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Tratado de

das
Religiões
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TRATADO DE HISTÓRIA
DAS RELIGIÕES
TRATADO DE HISTORIA
DAS RELIGIÕES
Mircea Eliade

Tradução
FERNANDO TOMAZ
NATÁLIA NUNES

Martins Fontes
S&o Paulo 2008
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Sumário

Prefácio de Georges D u m é zit............................................. IX


Prefácio do a u to r.................................................................. I

I. Aproximações: estrutura c morfologia do sagrado 7


II.O Céu: deuses uranianos, ritos c símboloscelestes 39
III.O Sol c os cultos so lares........................................... 103
IV. A Lua e a mística lu n a r ............................................ 127
V. As águas c o simbolismoaquático........................... 153
VI. As pedras sagradas: epifanias, sinais e lo rm as...... 175
VII. A Terra, a mulher c a fecundidade...................... 193
VIII. A vcgctaçào: símbolos e titos de renovaçáo....... 213
IX. A agricultura c os cultos defertilidade.................. 267
X. O espaço sagrado: templo, palácio, "centto do
mundo” ........................................................................ 295
XI. O tempo sagrado e o mito do eterno recomeço ... 313
XII. Morfologia e função dos m ito s............................... 333
XIII. A estrutura dos sím bolos....................................... 355

C onclusões.............................................................................. 373
Ihbliogra/ia ............................................................................ 381
Notas ....................................................................................... 441
/
A memória de Kina
Prefácio de Georges Dumézil

Hão se pode dizer que as ciências envelhecem depressa no


nosso século, pois têm o privilégio de não correrem para a pró
pnu morte. S o entanto, como mudam rapidamente de aspecto!
A ciência das religiões é com o a dos números ou a dos astros.
Há uns cinquenta anos, talvez menos, julgávamo-nos muito
próximos de explicar todas as coisas ao reduzirmos os fenóm e­
nos religiosos a um elemento comum, dissolvendo-os numa no-
(yJo também comum à qual se dava um nome "pescado "n o s ma­
res do Sul: desde as mais sei vagens às mais racionais, as religiões
ulo a/tenas concretizações variadas do famoso mana, essa força
mística esparsa, sem contornos próprios mas pronta a encerrar-
se em todos os contornos', indefinível mas caracterizada por essa
impotência em que deixa av nossas palavras: essa força presente
em todos os lugares dos quais se pode falar de religião; e pala­
vras preciosas como sacer e tnimen, hagnos e thambos, tao e até
a "Graça" do cristianismo, são variantes suas ou seus derivados.
Uma geração de pesquisadores dedicou -se a estabelecer essa uni­
formidade. /: talvez tivessem razão. Porém, mais tarde, veio a
peneber-se que não alcançaram grandes resultados: haviam da­
do um nome bárbaro a alg o que sempre fe z com que viajantes
<• exploradores reconhecessem, sem errar, sob o seu caráter espe­
cífico. os atos religiosos que encontravam. E o que nos aparece
hoje como surpreendente, o que reclama estudo, já não é essa
força difusa e confusa da qual xc encontra uma noção por todo
o tudo, mas que só é a mesma pela razão de que acerca dela nada
se pode diiêt, mas as estruturas, os mecanismos, as equilíbrios
constitutivos de toda religião e definidos, discursivo ou simboli­
camente. em toda teologia, roda mitologia, toda liturgia. Chegou-
X TRATAD O D f. HISTÓRIA D AS M tU O IÔ E S

xe — ou voltou-se — á idéia de que uma religião é um sislema,


diferenciado de toda a poeira dos seus elementos, um pensamen­
to articulado, uma explicação do mundo. Lm resumo, é sob o
signo do logos e não sob o do mana que se situa hoje a pesquisa.
Há uns cinquenta anos, talvez menos, qualquer anlropolo-
gista inglês ou sociólogo francês levantava, solidariamente, dois
ambiciosos problemas: o da origem dos fatos religiosos c o da
genealogia das formas religiosas. Memoráveis batalhas se trava-
ram ü volta do Deus Santo e dos totens. Algumas escolas atam
os australianos como os últimos testemunhos das formas elemen­
tares da vida religiosa, outras opõem-lhes os pigmeus: se o s pri­
meiros são, cm parte, povos paleolíticos, os segundos não serão
ainda mais arcaicos, pois mal se afastam de uma condição em­
brionária? Discutiu-se sobre a gênese da idéia de deus: ser d inde­
pendente da idéia de alma ou teria saído dela? 0 culto dos mor­
tos precederia o das forças da natureza? Perguntas graves e... vãs.
lais polêmicas, frequentemente calorosas, inspiraram livros ad­
miráveis e, o que ainda é melhor, provocaram observações e com­
pilações. Mas não foram exaustivas nem de pleno êxito. Hoje,
a pesquisa afasta-se delas. A ciência das religiões deixa para os
filósofos a questão das origens, tal como fez. um pouco antes,
a ciência da linguagem, como fizeram todas as outras ciências.
Renuncia também a prescrever a posteriori, se assim se pode di­
zer, /saro asformas religiosas do passado uma evolução tipo, urna
marcha forçosa. Quer nas coloquemos no século ,Y,V ou seus mil
anos antes, nunca chegamos muito longe na vida de qualquer por­
ção da humanidade: apenas conseguimos encontrar nos diante dos
resultados de uma maturação e de acidentes que ocuparam deze­
nas d e séculos; *• dizemos então que o polinesio e o indo euro/wu,
o sennia c o chinês chegaram às suas noções religiosas, às confi­
gurações dos seus deuses, por vias mudo diversas, ainda que se
notem semelhanças nos pontos de chegada.
L m suma. a tendência atual é a de "voltar a sentir", como
dizia Henri Hubert, de registrar na sua originalidade c com a sua
complexidade os sistemas religiosos que foram ou são praticadas
cm todo o mundo. Mas como se exprime essa tendência? Que gê­
nero de estudos a alimenta?
I. Antes de mais. descrições cada vez mais exaustivas. Etnó-
grafas e historiadores, conforme as casas, vâo acumulando ob­
servações e documentos de toda espécie t* tentam compreender
aquilo que estabelece uma unidade e o caráter orgânico desse in-
1‘Ht'l ACIO P t' aeORC.ES DUMET/JL XI

ventário. relativamente a cada domínio e a cada período. Na ver­


dade, en e esforço tem se realizado, melhor ou pior, mas. no mais
das vezes, bastante bem, em todas as épocas.
II. Um segundo lugar, se as questões de origem e de genea
logia foram completamente abandonadas, voltaram no entanto
a surgir, de modo mais modesto e são. a propósito de cada uma
das descrições, geográfica e historicamente circunscritas, que aca­
bam de ser mencionadas. Fm matéria de religião, como em ma­
téria de linguagem, todo estado só se explica, ou não se explica,
por uma evolução, a /sartir de um estado anterior, com ou sem
intervenção de influências ex teriores. Dai, vários domínios de pes­
quisa e vários tipos de métodos igualmente necessários:
I y Para as sociedades que. há mais ou ha menos tempo, pos­
suem uma literatura, OUpelo menos documentos escritos, o estu­
do da história religiosa não é mais do que um caso particular da
história da civilização, ou da história em sentido estrito, e, tanto
na critica como na construção, não emprega outros processos.
As "grandes religiões”, corno o budismo, o cristianismo, o ma-
niqueismo, o islanmtno. representam este caso ao máximo, pois
a sua literatura remonta pouco mais ou menos aos princípios da
evolução. Alias, todas as religiões um pouco antigas dependem
dos mesmos métwios em menor grau. a partir de certo ponto do
seu desenvolvimento, e com a condição de que se lenha obtido
êxito na interpretação das primeiras formas verificadas.
2'.' Mas esta condição é difícil de cumprir, e enconíra-se a
mesma dif iculdade em relação às religiões só muito tardia e rc
centemente consideradas: por razões diversas, tanto o leitor de
Sirehlow como o leitor dos Vedas sofre de igual deficiênciu de
visão retrospectiva, /rois ambos se encontram perante urna estru­
tura religiosa completa, e até diante de uma literatura religiosa,
mas desprovida de qualquer meio de explicação histórica, isto é.
de explicação /relo anterior. Ora, trata-se do caso mais geral, que
é o de lodus as religiões exóticas descritas pelos exploradores desde
o século X VI até o século X X ; e de todas as religiões pagãs da
l.uropa, incluindo a de Roma c a da Grécia; o caso das religiões
dos antigos povos semíticos e da China. Neste domínio e sobre
este ponto, a tarefa da ciência das religiões c múltipla:
a) Fm primeiro lugar, é necessária uma limpeza, pois as es­
trebarias de Au?ias estão atulhadas. As gêroçóés anteriores nos
deixaram explicações que, de maneira geral, devem ser rejeita­
das, quer sejam absurdas, quer razoáveis. A tendência geral de
XII TR A TA D O DE HISTÓRIA D A S RELIGIÕES

lodo historiador especializado, no momento em que. remontan­


do o curso dos séculos, chega até a penumbra, depois até as tre­
vas, é a de imaginar urna curta pré-história, que prolonga, com
0 menor esforço possível, os primeiros documentas até uni hipo­
tético começo absoluto, cx nihilo. Os latimstas explicam a fo r ­
mação da religião romana a partir de vagos numir.a fcentros de
mana.'/, dos quais somente alguns, que se beneficiam de circuns­
tâncias históricas, se teriam concretizado em deuses pessoais. Mui­
tos indianistas ainda têm dificuldade em se afastar das miragens
de M ax Muller e julgam ouvir os chantres w’dicas exprimir as rea­
ções naturais do homem primitivo perante o grande fenóm eno
da natureza; »• os outros não estão muito longe de verem nos hi­
nos puras fantasias da imaginação e de estilo — outra fo rm a de
criação cx nihilo. Tudo isso é artificial; temos de reconhecer e
revelar esse artificio.
b) A seguir, uma tarefa positiva. que equivale a prolongar
objetivamente a história, (*or processos comparativos, a ganhar
alguns séculos sobre a pré-história. Comparando o lotemisrtio dos
urunta com formas análogas, e no entanto diferentes, praticadas
pelos outros indígenas da Austrália, fo i possível definir um sen­
tido provável de evolução a juirtir de um estado antigo (não pri­
mitivo. certamente), de um estado comum: quer por comunida
de d e origem, quer por interações seculares, os australianos fo r ­
mam dcJato um “circulo cultural", eépossível. mutatix niiitan-
ilis, aplicar às suas religiões, às suas civilizações, as processos com-
pararivos que permitem ao linguista, quando este dispõe d e um
grupo de línguas geneticamente aparentadas ou aproximadas por
uni intenso jogo de contributos, induzir dados certos e precisos
acerca do seu passado. A PoUnésia. diversas zonas da África Ne­
gra e da América permitem amplamente o emprego desse método.
Da mesma maneira, ao comfnirarmos as form as de religião
mais remotomente verificadas entre diversos povos que não se sa­
biam nem sc conheciam como aparentados, desde o começo da
sua história, mas das quais sabemos hoje, precisamente pela con­
sideração da sua língua, que derivam por dispersão de um mes­
mo po vo pré histórico, podemos fazer induções prováveis acer
ca da religião desse povo pré-histórico c. por consequência, acer­
ca d a i evoluções variadas que, a partir desse ponto fixo. recons­
tituído mas não arbitrário, conduziram os povos dele derivados
até seus respectivos limiares históricos, até os primeiros equilí­
brios conhecidos das suas religiões. É assim que. para os povos
PREFÁCIO DE GEORCVS D L M E /IL XIII

iemíticos. e hoje para os povos indo-europeus. se reconquista­


ram um ou dois milênios sobre os tempere incógnita. Proveito
escasso, se o confrontarmos às ambições de um Taylor ou até de
um Durkheim. mas proveito mais seguro e o qual. se entrevê, se­
rá significativo para construir, enf im, uma história natural do es­
pirito humano.
3° Um terceiro ecncru de pesquisas interfere com as prece­
dentes. Assim como ao lado de uma linguística descritiva, de uma
linguística histórica /com a sua variedade, a linguística compara-
tn a de cada famíliaj, ha lugar para uma linguística geral, assim
também é necessário comparar, sem se voltar aos erros de outto­
ra — ja não genealogicamente mas tipologicamente —. nas es­
truturas e nas es oluções mais diversas, aquilo que se afigura com­
parável. as funções rituais ou conceituais que se encontram (*>r
todo o lado; as representações que se impõem ao homem, seja
ele qual for; aquelas que. quando coexistem, agem e reagem ge
ralmente uma sobre a outra.
£ necessário estudar, para se determinar constantes e variá­
veis, o mecanismo do jieiisamento mítico, as relações de mito e
das outras partes da religião; as comunicações do mito. do con­
to, da história, da filosofia, da arte, do sonho £ necessário
colocarmo-nos em todos os "observatórios de síntese" que se
apresentam — e são cm número infinito — e, do alto de cada
um deles, constituir um re/tertório que. muitas vezes, não irá in­
cidir num problema preciso e ainda menos numa solução, em ge­
ral provisória, esera incompleto como todos os dicionários, mas
que facilitará, esclarecerá, inspirará as jsesquisadores comprome­
tidos nos estudos históricas, analíticos ou comparativos já defi­
nidos lais empreendimentos proporcionaram ju o conteúdo de
uma importante literatura, pois se continuam de há muito cm se
gl/ndo plano, enquanto teorias mais ruidosas oc upam sucessiva-
mente as atenções. Assim, temos as coleções de dados "agrários"
de W. Manhardl e de J. (i. trazer, as monografias — cito ao
acaso — sobre o santuário, o altar, o sacrifício, a soleira da por
la, a dança, sobre o pacto de sangue, o culto da arvore, dos altos
cumes ou das águas, sobre o mau-olhado, as cosmogonias, os mais
variados animais, na mediria em que constituem elementos de re
prcsenlüçófs míticas. sobre a mística dos numeros, sobre as prá­
ticas sexuais e centenas de outras, redigidas por aurores que não
se prendiam a nenhuma escola. £ certo resultar daí um enorme
amontoado de escórias, talvez mais constdcrase! do que o ftin-
XIV TRA TA DO DE HISTÓRIA D A S RELIGIÕES

do. realmente valioso: essas investigações tentam consiantcnicn-


te un tores ma! preparados, ou demasiado apressadas, ou pouco
conscienciosos, e é a i que o charlatanismo, qualquer que seja o
seu rótulo, "sociológico” ou outro, se instala, dogmatiza e por
vezes pontifica corn a maior facilidade. Não importa: cabe ao pro­
fessor de "história das religiões”, corno se diz propriamente, se­
parar o frigo do joio e prévenir os estudantes.
Tais são os 1res domínios, ou os très pontos de vista, que
dividem a história das religiões. Parlemos conservar a esperança
de que se unam um dia. ainda distante, cm uma síntese harmo­
niosa. formando o quadro cômodo de um saber incontestado.
Nem sequer os nossos bisnetos virão a ver esses tempos felizes.
Por muito tempo ainda cada um trabalhará numa das três seções,
isolado, tanto os historiadores especialistas como os comparons-
tas dos dois gêneros (genealogistas, apologistas), ignorando-se
muHtamentc muitas vezes, guerreando-se por vezes e ultrapassan­
do os direitos uns dos outros. Mas, não é assim que se desenvol­
ve qualquer ciência e não se conformando a um "plano '’preten­
samente secular?
Afais uma razáo, portanto, para fazer de tempos em tempos
um balanço da situação. Ê para isso que. em primeiro lugar, ser­
virá n tratado publicado por Mircea E/iade. O autor, professor
de história das religiões na Universidade de Bucareste. cedo sen­
tiu a necessidade de um ' 'curso de iniciação ' ’ nessas matér ias ern
que cada um se julga mestre, e que são difíceis. Ao cabo d e sete
anos. a duração do curso, nasceu este livro. Entusiasta, empreen­
dedor. munido de imensa leitura e de uma formação preciso de
india nisto, Mircea Eliade fe z já muito pelo nosso estudo: penso
no seu Yoga. nos três belos volumes da revista romena de histó­
ria das religiões. Zálmoxis, e. mais recenternente ainda, na ma­
gistral revisão dos problemas do xamanismo, que entregou à nossa
Revue de l'histoire des religions.
A o ver os títulos dos capítulos, ao ver colocados em primei­
ro plano as águas, o céu. o sol, talvez haja os que se lembrem
de M ax Millier; e esta recordação ser-lhes-á proveitosa: ao des­
cerem dos títulos para o texto, hão de ver como, depois de uma
reação excessiva contra os excessos de naturalismo, a ciência das
religiões reconhece hoje a importância dessas representações, que
são a matéria prima mais geral do pensamento mítico: m as ver-
se-á também que a interpretação é muito diferente: eslas biero-
fanias cósmicas, como diz Mircea Eliade. não são mais d o que
1'K t.rA C tO M : GEORGES DU M ÉZIL XV

o aparência exterior de um discurso profundo; esta morfologia


do sagrado traduz simbolicamente uma dialética do sagrado, de
que a natureza não é mais d o que o suporte. É afina! uma “filo ­
sofia. antes de todas as filosofias” a que nas surge assim que ob
servamos as mais humildes religiões, resultante de um esforço de
explicação e de unificação, de um esforço para a teoria em todo
o sentido da palavra: o presente livro far-nos-á sentir ioda a suo
coerência e toda a sua nobreza, e também a sua uniformidade
(que abrange a Europa) — uma uniformidade que, certanientc,
não devemos exagerar, mas que reduz felizmente a vertigem de
que sofrem por vezes os principiantes perdidos no labirinto dos
fatos.
Hem entendido. Mircea Eliade sabe melhor do que ninguém
que toda a síntese desse gênero comporta e requer uma tomada
de atitude, vários postulado* que a sua eficácia justifica, mas que
são /ressoais, jwrtanto provisórios, pelo menos perfectívels. A Hás,
esse as/recto não é o menos atrativo do livro: acerca da estrutura
e funcionamento do pensamento mítico, acerca das noções, tão
gratas ao autor, de arquétipo e de repetição, encontrar se ão idéias
datas e esclarecedoras, ás quais desejamos não uma longo vida
(o que não importa), mas uma rápida e rica fecundidade.
Finalmente, este livro presta-nos hoje, em Paris, na França,
um serviço especial, pois temos de confessar que. se os historia
dores do cristianismo, do budismo e. de uma maneira geral, das
diversas religiões siio entre nós numerosos, pouquíssimos distin­
tos pesquisadores (refiro-me aos autênticos) se dedicam aos tstu-
dos comparativos e gerais, quer porque exigem uma preparação
mais difícil, quer porque os amadores, alguns muito oficiais, os
desacreditaram. S em por isso esses estudos são menos necessá­
rios e promissores. A Sorborme todos os anos atribui urn “certi­
ficado de história das religiões”, com várias especializações, mas,
por divertido paradoxo, não possui ensino desta matéria. Fsse
certificado reduz-se prattcamenie a provas de f ilologia, que de­
seja e torna bem restritas; quanto ao mais, em relação à " ciência
das religiões ” propriamente dita. tal certificado é muito pohre
c não tenho a certeza de que J. G. Frazer. que. atém do seu in
glès. do francês e do alemão, apenas dispunha do grego e do la­
tim, tivesse sido aprovado na sua especialidade de "religião dos
povos não civilizados”. O que lena sido lamentável.

Georges Dumézil
I
Prefácio do autor

A ciência moderna reabilitou um princípio que certas con­


fusões do século XIX comprometeram gravemente: é a escala que
cria o fenômeno. Henri Poincaré perguntava a si próprio, com
ironia: “ Um naturalista que só tivesse estudado um elefante ao
microscópio acreditaria conhecer cornpletamer.te este animal?”
O microscópio revela a estrutura e o mecanismo das células, es-
tintura e mecanismo idênticos cm todos os organismos plurice­
lulares. L nâo Itá dúvida dc que o elefante é um animal pluricelu­
lar. Mas não será mais do que isso? Â escala microscópica pode­
mos conceber uma resposta hesitante. Â escala visual humana,
que tem pelo menos o mérito de nos apresentar o elefante como
fenómeno zoológico, não há hesitação possível. Da mesma ma­
neira, um fenômeno religioso somente se revelará como tal com
u condição de sei apreendido dentro da sua própria modalidade,
isto é, dc ser estudado à escala religiosa. Querer delimitar este
fenómeno pela fisiologia, pela psicologia, pela sociologia c pela
ciência económica, pela linguística c pela arte, etc... é traí-lo, é
deixar escapar precisamente aquilo que nele existe de único e de
irredutível, ou seja, o seu caráter sagrado. É verdade não existi­
rem fenômenos religiosos ••puros", assim como não há fenóme­
no única c exclusivamemc religioso. Sendo a religião uma coisa
humana, c também, de fato, uma coisa social, linguística c eco­
nómica — pois não podemos conceber o homem para além da
linguagem e da vida coletiva. Mas setia vão querer explicar a re­
ligião por uma dessas funções fundamentais que definem o ho­
mem, cm última análise. Seria vâo pretender explicar Sladame
fíovary por uma serie dc tatos sociais, económ icos, políticos —
que seriam indubitavelmente reais, mas sem consequências para
a obra literária em si.
2 TR A TA D O D i. HISTÓRIA D A S R fl.lG I Õ iS

Para não sairmos do nosso âmbito: não pensamos contestai


que d fenômeno religioso possa ser cm últimu instância encarado
de ângulos diferentes: mas importa antes considerá-lo em si mes­
mo, naquilo que contém de irredutível c de original. A tarefa náo
é fácil. Pois, se não se trata de definir o fenômeno religioso, trata-
se pelo menos de o dreunsetever c situar no conjunto dos outros
objetos do espirito. E. como nota Roger Caillois na abertuta do
seu notável livro sobre L'hotnm ecl lesocré: "N o fundo, acerca
do sagrado1 cm geral, a única coisa que se pode afirmar valida-
mente está contida na própria definição do termo: é aquilo que
se opôc ao que c profano'. A partir do momento em que nos de
diqutnnos a precisar a natureza, a modalidade desta oposição, es
barrnmos com os maiores obstáculos. Nenhuma fórmula, ainda
que dem entar, c aplicável à complexidade labiríntica dos fatos.”
Ora, nas nossas pesquisas, em primeiro lugar são os fatos que
nos interessam, essa complexidade labiríntica de fatos que se re­
cusam a qualquer fórmula e a qualquer definição. Um tabu, um
ritual, um símbolo, um demônio, um deus, etc. — ... eis alguns
dos fatos de religião. Mas seria uma simplificação abusiva a de
apresentar o processo por esta forma linear. Na realidade, en­
contramo-nos na presença de uma massa polimorfa e, por vezes,
até caótica de gestos, de crenças e de teorias constitutivas daqui­
lo a que poderemos chamar o fenómeno religioso.
O objeto da presente obra é constituído por um duplo pro
hlcma: 1) o que é a religião? 2) cm que medida podemos falar
de história das religiões? Céticos que somos sobre a utilidade de
uma definição preliminar do fenómeno religioso, comentamo-nos
cm discutir as hierofanias. na acepção mais larga do termo (qual­
quer coisa que torna manifesto tudo quanto c sagrado). Por con­
sequência. só poderemos abordar o problema da historia das for­
mas religiosas depois de examinarmos um número considerável
destas últimas. Uma exposição do fenômeno religioso que vá do
“ simples 30 composto" não nos parece de forma nenhuma indi­
cada se atentarmos aos objetivos estabelecidos para esta pesqui­
sa — referimo-nos a uma exposição que comece pelas hierofa­
nias mais elementares (o mana. o insólito, etc...), para passar­
mos cm seguida ao (otemismo, ao feitirismo, ao culto da nature­
za ou dos espíritos, depois aos deuses c aos demônios, t chegar­
mos finalmcntc á noçãss monoteista de Deus. Tal exposição seria
arbitrária; implica uma evolução do fenômeno religioso, do "sim ­
ples ao com posto", que nào passa de hipótese ir.dcmonstrável:
l ’K tT A C IO IK ) M JOU 3

cm nenhuma parle se encontra uma religião simples, rcdu/ida às


lilcroíanias elementares; por outro lado, essa exposição iria pre­
cisamente contra a finalidade proposta, que é a de mostrar o que
sito o s latos de religião c o que eles revelam.
A via que seguimos, se não é a mais simples, é pelo menos
a mais segura. C omeçamos a nossa pesquisa |>cla exposição sk
algumas hieroíanias cósmicas, o Céu, as Aguas, a Terra, as Pe­
dras. Se escolhemos estas classes de hieroíanias, não foi porque
as considerássemos como as mais antigas (o problema histórico
náo se coloca por enquanto), mas poique a sua descrição expli­
ca, por um lado, a dialética do sagrado e. pelo outro, as estrutu­
ras segundo as quais o sagrado se constitui. Por exemplo, o exa­
me das hieroíanias aquáticas ou celestes prover-nos-á de um ma­
tei ial documental apto a levar-nos à compreensão: IV, do senti­
do exato da manifestação do sagrado nestes níveis cósmicos (o
Céu e as águas); 2V. da medida em que as hieroíanias uranianas
ou aquáticas constituem estruturas autônomas, isto c. revelam
uma série de modalidades complementares c integráveis do sa
grado. Passaremos ern seguida às hieroíanias biológicas (os rit
mos lunares, o Sol, a vegetação c a agricultura, a sexualidade,
etc...), depois às hieroíanias tópicas (lugares consagrados, tem­
plos, etc...), c fmalmcntc aos nulos e aos símbolos.
Depois de revermos uma quantidade apreciável desses do­
cumentos. estaremos em condições de tentar estudar, numa obra
rutura, os outros problemas da história das religiões: as "form as
dlvinus” . as relações entre o homem c o sagrado, a manipulação
do sagrado (os ritos, etc...), a magia e a religião, as idéias sobre
a alma e a morte, as pessoas consagradas (o sacerdote, o feiticei­
ro. o rei, o iniciado, etc...), as relações existentes entre o mito,
o símbolo c o ideograma, u possibilidade de fundar uma história
das religiões, etc.
Isto não significa que iremos expor separadamente cada as­
sunto, como se se tratasse de artigos de dicionário, evitando, por
exemplo, locar no mito ou no símbolo no capitulo das hicroía-
lilas aquáticas ou lunares; também não queiemos prometer que
a discussão das figuras divinas será cxclusivamcntc reservadu ao
capítulo “ Deuses’’, etc... Pelo contrário, o leitor ficará talvez sur­
preendido por encontrar no capítulo das hieroíanias uranianas
um número considerável de documentos rclülivOs àos deuses éé-
Icslcs c atmosféricos, ou de apurar ai alusões, c ate comentários,
respeitantes aos símbolos, aos ritos, aos mitos e aos ideogramas.
4 TRA TAPO Dl: H ISTÓ RIA D A S Rl.J.ICIÕES

Foi o próprio assunto que nos impôs esta osmose, obrigando nos
a interferências permanentes entre as matérias dos diversos capí­
tulos. Era impossível falar da sacralidade celeste conservando cm
silêncio as figuras divinas que refletem esta sacralidade ou dela
participam, ou ainda certos mitos uranianos. assim com o os ri­
tos aparentados ao sagrado celeste, o> símbolos e os ideogramas
que o hipostasiam. Cada documento revela nos, à sua maneira,
um a modalidade da sacralidade celeste e da sua história. Mas,
ainda que cada problema seja discutido no capítulo que lhe res­
peita, não hesitaremos em nos referirmos ao sentido exato do mi­
to. do rito ou da “ figura divina" no capitulo reservado ao Ccu.
Da mesma maneira, nas páginas reservadas ao estudo das hiero-
fanias telúricas, vegetais e agrárias, o interesse incidirá sobre as
manifestações do sagrado nestes uiveis biocósmicos. enquanto a
análise da estiutura dos deuses da vegetação ou da agricultura
será transferida para o capítulo consagrado ás “ formas divinas".
O que de modo nenhum nos impedirá de aludir aos deuses, aos
ritos e aos mitos ou aos símbolos da vegetação c da agricultura
na indagaçào preliminar. O objeto destes primeiros capítulos c
o de destacar o mais possível a estrutura das hrerolamas cósmi­
cas, isto c. mostrar o que nos revela o sagrado manifestado atra­
vés do Ccu, das águas ou da vegetação, etc...
Se fizermos o balanço dav vantagens e das desvantagens que
apresenta este método, veremos que as primeiras sobi elevam sen­
sivelmente as segundas, e isto por várias razões: lí) fica-sc dis­
pensado de definir a p r io ri o fenômeno religioso; mas. ao per­
correr os diversos capítulos deste trabalho, o leitor poderá refle­
tir sobre a morfologia do sagrado; 2") a análise de C 3 d a grupo
de hicrofanias <o Céu. as águas, a vegetação, etc...), ao destacar,
de maneira natural, as modalidades do sagrado e ao dar a com­
preender como é que se integram num sistema coerente, prepara­
rá ao mesmo tempo o terreno para as discussões finais sobre a
essência da religião; 3?) o exame simultâneo das forma» religio­
sas "inferiores" e "superiores" porá em evidencia os seus ele­
mentos comuns e assim evitaremos certos erros imputáveis a uma
óptica “ evolucionista” ou "ocidcntalista” ; 4o) não ficarão ex-
cessiv amente divididos os conjuntos religiosos. poLs cada classe
de liicrofanias (aquáticas, celestes, vegetais, etc...) constitui um
todo, tanto do ponto de vista morfológico (pois se trata de deu­
ses. mitos, símbolos, etc...) como do ponto de vista histórico (a
pesquisa estender se-à frequentemente a um grande número de
IW -F Â C IO DO AUTO R 5

círculos culturais diferentes no tempo e no espaço); 5?) cada ca­


pítulo porá cm evidência uma modalidade do sagrado, uma série
de relações entre o homem e o sagrado e. nessas relações, uma
série de “ momentos históricos".
t neste sentido, e somente neste sentido, que o nosso livro
pode admitir o titulo de "Tratado de história das religiões” , quer
di/cr, na medida cm que introduz o leitor na complexidade labi­
ríntica dos fatos religiosos, o familiariza com as suas estruturas
fundamentais e com a diversidade dos círculos culturais de que
elas dependem. Procuramos dotar cada capitulo de uma arquite­
tura especial, por vezes ate de um "estilo" próprio, a fim de con­
jurar a monotonia que ameaça qualquer exposição didática. A
distribuição cm parágrafos teve sobretudo por objetivo simplifi­
car aç. remissões. O alcance deste livro só pode ser apreendido
ir custa de uma leitura integral, pois nüo se trata, de maneira ne­
nhuma, de um manual apenas para consulta. As nossas biblio­
grafias foram delineadas de modo a encorajar pesquisas prelimi­
nares; nunca são exaustivas; pode até acontecer que sejam insu­
ficientes. No entanto, esforçamo-nos por mencionar os reprevrn
tuntes do maior nilmero possível de concepções e de métodos.
Uma boa parte das análises morfológicas c das conclusões
metodológicas do presente volume constituiram o objeto dos nos­
sos cursos de história das religiões na Universidade de Bucareste
c das nossas lições na Escola de Altos Estudos de Paris (Rccher-
ehes sur ta morphologie du sacré, 1946; Rechcrches sur la slruc-
lure des mylhes, 1948). Somente uma pequena fração do texto
foi escrita diretamente cm francês. O restante foi traduzido do
romeno pela senhora Carciu c por J. Gouillard, A. Juilland, M.
Sora c J. Soucassc, aos quais exprimo aqui a minha gratidão. A
tradução foi complctamenie revista e corrigida pelo meu sábio
amigo c colega Geoiges Dumézil, que teve u gentileza de lhe acres­
centai um prefácio. Quero deixar-lhe aqui o meu profundo reco­
nhecimento pelo interesse que dedicou a esta obra.

Mircea Eliade
Oxford, 1940
Paris, 1948
Aproximações:
estrutura e morfologia do sagrado

I. “ SaRrado” e “ profano” — Todás as definições dó lértò-


mcno religioso apresentadas até hoje mostram uma característi-
iii comum: á sua maneira, cada uma delas opóe o sagrado e a
vida religiosa ao profano e à vida secular, é quando se trata de
delimitar a esfera da noção de “ sagrado” que as dificuldades co ­
meçam. Dificuldades dc ordem teórica, mas também de ordem
prática. Pois antes dc se tentar uma definição do fenômeno reli­
gioso convém saber dc que lado será necessário procurar os fatos
religiosos, c principalmcntc, dentre esses fatos, os que se deixam
observar cm "estado puro” , isto c. os que são “ simples" e estão
mais próximos d a sua origem. Infelizmente, em parte nenhuma
esses fatos são acessíveis; nem nas sociedades cuja história pode­
mos seguir, nem entre os “ primitivos” , os menos civilizados. En­
contrarmos emos quase sempre na presença dc fenômenos reli­
giosos complexos, que pressupõem uma longa evolução histórica.
Por outro lado, a reunião da documentação apresenta tam­
bém importantes dificuldades práticas. Por duas razões: I í) ain­
da que nos contentássemos ern estudar uma só religião, a vida
dc um homem mal chegaria para levar tal investigação a cabo;
2?) se nos propusermos t> estudo comparativo das religiões, ate
várias existências seriam insuficientes para se alcançar o objetivo
proposto. Ora, o que nos interessa c justamente este estudo cotn-
pat ativo, o único capaz dc nos revelar, por uru lado, a morfolo­
gia inoonstame do sagrado e, pot outro, o seu devir histórico.
Para nos aproximarmos desse estudo, fomos, pois, obrigados a
escolher certas religiões entre aquelas que a história registrou ou
8 TRATAD O D E HISTÓRIA D A S R O JG ÍÔ E S

que a etnologia nos revelou, e também alguns'dos seus aspectos


c das suas fases.
Ainda que sumária, esta escolha é sempre uma operação de­
licada. De fato, se quisermos delimitar e definir o sagrado, scr-
n o v á necessário dispor de uma quantidade conveniente de "sa-
cralidadcs” , isto é, de fatos sagrados. Esta heterogeneidade dos
“ fatos sagrados” começa por ser perturbante e acaba, pouco a
pouco, por se tornar paralisante, pois se trata de ritos, dc mitos,
de formas divinas, dc objetos sagrados c venerados, de símbo­
los, dc cosmologias, de tcologúmcnos, de homens consagrados,
de animais, dc plantas, dc lugares sagrados. E cada categoria pov
su: a sua própria morfologia, de rique/a luxuriante c frondosa.
Encontramo-nos assim na presença de um material documental
imenso c heteróclito, pois um mito cosmogònico mclanésio ou
um sacrifício bramânico nâo têm menos direito de serem levados
em consideração do que os textos místicos de uma Santa Tecesa
ou dc um Nichiren. do que um lotem australiano, um rito primi­
tivo dc iniciação, o simbolismo do templo Barabudur, o traje ce­
rimonial c a dança de um xarnü siberiano. as pedras sagradas que
s< encontram por quase toda a parte, as cerimónias ajirána». os
mitos e os ritos das grandes deusas, a instauração dc um rei nas
sociedades arcaicas ou as superstições cm relação ás pedras pre­
ciosas. Cada documento pode ser considerado como um a hicro-
íania. na medida cm que exprime à sua maneira uma modalida­
de do sagrado c um momento da sua história, isto é, uma expe­
riência do sagrado entre a> inumeráveis variedades existentes. Aí,
qualquer documento c para nós precioso, cm virtude da dupla
revelação que realiza: I ? ) revela uma modalidade do sagrado, cn-
quanto hicrofania; 2?) enquanto momento histórico, revela uma
sttuaçào do homem cm relação ao sagrado. Aqui está, por exem­
plo, uttt texto védico que se dirige ao morto: “ Rasteja para a ter­
ra , tua mãe! E possa ela salvar-tc do nada!” 1 Este texto revela-
nos a estrutura da sacralidade telúrica; a Terra é considerada co­
mo uma Mãe. Tdlus Mater, mas revela nos ao mesmo tempo certo
momento da história das religiões indianas; o momento cm que
esta Tellus Mater era valorizada — pelo menos por determinado
grupo de indivíduos — como protetora contra o nada. valoriza­
ção que virá a tornar-se caduca pela teforma dos Upanishads e
peia prcgaçàv de Buda.
Para voltarmos ao ponto de partida; cada categoria dc do­
cumentos (mitos, ritos, deuses, supcrstiçóes, etc.) é para nós igual­
APROXIM AÇÕ ES: ESTRUTURA E MORFOLOGIA 9

mente preciosa quando pretendemos compreender o fenômeno re­


ligioso. Fsta intclccçâo realizou-se constantcmcntc no quadro da
história. Só i»lo simples fato de nos encontrarmos cm presença
de hierofanias nos achamos cm presença de documentos históri­
cos. É sempre numa certa situação histórica que o sagrado se ma­
nifesta. Até as experiências místicas mais pessoais c mais trans­
cendentes sofrem a influência do momento histórico. Os profetas
judeus sáo os dispensadores dos acontecimentos históricos que jus­
tificaram e serviram de suporte a sua mensagem: sflo também os
agentes da história israelita, que lhes permitiu formular certas ex­
periências. Como fenômeno histórico — e nâo como experiência
pessoal — o niilismo e o ontologismo de certos místicos mahãya-
nicos nâo eram possíveis sem a especulação dos Lpanishads. sem
a evolução da língua sânscrita. O que de maneira nenhuma signi­
fica que qualquer hierofania, assim como qualquer experiência re­
ligiosa. seja um momento único, sem repetição possível, na eco­
nomia do espírito. As grandes experiências não se assemelham so­
mente pelo seu conteúdo, mas frequentemente também pela sua
expressão. Rudolf Otto destacou semelhanças surpreendentes en­
tre o léxico c as fórmulas de mestre Kckaidt e os de Çankara.
O fato de uma hierofania ser sempre histórica (isto c, dc se
produ/jr sempre em situações determinadas) níto destrói neces­
sariamente a sua ccumenicidade. Algumas hierofanias têm um des­
tino local; há outras que têm. ou adquirem, valores universais.
Os indianos, por exemplo, veneram cena árvore chamada Açvat-
tha; simplesmente, para eles a manifestação do sagrado nesta es­
pécie vegetal é transparente, pois só para eles a Açvattha c uma
hierofania e não apenas uma Jrvore. Por consequência, esta hie­
rofania não somente é histórica (aliás, como toda a hierofania).
mas também local. No entanto, os indianos também conhecem
o símbolo de uma árvore cósmica (A.\is Mundi), c esta hierofa­
nia mítico-simbólica c universal, pois as árvores cósmicas
cncontram-sc por toda a parte nas antigas civilizações. Queremos
acentuar que a Açvattha é venerada na medida cm que incorpora
a sacralidadc do universo cm continua regeneração; ou seja, é ve­
nerada porque incorpora, participa ou simboliza o universo re­
presentado pelas árvores cósmicas das diferentes mitologias (cf.
§ 99). Mas ainda que a Açvattha sc justifique pelo mesmo sim­
bolismo que apartte l.imbém na árvore cósmica, a hierofania que
transubstancia uma espécie vegetal numa árvore sagrada só é
transparente aos olhos dos membros da sociedade indiana.
10 TRA T A P O DE HISTÓRIA D A S R R U O H lE S

Para citar ainda um exemplo — desta vez o de uma hicrofa-


nia ultrapassada pela própria história do povo em que se reali­
zou —. os semitas adoraram cm certo momento da sua história
o par divino do deus da tempestade e da fecundidade, Baal, e da
deusa d a fertilidade (sobretudo da fertilidade agrária). Bclit. Os
profetas judeus consideravam estes cultos como sacrilégios. Do
seu ponto de vista — isto é, do [xrnto de vista dos semitas, que,
pot intermédio da reforma mosaica, tinham chegado a uma con­
cepção mais elevada, mais pura e mais completa da divindade —
esta critica era plcnamentc justificada. No entanto, o culto |>a
leosjcmítrco de Baal e de Belit nem por isso deixava de ser tam ­
bém uma hicrofania; revelava — até a exacerbação e ao mons­
truoso — a sacralidade da vida orgânica, as forças elementares
do sangue, da sexualidade e da fecundidade. Tal revelação con­
servou o seu valor, sc não durante milênios, pelo menos durante
numerosos séculos. Esta hicrofania continuou a ser valorizada
ate o momento cm que foi substituída pot uma outra que — rea­
lizada n a experiência religiosa dc uma elite — sc afirmava mais
perfeita c mais consoladora. A “ forma divina” de Javé levava
a melhor sobre a “ forma divina” dc Baal; revelava a sacralidade
dc uma maneira mais integral, santificava a vida sem desenca­
dear as forças elementares concentradas no culto dc Baal. reve­
lava uma economia espiritual cm que a vida do homem e o seu
destino sc atribuíam novos valores, assim como facilitava unia
experiência religiosa mais rica. uma comunhão divina simulta­
neamente mais “ pura" e inals completa. Ale que. fmaimente, esta
hicrofania javeista triunfou; c. na medida cm que representava
uma modalidade universal do sagrado, cra por sua própria natu­
reza acessível ás outras culturas; através do cristianismo tornou-
se um valor religioso mundial. De onde se conclui que certas hic-
rofanias (ritos, cultos, formas divinas, símbolos, etc.) sJo ou
tornam-se assim multivalcntes ou universalistas; outras perma­
necem locais e “ históricas” ; inacessíveis às outras culturas, caí­
ram cm desuso durante a própria história da sociedade em que
se tinham produzido.2

2. Dificuldades metodológicas — Mas voltemos à grande di­


ficuldade material já apontada, ou seta. a exirema heterogenei­
dade dos documentos teiigiosos. O dominio quase ilimitado em
que se recolheram milhões de documentos veio agravar essa hc-
APROXIM AÇÕ ES; E ST H V IV R A E MORFOLOGIA 11

terogcneidade. Por um lado (é aliás o caso de lodos os documen­


tos históricos), aqueles de que dispomos foram conservados mais
ou menos ao acaso (não se irata apenas de texios mas lambem
de monumentos, de inscrições, de tradições orais, de costumes).
Por outro lado. estes documentos conservados ao acaso provém
de meios muito diferentes. Se. para reconstituir a história arcai­
ca da religião grega, por exemplo, temos de nos contentar com
os textos pouco numeiosos que nos restam com algumas inscri­
ções. alguns monumentos mutilados e alguns objetos votivos, para
reconstituir as icligiõcs germânicas ou eslavas somos forçados a
chamar cm nosso auxílio os documentos folclóricos, aceitando
o.s riscos inevitáveis que comportam o seu manuseio e u sua in­
terpretação. Uma inscrição rúnica. um mito registrado vários sé­
culos depois tic vigente, algumas gravuras simbólicas, alguns mo­
numentos proio-lmtóricos, uma quantidade de ritos c de lendas
populares do ultimo século — haverá alguma coisa mais heteró­
clita do que o material documental ele que dispõe o historiador
das religiões germânicas ou eslavas? Embora aceitável no estudo
de uma só religião, tal heterogeneidade torna-se grave quando se
irata de nos aproximarmos do estudo comparativo das religiões
e de pretendermos atingir o conhecimento de um grande número
das modalidades do sagrado.
Essa é exatamente a situação do critico que tivesse por obri­
gação escrever a história da literatura francesa sem mais docu­
mentação que os fiagmentos de Racine, uma tradução espanho­
la de La Bruyère, alguns textos citados por um critico estrangei
ro, as recordações literárias de alguas viajantes e diplomatas, o
catalogo de uma livraria de província, os resumos e os temas de
um colegial e mais algumas indicações do mesmo gênero. Fis. cm
suma, a documentação de que dispõe o historiador das religiões:
alguns fragmentos de uma vasta literatura sacerdotal oral (cria­
ção exclusiva de certa classe social), algumas referências encon­
tradas nas notas dos viajantes, os materiais recolhidos pelos mis­
sionários estrangeiros, as reflexões extraídas da literatura profa­
na. alguns monumentos, algumas inscrições e as recordações con­
servadas nas rradiçóes populares. Também as ciências históricas
estão constrangidas a uma documentação deste gíncro. fragmen­
tária c contingente. Mas a empresa do historiador das religiões
é muito mais ousada do que a do historiador que se propõe re­
constituir um acontecimento ou uma série de acontecimentos à
custa dos escassos documentos conservados, pois não só tem de
12 TRATADO DE HISTÓRIA D A S RELIGIÕES

traçai a história de determinada hierofania (rito, mito, deus ou


culto), com o, em primeiro lugar, tem do compreender c tornar
compreensível a modalidade do sagrado revelada através dessa
hierofania. Ora. a heterogeneidade c o caráter foiluito dos d o ­
cumentos de que dispomos agravam 3 dificuldade que o historia­
dor experimenta sempre para interpretar corrctamcntc o sentido
de uma hierofania. Imaginemos a situação dc um budista que para
compreender o cristianismo dispusesse de apenas alguns fragmen­
tos dos Evangelhos, dc um breviário católico, dc um material ico­
nográfico heteróclito (ícones bizantinos, estátuas dos santos da
épo^a hiiitoca. vestimentas dc um padre ortodoxo), mas que. em
troca, tivesse a possibilidade dc estudar a vida religiosa dc uma
aldeia européia. Sem dúvida o observador budista havia dc esta­
belecer urr.a nítida distinção entre a sida religiosa dos campone­
ses c ar concepções teológicas, morais c místicas do sacerdote da
aldeia. Vias, embora piocedcsse razoavelmente ao estabelecer esta
distinção, cairia em erro se considerasse o cristianismo a partir
das tradições conservadas pelo indivíduo único que é o sacerdote
e só considerasse como "verdadeira" a experiência representada
pela comunidade da aldeia. Fm resumo, as modalidades do sa­
grado revelado pelo cristianismo são mais rigorosamente conser­
vadas na tradição representada pelo padre (ainda que fortemen­
te colorida pela história e pela teologia) do que as crenças da al­
deia. Ora, o que interessa ao observador não í o conhecimento
de certo momento da historia do cristianismo, cm certo setor da
cristandade, mas a própria religião cristã. () fato de um único
indivíduo, cm toda a aldeia, conhecer o ritual, o dogma c a mís­
tica cristã, enquanto o resto da comunidade os ignora e pratica
um culto elementar imbuído dc superstições (isto é, de restos das
hierolanias decaídas), não assume, pelo menos aqui. im portân­
cia nenhuma. O importante é apercebermo-nos dc que e«e indi­
víduo conserva dc maneira mais completa, se não a experiência
original do cristianismo, pelo menos os seus elementos fundamen­
tais e as suas valorizações místicas, teológicas c rituais.
Esse trio dc método é muito frequente em etnologia P. Ra-
din julga-se autorizado a rejeitar as conclusões das pesquisas do
missionário Gusinde porque os seus inquéritos incidiram num vó
indivíduo. Esta atitude só se justificaria no caso em que o objeti­
vo da pesquisa fosse estritamente sociolóyço: a vida rcli&iJSQ dc
uma comunidade fueguina num dado momento histórico. m:is
quando trata dc apreender as capacidades de cxpericncialira-
APRO XIM AÇÕ ES. E STRU TU RA E MORFOLOGIA 13

çâo <la sacralidade pelos fueguinos a situação é complctamente


diferente. Ora. um dos problemas mais importantes da historia
das religiões c justamenic essa capacidade de conhecer as dife­
rentes modalidades do sagrado dos primitivos. De fato, se fosse
possível demonstrar (aliás isso foi realizado nas últimas décadas)
que a vida religiosa dos povos mais primitivos 0 verdadeiramente
complexa, que núo pode ser redu/ida ao "animismo” , ao "tote-
mismo", nem ao culto dos antepassados, mas que conhece tant-
Win os seres supremos providos de todos os prestígios do deus
criador e todo-poderoso, a hipótese cvolucionista, que priva os
primitivos do acesso às "hicrofanias superiores” , ficaria assim
imediatamente invalidada.

3. Variedade das hierofanias — As comparações a que re­


corremos para demonstrar como c precário o material documen­
tal de que dispõe o historiador das religiões sào imaginárias, e
somente assim devem ser consideradas. A novsa prctvupaçào prin­
cipal c a dc justificar o método a que vai obedecer a obra presen­
te. Fm que medida estamos nós autotuados — dada a heteroge­
neidade c a precariedade do material documental — a falar das
"modalidades do sagrado” ? O que nos assegura a existência real
dessas modalidades é o íato de uma hicrofanÍ3 ser difcrentcmcn-
te vivida e interpretada pelas “ elites” religiosas em relação ao resto
da comunidade Para o povo que no principio do outono vem
até o templo de Kâhghat. cm Calcutá, Durga é uma deusa terrí­
vel, à qual é preciso sacrificar bodes; mas para uns tantos skah-
tas iniciados Durga é a epifania da vida cósmica cm continua c
violenta palingenesia. I: muito provável que entre os adoradores
do linga dc Shiva grande número nào veja nele rnais que o arqué­
tipo do órgilo gerador; mas há outros que o consideram como
um animal, um ” icone” da criaçào c da destruição rítmicas do
universo, que se manifesta nas formas e sc reintegra periodica­
mente na unidade primordial, prc-fortnal, a fim dc sc regenerar.
Qual c a verdadeira hierofania dc Durga e Shiva: a que os "in i­
ciados” decifram ou a que é apreendida pela massa dos "cren­
tes"? Tentaremos mostrar, nas páginas seguintes, que ambas sào
válidas, que o sentido estabelecido entre as massas, tal corno a
inicrprctaçáo dos iniciados, represema uma modalklade real. au­
tentica, do sagrado manifestado por Durga ou Shiva. E podere­
mos mostrar que as duas hicrofanias sào correntes, isto é, que
14 TR A TA D O Dl: H ISTÓ RIA D AS RELIGIÕES

as modalidades do sagrado reveladas através delas não são de ma­


neira nenhuma contraditórias, rnas integráveis c complementa­
ras. Ficamos assim autorizados a conceder uma "validade'* igual
a um documento que registra unta experiência popular c a utn
documento que reflete a experiência de uma elite. As duas cate­
gorias de documentos são indispensáveis — e não apenas para
descrever a história de uma hicrofania, mas, em primeiro lugar,
|K>rque ajudam a constituir as modalidades do .sagrado revelado
através desta hicrofania.
listas observações — amplamentc ilustradas nos estudos deste
livro — devem ser aplicadas à heterogeneidade das hieroíanias
acima referidas. Pois — como acabamos de di/er — estes docu­
mentos não só são heterogéneos em relação à sua origem (uns
dimanam dos sacerdotes ou dos iniciados, outros das massas; uns
apenas oferecem alusòes, fragmentos ou vagas referências, ou­
tros tcxlos originais, etc.), mas também quanto ã sua própria es­
trutura. Por exemplo, as hieroíanias vegetais (isto c, o sagrado
revelado através da vegetação) encontram-se tanto nos símbolos
(a árvore cósmica) ou nos mitos metafísicos (a árvore da vída)
como nos ritos "populares" (o "cortejo da árvore de maio'*, as
fogueiras*, os titos agrários), nas crenças ligadas à ideia de uma
origem vegetal da humanidade, nas relações místicas existentes
entre certas árvores c certos indivíduos ou sociedades humanas,
nas superstições relativas à fecundação pelos frutos ou pelas
flores**, nos contos em que o herói, covardcmcnle assassinado,
se transforma numa planta, nos mitos c nos ritos das divindades
da vegetação e da agricultura, etc. Estes documentos diferem não
só pela sua história (comparar, por exemplo, o símbolo da árvo­
re cósmica entre os indianos e entre os altaicos com as crenças
de algumas populações primitivas, a respeito da descendência do
gênero humano a partir de uma espécie vegetal) mas também pe­
la própria estrutura (Juais são os documentos que nos vão servir
de modelo para compreendermos as bierofanias vegetais? Os sím
bolos, os ritos, os mitos ou as “ formas divinas"?
O método mais seguro é evidentemente o que considera e uti­
liza todos estes documentos heterogêneos, sem excluir nenhum
tipo importante, e atenta simultaneamente para a questão dos con­

• Por exemplo, at ••fnjiieir.*; de SSo loSo”. (N.T.)


•• f-, cm Mima. »o ku rodei icgcneradot. como sejam m vlnvdct dos ' > 0»
de mulo” . tN.T.)
APROXIMAÇ-ÔES tS T R V T V R A S MORFOLOGIA 15

teúdos revelados por todas as hierofanias. Obteremos assim um


conjunto coerente de notas comuns que — como veremos mais
tarde, aliás — permitem organizar um sistema coerente das mo­
dalidades da sacralidade vegetal. Poderemos assim notar que ca­
da hicrofania pressu/tòe Ial sistema; que um costume popular, de
certo modo relacionado com o "cortejo cerimonial da árvore de
maio” , implica a sacralidade vegetal formulada pelo ideograma
da árvore cósmica; que algumas hierofanias sâo pouco "abertas” ,
são ames quase “ crípticas” , no sentido de só revelarem parcial-
mente e de maneira mais ou menos cifrada a sacralidade incor­
porada ou simbolizada peta vegetação, enquanto outras hicrofa-
nias. verdadeiramcntc "fànicas” , deixam transparecer as moda­
lidades do sagrado no seu conjunto. Poderemos assim conside­
rar como hierofania críptica, insuficientemente "aberta", ou " lo ­
cal". o costume de desfilar cerimoniosamente*•um ramo verde
no começo da primavera*4: c como hicrofania "transparente”
o símbolo da árvore cósmica. Mas tanto uma como outra reve­
lam a mesma modalidade do sagrado incorporado na vegetação:
a regeneração rítmica, a vida inesgotável que está concentrada
na vegetação, a realidade manifestada numa criação periódica,
etc (5 124) O que devemos desde já sublinhar c que todas as hie­
rofanias conduzem a um sistema de afirmações coerentes, a uma
"teoria" da sacralidade vegetal, teoria implicada tanto nas hie­
rofanias insuficiciitcmente "abertas" como nas outras.
As conseqücitcias teóricas dessas observações serão discuti­
das no final desta obra. quando tivermos examinado uma quan­
tidade suficiente de fatos. Por agora contentar-nos-emos em mos­
trar que nem a heterogeneidade histórica dos documentos (uns
emanados das "elites” reJigiosas, outios das massas incultas, ou­
tros ainda o produto de uma civilização refinada, outros final-
mente criação das sociedades primitivas, etc.), nem a sua hetero­
geneidade estrutural (mitos, ritos, formas divinas, superstições,
etc.) constituem obstáculo para a compreensão de uma hieroía-
tiia. Apesar das dificuldades de ordem prática, só esta mesma he­
terogeneidade c capaz de nos revelar todas as modalidades do sa­
grado, visto que um símbolo ou um mito tornam cvidcntcmcntc
transparentes as modalidades que um rito não pode manifestar,

• Im o t, numa (erimOnUr, por exemplo, tm protistâo. ÍN.T.)


•• O “ domirtíO de Ramos" pode ver comider&do como mod«ll<tude deste
tilo. (N.T.)
16 TR A TA D O D t: HISTÓRIA D AS RELIGIÕES

mas tão-só implicar. A diferença entre o nível de um símbolo,


por exemplo, c o de um rito é de tal natureza que jamais o rito
poderá revelar tudo o que o símbolo revela. Mas, repitamo-lo,
a hicrofania ativa num rito agrário pressupõe a presença de todo
o sistema, isto é, o conjunto das modalidades da sacralidade ve­
getal que revelam, de maneira mais ou menos global, as outras
hierofanias agrárias.
Essas observações preliminares compreender-se-áo n o mo­
mento cm que o problema for retomado num pomo de vista di­
ferente. O fato de a feiticeira queimar uma boneca de cera, pro­
vida de uma madeixa de cabelos da sua “ vítima” , sem se aisercc-
bcr. de maneira satisfatória, da teoria pressuposta por um ato
mágico como esse nüo tem a mínima importância para a com­
preensão da magia simpática. O que importa para compreender
essa m ag ia t saber que tal ato só foi possível a partir do momen­
to cm que certos indivíduos se convenceram (por via experimen­
tal) ou afirmaram (por via teórica) que as unhas, os cabelos ou
os objetos usados por um ser humano conservam relações inti­
mas com este após a sua separaçáo. Tal crença pressupõe a exis­
tência de um “ espaço-rede” que liga entre si os objetos mais afas­
tados. efetuando tal ligação á custa de uma simpatia dirigida por
leis especificas (a coexistência orgânica, a analogia formal ou sim­
bólica , as simetrias funcionais). O feiticeiro (o que atua como ma­
go) só pode acreditai na eficácia da sua ação na medida em que
tal “ espaço-rede” existe. Conheça ele ou nào este “ espaço-rede” ,
tenha ou náo conhecimento da "simpatia” que liga os cabelos
ao indivíduo, è coisa sem importância. É muito provável que mui­
tas das feiticeiras atuais não possuam uma representação do mun­
do de acordo com as práticas mágicas que exercem. Mas, consi-
deradus em si mesmas, essas práticas podem revelar nos o mun­
do de onde vem. ainda que os seus executantes náo lhes tenham
acessa por via teórica. O universo mental dos mundos arcaicos
nào chegou até nós dialeticamente nas crenças explicitas dos in­
divíduos, mas conservou-se nos mitos, nos símbolos c costumes
que, apesar de todo gênero de degradação, deixam ver ainda cla-
ramente o seu sentido original. Em certo sentido, representam
"fósseis vivos” e por vezes basta um só "fóssil” para que possa­
mos reconstituir o conjunto orgânico de que ele c o vestígio.4

4 . Multiplicidade das hierofanias — Os exemplos que aca­


bam de ser citados serào retomados c reforçados na presente obra.
A HROXIM A Ç fiFS: E STR U T V R A E MORFOLOGIA 17

Até agora serviram-nos de primeira aproximação, não para deli­


mitar a noção do sagrado, mas para nos familiarizar com os do­
cumentos de que dispomos. Chamamos hierofanias a esses do­
cumentos porque cada am deles revela uma modalidade do sa­
grado. As modalidades desta revelação, assim como o valor on
tológico que se lhes atribui são duas questões que sò poderão ser
discutidas no fim da nossa pesquisa. For ora consideremos cada
documento — rito. mito. cosmogonia ou deus — como consti­
tuindo uma hierofania; ou, por outras palavras, tentemos
considerá-los como uma manifestação do sagrado no universo
mental daqueles que o receberam.
Ceilamente tal exercício nem sempre é fácil. Para o ociden­
tal, habituado a relacionar espontaneamente as noções dc sagra­
do, dc religião, c ate de magia, com certas formas históricas da
vida religiosa judaico-cristã, as hierofanias estranhas surgem-lhe,
cm grande parle, como aberrantes. Ainda que esteja predisposto
a considerar com simpatia certos aspectos das religiões exóticas
— e cm primeiro lugar os das religiões orientais — só dificilmen­
te poderá compreender a saeralklade das pedras, por exemplo,
ou a erótica mística. E supondo ainda que tais hierofanias excên­
tricas possam encontrar algumas justificações (considerando-as,
por exemplo, como “ fctichismos” ) c quase certo que um homem
moderno permanecerá refratário em relação a outras, que hesi­
tará em conccdcr-lhcs o valor dc hierofania. isto é, de modalida­
de do sagrado. Walter O tto notava, no seu Die Götter Grieche­
lands, como é difícil para os modernos apreender a sacralidadc
das “ formas perfeitas” , uma das categorias do do mo de uso cor­
rente entte os antigos helenos. Esta dificuldade agravar-sc-á quan­
do chegar a hora dc considerar um símbolo como uma manifes­
tação do sagrado, ou dc sentir que as estações, os ritmos ou a
plenitude das formas (quaisquer que sejam) são outras tantas mo­
dalidades da sacralidadc. Tentaremos mostrar nas páginas seguin­
tes como elas eram consideradas assim pelos homens das cultu­
ras arcaicas. E na medida etn que nos desembaraçarmos dos pre­
conceitos didáticos, cm que nos esquecermos de que essas atitu­
des foram por vezes tachadas dc panteísmo, dc feitiçaria, dc m-
fantilismo. etc., é que conseguiremos compreender o sentido pas­
sado ou atual do sagrado nas culturas arcaicas, e simultaneamente
aumentarão as nassas probabilidades de compreendermos igual-
mente os modos e a história da sacralidadc.
Precisamos nos habituar a aceitar a existência das hierofanias
18 TR A TA D O D lí HISTÓRIA D A S RFU O IÕ ES

onde quer que seja. em qualquer setor da vida fisiológica, eco­


nômica. espiritual ou social. Fm suma, nós não sabemos se exis­
te alguma coisa — objeto, gesto, função fisiológica, ser ou jogo,
etc. — que nunca tivesse sido transfigurada, em qualquer parte,
no decurso da história da humanidade, em hieiofania. Questão
muito diferente é a de procurar as razões que fizeram com que
essa alguma coisa se tornasse uma hicrofani3 ou deixasse de o
ser cm dado momento. Mas é ceito que tudo quanto o homem
manejou, sentiu, encontrou ou amou pode tornar-se uma hicro-
faniu. Sabemos, por exemplo, que no seu conjunto os gestos, as
danças, as brincadeiras das ci ianças, os brinquedos tèm um a ori­
gem religiosa: foram, no tempo, gestos ou objetos cultuais. Sa­
bemos, do mesmo modo, que os instrumentos de música, a ar­
quitetura, os meios de transporte (animais, carros, barcos, etc.)
começaram por ser objetos ou atividades sagradas. Podemos pen­
sar que não existe nenhum animal ou planta importante que não
tenha participado da sacralidade no decurso da história. Sabe­
mos d a mesma maneira que todos os ofícios, artes, indústrias,
técnicas têm origem sagrada ou se revestiram, no curso dos tem­
pos, ck valores cultuais. Lsta lista poderia continuar com os ges
tos cot idianos (o levantai -se depois da noite dormida, o caminhar,
o correr), pelos diferentes trabalhos (caca. pesca, agricultura), por
todos os atos fisiológicos (alimentação, vida sexual), provavel­
mente também pelas palavras essenciais da língua, e assim por
diante. Evidcntemcnte, não devemos imaginar que ioda a espé­
cie humana tenha passado por iodas essas fases, que cada agru­
pamento humano tenha conhecido sucessivamente iodas essas íuç-
rofanias. Essa hipótese cvoliidonista, talvez aceitável algumas gc-
laçôes atrás, está hoje completamente excluída. Mas, em qual­
quer lugar que fosse, num dado momento histórico, cada j*rupo
humano tranxubstanciou, pela parte que lhe tocava, certo núme-
to de objetos, de animais, de plantas, de gestos em hierofanias,
c c muito provável que. no fim de contas, nada tenha escapado
a esta transfiguração, prosseguida durante dezenas de milénios
da vida religiosa5

5. Dialética das hierofanias — Relembramos no princípio des-


le capitulo què tòdis is dcImiÇòcs do fénòmcnò rcligioSó dádás
ate o presente colocavam cm oposição o sagrado c o profano.
O que acabou de se dizer acima, isto é. que em qualquer moinen-
APROXIM AÇÕ ES; E STR U TU RA E MORFOLOGIA 19

lo toda c qualquer coisa pode tornar-se uma hierofania. não con­


tradirá esta definivâo-tipo do fenómeno religioso? Se qualquer
coiui pode incorporar a saeralidadc. ern que medida permanece
válida a dicotomia sagrado pioíano? Esta contradição é só apa­
rente. porque, se é verdade que qualquer coisa pode torr.ar-se uma
hierofania. c que. provavelmente, não existe nenhum objeto, ou
ser. ou planta que em certo momento da história e em certo lu­
gar do espaço não tenha assumido o prestígio da sacralidade, nem
|>or isso deixa de continuar a scr verdade que não se conhece ne­
nhuma religião ou raca que tenha acumulado, ao longo da sua
história, todas estas hierotanias. Por outras palavras, ao lado dos
objetos ou dos seres profanos sempre existiram, no quadro de
qualquer religião, objetos ou seres sagrados. (Não é possível di­
zer o mesmo dos atos fisiologicos. dos ofis-ios, das técnicas, dos
gestos, etc., mas voltaremos a esta distinção.) Temos de ir mais
longe: ainda que certa cl3ssc de objetos possa receber o valor de
uma hierofania. há sempie objetos, nesta classe, que não são in­
vestidos desse privilegio.
Por exemplo, quando se fala r.o "culto das pedras", isso náo
quer dizer que todas as pedras sejam considctadas como sagra­
das. Encontraremos sempre certas pedras veneradas em virtude
da sua forma, do seu tamanho ou das suas implicações rituais.
Veremos, alias, que não se trata de um culto das pedras, que cs
sas pedras sagradas somente são veneradas na medida cm que não
sào apenas simples pedias, mas hicroíanias. isto é, algo que ul­
trapassa a sua condicão normal de "objetos” . A dialética da hic
rofania picssupôe uma escolha mais ou menos manifesta, cm que
incorpora (isto é, revela) algo ftara além dc si mesmo. Por ora
não interessa muito que este “ algo para além” se deva muito sim­
plesmente à sua foi ma singular, à sua eficiência ou á sua "fo r­
ça" — ou que se deduza a partir da "participação" do objeto
cm qualquer simbolismo, que seta atribuído por um rito de con­
sagração ou adquirido pela inserção, voluntária ou involuntária,
do objeto numa região saturada de saeralidadc (uma zona sagra
da. um (empo sagrado, um "acidente” qualquer — a queda de
um raio. um crime, um sacrilégio, etc.). O que acabamos dc pôr
em evidencia c que uma hierofania pressupõe uma escolha, uma
nítida separação do objeto hicrofánico relativamcntc ao inundo
restante que o rodeia. Este mundo restante existe sempre, ate
quando se trata dc uma TCgiáo imensa que se torna hierofânica:
por exemplo, o Céu. ou o conjunto do "ambiente” familiar, ou
20 TF ATADO DE HISTÓRIA DA S FEJ.IG/ÕES

a “ pátria'*. Em qualquer caso, a separação do objeto hierofàni-


co faz se pelo menos perante ele mesmo, pois só se torna uma
hicrofania no momento cm que deixou de ser um simples objeto
profano, cm que adquiriu uma nova dimensão: a da sacralidadc.
Essa dialética c complctamcntc clara no plano dementar das
hierofanias fulgurantes, tão comuns na literatura etnológica T udo
o que é insólito, singular, novo. perfeito ou monstruoso torna-se
receptáculo para as forcas mágico-religiosas c. segundo as eiienns-
tãncias. um objeto de veneração ou de temor, em virtude do sen­
timento ambivalente que o sagrado provoca constantemente.
“ Quando um cão tem sempre êxito na caça", escreve A. C. Kr uyt,
" í porque existe ai rneasa (mau-olhado ou agouro). Demasiado
êxito na caca é coisa que inquieta o rotadja. A força mágica,
graças ã qual o animal c capa/ de apanhar a caça, acabará neces­
sariamente por se tornar fatal para o seu dono: ou este morrera
cm breve, ou a colheita de arroz falhará, ou, o que c o mais fre­
quente. uma epizootta se declarará nos búfalos ou nos porcos.
Esta crença é geral cm todo o centro das Celebes.": Seja cm que
domínio for. a perfeição assusta, e é neste valor sagrado ou m á­
gico da perfeição que será necessário procurar a explicação do
receio que até a mais civilizada das sociedades manifesta perante
o santo ou o gênio. A perfeição nâo pertence a este inundo. £
uma coisa diferente deste mundo, embora venha ate ele.
Este mesmo receio ou esta mesma reserva timorata existe a
respeito de tudo quanto é do estrangeiro, ou estranho, ou novo
— pois tais presenças surpreendentes são os sinais de uma força
que. se bem que venerável, pode ser perigosa. NasCclebcs, “ quan­
do o fruto de uma bananeira nasce, nâo no topo do caule, mas
no meio, trata se de rneasa... Diz-se geralmcntc que isso terá co
rno consequência a morte do dono de tal árvore... Quando uma
aboboreira dá dois frutos numa só haste (caso idêntico uo de um
nascimento de gêmeos), trata-se de rneasa, o que causará a morte
de urn membro da família daquele que possui o campo onde essa
planta cresce. E torna-se necessário arrancar a planta que dá tais
frutos azaremos, que ninguém podetá com er"1. Como diz Edwin
W. Smith. "as coisas estranhas, insólitas, os espetáculos inusita­
dos, as práticas inabituais. os alimentos desconhecidos, os novos
ptocessos de fazer as coisas, tudo isso é encarado como manifesta­
ção das forças ocultas” 4. Em Tanxa. nas Novas Híbridas, todos
os desastres eram imputados aos missionários brancos que acaba­
vam de chegar-'. A lista desses exemplos pode crescer facilmente4.
ARROM M AÇÕEÜ- E STRU TU RA F. UORFOI.OGIA 21

6. C) tabu c a ambivalência do sagrado — Veremos mais tar­


de em que medida tais fatos podem ser considerados como hie-
roianias. De toda a maneira sáo cratofanias, manifestações da
força c, por consequência, são temidas c veneradas. A ambiva­
lência do sagrado não é exclusivamente de ordem psicológica (na
medida cm que atrai ou causa repulsa) mas também de ordem
axiológica: o sagrado è ao mesmo tempo “ sagrado” e “ macula­
do” . Ao comentar as palavras de Virgílio, auri sacra /ames,
Servius7 faz notar, muito justamente, que sacer pode significar
ao mesmo tempo “ m aldito" e “ santo” . Eustaihius* observa a
mesma dupla significação de bagios. que pode exprimir ao mes­
mo tempo a noção dc “ puro” c dc “ poluido” 9. E essa mesma
ambivalência do sagrado aparece no mundo paleossemitico10 e
egípcio'
Todas as valorizações negativas das “ impurezas” (o conta­
to com os mortos, os criminosos, etc.) se devem a esta ambiva­
lência das hicrofanias c das cratofanias. Tudo quanto i ’‘impu­
ro ” c por consequência “ consagrado" distingue-se. na esfera do
ontológico, de tudo quanto pertence à esfera profana. Por isso.
tanto os objetos como os seres impuros estão praticamente proi­
bidos à experiência profana, assim como as cratofanias e as hie-
rofanias. L nào c sem risco que todo aquele que pertença à esfe­
ra profana, isto c, nào preparado ritualmenie. se aproxima de
um objeto impuro ou consagrado. Aquilo a que se dã o nome
dc tabu — segundo uma palavra polinesia 3dotada pelos etnó-
grafos — é precisamente essa condição dos objetos, das ações ou
das pessoas “ isoladas" c ■’interditas" cm virtude do perigo que
comporta o seu contato. Dc uma maneira geral é ou transforma-
se cm tabu todo objeto, a-cão ou pessoa que. cm virtude do seu
próptio modo de ser. ou por uma ruptura dc nível ontológico,
se torna portadora ou adquire uma força de natureza mais ou
menos incerta. A morfologia do labu c dos objetos, pessoas ou
ações tabúticas c muito rica. Basta folhearmos o tomo III do
Rameau d'or dc Frazci, Tabou et les périls de l'âm e'7, ou o vas­
to repertório de Webster11, para nos convencermos disso. Vamos
contentar-nos com alguns exemplos recolhidos na monografia de
Van Gcnncpu . O termo corresjiondente a tabu, em malgache, c
fa d y .fu ly , palavra que designa o que c "sagrado, proibido, in-
lerdiio. incestuoso, dc mau augúrio15, ou seja, cm últim a an áli­
se, o que é perigoso16. Assim, foram fady “ os primeiros cavalos
importados para a ilha, os coelhos trazidos por urn missionário.
22 TUA TA DO d í: h is t ó r ia D A S REJ.IGIOES

os gcncros novos, incluindo os remédios europeus” (o sal, o io-


deto de potássio, o rum, a pimenta, ctc.)|T. Encontramos por­
tanto a-qni as cratoíanias do insólito e do novo. de que já fala­
mos mais acima. A sua modalidade c fulgurante, pois de manei­
ra gera! todos estes tabus não duram muito tempo; a partir do
momento cm que são conhecidos, manipulados, integrados no
cosmos- autóctone, perdem a sua capacidade de destruir o equilí­
brio das forças. Outro termo malgache é loza, que os dicionários
definem nos termos seguintes: "tudo o que está fora ou é contra
a lei natural, um prodígio, uma calamidade pública, uma d ew aça
extraordinária, um pecado contra a lei natural, um incesto*'"'.
Evidentemente os fenômenos das doenças c da morte se asm
pam também nas categorias do insólito e do terrível. Entre os mal-
gachcs, como por toda a parte, aliás, várias "interdições" sepa-
ráni nitidamente os doentes e os mortos do resto da comunida­
de. C proibido tocar num morto, olhá-lo, pronunciai o seu no­
me. O utra serie de tabus refere-se à mulher, á sexualidade, ao
nascimento ou a determinadas situações <é proibido ao soldado
comer galo m ono cm combate, ou qualquer outro animal m orto
pot uma azagaia; nào se deve matar um animal macho numa ca­
sa cu.io dono anda envolvido em querelas ou na gueiia. e tc .1'1).
Em todos esses casos se trata de uma interdição provisória que
se explica por uma concentração fulgurante de forças em deter­
minados centros (a mulher, a morte, a doença) ou pela situação
perigosa cm que se encontram algumas pessoas (o soldado, o ca­
çador. o pescador). Mas existem tabus permanentes: o do rei ou
o do santo, o do nome ou o do ferro, o de certas regiões cósmi­
cas (a montanha de Am bondm m o, de que ninguém ousa
aproximar-se3-1. os lagos, os tios, ilhas inteiras)2’. Nestes casos,
as interdições são devidas à maneira de ser específica das pessoas
c dos objetos (abúlicos. Devido á sua própria situação real, o rei
é um reservatório pleno de forcas e. conseqúememcme, só é pos­
sível uma aproximação da sua pessoa tomando certas precauções;
o rei não deve ser tocado nem olhado dirctamente, assim como
também não se lhe deve dirigir a palavra. Em certas regiões o so­
berano não deve tocar a terra, pois poderia assim torná-la estéril
devido às forças em si acumuladas; portanto, torna-se necessá­
rio que seja tram poitado. ou então deverá caminhar sobre um
lapete. As prcçauçôcs tomadas com os santos, com os sacerdotes
ou con» os curandeiros explicam-se pelos mesmos receios. Q uan­
to ã "tabuticaçào” de certos metais (o fetro, por exemplo) ou
APROXIM AÇÕ ES: E STRU TU RA E MORFOLOGIA 23

dc certas regiões (as ilhas, os montes), são múltiplas as causas


determinantes: a novidade do metal, ou o fato dc ser utilizado
por grupos secretos (fundidores, feiticeiros), a majestade ou o mis­
tério de certas montanhas» o fato de não serem integráveis ou não
estarem integradas no cosmos indígena.
No entanto, o mecanismo do tabu é sempre o mesmo: algu­
mas coisas, pessoas ou regiões participam de um sistema ontoló­
gico muito diferente e. por consequência, o seu contato produz
uma ruptura de nível antológico que poderia ser fatal. O temor
perante tal ruptuia — necessariamente imposta pelas diferenças
de sistema ontológico existente entre a situação profana e a si­
tuação hicrofánica ou cratofãnica — verifica-se ate nas relações
do homem com os alimentos consagrados ou com os alimentos
que yí SupõC conterem certas forças mágico-religiosas. "Alguns
alimentos a tal ponto sào santos que mais vale nunca os comer,
ou come los apenas em pequenas quantidades."1- C por isso que,
cm Marrocos, os visitantes dos santuários ou os participantes dc
uma festa comem pouquíssimo dos frutos ou dos pratos que sc
lhes oferecem. Fazem-se tentativas para aumentar a "força" {ba-
raka) do trigo enquanto ele permanece na eira; mas, concentra­
da cm grande quantidade, esta força pode tornar-se nociva21. Pe­
la mesma razão o mel rico etn buraku é perigoso24.
i;.sia ambivalência do sagrado — que ao mesmo tempo atrai
e causa repulsa — será discutida mais pioíundamcntc no segun
do volume desta obra. Aquilo que desde já pixlemos notar c a
tendência contraditória manifestada pelo homem perante o sa­
grado (considerando este termo na acepção mais geral). Por um
lado. o sagrado proema assegurar c aumentar a sua própria rea­
lidade por um contato tão frutuoso quanto possível com as hie-
rofanias e as cratofanias; por outro, arrisca-se a perder defmiti-
vamente esta "realidade" pela sua integração num plano onto­
lógico superior ã sua condição profana; embora a deseje ultra­
passar, não pode entretanto abandoná-la completamente. A am ­
bivalência da atitude do homem perante o sagrado não só se ve­
rifica nos casos das hicrofanias e das cratofanias negativas (me­
do dos mortos, dos espíritos, dc tudo quanto é "im puro” ), mas
também nas formas religiosas mais evoluídas. Até uma leofania,
como a que nos é revelada pelas místicas cristãs, inspira à grande
maioria dos indivíduos não somente álfãÇâo mas também repul­
sa (qualquer que seja o nome dado a esta repulsa: ódio, desdém,
temor, ignorância voluntária, sarcasmo, etc.).
24 TRATAD O DE H ISTÓ RIA D A S RELIGIÕES

Vimos acima que as manifestações do insólito c do extraor­


dinário provocam geralrr.cntc o medo c o afastamento. Alguns
exemplos de tabus c de ações, de seres ou objetos tabúticos
revelaram-nos através de que mecanismos as cratofanias do in­
sólito. do funesto, do misterioso, etc. estão separadas do circui­
to das experiências notmais. Esta separacüo tem por vezes efei­
tos positivos: não se limita a isolar, também valorizo. Por isso,
a fealdade c a disformidade, embora singularizem aqueles que a
manifestam, ao mesmo tempo também os consagram "Assim,
entre os indianos ojibway. muitos são chamados feiticeiros, sem
que eles próprios se considerem peritos na aite da feitiçaria, mas
simplesmente porque são feios ou disformes. Entre estes india­
nos. todos os que são olhados como feiticeiros têm geialmcnte
aparência exterior miserável e aspecto repugnante. Rcadc afirma
que no Congo todos os anões c todos os albinos sc tornam sacer­
dotes. Não podemos pôr cm dúvida que o respeito geialmcnte
inspirado por este gênero de homens tenha a sua origem na idéia
de que são dotados de um poder misterioso.” 15
O fato de os xamás, os feiticeiros e os curandeiros serem pre-
fereniememe recrutados entre os ncuropatas, ou entre os que apre­
sentam equilíbrio nervoso instável, é devido ao mesmo prestigio
do insólito e do extraordinário. Esses estigmas denotam um a es­
colha: aqueles que os possuem nào têm outro caminho senAo o
de se submetei em à divindade ou aos espíritos que assim os dis­
tinguiram, tornando-se sacerdotes, xamàsou feiticeiros. Evidcn-
temente essa escolha nem sempre se efetua por intermédio desse
gênero de marcas exteriores naturais (fealdade, enfermidade, ner­
vosismo excessivo); a vocação religiosa aparccc frequentemente
por ocasião dos exercícios rituais a que. de boa ou má vontade,
se submete o candidato, ou de uma seleção efetuada p d o
feiticeiro26. Mas trata-sc sempre de uma escolha.

7 .0 mana — O insólito c o extraordinário são epifanias per­


turbadoras: indicam a presença de algo diferente do natuiul: a
presença, ou pelo menos o apelo, ou cm sentido predestinado,
desse also. Um animal hábil, assim como um objeto novo ou um
fato monstruoso singularizam-se dc maneira tão nitida como um
indivíduo extremamente feio. muito nervoso ou isolado do resto
da comunidade por qualquer estigma (natural ou adquirido em
consequência de uma cerimónia realizada com o fim dc designar
APROXIM AÇÕ ES: E STR U TU RA E MORFOLOGIA 25

o "eleito"). Os exemplos nos ajudarão a compreender o concei­


to mclancsio dc mana, de onde certos autores julgaram poder de­
rivar todos os fenômenos religiosos. Para os melanésios, mana
é a força misteriosa e ativa que possuem alguns indivíduos e ge-
ralmcntc as almas dos mortos e todos os espírito$:T. O ato gran­
dioso da criação cósmica só foi possível pelo mana da divindade;
lambem o chefe do clã dispõe da sua dose dc mana. c sc os ingle­
ses submeteram os maoris foi porque o seu mana era mais fone,
assim como o oficio do missionário cristão possui mana superior
ao dos ritos autóctones. Apesar de tudo, também as latrinas pos­
suem o mana, graças ao caráter dc “ receptáculo de força” que
abrigam não só os corpos humanos como as suas excreções-'*.
Mas os objetos c os homens têm mana porque o receberam
de determinados seres superiores, ou seja. porque participam mis-
ticamente do sagrado e na medida em que dele participam. "Se
sc verifica que uma pedra encerra uma força excepcional é por­
que qualquer espírito a cia sc associou. Ura osso de um morto
possui mana porque a alma do m ono ai sc encontra; determina­
do indivíduo pode manter uma relação tão estteita com um espi­
rito (spiril) ou com a alma de um morto (ghosi), que fica possui
dor dc mana cm si mesmo e pode utilizá-lo à sua vontade.’’1“ Ú
uma força diferente das forças físicas, do ponto de vista qualita­
tivo, c por isso se exerce de maneira arbitrária. Um bom guerrei­
ro deve esta qualidade não às suas próprias foiças ou recursos,
mas à força que o mana dc um guerreiro morto lhe concede; este
mana cncontra-se no pequeno amuleto dc pedra que lhe pende
do pescoço, cm algumas folhas presas ao seu cinto ou na fórmu­
la que pronuncia. O fato dc os porcos dc certo homem sc multi­
plicarem c o seu jardim prosperar deve-se a determinadas pedras
providas do mana especial dos porcos c das árvores que o sen pro­
prietário possui. Um barco só è rápido sc possuir mana, assim
como uma rede que apanha peixe ou uma flecha que fere
mortalmeiite’11. Tudo o que é por excelência possui mana; ou se­
ja. tudo o que parece ao homem eficaz, dinâmico, criador,
perfeito.
Como reação contra as teorias dc Tylor c da sua escola, que
consideram que a primeira fase da religião só pode ter sido o ani­
mismo, o antropólogo inglês R. R. Marrett julgou poder reco-
nhccer nesta crença cm uma força impessoal uma fase prc-animista
da religião. Evitaremos precisar desde já cm que medida sc pode
falar dc uma “ primeira fase" da religião, assim como não va-
26 TR A TA D O D E HISTORIA D AS REU G JÕ ES

mos indagar sc a identificação de tal fase primordial equivale a


descobrir as “ origens” da religiüo. Mencionamos alguns exem­
plos d o mana apenas para esclarecer a dialética das cratofanias
e das hicrofanias no plano mais elementar. (Convem precisar que
” o mais elementar” de modo nenhum significa “ o mais primiti­
vo” do- ponto dc vista psicológico, nem “ o mais antigo" no sen­
tido cronológico: o nível elementar representa uma modalidade
simples, transparente, da hierofania.) Os exemplos citados
forneceram-nos uma boa ilustração do fato de uma cratofania
ou uma hierofania singularizar um objeto relativamente a outros,
e o mesmo acontece com o insólito, com o extraordinário c corn
o que é- novo. Reparemos no entanto que: !?, a noção dc mana,
sc bem que a encontremos também nas religiões exteriores ao cir­
culo mdanésio, não é uma noção universal e. por conscqücncia,
é-nos difícil considerá-la como representativa da primeira fase de
qualquer religião; 2?, c inexato considerar o mana como uma for­
ça impessoal.
Com efeito, além dos rnctaiicsiox31, há outros povos que co­
nhecem uma força desse género, capa* de tornar as coisas pode
rosas, reais no pleno sentido da palavra. Os sioux chamam iva-
kan a esta força, a qual circula no cosmos mas só se manifesta
nos fenômenos extraordinários (como o sol. a lua. o trovão, o
vento, etc.), assim como nas personalidades fortes (o feiticeiro,
o missionário cristão, as seres míticos e lendários, etc.). Os iroque-
ses empregam o termo orenda para designar a mesma noção, uma
tempestade encerra orenda, a orenda dc uma ave difícil de aba­
ter é muito sutil, um homem furioso é presa da sua orenda, etc.
Oki ent re os Imrôes, zemi entre as populações das Antilhas, megbe
entre os pigmeus africanos (bambotos) são termos que exprimem
a mesma noção de mana. Mas, repitamo-lo. não é qualquer pes­
soa ou qualquer coisa que possui oki, zemi, megbe, orenda, etc.,
mas somente as divindades, os heróis, as almas dos mortos ou
os homens e objetos que mantêm certa relação com o sagrado,
ou seja. os fcúicciros. os feitiços, os ídolos, etc. Para citar ape­
nas um dos últimos etnógrafos que descreveram estes fenômenos
mágico-religiosos e. o que é mais importante, numa população
arcaica, onde a existência de mana era muito controvertida. P.
Síhcbcsta escrevo: “ O rnegbeestá espalhado por toda parte, mas
o seu poder náo se m anifesta sempre com a mesma intensidade,
nem sob o mesmo aspecto. Alguns animais sáo ricamente provi­
dos desse megbe; quanto aos homens, uns possuem mais. outros
APROXIM AÇÕ ES: E STR U TU RA E MORFOLOGIA 27

menos. Os homens hábeis distinguem-se precisamente pela abun­


dância de megbe que acumularam. Os feiticeiros também são ri­
cos ern mcgbe. Esta força parece estar ligada ã alma-sombra c
destinada a desaparecer juntam em e com ela na morte, quer por­
que emigre para outro indivíduo, quer porque se metamorfoseie
no totem.’’31
Se bem que alguns estudiosos tenham acrescentado alguns
outros termos a esta lista (ngai dos masatos, andriamanitha dos
malgaxes, pelara dos dayaks, etc.) e se haja tentado interpretar
no mesmo sentido o indiano brahman, o iraniano xvarenah, o
romano Imperium, o nórdico hamingja — a noção de mana nào
é universal. O mana nào aparece em todas as religiões, e mesmo
naquelas em que aparece nào é nem a única, nem a mais antiga
forma religiosa. ” 0 m ane... não é dc m aneira nenhuma univer­
sal, e, por consequência, ,-scrvir-se dele como base para construir
uma teoria gera! da religião primitiva é nào só errôneo como fa­
l a c i o s o .M a i s ainda: entre as diferentes fórmulas (mana, tva-
kan, orcrnla, etc.) existem. se não diferenças acentuadas, pelo me­
nos matir.es frequentemente desprezados nos primeiros estudos.
Assim, 0 amcricanista P . Radin, ao analisar as conclusões que
W. Jones, Miss Reicher e Hewitt tiraram das suas pesquisas so­
bre o wakanda c o manitu dos sioux c dos algonquinos. nota que
estes termos significam “ .sagrado", “ estranho” , "im portante” ,
"m aravilhoso", "extraordinário” , “ forte", mas sem englobar
a menor idéia dc “ força inerente” 34.
Ora, Marrctt — e, aliás, outros o fizeram também — julgou
que o mana representava uma "força impessoal", apesar de Co-
drigton ter já chamado a atençáo para o fato dc “ essa força, se
bem que impessoal em si mesma, estar sempre ligada a uma pes­
soa que a dirige... Nenhum homem possui esta força por ss mes­
mo: tudo quanto faz, fá-lo à custa de seres pessoais, espíritos da
natureza ou dos antepassados"33. Pesquisas recentes (llocart,
Hogbin, Capell) vieram precisar estas distinções estabelecidas por
Codrigton. “ Como poderia essa força ser impessoal se está sem­
pre ligada a seres pessoais?", perguntava ironicamente llocart.
Por exemplo, em Gu3daccana! c cm Malaita são cxclusivamcntc
os espíritos e as almas dos mortos que possuem o mana, se bem
que possam utilizar esta força cm proveito do homem. "Um ho­
mem pode trabalhar duramente, mas sc nào obriver por isso a
aprovação dos espíritos, cujo posier se exerce em seu proveito,
nunca sc tornará rico."36 "Todo c qualquer esforço sc realiza
28 TR A TA D O DE HISTÓRIA D A S RELIGIÕES

com o intento de assegurar as boas graças dos espíritos, dc ma­


neira que o mana esteia sempre disponível. Os sacrifícios sfto o
método mais vulgar para ganhar a sua aprovação, mas considera-
se que algumas outras cerimônias lhes são igualmentc agra­
dáveis. ” iJ
Radin notava por sua vez que os indianos nào estabeleciam
oposição entre pessoa/ c impessoal, corporal e não corporal. “ O
que parece chamar a sua atenção, cm primeiro lugar, c a quesííío
da existência real; e tudo quanto pode ser apreendido pelos sen­
tidos, tudo quanto pode ser pensado, vivido ou sonhado, exis­
te.” * Portanto, o problema deve pôr-se em termos ontológicos:
o que existe, o que c real c o que não exale — e não em ter mos
de pessoal-impessoal, corporal-incorporal, conceitos que, na cons­
ciência dos “ primitivos", Irôo rêm a precisão que adquiriram nas
culturas históricas. O que é provido de mana existe r.o plano on­
tológico e, portanto, ccfkaz. fecundo, fértil. Poi isso nào sepo
de afirmar a *‘impessoalidade” do mana, essa noção nào tem qual­
quer sentido no horizonte mental arcaico. Aliás, em parte nenhu­
ma se encontra o mana hipostasiado. separado dos objetos, dos
acontecimentos cósmicos, dos seres ou dos homens. Mais ainda:
através dc uma análise cerrada apercebemo-nos de que um obje­
to, um fenómeno cósmico, um ser qualquer, etc., possuem mana
graças à intervenção de um espirito ou à confusão com a epifa­
nia dc um set divino qualquer.
De onde se conclui que de modo nenhum sc justifica a teo­
ria que considera o mana como força mágica impessoal. Imagi­
nar, nesta base, uma fase prc-rchgiosa (dominada unicamente peia
magia) é implicitamente errôneo. Essa teoria c. aliás, infirmada
pelo fato de que todos os povos (e sobretudo os povos mais pri­
mitivos) não conhecem o mana, e ainda |Klo fato de que a magia
— sc bem que se encontre um pouco por todo o lado — aparece
sempre acompanhada pela rdigiáo. Mais ainda: a magia nào do­
mina em toda a parte a vida espiritual das sociedades primit ivas;
pelo contrário, é nas sociedades mais evoluídas que ela sc desen­
volve dc maneira predominante. (Exemplos: a prática da magia
é muito fraca entre os kurnai da Austrália e entre os fueguinos;
em cer ias sociedades dc esquimós e konaks. pratica-se menos do
que entre os seus vizinhos ai nus c sanioiedos. que lhes são supe­
riores no pomo de visia culiura), cic.)
APROXIM AÇÕ ES: E STRU TU RA E MORFOLOGIA 29

8. Estrutura das hicrofanias — Relembremos qual era o nosso


desígnio quando citávamos as hicrofanias fulgurantes, as crato-
fanias. o mana. etc. Não se tratava de discuti-las (o que implica­
ria como já adquiridas as noções do sagrado, da polaridade
religião-magia, etc.), mas simplesmente de ilustrar as modalida­
des mais elementares do sagrado com vista a uma primeira apro­
ximação. Essas hicrofanias c cratofanias sempre nos revelaram
uma escolha-, o que é escolhido é implicitamente forte, eficaz, te­
mido ou fértil, ainda que- a escolha sc faca pela singularização
do insólito, do novo, do extraordinário; o que foi escolhido e re­
velado como tal. por intermédio de uma hierofania ou de uma
cratofania, torna-se frcqücmcmcnte perigoso, proibido ou poluí­
do. Encontramos frequentemente a noção de força ou de eficiência
junto a essas hicrofanias; dcnominatno-las cratofanias precisa-
incntc porque nos falta demonstrar o seu caráter sagrado. No en­
tanto. vimos como eta imprudente generalizar apressadamente:
que, por exemplo, c inexato considerar o mana como uma força
impessoal, visto set acessível ã experiência religiosa ou à obser­
vação profana unicamente por uma personificação ou incorpo­
ração; que seria mais sensato pôr o problema nos seus termos on­
tológicos e dizer que aqut/o que existe de uma maneira completa
jwssui sempre mana; enfim, que a distinção “ pessoal-impessoal"
não tem sentido preciso no universo mental arcaico e que é mais
prudente renunciar a tal distinção.
Mas devemos notar que as hicrofanias c as cratofanias ele­
mentares acima mencionadas estão longe de esgotar a experiência
c a teoria religiosa dos primitivos. Não conhecemos religião re­
duzida a tais hicrofanias e cratofanias elementares. As catego­
rias do sagrado, assim como a sua morfologia, excedem constan-
temente as epifanias do mana c do insólito, da mesma maneira
que extravasam do culto dos antepassados, da crença nos espíri­
tos, dos cultos naturalistas, etc. Por outras palavras, uma reli­
gião, ainda que se trate da religião mais "prim itiva" {por exem­
plo. a religião de uma tribo australiana, dos judamaneses. dos
pigmeus, etc.), não sc deixa reduzir a um nível elementar de hie-
rofauias (o mana, o totem ismo, o animismo). Ao lado de tais ex­
periências e teorias religiosas monovalcntes. encontramos cons-
tamemente os vestígios mais ou menos ricos de outras experiên­
cias ou ico rias religiosa.?; por exem plo, os vestígios do culro de
um ser supremo. O fato de esses vestígios apresentarem pouca
importância para a vida religiosa cotidiana da tribo não interes­
30 TRA TAPO DF. H ISTÓ RIA D A S REI IOJÕES

sa aqui. Teremos oportunidade de verificar” que. entre os pri­


mitivos. a crença num ser supremo, criador e todo-poderoso, que
permanece nos Céus e se manifcsia por epifanias uianianas, apa­
rece um pouco por toda a parte; no entanto, este ser supremo
não desempenha quase nenhum papel no culto, onde c substituí­
do por outras forcas religiosas (o totemismo. o culto dos ante­
passados. as mitologias solares c lunares, as epifanias da fertili­
dade). O desaparecimento de tais seres supremos da atuahdade
religiosa representa evidentemente um problema de hisuiria, c
deve-se a certas forças que podem ser parcialmentc identificadas.
Mas, ainda que ai surjam com menos importância, os seres su­
premos pertencem ao patrimônio religioso dos "primitivos” c,
por consequência, nào podem ser desprezados quando estudamos
a experiência £lobal do sagrado entre a humanidade arcaica. As
hierofanias elementares c as cratofanias fulgurantes mcluein-se
no conjunto dessa experiência religiosa arcaica, dortinando-a por
vezes, mas sem nunca a esgotar.
Por outro lado, essas hierofanias e cratofanias elementares
nem sempre são "fechadas", monovalcnics. Podem aumenta:,
se não o seu conteúdo religioso, pelo menos a sua função for­
mal. Seja uma pedia cultual, que cm certo momento histórico
manifesta determinada modalidade do sagrado: essa pedra mos­
tra que o sagrado é qualquer coisa de diferente do meio cósmico
circundante, que, â semelhança do rochedo, o sagrado está de
maneira absoluta, invulnerável e estática subtraído ao devir. Es­
ta ontofania (valorizada no plano religioso) da pedra cultual po­
de modificar a sua "form a" ao sabor da corrente da história;
a mesma pedra será venerada mais tarde, não por aquilo que re­
vela iinediatamcnte (nâo já como uma hierofania elementar), mas
porque está integrada num espaço sagrado (de um templo, de um
altar), ou porque é considerada como a epifania de um deus,
etc.40Continua a ser algo de diferente do meio circundante, con
tinua a ser sagrada cm virtude da hierofania primordial que a es-
ix>lhe:i, embora o valor que lhe foi atribuído mude segundo a teo­
ria religiosa cm que esta hierotania vem se integrar.
Encontramos um número considerável de tais revalorizações
das hierofantas primordiais, pois a história das religiões é, em
grande parte. a história das desvalorizações e das revalori/ações
do processo de manifestação do sagrado. Em rela,'ào a iíso. a
idolatria c a iconoclastia são atitude» naturais do espirito petan-
te o fenômeno da hierofania; as duas posições são iguaür.cnte jus-
APRO XIM AÇÕ ES: ESTR U TU RA f. MORFOLOGIA 31

lificáveU. Pois para aquele que está na posse de uma nova reve­
lação (o mosaismo no mundo semítico, o cristianismo no mundo
grcco-romano, por exemplo) as antigas hicrofanias não somente
perdem o seu sentido original, o de serem manifestação de uma
modalidade do sagrado, mas também sáo consideradas como obs­
táculos á perfeição da experiência religiosa. Os iconoclastas de
qualquer tipo e de qualquer religião ficam justificados tanto pela
sua própria experiência religiosa como pelo momento histórico
em que se realiza a experiência. Sendo contemporâneos de uma
revelação mais “ com pleta", mais conforme as suas faculdades
espirituais e culturais, não podem acreditar, nào podem valori­
zar. no plano religioso, as hicrofanias que foram aceitas em fa­
ses religiosas já passadas.
Por outro ludo, a atitude oposta, que por razões de exposi­
ção denominamos de idola/rut. justifica-se plenameme, tanto pela
experiência religiosa como pela história. lista atitude, que con­
siste — grosso modo — cm conservar e em revalorizar petma-
ncntcmcntc as antigas hicrofanias. c validada pela própria dialé­
tica do sagtado, porque o sagrado se manifesta sempre através
de alguma coisa; o fato de esta alguma coisa (qi:ç denominamos
"hicrofania") ser um objeto do mundo imediato ou um objeto
da imensidão cósmica, um a figura divina ou um símbolo, uma
lei moral ou até uma idéia, não tem importância. O ato dialético
permanece o mesmo: a manifestação do sagrado através de algu­
ma coisa diferente de si mesma; aparece nos objetos, nos mitos
ou nos símbolos, mas nunca integralmcntc. c de maneira imedia­
ta, na sua totalidade. Por consequência, consideiados de um pon­
to de vista absoluto, uma pedra sagrada, um avatar de Vishnu,
uma estátua de Júpiter ou urna epifania jaxdsta sáo igualmente
válidos tou ilusórios) pela simples razão de que. cm todos os ca­
sos, ao manifestar-se, o san ad o limitou-se, incorporou-se. O aro
paradoxal da incorporação, que torna possíveis Iodas as espécies
de hicrofanias, desde as mais elementares ate a suprema encar­
nação do I.ogos em Jesus Cristo, encontra-se por toda a parte
na história das religiões; mas voltaremos a este problema. No en­
tanto. a atitude a que chamamos idólatra funde-se (consciente ou
inconscicntcmente, pouco importa) nesta visão de conjunto das
hicrofanias consideradas n a sua totalidade. F salva as antigas hic-
tofamas ao valorizá-las num plano religioso diferente, ao concç-
der-llics funções diferentes. Citaremos apenas dois exemplos, ex­
traídos de domínios e momentos históricos diferentes.
32 TR A TA D O DF HISTORIA D A S R E l.K f/Õ E S

9. Revalorização das hierofanias — Vimos ($ 5) que ludo


quanto c extraordinário, grandioso, novo, pode tornar-se uma
liierofania, pode ser considerado como urna manifestação d o sa­
grado na perspetiva espiritual dos primitivos. Os condos do Tan-
ganica conhecem um ser supremo, Kyala ou Lesa, que, tal como
todos os seres supremos africanos, c provido dos prestígios de
um deus celeste, criador, iodo-poderoso e justiceiro. Mas Lesa
não se manifesta unicamente por epifanias utanianas: “ Tudo o
que é grande no seu gênero, como um grande hoi, ate um gr ande
bode, uma árvore enorme, enfim, qualquer outro objeto de di-
mensòcs imponentes, toma o nome de Kyala, o que significai ele­
ger Deus domicílio temporário nessas coisas. Quando uma tem­
pestade llagcla c põe em fúria as aguas do lago, dizem que c Deus
caminhando na superfície das águas; quando o rugido da catara­
ta c mais formidável do que de costume, é a voz de Deus q ue se
deixa ouvir. Um tremor de terra c causado pelos seus passos pos­
santes, e o raio c I.csa, Deus que desce á Terra na sua cólera...
às vezes Deus entra também no corpo de um leão ou de uma ser­
pente,. e circula entre os homens, sob esta forma, para observar
as s u í l s ações.’*" Do mesmo modo, entre os shilluks, o nome do
Ser Supremo, que é Juok, aplica-sc a tudo quanto ê estranho,
a tudo quanto um shilluk não pode compreender*-.
Nestes exemplos trata-se de uma valorização das hicrofanias
elementares c das cratofanias fulgurantes por integração na epi­
fania do ser supremo; o insólito, o extraordinário, o novo são
valorizados no plano religioso como modalidades de Lesa ou de
Juok. Por ora não tentaremos uma análisecstratigráfica de^tc fe­
nômeno. destinada a precisar a sua “ história” , a mostrai se a
crença cm um ser suptemo precedeu as hierofanias do cxtraordi-
náiio ou vice versa. ou se as duas experiências religiosas se reali­
zaram mutuametile. O que nos interessa é o ato religioso da inte­
gração das hierofanias elementares na epifania do ser supremo,
variante da idolatria, ou seja. desta perspectiva generosa que con­
sidera os ídolos, os feitiços c as características físicas como uma
série de incorporações paradoxais da divindade. O exemplo ê tanto
mais elucidativo quando se trata de populações africanas que —
como ê fácil supor — não sofreram de maneira decisiva o traba­
lho de sistematização dos teólogos c dos místicos. Poderíamos
dizer que se trata de um caso espontâneo da integração das hic­
rofanias elementares no conceito complexo do ser supremo (per­
sonalidade. criador, todo-poderoso).
APROXIM AÇÕ ES: ESTRU TU RA E MORFOLOGIA 33

O segundo exemplo porá em evidência o espaço dc justifica­


ção da atitude idólatra por uma hermenêutica requintada. A es­
cola mística indiana Vexena va chama arcâ, "homenagem” , a to­
do o objeto material que o povo venere há muitos séculos (a plan­
ta tiilasi. as pedras sàlagramâ ou os ídolos dc Vishnu). e, por con­
sequência. considera-os como epifanias do grande Deus. No en­
tanto. os místicos e os teólogos interpretam esta epifania parado­
xal como um momento d a dialética do sagrado, que. ainda que
eterno, absoluto c livre, sc manifesta num fragmento material, pre­
cário. condicionado, etc. Esta incorporação de Vishnu numa sá-
lagramá ou num idolo tem um fim soteriológico na doutrina ve-
xenava (no seu grande am or pelos homens, a divindade mostra-se
adotando a sua modalidade dc scr degradada). No entanto, tam­
bém tem um sentido teológico: a incorporação da divindade reve­
la a suil liberdade de tomar qualquer forma, assim como a condi­
ção paradoxal do sagrado, que pode coincidir com o profano sem
anular a sua própria modalidade de scr. Este paradoxo é admira­
velmente sublinhado por I.okàcharyã: “ Ainda que onisciente.
Vishnu mostra-se nas arcâs como sc fosse desprovido dc conheci­
mento; embora seja espirito, rnosua-se como x fosse material;
ainda que se trate do ver dadeiro Deus, mostra sc como se estives­
se á disposição dos homens; ainda que todo-poderoso. mostra se
como se fosse fraco; embora exista sem preocupações, mostra-se
como sc tivesse necessidade de recebei cuidados; ainda que ina­
cessível (aos nossos sentidos), mostra-se como tangível.”
Dir-se-á, sem dúvida, que sc trata aqui da interpretação dc
um fato religioso arcaico c popular, por um místico-teólogo; em
si mesmo, esse fato está bem longe de revelar tudo quanto o místi­
co e o teólogo vêcm nele. E não poderemos dizer sc c justificável
esta objeção, apaientcmcntc tào sensata. É verdade que os ídolos
dc Vishnu procedem cronologicamente a teologia e a mística ele­
vada dc um Lokâcharyâ; também c verdade que um devoto de uma
aldeia indiana adora urra arcâ simplesmente por considerar que
ela incorpora cm si Vishnu. Mas a questão consiste em saber sc
esta valorização religiosa do (dolo — considerado como partici­
pante, dc uma maneira ou dc outra, na essência de Vishnu — não
nus diz o mesmo que a interpretação de Lokâcharyâ, pelo simples
fato de ser a valorização religiosa dc utn objeto material. Em su­
ma, o teólogo não faz mais do que traduzir cm fórmulas mais ex­
plícitas o que está já Implicado no patadoxo do idolo (e. aliás, dc
qualquer hierofania): o sagrado manifesta-se num objeto profano.
34 TRA TA 1 )0 DE: HISTÓ RIA D A S R E U O t õ tS

Em resumo, o que revelam todas as liierofanias. arc as mais


elcmcnearcs, é esta paradoxal coincidência do sagrado e do pro­
fano. do s « c do nâo-ser, do absoluto c do relativo, do eterno
e do devir. Um místico e um teólogo como Lokâcharyà mais não
far do que explicar para os seus contemporâneos 0 paradoxo da
hierofania. Esta explicitação tem evidentemente o sentido dc uma
revalorização, isto «5. dc uma reintegração da hierofania em um
novo sistema religioso. Pois, a bem dizer, a diferença entre o ar-
câ c a hermenêutica de Lokàcharyâ resume se a uma diferença
dc Jórmula, de expressão, sendo o paradoxo da consciência do
sagrado e do profano expresso dc maneira concreta no caso do
ídolo c dc maneira analiticamente desetitiva no caso da herme­
nêutica verbal. Esta coincidência sagrado-profano realiza dc fa­
to uma ruptura dc nível ontológico. Está implicada cm qualquer
hterolania, porque ioda a hierofania mostra. manifesta a coexis­
tência das duas essências opostas: sagrado c profano, espírito e
matéria, eterno c não eterno. O fato dc a dialética da hierofania,
da manifestação do sagrado nos objetos materiais, continuar a
ser objeto de uma teologia tão elaborada como a da Idade Media
ptova que essa dialética continua a ser o problema capital de qual­
quer religião. Poderiamos até dizer que todas as liierofanias não
são mais do que prefigurações do milagre da encarnação, que cada
hierofania nao é mais do que uma tentativa falhada da revelação
do mistério da coincidência homcm-Dcus. Ockam. por exemplo,
não hesita em escrever: ‘'Est articules fidei quod Deus assumpsit
naturam humanam. Non includit conlradictioncm, Deus assumere
naturam assinam. Pari raiione potest assumeie lapidem am lig­
num.” Por conseqüência. a morfologia das hicrofanias primiti­
vas não aparece como absimla na perspectiva da teologia cristã:
a liberdade dc que Deus goza permite-lhe tomar qualquer forma,
até mesmo a da pedra ou a da madeira. Evitamos por ora o ter­
mo “ Deus" c traduzimos: o sagrado manifesta-se sob qualquer
forma, ate sob a mais aberrante. Em resumo, o que c paradoxal,
o que é ininteligível, não c o fato da manifestação do sagrado
nas pedras ou nas árvores, mas o próprio fato de ele se manifes­
ter e. por consequência, dc se limitar e se torna: relativo*'.

