ser julgado - ele prosseguiu com um
suspiro. - eu havia desaconselhado determinados negócios, mas ele não
ouviu. quando não deu certo, achou que eu me valeria disso para humilhá-
lo. mas eu não faria isso. você acredita em mim, não é?
- claro! você está se atormentando por um erro que não foi seu. não pode
se responsabilizar pelo conceito que os outros fazem de você. se todo
mundo fosse pensar nisso, todos nós cometeríamos suicídio! ninguém
consegue agradar todo mundo o tempo todo.
- mas as pessoas sempre conseguem agradar alguém! o problema é que eu
nunca agrado ninguém, muito menos a quem me interessa!
agora susan entendia melhor a razão de tanto desespero. burke não se
referia apenas ao amigo. falava também de tiffany. temia ser abandonado
pela segunda vez por não corresponder aos anseios da moça. afinal, até
onde susan sabia, o primeiro marido dela a tratava como a um bebé. por
mais que a amasse, burke não seria capaz de tanto desvelo.
- está sendo injusto! - susan o repreendeu com severidade. - as pessoas
te admiram, respeitam. não é o caso de sentir toda essa culpa porque um
amigo seu enfrentou um problema de maneira errada. acho que você deve se
perguntar, o que fará para salvá-lo, agora que já sabe da situação.
burke baixou a cabeça e respirou fundo. susan ficou esperando uma
resposta. de repente, se perguntou se o rigor de suas palavras fora o
recurso adequado para arrancá-lo da depressão. sentira tanta necessidade
de ajudá-lo que agira sem pensar.
- dei uma bela injeção de capital na empresa dele - burke afirmou. - pelo
menos, vai dar para pagar as dívidas mais urgentes e evitar o confisco de
bens. quando ele sair do hospital, discutiremos o assunto com calma... e
roy vai ser mais um a me encarar como patrão.
- isso vai depender de você. existem muitos meios de prestar um favor sem
que o beneficiado se sinta em dívida com a gente.
- e você acha que eu não tento?! mas, na hora "h", não consigo
85
ser gentil.
- consegue, sim! você consegue tudo o que quer de verdade. salvou sua
família de uma situação muito difícil. aposto que muita gente achou isso
impossível. e, agora,
vai ser vencido por você mesmo?! pensei que tivesse mais coragem!
- a questão não é coragem.
- É sim. superar alguma coisa que incomoda sempre requer muita coragem.
não importa se essa coisa esteja fora ou dentro da gente mesmo. já passei
por situações bem parecidas e sei que não é fácil. nem sempre saí
vitoriosa dessas batalhas, mas o importante é que não desisti. lutei
muito pela minha independência, mas também tive um inimigo poderoso: meu
próprio comodismo. meus irmãos queriam que eu fosse uma bonequinha de
luxo, mimada e sem vontade própria. muitas vezes me perguntei se não
valia a pena fazer a vontade deles. seria muito mais cómodo viver sem
discussões, deixando os outros tomarem conta da minha vida... mas hoje eu
não me arrependo de ter investido em mim mesma. não poderia ser feliz sem
a minha liberdade.
burke ficou em silêncio alguns instantes, os olhos cinzentos fixos nela
com uma expressão enigmática.
- e você é feliz? - perguntou por fim.
- depende do que você chama de felicidade. para mim, é lutar sempre por
algo melhor, nunca se acomodar. neste sentido, eu sou feliz.
houve outro momento de silêncio entre os dois. contudo, burke não estava
mais tenso como antes. os olhos dele não refletiam mais angústia quando
voltou a encará-la.
- obrigado por ter me ouvido. não pretendia jogar meus problemas em cima
de você.
- professoras têm obrigação de ouvir os problemas das crianças...
burke segurou-lhe as mãos e apertou-as com carinho antes de soltá-las.
- prometo pensar sobre o que você disse - afirmou esboçando um sorriso. -
você quer jantar agora? não estou com fome, mas lhe faço companhia.
burke subiu até o quarto e enquanto isso susan colocou dois pratos na
mesa. a carne com legumes estava com um cheiro delicioso. quem sabe o
aroma não despertasse o apetite de burke?
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ela terminava de temperar a salada quando ele entrou na sala de jantar.
não fez nenhum comentário sobre a mesa posta para
dois, mas também não se serviu. apenas sentou-se no lugar rep servado
para ele, observando susan colocar no prato as delícias preparadas por
vera.
logo conversavam animados sobre o papel da mulher na sociedade moderna. o
ponto inicial do diálogo foram os livros que ele dera a susan como
presente de natal.
ela discordava do ponk to de vista dos três autores, segundo os quais a
mulher tem sempre
que escolher entre o amor e a independência. citou vários l exemplos
de mulheres bem-sucedidas e casadas, para quem não l era impossível
conciliar as duas coisas.
para espanto dela, burke revelou opiniões bem liberais sobre o assunto.
para ele, os homens forçavam as companheiras a optar entre a vida
sentimental e o sucesso
pessoal. a maioria deles se habituara, após séculos de educação machista,
a ver na mulher apenas um apêndice deles próprios... e no calor da
argumentação,
foi colocando no prato carne e legumes, saboreando-os com prazer.
terminada a refeição, burke a ajudou a tirar os pratos e colocá-los na
máquina de lavar louça. depois foram para a sala e prok longaram a
conversa ainda por
alguns minutos. ambos comparm tilhavam um clima de gostosa harmonia.
susan já lamentava que u a noite terminasse por aí quando burke convidou-
a para jogar cartas.
- já que todos nos abandonaram essa noite, cabe a mim zelar pela
hospitalidade da família - ele brincou, já embaralhando as cartas.
susan o dispensaria daquela responsabilidade, mas não queria
deixá-lo sozinho. se isso acontecesse, na certa a depressão voltaria
com intensidade ainda maior. também não desejava ficar sozinha
depois de um jantar tão agradável. pela primeira vez,
haviam passado horas juntos sem discutir e a presença dela não
parecia um fardo para burke. pelo contrário, ele se mostrava animado
e calmo. por que não usufruir daquele momento?
decidiram pela tranca, por insistência de susan, a dez dólares
o ponto. ele lançou-lhe um olhar de horror diante da proposta e ela
sorriu:
- não se preocupe, aceito notas falsas - brincou.
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burke aceitou o desafio, com certeza confiando na própria habilidade. ele
jogava muito bem, mas susan era uma adversária imbatível. aprendera desde
cedo com os irmãos todas as artimanhas dos jogos de baralho, um dos
passatempos prediletos dos dois.
após algumas horas de jogo e sucessivas vitórias, susan recostou-se na
cadeira.
- como pagamento, vou escolher algumas vacas, o melhor cavalo da fazenda,
ações das suas empresas e uma parte desta casa - declarou, fingindo
seriedade.
- É disso que eu gosto: um vencedor satisfeito.
- e dê graças a deus por eu ter ganhado. sou uma péssima perdedora.
susan levantou-se da mesa e, espreguiçando-se, bocejou.
- o que foi? ganhar todo o meu dinheiro cansou você?
- sabe como é, a fortuna pesa muito - ela riu e consultou o relógio de
pulso. - puxa, não pensei que elizabeth fosse voltar tão tarde!
- diz isso porque não conhece o senador. tenho certeza de que ele vai
ficar metade da noite contando suas aventuras pela china. algumas
histórias até são verdadeiras...
- se é assim, vou dormir. boa noite.
ia se afastando quando burke a chamou. susan parou e voltou-se para ele.
- obrigado - ele disse, aproximando-se.
nos olhos de burke, ardia de novo o desejo, chama inquieta que também a
incendiou.
- não me agradeça. esqueceu que ganhei todo o seu dinheiro? burke a
abraçou e, em vão, susan buscou dentro de si forças
para resistir à sedução daquele contato. no entanto, quando ele inclinou
o rosto sobre o dela com insinuante lentidão, susan percebeu o quanto
queria, precisava daquele momento.
- você sabe o que eu quero dizer - ele murmurou, os lábios roçando os
dela.
susan se deixou levar pela torrente de paixão que emanava dele. numa
deliciosa vertigem, fechou os olhos e sentiu nos lábios o beijo úmido,
quente, sensual de burke. percebendo-a entregue, ele aconchegou-a mais ao
corpo, invadindo-lhe a boca com a língua hábil.
