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Taças
Tereza Ferraz
Prefácio
***
Julho – 1988.
Noite estrelada.
Fui à loja de antiguidade do Sr. Ernesto. Lá, parece que o tempo parou.
A sensação começa com o sininho da porta de entrada: ele nos leva no
tempo. À primeira vista a impressão que se tem é de uma grande
desorganização: objetos e móveis amontoados, mas o todo é bonito.
O próprio Sr. Ernesto parece tão antigo quanto suas antiguidades. Usa
óculos minúsculos na ponta do nariz e seu cabelo é de branco amarelado;
até seu andar é arrastado, como se o andar o trouxesse ao presente
quando o seu mundo é o passado. Acho-o um velhinho carismático. Seus
olhos vivos brilham ao contar uma história ou estória de peças antigas.
Lembro-me que diariamente passava em frente à sua loja, sem ter tempo
para entrar. Minha loja de roupas femininas ficava na mesma galeria, e
só depois de alguns meses ali instalada é que passei a ir lá. Até
então, nunca comprara objetos antigos, apesar de achá-los bonitos ou
interessantes, principalmente ao ver um objeto que traz em si um
significado e uma história distantes. Sorria ao ouvir minha sócia
perguntar o que é que eu via de tão atraente.
E agora, elas estão aqui na minha frente. No suporte está escrita uma
data: 1812, e algumas palavras que não dão para ler. Mas elas estão
aqui, e isso é tudo. Logo terão um lugar definitivo em casa, farão
parte do ambiente, e talvez deixem de ter esse atrativo.
Quarta-feira.
Manhã com sol – 8:30.
Um sonho, um nome: Badacsony.
Quinta-feira.
Noite estrelada.
Noite alta.
Sexta-feira.
Praia – sol.
Momento mágico.
O forte aroma do mar chega ao mais íntimo do meu ser.
Águas claras, céu limpo, as gaivotas dão um lindo espetáculo.
No horizonte, até onde vai a vista, não se consegue mais diferenciar o
céu e o mar.
Reluz o reflexo dourado do sol no mar. A claridade encandeia por um
instante, até os olhos se acostumarem com essa maravilha. Um brilho
intensamente colorido dança aos olhos...
E surge uma vontade enorme em tocar essa beleza natural, aguçando a
sensibilidade em fundir-se com o esplendor dessa luz.
E o mundo pára, não existe mais o tempo, mais diferença entre homem e
natureza.
O que existe, o que ocorre é uma junção entre duas coisas naturais.
É a entrega, o abandono físico diante do qual nenhum ser é capaz de
defender-se.
É esse fino, leve, mas palpável momento no qual se desmata a inibição e
emerge uma força maior. É esse dado momento em que a força luminosa
leva, eleva ou simplesmente transborda no ser. Êxtase, êxtase da
inspiração.
O ser e o momento mágico, levando-o pelas asas da inspiração.
Tarde ensolarada.
Noite passada sonhei com um homem e uma mulher. Eles tinham as taças
nas mãos, estavam sorrindo um para o outro, uma cena familiar, tão
familiar. Como? Se nunca os vi. Até agora fecho os olhos e consigo
revê-los. Ela deve ter uns vinte e poucos anos, cabelos cor de mel até
a cintura. Seus olhos têm a mesma cor do cabelo: uma mulher bonita,
boca bem torneada. Usava um vestido antigo, parecendo que ia para uma
festa de fantasia do tipo cigano. Ele, como descrevê-lo? Pois assalta-
me uma forte emoção quando me lembro dele. Cabelos negros, queixo
quadrado, boca grande e sensual. Mas seus olhos, olhos negros como a
noite, que falam sozinhos... Sua pele tem o tom dourado: é o tipo da
pessoa que é notada, imponente. Ele é mais atraente que bonito. Meu
Deus! Aqui estou a descrever um homem e uma mulher que vi em sonhos, e
hoje passei parte do dia a lembrar-me deles. Principalmente dele.
Fui pela manhã à loja de Sr. Ernesto. Mas estava fechada. Senti-me
frustrada, pois queria ouvir dele alguma coisa sobre as taças.
Segunda-feira.
Entardece, o sol se põe.
Quando senti meu sangue voltar, meu coração batendo loucamente, pensei:
- Vou morrer e não consigo nem gritar! Quando voltei a sentir meus pés,
bati-os no chão procurando a reação do meu corpo, mas ao voltar o
olhar, ele não estava mais lá. Corri ao banheiro, lavei meu rosto,
respirei fundo por diversas vezes e só então saí para o jardim. Tentei
contar o que vira, as palavras saíram atropeladas. Pensaram ser o
vinho. Quando todos saíram refleti: Pode ter sido fruto da minha
imaginação, em conseqüência do vinho. Mas eu sonhei com ele e, sendo
assim, ele pode estar registrado na minha memória e aí pensei tê-lo
visto. Deve, realmente, ser isso.
Fui novamente ao antiquário, mas estava fechado. Acho que Sr. Ernesto
está doente.
Terça-feira.
Manhã nublada, 9:40.
Tarde 17:50.
Quinta-feira.
Tarde.
Sábado.
Tarde bonita, com sol.
Hoje pela manhã, o dia nascia. Acordada na cama com os olhos fechados
me espreguiçava... Aconteceu! Vi Igor, ele andava só, de costas para
mim.
Assustei-me, abri os olhos com o corpo trêmulo. Como e por que alguém
que viveu em 1812 vem até aqui? Com que direito! Já estou ficando sem a
menor coerência e confusa: sonhos, visões, afinal o que é isso?
Estou levando longe demais o efeito dessas taças. Acho melhor devolvê-
las. Devolvê-las me traz a razão racional.
Segunda-feira.
Noite, é quase madrugada.
Quarta-feira.
Noite estrelada.
Conversei com minha amiga. Ela disse-me que tentasse falar com ele. Ri
um pouco incrédula. Não lhe falei muito, pois até falar sobre o assunto
me é estranho; constrange-me.
Quinta-feira.
Era dia, quando abri o pacote, mas só voltei a mim quando bateram na
porta do quarto de estudos. Já era noite!
Volte o tempo...
Ouvi dezenas de vezes.
Volte o tempo...
Emoções confusas: Hungria, Badacsony, 1812, que agora pula um ano,
Badacsony 1813.
Volte o tempo...
É a voz forte e grave de Igor, ouço-a distintamente:
- Volte o tempo.
Ecoa no meu ser por inteiro, e surgem cenas...
Terça-feira.
Fim de tarde.
Estou na praia.
O que posso falar, o que tenho a dizer?!!!
Saí de casa e vim ver o mar. Andei, tentando pensar melhor. Sou uma
pessoa equilibrada, ou fui.
Molhei meus pés na água do mar, sentindo a água do lago e ando já nesse
quase anoitecer, vago na verdade, como são vagos meus pensamentos:
- O que ocorre comigo? Estaria ficando louca?
Nostalgia e saudade de quê?
No íntimo, eu sei. O que não quero e não posso é admitir, pois admitir
é assumir essa insanidade, essa emoção louca que me assola.
Estou numa corda bamba, numa divisória: de um lado existe a real
existência e do outro um fantasma me pede:
- Volte o tempo.
Voltar para quê? Voltar por quê?
Essas palavras ressoam em todo meu ser, são como um eco.
O que você está fazendo comigo, Igor? Eu não posso viver assim. Você me
escuta? Se você é uma fantasia da minha mente fértil, o que faço com as
cenas, sonhos que se tornaram fato.
Tenho que colocar meus pés no chão, estou em 1988, moro no Brasil.
Porém, o tempo é um Deus mágico, e o pedido é contínuo:
- Volte o tempo...
Segunda-feira.
Tarde, chove.
Marquei uma terapeuta para o mês que vem, pois sua agenda está completa.
Sábado. Julho.
Noite.
Segunda-feira.
Amanhece com chuva.
Refleti que seria muito bom sentir, realmente, o que se passa comigo.
Como uma maneira de compreender. Tentar soltar-me.
Ouço palavras, surgem cenas. Cria-se um mundo distante mais palpável,
absurdamente palpável.
Estava no banho quando ouvi a voz que já me é conhecida. Para explicar
o que aconteceu, ficou-me a impressão de que o mundo havia parado, o
tempo parou.
Posso tocar o céu, posso tocar os pássaros... Posso tocar tua alma, teu
ser; pois o amor pode com tudo. Amor sem limite, sem tempo e distância.
Que irá perdurar para sempre.
Noite.
Céu estrelado.
Fui à casa da minha amiga espiritualista. Ela falou ser Igor uma pessoa
ligada a mim numa vida passada, termos uma ligação. Começo a desatar o
nó que se formou na minha cabeça.
O marido dela, um grande amigo também, me ofereceu a casa de praia
deles, que fica a uma hora daqui. É um lugar de veraneio, e agora, como
é inverno, está vazia. Isso me daria, além de um excelente cenário
relaxante, tempo para refletir, de achar-me. É uma proposta tentadora.
Quinta-feira.
Noite com chuva.
Sexta-feira.
9:45 manhã nublada.
Não fui à academia de ginástica, andava na praia, o mar lindo e sereno.
É sempre assim quando chove.
O pensamento corria solto, sem forma, abstrato, aí senti:
A tenger hullamáinak moroja. Abril 1813.
Noite.
Segunda-feira.
Anoitece.
Como um mergulho.
Mergulho solitário, busca-se compreensão...
Excede, busca-se consciência.
Mergulho solitário no tempo.
Lembro-me das gaivotas. O mergulho em busca de alimento.
É a esse tempo que vou recorrer? O tempo pessoal – indeterminado?
O tempo do não tempo. Não sei, e jogo no tempo a pergunta.
O mergulho em busca do alimento.
No mergulho, de antemão sei que existem surpresas; algumas agradáveis,
outras não.
O mergulho, rasgar o véu: 1813. E um pedido mágico:
- Vem, solte-se.
Esse processo me faz acionar a vontade. A vontade de quem sabe tocar o
impossível.
O céu está belo, um tom avermelhado se espalha junto ao azul Royal,
parece que o Grande Pintor faz mistura em sua tela.
Uma alegria invade meu ser, o espírito torna-se crescido, sinto-me como
se pudesse tocar o infinito. Sorrio, lembro-me do que Igor falou:
- Posso tocar o céu, posso tocar os pássaros, posso tocar sua alma, o
seu ser.
Esse mago pode mesmo!
Noite passada eu falava com ele.
- Estou indo passar esses dias nessa casa de praia, soltar-me. Sinto
aqui dentro de mim, algo quente, é o teu chamado.
Real ou irreal, você já existe. Ajude-me, pois estou no limiar. Ouça-me
mago, começo a respirar você, começo a ter consciência de que tenho um
sentimento por você.
Que loucura!
Terça-feira.
Noite.
Quarta-feira.
Manhã dourada.
Sinto-me levada...
Ouvi Natasha gritar:
Ouço, Mikail, Igor gritando por mim! Existe desespero em sua voz, eu
ouço, ouço!
Quem é Mikail?
15:20
17:12
18:50
2:20
Acordei tarde.
Tento, às vezes, diluir toda essa vivência, mas o mais forte é a
lembrança dele, é como um marco.
Fechos os olhos e retrato-o, tateio tentando alcançá-lo mais e mais,
mas às vezes vem o vazio...
A vontade de entender é mais forte, ou mais forte é a saudade, assim
como a vontade de estar, de ir.
E o que mantém tudo isso é a busca até você. Você falou que a busca e a
razão estão em 1813, foi isso?
Por isso quis varar o tempo. Meu ato de buscar a razão é ir ao
encontro. Estar com você é a razão. É tudo que mais quero. Aí você
afirma que a razão é o amor, eterno como o tempo? 1813 - 1988. Ter
consciência do significado do amor é ter a certeza da nossa realidade.
Essa nossa realidade.
21:30
À distância do tempo.
À distância de um tempo.
A lua quase cheia ilumina o mar, o mar está baixo. Lá em frente um
ponto luminoso, algum pescador sem dúvida. Falo a outro pescador:
- Lanças-te a rede e estou nela, vem me buscar!
Sexta-feira.
Amanhece.
Dou-me conta de que meu vôo é muito alto, alto demais para um simples
mortal.
Ele elevou meu sentimento e pensamentos ao inatingível.
Levou-me a terras distantes, e estou lá. Nada atual povoa meus
pensamentos.
Estou no topo de uma montanha, numa profunda solidão.
Olho para baixo, e dá vontade de descer, ser normal, sou humana, não é?
Olho o céu, o abstrato, talvez as respostas. A morada dos imortais.
O grito de extrema angústia está preso na garganta.
Aonde vou chegar?
Queria ser acalentada, queria um colo. Tenho medo de perder os pontos
referenciais.
Segunda-feira.
Amanhece.
9:25
Doce e imponente, dono do meu dia, da minha noite, dos meus pensamentos
e sentimento.
Excede, é dono de minha alma.
Hoje sou eu que ergo um brinde.
Noite linda!
Cena
Cena.
Cai o silêncio.
Ele senta-se, sério, o olhar que atinge a alma, e fala: - Viveria, pois
meu amor por você é sentimento, e sentimento não morre. O sentimento é
vivo. Se o sentimento é vivo tudo o é. Viveria, pois meu sentimento
estaria vivo através de você.
Noite alta. Faz frio aqui na varanda, sopra o vento, acho que vai
chover.
Começo a não ter noção do tempo. Diabo! O que importa.
A verdade cai como uma pedra num lago limpo e claro, as ondas
repercutem quando a pedra toca no lago. São essas ondas, é a pedra. A
pedra lançada há tanto tempo, e as ondas a repercutirem.
Vejo a pedra no lago e as ondas continuam, vão de um pequeno a grandes
círculos.
Ajuda-me, Igor! Já não sei onde me sustentar, já não sei onde me
segurar. O que faço com tudo que estou sentindo? Quero estar com você!
Maldito tempo, maldita distância.
3:40 – madrugada.
Sabe o que trago dentro de mim? Você sabe, Igor? Não! Com certeza você
não sabe! Existe uma guerra - não! Guerra não! Ela já está sendo
travada há algum tempo, o que existe são bombas, estou sob um
bombardeio. Santo Deus, por um único motivo: quero estar com você. Isso
dói, isso machuca, tal qual uma ferida aberta. Ajude-me, eu não estou
agüentando mais!
Não sei que horas são, há uma tempestade lá fora. Tenho febre, febre
alta.
Estou cansada, deitada no quarto. Lá fora é só vento e chuva.
Como posso fazer o tempo voltar?
14:20
16:50
18:50
21:40.
Sua mão acariciava meu rosto, sentir seu toque é a bênção que buscava.
Sussurrei: - Estou morrendo, Igor?
Não, amada, você terá simplesmente que ter consciência do que fomos, e
hoje somos. Pois, assim prometemos. Temos nosso trato e selo.
Você irá conseguir. Posso tocar o céu, posso tocar os pássaros, posso
tocar tua alma, teu ser. Sabe por quê? Porque eu a amo, e como amo!
Relaxe, respire o sentimento.
Solte-se, você irá conseguir.
Não tema, estou com você a todo momento, em todo momento que você se
permite sentir o nosso sentimento. Portanto sinta: eu amo você. Solte-
se.
Acordei com meu próprio grito, chamando por ele. Minhas lágrimas caem
como a chuva lá fora.
A fórmula está no tempo?
Não fosse essa febre, eu poderia raciocinar melhor, mas o corpo dói,
dói minha cabeça.
O tempo; é nele que está a porta?
Não, claro que não, pois não existe nem o tempo nem a distância.
A fórmula está no sentimento, no amor!
Ele ama, por isso espera.
E eu? E eu?
Igor! Você está aqui? Ouça-me, busco por querer estar com você.
O tempo une a quem quer se unir. O tempo sempre foi a alma da vida em
terra, e hoje, a alma da vida é o sentimento que tenho por você.
O sentimento... A busca... Amo você!
Eu amo você.
A busca ao alimento.
O mergulho.
A razão: eu amo você!
Meu coração dispara, meu corpo treme: Eu amo você, eu amo!
Dou-me conta de que eu amo você.
Do momento que te vi, a estranha sensação era amor!
Você me escuta? Sente? Ouça-me, eu amo você.
E ao escutar minha própria voz, meu coração bate acelerado.
Tenho que relaxar, serenar.
O nosso lugar está dentro do nosso amor. Seu lugar é comigo, amada.
Mergulhe neste lago de luz. Venha, mergulhe!
Avô, onde o senhor está deve estar vendo melhor que eu. A visão dos
imortais deve ser tão ampla! Não é o mar, é um lago. Um lago lindo e
enorme, que mais parece o mar. Lembra, avô?
Estou encantada! É difícil ver num só local tanta beleza mágica.
Este lugar toca todos os meus sentidos, minha sensibilidade aflora à
pele.
A cor das águas do Balaton em junção com o sol parece deixar as árvores
translúcidas.
E os pássaros? São uma quantidade e uma variedade que nunca tinha
visto. Eles cantam, e meu coração também, parece festa.
Sabe avô, creio que o Balaton enfeitiçou o próprio demônio para não
entrar aqui, pois a paz que invade a alma é uma bênção.
Queria que o senhor estivesse aqui para partilhar comigo esta beleza,
esta felicidade e principalmente esta paz. Estou num dos pontos altos
da colina de Badacsony. À minha direita fica a cidade. Vejo os telhados
das casas. À esquerda está o nosso acampamento, num vale, entre
bosques. Sinto-me no céu!
Só mesmo aqui posso refazer a vista, livrar-me da angústia, adoçar a
garganta, aguçar os ouvidos e afastar os gritos e gemidos de dor.
O que leva os homens à loucura da guerra?
Olhando toda essa maravilhosa natureza, tudo ela nos dá; o que leva os
homens à guerra?
Se o senhor estivesse aqui, teria uma resposta certa, uma resposta
certa para mim.
Lorna beija o filho, faz um afago no marido e vai para carroça. Eles
ficam a olhá-la. Ela ainda é uma bela mulher, seus cabelos continuam
negros, seus olhos ninguém sabe decifrar o que dizem: tem estatura
baixa. Sempre está bem disposta, parece reter uma força incomum no
falar, no andar, no agir. Seu todo é um tanto orgulhoso como todo
húngaro. Jamais poderia esconder sua nacionalidade e sua alma cigana.
Lorna entra na carroça, senta-se num banco perto da janela. Não há
necessidade em acender a lamparina, a noite está linda, estrelada.
Quase igual a vinte anos atrás. As lembranças voltam, lembranças de
1791.
Ela ajeita o filho, que dorme, acomodando sua cabeça numa almofada. Vai
à charrete, dá as boas-vindas e, por formalidade de educação, oferece
um chá. A jovem, para surpresa de Lorna, aceita. Pede a sua ama para
pegar o cesto com as galinhas. Lorna se encaminha para a fogueira. A
jovem olha para o menino adormecido, pergunta se é filho de Lorna, ela
afirma, e ela pergunta a idade do menino, Lorna responde que ele fará
dez anos na próxima lua nova, pede licença para pegar canecas na
carroça. A jovem pergunta se pode acompanhá-la e segue Lorna. Lá
dentro, Lorna ofereceu-lhe um banco, a moça sentou-se, mas, antes, foi
a janela, deu uma olhada lá fora. Seu nervosismo era notado.
Meu nome é Elizabeth. Aqui é tudo tão alegre, tão cheio de vida.
Lorna sabia que ela rodeava a conversa sem saber como começar. Ofereceu
o chá. Elizabeth acenou com a cabeça, aceitando. O violino de Andrei
novamente enche a noite. Lorna serviu a caneca de chá, as mãos de
Elizabeth tremiam. Lorna a observava: seus cabelos eram da mesma cor
que seus olhos, cor de mel. Tão bonita, uma beleza fina, delicada, e
tão angustiada!
A senhora tem quantos filhos?
Só a criança que dorme lá fora.
É tão difícil falar-lhe. Mas vou direto ao assunto. Passei a noite
anterior acordada, como falei, meu empregado viu vocês chegarem ontem.
E pensei, quem sabe, aí não está a solução dos meus problemas.
Lorna levantou-se e foi ao bule para pegar mais chá, olhou de lado para
ver melhor. A jovem deveria ter uns dezoito anos. Jovem e insegura.
Sentiu compaixão da moça, devia ser uma situação difícil. Mas, também,
era difícil Lorna aceitar o fato de uma mãe recusar um filho.
Na vida cigana as coisas são bem mais simples.
Isso chega a ser constrangedor. Lorna tinha um filho, um único filho e
só ela e Deus sabiam como ela queria outra criança. E, ali à sua
frente, uma jovem oferecendo uma criança; mais parecia um mercado,
pensou Lorna. Ofereceu-lhe mais chá e falou:
Senhorita, essa decisão não pertence somente a mim. Terei que conversar
com meu marido, e como sabe, ele não está... Mas céus! Santa Sofia
abençoou-lhe com um filho.
O que eu posso fazer? Minha vida, meus pais. Nunca me passou na cabeça
ficar com essa criança, estou sendo honesta com a senhora. No início da
gravidez tomei algumas ervas, mais não adiantou. Como a senhora acha
que me sinto? Não é fácil, nada é fácil nem o fato de estar aqui agora
conversando com a senhora. Tem horas que digo que estou sonhando, isso
não está acontecendo. Mas está! Essa barriga a cada dia pesa mais, como
também aumenta minha angústia. Se não forem vocês a ficar com a criança
serão outras pessoas. A vantagem é que, com vocês, não a terei perto.
Sei que passam anos sem visitarem o mesmo lugar.
Não vou conseguir falar bem o que sinto, pois simplesmente sinto.
Admiro-a tanto, anya. A senhora é sempre tão prática, tem o raciocínio
rápido, sua mente parece ter a resposta para tudo, seus olhos enxergam
além, e ninguém consegue mentir para a senhora. Tento analisar que
felicidade é essa que me cerca toda vez que penso no Balaton, só que
ela me excede. Deve ser curiosidade.
De que?!!! Você estava tão doente quando esteve lá, com uma febre tão
alta que, ou estava delirando, ou dormindo.
Anya, uma tarde acordei, olhei pela janela da carroça, o mundo parecia
encantado, ouvi os pássaros cantarem tão alto, o verde do bosque era
diferente. Existiu algo que não consigo atinar... Eu sei que existiu,
eu sinto que existiu.
Anya, a senhora contou-me tudo que se passou lá?
- Nat, você esteve doente, bastante doente, foram dias de cama, febre
e delírios. Nada mais lógico que quando você melhorou ou voltou a
si, o que viu primeiro a encantou. Isso é natural.