10. Complexidade do fenômeno religioso "primitivo" — Jul­


gamos que os exemplos citados até aqui nos ajudaram a estabe­
lecer alguns princípios diretores: 1?. o sagrado c qualitativamcn-
APROXIMAÇÕES: E STRU TU RA f MORFOLOGIA 35

Ic diferente do profano, embora se possa manifestar de qualquer


modo c em qualquer lugar no mundo profano, c tem a capacida­
de de transformar todo objeto cósmico em paradoxo por inter­
médio da hicrofania (no sentido de que o objeto deixa de ser ele
próprio, como objeto cósmico, permanecendo aparentemente inal­
terado); 2?. esta dialética do sagrado c válida para todas as reli­
giões e não apenas para as pretensas “ formas primitivas". Esta
dialética verifica se tanto no culto das pedias e das árvores como
na concepção sábia dos aval a i es indianos ou no mistério capital
da encarnação; 3?, em nenhuma parte se encontram unicamente
hicrofanias elementares (as cratofamas do insólito, do extraordi­
nário, do novo: o mana, etc ), mas também vestígios de formas
religiosas consideradas, n3 perspectiva das concepções cvolucio-
nistas, como superiores (seres supremos, leis morais, mitologias);
4?. encontramos por toda a parte, e até alem desses vestígios de
formas religiosas su|ieriorcs. um sistema onde se vêm ordenar as
hicrofanias elementares. O “ sistema" não é esgotado por estas
últimas, é constituído por todas as experiências religiosas da tri-
bo (o mana. as cratofanias do insólito, o totemismo, o culto dos
antepassados), mas compreende lambem um corpo de tradições
teóricas impossíveis de reduzir às hicrofanias elementares: por
exemplo, os mitos respeitantes ã origem do mundo e da espécie
humana, a justificação mítica da condição humana atual, a va­
lorização teórica dos ritos, as concepeões morais, etc. Convém
insistirmos sobre este último ponto.
Basta percorrermos quaisquer monografias etnográficas (a
de Spenccr e Gillen ou de Strehlow sobre os australianos, a de
Sebebesta ou de Trillcs sobre os pigmeus africanos, a de Gusinde
sobre os íuegiiinos) para notarmos: 1?, que a vida religiosa dos
primitivos ultrapassa o> domínios que norinalmente estamos dis­
postos a atribuir à experiência e à teoria religiosas; 2?. que esta
vida religiosa é por toda a parte complexa, c a sua apresentação
simples c linear, frequente nos trabalhos de síntese ou de vulgari­
zação, é devida a uma seleção, mais ou menos arbitrária, efetua
da pelos autores. E verdade que certas formas dominam o con­
junto religioso (por exemplo, o totemismo na Austrália, o mana
na Melanésia, o culto dos antepassados na África, etc.), mas nun
ca o esgotam. Encontramos, por outro lado. uma quantidade de
símbolos, acontecim entos cósm icos, biológicos ou so ciais, ideo­
gramas e idéias, valorizados no plano religioso, se bem que as
suas relações com a experiência religiosa nem sempre sejam ela-
36 TRA TADO Í)E H ISTO RIA D AS RELIGIÕES

ras para nós, homens modernos. Compreendemos, por exemplo,


que os ritmos lunares, as estações, a iniciação sexual ou social,
ou o simbolismo espacial, possam adquirir valores religiosos pa
ra a humanidade arcaica, isto é. tornar-se hicrofanias; mas r muito
mais difícil compreender cm que medida os gestos fisiológicos,
tais como a nutrição c o aro sexual, ou os ideogramas corno o
" a n o " , podem reivindicar o mesmo titulo. Trata-se. em suma.
de um a dupla dificuldade: 1?, aceitar a sacralidadc da vida fisio­
lógica total; 2'?. tomar por hicrofanias certas construções teóri­
cas (ideogramas, mifogramas. leis cósmicas ou morais, etc ).
De falo. uma das principais diferenças que separa o homem
das culturas arcaicas do homem moderno reside precisamentc na
incapacidade cm que este último se encontra de viver a vida or­
gânica (cm primeiro lucar 3 sexualidade e a nutrição) como um
sacramento A psicanálise c o materialismo histórico julgaram en­
contrar a confirmação mais segura das suas teses na importância
do papel que gozam a sexualidade e a nutrição entre os posos
que se encontram na fase "etnográfica". No entanto, a psicaná­
lise e o materialismo histórico desprezaram o valor, diríamos ate
a função completamente diferente, cm relação ao sentido moder­
no, que têm o erotismo c a nutrição entre estes povos. Para o
moderno não passam de atos fisiológicos, ao passo que para o
homem das culturas arcaicas são sacramentos, cerimônias por cujo
intermédio se comunica com a força que representa a própria vi­
da. Veremos mais tarde que a força e a vida não são mais do que
epifanias da realidade ultima: entre o primitivo, esses atos ele­
mentares tomam-se um rito por cujo intermédio o homem é aju-
dado a aproximar-se da realidade, a inserir se no ôntico.
libertando- sc de automatismos (despros idos de conteúdo e dc sen­
tido) do dever, do “ profano", do nada.
Teremos ocasião dc ver que. consistindo sempre o rtro na
repetição de um gesto arquelipico realizado in illn tempore (no
principio da "história") pelos antepassados ou petos deuses, se
tenta "ontificar", por intermédio da hicrofania. os atos mais vul­
gares c mais insignificantes. Pela repetição, o rito coincide com
o seu “ arquétipo", e o tempo profar.o é abolido. Assistimos, por
assim dizer, ao próprio ato realizado in illo tempore, num mo­
mento auioral cosmogónieo. Por consequência, ao translormar
todos õ> atos fisiológicos cm cerimônias, o homem arcaico
esforea-sc por "passar além” , por se projetar além do tempo (do
devir), na eternidade. Não c oportuno insistir aqui na função dc-
APRO XIM AÇÕ ES E STRU TU RA E MORFOLOGIA 37

scmpcnhada pelo rilo. mas é necessário repararmos, desde jâ. na


tendência normal do primitivo para transformar os atos fisioló­
gicos cm ritual, atribuindo-lhes assim um valor espiritual. Quan­
do sc alimenta ou se entrega às práticas sexuais, o primitivo insere-
se num plano que. de qualquer modo, náo é o da nutrição nem
o da sexualidade. Isto pode-se verificar nas experiências iniciais
(os primeiros frutos, o primeiro ato sexual), em toda a atividade
erótica c alimentar. Podemos dizer que se trata, nessas circuns­
tâncias, de uma experiência religiosa indistinta, estruturalmcnte
diferente das experiências distintas representadas pelas hicrofa-
nias do insólito, do extraordinário, do mana. etc. Mas o papel
dessa experiência na vida do homem arcaico nem por isso é me­
nor, air.da que devido á sua própria natureza possa escapar aos
observadores. Isto explica a nossa afirmação anterior: a vida re­
ligiosa dos povos primitivos ultrapassa as categorias do mana,
das lucrofanias c das cratofanias fulgurantes. Toda uma expe­
riência religiosa, indistinta do ponto dc vista estrutural, se deve
a esta tentativa feita pelo homem para se inserir r.o real. no sa­
grado, através dos atos fisiológicos fundamentais que transfor­
ma em cerimônias.
Por outro lado, a vida religiosa de qualquer grupo humano
na fase etnográfica encerra sempre certo número de elementos
teóricos (símbolos, ideogramas, mitos cosmogònicos e genealó­
gicos. etc.). Teremos ocasi.lo de ver que tais "variedades” sáo
consideradas como lucrofanias pelo homem das culturas arcai­
cas. Não só porque revelam as modalidades do sagrado, mas tam­
bém porque à custa dessas "verdades" o homem se defende do
insignificante, do nada; numa palavra, escapa á esfera do profa
no. Tcm-sc falado muitas vezes da fraqueza dos primitivos em
matéria de teoria. Ainda que assim fosse (e a opinião de grande
número de observadores ê diferente), frequentemente sc tem es­
quecido que o funcionamento do pensamento arcaico não utiliza
exclusiva mente os conceitos ou os elementos conceituais, mas tam
bém. e em primeiro lugar, símbolos. Mais tarde teremos oportu­
nidade dc ver que o "m anuseio" dos símbolos sc efetua segundo
uma lógica simbólica. E ai sc segue que a aparente pobreza con­
ceituai das culturas primitivas implica náo uma incapacidade pa­
ra produzir teoria, tuas uma dependência de um estilo de pensar
nitidamente diferente «Jo estilo moderno, fundado sobre os es­
forços da especulação helénica. Ora, até nos grupos menos evo­
luídos do ponto de vista etnográfico ê possível identificarmos um
38 TH A T A D O OE HISTÓRIA 0.-IS M I.IG IÔ E S

conjunto dc verdade«, integradas dc uma maneira coerente num


sistema, numa teoria (por exemplo, entre os australianos, os pig­
meus, os fueguinos), etc.* liste conjunto de verdades não só cons­
tituí uma "Wclt-anschauung". mas também uma ontologiu prag­
mática (diriamos ate uma soteriologia), no sentido de que tenta
salvaguardar-se integrando-se no real à custa dessas "verdades"
Para darmos apenas um exemplo, veremos que a maioria dos
utos realizados pelo homem das culturas arcaicas não c mais, no
seu |K‘iisamcnto, do que a repel içdo dc um gesto primordial rea­
lizado no princípio do tempo por um ser divino ou por um a figu­
ra mítica. O ato só encerra certo sentido na medida em que repe­
te utn modelo transcendente, um arquétipo. Por isso a finalida­
de dessa repetição £ a dc assegurar a normalidude do 3 to , de a
legalizar concedendo Ilie um estatuto ontológico; pois, se esse ato
se (orna real, é unicamente por<inc repete um arquétipo. O ra. to ­
das as ações realizadas pelo primitivo ptessupõem um modelo
transcendente; por isso esses atos sõ são eficazes na medida em
que são reais, cxcmplaies. A ação é ao mesmo tempo um a ceri­
mónia (na medida em que integra o homem numa /.ona sagrada)
c uma inserção no real. Todas estas observações implicam nuan­
ças que se destacarão de maneira mais nítida no momento ern que
pudermos comentar os exemplos fornecidos pelos capítulos se­
guintes. No entanto, tais implicações devem desde já ser enun­
ciados. a fim de esclarecer este aspecto teórico da vida religiosa
“ primitiva” gcralmcntc mais desprezado.

C otK C tvio. raurwJivlòfncia. (N .T .I


II

O Céu: deuses uranianos,


ritos e símbolos celestes

1 1 .0 sagrado c rin tr - A pr«e mais popula: dc :odo o mun­


do dirige-se ao "Pai Nosso que está no Ccu". Pode ser que a prece
mais antiga fosse dirigida a um mesmo Pai celeste — o que expli­
caria o testemunho dc um africano da tribo dos esse: "Além, on
de Uca o Céu. Deus está também.” A escola etnográfica de Vie­
na, e em primeiro lugar o padre W. Schmidf, autor da mais volu­
mosa monografia dedicada a origem da ideia dc divindade, pro­
cura ate demonstrar a existência de um monoteísmo primordial,
fundamentando-se esscncialmcnlc tia presença dos deuses celes­
tes entre as sociedades humanas mais primitivas. Deixemos pro­
visoriamente cm suspenso este problema de um monoteísmo ori­
ginal. O que está comptetamcnic fora dc dúvida é a quase uni­
versalidade das crenças num ser divino celestial, criador do uni­
verso e assegurador da fecundidade da Terra (graças .ás chuvas
que derrama). Esses seres sáo dotados dc uma presciência c dc
uma salicdoria infinitas; as lets morais e frequentemente rituais
do clã foram pot eles instauradas durante a sua breve permanên­
cia na terra; velam pela observância das leis c todo aquele que
sc lhes opíSe é fulminado.
Antes de revermos algumas figuras divinas dc estrutura ura-
niana, procuremos compreender a significação religiosa do Ccu
em si mesmo. Sem precisarmos sequer atentar na cfabulaçSo mí­
tica, o Ccu revela diictamcntc a sua transcendência, a sua força
c a sua sacratidade. A simples contemplação da abóbada celeste
provoca na consciência pt imitis a uma experiência religiosa.
Uma afirmação com o esta nâo implica necessariamente um
"naturism o" uraniano. Para a mentalidade arcaica, a natureza
40 TRA TAPO DE HISTÓRIA O A S RELIGIÕES

nuncaccxclusiv amente “ natural". A expressão “ simples contem­


plarão da abóbada celeste" toma um sentido diferente se a rela­
cionamos com um homem primitivo de tal modo sensível aos mi­
lagres cotidianos que nos c hoje difícil de imaginar. |xns que essa
contemplação equivale a uma revelação. O Céu revela-se tal co­
mo é na realidade: infinito, transcendente. A abóbada celeste é.
por excelência, "um a coisa muito diferente” do pouco que repre-
senta o homem c o seu espaço vital. Diríamos que o simbolismo
da s ua transcendência se deduz da simples tomada de consciência
da sua altura infinita. O ser "altíssimo” ê algo que se torna neces-
sariamenlc um atributo da divindade. As regiões supeiiores. ina­
cessíveis ao homem, as /onas siderais, adquirem os prestígios di­
vinos do transcendente, da lealidadc absoluta, da perenidade. Tais
regiões são a morada dos skuscs; é aí que chegam alguns privile­
giados pelos ritos de ascensão celeste: até aí se- elevam, segundo
as concepcõcs de cenas religiões, as almas dos monos.
O "alio ” é uma dimensão inacessível ao homem como tal;
pertence |K*r direito às forças e aos seres sobre humanos; o que
se eleva subindo cerimoniosamente os degraus de um santuário
õu a escada ritual que conduz ao Céu deixa então de ser um ho­
mem; as almas dos defuntos privilegiados abandonaram a con­
dição humana na sua ascensão celeste.
Tudo isto c deduzido da simples contemplação do Ccu; mas
seria erro grave considerar essa dedução como uma operação ló­
gica. racional. A categoria transcendental da “ alu n a", do supra
terrestre, do infinito, revela se uo homem integral, tanto à sua
inteligência como à sua alma. O simbolismo c um dado imediato
da consciência total, ou seja, do homem que se descobre como
tal, d o homem que toma consciência da sua posição no universo;
estas descobertas primordiais estão ligadas de manciia tão orgâ­
nica ao >eu drama que o mesmo simbolismo determina tanto a
atividade do seu subconsciente como as mais nobres expressões
da sua vida espiritual. Insistamos, pois. nestas distinções, isto ê,
que se o simbolismo c os valores religiosos do Cêu não são dedu­
zidos de maneira lógica, a partir da observação calma, objetiva,
da abóbada celeste, nem por kso são o produto exclusivo da cfa-
bulaçâo mítica c das experiências irracionais religiosas. Repita­
mos: ainda antes de toda a valorização religiosa do Ccu, jã este
último revela a sua transcendência. Só pela sua existência tf Ccu
"sim boliza” a transcendência, a força. 3 imutabilidade. E x is ie
poiqne ê elevado, infinito, imutável, poderoso.
O CÉU: DEUSES URA N !A S O S 41

Pois o simples faio de ser “ elevado", de se encontrar "no


alto", equivale a ser "poderoso” (no sentido religioso da pala­
vra) c dc ser, como tal, saturado de sactalidade — ê a própria
etimologia de certos deuse-s que o testemunha. Para os iroque-
ses, tudo o que possui orenda chama-sc oki, mas o sentido da
palavra oki parece ser o de “ aquele que está nas alturas"; encon­
tramos até um xrr supremo com o nome de Okc1. As populações
sioux ("plain indians" d a América Setentrional) exprimem a forca
mágica-religiosa (mano, orenda. etc.) pelo termo wakan, muito
próximo, foneticamente, dc wakàn. wankan, que significa "no
alto, por cima” , na língua dacota; o sol. a lua, o relâmpago, o
vento possuem wakan, e esta força, ainda que dc manctra imper­
feita. foi personificada cm Wakan. traduzido por “ Senhor” po­
los missionários, mas que é mais exatamente um ser supremo ce­
leste. manifesto sobretudo no relâmpago2.
A divindade suprema dos maoris chama-se lho; iho tem o
sentido de “ elevado, no alto“ \ Os negros akposo conhecem um
deus Supremo. Uwoluwu. “ o que está no alto, as regiões supe­
riores” 4. E seria possível multiplicarmos os exemplos5. Veremos
em breve que “ o altíssim o", " o brilhante", “ o céu” são noções
que existiram mais ou menos manifestamente nos termos arcai­
cos por meio dos quais os povos civilizados exprimiam a idéia
de divindade. A transcendência divina revela-se dirctamentc na
inacessibilidade, na infi nitude, na eternidade e na força criadora
do Céu <a chuva). O modo de ser celeste é uma hierofania ines­
gotável. Por conseguinte, tudo quanto se passa nos espaços side­
rais c nas regiões superiores da atmosfera — a revolução rítmica
dos astros, o coticr das nuvens, as tempestades, o raio, os me­
teoros, o arco-iris — são momentos desta mesma hierofania.
Quando se personifica esta hierofania. quando as divinda­
des do Céu se revelaram c tomaram o lugar da sacralidade celes­
te como tal. c coisa difícil dc precisar. O certo é as divindades
celestes lerem sido desde o inicio divindades supremas; que as suas
hierofanias, difcrentenicntc dramatizadas pela experiência míti­
ca, permaneceram com o passar dos tempos hieiofanias urania-
nas; c aquilo a que poderíamos chamar a história das divindades
celestes é em grande paite a história das instituições dc “ forç3’\
dc "criação” , dc "leis” c de “ soberania". Passaremos rapida­
mente uma vista de olhos poi alguns grupos dê divindades celes­
tes, o que nos ajudará a compreender melhor tanto a essência des­
sas divindades como o destino da sua “ história".
42 TN A TADO DE HISTÓ RIA D A S RJU.IGIÔES

12. Dcnscs australianos do Céu — Baiamc. a divindade su-


prema das tribos do sudeste da Austrália (kamilaroi, xviradjuii,
cuahlayi), ai recebe as almas dos inocentes, Está sentado r.uir. n o ­
no de cristal: o Sol e a Lua sáo seus ••filhos” , os seus mensagei­
ros na Terra (na realidade são os seus olhos. como entre os fue-
guinos halakwulups. os semang e os samoiedos»'. O trovão é a
sua voz; faz cair a chuva, reverdece c fertiliza toda a terra; neste
sentido é também “ criador” . Pois Baiamc c "sclf created" e tu
do criou c.r mhilo. Tal como os outros deuses uranianos. Baiamc
vè c ouve tudo’. Outtas tribos, situadas na costa leste (muring,
etc.), conhecem um ser divino semelhante: Daramulun. Este no­
me esotérico (como, aliás, Baiamc) só c comunicado aos inicia­
dos: as mulheres c as crianças só o conhecem como “ p ai" (/*•?-
jxinn) e "senhor” (biambam). Da mesma forma, as grosseiras ima-
gciis dc argila do deus só São exibida« durante as cerimônias dc
iniciação: cm seguida são destruídas e dispersas cuidadosamen­
te. Outrora. Dai.tmulun permaneceu certo tempo na I cria e inau­
gurou os ritos de iniciação; depois subiu dc novo ao Céu, e ai
ressoa a sua voz — o trovão — c dai envia a chuva. A iniciação
consiste, entre outros atos, na revelação solene do "rom bo"*,
l» ia ç o de madeira dc 15 cm de comprimento c 3 cm de largura
que possui numa extremidade um orifício pelo qual passa um cor­
del; pela sua rotação, o romtxx produz um som análogo ao tro­
vão e ao mugido do touro (dc onde, também, o seu nome inglês:
buli-roarvr)“*. Só os iniciados conhecem a identidade d»» tombo
c de Daiamulun. listes gemidos misteriosos, que ouvem durante
a noite, provêm da selva c enchem os iniciados de um terror sa­
grado. pois adivinham neles a aproximação da divindade*.
O ser supremo das tribos kulin chama se Rundjil; habita o
mais alto Céu. acima do "Céu sombrio” <é ate este "C éu som­
brio” , parecido com uma montanha, que podem devar se os
curandeiros; a! os acolhe outra figura divina, Gargomitch, que
intercede a seu favor junto de Bundjil)1*; cf. a montanha em cujo
cimo se encontra uni ser subordinado a Baiamc, que lhe lesa as
preces dos homens e regressa com as suas respostas10. Foi Bund-
jil que citou a terra, as árvores, os animais e o próprio homem
(c fc-lo com a argila, insuflando lhe a alma pdo nariz, pola boca
c p d o umbigo). Mas Bundjil, depois de investir seu filho Bim-
bcal do poder sobre a Terra, c a sua filha Karakurook d o poder

• Oti linarço. (N.T.)


•• tív ll to a r r r berro do touro. (N.T.)
O C É V o e v s a V F A SIA M O S 43

no Céu, rct irou-se do mundo, mantcndo-sc então sobre as nuvens,


como um “ senhor", c com uma grande espada nas mãos11. Os ca­
racteres uranianos encontram-se também nos outros deuses supre­
mos australianos. Quase todo» manifestam a sua vontade pelo tro
vão. pelo raio (por exemplo, Pulyallana), ou pelo vento (Haiame).
pela aurora boreal (Miingangaua), jwlo arco-íris (Bundjil. Nut-
rundere). Vimos que a morada sideral de Baiame é atravessada pela
Via Láctea; as estrelas sâo as fogueiras do acampamento de Altji-
ra c de Tukura (deuses supremos das tribos aranda c loritja)1*.
IX- uma maneira geral podemos di/cr que estes seres divinos
australianos conservam. sob uma forma mais ou menos integral,
os seus laços diretos, concretos, com o Céu, com a vida sideral
c meteórica11. Sabc-sc. a respeito dc cada um deles, que fizeram
o universo c criaram o homem (isto c, o antepassado mítico); du-
ranic a sua curta permanência na l eira revelaram os mistérios
(quase sempre redutívci.s a comunicação da gcneologta mítica da
tribo e a certas epifanias do trovão, cf. com o rombo) c institui­
ram as leis civis e morais. Sào bons (são chamados "Pai Nos­
so” ), iecompensam os virtuosos c defendem a moralidade. De­
sempenham o papel principal nas cerimónias dc iniciação1314*e ie-
cebem diretamente as preces enviadas (como entte os >uin c os
kuri do Sul). Mas em parte nenhuma a crença cm semelhantes
seres celestes domina a vida religiosa. A característica da religio­
sidade australiana não «í a crença num ser celeste, criador supre­
mo. mas o totemismo. Encontramos a mesma situação noutras
regiões; as divindades celestes supremas são inccssanlcmente em­
purradas para a periferia da vida religiosa até o ponto dc caírem
no esquecimento; sâo outras forças sagradas, mais próximas do
homem, mais acessíveis à sua experiência cotidiana, mais úteis,
que desempenham o papel preponderante.

13. Deuses celestes rntre os andamanc-ses, os afrleanos, etc.


— Assim, por exemplo, Rislcy c Gcdcn encontram entre as po­
pulações aborígenes da índia sinas dc uma crença quase esqueci
da numa divindade suprema; "antes vaga recordação «pie força
ativa"1', um "ser supremo passivo, ao qual nenhum culto é di­
rigido"1*. Mas. por muito apagados que sejam os indícios dessa
divindade celeste suprema, conservam sempre um laço com a vi­
da uraniana ou meteórica. No arquipélago andamants, entre uma
das populações mais primitivas da Asia. Pulugaé o set supremo;
é concebido de maneira antropomórfica17 mas habita no Céu c
44 TRA TADO l)t: H ISTÓ R IA D A S H fU G IÔ B S

a sua v o / c o tro vã o , o vento a sua respiração ; as b o rrascas são


o sin al da sua c ó le ra , pois castiga com o raio aqueles q uc in fr in ­
gem os seus m andam entos. P u lu g a sabe tudo m as só conhece os
pensam entos dos homens durante o d ia '* . C rio u para -4 unta es­
p o sa c teve filh o s. Perto da sua residência u ra n ian a e n co n tia m -
sc o S o l (fe m in in o ) c a L u a (m a scu lin o ), co m os seus filh o s , as
e stre la s. Se Pulug a do rm e, vem a seca. Se ch o ve , isso sig nifica
q u e Deus desceu à T e rra e p ro cu ra o seu a lim e n to '*. Pulug a
c rio u o m undo c também o p rim e iro hom em , ch am ad o T o m o .
A hum anidade m u lltp lico u -se. tese de se dispersar e, depois da
m o rte de T o m o , passou a esquecer-se prog ressivam eute do seu
c r ia d o r. U m d ia desencadeou-se a có lera de P u lu g a , c o d ilú v io ,
q u e engoliu a T e rra in te ira , pós fim á h um an id ad e: apenas q u a ­
tr o pessoas se sa lv a ra m . P u lu g a teve piedade d e las, m as os ho­
m en s c o n tin u a ra m a m o stra i-se reca lcitran te s. A p ó s lh e s ter re­
c o rd a d o os seus m andam entos m ais um a vez. o deus retiro u-se
— c depois d isso o s hom ens n un ca m ais o v ira m . O m ito do a fa s ­
ta m e n to co rresp onde ú co m p leta au sên cia do c u lto . U m d o s ú lt i­
m o s exp lo ra d o re s, P a u l S cheb csta, escreveu a p ro p ó sito : " O s an-
dam aneses não conhecem nen hu m culto de D e u s, n e n h u m a pre­
ce. nenhum s a c rifíc io , nenhum a so licitação , nenhum a a ç â o de g ra ­
ç a s . S ó o tem or de P u lu g a o s leva a o b e d e ç a aos seus m anda­
m e n to s . alguns dos q u ais são rig o ro so s, co m o o de e v ita r com er
c e rto s fru to s d u ta n te a estação d as c h u v a s . C o m um p o u c o de
b o a von tade poderem os e xp licar ce rto s co stum es co rno um a es­
p écie de c u lto * '. E n t re eles está o do " s ile n c io sag rad o ” dos c a ­
ç a d o re s qu e reg ressaram à a ld e ia depois de u m a c a ç a d a fe liz .
E n t re o s caçad o re s nô m ad es s c lk n a m , da T e r r a do F o g o , o
d e u s cham a-se T e m a u k e l, m as devid o à c re n ç a sag rada este no ­
m e n u n c a é p ro n u n ciad o . G eralm e n te cham am -lhe so ‘o h n -h a sk a n ,
isto é . " h a b ita n te d o C é u * ', e s o ’o r ,k k a s p c m e t, " o que e stá no
C é u ” . E e te rn o , o n iscien te , todo-poderoso, c tia d o r — m a s a c r ia ­
ção fo i com p letada p elo s antepassados m ítico s, estes la m b e m c ria ­
dos p e la d eus su p re m o antes de se ter re tira d o p a ra além d as es­
tre la s P o is no presente este deus afastou-se dos hom ens e to rn o u -
se in d ife re n te às co isas d o in u n d o . D ele n ão e xistem im ag e n s, nem
tem sa ce rd o te s. É o a u to r d as leis m o ra is , c ju iz c . p o r ú lt im o ,
o se n h o r de to d o s o s d e stin o s. S ó lh e são d irig id a s preces cm c a ­
so d e d o e n ç a s: " O h , tu . qu e estás n o a lt o , n úo m e tire s 0 m eu
f i l h o , ele a in d a é tã o p e q u e n in o !” E faze m -lh e o fe re n d a s espe-
c ia lm c n te d u ra n te a s tem p estad es21.
O CEU DEUSES U SA N I A S O S 45

Por toda a África sc encontraram indícios de um grande deus


celeste quase desaparecido ou ern vias de desaparecer do culto (ver
a bibliografia). O seu lugar foi ocupado por outras forças reli­
giosas, sobretudo pelo culto dos antepassados. "A tendência ge­
ral do espírito dos negros", escreve A. B. Ellis, "foi escolher o
firmamento como deus principal da natureza, cm vez do Sol. da
Lua e da Terra.” 12 Por seu lado. Mary Kingsley crê “ que o fir­
mamento ê sempre o grande deus indiferente e descuidado, o Nyan
Kupon dos ischwis, o An/ambe, o Nzam. etc., das raças banto.
O africano pensa que este deus teria um grande poder caco dese­
jasse cxercê lo " 2-*.
Voltaremos cm breve a falar da indiferença deste grande deus.
Por agora atentemos apenas ã sua estrutura celeste. Os tschis, por
exemplo, empregam a palavra Nyankupon — o nome do seu deus
supremo — para designar o Céu, a chuva: di/cm Nyankupon l>om
(bate), “ troveja” . Nyankupon aha (chegou), “ chove"-’4. Os ba­
ilas, tribos bantos do vale do Kafue, creem num scr supremo todo-
poderoso, criador, que habita no Céu, c a quem chama l.eza Mas
na linguagem popular a palavra leza exprime tambetn os fenó­
menos meteorológicos: di/.-se Lezacai (chove). Lcza está furioso
(troveja), etc.25 Os sukv chamam ao seu scr supremo Toròrut. is­
to é, o Céu. mas tambem Hat, a Chuva2*. Entre os negros pro­
priamente ditos, Njame (Nyamc) designa também o firmamento
(da raiz nyarn, “ brilluu” ; cf. div, § 20).
Para a maioria das populações esse. Mawu c o nome do Ser
Supremo (nome derivado de ww, "estender", “ cobrir"); aliás,
Mawu é utilizado como termo para designar o firmamento c a
chuva. O azul do firmamento é o véu corn que Mawu cobre o
rosto; as nuvens sâo suas vestes c seu adorno; o azul e o branco,
suas cores favoritas (seu sacerdote nílo pode usar outras cores).
A luz é o óleo com o qual Mawu unge o corpo desmesurado. Ele
envia a chuva e é onisciente. Mas, ainda que lhe sejam ofereci­
dos sacrifícios regulares, encontra-se em vias de desaparecer do
cultor . Entre os masai nilóticos. Ngai é uma figura divina mui­
to elevada, o que não impede de conservar os caracteres urania-
nos; é invisível, habita o Ccu, seus filho» sáo as estrelas. Seus olhos
tambem são estreias; as estrelas cadentes são seus olhos que se
aproximam da Terra para ver melhor. Segundo Hollis, Lngai
(Ngai) significa literalmentc " a chuva” 2*.
Os índios Pawni reconhecem Tirawa atius, “ Tirawa pai de
todas as coisas", criador de tudo o que existe e dispensador da
46 TN A T A D O DE H ISTÓ RIA DAS KELJOIÒES

vida. Criou as estrelas para guiar os passos dos homenu; os re­


lâmpagos sào o seu olhar e o vento, a sua rcspiraçflo O vzu culto
conserva ainda um colorido simbolismo maniano muito preciso.
Reside, alem das nuvens, naquele Céu que nunca se 11.1 nsfonna.
Tiravvn tornou-se uma nobre figura religiosa e tnítka. " O s bran­
cos falam de um Pai celeste, ao passo que nós falamos de Tirawa
atius, o pai das alturas, mas tiJo imaginamos Titaw.i coiro uma
pessoa. Imaginamo-lo cm todas as coisas... Ninguém conhece o
seu aspecto.

14. "Dens otiosus” — A pobreza atual — ou seja. sobretu­


do, a ausência de um calendário sagrado dos ritos periódicos —
ç o n ia característica da m aioria dos deuses celestes'-*. O s sonant;
d a peninsula de Malaca conhecetn também um Ser Supremo, Kari,
Kurci ou Ta Pedn. de estatura superior ã de um homem e invisí­
vel. Quando falam dele, os semang nào dizem precisamente que
ele é imortal; no entanto afirmam que sempre existiu. Criou to­
das as coisas exceto a Terra c o homem, que sào obra de Pie,
outra divindade que lhe está subordinada-'1. O esclarecimento
acerca do fato de não ter sido Kari o criador da Terra e do ho­
mem è significativo: revela-nos uma fórmula cornum -da trans­
cendência c da passividade da divindade suprema, muito afasta­
d a do homem para satisfazer suas inumeráveis necessidades reli­
giosas, evonônneas c vitais. Tal como os outros deuses supremos
uianianos. Kari habita o Céu e demonstra a sua cólera provo­
cando relâmpagos; alias, seu próprio nome significa “ raio"
(“ tempestade"), t. onisciente, pois vê tudo quanto se passa na
Terra. Por isso c “ em primeiro lugar o legislador, que rege a vi­
da social dos homens da llorcsta c vela ciosamente pela observa­
ção dos seus mandamentos"'*. Mas não c objeto de um culto
propriamente dito; somente o invocam com oferendas expiató­
rias de sangue quando se desencadeia urna tempestade".
O mesmo se passa na maioria das populações africanas: o
grnndc deus celeste, o ser supremo, criador todo-poderoso. de­
sempenha apenas um papel insignificante na vida religiosa da
tribo.
F.stá muito longe ou é demasiado bondoso para ler necessi­
dade de um culto propriamente dito, e só é invocado cm casos
extremos. Assim, por exemplo, os iorubás da Costa dos Escra­
vos acreditam num deus do céu chamado Olórun (literalmeme
O Ç f.V : DEUSES U R A N IA X O S 47

"Proprietário do céu"), que, depois dc ter começado a criação


do inundo, confiou o cuidado dc a acabar e a governar a um deus
inferior. Obatala. Otôrun afasta-se definitivamente dos assuntos
terrestres c humanos, c não existem nem templos, nem estátuas,
nem sacerdotes desic deus supremo. No entanto, é invocado co­
mo um último recurso cm tempo dc calamidade-’4.
Entre os fangs do Congo (Brazz.), Nzame ou Nsanibe — cria­
dor e senhor do Céu e d a Terra — desempenhava outrora papel
muito importante na vida religiosa da tribo (o que se adivinha
através dos mitos c das lendas), mas nlteriormente foi afastado
para último plano’5; Nzambi dos Bantos c igualmcmc um gran­
de deus celeste que se retirou do culto. Os indígenas considcram-
no como lodo poderoso, bom c justo; mas por isso mesmo não
o adoram e nâo o representam sob qualquer forma material, co­
mo aos outros deuses e espíritos’6. Entre os basongos, o criador
celeste Eíile Mokulu não possui culto e somente é invocado quan­
do alguém faz um juramento” . Os hereros, população banto do
sudoeste da África, chamam Ndyambi ao seu deus supremo, o
qual, retirado no Céu, abandonou a humanidade is divindades
inferiores. Por isso não é adorado. "P o r que havíamos dc lhe
oferecer sacrifícios?", explica um indígena: “ Nada temos a te­
mer dele, pois, ao contrário dos nossos mortos (Ovakunt). não
nos faz nenhum m al." No entanto, quando se produz algo de
inesperadamente feliz os Hereros dirigem-lhe preces nessa
ocasião**. Os alumias, outra tribo banto, crécm que o seu Nzam
bi está muito distante e é inacessível aos homens; a vida religiosa
é confiscada pelo medo e pelo culto dos espíritos; ate relativa-
mente à chuva se dirigem aos aktshi, isto c, aos antepassados” .
O mesmo se verifica entre os angonis. que conhecem um ser
supremo mas adoram os antepassados; entre os turnbukas. para
os quais o criador é demasiado longínquo e demasiado grande
“ para se interessar pelos assuntos vulgares dos homens"40; en­
tre os wembas, que conhecem a existência dc Leza. mas são cx-
clusivamcntc solicitados pelos antepassados; entre os wahchés,
que imaginam o ser supremo Ngurubi como criador e todo po­
deroso, mas sabem também que são os espintos dos mortos (ma-
soka) que exercem uma verdadeira vigilância sobre as coisas do
mundo c é a eles que oferecem um culto regular, etc. Os waehng
gas, importante tribo banto do Kilimandjaro, adoram Ruwa. o
criador, o deus bom, guardião das leis morais. Surge com papel
ativo nos mitos c nas lendas, mas é medíocre aquele que tem na
48 7 StA TADO I X HISTÓRIA D A S REU CJÕ ES

religião. É demasiado bom c acomodado para queos homens t<-


nham rKvcssidadc dc temê-lo. E só quando as pieces c os sacrifí­
cios o f cicad as aos espíritos ficam sen» respostarsc sacrifica n Ru-
wa, sobteuxio no caso dc uma scca ou de doença grave41.
A iiicjma siniaçáo se verifica entre os negros dc lingua tshi
da África Ocidental, com Njankupon, que está longe de ser ado­
rado: ivão possui culto, nem sacerdotes especiais, c só lhe pres­
tam homenagem em raias ocasiões, no caso dc grande tome ou
de epidemia, ou depois dc uma violenta tempestade: os homens
peiguntam-lhc então cm que o ofenderam42. Dringbc ("O Pai
universal” ) enconlra-sc à cabeça do panteão jeoliteista da popu­
lação owe. Difcrcntcmemc da maioria dos outros seres cclestes
supretnos, Dzingbe tem um sacei dote particular, chamado Dzi-
se, “ sacerdote do C éu", que o invoca durante o tempo da seca:
**Oh, Céu. a quem devemos a nossa gratidão, grande vai a seca;
faz corn que chova, a terra se refresque c prosperem os cam­
pos!"4' O distanciamento c o desinteresse do ser supremo celes­
te estão admiravelmente expressos num ditado dos gyriamas da
África Oriental, que descreve assim o seu deus: "Mulugu (Deus)
está lá no alto, os manes aqui embaixo" (literalmcnte. na
terral*.
Os bantos dkcni: "Dcns. depois dc ter criado o homem, nun­
ca mais quis saber dele paru nada.” E os negrilhos repetem: "Deus
afastou-« de nós!"4< As populações fang das campinas da Áfri­
ca Equatorial resumem a sua filosofia religiosa neste cântico:

Nzair.c (t>eu»> esifi rus alturas o homem aqui emhzixo


Deus c Deus. o homem c o homem.
C&ila um no seu iso lam en to , cad a um na su a casa.

Nzame náo recebe culto e os fang só se dirigem a ele para


lhe pedir chuva46. É também por causa da chuva que os hoten-
totes invocam Tsuni-Goam: "O h. Tsuni-Goam, o Pai do> Pais.
tu, que cs nosso pai, faz com que Nanub (isto é, a nuvem) deixe
tombar a chuva cm torrentes!” Sendo onisciente, Deus conhece
todos os pecados, e como tal é invocado assim: “ Oh. Tsuni Goam,
sô tu sabes que cu não sou culpado!"47
As preces que se dirigem a estes deuses em caso dc necessi­
dade resumem admiravelmente a sua estrutura uraniana. Os pig­
meus d a África Equatorial acreditam que deus (Kmvum) lhes mos­
tra o seu desejo dc entrai em relação com cies por meio do arco-
O CÉU DEUSES URA.MA \ O S 49

íris. Por i« o , logo que este aparece, pegam nos seus arcos, apon­
tam para e!e c começam a salmodiar: "Vencendo na luta, derru­
baste o travão que rugia, que rugia com tanta força e tão irrita­
do. Estaria irritado contra nós?” A litania termina por uma pre­
ce. dirigida ao arco-íris, pedindo lhe que intervenha junto do ser
supremo celeste, a fim de que este não permaneça irritado contra
eles. não mais brame nem canse morte4*. Os homens só se lem­
bram do Céu c da divindade suprema quando um perigo, oriun­
do das regiões uranianas. os ameaça diretamcnte: alem dessas cir­
cunstâncias, a sua religiosidade c solicitada pelas necessidades co­
tidianas, e as suas práticas ou a sua devoção oricntam-sc para
as forças que controlam estas mesmas necessidades. É evidente
que tudo isso cm nada diminui a autonomia, a grandeza e a pri­
mazia dos seres celestes supremos; além disso, temos aqui o tes-
lemunho de que o homem primitivo, lai como o civilizado, os
esquece facilmente, na medida em que não tetn necessidade de­
les; que as cruezas da existência o constrangem a olhar mais para
a Terra do que para o Ccu, e que só redescobre a importância
do Céu quando, aqui. a m orte o ameaça.

15. Novas "form as” divinas substituídas aos deuses urania-


nos — Na realidade, em caso algum da religiosidade primitiva
os seres celestes supremos desempenham um papel de destaque.
A forma religiosa dominante entre os australianos é o lotemis-
ino. Na Polinésia, ainda que exista a crença numa divindade ce­
leste suprema ou num par divino originário (ver adiante), a vida
religiosa caracteriza-se por um rico polidemonismo ou politeís­
mo. Nas ilhas Yap, das Carolinas Ocidentais, existe uma crença
bastante nítida em Yclafaz — scr supremo criador, bom, etc. —
mas a população venera os espíritos (taliukan). Os indígenas das
ilhas Wetar. na Indonésia, ainda que pratiquem a feitiçaria, co­
nhecem, no entanto, um scr supremo, " o Velho", que habita o
Sol ou o Céu. Na Indonésia, em geral, a divindade suprema do
Céu fundiu-se com o Sol ou foi substituída pela divindade deste;
por exemplo, I-lai, das Cclebes, foi assimilado ao deus solar, no
qual os indígenas véem. aliás, um continuador da obra de cria­
ção começada por I-lai; o mesmo acontece em Timor e em inú­
meras outras ilhas*9.
Na Mclanésia, o que domina a vida religiosa c a crença no
mana. embora aí existam também o animismo e os vestígios de
50 TR A TA D O DE HISTORIA D A S MEIJGIÓES

uma crença no deus celeste. A estrutura da religiosidade dc Fiji


é o an urismo. apesar dc existirem ainda sobrevivências de uma
divindade edeste suprema, Ndengei. representada sob a forma
paradoxal dc urna serpente que vive escondida nutna caverna ou.
então, que somente tem cabeça dc serpente, sendo dc pedra o resto
do corpo; quando tal divindade se agita, a tetra treme, embora
seja também a ctiadora do mundo, onisciente c punidora do
m al'5. As populações africanas, como vimos, embota conservem
mais ou menos intacta a crença num ser supremo celeste, conhe­
cem todavia outras dominantes religiosas diferentes do monoteís­
m o ou da monolatria Na tegiâo dos indianos Déné dominam o
culto dos cvpíiitos e o xamanismo, mas existe também um ser su­
premo de raturera celeste, Yuttoete (que significa; “ aquele que
se mantém rms alturas” ).
Noutras regiões, ao ser supremo llrâniàno sobrcpòe-se uma
divindade lunar, c, por exemplo, o caso dos indígenas da> ilhas
Banks-'1, assim como as Novas-Hebridas52. Fm raríssimas cir­
cunstâncias — e, sem dúvida, por influência do matriarcado —
a divindade celeste suprema é feminina; assim acontece com Hin-
lubuhct. da Nova-lrlanda, que conserva todos os atributos da di­
vindade suprema uraniana (passividade, etc.), mas que é do gê­
nero feminino; ou as formas femininas e animais de Puluga, co­
nhecidas sob os nomes dc Biliku e Oltiga"; ou as divindades su­
premas femininas entre os bopi. navajos, etc. Outras veres uma
grande deusa feminina substituiu se ao ser supremo celeste pri­
mitivo. como sucedeu entre os todas, os kavis do Assam, etc. No
sul da índia, a divindade uraniana suprema desempenha ínfimo
papel, pois a vida religiosa está completamcntc absorvida pelo
culto das divindades locais femininas, as grâma devâta.
O motivo do par primitivo Céu (macho) Terra (mulher) é
muito frequente. Assim, na ilha indonésia dc Kcisar, o princípio
masculino, Makarom manuwe. que habita o Céu e temporaria-
mente o Sol, e o principio feminino Makarom mawakhu. presente
na Terra, constituem o objeto central do culto,J. O par pt imiti -
vo c o mito cosmogônico que lhe correspondem s.lo característi­
cos da Polinésia e da Micronesia, c a este respeito a versão mais
conhecida c a maori, de Rangi e Papa. Indícios da crença num
par divino primitivo encontram-se também na África; entre os
bantos meridionais, cspccialmcntc entré âS populações basrili c
fjo tt. a divindade suprema celeste, Nzambi. passa para segundo
plano, deixando ent seu lugar, e sob um mesmo nome. uma di-
O C ÉU O i U SES UHA M A S O S 51

vindade da Terra, cujos segredos de culio são comunicados ape­


nas ás mulheres5-'. O motivo mítico do par Céu-Terra cncontra-
sc na Califórnia Meridional (irmão e irmã; da sua uniào nascem
todas as coisas), entre os indianos pima c. no Novo México, en­
tre indianos da Planície (Plains Indiam), entre os siotix c os pawni,
nas Antilhas5*.

16. Fusão t substituirão — Por tudo quanto acabamos de


dizer se vê que a divindade celeste suprema cedeu por toda a par­
te o lugar a outras forma* religiosas. A morfologia desta substi­
tuição é variada; mas, etn parte, o sentido de cada substituição
é o mesmo: a passagem da transcendência c da passividade dos
seres celestes ás formas teligiosas dinâmicas, eficientes, facilmente
acessíveis. Poilcr-soia dizer que assistimos a uma “ progressiva
queda” do sagrado "no concreto"; a vida do homem c o meio
cósmico que o rodeia imediatamente cada vez mais se impregnam
de saciai idade. As crenças no mana, na orendae no wakan. etc.,
o animismo, o tolemismo, a devoção para com os espíritos dos
mortos c as divindades locais, ctc., situam o homem numa posi­
ção religiosa diferente da que c k tinha perante o scr supremo ce­
leste. Existe mudança na própria estrutura da experiência religiosa.
Ê dc maneira diferente, por exemplo, que se revela um Daramu-
lun ou Tirawa. assim como os totens, as grama deváta, os espíri­
tos dos mortos, ctc. A substituição assinala sempre a vitória das
forças dinâmicas, dramáticas, ricas de valências míticas, sobre
o ser celeste supremo, nobre mas passivo c longínquo.
Ê assim que Rangi, entre os maoris da Nova Zelândia, se
bem que esteja presente nos mitos, não constitui objeto de um
culto; o seu lugar foi ocupado por Tangaroa. o deus supr emo (so­
lar?) do panteão maori. Na Mclancsia encontra se coircntcmen
te o mito dos dois irmãos, um empreendedor c o outro estúpido
(as duas fases da Lua), criados pelo scr celeste supremo, a quem.
com o tempo, substituiram. Em geral, o ser supremo dá lugar
a um demiurgo, por si próprio criado, e que cm seu nome e se­
gundo as suas diretrizes organiza o mundo — ou a uma divinda­
de solar. Assim, entre certas populaçóes banto o demiurgo Un-
kulunkulu é o criador da raça humana, porem subordinado ao
ser celeste supremo Utikxo, ainda que posteriormente acabasse
por empurrar este para o esquecimento. Entre os indianos tlingit
(costa noroeste do Pacifico) a figura divina central c o corvo, he­
52 TRATADO DE HISTÓRIA D AS R E U G tÓ E S

rói c demiurgo primordial. que faz o mundo (ou, com mais pre-
cisSo. o organiza. A turdindo a civilização e a cultura), que cria
e libera o Sol, «<.*■ Mas, por vezes, o corvo realiza tudo isso por
ordem de urr ier divino superior (dc quem c filho, por exemplo).
Entre os tupi (Guarani), Tamosci (-Tamoi) é o antepassado míti­
co, o demiurgo soiarizado que substitui o ser celeste.
Na America do None, o ser supremo celeste tende em geral
a fundir-sc coin a personificação mítica do trovào e do vento,
representado como urna grande ave (o corvo, etc.); com um só
bater das suas asas faz surgir o vento, e a sua língua ó o
relâmpago1*. Dtxdc as origens o trovão foi, e continuou a ser,
o atribulo essencial das divindades uranianas. E, por vezes, o t ro-
v5o singulariza-se c adquire autonomia particular. É assim, por
exemplo, que os índios siou.x pensam que os astros c os fenóme­
nos metéOíOlójtiios — o Sol. a l.ua, o raio (c sobretudo este) —
estão saturados dc Wakan. Os kansa dizem que jamais viram o
seu deus Wakan, mas que muitas vezes têm ouvido a sua voz no
Irovâo. Entre os dacotas, Wakantanka é, dc fato, “ uma palavra
para designar o trovào" (Dorsey). Sob o nome de Wukanda. os
omatia honram o tiovâo cor» um culto próprio; sobretudo no co­
meço d» primavera os homens montam fogueiras em sua honra,
sobre as colinas, e levam-lhe oferendas dc tabaco-'9. Ent-c os al-
gonquinos. fazem-se promessas a Chcbbeniathan, “ o homem das
alturas’“, sempre que uma tempestade se aproxima ou a trovoa­
da parece iminente.
Vimos (§ 12) que nos rituais dc iniciação australianos a epi­
fania do trovào sc anuncia pelo zunido daquilo a que se chama
“ o rom bo” . O mesmo obicto c o mesmo cerimonial também sc
conservaram nos ntos dc iniciação órfica. O raio é a arma do deus
do Céu cm todas as mitologias c um local por ele atingido com
um raio torna se sagrado’0, os homens por ele fulminados ficam
consagrados. A árvore mais frequentemente atingida pelo raio
(o carvalho» é investida dos prestígios da divindade suprema (is
to para citar apenas o carvalho dc /.cus cm Dodone, o dc Júpiter
Capitolino cm Roma, o carvalho de Donar perto de Geistr.ar. o
carvalho sagrado de Romowe na Prússia, o carvalho dc Pcrun
entre os eslavos). Grundc número dc crenças relacionadas com
a santidade do trovào sc encontram espalhadas por toda a terra
Acreditava sç que as chamadas “ pedias de iaio” — as quais, na
sua maior pane. sâo apenas silícios pré-históricos — cram a p ró ­
pria ponta da flecha do relâmpago, c como tais veneradas e p;c
O CÉU: DEUSES IR A N IAN O S 53

dosamcnte conservadas (§ f8). Tudo o que vem das regiões supe­


riores participa da sacralidadc uraniana; os meteoritos, abundan-
temente impregnados do sagrado sideral, eram por isso mesmo
também adorados*1.

17. Antiguidade dos seres sopremos uraniano? — Não po-


ilernos afirmar com segurança que a devoção para com os seres
celestes tcnlia sido a única e a primeira crença do homem primi­
tivo c que todas as outras formas religiosas hajam aparecido ul-
Icriormente c representem fenômenos de degradação. Sc a cren­
ça num ser celeste supremo se encontra comumcnte nas socieda­
des primitivas mais arcaicas (pigmeus, australianos, fucguinos),
não se encontra, porém, cm cada uma destas sociedades (falta,
por exemplo, entre os tasmanianos, os wcddas, os kubu). Do mes­
mo modo. também não nos parece que essa crença exclua neces­
sariamente qualquer outra forma religiosa. O homem pode ter.
ceitamcntc, desde os tempos mais remotos, a revelação da trans­
cendência e du onipotência do sagrado através da experiência das
nuas relações com o meio uraniatiú. O Céu. cm si mesmo c ante­
riormente a toda a cíabulaçáo mítica ou elaboração conceituai,
apresentou-se como domínio divino por excelência. Mas cm si­
multaneidade com esta hicroíania uraniana pode ter havido inú­
meras outras.
Uma coisa se pode afirmar com certeza: c que. de maneira
geral, a hicrofania celeste e a crença nos seres supremos celestes
deu lugar a outras concepções religiosas. Para náo nos afastar­
mos do campo das generalidade, é certo que semelhantes cren­
ças nos seres celestes supremos representavam outrora o própno
centro da vida religiosa c não um simples setor periférico, como
se apresentam hoje entre os primitivos. A pobreza atual do culto
destas divindades uranianas significa pura e simplesmente que o
conjunto cultual foi confiscado por outras formas religiosas; o
que cm caso nenhum significa que semelhantes divindades ura­
nianas sejam criações abstratas do homem primitivo ("ou ape­
nas dos seus sacerdotes") c que este não teve ou não pode ter re­
lações religiosas com ele. Aliás, como tá vimos, a pobreza do culto
significa antes a ausência de um calendário religioso; ocasional-
uiçnte, esporadicamente. cada um dos setes celestes supremos re­
cebe as honras das preces, dos sacrifícios, etc. Por vezes trata-se
até de um culto no autêntico sentido da palavia; disso são teste­
54 TUA TA n o DE HISTÓRIA DAS R E U G tÔ E S

munho. por exemplo, as grandes festas rituais da America do Norte


cm lionra destes seres supremos (Tirawa, Chebbcniathan. A «o
nawilona). Na África, os exemplos são atê muito numerosos: as
danças noturnas cm honra de Cagn. entre os bosquimanos. ou o
culto regular de Uwoluwu (sacerdotes, lugar do culto. sacrifícios)
entre os akposos: os saciificios humanos periódicos dos ibibios
em honra dc Abassi Abumo, o Trovcjador, e ainda os santuários
que Abassi possui no pátio de cada casa entre os habitantes dc Ca-
labar, vizinhas das ibibios; as preces e os sacrifícios em honra de
Lcza. etc. Os kondes adoram o seu deus sti|>remo. Mbaiuba, com
danças, cançócs e preces; “ Mbamba. faz com que os nossos fi­
lhos cresçam! E que o nosso gado se multiplique' Que o noeso mi­
lho e as nossas batatas se desenvolvam! Afasta as epidemias!"65
Os wachaggas dirigem as suas preces e sacrifícios a Ruwa: “ Oh,
Fundador, oh. Homem do Céu, aceita esta cabeça de gado.
Rogamos-tc que desvies c afastes dc nós a doença que se aproxi­
ma d a Tei ta.” As pessoas piedosas dirigem preces a Ruwa, de ma­
nhã ã noite, sem as acompanharem dc sacrifícios*5. Saciificam-
se bodes a Mulugu. cos akikuyus oferecem numerosos sacrifícios
a Fngai, as primícias das colheitas e dos carneiros'*.
A análise das diversas camadas da reíigiáo australiana mos­
tra bem que a etença na divindade celeste ocupa o centro da reli­
giosidade mais arcaica. Outrora, Mungangaua vivia entre os ho­
mens, na Terra; mais depois retirou se para o Ccu, e ficou longe
deles. Na Austrália «i possível identificar por toda a parte o mito
do afastamento progressivo dos seres divinos. Dc qualquer mo­
do seria difícil derivar a crença nestes seres celestes dc uma outra
crença anterior. Tem se dito. por exemplo, que deriva do culto
dos mortos, mas no sudeste da Austrália (isto c. numa das mais
antigas camadas etnográficas) inexiste o culto dos mortos65, é
prerisamente nos lugares onde as cerimónias de iniciação têm mais
vigor (isto é, no sudeste da Austrália) que encontramos a divin­
dade celeste associada à celebração tios ritos secretos. Pelo con­
trário, nos lugares or.de o esoterismo está cm vias dc desapareci­
mento (como sucede com a maioria das tribos australianas do cen­
tro — anim a c loritja), a divindade celeste (Altjira, TuVura)
apresenta-se despiovida dc valor religioso c sobrevive sobretudo
na esfera do mito; o que significa que a crença na divindade ce­
leste cia outrora incoiHêíiavclmcnic m ais complcfa c mais inten­
sa. Graças à iniciação toma-sc conhecimento da verdadeira teo-
fania. da descendência mítica do clã, do corpus das leis morais
O Cf.U: DEUSES C R AN IA N O S 55

c sociais, numa palavra, da situação do homem no cosmos. A


iniciação e tambcm um ato de conhecimento c não apenas um
ritual de regeneração. O conhecimento, a compreensão global do
mundo, o dcciframento da u nidade cósmica, a revelação das cau­
sas últimas que mantem a existência — tornam-se possíveis gra­
ças à contemplação do Céu, a hieroíania celeste c às divindades
(iranianas supremas.
No entanto, cairiamos cni grande erro se víssemos nesses atos
c reflexões simples preocupações racionais (como faz, por exem­
plo. W. Schmidt). Fois, pelo contrário, constituem atos de ho­
mem integral que, csidcntcrncntc. conhece também a obsessão
da causalidade, mas. antes de mais, conhece o problema da exis­
tência. isto é, nele se encontra diretamente inserido. Todas essas
revelações de naiutcza metafísica (onjcni da raça humana, his­
tória sagrada da divindade e dos antepassados, metamorfoses,
sentido dos símbolos, nomes secretos, etc.), feitas no quadro das
cerimônias de iniciação, não tem cxclusivainentc em vista a satis­
fação da sede de conhecer do neófito, mas em primeiro lugar
propõem-se o fortalecimento da sua existência total, a promo­
ção da continuidade da vida c da abundânoa. a garantia de um
destino melhor após a morte, etc.
Portanto, em resumo: i cspccialmciitc significativa a presen­
ça, no quadro das cerimônias de iniciação, de divindades urania
nas nas camadas mais arcaicas da religião australiana. F-ssa ini­
ciação, repitamos, assegura a regeneração do iniciado ao revelar-
lhe os segredos da natureza metafísica; satisfaz ao mesmo tempo
a vida, a fo rçât o conhecimento. Demonstra o laço estreito exis-
lentc entre a teofania (visto no ritual iniciático se revelar a verda­
deira natureza e o verdadeiro nome da divindade), a sotcriologia
(pois, por muito elementar que tenha sido, a cerimônia de inicia­
ção assegura a salvação do neófito) e a metafísica (as revelações
que se faz-cm acerca do principio c da origem do universo, da ori­
gem da raça humana, etc.). Mas no centro da cerimônia encontra-
se a divindade uraniana. a mesma divindade que outrora fez o
universo, que criou o homem c desceu á Terra para instaurar a
cultura c os ritos de iniciação.
üsta prerrogativa de as divindades uranianas serem, na ori­
gem, não somente criadoras c onipotentes, mas também clarivi­
dentes, "sages*' por excelência, explica a sua transformação, em
certas religiões, cm figuras divinas abstratas, cm conceitos per­
sonificados que servem para explicar o universo ou exprimem a
56 TUA TA DO OE HISTÓRIA D A S RELIGIÕES

sua realidade absoluta. lho, o deus celeste da Nova Zelândia c


do Taiti, revelado somente aos iniciados nas doutrinas sacerdo­
tais estéticas, é mais um conceito filosófico do que uma divinda­
de propriamente dita1*. Outros deuses iranianos — o Nzambi das
populações banto. por exemplo. Sussistinako entre os america­
nos sia — são assexuados: trata se de um fenômeno dc abstração
que denota a transformação da divindade num princípio metafí­
sico. Dc fato, o Awonawilona dos zuni c representado como des­
provido de qualquer nota pessoal, podendo ser considerado tan­
to feminino como masculino (Lati); chamava lhe “ Me-She:")'47.
Estes deuses celestes supremos puderam ser transformados
em conceitos filosóficos devido ao fato de a própria hieiofania
uraniana ter podido transformar-se numa revelação metafísica,
ou seja, porque o próprio caráter da contemplação do Céu per­
mitia, ao lado da revelação da precariedade do homem e da tians-
ccndência divina, a revelação da sacrahdade do conhecimento.
da ‘‘foiça” espiritual. Em nenhum outro lugar, senão na presen­
ça do céu diurno ou da abóbada estrelada, seria po»ível desco­
brir. em maior plenitude, a origem divina c o valor sagrado do
conhecimento, a onipotência de Aquele que v i e compreende, de
Aquele que “ sal>c", pois cm todo lado se encontra, tudo vê c,
dc fato. tudo faz c tudo dirige. Certamente, para a mentalidade
moderna, tais divindades, dc contorno mítico impreciso — lo.
Brama. etc. —, parecem abstratas, c estamos inclinados a
aproximá-las mais dc um conceito filosófico que de unia divin­
dade propriamente dita. Entretanto, não nos esqueçamos de que,
para o homem primitivo, para o homem que as forjou, o saber,
o conhecimento eram — c permaneceram — epifanias do “ po­
der” , “ foiça sagrada". Aquele que vê e sabe, pode tudo e é tu­
do. P or vezes, tal ser supremo dc origem iraniana transforma-se
no fundamento do universo, no autor c no dirigente dos ritmos
cósmicos, c tende para uma coincidência quer com o principio
ou substância metafísica do universo, quer com a lei. com o que
é eierno e universal nos fenômenos passageiros, isto é, com o de­
vir. Aquela lei que os próprios deuses não podem abolir.18

18. Deuses do Céu entre as populações árticas c centro-


asiáticas — Assim que passamos das religiões dós póvos primiti­
vos para as religiões chamadas politeístas, a principal diferença
que encontramos vem a ser a sua prõptia “ história” , pois é evi-
O C f b : DEUSES V R A M ANOS 57

dente que a "história" modificou também as teofanixs primiti­


vas; nenhum dos deuses edertes das populações primitivas e "p u ­
ro " ou representa uma forma aurora) As suas "form as”
modifkaram-se quer sob as influencias exteriores, quer pura c sim­
plesmente pelo fato de terem vivido numa tradição humana. Mas
nas chamadas religiões politeístas a história agiu com intensida­
de muito diferente. As concepções religiosas, tal como a vida es­
piritual e mental intcgtal desses povos criadores de "história",
sofreram influências, simbioses, conversões e eclipses. As "fo r­
mas" divinas, exatamente como as outras formas produzidas por
estas civilizações, mostram na sua estrutura inumeráveis compo­
nentes. Felizmente, a vida religiosa, tal como as criações a que
deu origem, estão dominadas por aquilo a que poderiamos cha­
mar " a tendência para o arquétipo” . Por múltiplos c diversos
que sejam os componentes que entram numa criação religiosa (isto
c. numa forma divina, num rito. mito, culto), a sua expressão
tende a regressar continuamente ao arquétipo. Mais para diante,
no decurso do nosso exame sumário de algumas divindades ce­
lestes das regiões politeisras. poderemos dispensar-nos de conhe­
cer a "história” dc cada unia delas para compreender a sua cs-
trutura e o seu destino; pois cada uma delas, apesar da "histó­
ria" que a picccde, tende a reencontrar " a forma” original, a
voltar ao arquétipo. Todavia, isso não significa que as figuras
dessas divindades celestes sejam simples ou que nós possamos le­
var muito longe o seu processo do simplificação.
Sc os comparamos com as figuras dc que nos ocupamos nos
parágrafos precedentes, vemos que o primeiro elemento novo
apresentado por esses deuses é a sua soberania. A (eofania não
se reduz apenas às realidades uranianas e meteorológicas, o seu
poder não se manifesta somente pela criação cósmica, pois se
transformaram em "senhores", em soberanos universais. Por con-
seqüéncia, nas chamadas religiões politeístas, nem sempre se po­
de falar do deus do Ccu sem atender a este novo elemento qtie
é a soberania; embota derive das prerrogativas celestes, constitui
cm si mesmo uma nova valorização religiosa do "poder" c tende
a modificar sensivelmente o perfil da divindade.
Comecemos a nossa rápida exposição com as divindades ce­
lestes supremas adoradas pelas populações árticas c pelos povos
nômades do norte c do centro da Ásia. Os samoiedos adoram
Num, divindade que habita o Céu (ou o 7? ccu) c cujo nome sig­
nifica “ Céu” M. Mas seria inexato identificá-la com o ccu muie-

r
58 TUAT A DO D E HISTORIA D AS RELIG IÕ ES

rial. lai como faz notar W. Schmidt*9: os samoredos consideram

I Num como sendo igualmente o mar e a terra, isto é, o Universo


inteiro Entre os koryaks, a divindade suprema chama-se "Aquele
das alturas” , "O Senhor das alturas” , " o Vigilante” , “ Aquele
que existe” , "Forca” , “ o Mundo” . Os ainos conhecem-no co­
mo “ o Chefe divino do Céu” , o "Deus celeste” , “ o Criador di­
vino dos m undos", “ o Protetor", etc.: mas também corno Ka-
mui, isto c. "C éu” 70. A divindade suprema dos koryaks habita
a "aldeia do C éu". Os esquimós centrais creem que a sua divin­
dade suprema habita o Céu: chamam-lhe "ser celeste"71. Certa-
mente estes nomes e estas atribuições nào esgotam a personali­
dade do deus supremo das populações árticas, que se revela, aci­
ma de tudo, como um deus todo-poderoso, muitas vezes único
e senhor do universo. Mas a estrutura celeste das suas teofanias
é manifesta e arcaica; c, tal como as divindades celestes dos pri­
mitivos. este deus supremo partilha com os deuses inferiores e
com os espíritos a vida religiosa das populações árticas. Por ve­
zes só se lhe dirigem quatulo falharam as preces dirigidas aos es­
píritos. No entanto, nos sacrifícios oferecctn-lhe a cabeça e as
unhas do animal sacrificado, enquanto aos espíritos e às- divin­
dade» «ônico infernais apenas oferecem o sangue quente77.
O nome mongol da divindade suprema c Tcngri, que significa
“ céii"’-'. Entre os Tcheretnissos. o Deus celeste supremo chama-
se Junic. originalmentc "Ceu” 74. O nome mais frequente entre
os ostiaks e os voguls c Nuni-Túrem, "Tùrcm, o A bo" ou “ Tú-
rem que habita as alturas"'5. Mais ao sul. entre os ostiaks
irtysch, o nome da divindade celeste e derivado dc sànke, cujo
sentido originário c "luminoso, brilhante, luz” 79; por ex.. Num-
sánkc ("Sanke das Alturas"). Jem-sanke ("Sanke. o Ixhii” ).
etc.77
Outros titulos e epítetos do deus do céu completam a defini­
ção d a sua natureza c das suas funções. Os bcltires dirigem as
suas preces ao "Khan misericordioso" (Kaira-Kán) e ao "che­
fe" {.cajan)'*. Os tártaros dc Minussinsk chamam "C riador da
Terra” (cürcajany)'9 ao deus supremo, os yakutcs chamam-lhe
" o sábio Mestre Criador" (urún ajy tojon) ou " o Mestre muito
alto” (arlojon), os tártaros do Altai. " o Grande" (ülçàn. ulgen)
ou “ o muito Grande" (bai úlgàn), e. nas suas invocações, tam­
bém “ luz btanca" {akajas, cf. o ostiak sanke) e "Khan muito
luminoso" (ajas kan)*\ Os ostiaks e os voguls acrescentam ao
nome de lurem os qualificativos “ grande", "lum inoso", "dou-

i
O C Ê V O tV S E S C R A N IA N O S 59

rado” . “ branco", "muito «"»Ito” , “ Senhor Mestre meu Pai” , “ boa


luz dourada das Alturas” , etc...*1Nas preces c nos textos literá­
rios ao deus do Céu chamam lhe frequentemente “ Pai” *2.
A simples enumeração destes nomes e títulos põe em evidên­
cia o caráter celeste, soberano e criador da divindade suprema
uralo-altaica, divindade que reside no Céu*5, no sétimo ccu, no
nono ou no décimo sexto1*. O seu trono encontra-se no ponto
mais elevado do céu ou no cume da montanha cósmica (§ 143).
Os tártaros abakan falam igualmentc da "A bóbada" do Ccu ce­
leste, os bunatas da “ casa cintilante de ouro c dc prata" e os al-
taicos de um "Palácio” (orgõ) com unta "Porta dc ouro", as­
sim como dc um "Trono de ouro"*’. Esse deus tem filhos c
filhas56, está rodeado dc servidores e de mensageiros que o xa-
tnã encontra na sua ascensão estática para o Céu. (Um destes.
Jajyk. mora na Terra c desempenha o papel dc intermediário en­
tre Ülgãn e os homens; o outro. Suila. observa a conduta dos ho­
mens e dela informa o Senhor.)*7 Mas não encontramos entre os
uralo-altaicos o mito da hicrogamia. se bem que os buriatas cha­
mem “ Pai” ao Céu e “ M àe" á Terra nas suas invocações*5.
O deus celeste supremo é o criador da Terra e do homem.
Ele c o "artífice de todas as coisas", o "P a i” . Criou as coisas
visíveis c invisíveis c é ele também que faz frutificar a terra” . En­
tre os voguts, Num-târcm não é apenas o criador mas também
o civilizador du humanidade, o que ensina os homens a pescar,
etc.5“ A ideia dc criação está estreitamente ligada ú de norma cós
mica. O Céu é o arquétipo da ordem universal. O deus celeste
é o abonador tanto da perenidade c da inteligibilidade dos rit­
mos cósmicos como do equilíbrio das sociedades humanas. C o
“ Khan", o "Chefe” , o “ Dono” , isto é. o soberano universal.
Assim, as suas ordens devem ser respeitadas (nos títulos de deus.
a noção de "comando” , de "ordenador” , à evidente)11. Os mon-
góis acreditam que o Céu vê tudo, c quando fazem uma jura pro­
clamam: "Que o Ccu o saiba!” ou “ Que o Ccu o veja!” 5'2. Nos
sinais do Céu (cometas, secas, etc ) léem as revelações c as or­
dens divinas. Criador, observador c sabedor de tudo. guardião
das leis, o deus celeste é cosmociata; embora não reine direta­
mente. assim que aparecem os organismos políticos governa por
intermédio dos seus representantes terrestres, os khans.
Na carta que Mangu-khan enviava por Ruysbtóêck flõ rei
d3 Franca, encontra-se a mais clara profissão dc tc da raça rnon
gólica: “ Esta e a lei do Deus eterno: no Céu apenas existe um
60 T R .ir .iO O DE HISTÓRIA P A 5 R £ U G lO £ S

só Deus eterno c sobre a Terra haverá somente um Senhor,


Gcnghis-Khan, Filho dc Deus!” E o selo de Oer.ghis-Khan ira/
a seguinte inscrição: “ Um Deus no Céu e o Khan na Terra. O
selo do Senhor da Ferra.’’ Esta concepção do monaresi univer­
sal. filho ou representante do soberano celeste na Terra, encontra-
se também entre os chineses (assim como cm certas populações
polinésias). Nos antigos textos chineses o deus do Céu tinha dois
nomes: 1 'ien (’'céu" c “ deus do céu") c Chang-Ti (“ Senhor Al­
teza". "Soberano das Alturas” ). Q Céu é o regulador da ordem
cósmica, o soberano supremo que habita o topo das nove regióes
celestes. "Providência dinástica, o Céu e uma potência clarivi­
dente c justiceira È a divindade que preside ás juras. Jura-se pe­
la luz do dia e pela da aurora; toma se por testemunha a abóba­
da azulada, o céu aéul, o ccu que brilha c brilha no alio!"*’
O Imperador c "Filho do C éu". T'icn tseu. e representante
do deus celeste na Terra. Ao mor.gol dzajagan correspondia o
chinês t ’icn ming, " a ordem do céu” . O Soberano n5o só garan­
tia a boa organização da sociedade mas também a fertilidade da
ter ra, a sucessão normal dos ritmos cósmicos. Quando se produz
um a catástrofe sísmica ou qualquer outra calamidade, o sobera­
no chinês confessa os seus pecados e entrega-se a práticas de pu­
rificação. No Chi King. é este o lamento do rei durante um a seca
terrível: “ De que crime nos acusam agora, para que o Ccu haja
desencadeado a morte e os tormentos?... Como foi possível cair
sobre mim (apenas) toda esta devastação e ruína do pais?!" Pois
o imperador é o "homem único", o representante da ordem cós­
mica c o guardião das leis.
O conjunto Céu-criador-sobcrano universal, garantia da or
dem cósmica c da continuidade da vida sobre a Terra, completa-
se pela nota especifica das divindades celestes: a passividade. Nos
grandes organismos políticos (China, imjiénos morgóis) a eficiên­
cia do deus celeste é tefotcada pelo mito da soberania e pela pró­
pria presença do império. Mas quando a "história" não inter­
vém, a divindade suprema dos utalo altaicos tende a transformar-
se. na consciência dos seus adoradores, em passividade e afasta­
mento. Para certas populações siheríanas e ccnito-asiiíticas. o deus
do Céu está tão afastado que não se intciessa pelas açôcs dos hu­
manos. Assim. Buga (“ Ceu". "Mundo” ), dos tunguses. sabe tudo
mas nào se imiscui nos assuntos dos homens, e nem sequer casti-
ga os maus. Urún ajyotojon ou Aibyt aga (Aga "P a i” | dos ya-
kutes habita o sétimo céu. num trono dc mármore branco, go-
O ÇÊU: DEUSES V K A S U N O S 61

vcrna tudo. mas faz somente o bem (isto é, não castiga). Os tun
guscs da religião de Turuchansk acreditam que o deus do Céu
lhes envia tanto a boa sorte como o a/ar, embora declarem n3o
compreender qual o critério que o lesa a proceder assim*4.
Mas de maneira geral podemos dizer que o deus celeste su­
premo das populações urnlo altaicus conserva melhor do que os
outros os seus caracteres primordiais. Não conhece a hierogamia
c não se transforma em deus da tempestade c do trovão. (Os uralo-
altaicos representam o trovão sob a forma de uma ave. como nas
mitologias da América do Norte, mas não lhe oferecem
sacrifícios95.) Vencram-tio, dirigem lhe preces para obter os
alimentos-' e goza de um culto propriamente dito. se bem que
não representado por imagens''’, e sacrificam-lhe sobretudo cães
c renas brancas9*. Mas nflo se pode dizer que a vida religiosa es­
teja intcgralmente dominada pela crença na divindade celeste; há
uma série completa de ritos, de crenças e de superstições que a
ignoram completamcntc.

19. Mcsopnlámia — O termo sumerio designativo da divin­


dade. dirigir9*, tinha por significação primitiva uma epifania ce­
leste: "claro, brilhante" (dirigir era traduzido em acadiano por
d lu , “ claro, brilhante” ). O ideograma que exprimia a palavra
"divindade" (pronunciado dingir) era o mesmo que exprimia a
palavra designativa de "céu " (neste último caso pronunciada ana,
anu). Originalmenle, este signo gráfico era um hieróglifo que re­
presentava uma estrela. [>entro da pronúncia de an (a), an (u).
o hieróglifo significa a transcendência espacial propriamente di-
ta: "elevado, ser elevado” .
O signo an serve igualmente para exprimir " o céu chuvoso”
c, por extensão, a chuva. A intuição da divindade como tal (din­
gir) fundava-se assim nas hierofanias celestes ("elevado", "cla­
ro ", “ brilhante", "céu” , "chuva"), listas hierofanias separaram*
se muito cedo da intuição da divindade como tal (dingir) e
concentraram-se ao rcdoi de uma divindade personificada (Anu),
que exprime o “ céu" pelo seu próprio nome e cujo aparecimen­
to na história se pode fixar antes do quarto milênio. Anu. de ori­
gem suméria, tornou-se o chefe do panteão babilónico. Mas, tal
como os outros deus« celestes, com o tempo deixou de desem­
penhar um papd de destaque. Pelo menos na época histórica, Anu
é um deus um pouco abstrato. O seu culto não está muito
62 TRATADO P t HISTÓRIA DAS K ELIfílÔ tS

difundido101', raramente é invocado nos textos religiosos c náo fi­


gura nos nomes teóforos101. Nâo é um deus criador, como Mar­
duk. Nào se conhecem estátuas de Anu,c0. o que parece confir­
mar a sua inatualidadc no culto c na vida religiosa babilónica dos
tempos históricos.
Natiiralmcnte, a residência de Anu é no Céu. O seu palácio,
situado no ponto mais alto da abóbada, náo é atingido pelas águas
do dilúvio'05. Como no Olimpo da mitologia helénica, também
ai os deuses o visitam.
O seu templo dc Uruk chamava se E-an na, "C asa do Céu".
No Céu, Anu está sentado num trono, revestido de todos os atri­
butos da soberania: o cetro, o diadema, a coifa, o bastão"54. £
o Soberano por excelência e as insígnias da sua realeza consti­
tuem a fonte c a justif;cacáo da autoridade monárquica; o tei ti­
ra, simbolicamente, o seu poder de Anu, dirctamcatc105. Por is­
so apenas os soberanos o invocam c nào Os homens comuns. £
" o pai dos deuses” (abú iláni) c “o rei dos deuses". Chamam-
lhe " p a i" K,i, mais no sentido dc autoridade soberana do que no
sentido familiar.
No código de Hammurabi é invocado como “ rei dos
Anunnaki" e os seus epítetos mais comuns são: H sham i, "deus
do Céu” , ab shami, "pai dos Céus” , shar shami, “ rei dos Céus” .
A pròpna realeza descende do Céu107.
As estrelas compõem o seu exército'0*, pois Anu, como so­
berano universal, é um deus guerreiro (cf. "O senhor dos exérci­
tos" na Bíblia). A sua festa principal coincide com o conicco do
Ano Novo, portanto com a comemoração da criacáo do mundo
($ 153). Mas com o passai dos tempos a festa do Ano Novo aca­
bou por ser consagrada a Marduk. deus mais jovem (a sua pro­
moção dara do tempo de Hammurabi, ou seja. ccrca dc 2150
a.C ), mais dinâmico <luta com o monstro marinho Tiantat e
mata o) c sobretudo criador (Marduk criou o mundo a partir do
corpo dc Tiamat). Esta substituição de Marduk na festa princi­
pal dc Anu corresponde à promoção de Enlil-Bcl. divindade do
céu tempestuoso, chuvoso e fecundante, à categoria de deus su­
premo babilónico ($ 27). As consequências dessas substituições
dc divindade dinâmicas, criadoras e accssivcis. scrào mais clara-
nientc reveladas na> páginas seguintes.20

20. Dyaus, Yanrna — Nâo vamos entrar aqui na discussão


respeitante a Diêus, o deus hipotético do céu luminoso, comum
O DEUSES V R A M A N O S 63

•i iodas as tribos arianas. O certo c que o indiano Dyaus, o itáli­


co Júpiter, o heleno Ze»is, assim como o deus germânico Tyr-Zio.
»Ao formas históricas, evoluídas, dessa divindade celeste primor­
dial. c até nos seus nomes revelam o binômio originário "luz
(dia)"-‘‘sagrado" (cf. o sfmsciito div, “ brilhar” , "d ia” , dyaus.
"céu” , “ dia” ; dias. dfes: deivos. divus). Os nomes dessas divin­
dades supremas indo-aiianas revelam os seus lacos orgânicos com
0 Céu sereno, brilhante. Mas isso não significa, como crécm mui
los estudiosos1™, que toda a manifestação meteorológica — tem­
pestade, raio, trovüo — estava ausente na intuição do Deus ori-
ninátio. Os deuses mais primitivos do CsHi (por exemplo: Baia-
me, Daramulun, etc., <f. § 12) dirigiam os fenômenos meteoro­
lógicos c tinham como atributo principal o taio. O simples fato
de o nonie do deus ariano fazer ressaltar o seu caráter brilhante
r ureno nào exclui as outras teofanias uranianas (os furacões.
ii chuva) da personalidade de Dicus. Ê verdade que, como vere­
mos mais adiante (§ 26), grande pane desses deuses do Céu se
"especializaram” e se tornaram divindades da tempestade c da
fecundidade. Mas é necessário explicar essas especializações ul­
teriores poi processos hem conhecidos na história das religiões
(a tendência para o concreto; a transformação da idéia de "cria-
çAo” na de “ fecundidade", etc.); seja como for. essas especiali­
zações não impedem a coexistência das funções meteorológicas
na intuição de um deus do céu brilhante.
As formas históricas das divindades celestes indo-arianas di­
ficilmente se poderiam reduzir a uma teoíauia ou a uma série de
teofanias uranianas. A sua personalidade c tnais rica. as suas fun­
ções mais complexas. A sacralidadc que concentram c que diri
ji.ciu revela-se distribuída por zonas múltiplas c estas zonas nem
sempre tem uma estrutura cósmica. Um elemento decisivo na per­
sonalidade de todas essas divindades é a sua soberania-, e não |io­
demos explicar complctamctUe os prestígios da soberania pelo sa­
grado celeste. Seja, por exemplo, o caso do deus indo-ariano do
Céu. Dyaus raramente aparece nos Vedas e na literatura pás-
váliva sob a forma de uma divindade propriamente di!aliu. ser­
vindo o seu nome geralmentc para a denominação do "céu” ou
do "d ia " (dyavi dyavi: "d o dia ao dia” ). Tempo houve em que
1íyaus gozou ccrtameiitc da autonomia de uma verdadeira divin-
tl.tdc c certas e aractcristicas suas ficaram conservadas nos textos
védicos: o par Dyavâprithiví. *‘o Céu e a T e rra " " ', a invocação
ao "Ccu P a i"112, ao "C éu que tudo sabc"lu . A hicrogamia, a
64 TRATAD O D E HISTÓRIA D A S RFJ.IGIÕES

oniscicncia, o poder de criar são os atributos específicos de uma


divindade celeste real. Mas Dyaus foi objeto de um processo de
especialização “ naturista” , isto é. que deixa de scr rcvcludor da
socraiidode uraniana para se transformar cm uma expressão le­
xical designativa dos fenômenos diurnos uranianos (“ céu” ,
“ dia” ). Trata-se ainda aqui de um resultado da s-ua “ passivida­
de” ; o sagrado retira-se dos fenômenos cósmicos e os termos que
serviam para a denominação do sagrado acabam por se tornar
tentas profanos; a divindade do Céu dá lugar a uma palavra que
exprime o “ céu” c o "fenômeno diurno” . Mas esta laicização
de Dyaus não significa a abolição ou o enfraquecimento da teo-
fania celeste; significa pura c simplesmente a substit uiçào de Dyaus
por uma outra divindade. Ao “ naturalizar-se", ao deixar de ex­
primir o sagrado celeste. Dyaus deixa dc desempenhar a função
de um deus supremo uraniano.
liste processo efetuou-se muito cedo. visto que desde o co­
meço da época védica o lugar dc Dyaus foi ocupa.do por um ou­
tro deus, Varuna (u-ru-va-na nas insciiçôes de Bogliazkeui, séc.
XIV a.C.), que conservou os atributos uranianos, mas que no en­
tanto não se pode reduzir exdusivamcntc a uma divindade do Céu.
B certo que Varuna c viçva-darçata, “ visível por toda a par­
te” ' M, que foi ele quem “ separou os dois mundos” 115, que o
vento é a exalação da sua respiração“ 6, que. juntamente com
Mitra, c venerado como “ os dois poderosos e sublimes senhores
do C éu", e “com nuvens difcrcntcmcnte coloridas aparece no pri­
meiro ribombar do trovão, e fa2 com que o Céu nos mande a
chuva, poi um milagre divirto” , c “ no ccu explana a sua obra
miraculosa” “ 7. Varurra logo adquiriu características lunares11*
c pluviosas, a ponto de, com o tempo, se tornaj um a divindade
do oceanonv. Essas duas metamorfoses poderiam cxplicar-sc
partindo da sua estrutura uraniana original. A substituição das
divindades lunares ou, em geral, a fusão dos elementos lunares
com as figuras divinas primordiais c um fenômeno freqüente na
história das rcligiòes. Os ritmos lunares comandam as chuvas e
as águas; o privilégio pluvial das divindades uranianas passa, as­
sim. para as divindades lunares.
Podemos explicar também outras funções e prestígios de Va­
runa, sempre pela sua estrutura uraniana original; por exemplo,
a sua oniscicncia. "É do Ccu que descem os seus espiões, que vêm
observar a Terra com os seus milhares de olhos. O rei Vai una
vê tudo... E também contou as vezes que os homens piscaram
O CÉU: DEUSES V R A SIA X O S 65

os olhos...” ,:ü Vam/ia é onisciente e infalível, “ conhece o rasto


das aves que voam no ar... conhece a direção do vento... é ele o
que tudo sabe, o que espia todos os segredos, todas as ações e to­
das as intenções..."121. Juntamente com Mitra, coloca espiões nas
plantas e nas casas, pois estes deuses jamais fecham os olhos122.
Varu/ia é suhasráksha, “ o dos mil olhos“ 1*'-', fórmula mítica das
estrelas, metáfora que designa, pelo menos na origem, uma divin­
dade uraniana124. Varu/ra não c o único que tem “ mil olhos". In-
dra e Vâyulí5, Agni131’ e Purusha127 tamhcm os possuem. Pode­
mos estabelecer um a relação entre os dois primeiros e as regiões
uranianas (tempestade, ventos), mas Agni é o deus do fogoe, quan­
to a Purusha. c o macrant/iropoi mítico. A sua qualidade de pos­
suir mil olhos não se deve aos seus prestígios celestes, mas ao fato
dc terem sido considerados como deuses oniscientes c onipoten-
le s. isio ti. w b e ra im nos hinos que lhes sào dirigidos.