- te quero tanto! - ele gemeu baixinho.
desta vez, susan correspondeu à carícia com intensidade, a língua ávida
tocando a dele em delírio.
burke afastou-se um pouco, a respiração ofegante enquanto acariciava-lhe
o pescoço. susan sorriu, umedecendo os lábios com a língua, numa ousadia
até para ela desconhecida. ele atendeu ao mudo chamado, beijando-a com
ardor redobrado enquanto buscava-lhe, ansioso, os botões da blusa.
susan estremeceu quando ele desabotoou o primeiro botão. medo? prazer?
não respondeu a essas perguntas nem se afastou. ao contrário: virou um
pouco o corpo para facilitar-lhe a tarefa.
com diabólica habilidade, burke apertou-lhe os mamilos túrgidos entre os
dedos em suaves beliscões. enlouquecida de prazer, susan buscou-lhe os
lábios, provocando-os com os dentes e com a língua. burke afastou-lhe a
blusa, aprisionando-lhe os seios com mãos possessivas e acariciou-lhe os
mamilos com a língua, doc
punhal de delícias.
apesar da intensa sensação de prazer que experimentava, a mente de susan
a alertou para o perigo daquele momento. de repente, a situação assumiu
uma clareza assustadora diante dos olhos dela, calando-lhe o clamor da
paixão. ao perceber-lhe a súbita frieza, burke procurou seus lábios com
ternura, numa tentativa de incendiá-la de desejo mais uma vez. mas susan
não correspondeu à carícia.
afrouxando o abraço, ele não fez nenhum gesto para detê-la quando susan
se afastou. ela já saía da sala quando ele fez um último comentário:
- Às vezes, acho você generosa demais, susan.
a ironia daquelas palavras ecoaram nos ouvidos dela por muitos minutos.
em desespero, tapou os ouvidos com as mãos ao entrar no quarto, os olhos
cheios de lágrimas.
como era tola! tentara se enganar quando a verdade não tinha mais
disfarces. o rompante ao qual se entregara poucos minutos antes não fora
uma tentativa de consolar burke. ela estava apaixonada!
como não percebera isso antes?! o verdadeiro motivo da insatisfação
constante, da inveja da felicidade de tiffany, da necessidade de
compartilhar o sofrimento de burke... mascarava os próprios sentimentos
sob a antipatia e rancores
insignificantes
89
quando, na verdade, não entendia mais a vida longe de burke.
e tudo ficaria ainda mais difícil depois daquela noite, concluiu
amargurada. depois de burke ter confessado seus conflitos de forma tão
sincera, seria impossível
se apegar de novo à eterna farsa das discussões. já pressentira a
sensibilidade que ele tanto reprimia no carinho dele por ronnie... mas
isso só era uma extensão do amor por tiffany.
susan deitou-se na cama, enterrando a cabeça no travesseiro. jamais
sentira tamanha frustração. nunca se interessara seriamente por ninguém e
se apaixonara por um homem que amava outra mulher! indignada, lembrou-se
das palavras de burke sobre a sua generosidade. quase vencera as próprias
resistências, passara por cima do orgulho, esquecera o passado para estar
com ele. e o que recebera em troca? gratidão! burke não entendera sua
atitude. ela não o consolara no escritório por piedade. exigira dele uma
reação, o ajudara a sair com dignidade de uma crise. céus, será que ele
não percebia que ela agira por amor?
apenas se ele também a amasse compreenderia a diferença entre as duas
atitudes, susan concluiu com tristeza. e pela primeira vez se deparou com
um problema sem solução. de nada adiantaria se iludir com a possibilidade
do desejo de burke se transformar em amor. ele a queria, não restava
dúvida, mas só enquanto o relacionamento entre ele e tiffany não fosse
completo. quando a tivesse por inteiro, a mulher por quem esperara tantos
anos, não sentiria por susan nem mesmo atração física.
desanimada, ela procurou dormir. porém, as horas foram passando e não
conseguia conciliar o sono. mas já enxergava as coisas com mais clareza.
suportara muitos golpes na vida sem nunca esmorecer. daquela vez, não
seria diferente. dali a alguns dias, voltaria para casa, esqueceria burke
e aquela noite...
como se fosse possível! já se dava por satisfeita em não estar presente
para ver a vitória de tiffany e elizabeth. a amiga teria a nora com a
qual sempre sonhara, e tiffany, uma segunda chance com burke. por um
instante, susan odiou a jovem viúva. ela abandonara burke no passado e,
agora, bastava estalar os dedos para tê-lo de volta? não era justo!
envergonhada com esses pensamentos, susan os afastou com energia. tiffany
também suportara a cota dela de amargura. sofrera muito com a morte do
primeiro marido e, agora, merecia
90
uma outra oportunidade de ser feliz. quanto a ela, manteria a dignidade
durante todo o tempo em que estivesse hospedada naquela casa. ninguém
saberia o quanto estava sofrendo.
de certo modo, tal decisão a acalmou. por fim, conseguiu dormir um pouco
e, em sonhos, viveu com burke momentos felizes que nunca se tornariam
realidade.
no dia seguinte, burke viajou logo cedo. um problema urgente no
escritório em denver exigia a presença dele. por um lado, susan vibrou
com a notícia, posto que não teria que vê-lo e fingir indiferença.
contudo, por outro, a saudade a atormentava num suplício talvez ainda
maior, alertando-a para o futuro que a esperava quando nunca mais pudesse
vê-lo.
a ida de tiffany e rorlnie para a fazenda do senador desanuviou um pouco
a angústia de susan. não que ela culpasse a outra por seu sofrimento.
entretanto, era difícil não encará-la como rival..ressentia-se com a
ausência de ronnie, cuja alegria sempre a animava. mesmo assim, achava
melhor não se envolver demais com a menina. apegar-se a ela só a faria
sofrer ainda mais no momento da separação.
os três dias em que burke esteve fora se passaram lentamente. por sorte,
elizabeth encontrava-se envolvida demais com a volta do senador para
notar a infelicidade da amiga. nem percebia a falta de entusiasmo de
susan quando insinuava a existência de um relacionamento mais íntimo
entre burke e tiffany.
susan contava as horas para voltar para casa. assim, não precisaria mais
fingir, ocultar suas tristezas e temores. então, daria o primeiro passo
para se curar daquela dor. por enquanto, cercada pela presença de burke
em cada canto, as feridas interiores se tornavam cada vez mais profundas.
na véspera do ano-novo, susan respirou aliviada. aquela noite seria o fim
de seu sacrifício. o senador payton daria uma grande festa para comemorar
sua volta da china. porém, segundo elizabeth, o objetivo real da reunião
era festejar a volta de tiffany à sociedade. a princípio, susan pensara
em recusar o convite. mas a moça insistira tanto na sua presença que não
lhe restara alternativa senão ceder.
À tardinha, quando subiu para o quarto para se arrumar, susan decidiu
sair daquele deplorável triângulo amoroso em
grande
91
estilo. ninguém perceberia sua derrota, decidiu enquanto vestia o
conjunto de seda preta. fez uma maquilagem leve, realçando os olhos
verdes e os lábios carnudos.
escovou com vigor os cabelos volumosos, lavados à tarde com capricho
especial.
olhou-se no espelho, satisfeita com o resultado. a calça do conjunto,
embora pregueada e larga nos quadris, realçava-lhe o corpo bem-feito,
amoldando-se a suas formas num caimento sensual. a blusa, de alças
finíssimas, revelava-lhe o colo de modo insinuante. uma faixa larga, do
mesmo tecido e cor da roupa, demarcava-lhe a cintura fina, quase
encontrando com o ousado decote nas costas. os cabelos, dourados e
brilhantes como nunca, cobriam-lhe parcialmente os ombros e as costas em
caracóis suaves.
sentou-se na cama para abotoar as sandálias de salto fino, com delicado
trançado em verniz. sempre considerara sua estatura avantajada um
defeito. mas, depois de conhecer os gerard, passara a considerá-la uma de
suas principais virtudes. então, por que não tirar partido disso?
uma batida na porta de comunicação interrompeu-lhe os pensamentos.
- posso entrar? - burke perguntou. ;
ele voltara de denver aquela tarde, mas susan não se encontrara com ele.
não o via desde a noite do jogo de cartas e o som da voz dele bastou para
trazer de volta anseios e sensações proibidas.
- entre.
- são essas abotoaduras de...
burke entrou no quarto e ao vê-la, parou de repente, com uma expressão de
surpresa e admiração no rosto. apesar de contente por ter sido notada,
susan fingiu indiferença.
- o que houve com as abotoaduras?
- eu... - burke pigarreou. - não consigo fechá-las.
ele fez menção de se aproximar, mas parou, indeciso, confuso. lançou-lhe
um olhar intenso, no qual se misturavam receio e atração.
- então, não quer ajuda?