Natasha levantou-se e foi à porta, olhou o céu estrelado: - Pode ser.
Acho que tenho muito do avô, ser afetada por acontecimentos tão sutis,
mas de uma grandeza que invade a alma.
Durante todo esse tempo, sempre sonhei em voltar ao lago, são mais que
dois anos. Não sou mais criança que fica criando fantasias. Devo ter
realmente ficado impressionada com o local. Sempre que penso nele, meu
coração dispara, invade-me algo desconhecido. É como se ele chamasse
por mim... Sinto isso anya, por mais imaginação que tenha, por mais
sensibilidade que traga em mim, isso é real e está em mim. Só não sei
por quê, e não quero evitar sentir.
Todos esses anos, que convivo com Lorna, nunca a vi ter uma preocupação
sem motivo.
Natasha conconda e fala que talvez deva ser recordações ao voltar para
Hungria. Pois ate pouco tempo, os ciganos da Hungria podiam ser
escravos e que sua anya saiu de lá e perdeu pessoas queridas. Lorna não
contara esta historia a ela e sim seu avó. Em 1782 os ciganos foram
libertados. Continua a contar a Belle:
- Nasci nove anos mais tarde. Acho que, para ela, que perdeu gente
sua com essa escravidão, por mais amor que tenha à terra, as
recordações doem.
Seu grupo cigano ficou quase todo lá, ela e uns poucos conseguiram
fugir e se juntaram ao grupo do meu avô na fronteira da Áustria. Assim
ela conheceu meu pai, assim se juntaram os grupos. Meu avô contava que
esses poucos fugiram e seguiram anya. Quando eles chegaram ao
acampamento, estavam mortos de fome e cansaço, mas anya, com seu
orgulho danado, deu comida a todos e os acomodou. Só depois de ajeitar
sua gente, foi a meu avô e agradeceu, sentou-se e comeu. Ela nunca
tinha saído da Hungria, os ciganos húngaros sempre se fixam, tem raízes
e amor à terra.
Seu irmão diz que ele tinha muito conhecimento e um coração enorme como
o do seu pai.
Meu pai tem muito do meu avô, uma ingenuidade que nada tem dos ciganos.
Já Andrei é um equilíbrio, fisicamente parece com o pai, mas tem a
agudeza cigana.
E você?
As crianças adormecem, Natasha acomoda Gaspar.
Quando nasci, Andrei já tinha dez anos, o amor dos meus pais sempre foi
bem distribuído. Um amor manso e sentido. Mas, às vezes, umas poucas
vezes eu me sentia como estivesse fora daqui ou não fosse daqui. Não
sei se você me entende, eu nunca falei isso a ninguém, só ao avô. Era
algo em mim, não que me passassem isso. Aí, então, meu avô pegava-me
pela mão e falava: - Madar, olha o céu, veja as estrelas, olhe dentro
de você, o mundo é imenso, grandioso e, às vezes, nos sentimos
estranhos diante de coisas tão grandes, sentimo-nos pequeninos, mas o
mundo é como o vemos, se quisermos fazê-lo feliz o faremos. Eu ficava
feliz.
Você, às vezes, fala coisas que eu não entendo; acho que é porque você
é letrada. Você fala estranho e meio difícil, mas a admiro muito, Nat.
Ah Belle, deixa de bobagem, o que vale é o que trazemos dentro do
coração. Você e Andrei se dão tão bem sem saber o que tem nos livros,
simplesmente vivendo. Veja anya, seu poder de observação vale mais que
uma leitura.
Belle, tenho algo a lhe perguntar: no lago Balaton, assim que chegamos
nasceu Gaspar, mas o que achou de lá?
Avô, se existe uma ocasião em que agradeço o senhor não está aqui entre
nós, este é o momento. O senhor, com toda sua sensibilidade, não
gostaria de ver o que vimos, não gostaria de estar onde estivemos.
A guerra é a coisa mais desumana que existe na terra. O que leva os
homens a isso? Eu jamais vou entender. É pelo poder? Pela soberania? O
homem, às vezes, se torna uma besta por demais poderosa, cruel demais.
Ao entrarmos na Rússia, encontramos os franceses de Napoleão, eles
destruíam tudo, acabavam com tudo. E por quê? Por um homem louco que
quer ter o mundo como seu! É loucura. Vi tantas cenas tão amargas,
tanta crueldade. Onde estaria a humanidade, o ser humano, a natureza
humana. Vi gente morrer de fome. De fome, avô. Soldados famintos, e por
um ideal de grandeza territorial. Naquelas terras não tinham o que
comer. Vi mulheres chorando, buscando os seus maridos ou filhos que
deveriam ter retornado com as tropas. Avô, quero apagar isso da
memória. É terrível, e não há razão que explique e convença o motivo da
guerra.
Queimaram Moscou, a Rússia está vazia, chegamos lá e já estavam os
franceses e vimos sua retirada.
Neste momento não penso mais em nada, somente na emoção de logo estar
no Balaton.
Desfrutei ali uma paz, o lago Balaton. Dormi naquela noite com os
anjos, tenho certeza. Ao acordarmos, o pai conversou com todos e foram
unânimes em sair o quanto antes da Rússia.
Ainda acho engraçado ver essas decisões finais, com os mais velhos
sentados em círculo, as mulheres atentas. Anya é uma que pergunta tudo,
mostrando que está presente, opinando.
O vento forte fez com que a reunião acabasse mais rapidamente. Voltamos
às carroças para nos preparar para viagem.
O frio insuportável, a neve começa a cair. Seguimos estrada afora.
O mundo estava todo branco, terra e céu se uniam com o vento frio. E
que frio! Até os ossos doíam. Os cavalos deveriam gostar de cavalgar,
assim se esquentavam.
Vez por outra olhava pela janela, tudo branco, o vento gemia. Andrei
passou a cavalo para acompanhar e verificar as carroças. Pal seguia à
frente para dar rumo à caravana. A neve era tanta que as rodas, ao
passar, deixavam sulco como um marco.
Lembrei-me daquele dia que vimos, o avô e eu, uma raposa morta. Ela
também sangrara até morrer: com a pata presa na armadilha, ela, em seu
desespero, mordeu a própria pata.
O avô ajoelhou-se perto dela e falou: - Pobre raposa, não teve a menor
chance. Antes, livre e viva, e, agora, presa e morta.
Assim, foram aqueles homens, não tiveram a menor chance.
Era estranho ver alguém falar da terra como sendo sua, falar de sua
Pátria com tanto amor. É difícil entender que se pode dar a vida por um
pedaço de terra. Que sentimento é esse?
Fomos dormir tarde naquela noite, mas não apareceu ninguém para trazer
notícias. As notícias vieram trazidas pelo vento: ouvimos tiros. Era o
pesadelo novamente, só que, para nós ciganos, um pesadelo distante, e
para o povo que nos acolheu: uma tortura lenta.
O dia amanheceu com sol, ainda deitada refletia sobre a guerra. Ao
levantar, Larissa já estava no fogão e o lindo bebê Vladimir brincava
com os próprios pés. Experimentei algo delicioso: kasha, isto é, trigo
sarraceno, leite e passas, como também o pão negro de farinha de
centeio, de sabor forte.
***
Mas não me mexi. O magnetismo dele me deixa sem ar! Pior, sem
raciocínio ou razão! Mas existe razão para o que estou sentindo? Meu
bom senso pede para eu sair, correr.
Minha alma, entretanto, ordena-me ficar. Existe uma paralisação no meu
corpo, meu corpo, nem ele estou sentindo. Todos os meus sentidos estão
voltados a ele, este homem mágico, um mago.
Que parece já existir na minha vida e em mim. Teu olhar me é conhecido,
tão conhecido como tua voz: - Você não casou, não é?! - Ele
praticamente não pergunta, afirma.
Nego com um gesto.
Ele sorri. Um sorriso sereno e a voz grave e forte:
Por que você tem que ir? Todos sabem que você está nas redondezas.
Fique mais um pouco.
Não chego a responder, ele segura minha mão e me faz sentir... Sentir
sua mão segurando a minha, foi o mesmo como se tivesse colocado no
calor do fogo.
Sento-me na relva; à frente, o lago e desvio o olhar. Ele se senta ao
meu lado.
Foi você quem me ajudou, quando estive aqui doente?
Sei que ele olha para mim, mas continuo a olhar o lago.
Sim.
Obrigada! - que coisa mais tola de se dizer, penso.
Por que partiram tão rápido? Cheguei numa manhã ao vale onde estavam e
nada, tinham partido. Tentei achá-los, saí a cavalo, perguntei e
ninguém sabia, sumiram, por quê?
Não sei. Também perguntei o porquê de sairmos daqui, mas ninguém me deu
uma resposta concreta.
Como está seu pai?
Virei meu rosto e ao olhar para ele, vem a emoção que me toma por
completo. Busco o ar em mim, e sinto que esta em ti. Pergunto:
Qual o seu nome?
Olha-me intrigado, franzindo a sobrancelha, aperta os olhos. Como fica
difícil sustentar seu olhar, ele parece ir dentro da minha alma.
Ninguém lhe falou meu nome? Chamo-me Igor.
Igor! Claro que seu nome é Igor. Existe a certeza do nome, mas de
onde?!!!
Igor, vai bem em você.
Por quê?
É um nome pequeno, contudo imponente.
Aí ele sorri, sorri só não, ele dá uma sonora risada. Um riso solto e
aberto. O lugar enche-se do seu riso. Desvio-me do olhar dele.
A noite começa a chegar, um tom avermelhado se espalha no céu, os
pássaros cantam mais forte, vejo-os voarem.
Bonito, não? Gosta daqui?
Respiro fundo e continuo a olhar o cenário.
Gostar é pouco para o que sinto. Amo este lugar, amo. Não me pergunte
por quê. Estive aqui doente, inconsciente. E todo esse, em todo esse
tempo sonhava em voltar para cá. É algo tão forte que não sei explicar.
Tudo aqui parece encantado, é mais que bonito... O céu, não existe
outro igual. Os bosques são lindos. A minha alma cresce, sinto-me
feliz. Veja a cor do lago, existe algo tão lindo?
Volto o olhar para ele, mas ele não olha o lago, olha-me.
Paro de falar, não é necessário, ele sabe exatamente o que sinto.
Dentro de mim, há como uma certeza de que ele sente algo assim.
Aonde teus olhos me levam? O que eles me falam? A emoção é tanta!
Meu coração dispara.
A vontade é tocar teu rosto, tocar-te os olhos, tua boca, sentir tua
pele.
Igor, como você se sentiria se tocasse você?
Desvio o olhar e abaixo o rosto. Seja sensata, Natasha!
- O que você está sentindo, Natasha?
Sua voz grave e rouca. Respondo:
Não sei, eu não sei, nunca senti isso antes. Por favor, eu tenho que ir
embora, é quase noite, saí do acampamento sem ninguém ter-me visto.
Minha gente deve estar preocupada.
De que você tem medo?
Igor!...
Só em pronunciar seu nome, meu coração dispara.
É uma emoção enorme, enorme e transbordante. É enorme e nova...
Nova? Estar com Igor é como se já o conhecesse, faz parte de mim. Como
compreender isso!
Tenho um sentimento por um homem que acabo de conhecer; é como se eu o
estivesse esperando.
Parece bobagem ou sonho, mas é verdade. Parece justificativa, mas é
verdade.
Estive três anos a esperá-lo. Não sei como isso é possível, nem sei
explicar - mas é verdade. Não posso negar isso a mim.
Estive aqui doente e não me lembro dele, por mais que me esforce, não
lembro.
Porém, quando o vi, senti: o conheço. Minha alma o conhece. É uma
sensação tão forte que perdura até agora.
Igor... Quantos anos tem? Uns trinta. Parece um homem que trabalha no
campo, suas mãos são fortes e ásperas. Tem a pele queimada do sol,
veste-se despojadamente.
Igor... Cabelos negros, grossos e lisos. Voz grave e forte, que me é
conhecida! Um mago que, com os olhos, olhos negros brilhantes, levam-
me. Falam-me tantas coisas. E por mim ficaria a olhá-lo, olhá-lo.
Esse homem, que é um Conde, sente o que sinto?
O meu sentir - como é maravilhoso sentir o que sinto. A sensação é
nova, mas a intensa emoção, não. Eu o conheço!
Já não vejo a lua. É noite alta.
Logo, estarei com ele novamente, suspiro.
Ouço os gritos das crianças, e lá vem Belle com todas elas para o
banho. Eles são uma festa; jogam-se nas águas claras do Balaton. As
crianças chamam-me. Não resisto, tiro a roupa de cima e fico com minhas
roupas intimas e vou para água. Que algazarra esses pequenos fazem! E
como é gostoso brincar com eles. Miriam e Belle foram pegar toalhas,
levando as roupas que secaram. A água a uma temperatura ótima, damos
mergulhos e mais mergulhos, como nossos risos.
Quantos anos você tem, Natasha?
Meu sangue foge, o coração bate rápido.
Não preciso virar-me para ver quem é. Agacho-me na água transparente e
volto-me a ele. Ele está a cavalo e sorri com a cena. As crianças à
minha volta, param.
Diabos! O que ele está fazendo aqui a essa hora. Queria que me visse à
noite arrumada.
- Quantos anos. Hem Natasha?
A resposta não me chega aos lábios. Ele está na margem do lago - o
sol está forte. A água cintilante e transparente - eu envolvida por
ela.
Erno lhe responde, e ele indaga.
Você acha sua tia bonita? Mesmo assim toda molhada!
Os meninos riem e ele também.
Por favor, pode sair daí! Tenho que tirar as crianças.
Ele fica sério, faz um gesto com o braço.
Saia, não a estou impedindo.
Ele olha a transparente água, meu sangue sobe.
Não posso sair com você aí!
É? E por quê?
Faz um ar de inocente, seus olhos continuam brilhantes como o sol.
Ora não posso sair assim, por favor!
Ah! Você está em trajes impróprios. Está bem! Espero você no
acampamento. Não demore.
Ele dá a volta no cavalo e galopa, o cabelo negro ao vento, como está
bonito! Calça preta justa, botas, camisa branca.
Encosto a cabeça em seu ombro, mas ele levanta meu rosto; fecho os
olhos, sinto sua boca quente sobre a minha; abraça-me e aperta-me,
puxando-me mais para si. Com a mão, levanta meus cabelos, seus lábios
saem dos meus, e passam o meu pescoço suavemente, mas minha pele
queima, minha respiração é acelerada. Passo os dedos por entre seus
cabelos, beija-me os lábios, um beijo forte. Nossos corpos parecem um
só...
De repente pára de beijar-me, sinto-o afastar-se de mim; não entendo,
abro os olhos.
Temos que ir embora.
Estou atordoada.
Se ficar mais um pouco aqui com você, posso fazer com que você se
arrependa de estar comigo, e isso eu não quero.
Como, Igor?
Quero amá-la, quero tê-la.
Volto a mim. Ter-me?! Claro. O sangue vem ao rosto, dou-me conta de que
estou quente. Coloco a mão no meu rosto.
O que é, Natasha?
Estou quente, parece que estou com febre.
Ele tenta manter-se sério, porém não se contém e solta seu riso. Pega-
me e abraça-me rindo.
Quer dizer que você está com febre? Não sabe o que é isso, vida? Essa
febre?
Não.
É febre de amor.
Como você sabe?
Vejo nos seus olhos, você me quer como eu a quero.
E só eu a sinto?
Ele ri novamente e fala:
Não, toque em mim.
Minhas mãos ainda tremem, passo-as no seu rosto... Quente, pego sua
nuca, quente. Seus cabelos estão suados, passo a mão na minha nuca,
meus cabelos também estão suados. Ele os levanta e sopra, fecho os
olhos. E ao voltar a abri-los, vejo o intenso e penetrante olhar dele.
Ele puxa-me, nossos corpos juntos, e vem o beijo sedento. Sede um do
outro. Abro os olhos, é quase noite e falo.
- Igor, já está tarde, anoitece, temos que ir.
Ele abre os olhos como se tivesse acordando.
Sua febre passou?
Tenha a certeza que ela nunca passará com você por perto. Só em vê-lo,
o meu coração dispara. Ontem, senti como se o conhecesse, meu coração,
pulsava tão rápido, como pulsa agora. Sinta, não estou mentindo.
Ele empurra-me um pouco, balança a cabeça.
Acho melhor não tentar senti-lo. A não ser que você queira ser amada
aqui na grama.
Estou louca? Pedir para Igor sentir meu coração! Porém, ao estar com
ele, tudo é natural. E ao contrario do que sinto, falo:
Vamos, Igor.
Sim, venha. Do contrário não serei tão bem recebido por seu pai.
Pega-me pela mão e vamos para o cavalo. Levanta-me e, em vez de
colocar-me na cela, olha-me longamente, abraça-me e sussurra: - Vida
- beijando-me lentamente.
Coloca-me na cela e monta. Chego-me para junto dele e o envolvo com
meus braços, num abraço.
Saímos do bosque. Algumas estrelas já no céu, simplesmente as
observo.... Meus sentidos estão voltados a ele e ao que acabo de viver
e continuo a sentir.
Igor, como eu gostaria de saber o que está a sentir. Num gesto toco os
seus cabelos. Sinto-o pegar minha mão, a encaminha para seu peito.
Sinto seu coração!
O pulsar rápido. O calor do seu peito, o coração pulsa acelerado.
Igor junta-se aos homens, e eu vou ajudar no jantar. Vez por outra,
nossos olhos se encontram e meu coração bate mais forte, celebra o
comungar.
Você está corada, Nat.
É mesmo. - respondo, sorrindo para Belle.
Sim. Vai me contar o que se passa? É ele, claro é o Conde.
Estou feliz, cunhada, muito feliz.
Demos o jantar. O vinho da noite é de Igor, ele está sentado junto ao
pai, e a conversa é boa, vou sentar-me junto a Andrei, encosto a cabeça
em seu ombro, antes ele me olha e sorri.
Você tomou vinho? Seus olhos estão brilhantes.
Não o respondo, olho para Igor.
Este lugar, realmente, é um lugar abençoado. Natasha, o Conde gosta de
você.
Fico surpresa ao ouvir Andrei dizer isso, não é bem da pessoa dele.
Por que você fala isso?
Simples, percebo quando um homem está interessado numa mulher,
principalmente quando este alguém é minha irmã. Vejo como ele a olha.
Aliás, não é de agora. Desde que estivemos aqui da outra vez, ele
passava um tempo enorme a olhar para você. Sempre arranjava uma
desculpa para vê-la. Anya sentiu, e acho que foi por isso que nos fez
sair daqui tão depressa. Ela a via como uma criança.
Imagine! Nessa idade, Belle e eu já estávamos casados.
Conheço você - continua Andrei. Conheço você muito bem, e sei que
está apaixonada por ele. Nem precisa me responder, eu sei. E, também,
já estou tonto de tanto vinho; falando demais. Mas preocupo-me com
você, adorada irmã. Existe uma grande diferença entre você e ele. Ele é
um Conde, e nos ciganos, Natasha. Sei que ele é um homem simples. Hoje,
quando fomos ver sua plantação e sua fábrica, admirei-o. Ele nivela as
condições sociais; mas ele é um Conde, e existe a diferença. Quero que
pense nisso, não quero vê-la sofrer, pois a amo. Tenha cuidado. Ah!
Creio que bebi demais.
Sei que Andrei está certo, existe uma diferença entre nós. Só que
quando estamos juntos, só existe ele e eu, e mais nada. Sim, meu irmão,
terei que pensar nisso, mas agora é impossível estando ele a alguns
metros de distância de mim.
Andrei levanta-se e vai ajudar Belle levar as crianças à carroça, pois
há algum tempo que dormem.
Olho o fogo, poderia essa diferença nos afastar?
O que a faz pensativa?
Igor senta-se a meu lado, o calor da fogueira se estende por mim.
Está preocupada com alguma coisa, Natasha? O que se passa?
Seu olhar aprofunda-se nos meus olhos, abaixo a vista.
Não, estava olhando a noite que está bonita, apenas isso.
Mentira! Aliás, você mente muito mal. Em que pensa?
Realmente, eis aí uma verdade: eu não sei mentir. Fico sem jeito e falo.
A verdade, é que penso em você ser um Conde, Igor.
Ele fica impaciente.
Sim, e aí?
Existe uma diferença entre nós. Sei que você é um homem simples, mas é
um Conde.
Você quer que exista essa diferença? Por acaso o que sentimos hoje há
tarde é diferente um do outro. Sou um homem e você uma mulher. Até aí
tudo bem, existe uma diferença. E no que mais? Sou um Conde e você uma
linda cigana, e aí? Faria diferença, se fosse o contrário, você uma
Condessa e eu um cigano? Responda-me, hem! Olhe para mim, quero ver
seus olhos.
Não, não faria.
Ótimo! Também não conheço essa diferença, a não ser que você crie.
Estou no seu mundo, estou bem dentro dele. Posso não saber tudo sobre
ele, mas saberei se isso for importante. Você esteve na minha casa, e
se sentiu bem. Não importa um título externo, e sim, o que tenho aqui
dentro.
Falou, batendo no seu peito.
Se você começar a pensar assim, colocará uma barreira entre nós, e se a
colocar estará dificultando tudo. E mesmo que você a coloque, tenha
certeza, eu a derrubo, pode estar certa. Sou um homem consciente do que
quero e quero você. E se você continuar a me olhar assim, levarei você
agora e lhe mostro que a única diferença que temos é você ser mulher e
eu ser homem. Só está.
Também quero você, e muito.
Vida, você sabe que o que existe entre nós não é algo de agora. Chamei
você no tempo, você veio e ficará, ficará para sempre; é para sempre
Natasha, está me ouvindo? Esperei, é verdade, mas em mim existia a
certeza de que você viria. E eis você, aqui, agora. Não pense você que
vou ser tolo para perdê-la, não mais.
Seu olhar é de uma intensidade, mas não entendo a profundidade de suas
palavras.
Como você me chamou no tempo, Igor?
Natasha, logo você compreenderá, tenha certeza. A única coisa que lhe
peço é para não colocar barreiras entre nós.
Talvez seja cedo para entender, o que sei é que você tem razão. Minha
ligação com este lugar, a eterna vontade de estar aqui, hoje sei por
quê. Não pode ser comum sentir o que senti quando o vi. É você, sempre,
foi você. E fico maravilhada por ser você, estou feliz, Igor!
Ele é por demais transparente, a emoção toma conta dele, com o dedo ele
acaricia meu braço; sorrio.