21. Varnrra e a soberania — Dc fato, para voltarmos á ques­


tão dc saber sc Vaiu/ra pode scr cxclusivamcntc considerado co-
mo uma divindade- uraniana, diremos que nos textos védicos nem
sempre se evidenciam os caracteres celestes de Varuwa, mas sim
a sua qualidade dc soberano. "N a verdade. Varu/ra é o Kshatra
por excelência” i:*. c H. Güntcrt:2í c Dumczil130 demonstraram,
cm fórmulas felizes, este caráter fundamental dc Varu/ia. Os fieis
sentem-se “ como escravos” na presença dc Varuwa151 c a atitu­
de humilde é um caráter exclusivo do culto deste deus1'*. Como
soberano universal. Varuna e o guardião das normas e da ordem
cósmica. Por isso cie "v ê" tudo c nenhum pecado lhe escapa,
por mais escondido; a ele se dirige o homem que sc sente frustra­
do, para lhe perguntar que faltas cometeu, cm que o ofendeu1" ,
í: o fiador de todos os contratos estabelecidos entre os homens,
"enredando o s" pelos seus juramentos. Varu/ra coloca nesse es­
tado de “ enredamento" aquele que deseja deitar a perder: os ho­
mens temem as “ redes” dc Varu/ra1" . esses lacos que os parali­
sam c os esgotam. Varuwa c a divindade que “ enreda” *, privile­
gio que têm também outros deuses soberanos <§ 23) e que traí
as suas capacidades mágicas, a possessão do poder de ordem es­
piritual. do poder real por excelência.

• No ooginal <jv< "Ut"; poSmamov « ratem tradudr por "lifo". "ora",


"prtnót", "contpromtK". (N.T pottuiuèi)
66 T Z A T A D O DE HJSTÓfUA D A S JU-UCJOES

Até o nome de Vam «a se explica por esta fácu idade de li­


gar: pois, rcnunuatxJo à etimologia w/-(vrncti), “ co-brir” , “ en­
cerrar” (que evidenciava o teu caráter uratiiano), segne-se hoje
a interpretação proposta por H. Pctcrsson c aceita por
Cíüntcrt1” , c faz-se dcrivá-la da raiz irdo-européia r«v, "fitar”
(sânscr. varoirâ, “ correia, corda” ; letílo, wfnt, \ren, ‘‘enfiar, bor­
d ar"; russo, vcrenicc. *'fila ininterrupta” ). Vani/za è sempre re­
presentado com uma corda na m ào,w, c muitas cerimônias têm
por fim livrar os homens “ dos laços ik: Var una” (até os nós são
varunianos)’-'7.
Ainda que esta faculdade de “ enredar” tenha sido amplia­
da pelas ulteriores influencias ciõnkas c lunares sofridas por
Vaiu/ra15*, põe em evidência a essência mágica da sobeiania des­
te deus. Dumézil, completando a interpretação dc G üntenm
acerca dos valores mágicos dos “ laços" c das "redes” , póc cm
destaque, c muito justamente, a sua função real. "V .inw a é, por
excelência, o senhor da tnáyâ. do prestígio mágico. Os lacos dc
Varu/ra sáo Ião mágicos como mágica c a própria soberania; são
o simbolo das forças místicas que o chefe delém e se chamam:
a justiça, a administração, a segurança real c pública, tedos os
'poderes*. Na índia c cm outros locais, o cetro e os vínculos, (landa
e páfã/i, partilham o privilégio de representar tudo isto.” ,w As­
sim. Varuna preside a cerimônia indiana da consagração real;
aliás, râjaxúya mais r.áo faz do que leproduzir a consagração ar-
quetípica que o primeiro soberano. Varu/ra. realizou cm seu pró­
prio provcitoI4!.
Por isso seria eiro não só considerar Varuna excl usivamcntc
um deus do céu. como também explicar a sua personalidade, o
seu mito e os seus ritos unicamente poi elementos uranianos. Va­
runa e outros deuses considerados celestes são figuras comple­
xas; não podemos reduzi-ios a epifanias "naturistas” nem limitá-
los a funçòcs sociais. Os prestígios da soberania aumentaram e
multiplicaram os prestígios celestes; Varu/ra vê c sabe tudo por­
que da sua morada sideral domina o Universo; mas. do mesmo
modo, pode tudo, pois é cosinocrata e pune os que infringem as
leis, “ enredando-os" (pela doença, pela incapacidade), c porque
é o guardião da ordem universal, t claro que cm todas as suas
atribuições c nas suas funções isersiste uma noto comum: o cará­
ter SêféllO, sãgfásló. pã<<iVO, digáillós. dàsuá "força” . Não der­
roga um só dos seus direitos, nada tem a conquistar nem precisa
lutar para adquirir qualquer coisa (como lndra, por exemplo);
O CEU: DEUSES U R A N IA V O S 67

d todo-poderoso, ^soberano, embora permaneça contemplativo


(“ c um sacerdote que freqüenta as assembléias’’1'0 ). Varu«a é
rei. não por si mesmo (svaráj. como Indra), é samrâj, Rei
universal143. Isto c, o poder pcrtcncc-lhc por direito, cm virtude
da sua própria maneira de ser. e permite-lhe agir pela magia, pe­
lo “ poder do espirito’’, pelo “ conhecimento” .
Descobrimos assim uma simetria notável entre o que pode­
ríamos chamar a “ estrutura celeste" e a “ estrutura real de Varu-
;.’a” , as quais se correspondem e completam mutuamente; o Céu
é transcendente c único, exatamente como o soberano universal;
a tendência para a passividade c manifesta cm todos os deuses
supremos do Ccu, que vivem nas regiões superiores, longe do ho­
mem e. de certo modo, indiferentes às suas necessidades cotidia­
nas. Encontramos também em Vanma esta passividade das figu­
ras supremas celestes primitivas; é a sua natureza contemplativa,
a sua faculdade de fazer agir. não por meios físicos, como Indra.
mas por forças mágicas, espirituais. Encontramos a mesma si­
metria entre os atributos das divindades celestes dos primitivos
c do soberano universal; tanto um conto outro garantem a or­
dem e a fecundidade da natureza pelo simples respeito das leis;
a chuva assegura a fertilidade, mas as infrações às leis. "os peca­
dos” . põem cm perigo o funcionamento normal dos ritmos, amea­
çando assim a própria vida da sociedade c da Natureza. Iremos
ver que o soberano ê a garantia da ordem e da fecundidade ter­
restre, nâo só no mico como também na realidade cultural. Mas
impoita desde ,iú chamar a atenção para o fato de que esta noção
de soberania universal, cxclusivamcntc exercida por meios espi­
rituais, mágicos, sc pôde precisar c desenvolver, cm grande par­
te, graças à intuição da transcendência do Céu. Tal intuição, ao
germinar em planos múltiplos, tornou possível a elaboração da
ampla construção d a “ soberania mágica” . Mas. por sua vez. a
teoria da "soberania mágica" influenciou de maneira decisiva a
figura originária do deus celeste. Assim, não se pode considerar
Varwta simplesmente como um deus do Ccu, pelo menos sob a
sua forma “ histórica” (isto é, tal como é representado nos docu­
mentos védicos e pó-s védicos), como também não pode ser de­
signado por deus lunar ou oceânico. Pois d e é. ou tende a ser.
todas estas divindades simultaneamente, c c ao mesmo tcm(X) o
tleus soberano por excelência.
68 TR A TA D O P E H IST Ô R H IMS R E U C IÔ LS

22. Denso crlestes iranianos — Também os iranianos conhe­


cem um deus supremo celeste; pois. segundo Hciódoto (I. 131),
subiam "até as mais altas montanhas para oferecerem sacrifícios
a Zeus. cujo nome tornam extensivo a toda a amplidão circular
do C éu". Não sabemos qual era o nome deste deus celeste pii-
mordial nas línguas iranianas. A divindade que encontramos no
A vesta c que Zaraihusrra tentou transfigurar, colocando-a no cen­
tro da sua reforma religiosa, chama-se Ahura Mazda, "Senhor
Sabedoria” , "onisciente" Ura dos seus epítetos £ vuru cashàni,
" o grande vidente” 144, o que nos mostra uma estrutura urania-
n3. Mas a reforma de Zarathustra purificou Ahura Mazda dos
seus elementos naturistas e é sobretudo nos textos tardios — rc
fletindo um retorno ao amigo politeísmo iraniano — que se en­
contram os indícios mais concretos do velho deus celeste.
Desde 0 início dos estudos comparativos se viu em Ahura
Mazda uma figura correspondente a Varu/ia. Ainda que esta ho-
mologia tenha sido contestada por alguns estudiosos145, nâo ve­
mos razóes sérias para a abandonar. As características comuns
reveladas há cinquenta anos por Oldenberg1“ mostram-se bas­
tante convincentes; tal como Varuna, Ahura Mazda i o "deus
soberano” 147. Uma fórmula avesta arcaica bem frequente é
Mi//»ra-Ahural4\ onde Mir/rra está associada a um Ahura que
nâo é ainda o Ahura Mazda dos tempos históricos mas faz lem­
brar sobretudo o Asura | ku excelência dos textos védtcos, Varu­
na; o avéstico Mir/rra-Ahura corresponde assim ao binômio vé-
dico Mitra-varuna. Não nos é possível ir tão longe como foi
Heitel149, conto Nybrrg150 e Widcngren151. c ver em Mir/ira o céu
noturno e em Ahura Mazda o céu diurno. Porem, náo há dúvida
nenhuma de que a estrutura celeste transparece na epifania Ahu­
ra Mazda: tem “ por vestuário a sólida abóbada d o cêu",,\ faz
com que a chuva caia por todos os lados a fim de alimentar o
homem "piedoso e os animais úteis"153, chamam-lhe "aquele
que muito vê. o que melhor de todos vê, o que ve ao longe, o
que melhor de todos vê ao longe, o que espia, o que sabe. o que
melhor conhece"'5*, " o que não engana’’155, “o que sabe...: c
infalível, dotado de uma inteligência infalível, onisciente"156.
"N ào é possível enganar Ahura, que observa tu d o ." 157 Como os
outros deuses do céu, Ahura Mazda nunca tem sono c nenhum
narcótico consegue prostrá-lo1u . f: por ivso que nenhum secreto
escapa "ao seu olhar brilhante” 155*. Ahura Mazda é o fiador da
inviolabilidade dos contratos c do respeito pela fxalavra dada;
o C tV : DEUSES V R A M ANOS 69

■liiamlo revelou a Zaratliustra o m otivo por que criou MirAra,


Aluira Mazda disse que iodo o violador de nm pacto (mithra =
contrato) chama a desgraça sobre todo o paísiw. Portanto. ele
t a garantia das boas relações contratuais entre os homens, que
asseguram o equilíbrio das forças cósmicas e a prosperidade ge­
ral. essa também a razão pela qual Mi/Ara é onisciente, pela
qual possui dez mil olhos e mil orelhas1"1 e. tal como Ahura
Mazda, c infalível, poderoso, insone, vigilante1*0: c também é
chamado “ o que nao pode set ludibriado" (adaoyamná) e "onis­
ciente" {vispó. vulva).
No entanto, todos estes atributos e funções nào implicam so­
mente uma epifania uianiana, mas também outros prestígios, por
exemplo o da soberania''M. Ahura Mazda vê c sabe tudo, nào só
porque i o deus do céu, mas também porque, na sua qualidade
de soberano, é o guardião das leis c o punidor dos culpados; de­
vido a essa soberania, tem ele de garantir a boa organização e
a prosperidade da natureza e da sociedade, simultaneamente, pois
uma vó infração poderia comprometer o equilíbrio existente em
todos os níveis cósmicos. O estado dos textos religiosos irania­
nos — em primeiro lugai. devido à reforma de Zaratliustra —
é demasiado insuficiente para nos permitir a reconstituição da fi
gura originária de Ahura Mazda como deus celeste, l emos até
o direito de perguntar se Ahura Mazda chegou alguma vez. a ser
um deus celeste, pura c simplesmente, se. visto ser um deus su­
premo. não seria também já. competitivamente, o deus do
dcstino,w. o arquétipo, ao mesmo tempo, do soberano e do
sacerdote1*5, o deus bissexuado1*4, isto c. se nào se teria revela­
do. desde o começo da sua "história” , como uma teofania com­
plexa. em que os elementos uranianos ccrtamcntc desempenha­
riam um papel inqsortantc, mas em caso nenhum exclusivo.
Também nào podemos deixar de destacar a concepção pré-
/arathustriana de um Ahura Mazda deus otiosus'*'', que não c
diretamente criador, mas, através do s/>euia muinyu,N\ isto c,
por intetmédio de um "bom espirito” , réplica do demiurgo que
acompanha o ser celeste supremo nas religiões primitivas. O fe­
nômeno é demasiado geral para que não corresponda a uma ten­
dência fundamental da vida religiosa, acerca da qual voltaremos
a falar. No caso de Ahura Mazda, este fenômeno foi contraria­
do pela reforma de Zaratliustra, do mesmo modo que muitos rc
formadores religiosos (Moisés, os profetas. Maomé) tinham te-
vivificado os antigos deuses supremos celestes, empedernidos na
1« I K A T A D O DF HTTTOJUA VX4-S HFUG/ÓES

Sua modalidade de dei otiosi c substituídas, c i <xjxriincia reli­


giosa das massas, por figuras divinas mais concretas« tnjisdinã-
inicas tos deuses :1a fecundidade. as grandes deusas, etc.). Po­
rem. a reforma r«L»x>sa implica unta evpcijência do saltado mui­
to diferente daquela dc que nos ocupamos nesie lõ-Mo, e a seu
estudo será retomado num futuro trabalho, com mais proveito.

23. Uranos — Na Grécia, Uranos conservou mais nitidamente


os síus caracteres naturistas; ele í o Céu. Hesiodo apresenta-no­
lo1'1' aproximar,do-sc e expandindo-se em todos os sentidos,
quando, ‘’eompleumcntc ávido de atnoi'* c trazendo consigo a
ncite. vem envolver a Terra. Esta hicrogarnia cósmica revela a
vocação c d « e , Mas. alem do m ito. nada m ais r.os restou cie Ura­
nos, nem sequer uma imagem. O seu culto eventual foi usurpado
por outros deuses, em primeiro lugar por Zeus. Com Uranos
confirma-se também esse destino das divindades celestes supre­
mas. que c o dc serem giadualmcntc repelidas pata fora da Jtua-
iidade religiosa, dc suportarem inúmeras usuipafõcs. substitui-
çôcs e fusões, c dc acabarem por ser esquecidas. Uranos. com-
plctamcnteesquecido na religião, sobrevive no mito transmitido
por Hesiodo, mito que. quaisquer que sejíun os rituais nele im-
plieados. corresponde no entanto ao desejo dc conhecer a origem
das coisas. Cem efeito, a principio havia, se r.ào o Ceu unica­
mente, pelo menos também o par divino Céu-Terra1*11. Foi des­
ta hictogamia inesgotável que nasceram os primeiros deuses
(Okcancs, Hypetion. Thcia, Thcmis. Phoebé, Kronos), os Ciclo
pes e outros seres monstruosos. Uranos c:a o macho fecundador
por excelência, assim como o eram todos os deuses do Céu. as­
sim como 0 era. por exemplo, Dyaus (chamado suretah, “ o da
boa semente"171); da unido com sua esposa divina. Prthivi, nas­
ceram os homens e os deuses172.
Mus, ao contrário dos outros deuses celestes, a fecundidade
dc Uranos é perigosa. As criaturas por ele engendradas não se
assemelham às formas que hoje povoam a terra, pois silo mons­
tros (dc cem braços, dc cinquenta olhos, dc imensa estatura, etc.).
Como Uranos os "odiava desde o primeiro dia” (Hesiodo),
escondia-os no corpo da Terra (Gaia), que sofria c gemia. Enco­
rajado por Gaia. o mais novo dos seus filhos, Cronos, espera que
o pai sc aproxime da Teira. como costumava t*3zet sempre ao cair
da noite, corta-lhe o órgão gerador e atira-o ao mar. A mutila-
O CÉU: DEUSES UÉ A N IA N O S 71

ção clc Uranos põe fim às suas criações monstruosas c, por isso
mesmo, ã sua soberania. Conforme mostrou Dumézil'1*este mi­
to tem correspondência no mito da impotência de Varuna c no
ritual da investidura do soberano na índia. Em outro contexto
voltaremos ao complexo dos "perigos da soberania", mas o que
convem observar desde já é o sentido essencial dos dois mitos e
do ritual que lhes corresponde (a regularização e a segurança da
fecundidade). Ê tamisem notável a simetria entre estas duas so­
beranias, a de Varuna e a de Uranos; apesar de toda a evolução
de Uranos no sentido naturista, ele ‘‘foi o primeiro soberano do
universo” 174; a sua filha primogênita chamava se Basiléia175. Tal
como Varuna é por excelência a divindade que ‘‘enreda", tam­
bém Uranos "enreda” os seus filhos, escondendo-os a todos, su-
ccssivamcnic, no corpo de Gaia. Varuna "apoderou-se do alen­
to" do seu filho Bhrigu c mandou-o ao mundo subterrâneo para
estudar176. Quanto aos Ciclopes, Uranos encadeia os e precipita-
os no “ T ártaro"177. O seu sucessor na soberania universal, Cro-
nos, encadeia os seus adversários, e os órficos investem também
Zeus da mesma magia.
O que distingue Uranos dos outros deuses celestes c a sua
fecundidade monstruosa e o ódio que mantinha pelos seus pró­
prios filhos. Todos os deuses celestes sào criadores: fazem o mun
do, os deuses, os seres vivos. A “ fecundidade" é uma especiali­
zação da sua vocação essencial de criadores. “ O Céu santo vive
na cmbriaguês de penetrar o corpo da Terra", relembrava Es­
quilo numa das suas tragédias perdidas, as Danaides’7*. Por is­
so os deuses celestes tias religiões indomediteiiãnicas se identifi­
cam, desta ou daquela maneira, com o touro. O Rig Veda chama
"lo u ro " a Dvausl>a, «; veremos que a maioria dos deuses celes­
tes egcu-oiientais gozava do mesmo prestígio. Mas. no caso de
Uranos, esta fecundidade é perigosa. Conforme notou muito jus-
lumenic P. Mazon no seu comentário á Teogonla de Hcsiodo1*0,
a mutilação de Uranos põe fim à sua odiosa c estéril fecundida­
de. introduzindo no mundo, pelo aparecimento de Afiodite (nas­
cida da espuma ensanguentada do membro gerador uraniano),
a ordem, a fixidez das espécies e tornando assim impossível toda
a procriação desordenada e nociva.
Ainda não foi complctaincntc explicada esta singularidade
ile Uranos, pelo menos tal como é apresentada a nós pelo mito
dr I lesíodo. Porque c ele o único, entre tantos outros deuses ce­
lestes, a procriai indefmidamentc seres monstruosos, que "odeia".
2 TR A TA D O D E HISTÓRIA D A S RELIGIÕES

e dando-se ainda ao cuidado de os “ encadear” no T áiiaro ou


no ventre da Terra? Haverá ai qualquer reminiscência, valoriza­
da no sentido negativo, de “ esse tempo mítico” , esse illud leni-
p us cm qi*e a criação não fixara ainda as suas próprias normas,
onde c que quer que fosse podia nascer do que quer que fosse,
onde 0 loTo sc deitava junto do cordeiro c o leopardo junto do
caboto* Uma das características deste tempo aurorai e paradi­
síaco cia. de fato, a absoluta liberdade, verificada cm todos os
níveis dc rciil e. portanto, também ao nível das espécies. Nume-
tosas tradições nos falam do caráter fluido, monstruoso, dos se­
res q te e m io foram criados, no começo do mundo. A singulari­
dade terogenesica dc Urarx* seria um comentário racionalista des­
tinado a valorizar o regime introduzido por Afrodite c mais tar­
de regularizado por Zeus, regime caracterizado pela fixidez das
« tw d es, pela ordem, pelo equilíbrio e pda hktarquia. lai como
o apresentou o espirito grego? Ou será necessário ser antes na
lula dos Uránidas o processo de substituição dos deuses heléni­
cos às divindades do substrato pré-helénico?

24. Zeus — Qualquer que seja a explicação dessas criações


aberrantes, o certo é ter Uranos desaparecido do culto ainda an­
tes cios tempos históricos. O seu lugar foi ocupado por Zeus, cujo
nome exprime claramenlc a essência celeste. Como Dyaus. Zeus
conserva os valores onomásticos dc "brilho” e " d ia ” *41 c. eti-
mologicamcntc. esse termo está tão relacionado com dios como
com o latim ditx. Mas. evidentemente, não devemos limitar o seu
domínio àquilo a que sc chamou abusivamente “ o céu sereno,
luminoso, brilhante", considerando as suas funções meteoroló­
gicas como desenvolvimentos ulteriores ou influências estrangei­
ras A arma dc Zeus era o taio, e os lugares batidos pelos relâm­
pagos. Enelysia, eram-lhe consagrados. Os títulos d c Zeus são
transparentemente significativos e demonstram mais ou menos
dirctamcntc as suas relações com a tempestade, a chuva, a ferti­
lidade. Assim, c chamado Omcrios e Hyettios (chuvoso). Urios
(o que envia os ventos favoráveis), Astrapios (o que fulmina),
Bromou (o que troveja), etc. Chamam-lhc Georgos (o caseiro da
herdade) e Chtonksx1*-, porque governa a chuva e assegura a fer­
tilidade dos campos. Até o seu aspecto animalesco (Zeus Lycaios,
com o aspecto de um lobo. a quem levavam .sKriíjçios huma­
nos)1*1 se explica ainda pela magia agrícola (os sacrifícios faziam-
sc em tempo dc secas, de flagelos meteorológicos).
O CÉU: DEUSES U R A N IAN O S 73

Já há muito se observou que Zeus. embora divindade do pan­


teão grego, tem rclaiivamcntc menos festividades c um culto mais
reduzido que os outros deuses, e sugenram-se diferentes explica­
ções desta anomalia'*4. De fato, como toda divindade celeste,
nem sempre está presente na vida religiosa; no entanto domina
dois setores importantes: a agricultura e a expiação. Tudo o que
assegura uma boa colheita (a meteorologia, a chuva) c tudo quanto
purifica os pecados cai sob a jurisdição celeste A “ purificação"
e a “ iniciação" pelo raio ou algo que o represente (o rombo, a
pedra de raio) são ritos arcaicos (5 12) que náo somente provam
a antiguidade das divindades celestes mas também a dos seus as­
pectos dramáticos, tempestuosos Fascinados pela etimologia de
Dicus. muitos eruditos esquecem facilmente a unidade de estru­
tura da intuição arcaica das divindades uranianas. Naturalmcn-
le. Zeus é soberano; mas. tnais nitidamente do que os outros deu­
ses celestes, conservou o seu caráter de “ pai” . Fie i Zeus pater
(cf. Dyaus pitar. Júpiter), arquétipo do chefe da família patriar­
cal. As concepções sociológicas das etnias arianas rctlctcm-sc no
seu perfil de pater famílias. Esta função explica Zeus Ktisios, o
“ Hausvater" que os helenos transportaram em todas as suas mi­
grações c que representavam como um verdadeiro genio domes­
tico, sob forma de serpente. Sendo “ pai” c “ soberano” . Zeus
torna-se naturalmcmc a divindade da cidade, Zeus Policnos. e
cra dele que os reis recebiam a sua autoridade. Mas esta polimorfia
pode ser sempre reduzida á mesma estrutura: a supremacia per­
tence ao Pai. isto é, ao Criador, ao artífice de todas as coisas.
F.ste elemento “ criador" existe cvidcntcmcntc em Zeus, náo no
plano cosmogônico (pois não foi ele que fez o universo), mas no
plano biocósmico: ele dirige as fontes da fertilidade, ele é o dono
da chuva. E, visto ser o "fecundador” , c também "criador” (por
vezes é igualmente utn touro. cf. o mito de Europa». Ora, esta
“ criação” dc Zeus depende em primeiro lugar de todo o drama
meteorológico, sobretudo da chuva. A sua supremacia c ao mes­
mo tempo de ordem paternal c soberana: ele gaiantc a boa situa­
ção da família c da Natureza, por um lado pelas suas forças cria­
doras e, por outro, peta sua autoridade dc guardião das normas.25

25. Júpiter, Odin. Taranis. etc. — Tal como Zeus, o Júpiter


itálico era adorado nos lugares elevados. A montanha acumula
um simbolismo múltiplo (§ 31); é “ elevada", está mais perto do
74 IR A I ADO P S HISTÓRIA D A S R S U G IÔ ÍS

Ccu. è o lugar otxJc se reúnem as nuvens c ondc sc desencadeia


a trovoada. O Olimpo lot. sem dúvida, uma montanha privile­
giada; mas Zeus. tal como Jupiter, encontrava-se presente cm
qualquer colina. Os sobrenomes dc Jupiter náo são menos elo-
qüentcs: Liiceiius. Fulgur, I ulguratot. O carvalho era consagra
do a Júpiter (u.vvir. como a Zeus), pois era essa a árvore mais fre­
quentemente atingida pelos raios. O carvalho do Capitólio per­
tencia a Júpiter Fcretrius, qui /c m . “ o que fulmina” , lambem
chamado Júpiter Lapis, rcpiesentado por um sílex. Como todos
os deuses celestes, Júpiter puma pelo raio. c em primeiro lup.ar
castigava aqueles que faltavam à palavra dada. os que violavam
um tratado. Júpiter Lapis consagiava os tratados internacionais;
um fecial matava um poteo cora o sílex consagrado, proclaman­
do: ‘'Sc o povo romano violar o tratado, que Júpiter o fulmine
como cu fulmino agora este porco com a pedrâV Júpiter era tl
divindade suprema, o soberano absoluto; Júpiter Omr.ipotcns.
Júpiter Optinius Maxirnus. Estes títulos sobreviv iam até nos tex­
tos literários: summe deum regnalorl,?; meus pater, deorum reg-
naior. archdeetus omnibus1W, deum regnalor n o d e caeca caelu-
me consppctu abslulit'1', etc. Como verdadeiro soberano cósmi­
co que é, Júpiter intervém na história, nâo pela forca física mili­
tar, como Marte, mas pelo ptestigio da sua magia, Ujniézil1**
pôs a claro esta magia de Júpiter, relembrando um episodic da
história de Roma: quando os sabinos. já assenhoreados do Capi­
tólio, ameaçavam aniquilar pelo pânico o exército romano. Ró-
mulo implora a Júpiter: “ Faz com que acabe o terror dos roma
nos, detém a sua fuga vergonhosa!” No mesmo instante, como
por milagre, a coragem volta aos romanos que contra-atacam e
vencem1*1' Júpiter interviera por “ magia” , atuando diretamen-
te nas suas forças espirituais.
Quando fala da religjào dos senmòcs, Tácilo mencional<0 a
crença da nação germânica num deus supremo, regnator ominium
deus, vem no entanto nos revelar o seu notnc1'“ . Também segun­
do Tácito, os germanos adoravam principalmcnte Mercúrio e
Marte, ou seja. Wothan ("Wofftanaz, o Odin nórdico) e Tyr
(*Tiwaz; amigo allo-alcmào. Zio. em anglo-saxão Tio; de ‘/m n;,
corrcsporideittc a *Dieúv. deivos, dim s, com o sentido genérico
de “ deus"). Tem-sc visto em ’Tíwaz o rcgnalor omnium deus111,
o velhíuimo deus get mànico do Ccu. Tor (Dollar; •Thunraz) i,
como índia c Júpiter, um deus da ieiii|>estade c do combate. En­
contramos também na mitologia germânica, com as variantes inc-
O C£U: D U SES V B A S IA S O S 75

vitávcis. a distinção enirc Uranos. que "enreda” os seus adver­


sários c conhece o fu tu ro (foi e!e quem avisou Cronos do perigo
que o ameaçava), c Zeus, que luta "heroicamente" com os seas
raios, ou entre o "m ágico” Varu/ta c o guerreiro Ir.dra. Tor é.
por excelência, o campeão dos deuses, o arquétipo dos heróis ger­
mânicos; Odin, se Ixm que implicado também cm inúmeros com­
bates, vence sem esforço graças á sua "m agia" (ubiquidade, me­
tamorfose, faculdade de paralisar o adversário pelo medo,
“ manictando-o"). Conforme mostrou Dumézil193, aqui se vê
conservado o arcaico díptico indo-ariano do "soberano mágico”
c do “ sobeiano herói” , do possuidor da forca espiritual e
física194.
Fncontramo-nos assim, no caso de Odin (Wodan) e de Tor
(Donai). na presença de deuses uranianos completados pelos pres­
tígios especializados destes dois tipos dc soberania, e notavelmente
modificados por in fluências e processo* laterais diferentes. Odin
(Wodan) é um caso particularmcnte difícil, furtando-sc a toda
definição demasiado simplificadora. Evoluiu em muitos planos,
apiopriando-sc dos atributos das divindades agrícolas e das di­
vindades da fecundidade, tornando-se também um deus ctônico-
ftinorário, o chefe das almas dos heróis mortos. Nestes últimos
tempos têm sido destacadas as analogias da religião svodanista
com o xamanismo dos nômades do norte c «lo noroeste da
Ásia195. Wodan c o "grande xarnâ", o que fica suspenso na ar­
vore do mundo durante nove noites5*1 e descobre os caracteres
rúnicos, adquirindo assim os seus poderes mágicos (há aqui, sem
dúvida, uma alusão a um rito de iniciação). Até o seu nome reve­
la ser ele o senhor de Wut, o Juror reítgtosus ( Wodan, id est Ju­
ror, Adam von Bremen). A embriagues exuberante, a excitação
mântica, a educação magica das escolas escáldicas, tudo isto tem
as suas analogias nas técnicas xamanistas; o que, em todo caso,
não significa que Odin-Wodan seja uma divindade estranha aos
germanos (corno se tem tentado demonstrar muitas vezes), mas
simplesmente que a sua "especialização" ulterior o forçou a
aproptiar-sc dc privilégios múltiplos e a assemclhar-sc assim aos
tipos divinos e;«Micos.
Os celtas conheciam Taranis, que era indubitavelmente um
deus do ccu tempestuoso (da raiz céltica taran = trovejar; cf. o
irlandês = torann3 "trovão” ). O baila Perkúnas (perkúnas - re­
lâmpago) e o proio-eslavo Pcrun (cf. o polaco piorun - relâmpa­
go) são também deuses celestes supremos, que sc manifestam so-
76 TRA TADO D E HISTO RIA D A S RELIGIÕES

brctudo na tempestade. Tem sido estabelecida aproximação en­


tre os seus nomes e o da divindade vcdica Parjanyas c o germâni­
co Fjõrgyn, mãe de Tor. e reeentemente o de Phorkys, pai das
Plêiades (Krappc, l.es Péléiades). Pelo seu nome (perkus. quer-
cus), e pelo seu culto, estas divindades uranianas revelam estrei­
tas relações entre o carvalho c certas aves anunciadoras do tem­
po (aves anunciadoras da tempestade c da primavera)” 1. Mas,
pelo menos sob a sua forma histórica, revclam-nos uma acentua­
da “ especialização” ; cm primeiro lugar, sáo divindades da tem­
pestade; governam as estações do ano, trazem a chuva e. como
tal, são divindades da fertilidade. O carvalho de Dodona era con­
sagrado a Zeus, mas perto ddc encontravam se os pombos sa­
grados. símbolos da Grande Màc telúrica, o que indica uma an­
tiga hierogamia do deus celeste da tempestade com a Grande Deu­
sa da fecundidade, fenômeno que iremos encontrar em grande
escala.

26. Deuses da tempestade — A ” especÍ3lizaçâo” das divin­


dades celestes cm divindades da tempestade e da chuva, tal como
a acentuação das suas potencialidades fecundantes, c.xplica-se em
grande parte peta estrutura passiva das divindades uranianas e
pela sua tendência a dar lugar a outras hierofanias mais “ con­
cretas” , mais nitidamente personificadas, mais dirctamcntc im­
plicadas na vida cotidiana dos homens. É esse um destino que
deriva, em primeiro lugar, da transcendência do Céu e da pio-
gressiva "sede de concieto” do homem. O processo de “ evolu­
ção” das divindades celestes é muito complexo. Para facilitar a
nossa exposição, distingamos duas linhas de desenvolvimento: 1?.
o deus do Céu, senhor do mundo, soberano absoluto (déspota),
guardião das leis; 2?, o deus do Céu. criador, o leprodutor por
excelência, esposo da Grande Deusa telúrica, distribuidor da chu­
va. H claro que em parte alguma encontramos um destes dois ti­
pos no estado puro, que as linhas dc desenvolvimento jantais são
paralelas, antes se entrecruzam sem cessar, que o "soberano" é
ao mesmo tempo distribuidor da chuva e que o fecundador c tam­
bém um déspota. Mas o que podemos afirmar sem hesitação c
que o processo de especialização tende a delimitar com bastante
precisão os campos de jurisdição destes dois tipos divinos.
Como exemplo típico da primeira classe — dos soberanos
e dos guardiães das leis — citemos T ien , S'aruna. Ahura, Maz-
O CÉU DEUSES U R A N IA S O S 77

da. A segunda classe — a dos "fecundadores" — é morfologica­


mente mais rica. Mas notemos cm todas as figuras deste grupo
as seguintes características constantes: a hierogamia com a deusa
Terra; o trovão, a tempestade, a chuva; as relações rituais e míti­
cas com o touro. E ntie os deuses desta segunda classe — "fecun­
dadores” mas também "deuses da tempestade" — podemos ci­
tar Zeus, Min e o deus hitita, c ainda Parjanya, Indra. Rudra.
Adad, Baal, Júpiter, Dolichenus, Tor; numa palavra, os chama­
dos deuses da tempestade. É claro, cada uma das divindades aci­
ma citadas tem a sua "história” própria, que a diferencia mais
ou menos nitidamente do seu vizinho de série; naquilo a que, com
uma visão química da mitologia, sc chamou a sua “ composição",
entram diversos componentes. Mas faremos uma idéia mais cla­
ra dc tudo quando nos ocuparmos também da "form a” dos deu-
ves e não apenas d a sua “ força” . Por agora, neste parágrafo
interessamo-nos em primeiro lugar pelos seus elementos dc uni­
dade, pelas suas valências comuns. As mais importantes são: a
força genésica (c, como tal, a sua relação com o touro, sendo a
Terra frequentemente representada sob a forma de vaca), o tro­
vão c a chuva. Ou seja, cm suma. as epifanias da força e da vio­
lência. molas indispensáveis das energias que asseguram a fertili­
dade biocósmica. As divindades da atmosfera são. indubitavel­
mente, as especializações das divindades celestes, mas, por mui­
to excessiva que soja esta “ especialização” , nào consegue abolir
o seu caráter uraniano. Assim, somos levados a classificar as cha­
madas divindades d a tempestade ao lado das divindades propria­
mente ditas; e encontramos em ambas os mesmos prestígios c os
mesmos atributos.
Tomemos, por exemplo, o caso dc Parjanya, a divindade su­
prema da tempestade. A sua estrutura celeste é evidente: Parja­
nya c filho dc Dyaus,w c, por vezes, é confundido com de. como
sucede, por exemplo, quando é considerado como esposo da deusa
da Terra. Prithvi,y*. Parjanya reina sobre as águas e sobre to­
dos os seres vivos-’’50, envia as chuvas101, assegura a fecundidade
dos homens, dos animais e da vegetação002, c todo o universo es­
tremece perante as tempestades que ele desencadeia. Patjanya,
mais dinâmico c mais concreto que Dyaus. mantém com maior
êxito o seu lugar no panteão indiano. Mas esse lugar deixou dc
ser supremo. Parjanya náo "sabe" tudo, como Dyaus, e nào é
soberano como Vanuia. A sua especialização delimitou o seu do­
mínio, e, mais, até neste mesmo domínio não c invulnerável. Uma
78 TR A TA D O OE HISTÓRIA f>AS R Cl IGIÔES

outra hicrofania da tempesiade e da energia fertilizante poderá


substitui-lo desde que novos ritos c novas criações míticas o re­
clamem.
É precisamente o que acontece nos tempos vcdicos. Parja-
nya apaga-se perante Indra. o mais popular dos deuses vcdicos
(somente no Rig Veda nada menos do que 250 hirvos lhe sAo de­
dicados. cm comparação com os 10 dedicados a Varuna e os 35
a Mitra, a Varu/ta c aos Adityas em conjunto). Indra é o "he­
rói" por excelência, guerreiro temerário de energia indomável,
vencedor do monstro Vritra (que tinha usurpado as águas), insa­
ciável consumidor de soma*. Qualquer que seja a inteipretaçáo
que se proponha, não podemos escamoteai as valências cósmi­
cas de Indra e a sua vocação dcmiúrgica. Indra tecobre o ccux \
c maior do que a Terra inteira'04, traz o céu como diadema**,
c são assustadoras as quantidades de soma que pode engolir; pois
não é capaz de absorver três lagos dele, de um trago?3*' tb n o .
assim, de soma, mata Vritra. desencadeia as tempestades, faz tre­
mer os ares. Tudo quanto Indra faz transborda de força e de jac­
tância, pois é uma pujante realização de exuberância da vida. da
energia cósmica c biológica; c ele que faz com que circulem as
seivas e o sangue, que anima os germes, dá livre curso ás águas
c á chuva contida nas nuvens. O raio (vajra) foi a aim a com que
matou Vritra. c os Maruts, divindades menores d a tempestade,
cujo chefe c Indra. possuem igualmente esta arma divina. "N as­
cidos do rir do relâmpago” 337, os Maruts sáo invocados cm vá­
rias ocasiões, para que não lancem os seus "projéteis" sobre os
homens c o gado, e nSo os matem208.
A tempestade é. por excelência, o desencadeamento pode
roso das forças criadoras; Indra verte as chuvas c comanda to­
das as substâncias hídricas c hidrantes, sendo ao mesmo tempo
a divindade da fertilidade209 c o arquétipo das forças genési­
cas210. Ê urvàxapati, " o senhor dos campos” , e sirapali, " o se­
nhor da charrua"; é também " o touro da terra” 211, o fecunda­
dor dos campos, dos animais c das mulheres212. " É Indra o pro­
criador dos animais"2,, e nas bodas dos casamentos invocam-no
para que conceda dez filhos àquela que acaba de s< casar214; inu-

■ Itálico d» tradutora: "E ra * set«a. o mel da imeeuHdaiSe que u f. t Sguia


levava ao» nvocuo (Sarvdharva). servido conto oíetctxlu ao» Jeusct c atnsrvitJo
pdos horoens parq comunKur com o mundo divino. O sortia C o símbolo da cro
b iia ju ís sustada" {Diàonnaire <Urs Sjmbota. Ed. Robcn Laífcnt).
O CÉU: DEUSES V R A M ANOS 79

moráveis invocações215 se referem à sua força genésica inesgotá­


vel. Todos os atributos e todos os prestígios de Indra são solidá­
rios c os domínios por de dirigidos estão cm correspondência. Quer
se trate dos raios que atingem Vritra c libertam as águas, da tem
pestade que precede a chuva ou da absorção de quantidades fa­
bulosas de soma. d a fertilização dos campos ou das suas possibi­
lidades eróticas gigantescas, encontramo-nos sempre perante uma
epifania da força vital. O tnais ínfimo dos seus gestos nasce dessa
plenitude transbordante, assim como a sua jactância c a sua fan­
farronice. O mito de Índia exprime admiravelmente a unidade pro­
funda que existe entre todas as manifestações plenas da vida. A
dinâmica da fecundidade é a mesma em todos os níveis cósmicos
c a linguagem revela frcqiieniemcntc tanto a solidariedade de to­
dos os instrumentos fertilizantes como a sua descendência comum;
climologicamente. vanha, “ chuva", csii próxima de vrishan,
“ macho". Indra agita meessantemente as forças cósmicas, fazendo
assim circular no universo inteiro a energia biocspcrmática. O re­
servatório da sua vitalidade é inesgotável c c sobre este reservató­
rio que se fundam as esperanças do homem116. Mas Indra não é
criador, promove por lodo o lado a vida c a distribui vitoriosa­
mente no universo- inteiro, mas n áo a cria. A função criadora, de
que toda a divindade uraniana está provida, “ cspccializou-se" em
Indra numa missão genésica e vitalizante.27

27. Os fecundadores — Indra c constantemeiite comparado


a um touro217. A sua réplica iraniana, Vcrcthragna. aparece a
Zarathustra sob a forma de touro, de garanhão, de carneiro, bo­
de c javali21*, ou seja, "outios tantos símbolos do espírito ma­
cho c combativo, dos poderes elementares do sangue"119. Ãs ve­
zes Indra é tambcin chamado carneiro (mesha)111'. Estas mesmas
epifanias animais encontram-se em Rudra, divindade pré-ariana
assimilada por Indra. Rudra c o pai dos Maruts c, cm certo
hino’21, lembra-se que " o louro Rudra os criou nas tetas bran­
cas de Prislmi". Sob a sua forma taurina, a divindade genésica,
uniu-se a uma deusa-vaca de tamanho cósmico. Prishni c um dos
seus nomes; Sabardughü vem a ser outro, mas trata-se sempre
de uma vaca que procria tudo. No Rig Veder~ fala-se “ de uma
vaca vishvarúpa que tudo vivifica” ; no A thana Veder1- a vaca
une-se succssivamente a todos os deuses e procria cm todos ôS
planos cósmicos; "os deuses vivem da vaca, assim como os ho
80 T R A T A D O H t HISTÓRIA D A S RELIGIÕES

mens; a vaca tornou este universo tão vasto como o império do


soT’- J. Aditi, ir.áe das divindades supremas Adityas, c também
represer.tíida como uma vaca2*5.
l-jta "especialização” genésico-taurina da divindade da at­
mosfera c da fertilidade n3o se verifica somente no domínio in­
diano. encontramo-la também numa área afro-asíática muito ex-
tenta. Mus notemos desde já que semelhante “ especialização”
revela igualmentc influencias exteriores, sejam de ordem étnica
(os dentemos “ do Sul” , de que falam os etnólogos), quer de or­
dem religiosa Indra, por exemplo, apresenta vestígios de influên­
cias extra-arianas (Rudra), mas o que nos interessa muito mais
por ora c o fato de a sua personalidade ter s:do alterada c acres­
centada por elementos que não lhe pertencem como deus da chu­
va. dos furacões c da fertilidade cósmica. As suas relações com
o touro e com o soma. por exemplo. confcrcm-Ihc prestígios
lunares32*. A Lua governa as águas c as chuvas e distribui a fe­
cundidade universal (§§ 49 ss.); os chifres do touro foram muito
cedo assimilados ao crescente lunar. Em breve voltaremos a tra­
tar de todos esses complexos culturais, fixemos, no entanto, que
a especialização genésica obriga as divindades celestes a absorver
na sua personalidade todas as hierofanias diretamente relaciona­
das com a fecundidade universal. Na medida cm que acentua as
suas funções meteorológicas (tempestade, raio, chuva) e genési­
cas, um deus edeste necessariamente se torna não só o parceiro
da Grande-Mãe ctõnico-lunar, como também assimila os seus atri­
butos; no caso de Indra é o soma, o touro e talvez até certos as­
pectos dos Maruts (na medida em que eles hspostasram as almas
errantes dos mortos).
O touro c o raio foram desde muito cedo (a partir de 2400
a.C .) os símbolos conjugados das divindades atmosféricas07.
Nas culturas arcaicas o mugir do touro foi assimilado ao furacão
c ao trovão (cf. o bull-roarer entre os australianos); ora, tanto
um como outro eram uma epifania da força fecundante. Por is­
so encontramos constamcmcnte na iconografia os ritos c os mi­
tos de todas as divindades atmosféricas da área aíra-asiãtica. Na
índia pté-ariana, o touro estava presente nos cultos proto-
Itislôrkros de Mohcnjodaro c do Ikluchistáo. Os “ jogos de tou­
ros” , que existem ainda hoje no DccJo e na índia de Sul2ia, exis­
tiam na índia pré-védica no terceiro milénio a.C. (selo de Chau-
hudaro, c. 2500 a.C.). Os pré drávidas, os drávidas e os indo-
arianos veneraram todos o touro, quer como epifania do deus
O CÊU: OEUSES UR A M A N O S 81

genésico-atmosférico, quer como uni dos seus atributos. As ima­


gens taurinas abundam nos templos de Shiva. que tem por veicu­
lo (vãhaná) o touro Nandin. O caranésio Kô, palavra que desig­
na o bovideo, significa também céu, faísca, raio de luz. água. chi­
fre, monte229. O complexo religioso Ccu-raio-fccundidadc
encontra-se conservado aqui da maneira mais completa possível.
O tamul Kôfnf tem o sentido de ‘’divindade” , mas o plural Kôn-
úr significa "vaqueiros” 255. É possível que exista uma relação en­
tre estes termos dravidianos e o sãnscrito gdw (ind.-eur. g“ou) c
o suniétio gu(d). que significa ao mcsino tempo “ touro” c "p o ­
deroso, corajoso” 23' . Também c conveniente mencionar a ori­
gem comum dos termos semitas greco-latinos para touro (cf. o
assírio shüru. o hebr. shôr, o fenício thõr, etc., c o grego taurns,
lat. íaurus), o que confirma a unidade deste complexo religioso.
No Irü eram frtxjücmcs os sacrifícios do touro c Zaraihus-
tra infatigavelmente os combateu2’2. Em Ur. no terceiro milénio,
o deus da atmosfera era repiesentado por um touro2’3 c " o deus
por quem se jura” (isto c, na origem, um deus celeste) era tauro-
mórfico, tanto na antiga Assíria como na Ásia Menor23*. A este
respeito é muito significativa a supremacia que adquiriram os deu­
ses da tempestade, do tipo de Teshup, Hadad, Baal, nos cultos
palco-orientais. í. conveniente demorarmo-nos um pouco mais
com essas divindades. Não conhecemos o nome do deus supre­
mo dos hititas, o esposo da deusa Arinna; erradamente pensou-
se que se chamava Zash/mpunah235. O seu nome era escrito por
meio dc dois ideogramas dc origem babilónica, U e I M. A leitu­
ra deste ideograma em língua lúvia era Dattash. e os hurritas
chamavam-lhe Teshup. Era um deus do Céu c da tempestade, dos
ventos c dos raios. (Em acadiano. o ideograma I M tinha os va­
lores de zunnu, "ch u v a", sharu, "vento", renwnu, " tro ­
vão".}231'' Os seus títulos evidenciam o seu prestígio celeste e a sua
categoria de soberano absoluto: “ Rei do C éu". "Senhor da na­
ção H atti". O epíteto mais frequente é o dc "todo-poderoso"
c o seu símbolo c o raio, o machado ou a maçã2’7.
Lembremo-nos cie que em todas as culturas palco-orientais
o poder era sobretudo simbolizado pelo touro: cm acadiano, “ par­
tir os chifres” equivale a “ perder o poder” 2’*. A deusa Arinna
era também representada de modo tauromórfico (encontraram-
se imagens suas nos templos) c o touro era o seu animal sagrado.
Nos textos, os dois touros míticos, Scrish e Hurrish. são-lhe
consagrados239 ou, segundo alguns estudiosos2*5, são até seus fi-
82 THA T A D O D E HISTO RIA D A S RELIGIÕES

lhos. O único mito que se conhece c o da sua luta com a serpente


Illuyankash241, onde encontramos o mesmo tema da luta da di­
vindade da tempestade e da fertilidade com um monstro rcptili-
nco (Indra-Vritra, Zcus-Typhon; protótipo Marduk-Tiamat). É
necessário ainda assinalarmos a multidão de epifanias locais des­
te deus: no tratado de Suppiluliumash Sâo citados 21 U242, o que
confirma o seu caráter autóctone nas regiões habitadas pelos hi-
titas. U era um deus popular em toda a Asia Menor c Ocidental,
fosse qual fosse o nome por que era invocado.
Os sumério-babilônios conheciam-no sob os nomes de Enlil
c de Bcl. Embora ocupasse o terceiro lugar na tríade dos deuses
cósmicos, era o mais importante de todos no panteão; era filho
dc Anu, a divindade celeste suprema. Aqui se verifica novamen-
tc o fenômeno bem conhecido da passagem de deus oliosus ce­
leste a um deus ativo c fecundador. O seu nome, em sumí rio,
significa “ Senhor do vento impetuoso” (/</, “ vento poderoso, fu­
racão” ). Também o designavam por IuruI amam , “ divindade do
vento e da tempestade” , c por úmu, “ tempestade". En-ug-ug-
ga, isto é. “ senhor dos furacões"34'. Enlil dirige também as
águas e foi cie que provocou o dilúvio universal. Chamam-lhe
" o poderoso” , alini, o deus que tem chifres, o senhor do univer­
so, o rei do Céu c da Terra, o Pai Bêl. o grande guerreiro, etc.244
A sua mulher é Ningalla, “ a grande Vaca” , umuni rabetum, ‘‘a
Grande M ãe", geralmente invocada sob o nome dc Bcltu ou Bc-
lit, " a Dona” 245. A sua origem celeste c a sua função meteoro­
lógica sào confirmadas também pelo nome do seu templo em Nip-
pur, “ a Casa da M ontanha"346. A “ Montanha’1 continua a ser
o símbolo da divindade cclcste suprema, até nos casos em que
esta última se "especializa" em divindade da fecundidade e da
soberania.
Em Tell Khafaje, no mais antigo santuário conhecido até ho­
je, a imagem do touro encontra-se junto da imagem da Deusa
Máe34’. O deus El, que ocupava um lugar proeminente no pan­
teão paleofenírio. é designado por “ touro” (sfior) c também ;xir
El “ touro poderoso"-'1'*. Mas este deus veio a ser suplantado, cm
data mais recente, por Baal. “ Chefe. Senhor” , no qual Dussaud
vê accrtadamente o deus Adad244. A equivalência Baal-Adad es­
tá também confirmada nas tábuas dc cI-Amama2-"42. A voz de
Hadad é o rrovào. c ele também quem atira o» relâmpagos c dis­
pensa a chuva. Os protofenicios compaiavam Hadad a um tou­
ro: os textos rcceniemente decifrados relembram a maneira co-
f í Cf.U: DEUSES U R A N IA SO S 83

mo " a forca dc Baal (ou seja. Hadad) feriu Mot com seus chi­
fres, tal como fazem os touros selvagens..Z'2-51. E no mito co­
nhecido pelo nome de “ a caça dc Baal” , a morte dc B3al é com­
parada à morte dc um touro: “ assim tombou Baal... como um
to u ro "252. Não nos: deve surpreender que Baal-Adad tenha uma
parceira. Asherat (Anal. Ashtart), e que seu filho, Aliyan, seja
uma divindade da água. da fecundidade e da vegetação*5'. E
sacrificavam-se touros a Baal-Adad (cf. a famosa cena entre Elias
c os profetas de Baal Mo Carmelo). O assírio Bei, continuador
dc Anu c dc Enlil. c qualifkado de "touro divino” ; às vezes é
designado por O u. “ o bovideo" ou " o grande carneiro” *34.
E notável esta solidariedade dos símbolos “ genésicos” c "ce­
lestes" cm todos esses tipos dc divindades da tempestade. Mui­
tas vezes Adad, representado sob a forma dc um touro, usa uma
insígnia do raio255. Mas por vezes o raio toma o aspecto dos chi-
fies rituais'511. O deus Min. protótipo do deus egípcio Ammon.
era do mesmo nuxlo classificado de "touro da sua Mãe” c dc
“ Grande Touro” (Ka wr). Um dos seus atributos era o raio e a
sua função pluvial-genésica está evidente no epíteto dc "Aquele
que desfaz a nuvem de chuva". Min não era uma divindade au­
tóctone; os egípcios sabiam que ele víctu. com a sua parceira, a
vaca Hathor, do país de Pwnt, isto é, do oceano índico257. Em
suma. para encerrar esta rápida exposição de um núcleo de fatos
dc riqueza excepcional (cf. a bibliografia), anotemos que foi sob
a forma taurina que Zeus raptou Europa (epifania da Mãe), se
uniu a Antílope c tentou violar a innã. Deméter. E em Creta
podia-se ler um epitáfio curioso: “ Aqui jaz o grande Bovideo cha­
mado Zeus."

28. O esposo da Grande Mãe — Como vimos, o conjunto


Céu chuvoso-Touro-Grandc Deusa constituía um dos elementos
de unidade de todas as religióes pré-históricas da área euro-afro-
asiática. Não há dúvida de que a nota dominante assenta aqui
na função genésico-agrária do deus automóríico da atmosfera.
O que se venera em primeiro lugar cm Min, Baal, Adad, Tcshup
c outros deuses taurinos do raio. esposos da Grande Deusa, não
é o seu caráter celeste mas as suas possibilidades fecundantes. A
sua saci alidade deriva da hicrogamia com a Grande Mãe agrá­
ria. A sua estrutura celeste estA valorizada na sua função genési­
ca. Antes dc tudo. o Céu c a região onde "bram a” o trovão, se
84 TR A TA D O DE H ISTÓ RIA D A S R E IIG IÔ FS

juntam as nuvens, e or.de sc dccidc da fertilidade dos campos;


ou seja. a região que assegura a continuidade da vida na Terra.
A transcendência do Ccu integra-se sobretudo r.a sua modalida­
de meteorológica e o seu “ poder” equivale a ura ilimitado reser­
vatório de germes. Por veies, esta equivalência revela-se até na
linguagem; o sumerio me designa " o homem, o macho” e ao mes­
mo tempo “ o céu". Os deuses meteorológicos traio, tempesta­
de. chuva) c os genésicos <o touro) perdem a sua autonomia ce­
leste, a sua soberania absoluta. Cada um deles c acompanhado,
e frequentemente dominado, por uma Grande Deusa, da qual de
pende, cm última instância, a fecundidade universal. Já náo sâo
criadores cosmogòmcos. como as divindades celestes primordiais,
mas fecundadores c procriadores na ordem biológica. A hiero-
gainia torna-se a sua função essencial. É por isso c?uc os encon­
tramos tão frequentemente em todos os cultos da fecundidade,
cspccialmcnte nos cultos agrários; no entanto, jurnais desempe­
nham o papel principal, que cabe, de fato, ou à Grande Mac ou
a um “ filho” , divindade da vegetação que motie e ressuscita pe­
riodicamente.
A “ especialização” das divindades celestes acaba por modi­
ficar o seu perfil de maneira radical; na medida cm que abando­
nam a sua transcendência, tornando-se “ acessíveis” c como tal
indispensáveis à vida humana, passando de deus atiosus a deus
pluviosas taurinos c genésicos, assimilam inccssantemcnte fun­
ções, atributos c prestígios que lhes eram estranhos e estavam lon­
ge das suas preocupações, na sua soberba transcendência
cclcsteI,1‘. Na sua tendência — como qualquer "fo rm a” divina
— para agrupar a sua volta todas as manifestações religiosas e
para comandar cm todos os setores cósmicos, as divindades da
tempestade e as divindades genésicas absorvem na sua personali­
dade e no seu culto (sobretudo pelas suas hierogamias com a Deusa
Mãe) os elementos que originalmcntc nâo pertenciam à sua es­
trutura celeste.
Aliás, o drama meteorológico nem sempre è necessariamen­
te expresso por nina divindade celeste; o conjunto raio-
tcmpcsiadc-chuva foi |>or vezes considerado, como aconteceu en-
tre os esquimós, os bosquitnanos e no Peru, como uma hierofa-
niu da Lua159. Desde os tempos mais remotos os chifres do tou­
ro foram comparados ao crescente lunar c assimilados à própria
Lua. Mcnghin2“ estabeleceu uma relação cr.trc o çresçeuie da
Lua e as figuras femininas do Aurigp.acer.se (que seguram um chi
O CÉU: DEUSES V R A M A N O S 85

frc nas mãos); os ídolos do tipo bovfdco, que se encontram sem­


pre cm relação com o culto da Grande Mãe (= a Lua), são fre­
quentes no Neolítico**1. Hcntzc-62 aprofundou o estudo deste
conjunto lunar-genévico numa extensa área cultural. As divinda­
des lunares mcditcrrânico-oncntais eram representadas sob a for­
ma de um touro e investidas dos atributos taurinos. Assim, por
exemplo, o deus babilónico da Lua, Sin, era chamado *'o pode­
roso vitelo dc Enlil” , enquanto Nanar, o deus da Lua de Ur, era
qualificado de "poderoso, jovem touro do céu, o filho mais no­
tável dc Enlil” ou " o poderoso, o jovem louro de fones chifres",
etc. No Egito, a divindade da l ua era " o touro das estrelas” ,
etc.2*3 Mais adiante veremos como é coerente a relação entre os
cultos ctõnico lu n ar« c os da fecundidade. A chuva — "semen­
te" do deus da tempestade — intcgra-sc na hicrofania das águas,
setor que depende antes dc tudo da jurisdição da Lua. Tudo quan­
to se encontra em relação com a fecundidade pertence, de ma­
neira mais ou menos direta, ao vasto circuito Lua-Aguas-Mulher-
Tcrra. As divindades celestes, ao "especializarem-se” cm divin­
dades viris e genésicas, fatalmentc entraram cm contato com es­
tes conjuntos pré-históricos, e aí permaneceram, quer tenham che­
gado a assimilá-las, quer elas próprias tenham sido integradas.29

29. Jeová — Os únicos deuses do céu chuvoso 6 fecundador


que terão conseguido conservar a sua autonomia, apesar das hic-
rogamias com as inumeráveis grandes deusas, sào aqueles que evo­
luiram na linha Ua soberania; os que conservaram o cetro, ao la­
do do raio fecundador, tornando-se assim mantenedores da or­
dem universal, guardiães das normas c encarnação da lei. Zeus
c Júpiter são divindades deste tipo. F.vidcntcmcntc a personali­
dade destas figuras imperiais se definiu melhor graças á vocação
muito especial do espirito grego c romano para as noçóes de nor­
ma c de lei. Mas esses processos de racionalização só sc torna­
ram possíveis a partir da intuição religiosa e mítica dos ritmos
cósmicos, da sua harmonia c da sua perenidade. T’iüo é também
um excelente exemplo de soberania celeste na sua tendência para
sc revelar como hicrofania da lei. do ritmo cósmico. Compreen­
deremos melhor e s t« aspectos quando estudarmos a função reli­
giosa do soberano e da soberania.
Ê num plano dc certo modo paralelo que se coloca a evolu­
ção da divindade suprema dos hebreus. A personalidade de Jeo-
86 TRATAD O D t H IS T Ó R IA D A S RELIGIÕES

vá e a sua história religiosa são muito complexas para que possa­


mos resumi-las cm poucas linhas. Digamos, no entanto, que as
suas hierofanias celestes c atmosféricas desde muito ccdo consti­
tuiram o centro das experiências religiosas que tornaram possí­
veis as revelações ulteriores. Jeová manifesta o seu poder na tem­
pestade; o trovão é a sua voz e o relâmpago c " o fogo” de Jeová
ou “ as suas flechas"*64. O Senhor de Israel anuncia-se “ pelo tro­
vão. pelo relâmpago c por uma espessa fumava” 265 no momen­
to em que transmite as leis a Moisés. “ Toda a montanha do Si­
nai estava envolta cm fumo porque o Eterno ai descera no meio
do fogo..."*66 Débora lembra com religioso temOT como “ a ter­
ra tremeu, os céus se agitaram c as nuvens se funduam em águas”
com os passos do Scr.hor*'’7. Jeová avisou Elias da sua aproxi­
mação por uma “ grande tempestade, que parecia esfacelar os
rnonlcs c fender as rochas, mas o Senhot nào estava na tempes­
tade. Depois desta veio um tremor de terra, e o Senhor não esta­
va neste tremor de terra. E depois do tremor de lerra um fogo;
mas o Senhor igualmente nâo estava neste fogo. E depois deste
fogo um doce e leve murmúrio"*'*1. O fogo do Senhor cai sobre
os holocaustos de Elias2** quando o profeta lhe suplica que se
mostre e confunda os sacerdotes de Baal. A Sarça ardente do epi­
sódio de Moisés, a coluna de fogo c as nuvens que guiaram os
israelitas para o deserto sâo epifanias jeovistas. Assim como a
aliança de Jeová com a descendência de Noé, salvo do dilúvio,
se manifesta por um aico íris: "Coloquei o meu arco-íris nas nu­
vens e ele servirá de sinal de aliança entre mim c a Terra.” *’3
Estas hierofanias celestes e atmosféricas, diíerentcmcntc das
outras divindades da tempestade, manifestam sobretudo o "po­
der” de Jeová. “ Deus c grande pelo seu poder; quem soubesse
demonstrar conto ele."*71 “ Ele toma a luz nas mSos... Anuncia-
se por um ribombar... Perante um espetáculo com este. todo o
meu coração estremece e parece querer saltar-me do peito. Escu­
tai! Escutai o frêmito da sua voz. o ribombar que sai da sua boca
c se espalha (tela vastidão dos céus. enquanto os seus relâmpagos
brilham até as extremidades da Terra. Assim que a sua voz res­
soa, ele já não mais detém os relâmpagos. Deus troveja na sua
voz, de maneira maravilhosa...” 27* O Senhor c o verdadeiro e o
único dono do cosmos. Pode fazer tudo. aniquilar tudo. O seu
poder é absoluto, e por isso a sua liberdade deixa de ter limites.
Como soberano incontestado, medè &sua misericórdia Olt a sua
cólera a seu bel-prazer: e esta liberdade absoluta do Senhor é a
O CÉU. DEUSES U RAM IANO S 87

revelação mais efetiva da sua transcendência c da sua autonomia


absoluta; pois. quanto ao Senhor, "nada o obriga", nada o cons­
trange, nem sequer a^ boas ações e o respeito pelas suas próprias
leis.
Ê nesta intuição do poder de Deus como única realidade ab­
soluta que encontram o seu ponto de partida todas as místicas
c especulações ulteriores à volta da liberdade do homem c das
suas possibilidades de salvado pelo respeito das leis e uma mo­
ral rigorosa. À face de Deus ninguém è ‘•inocente” . Jeová esta­
beleceu "aliança” com o seu povo, mas a sua soberania permite-
lhe aniquilá-la a qualquer momento. Se nào o faz, não é em vir­
tude da "aliança” — pois nada pode "obrigar” Deus, nem se­
quer as suas próprias promessas — mas sim em virtude da sua
bondade infinita. Jeová mostra-se em toda a história religiosa de
Israel como um deus celeste c da tempestade, criador c todo-
poderoso, soberano absoluto e “ Senhor dos exércitos", apoio dos
reis da linhagem de Davi, autor de todas as normas c de todas
ns leis que permitem á vida continuar sobre a Teria. A "lei” , sob
qualquer forma que seja, tem o seu fundamento e justificação
numa revelação de Jeová. Mas, ao contrário dos outros deuses
supremos, que não podem eles próprios agir contra as leisí;\
Jeová conserva a sua liberdade absoluta.30

30. Os fecundadores substituem os deuses umnianos — A


substituição das divindades celestes |>clos deuses da tempestade
procriadores veiifica-.se também no culto. Marduk substitui Anu
na festa do Ano Novo (§ 153). Quanto ao importante sacrifício
védico Açvamedlia, acaba por ser dirigido a Prajâpati (c por ve­
zes também a lndra>, depois de o ter sido a Varuna, c, como este
último substituiu Dyaus. é muito provável que originalmente o
sacrifício do cavalo fosse realizado cm honra do antigo deus indo-
ariano do Céu. As populações uralo altaicas ainda hoje sacrifi­
cam cavalos aos deuses supremos uranianos (§ 33). O elemento
essencial e arcaico do Açvamcdha é o seu caráter cosmogónico.
O cavalo é identificado ao cosmos c o seu sacnfkio simboliza (isto
é, reproduz) o ato d a criação. O sentido dcsic rito tomar-se-á mais
claro num outro capitulo (§§ 153 ss.). Por um lado convém assi-
nular aqui o conjunt o cosmogónico em que se coloca o Açvamcd-
ha c, por outro, o sentido iniciático da cerimônia. Que o Açva­
mcdha i ao mesmo tempo um ritual de iniciação é o que
88 TR A TA D O DE HISTÓ RIA D A S RELIGIÕES

provam os seguintes versos do Rig Veda (VIII, 48, 3): “ Tornamo-


nos imortais, contemplamos a luz e encontramos os deuses."
Aquele que conhece o mistério desta iniciação triunfa da segun­
da morte (punarmrityu) e não teme a morte. A iniciação equiva­
le á conquista da imortalidade e à transmutação d a condição hu­
mana numa condição divina. Lsta coincidência da conquista da
imortalidade com a repetição do ato da criação «r importante; o
sacrifkante ultrapassa a condição humana c torna-se imortal |>or
um ritual cosmogônico. Encontraremos a mesma coincidência en­
tre iniciação e cosmogonia nos mistérios de Mithra.
Tal como acontece com Prajàpati — a quem depois é dirigi­
do o sacrifício — o cavalo sacrificado simboliza o cosmos. Entre
os iranianos, do corpo do touro primordial morto por Ahriman
nascem os cercais c as plantas: na tradição germânica, o cosmos
deriva do corpo do gigante YmiríM Não nos ocuparemos aqui
das implicações deste mito cosmogônico, nem dos seus paralelos
extremo-orientais (por exemplo Pan'Ku) ou mesopotâmicos —
o cosmos criado por Marduk a partir do corpo do monstro Tia-
mai. Apenas nos interessa o caráter dramático do ato da criação
tal como sc nos apresenta nos mitos semelhantes: o cosmos não
é criado ex nihilo pela divindade suprema, antes adquire a sua
existência pelo sacrifício (ou pelo auto-sacrifício) do um deus (Pra-
jãpati), de um monstro primordial (Tiamat. Ymir). de um ma-
cranthropos (Purusha), ou de um animal primordial (o touro
Evakdât entre os iranianos). Na origem deste mitos encontra-se.
real ou alegórico, o sacrifício humano (P u ru sh a -"hom em "),
complexo que Al. Galis encontrou numa vasta área etnológica
c se apresenta sempre cm relação com as cerimônias dc iniciação
e as sociedades secretas,?í. O caráter dramático do sacrifício cos­
mogônico de um ser primordial prova que essas cosmogonias não
são "prim árias", antes tepreseniam as fases dc um longo c com­
plicado processo mítico-religioso que se desenvolveu em boa parte
já na pré história.
O Açvamcdha é um excelente exemplo para esclarecer a com­
plexidade dos rituais dirigidos às divindades uranianas. As subs­
tituições. as fusões, as simbioses são tão ativas na históna do culto
como na história dos deuses. Retomando o nosso exemplo, po­
deremos decifrar aí ainda uma substituição: o sacrifício indiano
do cavalo substituiu o sacrifício mais antigo do touro (o touro
era sacrificado no Irã e o mito cosmogônico fala dc um touro
primordial. Indra está também rodeado de touros, antes de estar
O CÉU: DEUSES URA M A N O S 89

rodeado por garanhões; "Prajãpati é, de fato, o grande tou­


ro ” )2’6. Nos textos vcdico-s viam-se os Açvins, cujos nomes re­
velam as suas relações com os cavalos, montar bois de corcova
e não cavalos2” .
Os Açvins, como os Dioscuros (Dios kuroi, cf. Ict. dewade­
li, lituan, diéwo sunelei). são filhos do deus do Céu. O seu mito
deve muito, tanto às hicrofanias celestes (Aurora, Vénus, as fa­
ses da Lua) como ã sacralidade dos Gémeos; de fato, a crença
(v. a bibliografia) segundo a qual o nascimento de gêmeos pres­
supõe a união de um mortal c dc um deus, c sobretudo de uma
divindade do Céu, está extremameme difundida. Os Açvins são
sempre representados ao lado dc urna divindade feminina, quer
seja Uça, deusa da Aurora, quer Suryâ; os Dioscuros acompa­
nham igualinente um a figura feminina, sua mãe ou sua irmã; Cás-
lor e Pólux acompanham Helena: Amphion e Zcthos sua màe>4/j-
/iope; Héracles c IpJiikles sua màe Alcmena, Dardanas e Iasion,
Harmonia, etc. Fixemos que:
a) Os Açvins, os Dioscuros ou quaisquer que sejam os no­
mes destes gêmeos míticos são filhos de um deus celeste (mais fre­
quentemente em conseqüència da união deste último com uma
mortal);
b) não se separam da mãe ou da irmã;
c) a sua atividade na Terra é sempre benéfica. Aliás, tanto
os Açvins como os Dioscuros são curandeiros, livram os mortais
do perigo, protegem os navegadores, etc. Lm certo sentido são
os representantes da sacralidade celeste na Terra, ainda que o seu
[xrrfil seja incontestavelmente mais complexo e não possa reduzir-
se à Simples dispensaçáo desta sacralidade. Mas, quaisquer que
sejam os conjuntos mítico-rituais reivindicados pela figura dos
Dioscuros, não há dúvida de que c um fato a sua atividade ser
dc caráter benéfico.
Os Dioscuros não alcançaram um papel de primeiro plano
na religiosidade universal: os “ filhos dc deus" sofreram um ma­
logro, mas já o seu filho iria conhecer o êxito. Dioniso é o filho
dc Zeus e o seu aparecimento na história religiosa da Grécia equi­
vale a uma revolução espiritual. Osiris c também o filho do Ccu
(uma deusa) c da Terra (um deus); o fenício Alein é o filho de
Haal, etc. No enranlo. essas divindades mantém urna estreita re­
lação com a vegetação, o sofrimento, a morte, a ressurreição, a
iniciação. Todas são dinâmicas, patéticas, soteriológicas. Tanto
as grandes correntes de religiosidade popular como as socicda-
90 TR A TA D O P T H ISTÓ RIA D A S RELIGIÕES

des secretas dos mistérios egeo-oricntais sc cristalizaram cm vol­


ta das chamadas divindades da vegetação, que são primordial-
mente divindades dramáticas, responsáveis pelo destino do ho­
mem, conhecendo, como ele. as paixões, o sofrimento c a morte.
Jamais a divindade sc aproximou tanto dos homens. Os Dioscu-
ros ajudam e protegem a humanidade; as divindades soteriológi-
cas partilham os sofrimentos desta humanidade, morrem e res­
suscitam para resgatá-la. Esta mesma "sede de concreto" que sem­
pre empurrou pata segundo plano as divindades celestes — lon­
gínquas, impassíveis, indiferentes ao drama cotidiano —
manifesta-se na importância concedida ao "filh o ” do deus ce­
leste (Dioniso, Osiris, Alein. ele.). Na maior parte das vezes o
“ filho” reclama a sua paternidade celeste; todavia, não c essa
descendência que justifica o papel capital que ele desempenha na
história das religiões, mas a sua " humanidade” , o fato de se ter
integrado dcfinitivumtnte na condição humana, ainda que con­
siga ultrapassá-la pela ressurreição periódica.

31. Simbolismo celeste — Acabamos de examinar uma serie


de divindades celestes ou em estreitas relações com a hierofania
uraniana. Por toda parte notamos este mesmo fenómeno de re­
cuo das divindades celestes em presença de teofunias mais dinã
micas, mais concretas ou mais intimas. No entanto, cometeria­
mos um erro se limitássemos as hicrofanias celestes ás figuras di­
vinas ou semidivinas a que deram origem. O caráter sagrado do
Céu está difundido em inúmeros conjuntos rituais ou míticos que.
aparentemente, não estão cm relação direta com uma divindade
uraniana. O sagrado celeste permanece ativo n3 experiência reli­
giosa pelo simbolismo da "altura", da "asccnsao", do “ centro” ,
etc., até quando a divindade uraniana passou a segundo plano.
Neste simbolismo encontramos também, por vezes, a substitui­
ção de urna divindade uraniana por uma divindade fertilizante;
mas nem por isso a estrutura celeste do simbolismo deixa de sub­
sistir.
A montanha está "mais próxima"* do Céu, o que a investe
de uma dupla sacralidade: por um lado. participa do simbolismo
espacial da transcendência ("alto” , "vertical", •’supremo” , etc.)
c, por outro, é o domínio por excelência das hicrofanias aimos*
* Aspas ilâ tl*d.
o CÉU: DEUSES URA.NIANOS 91

féricas c, como tal. a morada dos deuses. Todas as mitologias


têm uma montanha sagrada, variante mais ou menos ilustre do
Olimpo grego. Todos os deuses possuem lugares reservados ao
seu culto nos pontos altos. Os valores simbólicos c religiosos das
montanhas são inúmeros. A montanha é frequentemente consi­
derada como o ponto de reencontro entre o Céu e a Terra, por­
tanto um “ centro” , o ponto pelo qual passa o eixo do mundo,
região saturada de sagrado, local onde podem realizar-se as pas­
sagens entre as diferentes zonas cósmicas. Assim, segundo as cren­
ças mesopotámieas. “ o Monte dos Países” une o Ccu c a
Terra*’* c o monte Meru da mitologia indiana eleva-se no meio
do mundo: acima dele brilha a estrela polar1”*. Também os po­
vos uralo-altaicos conhecem um monte central, o Sumbur, Su-
mur ou Sumeru. em cujo cimo está suspensa a estrela polar (crcn-
cas buriatas)**0. Segundo as crenças iranianas, o monte sagrado
llarabcrezaiti (Harburz) encontra-se no meio da Terra c está li­
gado ao Ccu-51. Na Edda. Himingbjorg c. corno seu notne indi­
ca, um “ monte celeste” ; ai o arco-iris (Bifrõst) atinge a abóbada
do Céu. Crenças parecidas encontram-se entre os finlandeses, os
juponeses, etc.
Devido ao fato de ser o ponto de encontro entre o Céu c a
Terra, o “ monte” acha-se no “ centro do mundo“ e é certamen­
te o ponto mais elevado da Terra. Por isso as regiões consagra­
das — “ lugares sanios", templos, palácios, cidades santas — sào
assimiladas a “ m ontanhas" e elas mesmas tornam-se "centros".
Isto é, são integradas de maneira mágica no cume do monte cós­
mico (cf. § 145). N a Palestina, os montes Tabor c Gerizim eram
Inutilmente “ centros” , c a Palestina, " a terra santa” , assim con-
sltlcradu como o lugar mais elevado do mundo, não foi atingida
pelo dilúvio. “ A terra de Israel não foi submergida pelo dilúvio",
dl/ um texto rabínico**1. Para os cristãos, o Gólgota encontra-
se no centro do mundo, pois é o cume da montanha cósmica e
também o local onde foi criado e enterrado Adào. li, segundo
a tradição islâmica, o lugar mais alto da Terra é a Ka'aba, visto
"n estrela polar provar que se encontra cxataiuentc acima do cen­
tro do Céu"**5.
Ate os nomes Jo> templos c das tones sagradas testemunham
rsta assimilação à montanha cósmica: “ o Monte Casa” , “ a casa
titi Monte de todos os pais«", “ a Montanha das Tempestades",
"a l.igaçào entre o Céu c a Terra". ctc.:M O termo sumêrio pa­
ia /Jguratc (ziqquratu) é U-Nir (monte), o que Jastrow inter-
92 TRA TA DO DF H ISTÓ RIA D A S RELIGIÕES

preta como: "visível de muito longc"a \ Para falai com preci­


são. diremos que ziqquratu era um “ monte cósmico” , ou seja,
uma imagem simbólica do cosmos; os sete andares representa­
vam os sete céus planetários (como cm Borsippa). onde existiam
as cores do mundo (como cm Ur). O templo de Barabudur é em
si mesmo uma imagem do cosmos c está construído á maneira
de uma montanha artificial. Por uma extensão d a qualidade sa­
grada do templo (monte +■ centro do mundo) a toda a cidade,
as cidades orientais tornavam se elas mesmas "centros” , cimos
da montanha cósmica, pontos da junção entre as. regiões cósmi­
cas. Assim, i.arsa era chamada “ A casa da junção entre o Céu
e a Terra", e Babilônia, "A casa dos alicerces do Céu e da Ter­
ra " . " a ligação entre o Céu c a Terra” , " a casa d o Monte lumi­
noso” , etc. (Dombart, 35). Na China, a capital do soberano per­
feito encontra-se exatamente r.o centro do universo36, isto é, no
topo da montanha cósmica.
Noutro capitulo voltaremos a falar deste simbolismo cosmo-
lógico do centro — em que o monte desempenha um papei tâo
importante (5 143). ü que podemos observar, desde já, é a virtu­
de oonsagradora da "altura” . As regiões superiores estão satu­
radas dc forças sagradas. Tudo quanto está mais próximo do Céu
participa, com intensidade variável, da transcendência. A “ altu­
ra” , o "superior” , sâo assimilados ao transcendente, ao sobre­
humano. Toda "ascensão” é uma ruptura de nível, uma passa­
gem para o Além, uma ultrapassagem do espaço profano e da
condição humana. Não é necessário acrescentar que a sacralUla
dc da “ altura" é válida pela sacralidadc das rcgiíks atmosféricas
superiores, portanto, cm última instância, pela sacralidade do
Céu. O monte, o templo, a cidade, etc., sào consagrados porque
estão investidos do prestigio do "centro” , istu c. na origem, por­
que assimilados ao cume mais elevado do universo c ao ponto
de encontro entre o Céu e a Terra. For conscqüència, a consa­
gração pelos rituais dc ascensão e de escalada dos montes ou das
escadas deve a sua validade ao fato dc inserir o praticante numa
região superior celeste. A riqueza c a variedade do simbolismo
da ascensão só na aparência sào caóticas; considerados no seu
conjunto, todos estes ritos e símbolos se explicam pela sacrahda-
de da "altura” , isto c. do celeste. Transcender a condição huma­
na pelo lato dc peneirar numa zona a g ra d a (templo, altar), pela
consagração do rito. pela morte, exprime-se concrctamcntc por
uma "passagem” , uma "subida” , uma "ascensão".
O CEO: DEUSES C R A N IA N O S 93

32. Mitos de ascensão — A morte é uma transcendência da


condição humana, uma "passagem para o além” . Nas religiões
que situam o outro mundo no Céu ou numa região superior, a
alma do motto sobe pelos caminhos de uma montanha, numa ár­
vore, ou por uma corda5*7. A expressão corrente, cm assírio, pa­
ra o verbo "m o rrer" é: "agarrar se â m ontanha". Igualmente,
em egípcio, myny, "agarrar-se", c um eufemismo para "m or­
rer” 2“ . O Sol se põe entre os montes e é sempre por aí que deve
passar o caminho do morto até o outro mundo. Yama. o primei­
ro morto segundo a tradição mítica indiana, percorreu "os altos
desfiladeiros" para mostrar " o caminho a muitos homens"-'*9.
O caminho dos mortos, nas crenças populares uralo-altaicas,
rcali/a-sc pela subida dos montes: Bolot, herói kara-kirghiz, tal
como Kesar, rei lendário dos mongóis. penetra no mundo do
Além. como prova iniciática, por uma gruta do topo dos mon­
tes; a viagem do xamà ao inferno efetua-se pela subida de algu­
mas montanhas muito elevadas510. Os egípcios conservaram nos
seus textos funerários a expressão askel pet {askel = “ caminha­
da") para mostrar que a escada colocada ã disposição de Rá. pa­
ra que ele possa subir da Terra ao Céu. é uma escada real2’1.
"Disposta está a escada que me vai levar a ver os deuses", diz
o Livro dos M ortos292. “ Os deuses fazem-lhe uma escada para
que sc sirva d d a e suba ao céu.” 293 Em grande número de tú­
mulos do templo das dinastias arcaicas e medievais foram encon­
trados amuletos representando uma pequena escada (maqet) ou
uma escada2*4.
Esta mesma estrada pela qual as almas dos mortos sc enca­
minham para o outro mundo c também percorrida por aqueles
que — graças ã sua condição excepcional ou à eficiência dos ri­
tos que executam — conseguem entrar no Céu ainda durante a
própria vida. O motivo da “ ascensão" ao Céu. realizada quer
por uma corda, quer por meio de uma árvore ou por uma esca­
da, está muito difundido nos cinco continentes. Contentar-nos-
emos com alguns exemplos297. A tribo australiana dicri conhe­
cia o mito de uma átvore que. por virtude de magia, crescera até
o Céu297. Os r.umgahburran falam de dois pinheiros miraculo-
»os que, depois da violação de um tabu, se puseram a crescer tanto
que o seu topo tocou o Céu-'97. Conta-se entre os mara que os
antepassados costumavam subir por uma árvore desse g,ènero até
0 Céu c por ela voltavam a descer29*. A esposa do herói maori
1 awliaki, fada descida do Céu. permanece com ele somente ate
94 IR A TAPO D E HISTÓRIA D A S RELIGIÕES

o nascimento de seu primeiro filho, subindo depois para uma ca­


bana c desaparecendo. Tawhakt sobe ao Ccu por um cepo de vi­
nha c consegue regressar à Terra:<>9. Segundo outras variantes,
o herói alcança o Ccu subindo por um coqueiro, por uma corda,
uma teia de arar.ha, ou um "papagaio"4. No Havaí diz-se que
sobe pelo arco-íris; no Taiti, que sobe uma montanha elevada e
encontra a mulher durante o caminho300. Um mito espalhado na
Occãnia conta que 0 hetói chegou ao Céu por uma "corrente de
flechas” , isto c, cravando a primeira flecha na abóbada celeste,
a seguinte na primeira c assim por diante até formar uma corren­
te entre o Céu e a Terra101. A ascensão por uma corda é conhe­
cida na Oceânla502. na África303, na America do Sul59' e na Amé­
rica do Norte50- Pouco mais ou menos nos mesmos locais
cr.contra-sc o mito da ascensão por uma teia de aranha. A ascen­
são ao Céu por uma escada é conhecida no am ig o Egito506, na
África107, na Oceânia308 c na America do Norte. A ascensão po­
de ainda ser feita por uma árvore300, por uma planta ou por nm
monte51“.

33. Ritos dc ascensão — Todos estes mitos e crenças corres­


pondem a ritos concretos dc “ subida" c dc "ascensão". A fixa­
ção c a consagração do lugar dc sacrifício equivalem a uma espé­
cie dc sublimação do espaço profano: "n a verdade, o oficiante
constrói para si uma escada e uma ponte para alcançar o mundo
cekste". especifica a Taittiriya Samhiia(VI. 6 .4 .2 ). Noutro passo
do mesmo livro (1,7, 9). o oficiante sobe ao topo de urna escada
c, uma vez junto do poste do sacrifício, estende as mãos e clama:
"Alcancei o Ccu, os deuses; tornei-me imortal!’1 A escalada ri­
tual ate o Ccu c uma dúrohana, uma “ subida difícil". Grande
número de expressões semelhantes se encontram r,a literatura3“ .
Kosingas, sacerdote-rei dc algumas populações d a Trácia (os kc
brenioi e sykaiboai), ameaça os seus súditos dc partir para junto
da deusa Hera, subindo por uma escada dc madeira512. A ascen­
são celeste pela subida cerimonial de uma escada provavelmente
fazia parte dc uma iniciação órfica515. Seja como for,
cncontramo la na iniciação mitríaca. Nos mistérios de Mithra,
a escada (climas) cerimonial tinha sete degraus, e cada degiau
era de um metal diferente. Segundo Celso514, o primeiro degiau

T raí. Je ••cerf-volant". (N.T.)


O CEU. DEUSES U R A N IA N O S 95

era de chumbo e correspondia ao “ céu” do planeta Saturno, o


segundo de estanho (Vénus), o terceiro do bronze (Júpiter), o
quarto de ferro (Mercúrio), o quinto dc “ Jiga monetária" (Mar­
te). o sexto de prata (a Lua), o sétimo de ouro (o Sol). O oitavo
degrau, diz-nos Celso, representa a esfera das estrelas fixus. Ao
subir esta escala cerimonial, o iniciado percorria cfctivamcntc os
"sete céus", elevando-se assim até o Empíreo.
Ainda hoje os xamãs das populações uralo-altaicas praticam
exatamente este mesmo ritual na sua viagem para o Céu e no ce­
rimonial de iniciação xamàmca. A "ascensão” realiza-se quer no
quadro do sacrifício ordinário — quando o xamã acompanha a
oferenda (a alma do cavalo sacrificado) até Bai Ulgen, o deus su­
premo —. quer por ocasião da cura mágica dos doentes que re­
correm ã sua consulta. O sacrifício do cavalo, que é a principal
cerimônia rctiaiosu das populações uialo-aliaicas, realiza-se anual-
mente c dura dc duas a três noites. Na primeira noite erguem um
novo yurte, em cujo interior é colocada uma bétula despojada
dc ramos c na qual se escavam nove degraus (tapty). È escolhido
um cavalo branco pata o sacrifício; atcia-sc fogo na tenda, o xa­
mã delumu o seu tamborim enquanto vai chamando sucessiva-
mente os espíritos; então sai c, picando o manequim de um can­
so feito de trapos e empalhado, agita as mãos como se fosse voar
c canta:

P a r a a le m d o c é u c la r o . P a r a a le m d a s n u v e n s b r a n c a s .
Para alem do céu azuJ. Para alem das nuvens azuis,
S o b e a té o C é u , ó ave!

O objetivo deste rito é captar a alma do cavalo sacrificado,


pura, que se presume ter fugido a aproximação do xamã. Depois
dc tei capturado essa alma e de a ter reconduzido, o xamã põe
o ganso cm liberdade c procede sozinho ao sacrifício do cavalo.
A segunda parte d a cerimônia passa-se na noite seguinte, quan­
do o xamã leva a alma do cavalo até Bai Ulgen. Depois de defu­
mar o tamborim, de vestir seus trajes rituais c invocar Mcrkyut,
« ave celeste, para que “ venha cantai ” e “ pouse sobre o seu om­
bro direito” , o xamã começa a ascensão. Subindo com ligeireza
pelos degraus talhados na árvore cerimonial, o xamã penetra su-
ccxsivamentc nos nove céus e descreve ao auditório, com minú­
cia de pormenores, tudo quanto vê e tudo quanto se passa cm
cada um deles. No sexto céu venera a Lua, no sétimo céu o Sol.
96 TRA TADO DE HISTÓRIA D A S RELIGIÕES

Finalmente, no nono, prosterna-se diante dc Bai Ulgen c ofcrccc-


Ihc a alma do cavalo sacrificado. Este episódio assinala o ponto
culminante da ascensào extática do xanã. Obtém dc Bai Ulgen
informações sobre a aceitação do sacrifício e recolhe predições
sobre o tempo; depois o xamã cai extenuado c. após um momen­
to de silêncio, desperta como se saísse dc um sono profundo-’13.
Os emalhes ou degraus abertos na bétula simbolizam as esfe­
ras planetárias. Durante o cerimonial o xamã pede o concurso das
diferentes divindades cujas cores específicas t raem a sua natureza
dc divindades planetárias316. Ta! como no ritual da iniciação ml-
triaca e também como nos muros da cidade dc Ecbátana, dc cores
variadas317e simbolizadores dos céus planetários, a Lua encontra-
se no sexto céu e o Sol no sétimo. O numero 9 substituiu o número
mais antigo de sete degraus; pois, entre os uralo-altaicos, a "co­
luna do mundo" tem sete degraus31* e a árvore ntít ica dos sete ra­
mos simboliza as regiões celestes316. A ascensão da bétula cerimo­
nial equivale à ascensão da árvore mítica que se encontra no cen­
tro do mundo. O buraco do topo da tenda identifica-se com o ori­
fício situado em frente da estrela polar c pelo qual sc pode efetuar
a passagem de um nível cósmico até outro3711. O cerimonial
realiza-sc, portanto, num "centro” ($ 143).
A mesma ascensào realiza-se por ocasião da iniciação xamã-
nica. Entre os buriatas, nove árvores são colocadas unta após a
outra e o neófito sobe até o alto da que f.ca cm nono lugar e pas­
sa seguidamente para o topo de todas as outras. Coloca-se tam­
bém uma bétula na tenda c faz-sc com que o seu topo passe pelo
orifício superior: o neófito sobe, dc espada na m ão. até apareça
no exterior da tenda, realizando assim a passagem para o último
céu. Uma corda liça a bétula da tenda às outras nove bétulas,
e sobre esta corda sào suspensos pedaços dc algodão de várias
cores, os quais representam as regiões celestes. A coida chama-
se “ ponte” e simboliza a viagem do xamã efetuada com o fim
dc entrar na morada dos deuses331.
O xamã realiza uma ascensào semelhante para a cura dos
doentes que vém pedir assistência3” . As viagens dos herots turvo-
mongóis ao Ccu se assemelham claramente aos ritos xamanis-
tas’23. Segundo 3s crenças yakutcs. existiam outrora xamás que
subiam efetivamente aos céus; os espectadores podiam vê-los pla­
nar acima das nuvens, etn companhia co cavalo sacrificado524.
No tempo de Gcnghis-Khan. um reputado xamã mongo! iei-se-
ia elevado ao Céu em cima do seu corcel525. O xamã ustiuk canta
O CÉU: DEUSES U R A S!A N O S 9?

que se eleva aos céus cm cirna de uma corda c vai afastando as


estrelas que estorvam o seu caminho5* . No poema uigur "Ku-
datku Bilik" , um herói sonha que sobe uma escada de cinqüetrta
degraus, cm cujo alto uma mulher lhe dá água a beber; assim rea­
nimado, consegue chegar ao Céu-,í?.

34. Simbolismo da ascensão — Jacó sonha igualmente com


uma escada cujo topo atinge o Ccu, " c os anjos do Senhor su­
biam e desciam por essa escada” 5* . A pedra sobre a qual Jacó
adormeceu era um bethcl c encontrava-se “ no centro do mun­
do” , pois era ai que se estabelecia a ligação entre todas as regiões
cósmicas (§ 81). Na tradição islâmica, Mafamede (Mohãmmed)
ve uma escada elevando-se do templo de Jerusalém (o "centro”
por excelência) até o Céu, com anjos à direita e à esquerda: era
por essa escada que as almas dos justos subiam até Deus-’19.
Dante ve também, no ccu de Saturno, uma escada de ouro
que se eleva de maneira vertiginosa até a última esfera celeste e
pela qual subiam as almas dos bem-aventurados-'54-'. O simbolis­
mo do “ degrau” , das “ escadas” e das "ascensões” foi também
conservado pela tradição crista. Sào Joüo da Cru* representa as
fases da perfeição mística por uma Subida dei Monte Carmelo,
c ele mesmo ilustra o seu tratado com uma montanha de longas
e fastidiosas subidas.
Todas as visões e todos os êxtases místicos compreendem uma
subida ao Céu. Segundo o testemunho de Porfírio, Plotino co­
nheceu este deslumbramento celeste por quatro vezes durante to­
do o tempo que viveram juntos551. Sâo Paulo foi também eleva­
do até o terceiro céu55\ A doutrina da ascensão das almas aos
sete céus — quer na iniciação, quer post mortem — gozou de
imensa popularidade nos últimos séculos da Antiguidade. A sua
origem oriental é inegável-'55, mas tanto o orfismo como o pita-
gorismo contribuiram muito para a sua difusão no mundo greco-
romano. Essas tradições serão examinadas mais esclarecedora-
mente em outros capítulos. Mas foi conveniente assinalá-las neste
contexto, visto a sua justificação última cncontrar-se no caráter
sagrado do Céu e das regiões superiores. Iríamos enconirú-las em
qualquer coniunto religioso, qualquer que seja a maneira como
(ossem valoriradiu — rito xamanista ou rito de iniciação, êxtase
místico ou visão onírica, mito escatológico ou lenda heróica —
pois as ascensões, a subida de montes ou de escadas, os vòos sig-
98 TRA TA DO D E HISTÓ RIA D A S RELIGIÕES

ni ficaram sempre a transcendência da condição humana e a pe­


netração nos níveis cósmicos superiores. O simples fato da "levi­
tação” equivale a uma consagração e a uma divinização. Os as­
cetas de Rudra “ seguem pelo caminho do vento, pois os deuses
entraram ncle$” ,M. Os iogiies e os alquimistas indianos elevam-
se no ar c percorrem cm alguns instantes distâncias considerá
vcis,M. Podei voar, possuir asas, torna-sc a fórmula simbólica
da transcendência da condição humana; a capacidade de se ele­
var no ar indica o acesso às realidades últimas. Evidentemente
ate na íenomenologia das ascensões persiste uma distinção radi
cal entre a experiência religiosa e a técnica mágica — um santo
é “ arrebatado” aos céus; os iogues, os ascetas, os mágicos
"voam " devido à eficiência dos seus próprios esforços. Mas em
ambos os casos c a ascensão que os distingue da grande massa
dos profanos e dos nào iniciados, pois podem penetrar nas re­
giões uranianas, saturadas de sagrado, c tornar-se semelhantes
aos deuses. O seu contato com os espaços celestes diviniza-os.