- o quê? ah, sim, as abotoaduras...
burke caminhou até ela devagar e estendeu-lhe o braço. enquanto passava a
abotoadura pela casa da manga, susan sentiu
92
sobre si a intensidade do olhar daquele homem. o perfume agreste do corpo
dele a envolveu numa aura de magnetismo que ela, em vão, tentou ignorar.
depois de concluir a tarefa, ergueu os olhos.
- dê-me o outro braço - pediu, seca. - pronto - anunciou, afastando-se.
susan virou-se para o espelho da penteadeira a pretexto de ajeitar os
cabelos. porém, a imagem de burke dominou-lhe todo o campo visual. o
smoking realçava-lhe os ombros largos e o quadril estreito, tornando-o
ainda mais másculo. ele tinha nos lábios um sorriso misterioso, o que
causou em susan irritação e desejo ao mesmo tempo.
- está rindo de mim?
ele inclinou a cabeça sobre ela, aspirando-lhe o perfume com sensual
lentidão.
- meu deus, um perfume desses devia ser proibido por lei! É uma arma
poderosa, sabia?
- mas você não estava rindo do meu perfume. burke aproximou-se do espelho
para ajeitar a gravata.
- não - ele concordou. - estava imaginando quantos homens vão sucumbir ao
seu charme esta noite. e tive pena deles.
- muito obrigada!
burke ficou sério de repente e segurou-a pelo braço quando ela fez menção
de se afastar.
- não se faça de desentendida. sabe muito bem o que eu quis dizer.
- não sei, não. sou professora, mas ainda não aprendi a ler pensamentos.
sob o olhar irritado de burke, susan desvencilhou-se das mãos dele e foi
até a cama apanhar o agasalho, um manto negro com gola e punhos de pele
prateada. com um suspiro, burke observou um porta-retrato sobre o criado-
mudo.
- são seus irmãos? - ele perguntou, curioso.
- sim, com as respectivas famílias.
- você deve sentir falta deles...
susan sentia, sim, em especial por estar sofrendo tanto. seria bom tê-los
por perto, cercando-a de carinho e afeição... enfim, se metera sozinha
naquela armadilha do destino e sairia dela da mesma forma. afastando de
si a depressão, procurou manter-se
93
calma.
- vamos embora, burke. senão, só chegaremos lá no ano que vem.
sem esperar resposta, susan pegou a bolsa e saiu do quarto apressada.
94
capÍtulo vii

burke entrou no salão iluminado da casa do senador payton, levando susan


pela mão. circulando entre os inúmeros convidados que enchiam o ambiente,
sorria quando
os amigos se confessavam invejosos por vê-lo tão bem acompanhado.
se a festa fora planejada por causa de tifany, atingira completo sucesso.
ela era o centro das atenções, exibindo sua beleza dentro de um magnífico
vestido de renda vermelha.
susan sorriu com carinho ao observá-la. aquela mulher miúda tinha o poder
de cativar as pessoas. não era de admirar que burke estivesse tão
apaixonado e perdoara tudo para tê-la de volta.
burke ofereceu a susan um copo de vinho. ela aceitou com prazer e
gentileza, mas ele logo voltou sua atenção para tiffany, entretida em
conversar com neal rutherford, o administrador da fazenda. como se
sentisse o olhar dele mesmo a distância, ela virou-se e sorriu. em
seguida, disse alguma coisa para neal e foi ao encontro deles. susan
apenas cumprimentara tiffany quando chegara e não tivera ainda
oportunidade de conversar com ela.
- susan, você está maravilhosa! - exclamou radiante, abraçando-a. - que
bom que você veio! hoje é uma noite muito especial para mim e queria
compartilhá-la com você. - tiffany riu diante da expressão curiosa de
susan. - não se preocupe, vai entender tudo daqui a pouco. aliás, você é
uma das grandes responsáveis por eu estar vivendo esse momento tão
bonito. você estava certa quando me aconselhou a decidir sozinha minha
vida. sua força e independência me deram coragem para lutar pelo que
queria - e, sorrindo para burke com carinho, deu-lhe um beijo no rosto e
acrescentou: - sempre vou amar você, meu querido.
susan sentiu como se o chão lhe faltasse. encarar como um fato consumado
que perdera burke para sempre causava-lhe uma dor insuportável. por
ironia, ela própria incentivara tiffany a
95
afastá-la de burke de uma vez... ia felicitar o casal quando uma enorme
mão tocou o ombro de burke.
- por que se acha no direito de monopolizar as duas moças mais bonitas da
festa? - howard webb perguntou, fingindo-se zangado.
usando botas e chapéu de cowboy mesmo de smoking, aquela figura
excêntrica não lembrava nem de longe um banqueiro. ao lado dele, uma moça
loira e atraente cumprimentou tiffany e burke com amabilidade.
- susan, embora seja difícil de acreditar, esta é leslie webb, esposa de
howard - burke disse com ar maroto.
- por que é tão difícil de acreditar? - webb quis saber enquanto susan e
leslie se apertavam as mãos.
- porque nenhuma mulher em seu juízo perfeito se casaria com você - a
sra. webb afirmou, lançando ao marido um olhar apaixonado que lhe
desmentia as palavras.
- que sorte a minha por você não estar em seu juízo perfeito quando nos
conhecemos, não é, querida?
- acho que nós dois tivemos sorte. - a sra. webb virou-se para susan: - É
um prazer conhecê-la. elizabeth me contou sobre o assalto. você foi
fantástica com ela...
tiffany pediu licença e se afastou. minutos depois, conversava com o
senador e neal. howard os observava com ar malicioso,
- acho que essa festa não é só para comemorar o ano-novo
- afirmou. - qual será a intenção desses dois? você sabe?
piscou um olho para burke e se afastou com leslie sem esperar resposta.
nesse momento, susan viu tiffany dizer alguma coisa ao pai. erguendo a
mão para pedir silêncio, o senador pigarreou e pediu a atenção de todos.
- em primeiro lugar, quero agradecer a presença de nossos amigos e
vizinhos. essa ocasião é muito feliz para mim e estou contente por
estarem aqui para compartilhá-la comigo. nesta noite, não estamos
festejando apenas o início de um novo ano. comemoramos também o início de
uma vida nova para minha filha e minha neta.
o senador pigarreou de novo. na sala, reinava silêncio absoluto.
- tenho o grande prazer de anunciar o casamento de minha filha e... - ele
fez uma pausa e olhou para burke e susan - e meu grande amigo neal
rutherford.
96
um clima de perplexidade dominou o ambiente. susan teve vontade de rir
diante do espanto estampado no rosto de todos os presentes. os segundos
pareciam horas e foi burke quem arrancou os convidados do torpor
aplaudindo os noivos. susan o imitou e logo uma ruidosa salva de palmas
encheu a sala. o embaraço e o rubor que se insinuavam no rosto de neal
diminuiu diante dos cumprimentos.
em meio à confusão, susan olhou para burke. o rosto dele não revelava
nenhum traço de desgosto ou decepção. uma alegria indescritível a
dominou. burke estava livre, pronto para receber e dar amor!
entretanto, o raio de esperança logo se apagou dentro dela. apesar de não
demonstrar, burke decerto estava sofrendo muito com a decisão de tiffany.
durante anos esperara por aquela mulher, mesmo sem a ilusão de consegui-
la de novo para si. e, quando surgia uma oportunidade de tê-la de volta,
ela o abandonava pela segunda vez.
sentiu raiva de tiffany. por que deixara a situação chegar àquele ponto?
o simples fato de se casar com outro já era muito humilhante para burke.
pelo menos, poderia poupá-lo de um vexame público!
os primeiros a prestar-lhe solidariedade foram os webb. leslie pôs a mão
no braço dele, contrafeita.
- ela não servia para você, burke.
- eu sei, leslie, não se preocupe. howard piscou para susan com ar
maroto.
- leslie não acredita que burke está pensando em outra pessoa. e esse
bando de tolos acreditando que tiffany e burke iam se casar! acho que sou
a única pessoa de visão nesta cidade!
as insinuações de howard deram a susan uma ideia. maluca e arriscada, sem
dúvida, mas salvaria burke de outras embaraçosas condolências. e quem não
tivesse coragem de falar diretamente com ele, comentaria pelas costas.
vê-lo como alvo da piedade da cidade inteira lhe era insuportável.
- acho que isso é coisa da sua imaginação, howard - ela sorriu, segurando
o braço de burke com carinho.
satisfeita com o brilho de malícia no olhar de howard, susan fingiu-se de
encabulada. atingira seu objetivo: como os webb, a cidade inteira
pensaria que havia alguma coisa entre ela e burke.