Sabe o que você parece, Igor? Uma caixa de surpresa que os mágicos
usam. Sério! Não ria, parece mesmo. Um mago! – ele está sorrindo e
pergunta:
E você gosta de caixa de surpresa?
Sendo você, pode estar certo que sim.
É bom saber. É bom saber tudo que se passa com você, saber sobre você.
O que você sabe sobre mim?
Ah! Muita coisa. Sei o quanto é amada por todos, o quanto seu avô foi
importante para você. Sei que adora ler, sei até alguns livros que já
leu... Deixe-me ver mais. Ama estar com as crianças.
Como sabe disto? Andou falando com quem?
Falei-lhe que me interessa saber sobre você. Sendo assim, sempre puxo o
assunto quando estou conversando com alguém. Ah! Sei que é péssima em
costura e faz um ensopado muito mal. Sei, também, que adora ficar
comigo. Mas é tarde e sua anya está olhando muito para nós dois. Acho
que tenho que ir embora.
Olho para anya e noto também que muita gente tinha ido dormir. Igor
levanta-se e vai falar com o pai e anya, fico onde estou, esperando.
Observo-o despedindo-se, a maneira como fala, é espontânea, parece bem
integrado. E vem chegado e falo;
Você vem aqui amanhã, não é?
Você quer? - Andamos na direção do cavalo.
Claro, e você sabe disso, por que pergunta?
Para confirmar o que sinto, você não pode mais ficar sem me ver.
Ele solta sua risada, que enche a noite.
Presunçoso!
Estou errado?
Não, está certíssimo.
Posso beijá-la?! – Paro de andar, há momentos que não sei se ele está
falando sério.
Se quiser tentar, tenha a certeza que amanhã não será tão bem recebido
por anya.
O que tenho que fazer para agradar sua anya e agradar a mim?
Pega minha mão e aperta, morde seus próprios lábios.
Acho que tenho que ir.
Sorrimos, ele fala.
Amanhã.
Até amanhã, Igor.
Beija minha mão e sobe no cavalo, chego junto a ele e acaricio sua mão.
Espero você. Durma bem!
Como dormir com você na minha cabeça?!!!
Vejo-o partir, Deus, como gostaria de ir com ele.
Volto para o acampamento, anya me espera, o pai deve ter ido deitar,
desta vez, na carroça.
Sente-se filha, vou fazer uma trança nos seus cabelos.
Sento-me, toda vez que anya quer falar a sério pede para fazer tranças
nos meus cabelos.
Você sabe que não sou de muita conversa, como seu pai.
Sei o que está se passando, sei também que você sabe, nunca tive muitas
preocupações com você. É sensata e inteligente, mas está apaixonada. -
permaneço calada, e ela continua: - Quando estivemos aqui há três anos
notei no Conde, desde o primeiro dia, como alguém especial. Sabia, por
intuição, que ele faria parte de nossas vidas, por um tempo. Vi como
ele a olhou, os dias que se seguiram serviram só para confirmar minhas
suspeitas. Existia nele algo forte por você.
Até então não tinha pensado nisso, porém é evidente! Ele tem família.
Anya continua.
Existe um elo forte entre vocês, que, para mim, vem do passado, algo
forte.
Mas meu lado prático mostra, claramente, a diferença entre uma cigana e
um Conde. Um homem simples que se senta no chão e come conosco. Um
homem aberto que, em sua doença, expunha o que sentia, que leva os
nossos para mostrar sua fábrica, que mora longe de sua nobreza. Mas a
nobreza faz parte dele, sei que ele é o mais velho da família, seu pai
já faleceu. Isso quer dizer que ele toma conta de tudo: da família, das
propriedades, e aí? Como você acha que a família dele vai recebê-la.
Como uma aproveitadora? Talvez.
Se fosse gente simples estariam morando todos juntos aqui no campo.
Veja bem, filha, estou só supondo, não quero errar novamente, posso
estar enganada.
Peço que pense no assunto, e partilhe comigo as suas conclusões.
Tudo que mais quero na vida é ver você e seu irmão bem e felizes, como
sou com seu pai. A felicidade existe quanto estamos ciente, e por isso
quero que pense. É melhor refletir do que ter um grande susto mais à
frente. Não digo com ele, pois vejo-o sincero. Mas é um Conde, e não é
um Conde solitário, pois tem família.
Não é meu objetivo perturbá-la e sim alertá-la. Você, filha, é para nós
um presente de Deus e não queremos que nenhum mal aconteça.
O olhar de anya se distancia, sua voz sai lenta como se tentasse achar
a conexão do passado.
Como pode alguém se impressionar tanto com um doente, sem laços
afetivos, um homem jovem, bonito, rico, com tantas ocupações, ficar
tanto tempo a olhá-la.
Lembro-me quando ele trouxe o médico. Foi no mesmo dia em que o
conhecemos, seu pai o levou para vê-la. Ele chegou já noite alta,
entrou com o doutor na carroça. Estava inquieto e angustiado,
perguntava ora e meia: ela vai ficar curada?
Por que tamanha identificação, tamanha preocupação? Por uma jovem
cigana desconhecida. Poderia ser caridade. E, depois, ele chegava a vir
três vezes ao dia para vê-la. Não era mais caridade, não era simpatia,
pois você nem falava, era carinho, um carinho que transbordava de seus
olhos. Como ele poderia achar que conhecia, se nunca a vira antes?
Anya, ao vê-lo senti uma emoção tão grande que pensei que ia morrer.
Está emoção associada à morte, seria por ter ficado tão perto dela, da
morte? Mas o fato é que senti que o conhecia. Anya, você me conhece,
tão bem. Por quantos homens me interessei? Acho alguns bonitos, outros
interessantes, mas nada, além disso. Nunca tive esse sentimento por
ninguém.
Mas fique tranqüila, vou pensar no que me falou.
Quem dera, eu ficar tranqüila! Vejo algo muito forte todo esse tempo.
Anya, ele falou que me chamou no tempo. Eu não entendi.
Ela sorri, roça sua mão no meu rosto e fala:
Acho que o compreendo, ainda não saberia lhe explicar,
deixe-me chegar o entendimento.
Vá dormir, Nat; amanhã cedo, nossa gente irá à cidade, e também
vou.
Beijo-a, falando do meu sentimento por ela: a forte e intuitiva mulher.
Homem, és especial.
O que leva um homem a ser especial? Carisma, amplitude de visão,
atitudes autenticas.
O que faz com que duas pessoas se interessem uma pela outra?
Atração? Sim, ela existe e é tão forte como o ar que respiramos.
O que faz a gente querer partilhar mínimas coisas com alguém? Simpatia?
Afinidade?
E o desejo de permanecer juntos as vinte e quatro horas do dia?
E o que dá certeza de alguém ser importante na sua vida, mesmo que
conheça esse alguém há apenas dois dias? De onde vem isso? De um
passado, da minha inconsciência na doença?
Sentimento e emoção estão juntos.
Sei que anya está certa, mas Igor também está.
Ele é um Conde, um homem atraente, com o olhar mais belo que já vi.
Esse mago chama-me no tempo, e eu concordo, fala que me quer e eu o
quero.
Vamos lá, Natasha, já faz tempo que acordou, levante-se.
O sol está lindo, forte e brilhante, como a noite também será linda,
será quase lua cheia.
Vou ao lago tomar banho.
E, agora?
Sei da importância de vendermos, já faltam alguns mantimentos, e
precisamos de dinheiro. E Igor?
Não consigo pensar em ficar longe dele!
Egoísta!
Estou sendo egoísta, mas é a mais pura verdade.
Não consegui comer nada, e por isso vim para cá, ver o lago.
Creio que será pouco tempo, sei disso, sei da total necessidade da
nossa gente. Mas não consigo pensar em ficar longe dele! Só em pensar,
meu peito dói...
Natasha!
É ele, seu grito está um pouco distante.
Estou aqui, Igor, rumo ao lago!
Fique falando assim localizo você.
Está chegando perto. Está me ouvindo?
Igor? Está me ouvindo? Igor!
Lá está ele, meu coração dispara.
Igor!
Corro a ele. Ele pára o cavalo, mas não desce.
Como você está linda! Já falei com seus pais, pedi-lhes para você vir
comigo à casa de um amigo. Eles consentiram.
Vou para perto dele para montar no cavalo, só que ele pula antes. Chega
perto de mim, e eu o abraço; ele tira o lenço que prende meus cabelos,
olha-me por um tempo, e fecho os olhos.
Quer que a beije?
Sua voz grave, respondo com um sorriso.
Volta-me para diante de si, desce o rosto ao meu e beija-me. Um beijo
que me deixa sem ar, e plena do nosso ar; tento falar, mas ele não
deixa, continua a beijar-me. Entrego-me a seus lábios; passo a mão nas
suas costas, na sua nuca, seu beijo fica mais forte, ele me puxa para
mais perto; só existe uma respiração.
Eu quero você.
Ele fala sem tirar seus lábios dos meus.
- Também o quero.
A vontade é senti-lo mais e mais.
Um cavalo! Ouço um cavalo.
Ele se afasta um pouco, sua respiração está irregular, seus olhos em
chamas, eu falo.
- Vem alguém.
Ele respira fundo, como se controlando.
- Eu sei... Mas veja como você me deixa.
Ele me mostra suas mãos, elas tremem e as minhas, também. Ele, então,
pressiona minhas mãos nas suas, e fala.
- Você me tira do tempo.
***
Saio da carroça.
Natasha, aonde você vai?
À procura de Igor, anya. Você tinha razão, ele não veio. E eu vou
procurá-lo para conversarmos e chegarmos a uma conclusão.
Tenha cuidado, filha.
Procuro o “gavião”, o cavalo mais rápido que temos. Coloco-lhe os
arreios e parto, veloz.
A tarde continua nublada.
Tenho pressa, uma pressa incontida em verbalizar o que sinto.
Amo você, caro Conde!
Chego à casa dele, mas não vejo seu cavalo. Quem sabe, ele deva estar
na fábrica. Melhor perguntar a Misca, ele pode estar na plantação ou na
casa de Mikail!
Bato à porta, e logo Misca aparece, fica surpresa e alegre ao me ver.
Explica que Igor foi à cidade, pois há alguns dias a Condessa mandará
chamá-lo e ele foi pela manhã. Depois acrescenta:
Hoje cedo ele acordou dando murros na parede, não sei o que houve.
Pergunto como chegar à cidade.
A senhorita toma esta estrada e não tem erro, sairá lá. Mas deixe-me
chamar alguém para acompanhá-la.
Não é preciso Misca, obrigada.
Tem certeza? Não custa nada. Então quando entrar na cidade verá uma
praça, Val, meu marido está lá, com toda certeza do mundo, jogando
gamão. Ele chamará ele para a senhorita. Vá com Deus.
Grata, Misca.
Dou-lhe um abraço e subo em gavião. Aproveito a estrada boa e faço-o
correr, mais e mais.
Quero estar logo com você, Igor; quero abraçá-lo e falar o que sinto:
Perdoe-me, é tão novo para mim. Nunca senti o que sinto agora. Amo
você, e como fui tola.
Como fazer-lhe querer esperar, se a vontade é estar.
Perdoe-me, tudo é novo para mim. Quero ficar com você, quero estar com
você.
Hungria, amada Hungria, hoje começo a ter orgulho de ter nascido aqui,
aqui encontrei o paraíso, e o homem que amo. E esse homem é que faz o
mundo virar o paraíso e tornar-se colorido. Sol da minha vida.
... Não o entendo Igor, porque adiar esse casamento. Minha filha já
está inquieta. Afinal, vocês se conhecem desde crianças. Soube que tem
uns ciganos na região, e é normal você se divertir com uma ou outra
qualquer. Mas isso não tem nada a ver com seu casamento...
Olho o rapaz a meu lado. Nesse instante vejo que ainda estou parada.
Igor vira-se, seu ar é de surpreso.
Nat?!
Afasto o rapaz e corro. Derrubo um cesto de laranjas.
Moça, por que não vê onde anda!
Acabou?
Não! Agora vejo a distância que temos, existem léguas de distância de
mim, da minha gente, para você e seu meio desprezível. Hoje mesmo vamos
embora daqui. Não agüento vê-lo mais um segundo.
Calada, Natasha! Estou ficando fora de mim. Vou tirar você daí agora.
Por bem ou a força.
Não venha! Saia da frente. Este cavalo é bravo. Estou lhe avisando.
Saia da frente!
É noite.
O acampamento, meu lar, minha segurança.
Andrei vem ao meu encontro, perguntando o que houve, onde me feri.
Não me deixa responder, completando que estão todos aflitos por minha
demora. Olha meu braço e me coloca nos seus braços qual criança. Conto-
lhe foi só um arranhão, minha blusa se prendeu num ganho.
Anya chega assustada e a tranqüilizo:
Só um corte pequeno no braço. É que meu irmão me mima.
Vamos para a carroça!
Pronto, deixe-me ver. Andrei, avise a seu pai que ela chegou.
Anya cuida de mim, calada. Não sinto dor no braço, dói a alma, o
coração. Como alguém é capaz de mentir dessa maneira? E tudo que
vivenciei era uma farsa!
Pronto, foi só um arranhão. Agora, conte-me o que houve.
Olho para anya, até ela tinha sido enganada. Toda sua intuição, sua
percepção; na verdade somos todos ingênuos. Acreditando num caráter
nato, como falava meu avô; sim somos ingênuos: a raça humana não é
assim. Alguns não são.
Você está se sentindo bem, filha? Fale comigo, foi o Conde?
Nego com a cabeça e falo:
Fui à casa dele, lá Misca disse que ele estava na cidade, sua anya
tinha-o chamado. Fui até lá. - olhando para ela, continuo.
Na cidade deparei-me com a casa dele. Vi as pessoas que entravam
nela... Não é uma casa, é um palacete, aquelas pessoas, tão bem
vestidas. Fiquei algum tempo, ali parada.
Vi a diferença entre nossos mundos. Ao dar-me conta dessa diferença,
fugi. Vejo como tudo é diferente. Saí correndo de lá, fugindo mesmo.
Foi assim que feri o braço. Não quero mais ficar aqui, anya. Peça ao
pai para irmos embora.
Ficar significa me apegar mais a ele.
Que boa lição você me ensinou: mentir. Aprendi depressa, Sr. Conde.
Você me enganou, enganou anya, enganou a todos. E dizem que nós,
ciganos, é que somos mentirosos.
Casamento marcado. Conhecem-se desde crianças.
Vão formar um lindo par. Uma dama que irá compartilhar de toda a sua
sujeira.
Você me usou, usou meus sentimentos.
O que dói são suas mentiras, tantas palavras belas.
Mas você tem um grande mérito, Sr. Conde. Isso você tem.
Levou-me pelas asas da paixão.
Suas mentiras me fizeram aterrissar prematuramente, de uma maneira
violenta.
Estou machucada. Nunca tinha sentido o que sinto.
Nosso ponto de partida foi diferente.
Divertir-se com uma ou outra qualquer... É, acho que você se divertiu.
Mas tudo passa.
Tudo tem que passar. Hoje, vai passar. Amanhã, este hoje será passado.
E você, meu caro, uma mera recordação.
Uma bela e dolorosa recordação.
***
A minha mentira foi a melhor coisa, se é que se pode dizer isso de algo
tão vil. Porém, como falar para meus pais algo tão desprezível, tendo
eles uma consideração, uma dívida de gratidão para com o Conde? Levá-
los a tomar uma satisfação, para quê? Iriam se expor.
Falei o que estava a preocupar anya e a Andrei. E o bom Deus permitiu
que ninguém me fizesse perguntas. Anya, com certeza, deve ter pedido
para ninguém tocar no assunto.
Sei que eles sabem da seriedade do meu sentimento, nunca tinha ficado
tão interessada por alguém.
Interessada?! A quem quero enganar? O que sinto é amor. Deparo-me com o
amor, o maior sentimento existente; o que de mais forte e intenso vivi!
Mas o que nasceu morrerá.
Um homem bonito e inteligente, bonito e atraente, cabelos negros, olhos
escuros e brilhantes.
Homem, por que fizes-te tudo isso comigo?
Não quero entendê-lo, levaria a quê? Saber que é pior do que é?
Como é difícil avaliar o caráter de uma pessoa.
Fique com elas filha, temos tantas peças, e mais algumas taças.
Não! Só as quero se elas não forem vendidas. Então, sei que elas estão
para ser minhas, certo?
Certo. Está anoitecendo, a chuva bem fina. Amanhã partiremos. Você vai
ver, amanhã teremos sol.
Veja Nat, já se vê a lua, venha ver como está linda.
Não, venha comigo. Já falei com sua anya; expliquei-lhe o que estava
acontecendo. Ela concordou.
Misca, não quero ser rude, mas não vou. Não quero encontrar-me com ele,
está decidido. Não tenho mais nada o que dizer a ele. Não me force a
ser indelicada com você.
Por que não conversamos aqui, é bem mais simples. Tenho muito que
fazer. Amanhã partiremos.
Senhorita Natasha, eu lhe peço por tudo. Quero só mostrar-lhe algo.
Não tema, meu senhor pensa que vocês já partiram. Ele não vai descer.
Está no quarto desde ontem e o médico disse para ele ficar de repouso.
Mas é evidente o porquê que ele não desce. Não pelo repouso, porque é
teimoso como uma mula; nunca respeitou o que o médico falou. Lembro-me
quando...
O que ele tem? Pergunto, sentindo um aperto no peito.
Não soube?!!! Caiu do cavalo, Val o encontrou-o na estrada,
desacordado. Ele ficou desacordado por muito tempo, chamamos o médico
às pressas. Ele levou uma pancada na cabeça e um horrível corte no
ombro, profundo, sangrou muito.
Meu coração aperta, estômago girou, minhas pernas tremem; não pensei
que gavião... Meu Deus!
Como ele está, agora?
Não sei, ele não fala. Está no quarto, colocou uma cadeira na janela e
fica lá olhando a chuva. Mas não é bem a chuva que ele olha.
Logo que ele voltou a si, gritou seu nome, levantou-se e correu até o
estábulo. Ainda chegou a subir no cavalo. Corri atrás dele, pois Val
tinha ido chamar o médico. Mas ele caiu. Fiquei com ele, sangrava
muito. Estava desacordado. Quando chegaram Val e o médico, levaram-no
para cima. O homem parecia um louco quando retornou a si, parecia
delirar. Foi a custo que Val e Dr. Lajos deram-lhe um sedativo. Só
assim o doutor cuidou de seu ombro. Quando acordou, gritando, Val
disse-lhe que vocês tinham partido, para, assim, ele se aquietar. Foi
aí que ele se calou, e até agora está emudecido. A senhorita pode vir
tranqüila, ele não irá vê-la. Só quero mostrar-lhe algo, apenas isso.
Vou à carroça, o pai e anya conversam sobre Igor. Disse-lhes que iria
com Misca e que não demoraria. O pai, muito serio, fala:
Demore o que for preciso, esse homem fez muito por nós e por você. Só
sairemos daqui quando soubermos que ele está bem. Se soubéssemos que
ele estava assim, já teríamos ido lá. Pensávamos em ir lá amanhã, para
nos despedirmos. Mas, agora, só partiremos quando ele estiver bem.
Natasha, atenta o que o destino lhe mostra! - fala, anya.
Beijo meus pais, pego meu xale e saio.
Estremeço, não é de frio e sim em pensar que logo estarei na casa dele.
Não quero vê-lo, mas rezo para ele não estar sofrendo.
Estou pronta Misca.
Ouço Misca falar. Olho para ela como se estivesse acordando dos meus
pensamentos. Ela pergunta-me o que houve na cidade, pois Val vira-me.
Olho a estrada. Por que não contar a ela? Assim, esse episódio acabava
de uma vez.
Começo a relatar a Misca tudo que se passou, fui me soltando. Falo do
que ouvi, falo do que senti, conto tudo. Misca ouve calada, pouco
depois chegamos à casa.
Se ele estiver na janela, poderá ver. Relaxo, a estrada é lateral à
casa e o estábulo fica nos fundos. Val abre a porteira e entramos. Falo
com ele, Misca sai à frente e entramos pela porta da cozinha. Olho para
trás, Val fica no estábulo.
Sinto-me tensa, sento-me no banco comprido, lateral à mesa e ela coloca
chá numa xícara, sentando-se à minha frente. O fogão esquenta o lugar,
mas sinto frio.
Aquela senhora é a mãe de Krisztina...
Sinto dor no estômago, e falo com amargura:
Não me interessa saber quem é, Misca. Você não me trouxe aqui para
isso. Não quero mais falar nesse assunto. Por favor, vamos ao que me
trouxe aqui.
Deus meu! Tão cabeça dura quanto ele. A senhorita vai me ouvir, vai me
escutar nem que para isso chame Val e a amarre. Minha palavra é lei.
Garanti que só o veria se quisesse, isso é com a senhorita. Vim lhe
mostrar algo, e vou mostrar-lhe. Mas antes tenho que falar tudo que sei
e sinto. Tudo que presenciei.
A senhorita tem razão em uma coisa: é ingênua. Sabe tão pouco sobre o
amor. O amor que esse homem tem por você é a maior coisa que já vi.
Ele tem um casamento marcado. Sabe desde quando?
Há quatro anos. E há três anos ele a conheceu; há três, ele só pensa em
você.
Não era um casamento de amor, era de conveniência. Não pense que ele é
de aceitar conveniência. Ouça a historia:
O pai de Krisztina é um nobre, um nobre falido, que perdeu tudo no
jogo. A esperança da família é o casamento com o Conde, e desde jovem
que se falava nesse casamento, e ele achava graça. A Condessa é uma das
que mais quer esse casamento, pois se meu senhor não parece seu filho,
a senhorita Krisztina lhe parece. Gente fingida, que só pensa em
títulos, e ele nunca foi assim.
Moramos nesta casa há seis anos, pois ele não suporta essas pompas. E
quatro anos atrás a Condessa e a família da moça acertaram o casamento.
Ele nunca tinha amado e sentia muita compaixão das condições em que se
encontrava a família de Krisztina, e numa noite foi pego de surpresa em
meio à família toda. Ele não disse um sim; seguir a coisa ficou
subentendida.
E talvez até acontecesse; ele moraria aqui e ela na cidade.
Santo, ele nunca foi, - continua Misca - farra, algumas vezes, e
mulheres se apaixonaram por ele, mas nunca enganou a ninguém, todo
mundo sabia, inclusive a suposta noiva.
Até o dia que a conheceu. Lembro-me bem: no inicio ele ficou intrigado,
depois, ora zangado e azedo como um limão, ou pensativo. Era o
sentimento que se alojava no seu coração.