35. Conclusões — Recapitulemos:


a) O Céu cm si inesmo, considerado como abóbada sideral
c região atmosférica, é rico em valores mítico-religiosos. O “ al­
to” , o “ elevado” , o espaço infinito são hicrofanias do '•trans­
cendente” , do sagrado por excelência. A “ via” atmosférica c me­
teórica revela-se como um mito sem fim. Tanto os seres supre­
mos das populações primitivas como os grandes deuses das pri­
meiras civilizações históricas, todos eles manifestam relações mais
ou menos orgânicas com o Céu, a atmosfera, os acontecimentos
meteorológicos, etc.
b) Mas não podemos reduzir os seres supremos a uma hiero-
fania uraniana, pois eles ultrapassam tal condição: são uma “ for­
ma” que pressupõe um modo de ser próprio e exclusivo, isto c,
irredutível ã vida uraniana ou à experiência humana, visto estes
seres supremos serem “ criadores” , “ bons” , “ eternos” ("ve­
lhos” ), fundadores dc instituições e guardiães das normas — atri­
butos que só em parte podem ser explicados pelas hierofanias ce­
lestes. Assim fica apresentado o problema da " lo rm a " dos seres
supremos, c mais tarde o retomaremos num capitulo especial.
o) Uma vez feita esta reserva — que è importante — pode-
m os destrinçar na h istó ria dos seres suprem os c d a s divindades
celestes um fenômeno no mais alto grau revelador para a expe-
O C£U: DEUSES U R A W A N O S 99

ricnci3 religiosa da humanidade: c que estas figuras divinas têm


tendência a desaparecer do culto. Em parte nenhuma desempe­
nham um papel predominante, foram afastadas e substituídas por
outras forças religiosas: culto dos antepassados, espíritos c deu­
ses da natureza, demônios da fecundidade, grandes deuses, etc.
É notável que esta substituição se faça sempre em proveito de uma
força religiosa ou de uma divindade mais concreta, mais dinâmi­
ca, mais fértil (por exemplo, o Sol, a Grande Mâe, o Deus Ma­
cho, etc.). O vencedor c sempre o representante ou 0 distribui­
dor da fecundidade: ou seja, em última análise, o representante
ou o distribuidor d a viela. (Até a crença dos mortos e dos demô­
nios se reduz ao desejo temeroso de que a vida não venha a ser
ameaçada por estas forças hostis, que devem ser sempre conju­
radas c neutralizadas.) O sentido profundo desta substituição
sumir-nos-á quando tivermos ocasião de examinar os valores re­
ligiosos da vida e as funções vitais.
d) Em certos casos, sem dúvida devidos ao aparecimento da
agricultura e das religiões agrárias, o deus celeste reconquista atua­
lidade corno deus d a atmosfera e da tempestade. Mas esta ' ‘espe­
cialização", que lhe confere múltiplos prestígios, ao mesmo tempo
limita o seu "poder absoluto". O deus da tempestade c “ dinâ­
mico” c “ forte” , c o “ touro", é o "fecundador” , os seus mitos
enriquecem-se e os seus cultos resplandecem — mas não c o "cria­
dor” do universo nem do homem, e deixou de ser onisciente; às
vezes r.ào c mais do que o parceiro de uma grande deusa. Foi con­
tra este deus da tempestade, grande fecundador, orgiásiico. rico
cm epifanias dramáticas, ao qual se dirige um culto opulento e
sangrento (sacrifícios, orgias, etc.), que se deram as revoluções
religiosas de estrutura menoteísta piofética e messiânica do mundo
semita. Foi na luta entre Baal e Jeová ou Alá que se produziu
uma nova atualização dos valores "celestes", opostos aos valo­
res "terrestres" (a riqueza, a fecundidade, a força), critérios qua­
lificativos (a “ interiorização” da fc. a prece, a caridade) contra
os critérios quantitativos (o sacrifício concreto, a supremacia dos
gestos rituais, etc.). Mas o fato de a “ história" ter tomado ine­
vitável a ultrapassagem destas epifanias das forças elementares
da vida nào implica necessariamente que elas tenham perdido va­
lor religioso. C om o teremos em breve oportunidade de mostrar,
estas epifanias arcaicas representavam na origem outros tantos
meios pelos quais a vida biológica era santificada; só se torna­
ram “ cousa-moim” na medida em que perderam a sua função
100 TR A TA D O D E HISTÓRIA D AS RELIGIÕES

original, esvaziando-se do «grado c tornando se simples fenô­


menos'* vitais, econômicos e sociais.
e) Em muitos casos, um deus solar substitui o d-eus celeste.
É o Sol que se torna o distribuidor da fecundidade na Terra e
o protetot da vida (ver mais adiante, $$ 36 ss.).
f) Por veres, a ubiquidade, a sabedoria c a passividade do
deus celeste sào revalorizadas num sentido metafísico, c o deus
torna-se epifania da norma cósmica e da lei moral (por exemplo
o inaori lho); a "pessoa” divina apaga-se perante a "idéia” ; a
"experiência religiosa” (aliás muito pobre no caso de quase to­
dos os deuses celestes) dá lugar á compreensão teórica, á “ fi­
losofia” .
g) Certos deuses celestes consetvam a sua atualidade religio­
sa, cies que melhor conseguiram manter a .sua supremacia no pan­
teão (Zeus, Júpiter, T'icn> e foi cm seu proveito que se dcraitl
as revoluções monoteistas (Jeová, Altura Mazda).
h) Mas, mesmo quando a vida religiosa já não está domina­
da pelos densos celestes, as tegiôcs siderais, o simbolismo ura-
niano, os mitos e os ritos de nsccaváo. etc. conservam um lugar
preponderante na economia do sagrado. Tudo o que « t á " n o al­
to” , o que é "elevado” continua a revelar o transcendente seja
em que conjunto religioso for. Sc as "form as” divinas mudam,
se. pelo simples fato de se tetem revelado como tais, isto c, como
"form as” , na consciência do homem, elas/tossuem um a “ histó­
ria" e seguem a linha do seu "destino", o sagrado edeste con­
serva a sua "atualidade” por toda pane c cm qualquer circuns­
tância. Afastado do culto c substituído no mito, o Céu mantêm-
se no simbolismo. E « te simbolismo edeste. por sua vez. intro­
duz c mantém numerosos ritos <da ascensão, da escalada, da ini­
ciação, da realeza, etc.), mitos <a árvore cósmica, a montanha
cósmica, a corrente de flechas, etc.), lendas (o vôo mágico, etc.).
De m andram aisou menos explicita, o simbolismo do ••Centro” ,
que desempenha um papel considerável cm todas as grandes reli­
giões históricas, é constituído por elementos cclrttes (o "ccr.tro” ,
o eixo do mundo, ponto dc comunicação entre as três regiões cós­
micas; é sempre cm um “ centro" que pode operar-sc a ruptura
dc nivel. a passagem entre av diferem « zonas cósmicas).
Poderia dizer-se, numa fórmula sumária, que a "hivtóiia"
conseguiu empurrar para segundo plano as "form as” divinas dc
estrutura celeste <é o caso dos seres supremos) ou que os abastar-
dou (os deus« da tempestade, os fecundador«), mas « t a "hh-
O C t v P E V S £ S V K A K tA tfO S 101

l ó r i a " , is to c . a e x p e r im e n t a ç ã o c a in te r p r e ta ç ã o s e m p r e n o v a
d o s a g r a d o , p e lo h o m e m , n 3o c o n s e g u iu a b o lir a r e v e la ç ã o im e ­
d i a t a e c o n t i n u a d o s a g r a d o c e le s te : r e v e l a ç ã o d c e s t r u t u r a i m ­
p e s s o a l. im e m p o r a l, a -h is tó r ic a .
P r c c i s a m c n t e p o r s c r i n t e m p o r a l o s i m b o l i s m o c e le s t e c o n ­
s e g u iu m a n t e r - s e e m t o d o s o s c o n j u n t o s r e lig io s o s ; d e f a t o , o s im ­
b o lis m o v a lo r iz a e m a n te m t o d a “ f o r m a " r e lig io s a , sem se e s g o ­
t a r c o m e s t a p a r t i c i p a ç ã o ( § § 1 6 6 s s .) .
III

O Sol e os cultos solares

36. Hlcrofanias solares c radonalismo — Acreditou-se ou-


trora. nos tempos heróicos da história das religiões, que a huma­
nidade sempre conhecera o culto do Sol. Os primeiros ensaios de
mitologia comparada descobriam vestígios dele por toda a parte.
No entanto, a partir de 18?0. um etnólogo tão notável como A.
Bastian observava que esse culto solar se encontra, de fato, so­
mente em raras regiões do globo. E, meio século mais tarde. Sir
James Frazcr, retomando o problema no quadro das suas pacien
tes pesquisas sobre a adoração da Natureza, notará' a inconsis­
tência dos elementos solares na África, na Austrália, na Mclané-
sia, na Polinésia e na Micronésia. A mesma inconsistência se ve­
rifica, com algumas exceções, nas duas Américas. Foi só no Egi­
to, na Ásia c na Europa arcaica que aquilo a que se chamou o
“ culto do Sol” gozou de um favor que pôde adquirir, no mo­
mento oportuno — no Egito, por exemplo —, um verdadeiro pre­
domínio.
Considcrando-sc que, além-Atlântico, o culto solar se desen­
volveu unicamente no Peru c no México, ou seja, entre os únicos
povos americanos “ civilizados", c que atingiram o nívd de uma
autentica organização polítka, não se poderá deixar de distinguir
uma certa concordância entre a supremacia das hierofanias sola­
res c os destinos “ históricos” . Dir-se-ia que o Sol predomina nas
regiões onde, graças aos reis, aos heróis, aos impérios, “ a histó­
ria se encontra cm marcha“ . Muitas outras hipóteses, por ve/.cs
vcrdadcirarnemc fantasistas, foram formuladas pata justificar este
paralelismo entre a supremacia dos cultos solares c a diíuvüo da
civilização histórica. Alguns autores chegaram rticsmó â fãlãT dê
“ Filhos do Sol" que teriam propagado por toda a parte, no de-
104 TR A TA D O D E HISTÓRIA D A S RELIGIÕES

curso dc périplos c dc migrações sem fim, o culto do Sol e. ao


mesmo temiK», os princípios essenciais da civilização. Deixare­
mos de lado, como temos feito ate aqui, a questão da “ história” .
Limitemo-nos a constatar que, ao contrário das figuras de estru­
tura celeste cujos vestígios encontramos quase por toda a parte,
a s figuras divinas solares são pouco frequentes.
Voltaremos a elas em breve. Mas é preciso, ames, evitar um
erro de perspectiva, que poderia tornar-se vício dc método. Que
remos lembrar, por um lado, que as figuras divinas solares (deu­
ses, heróis, etc.) não esgotam as hierofanias solares mais do que
as outras figuras esgotam as respectivas hierofanias. E dcvc-sc
saber, por outro lado, que, ao contrário das outras hierofanias
cósmicas, tais como as da Lua ou das águas, a sacralidadc ex­
pressa pelas hierofanias solares não c sempre transparente para
um espírito ocidental moderno, Mais exaiameme ainda, o que per­
manece transparente e. portanto, facilmente acessível num a hic-
rofania solar é tão-só, na maior parte dos casos, o resíduo dum
longo processo de erosão rackmalista, resíduo que chega até nós.
sem que o saibamos, pelo veículo da linguagem, do costume c
d a cultura. O Sol acabou por tornar-se um dos lugares-comuns
d a “ experiência religiosa indistinta” na medida ern que o simbo­
lismo solar se viu reduzido a não ser mais do que uma utensila­
gem banal de automatismos e estereótipos.
Não é nossa intenção explicar as alterações que afetaram,
n a experiência do homem moderno, a piópria estrutura da hie-
rofania solar. Por isso não procuraremos determinar em que me­
dida o importante papel astronómico e biológico reconhecido ao
Sol no decurso dos liltimos séculos não ss\ modificou a posição
do homem moderno perante este astro c as relações de experiên­
cia direta que pode manter com ele, como também alterou a pró­
pria estrutura do simbolismo solar. Baste-nos salientar uni fato:
a orientação da atividade mental a partir dc Aristóteles contri­
buiu, em larga medida, para embotar a nossa receptividade para
com a totalidade das hierofanias solares. Que esta nova orienta­
ção mental não anula necessariamente a possibilidade da expe
riência hicrofânica em si mesma, tentos a prova disso no caso da
L ua. Ninguém sustentará, com efeito, que o homem moderno é,
ipso Jacto, impermeável às hierofanias lunares. Pelo contrário,
a coerência dos símbolos, dos mitos e dos ritos lunares não apre­
senta para ele menor transparência do que paru um representan­
te das civilizações arcaicas. Talvez esta afinidade das duas estru­
O SOL £ OS CULTOS SO LAR E S 10?

turas mentais (••primitiva" e "moderna” ) cm presença das ma­


nifestações dos modos lunares do sagrado se explique pela sobre­
vivência, até no horizonte da mentalidade mais declaradamente
racionatista, daquilo ít que se chamou o “ regime noturno do es­
pírito". A Lua visaria então uma camada da consciência huma­
na que o mais corrosivo racionalixmo seria incapaz de atacar.
É um fato que o "regime diurno do espirito" é dominado
pelo simbolismo solar, quer dizer, cm grande parte, por um sim­
bolismo que. se nem sempre é factício, é muitas vezes o resulta­
do de uma dedução racional. Isso não quer dizer que todo c qual­
quer elemento racional das hicrofanias solares seja, ao mesmo
tempo, tardio ou artificial. Tivemos ocasião de ver que a " ra ­
zão” não estava ausente das hicrofanias mais arcaicas, que a ex­
periência religiosa não é incompatível a priori com a inteligibili­
dade, Q tardio e o artificial é 0 primado exclusivo da razão, por­
que a vida religiosa, quer dizer, para nos limitarmos a uma defi­
nição sumária, a experiência das cratofanias. das hicrofanias e
das teofanias, mobiliza a vida total do homem e seria quimérico
querer estabelecer fronteiras entre as diferentes regiões do espíri­
to. As hicrofanias arcaicas do Sol constituem, a este respeito, um
excelente exemplo. Corno veremos, elas revelam uma certa inte­
ligência global do real, sem deixarem de revelar, ao mesmo tem­
po, uma estrutura coerente e inteligível do sagrado. Mas esta in­
teligibilidade não pode rcduzir-sc a uma série dc "verdades ra­
cionais” evidentes e a uma experiência não hicrofãnica. Exem­
plifiquemos: por mais radicais que sejam, numa apreensão total
da vida e da realidade, as relações entre o Sol e as trevas ou os
mortos, ou ainda o binômio especificamente indiano "Sol-
serpente” . não sc segue dai que sejam transparentes numa pers­
pectiva puramente racionalisla.37

37. Solarização dos seres supremos — Salientamos, no capi­


tulo anterior (§ 17). n tendência dos seres supremos de estrutura
celeste para desaparecerem tio primeiro plano da vida religiosa,
dando lugar a forças mágico-religiosas ou a figuras divinas mais
ativas, mais eficazes c, dc maneira geral, mais diretamente rela­
cionadas com a "v id a” . Com efeito, aquilo a que se chamou a
ociosidade dos seres supremos uranianos resume-se, cm última
análise, ã sua aparente indiferença às vicissitudes, sempre mais
intrincadas, da vida humana. Por motivos de proteção (contra
106 TR A TA D O DE HISTÓRIA M S RELIGIÕES

as foiças adversas, contra o destino, etc. I c de ação (necessidade


de assegurar a subsistência pela magia da fertilidade, etc.), o ho­
mem sente-se mais atraído para outras "form as” rei*tosas, das
quais se descobre cada ve2 mais dependente: antepassados, heróis,
civilizadores; grandes deusas, torças mágico-religiosas (mana), cen­
tros cósmicos de fecundidade (Lua, águas, vegetação). Assim, ob­
servamos o fenômeno geral — na área indo-mediterrânica — da
substituição da figura suprema uraniana |x>r um deusatincsférico
e fecundador, esposo muitas vezes ou simplesmente acòh to. subor-
dinado, da Grande Mãe telúrico-lunar-vegetal e, por vezes, pai de
um "deus da vegetação” .
A passagem de "criador” a "fccundadot". odcshzar da oni­
potência. da transcendência, da impassibilidade uranianas para o
dinamismo, para a intensidade c para o dramatismo elas figuras
atmasféricas-ícnilizanics-vcgetais n.lo deixara de ser significativos.
Deixam entrever, por si sós, que um dos principais fatores da de­
gradação, mais óbvia nas sociedades agrícolas, das concepções da
divindade c a importância sempre crescente dos valores vitais, da
"vida” no horizonte do homem econômico. E, para nos limitar­
mos à área indo-meditcrrãnica, é interessante verificar que os deu­
ses supremos mesopotâmicos acumulam frequentemente os sorti­
légios da fecundidade com os seus sortilégios solatcs. Marduk c disso
o exemplo mais notório1: esta característica encontra- se em outros
deuses do mesmo tipo. quer dizer, cm deuses cm vias de terem acesso
à supremacia. 1’odcr-sc-ia mesmo dizer que estas divindades da ve­
getação denunciam a coexistência de atributos solaras na medida
cm que os elementos vegetais figuram na mística c no mito da so-
berania divina3.
Esta conjunção dos elementos solares e vegetais explica-se evi-
dentemente pelo papel extraordinário do soberano, tanto no pla­
no cósmico como no plano social, na acumulação c na distribui­
ção da “ vida” . Assim, pois. a solarizaçào progressiva das divin­
dades celestes corresponde ao mesmo processo decrosào que con­
duziu, cm outros contextos, á transformação destas di vindades ce­
lestes em deuses atmosférico-fecundadores. Entre ov Imitas, por
exemplo, o deus celeste apresenta-se, já nos tempos históricos, num
estado bastante avançado de solarizaçào4, e. cm relação com a so­
berania cósmico-biológica, provido pois de elementos "vegetais”
em conformidade com a fórmula: deus-ret-árvorc dc vida3.
O fenómeno é, de resto, muito mais frequente c mais antigo
do que deixariam entrever os documentos orientais, dominados.
O SO L E OS C U LTO S S O L A K iS 107

nào o esqueçamos, pela mística da soberania. É assim que as ca­


madas arcaicas das culturas primitivas denunciam já o movimento
de transferência dos atributos do deus uraniano para a divinda­
de solar, assim como a coalescência do ser supremo com o deus
solar. O arco-ins, tido cm tantos lugares (§ 14) por uma epifania
uraniana, acha se associado ao Sol c torna-se — entre os fuegia-
nos, por exemplo — o "irm ão do Sol"*. Geralmente trata-se de
relações de filiação entre o deus supremo de estrutura celeste c
o Sol. Para os pigmeus semang. os fuegianos e os boscliímanes.
o Sol é o "o lh o " d o deus supremo’. A índia védica c outras re­
giões oferecer-nos-ão um processo análogo. Entre os wiradjuri-
kamilaroi do sudoeste da Austrália, o Sol é visio como Gtogora-
gally em pessoa, filho do criador c figura divina favorável ao
homem*; mas, sem dúvida por influência do matriarcado, a Lua
é tida pot segundo filho do ser supremo-*. Os samoiedos veem no
Sol e na Lua os olhos de Num (= céu): o Sol c o olho bom, a
Lua o olho mau10. Os yuraks das tundra, na região de Obdorsk,
celebram uma grande festa no mvemo, à primeira aparição do
Sol, mas oferecem um sacrifício a Num, indicio do caráter origi-
nariamente celeste da solenidade. Entre os yuraks das regiões das
florestas (Wald-Yurakcn), o Sol. a Lua c " o pássaro do raio"
são os símbolos de Num; a árvore da qual se suspendem, à guisa
de oferenda, cabeças de animais tem o nome de "árvore do Sol",
ainda que originariamente este sacrifício fosse privilegio de
Num” . Entre os tchuktches, o Sol substitui a divindade supre­
ma: os principais sacrifícios são oferecidos aos bons espíritos c
sobretudo ã luz do Sol. Segundo Gahs, a introdução do culto do
Sol em todo o norte da Ásia seria obra destes mesmos tchuktches
e dos yukaghirs.38

38. África, Indonésia — A soiarizaçào do ser supremo


uraniano” é um fenômeno bastante frequente na África. Toda
uma série de povos africanos dá ao "ser supremo” o nome dc
"Sol” ’3. As vezes — c o caso dos munsh — o Sol passa por ser
o filho do Ser Supremo Awondo e a Lua por sua filha'4. Quan­
to aos ba-rotse, fazem do Sol a "morada” do deus do Céu, Niam
bc. c da Lua. sua mulher’5. Entre outros povos, assistimos a uma
assimilação do deus celeste ao Sol por coalescência: para os lou-
yi, por exemplo. Niambe é ò Sói16 e para os kavirondo o Sol
substitui o culto do ser supremo17. Os kaffa chamam Abo ao ser
108 7f A TACO P E M ST Û X IA P A S X E U ü iÔ E S

supremo, o que quer dizer ao mesmo tempo " P a i'' e “Sol", e


incorporim-txi txt Sol Segundo um dos mait recentes especialis­
tas deste poro, F. J. Baber1*, esta solarizaçàc &apenas um fe­
nômeno tardio e Abo era, originariamcr.tc, am "Liclitgoti oiler
Himmelsgoct".
I* interes-sante verificar que a solarizaçdo do ileus supremo
afrrcaixi não consegue que ele conserve urna poderosa mu.ilida-
dc na vida rdipiosa. Assim, entre diversos povos bantoe da Áfri­
ca orienta! e em particular entre os dschagga do Kilimandjaro,
o ser supremo e Ruiva {o termo significa "Sol” ): habita, de lato,
o Sol, mas conserva ainda elementos uranianos c. sobretudo, a
passividade característica di>.» deuses uranianos; tal como eles, Ru
wa não possui um culto; é tão só nas situações estremas que se
lhe oferecem sacrifícios c se lhe dirigem preces'*.
O tnesnio jogo de substituição se acha aa Indonésia. Puem-
pakibiiru. o deus solar dos toradja, toma pouco a pouco o lugar
de l-Iai, o deus celeste, cuja obra cosmogónica ele continua*®. O
deus solar é assim promovido a demiurgo, ta! como r.a América;
entre os tiirtgit, por exemplo, vemos o demiurgo, sob a forma de
corvo, identificai-se ao Sol c receber do deus celeste supremo,
de que c subordinado ou filho, a tmssáo de continuar e ik consu­
miu a obra de criação começada por ele*1. Surpreende-se aqui
o elemento dir.ârruco e organzador, que, incorporado pela divin­
dade solar, corresponde, em outro plano, ao elemento./ t tunda-
d v r dos deuses atmosféricos (§ 26). Mas. tal como estes, o deus
solar nâo é criodor, como eles. acha se subordinado ao criador
c rcccbc dele o mandato para terminar a obra da criação. Fin com­
pensação. o dendurgo solar apodera-se daquilo que a maior par­
te dos deuses solares, que substituiu o ser supremo celeste ou com
ele se fundiu, não conseguiu obter: a atualidade na vida religiosa
e uo mito. Bastara lembrar o lugar captai desempenhado pelo
corvo na mitologia norte americana c pela águia — substituto ou
simbolo do Sol — na mitologia ártica c nortc-asiática.39

39. Solariração entre os munda — O melhor exemplo de so-


larização do ser supremo nos c fornecido pelos povos kolarianov
da índia. Os inunda de Bengala colocam á cabeça do seu pan-
le&o SU;ç-b«cg. o Sol. Ura deus doce que não se intromete nas
coisas dos homens, vem que por isso esteja inteiramente ausente
O SOL C OS COL TOS SO LAR E S 109

do culto. Recebe sacrifícios de bodes brancos ou de galos bran­


cos c, no mês dc agosto, por ocasião da colheita do arroz, lhe
são oferecidas primícias22. Casado com a Lua, c considerado o
autor da criação cósmica, ainda que o seu mito cosmogônico fa­
ça intervir, na qualidade dc demiurgos subordinados, a tartaru­
ga, o caranguejo e a sanguessuga, sucessivamente encarregados
por Sing bong dc trazer terra do fundo do oceano25.
Os povos khond d a província dc Orissa adoram como deus
supremo c criador Bura Pennu ("deus da luz") ou Bela Pennu
("deus do Sol” ); o processo dc solarização encontra sólida con­
firmação no carátet benevolente e de certo modo passivo desta
divindade: Bela Pennu não figura no Culto’4. Os bithors de Cho-
ta Nagpur imolam ao deus do Sol, sua divindade suprema, gali­
nhas e bodes brancos, em especial em casos críticos ou para asse­
gurar as colheitas. Como seria dc esperar, foi sua inserção no me­
canismo da "produção vital” que fez adquirir e conservar a "atua­
lidade" dc culto. Dizem-no clatamenle as preces que lhe são di­
rigidas por ocasião das libações c dos sacrifícios. Quando nasce
uma criança, o pai oferece uma libação de água e, de rosto volta­
do para o Oriente, pronuncia us palavras: "Oh! Sing-bonga, eu
tc faço esta libação dc água. Faz correr o leite dos seios da mãe
dela como corre esta água que aqui vês!” 2* E para assegurar uma
boa colheita dc arroz o chefe dc família compromete-se a sacrifi­
car uma galinha branca: "Te prometo, oh, Sing-bonga! Faz cres­
cer os grãos c cu tc farei o sacrifício desta galinha branca no tem­
po da debulha.” Depois, deixa a galinha branca c imola uma ga­
linha preta. A data do sacrifício, no dia da lua cheia do mós de
baishak (abril-maio), não deixa qualquer dúvida acerca da sua
intenção: a galinha negra i oferecida á divindade ctõnico-agrária,
que tem a jurisdição suprema sobre a fecundidade do solo2*. O
exemplo c típico das vicissitudes sofridas pelo ser supremo sola-
rizado: 1?. substituição da figura celeste onipotente e criadora
pelo Sol. como ser supremo; 2‘\ presença do deus solar no culto
devido cm especial ás suas virtudes fecundantes; 3?, presença dc
eficácia, não infalível apesar dc rudo, visto que o fiel sc previne
ao invocar ao mesmo tempo o favor das forças lunar-ctônicos-
agrárias que comandam a fecundidade universal.
O Sol è igualmente o ser supremo de um outro povo munda,
os oraon, que lhe dão o nome de Dharmesb. Sem dúvida sua prin­
cipal preocupação religiosa é a de apaziguar os espíritos, bhut:\
mas — como acontece com as divindades uranianas —, quando
110 TR A TA D O DF. HISTÓRIA D A S R F U ü /Õ F S

o socorro dai outras forças mágico-religiosas se mostra ilusório,


os oraon voltam-se para Dharmesh: "N ós tentamos tudo. mas
temos a ti para nos socorrer!" E sacrificam-lhc um galo branco,
exclamando: “ Oh. Deus!, tu és o nosso criador. Tem piedade de
n ó s!"2* Pesquisas recentes mostraram, por um lado. a existên­
cia nos povos munda de um deus supremo autóctone e autêntico
e, por outro lado. a data relaiivamcntc tardia da sua evicção pe­
las divindades do Sol e da Lua. Segundo Bodding, a coalescência
do deus supremo santalt, Thakkur. com o Sol (o ser suprenso
chama-se também Chanda, "Sol” ) seria igualmente bastante tar­
dia. Rahman dedicou-se, por sua ve/, a seguir a solarização c a
lunaiizaçáo dos veies supremos nos povos gond c munda. F.nfim,
W . Koppcrs, num notável estudo comparativo29, procurou de­
monstrar ao mesmo tempo a autenticidade dos seres supremos
nos povos pré-dravidicos c pré-arianos c uma possível influência
das suas concepções religiosas sobre os invasores indo-eu-
ropeus*0.

40. Cultos solares — Na Indonésia c na península de Malac-


ca. o culto solar é esporádico. Já demos aqui alguns exemplos
dc solari/açáo dos seres supremos indonésios (§ 3S). A ilha de
Timor c os arquipélagos vizinhos são as únicas exceções. Se bem
que a vida religiosa seja dominada, cotns* de resto em toda a In­
donésia. pelo culto dos mortos c dos espíritos da natureza, o deus
solar ainda conserva ali uma posição importante. Em Timor, Usi
Ncno, o "Senhor Sol", é o esposo da "Senhora Terra’*, L'si-Afu,
e o inundo inteiro nasceu da sua união. Mas a deusa da terra náo
deixa dc receber a parte maior dos sacrifícios, devendo o Sol
contentar-se com um único grande sacrifício anual, por ocasião
d a colheita11. Na ilha Wcttar. ao norte dc Timor, o ser supremo
conserva ainda, apesar da sua solarização, os traços de uma es­
trutura celeste primitiva: chamam-lhe o "Grande Senhor” ou o
"Velho Lá-de-cima" (cf. $§ 12 s.). Habita a abóbada celeste e
também o Sol c encarna o princípio masculino, enquanto a Ter­
ra c feminina. Os autóctones têm acerca dele ideias muito vagas
e só lhe oferecem sacrifícios cm caso de doença'-, sintoma indis­
cutível da retirada do ser supremo uraniano do primeiro plano
d a 3tualidade religiosa.
A lo te dc Tttnor, nos arquipélagos Lcti, Scnnaia, Babar c
Timorlaut, o Sol é considerado a divindade ntals importante e
O SOI. E OS CULTOS SO LAR E S III

(em o nome de Upulero, o “ Senhor Sol” . Também aqui o deus


solar conservou a vitalidade graças á sua transformação cm fe­
cundador. Com efeito, o seu culto pode ainda acusar alguns ves­
tígios da sua nobreza e inircza originais, tx>is não tem imagem
c c adorado sob forma de uma lâmpada feita de folhas de co­
queiro. Isso nào impede, no entanto, que todo o ritual se con-
ccntie na conjuração da fecundidade cósmica. Uma vez por ano,
no começo da estação das chuvas, rcaliza-sc a grande solenidade
de Upulero: dura um mês c tem por finalidade assegurar a chu­
va. a fertilidade dos campos c a riqueza da comunidade. £ então
que, segundo a crença destes povos, o Sol desce a uma figueira
para fecundar a sua esposa, a Terra Mãe. Para lhe facilitar a des­
cida, pôe-se na figueira uma escada de 7 ou 10 degraus (mencio­
namos a n is o símbolo celeste das escadas de 7 degraus, cf. § 31).
Depois, junto a esta mesma figueira, realizam se sacrifícios dc
porcos e cães c. por fim. no meio dc cantos e de danças, uma
orgia coletiva, característica indubitável dc uma mística agrária
(5 138). As preces pronunciadas na ocasião atestam a função dc
fecundador e dc depositário dos recursos alimentares que o Sol
agregou a si: "Oh! Senhor, avô-Sol, desce! A figueira produziu
novos rebentos... A carne do porco está pronta c partida em bo­
cados. As barcas da aldeia estão carregadas de presentes. Senhor,
Sol-avô, cs convidado para o banquete. Corta c come! Ikbe!...
Vem, Senhor, Sol-avô! Nós esperamos que tu nos dês muito mar
fim c muito ouro. Faz com que as cabras tenham cada uma dois
ou três cabritos. Faz aumentar o número dos nobres c multiplicar-
se o do povo. Substitui os bodes c os porcos mortos por outros
vivos. Substitui o arroz c o bétele. Enche dc arroz os cestos va­
zios", etc...” 41

41. Descendência solar — Upulero pode igoalmcntc ter


filhos'*. Na ilha de Timor, alguns chefes intitulam-se. dc resto,
“os Filhos do Sol’"' c pretendem descender diretamenle do deus
solar. Fixemos este mito do Sol criador do homem c das relações
imediatas — filiais, familiares — entte o deus solar e uma certa
categoria dc pessoas Isto. no entanto, não é privilegio exclusivo
do deus solar: conto teremos ocasião de verificar nos capítulos
seguintes, qualquer tegiâo cósmica — Águas, Terra. Vegetação
— pode arrogar-se uma função antropogònica; cm cada uma des­
tas regiões cósmicas o homem pode. cm virtude da dialética hte-
m TRA TAPO DE HISTÓRIA D A S RELIGIÕES

roíânica. identificar a realidade absoluta c ao mesmo tempo a


matriz primordial dc que lhe vem o ser c a vida.
Mas no ( « o do Sol esta genealogia indica algo mais: traduz
a« modifica^õrs consecutivas á solarizaçáo do ser supremo ou à
transformação do Sol em ‘'fecundador’’ e em “ criador especia­
lizado", rnooupolirado por certas sociedades humana.« e até mes­
mo cenas famílias, as dos chefes ou dos soberanos, por exem­
plo. Desta m ineira, na tribo australiuna urunta, o Sol, que c do
sexo feminino, desempenha um papel mais importante do que a
Lua. que í do icxo masculino, no sentido em que é “ olhado co­
mo :cndo relações bem definidas com cada um dos membros das
diferentes subdivisões sociais” '6. Eslas relações são igualmenie
conhecidas dos lotitja57 c das tribos do sudeste^. O que os aus­
tralianos consideram como “ relações bem definidas com cada um
dos membros da sociedade’’ (porque o homem enquanto espécie
c uma criatuta do próprio ser supremo celeste; ver §{ 12 ss.)
traduz-sc, algares, em relação direta de pai ou dc avô da tribo:
por exemplo, entre os índios pes-pretos. arapahos, ctc.,!l Os kor-
ku da índia julgam-se frutos da união do So! c da Lua'*" Volta­
mos a encontrar o mesmo tipo de relações nas sociedades evoluí­
das, mas restringidas neste caso ao soberano e às famílias nobres.
No entanto, na Austrália, as relações entre homem c Sol são sus­
ceptíveis. num outro plano, dc uma segunda validação, a saber,
a identificação do homem com o Sol através do cerimonial da
iniciação. O candidato, que pinta a cabeça dc vermelho, arranca
os cabelos e a barba, sofre uma “ morte" simbólica e renasce no
dia seguinte ao mesmo tempo que o Sol; este dram a miciático
assimila-o ao betói solar Grogoragally, o filho do criador". 42

42. O Sol hlerofante c psicobomba — Este cerimonial au


traliano revela um novo elemento importante que nos dá a solu­
ção do papel desempenhado pelo Sol nas diversas áreas culturais
c cm outro» contextos históricos. Certas tribos australianas
mostraram-nos o Sol em relação com cada membro da comuni­
dade em particular. Nas tribos wiradjuri-kamilaroi, que se encon­
tram num estádio ainda mais atrasado do que os aiunta e os lo-
ritja, estas relações são de outra ordem: tem cm vista assimilar
0 iniciado ao herói solar, filho do ser supremo celeste. P d a ini­
ciação. o homem torna-se assim, de certa maneira, filho do scr
supremo, mais cxataniente transforma-se nele graças à *u3 mor-
O SOL E OS C V L W S SO L A R E S 113

te ritual seguida da sua ressurreição como Sol. Ora, estas parti­


cularidades não estabelecem somente que. na religião de povos
tào “ primitivos" como os vviradjuri-kamilaroi, o Sol se ache ern
estado de subordinação para com o Ser Supremo e que sc encon­
tre vinculado, por ordem deste, à “ salvação" do homem por via
de iniciação. F.las revelam, além disso, que o Sol pode ainda as­
sumir uma função importante no domínio das crenças funerárias,
cm tudo o que diz respeito à condição do homem após a morte.
Grogoragally apresenta à parte, ao ser supremo, a alma de cada
defunto'*; pode apresentá-la como já iniciada, quer dizer, como
tendo já conhecido a morte e a ressurreição c sendo ela mesma
um “ Sol". O Sol torna sc assim o protótipo do “ morto que res­
suscita a cada manhã"’. I odo um conjunto de crenças em liga­
ção com a iniciação c a soberania — e às quais voltaremos den­
tro cm pouco — deriva dessa valorização do Sol em deus (herói)
que, sem conhecer a morte (como a conhecia, por exemplo, a
Lua), atravessa cada noite o império da morte e reaparece no dia
seguinte, ele próprio eterno, eternamente igual a si mesmo.
O “ pôr do-Sol" não é percebido como uma "m orte" (ao
contrário do caso da Lua durante os três dias de obscuridade),
mas como uma descida do astro às regiões inferiores, ao reino
dos mortos. Ao contrário da Lua. o Sol goza do privilégio dc atra­
vessar o Inferno sem sofrer a morte. O seu itinerário predestina­
do pelas regiões inferiores náo deixa, por isso, de lhe conferir pres­
tígios c valências funerárias delas. Assim, pois, desde que deixa
dc desempenhar uma função de destaque no panteão ou na expe­
riência religiosa dc um a civilização, a titulo de ser supremo sola-
rizado ou fecundador, o Sol revela uma certa ambivalência que
abre novas perspectivas a modificações religiosas ulteriores.
Esta ambivalência poderia scr formulada da seguinte manei­
ra: sc bem que im ortal, o Sol desce todas as noites ao reino dos
mortos; cie pode levar consigo homens e. ao pôr-se, dar-lhes a
morte; mas. ao mesmo tempo, ele pode, por outro lado. guiar
as almas através das regiões infernais e no dia seguinte traze-las
para a luz. Função ambivalente dc psicobomba "m atador” c hic-
rofante iniciárico. Daí vem a crença, espalhada na Nova Zelân­
dia c na Novas Hébridas, de que um simples olhar sobre o pôr-
do-Sol pode provocar a morte0 . O Sol arrasta consigo, “ aspi­
ra” as almas dos vivos com a mesma facilidade com que guia.
na qualidade de psico-pompos (psicobomba), as almas dos mor­
tos pela “ Porta do S o l", a ocidente. Os habitantes do estreito
114 TRATAD O DE HISTÓRIA D A S R f.U C IÔ fS

dc Torre*crccra r.z exiMênda dc uma ilha mítica em algum lugar


a oádcaic dism ada Kibu: a “ Porta do Sol” . O vento impele pa­
ra ela a> almas do> mortos41. Na ilha Hervey. os indígenas pen­
sam qae os iiorto» se reúnem em grupos c que. duas vezes por
ano, per ocasião des solstícios, tentam seguir o Sol. no momen­
to em qce se põe. pata descer às regiões inferiores45. Em outras
ilhas da Polinésta, o poeto mais ocidental do território chama-se
” o lugar onde saltam as almas” 1®.
Muito difundidas st acham também na OceSnia as crenças
segundo as quais os mortos acompanham o Sol no oceano, c são
levados em "barcas soiares” . ou as que situam no poente o reino
dos mertos47. O destino das almas que mergulham no poente não
é. evidcntcrr.cr.te, uniforme: nem todos conhecem o que pode­
riamos cliamar de modo aproximado a "salvação” . F- então, com
eféita. que m im em a virtude sotcnológica da iniciação c o pa­
pel das sociedades secretas, para escolher os eleitos c separá-los
da massa amorfa do comum dos mortais (separação manifesta
na mística da soberania c dos “ Filhos do Sol” ). Assim, nas ilhas
Hervey, só os que caíram cm combate são levados p aia o céu pe­
lo Sol; os outros mortos são devorados pelas divindades infer­
nais Akaranga e Kiru4*.
A dicotomia herói ou iniciado e morto por via natural tem
um lugar considerável na história das religiões c teremos de vol­
tar a ela num capitulo especial. Por ora. devemos mencionar que
há muito se observou na mesma área oceânica o paralelismo en­
tre os caracteres do culto solar c o culto dos antepasvados. dois
complexos religiosos que encontram expressão comum na ereção
de monumentos megalíticos1'*. Por outro lado, Rivers destaca na
Polin&ia c na Micronésia correspondências determinadas entre
a distribuição dos monumentos megalíticos c ac sociedades
secretas50. Mas os monumentos megalíticos acham se sempre em
relação com o culto solar. Assim, nas ilhas Sociedade, os mcgáli-
tos (marac) são orientados para o Levante, tal como o r.ança fid-
jiano, enquanto nas ilhas Banks existe o costume «le untar um
megálito com argila vermelha, para que o Sol brilhe de novo. Cul­
to dos antepassados (■= mortos), sociedades secretas c, portan­
to. iniciações destinadas a garantir a melhor sorte «i pós a morte,
culto solar, por fim: estes três elementos, dependendo de sisce-
BtáS á primeira vista inconvertiveis, são na realidade solidários:
eks coexistem já virtualmente nas hicrofanias solares arcaicas,
como, por exemplo, na Austrália.
O SOL E OS CULTOS SO LAR E S 115

Retenhamos esta idéia de “ escolha” , de "seleção” , que os


rituais iniciáticos funerários praticados sob o signo do Sol impli­
cam. I-cmbremo-nos também de que em diferentes partes do mun­
do os chefes passavam por descender diretamente do Sol: os che­
fes polinésios51, os chefes dos povos Natchez e incas3-. da mes­
ma forma que os reis hititas (qualificados “ meu sol” ) ou babilô­
nios (cf. placas de pedra de Nabüapla-iddin), ou o rei indiano-,
têm o nome c a qualidade de "Sôis", “ Filhos do Sol” . “ Netos
do Sol” , ou entáo encarnam o Sol no seu corpo místico, como
c o caso do rei indiano, liotie os pastores africanos masai34, as­
sim como na Polincsia". os chefes são os únicos que podem ser
identificados, após a sua morte, com o Sol. Fm suma, “ escolha” ,
“ seleção” operada, quer pelo ritual de iniciação da sociedade se­
creta, quer pela iniciação automática que a soberania como tal
constitui. A religião solar egípcia constitui a este respeito um exem­
plo ideal e merece que nos detenhamos nela por 3 lg u m (empo.

43. Cultas solares egípcios — Mais do que qualquer outra,


a teligiâo egípcia foi dominada pelo culto solar. Desde a época
antiga o deus solar tinha absorvido diversas divindades, tais co­
mo Atum, Hórns c o escaravelho Khipri5*. A partir da quinta di­
nastia 0 fenômeno gcneraliza-sc: numerosas divindades fundem-
se com o Sol e dão assim origem às figuras solarizadas Chnum-
Rá, Min-Rá, Amon-Rá. ctc.3? Nào temos de decidir, aqui, entre
as hipóteses rivais de Kecs c Sethe a respeito das origens históri­
cas da doutrina solar. Admite sc, cm todo o caso. que o apogeu
desta doutrina se situa na quinta dinastia e que o seu sucesso pro­
vém ao mesmo tempo do reforço da noção de soberania e dos
esforços dos sacerdotes dc Hierópolis. Mas, como parece provar
um certo número de pesquisas tecentcs, a supremacia solar foi
precedida pela dc outras figuras divinas, mais antigas c mais po­
pulares também, no sentido de que não pertenciam cxclusivamcmc
a grupos privilegiados.
Sabia-se, desde há muito, que Shu. deus da atmosfera c por­
tanto originariamente figura uraniana. tinha sido, posteriormente,
identificado com o Sol. Mas Wainwnght reconheceu, por seu la­
do, cm Amon uma velha divindade do Céu, c H. Junkcr, por ou­
tro lado, julgou ter descoberto um antiquíssimo “ Allgott” celes­
te em Ur (w/), cujo nom e significa “ o Grande” ; cm ca lo s caso*,
vê-sc Ur tomar como esposa a deusa Nut, “ a Grande” (w /). de
116 TR A TA D O DE H ISTÓ RIA D A S RELIGIÕES

acordo cora o mito do par cósmico Céu-Terra (cf. § S4). A au­


sência total de Ur nos monumentos públicos (reais) e.xplicar-sc-
ia pelo seu caráter popular. Junkcr tentou mesmo reconstituir a
história de Ur. E, em duas palavras, a história da sua privação
do nível supremo peia sua integração nas teologias locais: torna-
se um auxiliar de Ra <vêmok> curar os olhos do Sol, atingidos
temporariamente de cegueira), é em seguida assimilado a Atum
e por fim a Rà. Não nos achamos suficientemente competentes
para iniervii n* discussão levantada pelos estudos de Junkcr. Mas
a concordàivha que parecem dar às grandes linhas do sistema egip-
tólogos da classe dc Capar: e de Kccs decidiram-nos a mencioná-
los. Na perspectiva da história das religiões a aventura dc Amon
ou a dc Wr são tudo o que há dc mais coniprccnsívef: mostramos
já que os seres supremos de estrutura uraniana tendem, quando
não caem no toial esquecimento, a transformar-se em deuses
atmosférico-fecundadores ou a solanzar-se.
Dois fatores, já scdtxvc. contribuíram dc maneira capital para
consolidar a supremacia dc Rà: a teologia hieropolitanu e a mís­
tica da soberania, sendo o próprio soberano identificado com o
Sol. Uma preciosa contraprova disso está na concorríncia que.
durante um certo tempo, Rã, deus solar e funerário (imperial),
sofreu da parle dc Osiris. O Sol punha-sc no Campo das Oferen­
das ou Campo do Repouso para se levantar no dia seguinte no
ponto oposto da abóbada edeste chamado Campo das Canas. Es­
tas regiócs solaies que, desde a época pré-dinástica, dependiam
dc Rá receberam além disso, no decurso das terceira c quarta di­
nastias, uma atribuição funerária. É do Campo das Car.as que
a alma do faraó parte ao encontro do Sol na abóbada celeste,
para chegar, guiada por ele, ao Campo das Oferendas. A princí­
pio, a ascensão não se faz sem incidentes. Não obstante a sua qua­
lidade divina, o faraó deve, contra grandes dificuldades, arran­
car do guardião do Campo, o Touro das Oferendas, o direito de
sc instalar no Céu. Os textos das pirâmides** fazem alusão a es­
ta prova heróica, de essência iniciática. pela qual o faraó devia
passar.
Com o tempo, porém, os textos acabam pot já náo mencio­
nar o duelo com o Touro das Oferendas e o morto sobe ao Céuw
por unta escada ou então voga através do oceano sideral para atin­
gir por fim, guiado por uma deusa e sob a forma de um touro
resplandecente, o Campo das Oferendas. Asãstim oí, poder-se-
ia dizer, á degenerescência de um mito <e de um rito?) heróico-
o SOL E O S CULTOS SOLARES 117

iniciático em privilegio político e social. Não c a titulo de “ he­


rói" que o faraó tem direito á soberania a adquire a imortalida­
de solar; mas, chefe supremo, e k apodera-se. por isso mesmo,
d3 imortalidade sem qualquer espécie de “ prova heróica” . A le­
galização desta condição privilegiada do faraó após a sua morte
encontra uma contrapartida na ascensão vitoriosa de Osíris co­
mo deus funerário não aristocrático. Não há que abordar aqui
o conflito entre Rã c Osíris, mas ele já está patente nos textos
das pirâmides. “ Tu abres o teu lugar no céu entre as estrelas, pois
que és uma estrela... Tu olhas por cima de Osíiis, tu comandas
os defuntos, tu manténs-te afastado deles, pois que não és da clas­
se deles” , escreve, como se conjectura, um apologista dos privi­
légios imperiais c d a tradição solar40.
O novo deus, por ser de estrutura popular, quer dizer, aces­
sível também às outras classes sociais, não é por isso menos po­
deroso c o faraó julga conveniente pedir ao Sol que o ajude a
não cair sob o jugo de Osíris: "Rã-At um não te entregue a Osi-
ris, que não julga o teu coração c não tem poder algum sobre
o teu coração... Osíris. tu náo te apoderarás dele. o teu filho (Hó-
rus) não se apoderará dclc...” 61 O Ocidente, o caminho dos mor­
tos, torna-se uma região osírica, permanecendo o Oriente privi­
légio do Sol. Por isso. nos textos das pirâmides, os adeptos dc
Osíris fazem o elogio do Ocidente c denigrem o Oriente: "Osíris
(N) não caminha nas regiões do Oriente, mas nas do Ocidente,
pelo caminho dos sectários dc Rá"*'-; é o exato oposto das reco­
mendações da doutrina funerária solar. Com efeito, o texto cita­
do é apenas uma brutal osiriani/açâo, por inversão dos termos,
dc uma fórmula arcaica redigida assim: “ Não caminhes pelos ca­
minhos do Ocidente, onde não avançam os que neles se introdu­
zem; mas que (Nj caminhe pelos caminhos do Oriente, pelos ca­
minhos dos sectários de Rá.” 6)
Com o tempo estes textos inultiplkam-sc. A resistência do
Sol sai vitoriosa. Osíris, que se vira constrangido a apropriar-se
dos dois campos celestes, que sempre haviam constituído zonas
funerárias por excelência, pelas quais as almas dos faraós tinham
acesso à imortalidade, acaba por renunciar a este duplo domí­
nio. lista retirada não è, aliás, uma deirota. Osíris tentara
apoderar se do Céu a|>enas porque a teologia solar colocava uek
o meio necessário á imortalidade faraónica. A sua mensagem cs-
catológiCâ, fundatnontalmeme diferente da conquista heróica da
imortalidade — ela própria degradada mais tarde em aquisiçào
118 TR A TA D O D E H ISTÓ RIA D A S RELIGIÕES

espontânea da imortalidade peia vinculaçã© á leaLeza —. linha


reduzido Osíris a conduzir as airnasquscic queria salvar do ani­
quilamento par um itinerário celeste, solar. Osíris, aliás, somen­
te consumava a revolução de tipo ' ‘humanista” que tinha modi­
ficado, ames dele, a concepção cscatolocica egípcia. Com efeito,
vimos como da concepção htrótea, imciática, da imortalidade,
oferecida á conquista de um punhado dc privilegiados, sc tinha
chegado ã concepção de uma imortalidade concedida a todos os
privilégios. Osir.s desenvolvia ainda numa direção ‘‘democráti­
ca” esta alteração profunda da conccpçáo da im oralidade: cada
um pode obter a imortalidade sob condição de sair vitorioso da
prova. A teologia csírica retorna, para a estender, a noção dc pro­
va, condição sirte Qua non da sobrevivência; mas as provas de
tipo heróico, imdático (luta com o touro) sào substituídas por
provas dc tipo ético c religioso (boas obras, ctc.). \ teoria arcai­
ca da imortalidade heróica dá lugar a uma concepção humana
e humanitária.

44. Cultos solares no Oriente clássico e no Mediterrâneo —


Teríamos pormenorizado menos este conflito entre Rá e Osíris
sc ele não nos ajudasse a desvendar a morfolofia das sociedades
secretas dc estrutura solar-funerária ás quais já fizemos alusão.
No Egito, o Sol permanecerá até o fim o psicopotnpos de uma
classe privilegiada (a família do soberano), sem que o culto solar
deixe, poi isso, de desempenhar um papel predominante cm to­
da a religião egípcia, pelo menos naquela que sc exprime nos mo­
numentos c documentos escritos. Na Indonésia c na Mclancsia,
a situação nfio é a mesma: o Sol foi outrora. aí, o psicopotnpos
dc todos os iniciados saídos das sociedades secretas, mas o seu
papel, por muito importante que permaneça, já não c exaustivo.
Nestas sociedades secretas, os *‘antepassados'* — aqueles que o
sol tinha guiado pelo caminho do Ocidente — desempenham uma
função de igual impoitânda. Diriamos, fazendo m na transcrição
egípcia do fenômeno, que assistimos aqui a uma coalescência Rá-
Osiris. Esta coalescência não desserve, aliás, o prestigio do Sol,
porque, n3o o esqueçamos, a relação deste com o além, com as
regiões das trevas e da morte, é transparente nas háerofanias so­
lares mai.s arcaicas c c muito raro que isso sc perca dc vista.
Encontramos, no deus Shamash, um bom exemplo deste de­
suso. Shamash ocupa um lugar inferior no panteão mesopoiâmi-
O SOI. E OS CULTOS SOLARES 119

co, abaixo dc Sin, deus da Lua. dc que é considerado filho, c nun­


ca desempenhou ixípcl importante na mitologia01. As hierofanias
solares babilónicas permitem, no entanto, que sc reconheça ne­
las vestígios dc relações muito antigas com o além. Shamash c
chamado o “ Sol de etlmrnê” , quer dizer, dos Manes; diz-se dele
que “ faz viver um m o rto ''’45. Ele é 0 deus da justiça c o "Senhor
do Juí/o" (bél-dini). Desde os tempos mais recuados, o seu tem­
plo ostenta o nome de “ Casa do Juiz do Pais” 66. Por outro la­
do, Shamash c o deus dos oráculos, o patrono dos piofetas e dos
udivinhos*1. função que esteve sempre cm relação com o mundo
dos mortos c as repiòcs ctônico-funerárias.
Na Grécia c na Itália, o Sol ocupou no culto apenas um lu­
gar dc segundo plano. Em Roma, o culto solar foi introduzido
cm tempos do Império por via das gnoses orientais e desemolvcu-
sc ali de maneira por assim dizer exterior c artificial, graças ao
culto dos imperadores. A mitologia e a religião gregas conserva­
ram, no entanto, vestígios das hierofanias "infernais" arcaicas
do Sol. O mito de Hélios revela nào só os valores ctónicos como
os infernais. Todo um jogo de epítetos, em que U. Pestalozza61
vê o resíduo de um a herança religiosa meditcrrânica. evidencia
as suas ligações orgânicas com o mundo vegetal. Hélios é pythios
e jxiiòn — dois atributos que ele partilha com Leto, uma das gran­
des deusas mediterrâneas —, chtônios c ploutâr-. Hélios c igual-
mente titàn, epifania das energias geradoras. Interessa-nos pou­
co, de momento, saber cm que medida a articulação do Sol com
o mundo ctônico-tnágico sexual pertence ao substrato mediter-
rãnico (cm Creta, por exemplo. Hélios é taurino e torna-se espo­
so de Grande Mãe, o que é comum á maioria dos deuses atmos­
féricos) ou representa um compromisso ulterior, imposto pela his­
tória, entre o regime matriarcal dos mediterrãnicos e o patriarca-
do dos mdo-europeus vindos do Norte. O que nos importa c que
o Sol, que poderia ter sido considerado, no quadro de uma pers­
pectiva racionalista superficial, como uma hicrolania por exce­
lência edeste, diurna e "inteligível", tenha podido ser valoriza­
do cm fonte dc energias "obscuras". Hélios não é unicamente
pythios, chtônlos. titàn, etc.; ele mantém, além disso, relações
com o mundo de eleição das trevas: a feitiçaria e o inferno. É
o pai da feiticeira Circc c o avô dc Mcdéia. duas ilustres especia­
listas do filtro nouitno-vegetal; é dele que Mcdéia recebe o seu
famoso carro puxado por serpentes aladas6*. Imolam-sc-lhe ca­
valos no monte TaigctoTO; cm Rodes, no decurso da festa que lhe
120 T R /W A C O OF. HISTÓRIA D A S RELIGIÕES

c consagrada — Kalicia (dc hàlios. forma dórica de Hélios) —


é-lhe oferecido ura carro atrelado a quatro cavalos, que é, de­
pois. precipitado no mar'1. Ora. os cavalos e as serpentes ligam-
se, cm primeiro lugar, ao simbolismo etômeo-funerário. Enfim,
a entrada do Harto chamava-se a “ Porta do Sol’* c "H ades”
na pronúncia da época homérica — "A-ides" — evocava ainda,
adequadamente, a inugerr. daquilo que é "invisível” e daquilo
que torna “ invisível” 71. A polaridade luz-obscuridade. solar-
ctónico. pôde. pors, ser apreendida como as duas fa.se> alternan-
tes de uma única c mesma realidade. As hierofanias solares reve­
lam assim dimensões que o “ Sol" como tal perde numa perspec­
tiva racionalista. profana. Mas essas dimensões podem manter-
se no quadro dc um sscema mítico c metafísico de estrutura
arcaica.

45. A índia: ambivalência do Sol — Encontramos esse siste­


ma na India. Sürya f:gura entre os deuses vedicos dc segunda ca­
tegoria. O Ri.n Veda consagra-lhe uns dez hinos, mas Sürya nun­
ca cltcga a uma condição proeminente. É o filho dc Dyaus’-\ nus
chamam lhe também o olho do Céu ou olho dc Mitra e de
Varu/?a7\ Ele vê ao longe, é " o espião” do mundo inteiro. Se­
gundo o Purusha sükta75, o Sol nasceu do olho do gigante cós­
mico Purusha. de modo que na morte, quando o enrpo e a alma
do homem entram no macrantropo cósmico, o seu olho volta para
o Sol. Até aqui, as hierofanias nada mais revelam do que o as­
pecto luminoso de Sílrya, exclusivamente. Mas já no Rig Veda
o carro do Sol é puxado por um cavalo, Et aça*, ou por sete
cavalos77, e ele próprio é cavalo dc cobriçao71*, ou pássaro7*, ou
ainda abutre c touro*'; quer dizer, na medida em «pie ele acusa
uma essência e atributos relativos ao cavalo, o Sol denuncia tam ­
bém valores ctònico-funerários. Esses valores s5o evidentes na ou­
tra variante védica do deus solar, Savitri, que é freqilentcmenic
identificado com Sürya: ele c psieopompos e condiu as almas ao
lugar dos justos. Em certos textos, confere a imoitali dade aos deu­
ses e aos homcassl; c de que torna Tvashtri imortal*7. Psicopom-
pos ou hierofante ( = aquclc que confere a imortalidade), a sua
missão traz ate nós um eco indubitável dos prest ígios que eram
apíUlAjiio do deus solar nas sociedades primitivas*7.
Mas já no Rig Veda, c cm particular na especulação dos brâ­
manes, o So! c ao mesmo tempo percebido sob os seus aspectos
O SOL E OS CULTOS SOLARES 121

tenebrosos. O Rig Veda?1 qualifica de "resplandecente” um dos


seus aspectos c o outro de "negro" (quer dizer, invisível). Savitri
traz tanto a noite como o dia*5, c ele próprio é um deus da
noite*6; certo hir.o descreve mesmo o seu itinerário noturno. Mas
a alternância das suas modalidades reveste-se igualmente de sig­
nificado ontológico. Savitri i prasàviiâ ruvcçanah*', "aquele que
faz sair e entrar" (“ fazendo entrar c sair todas as criaturas” )*8.
Bcrgaigne sublinhou com razâo,', o valor cósmico dessa “ rein­
tegração” , pois que Savitri c jagaio niveçani, "fazendo entrar o
m undo"50, fórmula que equivale a um piograma cosmológico.
A noite c o dia (nak loshasà. dual feminino) sâo irmàs, da mesma
forma que os deuses e os "demónios” (outra) são irmãos: dvayâ
haprájâpalyâh, devaç cãsuràçca, "de duas espécies são os filhos
de Prajãpati. deuses e asura"9' . O sol vem integrar-sc nesta bi-
unidade divina c revela igualmcntc. em certos mitos, um aspecto
ofídio (quer dizer, "tenebroso” , indistinto), ou, por outras pa­
lavras, o extremo oposto do seu aspecto manifesto. Vestígios do
mito ofídio do Sol encontram sc ainda no Rig Veda: otiginaria-
mente "desprovido de pés” , d e recebe de Varuna pés para mar-
char (aikide pada prati dhatáve)n . He é sacerdote asura dc to­
dos os devas9*.
A ambivalência do Sol verifica-se, alem disso, na sua con­
duta para com os homens. Por um lado, é o verdadeiro gerador
do homem. "Q uando o pai lança uma semente na matriz, c de
fato o Sol que a lança como semente na matriz” (Jaumniya Up.
Dráhmanàw, Cooniaraswamy, The Sun kiss, p. 50, cita a propó­
sito Aristóteles95: " o homem e o Sol geram o homem” , e
Dante5*5: o Sol. "quegli ch'ê padre d'ogni mortal vita"). Por ou­
tro lado. o Sol é por vezes identificado com a morte, porque de­
vora os seus filhos tal como os gera97. Coomarasw amy consa­
grou algumas brilhantes memórias (cf. bibliografia) às articula­
ções míticas e metafísicas da bi-unidade divina, tal como a for­
mulam os textos vêdicos c pós-vedico$. Quanto a nôs, investiga­
mos em L e mythe de la réwtégration a polaridade que sc mani­
festa nos ritos, nos mitos c nas metafísicas arcaicas. Teremos oca­
sião de voltar a estes jwoblcmas em outros capítulos desta obra.
Limitemo-nos, por ora. a registrar que a ambivalência primitiva
das hierofanias solares pódc frutificar no quadro de sistemas sim­
bólicos, teológicos e metafísicos extremamente elaborados.
Seria, no entanto, um erro encarar estas valorizações como
aplicações esteieotipadas e artificiais dc um simples mecanismo
122 TR A TA D O DE HISTÓRIA D A S RELIGIÕES

verbal. As laboriosas interpietaçôcs c hermenêuticas escolásticas


não faziam mais do que formular em termos próprios os valores
de que eram suscetíveis as hicrofanias solares. Que estes valores
não fossem redutíveis a uma fórmula sumária (quer dizer, em ter­
mos rarionalistas, não contraditória), temos a prova disso em que
o sol pode, nos limites de uma mesma religião, ser valorizado cm
planos diferentes, para não dizer "contraditórios” . Seja o exem­
plo de Buda. Buda foi muito forte, na sua qualidade de Chakra-
varlin. de soberano universal, identificado com o sol. A este res
peito, E. Scnart, num livro que levantou celeuma ao aparecer,
tentou mesmo reduzir a biografia de Sakyamuni a uma sequên­
cia de alegorias solares. A tese era. evidentemente, demasiado ab­
soluta na expressão, mas náo deixa de ser verdade que o elemen­
to solar predomina na lenda e na apoteose mítica d e Buda9*.
No entanto, no quadro do budismo. CôfflO de resto HO dê
todas as místicas indianas, o Sol não avsumc invariavelmente o
papd supremo. A fisiologia mística indiana, sobretudo a Ioga e
o Tantra, 3tribui ao Sol uma região "fisiológica” c cósmica de­
terminada, oposta à da Lua. E o objetivo comum de Iodas as téc­
nicas místicas indianas náo é obter a supremacia dc um dos dois
centros cósmico-fisiológicos mas, pelo contrário, unificá-los, ou
melhor, realizar a reintegração dos dois principias polares Esta­
mos aqui cm presença de uma das múltiplas variantes do mito
c da metafísica da reintegração, na qual a polaridade; recebe uma
formulação cosmológica Sol-Lua. Sem dúvida todas estas técni­
cas místicas são apenas acessíveis a uma ínfima minoria cm rela­
ção à imensa massa indiana, mas isso não implica necessariamente
que elas traduzam uma "evolução” cm relação á religião desta
massa, pois que os próprios "primitivos” nos oferecem a mesma
fórmula Sol-Lua da reintegração94. Resulta, pois, simplesmente
daqui que as hicrofanias solares, á semelhança de qualquer ou­
tra, eram suscetíveis de valorização em planos muito diferentes,
sem que a sua estrutura tivesse dc acusar uma aparente "con­
tradição” .
A supremacia absoluta — concebida dc maneira unilateral
e simplista — das hicrofanias solares conduz aos excessos dessas
seitas ascéticas indianas cujos membros não deixam de fixar o
Sol ate a cegueira total. É caso para se falar aqui d a "secura"
e da "esterilidade" de um regime cxcluavaumuç s<»iar, quer di­
zer. de um racionalismo (no sentido profano) limitado e excessi­
vo. O seu simétrico é a "decomposição” pela "um idade" c a
O SO L E OS CULTOS SO L A R E S 123

transformação final do homem em "sementes*’, no quadro das


outras seitas que interpretam, com o mesmo simplismo excessi­
vo, os méritos do regime noturno, lunar ou telúrico (cf. §$ 134
s.). Um fatalismo quase mecânico amarra à "cegueira” e à "des­
secação” os que valori/am apenas um aspecto das hierofamas so­
lares. da mesma forma que conduz à orgia permanente, à disso­
lução e à regressão a um estado larvar (cf. por exemplo, nos nos­
sos dias, a seita telúrica dos Inoccntistas) os que se condenam ex-
clusivamentc ao "regime noturno do espirito".

46. Os heróis solares, os morins, os eleitos — Numerosas hic-


rofanias arcaicas do .-sol tem-se conservado nas tradições popula­
res, mais ou menos integradas em outros sistemas religiosos. Ro­
das de fogo que « f37.em descer tias alturas, nos solstícios, em
especial no do verão; procissões medievais de iodas transporta­
das em carros ou cm barcos e cujo protótipo se perde na pré-
história; o costume de amarrar homens a rodas1®; proibição ri­
tual de se fazer uso d a roda em certas noites do ano (por ocasião
do solstício do inverno), outros costumes ainda vivos nas socie­
dades camponesas européias (Fortuna, a "roda da fortuna” , a
“ roda do ano” , etc.), outros tantos usos que traem uma estrutu­
ra solar. Não podemos pensar cm abordar aqui o problema das
suas origens históricas. I embremos, contudo, que, desde a Ida­
de do Bronze, existia, no norte da Europa, utn mito do cavalo
do Sol101 e que, como mostrou R. Forrer no seu estudo sobre os
carros cultuais pré-históricos, estes, criados pata reproduzirem
o movimento do astro, podem ser lidos por protótipos do cairo
profano103.
Mas estudos com os de Oskar Almgrcn sobre os desenhos
rupestres proto-históricos do norte da Europa ou de O. Hoefler
sobre as sociedades secretas germânicas da Antiguidade e da Idade
Média tomaram manifesto o caráter complexo do "culto solar”
nas regiões setentrionais. Esta complexidade não c explicável por
coalescências ou sínteses híbridas, pois que a encontramos no mes­
mo grau nas sociedades primitivas. Ela denuncia, pelo contrário,
o caráter arcaico deste culto. Almgrcn e Hoefler demonstraram
a simbiose dos elementos solares com elementos de culto funerá­
rio (por exemplo, a Caça Fantástica) e ctónico agrário (fertiliza­
ção dos campos pela roda solar, etc.). E há já bastante tempo
Mannhardt, Gaidoz e Prazer mostraram a integração do complexo
124 TUA r.4DO D E H ISTÓ RIA D A S /tP.UGtÔES

solar Jo “ a r o ” etía rodada fortuna na magia c na mística agrá­


ria das crenças européias antigas c do folclore nxHitrno.
O mestro complexo cultural sol-fccundictadc-herát (ou repre­
sentante dos rr.ortov) rcaixarece mais ou menos intacto em outras
civilizaçúcs. No Japão, por exemplo, rv> quadro rio cenário ri­
tual do “ visitante*' (cenárk) que engloba dem entas de culro ctó-
rico-agrário), rcalaa-sc, todos os anos, a visita dc grupos de jo­
vens dc cara sarapintada, chamados os “ Diabos do Sol": estes
jovens, que vào dc herdade etn Iterdade para assegurarem a ferti­
lidade da terra durante o ano que checa, representam os ante­
passados (isto 6, os “ mortos” ) solares101. Nos cerimoniais euro­
peus, o lançamento dc rodas de fogo por ocasião dos solstícios,
as-sim como outros usos análogos, desempenha provavelmente
também uma função mágica dc restauração das forças solares.
Com efeito, nas regiões do norte, a icdução crescente dos dias
à medida que « aproxima o solstício do inverno inspira o temor
dc que o Sol possa extinguir-se. F.in outras regiões acontece que
este estado de alarme se traduza em visões apocalípticas: a queda
ou o obscurecimento do Soi são tidos corno sinais do fim do mun­
do, quer dizer, da conclusão do ciclo cósmico (seguida, na maio­
ria dos casos, de uma nova cosmogonia c de uma nova raça hu­
mana). Os mexicanos asseguravam a perenidade do Sol sacrifi-
cando-lhc constantcroetiie prisioneiros cujo sangue se destinava
a renovar as energias enfraquecidas do astro. Mas a sua religião
está toda ela impregnada dc um sombrio terror da catástrofe cós­
mica periódica. Pode-se-lhe oferecer todo o sangue que sc qui­
ser, virá o dia em que o Sol cairá. O apocalipse faz parte do pró­
prio ritmo do universo.
Outro conjunto mítico importante é o dos “ heróis solares” ,
familiares sobretudo aos pastores nómades, quer dizer, a raças
nas quais se recrutarão, ao longo da história, as nações chama­
das a “ fazer história". Encontramos estes heróis solares entre os
pastores africanos (os hotentores, os herrero, os masais, por
exemplo104), entre os turco mongóis (por exemplo, o herói Ges-
scr Khan), entre os judeus (Sansâo) e sobretudo em todas as na­
ções indo-curopéias. O que se tem escrito sobre os m itos e as len­
das dos heróis solares enche bibliotecas e tem-se ido longe na busca
dc seus vestígios. Nào se deve condenar totalmentc esta mania
solarizante. Não há dúvida de que. em dado momento, todas as
etnias dc que falamos conheceram a voga do “ herói solar". Devc-
sc, no entanto, evitar querer reduzir, a todo custo, o herói solar
O SOL E OS CULTO S SO LARES 125

a uma epifania do astro; a sua estrutura c o seu mito não se con­


finam â manifestação pura c simples dos fenómenos solares (au­
rora. raios solares, luz, crepúsculo, etc.). L'm herói solar apre­
senta sempre, além disso, uma “ zona obscura” , a das suas rela­
ções com o mundo dos mortos, a iniciacão. a fecundidade, etc.
O mito dos heróis solares apresenta também elementos que de­
pendem da mística do soberano ou do demiurgo. O herói “ sal­
va" o mundo, renova-o, inaugura uma nova etapa que equivale
por vezes a uma nova organização do universo, quer dizer, con­
serva ainda a herança demiúrgica do ser supremo. Uma carreira
como a de Mithra, originariamente deus celeste, depois solar e
mais tarde soter na qualidade de Sol Inviclus, e.\plica-sc cm par­
te por esta função demiúrgica (do touro abatido por Mithra saem
sementes e plantas) de organizador do mundo.
Outros motivos ainda se opõem à redução dos heróis sola­
res às epifanias do astro, tal como a mitologia “ naturalista" a
praticou. É que qualquer "form a" religiosa é essencialmcntc “ im­
perialista” c assimila continuamcnte a substância, os atributos
e os prodígios de outras “ formas” religiosas, mesmo muito dife­
rentes. Qualquer "fo rm a" religiosa vitoriosa tende a querer ser
tudo, a estender a sua jurisdição à experiência religiosa inteira.
De maneira que — nâo tenhamos dúvidas — as “ formas” reli­
giosas (deuses, heróis, cerimônias, mitos, etc.) de origem solar
que tiveram utna carreira vitoriosa englobam na sua estrutura ele­
mentos extrínsecos, assimilados e integrados pelo próprio jogo
da sua expansão imperialista.
Nâo é nossa intenção concluir esta morfologia sucinta das
hicrofanias solares com uma visão de conjunto. Isso equivaleria
a retomar os principais temas sobre os quais temos insistido no
decurso da exposição: solai izaçào dos seres supremos, relações
do Sol com a soberania, a iniciação, as elites, a sua ambivalên­
cia. as suas relações com os mortos, a fecundidade, etc. No en­
tanto, vale a pena sublinhar a afinidade da teologia solar com
as elites, quer se tzatc de soberanos, de iniciados, de heróis ou
de filósofos. Ao contrário do que acontece com as outras hicro­
fanias cósmicas, as> hicrofanias solares têm tendência para se tor­
narem privilégios cie círculos fechados, de uma minoria de "elei­
tos". o que tem por efeito encorajar e precipitar o seu processo
de racionalização. Assimilado ao ‘‘fogo inteligente", o Sol aca­
ba, com o passar do tempo, por sc tornar, no mundo greco-
lomano, um principio cósmico-, de hicrofania transforma-se cm
126 TRA TA DO DE HISTORIA D A S RELIGIÕES

ideia por um processo análogo aquele a que diversos deuses ura


nianos estiveram sujeitos (1 ho, Brahman, etc.). Já Heráclito sa­
bia que ‘‘o Sol i novo todos os dias” . Para Platão, c a imagem
do Bem tal como se manifesta na esfera das coisas visíveis105; pa
ra os órficos, e a inteligência do mundo. A racionalização pio-
gride de par com o sincrctismo. Macróbio1“4 reduz a o culto so­
lar toda a teologia c identifica ao Sol Apoio, Dioniso. Marte, Mer­
cúrio, Esculápio, Hercules, Scrápis, Osíris, Hòrus, Adónis, Nê-
mesis, Pá, Saturno, Adad c até Júpiter. O imperador Juliano,
no seu tratado Sobre o Sot Rei. e Proclus, no seu Hino ao Sol,
fazem a valorização sincrético-racionalista do astro.
Estas últimas homenagetis ao Sol, no crepúsculo da Antigui­
dade. não são absolutamenie desprovidas de significação: são pa-
limpscstos que permitem decifrar ainda, sob uma nova escrita,
os vestígios das hierofanias autenticas, arcaicas. A título de sim­
ples citação basta mencionar a condição de dependência do Sol
em relação a Deus, que lembra o mito primitivo do demiurgo so-
larizado. as suas relações com a fecundidade e o diam a vegetal,
etc. Mas, de maneira geral, temos aí apenas uma pálida imagem
do que outrora significaram as hierofanias solares, imagem que
chega até nós cada vez mais desbotada pelo radonalásmo. Os úl­
timos •‘eleitos", os filósofos, conseguiram assim dcssa-cralizar uma
das mais poderosas hierofanias cósmicas.
IV

A Lua c a mística lunar

47. A Lua c a Tempo — O Sol permanece sempre igual, sem


qualquer espécie de "devir” . A Lua. cm comrapariida. é um as­
tro que cresce, decresce c desaparece, um astro cuja vida está sub­
metida à lei universal do devir, do nascimento e da morte. Como
o homem, a Lua iem uma "história” patética, porque a sua de­
crepitude, como a daquele, termina na morte. Durante três noi­
tes o céu estrelado fica sem Lua. Mas esta "m orte” é seguida dc
um renascimento: a "lua nova” . O desaparecimento da Lua na
obscuridade, na “ moite” . nunca c definitivo. Segundo um hino
babilónico dirigido a Sin, a Lua é "um fruto que cresce por si
mesmo” 1. Ela renasce da sua própria substância, cm virtude do
seu próprio destino.
Este eterno retorno às suas formas iniciais, esta periodicida­
de sem fim fazem com que a Lua seja. por excelência, o astro
dos ritmos da vida. Não c. pois, de surpreender que cia controle
todos os planos cósmicos regidos pela lei do devir ciclico: águas,
chuva, vegetação, fertilidade. As fases da Lua revelaram ao ho­
mem o tempo concreto, distinto do tempo astronômico, que só
posterionnente foi descoberto. O sentido e as virtudes mágicas
das fases da Lua eram já definitivamente conhecidos na época
glaciaria. Encontramos o simbolismo da espiral, da serpente e do
raio — derivados todos da intuição da Lua considerada como nor­
ma da mudança rítmica e da fertilidade — nas culturas da regiáo
glaciária da Sibéria2. O tempo concreto era, sem dúvida, medi­
do por meio das fases da Lua. E. ainda nos nossos dias. certos
povos nómades que vjvçtn da caça e d.-) recolccção (Jacger-tmd
Sam nilervõlkcr) só utilizam o calendário lunar. A mais antiga
raiz indo-ariana relativa aos astros é a que designa a Lua3: é a
128 TRA TA [X> DE HISTÓ RIA D AS R S U O IÕ E S

raiz me, cm sànscrito mâmi, “ eu meço” . A Lua c o instrumento


de medida universal. Toda a terminologia relativa à I.ua nas lín­
guas mdo-curopéias deriva desta raiz: mâs (sànscrito). mâh (avés-
tico). mah (velho prussiano), menu (lituano), mèna (gótico), mé-
ne (grego), rnensis (latim). Os germanos mediam o tempo segun­
do a noite4. Vestígios desta medida arcaica encontram-se ainda
nas tradições populares européias: cenas festas sâo celebradas de
noite, como. por exemplo, a noite de Natal, de Páscoa, de Pen­
tecostes, de S. João, etc.3
O tempo controlado e medido por meio das fases da Lua é,
como diriamos, um tempo “ vivo” . Rcfere-sc sempre a uma rea­
lidade biocósmica. a chuva ou as marés, as sementeiras ou o ci­
clo menstrual. Segundo o ritmo lunar ou sob a sua influência
coordena sc toda uma séne de fenómenos dos mais diversos “ pla­
nos cósmicos” . O "espírito primitivo” , tendo penetrado as “ vir­
tudes” da Lua, estabelece relações de simpatia ou de equivalên­
cia entre estas séries de fenômenos. É assim, por exemplo, que,
desde tempos muito remotos, pelo menos desde a época neolíti­
ca. ao mesmo tempo que a descoberta da agricultura, o mesmo
simbolismo liga entre si a l.ua. as águas, a chuva, a fecundidade
das mulheres, a dos animais, a vegetação, o destino do homem
após a morte e as cerimônias de iniciação. As sínteses mentais
que a revelação do ritmo lunar tomou possível fazem correspon­
der e unificam realidades heterogêneas; as suas simetrias dc es­
trutura ou as suas analogias de funcionamento não teriam podi­
do ser descobertas se o homem "prim itivo" não tivesse intuiti­
vamente percebido a lei de variaçào periódica do astro, como o
fez muito cedo.
A l.ua mede, mas também unifica. As suas “ forças” ou os
seus ritmos “ reduzem ao mesmo denominador” um a multidão
infinita de fenômenos e de significações. Todo o cosmos se torna
transparente e submisso às suas "leis” . O mundo deixa dc ser
um espaço infinito animado por presenças heterogêneas e autô­
nomas: no interior deste espaço distinguem-se coordenações c
equivalências. Nfto, bem entendido, por mero dc uma análise ra­
cional da realidade, mas por uma intuição cada vez mais distima
d o conjunto. Se existem séries dc comentários rituais ou miticos
laterais, desligados dc uma função bem determinada e dc certo
modo especializada, da Lua (por exemplo, os seres miticos luna­
res com um só pc ou uma só mão. por cuja magia se pode fazer
chover, etc.), não existe nenhum símbolo, ritual ou mito lunar que
A LUA E A M ÍSTICA L U N A R 129

não implique a totalidade dos valores selênicos já tevelados na


época considerada. Em qualquer fragmento está presente o con­
junto. A espiral, por exemplo, cujo simbolismo lunar já era co­
nhecido na época glaciária, refere-se às fases da Lua. mas com­
preende igualmente os prestígios eróticos derivados da analogia
vulva-concha, tal como os prestígios aquáticos (Lua - concha)
e os da fertilidade (dupla voluta, chifres, etc.). Uma pérola usa­
da à guisa de amuleto solidariza a mulher com as virtudes aquá­
ticas (concha), lunares (concha símbolo da Lua, criada pelos raios
da Lua. etc.), eróticas, gcnesíacas e embriológicas. Uma planta
medicinal concentra em si a tripla eficiência da Lua, das águas
c da vegetação, mesmo que só uma dessas virtudes esteja explici-
tamente presente na consciência daquele que a utiliza. Cada uma
dessas virtudes ou eficiências submete-se, por sua vez. a um nu­
mero importante de "planos” . A vegetação, por exemplo, im­
plica as ideias de morte c de renascimento, de luz e de obscurida­
de (consideradas como zonas cósmicas), de fecundidade e de opu­
lência, etc. Não existe símbolo, emblema ou eficiência monova-
Icntes ou singularizados. “ Tudo se equilibra” , tudo se liga c cons­
titui um conjunto de estrutura cósmica.48

48. Solidariedade das epifanias lunares — Um conjunto as­


sim não pode, cvidcntememc. ser apreendido por um espírito ha­
bituado a proceder por análise. Mesmo a intuição de que é capaz
o homem moderno não pode surpreender toda a riqueza de ma­
tizes e de correspondências que uma realidade (isto c. sacralida-
de) cósmica qualquer implica na consciência do homem arcaico.
Pata este, um símbolo lunar (um amuleto, um sinal iconográfi­
co) não somente lixa e concentra iodas as forças selènicas que
agem cm todos os planos cósmicos como também, pela eficácia
do ritual, o coloca, a ele, homem, no centro dessas forças, fa­
zendo crescer a sua vitalidade, tomando-o mais real, garantindo-
Ihc uma condição melhor após a morte. Somos obrigados a in­
sistir no caráter sintético de todo o ato religioso arcaico fisto c,
todo o ato que tem uma significação), para evitar o risco de se
compreender analítica c cuinulattvamente as funçóes, virtudes e
atributos da Lua que vamos estudar nas páginas que se seguem.
Somos forçados a separar em fragmentos o que c c permanece
sempre inteiro e a explicitar causalmcntc o que foi percebido in­
tuitivamente como um conjunto. Utilizamos, assim, as expres-
130 TR A TA D O DE HISTÓ RIA D A S RELIGIÕES

sôes “ porque” ou “ a fim de que” enquanto na consciência do


homem atcaico o que lhe corresponde é “ da mesma maneira”
(por exemplo, dizemos: porque a Lua controla as águas, as plan-
cas cscào submetidas a ela, etc., quando, de Í3to, deveriamos di­
zer: da m arra maneira as plantas e as águas estão submetidas
a ela, etc.).
As “virtudes” da Lua deixam-se descobrir nào por meio de
um a serie de esforços de análise, mas por intuição; ela renda-se
cada vez mais tocalrr.cntc. As analogias criadas na consciência ar­
caica são orquesttadas com a ajuda de símbolos: por exemplo,
a Lua aparece e desaparece; o caracol mostra e esconde os cor­
nos; o urso desaparece c reaparece; deste modo. o caracol torna-
se o lugar da teofania lunar, como na antiga religião mexicana
cm que o deus da Lua, Tccçiztccatl, é representado dentro de uma
concha de caiacoT: torna-se, assim, amuleto, etc.; o urso
transforma-se em antepassado da espécie humana, porque o ho­
mem, que tem uma vida semelhante à da Lua, só pode ter sido
criado a partir da mesma substância ou pela magia deste astro
das realidades vivas, etc.
Os símbolos valorizados pela Lua sdo, ao mesmo tempo, a
Lua. A espiral c. simultaneamente, uma hierofania selênica, quer
dizer, o ciclo luz-ob<curid3dc. e também um sinal pelo qual o ho­
mem pode assimilar as virtudes do astro. O raio é, igualmente,
um a cratofania lunar, pois que o seu darão lembra o da Lua e
anuncia a chuva, que é controlada por ela. Todos estes símbo­
los. hierofanias. mitos, rituais, amuletos, que podemos, para usar
um termo cômodo, qualificar de lunares, constituem um todo na
consciência do homem arcaico; estão ligados por correspondên­
cias, analogias, participações, como uma rede cósmica, um imenso
tecido no qual tudo se mantem c nada está isolado. Sc procurás­
semos tesumir numa fórmula única a multiplicidade das liierofa-
nias lunares, poderíamos dizer que elas revelam a vida que se re­
pete ritmicamente. Todos os valores cosmológicos, mágicos ou
religiosos da Lua se explicam pela sua modalidade de ser: isto
c, ela é "viva” c inesgotável na sua própria regeneração. Na cons­
ciência do homem arcaico, a intuição do destino cósmico da Lua
equivale à instauração de uma antropologia. O homem reconhe­
ceu-se na "vida” da Lua, não somente porque a sua própria vi­
d a linha um fim, como a de lodos os organismos, mas sobretudo
porque ela tomava válidas, graças à "lua nova” , a sua sede de
regeneração, as suas esperanças de "renascimento".
A LU A E A M ÍSTICA L U N A R 13)

Não tem, para nós, muita importância determinar se nos en­


contramos, nas inúmeras crenças lunares, perante uma adoração
do astro propriamente dito, ou de uma divindade que habita a
Lua, ou de uma personificação mítica da Lua. A adoração de
um objeto cósmico ou telúrico por ele mesmo não existe na his­
tória das religiões. Um objeto sagrado, quaisquer que sejam a
sua forma e a sua substância, é sagrado porque revela a realida­
de última ou porque participa dela. Todo objeto religioso "en­
carna" sempre alguma coisa: o sagrado <§§ 3 s.). Encarna-o pela
sua faculdade de ser — como, por exemplo, o Ccu, o Sol, a Lua,
a Terra, etc. — ou então pela sua forma (quer dizer, por símbo­
lo: por exemplo, a espiral-caracol), ou ainda por uma hierofaoia
(um certo lugar, uma certa pedra, etc., tornam sc sagrados; um
certo objeto c "santificado", "consagrado" por um ritual, pelo
contato de um outro objeto ou de uma pessoa "sagradós” . etc.).
Por conseguinte, também a Lua nunca foi adorada em si mes­
ma, mas no que ela revelava de sagrado, quer dizer, na força que
esti concentrada nela, na realidade c na vida inesgotável que ma­
nifesta. A sacralidade lunar era conhecida, quer de uma maneira
imediata na hierofania sclcnica, quer nas formas "criadas” por
esta hierofania durante milénios, quer dizer, nas representações
a que deu origem: personificações, símbolos ou mitos. As dife­
renças entre estas formas não cabem neste capitulo. Com efeito,
aqui procuramos em primeiro lugar desvendar a hierofania lu­
nar c tudo o que ela implica. Não temos mesmo necessidade de
insistir exclusivamente nos documentos manifestameme "sagra­
dos", como as divindades lunares, os rituais e os mitos que lhes
são consagrados, etc. Para a consciência do homem arcaico,
rcpctimo-lo. tudo o que tinha uma significação c sc referia à rea­
lidade absoluta tinha um valor sagrado. O simbolismo da pérola
ou do raio revela-nos o caráter religioso da Lua com tanta exati­
dão como o estudo de uma divindade lunar como o deus babiló­
nico Sin ou o de um a divindade sclênica como Hécate.49

49. A Lua e as águas — Não só porque estão submetidas aos


ritmos (chuva, maré), mas também porque são germinativas, as
águas são comandadas pela Lua. “ A Lua está nas águas"7 c "da
Lua vem a chuva” 8, cis dois motivos de fundo da «pcçulaçÃo
indiana. O nome Apâmnapát, o “ filho da água", era primitiva-
mente o dc um espirito da vegetação, mas mais tarde foi aplica-
132 7 /1 7 AOO DF H nTOnr.4 P A S F F L ld Ó E S

do igualmcnte à Lua e ao o&lar limar, o so n u . Ardvisína Anil-


hitá. deusa iraniana das águas, era também uma deusa lunar. Sin,
deus babilónico da Lua. comandava igualircr.te as dguas. Um hi­
no evoca a sua fecunda epiíama: “ Quancíe tu vogas nas águas
semelhante a uma barca... o puro rio Eafrates sacia-se de á-
gua...” 9 Um texte do "Langdom Epic" fala do lugar “ de onde
fluem as águas da sua matriz, do reservatório da L ua’*1®.
Todas as divindades lurares conservam mais ou menos ma­
nifestos atributos ou funções aquáticas. Em certos povos ame­
ríndios. a Lua ou a divindade lunar c, ao mesmo tempo, a divin­
dade das águas: é o que se passa no México, entre o s iroqueses.
Uma tribo do centro de Brasil nomeia 1‘M ie das Aguas” a filha
do deus da L ua". A propósito de crenças dos antigos mcxica-
pos relativas á Lua, Hieronymc* de Chaves {1 Í7ó) diz que, segun­
do eles, “ a Lua fax. crescer c multiplicar todas as coisas...” e que
“ todas as umidades lhe cstào submetidas” ''-. A relação entre a
Lua c as marés observada pelos gregos e pelos celtas £ igualmen-
te conhecida dos maoris da Nova Zelândia13 c dos esquimós (as
divindades lunares comandam as marés)11.
Desde tempos muito recuados se observa que chove nas mu­
danças de Lua. Uma scrk: de personagens míticas, pertencendo
a culturas tüo diversas como as culturas bosquímana. mexicana,
australiana, samoieda e chinesa15, caracteriza-se pelo seu poder
de fazer vir a chuva e por ter um só pc ou uma só mão. Hcntzc
provou sobejamente a sua estrutura lunar. Por outro lado, os sím­
bolos sdcnicos abundam na sua iconografia, c seus mitos, assim
como seus ritos, tem um caráter lunar. Sc as águas e a chuva são
comandadas pela Lua e se distribuem quase sempre de acordo
com as normas — quer dizer, segundo o ritmo lunar —, as catás­
trofes aquáticas, cm contrapartida, manifestam o outro aspecto
da Lua. agente de destruição periódico das “ formas” esgotadas
e, poderiamos dize-lo, de regeneração, no plano cósmico.
O dilúvio corresponde aos três dias de obscurxlade, de “ mor­
te” da Lua. É um cataclismo, mas nunca definitivo, pois que se
cumpre sob o signo da Lua c das Águas, quer dizer, sob o signo
da germinação e da regeneração. Um dilúvio só destrói porque
as “ formas” e-áâo consumidas e esgotadas, mas a ele sesuem-se
sempre uma nova humanidade c uma nova história (} 72). Os mi­
tos diluvianos. na sua grande maioria, revelam como sobreviveu
um único indivíduo do qual descende a r.ova humanidade. Por
A LUA £ A S fía n C A LU N AR 133

vezes, este sobrevivente — homem ou mulher — desposa um ani­


mal lunar que se torna assim o antepassado mítico do clã. é as­
sim que uma lenda dayak conta como uma mulher foi a única
sobrevivente de um dilúvio provocado pela morte de uma enor­
me boa, “ animal lunar", e deu origem a uma humanidade nova
pelo seu acasalamento com um cão (mais exatameme com um pau
de produzir fogo descoberto perto de um cão14).
Das muitas variantes do mito diluviano, reteremos apenas
uma versão australiana (tribo Kurnai). Um dia, todas as águas
foram engolidas por uma rã monstruosa, Dak. Em vão se esfor­
çaram os animais sedentos cm faze-la rir. Foi só quando a en­
guia (ou a serpente) se pôs a enrolar-se e a torcer-se que Dak de­
satou a rir e que as águas, esguichando, provocaram o dilúvio17.
A rã i um animal lunar, porque numerosas lendas falam da rã
que se vê na LualS e porque ela está sempre presente em inúme­
ros ritos tendentes a provocar a chuva1*. O padre W. Schmidt
explica o mito australiano pelo fato de que a lua nova faz parar
o curso da águas (Dak, que incha)20. Enfim. Winthuis21, com­
batendo a interpretação de \V. Schmidt, vislumbra um sentido
erótico neste mito da rd Dak. Isto, aliás, não invalida de forma
alguma o seu caráter lunar nem a função antropológica do dilú­
vio (que "cria" urna humanidade nova, regenerada).
Ainda na Austrália, encontramos uma outra variante da ca­
tástrofe aquática p-rovocada pela l.ua. F.sta pediu, um dia, a um
homem peles de opossum para se cobrir porque era noite e fazia
frio; perante e recusa do homem, a Lua. para se vingar, fez cair
uma chuva torrencial que submergiu toda a regido22. Também
os mexicanos sabem que a Lua. sob a aparência de uma mulher
jovem e bela. provocou o cataclismo2’. Mas uma coisa deve ser
retida cm todas estas catástrofes causadas pela l.ua (geraltnente
causadas por uma afronta feita ao astro, ou por ignorância de
uma interdição ritual, etc., quer dizer, por um "pecado” que de­
nuncia a decadência espiritual da humanidade, o abandono das
normas, a disjunção dos ritmos cósmicos): é o mito da regenera­
ção. do aparecimento de um "homem novo” . Vamos ver que es­
te mito cabe perfeicamente no quadro das funções soteiiológicas
das águas e da l.ua.50

50. A l a a t a vegetação — As relações entre a Lua, a chuva


e a vegetação já tinham sido observadas antes da descoberta da
134 t r a ta d o d e h is t ó r ia d a s r e l ig iõ e s

agricultura. Da mesma fonte de fertilidade universal deriva tam­


bém c mundo das plantas, submetido á mesma periixlisidadc
orientada pelos ritmos lunares, ú pelo calor dela que crescem as
plantas, ihx um texto iianiano24. Certas tribos brasileiras
chatram-dtc “ Mâe das Ervas” :; e em muitos lugares (Polirsésia,
Molucas, Melanesia, China. Suécia, etc.) acredita-se que a> er­
vas crescem a i Luaí4. Ainda nos nossos dias os camponeses
franceses semeiam pela lua nova. mas podam c colhem os legu­
mes quando a Lua entra em quarto minguar.te*7, sem dúvida pa­
ra tiSc contrariarem o ritmo cósmico com a destruição de um or­
ganismo vivo quando as forças estão em crescimento.
O vinculo orgânico entre a I.ua c a vegetação é tão forte que
grande número de deuses da fertilidade sào, ao mesmo tempo,
divindades lunar«; por exemplo, Hathor, Ishtar, divindades egíp­
cias. e Anaitii, divindade iraniana, etc. Em quase todos o> deu­
ses da vegetação e da fecundidade existem resquícios d e atribu­
tos e poderes lunares — mesmo quando a sua “ forma” divina
se tornou efetivameme autônoma. Sin é, ao mesmo tempo, o cria­
dor das plantas, Dioniso é deus lunar c deus da vegetação. Osiris
acumula todos os atributos: os da Lua. das água*, da vegetação
c da agricultura. Em especial c possível descortinar o coniunto
Lua-água-vcgetação no caráter sagrado de certas beberagen* dc
ongcnt divina, como o soma indiano ou o haoma iraniano; estes
últimos foram, aliás, personificados em divindades autônomas,
ainda que infinitamente menos importantes do que os [wincipais
deuses do panteão indo-iran:ano. No entanto, no licor divino que
confere a imortalidade àquele* que o bebem, podemos discernir
o sagrado concentrado na Lua, nas águas c na vegetação. É, por
excelência, a "substância divina” , porque transmuta a “ vida”
em “ realidade absoluta“ , quer dizer, cm imortalidade. O arnri-
ta , a ambrosia, o soma. o haoma, etc. têm o seu protótipo celes­
te reservado aos deuses e aos heróis, mas acham-se igualmcnte
implicados em beberagens terrestres, no soma que os indianos dos
tempos védicos bebiam, no vinho das orgias dionisíacas, etc. Além
disso, estas bcbcTagens “ concretas” devem a sua eficácia ao pro­
tótipo celeste correspondente. A embriaguez sagrada permite par­
ticipar. ainda que de maneira fulgurante e imperfeita, da moda­
lidade divina; ela realiza o paradoxo de ser verdadeiramente e.
a o mesmo tempo, dc viver, o paradoxo dc possuir um a existên­
cia plena e, ao mesmo tempo, de se tornar, dc ser força e equilí­
brio. O destino metafísico da Lua é dc viver permanecendo, si-
A LUA E A MÍSTICA LU SAK 135

imiltaneamcntc. imortal, c conhecer a morte conto um repouso


c uma regeneração, nunca como um fim. É com este destino que
o homem procura solidarizar-se por meio dc todos os ritos, sim-
bolos e mitos. Ritos, símbolos e mitos nos quais, como vimos,
coexistem as sacralidudes da Lua, das águas c da vegetação, quer
estas últimas derivem a sua sacrahdade da da Lua, quer consti­
tuam hierofamas autônomas. Como quer que seja. encontramos
sempre uma realidade última. fonte de força e de vida, donde saí­
ram. diretamente ou por especial graça, todas as formas vivas.
As correspondências e as identificações descobertas entre os
diferentes planos cósmicos submetidos aos ritmos lunares — chu­
va. vegetação, fecundidade animal e lunar, espíritos dos mortos
— estão presentes ate numa religião tão arcaica quanto a dos pig­
meus. A festa da lua nova entre os pigmeus da África tem lugar
um pouco antes da estaçàô dás chuvas. A Lua. a que chamam
Pe, é considerada como "principio dc geração c mãe de fecundi­
dade"2*. A festa da lua nova é cxclusivamcntc reservada às mu­
lheres, tal como a do Sol ê exclusivamente celebrada por ho­
mens2'*. Dado que a Lua t, ao mesmo tempo, "m ãe e asilo dos
fantasmas", as mulheres, para a glorificarem, besuntam-se dc ar­
gila e de sucos vegetais, tornando-se brancas como os espectros
c a luz lunar. O ritual consiste na preparação de uma beberagem
alcoólica, á base dc bananas fermentadas, que as mulheres exaus­
tas pela dança bebem, c cm danças c preces dirigidas à Lua. Os
homens não dançam nem acompanham o ritual no tam-tam.
Pede-se à Lua, “ mãe das coisas vivas", que afugente os espíritos
dos mortos e traga a fecundidade, dando á tribo muitas crian­
ças, peixe, caça c fnitos,u.51

51. A Lua e a fertilidade — Também a fertilidade dos ani­


mais. como a das plantas, está submetida à Lua. A relação entre
a fecundidade e a Lua torna-se por vezes um pouco complicada,
dado o aparecimento dc novas "form as religiosas” — como a
da Terra-Mãe. as divindades agrárias, ctc. No entanto, um atri­
buto lunar conscrva-sc sempre transparente, qualquer que seja
o mimero de sínteses religiosas que tenham colaborado na cons­
tituição destas "form as” novas: é o prestigio da fertilidade, da
criação periódica, d a vida inesgotável, Os çfoifres de lx>vfdc<?st
por exemplo, que caracterizam as grandes divindades da fecun­
didade, são um emblema da Magna Matcr divina. Onde quer que
136 TRATAD O DF. HISTÓRIA D A S RELIG IÕ ES

apareçam , nas culturas neolíticas, quer na iconografia, quer nos


ídolos de forma bovina, eles marcam a presença da Grande Deu­
sa da fertilidade31. Ora, o chifre nào è mais do que a imagem da
lua nova: “ É certo que o chifre bovino se tornou símbolo lunar
porque lembra um crescente; c evidente, pois. que dois chifres
devem representar dois crescentes, quer dizer, a evolução astral
t o t a l . Fot outro lado, a coexistência dos símbolos lunares
com os da fertilidade ti frequente na iconografia das culturas chi
nesas pré-hi$tórica> de Kansu e de Yang-chao, cm que chifres es­
tilizados são enquadrados num conjunto de “ relâmpagos'' (chuva-
Lua) e de losangos (símbolo feminino)'5.
Ccitos animais tornam-se símbolos ou “ presenças" da Lua
porque a sua forma ou o seu modo de ser evocam o destino da
Lua. Ú o caso do caracol, que aparece e desaparece na sua con­
cha; do urso. qiié deixa de ser visto no inverno e reaparece na
primavera; da rã. porque incha, mergulha e reaparece à superfí­
cie da água; do cão. porque se pode vc-lo na Lua ou porque c
o antepassado mítico da tribo; da serpente, potquc aparccc c de­
saparece, porque tem tantos anéis quantos dias tem a Lua (lenda
conservada igualmentc pela tradição grega)54 ou porque c “ es­
poso de todas as tnulheies’*. porque sofre muda de pele (quer di­
zer, rcgencra-se periodicamente, ê "im ortal” ), etc. O simbolis­
mo da serpente c de uma polivalência perturbadora, mas todos
<xs símbolos convergem para uma mesma ideia central: è imortal
porque se regenera, portanto é uma "força” da Lua e, como tal.
distribui fecundidade, ciência (profecia) e mesmo imortalidade.
Muitos mitos evocam o funesto episódio cm que a serpente arre­
batou a imortalidade concedida ao homem pda divindade55.
Trata-se de variantes tardias de um mito arcaico no qual a ser­
pente (ou um monstro marinho) guarda a fonte sagrada e a da
imortalidade (árvore da vida, fonte da juventude, pomos de ouro).
Não podemos mencionar aqui senão alguns mitos c símbo­
los relativos à serpente, c tào-só os que manifestam o seu caráter
dc animal lunar. Em primeiro lugar, as suas ligações com as mu­
lheres c a fecundidade: a Lua é fonte de toda a fertilidade, e diri­
ge ao mesmo tempo o ciclo menstrual. Personificada, torna-sc
“o amante das mulheres". Muitos povos acreditavam — c alguns
acreditam ainda — que a Lua, sob a aparência de um homem
ou sob a forma dc uina serpente. acasala com as mulheres. í por
isso que, entre os esquimós, por exemplo, as jovens não olham
para a Lua por temor dc ficarem grávidas5*. Os australianos
Il

A LUA £ A M ÍSTICA L U N A R 137

créent que a Lua, descendo à Terra sob o aspecto de um Don Juan,


abandona as mulheres depois de as tornar grávidas’7, liste mito
é ainda popular na índia’8.
A serpente, dado que ô uma epifania da I.ua, desempenha
a mesma função. Nos Abruzos conta-se ainda nos nossos dias que
a serpente acasala com todas as mulheres’9. Os gregos c os ro­
manos partilhavam a mesma crença. Olímpia, mâe de Alexandre
Magno, brincava com as serpentes-*1. O famoso Arato de Sicio-
nc era filho de Esculápio-" , tendo-o a mãe concebido de uma ser­
pente. Suetônio47 c Dion Cassio4’ contam que a mãe de Augus­
to concebeu do amplexo de uma serpente no templo de Apoio.
Uma lenda análoga circulava atribuída a Cipião, o Antigo. Na
Alemanha, na França, em Portugal c cm outras regiões as mu­
lheres temem que um a serpente lhes entre na boca durante o so­
no e as fecunde, cm especial no período menstrual44. Na Ittdia,
as mulheres que desejam uma criança adoram uma cobra. Em
todo o Oriente se crê que as mulheres tem o seu primeiro contato
sexual com uma serpente, na puberdade ou no período mens­
trual45. A tribo indiana dos komati (província de Mysore) con­
jura a fecundidade das mulheres por meio de serpentes de
pedra4*. Eltano47 assegura-nos que, segundo a crença dos he­
breus, as serpentes acasalavam com as jovens; e nós encontra­
mos esta crença no Japão44. Uma tradição persa registra que. lo­
go que a primeira mulher loi seduzida pela serpente, ficou ime­
diatamente menstruada49. Nos meios rabínicos diz-se que a
menstruação c devida às relações de Eva com a serpente no
Paraíso*1. Crê se. r.a Abissínia, que uma jovem, antes do seu ca­
samento. cone o risco de ser arrebatada pelas serpentes. Uma his­
tória argelina conta como uma serpente, tendo conseguido iludir
a vigilância, deflorou todas as jovens de uma casa. Encontram-
se tradições semelhantes entre os hotentotes tnandi da África
Oriental, na Serra Leoa. etc.51
O ciclo menstruai contribuiu. sem dúvida, para tornar po­
pular a crença segundo a cual a Lua é o pi irneiro esposo das mu­
lheres. Os papus consideram a menstruação como uma prova das
ligações que as mulheres e as moças tem com a Lua, mas repre­
sentam. ao mesmo lempo, na sua iconografia — escultura cm ma­
deira —, répteis saindo das partes genitais das mulhcrcsí:, o que
confirma a consubstandalidade Lua-serpeme. Entre os chirig.ua-
nos, apos as fumigações e purificações que se seguem a primeira
menstruação, as mulheres perseguem por toda a parte as seipen-
138 TUA TA DO D E HISTÓ RIA D A S R E U G IÔ E S

tcs, que elas consideram responsáveis pelo mal55. Em grande nú­


mero de povos, a serpente é olhada como causa do ciclo mens­
truai. O seu caráter fálico — que Crawley*4 foi dos prameiros et-
nógrafos a pór a n evidencia — não exclui a corisubstancialidade
Lua-serpente, pela contrário, confirma a. Grande número dc do­
cumentos iconográficos pertencentes tanto às civilizações neolí­
ticas asiáticas (por exemplo, o ídolo da cultura panchan, no
K ansu"; ou ainda o ouro esculpido de Ngan-yang)*4 como às ci­
vilizações ameríndias (por exemplo, os discos de bronze dc Cal-
chaqur)'7 apresentam o dupk» simbolismo da serpente decorado
dc "losangos” (emblema da vulva)'*. Este conjunto tem, sem
dúvida, um sentido erótico: no entanto, a coexistência cia serpente
(falo) e dos losangos formula, ao mesmo tempo, uma idéia dc
dualismo c dc reintegração que c, por excelência, lunar, porque
encontramos « tc mesmo motivo na iconografia lunar da "chu-
v a” , da "luz e da obscuridade"-'’ .