97

assim, os mexericos sobre a decisão de tiffany perderiam o fundamento. só


precisava tomar cuidado para burke não perceber suas intenções. orgulhoso
como era, tomaria por piedade o que ela fazia por amor.
- vamos cumprimentar tiffany e neal? - sugeriu a burke. quando se
afastaram, susan achou melhor dar a ele um tempo
para se recuperar da surpreendente notícia.
- estou morrendo de sede - afirmou.
- então, vamos tomar um pouco daquele champanhe que o senador está
distribuindo com tamanha generosidade.
segurando-a pela cintura, burke levou-a até o bar. para susan,
representar o papel de namorada não custava nenhum esforço. bastava
liberar as sensações intensas e envolventes que aquele homem lhe
inspirava. pensou nos momentos de intimidade vividos pelos dois e enganou
a si mesma que ele fora sincero ao lhe incendiar o corpo de paixão.
agindo dessa forma, manifestar afeto por ele parecia natural. burke não
demonstrava nenhum desagrado com a atitude dela. pelo contrário: lançava-
lhe olhares intensos, penetrantes, fazendo-a quase acreditar na própria
encenação. perdida na inquietude daqueles olhos cinzentos, susan nem se
importava com o papel de substituta. vivia um sonho, onde ela recriava a
realidade. ;
foi fácil para os outros convidados interpretarem o comportamento de
ambos. em pouco tempo, a onda inicial de compaixão por burke havia sido
substituída pela curiosidade a respeito de susan. e quando ele se afastou
por alguns momentos, leslie aproximou-se dela.
- eu devia ter ouvido o que howard me disse - ela afirmou.
- atrás daquela aparência de menino do interior, ele esconde uma astúcia
de raposa.
susan a encarou com inocência.
- por que diz isso?
- porque ele me disse que burke está interessado em você.
- bobagem, somos apenas bons amigos.
uma resposta bem conveniente para a situação, susan refletiu. evitaria
que burke desconfiasse de seu jogo e, ao mesmo tempo, serviria como uma
confirmação velada das suspeitas de leslie.
- espero que dê certo com você. e te acho corajosa por demonstrar em
público o que qualquer mulher tentaria esconder,
98
pelo menos hoje...
- mas se alguma coisa falta a ela, não é coragem, leslie burke afirmou,
aproximando-se. - susan adora enfrentar o perigo, não é, susan?
- eu gosto de enfrentar você - ela confessou.
toda a sinceridade de seu amor aflorou naquelas palavras. uma sombra de
desconfiança passou pelo rosto de burke, mas susan não voltou atrás.
- por isso mesmo, somos inimigos, não é? - ele afirmou com meiga ironia.
- espero que não.
por um instante os olhos de burke, sempre inquietos, transformaram-se em
lagos serenos e profundos. mas quando ele voltou-se para leslie, já
haviam reassumido a expressão distante de sempre.
- com licença, elizabeth quer apresentar susan a um amigo.
-mal haviam dado alguns passos, soaram sinos e cornetas de vários pontos
do salão. era meia-noite e os convidados saudavam ruidosamente a chegada
do ano-novo. burke levou susan para um canto da sala e inclinou o rosto
sobre o dela devagar.
ela entreabriu os lábios num pedido sem palavras. no encontro ávido das
duas bocas, o mundo desapareceu ao redor deles. só havia aquele instante
mágico, a sedução mortal dos lábios, da língua de burke. susan só emergiu
daquele mar de sensações quando burke puxou-a mais para si, num abraço
cheio de desejo.
- feliz ano-novo, senhorita maccoy - murmurou-lhe bem junto ao ouvido.
- feliz ano-novo, senhor gerard. pensei que elizabeth quisesse me
apresentar a alguém.
- ela quer, mas não acha que pode esperar um pouco? burke inclinou-se
para beijá-la de novo e ela nem tentou evitar.
- a praxe é um beijo só - uma voz possante, afirmou atrás deles.
susan voltou-se e encontrou o senador payton e elizabeth sorrindo para os
dois com naturalidade.
- estava ansioso por conhecê-la. elizabeth a elogia sem parar e minha
neta fala de você a todo instante nestes últimos dias. você influenciou a
menina de um modo muito positivo.
encabulada, susan ouviu em silêncio os elogios do anfitrião.
99
rezou para o pai de tiffany não falar nada sobre os conselhos dela sobre
o noivado. burke ficaria furioso e não queria estragar o encanto daquela
noite. ele jamais acreditaria em sua intenção de ajudá-lo...
apressou-sé em desviar o rumo da conversa para a recente viagem do
senador. logo, ele contava suas histórias com empolgação e habilidade,
fazendo todos rirem. depois de ouvir uma narrativa intrincada e um tanto
fantasiosa sobre uma caçada de tigres, burke riu muito e puxou susan para
perto dele. por um instante, era como se pertencessem um ao outro de
verdade. susan encostou a cabeça no ombro dele, usufruindo ao máximo do
doce aconchego.
- está cansada? - burke perguntou-lhe, atencioso.
- um pouco.
- elizabeth, vou levar susan para casa. quer vir conosco?
- quero, sim. a festa está linda, mas eu também me sinto um pouco
cansada. estou velha demais para ficar acordada até tão tarde.
- não, senhora! - o senador protestou. - uma mulher como você nunca
envelhece.
- ah, sim! minhas pernas é que sabem! tiffany está ocupada agora, mas
diga a ela que eu telefono amanhã. estou feliz por sua filha, ron. você
está de acordo com o casamento, não?
- concordo com tudo o que minha filha quer. ela estava com medo que eu
não aprovasse essa união porque neal é administrador da fazenda,
imaginem! eu sei reconhecer quando um homem tem caráter. neste ponto,
tiffany puxou a mim. foi ela quem o pediu em casamento, sabiam? ela me
contou que não foi nada fácil convencê-lo. ele não queria ser confundido
com um vigarista qualquer, que casa por interesse. também não queria
festa de noivado, mas eu fiz questão. disse a ele que meu critério para
julgar as pessoas não é o tamanho da conta bancária.
- você tem razão, ron. eles serão muito felizes, vai ver elizabeth
assegurou, emocionada.
- eu também acho. tiffany me disse que ele é o primeiro homem que a trata
como uma mulher, não como uma menina. fez uma pausa, os olhos marejados.
- mas, para mim, ela sempre será uma menina...
burke pigarreou.
100
- já que estamos perto da porta, por que vocês duas não me esperam aqui?
- ele sugeriu. - vou buscar os agasalhos e volto num instante.
elizabeth e susan concordaram e burke se afastou, acompanhado pelo
senador.
- com certeza, burke vai demorar mais de uma hora - elizabeth disse,
rindo. - sempre pára cem vezes no caminho para conversar. tomara que não
esqueça o que foi fazer...
pensando nas palavras do senador, susan percebeu o próprio engano. quando
tiffany lhe pedira conselhos, falava sobre neal, não sobre burke. falara
em orgulho, mas se referia ao escrúpulo de neal em ser confundido com um
aventureiro à procura de fortuna fácil.
- que noite cheia de surpresas! - elizabeth suspirou.
- foi mesmo! eu nunca podia imaginar que tiffany e neal estivessem
apaixonados.
- mas deveríamos ter desconfiado. sempre achei estranho ela passar tanto
tempo na fazenda. pensei que ron a tivesse incumbido de alguma tarefa
especial. mesmo assim, se ron a queria de volta para aproximá-la de
burke, não fazia sentido deixá-la longe dele por tanto tempo.
- eu sei que você também torcia por esse casamento, elizabeth. pena que
não deu certo.
- eu só quero que burke e tiffany sejam felizes. seria ótimo se
conseguissem isso se casando. mas ficarei contente do mesmo jeito se
encontrarem a felicidade com outras pessoas. achei maravilhoso você e
burke juntos.
susan sentiu um súbito mal-estar. quando planejara toda aquela encenação,
o fizera pensando nos amigos e vizinhos de burke, não em elizabeth.
- não diga isso, elizabeth! você é testemunha de que eu e burke não
passamos cinco minutos sem brigar!
a amiga sorriu, balançando a cabeça.
- essa foi minha primeira pista - confessou. - ninguém se incomoda tanto
com as atitudes de quem detesta de verdade. já desconfiava disso há muito
tempo, hoje tive só uma confirmação. aliás, desde que te conheci, achei
que era a mulher ideal para burke. mas logo desisti da ideia pensando que
ele ainda gostasse de tiffany. mas, bem no fundo, eu sabia que ele
esperava alguém
101
como você.
- sinto muito, elizabeth, mas o que está pensando não é verdade.