Um dia fiz-lhe um prato de sopa, ele estava tomando calado, aí de
repente empurrou o prato e falou alto: - “o que está acontecendo? Nem
fome tenho”.
Pegou o cavalo e foi vê-la, e cada vez que chegava, parecia sereno e
pensativo ou, às vezes, um furacão. Até o dia em que foram embora,
Santo Deus, ele vasculhou tudo, mandou alguns homem procurá-los. Foi
quando ele bebeu, e lhe contei sobre isso, aqui mesmo na cozinha. E
quando os homens voltaram dois dias depois dizendo que não tinham
noticias da caravana, ele ficou pálido e disse-me nessa noite: -
“Quando descubro que amo, eu a perco”.
Foram três longos anos de espera. Só saía de casa para resolver
negócios. À cidade, só ia quando era necessário. Farra? Nunca mais. E
sempre que falava: - “Tenho certeza que ela volta, Misca, tenho
certeza”.
Há um ano e pouco apareceu aqui uma caravana, não me lembro quem veio
falar-lhe. Ele sorriu como um menino. Pegou o cavalo e correu ao lugar,
quando voltou, seus olhos eram de tanta tristeza que naquela noite eu
rezei a Deus para ele se casar com Krisztina. E, vez por outra, tocava
no assunto. Ele só tinha uma resposta: - Ela vai voltar.
Não houve quem o fizesse casar, não houve quem o fizesse mudar de
idéia. Na minha cabeça eu pensava: fútil ou não, ela não é um fantasma
como a senhorita, e ele apenas sorria tranqüilo e afirmava que você
voltaria. A Condessa fez de tudo, pressão, chantagem, mas nada o fazia
mudar de idéia. No começo, todos pensavam que era algo passageiro. Eu
sabia que não. Conheço-o como minha própria mão; sabia que estava
decidido diante do amor que tinha, que tem.
Um amor enorme, um amor que o fez esperar todo esse tempo, que o fez
ficar sereno e certo do que queria. Sabe o que é esperar três anos por
amor? Um amor tão grande que fez expressar seu sentimento.
Venha comigo até a sala, venha. Mandei Val descer, escondido dele.
As lágrimas que até então eu escondera, escorrem livres pelo meu rosto.
Onde ele está?
Lá em cima.
Posso?
Claro.
Não sou criança, sei o que quero, e ontem fui à cidade para lhe falar
isso.
Que você não é uma criança, eu tenho certeza. É impetuosa e, como tal,
tivemos um contratempo.
Como você é bonzinho. Causei uma briga, feri você. Cause-lhe um mal.
Você, consciente, não me causa mal. Você agiu na inconsciência.
Deixe-me falar. Ontem, eu ia falar com você e, depois, com seu pai. Não
fui ao acampamento pela manhã, pois tinha que tentar resolver nossa
situação, fui falar com o padre, e se você aceitasse, casaríamos o
quanto antes. Tudo, dependendo, apenas, de sua resposta. Não iria
deixá-la partir, a menos que você quisesse, que não é o caso.
Sendo assim, aceita casar-se comigo?
É lua cheia. Sua luz brilha no lago que, passivo e enternecido, reflete
sua luz. A natureza fala por si, ela entra em nossos corações.
Ele sorri sereno e diz:
A lua é a mesma, o lago, o quadro é que nunca é o mesmo. Na lua cheia
do mês passado, aquela arvore ali não estava florida, o lago não estava
sereno como agora, e eu não estava completo, pleno.
Igor, fale-me como você se sente.
Por mais estranho que possa parecer, eu tinha a certeza de que você
viria, que voltaria. Desfrutar não é uma questão de vitória. A emoção
exala por minha pele, o sentimento toma conta de mim. Essa é minha
força maior, amada.
Você nunca irá me perder, pois você é tudo que quero e que amo. E como
eu a amo! Um amor sem limite, que irá durar para sempre, pois existe o
permanente. E na minha vontade que gera a força, está: eu a amo, eu a
quero, sempre.
Desço a charrete e olho à lua.
Para você não existe a vitória, para mim existe a descoberta. Posso
tocar o céu, o sol... Ontem eu afirmava ser você o sol da minha vida,
sol e lua, lua e sol. Mundo, escuta-me: encontrei um homem encantado;
um mago, que é o sol da minha vida, que me deixa tonta de felicidade. O
homem que amo. Esse homem puxa-me em sonhos até aqui. E aqui estou ao
lado de meu amado. Isso é tudo, pois ele é tudo. É o sol da minha vida.
Ouço-o atrás de mim.
Senhora Lua, tão antiga e jovem, eternamente jovem, símbolo da minha
amada. Em tantas noites, que nem posso contar, meu coração pedia, meu
corpo ardia, o sentimento se alastrava, me tomava, ficava deitado na
relva a olhá-la e falava: leve à amada o meu sentimento, e faça-a
sonhar em estar aqui comigo. E quando o sol nascer, possa ela manter
viva a força em estar comigo.
E hoje, agora, estamos aqui juntos, em plena lua cheia, sendo a lua
feminina e a noite escura. Quem reina na noite é a lua, a amada. Sem
lua, a noite nada mais é que pura escuridão.
Você, que emerge dos meus sonhos como um sol brilhante repleto de força
e energia, com tanto ardor que queima minha pele, desperta coisas em
mim até então nunca sentidas. Faz-me suspirar e amar. Que o sol entre
na minha vida, dando-me vida.
Seus olhos negros cintilam úmidos. Sua voz quente.
Ele me envolve em seus braços, meu corpo pede por ele. Passa os lábios
úmidos na minha nuca. Meus braços o enlaçam, apertando-o. Suspiro; um
sussurro: Amo você.
Olha para mim e murmura:
Natasha, quero você. Quero senti-la, quero amá-la.
Sinta-me: quero amá-lo, também.
Ele morde seus lábios, franze as sobrancelhas... E seus olhos. Ah! Seus
olhos falam tudo...
Fique aí.
Ao não sentir seu corpo, parece que vou cair. Necessito dele.
Olho a lua, suspiro, ela clareia o bosque.
Amada, vem cá.
Sua voz, um convite. Dou alguns passos até ele. Puxa-me e beija minha
boca, intensamente. Sentamos na coberta de pele, nossos corpos estão
mais quentes que ela. Deito-me, ele tira sua camisa. Puxo-o pela nuca,
e o beijo. Ele se levanta, ficado de joelhos e eu entre eles, desabotoa
minha blusa. Fica a me olhar, sua respiração é acelerada. Ergue a mão,
toca meu colo. Toques leves, quentes.
Contorno seu rosto, meus dedos tremem. Contorno seus lábios, ele morde
meus dedos. Levanta-se, tira minhas sandálias, minhas roupas. Olha-me,
passa a mão, nervoso, em seus próprios cabelos. Tira suas botas, sua
calça. Como é belo. Seus olhos brilham:
Você é linda. Seus olhos me incendeiam. Amar você...
Quero ser tua, ama-me.
Debruça-se em mim.
Sinto seu corpo sobre o meu.
Seu rosto vem se chegando. Seus lábios, entreabertos, tocam os meus.
O calor é mais que uma sensação: é ser calor.
Os sentidos, um sentido.
Igor... O que estou sentindo?
Levanta o rosto para olhar-me e fala:
Sente a nossa vontade, desejo, de amor.
Nossos corpos estão febris, a vontade, que se torna pleno desejo, de
unirem-se, de ficarem mais e mais juntos, de se pertencerem, de
estarem. Como uma busca, numa busca.
A busca em estar mais e mais no outro.
Sussurra, a meu ouvido:
- Não tenha receio.
- Não tenho...
Estamos entrado num mundo que foge aos sentidos. Solte-se ao: eu amo
você. Sinta: eu amo você... Amo você.
Mordo seu ombro.
Sinto uma explosão no meu corpo, no meu ser.
Sinto que nada mais existe, além de um só corpo.
Olho-o, suas palavras ecoam em mim, seu real significado não está
diluído.
Atravessaremos o que, Igor?
Tudo que quisermos.
Puxa-me pelos cabelos, beija os meus lábios, e fala:
Quero amá-la mais, senti-la mais. Tocar, sentir, amar cada centímetro
de você.
Tocar você é um convite. Sentir você é uma necessidade...
Oh! Não. Seu ombro está sangrando... Veja!
Só um pouco. – ele tenta olhar o ombro e dar de ombros, falando que não
é nada.
Não é pouco, Igor!
Pego minhas roupas, e começo a vestir-me.
Não, agora...
Sorrio com ele, pego suas roupas e lhas dou. Fico a vestir-me
rapidamente, ele só a me olhar. Ajudo-o a vestir a camisa, meu coração
está apertado, a ferida sangra.
De mãos dadas vamos até a charrete. Ele sobe e olho o lugar que nos
amamos. O lago, a lua, o bosque... Hungria, minha terra.
Subo na charrete, Igor pergunta sobre o que penso.
Que vou morar aqui, será esta a minha terra. Fico feliz que seja aqui.
Amo meu país, Natasha, sou um patriota. Meus pais são austríacos, mas
nasci aqui. Sou daqui. Gosto da gente e dos costumes da minha terra.
Não aceito a interferência austríaca, não é necessária e nunca será! O
húngaro é um povo diferente do austríaco: esta união não nos leva a
nada, a não ser às vantagens para a Áustria. Existe um movimento
separatista, um movimento clandestino, é claro, que tudo faz pela
conscientização da nacionalidade de nosso povo.
Sim. Relutei muito, falei com ela, mas não adiantou. Ela era encantada
com tudo o que minha mãe falava, e quis casar-se. Não fui à cerimônia.
O noivo era um homem que vivia bêbado as vinte quatro horas do dia. Mas
ela estava entusiasmada com as expectativas da vida na corte. Isso foi
há alguns anos. Hoje, não a vejo tão feliz, não tem filhos, sente-se
frustrada. Meu irmão é totalmente influenciado por minha mãe.
Aurel e Margit. Ele tem vinte e nove anos e Margit vinte e seis e eu
trinta e dois.
O problema é dela, não meu. Tenho respeito a ela e pela sua opção de
vida. Exijo, apenas, que respeite o meu jeito de ser, o meu modo de
vida. Quanto a ela aceitar ou não, isso não me preocupa. Não vivemos em
uma corte onde os relacionamentos são forjados, onde os costumes
fomentam uma falsa educação, pela qual os reais preceitos de vida são
postos de lado. Nossa vida, amada, será aqui, nas vinhas, no bosque, no
lago.
Por quê?
Não sei lhe falar, ainda. Mas, também, posso lhe afirmar que nada e
ninguém irá afastar-me de você. Acho que ela representa o desconhecido,
simboliza o seu titulo, o seu ascendente. Mas o que importa é estar com
você e na sua vida.
Seus olhos brilham, um leve sorriso vem aos lábios.
Isso é tudo que preciso ouvir. Amo você, vida.
Chegamos ao acampamento.
Há algumas horas, tudo para mim estava diferente, existia uma dor
profunda e nada mais tinha sentido. Agora, porém, sinto-me a pessoa
mais feliz do mundo. A razão, na verdade: a causa, aqui a meu lado!
Paro a charrete, anya e o pai saem da carroça. Andrei se aproxima,
todos falam ao mesmo tempo. O sangue já manchara bastante sua camisa,
anya leva-o para a carroça. Lá dentro, ele fica com o pai e Andrei.
Fomos anya e eu bater as ervas para o curativo. Sabia que Igor iria
falar com o pai. Pegamos as ervas, anya machucando-as no pilão,
observa-me com um sorriso.
Você é toda felicidade, filha.
Sinto suas mãos nas minhas costas vou a ele, toco seus lábios com os
meus.
Cuide-se, não faça esforço para essa ferida não abrir.
Vou vê-la, pela manha?
Não! Não pode, é nosso costume.
Só vou vê-la à noite! Se soubesse disso, teria ficado mais tempo. Como
está se sentindo?
Ansiosa, agora. Quero que o dia, amanhã, corra rápido, e que chegue a
noite para estar, o quanto antes, com você.
Chego-me a ele, sinto seu calor, seu cheiro. Passo os dedos por entre
seus cabelos. Ele me abraça e beija minha boca, o calor toma meu corpo.
Ouvimos o barulho da charrete, Igor se volta e fala:
Bela hora, cunhado!
Andrei dá um riso e pede desculpas.
Boa noite, amada. Espero-a amanhã, por favor, não me deixe esperando
muito tempo.
Beija-me e sobe na charrete.
Vou raptá-lo para uma boa despedida de solteiro. – diz Andrei.
Andrei, pare de brincadeira... Ei! Esperem.
Só ouço a risada de ambos ecoar na noite.
Volto para carroça.
Anya faz um chá, o pai tinha saído.
Qual vestido você usara amanhã?
Não sei, anya... Não pensei nisso. Aliás, não pensei em tantas coisas.
Ela vai a um dos baús, fica a remexer. Fico a observá-la curiosa, ela
vira-se.
Veja! O que acha?
Anya! É lindo! Lindo.
Corro a ela, toco o vestido.
Vista para vermos se é necessário algum ajuste.
Enquanto dispo-me pergunto de quem é, pois nunca o vira. Ela diz que
fez para mim, para uma ocasião especial. Visto-me, anya dá um passo
para trás.
Belíssima! Você está perfeita!
Olho, maravilhada, o vestido. É branco, duas saias rodadas de renda
francesa, uma renda delicada. Da cintura para cima é justo e de seda,
todo bordado com delicados ramos de flores douradas. Mangas compridas,
da mesma renda das saias, e nos punhos, detalhes dourados. O vestido é
belíssimo. Rodopio, encantada.
Olho para anya, que ri, abraço-a.
Enquanto tiro o vestido, conto a anya sobre a família de Igor e fico a
admirar meu vestido.
Anya me faz sentar a sua frente e fala:
Quero que preste atenção no que vou lhe dizer: Ouça-me atentamente.
O amor que o Conde traz por você é bem maior que o seu. Amor não se
equipara, mais eu não tenho outras palavras senão estas, para você me
entender.
Espere, ouça-me. Sei que você o ama, mas ele a ama mais, o que ele traz
consigo vem da alma. Ele tem total consciência do seu sentimento. É
como um lago limpo, de águas claras. O que ele tem em si é a plenitude
do sentimento. Portanto, aprenda com ele, não o faça sofrer, e sim se
esforce para entendê-lo. Dilua suas palavras, seus atos, pois ele é
movido por esta plenitude. Sou uma velha cigana, observo tudo. -
continua anya - O que ele traz é essência do sentir; são coisas já
plantadas.
Você é inteligente. Use sua inteligência a cada dia para obter este
estado. Regue sua semente, veja bem: ele é um Conde, um nobre rico. É,
no entanto, um homem simples, vivendo de maneira simples, amando uma
moça simples. Agora, eu o entendo, ele mora sozinho naquela casa porque
sua visão do mundo é diferente da família e de muitos.
Ele não está preocupado com a reação da família, pois ele tem total
certeza de seus sentimentos; tem valores enraizados. O que ele quer é
viver esse sentimento, e esse sentimento é você. Não deixe que coisas
externas venham confundir você.
***
Avô, está me escutando? Sei que de onde está zela por mim.
O silêncio tem o dom de aproximarmo-nos.
Como o senhor está a me ver?
Pareço trazer a felicidade nas faces, meus olhos têm outro brilho.
Logo estaremos, Igor e eu, casados.
Seria a glória se estivesse aqui para participar...
A verdade é que tenho certeza de que está.
Veja a movimentação em todo acampamento.
É festa! Logo mais, à noitinha, rumaremos para casa de Igor.
É primavera! As guirlandas, repletas de flores, ficaram lindas, quem
ficou aqui no acampamento ajudou a fazê-las.
Sabe o que ele fez pela manhã?
Mandou-me flores por Misca, e um bilhete. Acordei com eles a meu lado.
O bilhete dizia: “Amada, mesmo não podendo vê-la posso senti-la”.
As crianças estão eufóricas, Erno beijou-me e perguntou se eu iria
ficar aqui.
Uma saudade pressionou meu peito, contrastando com a felicidade que
sinto.
Já! Tomar banho ainda com sol. Foi o que Lorna mais me lembrou. Será
uma grande festa! Sabe o que ouvi de um dos homens que trabalham com
ele? Que tinha certeza de que ele casaria com uma moça simples assim
com ele. Seu irmão chegou ontem à noite. Acordou-me para contar a
grande noticia, ele gosta muito do Conde, admira-o, mas seu coração
está preso de saudade. E quem não está? Vou sentir tanto sua falta...
Mas nada de tristeza, vamos a nosso rituais!
Abracei-a, não há palavras para expressar a falta que farão a mim. Ela
se arruma com rapidez. Está bonita; uma mulher bonita, e já faz tempo
que não a vejo tão bem trajada, faço o elogio e ela retruca que não é
todo dia que se casa uma filha. Ouvimos a batida na porta, é o pai com
os olhos arregalados a me olhar.
Está na hora, as outras carroças irão à frente, estão já a sair. Você
está muito bonita, minha filha. Podemos ir?
Minhas mãos ficam úmidas, aceno concordando, chegam Belle e Miriam.
Irão conosco.
Sento-me junto da janela; a carroça começa a mover-se.
A noite cai, algumas estrelas já enfeitam o céu.
E lá está ela, esplendorosa, um círculo prateado perfeito.
Lua! Faz o amado sentir que estou chegando.
Várias pessoas se juntam a nós, Andrei pergunta que inovação era essa.
Alguns começam a dançar.
Quer vinho, vida?
Sim.
Ele leva-me à mesa e serve-me de vinho. Mostro a Igor Misca e Val: anya
e Andrei lhes ensinam a dança.
Conde!
Doutor Lajos. Natasha esta é a esposa de nosso doutor.
É um prazer conhecê-la, senhora.
O prazer é meu, Condessa.
O tom gelado chega a minha alma, aperto a mão da senhora, vejo a ironia
nos seus olhos. Neste instante, chega Mikail.
Natasha, você dança divinamente, não posso dizer o mesmo do seu
parceiro.
Igor ri e bate no ombro de Mikail.
O doutor despede-se e diz que seu filho caçula está adoentado. Dá-me um
aperto de mão caloroso, nos felicitando; o da sua esposa é totalmente
diferente.
Chego-me a Igor, enquanto os vejo partir. Ele coloca o braço na minha
cintura, percebe meu constrangimento.
Saímos, o vento suave da primavera levanta meus cabelos, busco Igor com
os olhos.
E lá está ele, olhando-me, ergue o copo e toma vinho.
Sigo em sua direção, ele se encosta à mesa a me esperar.
Demorei-me?
O suficiente para sentir sua falta.
Puxa-me pela cintura, nossos corpos se tocam e ele fala a meu ouvido:
- Quero amá-la.
Ponho a mão na sua boca, tampando-a.
Quer que alguém o ouça?
Sou seu esposo, não é natural querer amá-la.
Igor comporte-se!
Impossível, com você por perto.
Abraça-me, sinto mais seu corpo, seu calor, seu cheiro. Sua mão sobe a
meus cabelos, minha nuca, puxando meu rosto para junto do seu, ele abre
mais suas pernas e me acomodo mais nele.
Vamos subir, por favor!
E toda essa gente?
Por favor, Natasha, vamos subir. Vamos!
Afasta-me, pega-me pela mão e puxa-me pelo pátio. Entramos em casa, ele
pega um candelabro e subimos as escadas, entramos no quarto ele fecha a
porta, coloca a trava, põe o candelabro na penteadeira, tira a camisa
de uma vez, puxando-a.
Igor há tanta gente lá fora.
Olha-me sério.
Nenhum deles sente o que estou sentindo.
Sorrio e pergunto: - E o que está sentindo?
Vontade de sentir-la, de tê-la, agora... Sinta meu coração.
Coloco a mão em seu peito: seu coração está acelerado.
Deslizo a mão em seu peito, sinto sua pele, seus pêlos. Pele morena e
quente.
Ele me olha e me abraça forte, tenta desabotoar meu vestido, atrás.
Ouço sua voz: - diabo!
Vira-me de costas e consegue desabotoá-lo, puxa-o ao chão. Tiro o
restante das minhas roupas e, só aí, volto-me a ele. Sua boca está
cerrada, seu olhar é intenso desejo. Meu corpo treme quando sinto suas
mãos na minha cintura puxando-me devagar até ele. Devagar suas mãos
sobem as minhas costas. Envolvo-o num abraço, sentir seu corpo é
necessário. Beijo-lhe a nuca. Suas mãos percorrem meu corpo, passa os
lábios na minha nuca. Leva-me devagar num abraço, e deitamos na cama.
Depois, num salto, põe-se de pé e despe-se.
Você fica bonito, sem roupa... Quer dizer você é bonito...
Ele, não me deixa completar a frase, solta sua risada.
Não ria assim, todo mundo pode ouvir!
E daí?
Não me deixa falar, rola comigo na cama, fico sobre ele, meus cabelos
cobrem seu rosto. Tento tirá-lo, mas ele segura minha mão. Isso não
importa, nos beijamos e começamos a nos amar novamente. A febre do amor
nos toma.
Ao deitar a seu lado, no seu ombro suado, passo a mão no seu peito,
que, também, está suado.
Igor!
Hum!
Explique-me o que você falou: onde existe um, existe o outro.
Ele passa a mão na minha cintura, continuo deitada no seu ombro.
Nos amamos, o sentimento por você vive em mim, em cada segundo, a cada
minuto. Ter consciência...
Meus olhos fechados. A voz amada a deliciar-me. Seu perfume...
Acordo com o sol batendo em mim. Respiro fundo e abro os olhos, perco-
me sem me dar conta de onde estou. Um bem-estar maravilhoso toma-me,
invade-me, espreguiço-me na cama. Sinto o braço de Igor na minha
cintura, volto-me a ele, que dorme sereno, chego pertinho, toco seu
rosto, como está belo. Lembro-me que dormi! Olho seu ombro, está seco.
Dou-me conta de que estou sem roupa.
Sento-me e olho em volta, vejo meu baú. Vou até ele buscando meu
vestido azul. Atrás do biombo, vejo a tina, está com água.
Tomo um banho, a água está fria, mas gostosa. Seco-me e me visto.
No espelho, penteio os cabelos e perfumo-me. Irei à cozinha trazer-lhe
leite. Antes de sair olho para ele, indago-me: por que tenho a vital
necessidade de olha-lo sempre.
Na cozinha, o silêncio é total, vou à janela, as carroças estão com as
portas fechadas, todos dormem, muito vinho.
Esquento leite, pego maçãs e uvas. E subo para nosso quarto. Nosso
quarto, é isso mesmo Natasha, dele e meu.