52. A I.ua, a mulher e a serpente — A Lua pode ter também


um a personificação masculina e ofídia, mas estas personificações
(que cm muitos casos se destacaram do conjunto inicial para se­
guirem uma carreira autônoma no mito c na lenda) sào devidas
em última análise à concepção da I.ua como fonte de realidades
vivas e como fundamento da fertilidade e da regeneração perió­
dica. A serpente c considerada procriadora dc crianças; por exem­
plo: na Guatemala60, na tribo urabunna da Austrália central (os
antepassados são duas serpentes que percorrem a Terra c. sem­
pre que param, abandonam tnui-aurli, "espíritos dc crianças” ),
entre os togo da África (uma scrpaitc gigante que sc encontra
num lago peito da cidade de klcwc toma as crianças das mãos
do deus supremo Nanai c leve-as à cidade antes do seu nascimen­
to)*1. Na índia, as serpentes foram olhadas desde a época do bu­
dismo (cf. os JíUakas) como distribuidoras da fertilidade univer­
sal (águas, tesouros: cf. § 71). Algumas pinturas de Nagpur62 re­
presentam o acasalamento de mulheres e de cobras. Na índia mo­
derna, uma multidão dc crenças torna claro o caráter benéfico
e fertilizante das serpentes: elas impedem a esterilidade das mu­
lheres e asseguram-lhes numerosa descendência61.
As iduções entre a mulher e a serpente são multiformes, mas
não podem, cm caso algum, scr globalmentc explicadas por meio
dc um simbolismo erótico simplista. A serpente tem significações
A LU A t ' A M ÍSTICA LU NAR 139

múltiplas, e entre as mais importantes convem considerar a sua


•'regeneração". A serpente é um animal que se “ transforma” .
Gtes»manM pretendeu reconhecer cm Eva uma deusa fenícia ar­
caica do mundo subieriâneo, personificada pela serpente4’.
Conbeccmsc divindades mcditcrrânicas representadas com uma
serpente na mâo (Artémis arcádica, Hécate, Perscfonc, etc.) ou
com uma cabeleira feita de serpentes (Górgona, Erinias. etc.). Se­
gundo certas superstiçóes da Europa central, se se enterram os
cabelos arrancados a uma mulher que se encontra sob a influên­
cia da Lua (isto ê, cm período menstrual), eles transformam-se
cm serpentes*4.
Lima lenda bretã diz-nos que a cabeleira das feiticeiras se
transforma em serpentes47. Este poder, no entanto, não c dado
a qualquer mulher, mas somente ;) que está sob a influência da
Lua, que participa também da magia da "transform ação". Que
a feitiçaria seja. muitas vezes. uma investidura lunar (direta ou
transmitida por intermédio das serpentes), confirmam no gran­
de número de documentos etnográficos. Para os chineses, por
exemplo, a serpente está na origem de todo poder mágico, en­
quanto os termos hebreus c árabes que designam a magia são de­
rivados dos que designam as scnvntcx44. Dado que é lunar, quer
dizer, "eterna" e que "vive" debaixo da terra, encarnando (en­
tre tantos outros!) os espíritos dos mortos, a serpente conhece
todos os segredos, é fonte de sabedoria, entrevê o futurow. Da
mesma forma, quem quer que conta carne de serpente adquire
o conhecimento da linguagem dos animais c, cm particular, dos
pássaros (simbolo que pode ter também um sentido metafísico
de acesso às realidades transcendentes). Esta crença encontra-se
cm muitos povos7** e conservou se na tradição erudita7'.
O mesmo simbolismo central dc fecundidade e de regenera­
ção submetidas à Lua c distribuídas pelo próprio astro ou por
formas consubstanciais (Magna Mater, Terra Mater) explica a pre­
sença da serpente na iconografia ou nos ritos das grandes deusas
da fertilidade universal. Como atributo da Cirande Deusa, a ser­
pente conserva o seu caráter lunar — de regeneração cíclica —
juntamente com o caráter telúrico. Em dado momento, a Lua ê
identificada com a Terra, ela própria considerada a matriz dc to­
das as formas vivas (§ 86). Certas raças créent mesmo que a Lua
c a Terra são constituídas da mesma substância77. As grandes
deusas participant tanto do caráter sagrado da Lua como do Sol.
E, dado que estas mesmas deusas são, ao mesmo tempo, divin-
140 TRATADO D T HISTÓRIA D A S ÜEZJCJÓfS

«Jades funerárias (os mortos vSo para debaixo ch terra ou para


a I.ua a fim dt sc regenerarem c de reaparecerem sob aova for­
ma), a serpente torna-se o animal funerário por excelência, en­
carnando as almas dos mortos, o antepassado, ele. E scrapic por
este mesmo simbolismo de regenerado que se explica a presença
da serpente nas cerimônias de iniciação.

53. Simbolismo lunar — Ü que ressalta clatanxrte Aeste po-


lissimbolismo da serpente é o seu destino lunar, quer dizer. os
seus poderes de fecundidade, de regeneração, ifc imortalidade por
metamorfose. Bem entendido, se revíssemos alguns dos seus atri­
butos ou das suas funções, poderíamos fazer crer que estas cor­
respondências c estes valores se realizaram derivando uns dos ou­
tros por an á lise . O estudo metódico de uni conjunto rcbgkiso qual­
quer decomposto nos seus elementos morfológicos ccntc. assim,
o risco de invalidá-lo. Na realidade, todos os valores coexistem
num símbolo, mesmo se, aparentemente, apenas alguns deles fun­
cionam. Apreendido através das experiências religiosas, o mun­
do revela-se como uma totalidade. A intuição Ja Lua. conside­
rada como norma dos ritmos c fonte de energia, de sida c de re­
generação. teceu uma verdadeira rede entre todos os planos c«is-
micos, criando simetrias, analogias c participações entre fenôme­
nos de uma infinita variedade. Nem sempre é fácil encontrar 0
centro de tal “ rede"; ele destaca se. por vaca. dos núcleos se­
cundários que podem fazer crer que são os mais importantes, sc
n lo os mais antigos. É assim, por exemplo, que o simbolismo
erótico da serpente "teceu" á sua volta numerosas equivalências
e correspondências que impelem para a sombra, pelo menos em
certos casos, os seus atributos lunares. Efetivamente, assistimos
a um a série de interseções c de correspondências que sc interli­
gam. referindo-se por vezes ao "centro" de que derivam todas,
mas articulando sc. em outros casos, em sistemas adjacentes.
Assim, encontramos o conjunto l.ua chuva-fertilidade-mu-
llicr-serpctitc motte-regeneração periódico, mas. por vezes,
defrontamo-nos somente com os conjuntos parciais serpente-
mulher-fecundidade, ou serpente-chuva-fecundidade, ou ainda
tnulhcr-serpcnlc-magia, etc. Toda uma mitologia sc citou cm volta
d o ses “ centros” secundários, ocultando, para quem nâo esteja
advertido, o conjunto original, que sc encontra, no entanto, im­
plicado até no mais pequeno fragmento. For exemplo, no binò-
A LU A E A M ÍSTICA LU N AR 141

mio serpente-água (ou chuva), a submissão destas duas realida­


des à Lua nem sempre «5evidente. Lendas c mitos sem número
rcprcscntam-nos serpentes ou dragOcs que comandam as nuvens,
habitam lagos c alimentam o mundo de água. A ligação entre as
serpentes c as nascentes e os cursos de água conservou-se mesmo
nas crenças populares européias75. Na iconografia das culturas
ameríndias o binómio serpente-água c extremamente freqUente:
por exemplo, o emblema dc Tlaloc, o deus mexicano da chuva,
é constituído por duas serpentes enroladas74; no mesmo Codex
Uorgia, uma serpente ferida por uma flecha indica a queda dc
chuva75; o Codcx üresden representa a águu num vaso cm for­
ma de serpente7*; o Codex Tro-Cortesianus, á página 63,
representa-a também escorrendo dc um vaso com a mesma
forma77.
Que este simbolismo tenha a sua justificação no fato dc a
Lua ser a distribuidora das chuvas é o que provam as pesquisas
de Ment/c’1'. For vezes, mesmo o conjunto Lua-xcrpente-chuva
manteve-se até no ritual: na índia, por exemplo, o rito anual da
veneração da serpente (Sarpabali) tal com é exposto nos Grihya-
sútras, dura quatro meses: começa na lua cheia Sharávana (pri­
meiro mis da estaçáo das chuvas) c termina na lua cheia Màrga-
çirsha (primeiro mês de inverno)7*. No Sarpabali coexistem, as­
sim, os trés elementos do conjunto originário. ••Coexistência”
é, aliás, um modo dc dizer: de fato. estamos perante uma tripla
repetição, uma “ concentração” da Lua, porque as águas, tal co­
mo as serpentes, não só participam dos ritmos lunares como tam­
bém sáo consubstanciais à Lua. Como qualquer objeto sagrado
e como qualquer símbolo, as águas c as serpentes realizam este
paradoxo de serem, ao mesmo tempo, elas próprias e outra coi­
sa; neste caso, a Lua.54*

54. A Lua e a morte — A Lua é o primeiro morto (há muito


tempo o americamsta E. Sclcr escreveu: "der Mond isi der erste
Gcstorbenc” ). Durante trés noites o céu fica escuro; mas, tal co­
mo a Lua renasce na quarta noite, tamisem os mortos adquirem
uma nova modalidade dc existência. A morte, como veremos
adiante, não é uma cxtinçào, mas uma modificação — frequen­
temente provisória — do nivcl da existência. O morto participa
de um outro gênero dè “ vida” . E, dado que esta “ vida na mor­
te” é validada e valorizada pela “ história” da Lua c — em viriu-
142 TRA TADO DE HISTORIA I?4S RELIGIÕES

de da correspondência Terra-I.ua popularizada pela descoberta


da agricultura — pela da Terra, os defuntos transitam para a l aia
ou voltam pera debaixo da Terra, a fim de se regenerarem t de
assimilarem as forcas necessária« a urr.a nova existência. H por
isso que muitas divindades volates são, ao mesmo tempo, ctòni-
cas c funerárias (Míit, Pcrséfone. provavelmente Hcnncs)M. Do
mesmo modo, numerosas crenças designam a l ua como o pais
dos manos. Por ve/cv, o direito ao repouso p a tf m onew na Lua
é reservado aos chefes políticos ou religiosos: <5, por exemplo, o
que crèem os guaycuru. os polinòsios dc Tokelau, etc.*' Encon­
tramo-nos aqui perante uma concepção aristocrática, heróica, que
só aos privilegiados (soberano«) ou aos iniciados (''mágicos'*) con­
cede a imortalidade, c que voltatemos a encontrar em outros ci­
clos culturais.
F-sta viagem á I.ua após a morte manteve**, iRiialmcr.tc* nas
culturas evoluída« (Índia, Grécia. Irà), mas adquirindo trelas um
novo valor. Para os indianos, c o "caminho dos m anes" (plerl-
yàna) c as almas repousam na Lua esperando uma nova encarna­
ção, ao contrário do que sucede com a rota do Sol ou "caminho
dos deuses” (dcvayâna), que é o dos iniciados, isto c. os que se
libertaram das ilusões da ignorância*2. Na tradição iraniana, as
almas dos mortos, depois dc terem passado a ponte Cinvat,
dirigiam-se para as estrelas e, se eram virtuosas, alcançavam a
L ua c depois o Sol, enquanto as mais virtuosas penetravam ate
o garotman, luz infinita dc Ahura Mazda*1. Esta mesma crença
manteve-se na gno«c maniqueia*4 e cra conhecida no Oriente. O
piiagorismo deu novo impulso à teologia astral tornando popu­
lar a noçào dc empíreo uraniano: c na Lua que se encontram os
Campos Elíseos, onde repousavam os heróis e os césares*5. "A s
ilhas dos bem-aventurados” c toda a geografia mítica da morte
foram projetadas em planos celestes: Lua. Sol. Via-Láctca. Evi-
dentemente. achamo-nos perante fórmulas c cultos saturados dc
especulações astronômicas e de gnosc cscatológica. Mas não é di­
fícil. em fórmulas tardias como aquelas, identificar os motivos
tradicionais: a Lua região dos mortos, a Lua receptáculo regene­
rador das almas.
O espaço lunar não era mais do que uma etapa no decurso
dc uma ascensão que pressupunha outras etapas (Sol, Via-Láctea,
“ círculo supremo"). A alma repousava na Lua, mas. como na
tradição dos Upanishads, ela esperava ali uma nova encarnação,
um retorno ao circuito biocósmico. É por isso que a Lua preside
A LU A F. A M ÍSTICA L U N A R 143

à formulação dos organismos, mas também à sua decomposição;


omnia animantium corpora et concepta procréât et generata
dissolvit**. O seu destino é ’•reabsorver” as formas c rccriá-las.
É unicamente o que há além da Lua que "transcende” o devir:
supra lunam sum aeterna omnia*'. Por este fato. para
PlutarcoM. que sabe que o homem é tripartido, sendo composto
de corpo (sóma). alma (psyché) e razão (nous), as almas dos jus­
tos purificam-se na Lua» enquanto o corpo t restituído à Terra
e a razão ao Sol.
A dualidade alma-razão cot responde a dualidade de itinerá­
rio post mortem Lua Sol. o que lembra de certo modo a tradição
dos Upanishads acerca d o “ caminho das almas” e do “ caminho
dos deuses” . Pitriyàna c lunar porque a "alm a" não foi ilumi­
nada pela "razão” , quer dizer, porque 0 homem não conheceu
a realidade metafísica última: Brahman. O homem conhece duas
mortes, escreve Plutarco: a primeira tem lugar na Terra, junto
a Dcmcter. quando o corpo se separa do gtupo psyché-nous c se
torna poeira (por isso os atenienses chamavam aos mortos dêmè-
treioi), a segunda tem lugar na Lua. junto de Persefonc. quando
a psyche se separa do nous c se reabsorve na substância lunar.
A alma (jisychè) fica na Lua, conservando durante algum tempo
os sonhos e as lembranças da vida"*. Os justos “ definham” ra­
pidamente; as almas dos ambiciosos, dos obstinados e daqueles
que têm demasiado am or ao próprio corpo são incessantemente
atraídas para a Terra c a sua reabsorção supóe um prazo mais
longo. O nous c atraído e recebido pelo Sol, a cuja substância
corresponde a razão. O processo de nascimento rcaliza-xc de ma­
neira inversa*': a Lua recebe do Sol o nous, que, germinando ne­
la, dâ origem a uma nova alma (psyché). A Terra fornece o cor­
po. É de notar o simbolismo da fecundação da Lua pelo Sol, em
vista da regeneração do par noüs-psyché. primeira integração da
personalidade humana.
F. Cumont91 crê que o par espiritual psyché nous c de ori­
gem oriental, semítica, e lembra que os hebreus reconheciam uma
“ alma vegetativa” (ncphesh). que continuava a habitar a Terra
duiante um certo tempo, c uma "alma espiritual” (rouah). que
sc separava do corpo logo após a morte. F. Cumont encontra uma
confirmação desta origem exótica na teologia oriental, populari­
zada durante o Império romano, que revela a influencia exercida
pelos planos atmosféricos c segundo a qual o Sol c a Lua dcsccm
do empíreo para a Terra*2. Poder sc-ia objetar a esta hipótese
14 4 fSM TAD O D f //ÍS rÕ U íA D A S P.KUGIÔES

que a dualidade das almaj e o seu duplo destino após a morte


se encontram em germe nas mais antigas tradições dos helenos.
Platão sustentava r.ão só a dualidade da alma*' como a sua se­
paração uhctiix em très*4. No que diz respeito à cscatologia as­
tral, nào t possivcl identificar no Tiineu a passagem sucessiva do
complexo anímico da l.ua ao Sol e vice-versa, c é provavelmente
devida a uma influência semítica95. Mas o qae nos interessa, de
momento, d a cixKcpcáoda Lua como abrigo das almas dor mor­
tos, que encontramos icocogra fica mente formulada na glíptica
assino-babilónxa, fenícia, hitita, anatoliana — c que sc transmi­
te, em seguida, aos monumentos funerários de toJo o Império
romano’1. O símbolo funerário da meia lua c frequente na Eu­
ropa intCira” . Isso náo quer dizer qnc tenha sido introduzido ao
mesmo tempo que as religiões romano-orientais cm moda durante
l> ImpCfio; porque, na Gáiia, por exemplo'*, a Lua cra um sins-
bolo autóctone utilizado muito antes do contato com os roma­
nos. A "raoda" contcntou-sc em atualizar concepções arcaicas
formulando uma tradição pré-histórica em termos novos.

55. A I.ua c a iniciado — A morte, no entanto, rã o é defi­


nitiva, pois que a Lua não a conhece. "T al como a Lua morre
e ressuscita, assim nós voltaremos a viver após a m orte", procla­
mam os indios San Juan Capistrano da Califórnia nas cerimô­
nias que sc realizam jxtla lua nova". Grande número de mitos
falam da “ mensagem" transmitida pela Lua aos homens por in­
termédio de um animal (lebre, cão, lagarto, etc.) e na qual ela
assegura que "tal como eu morro c ressuscito, assim tu morrerás
e voltarás à vida". Ou por estupidez, ou por maldade, o "m en­
sageiro" comunica exatamente o contrário c asseguro que o ho­
mem, difcrcntcmcnte da I.ua, não voltará a viver um a vez mor­
to. Este mito é frequente na África100 mas existe também nas
ilhas Fidji, na Austrália, entre os ainus, etc.101 Ele justifica tan­
to o fato concreto da morte do homem como as cerimônias de
iniciação. As fases da I.ua constituem um bom exemplo da cren­
ça numa ressurreição, mesmo no quadro da apologética cristã.
“ Luna per omnes menses nascitur, cresci(, perficitur, mmuitur,
consum ing, innovator — escreve Santo Agostinho. — Quod in
luna per menses, hoc in rcssurcctione seme! in toto tem pore."!o:
É . pois, fácil compreender o papel da Lua nas cerimônias de ini­
ciação. que consistem precisamente cm experimentar uma morte ri-
A LUA E A M ÍSTICA L U N A R 145

lual seguida dc um “ renascimento” e pdas quais o iniciado rein­


tegra a sua verdadeira personalidade dc "homem novo".
Nas iniciações australianas, o "m orto" (o neófito) sai do tú­
mulo como a Lua sai da obscuridade10*. Entre os koriaks do nor­
deste da Sibéria, entre os giliaks, tlingits, tongas e liaidas. o urso
— "animal lunar” , pois que desaparece e reaparece — está pre­
sente nas cerimônias dc iniciação, da mesma forma que desem­
penhava um papel essencial nas cerimônias do Paleolítico10*. Por
outro lado, entre os índios pomo da Califórnia do Norte, por
exemplo, os candidatos sáo iniciados pelo urso Grizzly, que os
“ m ata” e abre com as garras um buraco nas costas deles. Despi­
dos, c depois vestidos com novos trajes, os candidatos permane­
cem quatro dias na floresta, tempo durante o qual lhes são reve­
lados os segredos do ritual105. Mesmo quando não há “ animais
lunares” presentes nos ritos c nào encontramos qualquer referên­
cia direta á desaparição c à reaparição da Lua. somos levados
a ligar as diversas cerimônias dc iniciação ao mito lunar em toda
a área sul-asiática c à volta do Pacífico, como demonstrou A.
Gahs numa monografia ainda inédita106.
Em certas cerimónias iniciáticas \amanistas, o candidato c
"despedaçado” tal como a Lua é fragmentada (inúmeros mitos
representam o drama da Lua retalhada ou pulverizada por IX-us.
pelo Sol, etc.)107. Encontramos o mesmo modelo-arquétipo nas
iniciações osiricas. Segundo a tradição transmitida por Plutar-
co1« . Osíris reinou 28 anos c foi morto em dia 17, momento cm
que a Lua está em minguante. O caixão cm que Isis o tinha es­
condido foi descoberto por Seth. que andava na caça, cm noite
de luar; Seth cortou o cadáver dc Osiris em 14 pedaços que espa­
lhou por tosio o território egípcio,w. No ritual, o emblema do
deus morto tem a forma dc uma lua nova. Há similitude eviden­
te entre a morte e a iniciação. " £ por isso” — diz Plutarco —
"que há uma tão estreita analogia entre os termos gregos que sig­
nificam morrer e iniciar. ’’ Sc a iniciação mística se adquire por
uma morte ritual, também a morte pode ser assimilada a uma
iniciação. As almas que conseguem chegar à parte superior da
Lua sáo chamadas “ vitoriosas” por Plutarco c trazem uma co­
roa na cabeça, como os iniciados e os vitoriosos1111.

56. Simbolismo do "devir" lunar — O “ devir" i â norma


lunar. Depende das capacidades míticas c de raciocínio dos di­
146 TKA7ADO DE HISTÓ/tIA DAS KtOJOIÕES

versos povos, a.sútn como do seu nív-d cultural, que ele sc>a ob­
servado no» seus momentos dramáticos — nascimento, plenitu­
de c desaparecimento do astto —. valorizado como "u m fracio­
nam ento" . uma *•numeração'*, ou percebido por intuição como
o ‘‘cânham o" dc qtc sãu urdidos os Tios do destino. Mas a hete
rogencidade das fórmulas que exprimem c»tc "devir” c apenas
aparente. A Lua "reparto” , " fia " , "m ede"; ou então alimenta,
fecunda, abençoa; ou recebe as almas dos mortos, inicia e purifi­
ca — pois que tem vida c por conseguinte cwa cm eterno devir
rítmico. Este ritmo está sempre presente nos rituais lunares. For
vexes, o cerimonial repere, por inteiro, as fases da Lua, corno,
por exemplo, a p ú jâ indiana introduzida pelo luntriuno. A deu­
sa Tripurasundurí deve ser meditada, segundo um texto do
tatitrisnio"1, como estando na própria Lua. Uni autor tãntrico,
B iskara R ija. determina que a pújâ da deusa deve começar no
pr imeiro dia da lua nova, e durar toda a quinzena luminosa; d
preciso parti isso 16 brâmanes, cada um representando um aspecto
d a divindade (qncr dizer, uma fase da Lua, uma nthí). Tucci,,:
observa, com justeza, que a presença dos brâmanes nflo i mais
d o que uma inovação lecente, e que na pújâ arcaica outros per­
sonagens representavam o “ devir" da deusa lunar. Eíetivamen-
tc. num tratado de incontestável autoridade, Rudrayúmata,
encontra-sc a descrição do cerimonial tradicional, kuir.àri-pújâ,
quer ducr, "adoração da menina". E esta pújâ começa sempre
n a lua nova e dura 1? noites. Mas, cm lugar dc 16 brâmanes, sáo
precisos 16 kumâri, que representam os 16 iithi da Lua. A ado­
ração tem lugar vrddhibhcdena, ou seja, por ordem de idade, e
são necessárias 16 merinas dc 1 a 16 anos. F.m cada noite, a pújâ
representa a lith ícorrespondente da 1 ua (Tucei, 4251. O cerimo­
nial tãntrico concede em geral jrna importância capital á mulher
e às divindades femininas'"; no caso presente a correspondên­
cia entre a \ estruturas lunar c feminina c perfeita.
Que a Lua “ mede” c "partilha” provam-no não só as eti­
mologias, mas também as classificações arcaicas. Para ficarmos
no domínio indiano, a Brhadarànvaka',t sabe que "Prajãpati é
o ano. Tem dezesseis ivartes. quinze sâo noites, a decima sexta
é fixa. d pelas noites que ele cresce e dccTcsce, etc.” . A
C h a n d o & d 1’ diz nos que o homem se compôc dc 16 partes e
cresce ao m o ino tempo que a alimentação, etc. Os vestígios do
sistema octaval abundam na índia: mála. R murti, etc.; 16 kalã,
16 \haktt, 16 ir.àirkú, etc.; 32 espécies de dikshô, etc.: 64 yoginl,
A LU A E A M ÍSTICA L U N A R 147

64 u/x/cáru, otc. O número quatro prevalece nas literaturas védi-


cas c bramãnicas. Vôc (o "logos” ) coni|)Õe se de quatro
partes11*'; purusha (o "hom em ” , o “ macrantropo” ) tamWm.
As fases da Lua dáo origem, nas especulações ulteriores, as
correspondências mais complicadas. Stuchen dedicou uma
obra“ 7 às relações entre as leiras do alfabeto c as posições da
Lua tal como os árabes as conheciam. Hommcl11* mostrou que
de/ ou onze caracteres hebraicos designam as fases da Lua (por
exemplo, <//</', que significa “ touro", é o símbolo da Lua na sua
primeira semana c ao mesmo tempo o nome do signo zodiacal
ern que começa a série das casas lunares, etc.). Encontra-se a mes­
ma correspondência entre os sinais gráficos c as fases da I ua en­
tre os babilónios“ ’, os gregos120, os escandinavos (as 24 runas
dividem se em três gêneros ou aeilir, cada um compreendendo
8 ru n as ele,)121. Uma das mais claras c mais completas assimi­
lações do alfabeto (considerado como conjunto de sons, nào co­
mo gratia) com as fases lunares encontra-se num escólio de Dinis
da Trácia,íí. cm que as vogais correspondem á lua cheia, as con­
soantes sonoras à meia lua (quartos) e as consoantes surdas á lua
nova12-’.

57. Cosraobiologia c fisiologia mística — Estas correspon­


dências não desempenham só uma função classificadora. Elas fo­
ram obtidas por um esforço de integração total do homem e do
cosmos no próprio ritmo divino. O seu significado é. em primei­
ro lugar, mágico e so(enológico; apropriando-se das virtudes que
estão latentes nas "letras:’' c nos "sons", o homem insere-se em
certos centros de energia cósmica c realiza assim uma harmonia
perfeita entre ele e o todo. As "letras” e os "sons" desempenham
o papel de imagens que, por meditação ou magia, tornam possí­
vel a passagem para os diversos planos cósmicos. Para dar um
único exemplo, a meditação que precede a criação iconográfica
de uma imagem divina indiana comporta, entre outros, o seguin­
te exercício, no qual a Lua. a fisiologia mística, o símbolo gráfi­
co c o valor sonoro constituem um conjunto de refinada sutile­
za. "concebendo no seu próprio coração a forma da Lua tal co­
mo saiu do som primordial (prathama-svaro-parinatam, quer di­
zer, 'surgindo da letra A '), ele deve aí vislumbrar um belíssimo
lótus azul que tem entre os seus filamentos o disco lunar imacu­
lado, e no centro deste a sílaba-germinal amarela Tâm". etc.124
148 7A A TA D O D E HISTÓRIA D A S KF1 IG lflE S

A integração t a hctnem no cosmos sõ pode ser realizada, evi-


dentemente, q uanta de consegue harmonizar-se com os dois rit­
mo* astrais. "urifiCâ.-xJo*’ a l ua e o So! no seu próprio corpo pneu­
mático A "unificação'* Jos dois centros de energia sacrocósmi-
ca. que são 3 Laa < o Sol. tem por finalidade — nesta técnica de
fisiologia mística — a sua reintegração r.a unidade primordial, in­
diferenciada c ainda rvãü fragmentada pelo ato da criação cósmi­
ca. o que se traduz por unia transcendência do cosmos. Num tex­
to tãntrico1“ . um txercicio de fisiologia mística pretende obter a
transformação "das vogais c consoantes em braceletes, do Sol e
da Lua etn anéis” 154. Aj escolas tàr.tncas c "hathayogtcas" lesa­
ram muito longe estas assimilações complexas entre o Sol. a Lua
e disersos centros ou artérias "místicas” , divindades, sangue e se
rr.cn virile, etc., r O sentido dessas assimilações é, primeiro, soli­
darizar o homem com as energias e os ritmos cósmicos; cm segui­
da. rcali/ar a unificação dos nunos, a fusão dos centros c. pot
consequência, o salto pata o transcendente, possibilitado pelo de­
saparecimento das “ ferm as" e peia restauração da unidade pri
mordial. Lista técnica é naturalniente o produto refinado de uma
longa tradição mística, mas encontram-se jirecedcntcs rudimenta­
res tanto nos povos arcaicos118 como nas fases sincrctistas das re­
ligiões meditcrrãnicsis129.
A Lua "liga" conjuntamcntc, pelo seu modo de ser, uma mul­
tidão imensa dc realidades e de destinos. Harmonias, simetrias,
assimilações, purticipaçõcs, cooidenadas pdos ritmos limares, cons­
tituem um "tecido" sem fim. uma "rede” dc fios invisíveis, que
"lig a", ao mesmo tempo, homens, chuvas, vegetações, fecundi­
dades. saúde, animais, morte, regeneração, vida posí niortem, etc.
É por isso que, ern muitas tradições, a Lua, personificada por uma
divindade ou presente por intermédio de um animal lunar, “ tccc"
o véu cósmico ou os destinos dos homens. Foram densas selênicas
que inventaram a profissão dc tecelão (como a divindade egípcia
Neith), ou que sc tornaram célebres na aitc da tecelagem (Atcna
castiga Aracnéia, que teve a audácia de rivalizar com ela, c
transforma-a cm aranha)150, ou que tcccrarn trajes dc proporções
cósmicas (como Prosérpina c Harmonia)151. Nas crenças européias
medievais. Holda c a padroeira dos tecelões e, por detrás desta fi­
gura, descobrimos a estrutura selênica-ctònica das divindades sla
fertilidade c da morte'
Evidentemente, encontramo-nos diante dc forrnái complexas,
que cristalizaram mitos, cerimoniais c símbolos pertencente» a con-
A LUA £ A M ÍSTICA L U N A R 149

juntos religiosos diferentes, c que nem sempre saíram dirctamen-


te da intuição da Lua como norma dos ritmos cósmicos e supor­
te da vida c da morte. Lm compensação, acham-se presentes as
sínteses Lua-Terra-Mãe com tudo o que elas significam (ambiva­
lência bem-mal; morte-feitilidadc; destino). Da mesma forma, não
há que redu/ir sempre à Lua toda c qualquer intuição mítica da
“ rede” cósmica. Na especulação indiana, por exemplo, o ar “ te­
ceu” o universo10 tal como o sopro (prána) “ teceu” a vida
humana1M. Aos cinco ventos que separam o cosmos, c não obs­
tante mantém a sua unidade, corrcsjiondcm cinco sopros (prá-
nas) que "tecem " num todo a vida humana (a identidade sopro-
vento encontra se já nos textos védicos)1M. Trata-se, nestas tra-
diçócs, da concepção arcaica do conjunto dc tudo o que tem vi­
da — cósmico ou micToc-ósmko —, segundo a qual as diferentes
parles são integradas por meio dtr uma força pneumática (vento,
sopro) que "tccc” urnas às outras.

5S. A laia e o destino — Todavia, pelo simples fato dc ser


senhora de todas as coisas vivas c guia certa dos mortos, a Lua
“ teceu" todos os destinos. Não é à toa que cia é concebida nos
mitos como uma enorme aranha — imagem que encontramos cm
muitos povos,Vi. Tecer nào significa somente predestinar (no pla­
no antropológico) c reunir simultaneamente realidades diferen­
tes tno plano cosmológtco). mas também criar, fazer sair da sua
própria substância, como o faz a aranha, que urde, cia própria,
a sua teia. Não é a Lua criadora inesgotável dc formas vivas? Mas.
como tudo o que foi "tecido” , as vidas são colocadas num con­
junto: elas têm um destino. As Moirai. que fiam os destinos, são
divindades lunares. Hom ero117 chama lhes “ as fiandeiras", c
uma delas tem mesmo o nome dc Klothó. ou seja. “ fiandeira” .
Fotam, provavelmente, na origem, divindades do nascimento, mas
a especulação posterior elevou-as à personificação do destino. No
entanto, nunca se perdeu completamenie a sua estrutura lunar.
Porfírio diz que as Moirai dependem das forças lunares, e um
texto órfico considera as parte (la mére) da Lua,w. Nas velhas
línguas germânicas, um dos termos que designa o "destino” (an­
tigo allo-ulcmào wurl, velho norueguês urdhr, anglo saxão wyrd)
deriva dc um verl>o itulo-europeu ueri, "rodar” , de onde os ter
mos alto-alemão antigo »«>/, wirtel, "fuso” , "roca” ; holandês
HWW?e/i. " ro d a r" 0 *.
150 7 R A T A D O DF. HISTÓRIA D A S RELlO IÔ F S

Bem entendido, nas culturas em que as grandes deusas acu­


mularam as virtudes da Lua, da Terra c da vegetação, o fuso c
a roca, com os quais fiam os destinos dos homens, tornam-se,
a par de tantos outros, seus atributos. E o que acontece com a
deusa do luso encontrada em Tróia, que pertence à época com­
preendida entre 2000 c 1500 a.C .140 Este tipo iconográfico acha-
se espalhado no Oriente: cnconttamos a roca na mão de Ishtar.
da Grande Deusa hitita, da deusa síria Atargatis, de uma divin­
dade cipiiota primitiva, da deusa de Éfeso141. O destino. Tio da
vida, é um período, mais ou menos longo, dc tempo. As grandes
deusas tornam-se, |»or isso. senhoras do Tempo, dos destinos que
elas forjam á sua vontade. Em sãnscrilo, 0 tempo dcsigna-sc ká-
lo, termo que se assemelha muito ao nome da Grande Deusa.
Kâlã significa também "negro", "sombrio” , •‘mancha­
d o ” . O tempo C "n e g ro " porque é irracional, duro, sem pieda­
de. Quem vive sob o domínio do tempo está submetido a sofri­
mentos de toda a espécie, c a libertação consiste jirimeiro na abo­
lição do tempo, na evasão à mudança universai!4’. Segundo a
tradição indiana, a humanidade cncontra-sc atualmente no Kali-
yuga, quer dizer, na “ idade som bria", época de todas as confu-
siVs c dc total decadência espiritual, última etapa dc um ciclo
cósmico.

59. Metafísica lunar — Tentemos agora uma vista dc co


junto sobre todas essas hicrofanias lunares. Que revelam elas?
Em que medida são coerentes c complementares, cm que medida
constituem uma "teoria” , quer dizer, formulam uma sequência
de "verdades" cujo conjunto poderia constituir um sistema? As
hierofanias lunares a que dedicamos a nossa atenção podem ser
agrupadas em torno dos seguintes temas: a) fertilidade (águas,
vegetação, mulher; "antepassado mítico” ); b) regeneração perió­
dica (simbolismo da serpente e dc todos os animais Lunares; " h o ­
mem novo" sobrevivente de uma catástrofe aquática causada pela
Lua; morte e ressurreição iniciáticas; etc.); c) “ tempo*’ c "desti­
n o " (a Lua “ mede” , "tece” os destinos, "liga" entre si os pla­
nos cósmicos distintos e as realidades heterogêneas); d) mudan­
ça, marcada pela oposição luz-obscuridade (lua cheia-lua nova;
“ mundo superiot" e “ mundo inferior"; "irmãos inimigos", bem
c mal), ou pela polarização ser-não ser, virtual-atuai (simholis-
ino dos "estados latentes": noite sombria, obscuridade, morte.
A LUA t A MÍSTICA l.U N A ft 151

sementes e larvas). Em lodos esses temas a idéia dominante é a


do rumo realizado pela sucessão dos contrários, do '•devir" pela
sucessão das modalidades polares (ser. náo-ser; formas estados
latentes; vida-morte). I>cvir que não se processa, bem entendi­
do. sem drama nem patético; o mundo sublunar não c somente
o das transformações, mas o dos sofrimentos, da "história” . Na­
da de "eterno” pode suceder nesta zona sublunar cuja lei é o de­
vir. onde nenhuma mudança é definitiva, onde toda a transfor­
mação é apenas palingenesia.
Todos os dualismos têm, se náo a sua origem histórica, pelo
menos a sua ilustração mítica c simbólica nas fases da Lua. "O
mundo inferior, mundo das trevas, c figurado pela Lua moribunda
(chifres ^crescentes, sinal da dupla voluta = dois crescentes cm
sentido oposto, sobrepostos c ligados - mudança lunar, velho de­
crépito e ossudo). O Mundo superior, mundo da vida e da luz
nascente, c figurado por um tigre (monstro da obscuridade c da
lua nova), de cuja goela sai o ser humano, representado como
uma criança (antepassado do clâ, que c assimilado ã lua que
renasce-luz que volta). ” ,u Mas nesta mesma área cultural da
China arcaica os símbolos luz obscuridade são complementares;
o mocho, símbolo da obscuridade, encontra sc ao lado do fai­
são, símbolo da luz14’. A cigarra, da mesma forma, encontra-sc
ao mesmo tempo em relação com o demônio da obscuridade e
com o da luzl4<’. Uma época "som bria" é seguida, em todos os
planos cósmicos, de uma época “ luminosa” , puía. regenerada.
O simbolismo da saída das “ trevas” encontra sc nos rituais de
iniciação como nas mitologias da morte, do drama vegetal (se­
mente enterrada, “ trevas” de onde sairá uma "planta nova” , neó­
fito) ou na concepção dos ciclos "históricos". A “ idade sombria” ,
Kaíiyuitu, será seguida, após uma dissolução cósmica {mahâpra-
laya). de uma era nova. regenerada. Encontra sc a mesma idéia
cm todas as tradições dos ciclos cosmo-históricos, c se cia não
tetn, de modo verossímil, o seu ponto de partida especulativo na
revelação das fases da Lua, não testa dúvida dc que é ilustrada,
dc modo exemplar, pelo seu ritmo.
É nesse sentido que sc pode falar dc uma "valorização" das
eras sombrias, das épocas de grande decadência e de decomposi­
ção: elas adquirem um a significação supra histórica, ainda que
seja precisamente cm tais momentos que a "historia" sc realiza
mais plcnameme, pois (jue os equilíbrios sào então precários, os
condições humanas de um a infinita variedade, as “ libeidadcs”
IÍ2 T R A T A D O D E H IS T Ó R IA Ü-iS R G U G lô f .S

encorajadas pela deterioração dc iodas as “ leis*' e de todos os


quadros arcaicos. A época sombria é assimilada à ohsc iiridade,
a noite cósmica. Como tal. pode ser valorizada preasamente na
medida cm que a morte representa um “ valor" ttn ã; i o rresir.o
simbolismo das larvas nas trevas, da hibernação, das sementes
que se decompõem no solo para tornar possível o aparecimento
dc uma forma nova.
Poder se ia dizer que a Lua revela ao homem a Mia própria
condição humana; que em certo sentido o homem se “ oiha" e
se encontra na vida da Lua. É por isso que o simbolismo e a mi­
tologia lunaics são patéticos c ao mesmo tempo consoladores, pois
que a Lua comanda simultaneamente a morte e a fecundidade,
o drama c a iniciação. Sc a modalidade lunar é, por excelência,
a d a mudança dos ritmos, não c menos a do retorno dclico; des­
tino que fere c consola ao mesmo tempo, porque, se as manifes­
tações da vida são bastante frágeis para se dissolverem üe manei­
ra fulgurante, são. no entanto, restauradas pelo “ eterno retor­
no” que a l.ua dirige. Tal é a ki dc todo o universo sublimar.
Vias esta lei dura, e nào obstante consoladora, pode ser abolida
e, cm certos casos, pode-se "transcender" o devir cíclico c ad­
quirir um modo dc existência absoluta. Vimos (} 57) que cm cer­
tas técnicas tãnlricas se procura a “ unificação" da Lua e do Sol,
quer di/er, a supetação da polaridade, a reintegração na unidade
primordial. Lste mito da reintegração — que, no fundo, exprime
a sede de abolição dos dualismos, do eterno retorno e das exis­
tências fragmentárias - encontra-se muito difundido, com urr.a
infinidade dc vatiantes, na história das religiões. F-nconira-sc nos
estádios mais arcaicos, o que prova que, desde que tornou cons­
ciência da sua situação no cosmos, o homem desejou, sonhou c
esforçou-se por realizar de maneira concreta (quer dizer, pda re­
ligião c pela magia ao mesmo tempo) a superação da sua condi­
ção humana (“ refletida” com tanta precisão pela condição lu­
nar). Ocupar-nos-emos, oportunaniente, deste gênero de mitos,
mas devíamos lembrá-los aqui. porque constituem a primeira ten­
tativa feita pelo homem para superar o seu “ modo de ser lunar".
V

As águas c o simbolismo aquático

60. As águas e os germes — Numa fórmula sumária, poder-


se-ia dizer que as águas simbolizam a totalidade das virtualida­
des; cias sào fo n s et origo. a matriz dc todas as possibilidades
dc existência. “ Água. tu és a fonte de todas as coisas c dc toda
a e x i s t ê n c ia d iz um texto indiano1, sintetizando a longa tra­
dição védica. As águas sào os fundamentos do mundo inteiro2,
cias são a essência da vegetação', o elixir da imortalidade4; se­
melhantes à amrilo'1, elas asseguram longa vida. força criadora
e sào o princípio de toda cura, etc.* "Que as águas nos tragam
o bem-estar!” , suplicava o sacerdote vedico’. “ As águas, em ver­
dade, curam, elas expulsam c curam todas as doenças!"'
Principio do indiferenciado e do virtual, fundamento de to­
da a manifestação cósmica, receptáculo dc todos os germes, as
águas simbolizam a substância primordial dc que nascem iodas
as formas e para a qual voltam, por regressão ou por cataclismo.
Elas foram no princípio, elas voltarão no fim de todo ciclo histó­
rico ou cósmico; cias existirão sempre — se bem que nunca sós,
|K>rquc as águas sáo sempre germinativas, guardando na sua uni­
dade nào fragmemada as virtualidades de iodas as formas. Na
cosmogonia, no mito, no ritual, na iconografia, as águas desem­
penham a mesma função, qualquer que seja a estrutura dos con­
juntos culturais nos quais se encontiain: elas precedem qualquer
íorrr.3 c suportam qualquer criação. A imersão na água simboli­
za o regresso ao pré-formal, a renegeração total, um novo nasci­
mento. porque uma imersão equivale a uma dissolução das for­
mas, a uma reintegração no modo indiferenciado da pre­
existência; c a emersão das águas repete o gesto cosmogónico da
manifestação formal. O contato com a água implica sempre a rc-
1S4 TR A TA D O D E HISTÓRIA D A S RELrOlC-TS

generação: por um lado, porque à dissolução se segue u tr “ novo


nascimento” ; por outro, porque a imersão fertiliza c aumenta o
potencial de vida e de criação. A água confere um ” rc»vo nasci­
m ento" por um ritual inictático, ela cura por ura ritual mágico,
ela assegura o renascimentopost-mortem por rituais funerários.
Incorporando nela todas as virtualidades, a água torna-se um sim-
bolo de vida (a “ água viva"). Rica em germes, ela fecunda a ter­
ra, os animais, a mulher. Receptáculo de ioda a virtualidade, fluí­
da por excelência, suporte do devir universal, a água è com para­
da ou diretamente assimilada à Lua. Os ritos lunares e aquáticos
são orquestrados pelo mesmo destino; dirigem o aparecimento
e desaparecimento periódico de todas as formas, dão ao devir uni­
versal uma estrutura cíclica.
Por isso. desde a pré-história, o conjunto Água-Lua-Mulher
tem sitio percebido como o circu ito antropocósm ico d a fccundi»
dade. Nos vasos neolíticos da cultura dita de Waltcrnicnburg-
B*rnburg, a água cra representada pelo sinal X / X / X / , que
é também o mais velho hieróglifo egípcio para a água corrente*.
J á no Paleolítico, a espiral simbolizava a fecundidade aquática
e lunar; marcada cm ídolos femininos, representava todos os cen­
tros de vida e de fertilidade10. Nas mitologias ameríndias, o si­
nal gliptico da água. representado por um vaso cheio de água no
qual cai uma gota vinda de uma nuvem, encontra-se sempre as­
sociado a emblemas lunares". A espiral, o caracol (emblema lu­
nar), a mulher, a água, o peixe pertencem constitucionalmente
ao mesmo simbolismo da fecundidade, verificável cm todos os
planos cósmicos.
Toda a análise sc arrisca a fragmentar c pulverizar em ele­
mentos separados o que, para a consciência que os representou,
compunha uma única unidade, um cosmos. O mesmo símbolo
indicava ou evocava uma série inteira de realidades que só numa
experiência profana são separáveis c autônomas. A rnultivalén-
cla simbólica dc um emblema ou de uma palavra pertencente às
línguas arcaicas leva-nos a observar que, pata a consciência que
os forjou, o mundo se revelava como um todo orgânico. Na lín­
gua suméria. a significava "água", mas significava também "es­
perma. concepção, geração". Na gliptica mcsopotómica, por
exemplo, a água e o peixe simbólico são emblemas da fecundida­
de. Nos nossos dias. ainda, entre os "primitivos*' a água
confunde-se — nem sempre na experiência corrente, mas regu­
larmente no mito — com o sêmen viril. Na ilha Wakuta, um mi-
A S A O U A S E O S M B O U S M O A Q U Á 71C 0 I55

lo coula como uma jovem perdeu a virgindade por ter deixado


que a chuva lhe tocasse o corpo; e o milo mais importante da
ilha Trobriand revela que Bolutukwa. a mãe do herói Tudava,
l>erdeu a virgindade cm conscqüêneia de algumas gotas de água
caidas de uma estalactite12. Os índios pima do Novo México têm
um milo semelhante: um a bela mulher (quer dizer a Tcrra-màc)
foi fecundada por uma gota de água caída de uma nuvem1-'.

61. Cosmogonia* aquáticas — Se bem que sepaiados no tem­


po c no espaço, estes fatos constituem, no entanto, um conjunto
dc estrutura cosmológica. A água c germinativa, fonte de vida,
em todos os planos da existência. A mitologia indiana populari­
zou cm múltiplas variantes o lema das águas primordiais, sobre
as quais flutuava Nãráyana, cujo umbigo fa/ia brotar a árvore
cósmica. Na tradiçào purânica, a árvore 6 substituída pelo lódáo,
no meio do qual nasce Brahma (abjaja, "nascido do lódào” )M.
Aparecem, succssivamcntc, os outros deuses — Varu/ra, Prajâ-
pati, Purusha ou Bialnna (Svayambbu), Nârâyana ou Vishnu —,
fórmulas que exprimem o mesmo mito cosmogònico — mas as
águas permanecem. Mais tarde, esta cosmogonia aquática torna-se
um motivo corrente na iconografia e na arte decorativa: a planta
ou árvore deva-se da boca ou do umbigo de um Yaksa (personi­
ficação da vida fecunda), da garganta de um monstro marinho
(makara), dc um caracol ou dc um "vaso cheio” — mas nunca
diretamente dc urn símbolo que representasse a Terra15, porque,
como vimos, as águas precedem e suportam qualquer criação,
qualquer "construção firm e", qualquer manifestação cósmica.
As águas H3s quais Nãráyana flutuava numa devota indife­
rença simbolizam o estado de repouso e dc radiferendação: a noite
cósmica. O próprio Nãráyana dormia. E do seu umbigo, quer di­
zer, dc um "centro” (cf. § 145), ganhou vida a primeira forma
cósmica: o lódão, a árvore, símbolo da ondulação universal, da
seiva germinativa mas sonolenta, da vinda de onde a consciência
umda se não desprendeu. A criação inteira nasce de um receptá­
culo c apõia-se nele. Em outras variantes. Vishnu, na sua tercei­
ra rcencarnação (um gigantesco javali), desce ao fundo das águas
primordiais c tira a Terra do abismo16. Este mito, de origem c
de estrutura oceânica, também se manteve no folclore europeu17.
A cosmogonia babilónica também conhece o caos aquático,
o oceano primordial, A /m t e Tiamat; o primeiro personificava
156 TR A TA D O DE HISTORIA D A S RELIGIÕES

o oceano de água doce no qual. mais tarde, flutuará a Terra; Tia-


mat è o mar salgado c amargo povoado dc monstros. O poema
dc criação, Emana Etish, principia assim:

Quando !d no alto os céus ainda nào tinham nomr


Quando cã emhotxo a Terra ainda não linha nome
E que o primordial Apsu. que os iterou,
£ que Siummu, c Tiamat, mãe de Iodos
Confundiam todas as « j uas.li

A uadiç3o das aguas primordiais, onde os mundos tiveram


a sua origem, cncontra-sc cm grande número dc variantes nas cos­
mogonias arcaicas e •‘primitivas” 1*.

62. Hilogcniiis — Sctulo as águas a matriz universal, na qual


subsistem todas as virtualidades e prosperam todos os gérmenes,
t fácil compreender os mitos e as lendas que fazem derivar delas
o gênero humano ou uma raça particular. Na costa sul dc Java
encontra-se um segara anakkan, um “ mar das crianças“ . Os ín­
dios Karaja do Brasil lembram-se ainda dos tempos míticos
“ quando sc encontravam ainda na água” . Jo3o dc Toquemada,
descrevendo as lusiraçòes batismais dos recém-nascidos no Mé­
xico. transmitiu nos algumas das fórmulas pelas quais se consa­
grava a criança à deusa da água Chalcliihuitlycue Chalchiuhtla-
:onac, considerada sua verdadeira mãe.
Antes de a imergir na água. dizia-se: “ Toma esta água. por­
que a deusa Chalch.ihuitlycuc Chalchiuhtlatonac c tua inàc. Que
este banho te lave dos pecados dos teus pais...“ Em seguida, to­
cando a boca. o peito c a cabeça com a água. actesccntava-se:
“ Recebe, menino, a tua mãe Chalchihmtlycue, a deusa da
água.” 20 Os antigos Carclios, os Mordves, os Estónios, os Tche-
remisses e outros povos fino-úgricos conhecem uma “ Míle-Água".
á qual sc dirigem as mulheres que pretendem t a filhos-1. As Tá-
taras estéieis ajoelham e imploram perto de um lago12. A vasa.
Ilmus, c o lugar por excelência das hilogenias. Os filhos bastar­
dos eram assimilados à vegetação do lago e lançados na vasa das
margens, matriz inesgotável; num sentido ritual, eram assim rein­
tegrados na vida impura de que tinham saído, semelhantes às ei­
vas grossas, às canas de junco dos pântanos. Tácito diz dos ger­
manos: “ ignavos et imbclles ct corpore infames cacno ac pa-
A S Á G U A S £ O SIM BO LISM O AQUÁTICO 157

lude, iniccta insupcr crate, mergum” 22. A água c germinativa.


a chuva é fecundante, semelhante ao sêmen viril. No simbolismo
erótico-cosntogónico. o Céu abraça e fecunda a Terra por meio
da chuva. O mesmo simbolismo sc encontra em todas as hilogc-
nias. A Alemanha está cheia de “ Kindcrtetchen” . “ Bubenquel-
len” -4. Em Oxford. Child's Well c uma fonte conhecida por tor­
nar fecundas as mulheres estéreis25. Muitas crenças deste tipo es­
tão contaminadas pela concepção da “ Terra-Mãe” c pelo sim­
bolismo erótico da fonte. Mas, por detrás destas crenças como
por detrás de todos os mitos da descendência da Terra, da vege­
tação. da pedra, encontramos a mesma ideia fundamental: a vi­
da, quer dizer, a realidade, acha-sc concentrada numa substân­
cia cósmica de que derivam, por descendência direta ou partici­
pação simbólica, todas as formas vivas. Os animais aquáticos,
sobtetudo os peixes (que acumulam também os simbolos eróti­
cos) e os monstros marinhos tornam-se os emblemas do sagrado
porque se substituem à realidade absoluta, concentrada nas águas.

63. A "Água da Vida” — Símbolo cosmogónico. receptá­


culo de todos os génncncx. a água torna-sc a substância mágica
c medicinal por excelência; ela cura, rejuvenesce, assegura a vida
eterna. O protótipo da água é a “ água viva” , que a especulação
posterior projetou por vezes nas regióes celestes — como existe
uma soma celeste, uma huonta branca no céu, etc. A água viva.
as fontes de juventude, a água da vida são as fórmulas míticas
dc uma mesma realidade metafísica e religiosa; na água reside a
vida, o vigor e a eternidade. Esta água não é, naturalmente, aces­
sível a toda a gente, nem dc qualquer maneita. Está guardada
por monstros. Acha-se em territórios de difícil penetração, na pos­
se dc demônios ou de divindades. O caminho para a sua origem
c a sua obtenção implicam uma série dc consagrações c dc “ pro­
vas” . exatamente como na busca da “ árvore da vida" (§ 108.
145). O "rio sem idade" (vijSra nadi) encontra-se perto da árvo­
re miraculosa de que fala o Kuusuaki Upanishad*. E. no
Apocalipse2’, os dois símbolos encontram sc lado a lado: “ Ele
mostrou-me. em seguida, o rio c a água da vida, límpida como
cristal, que brota do trono de Deus c do cordeiro... E nas duas
margens do rio cresce a árvore da vida.” 2*
A "âgua viva" rejuvenesce c dá a vida eterna; toda a água.
por um processo dc participação e de degradação, que nos apa-
158 m .A TA DO D E H ISTÓ RIA DAS R & JÜ IÓ E S

reccrá mais claramente no decurso desta obra, é cfsctente, fecun­


da ou medicinal. Ainda tios nossos dias. na Cornualha. as crian­
ças doentes silo mergulhadas três vezes no peço de Saint-
M andion2’. Na Fiança, o número de fontes*’ e ele rios com vir­
tudes curativas c considerável. Há também fortes que têm uma
influência benfazeja no amor51. Além destas fonics, outras águas
possuem um valor cm medicina popular’2. Na íadia. a% doença*
sào projetadas nas águas” . Os Fir.o-úyricos eeplkam um ceito
número de doenças pela profanação ou pela impureza Jas águas
correntes54. E. para encerrar esta revisão sumária da» virtudes
maravilhosas das águas, lembremos o papel da “ agua rito come­
çada” na maiona dos sortilégios e das medicações populares A
"água não começada", quer dizer, a de um vaso novo, nfto pro-
fanada pelo uso cotidiano, corKctitraem si as valências germina
tivas e criadoras da agua primordial. E:a cuia, porque, cm cerlo
sentido, refaz a criação. Veremos mais tarde que os atos mágicos
“ repetem” a cosmogonia, porque sào projetados no tempo míti­
co da cnaçâo dos mundos, c nào sSo mais do que a repet ição dos
gestos que se realizam então, cb origine. No caso da terapia po­
pular com a água “ não começada", procura-se a regeneração má­
gica do doente pelo contato com a substância primordial, a água
absorve o mal graças ao seu poder de assimilação c de desinte­
gração de todas as formas.

64. Simbolismo de imersão — A purificação pela água pos­


sui as mesmas piopriedades na água, tudo se "dissolve", toda
a “ forma” se desintegra, toda a “ história" c abolida; nada do
que antcriot mente existiu subsiste após uma imersão na água, ne­
nhum perfil, nenhum "sinal", nenhum “ acometimento” . A imer­
são equivale, no plano humano, à motte, c, r.o plano cósmico,
á catástrofe (o dilúvio) que dissolve periodicamente o mundo no
oceano primordial. Desintegrando toda a forma e abolindo toda
a história, as aguas possuem esta virtude de purificação, de rege­
neração e de renascimento, porque o que é mergulhado nela "mor­
re " e, erguendo-se das águas, c semelhante a uma criança sem
pecados e sem "história” , capaz de receber uma nova revelação
c de começar uma nova vida “ iimpa". Como escreve Kzcquiel*5:
“ Farei sobre vós uma aspersão de água pura e vós sereis puros."
E o profeta Zacaria» cm capirilo como "nesse tempo uma fonte
brotará para a casa de Davi c pata os habitantes de Jerusalém,
a fim de fazer desaparecer o seu pecado e a sua m ácula"'4.
A S Á G U A S E O SIM BO LISM O AQ U A TICO 159

••Vs águas purificam c regeneram porque anulam a ••histó­


ria'*. restauram — ainda que seja por um momento — a integri­
dade aurorai. A divindade iianiana das águas. Ardvi Sürâ Anâ-
hitâ, c chamada “ a santa que multiplica os rebanhos... os bens...
a riqueza... a terra.... que purifica a semente de todos os homens...
a matriz de todas as mulheres... que lhes dá o leite de que neces­
sitam", etc.r As abluçoes purificam do crime5*, da presença ne­
fasta dos mortos5*, d a loucura*5, abolindo tantos pecados quanto
os processos de desintegração física ou mental, tia s precedem os
principais atos religiosos, preparando assim a inserção do homem
na economia do sagrado. As abluçAcs tinham lugar antes de se
entrar nos templos4' e antes dos sacrifícios4^.
O mesmo mecanismo ritual da regeneração pelas águas ex­
plica a imersão das estátuas das divindades, no mundo antigo.
0 ritual do banho sagrado era praticado habitualmente no culto
das grandes deusas d a lecundidadc c da agricultura. As forças
exaustas da divindade eram deste modo reintegradas, asseguran­
do unia boa colheita (a magia da imeiváo provocava a chuva) e
a fecunda multiplicarão dos bens. A 27 dc março (hiiaria) tinha
lugar o “ banho" da Mác fripa. Cibele. A imersão da esrâtua
fa/ia se ora num rio (cm Pessinontc, Cibele era banhada no Gal
los), ora num lago (como cm Ancira, Magnesia, etc.)4’. O "ba­
nho" dc Afrodite era conhecido cm Pafos44 e os lutróforos da
deusa cm Sicionc nos são descritos por Pausânias45. No século
III d.C ., Calimaco4" canta o banho da deusa Atcna. Este i it uai
era frequente no culto das divindades femininas cretenses e
fenicias‘\ como o era também em diversas tribos germânicas4®.
A imersão do crucifixo ou da imagem da Virgem Maria e dos san­
tos. para conjurar a seca e obter a chuva, é praticada no catoli­
cismo desde o século XIII, continuando, não obstante a icsistén-
cia eclesiástica, até os séculos XIX e XX*5.

65. O batismo — Este simbolismo imemorial c ecumênico


da imersão na água com o instrumento dc purificação c dc rege­
neração foi aceito pelo cristianismo c enriquecido |>or novos va­
lores religiosos. O batismo dc São João procurava, não a cura
das enfermidades corpòreas, mas a redenção da alma, o perdão
dos pecados. João Batista pregava " o batismo dc arrependimen­
to para a remissão dos pecados’’-^ dizéttdo'. “ Eu vos batizo COfll
Agua, mas aquele que é mais forte do que eu vos batizará com
160 T K A T A K » J X H r S r ô f l t A flH J K S IJ C J Ó £ S

o Espírito Santo c o fogo.'**1 No cristfc» i«mo. d bjtiano torrou-


sc o principal ir.struisento de rc^cr.craçào espiritual, pois 4-je a
imersão na água batismal cqui»alcaotatcrrameniode C tice. Mi­
norais” — escreve S. Paulo51 — “ que lodos os que for»os Fati-
zados em Jesus Cristo o fomos também r a sua morte?’ ’ Simboli­
camente, o homem ü k h í através da imersão c icru.tcc. pnri fica
do, renovado, cxotameme como Cxisto ressuscitou do seu túm u­
lo. "N ós fomos. pois. enterrados com d c pelo batismo, a fim
de que. tal como Cr.tlo ressuscitou dos mortos para a glóna do
Pai. nós caminhemos pira urna nova vida, porque, sc participa­
mos por imitação na sua morte, participaremos tarnlMhn na sua
ressurreição.
Do grande número de textos patristicos que interpretam o
simbolismo do batismo, limitai nos-emos 3 reter pelo menos dois:
um que sc refere aos valorei sotcrioióaces da água, o PXTP que
diz respeito ao simbolismo batismal morte-renascimento.
Teituliano5-1 faz uma longa apologia das propriedades excepcio­
nais da água. elemento cosmogdnico santificado dctde sempre pda
presença divina. Primei to foi« água. "centro do espirito divino,
que a preferia ciitáo a todos os outros elementos... Foi 4 água,
cm primeiro lugar. que foi ordenado que produzisse criaturas vi­
vas... Foi a agua que primeiro p-odtziu o que tem vida. par® que
o nosso espanto cessasse quando um dia cia concebesse a vida
no batismo. Na formação do proprio homem Deus empregou a
água para consumar a sua obra. é verdade que a terra lhe forne
ccu a substância, tnas a terra teria sido incapaz dc fuzr-io se não
fosse úmida c divsolúvei .. Por que aquela que produz a vida da
Terra não produzirá também a vida do Céu? Toda a água natu­
ral adquire, pois. pela antiga prerrogativa que lhe foi consignada
na sua origem, a vutude dc santificação no sacramento, contan­
to que Deus seja invocado para este fim. Logo que sc pronun­
ciam as palavras, o Espirito Santo, descaído dos céus, paira so­
bre as águas que clc santifica pela sua fecundidade; as águas san­
tificadas deste modo impregnam-sc por sua vez d3 virtude sar.tt-
ficante... Aquilo que outrora curava o cortHi cura agora a alma;
o que cava a saúde r.o tempo dá a salvação na eternidade...".
O homem velho morre por mersão na água. c áíi origem a
um ser novo. regenerado. Este simbolismo é admiravelmente for­
mulado por Jüáo Crisóstomo'5, que. faiando da nmltivalência
simbólica do batismo, escreve: "Ele representa u morte e a se­
pultura, a vida c a ressurreição... Quando mergulhamos a nossa
A S ÂG U AS F. O SIM B O LISM O AQ U ÁTICO 161

cabeça na água como num sepulcro, o velho homem fica imerso,


inteiramente sepultado; quando saímos da água. o homem novo
aparece simultaneamente." Toda a "pre-história do batismo" ti­
nha cm vista o mesmo objetivo, a morte e a ressurreição — se
bem que em níveis religiosos diferentes daquele que foi instaura­
do pelo cristianismo. Não se trata aqui de “ influências" ou de
repetição dc símbolos obtidos algures, porque tais símbolos são
arqueiípicos e universais; eles revelam a situação do homem no
cosmos, valorizando ao mesmo tempo a sua posição perante a
divindade (a realidade absoluta) e a história. O simbolismo das
águas <í o produto da intuição do cosmos como unidade e do ho­
mem como um modo específico de existência que se realiza atra-
vis da “ história” .

66. A sede do morto — O uso funerário da água pode ser


explicado pelo mesmo conjunto que torna válida a sua função
cosmogônica, mágica c terapêutica; as águas "saciam a sede do
m orto", dissolvem-no, solidarizam-no com as sementes; as águas
"matam o morto” , abolindo definitivamente a sua condição
humana5®, que o inferno lhe deixa a um nivcl redu/ido, larvar,
conservando deste modo intacta a possibilidade de sofrimento.
Nas diversas concepções d a morte, o defumo não morre dcíiniti-
vamente, mas adquire apenas um modo elementar dc existência;
é uma regressão, não um a extinção final. Na expectativa dc re­
torno ao circuito cósmico (transmigração) ou de libertação defi
nitiva, a alma do morto sofre c este sofrimento exprime-« habi-
lualmentc pela sede.
O rico, mergulhado nas chamas do inferno, suplica a Abraão:
“ Tem piedade dc mim c manda-me Lázaro, para que ele molhe
os dedos na agua c me refresque a língua, pois que estas chamas
me torturam ."57 Numa tabuleta ó rlk a (Elcuthcmc) acha-« a se­
guinte inscrição: "Ardo c consumo-me com sede.” Por ocasião
da cerimônia da H idioforia, dava-se água aos mortos,
derramando-a em fendas ou aberturas no chão (chasmala), e pe­
las Antcstérias, nas vésperas das chuvas da primavera, os gregos
acreditavam que os mortos tinham sedeM. A convicção dc que
as almas dos mortos sofrem « d c aterrou etn particular as popu­
lações ameaçadas pelo calor c pela seca (Mesopotàmia. Anató-
liá. Síria. Palestina, Egito) c cra sobretudo nestas regiões que sc
utilizavam as libações para os defuntos c que sc rcpre«ntava a
162 TR A TA D O DE HISTÓRIA D A S RELIGIÕES

felicidade no alem como um refrigério59. Os sofrimentos post


mortem exprimiram-«: cm termos concretos, da mesma maneira
que se formula qualquer experiência humana e qualquer teoria
arcaica; a “ sede do m orto" e as “ chamas” dos infernos asiáti­
cos são substituídas nas concepções nórdicas por termos que ex­
primem “ a temperatura reduzida” (frio. geada, pântanos gela­
dos. etc.)'0.
Mas tanto a sede como o frio exprimem o sofrimento, o dra­
ma, a agitação. O morto nâo pode ficar continuamente no mes­
mo estado, que é uma trágica degradação da sua condição hu­
mana. As libações lím por objetivo o seu apaziguamento, quer
dizer» a abolição dos sofrimentos, a regeneração do m ono por
uma •'dissolução” total na água. No Egito, o morto é, por ve­
zes, a_<tsimilado a Osíiis e, nesta qualidade, pode esperar um "des­
tino agrícola” , pois que o seu cotpõ germinará como as semen­
tes. Numa esteia funerária do üritish Museum, o defunto dirige
a Rá esta prece: ” que o seu corpo possa germinar” *1. Mas as li­
bações não devem ser sempre interpretadas num sentido “ agrí­
cola” , a sua finalidade nem sempre c " a germinação do m orto” ,
a sua transformação cm "semente" e néophutos (neófito, “ erva
nova” ), mas, em primeiro lugar, o seu “ apaziguamento” , quer
dizer, a extinção do resto de condição humana que air.da conser­
va. a sua imersão total nas “ águas” para poder adquirir urn no­
vo nascimento. O “ destino agrícola" que as libações funerárias
implicam não c mais do que uma consequência desta desintegra­
ção final da condição humana; é um novo modo de manifesta­
ção, que se tornou possível pelas virtudes dissolventes mas tam­
bém germinativas das águas.

67. Fontes miraculosas e oractilarex — A esta mulcivalência


religiosa da água correspondem, na história, numerosos cultos
e ritos concentrados ã volta de fontes, rios c rinchos. Cultos que
se devem, em primeiro lugar, ao valor sagrado que a água incor­
pora cm si. conto elemento cosmogônico, mas também à epifa­
nia local, manifestação da presença sagrada em certo curso de
água ou em certa fonte. Estas epifanias locais são independentes
da estrutura religiosa sobreposta. A água corte, c “ viva” , agita-
sc; inspira, cura, profetiza- Em si mesmos, a fome ou o rio ma­
nifestam o poder, a vida. a (serenidade; eles são e são vivos. Des­
te modo adquirem uma autonomia e o seu culto permanece, a
as Ac u a s e o s im b o l is m o a q u á t ic o 163

despeito dc outras epifanias e de outras revoluções religiosas. Eles


revelam constantemente a força sagrada que lhes é própria, e par­
ticipam ao mesmo tempo do prestigio de elemento netuniann.
O culto das águas — e, em particular, o das fontes conside­
radas curativas, dos poços termais, das salinas, etc. — apresenta
uma continuidade impressionante. Nenhuma revolução religiosa
pódc aboli-lo. Alimentado pela devoção popular, o culto das
águas acabou por ser tolerado até mesmo |»elo cristianismo, de­
pois das perseguições infrutíferas da Idade Média62. A continui­
dade cultural estende-se. por vezes, desde o Neolítico até os nos­
sos dias. Assim, na fonte termal dc Orisy (comuna de Saint-
Symphorien-de-Marmagnc) foram encontrados objetos votivos
neolíticos c romanos6’. Idênticos vestígios do culto neolítico (sí­
lices partidos intencionaLmcntc cm sinal de ex-voto) foram encon­
trados na chamada fonte de Saint-Sáuvcur (bosque dc Compièg-
nc)6*. Tendo as suas origens nu pré-história, o culto transmitiu-
xc aos gauleses, depois aos galo romanos, dos quais o recebeu c
assimilou o cristianismo. Em Sainl-Moritz. conservaram-se, até
há poucos anos, antigas instalações do culto da Época do
Bronze65. Na comuna de Bertinoro (província de Forli). perto de
um poço moderno dc água cloro-salina, encontram-se vestígios
cultuais da Idade do Bronze66. Na Inglaterra, perto de túmulos
pré-históricos ou dc monumentos megalíticos, encontramos fon­
tes consideradas pela população como miraculosas ou benfaze­
jas. Convém, por fim. lembrar o ritual que se praticava no lago
Saint-Andcol (nos montes Aubrac) e que São Ciregório dc Tours
descreve (544-595). Os homens dirigiam se para lá em cariocas
c durante trés dias havia festa cm volta do lago; levavam, cm si­
nal de oferenda, roupas: brancas, peças dc vestuário, làs, quei­
jos. bolos, ctc. No quarto dta levantou sc grande tempestade se­
guida de chuva (tratava-sc, evidentemente. de um nto bárbaro
para conjurar a chuva). Um padre, Parthcnius. depois de ter ten­
tado, em vào, convencer os camponeses a renunciarem a este ce­
rimonial pagão, construiu uma igreja, para a qual os homens aca­
baram por levar as oferendas destinadas ao lago. No entanto, o
hábito dc jogar na água do lago objetos usados e bolos conservou-
sc até o século XIX: os peregrinos lançavam ao lago camisas c
calças, sem compreenderem o sentido desses atos67.
Encontramos um excelente c.xcmplp de çoutiiuiidade, a des­
peito das modificações do conjunto religioso no qual foi sucessi
vamente integrado o cult o das águas, na monografia já citada de
164 T R A T A D O D E H IS T O R IA D A S R L L I G /Õ E S

Pettazzoni sobre a rdigiâo prim itiva da S aidcnha. O s p ro to -sard o s


veneravam as fontes, oferecendo lhes sacrifícios c e rig in d o p e rto
delas santuários dedicados a S arder Pater*1. A o lad o d o s te m ­
plos e das águas tinham lugar os ordálios, fenôm eno religioso ca ­
racterístico d o co njunto atlân tico m editcrrânico*. V estígios des­
te o rd a lio pela água sobreviveram até h o je nas crenças c n o fo l­
clore sardo. O culto das aguas encontra-se tam bém na p té-liistó ria
d a Sicília6,1. Em l.ilibco (M arsala) o cu lto grego d a S ibila
sobrepôs-se a uni culto prim itivo local, q u e tin h a o seu c e n tro
n u m a caverna inundada de água; os proto-sicilianos diriyiam -se
ali p a ia os o rdálios e para as incubacôes p ro le tk x s ; a S ib ila ali
dom inou e profetizou n o tem po d a colonização grega c . já no
cristianism o, pcrpetuou-vc ali u m a devoção a S âo J o á o B a tista ,
a q uem se erigiu no século XVI um san tu ário na velha c a v e rn a ,
que continuou até os nossos d ias a ser d estin o de p ereg rin aç õ es
por suas águas m iraculosas’0.
O s oráculos estáo, m uitas vezes, situados ti3s im ediações d a s
águas. P erto d o tem plo de A n lia ra o s, em O ro p o s, os q u e eram
cu rad o s pelo oráculo jogavam na agua um a m o ed a’’1. A P ítia
prcparava-sc bebendo água d a fonte C assotis. Lm C o lo fó n ia , o
p ro fe ta bebia a água dc um a fonte sag rad a que se e n c o n tra v a tia
g ru ta ’2. Lm C laros, o sacei dote descia á g ru ta , b ebia a á g u a de
u m a fonte m isteriosa (h o u u a fu n n s arcani aqua) e te s p o n d ia cm
verso às questões que lhe p to p u n h am cm pen sam en to (su p e r re-
b us quas quis m en te concepii)7*. O |>odcT p ro fétic o e m a n a das
ág u as, intuição arcaica que se e n c o n tra num a área m u ito v a sta .
O o cean o , por exem plo, c designado pelos b abilónios " a a s a d a
sab ed o ria” . O anncs. o personagem m ítico b ab iló n ico re p resen -
la d o m etade hom em , m etade peixe, sai d o m a r d e E ritré ia c re v e ­
la aos hom ens a cu ltu ra , a escrita, a a stro lo g ia '4.

68. Kpifanias aq aiticas r divindades dav águas — O c u lto


d a s águas — dos n o s , das fontes, dos lagos — existiu n a G ré cia
an tes das invasões indo-européias c antes d c qu alq u er v a lo riz a ­
ç ã o m itológica da experiência religiosa. V estígios deste c u lto a r-

• N i L u u tá n ia. a d o » « .» -« a.m ia na ffxxa, rotn& aa jm ú e a i f cc


f»etiaSiai-jv. >»»c p arsic x i o J í u t " d ô euivo de ü u j vrhrc 0 t,isá s : greit*
ijm x rro ” A d a J i \ (<vJiUe r ^ e *er v iu a na c ta tn a d a f-o n te do l á j l o .
c m K iaga. Ver l eile de V atioooH o». K e .'u .rt.i d a L u t u * J . 11. ; p tN .T .I
/ t S AG U AS E o S/A í ROL ISM O AQ U ÁTICO 165

ciiico conservaram-se até o declínio do hclcnumo. Pausinias75 te­


ve ainda ocasião de examinar c descrever a cerimônia que se de­
senrolava na fonte Hagno, na encosta do monte I.icaios, na Ar­
cádia: quando grassava a seca. o sacerdote do deus Licaios Jazia
ali sacrifícios e jogava para a fonte utn ramo dc carvalho. O rito
é muito antigo e enquadra-se no conjunto "magia da chuva” .
Com efeito, conta PausAnias, após a cerimônia um sopro ligeiro
como uma nuvem levantava-se da agua e começava logo a cho­
ver. Nào encontramos aqui nenhuma personificação religiosa: a
força reside na fonte c esta força, desencadeada por um rito es­
pecifico. comanda a chuva.
Homero conhecia o culto dos rios: os troianos sacrificavam
animais ao Escamandro e lançavam cavalos vivos nas suas águas.
Peleu sacrificou cinquenta ovelhas is nascentes do Espcrqueios.
O Esçaniitfldro tinha os seus sacerdotes; do Espcrqueios eram con­
sagrados um recinto c utn altar. Sacrificavam-se cavalos c boi* a
Posídon c às divindades marinhas1*. Outros povos indo europeus
ofereciam também sacrifícios aos rios: por exemplo, os cimbros,
que sacrificavam ao Ródano, os francos, os germanos, os esla­
vos. etc.’7 Hcsiodo menciona os sacrifícios que se celebravam
quando se passava um rio’*. Rito que tem numerosos paralelos
etnográficos: os mascai do leste da Africa lançam uma mão cheia
dc erva sempre que atravessam um no; os bagan da. da Africa Cen­
tral. trazem como oferenda grãos dc café. etc.71Os deuses fluviais
helenos sào. por vezes, antropomorfos: por exemplo, o Escaman-
dro luta com Aquiles**7. Mas, na sua maiotia. eram representados
sob a forma de touros*1. Entre todo*, o deus fluvial mais conhe­
cido era Aqueloos. Homero cotuidera-o mesmo um grande deus.
divindade de todos os nos. do* mares e das fontes. São conheci­
das as lutas de Aqueloos com Héracles; o seu culto era praticado
a n Atenas, cm Oropos. em Mcgara e em muitas outia* cidades.
O nome tem sido diferentemente interpretado, mas parece que a
etimologia mais provável é simplesmente " a água"*-.
E inútil citar toda a mitologia aquática dos gregos. Ela é vasta
c dc contornos imprecisos. Em perpétuo escoamento, inúmeras
figuras míticas aparecem, repetindo o mesmo motivo fundamen­
tal: as divindades das águas nascem das águas. Algumas destas
figuras alcançaram lugares importantes na mitologia ou na len­
da, como é o caso d e Tétis, ninfa marinha, de Proteu, Glauco.
Nercu c Tritão, divindades netunianas cuja figura denuncia uma
imperfeita origem nas águas, com os seus corpos dc monstios ma­
166 TR A TA D O DE H ISTÓ RIA D AS R EU C IÔ E S

rinhos, caudas dc peixe, etc. Vivera c reinara nas profundezas ma


rinhas. Semelhantes ao elemento dc que só imperfeitamente se
destacaram sem que nunca o conseguissem dcfinitivantcnte. es­
tas divindades são estranhas e caprichosas; fazem o bem e o mal
com igual ligeireza, mas o mal com maior íreqücncia, como o
m ar. Vivem, mais do que os outros deuses, para alem do tempo,
para alem da história. Muito próximas da origem do mundo, só
ocasionalmcntc participam do seu destino. A sua vida c talvez
metros divina do que a dos outros deuses, mas ela é mais igual
c mais solidária com o dem ento primordial que representam.

69. As ninfas — Quem, entre as gregos, podia gabar-se de


conhecer o nome de rodas as ninfas? Lias eram as divindades de
iodas as águas concnics, dc todas ,is fontes, de todas as nascen­
tes. Não foi a imaginação helénica que as produziu: das estavam
lá, nas aguas, desde o começo do mundo: os gregos deram-lhes,
talvez, a forma humana c o nome. Lias foram criadas pelo curso
vivo da água. pela magia, pela forca que dela emanava, pelo seu
murmúrio. Quando muito, os gregos as terão destacado do ele­
mento com o qual elas sc confundiam Uma vez desligadas, per­
sonificadas. investidas de todos os prestígios aquáticos, cias ad­
quiriram urna lenda, intervieram r.a epopeia, foram atraídas pe­
la taumatiirgia. Habitualmentc, são as inâcs dos heróis Locais*’.
Divindades menores dc certos lugares são bem conhecidas dos ho­
mens. sáo objeto de culto e recebem sacrifícios. As mais célebres
sáo as iimás dc Tctis, as Ncreidas ou, como lhes chama Hesio-
do*4, as Occanidcs, ninfas nctunianas por excelência. As outras
sáo. na sua maioria, divindades das nascentes. Mas rcs.dcm tam­
bém nas cavernas cm que há umidade. A "gruta das ninfas”
tornou-se um lugar-comum na literatura hcienistica, a formula
mais •'letrada” , quer di/cr. mais profana, mais afastada do sen­
tido primitivo teligioso do conjunto água-caverna cosmica-bcttv-
aventurança. fertilidade, sabedoria. As ninfas, uma vez personi­
ficadas, intervém na vida do homem. Sáo divindades do nasci­
mento (água - fertilidade) e kourotrophoi, educam as crianças,
ensinam lhes a tornarem-se heróis5'5. Quase todos os heróis gre
gos foram educados quer por ninfas, quer por centauros, isto é.
por seres sobre-humanos que participam das forças da natureza
e as controlam. Uma miciaçio heróica nu;;ca ç "fam iliar"; cm
geral, nem mesmo e “ c m cu", não sc faz na cidade, na.s na flo­
resta. no mato.
a s ag uas f o sim bo m sm o aquático 16 7

É por isso que encontramos, paralclamcntc à veneração pe­


las ninfas (como pelos outros espíritos da Natureza), o medo das
ninfas. As ninfas frcqücntemcntc raptam as crianças; outras ve­
zes, por inveja, matam-nas. No túmulo de uma menina de cinco
anos acha-se escrito: "Criança amável c gentil, fui raptada pelas
Naiades, não pela m orte.’"'’ De outro modo sc mostram ainda
as ninfas perigosas: a meio do dia. no auge do calor, elas pertur­
bam o espirito daqueles que as veem. O meio do dia é o momen­
to da epifania das ninfas. Aquele que as vê torna se presa de um
entusiasmo ninfoléptieo: é o caso de Tircsias ao ver Falas c Cari­
cio, ou de Actcáo ao descobrir Ártcmis com as suas ninfas, ê por
isso que, a meio do dia. se evitavam as fontes, nascentes, cursos
de água ou a sombra dc certas árvores. Uma superstição tardia
fala da loucura vaticínantc que se apodera daquele que se aper­
cebe de uma forma a sair da ílgua; spetiem quaindam e fonte.
id est cffigiem Nymphae*1. I!m todas essas crenças, a virtude
profética das águas persiste, se bem que com contaminações e eía-
bulações míticas inevitáveis. O que persiste, acima dc tudo, é o
sentimento ambivalente dc medo c fascínio para com as águas
que desintegram (a “ fascinação” das ninfas conduz à loucura,
à abolição da personalidade) c simultaneamente germinam, que
matam c cooperam no nascimento.

70. Posidon, Afglr. etc. — Mas, acima de Aqucloos, dc Tc-


tis e dc todus as outras divindades aquáticas menores, encontra-
se Posidon. O mar, quando sc enfurece, perde as suas caracterís­
ticas femininas dc tentação ondulante c de beatitude sonolenta
— c a sua personificação mítica adquire um perfil masculino acen­
tuado. Quando se fez a divisão do cosmos pelos filhos dc Cro-
nos, o domínio do oceano foi atribuído a Posidon. Homero fala
dele como deus dos mares; o seu palácio é no fundo do oceano
c o seu símbolo é o tridente (originariameme, as dentes dos mons­
tros marinhos). Se Persson tem razão, a ler a inscrição micênica
de Asimc Poscidáfonos, o nome do deus pode então recuar até
a época micênica**. Posidon é também o deus dos tremores dc
terra, que os gregos explicavam pela erosão das águas: as vagas
quebrando-«* ruidosamente nas costas lembiatn os abalos sísmi­
cos. Tal como a natureza oceânica, Posidon c selvagem, desa­
gradável, pérfido. Ó seu perfil mítico não alcança um caráter mo­
ral. I-.stá demasiado perto da matriz nctiininna para conhecer outra
168 t r a t a d o d i: h is t o r ia p a s r e l ig iõ e s

lei que nâo seja a da sua própria modalidade. Posidon revela uma
cena condição cósmica: as águas precedem a criação c, ritmica­
mente, reabsorvem-na; a autonomia perfeita do elemento nem-
niano. indiferente para com os deuses, os homens c a história,
em bala-se na sua própria fluidez, inconsciente tanto dos germes
que traz consigo como das “ formas" que possui virtuaLmente e
que, de fato, ele dissolve periodicamente.
Na mitologia escandinava Aegir (eaxor, “ o m ar") personi­
fica o oceano sem ltmitcs. A sua mulher c a prifida Rãn (raena.
“ pilhar” ), que arrasta n sua rede por toda a extensão do mar,
levando tudo o que encontra para a sua morada submarina. Os
afogados vão para Rãn. os homens lançados ao mar são sacrifi­
cados a ela De Aegir e Rãn nasceram nove filhas, cada uma rc
presentar.do um aspecto ou um momento da epifania marinha:
Kolga (o mar enfurecido), Bylgja (o marulho). Dufa (a metgu-
lhadora). Hrafn (a espoliadora), Drafn (as vagas que tudo arras­
tam consigo), etc. No fundo do octar.o ergue se o soberbo palá­
cio de Aegir, onde se reúnem, por vezes, todos os deuses. É li
que >e realiza o celebre banquete em volta do enorme caldeirão
roubado por Tór ao gigante Hytnir (também um gênio oceâni­
co), caldeirão miraculoso no qual a bebida se fazia por si só; foi
lá que Loki perturbou o bom entendimento dos deuses^,
caluniando-os c ls suas divinas esposas, paru acabar depois su­
pliciado. preso a uma rocha no fur.do do mar.
ü caldeirão miraculoso de Hymir tem correspondentes em
outras mitologias indo-arianas*1. Serve para a confecção da am­
brosia, a bebida divina. O que nos interessa no presente capitulo
i o detalhe revelador de que a maioria dos caldeirões míticos c
mágicos das tradições criticas foram encontrados no fundo do
oceano ou dos lagos*1. O caldeirão miraculoso da tradição irlan­
desa. Murias, deriva o seu nome de muir, " o m ar’’. A força ma­
gica reside na água; os caldeirões, as panelas, os cálices são reci­
pientes desta força magica, frequentemente simbolizada por um
licor divino, ambrosia ou "Agua viva"; eles conferem a imortali­
dade ou a juventude eterna, transformam aquele que os possui
cm herói, ern deus. etc.