- não precisa esconder, querida. esta noite, até um cego veria o quanto
você está apaixonada por burke.
- eu fingi o tempo todo. a ideia de que burke seria motivo de mexericos e
piedade por toda essa gente era terrível demais. mas isso não aconteceria
se todo mundo pensasse que ele e eu... foi uma ideia maluca, eu sei, mas
foi a única maneira de salvá-lo da humilhação. você entende, não é?
- mais do que você pensa - elizabeth murmurou pensativa.
- não lhe ocorreu os motivos de burke para aceitar esse jogo?
- acho que o fez por orgulho. agarrou com as duas mãos a chance de provar
a todo mundo que não estava sofrendo por tiffany ter escolhido outro
homem.
- e o que as pessoas vão pensar quando você for embora? todo mundo vai
perceber que tudo não passou de encenação. não acha que vão sentir mais
pena de burke ainda? dirão que ele estava tão arrasado por perder
tiffany, que aceitou uma farsa como essa. você o considera tão frágil a
ponto de ser destruído por uma decepção amorosa?
- eu sei que foi uma bobagem, mas ainda tem conserto. quando eu for
embora, você pode dizer a todo mundo que eu era louca por burke e que ele
estava com pena de mim. não me importo com o julgamento dessa gente.
elizabeth a olhou com bondade e admiração.
- você é mesmo corajosa, filha - afirmou. - tenho certeza de que tudo
dará certo.
nesse momento, burke pousou a mão no ombro de susan.
- desculpem a demora - disse sorridente. - o senador queria me apresentar
a algumas pessoas, depois começou a contar histórias... aqui está seu
casaco.
susan mal o ouvia. acabrunhada, condenava a própria atitude com rigor.
por que fora tão precipitada? burke podia muito bem tomar conta de si
mesmo sem usá-la como escudo. ou tudo aquilo fora um pretexto para ela
extravasar um pouco a paixão reprimida que sentia?
de qualquer forma, burke não seria nada bondoso quando soubesse de sua
insensata tentativa de protegê-lo. decerto, se sentiria
102
duplamente humilhado: por ter sido abandonado por tiffany e por ser salvo
pela piedade de susan.
a alegria de burke ao se despedir das pessoas deixou susan ainda mais
culpada. já dentro do carro, mal participou dos comentários animados
entre ele e a mãe. a volta para casa lhe pareceu interminável e ela
soltou um suspiro de alívio quando viu as luzes da fazenda.
poucos minutos mais tarde, burke parou o carro diante da casa. elizabeth
e susan desceram e entraram enquanto ele guardava o automóvel. elizabeth
queria continuar os comentários sobre a festa, mas susan disse que estava
muito cansada e foi direto para o quarto. não queria mais ver burke
aquela noite.
relaxou um pouco ao ficar a sós. as últimas horas haviam sido uma
estranha mistura de sonho e pesadelo. a parte agradável, estar ao lado de
burke, sofria sempre a ameaça de que ele descobriria o jogo dela. e não a
perdoaria se isso acontecesse.
jogou a bolsa em cima da cama, desanimada. no dia seguinte, voltaria para
denver e retomaria o trabalho. reassumiria sua rotina e, então, ficaria
mais fácil esquecer burke. com o alvoroço das crianças não lhe sobraria
tempo para pensar nele.
por enquanto, porém, ainda tinha muito tempo. burke estava sozinho agora.
havia uma forte atração física entre os dois. e, a julgar pelo
comportamento dele aquela noite, sua companhia não o desagradava nenhum
pouco...
mas de que isso adiantava? burke não esqueceria tiffany assim tão fácil.
esperara por ela muitos anos, mesmo quando não havia possibilidade
nenhuma de tê-la para si. talvez não fizesse isso de novo por uma questão
de orgulho. mas ela, susan, jamais teria segurança num relacionamento com
ele. a sombra de tiffany estaria sempre entre os dois, afastando-lhes a
felicidade.
não, ela não queria viver eternamente atormentada com as lembranças do
passado de burke. amava-o demais e desejava o amor dele. não seria um
prémio de consolação, a eterna substituta de um romance fracassado. se
não pudesse tê-lo por amor, melhor perdê-lo para sempre!
um barulho na porta a fez virar-se sobressaltada. encostado na porta,
burke a observava com um sorriso calmo.
- o que você quer? - ela exclamou, surpresa.
- não me diga que não sabe.
103
ele ainda trazia nos lábios o mesmo sorriso. no entanto, os olhos estavam
duros, frios, distantes. susan pressentiu o perigo mas manteve a calma.
- não sei, não - respondeu com naturalidade.
- quer dizer que não estava me esperando.
- claro que não. por que estaria?
burke balançou a cabeça, fingindo desapontamento.
- e eu que pensei que você não visse a hora de ficarmos sozinhos! que
estivesse louca para falar sobre o nosso relacionamento...
de repente, a situação ficou terrivelmente clara para susan. burke sabia
o tempo inteiro de sua farsa! aceitara a encenação para tirar partido
disso mais tarde.
- e então? - ele insistiu. - não estamos tendo um caso?! de certa forma,
susan compreendia como ele se sentia naquele
momento. mesmo assim, o sarcasmo de burke a feria tão profundamente que
resolveu não se entregar.
- não sei por que está zangado desse jeito - disse, fingindo inocência.
- por que eu ficaria zangado?! só porque uma mulher bonita demonstra a
todo mundo que morre de pena de mim?! que me considera um fraco, um
derrotado?!
ele avançou um passo, mas susan não recuou. agora, burke já não
disfarçava a raiva e a indignação. susan percebeu de imediato que não o
irritara apenas. burke sofria de verdade por causa de seu comportamento
impulsivo.
- a intenção não foi essa - admitiu com dignidade. - foi um impulso tolo,
eu concordo, mas...
- eu não preciso, não quero a sua piedade! - ele a interrompeu, furioso.
- guarde seus bons sentimentos para senhoras idosas, viúvas, árvores
tortas!
- mas não fiz por piedade! fiz por...
amor, era a palavra. mas como explicar isso a burke? naquele momento, ele
não entenderia. talvez, nunca entendesse. além disso, ele não merecia
ouvir uma confissão de amor. um homem que usava as melhores intenções de
uma pessoa para tirar proveito próprio era digno apenas de desprezo.
- então?! - ele insistiu. - qual é a desculpa?
susan trancou-se num mutismo obstinado diante do qual burke
104
perdeu a paciência.
- você é inteligente, professora. sabe que nenhum pretexto vai me
convencer... principalmente depois de toda aquela conversa entre você e
elizabeth,
- então você ouviu?!
- para sua sorte! depois de me provocar a noite inteira, era bem possível
que aceitasse o convite. já pensou se eu quisesse fazerlhe companhia esta
noite?
no mesmo instante, susan se arrependeu do julgamento precipitado. burke
não aceitara a encenação para se aproveitar da situação. acreditara no
interesse demonstrado nas promessas veladas de todos os seus gestos e
olhares. agora entendia o motivo da frustração dele.
contudo, era tarde demais para mudar de atitude. se pedisse desculpas,
teria de confessar as ideias absurdas que lhe haviam passado pela cabeça.
isso apenas aumentaria a fúria de burke, magoando-o ainda mais.
ele esperou em vão uma justificativa. encostou-se na parede, os braços
cruzados, sem olhá-la. tentava controlar a raiva sem grandes resultados.
inquieta, susan resolveu terminar de uma vez com aquela cena. mesmo se
ficassem ali a noite inteira, nunca chegariam a um acordo. para ver se
ele se retirava, forçou um bocejo.
- estou cansada, burke. amanhã, quando você estiver mais calmo, acabamos
essa conversa, está bem?
caminhou para a porta na intenção de abri-la, mas, antes de alcançá-la,
burke segurou-a pelos braços. puxou-a para si, forçando-a a encará-lo.
- não me trate com esse desprezo, moça! - a voz dele soou abafada pela
indignação. - eu não mereço! não merecia o que você fez comigo hoje! pode
imaginar como estou me sentindo agora?!
ameaçada, susan tentou se soltar, mas não conseguiu. lutou contra ele,
mas quanto mais se debatia, mais estreitava o contato. jogou o tórax para
trás para fugir do beijo, contudo aproximou os quadris às coxas
musculosas de burke. ele segurou-a pelos ombros, aconchegando-a ao peito
arfante. depois de um minuto, segurou-lhe a cabeça com uma das mãos
enquanto a outra ainda prendia-lhe a cintura.