No quarto, abro um sorriso ao ver a bandeja que Igor trouxe à noite na
mesinha de cabeceira. Coloco a bandeja que trouxe ao lado da outra.
Sento-me na cama. Tento acordá-lo, beijo seu rosto, nada. Beijo sua
nuca, respira fundo. Beijo seus lábios, ele abre, lentamente, os olhos.
- Bom dia amado! Dormiu bem? Trouxe seu desjejum... Igor?
Sua mão puxa-me para ele.
Como está, amada?
Feliz. Perdoe-me não senti o sono chegar.
Você fica linda dormindo, fiquei um bom tempo olhando-a, ao mesmo
tempo, a pensar quantas noites, inquieto nessa cama, sem sono
lembrando-me de você. Querendo você, chamado por você.
E, agora, eu estou aqui. Amando você, junto a você, casada com você.
Eu vou banhar-me, para escutar tudo isso aqui na cama.
Levanta-se, vai atrás do biombo, aviso-lhe que me banhei com a água da
tina. Ele ri alto, e diz que então ela está melhor agora, terá meu
perfume, meu gosto.
Vem com a toalha envolta na cintura. Os cabelos molhados.
Um barulho lá fora, alguém chama por Igor. Ele vai a janela.
Fale Janos, o que o traz aqui?
Tenho em recado da senhora sua mãe. Ela pede para o senhor me
acompanhar.
Impossível.
Senhor, é urgente.
Diga-lhe que, assim que puder, irei vê-la. É só isso Janos?!!!
Sua voz é uma ordem, ouço o rapaz responder: Sim, senhor.
Então volte e dê meu recado ou se achar melhor coma alguma coisa antes
de ir. É com você.
Toco seu rosto, e vejo no meu dedo o anel, desço a mão para observá-lo:
é de ouro, com um grande rubi, tendo em volta brilhantes. Jóia bonita.
Igor observa-me, agradeço e elogio o anel. Ele conta que pertencera à
sua avó paterna, ela lhe dera depois que seu avô morrera. Só tinham de
filho o pai de Igor. E viveram muito em função do filho. Ela morrera em
Badacsony.
Lá fora, já se ouve a minha gente, devem estar se arrumando para
partirem.
Ele percebe o que sinto.
Levanta-se, vai a cômoda e tira uma calça preta e uma camisa de linho
branca, veste-se rapidamente. E chama-me: - Vem, vida.
Vamos ao terraço. O sol está quente, e seu brilho se estende por toda a
região. Não pode existir um lugar assim em todo mundo. Seria impossível
Deus criar tamanha beleza duas vezes.
Lá embaixo, ao redor do lago, o colorido da primavera enche tudo.
Hungria, aqui nasci, aqui estou vivendo, aqui ficarei.
O tempo nos leva por caminhos que parecem estranhos, de repente nos
damos conta de outra realidade. Que nossa vida não é mais somente
nossa. É partilhada, dividida e unificada com alguém. Parece estranho
que no inverno passado, vi os homens da guerra na Rússia, e hoje estou
aqui. À frente, o lago, que tanto povoou meus pensamentos, que me fazia
sonhar, noite após noite, em estar aqui. E aqui estou; ao meu lado,
Igor; ele reina sozinho na minha vida e é ele, por ele que meu mundo
também está em plena primavera.
O sol esfria, vamos às vinhas e depois ao lago, sentamos junto a uma
árvore, Igor se encosta, e eu encosto-me nele. E ele pergunta-me como
era meu avô. Olho o lago...
Foi um homem que estudou; tinha bons conhecimentos, que enriqueciam sua
cultura.
Deixou os pais ricos e foi para o mundo. Na busca de algumas verdades,
uma delas era muito marcante: a verdade da vida, qual o significado da
vida?
Igor toca meu rosto e fala: - Natasha, não evita falar do que sentes.
***
Sorrio, a felicidade muitas vezes deixa a gente meio tonta, rindo à toa.
É um sorriso que cai nos lábios, sem que se perceba.
Dou-me conta de que o tempo passa. Estou na biblioteca, vou para a
janela. O céu tem o tom avermelhado.
Mikail poderia, ou até pode, estar registrando este momento. O vermelho
está mais intenso, vivo e tende a se alastrar, parecendo tomar conta do
céu.
Ouço um cavalo.
É ele!
E vem o sorriso.
A alma, pelo sentimento, se alastra, como a cor do céu, o sentimento
impera ao ver o amado.
E o entorpecer toma-me.
Colo o rosto à janela para vê-lo melhor.
O cabelo negro ao vento, sua camisa está aberta, ele está sério.
Pára o cavalo.
Olha em volta. Procura-me, pois estou sempre lá embaixo a esperá-lo.
Eleva o rosto.
Detemo-nos um no outro.
E vem o sorriso sereno.
Sinto como um soco no meu estomago; sei que o olho apavorada. Ele sorri
e me abraça.
Não me diga que está com medo! As coisas estão invertidas. Quem deveria
temer é a Condessa, não você.
Como assim?
Quando você tiver consciência dessa força não existirá mais receio como
o que sente referente à Condessa.
Quantas tardes, como esta, eu ficava aqui, sentindo essa força e falava
ao tempo: eu quero vê-la, eu quero tocá-la. Sentia a força do
sentimento por você, fechava os olhos, e te pedia: volte, volte para
mim...
É insano? Não, é uma força capaz de tudo. Amo você por ser você.
E, hoje, tudo está ampliado, como você falou, pois existe o
comungar.
A noite está chegando... Veja, já aparecem algumas estrelas no
céu, você e eu: aqui juntinhos compartilhando, vivendo esse
sentimento, nutrindo-nos.
Não havia mais pensado na Condessa; há uma semana que Igor estivera lá.
Estou atarefada, ajudando Misca para o jantar, Mikail viria com Igor.
Mikail é uma pessoa culta e sensível, e que, no mínimo, uma vez por
semana vem jantar conosco. É o oposto de Igor, que está sempre aberto
ao mundo, falando sempre francamente e por vezes irreverentemente.
Igor, mesmo sério, extravasa. Mikail tem uma serenidade inquieta; deve
ser o modo do artista. Gosto dele.
Ouvimos o som de cavalos, olho para Misca e indago:
Será que já são eles, tão cedo?!
Ela olha-me intrigada e responde: - Não, conheço esse ruído. Espere-me
um instante.
Continuo meu trabalho, essa massa é muito trabalhosa. Por que diabos
inventei de fazer esses pasteis?!
Natasha.
Volto-me para Misca e indago: - Quem era Misca?
A Condessa está na sala, quer falar-lhe.
Solto a massa na mesa, um frio percorre meu ser, sinto um aperto no
peito. Misca arruma meus cabelos e lavo as mãos.
Santo Deus! O que ela quer? Ainda há pouco, pensei nela.
Conhecê-la, só isso. E você é mais bonita e inteligente que qualquer
dama da corte.
Estou nervosa, Misca. Que diabo! Igor poderia estar aqui. Mas é claro,
ela quer ver-me sem a presença dele. Que seja. Como estou?
Muito bem e bonita, como sempre.
Respiro profundamente e saio da cozinha, indo para sala.
Touché! Não era bem isso que eu ia dizer, mas isso também é o que
penso. Posso sentar-me?
Aponto o sofá, deixo-a sentar-se para, depois, acomodar-me.
Vejo Misca na porta da cozinha.
Veja bem, menina. Agora, acho que pouco importa se você é a escolha
certa ou não, vocês já estão casados e eu sou extremamente católica.
Acreditava que ele pudesse casar com Krisztina. Ela seria minha
escolha. Sei que seria um casamento aparente. Igor, jamais, se
adaptaria à vida na corte, mas seria o ideal para seu futuro. Mesmo sem
ele confirmar tal casamento, eu o alimentei. A pobre moça só faz chorar.
Bem, águas passadas não movem moinhos. Queria conhecê-la, vê-la com
meus olhos.
E saber o que pensa sobre meu filho.
Eu o amo, um amor sem limite. Amo-o de tal forma, que respeito o seu
amor, senhora Condessa.
Seus olhos crispam, ouço passos. Meu coração se abranda ao vê-lo, ele
me olha sereno e fala.
Quer felicidade maior, chegar em casa e ouvir uma declaração dessas.
Boa tarde, Condessa!
Ele se aproxima dela e beija-lhe a testa, senta-se ao meu lado e pega
minha mão. Uma segurança infinita invade-me. Ah! Amado, como é bom tê-
lo aqui.
Meu filho, você não me falou que ela é tão inteligente.
Não?!!! Devo, então, ter esquecido. - seu tom irônico.
Por que a senhora quer saber do sentimento de Natasha, não estou
compreendendo bem.
Conheço Igor o suficiente para saber que ele está em seu ponto de
irritação.
Igor, conversávamos a senhora Condessa e eu; é natural que ela esteja
preocupada. – contorno.
Novamente ela sorri, sem importar-se com a minha interferência.
Mês que vem, chegará aqui a Badacsony o Visconde Adolfo.
Igor olha para ela, indagando: - Quando chega?
Ele ficou de confirmar o dia certo. Mas deve ser lá para o final de
maio.
O que o trará aqui?
O motivo de sempre. – ela fala arrogante.
Convencer a todos do autoritarismo austríaco.
Trazer mais uma mensagem lamuriosa do Imperador. Quantas cidades ele
irá percorrer desta vez?
Quer parar com isso, Igor! – vejo-a perder a postura, mas rapidamente
retruca.- Ele vem como enviado do Imperador. Iremos recebê-lo como de
costume.
Senhora minha mãe, eu respeito seu amor ao Império Austríaco. O que não
é meu caso. Tenho boas relações com Adolfo, se ele vier aqui, como
sempre veio, terei imenso prazer em recebê-lo: “Como de costume”. -
ele está irônico, seu ar é maroto.
Conheço-o muito bem, por garantia, irei saber o motivo da vinda dele.
Ótimo! Faça isso, será bom para todos!
- Assim teremos oportunidade de apresentar sua esposa a todos. O
que me diz?
Ela dirige-se a mim.
A senhora sabe o que faz, Condessa. Será um prazer conhecer pessoas
amigas de Igor.
Se não fosse a circunstância, eu gostaria de conhecê-la melhor.
Posso afirmar-lhe que à primeira vista, nunca encontrei uma pessoa como
você, só meu próprio filho.
Agradeço o valioso elogio. Igor é uma das pessoas que mais admiro.
A senhora aceita um chá? – pergunto-lhe.
Não, muito agradecida; já cumpri com o que me trouxe. Agora, vou-me
embora, tenho algumas pessoas a me esperar. Igor, assim que chegar a
resposta de Adolfo eu lhe direi. Seu irmão deve chegar esta semana, e
nos trará noticias. Quando irá a cidade? Há alguns papéis para você
assinar.
Isso me inquieta bastante, sei até onde Igor pode ir, seu sentido de
liberdade é tão extenso, seu amor pela Hungria é incontestável. Unindo
uma coisa à outra, só Deus sabe o que pode dar.
O que achamos é que o Visconde deve vir a título de conhecer a verdade,
e ao meu ver, se ele investigar, a verdade será desvendada pelo próprio
Igor.
Os húngaros estão sufocados com o Império, não existe nada em comum,
tudo é diferente, da língua aos costumes. É utópico demais querer esta
união, donde só uma das partes tira proveito.
A Condessa, devido a sua nacionalidade e seus próprios interesses, é
totalmente a favor do Império. Essa junção não é boa.
Hoje, pela amanhã, Mikail apareceu cedo, com telas e alguns lápis.
Fomos os três para a beira do lago. Ele fez alguns esboços do lago, meu
e de Igor.
Mas é difícil reter Igor.
Chega, Igor!
Quando é que você ira criar juízo? Você não é dono do mundo. Você não
pode ir de encontro a regras tão antigas quanto à própria História.
Onde você quer chegar? O que você tem a lucrar? Não passa por sua
cabeça onde tudo isso pode levar você? Ser um traidor não é uma coisa
muito boa, e você é suficientemente inteligente.
Igor, meu irmão, até admito que realmente o admiro, você e suas
opiniões. - Aurel respira fundo e continua.
Só que quero saber, aproveitando esta oportunidade, esta nossa
conversa, aonde você pensa que vai chegar?
Posso ir mais além que você, Aurel. Queriam, ou pelo menos tiveram a
idéia de tirar-me daqui, como uma transferência.
Existem meios.
Natasha, você não imagina como queria conhecê-la. Meu irmão teve muito
bom gosto.
Você é muito bonita! Desculpe-me pela franqueza e liberdade.
Tudo começa a girar em torno dessa festa, soube por Val que o
comentário na cidade é este: a festa e a chegada do Visconde.
Aos tolos, a necessidade de uma aparição pública. Os de maior visão
irão ter uma confrontação de forças, austríacas e húngaras, e os
curiosos irão conhecer-me. Pessoas que freqüentam a casa da Condessa
estão ansiosas em conhecer a cigana.
Também ainda não fui à cidade e, sinceramente, não tenho vontade de ir.
Desfruto da harmonia que vivemos aqui.
Ainda é estranho a mim ver tanto amor do homem à pátria, à sua terra.
Concebo e comungo a idéia da liberdade, a Hungria livre, mas não
consigo entender o patriotismo.
Os homens que vieram aqui ontem à noite são movidos por atos de
liberdade a qualquer preço.
Mesmo o uso da violência talvez seja o melhor, segundo eles.
Mais tarde, Igor depois de tê-los acalmado, falou-me a razão da raiva
dos homens. São os impostos, a desigualdade.
Nós não concluímos a razão da vontade de usar meios violentos.
Sei o que Igor tem em mente, e isso é assunto bastante discutido por
nós dois: melhorar as condições de sua gente. Isso faz parte dele, como
seu próprio pulmão. Sua visão é de uma comunidade ativa. Por causa
disso, vamos construir uma escola aqui perto. E, apesar de todo esforço
de Igor, os pais fazem pouco caso.
Por mais que ele se esforce, em mostrar os direitos deles, o que vejo é
que todos têm uma verdadeira adoração pelo Sr. Conde.
Ontem, Misca e eu corremos à casa de um morador, sua esposa, veio nos
chamar. Seu filho ardia em febre. Tomamos a primeira providência: um
banho frio. Pedi a Val para chamar Igor e doutor Lajos. Perguntei há
quanto tempo a criança estava com a febre. A resposta: três dias.
Perguntei o porquê de não terem falado, principalmente o marido, que
está com Igor nas vinha o dia inteiro.
A resposta: para não incomodar.
Depois de doutor Lajos tranqüilizar a todos dizendo que se tratava de
caxumba, saí com Igor; ele amargurado a falar: - Você ouviu a
resposta a sua pergunta? Para não incomodar! Eles pensam que o que faço
é um favor. Como eles podem ser respeitados, se eles não se respeitam?
Acertamos, então, com ele que todos os dias faria uma visita às casas
da redondeza, para falar da escola.
Tarde bela.
Estou na biblioteca lendo, mas vez por outra meu olhar vai às taças.
Deixo o livro na escrivaninha e vou à estante, onde elas estão.
Toco suas bordas. O que vocês trazem?
Respiro fundo... E vejo a moça. É ela!
Está no lugar em que sonhei, está numa cama.
Ela está deitada e suada... Ela está doente.
Tem febre! Sei que é febre. Quem é ela?
Entardece.
Por que vejo essas coisas?
Quem é essa moça?
Já aconteceram outros fatos tocando fundo minha sensibilidade. Mas nada
assim. Minha sensibilidade leva-me a ela?
É só com pessoas chegadas a mim. Como explicar a aparição dessa moça?
Qual sua ligação comigo? Minha sensibilidade leva-me a ela?
Ela parece doente, muito doente. Talvez morra.
Sim, eu sinto que ela está muito doente, e que pode morrer!
Meu coração dispara... Posso viver sem Igor?
Diabo, Natasha! O que tem a ver uma coisa com a outra. Meus pensamentos
nesse momento se confundem.
Posso viver sem Igor?
Sinto várias respostas chegarem a mim. É evidente que sobreviveria sem
ele, mas ele é a vida, o colorido da vida. Qual a razão da vida sem
ele? Minha razão afirma, sobreviveria. Mas meu coração: sobreviveria?!
Tenho que saber!
É tão grande e tão forte esse amor. Este amor é o que sou.
Posso tocar o céu, posso tocar os pássaros. Posso tocar sua alma, seu
ser... Pois a amo. Um amor infinito que irá durar para sempre e sempre.
Espere, não é bem assim. Dei-me conta de que minha vida é você.
Ele me envolve nos seus braços, calor amado, beija minha nuca e fala:
Eu jamais deixarei você, nunca! Você não acredita no eterno?
Afasto-o e olho para ele.
Quem me garante? O que sinto é vivo por demais, mas quem me garante que
é duradouro, que é eterno!
Por que sinto o temor? Se vivo dia após dia o amor. Sim, vivo, a cada
momento, este imenso sentimento. Daí vem: é duradouro?
Ele dá um leve sorriso e fala: - Eu a amo, falo que o que sinto
perdurará, porque é assim que quero, é minha vontade.
Será assim sempre. Por que você iria me perder? Se eu não quero deixá-
la.
Como isso seria possível?
Natasha, o que quero é estar sempre, eu falo, sempre, eu afirmo, sempre
com você.
Se temos algo por demais valioso, onde estaria nossa sensatez para
perder.
Há tanto a partilhar. Até o medo faz parte da descoberta, só não o
deixe tomar grandes proporções. Focalize e sinta a força. A força
vinda do sentimento.Entraram emoções passageiras como os pensamentos;
sinta o amor.
Eu estarei com você e farei o que for necessário para você estar serena
e tranqüila.
***
Junho.
Noite de lua cheia.
Penso comigo mesma, sei como ele fica: com ar irritado, enquanto seu
outro extremo brinca, ironicamente. Mikail continua:
Mas hoje a conotação é diferente, há uma seriedade com a presença do
Visconde.
Coloco um pouco mais de chá e falo:
Temo por ele. Por ser tão verdadeiro. Sei onde pode chegar se instigado.
Existem pressões contra Igor dos dois extremos. Gente da corte e os
nacionalistas húngaros. Mesmo tendo ele uma visão ampla e autoridade, é
também, sincero e bastante honesto, principalmente, se for provocado.
Sei, Mikail, que a Condessa dará uma idéia que tudo corre às mil
maravilhas. E afirmará que nosso senhor é o Imperador. É inteligente
para desviar qualquer assunto comprometedor.
O amor de Igor pela Hungria é incontestável, mas de uma maneira sadia.
Seus princípios são fortes; ele é capaz de abrir a boca e falar de
coração, ou mesmo, é inteligente para saber que se falar demais poderá
comprometer todos os seus planos. Não sei, todavia, se ele irritado, é
capaz de ficar calado.
É muito interessante saber que essa é a visão que vocês têm dele: um
manipulador, usando as pessoas. Acho que deve fazer uma reavaliação
sobre seu conhecimento a respeito de Igor.
Passa uma bandeja com ponche, pego um copo e ela também, suas mãos
estão trêmulas. Ao pegar o copo, vejo Igor a minha direita. Ele sorri,
tenho certeza que ouvira nossa conversa, simplesmente por sua maneira
de olhar.
E ela continua a falar, só que em voz baixa e em tom ameaçador.
Natasha, você não me conhece. Sua vida será um inferno, tenho muitos
aliados, enquanto você é uma pessoa sozinha aqui.
Deus meu, esse assunto não acaba? Já não tenho a menor paciência.
Outro grave engano seu, o fato de estar sozinha aqui, não me intimida
em nada. E, quanto a aliados, eu tenho um, que para mim, vale por todos.
Sinto a mão de Igor no meu ombro.
Igor, você está de parabéns. Natasha é uma moça muito bonita.
A voz de Krisztina perde toda agressividade. Igor olha-me pelo canto
dos olhos.
Concordo plenamente.
Não entendo o que você quer dizer ou aonde quer chegar, Adolfo.
Pergunta Igor intrigado.
Simples, amigo, muitas vezes estamos imbuídos de altos ideais e estamos
fazendo o que pensamos ser melhor quando, na verdade, complicamos.
Igor solta seu riso e fala:
Olho, preocupada, para Igor. Ele sabia que não era isso o que o
Visconde, queria dizer.
Você sabe que não é sobre o Império que estou falando.
E sobre o que é?
A suposta ingenuidade de Igor não convence a ninguém. Aurel precipita-
se e convida a todos para irmos para o salão, a Condessa manobra
dizendo que tem que dar atenção aos convidados. No entanto, Igor
permanece no mesmo lugar, e o Visconde também fica imóvel. A Condessa
me chama para outra apresentação. Saio com o coração na mão. Suplico a
Igor com olhar, ele apenas sorri tranqüilo.
A Condessa me leva para junto de Dr. Lajos. Esta é, sem duvida, uma
agradável presença. Conversamos por alguns instantes, mas meu
pensamento está preso no terraço, onda ele está.
De onde estou, dá para vê-los. Vejo Igor balançar a cabeça...
Peço licença ao Dr. Lajos. Saio e três passos à frente a Condessa pede-
me para acompanhá-la.
Entramos numa saleta, ela aponta uma poltrona e senta-se na minha
frente.
O que ela quer comigo, não vê seu filho com o Visconde?
Devo dizer-lhe que você parece convincente.
Não estou entendendo, senhora.
Sua conversa com Adolfo. Mas já sei o quanto é inteligente, e isso não
há o que discutir.
Eis a grande diferença entre você e Krisztina. Ela não tem seu
raciocínio. Mas, depois de ver ambas, queria estar com você a sós para
dizer-lhe sobre o meu julgamento. Em resumo, você não é a pessoa certa
para meu filho.
Estou há anos vendo Igor seguir uma trilha que não é boa nem para ele,
nem para nenhum dos nossos. Tenho feito vistas grossas, só que isso
está indo longe demais. E, agora, penso em tudo que adquiri, está
ameaçado. Fui, inúmeras vezes, à corte consertar o que falam dele. Só
que isso é como um balão, que poderá estourar cedo ou tarde. E você não
é uma pessoa que posso ter como aliada. Tem raciocínio suficiente para
ter suas próprias idéias e concepções. Igor já é suficientemente
ideólogo; capaz de realizar tudo que se propõe. Aliado a você, só Deus
sebe aonde ele ira chegar. Sei o que está pensando, ele não precisa de
ninguém para seguir em frente. Mas se você fosse o tipo que o fizesse
mudar de idéia! Só que não é. Não que é uma coisa fácil, e eu, mais do
que ninguém, sei o quanto tudo isso me custará. Só que, o que está em
jogo, além dele, sou eu mesma. Minha vida é aqui. Aqui construí meu
domínio, e não quero ter no meu filho meu inimigo.