71. Aniniik e simboloi aqnátko» — (>> draeões. as serpen­


tes, as conchas, os deltiris, os prixes sáo simbolos d a áfua; »
condidos na profundidade do oceano. sSo infusos pela força sa-
as Aguas e o s im b o l is m o a q u á t ic o 169

grada do abismo; dormindo cm lagos ou atravessando os rios. dis­


tribuem a chuva, a umidade, a inundação, regulando assim a fecun­
didade do mundo. Os dragões habitam as nuvens c os lagos; são os
senhores do raio; descarregam as águas uranianas, fecundando os
campos e as mulheres. Teremos ocasião de voltar ao potissimbobs-
mo do dragão, da serpente, das conchas, etc., cuja decifração fare­
mos neste parágrafo, limitando tios à função do dragão nas cultu­
ras sino-sudestc-asiáticas. O dragão c a serpente*^ são, segundo
Tchuang-Tscu, o símbolo da vida rítmica95, porque o dragão repre­
senta o espírito das águas, cuja harmoniosa ondulação alimenta a
vida c tom a possível a civilização. O dragão Ying reúne c dirige as
chuvas, porque cie próprio é o princípio da umidade94. “ Quando
grassa a seca faz-se uma imagem do dragão Ying c começa a
chover.’*95
A associação dragão-fecundidade é freqüente nos le.wos arcai­
cos chineses'*''. “ A besta do trovão tem o corpo de um dragão com
uma cabeça h u m a n a . U m a moça fica grávida com a saliva de um
dtagáow. Fu-hi, um dos fundadores da civilização chinesa, nasceu
num lago conhecido pelos sem dragões*” . "O pai (de Kao Tsu)
chamava-sc F a rk o n g : a sua màe chamava-se a venerável Liu.
Achando se a venerável Liu a repousar nas margens de um lago. so­
nhou que se encontrava com um deus; nesse momento ouviram-se
trovões, viram-se raios e sobteveio grande obscuridade; Fai-kong
foi ver o que se passava c viu um dragão escamoso por cima da sua
mulher; depois, esta ficou grávida, e nasceu Kao-Tsu.” 131
Na China, o dragSo — emblema uramano-aquátieo —encontra-
se cm ligação continua com o imperador, representante dos ritmos
cósmicos e distribuidor da fecundidade da terra. Quando o> ritmos
se perdem, quando a vida cósmica ou social se desorganiza, o impe­
rador sabe como regenerar a sua força criadora c como restabelecer
a ordem. Um rei da dinastia Mia, a fim de assegurar o desenvolvi-
mento do seu reino, comeu dragões151. For isso os dragões guar­
diães dos ritmos apareciam sempre que a força que autorizava a di­
nastia Mia a reinar se achava em declínio ou cm curso de
regeneração10*'. Quando morria, ou por vezes mesmo durante a vi­
da. o imperador voltava ao Céu: c o caso de Huang-tt, o Soberano
Amarelo, que foi levado ao Céu por um dragão barbado, cotn as
suas mulheres e os seus conselheiros, num total de 70 pessoas105.
Na mitologia chinesa, de estrutura continental, o diagáo, sím­
bolo das águas, è investido, de modo cada vez mais fotte, das virtu­
des celestes. A fertilidade aquática conccntra-sc nas nuvens, numa
170 TRA TA 1)0 DE H ISTÓ RIA D A S RELIGIÕES

região superior. Masocotijunto fecundidade água-realeza (o*i san­


tidade) cotiscrvou-$c mais nas mitologias sudeste asiáticas em que
o oceano é o fundamento de toda realidade c distribuidor de todas
as forcas. J. Ptyzluski analisou grande número de lendas econtos
austro asiáticos e indonésios nos quais se verificava uma particu­
laridade comum: o herói deve a sua condição extraordinária (de
■'rei” ou de "santo’') ao fato de ter nascido de um animal aquáti­
co. Pm Atinam, o ptinteiro rei mítico tem o titulo de long quán,
" o rei dragão” . Na Indonésia, segundo o testemunho de Tchao
Ju-Ksia. os reis de Sanfo-ts'i tinham o titulo de long isin. “ espiri­
to, esperma de núza"VM. Nâgi c um espírito aquático feminino que
desempenha, nas regiões austro-asiáticas. o papel do dragão r a Chi­
na. Sob sua forma marinha ou sob o aspecto de uma "princesa cora
cheiro de peixe” , Nâgi uniu-se com um brâmane e fundou uma di­
nastia (versão indonésia, Champa, Pegu, Sião, etc.). Second o uma
lenda palaung, a Nâgi Thusandi amou o príncipe Thuriya, filho
do Sol1“5: desta união nasceram três filhos: um tornou-se impera­
dor d a China: outro, rei dos palaung: c o terceiro, rei cm Pagan.
Segundo Sedjarat Malayan, o rei Suran desceu ao fundo do ocea­
no num a caixa de vidro e. tendo sido bem acolhido pelos habitan­
tes, casou com a filha do rei. Deste casamento nasceram três fi­
lhos, tendo se tornado o primeiro deles rei de Palcinbang.
Na índia do Sul crc-sc que um dos antepassados da dinastia
Paliava teria desposado uma Nâgi e obtido dela as insígnias da rea­
leza. O motivo nâgi aparece nas lendas budistas c encontra-se mes­
mo nas regiões do norte da índia, em UddyanaeCachcmira (Kash­
mir) . Os reis de Chota-Nagpur descendem igualmentc de uni nàga
(espírito de serpente) chamado Pundarika: este, diz-se, tinha a res­
piração fétida, pormenor que lembra " a princesa com cheiro de
peixe” . Segundo uma tradição conservada na índia do Sul. o sá­
bio Ap.astya nasceu com Vasishta num vaso de água. da união dos
deuses Mithra e Varuna com a apuira Urvashi. F. por isso que se
lhe chama kunbhasambhava (nascido de Kumbhamâtâ, a deusa
pote) c/nfdMAi ("devorador do oceano” ). Agastya despojou a fi­
lha do oceano104. Por outro lado. a Devyupanisshadcontei que os
deuses, ao perguntarem á Grande Deusa (Devi) quem ela era e de
onde vinha, obtiveram a seguinte resposta: “ O lugar do meu nas­
cimento é na água, no interior do oceano; aquele que o eonlicec
obtem a morada de Devi." A deusa foi, no começo, o principio
e a matriz de todas as coisas: “ Fui cu quêtn, no coniev'0, Cííou o
pai deste mundo.
A S Á G U A S £ O SIM B O LISM O AQUÀTICO 171

Todas estas tradições manifestam o valor sagrado da fun­


ção consagrantc das águas. A soberania como a santidade são
distribuídas pelos génios marinhos; a força magico-rcligiusa re­
side no fundo do oceano e é transmitida aos heróis10* por seres
míticos femininos (Nâgi, "princesa com cheiro de peixe", etc.).
Os gênios-serpentes não residem sempre nos oceanos e nos ma­
res, mas também nos lagos, nos poços e nas nascentes. Os cultos
das serpentes e dos génios das serpentes, na índia e em outras
regiões, mantêm, em todos os conjuntos em que se encontram,
esta ligação mágico-religiosa com as águas109. Uma serpente ou
um gênio-serpente encontra-se sempre nas imediações das águas
ou estas são reguladas por eles; são gênios protetores das fontes
de vida. da imortalidade, da santidade, assim como de todos os
.símbolos que se acham em ligação com a vida, com a fecundida­
de. com o heroísmo, com a imortalidade c com os "tesouros” .

72. Simbolismo do dilúvio — As tradições de dilúvios ligam-


se quase todas ã idéia de reabsorção da humanidade na água e
à instauração de uma nova época, com uma nova humanidade,
lilás evidenciam uma concepção cíclica do cosmos e da história;
uma época c abolida pela catástrofe e unta nova era começa, do­
minada por "homens novos” . Esta concepção cíclica é confir­
mada também pela convergência dos mitos lunares com os temas
da inundação c do dilúvio, pois que a Lua é. por excelência, o
símbolo do devir rítmico, da morte c da ressurreição. Tal como
as fases lunares comandam as cerimônias dc iniciação — quando
o neófito "m orre" a fim de "reviver” —. assim também a Lua
se encontra em estreita ligação com as inundações c o dilúvio que
aniquilam a velha humanidade c prcpaiam o aparecimento dc uma
humanidade nova. Nas mitologias do contorno do Pacífico, os
clãs têm habitualmcntc a sua origem num animal mítico lunar que
sc salva dc uma catástrofe aquática110. O antepassado dos clãs
é um náufrago feliz ou um descendente do animal lunar que pro­
vocou a inundação.
Não precisamos insistir, neste capítulo, na concepção cícli­
ca da reabsorção nas águas e da manifestação periódica, concep­
ção que se acha na base dc todos os apocalipses c dos mitos geo­
gráficos (Atlãntida, etc.). O que desejamos sublinhar c o caráter
universal c a coerência dos lemas rniücos nctuuiauos, As águas
precedem toda a criação c reintegram-na periodicamente a fim
172 TRA TADO DE H ISTÓ RIA D A S RELIGIÕES

de refundir nelas, de "purificá-la", cnriqucccndo-a ao mesmo


lempo com novos estados latentes e regenerando-a. A humani­
dade desaparece periodicamente no dilúvio ou na inundação por
causa dos seus "pecados” (na maioria dos mitos do circuito do
Pacifico o motivo da catástrofe c uma falta ritual). Nunca pere­
ce definitivamente, mas reaparece sob nova forma, retomando
o mesmo destino, esperando o retorno da rncstna catástrofe que
a reabsorverá nas águas.
Não se trata talvez de uma concepção pessimista da vida. É
mais uma visão resignada, imposta pela intuição do próprio con­
ju n ta Agua-Lua-Devir. O mito do dilúvio, com todas as suas im­
plicações, revela como a rida pode ser valorizada por uma outra
"consciência” diferente da consciência humana; "vista" do ni-
vcl nctuniano. a vida humana aparece corno algo frágil que c pre-
ciso reabsorver periodicamente, pois que o destino de todas as
formas é sc dissolver a fim de poder reaparecer. Sc as "form as”
náo tossem regeneradas pda sua reabsorção periódica nas águas,
desfazer-sc-iam, esgotariam as suas possibilidades criadoras c
extinguir-se-iam dcímitivamentc. Os ” atos maus” , os "pecados”
acabariam por desfigurar a humanidade; esvaziada dos germes
c das forças criadoras, a humanidade estiolaria, decrépita c esté­
ril. Em vez da regressão lenta ás formas submarinas, o dilúvio
conduz, ã reabsorção instantânea nas águas, nas quais os "‘peca­
dos” são purificados e das quais nascerá a humanidade nova, re­
generada.

73. Síntese — Deste modo todos os valores metafísicos e re­


ligiosos das águas constituem um conjunto dc uma coerência per­
feita. À cosmogonia aquática correspondem — cm nível antro­
pológico — as hilogcnias, as crenças dc que o gênero humano
nasceu das águas. Ao dilúvio c à submersão dos continentes (ti­
po Atlãntida) — fenômeno cósmico que se repete por um a ne­
cessidade cíclica — corresponde, em nivel humano, a “ segunda
m orte" da alma (libações funerárias, a "um idade" e leunon no
inferno, etc.) ou a morte ritual, iniciática. pelo batismo. Mas, u n ­
to em nível cosmolôgico como em nível antropológico, a imer­
são nas águas não equivale a uma extinção definitiva, mas so­
mente a uma reintegração passageira no indistinto, à qual sucede
um a nova criação, uma nova vida ou um homem novo. segundo
sc trate de um momento cósmico, biológico ou soteriológico. Do
a s A g u a s e o s im b o l is m o a q u á t ic o 173

pomo dc vista da estrutura, o •'dilúvio" é comparável ao “ batis­


m o" c a libação funerária ou o entusiasmo ninfoleptico às lus-
traçôes dos reccm-nascidos ou aos banhos rituais primaveris que
procuram alcançar a saúde e a fertilidade.
Qualquer que seja o conjunto religioso dc que façam parte
as águas, sua função à sempre a mesma: elas desintegram, extin­
guem as formas, "lavam os pecados", purificando e regeneran­
do ao mesmo tempo. O seu destino ê preceder a criação e
reabsorvê-la, não podendo nunca superar a sua própria modali­
dade. isto è, não podendo manifestar-se cm formas. As águas nào
podem supetar a condição do virtual, dos germes c dos estados
latentes. Tudo o «pie c form a se manifesta acima das águas,
destacando-se das águas. Em compensação, logo que qualquer
form a se destaca das águas, deixando por isso de ser virtual, cai
sob a alçada da lei do tempo e da vida; adquire limites, passa a
conhecer a história, participa do devir universal, corrompe-se c
acaba por se esvaziar dc substância, se não se regenera por imer­
sões periódicas nas águas, se não repete o "dilúvio” seguido da
"cosmogonia". As lustrações e as purificações rituais com a água
têm por finalidade a utilização fulgurante "daquele tempo” , in
illo icmpore, em que teve lugar a criação: elas são a repetição sim­
bólica do nascimento dos mundos ou do "homem novo". Todo
contato com a água, quando c praticado com uma intenção reli­
giosa, resume os dois momentos fundamentais do ritmo cósmi­
co: a reintegração nas águas e a criação.
As pedras sagradas:
epifanias, sinais e formas

74. Cratofanias liíicas — A dureza, a rudeza, a permanên­


cia da matéria representam para a consciência religiosa do primi­
tivo unta hierofania. Nada de mais imediato c mais autônomo
na plenitude da sua força, nada de mais nobre e de mais terrível
que o majestoso rocltedo, o bloco de granito audaciosamente ere­
to. Antes de mais nada, a pedra é. Ela permanece sempre igual
a si própria e subsiste. E, o que c mais importante, ela serve para
bater. Antes mesmo d e pegar nela para bater, o homem vai de
encontro a ela. Náo necessariamente com o corpo, mas pelo me­
nos com a vista. Ele verifica assim sua dureza, sua rudeza, seu
podei. O rochedo revela lhe qualquer coisa que transcende a pie-
cariedade da sua condição humana: um modo de ser absoluto.
A sua resistência, a sua inércia, as suas proporções, tal como os
seus contornos estranhos, náo sào humanos: eles atestam uma
presença que fascina, aterroriza, trai e ameaça. Na sua grandeza
c na sua dureza, na sua forma ou na sua cor, o homem encontra
unta realidade c uma força que pertencem a um mundo diferente
do mundo profano de que ele faz parte.
Não podemos dizer se os homens sempre adoraram as pe­
dras enquanto pedras. A devoção do primitivo tefere-se, em to ­
do caso, sempre a alguma coisa diferente que a pedra incorpora
e exprime. Um rochedo, um calhau são objetos de uma respeito
vii devoção porque representam ou imitam alguma coisa, porque
vêm de algum tado. O seu valor sagrado é exclusivamcntc devido
it esta alguma coisa ou a este algum lado, nunca ã sua própria
existência, ü s homens adoraram as pedras apenas na medida em
que elas representavam algo diferente delas mesmas. Adoraiam
176 TRATAD O DE HISTÓRIA D AS R EU G IÔ E S

as pedras ou fizeram uso delas como instrumentos de açào espi­


ritual. como centros de energia destinados ã sua própria defesa
ou & dos seus mortos. E convêm esclarecer desde jã que isto foi
assim porque a maioria das pedras que tinham incidências cul­
tuais eram utilizadas como instrumentos: serviam para s< obter
alguma coisa ou para assegurar a sua posse. Desempenhavam uma
função mais propriamente mágica do que religiosa. Munidas de
certas virtudes sagradas devidas à sua origem ou à sua forma,
cias não eram adoradas, mas utilizadas.
Deste modo. o amcricanista J. Imbelloni, ao estudar a área
de difusão da palavra oceano-americana toki (área que sc esten­
de desde o limite oriental da Melanêsia até o ínteriot das duas
Américas), destacou as seguintes significações: a) arma de com­
bale. de pedra; machado: por extensão, qualquer instrumento de
pedra; b) insígnia da dignidade, símbolo dc poder; c) pessoa que
detém ou exerce o poder, por hereditariedade ou por investidu­
ra; </) objeto ritual1. Os "guardiães dc sepulturas" encoliticas
eram postos ao lado dos depósitos mortuários, a fim de lhes as­
segurar a inviolabilidade1. Os inenires parecem ter desempenha­
do um papel semelhante: o do Mas d’Azais crigia-se verticalmentc
por cima dc um depósito mortuário’. A pedra protegia contra os
animais, os ladrões, mas sobretudo contra a “ morte” : tal como
a incorruptibilidade da pedra, devia a alma do defunto subsistir
indefinidamente sem se dispersar (o eventual simbolismo fálico
das pedras tumulares pré-históricas confirma este sentido: o falo
cra um símbolo da existência, da força, da duração).

75. Mcfálitos funerários — Entre os gonds, uma das tribos


drãvidas que penetraram mais profundamente na Índia Central,
existe o seguinte costume: o filho ou herdeiro do morto deve de­
positar ao lado do túmulo, quatro dias depois do enterro, um
enorme rochedo que atinge, por vezes, três metros de altura. O
transporte desta pedra, vinda muitas vezes dc distâncias apreciá­
veis. exige muitos esforços c despesas, e é por isso que, na maio­
ria -dos casos, a construção do monumento é adiada c, por vezes,
nem sc faz4. O ar.tropologo inglês Hutton pensa que estes mo­
numentos megalíticos funerários — frequentes entre as tubos t’.âo
civilizadas da índia — têm pot finalidade "fixar" a alma do mono
e preparar lhe um alojamento provisório que a mantenha na vi­
zinhança dos vivos e que, permitindo lhe influenciar a fertilida-
<*S PED RAS SA CH AD AS 177

dc dos campos pelas forças que a sua nature2a espiritual lhe con­
fere. a impossibilite de se tornar errante c perigosa. Esta inter­
pretação c confirmada pelas recentes pesquisas dc W. Koppcrs
sobre as tribos mais arcaicas da índia Central, os bhils, os kor-
ku. os mundas e os gonds. Fazendo abstração dos resultados ob­
tidos por KoppcrsJ sobre a história dos monumentos lílicos fu­
nerários da índia Central, há que reter: a) que todos estes monu­
mentos se relacionam com o culto dos mortos e procuram o apa­
ziguamento da alma do defunto; b) que, do ponto de vista mor­
fológico, podem ser comparados aos megálitos c aos menires pre-
históricos europeus; c) que eles não se encontram por cima dos
túmulos, nem mesmo ao lado. mas a grande distância deles; d)
que. no entanto, quando se trata de uma morte violenta (raio.
serpente, tigre) o monumento c erigido no próprio local do
acidente*.
Este último caso revela o sentido originário dos monumen­
tos líticos funerários, porque a morte violenta projeta uma alma
agitada c hostil, cheia de ressentimentos. Se a vida ó interrompi­
da bruscamente, supõe-sc que a alma do morto tem tendência para
continuar o que lhe testava de vida normal junto da coletividade
dc que foi separada. Entre os p.onds, por exemplo, amontoam-se
pedras no local onde alguém foi morto por um raio. por um tigre
ou por uma serpente’: cada pessoa que passa junta uma pedra
ao monte para repouso do defumo (costume que sobrevive ainda
cm algumas regiões da Europa, por exemplo, na França; cf. §
76). Enfim, cm algumas regiões (entre os gonds drávidos) a con­
sagração dos monumentos funerários é acompanhada dc ritos eró­
ticos. como se encontram sempre quando se realizam as come­
morações dos mortos nas sociedades agrárias. Entre os bhils, os
monumentos são erigidos somente para aqueles que pereceram
dc morte violenta, ou para os chefes, para os mágicos e para os
guerreiros, para a tranquilidade dc alma dos " fo n e s" , numa pa­
lavra. daqueles que representavam a "força" durante a sua vida
ou que a obtiveram por contágio da sua "m orte violenta".
A pedra funerária torna-se assim um instrumento protetor
da vida contra a morte. A alrna "habita" a pedra, como habita,
cm outras culturas, o túmulo, considerado, por razões semelhan
tes, uma "casa do m orto” . O megálito funerário protege os vi­
vos das eventuais ações nocivas do morto; a morte, representan­
do um estado dc disponibilidade, permite o exercício de certas
Influências boas ou más. "Fixada” numa pedra, a alma c cons­
178 TR A TA D O Díí HISTÓRIA D A S RELIGIÕES

trangida a agir unicamente no sentido positivo: fertilização. É por


i« o que em muitas áreas cuhurais as pedras, que se supõe habi­
tadas pelos “amepasvados' *. são instrumentos de fecundação dos
campos e das mulheres. As tribos neolíticas do Sudão assimilam
a s “ pedras de chuva” aos antepassados que sabiam trazer a
chuva*. Nas ilhas do Pacifico (Nova Caledónia. Makrkula, At-
chin, etc.) certos rochedos representam ou encarnam o s deuses,
os antepassados e os hciôis “ civilizadores” *. A peça central de
cada altar destas regiões do Pacífico c, segundo J. Ixiyard, um
monólito acompanhado de um dólmen de proiiorçõcs mais redu­
zidas, que representam os antepassados10.
l.evnhardt escreve" que “ as pedras são o espírito petrifica­
d o dos antepassados“ . A expressão é muito bonita, mas não de­
ve ser interpretada litcralmcnle. Não se trata de um “ espirito pe­
trificado", mas de uma representação concreta, de um habitai
provisório ou simlnilico deste espirito. O próprio I.ecnhardt con­
fessa, em outra passagem da mesma obra: “ quer se trntc de espi­
rito. de deus, de totem, de clã, todas estas concepções diversas
tem , efetivamente. uma representação concreta, que é a pedra” .
Os khasis do Assam crêcm que a Grande Mãe do clã está repre­
sentada nos dolmens (maw-kynthei, “ as pedras fêmeas” ) c que
o Grande Pai está presente nos menires (maw-shynrang, "as
pedras-machos” )" . Um outras áreas culturais, os menires encar­
nam mesmo a divindade suprema (utaniana). Vimos r o § 16 que
em numerosas tribos africanas o culto do deus supremo do céu
compreende menires (prestam-sc-lhes sacrifícios) e outras pedras
sagradas.76

76. Pedras fertilizantes — Por conseguinte, o culto não se


dirige à pedra, considerada como substância material, mas ao es­
pirito que a anima, ao símbolo que a consagra. A pedra, o ro­
chedo. o monolito. o dólmen, o menir. d e ., tornam-se sagrados
graças à força espiritual cuja marca trazem com des. Visto que
nos achamos nesta área cultural do “ antepassado” , do morto “ fi­
xado” na p alra a fim de ser utilizado como instrumento de defe­
sa c de aumento de vida. acrescentemos ainda alguns exemplos.
Na índia, c aos utegilitos que se dirigem as jovens casadas paia
tCKTTJ filhos". As mulheres estéreis de Salem (índia do Sul)
crêcm que é nos dolmens que residem os antepassados que tem
o poder de fecunda las, e é por isso que das se esfregam na pc-
-IS PED RAS SA<IRADAS 179

dra depois dc terem feito as oferendas (flores, sândalo e arroz


cozido)14. As tribos da Austrália Central têm concepções seme­
lhantes. Spcnccr c Gillcn citam o caso dc um grande rochedo de­
nominado Eratliipa que apresenta uma abertura lateral pela qual
as almas das crianças que ali estão enterradas espreitam a passa­
gem dc uma mulher para poderem renascer nela. Quando as mu­
lheres «pie nâo querem filhos se acham perto do rochedo, fingem-
se velhas e caminham apoiadas numa bengala, e.sclamando: "Náo
venhas ter comigo, cu sou uma velha.” 15 As mulheres estéreis da
tribo Maidii (Califórnia Setentrional) tocam num tocliedo seme­
lhante a uma mulher grávida14. Na ilha dc Kai (sudoeste da No­
va Guiné) a mulher que quer ter filhos besunta dc gordura uma
pedra. O mesmo uso se encontra em Madagáscar1’. É interessan­
te notar que as mesmas "pedras fertilizantes” são também unta­
das de a/eite pelos mercadores que querem ter prosperidade nos
seus negócios. Na índia há uma crença que pretende que certas
pedras teriam nascido c se reproduziriam por si mesmas
(svayambhi1- autogenia), por isso sáo procuradas e veneradas pe­
las mulheres estéreis que lhes levam oferendas'“ . Em certas re­
giões da Europa c dos outros continentes os jovens casais cami­
nham sobre uma pedra para tornar fértil a sua união,v. Os sa-
moiedos oram diante dc uma pedra dc forma estranha denomi­
nada pyl-fKija (“ a mulher-pedra” ) e fazem-lhe oferendas de
ouro^.
A idéia implicada por todos estes ritos é a de que certas pc
dias podem fecundar as mulheres estéreis, quer graças ao espíri­
to do antepassado que aí se encontra, quer cm virtude da sua for­
ma (“ mulher-grávida” , “ mulher-pedra") ou da sua origem (sva-
yarr.bhú, "autogenia"). Mas a "teoria" que deu lugar a tais prá­
ticas religiosas, ou as justificou, não se conservou sempre na cons­
ciência daqueles que continuam ainda a observar estas práticas.
For vezes a "teoria" inicial foi substituída ou modificada por uma
teoria diferente; outras vezes a “ teoria” originária foi completa-
mente esquecida depois de uma revolução religiosa vitoriosa. I em
btetnos alguns fatos que cabem neste último caso. Nas crenças
populares européias subsistem ainda, cm nossos dias, fracos ves­
tígios de unia devoçào pelos megálitos, tochedos ou dolmcns, so
brevivências das prálicas de "fertilização" por contatos com as
pedras. Esta devoção é, como dissemos, muito vaga: no cantão
ile Moutiei s (Sabõia) a população acusa "um temor religioso e
respeito piedoso” pela "Pierra Chevetta" (Pedra da Coruja), sem
ISO TKATAD O DE H tSTÚ RIA D A S K £ t IGIÓf-S

saber outra coisa a seu respeito sendo que ela protege a aldeia
e que na medida em que eia subsiste nem o fogo t e * a água os
atingirão21. No cantão dc Sumène (departamento do Gard), os
camponeses temem os dolmens c evitam-nos22. As mtillreres do
cantão dc Annccy-sud rezam o " P a tc r" c o “ Ave" ao passarem
perto de um montão de pedras denominado "o M oito” . Mas is­
so pode ser explicado pela crença dc que alguém teria sido ali
enterrado2’. Na mesma região as mulheres ajoelham c benzem-
sc, colocando uma pequena pedra num monte que se julga co­
brir o corpo de um peregrino assassinado ou enterrado após um
desabamento dc terras2"*. Encontra sc um costume semelhante na
África. Os hottcniotcs lançam pedras sobre o túmulo do demiur-
po Heitsi F.ibid e os povos bantos meridionais praticam o mesmo
ritual em relação uo demiurgo Unkulunkulu” . Resulta destes
exemplos que a devoção ou o temor religioso dos megálitos é es­
porádico na Erança c determinado, na maior parte dos casói, pôr
razões que nâo tem relação com a magia da pedra (por exemplo,
“ morte violenta” ). A concepção arcaica de fertilidade das pedras
consagtadat — dolmens, menires — t toialmetile diferente. Mas
as práticas conservaram-sc, um pouco por toda a parte, ate os
nossos dias.

77. A “ escorregadela” — O costume denominado •‘escor­


regadela" é bem conhecido: para terem filhos, as jovens deixam-
se escorregar ao longo de uma pedra consagrada2*. Um outro
costume ritual ainda inais espalhado c a '"fricção” : a fricção é
praticada por razões de saúde, mas são sobretudo as mulheres
estéreis que fazem uso dela. Em Decincs (Ródano), há não mui­
to tempo as mulheres se sentavam num monohto que sc encontra
nos campos num local chamado Pierre-frite. Em Saint -Renan (Fi-
nisterra) a mulher que desejasse ter um filho dcitava-sc durante
tres noites consecutivas sobre um grande rochedo. La Jumcnt de
Pierre22. Também as jovens recém-casadas vir.ham ali nas pri­
meiras noites após o casamento e esfregavam o ventre naquela
pedra3 . Esta pratica é muito disseminada22*. Por exemplo, na al­
deia Mocdan, do cantão de Pom-Aven, as mulheres que roça­
vam o ventre na pedra ficavam com a certeza dc que teriam fi­
lhos do sexo masculino'2. Ainda em 1923 as camponesas que iam
a Londres abraçavam as colunas da caicdral dc Súo Paulo para
terem filhos” .
A S PED RAS SA G R A D A S 181

É preciso integrar neste mesmo conjunto ritual o costume


relatado por SébiUoi: "P o r volta de 1880. não muito longe de
Cainac. pessoas casadas havia vários anos sem que tivessem fi­
lhos iam, pela lua clieia, até um inenir; despiam-se, e a mulher
corria cm volta da pedra, tentando escapar do marido; os fami­
liares vigiavam a distância para afastar os intrusos.” í: É prová­
vel que estes procedi mentos tenham sido mais frequentes no pas­
sado. Citam-se numerosas interdições da parte do clero c dos reis
cm relação ao culto das pedras c sobretudo à emissão seminal dian­
te das pedras, na Idade Média” . Mas este último rito c muito
mais complexo c não pode ser reduzido — como os das ‘•escor­
regadelas” ou das "fricções" — a uma crença na possibilidade
de "fertilização" direta do dõlmcn ou do inenir. Faz-se ai men
ção. cm primeiro lugar, do tempo da cópula ("durante a lua
cheia"), o que indica vestígios do culto lunar; depois, o coito dos
casados ou a emissíto semmal diante da pedra explicam-se pela
concepção, inais evoluída, da scxualizaçào do teino mineral, dos
nascimentos que tftn por origem a pedra e que correspondem a
certos ritos de fecundação pela pedrau .
A maioria desses costumes, di/íamos nós, conserva ainda a
crença de que o simples contato com o rochedo ou com a pedra
consagrada basta para fertilizar uma mulher estéril. Nesta mes­
ma aldeia (Carnac) as mulheres sentavam se no dóltnen Creuz-
Moquem, arregaçando os vestidos; sobre o rochedo foi erigida
uma cruz para evitar esta prática15. Existem muitas outras pedras
chamadas de " a m o r" ou de “ casamento” emas virtudes são
eróticas56. Em Atenas, as mulheres grávidas dirigiam-se á coli­
na das ninfas e deixavam se deslizar sobre o rochedo ao mesmo
tempo que invocavam Apoio, pata terem um parto feliz17. Eis
aqui um bom exemplo de mudança de significação de um rilo,
pois que a pedra da fecundação se transforma em pedra de par­
to. As mesmas crenças nas pedras que. só por se tocar nelas, de­
terminam utn pano bem-sucedido, são encontradas também em
Portugal5*.
Muitos megálitos favorecem o andar das crianças ou
proporcionam-lhes boa saúde35. No cantão de Amence, existe
uma "Pedra furada” ; as mulheres ajoelham diante dela e oram
pela saúde dos filhos, jogando uma moeda no buraco*3. No mo­
mento do nascimento, os pais levam a criança á “ pedra furada"
de Fouvcnt-lc-Haut c fazem na passar pdo buraco. "Era, de certo
modo, o h3tismo da pedra destinado a preservar a criança de ma­
182 7RA TA DO DE H ISTÕ M A D AS k £ L tG lô E S

lefícios c a dar-lfce felicidade."-“ No nosso tempo ainda, as mu­


lheres estéreis dc Pafos passam pelo buraco dc uma pedra41. Es­
te costume cmsic em certas regiões da Inglaterra-“ . Lm oclra* re­
giões. as mulheres passam simplesmente a máo direita pela aber­
tura. porque, dizem elas, e esta a m io que suporta o peso da
criança*4. No Natal c pelo Sio João (quet dizer. nos dciis solstí­
cios! punham-sc velas ao lado de certas pedras esburacadas c
cspalhava-se sobre elas azeite. que depois se recolhia pura servir
de remédio*5.
A Igreja combateu durante muito tempo esses cosí umes**. A
sua sobrevivência, a despeito das pressões eclesiásticas e sobretu­
d o a despeito dc um século dc racionalisnio anti-religioso c anti-
supersticioso, atesta uma ve/ mais a sua força. Quase todas as ou­
tras cerimônias que se relacionam com as pedras consagradas (de
voção, temor, adivinhação, etc.) desapareceram. Delas nada mais
ficou do que aquilo que tinham dc essencial: a fé na j u j virtude
fertilizante. Hoje. essa crença já não c sustentada por nenhuma
consideração teórica, mas justificada por lendas recentes ou por
interpretações clericais (no rochedo repousou um santo; sobre o
menir encontra-sc uma cruz, etc.). Podc-sc. no entanto, eviden­
ciar. por vezes, uma Fórmula teórica intermediária: as pedras, os
rochedos, os mciiires sito frequentados por fadas e c a elas que
se levam ofeiendas (óleos, flores, etc.). Não c que se preste culto
a esses seres, mas há sempre alguma coisa a pedir-lhes.
No entanto, a revolução religiosa realizada pela conversão
da Europa ao cristianismo acabou por anular o conjunto teórico
primitivo no qual se enquadra o cerimonial das pedras fertilizan­
tes. A devoção manifestada pelas populações rurais até a Idade
Media paia com tudo o que sc relacionava com as civilizações
pré-históricas (a que se chamam as "idades de pedra"), para com
os seus monumentos funerários, mágicos ou cultuais, isara com
as suas armas de pedra (a "pedra de raio"), cxplica-sc não só por
um a sobrevivência direta das idéias religiosas que tinham anima­
do os seus antepassados pré-históricos, mas também p d o temor,
pela devoção ou pda admiração supersticiosa que as populações
rurais manifestavam a respeito desses homens: julgavam-nos se­
gundo os restos da sua civilização lírica. É verdade que as popu­
lações rurais consideravam — como se verá mais adiante — as
armas primitivas como "pedras dc raio" caid.is do céu; também
o s m enires, as esteias, os dolmetis eram tom ados co m o vestígios
dos gigantes, das fad as, dos heróis.
•4 5 PED RA S S .4 C « / í O / í S 183

7 8 . P e d ra s fu r a d a s , “ p e d ra s d e raio*’ — Dissemos que. no


caso das pedras “ fertilizantes” c da devoção pelas pedras, a “ teo­
ria” tradicional que justificava a prática tinha sido substituída
— ou pelo menos contaminada — por uma teoria nova. Exem­
plo notável disso nos c fornecido pelo costume (conservado ate
os nossos dias na Europa) de fazer passar o recém-nascido pelo
buraco de uma pedra*1. Este rito refere-se, sem qualquer dúvi­
da. a um “ renascimento” concebido quer como nascimento por
intermédio de um símbolo cm pedra da matriz divina, quer co­
mo um renascimento por um símbolo solar. Os povos proto-
históricos da índia consideravam as pedras furadas um símbolo
do yoni. c a ação de passar pdo buraco implicaria a regeneração
por intermédio do princípio cósmico feminino*'. As “ mós de pe­
dra" cultuais (àlv-kvarnar) da pre-história escandinava teriam de­
sempenhado uma função similar: Oscar Almgrcn atribui a elas
um sentido simbólico próximo daquele do yont*1. Mas na índia
estas ring-sioncs têm alem disso um simbolismo solar. Elas são
assimiladas à poria do “ mundo” , loko dvàra, através da qual
também a alma pode "passar além” (salvar-se - aiimucyate). O
buraco da pedra chama-se “ a porta da libertação” (mukti-dvára)
e, de qualquer forma, esta fórmula não pode ser aplicada a um
renascimento pdo yoni (a matriz), mas somente a urna liberta­
ção do cosmos c do ciclo cármico, libertação implicada no sim­
bolismo solarw. Encoiitramo nos perante um simbolismo que re­
vela um sentido diferente do rito arcaico da passagem pela ring-
stone. Também na índia se encontra um outro exemplo da subs­
tituição de uma antiga teoria por uma nova: ainda hoje a pedra
sálagrãma c sagrada porque diz se ser o símbolo de Vishnu, e por
que se casa com a planta lu/asi, símbolo da deusa Lakshmi. Na
realidade, o conjunto cultual pcdra-planta é um símbolo arcaico
do “ lugar consagrado” do altar primitivo e cobre toda a área
indo-mediterránica (cf. § 97).
Em numerosas regiões as pedras meteóricas são considera­
das símbolos ou sinais da fertilidade. Os bouriates estão conven­
cidos de que certas pedras "caídas do céu" são favoráveis à chu­
va c c por isso que cm tempo de seca lhes oferecem sacrifícios.
Em muitas outras aldeias encontram-se pedras análogas, de di­
mensões reduzidas: pela primavera íazem-se-lhes oferendas para
se obter uma boa colheita51. Resulta dai que, se a pedra é provi
da de um valo r religio so , isso õ devido à sua o rigem : ela v iria de
um a zona sagrada e fé rtil por excelência. E la cai do céu ao mes­
IS4 TR A TA D O DF. HISTÓRIA DAS RELIGIÕES

m o tempo qlc o raio que traz a chuva. Todas as crenças relativas


à fertilidad; das “ pedras de chuva" têm como fundamento a sua
origem i>rtróric3 ou as analogias que se pensa que existem entre
elas e cena* forças, formas e seíes que comandam a chuva. Em
K ota Gadaag (Sumatra), por exemplo, acha-se uma pedra que
apresenta uma vaga semelhança com um gato. Aproximando es­
te fato do pope! desempenhado pot um gato negro em certos ri­
tos destinados a obter a chuva, pode-se supor que esta pedra pos­
sui capacidades semelhantes52. A análise cerrada dss inúmeras
"pedras de chuva” faz ressaltar a existência de uma “ teoria” que
explica a capacidade que das tem dc comandar as nuvens; trata-
se. quer da sua forma, que tem uma certa “ simpatia” com as nu­
vens ou cora o raio. quer da sua origem celeste (teriam caido do
céu), quet porque pertencem aos “ antepassados” , porque foram
encontradas na água, ou porque a sua forma lembra a das ser­
pentes, das rãs, dos peixes ou dc qualquer outro símbolo aquáti­
co. A eficiência dessas pedras nunca reside nelas mesmas; elas
participam dc um principio ou encarnam um símbolo, exprimem
urna “ simpatia” cósmica ou traduzem uma origem celeste. Es­
sas pedras sào os sinais de urna realidade espiritual diferente, ou
os instrumentos dc uma força sagrada dc que são apenas o re­
ceptáculo.

79. Meteoritos c baylill — Um exemplo sugestivo relativo à


multivalcncia simbólica das pedras nos é fornecido pelos meteo­
ritos. A Ka’aba dc Meca e a |>cdra negra dc Pcssinontc, imagem
anicônica da Grande Mác dos frip.ios, Cibele, levada para Roma
durante a última guerra púnica, são os meteoritos mais
notáveis53. O seu catdiei sagrado era devido, em primeiro lugar,
à sua origem cclcstc. Mas elas eram, ao mesmo tempo, as ima­
gens da Grande Màe, quer diz.er. as da divindade telúrica por ex­
celência. É difícil crer que a sua origem uraniana tenha sido es­
quecida, pois as crenças populares conferem esta descendência
a todos os instrumentos de pedra pré-históricos, que se designam
por "pedras dc raio". Os meteoritos tornaram-se provavelmente
imagens da Grande Deusa porque se acreditou que «tun perse­
guidos pelo raio. símbolo do deus uraniano. Mas, por outro la­
do, a Ka’aba era considerada o "centro do mundo” . Ou soja,
cia não era somente o centro da Terra, mas ácuttâ dèlá. hô Cérl-
tro do céu. se encontrava " a Porta do Ccu” . Evidcntementc. ao
/ t s PED RAS SA G R A D A S 185

cair ilo céu. a Ka'aba encontrou o firmamento e foi por esse bu­
raco que pôde efetuar-se a comunicação da Terra com o Céu. É
por aí que passa o A xis Mundi.
Assim, os meteoritos são sagrados ou porque caíram do céu.
ou porque revelam a presença da Grande Deusa, ou ainda por­
que representam o “'centro do mundo” . Em todos esses C3SOS,
são símbolos ou emblemas. O seu caráter sagrado supõe uma teo­
ria cosmológica e, ao mesmo tempo, uma concepção precisa da
dialética luerofânka. "Os árabes adoram as pedras", escrevia Cle­
mente de Alexandria54. Tal como os seus predecessores tnono-
teístas do Antigo Testamento, o apologcta cristão era conduzido
pela pureza c pela intensidade da sua experiência religiosa — fun­
dada na revelação cristológica — a negar qualquer valor espiri­
tual As antigas formas do culto. Considerando a tendência estru­
tural do espirito semítico para confundir a divindade com o su­
porte material que a representa ou que manifesta a sua força55,
pode supòr-sc que. tio tempo dc Clemente, a maioria dos árabes
"adorava” as pedras. Pesquisas recentes demonstraram, no en­
tanto, que os árabes prc-islàmkos veneravam certas pedras de­
nominadas pelos grcco latinos baytili, termo de origem semítica
que significa "casa de D eus"*. Estas pedras sagradas não fo­
ram, aliás, veneradas apenas no mundo semítico, mas também
pelas populações da África do Norte antes mesmo dos seus con­
tatos com os cartagi neses-57. Os baytili. no entanto, nunca foram
adorados como pedras, mas apenas na medida em que manifes­
tavam uma presença divina. Eles representavam a "casa” dc Deus,
eram sinal dela. o seu emblema c o receptáculo da sua força ou
o testemunho inabalável de um ato religioso realizado em seu no­
me. Alguns exemplos colhidos no mundo semítico farão com­
preender melhor o seu sentido c a sua função.
A caminho da Mcscpotâmia, Jacó atravessou Caran. "Ele
chegou a um lugar onde passou a noite, porque o Sol se tinha
posto. Pegou numa pedra que ali se encontrava e. fazendo dela
travesseiro, deitou-so naquele lugar. Teve um sonho: viu uma es­
cada apoiada na terra e cujo topo tocava no céu; c cis que os an­
jos de Deus subiam c desciam pela escada. O Eterno, no topo
da escada, dizia: ‘E u sou o Eterno, o Deus de Abraão, leu pai,
c o Deus de Isaac. Esta terra sobre a qual tu estás deitado, eu
a darei a ti e à tua posteridade...’ Jacó acordou e disse: ‘Certa-
raente o Eterno está presente neste lugar, e eu nào o sabia!’ De­
pois. tomado de temor, continuou: ‘Como este lugar c temível!
186 TR A TA D O DE H ISTÓ RIA D A S RELIGIÕES

É bem aqui a casa dc Deus; c aqui a porta cios céus!* Jacó


levantou-se cedo. pegou na pedra que lhe servira dc travesseiro,
erigiu-a cm monumento c derramou-lhe óleo no topo. Ele cha­
mou a este lugar Bethel...” 5*

80. Epifanias c simbolismos lítlcos — Zimmcrn mostrou que


Beth el, “ casa dc Deus” , c, ao mesmo tempo, uri nome divino
c um dos apelativos da pedra sagrada, do bctilo5*. Jacó adorme­
ceu sobre uma pedra, no lugar onde o Céu e a Terra sc comuni­
cavam; era um “ centro" que corresponde à “ Porta dos Céus".
Mas o deus que aparece cm sonho a Jacó c o Deus dc Abraão,
com o sublinha o texto bíblico, ou uma divindade kxal, o deus
dc Béthel. como pensava, em 1921, Dussaud?40 Os textos de Ras
Shamra, que são preciosos documentos sobre a vica religiosa dos
semitas pré-mosaicos, mostram que El e Bethel são os nomes in-
termutáveis de uma mesma divindade61. Por outras palavras, foi
o Deus dos seus antepassados que Jacó viu no seu sonho c não
um a divindade local. A fim de consagrar o lugar, cie erigiu um
bétilo. que depois foi venerado pelos autóctones como uma certa
divindade, Bethel. As dites monolcístas, fiéis à mensagem de Moi­
sés, sustentaram longos combales contra este "deus" c são estes
o s combates que Jeremias lembra. “ Pode-se julgar demonstrado
que. na famosa narrativa da visão dc Jacó... o deus de Béthel
não era ainda o deus Béthel. Mas esta identificação e esta confu­
são lucram-se rapidamente nos meios populares.M*2 Onde Jacó
viu — segundo a tradição — a escada dos anjos c a casa de Deus,
o s camponeses pakstinianos viam o deus fíéihel6*.
Mas convém lembrar que, qualquer que fosse o deus reco­
nhecido cm Béthel pelas populações autóctones, a pedra repre­
sentava aiwnas um sinal, uma “ casa” , uma (eofania. A divinda­
de manifestava se por intermédio da pedra ou — cm outros ritos
— devia testemunhar c santificar um pacto concluído na sua vi­
zinhança. Este “ testemunho" consistia, para a consciência po­
pular. na encarnação da divindade cm uma pedra; c. para as eli­
tes, cm uma transfiguração da pedra pela presença divina. Após
1er concluído o pacto entre Jeová c o seu povo, Josué “ agarrou
cm seguida uma grande |>edra e pó-la debaixo do carvalho que
aviava no lugar consagrado ao Eterno. L Josuc disse ao povo:
‘Aí está esta pedra, que servirá dc testemunha contra nós; por­
que cia ouviu todas as palavras que o Eterno nos disse, ela servi­
A S PEDRAS SA G R A D A S 187

rá dc testemunha contra vós, para que nào abandoneis o vosso


Deus!” ’w. Deus é também ‘'testemunha” nas pedras erguidas
por Labão por ocasião do seu pacto dc amizade com Jacó65. Tais
pedras-testemunhas foram, provavelmente, adoradas pelas popu­
lações canancias conto manifestações da divindade.
A luta das elites monoteístas mosaicas era conduzida contra
a confusão freqüente entre o sinal da presença divina c a incor­
poração da divindade num receptáculo qualquer. "Vós não fa­
reis ídolos. Vós nào elevareis imagens talhadas, nem pedras sa­
gradas (niasseba). e não colocareis na vossa terra nenhuma pe­
dra figurada {maskit) para vos prostrardes diante dela.” *’ E, nos
Números67, Deus ordena a Moisés que destrua as pedras cultuais
que ta encontrar em Canaá: “ Vós destruireis todas as pedras fi­
guradas {,maskitim), todas as jmagçns de metal fundido f ítirasa-
reis as colinas onde celebram culto." Assistimos aqui nào a um
conflito entre a fc c a idolatria, mas a um combate entre duas
teofanias, entre dois momentos da experiência religiosa: de um
lado. a concepção arcaica, que identificava a divindade ã maté­
ria c a adorava, qualquer que fosse a forma ou o locai da apari­
ção divina; por outro lado, uma concepção, saída da experiência
dc uma elite, que só reconhecia a presença divina nos lugares con­
sagrados (a Arca. o templo, ctc.) c cm certos ritos mosaicos, e
se esforçava por confirmar esta presença na própria consciência
do crente. Como habitualmcntc. as antigas formas c objetos cul­
tuais, após modificação do seu sentido e do seu valor religioso,
foram adotados pela forma religiosa. Na Arca da Aliança onde
se conservavam, segundo a tradição, as Tábuas da Lei, tinham-
se talvez guardado, originariamente. certas pedras cultuais con­
sagradas pela presença divina. Os reformadores aceitavam tais
objetos valorizando-os num sistema religioso diferente, dando-
lhes um conteúdo muito diferente6*. Qualquer reforma se faz.
em suma. contra uma degradação da experiência originária; a con­
fusão entre sinal e divindade tinha-se agravado nos meios popu­
lares, e era justamente para evitar o perigo dc tais confusões que
as elites mosaicas aniquilavam os sinais (as pedras figuradas, as
imagens esculpidas, etc.) ou lhes transformavam o sentido ("a
Arca da Aliança” ). A confusão que não tardaria a reaparecer sob
outras formas determinava novas reformas, isto é, uma nova pro­
clamação do sentido originário.
I$ 8 TR A TA D O DE HISTÓRIA D AS RELIGIÕES

81. Pedra « g rad a, omphalós, Centro do Mundo — A pe­


dra sobre a qual Jacó adormeceu não cra somente a “ casa de
Deus” , mas também o lugar onde. pela escada das anjos, se es­
tabelecia a comunicação entre o Céu e a Terra. O "béthel” cra,
por conseguinte, um “ centro do m undo", da mesma forma que
a Ka’aba de Meca ou o monte Sinai, assim como todos os tem­
plos. palácios c “ centros" ritualmcnte consagrados (§§ 143 s.).
\ qualidade de “ escada” unindo o Céu e a Teria derivava de uma
teofania verificada neste lugar. Ao mostrar-se a Jacó sobre o “ bc-
tlicl" a divindade revelava ao mesmo tempo o lugar onde podia
descer à Terra, o ponto em que o transcendente podia nianiíestar-
se no imanente. Veremos mais adiante que tais escadas unindo
o Céu c a Terra não são necessariamente localizáveis numa geo­
grafia concreta, profana, e que o "centro do m undo" pode ser
Consagrado rilualmcr.tc numa infinidade de pontos geográficos
sem que a autenticidade dc cada um prejudique a dos outros.
Contentemo-nos. de momento, cm lembrar algumas crenças
que dizem respeito ao omphalós (umbigo) dc que Pausânias es­
creve'*: “O que os habitantes de Delfos chamam omphalós é fei-
lo de pedra branca e acha-se, segundo pensam, no centro da Ter­
ra, opinião confirmada por Pindaro numa das suas odes.” Inúme­
ros trabalhos foram publicados sobre este assunto. Rohdc e J.
H . Harrison pensam que omphalós representai, originariamente,
a pedra funerária de um túmulo'0. Roscher, que dedicou três
monografias a este problema, afirma que o omphalós foi conce­
bido desde o começo como "centro da Terra” . Nilsson nào pa­
rece satisfeito com estas interpretações e considera recentes as duas
concepções da pedra tumular c do "centro do mundo' concep­
ções que substituiriam uma crença mais “ primitiva*01.
As duas interpretações são, na realidade, "primitivas” e não
sc excluem uma à outra. Considerado ponto dc interferência do
mundo dos mortos, do mundo dos vivos e do mundo dos deuses,
um túmulo pode ser. ac mesmo tempo, um ‘•centro'’, um " o m ­
phalós Terra” . Entre os romanos, por exemplo, o mundus re­
presentava o lugar de comunicação entre os ir£s domínios: “ quan­
d o o mundus está aberto, abetia está também a porta dos tristes
deuses do Inferno” , escreve Varrâo72. Evidcntcmcntc, o mundus
não é um túmulo, mas o seu simbolismo permite nos compreen­
der melhor a í unção aníWoga dcvçtnpcnhada pelo omphalós: as
suas eventuais origens funerárias não contrariam a sua qualida­
d e de “ centro". O lugar onde a comunicação com o mundo dos
A S PEDRAS SA G R A D A S 189

monos e o dos deuses subterrâneos se podia fazer cra consagra­


do como um traço dc união entre os diversos planos cósmicos
c è unicamente num “ centro” que tal lugar se podia encontrar
(a multivãlència simbólica do omphalós será estudada no seu con­
junto próprio quando analisarmos a teoria e a função ritual da
consagração dos “ centros” , (§§ 14$).
Ao sobrepor-se ao antigo culto ctònico de Dclfos, Apoio
agregou a si o omphalós c os seus privilégios. Perseguido pelas
Bríiiias, Orestes é purificado por Apoio junto ao omphalós, lu­
gar sagrado por excelência, "centro” onde as três zonas cósmi­
cas se comunicam, “ umbigo", que, pelo seu simbolismo, garan­
te um novo nascimento e uma consciência reintegrada. A multi-
valcnciada “ pedra central” conscrva-sc melhor ainda nas tradi­
ções célticas: Lia FSil. “ a pedra de Fâil” (o nome é obscuro —
Fâil “ Irlanda?), começa a cantar no momento cm que aquele que
é digno de ser rei se senta nela; nos ordálios, o acusado que sobe
a ela torna-se branco se estiver inocente; na presença dc uma mu­
lher condenada a í k ar estéril, a pedra rrsxuda sangue; mas se à
mulher estiver destinado ser ntâe, é leite que a pedra ressuda7’.
Lia Fâil é uma teofíinia da divindade do solo. a única que reco­
nhece o seu senhor (o rei da Irlanda), a única a dirigir a econo­
mia da fecundidade e a garantir os ordálios. Há, bem entendido,
variantes fálicas, tardias, destes omphaloi cclticos: a fertilidade
representa por excelência um atributo do “ centro" e os seus em­
blemas sâo frequentemente sexuais. A valorização religiosa (c im­
plicitamente poltticu) do “ centro” pelos celtas c atestada por no­
mes como medmemetum, mediotanum'*, conservados até hoje
na toponímia francesa’5. Considerando o que ensinam Lia Fâil
e algumas tradições conservadas na França, é legítimo identifi­
car estes “ centros” às pedras onfálicas. Na aldeia de Amancy
(cantão de la Roche). por exemplo, existe (testemunho certo de
um “ centro” ) uma Pedra do Meio do Mu»do,ft. A Pierra Che-
vetta {cantão de Moutiers) nunca foi submergida pelas inunda­
ções. 0 çuc representa uma vaga sobrevivência do "centro" que
o dilúvio nüo pôde submergir77 (§ 143).

8 2 . Sinais e f o r n a s — Em qualquer tradição, o omphalós


c um a pedra c o m a g ia d a por um a presença sobre-hum ana ou por
um simbolismo qualquer. Da mesma forma que os bctilos e os
inasseba ou os mccãlitos pré-históricos, o omphalós dá testemu-
190 TR A TA D O DE HISTÓRIA D AS RELIGIÕES

n ho de alguma coisa e é deste testemunho que c!c tira o seu valor


ou a sua função no culto. Quer protejam os mortos (como os me-
gálitos neolíticos, por exemplo), quer se tornem as moradas pro­
visórias das almas dos mortos (como em muitos povo«: “ primiti­
vos” ), quer atestem um pacto feito entre homem e Deus ou entre
homem e homem (semitas), quer recebam o caráter sagrado da
sua forma e da sua origem uraniana (meteoritos, etc.), quer en­
fim representem tcoíanias ou pontos de interseção das zonas cós­
micas ou imagens do ” centro” , as pedras tiram sempre o seu va­
lor cultual da presença divina que as transfigurou, das forças
eatra-humanas (as almas dos mortos) que nela estão encarnadas,
ou do simbolismo — erótico, cosmológico, religioso, político —
que as enquadrou. As pedras cultuais são sinais e e.vpri tnem sem­
pre uma realidade transcendente. Desde a simples hicrofania ele­
mentar representada por certas pedras e por oenos rochedos —
que impressionam o espírito humano pela sua solide«', pela sua
dureza e pela sua majestade — até o simbolismo onfálico ou me­
teórico, as pedras cultuais não deixam de significar alguma coisa
que supera o homem.
Evidentemente, estas “ significações" transformam-se. subs­
tituem-se, por vezes degradam-se ou reforçam-se. Não é possível
analisá-las cm algumas páginas. Basta dizer que há formas do cul­
to das pedras que apresentam os caracteres de uma regressão ao
infantilismo, outras que, na scqücncia de novas experiências re­
ligiosas ou p«k> fato de integrarem outros sistemas cosmolôgicos.
sofrem transformações tão radicais que se tornam quase irreco­
nhecíveis. A história ir.cdific3, transforma, degrada ou. poi meio
d e qualquer forte petsor.alidade religiosa, transfigura qualquer
teofania. Veremos, mais adiante, o sentido das modificações cau­
sadas pela história no domínio da morfologia religiosa. Lembre­
mos. poi agora, um exemplo da “ transfiguração” d a pedra: o
caso de alguns deuses gregos.
"Sc recuarmos ainda mais no tempo” , escreve Pausânias.
‘"veremos todos os gregos prestarem homenagens divinas não a
estátuas mas 3 pedras não trabalhadas (argoi fíthoi) ' ,T* A figu­
ra de Hermes é precedida tíc uma pré-história longa < confusa:
as pedras colocadas à beira dos caminhos para "proccgc-las" c
conserva los ch.unam-sc hermar, só mais tardo é que u ma coluna
itifálica com uma cabeça dc homem, um hermès, passou a set
a imagem do deus. Assim, antes de $c tornar, na religião c na
mitologia pòs-homcrica, a “ figura" que è conhecida, Hermes era
.4 5 P E OHA S M O R A D A S 191

apenas uma teofania de pedra*. Esses lu-rmai significavam uma


presença, encarnavam uma força, protegiam e fecundavam ao
mesmo tempo. A antropomorfização de Hermes i o resultado da
ação corrosiva da imaginação helénica c da tendência que cedo
tiveram as pessoas para personalizar cada vez mais as divindades
c as forças sagradas. Assistimos assim a uma evolução, mas a uma
evolução que não implica dc forma alguma uma ' ‘purificação”
c um ‘‘enriquecimento" da divindade, que modifica simplesmente
a fórnmlo através d a qual o homem exprimia primeiro a sua ex­
periência religiosa e a sua concepção da divindade. O grego figu­
rou de formas diferentes, no decurso do tempo, as suas experiên­
cias e os seus conceitos, ü s horiz.omcs do seu espirito ousado,
plástico c fértil alargavam-sc c, nestes novos cenários, cm que per­
diam a sua eficiência, as antigas teofanias perdiam tamhcm o seu
sentido. Os hermai manifestavam uma presença divina apenas
àquela consciência que recebia a revelação do sagrado de uma
maneira imediata, em qualquer gesto criador, cm qualquer "fo r­
m a" ou “ sinal” . O próprio Hermes se separou da matéria; a sua
figura tornou-se humana, a sua teofania tornou se mito.
A teofania de Atena apresenta a mesma evolução do sinal
à p m o a \ qualquer que seja a sua or.gem. o pallaclium manifes­
tava nos tempos pré-histôricos a força imediata da deusa-3. Apo-
lo Agieus não era mais, a princípio, que uma coluna de pedra*1.
No Ginásio dc Mégara cnconirava-sc uma pequena pedra pira­
midal cliamada Apoio Karinós; cm Malca, Apoio Lithcsios erguia-
sc ao lado dc uma pedra, c rccemcmcr.tc intcrprctou-sc este epí­
teto do deus por Hihos82, etimologia que, segundo Nilsson, não
é nem menos nem mais satisfatória do que as que a precede­
ram35. Em todo caso, o que é certo c que nenhum outro deus
grego, nem mesmo Hermes, era rodeado de tantas “ pedras" co­
mo Apoio. Mas, tal como Hermes não “ é” a pedra, tampouco
Apoio surge da pedra: os hermai sublinham somente a solidão
dos caminhos, a noite medonha, a proteção do viajante, da casa,
dos campos. E é porque agregou a si os antigos lugares de culto
que Apoio tomou também posse dos seus sinais distintivos, pe­
dras, omplu/lol, altares, de que a maior parte era, primeiro, de­
dicada à Grande Deusa. Isto não quer de modo nenhum dizer
que uma teofania apolínea com base na pedra não tenha tido curso
no momento em que o deus não tinha ainda recebido a sua figu­
ra clássica: para a consciência religiosa arcaica, a pedra bruta evo­
cava a presença divina de uma maneira mais segura do que o fa­
ziam para cs seus contemporâneos as estatuas dc Praxitclcs.
VII

A Terra,
a mulher e a fecundidade

83. A Tenra-Mâc — " ... Terra (Gaia), primeiro, deu à luz


um ser igual a cia mesma, capaz dc a cobrir lotalmenie. o Ccu
(Uranos) estrelado, que ofereceria aos deuses bem-aventurados
morada segura para sem pre."1 Oste par primordial deu origem
à família numerosa dos deuses, dos ciclopes c dos outros seres
miticos (Cotos, Briarcu. Giges, “ .seres cheios de orgulho" c que
tinham cem braços c cinqüenta cabeças cada um). O casamento
do Ccu c da Tetra é a primeira hierogamia. Os deuses tratarão
de repeti-la c os homens, por seu turno, imitá-la-ão com a mes­
ma gravidade sagrada com que imitavam qualquer gesto realiza­
do na aurora dos tempos.
Gaia ou G í gozou dc um culto muito difundido na Grécia,
mas com o tempo foi substituída por outras divindades da Ter­
ra. A etimologia parece mostrar nela o elemento telúrico na sua
forma mais imediata (cf. sánscrito. eô, ' ‘terra", "lugar” ; zend.
gavai godo, gani, gauja, "província” ). Homero mal a mencio­
na: uma divindade ctônica — pertencendo, esscncialmcnte. ao
substrato prc-hclênico — dificilmente encontraria lugar no seu
Olimpo. Mas um dos hinos homér icas lhe é dedicado: “ Ê a Ter­
ra que eu cantarei, mãe universal com profundas raizes, avó ve­
nerável que nutre no seu solo tudo o que existe... És tu quem dá
a vida aos mortais, como és tu quem lhes tira a vida... Bem-
aventurado aquele a quem tu honras com a tua benevolência! Para
ele a vida é urna gleba dc boa colheita, nos campos os seus reba­
nhos prosperam e a sua casa enche-se dc riquezas.” - Esquilo
também a glorifica, porque c a Terra que "cria todos os seres,
os nutre, c dcks recebe, depois, o germe fecundo"1. Veremos co-
m TRA TA DO DF HISTORIA D AS RELIGIÕES

m o esta expressão de Ésquilo é verdadeira e arcaica. Lembremos


ainda um antiguíssimo hino que, no di/er de Pa.isánias4. canta­
vam as Plêiades de Dodona: “ Zeus foi, e e será, oh. Grande Zeus:
c com a tua ajuda que a Terra tios dá os seus frutos. Com justiça
a chamamos nossa mãe."
Grande número de crenças, de mitos c de ritos respeitantes
á Tetra, às suas divindades, â “ Grande Mãe” chegou até nós.
Constituindo cm certo sentido os próprios fundamentos do cos­
mos, a Terra c dotada de multivalência religiosa. P.la foi adora­
da porque ela “era", porque se mostrava c mostrava, porque da­
va, produzia frutos, recebia. Sc estudássemos a história de uma
única religião, conseguiriamos talvez circunscrever com bastante
precisão a função c o desenrolar das crenças que dizem respeito
âs. cpiianias religiosas. M as, ?c nos ocuparmos cxclusivamcnte de
morfologia religiosa, ta! ja não será possível: encontramo-nos —
aqui como cm outros capítulos — perante gestos, crenças e teo­
rias que pcitcnccm a ciclos de civilizações diferentes, cujas ida­
des e estruturas sào diferentes. Tentemos, no entanto, ver quais
sAo as linhas-mestras deste conjunto de fatos que os índices das
gi andes monografias dlstnbuem pelos títulos: “ Terra'*. “ Terra
M ãe” , “ divindades da Terra” , “ espíritos tclúncos". etc.

84. O p a r p rim o rd ia l C é u -T e rra — O par divino Céu-Terra,


que Hesiodo tinha evocado, é um dos motivos de fundo da mito­
logia universal. Em muitas mitologias em que o Céu desempe­
nha ou desempenhou o papel de divindade suprema, a Terra é
representada como sua companheira c, como j.1 vimos, na vida
religiosa primitiva encontra-se o Céu por toda a parte5. Lembre­
mos alguns casos: os maoris chamam ao Céu Rangi c à Terra Pa-
pa; no princípio, tal como Urano c Gaia, estavam unidos num
estrato abraço. Os filhos nascidos deste acasalamento sem fim
— Tumata-nenga. lanc-m ahuta c outros — e que, sedentos de
luz, tateavam nas trevas, decidiram separar os seus pais. Eoi as­
sim que, um belo dia. cortaram os tendões que ligavam o Céu
ò Terra e empurraram o pai cada vez mais para a m a . até que
ele foi projetado no ar c a luz fez a sua aparição no mundo*.
O motivo cosmogôn co do par primordial Céu Terra está pre­
sente em todas as civilizações occânicás, da Indonésia a
Micronesia7. Encontramo-lo no Borneu. era Minahassa. nas ilhas
Cclebes setentrionais — onde Luminuut. deusa da Terra, é a prin-
A TERRA. A UVLIIEM E A FECUNDIDADE 195
ripai divindade’ —. entre os Toradja das Celebes centrais (1 lai
c I-ndora), c cm muitas outras ilhas da Indonésia, l'or ve/cs,
cncontra-sc o motivo da separação brutal do Oéu e da Terra: no
Taiti, por exemplo, crê-sc que esta operarão foi fcita por uma
planta que. ao crescer, fez subir o Céu*. Este motivo está, aliás,
muito difundido em outras zonas da civilização10, tnconira-sc
o par primordial Cêu-Tcrra na África: por exemplo, Nzamhi c
Nzambi Mpnngu d a tribo Bawili, no G abão". Olórun c Oduua
(“ a negra” ) entre os iorubá,:. o par divino dos ewe, dos
akwapitn” . etc. Num povo agrícola da África austral, kumama,
o casamento do Ccu c da Terra toma o mesmo sentido de fecun­
didade cósmica que apresenta nos cantos das Pléiades de Dodo-
na: “ A Terra é nossa mãe. o Ccu c nosso pai. O Céu fertiliza
a Terta pela chuva, a Terra produz os cereais c as plantas.’’14 Fa­
la fórmula, como veremos, poderia resumir uma bóa parlé da$
crenças agrícolas. O par divino figura igualmcntc nas mitologias
das duas Américas. Na Califórnia meridional, o Céu chama se
rukinit c a Terra rarnaiovit15; entre os nasajos encontra-se Ya-
dilqil hastqin ("C éu homem” ) c sua esposa Nihosdzan esdza
(’’Terra mulher” ), nos Pawnis, na América setentrional, nos
sioux, nos hurons (am a das principais tribos iroquesas). nos ho
pi. nos zurti. nas Antilhas, etc., encontramos o mesmo binômio
cósmico14. Nas mitologias do Oriente clássico, ele desempenha
também um papel eosmogônico importante: a “ rainha das ter
ras" (a deusa de Arinna) c o seu esposo U ou lm. o deus da tem
pestade, entre os hilitas'7; a deusa da terra e o deus do Ccu dos
chineses, Izanagi c Izanami dos japoneses'*, etc. Nos povos ger­
mânicos. Fngg. a esposa de Tyr, e mais tarde de Othin, c uma
deusa de estrutura telúrica. Só um acaso dc ordem gramatical (a
palavta “ céu” serait» do gênero feminino) fez. com que o Ccu fosse
representado entre o s egípcios por uma deusa. Nut. e a Tetta por
um deus, Gcbb.

85. F.Urutara das hierofanias telúricas — Poder-sc-iam mul­


tiplicar os exemplo**, mas sem qualquer proveito. As listas dos
pares cosmologicos não poderiam revelar-nos nem a estrutura das
divindades telúricas nem o seu valor religioso. No mito cosmo-
jónico a Terra desempenha um papel passivo, mesmo sendo pri­
mordial. Antes de qualquer cíabulaçâo mítica a respeito da Ter-
ru, houve a própria presença do solo, valorizada no plano reli-
1<X» TRATADO PE HISTÓRIA DAS REUGIÔES

gioso. A Terra, para unia consciência religiosa “ primitiva” , é um


dado imediato: a sua cxlen.sào. a sua solidez, a variedade do seu
relevo e da vegetação que nela cresce constituem uma unidade cós­
mica, viva e ativa. A primeira valorização religiosa d;i Terra foi
“ indistinta", ou w ja. ela n io localizava o sagrado na camada te­
lúrica propriamente dita, mav confundia numa única unidade to
das as liicrofanias que se tinham realizado no meio cósmico en­
volvente — terra, pedras, árvores, águas, sombras, etc. A intui­
ção primária da Terra como "form a” religiosa pode ser reduzida
a fórmula: "cosmos-rcceptáculo das forças sagradas difusas” . Se
nas valorizações religiosas, mágicas ou míticas das águas se en­
contram implicadas as idéias de germes, de estados latentes e de
regeneração, a intuição primordial da Terra mostra-no la como
SClldo o fundamento dc todas as manifestações. Tudo o que está
sobre a Terra está em conjunto e constitui uma grande unidade.
A estruturu cósmica dessas intuições primárias quase impos­
sibilita-nos de distinguir nelas o elemento propriamente telúrico.
Dado que o meio envolvente é vivido como uma unidade, só muito
dificilmente sc poderia distinguir nessas intuições primárias o que
pertence à Terra propriamente dita c o que é somente manifesta­
do através dela: montanhas, florestas, águas, vegetação. L'ma úni­
ca coisa se pode afitmar com certeza acerca dessas intuições pri­
márias (cuja estrutura religiosa c inútil demonstrar mais uma vez):
é que elas sc manifestam como formas, revelam realidades, im­
puseram-se com necessidade, "impressionando" a consciência do
homem. A Terra, com tudo o que ela sustem e engloba, foi. des­
de o começo, uma fonte inesgotável de existências, que sc revela­
vam ao homem imediatamente.
O que nos prova que a estrutura cósmica da hierofania da
Terra precedeu a sua estrutura propriamente telúrica — que só
com o aparecimento da agricultura se impôs definitivamente —
é a história das crenças sobre a origem das crianças. Antes dc se­
rem conhecidas as causas fisiológicas da concepção, os homer.s
pensavam que a maternidade era devida à mserçào direta da crian
ça no ventre da mulher. Quanto a saber sc o que penetra no ven­
tre da mulher já c um feto — que até aí teria vivido a sua vida
pré-natal nas grutas, nas fendas, nos poços, nas árvores, ctc. —
ou sc é simplesmente um germe, ou ainda a "alm a d o antepossa-
do” , etc., sào questões que n3o tem qualquer inicrcvsc para <«c
capitulo. O importante é a idéia de que as crianças n io são con­
cebidas pelo pai, mas que. num estádio mais ou menos avançado
A TENRA. A SÍUI HF.N E A FECUNDIDADE 19?

do seu desenvolvimento, tomam lugar no ventre materno depois


de um contato entre a mulher e um objeto ou um animal do meio
cósmico envolvente.
Sc bem que este problema pertença mais propriamente à et­
nologia do que à história das religiões, colocamo-lo aqui pelos
esclarecimentos que pode fornecer ao nosso assunto. O homem
não intervém na criação. O pai não i pai dos seus filhos senão
no sentido jurídico e nunca no sentido biológico do termo. Os
homens não o tá o ligados entre si senão pelas mães, e mesmo as­
sim esta ligação é precária. Mas os homens estão ligados ao meio
cósmico envolvente de maneira infinitamente mais estreita do que
o povva supor uma mentalidade moderna, profana. Cies >ão. no
sentido concreto c nâo no sentido alegórico da palavra, “ geme
da le n a “ . Foram trazidos pdos animais aquáticos (peixes, ris.
crocodilos, cisnes, etc.), desenvolveram se nas rochas, nos abis
mos c nas grutas, antes de serem projetados, por um contato má­
gico. no ventre materno; começaram a sua vida pré-natal nas
águas, nos cristais, nas pedras, nas árvores; eles viveram — sob
forma pré-humana, obscura, como “ almas” de "crianças-
antepassados" — numa das zonas cósmicas mais próximas. As­
sim. para só mencionar alguns casos, os armênios crècm que a
Terra é “ o ventre materno, donde saíram os homens” 19. Os pe­
ruanos crêcm que descendem das montanhas c das pedras^. Ou­
tros povos localizam a origem das crianças nas grutas, nas fen­
das, nas nascentes, etc. /Vinda hoje se conserva na Furopa a crença
de que as crianças “ vêm” dos mares, das nascentes, dos riachos,
das árvores21. O que é significativo nessas superstições é a estru­
tura cósmica da Terra, podendo esta ser encontrada cm todo o
meio envolvente, no microcosmo c não apenas na regiáo telúrica
propriamente dita. "A Terra” significa aqui tudo o que rodeia
0 homem, todo o “ lugar" — com as suas montanhas, as suas
águas c a sua vegetação.
O pai humano nada mais faz do que lenihmar tais filhos por
um ritual que possui todas as características da adoção. Eles per­
tencem, cm primeiro lugar, ao “ lugar” , quer dizer, ao microcos­
mo da região. A mãe não fez mais do que recebê-los; ela
“ recolheu-os” e. quando muito, aperfeiçoou a sua forma huma­
na. Compreende-se, então, sem dificuldade que o sentimento de
solidariedade para cotn o microcosmo çuvolvçniv, com o “ lugar” ,
tenha sido um sentimento dominante para o homem que se en­
contrava neste estádio da sua evolução mental — ou. mais exata-
198 TRATADO DE HISTÓRIA DAS R&JGIÔES

mente, que encaicva desta maneita a vida humana. Km ccttosen­


tido. pode-se dixer que o homem não lir.ha ainda nascido, que ele
não tinha ainda 1 consciência da tua pertença total à espécie bio­
lógica que ele representava. Poder-se-ia mais piopriamente con­
siderar, a este nível, a sua vida uma fase pré-natal: o homem con­
tinuava ainda a participar, imediatamente, de uma vida diferente
d.i tua, de unui »ida "cósmico-materna". Ele tinha, diríarsos nós,
um a experiência ‘ontofilogenética” obteura e fragmentada; ele
sentia que descendia de duas ou três "matri/.cs” ao mesmo tempo.
N3o é difícil compreender que tal experiência fundamental
tenha implicado para o liomern um certo numero de atitudes es-
pecíncas para com o cosmos c para com os seus semelhantes. A
precariedade da paternidade humana era compensada pela soli­
dariedade que hasia entte o homem e certas forças ou substân­
cias cósmicas protetoras. Mas, por outro lado, esta solidarieda­
de com o "lugar” não podia de forma alguma promover no ho
inent o sentimento de que e um criador na ordem biológica. O
pai. ao legitimar os seus filhos saídos de um meio cósmico qual­
quer, ou ainda das "almas dos antepassados” , não tinha propria­
mente filhos, mas apenat novos membros na sua família, novos
utensílios para o seu trabalho c para a sua defesa. O liame que
0 unia à sua progenitura era, em todo o caso, per proxiem. A sua
vida biológica acabava com ele, sem possibilidade de continuar
através de outros seres, como será o caso na interpretação que,
mais tarde, os indo-europeus darão do sentimento de continui­
dade familiar, interpretação cujo fundamento assenta num du­
plo fato: a descendência biológica direta (os pais criam o corpo,
a "substância” da criança) c a descendência ancestral indireta (as
almas dos antepassados encarnam nos recém-nascidos)22.
A "T erra” era, pois. nas primeiras experiências religiosas
oxi intuições míticas, “ o lugar todo” que se achava à volta do
liomern. Grande número de palavras que designam a "T erra” têm
etimologias que se explicam por impressões espaciais — "lugar” ,
” largo” , "província" (cf. pnthixi, “ a iarea") — ou impressões
sensoriais primárias — "firm e” , " o que rc « a ", “ neyio", etc.
A valorização religiosa da Teria de um ponto de vista estritamente
telúrico só mais tarde põde ter lugar: no cicio pastoril e sobretu­
d o no ciclo agrícola, para falur a linguagem da etnologia. Até
então, tudo o que <e poderia chamar ai “ divindades da Terra"
eram mais propriamente divindades do lagar, no sentido de m ao
cõsmico envolvente.
A TERRA. A M U LH E R E A FECUNDIDADE 199

86 . Maternidade ctônica — Uma das primeiras teofanias da


Terra, enquanto tal. enquanto sobretudo camada telúrica e pro­
fundidade ctônica, foi a sua “ maternidade", a sua inesgotável
capacidade de dai ftutos. Antes de ser considerada Deusa-Mãe,
divindade da fertilidade, a Terra impôs-se diretamente como Mãe.
Tellus Matcr. A evolução posterior dos cultos agrícolas, esclare­
cendo com precisão cada vez mais acentuada a figura de unta
Grande Deusa da vegetação e da colheita, acabou por apagar os
traços da Terra-Mãe. Na Grécia, Dernéter substituiu Gé. No en­
tanto, restos do culto antiquíssimo da Terra-Mãe transparecem
nos documentos arcaicos e etnográficos. Um profeta índio, Smo-
halla. da tribo umatilla. proibia os seus discípulos de cavarem a
terra, porque — dizia — “ é um pecado ferir ou cortai, fender
ou esgaravatar a nossa rnác comum com os trabalhos agrícolas” .
0 justificava assim a sua aiiiude anliagrtcola: “ Pédis-mc que tra­
balhe o solo? Acaso pegaria cu numa faca para a mergulhar no
seio de minha mãe? Pcdis-me que cave c levante pedras? Iria cu
mutilar a carne para chegar aos ossos? Pcdis-me que corte a erva
e o feno c que o venda e me enriqueça como os brancos? Mas
como ousaria eu cortar a cabeleira dc minha m«V?"a Esta de­
voção mística pela Mãe telúrica não é um fato isolado. Os mem­
bros dc uma tribo drávida primitiva da índia central, os baíga,
praticam a agricultura migratória, contentando-se com semear ex-
clusivamcnte nas cinzas que ficam depois dc certas áreas da flo­
resta terem sido queimadas. E têm todo este trabalho porque con­
sideram um pecado “ rasgar o seio da sua mãe-terra com a char­
rua’0 *. Os povos altaicos crccm igualmentc que é um grande (re­
cado arrancar as plantas, porque a Terra sofre e.xatamcnte como
sofreria urn homem a quem arrancassem os cabelos ou a barba.
Os votiaks, que têm o costume de levar 3s suas oferendas para
uma cova. abstcm-sc de repetir esta operação no outono, pois que
nesta época do ano a Terra dorme. Os tchcrcmisses crccm fre­
quentemente que a Terra está doente, c evitam então sentar-se
nela. E as provas da persistência destas crenças respeitantes ã
Terra-Mãe nos povos não agrários, ou agrários de uma maneira
esporádica, poderiam ser multiplicadas15. A religião da Terra,
mesmo que não seja a mais velha rdigiáo humana, como o creem
certos sábios, é daquelas que dificilmente morrem. Uma vez con­
solidada nas estruturas agrícolas, os milenjos passam por ela mui
a modificarem. Por vezes, ela não apresenta qualquer solução dc
continuidade, desde a pré-história até os nossos dias. Por exem­
200 7* ATADO DCJtlSTÓMJA D AS R JU -lV lfáS

plo, o "bolo dos m onos" (em romeno cotivj) era conhecido, com
o mesmo nome. na Antiguidade grega, que o tinha recebido das
civilizações prc-histôricas e rtc-hdèiucas. Outros exemplos dc con­
tinuidade no quadro do mesmo conjunto constituído pelas reli­
giões telúricas agrárias serão mencionados mais adiante.
A. Dieterich publicou, em I9:)5. um livro que sc tornou rapi­
damente um trabalho clássico**- Emil Goldmannr c outros de­
pois dele c, mais perto de nós. Nilsion11 Fizeram toda a espécie
de objeções à teoria de D.cterich, mas não conseguiram invalidá-
la na sua totalidade. Dieterich começa o seu estudo lembrando três
costumes em uso na Antiguidade — deposição da criança recém-
nascida sobre a terra, inumação das crianças (cm contraste com
a incineração dos adultos), colocação no chão também dos doen­
tes c dos agonizantes — para reconstituir a figura da arcaica Deusa-
Terra, da "Tcri* Mie de-Tudo" {pammétór Gê) dc que Esquilo
faz tnençâo?>, da Gaia que Hesiodo linha cantado. F.m volta des­
tas tréx práticas arcaicas, os documentos acumularam-se ern nú­
mero impressionante c surgiram controvérsias de que não pode­
mos aqui ocupar-nos. Tratemos dc ser o que nos ensinam os pró­
prios Fatos e em que conjunto religioso eles se enquadram.

87. Descendência telúrica — Santo Agostinho faz menção,


na esterra de Varrão. do nome dc urna divindade latina, Lcvana,
que levantava as crianças do chão: levai de terra*0. Dieterich lem­
bra, em ligação com este fato. o costume, ainda praticado nos
Abruzos. dc colocar a criança no chão. depois dc lavada e prote­
gida com cueiros” . O mesmo ritual e pratreado entre os escan­
dinavos, os alemães, os Parscs, os japoneses, etc A criança é le­
vantada pelo pai (de terra tolleré), o que significa que a reconhe­
ce como seu filho*2. Este rito foi interpretado por Dieterich co­
mo uma maneira dc votar a criança á Terra, a Tclltis Matcr, que
é a sua verdadeira mãe. Goldmann objeta que o fato de pôr a
criança — o doente ou o agonizante — no chão não implicava
necessariamente uma descendência telúrica desta, nem uma con­
sagração à Terra-Mãe, mas tinha muito simplesmente por finali­
dade o contato com a força mágica do solo. Outros são de opi­
nião dc que este rito tinha cm vista conseguir para a criança urna
alma que lhe vinha da Tcllus Matcr” .
ú evidente que estamos perante interpretações diferentes dc
uma mesma concepção primordial c que só aparentemente sc con-
A TERRA. A MULHER E A FECUSÍHDADE 201

tradizcm: a da Terra considerada fonte de força, de "alm a” e


dc fecundidade, a da Terra MAe. O parto no solo (humiposiiio)
è um costume frequente etn muitos povos: nos gurions do Cáu-
caso, tal como cm várias regiões da China, as mulheres deitam-
se no chão logo que sentem as dores do parto, para darem a luz
cm contato direto com a tcrraM; as mulheres maori, na Nova Ze­
lândia, dào á luz nas moitas, A beira de um riacho; cm muitas
tiibos afticanas c costume as mulheres darem á luz na floresta,
sentadas no chão55; encontra-se o mesmo ritual na Austrália, no
none da Índia, enfie os aborígenes no norte da America, no Pa
raguai. no Brasil'6. Lntrc os gregos c os romanos, observa
Samtcr’’, este costume tinha desaparecido nos tempos históricos,
mas nAo há dúvida de que existiu: certas estatuas dc deusas do
nascimento (Eilcithyia, Damia, Auxcia) apresentam nas de joe­
lhos exatamente na posiçAo da mulher que dá à luz dirctamcntc
sobte a terra'1'. Na Idade Média alemã, entre os japoneses, em
certas comunidades judaicas, no Cáucaso, na Hungria, entre os
romenos, os escandinavos, na Islândia, etc., encontra se o mes­
mo ritual. Em língua egípcia a expressão “ sentar-se no chão" era
utilizada, nos textos clemóticos, para significar "parto, parir"59.
Sem dúvida o sentido inicial deste ritual universalmente di­
fundido cra o da maternidade da Terra. Vimos que em muitas
regiões se acreditava que as crianças eram trazidas dc poços, da
água, das rochas, das árvores, etc. P. em certas regiões considera-se
que as crianças “ vêm da terra” 40. O bastardo cia chamado ter­
rae filius. Quando os mordves desejam adotar uma criança,
colocam-na num fosso do jardim onde se julga habitar a deusa
protetora, a Terra-Màe41. Isto significa que. para ser adotada,
a criança deve nascer dc novo: c isto faz se. não simulando o parto
nos joelhos da mãe adotiva — como entre os romanos, por exem­
plo —, mas colocando a criança no seto da sua verdadeira màc.
a Terra.
É natural que, ixisteriormentc, este sentido de descendência
telúrica tenha sido substituído por uma ideia mais generosa, a sa­
ber. que a Terra é a protetora das crianças, que ela é a fonte dc
toda a força c que è a ela (quer di/er, ao espirito materno que
a habita) que sAo consagrados os recém-nascidos. É assim que
se explica a frequência do berço ctônico: os bebês sAo adoím ea­
dos ou repousam nas covas, em contato direto com a terra ou
com a camada de cinzas, de pálhas c de folhas que a m ie prepa­
rou no fundo da cova. O berço ctônico é conhecido tanto nas so-
202 TR A TA D O DE HISTÓRIA P A S RELIGIÕES

ctedadcs primitivas (australianos c alguns povos turco-ultaicos)


como nas civilizações superiores (Império dos Inças, por exem­
plo)13. As crianças abandonadas nào >ão mortas, mas. entre os
gregos, por exemplo, deixadas por tena. A Terra Mâc cuidará
delas: ela decidirá se devem morrer ou sobreviver13.
Uma criança "exposta'', abandonada ao acaso dos elemen­
tos cósmicos — água. vento, terra —. e sempre como um desafio
lançado à face do destino. Confiada á terra ou águas, a crian­
ça. tendo para o futuro o esratuto social de órfão, corre o risco
de morrer, mas tem ao mesmo tempo possibilidades de adquirir
uma condição diferente da condição humana. Protegida pelos ele­
mentos cósmicos, a criança abandonada tom a se frequentemen­
te herói, tei ou santo. A sua biografia lendária imita, assim. o
m ito dos deuses abandonados imediatamente após o nascimen­
to. Lembremos que Zeus. Posídon. Dioniso, Alise inuir.eros deu­
ses partilharam a sorte dc Perseu. de lon, de Atalame, de An-
fion e dc Zcto. de Édipo, de Ròmulo c dc Remo. Moisés também
foi abandonado nas águas, tal como o hciòi maori Nlassi, que
foi lançado ao oceano, como o foi o herói do Kalevala. Vainá-
nióinen, que "flutuava nas vagas tenebrosas” . O drama da criança
abandonadaé compensado pela grandeza mítica do " ó rfã o ” , da
criança primordial, na sua absoluta c invulnerável solidão cós­
mica, na sua unicidade. O aparecimento de tal “ criança” coinci­
de com um momento autoral: criação do cosmos, criação de um
mundo novo. dc uma nova época histórica (Jam redit «y/ virgo...),
de uma "vida nova" em qualquer nível da realidade*1. A crian­
ça abandonada á Terra-Mãe, por ela salva e criada, cicixa de po­
der partilhar o destino comum dos homens, porque repete o m o­
mento cosmológico das origens e cresce no meto dos elementos
c nào no meio da família. É por isso que os heróis e os santos
são recrutados entre as crianças abandonadas: pelo simples fato
de as ter protegido c preservado da morte, a Terra-Mãe (ou as
Águas-Mães) votou-as a um destino grandioso, inacessível ao co­
mum dos mortais.

*8. Regeneração — Um ritual que se explfca pela mesma cren­


ça na Terra-Mãe é a inumação dos cadáveres das crianças. Os
adullos são incinerados ® as as crianças são enterradas, para que
voltem ao seio da mãe telúrica e possam renascei mais tarde. Terra
claudiiur infans*'. As leis de Manu prescrevem a inumação das
A TERRA. A M V U IE R F A FECUNDIDADE 203

crianças de menos de dois anos c proíbem a sua incineração. Os


hurons da America do Norte enterram nos caminhos as crianças
mortas, a fim de que possam renascer introduzindo-se no ventre
das mulheres que por elas passam**. F.ntre os andamaneses. as
crianças são enterradas sob a lareira, na cabana4'. Há que lem­
brar também o enterro “ sob a forma de em brião", prática fre­
quente cm muitos povos e à qual voltaremos quando examinar­
mos a mitologia d a morte4". Dá-se ao cadáver uma forma em­
brionária para que a Terra-Màc possa dá-lo à luz uma segunda
vez. Há regiões onde se oferecem à deusa telúrica crianças enter­
radas vivas; c o caso da Groenlândia, or.de se enterra a criança
se o pai está gravemente doente; na Suécia, duas crianças foram
enterradas vivas durante uma epidemia de peste; entre os maias
faziam-se sacrifícios deste tipo quando grassava a seca44.
Da mesma forma que se pOe a criança no chão logo que nas­
ce, para que a sua verdadeira mãe a legitime e lhe assegure uma
proteção divina, também se colocam no châo — a menos que se
enterrem — as crianças e os adultos em caso de doença. Este fito
equivale a um novo nascimento. O enterro simbólico, parcial ou
total, tem o mesmo valor mágico-religioso da imersão na água,
o batismo (§ 64). O doente regenera-se: nasce de novo. Para ele
não é um simples contato com as forças da Terra, mas sim uma
regeneração total. Esta operação tem a mesma eficácia quando
se ti ata de sanar um a falta grave ou de tratar uma doença de es­
pírito (que apresenta para a coletividade o mesmo perigo que o
crime ou a doença fisiológica). O pecador é colocado num tonel
ou numa fossa feita na terra, c quando saí dali “ nasceu uma se
gunda vez, do seio de sua mãe” '*', f- por isso que, entre os es­
candinavos, se cré que urna feiticeira pode ser salva da danaçáo
eterna se for enterrada viva, c se se lizei semeadura c colheita
no local onde foi enterrada'1. O mesmo se pensa acerca das
crianças gravememe doentes: se se pudesse enterrá-las e semear
de modo que houvesse tempo de haver germinação, est3s crian­
ças curar-se-iam. Compreende se ciar amente o sentido desta eten-
ça: o homem (o feiticeiro, o doente) tem, deste modo, possibili­
dades de nascer de novo ao mesmo tempo que a vegetação.
Um rito aparentado com estes consiste a n fazer passar a
criança doente através de uma fenda da terra, ou através de um
rochedo furado, ou através do huiaco de uma árvore’1.
Encontramo nos aqui diante de uma crença um pouco mais com
plc.xa; por um lado, a finalidade é transferir a “ doença” da criança
204 TRATADO DF. HISTÓRIA DAS RELIGIÕES

para um objeto qualquer (árvore, rochedo, terra); por outro la­


do, imita-se o próprio ato do parto (a passagem através do orifí­
cio). Ê mesmo provável que elementos do culto solar (n roda =
0 Sol) tenham dado a sua contribuição para este rito — pelo m i­
n as em certas regióes: índia, por exemplo (5 78). Mas a idéia fun­
damental é a de cura por meio de um novo nascimento — e vi­
mos que, na maior parte das suas crenças, os povos ugr (colas es­
tabelecem urna relação muito estreita entre este novo nascimento
c o contato com a Terra-Mãe. Só assim se pode explicar toda uma
série de crenças c de costumes respeitantes As purificações e ao
emprego da terra como meio terapêutico. A Terra está bem im­
pregnada de força, como crê Ooldmann, mas c à sua capacidade
de dar fruto e A sua maternidade que ela deve esta força.
Vimos que se enterram as crianças, mesmo entre os povos
que tçm o costume de incinerar os seus mortos, c isto na esperan
çu de que as entranhas da Terra lhes façam dom de uma vida no­
va. A palavra whennu significa, entre os maori. “ terra” e "pia-
c e n ta " '1. Aliás, mesmo o enterro dos que morrem cm idade
adulta — ou das suas cin/as nos povos que praticam a incinera­
ção — é feito com o mesmo objetivo. “ Arrasta-te para a Terra,
lu a m ác!". die o Rig Vala’’*. "A ti. que te terra, ponho te na
T erra!", está escrito no Alhurva Veda*'. "A Terra é um a mác,
eu sou filho da Terra, meu pai é Parjanya... Nascidos de ti. os
mortais voltam para ti..."'** No momento do enterro das cinzas
e dos ossos incinerados, juntam-se grãos a estes e espalha-se tu­
do sobre um campo lavrado recentemente. di/endo: “ Savitri. es­
palha a tua carne no seio de nossa m ie, a Terra.” sr Mas estas
crenças hindus não são sempre táo simples como parecem nos tex­
tos citados. A idéia de retorno â Terra Mãe foi completada por
um a ideia ulterior: a de reintegração do homem no todo do cos­
mos, uma restitutio ab integro das faculdades psíquicas c dos ór­
gãos no antropocosmos original^4.
A crença segundo a qual os mortos habitam debaixo da :er-
ra até o momento em que voltam de novo a luz do dia. a uma
nova existência, explica a identificação do reino dos niorios com
o lugar de onde vêm as crianças. Os mexicanos, por exemplo,
crêem que a sua origem está num lugar chamaco Chicomoztoc,
o lugar das sete grutas"1. Quer porque ve cousidcravjm os rr.or-
los conhecedores do futuro, quer porque se considerava a Terra,
graças à féâhwrçüo periódica de todas as criaturas vivas, possui­
dora de poder oracular — alguns oráculos arcaicos da Grécia fl-
A TEHHA. A MULHER E A FECUNDIDADE 205

cavam ao lado de fendas ou dc grutas. Sabemos que houve tais


oráculos ctónicos em Olímpia c cm Dvlíos, c Pausânias mencio­
na um oráculo cm Aígai, na Aqueia, onde as sacerdotisas de Gè
prediziam o futuro à beira dc uma fenda*'. Enfim, náo há ne­
cessidade dc lembrar o grande número de "incubações” que se
verificavam se se dormia no chão*1.

89. Ilomo-humu* — Dc todas as crenças de que falamos ate


aqui. ressalta que a Terra c màc, quer dizer. que gera formas vi­
vas arrancando-as da sua própria substância. Em primeiro lugar,
a Terra é “ viva" porque é fértil. Tudo o que sai da Terra c dota­
do de vida c tudo o que volta para a Terra c dc novo provido
dc vida. O binômio humo-humus não deve ser compreendido no
sentido de que o homem seria terra porque é mortal, mas neste
outro: se o homem pode ter um ente vivo c porque vent da Ter­
ra, é porque nasceu da Terra-Matcr c volta para ela. Solmscn ex­
plicou matches por máter; ainda que esta etimologia nào seja a
verdadeira (o sentido primordial da palavra “ matéria" parece ter
sido, com efeito, o de "coração da madeira"), ela pode scr enca­
rada no interior de um a Weltanschauung mítico-religiosa: a "m a­
téria” tem o destino de uma mãe. porque ela gera incessantemente.
Aquilo a que nós chamamos vida c morte são apenas dois mo­
mentos diferentes do destino total da Terra-Mãe: a vida nada mais
é que um separar-se das entranhas da Terra, a morte rcduz-sc a
um regresso á "própria Terra” . O desejo, tão frequente, dc ser
enterrado no solo da pátria é tão-só uma forma profana do au-
toctonlsmo místico, d a necessidade dc reentrar na sua própria ca­
sa. As inscrições sepulcrais do tempo do Império romano põem
cm relevo a alegria dc ser enterrado no solo da pátria: hic natus
htc situs est (CIL. V. 5595); hic situs est patnac (VIII, 2885); hic
quo natus fuerat optam erat illo reverti (V. 1703), etc. IX1 mes­
ma forma que outras náo escondem a tristeza por náo ter havido
esta consolação: altera contexit tellus licdil altera nasci (XIII.
6429)t : . Enfim, recusava-se o enterro aos traidores porque, se­
gundo a explicação de Eilostrato. eles eram indignos "dc serem
santificados pela T crra"u .
A água é portadora de germes; também a Terra é portadora
deles, mas na Terra tudo dá fruto rapidamente. Os estados la­
tentes e os germes ficam por vezes durante vários ciclos nas Aguas
antes de chegarem a manifestar-se; da Terra pode se quase dizer
206 m - i ta n o d e história das religiões

que d a não tem repouso: o seu destino c gcrui incesxantemcnte.


c dar forma e vida a tudo o que volta para ela inerte c estéril.
As águas encontram-se no começo e no fun de todo acontecimento
cósmico; a Terra encontra-se no começo c no fim de toda vida.
Toda manifestação se realiza acima das águas c se reintegra no
caos primordial através de um cataclismo histórico (o dilúvio) ou
cósmico tmahàprahya). Toda manifestação vital tem lugar gra­
ças â fecundidade da Terra: toda a forma nasce dela, viva, e vol­
ta para ela no momento cm que a parte de vida que lhe tinha sido
concedida se esgotou; volta a ela para renascer; mas, antes dc re­
nascei, para repousar, para sc purificar, para sc regenerar. As
águas precedem toda criação c toda forma; a Terra produz.for-
mus vivas. Enquanto o destino mítico das águas é abrir c fechar
ciclos cósmicos ou cônicos que se estendem por milhões dc anos,
C»destino da Terra é estar no principio c no fim dc qualquer for­
m a biológica ou pertencente .« história local (“ os hoir.cns dó lu­
gar"). O tempo — que tem, por assim dizer, sono quando se tra­
ta das águas — é vivo c infatigável quando a Tetra gera. As for­
mas vivas aparecem e desaparecem com uma rapidez fulminan­
te. Mas nenhum desaparecimento é decisivo: a morte das formas
vivas nào passa de um modu — latente c provisório — de exis­
tência, pois que a forma viva como tipo ou como espécie nunca
dcsapaicce durante o prazo que as águas concedem à Terra.