105
- olhe bem para mim - disse com voz rouca. - o homem que você fez de
tolo. e não estava tão errada, professora. eu fui tão idiota que
acreditei na sua pantomima!
a amargura e a dor nas palavras dele despertaram em susan uma culpa
terrível. entretanto, reagiu contra esse sentimento.
- numa coisa eu acertei, não foi? pelo menos por algumas horas, servi de
apoio para o seu orgulho machista! não entendo por que está reclamando
tanto. amanhã eu vou embora e você inventa para seus amigos a desculpa
que quiser. por exemplo, que eu sentia uma paixão não correspondida por
você e lhe despertava piedade. assim, ficam justificadas suas atenções
comigo na festa... no que, aliás, você fingiu muito bem!
- não sabe nada a meu respeito, professora. portanto, não julgue meus
sentimentos.
- então, não julgue os meus!
trocaram um olhar de desafio. por um instante, o rosto de burke assumiu
uma expressão questionadora, mas susan se manteve indiferente.
- me solte, burke - pediu com firmeza. - está amassando minha roupa.
ele recebeu a provocação com sarcasmo.
- não pensou em roupa na festa.
- como você sabe? eu estava representando, esqueceu?
- então, quem sabe se, com um pouco de esforço, não consegue fingir um
pouco mais? É só fazer de conta que temos plateia...
susan lutou para se desvencilhar, mas foi inútil. burke anulavalhe as
tentativas de fuga com facilidade. segurando-lhe a cabeça, forçou-a a
receber o beijo, mais um assalto que uma carícia. passados os primeiros
instantes, contudo, os lábios dele se tornaram sedutores, a língua
ansiosa explorando-lhe a boca com avidez.
susan já não reagia mais. ao invés disso, travava uma batalha insana
consigo própria. um desejo violento, incontrolável misturava-se à raiva e
à mágoa, dominando-a inteira. burke parecia pressentir-lhe o conflito
interior e instigava-a com os lábios, a língua, os dentes. manipulava-lhe
os seios com volúpia, descobrindo-lhe os mamilos sob a seda da blusa,
apertando-os com doçura entre os dedos.
susan reprimiu a custo um gemido de prazer. desejava tanto abraçar burke,
esquecer as rixas e as mágoas, entregar-se àquele
106
instante de loucura! embora não correspondesse, não se esquivou quando
ele a abraçou ainda mais forte, penetrando-lhe o ouvido com a língua
úmida, quente.
- você é insuportável! - ele desabafou, a voz afogada nos cabelos dela. -
É prepotente, teimosa, atrevida... mas, mesmo assim, eu te quero! parece
um pesadelo, mas eu te quero com desespero!
a confissão soou com um misto de raiva e angústia. contudo, foi com
delicadeza que ele tirou o agasalho de susan, deixando-o escorregar pelo
corpo como uma carícia. beijou-a de novo e, como ela correspondesse,
baixou-lhe uma alça da blusa, depois a outra. em seguida, abriu os
botões, numa tentativa de desnudarlhe os seios.
uma onda de calor a invadiu, mas ela hesitou por um momento. recuando
alguns passos, encarou-o indecisa, a blusa aberta ocultando apenas em
parte os seios firmes. burke lançou-lhe um olhar intenso, quase um
pedido. aproximou-se dela devagar e, afastando-lhe a blusa, inclinou-se,
tocando-lhe um mamilo com a língua.
susan arqueou o corpo para desfrutar mais daquele contato enlouquecedor.
gemeu de prazer quando burke lhe explorou os seios com lábios ansiosos.
também o desejava com loucura, queria mergulhar até o fundo naquele mar
de delícias. nesse momento, o mundo deixou de existir para ela. no
universo inteiro, só havia os dois, o desejo mútuo, o amor intenso que a
uniria a burke para sempre.
amor. a palavra mágica despertou-a de repente do delírio da paixão. ela o
amava e seu desejo era apenas consequência desse sentimento. burke, ao
contrário, a detestava naquele momento, usando o desejo como uma espécie
de vingança. uma diferença fundamental, que dissipou-lhe a paixão como
nuvem de fumaça. amargurada, susan recuou um passo, fugindo ao contato
dos beijos de burke.
- não jogue assim comigo - ele avisou, aproximando-se. de tanto lidar com
crianças, aprendeu brincadeiras bem interessantes, professora!
susan recuou mais um passo, fechando a blusa com as mãos.
- não é brincadeira, burke. acho melhor você ir embora, estou cansada.
107
ele pareceu confuso por alguns instantes, mas depois franziu a testa,
irritado.
- mas que hora para lembrar de cansaço! - desabafou. não sou de ferro,
sabia?
susan não retrucou. de certa forma, ele estava com a razão. ela não devia
ter deixado as coisas chegarem àquele ponto.
- a culpa foi minha - ele admitiu com raiva. - acho que perdi o controle.
desculpe incomodá-la.
ia saindo do quarto, quando voltou-se para ela, já mais calmo.
- você vai embora amanhã? - quis saber.
- sim, bem cedo. por quê?
por um curto instante, susan surpreendeu-lhe nos olhos uma sombra de dor
e de tristeza. no segundo seguinte, porém, tornaram-se frios e distantes
como sempre. na certa, fora apenas impressão, susan pensou com amargura.
- porque não vamos nos ver mais e eu quero me despedir agora
- respondeu com secura. - boa sorte, professora. conhecê-la foi... muito
instrutivo.
ele saiu e bateu a porta atrás de si. como se o mundo inteiro explodisse
de repente, susan sentiu uma terrível solidão. nunca tivera burke para
si, contudo a simples presença dele a enchia de esperanças. agora, tudo
terminara. não havia mais sonhos ou ilusões, apenas um vazio imenso e o
gosto amargo da derrota.
ainda sentia na pele o calor das carícias daquele homem. mas mesmo o
desejo era corrosivo quando pensava que, decerto, era com tiffany que ele
queria estar. talvez pensasse na outra mesmo quando a incendiara de
prazer. se não fosse assim, por que lhe negara até uma despedida?!
revoltada, susan enxugou as lágrimas. burke não merecia tanto sofrimento.
era insensível e cruel, capaz de usá-la para esquecer o eterno amor não
correspondido.
trocou de roupa e se deitou depressa na esperança de dormir e esquecer
aquela noite terrível. entretanto, o nervosismo e a ansiedade a impediram
de conciliar o sono. a todo momento, voltavam-lhe aos ouvidos as palavras
de burke sobre o caráter dela. ele a julgava prepotente, teimosa e
atrevida! que ironia do destino ter se apaixonado por um homem que fazia
dela uma imagem tão negativa!
susan dormiu apenas algumas horas, mas, mesmo assim, levantou
108
cedo na manhã seguinte. quanto mais depressa deixasse aquela fazenda,
melhor. quando desceu para o café da manha, burke já havia saído.
elizabeth falou muito
pouco durante a refeição e não mencionou nenhuma vez a festa do dia
anterior. susan ficou sem saber se a atitude da amiga era em consideração
à tristeza dela ou por causa de algum comentário de burke a seu respeito.
de qualquer forma, não importava mais. dentro de poucas horas, tudo o que
acontecera naquela casa faria parte do passado.
fez as malas depressa e abreviou ao máximo as despedidas. abraçou
elizabeth com carinho, tentando esconder as lágrimas. a senhora, bondosa
como sempre, não fez nenhuma pergunta, mas acariciou-lhe o rosto com ar
compreensivo.
susan entrou no carro e partiu sem olhar para trás. sem ter mais razão
para ocultar seu sofrimento, chorou durante boa parte da viagem. era a
única maneira de aliviar um pouco o peso enorme que lhe oprimia o
coração.
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capÍtulo viii

susan observou os narcisos dourados ao longo da avenida com desânimo.