Papel? Você me toma por que Adolfo? Não faço teatro, onde os atores
precisam de um papel para representar. Isso aqui não é uma
representação, e aí está o grave engano de vocês. A Hungria existe, é
uma realidade. Dê-se o trabalho de conhecê-la. Saia às ruas e converse
com o povo. Aí você conhecerá e saberá o que pensam os húngaros. Mas
caso não se queira dar a tanto trabalho, que ao menos a veja, sinta o
que é nossa gente, o que somos. Não é a Hungria que precisa mostrar-se,
são vocês que devem ter o interesse, no mínimo, de conhecê-la. E você
sabe por quê? Pelo óbvio, são vocês que precisam da gente, foram vocês
que construíram o Império Austro-húngaro. Portanto, adubem o que
plantaram. Se é que ainda há tempo. A realidade não se encontra dentro
do palácio do Imperador, nem nesta casa. Ela está nas ruas, junto à
gente simples. São eles a realidade do país.
Você poderia ter uma conversa com o Imperador. Mas temo, amigo, que o
tomem por um traidor.
Igor sorri e diz:
Se você conseguir uma audiência com o Imperador, eu irei. E não tema
por mim. Se você se der o trabalho de sair às ruas da Hungria, verá
quem o povo pensa ser o traidor. Julgar é uma das artes mais difíceis
que o homem ainda não aprendeu. O que vem a ser um traidor? Uma pessoa
desleal. Não, meu caro, eu não sou um traidor.
Não esqueço, em absoluto. Por que você acha que meu pai nunca quis
voltar para a Áustria? Porque ele amava tudo isso. Vou lhe repetir o
que já falei a uma pessoa há pouco tempo: nasci aqui, chamo-me Igor,
antes de existir o Conde existe minha pessoa.
Isso para mim é tudo. Gosto do que faço, gosto de onde moro, gosto da
minha gente, amo meu país.
Não tinha mais sentido estender a conversa. Já estava tudo tão claro
quanto água cristalina. Seja qual for o objetivo do Visconde, ele
obteve de Igor sua visão, se não toda, uma parte e, principalmente, no
tocante ao seu amor pela Hungria.
O Visconde convida-me para dançar.
Faço um esforço em parecer natural perante a Condessa. Em meio à dança,
faço um pedido ao Visconde, não comentar com a Condessa a idéia dele,
da audiência de Igor como o Imperador. Não é necessário expor muito, é
obvio que ele deve saber das facetas da Condessa. Ele, de imediato
aceita. Quem sabe, aí não está a solução para meu dilema. Se o próprio
Igor falar com o Imperador, não teria sentido uma carta, onde ele
próprio exporia sua visão.
Pela primeira vez, desde que cheguei a esta festa, sinto-me um pouco
tranqüila. Acabo de dançar com o Visconde e vou ao terraço, vejo o
jardim, olho o céu. As estrelas já estão altas...
Você é mais bonita que elas.
Mikail, você me assustou. Estava a pensar nesta festa, nessa gente.
Sinto-me tão distante de tudo isso aqui.
Mas, mesmo assim corre o risco de envolvimento. Tenho olhos clínicos,
não esqueça. Você não consegue ficar solta ao lado da Condessa,
cuidado, pois ela pode envolvê-la.
É, Mikail, a única pessoa que parece imune é Igor. Não posso negar que
ela, a Condessa, me incomoda. Que me é nociva. Mas, vamos mudar de
assunto, vim aqui respirar ar puro.
Seria incômodo, pedir-lhe um ponche; não gostaria de entrar no salão.
Mikail sorri e vai ao salão. Estou cansada, não fisicamente, a voz da
Condessa não me sai da cabeça. Respiro profundamente, como querendo
retirar esse peso repulsivo e desagradável.
Ouço a voz de Igor. Vem daquele lado do jardim. Sigo até lá. Está com
Krisztina, melhor sair...
Igor, sabe o que você sente por essa cigana? Nada! Eu não estou
brincando, é verdade. Você criou uma imagem e está apaixonado por essa
criação. Ama o sentimento que nutriu durante todo esse tempo. Mas, com
o tempo, acabará. Você é idealista em tudo, eu o conheço. Apaixonado
pela paixão, amando o amor. E, porventura conheceu essa moça que passou
a ser o foco se seus ideais afetivos. Saberei esperar. Já aconteceu em
outras vezes. E você voltou, essa, sem dúvida, é mais bonita que as
outras. Só não esqueça de duas coisas, foi no meu ombro que você chorou
quando seu suposto amor partiu. Segundo, é visível o abismo que existe
entre vocês, e quem cairá nele é a cigana, como tantas outras...
Você não precisa me pedir isso, Nat. Quanto a Krisztina, não leve em
conta, ela é uma louca, não faz o menor sentido...
Não sei também, eu realmente, ainda não sei de nada, nem do que a
Condessa falou, nem do que Krisztina falou. Não sei de nada! Krisztina
pode se fazer de ingênua ou ser muito esperta. Mas existe uma verdade
no que ela falou, parece que existe mesmo o abismo entre mim e Igor; um
abismo de classe social, e como existe! Se eu fosse de uma família
nobre, jamais teria ouvido o que ouvi. Por que ele tem que ser um
Conde, ser filho de uma víbora, ter o que tem? Talvez não devesse estar
com ele, diz-me o bom senso...
Só que eu o amo, e o amor deixou-me cega a ponto de pensar que somos
iguais? Que não importa ele ter um título e ser o que é. As pessoas não
esquecem disso e expressam de várias maneiras. Poderia...Eu poderia ter
me apaixonado por tantos homens, por que justo ele?
Quem tem a explicação? Existe controle sobre o amor? Ele surge, Nat,
emerge espontaneamente por mais inconveniente que ele seja. Ele
transborda a sensatez.
No trajeto até a casa, minha cabeça parece oca, vazia. Uma dormência
toma conta do meu ser e, ao mesmo tempo, existe uma tempestade se
formando. Não é preciso ser vidente.
Não vejo a carruagem à porta de casa, como também está escura. Acho até
bom ele não ter chegado. Preciso e quero descansar, dormir e não pensar
em nada.
Quer que entre?
Meu Deus! Será que ele foi lá? Se acaso foi, o que pode ocorrer? Só se
a própria Condessa falar!
Sei que está preocupada Misca, mas eu não quero falar nada agora.
Preciso de um tempo para pensar, esta bem? Ele tem todo o direito de
estar irritado.
Irritado? Claro que não. É muito pouco para ele, ele está igual a dia
de tempestade, de seus olhos saem raios que podem fulminar qualquer um.
Quer almoçar? É, já é bastante tarde, quase hora do almoço.
Troco de roupa, e mesmo em dizer que estou sem fome, ela diz que vai
fazer meu prato, pois fez algo que eu gosto.
Como para satisfazer Misca. Meus pensamentos estão longe.
Tento ter lógica, mas é tão difícil com a emoção tomando conta de mim.
Relembro toda a festa, revejo tudo. Mas é a memória que funciona, os
fatos soltos pairando na minha mente.
A única coisa que sei, a única verdade: é que amo esse homem.
Cai a noite, o sol morre, para renascer amanhã. Quem sabe mais forte.
Sopra o vento, irá chover.
Onde ele estará?
Sinto a insensatez de perto, a briga interior. Estou louca que ele
chegue, e, ao mesmo tempo, não o quero perto.
Janto sozinha. Mikail apareceu para saber se estava bem.
Seria por parte dele uma grande infantilidade querer preocupar-me.
Mas ele é tão imprevisível, arrebatadoramente imprevisível.
Ele mesmo pode estar se dando um tempo.
Estou na sala lendo, volta e meia Misca aparece, dou-lhe um sorriso
para tranqüilizá-la.
Ouço o pisar de patas de cavalo. Será ele?
O coração dispara, minha mão treme.
Fixo a atenção no livro, tentando ler. Não consigo.
Talvez não seja ele! Talvez seja Val.
Levanto-me e vou à cozinha pegar um chá. É isso, um chá pode me acalmar.
Sigo a cozinha com o pedido nos lábios.
Paro na porta. Ele! Entrando também na cozinha, joga o que esta nas
mãos na mesa, a olhar-me fixamente.
Que diabo de sensação! Só ao vê-lo meu corpo treme!
Misca olha para ele e para mim, e salva meu constrangimento,
perguntando-lhe: - Já jantou?
Não!
Ótimo! Então colocarei seu jantar, ou vai tomar um banho antes?
Ele não tira os olhos de mim, nem para responder a Misca.
Vou tomar um banho. Dê-me licença. Você já jantou, Natasha?
Afirmo com a cabeça, sem conseguir falar.
Ele passa por mim e sobe as escadas, peço o chá a Misca e volto para a
sala.
Pego o livro e sento-me. Ouço o barulho lá em cima. Misca traz o chá,
tomo-o rapidamente.
Onde estaria tudo que havia planejado falar?
É outra coisa que aprendo: não adianta programar o que se quer dizer
quando a emoção está descontrolada. Não, novamente estão juntas;emoção
e sentimento.
Ouço seus passos na escada. Pelo canto dos olhos vejo-o abotoar a
camisa, seus cabelos molhados. Entra na cozinha. Misca pergunta se ele
quer que ponha o jantar na mesa da sala. Ele diz que comerá na cozinha.
Viro a página do livro, sem ao menos ter lido! E esta maldita
inquietação.
Sabe o que é melhor fazer. Subir e tentar, digo, tentar dormir.
Levanto-me. Subo a escada.
Natasha?!!! - sua voz vem da cozinha,
Fale. - continuo na escada.
Onde você vai?
Dormir. Boa noite!
Ouço o arrastar do banco. Ele aparece na escada.
Espere-me, quero falar com você.
Estou com sono.
Espere-me.
Subo as escadas e entro na biblioteca. Sento-me na cadeira em frente à
escrivaninha e abro o livro novamente... Uma página, viro outra.
Ele chega, elevo os olhos do livro. Senta-se na escrivaninha à minha
frente, rosto baixo para me ver, desabotoa três botões da camisa. Suava
um pouco.
Está quente, vou abrir a janela.
Ele pega meu braço e me faz sentar.
Quero falar com você. Como foi seu dia?
Bem. – respondo.
Bem em que sentido?
Andei fazendo algumas avaliações, pensando na vida...
Natasha, seja objetiva, sem subterfúgios e evasivas!
Não me senti bem. Pedi a Mikail para trazer-me a casa. Não o chamei
porque era cedo, você deveria querer ficar mais algum tempo. Mikail não
queria me trazer, mas praticamente o forcei a isso.
Ele balança a cabeça, morde os lábios, pula da escrivaninha e fala
devagar.
Deixe-me ver se entendi direito. Então, quer dizer que você coagiu
Mikail a trazê-la. Coitado do rapaz! Não se sentia bem... Não me chamou
porque passou pela sua cabeça que eu poderia estar gostando da festa.
Você me toma por algum imbecil! - exclama ele num tom irado.
Primeiro você sabe que não gosto daquele tipo de festa. Depois, sabe
muito bem que não faria questão de trazê-la e ficar com você aqui em
casa.
O que está acontecendo Natasha? Por que Mikail?
Depois de sua saída, por causa do mal-estar, onde ficaram tanto tempo?
Você passa o dia inteiro fora, não vem almoçar, e eu não estou lhe
pedindo qualquer relatório do que você fez ou deixou de fazer. Com
licença estou com sono.
Sente-se aí!
Ele me empurra de leve na cadeira, mas trava os dentes.
Não vai dormir! Quero saber que avaliações fez, sobre o quê?!!!
Olho bem para ele, que está tenso e irritado. Como, também me sinto
assim, e falo:
Avaliações sobre nós, nosso relacionamento, nosso casamento, nosso
sentimento.
Sua respiração é rápida e intercortada.
Qual a conclusão?
Ainda não sei, posso só lhe dizer que estou avaliando muitas coisas,
coisas minhas. Boa noite!
Levanto-me e vou para o quarto, ele chega à porta e fala:
Natasha, eu não sou criança, não engoli o que você falou.
Existiu alguma coisa naquela festa, e você não quer me contar.
Pensei hoje em ir à casa da Condessa e arrancar dela o que aconteceu.
Mas pensei melhor: Seria a pior coisa que eu poderia fazer.
Portanto quero a verdade!
- É, você tem razão, talvez não, quem sabe, você. Saia do quarto
que quero dormir.
É meu quarto também. Estou calmo, mas estou perto de perder a paciência.
É mesmo? E o que você faria se perdesse a paciência? Porque já perdi a
minha.
Ele me aperta com força, com o rosto no seu peito ouço seu coração.
Deus Pai! Veja o que aconteceu. Senti ciúme de você. Quando você falou
em avaliações de sentimentos, suas palavras caíram como água fria em
mim. Antes, eu queria saber o que tinha acontecido, mas eu não pensei
na possibilidade de seus sentimentos terem mudado. A vontade era
sacudi-la para você falar. E me ocorreu de repente! Se ela disser que
não quer mais ficar comigo? Não teria condições de ouvi-la falar isso.
Por isso saí. Precisava de um tempo para ver-me dentro dessa
possibilidade.
Posso suportar tantas coisas, mas não teria condições de ouvi-la dizer
que seus sentimentos por mim mudaram. Como o ser humano se torna
impotente, veio o medo ante a possibilidade de você deixar-me. E veio:
eu não agüentaria mais. Esperei por você tanto tempo, mas, é claro, não
teria como exigir para você ficar comigo. Fui para o estábulo e a vi
correndo na chuva, gritei por você e você corria. Pensei, fui rude,
assustei-a e ela está fugindo. Natasha, não podemos permitir que essas
coisas nos influenciem. Como eu poderia amar o sentimento do amor se
apenas o conheci quando a vi? Nunca o tinha sentido antes. Já lhe
afirmei que tive outras mulheres, porém, nunca amei ninguém. Muito
menos iria a Krisztina para lamentar-me. Todas as mulheres com quem
tive contato sempre as respeitei profundamente e jamais faria
comentários com outra pessoa.
Posso ter meu sentimento independente do seu, pois eu a amo, amo você.
E, hoje, tudo que mais quero na vida é partilhá-lo e comungá-lo com
você. E, por alguns instantes, vi esse mundo nosso ruir. Não podemos
permitir que esses falatórios tomem dimensão na nossa vida. Chegue a
mim ou eu a você, aí, nós dois teremos a total abertura para examiná-
los. Se você ouviu a conversa com Krisztina, deveria ter entrado e
falado. Você nem chegou a ouvir o que eu lhe respondi. Isso deu margem
a você ter mil pensamentos. Como, também, fiquei a pensar: por que ela
saiu com Mikail?
Não deixe que pessoas como Krisztina ou a Condessa venham a interferir
no que é sagrado a nós.
Meia hora se passa até o Visconde chegar. Ele chega meio desconfiado.
Conversa bastante com alguns moradores.
O resultado não sabemos.
A festa vai até amanhecer.
***
Agosto
Setembro.
Atinge, amado, e como atinge-me; chego a ficar gelada. Ela manda seu
recado.
Encosto a cabeça na sua.
Não fique em conflito, Natasha! Ela é só uma mulher ambiciosa, que está
parada no tempo, sem se dar conta que o mundo à sua volta está mudando.
Ela, por puro egoísmo, está ficando num passado inexistente. Nada irá
nos atingir, pode estar certa disso.
Ah amado! Queira Deus que você esteja certo.
Cá estamos no lago.
Mikail começa a pintar.
Não sei onde ele arranja paciência com Igor.
Mikail grita: - Vou começar!
Essa é uma tentativa para Igor ficar quieto, não se mexer.
Correm alguns minutos, olho de lado para Igor. Tenho vontade de rir.
Igor olha para mim e pisca o olho. Puxa-me correndo para o lago, só
tenho tempo de jogar meus sapatos fora. E estamos tomando banho de
roupa e grito para Mikail vir, ele tira as botas e cai na água.
Meia hora de banho e estamos a subir para casa, molhados, ensopados,
rindo de Mikail.
Uma carruagem preta está à porta. É a carruagem da Condessa!
Fico gelada e olho para Igor.
Sua mãe?
Ele solta sua risada.
Imagine seu semblante, nos vendo assim. Quem sabe, ela não gostaria
também de tomar um banho no lago!
Cale-se Igor! Vamos entrar pela cozinha.
Imagina! De jeito algum. É nossa casa.
Meu coração se acelera, o mal-estar que ela me causa é incontrolável.
Igor abre a porta.
Na mesma posição em que estava Elizabeth, a ver meu quadro, está uma
moça. Igor franze as sobrancelhas.
Margit?!!!
Ela se vira sorrindo. Fico na porta a observá-los. Como ela se parece
com ele. Os dois se abraçam emocionados, trocam palavras de carinho.
Ele vira-se para mim e chama-me.
Natasha está é minha irmã Margit. Margit, está é a mulher da minha vida.
Aproximo-me.
É um prazer, Natasha, estava ardendo de curiosidade em conhecê-la.
À primeira vista, fiquei gostando dela. Igor chama Mikail para entrar e
o apresenta a Margit. Mikail se desculpa de estar molhado, e por mais
que insistisse para ele ficar para o jantar, desculpa-se dizendo que
tem muito o que fazer.
Dentro dele mesmo, seus valores estão firmemente plantados. E sabe por
que ele não a teme? Por ser autêntico demais, cristalino como água da
chuva. É cheio de energia e luz. Ele, sozinho, é capaz de mudar o curso
do Balaton! Altruísta, por essência. É o que pensa, faz o que sente;
não existe meio-termo para ele.Tem a claridade e o calor do sol. Um
mago! Existe dentro dele a força e, talvez, por ele comungar com ela,
sua força vai além do normal. Sua visão também; seu pensamento limita-
se com o infinito.
E, muitas e muitas vezes, ele passa de mortal a imortal.
Tenho tanto o que descobrir nele! Seus olhos observam tudo e, ao mesmo
tempo, expressam o que está sentindo.
Margit não só passa o dia conosco, como também fica para dormir.
Ficamos até tarde numa conversa gostosa.
O dia amanhece com o sol brilhante, irradiando perfume e vida.
Magnânimo!
Ao levantarmos, Margit já está na cozinha com Misca. Fazemos a refeição
e vamos à escola.
Após o almoço, ela volta para a cidade prometendo voltar no dia
seguinte. Convido-a para passar alguns dias conosco. E Igor fala:
Ótima idéia, aqui você não terá ninguém pressionando sua vida.
Se tiver coragem de enfrentar os por quês da mamãe, virei.
Estamos na varanda acenado para Margit, e converso com ele, que fica
atento às minhas palavras.
Sabe o que mais me encanta nela? Não! Existe um momento em que
aprofundamos em avaliações e reflexões sobre nossas vidas. Aí, tornamo-
nos aptos ao novo; como um reaprender. Ela tem a consciência de quem
quer acertar; a humildade em rever e reavaliar seus erros, sem culpa.
Tem, também, uma carência de ajuda ou carinho.
Ele olha-me sereno e fala:
- A cada dia você se solta mais e mais, e compartilhar deste ato é
magnífico!
Amada, você está certa, Margit tem a humildade e a carência. Que ela
enfrente a Condessa, principalmente porque deixou que sua vida fosse
por ela delineada.
Outubro.
Novembro.
O tempo corre, entra mês, sai mês, estamos em novembro, mas, meus
pensamentos, vez por outra, vão à Condessa. Nosso elo não se desfaz.
Soube por Margit que ela tenta disfarçar, mas, faz perguntas a meu
respeito. Ao contrário de mim, se fosse possível, calaria a boca das
pessoas quando estão a falar nela. E vejo que nem eu nem ela
conseguimos esquecer uma da outra. Procuro por todos os meios esquecê-
la. E, mesmo não fazendo perguntas sobre ela, é como um fantasma que me
persegue até em sonhos. Já sonhei por várias vezes ela rindo a dizer:
- Não falei que conseguiria?
Por mais que tente dizer a mim mesma: ela não é forte o suficiente para
me afastar de Igor.
Eu, simplesmente, temo. Tenho medo dela, suas manobras são tão sujas
que a vejo com a capacidade de tentar tudo. Se hoje ela está quieta é
que alguma coisa está armando.
Vejo a ingenuidade de Margit, ela pensa que a mãe, ao perguntar por
mim, dá uma demonstração de interesse. O que, em certo sentido, não
deixa de ser.
Soube, por Val, que ela se refere ao nosso filho, como o filho da
cigana. Misca, ao ouvir, quis falar com Igor, mas lhe pedi para não
fazê-lo. Aonde levaria acirrar mais as divergências?
Vou à janela...
Nossa região está nua.
A maioria das árvores perdeu suas folhas. Restam uma ali e outra acolá.
O chão está como um tapete alaranjado. O vento faz seu trabalho.
É uma estação que nos convida à meditação. Estamos no fim do outono.
O mundo parece se preparar para uma estréia. É a nova estação que se
aproxima.
O vento começa a soprar frio.
Passo a mão na barriga. O nosso bebê mexe-se bastante. É uma gravidez
abençoada, não senti nada de anormal. Doutor Lajos vez por outra vem me
ver. Acho-me uma grávida bonita. Igor diz que estou extremamente
sensual. O meu sentido de ser mulher está mais ampliado. Meu cabelo
está mais sedoso, o tom de mel passa para alguns fios dourados, minha
pele limpa; meus lábios mais notados. Fazer amor com ele é, hoje,
suave, deliciosamente suave, nossos momentos são mais longos e
profundos. Creio que existe um ciclo encantado desde o bem-estar à
felicidade. Instalam-se as diferenças.
Continuo indo à escola exceto nos dias de muita chuva. A escola passa a
ser um grande orgulho de todos nós. Elizabeth continua vindo às
quintas-feiras. Suas idéias se concretizam.
Além dos enxovais, estão confeccionando colchas de retalho. Estas são
vendidas, o que representa mais entrada de dinheiro para a escola.
Mikail começa um curso de pintura. Elizabeth está cursando, como,
também, duas moças da cidade. São interessantíssimas as aulas. São
muitas as tentativas, poucos acertos, mas creio que lidar com arte é
aflorar a própria sensibilidade. “Com o conhecimento das técnicas, é só
deixar a inspiração surgir, crescer e tomar forma”. Palavras de Mikail.
Ouvi-lo falar da arte é sentir como ele vê o mundo, e como ele canaliza
sua energia vital.