90. Solidariedade cosmo biológica — A partir do momento


cm que uma forma se destaca das águas, toda ligação orgânica
imediata entre estas c aquela sc quebra: entre o pré-formal c a
fotmn ha um hiato. Esta ruptura não se verifica quando se trata
dc foi mas geradas pela Terra c da Terra: estas permanecem soli­
dárias com a sua matriz, de que aliás só sc destacam provisoria­
mente, c á qua! regressam para repousar, para se fortificar c, fi-
nalmcntc, para reaparecer em pleno dia. E por isso que há entre
a Terra e as formas orgânicas por ela geradas um laço mágico
de simpatia. E-jn conjunto elas constituem um sistema. Os fios
invisíveis que ligam a vegetação, o reino animal c os. homens de
uma certa região ao solo que os produziu, no qual vivem c do
qual sc alimentam, foram tecidos pela vida que palpita tanto na
mãe como r.as suas criaturas. A solidariedade que existe er.tre o
telúrico de um lado. o vegetal, o animal c o huraativ do ouuo,
é devida à vida, que è a mesma por toda a parle. A aua unidade
A TERRA. A MULHER £ A FECUNDIDADE 20?

é de ordem biológica. F. sempre que qualquer dos modos desia


vida é marchado ou esterilizado por um crime contra a vida to­
dos os outros modos são atingidos, cm virtude da sua solidarie­
dade orgânica.
Um crime é um saci ilégio que pode ter consequências muito
graves a todos os níveis da vida. pelo simples fato de que o san­
gue vertido “ envenena” a Terra. F, a calamidade manifesta-se na
esterilidade dos campos, dos animais c dos homens. No prólogo
de údipo-Rci. o sacerdote lamenta se por causa das desgraças que
caíram sobre Tebas: *‘A cidade morre nas sementes frutíferas da
tetra, nos rebanhos de bois. nas crianças nos ventres das
mães...” 44 Um rei sábio, um reino fundado na justiça garantem,
pelo contrário, a fertilidade da terra, dos animais c das mulhe­
res. Ulisses confessa a Penclopc que c porque ele tem fama de
bom rei que a terra dá frutos, que as ovelhas dão â luz. que o
mar pulula de peixes*'. Mesíodo formula nestes termos esta con­
cepção rústica de harmonia e de fertilidade antropocóstnicas:
"Aqueles que, tanto para o estrangeiro como para o cidadão, pro­
nunciam sentenças retas e nunca se afastam da justiça veem pros­
perar a sua cidade e, dentro dos seus muros, a população tornar-
se feliz. Nas suas terras espalha-se a paz que alimenta os jovens,
c Zeus onividente não lhes reserva a guerra dolorosa. Nunca des­
tes atos de justiça se seguirá fome nem desgraça... a terra oíciece-
Ihcs uma vida de abundância; nos montes cresce o carvalho, nos
ramos deste nasce a bolota c no tronco vivem as abelhas; o pêlo
abundante das suas ovelhas torna-as mais pesadas; terão filhos
que se parecerão com eles; terão prosperidades sem fim, c nunca
terão de partir para o mar, pois que o solo fértil lhes oferece os
seus frutos.” “

91. Cikba c rniillier — A solidariedade reconhecida entre a


fecundidade da gleba c a da mulher constitui um dos traços mar­
cantes das sociedades agrícolas. Durante muito tempo Os gregos
c os romanos assimilaram gleba e matriz, ato gerador c trabalho
agrícola. Encontramos estu assimilação, por outro lado, em mui­
tas civilizações c cia deu origem a grande número de crenças e
dc ntos. Esquilo, por exemplo, diz nos que Édipo “ ousou lançar
semente no solo sagrado onde se tinha gerado c plantar nela um
iro iw v san g jcn io ” *7.. fctn Só íoclcs abundam as «ilusões aos
"campos paternos” 4*, ao “ lavrador, senhor de um campo lon-
20« T R A T A D O D f H IS T Ó R IA D A S M L K ,!Ó F S

gínquo. qwrcic só visita anta vez no tempo das sementeiras” 4*.


Dieterich, que jtr.ta a estes textos clássicos inúmeras ou tias refe-
rcncuis. estuda tambéroa frequência do motivo orat-criaf r.os poe­
tas latinos c. Mas. c o t o seria dc esperar, a assimilação d a mu­
lher e do campo lavrado, do ato gerador e do trabalho agncola,
é uma intuição arcaica e muito difundida. £ ptcciso distinguir,
nesta síntese rr.itico-r tual, diversos elementos: identificação da
mulher e da tciTa arável; identificação do falo e da cha m ia; iden­
tificação do trabalho agncola e dc ato gerador
Ê preciso dizer, no entanto, que. se bem que a Terra-Mãe
e a sua representante, a mulher, desempenhem um papel prepon­
derante neste conjunto ritual, já não tem nele um papd exclusi­
vo. N5o há lugar aqui só para a mulher ou a terra; mas também
para o homem c o deus. A fertilidade é precedida dc um hieroga-
mia. Um velho fo rtilíp o an d o savdo com ia a esterilidade dos
campos reflete admiravelmente as esperanças que as sociedades
agrícolas pòetn na hierogamia: "Salve, ferra, mâe dos homens,
sê fértil no abraço do deus c enche-te dc frutos para servir o ho­
mem.” 71 Em Elcusis. o mista pronunciava a fórmula agiicola ar­
caica: “ Faz chover! — dá frutos!” , olhando primeiro ra ra o céu
e depois para a terra. Ê provável que esta hierogamia entre o Céu
c a Terra tenha sido o modelo primordial tanto da fecundidade
dos campos como do casamento humano. Um texto do Atharva
Perfa77 compara os noivos ao Céu c à Terra.

92. A m u lh e r c a a g ric u lta ra — Admite se. normalmente, que


a agricultura tenha sido uma descoberta feminina. Ocupado em
perseguir a caça ou em apascentar o gado, o homem estava sem­
pre ausente. Pek> contrário, a mulher, ajudada pelo seu espirito
de observação, limitado mas pcnc:rantc. tinha oçasiáo de obser­
var os fenômenos naturais ik sementeita e dc germinação e dc
tentar reproduzi-los artillcialmente. Por outro ludo. pelo fato de
ser solidária com outros centros dc fecundidade cósmica — a T a ­
ra. a I.ua — a mulhet adquiria o prestígio dc poder influir na
fertilidade c de poder distribuí-la. F assim que se explica o pape!
preponderante desempenhado pela mulher no> começos da agri­
cultura — sobretudo no tempo em que esta tccnka cra apanágio
das mulheres —, papel que continua a desempenhar cm caras
civilizações71. Assim, cm Uganda, uma mulher estéril i' conside­
rada perigosa (sara a horta c o marido pode pedir o divórcio ale­
A TERRA. A MULHER F. A FECUNDIDADE 209

gando este motivo de ordem econômica74. Encontra-se a mesma


crença no que diz rcs-pcilo ao perigo que a esterilidade feminina
pode representar para a agricultra na tribo Bhanru, na índia75.
Lm Nicobar. diz-se que a colheita será mais abundante se as se­
menteiras tiverem sido feitas por uma mulher grávida76. Na Itá­
lia do Sul. crc-sc que terá bom resultado qualquer trabalho em­
preendido por uma mulher grávida c que tudo o que seja semea­
do por ela crescerá como cresce o feto no seu ventre77. No Bor-
néu. "as mulheres desempenham o papel principal nas cerimô­
nias c nos trabalhos relativos à cultura do arroz. Os homens co­
laboram ai>cnas no corte de silvas e urzes c cm alguns trabalhos
finais... São as mulheres que escolhem c conservam as sementes...
Parece que se sente nelas uma afinidade natural com as sementes
de que elas di/cm estar grávidas. Por vezes, vâo passar a noite
nos campos de aiio z. na época cm que ele cresce. A ideia delas
c, provavelmente, aumentar a sua própria fertilidade ou a do ar­
roz; mas a este respeito mostram-se muito reticentes"'8.
Os indios do Orcnoco deixavam às mulheres o cuidado de
semear o milho c de plantar raízes, porque "assim como as mu­
lheres sabiam conceber e parir, assim também os grãos c raizes
que elas semeavam e plantavam davam frutos muito mais abun­
dantes do que se tivessem sido semeados ou plantados pelos ho­
m ens"^. Em Nias. um a palmeira-de-vinho plantada por uma
mulher dá mais seiva do que outra plantada por um homem80.
As mesmas crenças sâo encontradas na África, entre os esse. Na
America do Sul. entre os jibaros, por exemplo, crc-sc "que as
mulheres exercem uma influência especial, misteriosa, no cresci­
mento das plantas cultivadas” 41. Esta solidariedade entre a mu­
lher e o campo fértil conservou-se mesmo depois de a agricultura
se ter tomado uma técnica mascuLina e de o arado ter tomado
o lugar da enxada primitiva. Tal solidariedade explica grande nú­
mero de ritos e de crenças, que examinaremos ao mesmo tempo
que as "representações rituais agrárias” (§ 126).

9 3 . Mulhrr e solo arado — A assimilaçáo entre a mulher c


a terra lavrada c encontrada cm muitas civilizações c conservou-
se nos folclores europeus. "E u sou a terra” , confessa a bem-
amada numa cançáo de amor egípcia. O Vidêvdât compara a terra
inculta a unia mulher sem filhos, tal como. nos contos, a rainha
estéril se lamenta: "Sou como um campo onde nada ciesee!"8-’
210 TR A TA D O OT H ISTO RIA M S K f l KHÒES

Pelo contrário, num hinodo século XII. a Virgem Maria £ flori fi­
cada como terra non arabilisquaefruetumpartmiit. B » l era cha­
mado “ o marido dos campos” “ . Quanto à idcniificaçio da mu­
lher e da gleba, era frequente entre todos os povos semitas'-1. Nos
textos islâmicos, a mulher c chamada "cam po", "vinha” , etc. "As
vossas mulheres são. para vôs, corno campos. "** Os lurdus assi­
milavam campo cultivado e vulva ivoni), sementes e sémen viril'6.
"Esta mulher é conto um terreno vivo: homens, lançai nela a se­
mente!” ' ' As leis de Manu também sustentam que " a inuliter po­
de ser considerada um campo c o homem a semente” (IX, 33).
Nãrada faz o seguinte comentário: "A mulher é o campo c o ho­
mem é o que dá a semente.” *' Um provérbio finlandês diz que
“ as moças têm o seu campo no próprio corpo"**1.
Evidentemente, a assimilação da mulher á terra arável implica
a do falo á caxáda c a da lavra ao ato gerador. Estas simetrias antro
potclilticas só foram possíveis nas civilizações que conheciam tanto
a agricultura corno as causas reais da concepeão. Fm algumas lín­
guas austro-asiáticas. a palavra lak designa igualmcnte o falo c a
enxada. Przyluski sugeriu quec um vocábulo austro asiático seme­
lhante que sc encontra na origem dos termos sãnscritos !àngú!a(cau­
da, enxada) c hnga (órgáo gerador do macho)*. A idenlidade falo-
arado foi mesmo representada plasticamente91. A origem desta fi­
guração é muito mais antiga: num desenho da época dos cassitas
que representa uma charrua acham-se marcados os símbolos con­
jugados do ato gerador9*. Intuições arcaicas deste tipo dificilmente
desaparecem não só da linguagem popular corrente, mas também
do vocabulário dos gravadores de sinais. Kabelais consignou a ex­
pressão "membro que se chama o lavrador da natureza"95.
Enfim, para mencionar alguns exemplos de identificação do
trabalho agrícola ao ato gerador, lembremos o mito do nascimen­
to da heroína de Rátnãyana, Sitá. Seu pai. Janaka ( - progenitor),
cncontrou-a num campo quando lavrava c chamou-lhe Sítã, "ter
reno arável"*1. Um texto assírio fez chegar até nós a prece dirigi­
da a um deus cujo "arado fecundou a terra” 1*.
Muitos povos primitivos ainda hoje usam, para frutificar a
terra, amuletos mágicos que representam os órgãos geradores94.
Os australianos praticam um curiostssimo ritual de fecundação:
armados com llechas que trazem à maneira de um falo, dançam
à volta de um fossa semelhante ao órgão gerador feminino: pw
fim. espetam paus na terra91. Há que lembrar igualmentc a es-
A TERRA. A XIVUIFR F A FECUNDIDADE 211

treila ligação existente entre mulher e erotismo, de um lado, c


lavra c fertilidade d a terra, de outro lado. Assim, c conhecido
o costume que manda que sejam mocas nuas que abram com o
arado os primeiros sulcos1**, costume que nos lembra a união
exemplar da deusa Deméter com Jasâo, no começo da primave­
ra, na terra recém-semeada*1. Todas essas cerimônias e lendas
deixarão transparecer a sua significação quando estudarmos a es­
trutura da religiosidade agrária.

94. Síntese — Nos conjuntos míticos c rituais que revimos


a terra é valorizada cm primeiro lugar porque tem uma capaci­
dade infinita de produzir frutos. f, por isso que, com o tempo,
a Terra-Mãe se transforma insensivelmente numa mãe das semen­
tes. Mas os vestígios da teofania telúrica nunca desaparecem da
figura das “ Mães’*, das divindades telúricas. Para dar só um
exemplo, nas figuras femininas da religião gresa — Néme-sis. as
Hrtnuis. Ternis — reconhecem-se atributos originais de Terra-Mãe.
E Esquilo, em Eundnides. suplica primeiro á Terra e depois a Té
mis. É verdade que Gê ou Gaia c, por fim, substituída por De-
méter, mas a consciência da solidaiiedadc entre a deusa dos mon­
tes c a Terra-Mãe não se jxrde entre os helenos. Eurípedes, nas
Bacantes"*', ao falar de Deméter, diz: “ Ela é a Terra... Dá-lhe
o nome que quiseres!“
As divindades agrárias substituem arcaicas divindades telú­
ricas, mas sem que esta substituição implique a abolição de to ­
dos os ritos primordiais. Através da "form a” das Grandes Deu­
sas agrícolas pode-se reconhecer a presença da "Senhora do Lu­
g ar". a Terra Mâe. Mas o perfil das novas divindades torna-se
mais preciso, a sua esirutuia religiosa torna-se mais dinâmica. Es­
sas divindades começam a ter uma história patética, a viver o dra­
ma do nascimento, da fertilidade c da morte. A passagem da
Terra-MAe á Grande Deusa agrtcola é a passagem da simplicida­
de ao drama.
Desde a hierogamia cósmica do Céu c da Terra até a mais
modesta prática que atesta a santidade telúrica, encontra-se sem­
pre a mesma intuição central, que se repete como tema condu­
tor: a lerra produz formas vivas, ela c uma matriz que procria
incansavelmente. Qualquer que seja a estrutura do fenômeno re­
ligioso provocado pela epifania telúrica — "presença sagrada” ,
divindade ainda amorfa, figura divina bera definida ou, por últi-
212 TRATAD O DE HISTORIA D A S RELIGIÕES

mo, "costume” resultante de uma recordação vaga das forcas sub­


terrâneas —, reconhece se sempre nele a marca da maternidade,
d o inesgotável poder de criação. lista criavâo c, por vozes, ntons-
truosa, como no mito de Gaia que Hesiodo evoca. Mas os mons­
tros da Teoçonta apenas provam os infinitos recursos criadores
da Terra. Em certos casos nem há necessidade de determinar o
sexo desta divindade telúrica — procriadora universal. Muitas di­
vindades da Terra, como algumas divindades da fecundidade, são
bissexuadas151. A divindade acumula, entâo, todas a^ foiças da
ctiaçáo — e esta fórmula de hipolaridadc. de coincidência dos
contrários, será ictomada pela mais elevada especulação poste­
rior. Toda a divindade tende, na consciência dos seus fiéis, a
tornar-sc tudo. a substituir todas as outras figuras religiosas, a
reinar cm todas as regióes cósmicas. E poucas divindades tive­
ram, como a Tetra, o direito c o poder de se tornarem tudo. Mas
a ascensão da Terra Mãe á categoria de divindade suprema, sc
nâo única, foi suspensa tanto pela sua hicrogamia com o Céu co­
mo pelo aparecimento das divindades agrárias. Há vestígios des
ta história grandiosa na hisscxualidade das divindades telúricas.
Mas a Terra Màc nunca perdeu os seus privilégios arcaicos dc "Se­
nhora do Lugar” , dc fonte dc todas as formas vivas, dc guardiã
das crianças e de matriz na qual sc sepultam os mortos para que
nela repousem, se regenerem e regressem finalmente á vida gra­
ças ao caráter santo da màc telúrica.
VIII

A vegetação:
símbolos e ritos de renovação

95. En sa io dc c l a r if ic a d o — Despertada por Q d in do seu


sono profundo, para revelar aos deuses os começos e o fim do
mundo, a profetisa, a vulva, declara:

l.emhto mc dos gigantes nascidos na aurora dos tempos.


Daqueles que outroia me geraram.
Conheço nove mundos, nove domiruos cobertos pela árvore do
mundo.
Essa árvore vab.aincnic plantada cujas rai/cs afundam no âmago
da Terra ..
Sei qoe extuc um freixo que se chama Yjqtdrasil
A copa da árvore está envolta em brancos vapores de água.
IX>rde se desprendem gotas de orvalho que caem no vale.
Ele ergue-ve etetnameme verde por cima da fonte dc Urd .1

O cosmos è visto sob a forma de uma árvore gigante. Este


ideograma da mitologia escandinava tem correspondentes em mui­
tas outras tradições. Ames de encararmos cada um deles á parte,
lancemos um olhar sobre o conjunto do domínio que temos de
pcrcorter: árvores sagradas, símbolos, mitos e ritos vegetais. A
quantidade dc documentos i considerável; quanto à sua varieda­
de morfológica, ela é tào grande que torna impossível qualquer
tentativa de classificação sistemática. Efetivamente, encontram-
se arvores sagradas, ritos e símbolos vegetais na hisiôna dc todas
as religiões, nas tradições populares do mundo inteiro, nas meta­
físicas 0 nas misfic4s arcaicas, para riào falar na iconografia c na
arte populares. As idades desses documentos, como as culturas
214 TRA TADO Dl.■HISTÓRIA D AS R fU G T Ô E S

cm que foram recolhidos, sào extremamente diferentes. E evidente


que 0 contexto de Yggdrasi). por exemplo, ou da "Árvore da Vi­
d a " da Escritura é muito diferente do contexto do "casamento
das árvores" que ainda hoje se pratica na índia, ou do "M aio"
que s í traz ntualmente na primavera nas aldeias europeias. Ao
nível da religiosidade popular, a árvore ritual desempenha um pa­
pel que o simbolismo da árvore, tal como se pode reconstitui-lo
a partir de documentos paleorientais, também por seu turno im
plica, mas este p3pd está longe de esgotar toda a riqueza, toda
a imiltivalcncia deste simbolismo. Podem-se identificar concep­
ções fundamentais (como, por exemplo, a da árvore cósmica, ou
a dos ritos de regencraçáo vegetal). Isto facilita, de cot io modo.
a classificação dos documentos. Mas o problema da "história”
dos motivos só subsidiariamcntc pode ter interesse para a nossa
pesquisa.
Antes de procurar saber — supondo que tal seja possivel —
em que milênio, a partir de que civilização c por meio de que fa­
tores um certo simbolismo vegetal se difundiu, antes mesmo de
determinar certos conjuntos de ritos que impliquem este simbo­
lismo, o que nos interessa, de momento, é saber qual foi a fun­
ção leligiosa da árvore, da vegetação ou dos símbolos vegetais
na economia do sagrado e na vida religiosa, saber o q ac ela reve­
la e o que ela significa, ver enfim cm que medida seria legitimo
procurar uma estrutura coerente sob a aparente polimorfia do sim
bolismo da árvore. O que nós queremos, pois, saber é o seguin
te: haverá uma afinidade intima entre os sentidos aparentemente
diferentes que a "vegetação” toma conforme é valorizada em
qualquer dos seguintes contextos: cosmológico, mítico, teológi­
co, ritual, iconográfico, folclórico? Evidentemente, trata-se aqui
de uma coerência que se teria imposto à consciência |iela própria
estrutura do objeto; coerência que se nos revelaria — parcial ou
totalmente — qualquer que fosse o nível cm que nos colocásse­
mos para contemplar o objeto c quer este fovsc o do rito popular
(como o cortejo de "M aio” no começo da primavera), ou o do
ideograma da "árvore cósmica" na plástica mesopotãmica ou nos
textos védicos.
Só obteremos a resposta a esta questão depois de revermos
um número suficiente de tátos. escolhidos dentre os mais signifi­
cativos. Mas, para nào nos perdermos neste labirinto, c preciso
que antecipemos uma classificação, mesmo provisór ia, do imen­
so material que se acha à nossa disposição. Deixando de lado o
A VEGETAÇÃO: SÍM BOLO S F. RITO S P F RENO VAÇÃO 215

conjunto dos valores religiosos e das cerimônias agrárias — que


estudaremos cm out ro capitulo — distinguiremos, naquilo a que
poderiamos chamai “ os cultos da vegetação” — empregando uma
expressão aproximada mas cómoda —, os seguintes grupos:
a) o conjunto pedra-árvore altar, que constitui um micro­
cosmos efetivo nas camadas mais antigas da vida religiosa {Aus­
trália, China-Indochina-índia; Fenkia-Egeu);
b) a Arvore-imagern do cosmos (índia, Mesopotâmia, Escan­
dinávia, etc.);
<•) a Áivotc-teo/ania cósmica (Mesopotâmia, índia, Egeu);
tf) a árvoxc-sinibolo da vida. da fecundidade inesgotável, da
realidade absoluta; cm relação com a Grande Deusa ou o simbo­
lismo aquático (por exemplo Yaksa); identificada á fonte da imor­
talidade ("A Árvore da Vida” );
(•) a ârvore-cenlro do mundo c suporre do universo (altai
cos. escandinavos);
f ) ligações mis ficas entre árvores c homens (árvores antro-
pogenísicas; a árvore como receptáculo das almas dos antepas­
sados; o casamento das árvores; a presença da árvore nas ceri­
mônias de iniciação);
g) a d:vote símbolo da ressurreição da vegetação, da prima­
vera c da “ regeneração” do ano (por exemplo o "M aio” ).
Esta classificação sumária e sem dúvida incompleta tem, pelo
menos, a vantagem de chamar a nossa atenção, logo de inicio,
pata as características comuns a lodo» os documento». Sem nos
anteciparmos às conclusões que se possam tirai da análise desses
documentos, podemos desde já chamar a atenção para o fato de
que a árvore representa — quer de maneira ritual e concreta, quer
de modo mítico c cosmológico, ou air.da puramente simbólico
— o cosmos vivo, regenerando-se incessantemente. Sendo a vida
inesgotável um equivalente da imortalidade, a árvore-cosmos po­
de, por isso, tornar-se, cm outro nível, a árvore da "vida sem-
m orte". Sendo a mesma vida inesgotável na ontologia arcaica a
tiaduçâo da ideia de realidade absoluta, a árvore torna-se nela
o símbolo dessa realidade (“ o centro do mundo” ). Mais tarde,
quando uma outra maneira de encarar os problemas metafísicos
vier ligar-se à ontologia tradicional (na índia, por exemplo), o
esforço do espírito para se desligar do processo cósmico c se con­
centrar na sua própria autonomia será designado como um es
forço para "cortar pela raiz a árvore cósmica” , ou, por outras
palavras, como uma superação total das “ aparôncias” , das rc-

I
216 Tk A TA DO DE HISTÓRIA D AS RELIGIÕES

prescntaçóes cm cuja origem se encontra a fome inesgotável da


vida universal.

96. Árvore sagrada — Por meio de que síntese mcr.tal da hu­


manidade arcaica, c a partir de que particularidades d a estrutura
da "árvore” como tal, se estabeleceu um simbolismo tào vasto
e táo coerente? Nào se trata aqui dc determinar a gênese de um
valor religioso, mas dc descobrir as mais antigas e. por conse­
guinte, as mais puías intuições desse valor. È certo que, para a
experiência religiosa arcaica, a árvore (ou. mais propriamente,
certas árvores) representa um poder. Há que acrescentar que este
poder c devido tanto à “ árvore” em si como às su3s implicações
cosmológicas. Para a mentalidade arcaica, a natureza e o símbo­
lo coexistem. Um árvore impòc-sc à consciência religiosa pela sua
própria substância e pela sua forma, mas esta substância c esta
forniu devem o seu valor ao fato de que sc impuseram à cons
ciência religiosa, de que foram "escolhidas” , quer dizer, sc “ rc-
velaram". Nem a fcnomcnologia da religião nem a história das
religiões poderiam superar a constatação dessa cocxiqcncia da
natureza c do símbolo que a intuição do sagrado vem valorizar.
Não se pode, pois. falar propriamente dc um "culto d3 árvore” .
Nunca uma árvore foi adorada por si mesma, mas sempre por
aquilo que. através dela. se "revelava” , por aquilo que ela im­
plicava c significava. As plantas mágicas ou farmacêuticas, como
veremos adiante <§ D l), devem também a sua eficácia a um pro­
tótipo mítico. Ao estudar as representações da "árvore sagrada”
na Mcsopotámia e no Elam, Ncll Parrot escreve: "N á o há culto
da árvore cm si mesma; debaixo desta tiguraçào esconde se sem­
pre uma entidade espiritual.” 2 Ao fazer pesquisas no mesmo do­
mínio, um outro autor chega a conclusão dc que a árvore sagra­
da mesopotámica c mais propriamente um símbolo do que um
objeto de culto: “ Nào é a cópia de uma árvore real mais ou me­
nos enriquecida de ornamentos, mas antes a estili/açào inteira-
mente artificial, c. mais propriamente do que um verdadeiro ob­
jeto cultual, parece nos ser um símbolo dotado de um grande per­
der bcncíico.” , Essas conclusões, ligcirameiUc corrigidas, encon­
tram a sua confirmação em regiões diferentes d3 Mcsopotámia.
Assim — c com isso voltamos às intuições primeiras da sa-
ci alidade da vegetação —, c cm virtude do seu poder, é cm virtu­
de do que ela manifesta (e que a supera) que a árvore se torna
A VEGETAÇÃO: SÍM BO LO S E RITOS D E RENO VAÇÃO 217

um objeto leligioso. Mas esse poder é. por sua vez. validado por
uma ontologia: se a árvore está carregada dc forças sagradas, c
porque i vertical, c porque cresce, c porque perde as folhas c as
recupera, porque, por conseguinte, se regenera (“ morre” e “ res­
suscita” ) inúmeras vezes, porque tem seiva, etc. Todas estas va­
lidações tem a sua origem na simples contemplação mística da
árvore, como “ form a" e modalidade biológicas. Mas i só na se­
quência da sua subordinação a um protótipo — cuja forma não
é forçosamente de ordem vegetal — que a árvore sagrada adqui­
re a sua verdadeira validade. £ em virtude do seu poder, ou me­
lhor, (• porque ela manifesta uma realidade extra humana — que
se apresenta ao homem numa certa forma, que da fruto e se re­
genera periodicamente — que uma árvore se torna sagrada. Pela
sua simples presença (“ o poder” ) e pela lei da sua própria evolu­
ção (“ a regeneração"), a árvore repele o que. puru u experiência
arcaica, é o cosmos inteiro. A árvore pode. sem dúvida, tornar-
se um símbolo do universo, forma sob a qual nós a encontramos
nas civilizações evoluídas: mas para uma consciência religiosa ar­
caica a árvore é o universo, e se ela c o universo c porque o repe­
te c o resume ao mesmo tempo que o "sim boliza". lista concep­
ção primeira do “ sím bolo", cm virtude da qual o símbolo deve
a sua validade ao íato de que a realidade que ele simboliza nele
está incorporada, será mais aprofundada quando abordarmos o
problema do mecanismo c da função do símbolo <5§ 166 s.).
A única coisa que queremos aqui tornar claro é que, se o to­
do existe no interior dc cada fragmento significativo, nào é por-
que a lei da “ participação” (sobretudo como a compreendia Lévy-
Bruhl) seja verdadeira, mas porque qualquer fragmento signifi­
cativo repete o todo. Uma árvore torna-se sagrada, mesmo con­
tinuando a scr árvore, cm virtude do poder «pie ela manifesta;
c se cia sc torna árvore cósmica é porque o que ela manifesta re­
pete cm todos os pontos o que manifesta o cosmos. A árvore sa­
grada não precisa jxrder os seus atributos formais-concretos pa­
ra sc tornar simbólica (a tamareira entie os mesopotâmios. o car­
valho entre os escandinavos, o Açvattha e o Nyagrodha entre os
hindus, etc.). É só depois de se superarem certas etapas mentais
que o símbolo se destaca das formas concretas e se torna esque­
mático c abstrato*.

97. Ârvore-mkrorosmos - Os mais arcaicos "lugares sagra­


dos” de que temos conhecimento constituem, como bem tinha
218 TR A TA D O D E HISTORIA D AS RELIG IÕ ES

observado Pryzluski3, ura microcosmos: paisagem de pedras, de


águas e de árvores. O centro totcmico australiano acha-se colo­
cado, frequentemente, num conjunto sagrado de árvores e de pe­
dras. O tríptico árvore-altar-pcdra nos "lugares sagrados" pri­
mitivos da Ásia oriental e da índia foi revelado por P. Mus6, ain­
d a que escalonasse esses elementos no tempo (na origem do lu­
gar sagrado tcr-sc-ia achado a floresta, e só depois o conjunto
árvorc-altar-pedra) cm lugar de ver neles — como o fazia Pryzlus-
ki, com razão — uma coexistência simultânea. De fato, o binô­
mio cultual pedra-árvore está também presente em outras árvo­
res arcaicas. Na civilização pré indiana dc Mohcnjo-Daro o lu­
gar sagrado era formado de um recinto erigido cm volta dc uma
árvore. Tais lugares sagrados encontram-se por toda a parte na
índia nos tempos da predicação de Buda. Os textos pàli mencio­
nam frequentemente a pedra ou o altar (veyaddi, manco) situa­
do ao lado dc uma árvore sagrada c que constituía a ossatura dos
cultos populares das divindades da fertilidade (os Yaksha). Essa
antiquíssima associação entre a pedra c a árvore foi aceita e as­
sumida peto budismo. A caityw budista cra, às vezes, árvore só.
sem altar; tnas, outras vezes, ela era a construção rudimentar que
se erigia perto da árvore11. O valor religioso dos lugares sagrados
arcaicos nâo foi abalado nem pelo budismo nem pelo hmduis-
nio. As grandes sinteses religiosas da Índia pós budista tiveram
em conta esses lugares sagrados c acabaram mesmo por absorvê-
los nas suas próprias estruturas c, deste modo. validaram-nos.
A mesma continuidade pode ser observada r.a Giécia e no
mundo semítico. Desde os tempos minóicos até o crepúsculo do
helenismo, encontra-se sempre a árvore ritual a par de um
rochedo’'. O santuário arcaico semítico era, com frequência,
constituído por uma árvore e por um bctilo'>. A árvore ou ashe-
ra (tronco sem casca que substitui a árvore verde) ficou mais tar­
d e só junto ao altar. Os lugares de oferendas dos canancus c dos
hebreus situavam-se "em qualquer colina elevada c det»3ixo dc
qualquer árvore verdejante” 10. O mesmo profeta lembra " o pe­
cado dos homens de Judá". os altares e as “ imagens dc Astarté
que eles erigiram perto das árvores verdejantes e nas altas coli­
n a s " 11. O pilar reforçava, graças â sua verticalidade e i sua subs­
tância, a sacralidade d3 árvore. A inscrição — só em parte deci­
frada — que se encontra no monumento arcaico sumário desig­
nado “ o personagem das plumas” diz: "E nnam az assentou os
tijolos com firmeza; terminada a morada principesca, colocou pei­
to dela uma grande árvore; perto da árvore colocou um poste."12
A VEGETAÇÃO: SÍM BO LO S E RITO S DE RENO VAÇÃO 219

O “ lugar sagrado" i um microcosmos porque repete a pai­


sagem cósmica c porque c um reflexo do lodo. O aliar c o templo
(ou o monumento funerário, ou o palácio), que são transforma-
Çóes posieriores do “ lugar sagrado" primitivo, são também mi
crocosmos, porque são centros do mundo, porque se acham no
próprio coração do universo e constituem urna imago mundi (§
143). A idéia de "centro", de realidade absoluta — absoluta por­
que receptáculo do sagrado —, está implícita nas concepções mais
elementares do "lugar sagrado", concepção à qual. como vimos,
a árvore sagrada nunca falta. A pedra representava a realidade
por cxcdcncia: a indcstrutibilidade e a duração; a árvore, com
sua regeneração periódica, manifestava o poder sagrado na or
dem da vida. No lugar onde as aguas vinham completar esta pai­
sagem, das significavam os estados latentes, os germes, a purifi­
cação (§ 60). A "paisagem" núcrocósmica rcduziu-sccom o tempo
a um só dos seus elementos constitutivos, o mais impottante: à
árvore ou ao pilar sagrado. A árvore acabou por exprimir, por
si só. o cosmos, incorporando, sob uma forma aparentemente es­
tática, a "fo rça" deste, a sua vida e a sua capacidade de renova­
ção periódica.

98. Ârvore-habilação da divindade — O momento da pas­


sagem do "lugar sagrado” -imagcm do microcosmos para uma
árvore cósmica, concebida ao mesmo tempo como "habitação”
da divindade, conservou-sc numa encarnação babilónica que os
oricntalistas tem traduzido com frequência1':

"E m Eiidu cresceu um K a k a n u negro, mim lugar santo foi criado;


O seu brilho c o d o lápis-lazúli brilhante, c estende-se até o apsu
E o deambulatório de lia na opulenta Dridu.
A sua morada c um lugai de repouso para B au..."

A árvore Kiskanu apresenta todas as características da ár­


vore cósmica: acha-se cm Eridu, portanto, num "centro do mun­
d o "; num lugar sagrado, quer dizer, no centro do real ($$ 140
s.); assemelha-se. pelo seu esplendor, ao lápis lazúli, símbolo cós­
mico por excelência <a noite estrelada)'*; estende-se cm direção
ao oceano que rodeia c sustenta o mundo (setá preciso dizer que
esta árvore se estende em direção ao oceano com aponta das seus
ramos, quer dizer, que esta árvore è “ uma árvore invertida", co-

■*
220 TRATAD O D E HISTÓRIA D A S RELIGIÕES

mo O sào habitualmcnte as árvores cósmicas?); c a morada do


deus da fertilidade e das ciências civihzadoras (artes, agricultu­
ra, escrita, etc.); t o lugar de repouso da mãe dc Ha, a deusa Bau.
divindade da abundância, dos rebanhos e da agricultura. Kiska-
nu pode ser considerada um dos protótipos da “ árvore sagrada”
babilónica, cuja frequência na iconografia do antigo Oriente c
significativa. Que a “ árvore sagrada” que se encontra nestas re­
giões significa mais do que um simples ‘‘culto da árvore", que
ela tem um sentido cosmológico bem definido, é o que sc prova
pe3a posiçüo que ela ocupa no espaço iconográfico. A árvore é
quase sempre acompanhada de símbolos, de emblemas ou de fi­
guras heráldicas que lhe delimitam e completam o valor cosmo­
lógico. Por exemplo, o mais antigo documento dc que dispomos,
o fragmento dc um vaso descoberto pela missão Gautier a Mous-
sian, representa uma árvore esquematizada, rodeada de losan­
gos15. Na iconografia mesopotàmica. a árvore está habitualmen­
te rodeada de caprideos, dc astros, de pássaros ovi de serpentes.
Cada um desses emblemas tem um sentido cosmológico bem de­
terminado. A presença dos astros ao lado das árvores indica-nos,
sem dúvida, o seu valor cosmológico14. Um esboço arcaico dc
Susa representa utna serpente erguendo-sc na vertical para comer
0 fruto de uma árvore (esta cena foi classificada por Toscane no
motivo serpente árvore e interpretada por ele como um protóti­
po babilónico do cpisodio bíblico bem conhecido).
A iconografia apresenta outras cenas próximas: um pássaro
pousado numa árvore, no meio de caprideos1’; a árvore — o dis­
co- solar —, homens, com máscaras rituais de peixes'*, ou a ár­
vore — espíritos alados —, o disco solar19. Lunitamo nos a men­
cionar alguns dos grupos mais significativos e mais frequentes,
sem temios a pretensão dc esgotar a riqueza da documentação
mesopotàmica. Mas é evidente o valor cosmológico que tem a ár­
vore sagrada neste conjunto-55. Nenhum dos emblemas que acom­
panham a árvore pode scr interpretado em sentido naturista, c
isto porque, na concepção mesopotàmica, a "Natureza" era muito
di ferente do que c na experiência e na concepção modernas. Bas­
ta lembrai, por exemplo, que nenhum ser nem nenhuma açâo sig-
nifkativa adquire a sua eficácia — para os mesopotàmicos como
para o homem arcaico em geral — senão na medida cm que a
coisa lem um protólipo celeste e em que a açâo repete um gesto
cosmológico primordial.
A VEGETAÇÃO. SÍM BOLO S E RITO S D t KENOVAÇÁO 221

99. Árvore-cósmica — A tradiçáo indiana, desde os textos


mais antigos, representa o cosmos sob a forma dc uma árvore
gigante21. Nos Upanishads esta concepção é determinada dialc-
ticamcntc: o universo é uma “ árvore invertida” que mergulha as
suas raizes no Céu c estende os seus ramos por sobre toda a Ter­
ra. (Não se exclui a possibilidade de esta imagem ter sido sugeri­
da pela expansão dos raios solares, como se pode ver no Rig l'e-
da: “ É para baixo que se dirigem os ramos, é em cima que sc
acha a raiz. que os seus raios desçam ate nós!” 2-’) A Katha-
U/fanishad(VI. I) descreve-a assim: “ liste Açvattha eterno, cujas
raizes vão para cima c os ramos para baixo, é o puro (çukra),
é o Brahman, é o que se chama a Não-Morte. Todos os mundos
repousam nele!” A árvore Açvattha representa aqui, cm toda a
sua clareza, a manifestação do Brahman no cosmos, ou seja, a
criação como movimento descendente Outros textos dos Upa-
nishads confirmam e tornam mais precisa essa intuição do cos­
mos como árvoie. “ Os seus ramos são o éter, o ar. o togo. a água,
a terra” , etc.2-' São os elementos cosmológicos que manifestam
este "Biahman cujo nome é Açvattha” 24.
Na Bhaguvad-Gitâ (XV. 1-3), a árvore cósmica acabou por
exprimir não somente o universo mas a condição do homem no
mundo: “ Conta-sc que ele é um Açvattha imperecível, com as
raízes cm cima c os ramos embaixo, e dc que os hinos do Veda
são as folhas; aquele que o conhece, conhece o Veda. Os seus ra­
mos desenvolvem-se cm altura c em profundidade, crescendo so­
bre o s gunas\ os seus rebentos são objeto dos sentidos; por baixo
as suas raízes ramificam-se. ligadas aos atos. no mundo dos ho­
mens. Não sc lhe percebe, neste mundo, a forma, nem o fim. nem
o começo, nem a envergadura. É preciso, com a arma sólida da
renúncia, cottar primeiro esta Açvattha. de fortes raizes, e de­
pois procurar o lugar de onde não se volta...” 25 Todo o univer­
so. tal como a experiência do homem que nele vive e que dele
não sc desprendeu, está aqui simbolizado pela árvore cósmica.
Poi tudo o que dele coincide com o cosmos ou dele participa,
o homem perde sc na mesma manifestação, única e vasta, de Brah­
man. "Cortar a árvore pela sua raiz" equivale a retirar o homem
do cosmos, a isolá-lo dos "objetos dos sentidos" e dos "frutos
das suas açOcs” . O mesmo motivo de desprendimento da vida
CÓMllica, do relirar-sc em si mesmo, do recolhimento, considera­
do como a única possibilidade que o homem tem dc se transcen­
der e se libertar, sc encontra num texto do Mahábhârata. "Ten-
222 TRA TAPO D E HISTÓ RIA D A S RELIG IÕ ES

do asua forte no não-manifestado {avyakta), emergindo dele como


de um sujwrre único, o seu tronco c buddhi (inteligência), as suas
cavidades interiores são canais para os sentidos, os elementos cós­
micos: o» seu» ramos, os objetos dos sentidos, as suas folhas, as
su:t> belas flores: o hem c o mal (dharmâdharmav). o prazer c o
sofrimento: o» seus frutos. Esta eterna Ãnrorc-Brahinan (brahmu-
vrkça) è fonte de vida (àjivyah) para todos os seres... Sc corta c
parte a árvore com a arma do conhecimento metafísico (jn à n e n a )
c, se goza assim no Espírito, ele não voltará mais...” *

100. \ "árvore invertida” — Não vamos fazer aqui a exe­


gese filosófica cos textos já mencionados. Basta-nos verificar a
identificação do cosmos com a “ árvore invertida". Esle ideogra­
ma mítico e metafísico não se acha isolado. Masádi menciona uma
tradição sabéia secundo a qnal Platão tena afirmado que o ho­
mem c uma planta invertida, cujas raizes se estendem para o t eu
e cujos ramos mergulham n3 Terra2’. A mesma tradição te en­
contra na doutrina esotérica hebraica: "A Arvore de Vida estende-
se ele cima pata baixo e o Sol ilumina-a toda.” 2* Passa-se o mes­
m o r.a tradição islâmica da ‘‘árvore da felicidade” , cujas raizes
mergulham no último Céu c cujos ramos se estendem sobre a
Terra**. Dante imagina as esferas celestes r.o seu conjunto como
a coroa de uma árvore cujas raizes se achem viradas para cima:

In qucsca quinta loglia


DriCalbcro che sive delta cir.a.
e fruta sempre, c mai non perde foglia.“

O "quinto ramo” é a esfera do planeta Júpiter. “ A árvore


que recebe a vida de cima" c uma árvore invertida. Um outro
poeta florcntino que sofreu a influência de Dante, Federigo Frez/i,
descreve “ a planta mais bela do Paraíso, a planta feliz que con­
serva a vida c a renova” c "cuja raiz estava em cima no Céu,
c cujos ramos se dirigiam para a Terra":

Su der.tro al eido aves la *ua radicc


c giã inverso l í ira i rami 'paridc 51

Holmberg encontra a mesma tradição no folclore islandcs


e finlandês51. Os lapòcs sacrificam todos os anos um boi ao deus
A VEGETAÇÃO: SÍM BO LO S E RITO S DE RENO VAÇÃO 223

da vegetação, c pdem, então, uma árvore junto ao altar, com as


raízes para o ar e a copa no chão” . Nas tribos australianas wi-
radyun c kanularoí, os feiticeiros tinham uma árvore mágica que
colocavam invertida o queimavam depois de untarem as raizes com
sangue humano54. A propósito deste costume, Schinidt mencio­
na cerimónias de iniciação cm uso numa outra tribo australiana,
yuin: o jovem, que desempenha o papd de um morto, é enterra­
do. pondo-sc-lhc depois um arbusto em cima. Quando os neófi­
tos, candidatos à inkiaçáo, se aproximam dele, esse jovem faz
tremer o arbusto, levanta-se c sai do túmulo. O arbusto repre­
sentaria, segundo Schmidt, a árvore celeste das estrelas5'.

101. Yggdrasil — A árvore có sm ica, acom panhada de |>As-


saro«;. de cavalo s o u de tigres’6, encontra-se na C h in a ártica;
confunde-se. por vezes, tal como em outras regiões, com a "Á r­
vore de Vida". O sentido desta fusão tornar sc-á mais preciso nas
páginas que se seguem. Encontra-se o conjunto “ árvore cósmica-
animal mítico lunar" num documento iconográfico maia que re­
presenta um jaguar preso à árvore da vida5’. Nos povos árticos
e em todo o circuito do Pacífico, a árvore cósmica — cujos ra­
mos se estendem até o terceiro ou até o sétimo céu — desempe­
nha um papel central, tanto na mitologia como nos ritos.
Relacionam-na frequentemente com o antepassado mitico, dado
que os homens se consideram descendentes de um antepassado
nascido de uma árvore55. Em outro parágrafo voltaremos a es­
sas crenças, que dizem respeito à descendência mitica de um sim
bolo cosmológico-vegctal.
Yggdrasil é a árvore cósmica por excelência. As suas raizes
mergulham no coração da Terra, até o lugar onde se encontra
0 reino dos gigantes c o Inferno5’. Perto dela encontra-se a fon
te miraculosa Mimir — a "m editação", a "recordação” —, on­
de Odin deixou um olho como penhor e para onde ele volta in-
cessantemenic. a fim de restautar e aumentar a sua sabedoria*'.
£ sempre nos mesmos lugares, perto de Yggdrasil, que se encon­
tra a fonte Urd; os deuses ai reúnem diariamente o seu conselho
c ministram a justiça- Com a água desta fome. os nornes regam
a árvore gigante para que recobre juventude c vigor. A cabra Hei
drún. uma águia, um veado c um esquilo cmpõléilátn-tt no> ra­
mos de Yggdrasil e nas suas raizes acha-se a víbora Nidhõgg, que
procura abate-la. A águia luta todos os dias com a víbora (moti­
224 TRA FADO DE HISTÓRIA D A S JtE U C IÔ ES

vo cosmológico fteqüente cm outras civilizações)41. Quando o


universo tremer ate os alicetces, no cataclismo anunciado no Vo-
luspá e que porá fim ao mundo, a fim dc instaurar um novo pe­
ríodo, paradisíaco. Yggdrasil será sacudida muito fortemente, mas
não tombará42. lista conflagração apocalíptica, anunciada pela
profetisa. nik> causará a desintegração do cosmos.
Kaarlc Krohn tentou explicar o mito dc Yggdrasil pela Arvo­
re da Vida do Antigo Testamento, e Sophus Buggc pela lenda da
C ruz dc Jesus Cristo. As duas hipóteses são inaceitáveis. Odin
am arra o seu cavalo a Yggdrasil, c c difícil crer que este motivo
— central na mitologia escandinava — seja tâo tardio. Holmberg
observa com razão que a presença da águia sobre Yggd rasil — de­
talhe ausente na tradição bíblica — aproxima mais propriamente
este símbolo cosmológico dos tipos norte-asiáticos. A luta entre
a águia e a serpente, como a luta dc Garuda com o réptil — moti­
vo muito conhecido na mitologia e na iconografia indianas —, é
um símbolo cosmológico da luta entre a luz e as trevas, da oposi
ção dos dois princípios, o solar e o subterrâneo. Ê difícil dizer se
elementos judaico-cristãos intervieram ou nào na concepção de
■Yggdrasil, porque, das afinidades que Holmberg descobre entre
esta árvore cósmica da mitologia escandinava c os tipos norte-
asiáticos. não se pode deduzir, com rigor, que a primeira dependa
dos últimos. Em lodo caso. Alfred Detering mostrou, num traba­
lho bem documentado, que se pode seguir ate a prc-historia, en-
Ire os indo-curopcus. a personificação da Árvore Cósmica c da
Árvore da Vida num carvalho, c que, dc qualquer modo, foi nos
lerritórios do norte da Europa que as populações protogermâni-
cas elaboraram este mito4'. A fusão da Árvore Cósmica com a
Arvore da Vida encontra-se tumbérn entre os germanos. A identi­
ficação dc uma árvore sagrada c mítica com uma espécie botânica
bem determinada é um fenômeno que já observamos (Açvattha,
entre os indianos; a tamareira entre os mesopotàmicos). No caso
de Yggdrasil. a presença do carvalho nos monumentos pre-
históricos, assim como a continuidade dos motivos que represen­
tam a árvore sagrada sob forma de um carvalho c as folhas de car­
valho na arte decorativa tanto religiosa como popular, demons­
tram suficientcmcntc a autoctonia dessa ccncepçüo.

102. Epifanias vegetais — A epifania dc uma divindade nu­


ma árvore i um motivo corrente na arte plástica paleoriântal; tam-
A VEGETAÇÃO: SÍMBOLOS E RIJOS DE RENOVAÇÃO 225

bétn i possível assinalá-la no domínio indo-mcsopotàmico egípcio-


egeu-44. A maior parte das vezes a cena representa a teofanta de
uma divindade da fecundidade. O cosmos revela-sc-nos como ma­
nifestação das forças criadoras divinas. Assim, em Mohenjo-Daro
(terceiro milênio a.C .) encontra-se a epifania divina numa Ficus
religiosa**; a arvore está esquematizada de uma forma que faz
pensar na árvore sagrada mesopotàmica. Ate nos textos védicos
se encontram vestígios de teofania vegetal. Alem do Açvattha,
símbolo cósmico, c Brahman, revelado numa árvore (§ 99), é pos­
sível identificar, nos documentos vcdicos que denunciam uma "ex­
periência religiosa popular” , ou seja. que conservam as fórmu­
las arcaicas concretas, outras expressões ainda da teofania vege­
tal. "O h. plantas!, oh, vós, màes!, é a vós que cu saúdo como
deusas!’’, proclama o Yajur Vaia (IV, 2. 6). Um longo hino do
Rig Vedo (X, 97) t consagrado ás plantas, reíaindo-sc cm parti­
cular às suas virtudes terapêuticas e regeneradoras (expreseáo mí­
nima da "Planta da Vida" e da imortalidade). O Alharva Veda
(IV, 136, I) louva uma planta chamando-lhe "Divindade nasci­
da da Deusa Terra’’. A mesma teofania ao nível vegetal explica
o "Senhor dos Vegetais", Vanaspali, cujo culto é mencionado
pelo Rig Veda*. Graças ao protótipo cósmico donde lhes vêm
as suas virtudes, as plantas facilitam os partos, aumentam o po­
der genético e asseguram a fertilidade e a riqueza. Ê por isso que
se chega a recomendar que se sacrifiquem animais às plantas-47.
O circuito da energia gcncsiaca do cosmos ê formulado da ma­
neira seguinte no Çatapaiha Rrâhmana (IX. 3, 3, 15): raio, chu­
va. plantas. O sagrado mamfesta-sc aqui no ato essencial da re­
novação da vida vegetativa.
Um exemplo admirável de teofania numa árvore é o célebre
ba:.xo-rc!cvo de Assur4*, que representa o deus com a parte su­
perior do corpo a emergir de uma árvore. Ao lado dele acham-se
"as águas que transbordam" do vaso inesgotável, símbolo da fer­
tilidade. Um caprídeo. atributo da divindade, come folhas da ár­
vore. Na iconografia ceipcia encontra-se o motivo da "Arvore
da Vida", de onde saem os braços divinos carregados de dons
c despejando de um vaso a água da vida4’ . Evidentemente, en­
tre a teofania. que ressalta destes exemplos, c o motivo da "Á r­
vore da Vida” houve contaminação, e o processo é fácil dc com­
preender: a divindade que se revela no cosmos sob a forma de
uma árvore é ao mesmo tempo fonte dc regeneração e dc “ vida
sem m orte", uma fonte para a qual o homem sc volta porque
226 IRA TAOO DE HISTÓRIA DAS R EE IOIÔ ES

cia justifica, a seus olhos, as esperanças q u c ele alimenta a res­


peito da sua própria imortalidade. Entre as articulações de con­
junto árvore-cosmos divindade há simetria, associação, fusão. Os
deuses designados como deuses da vegetação são frequentemen­
te representados em forma de árvore: Átis c o pinheiro. Osíris
c o cedro, etc. Entre os gregos. Artemis está, por vezes, presente
num a árvore: em Boiai, na Lacônia. adorava-sc um mirto com
o nome de Artemis Soteira, c junto a Orcomenos, na Arcádia,
havia num cedro um xoanon dc Artemis Kedrcátis50. As vezes,
as imagens de Áttemis crain enfeitadas com ramos. É conhecida
a epifania vegetal de Dioniso. chamado por vezes Dioniso
dcndhtes'1. Lembremos igual mente o carvalho oracuLw sagrado
de Zeus cm Dodor.e. o loureiro de Apoio cm Delfos, a oliveira
selvagem de Hcracles em Olímpia, etc. No entanto. ik >quc diz
respeito à Grécia, não há provas quc atestem a e.vistcnria dc tim
culto da árvore, a nâo ser cm dois lugares: a árvore dc Citcion,
onde sc pensava quc Penteu teria subido para observar as Mina-
des e que o oráculo ordenara que sc venerasse como um deus,
e o plátano de Helena em Espana52.
Um exemplo claro de teofania vegetal observa-sc no culto
d a deusa indiana (ptó-ariana) Durg.l. Os textos que citamos são
tardios, mas o seu caráter popular confere-Ihcs uma antiguidade
que não deixa lugar a dúvidas. Na Devi-.Mahânnya13. a deusa
proclama: “ Em seguida, oh, deuses!, alimentarei (literalmen-
tc —cu sustentarei) o universo inteiro com estes vegetais que con­
servam a vida c que crescem do meu próprio corpo du rante a es­
tação das chuvas. Tornar-me ei, então, gloriosa na Terra como
Sâkam han ("portadora de plantas'’ ou “ que nutre as plantas” )
c . nesta mesma estação, estriparei o grande asura chamado Dur-
gama (personificação da seca).“ No rito Savopatrikú (“ as nove
folhas” ), Durgã chama sc “ aquela que habita as nove folha^''5,^
As coníinnaçõcs indianas podem ser multiplicadas55. Voltaremos
a este assunto quando cstudaimos as outras valências da sacrali-
dade da árvore.

103. Grandes deusas e revelação — Um dos conjuntos mais


frequentes e persistentes 6 este: Grande Oeusa-vegelaçâo-animais
heráldicos. A economia desta obra leva-nos a rever apenas alguns
dos exemplos que extào a nossa disposição c que sio cm número
considerável. A presença da deusa ao lado dc um sinilxolo vege-
A VEGETAÇÃO: SÍM BO LO S E RITO S DE R E SO V A Ç Ã O 22?

ial confirma o sentido que cem a árvore na iconografia e na mi­


tologia arcaicas: o de fonte inesgotável da fertilidade cósmica.
Na civilização pré-ariana do vale do Indo, que as escavações de
Harrappa e dc Mobcnjo-Daro trouxeram à luz, a consubstancia
lidade da Cirande Deusa e da vegetação c representada quer pela
associação deusas nuas (tipo Yakshini) perto dc uma Ficus
religiosa*', quer por uma planta que sai da região genital da
deusa5’. As imagens que representam a Ficus religiosa são
numerosas'* e o mesmo se passa com as que representam a Gran­
de Deusa nua'* — tipo iconográfico comum a toda a civilização
cakoJitica afio-asiAtica, incluindo mesmo o Egito. A árvore sa­
grada é rodeada dc um recinto, c às vezes uma deusa nua ergue
se nele, entre dois ramos dc Ficus religiosa que cresce a meio de
um circulo. O espaço iconográfico indica com precisão o valor
sagrado do lugar santo e do ' ‘centro” (§§ 142 $$,),
F:m toda a Áft ica c na índia, as árvores de látex são símbo­
los dc maternidade divina, sendo, por isso, veneradas pelas mu­
lheres ao mesmo tempo que são procuradas pelos espíritos dos
mortos que pretendem voltar à vida*1. O motivo deusa-árvore,
completado ou não pela presença de animais heráldicos,
conser vou-sc na iconografia indiana, dc onde, não sem se conta­
minar dc ideias cosrnogònicas aquáticas, se transmitiu à arte po­
pular, na qual o podemos observar ainda hoje. O vínculo que une
os dois símbolos — as águas c as plantas — compreende se facil­
mente. As águas são portadoras de germes, de todos eles. A planta
— rizoma, arbusto, flor do lótus — exprime a manifestação do
cosmos, o aparecimento das formas-, c interessante notar que as
imageas cósmicas são representadas na índia a emergir de uma
flor de lótus. O rizoma com flores significa a atualização da cria­
ção. " o fato de se estabelecer firmemente acima das águas". A
coexistência dos motivos florestais-aquáticos e dos motivos
vegetais-femininos explica sc pela idéia central da criação ines­
gotável, cujo símbolo c a árvore cósmica e que se identifica com
a Grande Deusa.
Essa associação está solidamente estabelecida tanto na cos­
mogonia védica e puránica (a divindade munifcsta-se ali, ao mes­
mo tempo que o universo, emergindo de um lótus que flutua nas
águas) como na concepção indo iraniana da planta miraculosa,
soma. No que se refere a esta última, lembremos que o soma c
frequentemente represeniado no Rig Veda sob a forma de nas­
cente ou dc rio*1, mas também como planta paradisíaca, que os
228 TR A TA D O D E HISTÓRIA D A S KEI JG1ÔES

textos c, em especial, os textos vcdicos tardios c pós-vcdicos co­


locam num vaso (símbolo aquático — $ 61). Este polimorfismo
justifica-se se sc considerar tudo o que o soma implica: cie asse­
gura a vida. a fertilidade, a regeneração — quer dizer, tudo o que
o simbolismo das águas implica também e que, no simbolismo
das plantas, está exphcitamente formulado. O roubo do soma no
Mofwbhãrata valotiza 3 sua dupla estrutura, ao mesmo tempo
aquática e vegetal; sc bem que seja apresentado como bebida mi­
raculosa, c dito por outro lado que Ganida “ o arranca” (sainui■
pâtya) como sc fosse uma planta62. No simbolismo dos Upani-
shads cncontra-sc a mesma associação: água-árvore; " o no sem
idade” (vijàra nudi: aquele que regenera) encontra-se ao lado da
"árvore suporte” 65. As duas nascentes místicas encontram-se no
Céu, da mesma forma que é no Céu que sc encontra, sc náo a
sua própria substância concreta, pelo menos o protótipo de to­
das as bebidas regeneradoras c distribuidoras de imortalidade —
hom branco, soma, o mel divino dos fineses, ctc.
A mesma associação água-árvore cncontra-sc na tradição ju­
daica c cristS. F.zcquic! descreve a nascente maras illiosa que bro­
tava debaixo ck> templo c que estava guarnecida de árvores de
fruto (o valor simbólico-metafísico da água cuja nascente se acha
sob o templo, assim como o das árvoies, náo dá lugar a qualquer
dúvida: o templo acha-se no “ centro do mundo” )w. O Apoca-
lipsc45 retoma, tornando a ainda mais precisa, a expressão cos
mológica c sotetiológica do conjunto águas-árvore: “ Depois, o
anjo mostrou-mc o rio da água da vida, claro como cristal, que
saía do trono de Deus e do Cordeiro. No meio da praça da cida­
de e nas duas margens do rio enconir3-se a árvore de vida. que
dá doze colheitas, produzindo os seus frutos todos os meses; c
as folhas desta árvore servem para curar as nações.” O protóti­
po bíblico acha-se. naturalmcnte, no Éden: ” a árvore d a vida no
meio do jardim, com a árvore do conhecimento cio bem c do mal.
Unt rio saía do Éden para banhar o jardim e ai dividia-sc e for­
mava quatro braços"46. O templo, lugar sagrado por excelência,
é semelhante ao protótipo celeste — o Paraíso.

104. Simbolismo iconográfico — A associação dos símbo­


los aquúiicw e vegetais acha-se explicitada de mancita muito coe­
rente na cosmogonia indiana subjacente à aue decorativa. Coo-
maraswamy dá dela a seguinte fórmula: um rizoma de lótus cheio
A VEGETAÇÃO: SÍMBOLOS E EITOS l ) t RENOVAÇÃO 229

dc folhas e de flores (lara-kamma, inalákamnia), ota servindo de


sustentáculo, ora enquadrando llorcs c animais (cf. sakuna-
yaithi), e que sai da boca ou do umbigo de um Yaksha ou dc ou­
tro símbolo aquático, quer di/cr, de um vaso cheio (j>nniia-ghuta).
ou das fauces abertas d c um inakara ou de um elefante com cau­
da de peixe*'’. O "vaso cheio" é um símbolo que encontramos
cm outros domínios e que está sempre relacionado com a "plan­
ta dc vida” ou com um emblema qualquer da fertilidade. Assim,
depois da época dc Gudéa, a "árvore sagrada” desaparece do re­
pertório acádio-sumério, sendo substituída jwla "planta dc vida"
a sair de um vaso4®. O "vaso cheio" é sempre seguro por um
deus ou por um semideus, nunca por um homem. Às vezes o "v a­
so" é omitido e a água corre dirctamcnte do corpo da divinda-
dcM. Náo se poderia formular mais claramcntc a crença segun­
do a qual c dirciamentc da substância divina, ou mais exatamen­
te da sua revelação plcnameme manifestada, da teofania, que di­
manam a vida c a regeneração.
Ao motivo decorativo do rizoma que emerge dc um emble­
ma aquático corresponde na mitologia a concepção purânica do
nascimento dc Brahmu. O deus é chamado abjaja, "nascido do
lótus” que sai do umbigo de Vishnu70. Coomuraswamy mostrou
a origem e o fundamento vedicos desta conccpçáo?l. O que o
símbolo "lótus (ou rizoma) saindo da água (ou de um emblema
aquático)" exprime c a própria procissão cósmica. As águas re­
presentam ali o não-manifestado, os germes, os estados latentes;
o símbolo floral representa a manifestação, a criação cósmica.
Vnru/ra, como deus das águas, das chuvas e da fertilidade, era
originariamente a raiz d a árvore dc vida, a fonte dc toda a
criação’2.

105. G ru n d c Deusa — Á rv o re da V id a — A associação


"Grande Deusa — Árvore da Vida" também era conhecida no
1'gito. L'm relevo representa Hathor colocada numa árvoie ce-
Icvlc (sem dúvida a árvore da imortalidade) dar.do de comer c be­
ber á alma do morto, isto c, assegurando-lhc a continuidade da
vidn, a sobrevivência’-. Devemos esta representação com a série
Unnogrnlica que representa as mãos da deusa carregadas de doas,
mi t> seu busto, saindo de uma árvore e dando de beber a alma
do defunto. L'ma série paralela é a da deusa do destino, sentada
lio« ramos baixos dc um a grande árvore que simboliza o Céu, c
230 TRA T A IX ) DE H ISTO RIA P A S RELHHÓES

nos quais estão insciitos os nomes dos farads c o scu destino'4.


O mesmo motivo sc encontra nas crenças populares aliaicas. co­
mo nos iakutes, por exemplo: junto da árvore de vida que tem
sete ramos encontra-se a "Deusa das Idades"’5.
A mesma associação mítica e cultual sc acha na Mcsopotâ-
mia. Cilgaraesh encontra num jardim uma árvore miraculosa c
junto dela a divindade Siduri — isto é, a "menina” —, qualifi­
cada sabitu. quer di/cr, "a mulher do vinho” 7*. De fato. segun­
do a interpretação de Aulran. Gilgamesh a encontra ao lado de
um a cepa de vinha; a vinha era identificada pelos palcoricntais
à "planta de vida", c o sinal suméno para "vida" eia origina-
riamente uma folha de videira’7. Esta planta maravilhosa cra
consagrada às Grandes Deusas. A Deusa Mãe era chamada, no
principio, " a Mãe tronco de videira" ou " a Deusa tronco de vi­
deira’’’*. Alhright provou que. nas versões arcaicas da lenda dc
Gilgamesh. Siduri tinha um papel muito importante. Gilgamesh
pediu ilirctamente a ela a imoitalidadc'7’. Jenscn idcntificou-a
com a ninfa Calipso da Odisséia1''. Como Calipso, Sidun linha
a aparência dc uma jovem núbil, usava véu, estava carregada de
cachos de uva e morava num lugar de onde saiam quatro nascen­
tes; a sua ilha encontrava se no "umbigo do m ar" (oinphaJós lha-
lassts) c a ninfa podia conceder a imonalidadc aos heróis, a am­
brosia celeste com a qual tentou Ulisses.
Calipso cra uma das inúmeras teofaniax da Grande Deusa,
que sc revelava no “ centro do m undo", ao lado do omphalós,
da “ Arvore da Vida" c das quatro nascentes. Ora, a vinha era
a expressão vegetal da imortalidade — tal como o vinho tornou-
sc, nas tradições arcaicas, o simbolo da juventude e da vida
eterna*1. A Mishna*2 afirma que a árvore da ciência do bem e
do mal*5 era uma vinha. O livro de Enoch (24. 2) localiza esta
vinha-árvore da cicncta do bem c do mal entre sete montanhas
como, de resto, o faz a epopéia de Gilgamesh*4. A deusa-
serpente Hanr.at podia provar os frutos da árvore, o que tam­
bém era permitido as deusas Siduri e Calipso. As uvas c o vinho
continuaram a simbolizar a sabedoria até uma época tardia*7.
Mas a concepção primitiva da vinha árvore cósmica-árvore do
conhecimento e da rcdençào conservou sc no mandcitrr.o com
um a coerência surpreendente. O vinho (gu/nJ) c. para esta gno­
se, a incorporação da luz, da sabedoria c da pureza. O arquétipo
do vinho (qatimaià) encontra sc no mundo superior, celeste. A
vinha arquétipo cotnpòc-se de água no interior, a sua folhagem
A VEGETAÇÃO: SÍMBOLOS E Kl TOS DE KEXOVAÇÂO 231

é formada de "espirite»:» da luz” c os seus nós sâo grãos de luz.


F. dela que nascem as correntes de água santa destinadas a matar
a sede dos homens; o deus de luz c de sabedoria, o Redentor (Mun­
da d'hauè) é. também, identificado com a vinha de vida (gu/nd
d ’liane) c a vinha c considerada uma árvore cósmica, visto que
envolve os céus e que os bagos de uva são estrelas**.
O motivo mulher nua-vinha conscrvou-sc também nas len­
das apócrifas cristãs. Por exemplo, nas Pcrgunius e Re<i>osla\*\
compilação tardia traduzida do eslavo para o romeno antes do
século XVII, conta-se como Pilaros encontrou a sua mulher nua
numa vinha, junto de uma cepa que surgira dos seus trajes m an­
chados do sangue de Cristo e que produzira frutos miraculosa-
mente**.
Nos domínios egeu e grego, o conjunto deusa-árvore-
montanha animais heráldicos também é frequente. Lembremos
o grande anel de Micenavw, que representa uma cena cultual cm
que a deusa, com a m ão na garganta nua. esta sentada debaixo
da árvore da vida. junto de uma série de emblemas cosmológi
cos: o machado, o Sol. a Lua. as águas (as quatro nascentes).
A cena assemelha-se muito ao relevo semítico reproduzido por
llolmhcrg tíig. 30) e que representa a deusa sentada num trono
perto da árvore sagrada com o menino divino nos braços. Uma
moeda de Mira (I.icia) mostra a teoíonia da deusa no meio da
árvore*. No repertório egeu há que assinalar ainda o anel de ou
ro de Mochlos, que representa a deusa numa barca com um altar
e uma árvore'*1, c a célebre cena da dança diante da árvore
sagrada72.
Nem todas csvas associações míticas c iconográficos sáo pro­
duto do acaso, náo sendo, tampouco, desprovidas de valor reli
gioso e metafísico. Que querem di/er estes conjuntos; deusa-
árvore, deiisa-vinha, com o seu aparato dc emblemas cosmológi-
cos e de animais heráldicos? Que este lugar é um "centro do mun­
d o ". que aí se encontra ít fonte da vida. da juventude e da imor­
talidade. As árvores representam o universo cm permanente re­
generação; mas no centro do universo encontra-se sempre uma
árvore — a da vida eterna ou da ciência. A Grande Ikusa é a
personificação da fonte inesgotável da criação, deste último fun­
damento da realidade. Náo passa da expressão mítica dessa in­
tuição primordial de que a saaalidádc. a vida c a imortalidade
se encontram num "centro” .
2U TRATAPO DE HISTÛRIA DAS JUOJGIÓ£S

106. A árvore do conhecimento — A m áo de Parai*) Cita­


vam a Arvore da Vida e a arvore do conhecimento do bem e do
mal. e Deus proibiu Adão de provai os frutos desta última, "por­
que, no dia em que tu os comeres, tu morrerás cenamcnle”*1.
Por que razão nâo menciona Deus a Árvore da Vida? Seria esta
um duplicado da árvore da ciência, ou — como creem certos
sábios*4 — estaria a átvorc da vida '•escondida” , só sc tornan­
d o identificável e acessível no momento cm que Adão sc apro­
priasse do conhecimento do bem c do mal. quer dizer, da sabe­
doria? Inclinamo-nos para esta última hipótese. A árvore da vi­
d a pode dar a imortalidade, mas nâo é fácil atingi-la. Ela está
“ escondida” — como, por exemplo, a planta da imortalidade que
Giljcamcsh procura no fundo do oceano — ou então está guarda­
da por monstros — como c o caso dos pomos de ouro do jardim
dax Hcspêridcx. A coexistência destas duas árvores miraculosas
— a d a vidac a da sabedoria — náo c tão paradoxal como pode­
ria parecei á primeira vista. Encontramo-la também cm outras
tradições arcaicas — à entrada leste do Céu. os babilônios fixa­
vam duas árvores: a da verdade c a de vida; e um texto de Ras
Sliamhia conta-nos que Alei» concede a Lrpn a sabedoria c a eter­
nidade ao mesmo tempo95.
A serpente induz Adão e Eva a comerem o fruto da árvore
d a ciência, assegurando-lhes que isso não llics causará a moite,
mas lhes dará a divindade: “ Cenamente não morrereis. Mas Deus
sabe que, no dia cm que cornet des este fruto, os vossos olhos abrir-
se ão c vós sereis como deuses, pois passareis a conhecer o bem
c o mal.” 5* Sctá o homem semelhante a Deus só por conhecer
o bem c o mal, ou porque, tornando-se onisciente, poderá “ ver”
onde se encontra a Árvore da Vida e saber como sc adquire a imot-
t alidade? O texto hiblico é suficicntemcnte claro: "Li o Senhor
Deus disse: ‘Eis que Adão sc tomou semelhante .1 nós pelo co ­
nhecimento do bem c do mal. Agora é preciso evitar que ele es­
tenda a máo, que arranque o fruto da árvore da vida, que o co­
ma e que viva, assim, eternamente.' ” 9’ Desse modo, o homem
só poderia alcançar a divindade provando os frutos da segunda
árvore, a da imortalidade. Por que razão tentou então a serpente
a Adáo, encorajandoo a provar os frutos da árvore da ciência,
por meio da qual só poderia obter a sabedoria? Sc é verdade que
a serpente prefigura 0 espirito do mal c. como tal. d o e opôr-se
à imortalidade do homem, entáo é necessário que ela ' 'evite" que
o homem se aproxime da Árvore da Vida. A serpente constitui
A VEGETAÇÃO, s ím b o l o s e b it o s d e b e s o v a ç á o 233

o obstáculo com q u r esbarra o homem na sua busca da fonte da


imortalidade, da Arvore da Vida. Esta interpretação tem a sua
confirmação cm outras tradições que teremos ocasião de men­
cionar. Mas a tentação da serpente pode ter ainda uma explica­
ção: ela pretendia adquirir a imortalidade (como efetivamente a
adquire nos mitos de outros povos) c para isso era preciso desco­
brir a Árvore da Vida. dissimulada na multidão de árvores do
Paraiso, para ser a primeira a provar os seus frutos — c para isso
incita Adão a “ conhecer o bem e o mal” . Adáo, pela sua ciên­
cia, ter-lhe-ia revelado o local onde se encontrava a Árvore da
Vida.

107. Os guardiães da Árvore da Vida — O conjunto homem


primordial (ou herói) em busca da iniOrtalidadc-Árvorc da Vi­
da-serpente ou monstro que guarda esta árvore (ou que impede
astuciosamente que o homem prove seu fruto) encontra-se tam ­
bém em outras tradições- O sentido dessa coexistência (homem,
árvore, serpente) é bastante claro: é difícil adquirir a imortalida­
de — ela está concentrada numa árvore da vida (ou numa fonte
de vida), que se encontra num lugar inacessível (no fim da terra,
no fundo do oceano, no pais das trevas, no topo de um monte
muito elevado ou num “ centro” ); um monstro (serpente) guar­
da a árvore; e o homem que. não sem múltiplos esforços, conse­
guir chegar até ela tem de lutai com o monstro e vencê-lo para
se apoderar dos frutos da imortalidade.
A luta com o monstro tem, evidentemente, um sentido mi-
ciático; i preciso que o homem preste "provas” , que se torne “ he­
rói” . para ter o direito de adquirir a imortalidade. Aquele que
nâo pode vencer o dragão ou a sei pente não tem acesso á árvore
da vida, quer direi. não pode adquirii a imortalidade. A luta do
herói com o monstro nem sempre é de natureza física. Adáo foi
vencido pela serpente sen: ter lutado com ela. no sentido heróico
(tem o é o caso de Héracles. por exemplo): foi vencido pela astú­
cia da serpente, que o indu/iu a tornar-se semelhante a Deus. o
incitou a infringir a ordem divina e o condenou, assim, á morte.
No texto hibiico. tem entendido, a sei pente não desempenha o
pai>cl de "protetor” da árvore da vida. mas, considciando as con­
sequência» da tentação, poderia atribuir-sc-lhc esta missão.
Gilgiuncst], o herói babilónico, nào tem melhor sorte. Tam­
bém t k queria obter a imortalidade. Cora efeito, consternado pela
234 TRATADO DE W SrÔ H IA DAS RELIGIÕES

morte do seu amigo Enkidvi, ele lamenta-se: "Também cu lerei,


um dia, de me deitar ccnvo ele, para n'ío nmis me levantai?"9*
E-le sabe que no mundo há apenas um homem que o pode ajudar
— o sábio Ul-Napishtim, quc escapou ao d:lú> io c * quem os deu­
ses concederam uma vida imortal — e por isso Gilgamcsh enca­
minhou se para a sua morada, algures na “ foz dos rios” . () ca­
minho c longo, penoso, semeado de obstàxk:» como todo o ca­
minho para o “ centro” , para o "Paraíso” ou pota uma fonte
de imortalidade. Ut-Nap;shtim habita uma ilha rodeada pelas
águas da morte — qiK o herói consegue atravessar, apesar de to­
das as dificuldades f- tazoávc! que, perante certa» “ provas” a
que é submetido por lJt-Nnp.»h::m, Gilgair.csh denuncie a sua in
capacidade: não consegue, por exemplo, veiar seis dias c seis noites
seguidas. O seu desuno está. assim, antecipadamente assinalado:
ele nSó adquirirá a vida eterna, não poderá tornar-se semelhante
aos deuses t>orquc nf;o tem nenhuma das qua'idadcs dos deuses.
No entanto, cedendo .‘ts súplicas de soa mulher, Ut-Napishtim
desvenda a Gilgamesh a existência, no fundo do oceano, de uma
planta "cheia de espinhos” (quer dizer, dc difícil acesso) que. em­
bora não conferindo imortalidade. prolonga inderir idanente a ju­
ventude c a vida daquele que a prova. Gilgamesh amarra pedras
aos pés c desce ao fundo do mar etn busca da planta. Tendo-a en­
contrado. arranca um ramo dela, liberta os pés d3s pedras c volta
à superfície. A caminho de Uruk, páta junto a uma fonte para
beber; atraída pelo cheiro da planta, uma serpente aproxima-se
t* devora-a. tornando-se, assim, imortal Gilgamcsh, como Adão,
nào alcancou a imortalidade em virtude da astúcia da serpente e
d a sua própria estupidez. Tal como não conseguiu vencer as "pro
vas” a que Ui Napishtim o tinha subnwtido. tampouco soube con-
sctvar o que tinha adquirido com a ajuda e a benevolência de al­
guns (Iciubiemos que na sua viagem tinha sido ajudado por Sabi-
tu, por UrtULshabi — o barqueiro dc Ut-Napishtim —. per Ut-
Napishtim e sua mulher). O monstro, a serpente era pois, por ex­
celência, o adversário da imortalidade do homem. Quar.do, mui­
to untes de Gilgamesh, Ltana, rei lendário dc Kish, pedira ao Sol
c ao deus Anu que lhe fizesse dom da "planta da vida” para que
a sua mulher lhe pudesse dai um herdeiro, ele foi levado até o céu
por uma aguia que a serpente tinha, por astúcia, lançado num fos­
so. O conflito entre a serpente e a águia é, como já viinos, um mo­
tivo de fundo da mitologia euroasiútica (5 101).
A VEGETAÇÃO SÍMBOLOS F. RITOS DE RBNOVAÇÁO 235

108. Monstros c grifos — Também a tradição iraniana co­


nhece não st> uma arvore da vida c de regeneração que cresce na
terra, mas também o seu protótipo celeste. O haotnu terrestre,
o hom “ amarelo" — que, tal como o soma dos textos védicos,
é concebido quer como uma planta, quer como uma nascente —
cresce nas montanhas'*“ — Ahura Marca plantou o. originaria-
rnente, no rronte Haraiti100. ü seu protótipo encontra se no Céu:
é 0 haoma celeste ou Guokcrcna (o hom branco) que d.1 a imor­
talidade aos que o provam, e que se encontra r.a nascente das
águas do Ardvisurà, numa ilha do lago Vourakasha. entre mi­
lhares de plantas terapêuticas"". Pste "hom branco foi enado
para abolir a decrepitude. P ele que operará a regeneração do uni­
verso e a imortalidade que dela se seguirá Lie c o rei das plan-
,as"iu: "Aquele que o come toma se im ortal."10' Ahntnan res­
pondeu a esta criação de Ahura Mazda criando um lagarto nas
águas do Vourakasha para danificar a árvore miraculosa
Gaokcrcna,<M. Yima. o primeiro homem da tradição initica ira­
niana. era imortal, mas, como Adão, perdeu a imortalidade por
ter pecado: com efeito, "ele mentiu c começou a [icnsar ua pala
vra falsa c contrária a vçrdade"'0,. F por causa do pecado de Yi
ma que os homens d o mortais c infelizes'0*.
Também se encontra a serpente iunto da árvore da vida cm
outras tradições provavelmente influenciadas pelas concepções ira­
nianas. Os kalmuks contam que no oceano se encontra um dra
gão. peno da árvore Zambu. á espera que caia qualquer folha
que possa engolir. O s bouriates falam da serpente Abyrga junto
da árvore num "lago de leite” . Em certas tradições da Ásia Cen­
tral. a serpente Abyrga está enrolada dirctamcnte no tronco da
árvore1*^.
Os grifos ou Os monstros vigiam sempre as vias da salvação,
isto é, montam guarda à volta da árvore da vida ou de outro tios
seus símbolos. Héracles. para se apoderar dos pomos de ouro do
jardim das H expendes. teve de adormecer ou matar o dragão que
os guardava. Que isto seja obra do próprio herói ou de Atlas —
no momento cm que Héracles o substitui a suportar o globo ce­
leste - c questão secundária. O que é importante é que Héracles
realizou com êxito as "provas" heróicas e se apoderou dos po­
mos de ouro. O vdo de ouro da Colquida era. também, guarda­
do por um dragão, e Jasào teve de matá-lo para se apoderar de­
le As sCTpenlrt "guardam ” todas as vias da imortalidade, quer
dizer, qualquer "cen tro ", qualquer receptáculo onde se encon-
236 TRATA n o DE HISTÓRIA DAS RELIGIÕES

trc concentrado o sagrado, qualquer substância real, etc. Estão


sempre representadas à volta da cratera de Dioniso1*, velam na
longínqua Citia pelo outo de Apoio100, guardam os tesouros es­
condidos no fundo da terra ou os diamantes c as pérolas do fun­
do do oceano — em suma, todo símbolo que incorpore o sagra­
do. que confira poder, vida e onisciência. No Batistério de Por-
ma, perto da árvore da vida. dragões estão de tocaia O mesmo
motivo se encontra num baixo relevo do museu da Catedral de
Ferrara110.

109. A án o re e a C m — A árvore da vida é o protótipo


de todas as plantas miraculosas, as que ressuscitam os mortos,
curam os docr.tcs. dáo juventude, etc. Assim, no monte Oshadi,
encontram-se quatro plantas maravilhosas: "um a cklat, planta
muito apreciada, ressuscita os mortos, uma outra faz sair as fle­
cha» das feridas, utna terceira cicairua as chagas..."11: . A plan­
ta mritasamjtvaní, que ressuscita os mortos, e. sem d lívida, a mais
preciosa. Mas hà ainda uma "grande planta” , samdhãni, que tem
a virtude dc reunir as partes dc um corpo m orto"2. As tendas
chinesas falam de uma ilha maravilhosa dc onde os corvos tra­
zem uma planta capaz de ressuscitar o» guerreiros mortos há três
dias. As mesmas crenças se encontram no Irá11'. A planta que
ressuscita também é conhecida no mundo romano e as suas vir­
tudes sáo celebres em todas as lendas européias1u . Quando Sa
loniáo pede a imortalidade à rainha dc Sabá. ela fala-lhc de uma
planta que se encontra no meio da» tochas. Salomão encontra
um "homem branco” , um velho que passeia, com a planta na
m io . c que lha dá com alegria, porque enquanto a guardasse não
podería tnorrer. Esta planta, aliás, só dava a imortalidade c não
a juventude"1.
A verdadeira madeira da Cruz ressuscita os m onos, c Hele­
na, m ie do impciadot Conxtaruino. mandou procura la. Essa ma­
deira deve a sua eficácia ao fato dc a Cruz ter sido feita da árvo­
re da vida que estava plantada no Paraíso"*. Na iconografia
crislá a Cruz. c muitas vezes representada como uma árvore da
v id a " '. Um número considerável de lendas sobre a madeira da
C ruz c a viagem dc Scth ao Paraíso circularam cm toda a Idade
Média e cm tedos os países cristãos. A sua origem está no Apo
adipse de Moisés. no Evangelho de Nicodemas c na Vula de Adão
e Eva. Registremos, dc modo breve, a vaiiantc que teve maior
A VEGETAÇÃO: SfMBOL OS t RITOS DE RESOVAÇÃO 237

sucesso: Adão, após ccr vivido 932 anos no vale do Hebron, foi
3 tacado de doença mortal c mandou seu filho Seth pedir ao ar­
canjo que guarda a porta do Paraíso o óleo da misericórdia. Seth
seguiu a trilha dos passos de Adão e Eva. onde a erva não cresce­
ra. c chegou diante do Paraíso, onde fez saber ao arcanjo o dese­
jo de Adão. O arcanjo aconselhou-o a olhar três vezes para o P a­
raíso. A primeira vez, Seth viu a água que dava origem a quatro
rios e, por cima. uma árvore ressequida; à segunda vez. viu uma
serpente enrolar se ao tronco da árvore; e à terceira vez viu a ár­
vore subir até o Céu. tendo no topo uma criança recém-nascida
e raizes que se prolongaram ate o Inferno (a árvore da vida achava-
sc no centro do universo e o seu eixo atravessava as três regióes
cósmicas). O anjo explicou a Seth o que vira e anunciou-lhe a
vinda de um redentor. Deu lhe três sementes dos frutos da árvo
rc fatal que seus pais tinham provado c disse-lhe que os puses.se
na boca de Adáo. que morreu passados três dias. Quando Adão
ouviu a nan-ativa de Seth, riu pela primeira vez desde que fora
expulso do Paraíso, porque compreendeu que a espécie humana
seria salva. Ao morrer, das sementes colocadas na sua lingua por
Seth surgiram no vaie do Hebron três árvores que cresceram um
palmo até o tempo de Moisés, liste, sabendo da sua origem divi­
na. transplantou-as para o monte Tabor ou Horcb ("centro do
mundo” ). As árvores ficaram lá um milhar de anos até o dia cm
que Davi recebeu ordem divina para as levar pata Jerusalém (tam­
bém um "centro” ). Após muitos outros episodios (a rainha de
Sabá rccusou-sc a pôr os pés na madeira delas, ctc.) estas três ár­
vores funditam-se numa só. da qual foi feita a Cruz do Reden­
tor. O sangue de Jesus, crucificado no centro da Terra, precisa-
mente no local onde fora criado c enterrado Adão. caiu sobre
o “ crânio de Adão” c batizou assim — redimindo-o dos seus pe­
cados — o pai da humanidade'
Numa “ adivinha” germânica medieval fala-se de uma árvo­
re cujas raizes estão no Inferno e cuja copa está no trono de Deus
e que envolve o mundo nos seus ramos, e esta árvore é precisa-
mente a Cruz. Para tw> cristãos, cfctivanicnie. a Cruz c o susten­
táculo do mundo: quapropier tignum crucis coelisustmet niachl-
nam. terrae fundam ento corroborai, adfixos sibi hornlnes ducit
ed vitam, escreve Firmicus Matcrnus (27,1). Nas lendas orientais
a Cruz é a ponte ou a escada pela qua! os homens sobem até Deus;
situado no "centro d o m undo", é o lugar de passagem entre o
Ceu, a Terra e o Inferno. Em algumas variantes, a madeira da
23$ TRATADO DE HISTÓRIA D AS RFJ ICIÓES

C ruz tem sete degraus, da mesma forma que as árvores cósmicas


que representam os sete céus"9.

110. R eju v en esc im en to e im o rta lid a d e — Corr.o no tr.tlo da


"Fonte da Vida” , encontramos diversas concepções referentes às
plantas c aos frutos miraculosos: uns rejuvenescem, outros con­
ferem longa vida c outros mesmo ate cedem a imortalidade Cada
uma dessas concepções tem uma "história” que opera nelas mo­
dificações cm conformidade asm certos cânones que se prendem
ao espirito da raça. à interferência das culturas e às diversas con­
cepções das classes sociais. "A planta da imortalidade e da moci­
d ade''. por exemplo, era concebida de modo muito diferente na
India c no mundo semítico. Os semitas tinham sede de imortali­
dade, de vida imortal: os indianos piocuiav ara sobretudo a plan­
ta que regenera e rejuvenesce f por isso que as dietas alquimistas
e medicas dos indianos prolongam a existência por várias cente­
nas de anos c tomam aqueles que a elas se submetem "potentes
(nns suas relações) para com as mulheres” (txjlavàr. stríshu). O
mito de Cyavana mostra daramente o ideal indiano: o rejuvenes­
cimento e não a imortalidade. Cyavana combina com os Açvins
que estes o rejuvenesçam dando lhes ele, cm compensação, o so-
iitu, a ambrosia divina. Os Açvins coruluzcm-no à "fonte ele ju ­
ventude” de Sarasvati c. quando Cyavana sai del3, assemelha-se
aos deuses pela sua juventude c pelo seu esplendorlJfl.
O indiano, que aceitava a existência e amava a vida, não de­
sejava conservá-la indefinidamente, preferindo gozar um a longa
juventude. Por outro lado, a imortalidade não tentava o sábio
nem o místico, que aspirava à libertação e nao a um prolonga­
mento contínuo da existência, a um despi cn d imento definitivo
do cosmos c ã aquisição da autonomia espiritual absoluta c não
a uma duração no tempo, mesmo infinita. As mesmas concep­
ções se encontram entre os gregos, que não aspiravam á imorta­
lidade mas à juventude e à vida longa. Na maioria das lendas re­
lativas a Alexandre Magno, este admira-se que se possa pedir a
imortalidade'Jl. O mito da regeneração c do rejuvenescimento,
como o concebiam os indianos, foi conhecido dos ciuopcut não
só de maneira indireta, por intermédio do mundo semítico, pelo
Islã. mas também diretamente, pelos escritos dos viajantes do
Oriente. Na caita do Preste João (I diz-se que o Indo ro­
deia o Paraíso, que a três dias do Paraíso se encontra uma fonte
.4 VEGETAÇÃO. SÍMBOLOS F RETOS DE RENOVAÇÃO 239

c que aquele que dela bebe por três vezes fica, até o fim da sua
vida. semelhante a um homem de 30 anos1—. Del Rio c Peter
Maffcius afirmam que os indianos de Bengala e do vale do C an­
ges vivem 300 ou 330 anos1-'. Gervasius conta como Alexandre
Magno, ao procurar a “ Agua de Vida” na índia, encontrou po
mos que prolongavam até 400 anos a vida dos sacerdotes'-’4. Na
mitologia escandinava, o pomo desempenha o papel de fruto re­
generado! c rcjuvcncsccdor. Os deuses comem pomos e ficam jo ­
vens até o ragna rOk, quer dizer, até o fim do atual ciclo cósmico.
Esses exemplos esclarecem as diferenças entre a estrutura do
ideal indiano c do ideal semítico, mas, por seu turno, cada um
desses temas míticos continuou a modificar-se no interior dos gru­
pos étnicos que o tinham formulado. O nível espiritual do mito,
de um lado, c o nível da lenda, da superstição, do costume, pot
outro lado. são absolutamcr.tc diferentes. Lm grupo popular e
uma elite conhecem c interpretam o mito da planta da regenera­
ção ou da imortalidade de modo muito diferente. No entanto,
nas diferentes variantes desse mesmo tetna central — por muito
grandes que sejam as diferenças devidas ao espírito étnico ou ao
grupo social, ou ainda às vicissitudes da difusão —. pode-se fa­
cilmente verificar a unidade de estrutura. No caso presente, por
detrás da versão da planta miraculosa, descobrimos o protótipo
originário: a árvore d a vida; a realidade, a sacralidade c a vida
concentradas numa árvore maravilhosa que se acha num “ cen-
tio ” , ou num mundo inacessível, e cujos frutos só ov eleitos po­
dem provar.

111. O arquétipo dos .simples — O valor mágico e farma­


cêutico de ceitas plantas é devido, igualmente, a um protótipo
celeste da planta, ou ao fato de ela ter sido colhida pela primeira
vez por um deus. Ncnluima planta é preciosa em si mesma, mas
sim pela sua participação num arquétipo ou pela repetição de cer­
tos gestos c palavras que, isolando a planta do espaço profano,
a consagram. Assim, duas fórmulas de encantação anglo saxõnica
do século XVI, que era costume pronunciar quando se fazia a
colheita de plantas ricas cm propriedades curativas, dizem-nos
com precisão qual a origem da sua eficácia terapêutica: elas ctes-
ccrain, pela primeira vez (quer dizer, ab origine), no monte su-
grado tio Calvário (no “ centro" da Terra). “ Salve, oh erva san­
ta que cresces na terra; tu estavas, primeiro, no monte do Calvá-
I4Ü 7*A T A D O DE H lST Ô R t 4 D A S RELIGIÕES

tio ; tu <i boa paia qaalquct fenda; ein nome do Jocc Jesus, cu
te apanho.” | 1534) ” Tu è» janta, verbena. conto cresces na ter-
ta . pois que primeiro foste encontrada no monte Calvário Tu
curaste o nosso R ed ato r .lests Cristo e fechaste a» suas chadas
sangrentas; cru nome (do Pai, do Filho c do Espirito- Santo) cu
tc a p a n h o .A t r i b u i - i c a eficácia destas plantas ao fato de o
seu protótipo ter sido descoberto num momento cósmico decisi­
vo (“ naquele tem po") no tnonte Calvario. Elas receberam a sua
consagração por letciti curado as char.as do Redentor. A eficácia
das plantas colhidas so vaie na iredida cm que uqude que as co
lhe repita este gesto primord.al da cura. fi por isso que uma ve-
Ilu formula de encantarão diz: ‘‘Nós vamos colhei plantas para
as aplicar nas chagas do Salvado»."l!* Atribui-se também a vir­
tude da plur.ta ao faio de um ser divino a ter pisnrado. “ Quem
tc plantou?” , pergunta o herborisla á pariseta. "boi Nossa Se­
nhora... para a minha c u ra ."1)7 Chinas vcz.cs t preciso que ela
tenlta sido colhida em nome de Jcsus,ís.
Essas fórmulas de magia popular cristã cor.tinua.it uma anti­
ga tradição. Na índia, por exemplo, a erva Rapitthaka (Feronia
elephanlu/n) cura a impotência sexual porque, a Donxine. o Gan-
dharvaa utilizou para restituir a Varuna a sua s irilidade. Por con­
seguinte. a colheita ritual da planta c, efetivamente, um a repeti­
ção do ato de Gandharva. "A ti, a planta que Gandharva meteu
na terra para Varum , que perdera a sinlidade, a ti planta que et-
pue o caule, nós tc plantamos!"15’ A artemísia «lamarui) deve scr
colhida com a seguinte prece: ' 'Sé bendito, Kamcdcvi, tu que nos
deslumbras. Eu te apanho com a boa vontade de Vislinu” . ctc.!?0
Uma longa invocação que figura no Papiro de Parts démons
fra a excepcional condição da planta colhida: "Tu foste semeada
por (Tonos, colhida por Mera, conservada por Amou, concebi­
d a por Í m s . alimentada por Zeus pluvioso; r u cresceste graças ao
So! e ao orvalho. Tu és o orvalho de todos os deuses, o coraçáo
de Hermes, a «emente dos primeiros deuses, o olho do Sol, a luz
da Lua. a dignidade de Osiris. a bele/a e a glória do Céu... Tal
como levantaste Osiris. levanta-te tu! Lcvanta-te como o Sol! A
tua grandeza iguala o zcmte; as tuas raizes são tâo profundas co­
mo o abismo... Os (eus ramos são os ossos de M ne via; as tuas
flores, o olho dc Tlórus; as tuas sementes, a semente dc Pã; eu
sou Hermes. Fu apanho-tc com a Roa Fortuna, o Bom Demó­
nio, e na hora própria, no dia próprio e favorável a todos.,,,,l
A planta evocada c colhida deste modo tem o valor de uma árvo
.« VEGETAÇÃO: SÍMBOLOS E FITOS DE RESOVAÇÃO 241

rc cósmica. A sua aquisição equivale à apropriação das virtudes


que residem em tal receptáculo de força, dc vida c de sacralida-
de. Hvidcnteracntc, esse encantamento é produto da magia cclé-
lica greco-cgipcia — o seu autor era, incontestavelmente, um eru­
dito. mas isso não c razão para duvidar da sua autenticidade: sabe-
se, cm compensação, que a maioria dos encantamentos popula­
res são obra de letrados degradada por um longo processo dc in-
fantilizaçáo. A planta medicinal que se dilata a ponto de atingir
us proporções cósmicas dc uma arvore tcoíànica é perfeitamente
justificada pelas concepções mais arcaicas. Só é reconhecido va­
lor ao mundo terreno na medida em que se lhe pode atribuit um
protótipo no mundo celeste.
Para os cristãos, as plantas medicinais deviam a sua eficácia
ao fato de terem sido encontradas pela primeira vez no monte
Calvário. Para os amigos, a.s plantas deviam as suas virtudes
curativas ao lato dc terem sido descobertas pela prim ara vez pe­
los deuses. "Betõnica. tu que foste descoberta pela primeira vez
|K>r li.sculápio, ou pelo centauro Chiron...” , assim se recomenda
unta invocação num tratado herborístico1*2. Ou então a eficácia
dcvia-sc a ter sido plantada pela divindade: “ Basilisco, pcço-tc
pela atividade suprema que tc fez nascer..."; “ Rícino, em nome
do deus todo poderoso que (e fez nascer...” ; “ Vós. plantas po­
derosas. vós que a Terra-Mãe criou e deu a todas as nações...” m
Na tradição popular cristã a planta devia também as suas
virtudes medicinais ao fato dc Deus a ter dotado dc propriedades
excepcionais. Na França, pronuncia-se a seguinte fórmula: “ Er­
va santa, que náo foste semeada, nem plantada, revela a virtude
que Deus tc deu!"|U A planta é, por vezes, dis-jna: o texto her-
boristico I es cyranidcs, por exemplo, nomeia a briônia divina,
rainha dos deuses, mãe das plantas, senhora da Terra, do Céu
c da água:,!. Por isso a colheita é um ritual que se efetua etn con­
dições dc purc/a cerimonial, com preces e sacrifícios que supõem
certos perigos. Náo se trata, pura e simplesmente, dc colher uma
planta, uma certa espécie botânica, mas de repetir uma ação pri­
mordial (foi a div indade que a colheu pela primeira vez) para ob­
ter uma substância saturada dc sagrado, variante menor da ar­
vore dc vida. fonte dc toda cura.