enfrentar a semana seguinte não seria fácil.
todas as colegas de trabalho haviam reclamado ao final do período. o
último dia de aula antes da semana da páscoa sempre fora muito exaustivo.
as crianças ficavam excitadas com os planos para os feriados e não davam
um minuto de descanso. entretanto, susan, ao contrário das demais
professoras, agradecia a agitação dos alunos. canalizar as energias de
seus alunos para jogos vigorosos exigira dela redobrada atenção,
impedindo-a de evocar lembranças desagradáveis.
nos últimos meses, o trabalho fora sua única fonte de alegria. contudo, o
final do expediente marcava o início de uma espera inútil por notícias de
burke. embora condenando a si mesma, não controlava a ansiedade a cada
carta ou telefonema que recebia. porém, quatro meses haviam se passado
sem que durante esse período ele desse sinal de vida.
elizabeth sempre lhe escrevia colocando-à a par das notícias da fazenda e
dos vizinhos. uma semana antes, por exemplo, contara em detalhes o
casamento de tiffany e neal. susan recebera o convite, porém não cedera à
tentação de rever burke. depois de muito refletir, concluiu que um
reencontro só causaria embaraço para ambos. além disso, segundo
elizabeth, o humor dele andava péssimo, e susan preferiu se poupar de
aborrecimentos desnecessários...
susan desceu do carro. em geral, chegava em casa bem cedo, ao final da
tarde, mas como passara antes no supermercado, se atrasara um pouco.
afinal, que diferença isso fazia? não havia ninguém à sua espera e,
cansada como estava, só queria tomar um banho e dormir.
como fazia todas as noites, pensou, desanimada. por isso a perspectiva de
uma semana de folga a desagradava tanto. os amigos
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a haviam convidado para passeios, no entanto recusara. não queria
estragar a alegria dos outros com sua falta de entusiasmo. pegando os
pacotes no banco traseiro,
fechou a porta do veículo. tentava trancá-la quando alguém se aproximou
quase na surdina.
- precisa de ajuda?
susan olhou para o lado assustada e, por alguns instantes, ficou sem
ação. burke achava-se diante dela e, no entanto, não parecia real.
sonhara tantas vezes com aquele momento que, agora, tinha medo de
vivenciá-lo.
- esses pacotes parecem pesados. - e insistiu: - não quer ajuda?
ela engoliu em seco. burke agia como se não a visse a apenas cinco
minutos!
a atitude casual dele irritou-a profundamente. se ele dava tão pouca
importância àquele reencontro era porque não sentira falta dela. magoada,
resolveu agir da mesma forma.
- não estão, não - retrucou, com indiferença. - dá muito bem para
carregar sozinha.
- mas me dê uma chance de ser cavalheiro. deixe que eu leve esses pacotes
para você.
burke, um cavalheiro?! depois de tudo que acontecera entre eles, esse
desejo era, no mínimo, cómico! preparou uma resposta ríspida, mas optou
pelo silêncio. não queria fazer cenas no meio da rua. deu de ombros.
- se você faz questão...
susan entregou-lhe os pacotes e foi andando na frente. sabia muito bem a
razão de tanta gentileza. burke queria ficar a sós com ela. na certa,
sentira-se muito solitário depois do casamento de tiffany e precisava de
alguém para consolá-lo!
mas era muita petulância dele, pensou, já entrando no saguão do prédio.
ele estava muito enganado se imaginava que ia entrar na vida dela assim
tão fácil!
enquanto chamava o elevador, burke aproximou-se.
- bonito, esse prédio.
- nada comparado ao porte da sua fazenda, mas gosto muito daqui.
o tom seco encerrou a conversa por alguns minutos. o elevador chegou e
burke abriu a porta. apesar da mágoa e da irritação, o coração de susan
batia descompassado dentro do peito.
111
a emoção de vê-lo novamente era forte demais para ser ignorada.
nunca o trajeto do elevador até o terceiro andar pareceu a susan tão
demorado. mesmo sem olhá-lo, sentia-se observada com atenção e deu graças
a deus quando, por fim, chegaram ao destino. ela desceu na frente, já com
as chaves do apartamento nas mãos. esperara quatro meses para rever
burke. por ironia, a presença dele lhe trazia mais uma decepção.
abriu a porta e convidou-o para entrar com um ligeiro gesto de cabeça. a
sala do apartamento era pequena, mobiliada com simplicidade e bom gosto.
susan abriu a janela e o vento fresco de fim de tarde embalou as folhas
da samambaia que pendia de um vaso preso ao teto, junto ao sofá.
parado no meio da sala, burke ainda segurava os pacotes. observou o
ambiente com curiosidade, depois sorriu para susan de modo enigmático.
- tem a sua cara - comentou, colocando as compras sobre a mesinha de
centro.
- vindo de você, isso não pode ser um elogio.
ele a encarou, entre irritado e desanimado. fez menção de responder à
provocação, mas pareceu mudar de ideia.
- tiffany ficou chateada porque você não apareceu no casamento - ele
comentou. - ela não tem nada a ver com nossos problemas.
- mas como você é pretensioso! pensa que o mundo gira ao seu redor? não
fui porque tinha outros compromissos, não por sua causa!
- será que esses compromissos não podiam ser adiados por algumas horas?
afinal, tiffany...
burke interrompeu a frase quando a porta do quarto se abriu. um homem
entrou na sala e os encarou com ar sonolento. vestia um robe de tecido
felpudo cujas mangas, curtas demais para ele denunciavam ser de susan.
- puxa, eu não queria dormir o dia inteiro, susy! - ele exclamou, entre
bocejos. - você devia ter me acordado quando saiil hoje de manhã.
passado o espanto do primeiro momento, o rosto de burke transformou-se
numa máscara de raiva.
- já entendi qual foi o compromisso - afirmou, caminhando para a porta. -
foi um prazer revê-la, srta. maccoy.
112
burke saiu sem esperar explicações. mas susan não pretendia dá-las. a
situação viera bem a calhar. quem sabe assim ele a deixasse em paz para
sempre. com um suspiro, susan pegou as compras sob o olhar espantado de
mike.
- mas quem era esse?! - perguntou.
- ninguém!
irritada, susan levou as compras para a cozinha, mas o rapaz a seguiu.
- nunca vi você tão nervosa por encontrar ninguém - brincou. - vamos,
conte aqui para seu irmão mais velho o que está acontecendo.
- contar o quê?!
- quem saiu daqui pisando duro, por exemplo.
- burke gerard, um dos filhos de elizabeth. lembra que eu lhe escrevi
contando do assalto?
- sim, mas nunca você mencionou nada sobre esse burke.
- e você mesmo viu por quê! ele é a pessoa mais detestável que conheço!
mike não acreditou muito na afirmação, mas não insistiu.
- vou tomar uma chuveirada rápida enquanto você guarda essas compras. não
se preocupe com comida, hoje. nós iremos jantar fora.
forçando um sorriso, susan concordou. quando acabou de guardar as
compras, o irmão já saíra do banheiro. ela também tomou um bom banho e,
depois disso, sentiu-se bem mais calma. o conceito que burke fazia dela
não devia aborrecê-la tanto. além disso, o mal-entendido servira para
provar o quanto ele era egoísta. depois do modo como se despedira na
fazenda, ainda queria encontrá-la disponível para consolá-lo?!
refletia sobre isso quando mike entrou no quarto, barbeado e bem vestido.
decidiam onde iam jantar quando ouviram a campainha da porta. susan foi
atender e deparou-se com burke.
- vim me desculpar - ele foi logo explicando. - e não bata a porta na
minha cara senão eu fico parado aqui até você me ouvir.
susan o encarou, irritada. burke era bem capaz de cumprir a ameaça. além
do mais, quanto mais cedo o ouvisse, mais cedo se livraria dele. afastou-
se da porta e deu-lhe passagem.
- tudo bem, mas seja rápido - disse, com secura. - mike e eu vamos sair
para jantar daqui a pouco.
113
- eu sou burke gerard - burke apresentou-se para mike, estendendo-lhe a
mão. - você deve ser um dos irmãos de susan. ela me mostrou uma foto da
família inteira lá na fazenda.
pelo menos ele tivera a decência de omitir que estava no quarto dela
quando isso acontecerá. decerto, mike lhe faria um milhão de perguntas se
soubesse.
mike o cumprimentou e, depois de observá-lo com minuciosa atenção, sorriu
com ar aprovador.
- não quer jantar conosco, sr. gerard? - convidou, solícito.
- assim, pode escolher um bom restaurante. eu não conheço quase nada aqui
em denver...
- mas eu conheço e o sr. gerard já está de saída - susan interveio, -
queria se desculpar e já fez isso. agora, se nos der licença, estou com
fome.
- tudo bem, mas eu queria dar uma palavrinha com você.
- então fale!
susan cruzou os braços, e burke baixou a cabeça. mike pigarreou,
compreendendo que sua presença era totalmente dispensável.
- bem, eu vou lá embaixo comprar um jornal - desculpou-se, já caminhando
para a porta. - quem sabe encontro o
endereço de um bom restaurante nesta região. não
se apresse, susy. quando acabar sua conversa com o sr. gerard, me
encontre no barzinho ali da esquina.
ele saiu e burke sorriu para susan, espantado.
- esse é seu irmão tirânico?!
- já amansado por muitos anos de brigas constantes... e, depois, um
machista reconhece o outro a quilómetros de distância!
burke pareceu nem ouvir a provocação. alheio a tudo, olhou-a com febril
intensidade. susan disfarçou a custo as sensações que aquele olhar lhe
provocavam.