Margit fica a ouvi-lo. Restam poucos dias para ela estar conosco. Ela
nos comunicou que semana que vem retornará á Áustria. Já sinto saudades
dela.
***
Dezembro.
O dia amanhece com um lindo sol, mas a terra está branca, coberta de
neve.
Estou na janela de nosso quarto, viro-me para nossa cama, meu sol ainda
dorme.
O lago resiste à neve, não está congelado, suas águas serenas.
Não existe mais tanto verde; ali as árvores estão nuas. A imagem é
bonita, mas parece ter havido um desvendar de fatos e folhas. Em
direção do lago corre uma corsa; seus pulos são altos, parece querer
voar.
Só falta uma semana para o natal, a família está me deixando ansiosa.
Vejo Mikail ao longe. Seu cavalo tem dificuldades de andar devido à
neve. Acho que ele vai à escola, e, com certeza, na volta passará aqui.
Volto o olhar para Igor, continua a dormir, suas feições serenas.
Ontem, ele chegou tarde. Foi com Val comprar mantimentos, sacas e sacas.
- Natasha?
Grita Mikail, aceno para ele, abrindo a janela.
Igor está aí?
Sim.
Chame-o, por favor.
Ele dorme, mas aguarde um instante vou chamá-lo. Desça do cavalo e tome
um chá. Misca está na cozinha.
Diga a ele que é urgente.
Que aconteceu Mikail?
A casa de George foi abalada pelo vento de ontem à noite.
Vou acordá-lo.
Fecho a janela, e vou a Igor: - Amado, acorda!
Ele se mexe, abre os olhos, protegendo-os com a mão devido à claridade,
envolve minha cintura atraindo-me para junto de si: - Esquente-me,
estou com frio.
Explico-lhe o que Mikail falou, ele pede-me para avisar a Mikail que
está descendo.
Na cozinha Mikail toma chá com pão e lhe dou o recado de Igor. Quero
saber os detalhes, mas ele não sabe. Igor chega em instantes.
Cumprimenta Mikail e Misca, pergunta o que houve.
Mikail diz não saber ao certo o que aconteceu, pois já fora informado
por terceiros. Igor come alguma coisa, rapidamente. Dá-me um beijo, diz
para não me preocupar e sai com Mikail.
Véspera de Natal.
A neve deu trégua.
Dia encantado.
Meu olhar vai à porta. Por que tanto demora, Elizabeth? A estrada não
está ruim assim. Já chegaram varias pessoas da cidade. Notam-se alguns
do movimento de separação da Hungria.
Belle está na roda das crianças, como se fosse uma delas. Como eu gosto
de Belle, Andrei conversa com alguns moradores. É uma conversa
entrecortada de risos. Nossa gente, além de trazerem um colorido
especial, misturam estórias e histórias pouco comuns.
Anya e Misca, como sempre juntas, estão colocando comida nas mesas.
Mikail conversa com Anita. O pai, não o vejo.
A música torna o ambiente mágico.
Um estranho calor me invade, é um intenso calor,
invade minha alma. O calor se alastra por todo meu ser.
É a música cigana? É a noite de Natal?
Respiro fundo. O calor se alastra mais e mais... É meu avô?!!!
Busco o pai com os olhos. Lá está ele, sua expressão denota
embevecimento.
Seu olhar, enfim, se encontra com o meu, e lá vem ele ao meu encontro.
Passa o braço no meu ombro, e seus olhos são a expressão de muita
emoção.
Pai, o avô está aqui!
Ficamos calados sentindo.
Volto-me ao crucifixo. É Você?!!! O calor se estende numa amplitude que
não alcanço.
É Você também! Acima da minha capacidade humana, transcende um fluxo
vivo.
Tudo bem, meu velho?
O pai vira-se para anya e responde que tudo está maravilhosamente bem.
Instintivamente viro-me para o lado. E ali está ele, o mago. Eu sabia
que ele estava a nos observar, e com certeza, a partilhar deste
momento. Ele sorri e vem se aproximando de mim; pega minha mão e a
aperta.
Você sentiu, Igor! Sei que sentiu a emoção.
Não foi emoção, Natasha. E sim sentimento. A emoção vem do pensamento,
é humana. Experienciar o sentimento é ser.
O olhar de Igor vai à porta. Não consigo ver quem chega, fico na ponta
dos pés. É Krisztina, o pai... Ah! Elizabeth, e uma senhora idosa. Que
bom, ela veio!
Anya me pergunta e eu respondo que quem chegou foi à mãe de Krisztina.
Logo, terei oportunidade de apresentá-la.
Vou ao encontro deles.
Boa noite! Sejam veja bem-vindos, já estava preocupada.
Elizabeth não está bem. Está muito pálida, seu olhar perdido nas muitas
pessoas.
Seguro suas mãos geladas, fico assim, enquanto seu marido fala:
Ela não queria vir, de maneira alguma, mas tanto fiz que consegui.
Imagine, ficar sozinha na noite de Natal! Pois, eu viria de qualquer
jeito.
Olho para ela e pergunto: - O que a senhora tem?
Ela tenta um sorriso e responde:
Nada, é uma das minhas indisposições. Só isso. Você está linda, Nat.
Esta é minha ama Tuthy, está é Natasha.
Muito prazer, Tuthy; seja bem-vinda!
O prazer é meu, senhora.
Falo com Krisztina. Igor foi arranjar um lugar para acomodar Elizabeth.
Meu Deus! Seu semblante é de angústia viva. Seu marido e sua filha nem
se apercebem.
Depois de acomodados. Comento com Igor e falo que vou procurar anya;
quem sabe, com uma boa conversa, Elizabeth não melhore. Ele responde:
- Ótimo, faça isso. Não demore.
Seu ar é maroto.
Igor! Igor! Krisztina não é ameaça para mim, aliás, ninguém o é.
Presunçosa! É a mais pura verdade.
Encontro anya junto de Andrei. E falo o que ocorre, digo-lhe que ela
sempre sabe o que fazer, então nos ajude. Anya retruca que, nem sempre
há solução ou ajuda para tudo. Abraço-lhe e falo que se, ao menos,
pudermos levar a ela o sentido fraternal desta festa, quem sabe ela não
melhorasse.
Atravessamos o galpão.
Ao chegarmos perto de Elizabeth, observo ela estar mais pálida. Igor
pega anya pelo braço e a apresenta ao marido de Elizabeth e a outras
pessoas. Vou para junto de Elizabeth.
Esta melhor? Quer tomar alguma coisa?
As duas, ela e sua ama, olham na direção de Igor. Acho que nem me
escutam. Anya vem se aproximando com Igor, sorrindo com algo que ele
fala.
Elizabeth, apresento-lhe minha sogra Lorna.
O sorriso some do rosto de anya, que fica tensa. Dá dois passos à
frente e pára, ficando a olhar. Elizabeth levanta-se e estende a mão.
É um enorme prazer conhecê-la, Lorna. Sua filha fala-me tanto a seu
respeito. Esta é minha ama Tuthy.
Anya fala com as duas estranhamente. Pede-me um ponche.
Vou pegá-lo e peço para Misca servir. Assim, quem sabe, elas
conversando, Elizabeth melhora, e anya deve ter sentido algo com sua
aguçada intuição.
Fevereiro.
À minha frente, a pequena Ivy. Por mais que a tenha esperado, imaginado
ou sonhado, ela agora é tocável. Solicita por estar com fome ou quando
está molhada. Não mede o tempo, se é noite ou dia. Muitas vezes fico a
olhá-la intrigada: uma recém-nascida, não parece com ninguém; que
nasceu com tanto cabelo, e agora está caindo. Tão pequena e tão repleta
de vida! Tão esperada e tão amada!
Essa magia que faz um pequeno ser sair do ventre e chegar à vida. O
nascimento é, em todos os sentidos, a maior maravilha humana.
Estar com Ivy é precioso. Ficamos Igor e eu sem qualquer noção do
tempo, a tocá-la, a senti-la. Os momentos nos quais estou a amamentar,
o simples ato reveste-se de tão tanto esplendor, é como lhe transmitir
toda nossa história.
Março.
A escola está cada dia mais forte, entraram mais crianças e adultos, o
movimento é contínuo.
Abril.
Primavera! Um ano!
Estou na biblioteca. Olho a janela, tudo tem cor!
Um ano! Há momentos em que sito a eternidade se abrindo para nós.
E aí eu me pergunto: só um ano?
A eternidade cai sobre nós em momentos nos quais o tempo parece não ser
tempo; quando cada fração é ilimitada.
Existem momentos em que fazemos novas descobertas e deparamo-nos com
algo novo. Estar ao lado de Igor é ter, ao mesmo tempo, as duas coisas.
Isto é, desfrutar do lugar e do momento - do aqui e agora.
O sentimento por ele toma uma dimensão ilimitada e, quando estamos a
nos amar, essa dimensão toma forma que vai de pequenos gestos a total
integração. Dou-me conta, então, de que a descoberta é constante.
É dia, mas está escuro, já é noite? Vejo o quarto: a moça está, ainda,
deitada, estão lá suas roupas. O que vem a ser isso que ela está
usando? Sua fronte está encharcada de suor e ela balança a cabeça. Ela
delira. Como posso ajudá-la, é desesperador vê-la assim. Suas cobertas
estão no chão. Quero cobri-la, mas não consigo. Não consigo sair de
onde estou. Não existe ninguém por perto; olho em volta, uma grande
janela dando para o mar. Vem uma brisa. Sopra a brisa. Deus a ajude.
Faça aparecer alguém, ela não poderá agüentar muito tempo, eu sinto
isso! Sinto sua agonia.
A brisa é morna, fecho os olhos.
Calma! Tenha calma, você está bem, é o confronto com o tempo. O amor
une o possível ao impossível. Estou aqui com você, não tenha medo. O
tempo é um amigo...
Abro os olhos, não para confirmar o que sei. Mas para me inteirar de
que é Igor quem fala com ela!
Sai a noite, entra o dia.
Natasha! Fale comigo.
Sinto-me tonta, muito tonta. Abro os olhos, fecho-os. É dia, mas era
noite há pouco.
Natasha! O que você tem, fale comigo.
Igor! Onde você está?
Seus braços me envolvem.
A tontura vai sumido. Sinto seus braços me apertarem. Vou respirando
profundamente e lentamente.
O que você tem, amada? Você está suada. O que está sentindo?
Abro os olhos, olho em volta: a biblioteca. Igor abraça-me forte; falo
a ele:
- Quando entrou aqui?
Minha voz sai distante. Ele olha-me e fala:
Agora há pouco. Vi-a em frente à estante. Você parecia fora de si. O
que está sentindo?
Fale-me o que você ouviu?
Natasha, você está pálida. Vamos para nosso quarto.
Diga-me, Igor! Eu estou bem. Só quero saber o que você viu ou sentiu?
Já lhe falei! Entrei aqui e vi você branca parecendo fora de si, suada
e de olhos fechados. Quando os abriu seu corpo estremeceu.
Respiro fundo, a tontura passou, passo a mão nos meus cabelos, estão
suados. Sento-me na cadeira, ele se agacha à minha frente, seu olhar...
Você não está bem. Vou chamar o médico!
Igor, se não estivesse bem diria a você. Você não era para estar aqui,
por que veio?
Estava a cavalo já nas vinhas. Senti algo. Então, não segui para as
vinhas, corri para casa. Como se você me chamasse. Veio à minha cabeça
você e uma coisa vaga sobre o tempo. Conscientemente, senti que você
estava precisando de mim.
O que você pensou sobre o tempo?
Não sei, quando senti que você não poderia estar bem, fiquei nervoso.
O amor une o possível ao impossível. Seria isso?
Ele, mais tranqüilo, sorri:
Pode ser. Não sei ao certo, por quê?
Conto-lhe tudo que vira, tudo que sentira. Seus olhos se prendem entre
mim e algo distante, depois voltam-se às taças. Continua calado.
Que vem a ser isso, Igor? As taças, eu, você e essa moça. E, novamente,
a pergunta ecoa sem resposta, o que vem a ser isso? E, em mim existe
pressa. Pois, ela não está bem. Ela está muito, muito doente. Por mais
estranho que pareça, eu tenho uma ligação com ela, e, ao ver você junto
dela, acalmei-me. O que fez você sentir o que sentiu? Sentiu que eu não
estava bem, porém eu não estava bem por ela não estar bem. E por que
toda vez que falo nisso você se ausenta, fica distante? O que você
sente, Igor?
Ele respira fundo, fica calado por um tempo e fala.
O que eu sinto? Quando você me fala das cenas que vê, sinto-me sendo
puxado. Meu sentimento segue, e meu pensamento não acompanha. Por isso
fico ausente. Sinto sim, que tudo isso tem a ver com o futuro.
Olho para ele confusa:
Que futuro?!!! Tudo que vejo não é conhecido! Exceto minha
identificação com ela. Que futuro, Igor?
O nosso. Nosso futuro, Natasha.
Julho.
Lua cheia
Uma nuvem, transparente passa por ela. Igor abraça-me forte; um homem
como este deve ter vindo dela, da estrela.
Noite de lua cheia, repleta de uma ternura que a brisa espalha por toda
a região.
Brisa morna, lua cheia, nossa família e a estrela brilhante.
Final de Agosto.
Ivy está linda! Tem os olhos vivos e os cabelos do pai, a cor da pele é
a minha.
Embora Ivy tenha a expressão do olhar de Igor, o formato amendoado é
meu.
Tenho-a nos meus braços. Igor, deitado na relva, brinca com ela. Fico a
rir dos dois.
Ela faz barulho com a boquinha, babando a ele e meus braços.
Natasha, venha cá, vocês têm visita!
Olho para Igor a indagar; ele encolhe os ombros. Só ouvimos o grito de
Misca, Igor levanta-se, pega Ivy e ajuda-me a levantar. O dia está
quente, subimos o morro para casa.
À frete de nossa casa, a carruagem da Condessa, meu sangue gela.
Olhe para mim, Natasha. Quando você irá parar de temê-la? O que faz ela
lhe parecer tão forte? Amada, que mal ela poderia fazer?
Igor, como eu gostaria de lhe contar a chantagem que ela armou sobre
nós. Algo que não se pode esquecer. Não há como esquecer.
Estamos juntos, e nada, ninguém nos afasta. Confie em você mesma.
Confie em mim, somos uma unidade; uma forte unidade, e o que nos une é
a maior força que existe.
Amo você Igor, esta é minha verdade.
Chegamos em casa, Igor me entrega nossa filha como para dar-me
segurança, passa a mão nos meus ombros e abre a porta. E sou eu que
falo aos gritos:
Eu não acredito no que vejo!
Há poucos passos está Margit conversando com Misca, vira-se rapidamente.
Nosso abraço é demorado. Ela pega Ivy nos braços
Meu Deus! Como é linda! Você é linda minha princesa.
Não sei a que horas paramos de falar. Falávamos ela e eu ao mesmo
tempo, depois rimos. Ela, disse, então:
Vocês terão que agüentar-me aqui por um novo período.
Início de Outubro.
Será que ela está a executar o combinado? E se essa carta não existir?
Melhor para todos nós. As horas parecem se arrastar.
Se Margit for surpreendida a mexer nos documentos da Condessa?
Mas Margit é inteligente. Porém, a Condessa também o é. E nós duas
envolvemos Elizabeth, logo ela, que é tão sensível!
Não! Não fale assim. Você é tudo! Eu não viveria sem você.
Segura meu rosto entre as mãos, olha-me profundamente, bem dentro do
meu ser.
Viveria, pois o amor por você é sentimento. Sentimento não morre. O
sentimento é vivo. Se o sentimento é vivo tudo o é. Viveria, pois meu
sentimento estaria vivo através de você.
Coloco as mãos nos ouvidos e falo: - Não! Pare...Não estaria vivo
através de mim, por que só ha vida, falo, vida com você!
Ele retira minhas mãos dos ouvidos, olhando-me...teu olhar minha vida é
puro amor. E fala com sua voz grave e forte:
- Amada, atenta, lembra que ti falei que abrimos o caminho? Sou teu
caminho, você o meu! Escuta-me: você ou eu esteja onde estiver, somos e
seremos quem somos! Esteja onde estiver você sempre sentira nossa
verdade, o que somos, por que assim é minha vontade, como é a tua. Onde
esta um, existe o outro. E cedo ou tarde, como você ouviu:o tempo une a
quem quer se unir. Dentro da Lei Maior: Amor.
O tempo!
Tempo...
Subimos rindo para casa.
Amanhã será um dia decisivo. Decisivo para todos nós.
Olho para ele, principalmente para você, minha vida.
Aqui agora, não sinto receio algum.
Minha cara, eu faço qualquer coisa, qualquer coisa para não perder o
que tenho. Faço arranjos, alianças ou o que for necessário, mas perder
o que tenho nunca. Nunca! Entregaria Igor, sim, sem sentir culpa, pois
é ele ou eu. Com sua saída da vida dele, será terrível para ele ficar
aqui, no mesmo ambiente que viveu com você. Irá para casa de Margit, e,
lá, na corte, calará a boca da aristocracia. Você pode se perguntar por
que ele irá para casa de Margit. Estarei lá e, ficarei doente, quem
sabe se não estaria à beira da morte, e o chamarei, e meu bravo leão,
irá. Quero meu filho do meu lado. Se não for o caso, tê-lo-ei como
inimigo e inimigo nós eliminamos. Aproveite bem o resto de sua estada
aqui e, quando estiver perto de você partir, eu a chamarei. Até lá,
acho que não nos veremos mais. A propósito, sei o quanto Margit está de
amizades com você. Comece a cortá-la, isso será ruim para ela. Bem, já
falamos tudo que tínhamos para falar. Estou aguardando uma visita, se
me der licença...
Deus! Não pensei que pudesse existir alguém assim, ela é monstruosa,
levanto-me:
Esteja à vontade Condessa.
Ah, só mais uma coisa, não se exponha aqui em Badacsony com sua menina.
Sei que vocês estiveram na feira. É muito desagradável! Perguntarem a
mim sobre a menina, e eu tendo de dar mais uma desculpa! Portanto,
fique com ela longe da cidade. Aproveite seu tempo.
Todo esse tempo calada e com medo. Enfim acabou.
Irei aproveitá-lo até o final dos meus dias, “cara” Condessa. E quanto
à carta que compromete meu esposo. Agora está em boas mãos. Tenha um
bom dia, senhora.
Seus olhos se arregalam e me fulminam, passo por ela, ouço sua voz
atrás de mim.
Cigana, espere!
Não dou o trabalho de virar-me.
Se, porventura, você estiver me desafiando e não deixar meu filho, se
for isso, eu acabo com você... Natasha ... Natasha...
Subo as escadas, abro a porta da rua. Val espera-me na charrete.
Livre! O sorriso vem nos meus lábios.
Subo a charrete, é mais que alivio, é liberdade. Faço esforço para me
conter.
- Para casa, Val. Para nossa casa.
Igor... Natasha...
Ouvimos os gritos!
Olho para Igor, os gritos continuam.
É Margit! – falo a Igor. - Estamos chegando. Está ouvindo?!!! -
respondo.
Venham correndo... Igor!
Ele pula do cavalo e retira-me às pressas.
Corre à frente e eu, logo atrás dele. Corremos em direção a Margit, ela
está pálida, está chorando... Ivy!
O que houve Margit?!!! Alguma coisa com Ivy?!!!
Ela balança a cabeça soluçando.
Coloquei-a lá fora de casa, como sempre fazemos... Em cima da colcha.
Entrei para pegar seu sopinha... Ela sumiu! Sumiu!
Sinto alivio.
Não se preocupe Margit, deve ter sido Mikail. Ele tem essa mania; leva-
a para escola. Tenho certeza que foi ele, outra vez... Vamos lá, é bem
capaz de ele já ter voltado. Muitas vezes pega Ivy para dar uma volta.
Venha.
Tem certeza, Natasha?
Olho para Igor, que está muito sério, e sobe à nossa frente. Sinto
alivio? Não, há algo aqui em mim, mas tento tranqüilizar Margit, como a
mim mesma.
Venha, Margit, ele já fez isso antes.
Misca está como louca. Fiquei apavorada. Ela já está andando, não teria
saído sozinha?
Amanhece...
Igor e eu na cozinha, sentados no banco. Encostada no seu peito; ouço o
seu coração, a dor presente.
***
È noite.
Estou no quarto. Igor está lá embaixo providenciando sua viagem, não há
como fazê-lo mudar de idéia, e nem quero tentar. Sei o que ele sente, e
sua força é tanta que se ele não fizer algo, esse outro sentir, ficará
instalado nele.
Misca e Margit me trazem um chá, não há o que falar.
A dor nos acompanha. Depois de um longo silêncio, ouço Margit:
Se eu não tivesse saído. Se tivesse ficado ao lado dela. Ah! Meu Deus.
Olho-a com carinho, toco seu rosto e falo:
Por favor, Margit, não coloque culpa onde não existe. Se fosse assim eu
poderia também dizer: por que Igor e eu saímos à tarde? Por que deixei
a Condessa saber que estava com a carta? Nada fará com que ela volte, é
essa a dor que sentimos.
As lágrimas escorrem por nossos rostos.
Igor entra no quarto, olha-me e suspira. Misca e Margit saem.
Olho a janela. A noite está estrelada. A estrela que Igor fica a olhar
brilha. Ivy deve estar nela.
Levanto-me e vou à janela. Igor senta-se na cadeira de balanço.
Ela está lá em cima. Meu avô a embala nos braços... Deus, como queria
tocá-la...
Soluço, Igor me abraça pelas costas, puxa-me para a cadeira de balanço,
senta-se e eu sento-me em seu colo. Embala-me como criança. Choro no
seu ombro. Sua voz sai contida:
Ivy! Por um tempo fomos abençoados por sua presença. Embora possamos
sentir, compartilhar com você.
Levanto o rosto.
Você fala coisas que não entendo. Eu quero Ivy aqui. Como? Como posso
estar com ela? Sim, pois para compartilhar terei que estar com ela.
Quando? Só quando morremos! Até lá esta dor, este vazio.
Não, Natasha.
Como não, Igor? Sinto a perda da minha filha.
Ele soluça e me abraça forte, tão forte. Acaricio seu cabelo e falo
mais para me mesma:
O dia amanhece.
Igor e eu na cadeira de balanço.
Vimos todo amanhecer, as estrelas se foram. O sentimento permanece.
Entardece. Pela manha estava até melhor; agora, o que é isso que sinto?
Ando de um lugar para o outro.
Noite.
Estou na biblioteca... olho as taças...
O que sinto que me desnorteia?
Sento-me na cadeira. Onde está a força?
Solte-se, Natasha, solte-se. Sinta seu sentimento. Sim, eu sinto meu
amor.
Respiro e mergulho: amo você, Igor.
Respiro e mergulho no que sinto. Sinto o perfume de Igor... Mesmo que
me cale, ecoará em você: eu amo você...
Sentimento solto... É noite ele está junto à fogueira, ergue-se a
ouvir...
Grito! Ouço meu grito!
Mikail abre a porta.
Eu ouvi, Mikail, eu ouvi Igor! Ele chamou por mim!
Ele se debruça na cadeira e me abraça.
Misca me dá um chá. Quantos terei que tomar para me acalmar.
Eu ouvi sua voz, eu ouvi. Margit alisa meus cabelos...
A casa é silêncio.
Margit dorme a meu lado. Não consigo dormir. Estou oca, sinto só frio.
Não existem pensamentos. Talvez, não queira pensar.
Vida, volte logo, e me tire dessa agonia.
O dia começa a clarear.
Onde estou?
É nosso quarto. Foi um sonho!
A meu lado Margit, doutor Lajos. É isso, estou doente. Doutor Lajos
fala:
Natasha, ouça-me, você está muito fraca. Não saia da cama.
Graça aos céus, foi um sonho, um sonho ruim.
Igor? Ele já chegou, alguma noticia dele?
Margit me olha apavorada, lágrimas escorrem por seu rosto.
Eu não sonhei... É verdade?
Margit me abraça, desesperada. O médico dá-me algo para beber. Vejo
Mikail na porta.
Mikail, fale-me a verdade! Ele está vivo?
Lágrimas no rosto de Mikail. Olho para ele, para Margit. Pulo da cama,
Mikail está na porta, vou a ele. Eu sinto, como já tinha sentido, com
aquele frio. Não foi sonho, é verdade.
Deixe-me passar Mikail, por favor!
Não, Natasha! Fique aqui deitada! - é Margit que fala.
Mikail, deixe-me passar. Quero vê-lo. Quero tocá-lo. Eu necessito,
preciso.
Ele me abraça e fala: - Venha comigo, Nat.
Desço parte das escadas. A casa está repleta de gente. Muita gente!
As pessoas se afastam. Muita gente. Há choro na sala.
Vejo o padre Pal orando. Pára ao me ver. Mikail afasta algumas pessoas.
E o vejo. Igor!
Aproximo-me e toco seu rosto, toco seus lábios, abaixo-me.
Você tem tanto o que me ensinar! Você sabe, sabe que é minha vida.
Perdoe-me, não saberei viver sem você. Como ter vida?
Beijo seus lábios, coloco meus dedos por entre seus cabelos.
Não sei o tempo. Meu amado à minha frente, sem vida.
Não existe mais brilho nos seus olhos, estão fechados. O belo rosto, o
cabelo negro.
Novembro.
É intenso o frio.
Daqui da janela vejo a terra já branca, é quase dezembro.
Natasha. Doutor Lajos está aqui.
Ele chega perto e fala com carinho:
O que posso fazer? Não sei mais. Você só tem ossos. Misca falou-me que
não tem comido nada. Natasha, você tem que reagir!
Admiro sua dedicação. Estou bem, fique tranqüilo.
É noite...
Nat?!!!
Entre Margit.
Pensei que estivesse dormindo. Trouxe-lhe leite. Vai tomar sim. A
escola está indo bem.
Fale-me, conte-me como foi seu dia...
Ouço-a. O pensamento vai a ele. Meu sentimento está com ele. Minha alma
também, minha vida...
... e, Elizabeth veio lhe ver, você estava deitada, Natasha? Você está
me escutando?
Ela alisa meus cabelos.
Você não consegue ficar sem pensar nele, não é?
Não... É mais forte que tudo.
Margit, você disse tudo. Existe uma força, a força de Igor. Busco-a e
só encontro nele.
Amanhece.
O que você estará fazendo, Igor?
Como está nossa pequena Ivy?
Natasha.
Bom dia, Mikail.
Seu suco, por favor tome. Logo sua família estará aqui, já pensou nisso?
Claro! Será bom, não é?
Ele toca meu rosto, me alimento só para satisfazê-lo. Eu, realmente,
não sinto fome. O alimento está distante.
À tarde, sonho com ele. Está bonito. Seus cabelos negros; seus olhos
brilham em meio a um sorriso: amo você.
Acordo, olho nosso quarto...
Vou dar um passeio, não neva.
Pego o casaco de pele. Visto-o, estou mesmo magra.
Estão todos na escola. Misca foi levar um bolo até lá. Margit e Mikail
estão em plena atividade. A escola cresce de forma bonita!
O frio não é muito.
Subo o morro. Meu pensamento é nele, no mago.
Por que você fez isso comigo? O certo seria o contrário, você teria a
força para ficar. Tenho certeza. Embora, sempre afirmasse me achar uma
pessoa forte. Eu não sou.
Subo ao lugar onde nos encontramos pela primeira vez. Fiquei sem ar,
seu magnetismo tomou-me. Sorrio, relembrando-o: - É você? Você voltou?
E aqui sentimos nossos corpos. Olho morro abaixo; sorrindo: só aqui?!
Por todo esse vale, por entre bosque, nas águas do Balaton.
Como também sei, pois sinto; a Condessa não tinha intenção de tirar tua
vida, e sim te assustar.Todos nós sabemos, e creio, que o sofrimento
dela é por demais terrível. Que o Alto tenha misericórdia. Se querias,
de certa forma, ensinar a Condessa; ela aprendeu, da forma mais
dolorosa.
Em mim: aqui na terra quem vence é o poder?
Chega a noite.
Abro os olhos, e fecho-os, em seguida.
A voz de doutor Lajos. Está distante.
Não tenho mais o que fazer. Não há mais nada a fazer. É o pulmão, além
de ela estar muito fraca, não quer reagir. Não sabem como me sinto...
Durmo.
É Misca: - Minha menina, por Deus reaja... Você é como uma filha...
O sono é forte e abençoado.
Igor!... É você?!!!
Abro os olhos, Mikail e Margit ao meu lado.
Natasha, você tem que...
Não entendo a frase. Ele não está aqui.
Durmo.
Acordo com Elizabeth, ela chora, grita, não a entendo, mas falo: -
Elizabeth eu tenho um imenso carinho por você, é tão forte... Margit
minha amiga e irmã... Mikail, Misca... Está tudo tão longe... Misca
faça anya e o pai entender...
É noite... 1988.
Olho de lado. Numa cama, a meu lado, minha irmã dorme.
Olho o teto do quarto do hospital.
Pneumonia, febre e delírio.
Amanhã terei alta.
O médico perguntou por que eu não queria reagir. Sim, por que?
O porquê eu não sei dizer, nem explicar!
Fecho os olhos. As lágrimas escorrem pelo meu rosto. O que aconteceu
comigo?
A vida não faz sentido...
O mundo é preto-e-branco...
Final de julho.
Agosto.
Nunca tive depressão. Lógico, que vivi momentos deprimida. Porém, não
isso que sinto. Corrói-me por dentro.
Penso, tento analisar. Não consigo, vem uma pressão nas têmporas.
Minha amiga esteve aqui. Disse que revi minha ultima encarnação.
Rever quer dizer reviver? E o que vem a ser isso que existe dentro do
meu peito?
Amo minha família!
Mas o sentido da vida se perde.
Decidi: vou fazer análise, terapia de apoio. Seja o que for. Preciso
ser quem sempre fui, ser levada para casa. Casa? Levar-me para casa...
Hungria? Hungria.
Por mais que aja, no meu dia-a-dia é tudo forçado.
Levar-me para casa; meu coração está fechado, fechado e ferido.
Voltei ao médico e ele disse ser stress. Quem dera isso me convencer.
Como seria bom se existisse o efeito físico e eu desconhecesse a causa.
Como lidar com essa absurda causa?
É tanta dor e a olhos vistos não existem motivos.
Tarde de agosto.
Acabo de chegar do médico, ainda com os resultados dos exames nas mãos.
Pois ontem a pressão nas têmporas fez com que caísse no chão do
supermercado.
Os exames não mostram nada. Nada! Ou seja, volta-se a pensar em stress.
O médico passou-me um relaxante. Sinto muito, não quero paliativo.
Início de Setembro.
Amanhã irei a uma terapeuta. Dizem ser ela uma pessoa que acredita na
sensibilidade sensitiva. Vamos ver no que dá.
Sorrio sozinha em pensar o que irei disser-lhe: olha tive uma febre e
fui parar em 1813.
Ontem houve um jantar aqui em casa. E um amigo nosso perguntou-me: o
que sentia com a depressão?
Falei que ao estar no delírio da pneumonia, tive um sonho.
Ao falar do sonho, o sentimento me tomou.
E ele então fez uma pergunta: - O que é mais forte: a depressão ou o
sentimento?
Fiquei o olhá-lo, não soube como lhe responder.
Aqui agora, a pergunta do caro amigo ressoa em mim.
Meu coração dispara! Sinto o sentimento, sinto o sentimento que tenho
por ele.
Respiro esse absurdo sentimento... Suspiro... Sinto-me leve. Muito
leve, como se retirasse uma roupa pesada. Leve, muito leve, como a
voar. Voando rumo ao alimento...
Que é isso?
Que coisa mais tola!
É impossível - acorda!
Foi um sonho...
Deixe-me sonhar!
Por que deixaram-me viver?!!! Não consigo viver assim. Eu não consigo!
É o nada, é o preto-e-branco. O colorido está longe como a vida.
Fui à terapeuta.
Ouvindo-me falar, vejo que da minha pessoa anterior restou muito pouco.
A mulher que sempre estava de bem com a vida, que sentia uma força
interior enorme e inesgotável, que trazia um bom humor constante. Como
gostava de rir! Não sorrio mais... Ficou tudo naquela casa de praia.
Ela falou: - Desde que você chegou aqui, fala em lógica. E quando não
a encontra, o que faz?
Aqui sentada, vendo esta chuva cair, chuva fininha, penso no que ela
falou.
Cai a chuva nesta noite estranha, noite bela. “Quando não encontro o
lógico o que faço?”.
Antes, bem antes eu jogava no tempo. O que eu não entendia, eu jogava
no tempo.
Agora me angustia. Mentalmente tento comandar o que sinto. Porém, o que
sinto é algo enorme, a mente não responde. E por vezes não controla.
A chuva cai sutilmente.
Lentamente exponho minha mão para sentir a chuva...
Fecho os olhos e sinto os leves pingos da chuva. Sinto o contato suave.
Sinto o envolvimento desta estranha noite. Sinto e respiro
conscientemente: o contato e o envolvimento suave...
Retiro a não da chuva - não quero ter consciência deste sentir.
Outubro.
A terapeuta:
A sua pressão nas têmporas é o grito de seu eu interior. Por que você
não se permite.
Eu: - permite o quê?
A terapeuta:
Qual o nome dele?
Olho para ela. Reluto, mas falo: - Igor! Seu nome é Igor.
Ela: - Muito bem, o que você sente por Igor?
Um grito preso na garganta. Olhei para ela. Peguei minha bolsa e sai.
Um grito preso na garganta. Peguei um táxi e pedi ao motorista para
rodar sem rumo.
Na minha cabeça a voz dela: - O que você sente por Igor?
As lágrimas escorreram e não conseguia controlá-las.
Por que Lu, você me fez essa pergunta? Sem ao menos me preparar!
Creio que passei um bom tempo rodando, até que parei na praia, paguei o
motorista, que, delicadamente, perguntou se eu ficaria bem. Respondi
que sim.
O que você sente por Igor?
O grito preso na garganta: Eu o amo!
Por mais loucura que seja, eu o amo... Mas que sentido tem!
Noite - Linda!
Final de Outubro.
Novembro.
É tão forte!
Revejo cena por cena... Por vezes fico igual a um animal ferido, sem
saber, ao certo, o que fazer. Em alguns momentos vou ao banheiro,
sento-me no chão e sai um choro que abafo com a toalha. É um choro de
desespero, sofrido. E essa realidade é dor que ninguém entenderia.
Onde está você? Onde?
Vive em outra dimensão? É isso? Onde?!!!
Por mais que pergunte, minha mente não consegue responder. Mas o meu
sentimento apontara.
A terapeuta.
Que dimensão?
Não perguntei a ela. Um leve sorriso, começo a conhecê-la.
Uma forte e determinada mulher que tanto me ajuda.
Dezembro.
Por que tanto luta? Vida passada? Em que dimensão? Eu lhe pergunto,
quem poderá lhe responder?
Eu:
Eu. Se me solto, fico bem.
Muitas vezes, acho que tive um belo sonho.
Muitas vezes eu sinto este sonho.
Muitas vezes minha mente diz que criei algo platônico.
Muitas vezes, por não respirar o platônico, eu mínguo.
A terapeuta:
Quer um rótulo?
Eu:
Não. Por mais estranha que seja esta realidade, é minha realidade. Não
tenho noção da extensão desta realidade, mas sinto-a.
Ela sorri.
Rendo-lhe graça. Sem sua vital ajuda, com minha mente racional reinado,
pensei estar insana. Com profundo respeito e carinho, sou-lhe
imensamente grata!
3:20 madrugada.
Igor. E ele fala bem junto a mim. Conseguia sentir sua respiração.
Sua lógica traz-me fragilidade. Como lhe parece que sinto suas crises.
Afirmo: eu sinto.
Por que você não aceita? Seja receptiva e aceite: somos quem somos.
Sabe por que não aceita? Porque não tem lógica; e tudo converge para
este ponto: lógica racional. Você não aceita, embora sua alma grite por
mim. Sua lógica dita que não faz sentido, principalmente, quando o
sentido não está presente.
Existe lógica para um sentimento?
Sente o sentimento, sua mente dá acesso, pois é um processo consciente,
mas seu racional não permite.
Ao soltar-se você sente. E vem sua racional impondo: é impossível!
E eu afirmo: ao amor, tudo é possível.
Então surge sonho ou criação. A mente fértil diz que você me criou.
Você rende-me homenagem como um herói que já nasceu morto.
Sinto muito, eu vivo. Sou vivo, não sou herói nem tampouco morto.
Então surge outra possibilidade: eu ser seu eu superior. Sinto muito,
não sou. É nesta dimensão que estamos tendo contato. E se são dois:
você e eu, então você é fantástica! Tem mais que um eu superior!
Posso perguntar a seu racional, por que você se desespera?
Eu afirmo: É porque me quer; porque me ama e sentimento vai além da
lógica.
E vem o desespero: o racional querendo provas e o sentimento querendo
estar, partilhar.
E vem você a dizer: estou louca. A mente racional não consegue enxergar
o além, e eu sou o além. Com isso fica presa.
É evidente que a lógica tem uma grande importância. Mas não esqueça que
são os sentimentos que fazem o homem um ser.
Sem o sentimento, ficando só a lógica, nada mais fica que um poço
escuro, onde só existe o preestabelecido. A mente é um aliado do homem,
o restante são os sentimentos rumando para a compreensão, entendimento.
Sabe o que ocorre?
Seu coração pulsa o sentimento consciente. Há o alerta: é algo sem
sentido; surge o medo, que é válido. Mas é válido ao sentimento
consciente?
E surgem barreiras impostas pela mente. Sua alma grita, e eu vou de
encontro a todas elas. Eu a amo.
Solte-se e sinta. Se porventura hoje é nostalgia, que ela traga a
saudade. Pois a saudade é mais sadia que sua lógica racional.
Olhe o brilho das estrelas. Quem as fez não pensou em lógica. Se assim
o fosse, tudo estaria contido num pedaço de papel. Fizeram para o ser
contemplar tamanha beleza que é o universo. Fez para homens e outros
homens; que, por amor, quem sabe um dia comungar com o eterno.
Solte-se mais... Você não chegou ao nosso trato.
Solte-se; e bendita seja tua saudade, pois ela é tão profunda e tão
antiga, que tua mente não responde.
E aí, pelo sentimento do amor, que é vivo, eu chegarei e tocarei tua
alma.
O que me garante? A única lei que conheço, o amor.
O dia amanhece.
Tomo consciência: o amor precede a vida.
Junho.
Energia
Estás presente como um presente para os homens, para a vida e para além
desta vida.
Energia, que cai, brota, emerge como um instrumento, consciente ou
inconsciente. És a harpa pacifica e serena, como também és um vulcão em
erupção, és uma arma, és amor. És tudo, tudo que quisermos, és um nada
– mudo. Vagas ao leu, barco sem rumo?
Não. Estás em tudo: Nós é que estamos inconscientes ou conscientes, a
ti.
Deleitar-me nas tuas correntes é vida, é só questão de consciência,
pois és a harpa ou a arma.
E em meio ao acordar que te indaguei: o mundo te conhece?
Claro que sim. Eu é que não te conhecia consciente.
Leva-me nas correntezas: luz. Deparo-me: luz.
Agacho-me em profunda e sentida humildade qual fruta que leva a semente
de sua origem.
São meus pensamentos e emoções que irão fazer esse fruto ser doce ou
amargo, nutritivo ou destrutivo.
Energia.
Não nego, existiram momentos que melhor seria não te conhecer. Dormias
tranqüila qual criança no leito da minha vida. Teu acordar foi outrora
suave, como um bebê, embora fosse imprevisível. Agora é diferente,
geras uma força que excede a tudo que já senti. Deparo-me com uma
verdade se acaso pára a energia no racional, no ser pensante, a força
fica qual redemoinho a gerar emoções.
O que exiges, energia?
Não é mais consciência do foi, é como um pulsar à frente.
- Meu ser pensante é tão difícil dizer-te, fazer-te entender... Não há
como deter, se deténs ou reténs a energia é o mesmo que enlouquecer.
Entendes? Ficar com a energia em ti tece tantos pensamentos e esses
pensamentos trazem tantas emoções: é o redemoinho... E tenho que
seguir.
És um aliado, ser pensante, um magnífico aliado, pois tudo corre
contigo acordado, consciente. Renda-se à energia que nos leva, ainda
não sei onde.
Indaga-me, ser pensante, o tempo inteiro e puxas as emoções. Ah ser
pensante, renda-se e deixe que o sentimento inundado de energia siga a
trilha, e que sintamo-nos conscientes. Queres um exemplo: ao acordar,
se existe o indagar, tece-se a rede, as emoções contraditórias. Ao
acordar, se simplesmente sentimos a vida, tudo é vida. É neste ponto em
que excede-se a energia, como uma expansão, dando-nos força que leva-
nos à trilha como para um reino. E ao meu ver, no reino não existe o
impossível, existe vida que pulsa e chama.
E lembro-me: quando energia não te conhecia, agia como criança sem
muito raciocinar, me levaste e relutei em acreditar. Fugi como
adolescente querendo ser auto-suficiente negando o sentir e a usar
fórmulas, a lógica reinou e levou-me ao profundo abismo, ao fundo do
poço e que só vi a claridade da luz acima, quando permiti o sentimento
soltar-se, que sedento buscava nutrir-se. Que me fez ver consciente que
o sentimento é eterno.
Nivelada simplesmente sou. Vejo que as emoções vão e voltam, e o
sentimento permanece. Meu ser e sentimento permanecem, pois são eternos.
Hoje depois do stress, sete quilos perdidos e paranóias passadas, vejo
que tenho que seguir a trilha, pois existe o pulsar à frente. Teimar,
reter-me ao ser pensante racional, prendo o sentimento.
E todo fica o aprendizado, que em meio à terrível guerra, surgiu,
renasceu meu sentimento que dá-me luz. Estar de acordo com essa
sinfonia é sentir o perpetuar, onde o colorido emanado é sutil, é vida,
e vida não é para ser entendida e sim ser sentida, simplesmente vida.
Agosto.
A terapeuta:
Aprendi viver sem estar ali. Mas minha mente pergunta para que saber
dali?
Para que recordar?
Reviver. Para quê?
Provou-me que o que sinto, permanece. Para quê?
Homem, para que reviver?
Setembro.
Praia.
A terapeuta:
Sonho.
Um senhor de cabelos brancos, olhos amendoados, magro.
Falava-me: - Em tudo existe um propósito. O sentimento a levou ao
passado.
Entenda-me: consciência é vida – sentimento traz a vontade.
O homem vem à vida, muitas vezes, sem vida. Os sentidos leva-o a ter
desejos. Desejos surgidos da emoção que é o ter. Emoções = ter,
“experimentar”. Em alguns a vontade traz a vida. Sentimento e
consciência = ser.
Perguntei-lhe: - Estou morrendo?
Ele: - Não, se o fosse, para que ter consciência?
Eu: - Uma morte consciente.
Ele: - Já não o foi? No passado. E o que aprendeu, que o sentimento é
eterno, e o que mais? Aonde o sentimento a leva?
Eu: - Ao passado, e a algum lugar... Outra dimensão.
Ele: - Você aceita um passado, claro é imutável, e o hoje?
Eu: - Eu não estou me sentindo bem...
Ele: - Isso passa, pois é emoção. Seu sentimento permanece. Por quê?
Quando se recorda “algo” é para uma utilidade no presente. Você via
Igor sincero, aberto, receptivo. Estando ele ali, consciente, ele
“usaria” sua pessoa? Sejamos razoáveis! Uso, nesse sentido, é
manipulação, quem age consciente, não manipula. Ele ensina como operar
a “força”, que é a vontade. Ele poderia ensinar-lhe sem o sentimento?
Não! Ele poderia ter o sentimento e não ensinar-lhe? Sim!
Ele deu o ensinamento para continuar.
E compreenda-me: as perdas foram pesos para o aqui estar.
Então e o vi!.
O olhar mais belo do universo, o meio sorriso, ele falou:
Rendo minha verdade a tua vontade.
Acordei.
A terapeuta:
Novembro
A terapeuta:
Março 1990
Antes eu não tinha palavras para explicar o que sentia, o que se passou
comigo.
É interessante como complico todo.
A verdade é: eu vivi tudo isso. E rendo-me a isso.
Sem meias palavras: eu vivi.
Convivi com um homem que era puro sentimento.
Dentro da realidade daqui, um homem acima dos homens.
Sem mistificação, e sim sua plena consciência do amor.
Mostrou-me queAo ao render-seme ao sentimento:, mostro-me que o amor e
a vida são unas. E só há sentido, quando estou a sentir.
O entregar-me seu coração deu-me acesso ao infinito.
Se este homem está em terra adormecido, inconsciente.
Eu não sei.
Se este homem está acordado, sem estar na terra.
Eu não sei.
Eu estou acordada, consciente em terra, referente ao que vivemos.
Trago em mim o sentimento. E nele não há o tempo e a distância.