- e então, burke?! - insistiu. - o que você quer?
- você.
ela hesitou um pouco diante da resposta, mas logo se recuperou. burke a
desejava, mas ela queria mais do que isso. não se submeteria aos
caprichos dele.
- sinto muito, mas não estou disposta a joguinhos, hoje.
burke compreendeu de imediato a amargura da resposta. susan não o
perdoara por ter confundido a recusa dela como um jogo de sedução.
aproximou-se e segurou-lhe o rosto entre as
114
mãos.
- quero que se case comigo, susan!
- a resposta ainda é não! não gosto de ser substituta nem como
professora!
ele franziu a testa, intrigado.
- mas que negócio é esse de ser substituta?!
- você sabe muito bem! - susan o encarou com frieza. já que não pôde ter
tiffany, eu sirvo como prémio de consolação?! muito obrigada, mas não
quero!
- que bobagem, susan! o que você está falando não tem o menor cabimento!
- como não?! vocês já foram noivos, lembra?
- mas isso é diferente. eu e tiffany crescemos juntos e todo mundo
esperava que casássemos. nos acostumamos com a ideia, chegamos a pensar
que nos amávamos... mas quando meu pai morreu e eu me vi cercado de
problemas reais, comecei a questionar esse sentimento. se as coisas
tivessem saído conforme nossas famílias planejavam, teríamos casado. acho
que não seríamos infelizes, mas, com certeza, viveríamos num tédio
mortal! na época, eu não via a situação com essa clareza e não vou negar
que sofri quando steven apareceu na vida de tiffany. só que eu estava
cheio de problemas e você sabe como tiffany é dependente. eu achava que a
amava, mesmo assim não poderia ficar com ela, entende? por isso, quando
percebi que steven estava realmente apaixonado, encorajei o romance entre
os dois. me convenci de que era um ato altruísta para aliviar minha
consciência. hoje sei que apenas uni o útil ao agradável: uni um casal
apaixonado e me livrei de um casamento incerto. o mais difícil foi
convencer steven a fugir com ela...
- agora você está me achando uma boba! acha que vou acreditar que foi
você quem planejou a fuga?!
- foi uma confusão dos diabos na minha cabeça, mas foi eu mesmo. vivi
alguns dias num conflito horrível! queria que os dois fossem felizes, ao
mesmo tempo me sentia traído. steven estava me tirando uma coisa que me
pertencia por direito... sei que é horrível, mas cresci ouvindo que me
casaria com tiffany. por isso, quando levei os dois ao aeroporto, estava
sofrendo de verdade.
burke fez uma pausa e olhou para susan, ansioso. embora parecesse sincero
naquela confissão, a história era inacreditável! ela
115
sentou-se no sofá e, com um gesto, convidou-o a se sentar também.
- elizabeth me disse que, por muito tempo, você não quis nem tocar no
assunto - comentou, pensativa.
- no começo, eu não conseguia entender a mim mesmo. não tocava no assunto
para não enlouquecer. com o tempo, amadureci e vi a situação por outro
ângulo. mas as pessoas, inclusive elizabeth, achavam que eu ainda amava
tiffany. e quando steven morreu, todo mundo pensou que finalmente
ficaríamos juntos. tiffany se sentiu pressionada a ceder por todos os
lados e, mesmo apaixonada por neal, não queria me magoar pela segunda
vez. como ela não me contou nada sobre neal, fiquei desesperado. não a
amava, mas não queria rejeitá-la... - burke aproximou-se de susan e
tornou a segurar-lhe as mãos com ternura.
- então você apareceu e resolveu a situação como num passe de mágica.
- eu?! não fiz nada!
- você convenceu tiffany a pedir neal em casamento, encorajou-a a lutar
pelo que desejava de verdade. aliás, você mudou a vida de todo mundo.
randy, por exemplo, está pensando no futuro com seriedade, agora. e
elizabeth quer comprar um apartamento e morar sozinha. diz que você a fez
perceber que ela ainda tem muita vida pela frente, só precisa de
motivação. e quanto a mim... você me virou pelo avesso, professora. me
fez descobrir coisas que eu nem sonhava. sempre pensei que não precisava
de ninguém, que era feliz daquele jeito, isolado do mundo. que idiotice!
percebi como enganava a mim mesmo com aquela imagem de todo-poderoso. era
apenas uma defesa contra as minhas inseguranças. na verdade, eu tinha
medo de amar, de me entregar de corpo e alma a alguém e ser infeliz.
- por isso me tratava como a uma intrusa...
- de certa forma, você era mesmo. - ele riu. - foi entrando na minha
vida, fazendo uma estripulia danada com meus sentimentos... eu fiquei
apavorado! eu nunca havia me sentido tão perdido, nem mesmo com todos os
problemas que enfrentei depois da morte do meu pai. não sabia o que
estava acontecendo comigo... sua generosidade, seu companheirismo me
atraíam, mas, ao mesmo tempo, destruíam a imagem que eu tinha de mim
próprio. de repente, eu precisava demais de uma pessoa que,
segundo
116
meus padrões, não tinha nada a ver comigo.
- a vida não é feita de padrões, burke.
- agora eu sei... por isso te comparei com aquela árvore de natal:
generosa, pura, acolhedora, com uma beleza que extrapola o lado material.
mas custei muito a admitir isso. achava que o que eu sentia por você era
apenas atração física. considerava sua independência uma provocação
pessoal contra mim. ao mesmo tempo, a desejava feito um louco e a sua
indiferença me feria demais... ah, amor, como eu sofri!
susan sentiu o coração pulsar mais forte. por fim, burke pronunciara a
palavra mágica, a única capaz de resgatá-la de tanto sofrimento.
- repita isso - pediu num murmúrio.
- como eu sofri! - burke tomou-lhe os lábios de assalto e beijou-a com
sofreguidão. - eu te amo, susan. tanto que, às vezes, penso que vou
explodir!
-- então, não me acha mais prepotente, teimosa, atrevida... ele riu.
- bela maneira de começar o ano! vivi num sonho durante a festa
inteira... até ouvir sua conversa com elizabeth. fiquei magoadíssimo
pensando que os olhares apaixonados, as carícias não passassem de
encenação. tinha esperado tanto por aquele momento que fiquei frustrado
quando imaginei que fosse mentira. me senti como aquela árvore torta. -
olhou-a embaraçado e completou: - puro machismo!
- a mesma razão que fez você não me mandar notícias durante quatro meses!
- não foi só isso! eu queria vir, mas tive vergonha.
- de confessar que me amava?
- não, da minha estupidez por deixá-la sair da minha vida por uma tolice!
esperei por você mais de trinta anos, uma mulher forte e corajosa, capaz
de me fazer vencer as barreiras que me impediam de ser feliz. seu único
pecado foi me tratar com compaixão e, em troca, agi como um selvagem.
- se você soubesse como eu esperei um cartão, um bilhete, um recado
seu!...
- elizabeth me disse isso várias vezes, mas eu estava inseguro. esperei
para ver sua reação no casamento de tiffany. quando você não apareceu,
fiquei arrasado. lá em casa, ninguém mais
117
suportava meu mau humor. um dia, elizabeth perdeu a paciência e exigiu
uma explicação.
- e você contou tud
- omiti alguns detalhes. ela me contou como você estava abatida quando
foi embora, como tem estado triste nos últimos meses. então, tomei
coragem e vim até aqui.
enquanto esperava, fiquei sentado no carro ensaiando uma porção de coisas
bonitas para dizer. e, no final, acabei só lhe oferecendo ajuda! para
carregar compras de supermercado!
- pois não existe maneira mais bonita de se aproximar de alguém, sabia?
- então? quer casar comigo?
susan beijou-o com doçura antes de responder.
- eu te amo, burke. não dependo de você, mas quero sua companhia. quando
você não está por perto, eu não morro, mas minha vida perde todo o
colorido. não quero competir com você em nada, só quero meu espaço. era
isso que eu queria fazê-lo entender desde o começo e, agora, consegui.
burke a encarou por um instante, uma sombra de preocupação nos olhos
cinzentos.
- também te amo, bem mais do que posso expressar com palavras... mas não
garanto que não tenha uma recaída de machismo e comece a fazer idiotices
de novo.
- não se preocupe, eu tenho experiência em amansar machões.
- e como pretende fazer isso? - ele quis saber num desafio.
- assim...
susan beijou-o, a princípio com ternura, depois extravasando toda a
paixão reprimida durante tanto tempo. e, naquele instante, os dois
descobriram que valera a pena esperar tanto tempo por aquele momento.
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fim

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