112. Arvore — AxJs Mundi —Encontramos frequentemen­


te nos mitos e nas lendas relativas à arvore da vida a idéia implí-
242 JV A T \D O l*F . lU S T Ó M A D A S X F JJO IÔ F S

cila dc que cia w enccJtira r o centro do uii verso e lisa 0 Ccu,


a Terra c o Inferno. F.stc pOtnxror de tcp-Tjiiafia mítica tem um
valor muito especial nai crer.çi» dos povos nórdicos c central-
asiáticos. mas c provável que a origem sc;a orictiial (mevopotà-
mica). O» altaicm crêen, por excraplo, que "n o arneiro da Ter­
ra cresce a árvore mais alta, p o lx iro gigante cujos ramos se er­
guem a :í a morada dc Bai-Ulfàn*'. q’>ct d b rr. até o Céu1“ .
Muitas vezes, a árvore encontra se r.o tope de uma montanha,
no centro da Tetra. Os tártaros abakan fabir. de um monte de
ferro no quai cresce uma bctu.a eonr sete ramos, provável sím
bolo dos sete andares do Ccu tideoprana dc origem babilónica,
segundo parece) Nos cantos dos xatnãj ostiaícs. Vasj jgan, a ár­
vore cósmica, tem. conso o Céu, « te degraus; atravessa tocas as
regiões celestes e mergulha as suas raízes nas profundidades
subterrâneas"1.
Quando sobe ao Ccu. no decurso da sua viagem mística, o
xamã utili/a uma árvore que tem nove ou « te degraus (5 33). A
maior parte das vezes, no entanto, realiza esta ascensão por um
poste sagrado que também tem sete degraus c que, natiiralmen-
te, se admite encontrar-se no centro do mundo"*. O poste sa­
grado c a árvore sào simholos que equivalem ao poste cósmico
que sustenta o mundo c se acha no centro do universo. Entre os
altakos, os deuses atam os cavalos a este paste cósmico, cm vol­
ta do qual giram as constelações. A mesma concepcào se encon­
tra entre os escandinavos; Odin prende o seu cavalo a Yggdrasil
(literalmcnte "cavalo dc Odin"). Os saxóes denominam Irmin-
sul este pilat cósmico — universalis cotumna quasi susiinens
om/iia11'*. Os indianos léni a mesma idéia de uni eixo cósmico,
representado por uma árvore da vida ou pilar, situado no meio
do universo1“5. Na mitologia chinesa, a árvore miraculosa cres­
ce no centro do universo, no local onde deveria encontrar-se a
Capital perfeita. Ela reúne as Nove Nascentes aos Nove Céus.
Chama se-lhe "P au erguido” (Kieou-Mou)c diz-se que. ao meio-
dia. tudo o que se encontra perto dela c se mantem ereto náo po­
de fazer sombra1". Esta árvore cósmica assemelha-se ao " P i­
lar” , sustentáculo do mundo, "eixo do universo" (A m Afundi),
das cosmologias altaicas e norte-europeias A árvore, segundo es­
ses mitos, exprime a realidade absoluta no seu aspecto de nor­
ma. dc ponto fixo, sustentáculo do cosmos. Ú o ponto dc apoio
por excelência. Por conseguinte, comunicação COJll o ccu só poüe
ser feita cm torno dela ou mesmo por intermédio dela.
A VFAiETAÇAO: SÍM BO LO S f RITOS DE RENO VAÇÃO 243

113. D e sc e n d ê n c ia m ítica a p a rtir d e u m a esp écie v egetal —


As mesmas concepções da vida c da realidade simbolizadas pela
vegetação explicam aquilo a que poderiamos chamar, em expres­
são aproximada, “ as relações místicas entre as árvores c os ho­
mens” . A mais categórica dessas relações místicas parece ser a
descendência das raças a partir de uma espécie vegetal A árvore
Ou o urbusto é considerado o antepassado mítico da tribo. Em
geral essa árvore genealógica tem íntima relação com o culto lu­
nar; o antepassado mítico, assimilado á Lua, é representado sob
a forma de uma espécie vegetal. É assim que certos grupos miao
prestam culto ao bambu como antepassado. Encontramos as mes­
mas crenças r.os aborígenes de Formosa, nos tagalog das Filipi­
nas, nos ya-lang (yunnan) c no Japão. Entre os aimis, os glhliaks
e na Coréia, a árvore figura tio culto lunar dos antepassados1c .
As tribos australianas de Mclbournc acreditavam que o primeiro
homem nascera de* uma mimosa14-. Segundo um mito muito es­
palhado na Indochina, toda a humanidade foi aniquilada por um
dilúvio, à exceção de dois jovens, irmão c irmã, que escaparam
miraculosamente num a abóbora. Não obstante a sua repugnân­
cia, os jovens casaram-se c a moça deu ã luz uma abóbora, de
cujas sementes lançadas na montanha e na planície surgiram as
raças humanas144.
Encontramos o mesmo mito, com as suas inevitáveis defor­
mações (deformação do "antepassado"), na índia. Sumati. es­
posa do rei Sagara de Ayodhyâ. a quem tinham sido prometidos
sessenta mil filhos, deu á luz uma abóbora de onde sairam ses
senta mil crianças14-'. Um episódio do Slahábhàrata conta como
“ de Gautama. filho de Saradvat. nasceram dois gémeos, Krpí e
Krpa. de um canavial” 146. Outros documentos confirmam a des­
cendência mítica, a partir de uma espécie vegetal, de certas po­
pulações aborígenes indianas. Udumbara, nome sánscrito da Fl-
cus glomerutu, designa ao mesmo tempo a província do Pendja-
bc c os seus habitantes147. Uma tribo de Madagáscar chama-se
antaivandrika, o que quer dizer litcralmente “ os da (árvore) van-
drika” , e os seus vizinhos, os antaifasy. são os descendentes de
uma bananeira; "desta bananeira saiu um dia um belo rapaz que,
em pouco tempo, .se tornou grande c forte... c teve muitos filhos
c netos que foram os antepassados desta tribo — sâo ainda cha­
mados. às vezes, os filhos da bananeira” 144.
Poderiamos facilmente multiplicar q$ exemplos. Assinalemos,
ainda, a tradição iraniana da origem do primeiro par humano:
244 TR A TA D O Dl: HISTÓRIA D AS RELIGIÕES

quando o homem primordial, Gayomard. sucumbiu aos golpes


d-o espirito do mal. a sua semente penetrou na tena c, quarenta
anos mais tarde, deu origem a uma planta rívâs, que, por sua vez,
se transformou em Mashyagh e Mashyânagh14*. Mas a lenda ira­
niana comporta u n elemento suplementar: a morte violenta de
Gayomard. Em dois dos nossos trabalhos anteriores estudamos
este motivo mítico da origem da vegetação pelo sacrifício ía morte
violenta) de um gigante primordial, c também o tema lendário
d-o aparecimento das plantas graças ao sangue ou ao coipo de
um deus ou de um herói vilmente abatidos15“. Mencionaremos
c retomaremos em outro contexto as conclusões a que chegamos
nos citados trabalhos. Podemos, no entanto, observar, desde já,
a solidariedade entre o homem c uma certa cspccic vegetal, soli­
dariedade concebida como um circuito contínuo entre o nível hu­
mano e o vegetal. Urna vida humana que termina de forma vio­
lenta vai continuar rum a planta; esta. por seu turr.o, se lhe acon­
tece ser colhida ou queimada, dá origem a um animal ou a outra
planta que acaba por cncontiar forma humana. Podemos resu­
mir assim as implicações teóricas destas lendas: c preciso que a
vida humana se consuma coir.plciamente para esgotar as suas pos­
sibilidades de criação ou de manifestação; se acaso for interrom­
pida bruscamente, pot uma morte violenta, ela procurará
prolongar-se sob outra forma — planta, fruto, flor. Limitemo-
nos a rcgisjrar alguns exemplos cm apoio dessa interpretação: nos
campos de batalha onde sucumbiram muitos heróis crescem
roseiras151; do sangue de Atis cresceram violetas, c as rosas e as
anémonas brotaram do sangue de Adôr.is quando estes deuses
agonizavam; do corpo de Osins cresceu o trigo e a plar.ta maat.
assim como todas as espccics de plantas, etc. A morte desses deu­
ses é, de certo modo, a repetição do ato cosmogônico da criação
dos mundos, que. como se sabe. resultou do sacrifkio de um gi­
gante (tipo Ymir) ou do auto sacrifício de um deus.
Mas o que nos interessa, antes de mais, neste capítulo é o
circuito de vida entre estes dois níveis: vegetal c humano. O fato
de uma raça descender de uma espécie vegetal pressupõe que a
fonte da vida se acha concentrada neste vegetal e, portanto, que
a modalidade humana se encontra nele em estado virtual, sob a
forma de germes ou de sementes. A tribo warramunga. do norte
da Austrália, crê que “ o espírito das crianças” , pequeno como
um grüo de areia, se acha no interior de certas árvotes, de onde
sai, por vezes, para penetrar pelo umbigo no ventre nvatcrno,5i.
A VEGETAÇÃO: SÍM BO LO S E R IJO S D E RENO VAÇÃO 245

Neste caso achamo-nos diante de um processo de racionalização


da concepção arcaica da descendência da espécie a partir de uma
árvore: não só o antepassado mítico nasceu de uma árvore, mas
cada recém-nascido descende, de modo direto e concreto, da subs­
tância dessa árvore. A fonte da realidade c da vida identificada
numa árvore náo se limitou a projetar de uma só vez a sua força
criadora para dar origem a um antepassado mítico — ela conti­
nua a criar incessantemente cada homem cm particular. F. uma
interpretação concreta e racionalista do mito da descendência do
género humano a partir da própria fonte da vida, manifestada
nas espécies vegetais. Mas as implicações reóricas dessas varian­
tes racionalistas continuam a ser as mesmas: a realidade última
e as suas forças criadoras estão concentradas — ou manifestadas
— numa árvore.
Encontramos outras variantes racionalistas no grupo coiji-
pacto das orençâs seguindo as quais as almas dos antepassados
se fixam cm certas árvores, de onde se introduzem, sob forma
de embrião, no ventre das mulheres1*'. Na China, crê-sc que a
cada mulher corresponde uma árvore: tantos filtros terá uma quan­
tas flores der a ourra. As mulheres estéreis adotam urna criança
paia provocar o crescimento de flores na ársorc correspondente,
que, por sou turno, as tom ará férteis1''1. O que c importante nes­
ses costumes é a concepção do circuito contínuo entre o nível ve­
getal — considerado fonte de vida inesgotável — e o humano;
os homens súo simples projeções energéticas da mesma matriz ve­
getal, sào formas efémeras cuja aparição é constantemente pro­
vocada pela plenitude do nível vegetal. A ••realidade" c a "fo r­
ça" náo têm nem a sua base nem a sua origem no homem — mas
nas plantas. O homem é apenas a aparição efêmera de uma nova
modalidade vegetal. Ao morrer, quer dizer, ao abandonar a con­
dição humana, regressa — em estado de “ semente" ou de "espí­
rito" — á árvore. Efctivamcntc, essas fórmulas concretas expri­
mem tão-só uma mudança de nível. Os homens reintcgram-sc na
matriz universal, adquirem outra vez o estado de semente, vol­
tam a tornar-se germes. A morte é um retorno á fonte de vida
universal. Encontramos esta mesma concepção fundamental em
todas as crenças que se prendem à Terra-Mãe e às místicas agrá­
rias. A morte é apenas uma mudança de modalidade, urna pas­
sagem para outro nível, uma reintegração na matriz universal.
Se a realidade c a vida se formulam em lermos vegetais, a reinte­
gração efetua se por um a simples modificação de forma: de ar.-
tropomorfo, o morto torna se dcr.dtornorfo.
246 TRATAD O DF. HISTORIA D A S RELIGIÕES

114. Traasformação cm plantas — O circuito entre esses dois


níveis conservou sc cm grande número de lendas e de contos que
podemos classificar em dois grupos: o) transformação em flor ou
em árvore de um ser humano barbaramente assassinado; 6) fe­
cundação miraculosa por um fruto ou uma semente. Esses moti­
vos foram objeto de pesquisas bastante minuciosas nos nossos
trabalhos antetiores e por isso nos hmilaremos a citar alguns exem­
plos. Numa lenda santali. publicada por Boddingi5í. sete irmãos
matam uma irmã para devorá-la. Só o mais novo, de todos o mais
compassivo, não foi capa/ de comer do corpo da irmã c enterrou
a parte que lhe coubera. Algum tempo depois, no local onde en­
terrara aquela parte, cresceu um belo bambu. Um homem que
passava por ali viu o arbusto e dispôs-se a cortá-lo pata fa/cr um
violino. Mas, quando ele espetava o machado, ouviu uma voz
que grilava; ''P ára, pára! Máo cortes táo acima! Corta mais abai­
xo!" Deu então um golpe na árvore mais peno da raiz c ouviu
outra vez a voz: "Pára! não cortes tão abaixo! C orta mais aci­
m a!" Por fim, depois de a voz se fazer ouvir anula por duas ve­
zes. o bambu caiu. O homem fez-dele um violino, e o violino to­
cava maravilhosamente "porque a jovem estava dentro dele". Um
dia. a rapariga saiu do violino e casou com o músico — c os seus
irmãos foram engolidos pela tetta.
Esse tema folclórico aclia-sc muito difundido (tema dos tris
limões dos folcloristas)l,é. Pode resumir-se no seguinte esquema:
uma jovem maravilhosa — uma fatia — sai de um fruto miracu­
loso ou obtido por um herói á custa de muito trabalho (romã,
limão, laranja): uma escrava ou uma mulher muito feia mata-a
e faz-se passar por ela, tornando-se assim mulher do herói; do
cadáver da jovem surge uma flor ou uma árvore (ou ela transfor­
ma-se em pássaro, ou em peixe, que. mortos pela mulher feia,
dão origem a uma árvore); do fruto (ou da casca, ou da lasca
da madeira) da árvore, acaba por surgir a heroina. Assim, num
conto indiano recolhido no Pendjabe, a esposa assassinada trans­
forma-se cm lírio; a falsa princesa despedaçou-o mas do lirio sur­
giu um pé de hortelã e depois uma bela planta trepadeira. No De-
cão, c uma rainha ciumenta que afoga uma jovem ru m lago: de­
le saiu uma flor de girassol que, depois de queimada, fez crescer
da sua cinza utn mango151.
Este conto c também muito popular na Europa, por muito
contaminado que esteja pelo subtértlá da "noiva trocada" i do
"alfinete encantado". A heroina, como na forma asiática, sofre
A VEGETAÇÃO: SÍM BOLO S E K l TOS DE RENO VAÇÃO 247

várias metamorfoses. Num como toscano, a heroina transforma-


se mima "enorme erguia” , que, por seu turno. é morta e lança­
da num canteiro de roseiras. Transforma-se. entáo. numa rosei­
ra "maravilhosamente grande” , que c apresentada ao príncipe
como uma curiosidade rara. Da roseira sai uma voz: "Devagar,
não me toqueis!” O príncipe abte então a roseira com uma faca
e a bela rapariga aparece sã c salva. Numa variante grega, a jo­
vem transforma-se num pequeno peixe de ouro, c depois num li­
moeiro. No momento em que um velho pega no machado para
abate-lo, ouve uma voz dizendo: “ Corta em cima! Corta embai­
xo! Não cones no meio porque feres uma moça!” — o que nos
faz lembrar o conto samali'**. No conto romeno “ As três romãs
de ouro” a heroina c transformada por uma cigana num pássaro
que esta manda m atar; do sangue do pássaro cresceu um pinhei­
ro muito belo c muito alto1” .

115. Relações homem-planta — Fm todos esses contos, o cir­


cuito homem-planta é dramático: dir-se-ia que a heroina se dissi­
mula tomando a forma de uma árvore sempre que alguém põe
termo à sua vida. Trata-se de um regresso provisório ao nível ve­
getal. F.la continua a sua vida "escondendo-se” debaixo de uma
nova forma. Todavia, os contos populares conservaram também
o outro motivo arcaico do circuito homem-planta. aquele que con­
siste cm engolir uma semente ou cm cheirar uma flor para obter
a fecundidade. Nas variantes romenas do conto ” As tres romãs” ,
um dos parentes recebe de um santo uma maçã c depois de tê-la
comido dá origem a utna criança1“ . Um dos exemplos clássicos
da literatura folclórica é o Penlamerone (II. 8). onde uma jovem
virgem fica grávida após ter comido uma folha de roseira. Oví­
dio registra a tradição segundo a qual Marte nasceu de Juno setn
a intervenção de Júpiter, lendo sido Juno tocada com uma flor
pela deusa Flora1*1. Penzer recolheu também inúmeros exemplos
de concepção por frutos celestes1^ .
O circuito homem-planta. que o folclore conservou cm for­
ma dramática, existe em numerosas crenças. No Mcklembnrgo
enterra-se a placenta do recém-nascido junto de uma árvore de
fruto nova. Na Indonésia planta se uma árvore no local onde se
enterrou a placenta1*3. Nestes dois costumes manife>ta-se a soli­
dariedade mística entre o crescimento da árvore e o crescimento
do homem. Por v e m , é entie um povo c uma árvore que esta
248 TTtA TA D O D E HISTÓRIA DAS R E U G tô F S

solidariedade eiiste. ASíim. por exemplo, os papuas creem que


se se cortasse ir a i certa árva-e também eles morreriam"1-. Os xa-
mâs dolgans plantam uma árvore no momento em que sentem
o ap d o da sua xccaçic mágica; apos a sua morte, a Arvore é ar­
rancada. Em outras tribo» aluicas (os goldes. os orotchi, os oro-
ki) crê-se que a vida do xamá dcpcr.dc dc tal árvore. Os xanâs
dos yuraks da turxira ao r.cr.c dc Obolsk nomeiam dois sjodai
(ídolos) para t guarda da árvore, porque, se esta m oncr. tam­
bém eles morreráo M . Na Europa, quando nasce um pdncipc
herdeiro, ainda se piam a uma tília. No arquipélago Rismarck, ao
nascer uma criança. semcia-se uma noz de coco: quando a árvo­
re dá os primeiros frutos a crianca passa a scr considerada como
um adulto, o mora de am chefe indígena cresce na proporção
da robustez da árvore1**. A participarão tnistica entre o homem
e a árvore constitui urr tcm3 bem conhecido do folclore univer­
sal: murcham ou tnotrem as flores dè uma dada espécie vegetal?
É sinal dc que um pcr.go ou a morte ameaçam o herói. Outras
crenças populares européias implicam mesmo o mito segundo o
qual os homens descendem dc uma árvore: c assim que, na loca­
lidade dc Nierstdn, no Hrssc, se encontrava uma grande tília “ que
provia de crianças Ioda a região"**’. Nos Abruzos. diz-sc que os
recém-nascidos vêm dc uma cepa dc vinha1“ .

116. A árvore regeneradora — A árvore é também a prote­


tora dos recém-nascidos: facilita o nascimento e vela pela sua vi­
d a exatamente cotno faz a Terra. Os exemplos que vamos citar
esclarecerão a analogia existente entre a sacralidade da Terra e
a da vegetação. A árvore, de resto, é tão-so uma nova fórmula
da realidade c da vida inesgotável que também a Terra represen­
ta. Na base de todas as crenças que se relacionam com a descen­
dência telúrica ou vegetal e com a proteção que a Terra ou a ár­
vore dispensam aos recém-nascidos encontram-se um a experiên­
cia e uma “ teoria” de realidade última, fonte de vida. matriz dc
todas as formas. A Terra ou a vegetação que dclu surge manifesta
sc como aquela que existe, que existe dc forma viva, prolifera in-
ccssaniemente, por uma palingenesia contínua. O faio dc se to­
car ou de se aproximar das árvores, corno o fato dc sc tocar na
terra, c benéfico, fortificante, fertilizante. Leio deu ao mundo
Apoio e Áíieam quando eslava ajoelhada num prado c tocava
com a mão uma palmeira sagrada. A rainha Mahà-Máyâ deu ã
A VEGETAÇÃO: SÍM BOLO S F. MITOS DF RENO VAÇÃO 249

luz Hiida junlo a um a árvore sá h c agarrada a um dos seus ra­


mos. Bngelmann c Nyberg reuniram um rico material etnográfi­
co que mostra a frequência do costume segundo o qual as mu­
lheres dão à luz nas proximidades ou mesmo junto de uma
árvore'**. O simples fato de nascer perto de uma fonte de vida
c de cura assegura à criança uma boa sorte: estará isenta de doen­
ças, escapará aos maus cspíiitos c aos acidentes. O seu nascimento
— como no caso do nascimento sobre terra — é. num sentido,
um nascimento per proximi, a sua verdadeira mãe é a vegetação
c é ela que a tratará. A propOsito dessas crenças, convem assina­
lar o costume —conlvecido desde a Antiguidade e consct vado ain-
du hoje nos meios populares — de enfaixar as crianças logo que
nascem, c de as esfregar com ervas, ramos verdes c palha:3°. O
contato diieto com as personificações da jKitencia c da vida só
podem ser favoráveis ao recém nascido. O berço arcaico
compunha-se de ramos verdes ou de espigas. Dioníso. a exemplo
de todas as crianças da Cirécia antiga, foi posto, logo que nas­
ceu, num açafate onde se levavam também as primícias das
colheitas17'. O mesmo costume se encontra na India moderna e
cm outras regiões1’3. O rito é muito antigo: nos hinos sumérios
narra-se como Tauimuz foi colocado, ao nascer, num cesto onde
se colocavam os cereais colhidos nos campos’’3.
Pôr uma criança doente no côncavo de uma árvore implica
um novo nascimento, e portanto uma regeneração''4. Na Áfri­
ca c no Sind, cura-se a criança doente passando-a entre duas ár­
vores de fruto ligadas unta à outra: a doença agarra se às
árvores17'. O mesmo costume se verifica na Escandinávia, onde
não só as crianças, mas também os adultos doentes, podem ser
curados pa«ando-os pela cavidade de uma árvore. As plantas fer­
tilizantes, assim como as ervas medicinais, devem a sua eficácia
u este mesmo principio: a vida c a força estão incorporadas na
vegetação. Os hebreus chamavam aos filhos ilegítimos "filhos das
ervas” , e os romenos chamavam lhes "filhos das flores". A mes­
ma terminologia é encontrada cm outras regiões, como por exem­
plo entre os indígenas -da Nova Caledónia. Certas plantas têm po­
deres fertilizantes. Lea teve de Jacob um filho. Isahar, gtaçax às
mandrágoras que Rubcn encontrou nos campos176. I odas essas
ervas miraculosas c medicinais são apenas variantes débeis c ra­
cionalizadas dos protótipos míticos: a planta que ressuscita os
mortos, a planta de eterna juventude, \\ planta que Cllia todas
as enfermidades.
250 TR A TA D O D E HISTÓRIA D A S RELIGIÕES

117. Casamento das árvores — üm outro cerimonial que de­


nuncia o sentimento de solidartdade entie a vegetação « os ho­
mens c chamado " o casamento das árvores” . O costume c fre­
quente na índia c encontra-sc, esporadicamente, em certos gru­
pos de ciganos, como c o caso da Transilvàr.ia. por exemplo177.
O casamento das árvores faz-sc, cm geral, quando, alguns anos
após se casarem, as mulheres nào tem ainda filhos. Neste caso.
no dia e na hora apropriados, os esposos dirigem-se para junto
de um lago c plantam um arbusto cada um — a mulher, uma fi­
gueira dos pagodes, o m ando, uma mangueira. O plantio é feito
com um verdadeiro ritual, precedido de banhos. A mulher liga
o tronco da árvore Vcpu ao tronco da árvore macho Arasu, de­
pois rega-as com água do lago c faz com o marido a prodakshi-
na. a marcha ritual para a direita. 3. 27 ou 108 vezes. Se uma
das árvores morre, é mau sinal. H por isso que se tomam todas
as medidas para que elas cresçam r.ormalmcntc: rodeiam-nas de
um a barricada, ele. Considera-se que o seu casamento desempe­
nha um grande papel na fecundidade da mulher. Ao fim de certo
tempo, estas árvores tornam-se objeto de um culto, sobretudo
quando se põe junto dos troncos entiecruzados um nagakkalque
representa duas cobras entrelaçadas, esculpidas na pedra1'*.
Este costume, praticado em grande escala na índia, supõe
uma influencia possível da umáo nupcial de duas espécies vege­
tais na fecundidade da mulher. Em outras regiões da Índia, o ca­
samento das plantas efetua-se jumamente com o das pessoas. No
Pendjabe, quando um homem se casa pela terceira vez, celebra-
se o casamento de um bambu (Acaria arabica) ou de um a Asde-
pia gigantesca. No Nepal, faz-sc o casamento da jovem nexvari
com um bet, quando aquela ainda c menina: o esposo é depois
lançado á água17*. Estabelecem se ainda relações nupaais entre
as árvores por outros motivos: a boa sorte c a opulência coletiva,
por exemplo. Um costume paralelo ao casamento das árvores é
o seguinte: entre leeém-casados, nas primeiras noites do casamen­
to , coloca-se um pau (dando) da árvore Udumbara, que repre­
senta os Ciandharvas. que. como se sabe, gozavam do jusprim ae
noclism . Supõe-se que a forca sagrada erótica c fecundadora dos
Gandharvas, incorporada no pau. consuma, antes do esposo, a
união com a noiva.

118. O "M aio" ou “ Maias” — Vimos como as árvores ou


a vegetação encarnam sempre a vida inesgotável: o qne corres­
A VEGETAÇÃO SÍM BOLO S E R ITO S DE RENO VAÇÃO 251

ponde, na ontologia arcaica, à realidade absoluta, ao “ sagrado”


por excelência. O cosmos c simbolizado por unta árvore; a divin­
dade manifcsta-sc cm forma vegetal; a fecundidade, a opulência,
a fortuna, a saúde ou, a nivcl mais elevado, a imortalidade e a
juventude etema estão concentradas nas plantas ou nas árvores;
a humanidade ou a raca derivam dc uma espécie vegetal; a vida
humana refugia-se nas formas vegetais quando o seu curso é in-
tci rompido ardilosamcnte e antes do tempo; etn resumo, tudo o
que é, tudo o que é vivo e criador. cm estado dc regeneração con­
tínua. se exprime por símbolos vegetais. O cosmos c representa­
do sob a forma de uma árvore porque, da mesma forma que es­
ta, ele re^enera seperiodicamente. A primavera é uma ressurrei­
ção da vida universal c, por conseguinte, da vida humana. Por
este ato cósmico, todas as forças dc criação reencontram o seu
vigor inicial. A vida c intcgralmente reconstituída; tudo começa
de novo; cm resumo, repete-se o ato primordial da criaçào cós­
mica, porque toda a regeneração c um novo nascimento, um re­
gresso a esse tempo mítico cm que apareceu, pela primeira vez,
a forma que se regenera.
A idéia de regeneração do coletivo humano por uma partici­
pação ativa deste na ressurreição da vegetação, c portanto na re­
generação do cosmos, está implícita cm numerosos rituais da ve­
getação. Nas tradições populares européias conservaram-sc ves­
tígios ou fragmentos dos cenários arcaicos por meio dos quais
se apressava a chegada da primavera ornamentando uma árvore
e levando-a depois cm cortejo com aparato cerimonial. Na Eu­
ropa, ainda há o costume de trazer urna árvore da floresta na pri
mavera, no começo do verão, ou pelo Sáo João. c colocá-la no
centro da aldeia; ou o de se ir ao bosque cortar ramos verdes c
pendurá-los á porta de casa para garantir a prosperidade do seu
dono. Tal costume tem o nome de “ árvore de Maio" ou Aiay-
polen i. Na Inglaterra, grupos de rapazes c moças andani de ca­
sa em casa, no dia primeiro de maio, com coroas de ramos c dc
flores, cantando c pedindo presentes. Nos Vosgcs, a cerimônia
rcaliza-sc no primeiro domingo dc maio. Na Suécia, piVm-se
"mastros de M aio" (Afajstánger) nas casas, sobretudo no solstí­
cio de verão; são pinheiros desprovidos de ramos c decorados com
flores artificiais, etc. Onde quer que se encontre este cerimonial
(da Escócia e da Suécia até os Pircncus c entre os eslavos) o "mas-
iro de M aio " c uma ocasião para divertimentos coletivos que aca­
bam com uma dança em volta do mastro. Os principais papéis
252 TRATAD O D E H ISTÓ RIA D A S R E U C tÕ E S

cabem, geralmente, às crianças e aos jovens. C uma festa da pri­


mavera mas que, como qualquer manifestação deste tipo, parti­
cipa mais ou menos da orgia (§ 137).
Um autor puritano inglês. Philipp Stubbes, c , condena com
indignação essas sobrevivências pagãs, porque, diz cie. os jovens
dos dois sexos passam a noite na floresta, com Satã por Deus;
c quando levam para a aldeia o "mastro de Maio” (‘‘this stir.kyng
ydol rather” ) dançam todos em volta dele uma dança pagã. Ape­
nas um terço das jovens entram em casa “ undcfiled” ,M. Não
obstante a resistência da Igreja, “ a festa dc Maio” ou "M aias”
continuou a ser celebrada. As profundas transformaçOes sociais
tampouco conseguiram aboli-la: mudaram-lhe apenas o nome.
No Pcrigord, c cm outras regiões, a "árvore de Maio” tornou-se
um símbolo da Revolução Francesa: chamam-lhe " a árvore da
Liberdade", mas em volta dela os camponeses dançam as mes
mas rondas arcaicas que lhes foram transmitidas pelos antepas­
sados'*4. O dia primeiro dc maio ê celebrado hoje corno dia do
trabalho c da liberdade: para a mentalidade moderna, esta festa
conserva em parte o mito da regeneração e da melhoria do bem-
estar coletivo, mito comum a todas as sociedades tradicionalistas.
Em muitas regiões, por ocasião da deslocação solene do
' “mastro de Maio” , a árvore do ano anterior c queimada1*5. A
consumação da madeira pelo fogo é provavelmente também um
rito de regeneração da vegetação e da renovação do ano. porque,
na índia c na Antiguidade clássica, qucimava-sc uma árvore no
começo do anoIM. A celebração do novo ano e a consumação
da árvore pelo fogo são, frequentemente, na índia, ocasião de
orgias: é o caso dos biyar das Províncias Unidas (Agra c Oudh),
que colocam fogo na árvore çalmali e terminam com uma orgia
coletiva14,7. A cinza desta árvore lica carregada dc propriedades
apotropaicas c fertilizantes. Protege das doenças, do mau-olhado,
dos espíritos maus,w. Na Europa, as cinzas do "m astro de
M aio” ou os tições no Carnaval c no Natal são espalhados pelos
campos para favorecer e aumentar as colheitas.
Tudo isso se explica se considerarmos que se trata de um mes­
mo complexo ritual: regeneração da vegetação c rcgcnciação do
ano (lembremos que o novo ano. para muitos povos do Oriente
antigo, começava a primeiro de março). Atribuem-se os valores
mágicos e fertilizantes do mastro do sacrifício ás cinzas c aos
carvões1*9. A sua “ força” c devida à sua semelhança com um
ptotótipo (cinza de uma árvore queimada ritualmente no come­
A VEGETAÇÃO: SÍM BO LO S E EITO S D E REN O VA Ç Ã O 253

ço do ano, no mês de maio, pelo São João, ctc.). Ora. a árvore


ou o masíro queimado ccrimoniaimcntc adquirem a sua eficácia
pela simples regressão cm potência, pelo retorno ao estado de “ se­
mente” que a queima realiza; a "força" que eles representam ou
personificam, náo podendo já manifcstar-se de modo formal,
conccntra-sc na cinza ou no carvão.
Muitas vezes a chegada de maio é figurada não só por uma
árvore ou por um mastro mas também por figuras antropomór­
ficas, decoradas com folhagem e flores, c ate por uma pessoa de­
terminada que encarna a força da vegetação ou uma das suas ma­
nifestações míticas. É assim que na Baviera do Norte sc leva cm
procissão até o centro da aldeia uma árvore Walbcr c, sob um
disfarce de palha, um jovem, também chamado "W albet” .
Coloca-sc a árvore diante de um botequim e toda a aldeia dança
cm volta dela; o jovem Walbcr não c mais do que um ‘‘duplo”
antropomórfico das forças da vegetação. O mesmo se dá entre
os eslavos da Carintia, que, por ocasião de São Jorge, decoram
uma árvore, ao mesmo tempo que envolvem com ramos verdes
um jovem, também chamado “ Jorge Verde” . Depois dos cantos
c das danças inevitáveis em qualquer festa da primavera, uma ima­
gem do “ Jorge Verde” , ou mesmo o próprio jovem, é lançada
à água. Na Rússia, a árvore desapareceu, e “ Jorge Verde” só se
aplica ao jovem enfeitado. Na Inglaterra, para a festa de maio,
“ Jack-in-the-grccn' ’, limpa chaminés enfeitado de folhagem c dc
hera. dança diante de ginpos de limpa-chaminés. Após a dança,
os limpa-chaminés fazem o peditório entre os assistentes150.
Aliás, todas as cerimônias de maio terminam com uma dan­
ça dc presentes. Os grupos que percorrem a aldeia com ramagens
e flores, quer levem cm cortejo figuras de flores, quer sejam per­
sonificações da vegetação, recolhem as prendas em cada casa (até
mesmo essas prendas lem um caráter tradicional: ovos, frutos se­
cos. certos bolos. etc.). Os que recusam são ameaçados cm verso
ou em prosa, segundo o cerimonial em uso: que não tenham boas
colheitas, que o pom ar não dc frutos, que a vinha não produza,
etc...! O grupo arroga-sc o direito de injuriar os avarentos na sua
qualidade dc mcnsageiio da vegetação: por um lado, porque a
avareza é prejudicial a toda a coletividade c porque, num mo­
mento dramático como é o da chegada da primavera, é preciso
que a substância vital, a alimentação, circule com generosidade
no interior da coletividade, para promover dc forma mágica o
circuito das reservas cósmicas dc substância vital (verdura, reba­
254 TR A TA D O D b HISTÓRIA D A S RF.l TGIÔF.S

nhos, colheitas): por outro lado, porque o grupo, ao anunciar


a boa nova de vegetação, tem o sentimento de cumpiir um ato
cerimonial que interessa ao conjunto da coletividade, e que esta
função exige recompensa: o grupo vê, antes dos outros, a prima­
vera, conduz a primavera a a te ia , mostra-a aos outros, e stim u la -o
com cantos, danças c rituais.

119. O "rei” e a “ n u a h a " — Efctivamcntc, em certas re­


giões, a chegada do n>ês dc maio t uma oportunidade para con­
cursos diversos, seleção dos pares mais vigorosos (o "rei" e u “ rai­
nha” ). lutas cerimoniais, etc... A função de todas essas provas,
mesmo se o seu sentido original foi diferente, e. atualmente, esti­
mular as energias da natureza. Gcralmcnic. a festa começa por
uma corrida ao "M astro” , ou po: uma competição er.trc jovens
que procuram chegar em primeiro lugar ao topo do mastro.
Limi lemo-nos a alguns exemplos: na Saxônia. este cerimonial tem
lugar no primeiro de maio ou no Pentecostes e consiste cm trans-
portar da floresta árvores novas (majum quaerere) para decorar
as casas c em erguer solcncmouc urna árvore, o “ Maio” , no cen­
tro d a aldeia. Cortam-se-lhe os ramos, á exceção de alguns no
topo, onde sc penduram prendas (salsichas, ovos, bolos). Os ra­
pazes rivalizam para chegar ao topo da árvore, em certas regiões,
e, em outras, para chegai o mais rapidamente possível até o "Mas­
tro” . Pot ve/es, a corrida faz-se a cavalo191. O herói c levado aos
ombros c festejado. Outrora, era-lhe oferecido, pelas nials belas
jovens, um tecido vermelho. Na Siièsia, o vencedor da corrida
dc cuvalos i chamado “ rei do Pentecostes" e a sua noiva, “ rai­
nha do Pentecostes". O ultimo a chegar c obrigado a fazer o pa­
pel de bobo: entre outras coisas, tem dc comer trinta pães peque­
nos c bebei quatro lidos dc aguaidente antes da chegada do “ rei";
este, levando um ramo de flores dc maio c uma coroa, é acompa­
nhado em cortejo por toda a aldeia, e por fim conduzido ate o
albergue. Sc o "bobo” consegue bebei e comer tudo o que lhe
foi ordenado c está em estado dc acolher o "re i" com um discur­
so e um copo dc cerveja, o sen escote é pago prlo “ rei” ; caso
contrário, c o próprio bobo quem terá de pagá-lo. Depois d a mis­
sa, a procissão põe-se em marcha, com o “ rei" c o “ bobo" á
frente, levando na cabeça a coroa do Pentecostes; pára diante dc
cada herdade para pedir presentes em gêneros e em dinheiro (a
fórmula c a seguinte: “ Para comprar sabão c lavai a baiba do
A VEGETAÇÃO: SÍM BO LO S E RITO S DE RENO VAÇÃO 255

louco” ). O costume permite aos “ cavaleiros" do cortejo do “ r d ”


apoderarem-se de tudo o que encontrarem cm matéria dc comi­
da dentro das casas, salvo o que estiver fechado á ch3vc. Depois
o cortejo dirige-se para a morada da noiva do “ rei", a quem cha­
mam “ rainha do Pentecostes" c a quem oferecem presentes. O
“ rei” tem mesmo o direito de erguer a árvore de Maio diante da
casa do patrão, onde ela fica até o ano seguinte. Para terminar,
reúnem-se todos no botequim c o “ rei” c a "rainha" abrem o
baile193.

120. Sexualidade e vegetação — Em outras regiões (Franca,


Inglaterra, Poernia. por exemplo) o uso manda que se escolha,
desde o princípio, um a “ rainha de M aio". Mas a maioria das
tradições populares européias conserva o par primordial sob di­
ferentes designações: rei c rainha, amo c ama, noivo c noiva, os
amorosos (como c o caso na Sicília e na Sardenha). Trata-se, sem
dúvida, de uma imagem alterada do jovem par que, outrora, es­
timulava as forças criadoras da natureza realizando a sua uniáo
ritualmente nos campos (cf. §5 135 s.) e repetindo assim a a hic-
rogamia cósmica entre o Céu c a Terra. ELstcs pares encontram-
se sempre á cabeça das procissões que levam a “ átvorc de Maio”
ou as figuras vegetais cie herdade cm herdade, recolhendo as dá­
divas. Muitas vezes são considerados como casados; em outros
conjuntos e em oimos níveis culturais, o par cerimonial perde o
seu sentido originário hierogâmico. sendo absorvido pelo rito da
orgia. É aliás difícil precisar cm que medida um rito se articula,
em certos casos, num sistema erótico ou num sistema tclúrico-
agrário. A vida rcvcta-sc como unidade; os niveis dc vida cósmi­
ca correspondem uns aos outros (Lua-mulher-Terra; Céu-chuva-
liomem, etc.) e interferem mesmo cm centros determinados (to­
dos os atributos cosmológicos da Lua, da noite, das águas, da
Terra, das sementes, do nascimento, da regeneração, etc., sc
acham piesentes. mesmo virtualmcntc, na mulher c podem scr
atualizados c aumentados por rituais femininos ou hierogaiuias).
Devemos, pois, fazer incidir a nossa atenção neste conjunto uni­
tário de que deriva, em parte, cada ritual c que c o seu funda­
mento. Sobretudo os cultos da vegetação devem ser interpreta­
dos segundo a concepção biocosmológica originária que lhes deu
origem. O seu p o lim o rfism o c. muitas vezes, uma ilusão dc ópti­
ca moderna: eles derivam, no fundo, dc uma intuição ontológica
256 TR A TA D O D E H tST Ô X lA D A S X E U G iÒ E S

arcaica (o real não é só o que perrranece\nt<fini;Lrr<»:e igual,


mas também o que sc transforma em formas orgânicas mais' cí­
clicas) e convergem para o mesmo fim: o de assegurar, por quais­
quer meios, a regeneração das forças díi natureza.
É assim que em certas ilhas de Am to iro, pai exemplo, quan­
do as plantações de árvores de cravo ie mostram deficientes, os
homens dirigem-se para elas durante a noite, sem roujxis. e ten­
tam fertilizar as árvores gritando: “ Cravos-da-índia!'* lir.ue os
bagandas da África Central, a mulher que teve gêmeos tema-se,
por essa prova de fecundidade, um centro genésico capaz de fe­
cundar as bananeiras; uma folha de bananeira colocada catre as
suas pernas e empurrada para o lado pelo marido, com um gesto
de macho, adquire virtudes excepcionais, a tal ponto que chega
a ser procurada pelos colonos das aldeias vizinhas e sc vende por
bom p reço 'E n c o n tram o -n o s, nesses dois casos, perante uma
aplicação do regime erótico humano á vida vegetativa, aplicação
grotesca, excc.vsivamcnte concreta, limitada a “ objetos indivi­
duais" (certas árvores, certas mulheres) e náo projetada magica
mente no "conjunto", quer dizei, na vida corno totalidade.
Esses casos excepcionais confirmam o principio implícito na
hicrogamia. na unido primaveril dos pares jovens sobre a tetra,
nas corridas e nos concursos que estimulam as forças vcgctativas
no decurso de certas festas da primavera e do verão, no "rei"
c na "rainha de Maio", etc. For toda a pane ercontrarnos a von­
tade de promover num vasto plano o circuito da energia biocós-
mica c. sobretudo, da energia vegetativa. Nem sempre é a vege­
tação, como sc viu. que c estimulada pelo homem jxsr meio de
um cerimonial c dc uma hicrogamia; muitas ve/cs. é a vida vege-
lativa que estimula a fecundidade dos homens (jior exemplo, o
casamento das árvores na índia, a fecundidade pelos frutos c pe­
las sementes, pela sombra da árvore, etc.). É o mesnso circuito
fechado da substância vital que irrompe em todos os níveis cós­
micos, mas que c possível fazer concentrar c projetar em certos
centros (mulher, vegetação, animais) segundo as necessidades do
homem. A drculaçào da substância vital c das forças sag.radas
entre os múltiplos níveis hiocósrnicos, circulação dirigida pdo ho­
mem para seu proveito imediato, será mais tarde utilizaria como
o melhor meio para adquinr a imortalidade ou a “ salvação" da
almá'*.
A VFÜETAÇÂO: SÍM BO LO S E RITO S DE REN O VA Ç Ã O 257

121. Representam « da vegetação — O essencial nas fesias


da vegetação, tal como se conservaram nas tradições européias,
não c só a exposição cerimonial de uma árvore, mas também a
bênção de um novo ano que começa. Compreenderemos tudo is­
so a partir dos exemplos que citaremos mais adiante. As modifi­
cações que o calendário sofreu tio decurso dos tempos escondem,
por vezes, utn pouco este elemento de regeneração, de "novo co­
meço” que c possive! vislumbrar em inúmeros costumes da pri­
mavera. O aparecimento da vegetação inaugura um novo ciclo
temporal: a vida vegetativa renasce cm cada primavera, “ reco­
meça” . A fonte comum desses dois grupos de cerimônias — a
exposição da árvore de maio t o começo de um novo "tem po"
— é evidente cm muitas tradições. Em certas regiões, por exem­
plo, é costume m atar o "rei de Maio” , representante e estimula­
dor da vegetação. Na Saxónia e na luringia. grupos de rapazes
põcm-sc à procura do “ selvagem” , coberto dc folhagem e escon­
dido na floresta: agarram no e fazem dele alvo dos seus mosque­
tes sem pólvora1*5. Na Boêmia, cm dia dc Entrudo, um grupo
dc jovens mascarados põe-se a perseguir o “ rei” numa corrida
patética através da cidade, agarram-no, julgam-no c condenam-
no à morte. O “ rei", que tem um pescoço muito alto, composto
de vários chapéus sobrepostos, é decapitado. No distrito de Pil-
sen (Boêmia), o " re i" aprcscnta-sc vestido dc ervas c dc flores
e, após o processo, pode fugir a cavalo. Se nâo for agarrado, te­
rá o direito de ficar "rei" ainda um ano: caso contrário, tem cor­
tada a cabeça1*s.
Encontramos ainda nas tradições populares européias duas
“ representações" que, etn estreita relação com estas festas da pri­
mavera. desempenham funções semelhantes no quadro do mes­
mo sistema cerimonial da regeneração do “ ano" e da vegetação.
Trata-se da "m orte c enterro do Carnaval" c da “ luta entre o
Inverno c o Verão” , seguida da expulsão do Inverno (ou da “ Mor­
te” ) e da introdução da Primavera. A data deste último costume
varia: cm geral, a expulsão do Inverno (c a morte da "M orte” )
tem lugar no quarto domingo da Quaresma ou — como sucede
entre os tchecos da Boémia — uma semana mais tarde; cm certas
aldeias alemãs da Morávia. efetua-se no primeiro domingo de­
pois da Páscoa. Esta diferença, que nós encontramos também no
cerimonial de “ M aio" (1? de maio, Pentecostes, começo de ju­
nho. São João, etc.), é. ela própria, um sinal dc que a cerimónia
mudou dc data ao passar de uma região para outra e ao integrar-
258 TRATADO DT HISTÓRIA D AS RELIGIÕES

sc cm outros conjuntos rituais. Não podemos referir nos aqui.


mais pormenorizadamente, ã origem e ao sentido d«> Carnaval:
o que nos interessa é o ato final desta importante testa; a ima­
gem do Carnaval c. cm muitas regiões, “ condenada à morte" c
executada (o modo de execução varia: ora é queimada, oia afo­
gada, ora decapitada). Por ocasião desta execução realizam-se lu­
tas e combates corpo-a-corpo, mandam se nozes ã figura grotes-
ca que representa o Carnaval, flores c legumes entram ra pugna,
etc. Em outras regiões — por exemplo, nas imediações de Túbir.-
gen — condena-se, decapita-se c enterra-se cm caixão, no cemi­
tério, no fim de uma cerimônia divertida, a figura do Carnaval.
O costume tem o nome de "enterro do Carnaval"197.
O outro episódio que sc lhe assemelha, a expulsão ou a mor­
te da "M orte", desenrola se de diversas maneiras. O costume mais
disseminado na Europa c o scgutiuc; algumas crianças fazem uma
boneca de palha e de ramos c levam-na para fora da aldeia, di­
zendo: "Nós levamos a Morte paia a água...” ; depois, jogam-
na num lago ou num poço. ou a queimam. Na Ausiiia, diante
da fogueira da "M orte" desenrolam sc lutas entre espectadores,
tentando cada um pegar um pedaço do boneco *\ Revela sc aqui
o poder fertilizante da “ M orte", poder que também possuem os
outros símbolos da vegetação e as cinzas da madeira queimada
por ocasião das diversas festas da regeneração da natureza c do
começo do ano. l.ogo após a expulsão ou a morte d a “ M orte",
entra a primavera. Entre os saxóes da Transjlvânia, enquanto os
rapazes levam para fora da aldeia a "boneca da M orte", as mo­
ças preparum u vinda da primavera, personificada nurna delas1'*9.
Em outras regiões, são ainda os jovens que introduzem o ve­
rão. c este cciiinonial é uma variante da "árvore de M aio"; al­
guns rapuz.es vão à lloresta, cortam uma árvore nova, tirmn-lhe
os ramos, dccoram-na — c depois voltam para a aldeia, onde vão
de casa em casa cantando que trazem o verão e fazendo o
peditório200. Uungman provou que este costume popular euro­
peu derivava do complexo ritual do Carnaval, quei dizer, da ms
tauraçáo do "A no Novo’0 *1. Na Suíça, entre os suábios, e no
Ostmark. ainda ho.ic, pelo Carnaval, se expulsa a figura do in­
verno ou da "A v ó "20-. Urn texto do século VIII menciona que
as populações alemânicas "in menée I cbruario hibermim credi
expcllerc". Pelo Carnaval, em certas localidades, queimavam-se
feiticeiras (personificações do “ Inverno” ), atava-se a figura do
“ Inverno" a uma roda, etc.20’
A V tV tT A ç A O : SÍM B O LO S E R IT O S D E REN O VAÇ ÃO 259

Quanto ao segundo ato — introdução do verão —, a sua ori­


gem estã. segundo Liungman. na represenração arcaica do C ar­
naval. Este segundo ato consiste em mostrar um animal, geral-
mente um pássaro, ou um ramo verde, ou um ramo de flores,
em suma, um sinal da primavera semelhante à árvore de
"M aio” ®4. Os versos que se cantam durante a expulsão do In­
verno e a introdução da primavera são os mesmos que se cantam
no Carnaval, sendo também iguais as ameaças feitas nos dois ca­
sos peia recusa de dádivas205. Com efeito, tal como a cerimónia
de Carnaval c as outras que dela derivam, também esta festa ter­
mina com um peditório.

122. Lutas rituais — Por fim, convém ainda assinalar neste


contexto utn costume: a luta entre o verão e o inverno, episódio
dramático que consiste, por um lado, na luta entre representan­
tes destas duas estações c, por outro lado. num longo diálogo ver­
sificado de que cada personagem entoa sucessivamente uma es­
trofe. Este complexo, como mostrou Liungman. está muito me­
nos difundido do que a cerimónia da expulsão do inverno c da
introdução do verão, o que indica uma origem mais recente556.
Demos apenas alguns exemplos. Na Suécia, no dia da festa de
"M aio” , realiza-se uma luta entre dois grupos de cavaleiros. Um
deles, que personifica o Inverno, está vestido de peles e arremes­
sa bolas de neve c de gelo; o outro está enfeitado com ramagens
c flores. Por fim, o grupo do ‘•Verão” vence e a cerimônia ter­
mina com um banquete geral. No Reno, o "Inverno” aparece
vestido de palha c o “ Verão" de hera. A luta acaba, bem enten­
dido. com a vitória do "Verão” ; o jovem que desempenha o pa­
pel de "Inverno” é lançado por terra e a fantasia de palha lhe
é arrancada; depoi s os participantes, com uma linda coroa de flo­
res. percorrem as casas, cada um por sua vez. reclamando as
dádivas®7.
A forma mais freqüente dessa luta é a passagem pelas dife
rentes casas c a recitação alternada de estrofes pelos representan­
tes das duas estações. I.iungman recolheu um número considerá­
vel de variantes deste canto, em que se celebram succssivamcntc
o inverno c o verão. Scp.undo o sábio sueco21”-*1, a forma literária
não é anterior ao século XV, mas o protótipo mítico dessa luta
é. sem qualquer dúvida, arcaico. Depois de ter assinalado nume­
rosas tradições literárias medievais e antigas, como "Des Poppe
260 7RA TA DO DE HISTÓRIA D AS RELIGIÕES

Hofton” . manuscrito do século XV. o poema de Hans Sachs


"Gesprcch zvvischen d en Sommer und Winter" dc 1538, o poc-
ma latino “ Conflictus Vens et Hiemis” dos séculos V1II-IX, a
terceira écloga de Virgílio, o quinto idilio Jc Teócrito c outros.
Liungman passa cm revista, para as rejeitar, as hipótese» de ou­
tros eruditos (por exemplo, a luta er.tre Xaulhos c Mclamhos.
" o louro’' c “ o negro", etn que Uscncr via o proléúipo do nosso
motivo) e admite que seja conveniente identificar o arquétipo mí­
tico à luta entre Tiamat c Marduk. luta que era comemorada ri-
tualmente no principio de cada ano**.
Partilhamos as conciusões do investigador sueco no que du
respeito ao protótipo mítico (ao qual ele acrescenta a luta da di­
vindade da vegetação com o seu adversário, a seca: Oxíris-Seth
no Figito. Akin-Mot entre os fenícios) porque, como já tivemos
ocasião dc assinalar inúmeras vc/rs neste trabalho, cada rituaJ
não passa da repetição de um gesto primordial que teve lugar in
illo tempore. No que diz respeito a difusão histórica do motivo,
não sabemos cm que medida os resultados das pesquisas de Liung­
man podem ser considerados definitivos. Fie próprio assinala que
a luta entre o verão e o inverno sc encontra entre os esquimós
c os yakuts, sem, no entanto, poder explicar sc o costume deriva
da tradição mesopotámico européia ou de outro centro. A luta
em si mesma c um ritual de estimulação das forças genésicas c
das forças da vida vegetativa. As batalhas c os conflitos que tém
lugar cm muitos lugares por ocasião da primavera ou das colhei­
tas devem, sem dúvida, a sua oriRcm à concepção arcaica segun­
do a qual as lutas, os concursos, os jogos brutais entre grupos
de sexo diferente aumentam e fomentam a energia universal. O
que nos interessa cm primeiro lugar é o modelo. o arquétipo que
fundamenta precisamcntc os costumes; fa z e m se todos estes ri­
tos porque eles Joram feitos ‘‘naquele tempo" por certos seres
divinos e etn conformidade com as normas rituais instauiadas
então.
Rncontramos as lutas cerimoniais cm numerosas religióes ar­
caicas, por exemplo nas mais antigas camadas do culto agrário
osínco, nas religióes proto-históricas escandinavas-1®. As mesmas
lutas t?m lugar na Europa moderna e também em outras circuns­
tâncias, no quadro deste mesmo conjunto dc festas da primave­
ra: é assim que no Sào Pedro, por exemplo, a 29 dc junho, se
celebra na Rússia " o enterro dc Kostroma” , uma das figuras mí­
ticas que simbolizam a vida c a morte rítmica da vegetação. Trata
A VEQitTAÇAO: SÍMBOLOS E RITOS fíE RESOVAÇÃO 26!

sc. então, dc lutas seguidas de lamentações-". Ainda na Rússia,


a morte c a ressurreição de Kosírubonko — outra designação da
mesma divindade popular da primavera, autcnticamcnte eslava,
segundo A. Brucckner-’12— são celebradas por um coro dc moças:

Mono. está morto o nosso KostrubonVo


Mswto! aquele que nos é querido está morto!

Dc súbito, uma delas grita:

Regressou á vida! o nosso Konrubonko regressou à vida!


Aquele que ros é querido regtcssou à vida!ílJ

Se bem que, segundo a opinião dc um especialista como


Brückner, o lito é o nome da divindade sejam autenticamente pro-
tocslavos. o lamento das jovens seguido da alegria causada pela
ressurreição de Kovtrubonko lembra-nos o modelo tradicional do
drama das divindades orientais da vegetação.

l i ) . Simbolismo cósmico — Um ponto comum ressalta de


todas essas cerimônias populares: a celebração de um acontea-
mento cósmico (primavera ou verão) pela manipulação de um sím­
bolo da vegetação. Mostra-se uma árvore, uma flor, um animal,
decora-se c passeia-se rilualmente uma árvore, um pedaço de ma­
deira, um homem vestido dc ramos ou uma efígie; por vezes,
realizam-se lutas, concursos, cenas; dramáticas que sc referem a
uma morte ou a uma ressurreição. A vida do grupo humano
concentra-se, por um momento, numa árvore ou mima figura ve­
getal, simples símbolo destinado a representar e a abençoar am
acontecimento cósmico: a primavera. Tudo sc passa como sc o
coletivo humano fosse incapaz de manifestar a sua alegria c de
colaborar na instauração da primavera num plano — objetiva-
mente falando — mais vasto, que englobasse toda a natureza. A
sua alegria, c também o fato de cooperar na vitória definitiva da
vida vegetativa, limita-se a um microcosmo: um ramo, uma ár­
vore, uma efígie, um personagem mascarado. Um único objeto
(ou símbolo) indica a presença da natureza. Não se trata, pois,
dc um sentimento p aituína dc simpatia e dc adoração da nature­
za, mas dc um sentimento provocado pela presença do símbolo
(ramo, árvore), c estimulado pela realização do rito (procissões,
2« T R A1M X) DE HISTORIA DAS RELIGIÕES

Imas. concursos). Fstc cerimonial tem o »eu fundamento numa


initiiçào global do sagrado biocósmica que se manifesta cm to­
dos os níveis da vida, se desenvolve, se esgota c se regenera pe­
riodicamente. As personificações desta sacraluiade biocósmica são
polimotfas e — estaríamos tentados a dizc-lo — provisórias. Um
“ gênio” da vegetação aparece, às vezes, por uma criaçã» mítica,
vi\e, difunde-se para cm seguida desaparecer O que se mantem,
o que é primário c permanente, e o "poder" da vegetação, posto
à prova c controlado com igual eficácia num ramo, numa efígie
ou numa personificação mitica. Mas enganar-nos-iamos se atri­
buíssemos um valor religioso mais autêntico a um cerimonial que
se processa cm torno de um iiersonagcm mítico (como Kostru-
bonko. por exemplo) do que a um cerimonial cm que não figura
senão um sinal (ramagem, "M aio", etc ). É preciso atribuir es­
tas diferenças a diferenças na capacidade mítica dos diversos gru­
pos humanos, ou, muito simplesmente, à história. Essas diferen­
ças não sào, cm todo caso, muito importantes. Por toda a parte
enconttamos a mesma intuição fundamental c a mesma tendên­
cia para celebrar o acontecimento cósmico mim microcosmo, para
celebrá-lo simbolicamente.
O que importa, insistamos. n3o é somente a manifestação
da força vegetativa, mas o tempo cm que ela se rcaliTa. Não é
só um acontecimento que tem lugar no espaço mas também no
tempo. Uma nova etapa começa: repete-se o ato inicial, mítico,
d« regeneração. C poi isso que nós encontramos o cerimonial da
vegetação — em diferentes regiões e em diferentes épocas — ce­
lebrado cnlrc o Carnaval c o São João. Não foi o aparecimento
real da primavera que criou o ritual da vegetação; não se trata
do que já foi designado por "religião naturalista” mas de uma
repiescntaçào cerimonial que sc adaptou segundo as circunstân­
cias às diferentes datas do calendário. Mas a representação con
sorvou, por toda a parte, a estrutura inicial: ela c uma re-
atualização do ato primordial da regeneração. Vimos, além dis­
so. que se queima o "M aio" do ano precedente quando chega
a nova árvore, que também sc queimam as imagens do Carna­
val, do Inverno, da Morte, da Vegetação, e que, muitas vezes,
a cinza dai resultante é procurada pelas virtudes germinar ivas c
apotropaicas que ela encerra. Liungman observou, no entanto,
que se queimam também cenoü troncos de árvore, em outras cir­
cunstâncias: por exemplo, os eslavos que vivem nas regiões a sul
do Danúbio costumam queimar uma árvore ou um ramo chama­
A VEGETAÇÃO SÍMBOLOS E RITOS DE RESOVAÇÂO 263

do Badnjak. no Natal, no Ano Novo c na Epifania. O Badnjak


aide vários dias a fio cm casa e a sua cinza c dispcisa pelos cam­
pos para os fertilizar; também tra/ riqueza e faz aumentar os rc-
banlios. Entre os búlgaros, o Badnjak é mesmo objeto de ceri­
mônias com incenso, mitra c azeite; este costume, muito antigo
nos Bálcãs, está espalhado por toda a Europa, o que confirma
o seu arcaísmo-14.
Evidentemente. Iiá regiões onde a árvore c queimada em da­
tas diferentes. No Tirol. i na primeira quinia-fciia da Quaresma
que se leva uma acha cm procissão solene; na Suíça. é na véspera
de Natal, no Ano Novo c no Cai naval. Além disso, o cerimonial
do transporte e da queima da “ acha de Cristo", do caleiuleau
ou da árvore de Carnaval (no Ocidente) é executado pelos mes­
mos personagens da introduçáo do "M aio "; encontramos aí o
"tc i" c a "rainha", o "m ouro” , o "selvagem", o "bo bó". etc.,
como encontramos também os mesmos personagens dramáticos,
com a mesma átvore cerimonial, no momento das núpcias. Liung-
mun pensa que todos os costumes que consistem cm levar solene-
mente uma árvore e queima la derisam do costume antigo de quei­
mar as árvores do primeiro de maio. quer dizer, no começo do
Novo Ano. Em certas regiões (Bálcãs), o costume verifica-se pe­
las festas do Natal c do Ano Novo; cm outras (Ocidente), o cos­
tume fixou-se na Terça-feira Gorda (Carnaval) c dcjxsis no pri­
meiro de maio. no Pentecostes e no Sáo Joáo^'5. O que interes­
sa sublinhar aqui é a significação cósmico-temporal que tinha (e
que consersa. ainda que de forma atenuada) este costume de quei­
mar as árvores. A queima era e continua a ser um ritual de rege­
neração. de recomeço c, ao mesmo tempo, de comemoração de
um gesto ptiinordial, ícalizado "naquele tempo” . O valor mágko-
vcgcial passa para segundo plano neste cerimonial: o seu valor
manifesto é o de comemorar o "A no Novo". Poderíamos, pois.
concluir que, neste conjunto ritual, a concepção teórica, metafí­
sica. precede a experiência concreta da vinda da primavera.

124. Síntese — Não devemos deixar-nos perturbai pela ri­


queza quase ilimitada das hierofanias vegetais. Sua abundância
c variedade morfológica são facilmente redutíveis a uma estrutu­
ra coerente. Para mencionar apenas alguns dos fatos qqç ucabi
mos de passar cm res isia. lembremos que se torna evidente que
a principal diferença entre, por exemplo, a árvore cósmica e a
264 TRATADO DF. HISTORIA DAS R.EUCIÔES

procissão da árvore dc "M aio" é devida, em primeiro lugar, a


diferença dc modalidade que existe entre um ideograma casmo-
lógico e um ritual. Um rito "realiza-se” por fórmulas diferentes
de um ideograma, um mito ou uma lenda. Mas todas essas fór­
mulas exprimem a mesma “ verdade": a vegetação é a manifes­
tação da realidade viva, da vida que se regenera periodicamente.
O s mitos das árvores antropogeneas, os cerimoniais primaveris
da vegetação, as lendas sobre a origem dos simples, o u sobre a
transformação dos heróis cm plantas, Limitam-sc a exprimi’, sim­
bólica ou dramaticamente, uma mesma afirmação teórica: a ve­
getação encarna (ou significa, ou participa cm) a realidade que
se faz vida. que cria sem sc exaurir, que se regenera manifestando
se em formas sem-número, sem nunca sc esgotar Tocar numa
rirvorc para ler filhos, ou para proteger o lecém-nascido, implica
uma certa concepção global da realidade e da vida incorporada
n a vegetação, concepção que está igualmente implícita r.o ideo­
grama da árvore cósmica ou nos mitos da árvore de vida; num
caso como no outro, a vida manifesta sc através dc um símbolo
vegetal: o mesmo c dizer que a vegetação sc torna uma hicrofa-
nia — quer dizer, encarna e revela o sagrado — na medida cm
que ela significa ulguina coisa diferente dela mesma. Uma arvore
ou uma planta nunca súo sagradas como árvore ou como planta,
mas pela sua participação numa tealidade transcendente, porque
significam esta realidade transcendente. Pela sua consagração, a
espécie vegetal concreta, "profana", é transubstanciada; segun­
do .a dialética do sagrado, um fragmento (uma árvore, urna planta)
vale o todo (o cosmos, a vida), um objeto profano torna-se uma
hierofania. Yggdtasil simboliza o universo, mas qualquer carva­
lho poderia, aos olhos dos antigos germanos, tornar-se sagrado
se participasse desse estado arquétipo, se ele “ repetisse'' Yggdrasil.
Da mesma forma para os altaicos. qualquer bétula sc torna, pela
forca da consagração, a “ árvore do mundo” ; ao escalá-la, ritual
mcnlc, ccrimonialtncnlc, o .xamâ clcva-se, na realidade, aos di­
versos céus.
O que se designa por "cultos da vegetação" c. portanto, mais
complexo do que a denominação deixa transparecer. Através da
vegetação, é a vida inteira, c a natureza que se regenera por múl­
tiplos ritmos, que é "honrada", promovida, solicitada. As for­
ças vegetativas são uma epifania da vida cósmica. Na medida cm
que 0 homem o lá integrado nessa naturezu e cré poder utilizar
cvsa vida para os seus próprios fins, ele manipula os “ sinais" ve-
A VEGETAÇÃO: SÍMBOLOS E EITOS DE RENOVAÇÃO 265

getnis (o "M aio” , o ramo vcmal, o casamento das árvores, etc.),


ou venera-os (as "árvores sagradas", etc.). Mas nunca houve uma
"religião da vegetação” , um culto exclusivamentc concentrado
nas plantas ou nas árvores. Ao mesmo tempo que a homenagem
c a manipulação ritual da vida vcgciativa. houve sempre, mesmo
nus religiões mais "especializadas" (por exemplo, nas religiões
da fecundidade), a homenagem e a manipulação ritual das ou­
tras forças cósmicas. O que se chama “ cultos da vegetação” são
mais propriamente r ituais sazonais, que não se explicam em ne­
nhum caso por uma simples hicrofania vegetal, mas se enquadram
cm representações infinitamente mais complexas que envolvem
o conjunto da vida biocósmica. E mesmo, por vezes, difícil dis­
tinguir os elementos vegetais dos elementos cultuais em relação
com a Terra-Mãe. ou com Eros, o culto dos antepassados, o Sol,
o Ano Novo, etc. Nesta nossa exposição, escolhemo-los c
nprcscntamo-los isolados paia melhor evidenciar a estrutura das
liicrofarrias vegetais. Mas, como sucede sempre com a experiên­
cia religiosa arcaica, essas diversas hierofanias (vegetação, Terra-
Mãe, Eros. etc.) apresentam-se num todo c já organizadas num
certo sistema. Utilizando os “ símbolos" vegetais e prestando ho­
menagem a um "sin a l" vegetal, significa se a vida em todas as
situs modalidades, a natureza no seu trabalho fecundo c infati­
gável. Essas referencias á vida c ã natureza nào devem ser com­
preendidas como uma experiência panteista, como uma tomada
de contato místico com a vida cósmica. Porque, como já tive­
mos ocasião de notar (§ 123), não é o fenómeno "natural" da
primavera, o acontecimento cósmico etn si mesmo que provoca
os tituais primaveris mas, pelo contrário, c o ritual que significa.
que confere uma significação ao aparecimento da primavera; c
o simbolismo e o ritual que tornam rransparentes a regeneração
da natureza c o começo de uma "vida nova” , quer dizer, a repe­
tição periódica de uma nova criação.
Nào fizemos menção, nesta rápida exposição, dos pretensos
"deuses da vegetação" pela simples razão de que unta tal deno­
minação se presta a deploráveis confusões. Se há epifanias vege­
tais de certas divindades, dificilmente se poderiam reduzir estas
últimas a uma hicrofania vegetal. Estes deuses revelam sempre
mais do que revela unia hicrofania vegetal; a sua "form a” , o seu
destino, a sua modalidade de ser superam a simples revelação da
realidade viva, da vida que se regenera periodicamente. Para se
compreender o que pode ser um “ deus da vegetação", é preciso,
primeiramentê, saber o que é, na realidade, um "deus” .
A agricultura
e os cultos de fertilidade

125. Ritos agrários — A agricultura revela de maneira mais


dramática o mistério da regeneração vcgcral. No cerimonial c na
técnica agrícola, o homem intervém diretamente: a vida vegetal
e o sagrado da vegetação já nflo 11« são exteriores, participa em
ambos, manipulando-os c conjurando-os. Para 0 homem “ pri­
mitivo". a agricultura, como toda atividade essencial, nào é uma
simples técnica profana. Ligada à vida c prosseguindo o desen­
volvimento prodigioso desta vida presente nas sementes, na terra
cultivada. n3 chuva e nos gênios da vegetação, a agricultura é.
primordialmente, urn ritual. Assim foi no principio e a situação
é ainda a mesma nas sociedades agrárias, até nas regiões mais ci­
vilizadas da Europa. O lavrador penetra e integra-se numa zona
rica em sagrado. Os seus gestos, o seu trabalho são responsáveis
por graves consequências, porque se processam no interior de um
ciclo cósmico c porque o ano. as estacões, o verão c o inverno,
a época das sementeiras e a da ceifa, fortificam as suas próprias
estruturas e adquirem cada uma um valor autónomo.
Em primeiro lugar, temos de fazer incidir a nossa atenção
sobre a importância que o tempo, o ritmo das estações adquirem
para a experiência religiosa das sociedades agrárias. O lavrador
já nào vc encontra só empenhado nas zonas sagradas "espaciais”
— a gleba fecunda, as forças ativas nas sementes, nos rebentos,
nas flores — mas também o seu trabalho se acha integrado c co­
mandado por um conjunto temporal, pela ronda das estações.
Esta solidariedade das sociedades agrárias com ciclos temporais
fechados explica bom número de cerimônias ligadas a expulsão
do “ ano velho” c á chegada do "novo ano” , á expulsão dos
268 TRATADO D E H IS T Ó R IA DAS RELIGIÕES

“ maus” c à regeneração dos “ poderes” , cerimônias que se en-


contiam sempre cm simbiose com os ritos agrários. Os ritmos cós­
micos tornam, agora, mais precisa a sua coerência e aumentam
a sua eficiência. Uma cctia concepção otimista da existência co­
meça a surgir depois deste longo comércio com a gleba e as esta­
ções; a morte revela-se, como uma simples mudança provisória
n a maneira de ser; o inverno nunca é definitivo, porque a ele se
segue uma regeneração total da natureza, uma manifestação dc
formas novas c infinitas da vida; nada morre rcalmcntc, tudo se
reintegra na matéria primordial, tudo repousa na expectativa dc
um a nova primavera. No entanto esta concepção serena, conso­
ladora, não exclui o drama. Seja qual for a valorização do mun­
d o baseada no ritmo, no etemo retorno, não podeiá evitar os mo­
mentos dramáticos. Viver ritualmcntc os ritmos cósmicos signi­
fica em primeiro lugar viver cm tensões múltiplas c contraditórias.
0 trabalho agrícola c um rito, não só pôrque se processa so­
bre o corpo da Terra Mãe e desencadeia as forças sagradas da
vegetação, mas também porque implica a integração do agricub
tor em certos períodos de tempo benignos ou nocivos; porque é
um a atividade acompanhada de perigos (como, por exemplo, a
cólera do espírito que era senhor do campo antes de este ter sido
arroteado); porque pressupõe uma serie dc cerimônias de estru­
tura e origem diversas destinadas a promover o crescimento dos
cereais e a justificar o gesto do cultivador; porque o introduz num
domínio que está, dc certo modo, sob jurisdição dos mortos, etc.
Setia impossível passar cm revista até mesmo os mais importan­
tes grupos dc crenças e de ritos que se acham em ligação com a
agricultura. Este problema foi frequentemente abordado desde
Mannhardt e Frazcr ate Rantasalo, J. J. Meyer e Waidcmar
I.iungman. Contentar-nos-emos em 3prcscntar os ritos e as cren­
ças mats significativos, referindo-nos, de preferência, às zonas
mais metodicamente estudadas, como, por exemplo, as regiões
finesa c estoniana. objeto dos cinco volumes da obra dc Ranta-
salo1.

126. Mulher, sexualidade, agricultura — Jã nos referimos


á solidariedade que sempre existiu entre a mulhei e a agricultura.
Na Prússia Oriental ainda se respeitava, há pouco tempo, o cos-
nim e de uma mulher nua ir ao campo semear ervilhas-. Entre os
fineses, as mulheres levam as sementes para o campo na camisa
A AGRICULTURA E O S CULTO S DE FERTILIDADE 269

menstrual, no sapato dc uma prostituta ou nas meias dc um filho


bastardo5, aumentando assim a fecundidade das sementes pelo
contato com objetos usados por pessoas marcadas por uma forte
nnin erótica. A beterraba semeada por uma mulher c doce, a que
é «emeada por um homem é amarga4. A semente do linho na Es­
tónia é levada para os campos por moças e os suecos só permitem
que o linho seja semeado por mulheres. Entre os alemães são ain­
da as mulheres, em particular as casadas c grávidas, que lançam
M sementes à terra5. A solidariedade mística entre a fecundidade
da terra c a força criadora da mulher c uma das intuições funda­
mentais do que poderiamos chamar a “ consciência agrícola".
Evidcmcmcntc, se a mulher exerce tal influência na vegeta­
ção, a hicrogamia e mesmo a orgia coletiva terão, com muito mais
ta/üo. as mais felizes consequências para a fecundidade vegetal.
Teremos ocasião de examinar inúmeros ritos que atestam a in­
fluência decisiva da magia erótica na agricultura (§ 138). Lem­
bremos, por ora, que as camponesas finesas espalham na terra,
nntes das sementeiras, algumas gotas do seu próprio leite*.
1’oder-se-ia interpretar cxsc costume de diferentes modos: oferenda
nos monos, transformação mágica do campo ainda estéril cm glc-
bu fértil, ou, mais simplesmente, a influência simpática da mu­
lher fecunda, da mãe nas sementeiras. Também devemos men­
cionar o papel desempenhado pela nudez ritual nos trabalhos agrí­
colas, sem reduzi-lo exclusivamcntc a um rito de magia erótica.
Na Finlândia c na Estônia, semeia se. por vezes, de corpo nu.
durante a noite, murmurando: "Senhor, estou nu! Abençoa o meu
linho!"- O que se pretende c, cvidcntcmenle, o aumento da co­
lheita, mas também que ela seja protegida contra o mau-olhado
ou contra as lebres. (Também o feiticeiro está nu quando expul­
sa os sortilégios ou outros flagelos do campo.) Na Estônia, os
lavradores estão convencidos de obter uma boa colheita xc lavra­
rem nusK. Durante a seca. as mulheres hindus puxam, comple-
tamente nuas, uma charrua pelos campos’. E, ainda cm ligação
com a magia erótico-agíária, há que registrar o uso, muito di­
fundido, de regar a charrua com água na primeira lavra do ano.
Neste caso, a água nüo tem unicamente um valor simbólico plu­
vial, tem também um a significação seminal. A aspersão dos la­
vradores com água é muito frcqücntc na Alemanha, na Finlân­
dia e na Estônia10. Um texto indiano diz que a chuva desempe­
nha o mesmo papel q u e o fluxo seminal nas rdacõcs entre o ho­
mem e a mulher1’. De resto, o desenvolvimento da agricultura
270 TRATADO DE HISTÓRIA DAS RELIGIÕES

tende a dar também ao homem um papel cada vez mais impor­


tante. Sc a mulher se identifica com a gleba, o homem é visto
como solidário das sementes que a fecundam. No ritual indiano,
os grãos de arroz personificam o esperma que fecunda a
m ulher12.

127. Oferendas agrárias — Esses exemplos, tirados de um


processo partieularmeme rico, tornam manifesto o caráter ritual
dos trabalhos agrícolas. A mulher, a fertilidade, a sexualidade,
a nudez são outros tantos centros dc energia sagrada c de pontos
d e partida para as representações cerimoniais. Mas, mesmo fora
desses “ centros” , que revelam cm primeiro lugar a solidariedade
entre as diversas modalidades da fertilidade biocósmica, o traba­
lho agrícola revela se. em si mesmo, um ritual. Tal como num
sacrifício ou cm outra cerimônia religiosa, só se pode começar
um trabalho agrícola cm estado dc pureza ritual No começo das
sementeiras ou das colheitas, o lavrador deve lavar-se e vestir uma
camisa nova. Toda uma serie de gestos rituais se processa no co­
meço das sementeiras das ceifas. Esta coincidência nào é fortui-
la: semear c colher sào momentos culminantes do diam a agrá­
rio. Os gestos preliminares constituem, no fundo, sacrifícios des­
tinados a garantir bons resultados. Assim, os primeiros gráos não
são semeados, mas lançados para fora do sulco arado, ofereci­
dos aos difctenles gênios (os mortos, os ventos, a “ deusa do tri-
f.o” . etc.); da mesma forma, na ceifa, as primeiras espigas ficam
no campo para os pássaros, ou para os anjos, para as “ três vir­
gens” , para a ” míie do trigo” , etc. E os sacrifícios que têm lugar
no começo das sementeiras repetem-se no começo du ceifa e da
■debulha1*. Entre os fineses c os alemães sacrificam-sc ovelhas,
cordeiros, gatos. cães14.
Com que fim c a quem são oferecidos esses sacrifícios? A
resposta tem posto ã prova os talentos c suscitado pacientes pes­
quisas. Não c possível duvidar do caráter ritual dos costumes agrá­
rios: a sua finalidade c assegurar uma boa colheita. Mas as foi­
ças dc que depende uma boa colheita são inúmeras, c c natural
que encontremos uma certa confusão na maneira como elas são
personificadas c distribuídas. Também é natural que a represen­
tação dessas forças sagradas, presentes ou implícitas no drama
agrícola, varie de tipo cultural para tipo cultural e de um povo
para outro, mesmo se a origem è a mesma; tais representações
/t agricu ltu ra f. o s c u l t o s d e f e r t il id a d e 271
sào, por sua vez, enquadradas em conjuntos culturais c religio­
sos diferentes, c interpretadas de maneiras diferentes, até mesmo
contraditórias, no seio de uma mesma população (por exemplo,
no norte da Europa as modificações verificadas nas concepções
religiosas das tribos germânicas durante a época de migração; ou
a influência do cristianismo na Europa, do islamismo na África
e na Ásia).

12*. “ Poder” d a colheita — O que se pode distinguir com


muita precisão è a estrutura do cenário agrícola. Assim, observa-se
que toda a infinita variedade do» ritos c das crenças agrárias su­
põe o reconhecimento de uma força manifestada na colheita. Es­
te “ poder" ora é concebido como impessoal, como o são os “ po­
deres” de tantos objetos c atos. ora é representado cm estruturas
míticas, ou ainda concentrado cm certos animai», ou em certas
pessoas humanas. O s rituais, simples ou processados cm repre­
sentações dramáticas densas, têm por finalidade estabelecer rela­
ções favoráveis entre o homem c estes "poderes” e assegurar a
sua regeneração periódica. As vezes, o “ poder” encarnado e ati­
vo na colheita c manipulado de tal forma que é difícil determinar
se o rito pretende prestar homenagem a uma figura mítica que
a representa ou se tem cm vista, muito simplesmente, a conser­
vação do “ poder” cm si mesmo. Assim, o costume de náo ceifar
as últimas espigas está muito difundido; sâo deixadas para “ o
espírito da casa do vizinho", ou para "aqueles que habitam de­
baixo da terra” , ou para os “ cavalos de Othin” , como dizem os
fineses, os cstònios e os suecos, para a Gute Frau. Arme Krau
ou Wald Fräulein, na Alemanha, ou para a “ esposa do irigo”
ou a Holz Fiau!‘.
Como observa J an de Vries16, o sentido desse costume deve
estar na preocupação de não esgotar a essência, a “ força” vivifi­
cante da colheita. É da mesma maneira que se náo colhem nunca
os últimos frutos de uma árvore, que se deixam sempre alguns
fios de là no dorso das ovelhas, que — na Estônia e na Finlândia
— nunca se esvazia complctamcntc a arca onde se guarda o trigo
c que os camponeses despejam um pouco de agua no poço quan­
do a tiram, para que o poço não seque. As espigas não ceifadas
tornam possível que a vegetação e a gleba conservem a sua for­
ça. Este costume — derivado da concepção fundamental do “ po­
der" que se consuma, mas nunca complctamcntc, rcfazcndo-sc
272 TR A TA D O D E H ISTÓ R IA W 5 N E U C IÕES

cm seguida pela sua própria magia — foi inteipretacio mais tarde


como uma oferenda às person: fkaçôes míticas das foiças da ve­
getação c aos diferentes espíritos concebidos era r e la t o direta
ou indireta com ela.
Mas muito mais frequente e mais dramático é o ritual da ceifa
da primeira ou da última gavcla dc um campo. A “ força" de to­
da a vegetação reside nesta gavela. da mesma Icnna que está con­
centrada cm algumas espigas que se evita ceifar. Mas esta pri­
meira ou última gavcla. saturada de força sagrada, ó valorizada
de maneira contraditória. Em certas regiões, os homens apressam-
se a ceifá-la em primeiro lugar, cm outras rodos os lavradores
evitam ceifá-la: num caso, é levada em cortejo até a proprieda­
de. noutro, é lançada para o camjxj do vizinho. Nào há dúvida
de que o último feixe concentra cm si m *m o uma força sagrada,
propkria ou noriva: 05 homens dispulám entre «i quer a sua apro­
priação quer a sua expulsão. Esta ambivalência não contradiz a
estrutura do sagrado, mas c mais provável que as valorizações
contraditórias da última gasela sejam devidas a cenários parale­
los em relaçáo com a manipulação c a distribuição «lo "poder"
encarnado na vegetação. Os alemães fazem um feixe com as pri­
meiras c as últimas espigas e põem-no sobre a mesa, porque isso
traz felicidade'7. Para os fineses c os estonianos, 0 primeiro fei­
xe — que c levado com grande pompa à propriedade — traz a
benção i»ara toda a casa. protege-a das doenças, do raio. etc.,
como também protege a colheita contia os ratos. Também está
muito disseminado o costume de guardar o primeiro feixe de tri­
go na principal casa da propriedade durante as refeições dc uma
noite inteira, como sucede na Alemanha, na Estônia c na
Suécia18. Em outros lugares, da-sc a primeira gavela ao gado pa­
ra protegê-lo e abençoá-lo.
Na Estônia, o primeiro feixe de trigo tem poderes proféti­
cos: lançando as espigas segundo um certo cerimonial, as jovens
ficam sabendo qual será a primeira a casar. Pelo contrário, na
Escócia, c aquele que ceifa a ultima gavcla — chamada “ a jo ­
vem” —■que se casa no decurso do ano, e é por isso que os cei­
feiros recorrem a vários estratagemas para se apoderarem dela19.
Em muitas regiões, a última fiada de trigo ceifado c chamada "a
casada” 31. O preço do trigo no decurso do ano pode ser previsto
em certas regiões da Alemanha por meio do primeiro feixe21. Na
Finlândia c na Estônia, os ceifeiros apressam-se em chegar à últi­
ma fiada dc trigo. Os fines* chamam-lhe "berço de criança" e
A AGRICULTORA E OS CULTOS DE FERTILIDADE 273

acreditam que a mulher que a amarrar ficará grávida. Nas mes­


mas regiões, assim como nos paives germànkos, é frequente o cos­
tume de fazer um feixe enorme com as últimas espigas para ga­
rantir boa colheita no ano seguinte e é por isso que no tempo das
sementeiras se misturam com as sementes grãos dessas espigas-2.

129. Personificações míticas — fim todas essas crenças e cos­


tumes nos encontramos perante o "poder” da colheita represen­
tada como tal, como "força sagrada", c náo transfigurada nu­
ma personificação mitic3. Mas existem inúmeras cerimónias que
supõem, de maneira mais ou menos manifesta, um "poder” per­
sonificado. As figuras, os nomes c a intensidade dessas personi­
ficações variam: "M âe do trigo” nos paiscs anglo germânicos,
OU ‘‘Grande màe"; "M âe da espiga". “ Velha dissoluta” , “ Mu­
lher velha” , “ Ancião” , entre os eslavos; "M ãe da colheita", "O
Velho” , entre os árabes; " O Ancião" ou “ A Barba" (a barba
do Salvador, de Santo Elias, ou de São Nicolau. entre os búlga­
ros, sérvios e russos), e tantos outros nomes ainda que se dáo ao
ser mítico que se supõe estar no último feixe de trigo''.
Observa se uni» terminologia c concepções similares nos po­
vos náo europeus. Assim, os peruanos pensam que as plantas úteis
estão animadas de uma força divina que lhes assegura o cresci­
mento c a fertilidade; a figura da "Mác do milho” Izara-rr.jrna),
poi exemplo, c feita de pes de milho de maneira a parecer uma
mulher, c os indígenas creem que, "como mâe, ela tem o poder
de produzir muito m ilho"24. Esta figura é conservada até a co­
lheita seguinte, mas, por volta do meio do ano. os “ feiticeiros”
perguntam-lhe se ela se sente com forças para chegai ate o fim;
no caso cm que a zaramama responde que se sente fraca,
queimam-na e fazem uma nova "M âe do m ilho", para que a se­
mente do milho nâo morra15. Os indonésios conhecem um "es­
pirito do arroz", poder que faz crescer e frutificar o arroz: c por
isso que eles se conqsortam para com o arroz cm flor como para
com uma mulher grávida, tomando muitas precauções pata que
o "espirito" seja captado e metido num cesto c cuidadosamente
guardado no celeiro-'1'. Creem os karens da Birmânia, sempre que
a colheita está cm risco de sc perder, que é a alma (Kdoh) do ar­
roz que sc afastou dela c que. sc não sc conseguir a sua reintegra­
ção. a colheita sc perderá. Ê por isso que sc pronunciam certas
fórmulas dirigidas â "alm a” , à força que parece já não estar ati­
274 THA TA DO D e HtSTO iU A D A S REU GIÔE5

va na planta: “ Oh. vem, Kelah do arroz, vctn! . vem para o cam­


po. Vem para o arroz. Com sementes dos dois sexos, vem! Vem
do rio Kho, vem do rio Kaw; do lugar onde das se encontram,
vem; vem do Ocidente, vem do Oriente. Da garganta do pássa­
ro. das mandíbulas do macaco, da garganta do eletante. Vem da
nascente dos rios c da sua embocadura Veta do pais do Chan
e do Birman. Dos reinos longínquos, de todos os celeiros, oh.
vem! Oh, Kelah do arroz, vem para o a r ro z .'r
Os minangkabaucrs de Sumatra pensam que o arroz c pro­
tegido por um espirito feminino chamado Sanir.g Sati. também
designado por indoea;<adi (liteialtnente, “ M ie do arroz") Cer­
tos pés de arroz, cultivados com especial cuidado e Transplanta­
dos para o meio do campo, representam esta indoea padi cuja
força exemplar se exerce de maneira coativa e benfazeja na
colheita3 . Os tomoris das Celebcs também conhccctrt uma "mãe
do arroz” (ineno pae)r*. Na península melai i. W. \V. Skeat as­
sistiu a cerimónias relacionadas com a “ Màc do arroz criança",
que provam que se assimila, durante très dias. a mulher do fa­
zendeiro a uma mulher parida, a paitir do momento cm que a
"alma do arroz criança" entrou cm casa. Nas ilhas de Java. Bali
c Sombok, realizam-se os noivados c as núpcias dc dois molhos
de arroz, escolhidos entte as plantas maduras antes dc se come­
çar a colheita. O par nupcial é levado para casa c posto na granja
"para que o arroz possa multiplicar-se” *5. Trata-sc, nestes últi­
mos casos, de uma mistura dc duas representações: a força que
faz multiplicar a planta c a magia fertilizante do casamento.
Dir-se-ia que esta personificação da "força" ativa na vege­
tação se rcaiiza complctainente quando os ceifeiros fazem, com
as últimas espigas, uma figura que se assemelhe o mais possível
à figura humana, habitualmente uma figura dc mulher, ou deco­
ram mesmo uma pessoa com palha, dando lhe o nome do ser mí­
tico que se admite que ela represente; esta pessoa desempenha sem
pte uni certo papel cerimonial. Assim, na Dinamarca, a figura
chamada “ o Velho" (gammclnutnden) é enfeitada com flores c
conduzida à casa com grande dcfcrüncia. Mas, segundo outras
fontes, dava-se uma forma humana ao último feixe de trigo, re­
cortando nele urna cabeça, dois br aços c duas pernas, lançando-o
em seguida no campo ainda não ceifado do vizinho'1. Entre os
a k m & s . a "Mulher velha" o u o "A jxtâo" eram lançadosao tam ­
po do vizinho ou então levados para casa e conservados até a co­
lheita seguinte. Com este scr mítico eram, tx> entanto, identifica­
A A G R IC VLTU R A E O S CULTO S DE FERTILIDADE 275

dos o ceifeiro que cortava a última gavcla ou o estrangeiro que


passava por acaso ao longo do campo, ou o próprio fazendeiro.
Na Suécia, por exemplo, .1 jovem que ceifava as últimas espigas
devia amarrá-las ao pescoço, levá-las para casa e, na festa que
se fazia no fim da ceifa, dançar com esta efígie'2. Na Dinamar­
ca, a ceifeira dança com o manequim formado com as últimas
espigas, e chora porque se considera “ viúva” , estando com efei­
to casada com um ser mítico destinado á mortc,J.
As vezes, testemunha-se grande respeito para com os repre­
sentantes humanos do “ poder" personificado na colheita. Ou­
tras vcz.es, pelo contrário, zomba se deles, lista ambivalência pa­
rece ser devida à dupla função que o que ceifa as últimas espigas
pode desempenhar: identificado ao “ espitiio” ou ao "poder"
agrícola, ele c festejado; considerado, pelo contrário, como o que
destrói ou mala esse poder, ele e olhado com hostilidade e amea­
çado de morte. Assim, nos diferentes países germânicos, daquele
que deu o último corte com a foice diz-se que “ feriu 0 velho"
ou "apanhou o velho": ele tem de lesar o manequim dc palha
até a aldeia, no meio dc risos e gracejos dc todos, ou entào deve­
rá lançá lo, sem ser visto, no campo de um vizinho que ainda não
tenha acabado dc debulhar*. Na Alemanha, 0 último ceifeiro ou
a jovem que ata o último feixe sào atados ao molho c conduzi­
dos à aldeia com grande pompa, sendo lhes sei vidos os melhores
pratos do festim3*.
Na Fscócia, o último feixe è chamado a "Mulher velha” {cail
leach) c todos se esforçam por evitar ceifá-lo, com medo da fo­
me, pois que se crê que quem o ceifar lerá de sustentar uma ve­
lha imaginária até a próxima colheita*. Os noruegueses crêem
que skurckail (0 ceifeiro) vive durante todo o ano nos campos
sem ser visto c se nutre do tiigo do fazendeiro. F capturado no
último feixe, de que se faz uma boneca chamada skurekaiP'. Se­
gundo outras fontes, a boneca ê lançada no campo dc um vizi­
nho que ainda nào tenha acabado dc ceifar c este é obrigado a
sustentá-la dutaute todo o ano. Fntrc os eslavos, pelo contrário,
aquele que ata a "B uba" (a mulher velha) é considerado uma pes­
soa feliz, pois terá um filho no decurso do ano1K. Na região da
Cracóvia, a pessoa que ata o último feixe écham ada "B aba" ou
“ A vô"; é enfeixada com palha de maneira a lhe ficar livre ape­
nas a cabeça, c conduzida no último carro ate a propriedade, on­
de toda a família a a sperge com água. Durante um ano esta pes­
soa conseiva o nome dc "Baba” 19. Na Coríntia, o que amarra
2 76 f R - t TA DO DE HTSrÓ XlA D AS K E llG JÔ E S

o i últimos feixes < envohido com palha e lar.çado ã ag.ua. Os búl-


f .aros cham a» à última gavda a "Rainha do trigo": vestem-na
com u n a camba de mulher, desfilam com ela pela aldeia e de­
pois lançam-na aa rio para garantirem a chuva para a colheita
seguinte; ou então queimam-na e espalham as aturas no campo
para aumentar sua fertilidade^0.

130. Sacrifício* humanos — O costura? de aspergir c lançar


à agua o representante da vegetação está muito disseminado, co­
mo o de queimai o boneco de palha c espalhai as cinzas pelos
campos. Todos esses atos tém um sentido ritual preciso e fazem
parte de um cenário dramático que foi conservado intato cm cel­
tas icgiôes c que. por si sò. nos fará compreender o ccrimoniul
agráno N.\ Suécia, por exemplo. w uma mui b r estranha pene­
tra na eira, ela é envolvida em palha e chamada a ‘'Mulher do
trino". Na Vendeia. é a fazendeira que desempenha este papel;
envolta cm palha e levada para a debulhadora c empurrada para
debaixo dela; depois é retirada do meio das espigas c estas são
debulhadas, mas a mulher é lançada ao ar numa cobertura, co­
mo se ela própria fosse de trigo que houvesse de se moer'“ . A
identidade entre o “ poder" dos cercais c o seu representante hu­
mano é. neste caso, completa; a lavradeira sofre, simbolicamen­
te, o drama do trigo, cujo "poder" estü concentrado no último
feixe e que passa por uma série de ritos destinados a regenerá-lo
c a aplacá-lo.
Em muitas outras regiões da Europa ameaça se de morte,
gracejando, o estranho que se aproxima do campo que se ceifa
ou da eira onde se debulha o trigo'0 . Em algumas regiões,
mordem-lhe as pontas dos dedos, chegam-lhe a foice ao pesco­
ço, etc. Em certas regiões da Alemanha, o desconhecido é amar­
rado petos ceifeiros e terá de pagar uma multa se quiser alcançar
a liberdade. O jogo c acompanhado de canções que falam uma
linguagem clara. Na Pomcrània, por exemplo, o chefe dos cci-
feitos diz assim:

Os homens euáo prontos.


As foices sáo curvas,
O trigo é grande e pequeno.
Trata-se de ceifar o estrangeiro!
A A G R IC U LTVR A E O S CULTOS D E FERTILIDADE 277

E no distrito de Stettin: "Bateremos no visitante — com as


nossas espadas nuas — com que tosquiamos campos c pra­
dos.‘M? O mesmo costume se veiifica contra o estranho que se
aproxima da eira da debulha: c agarrado, amarrado c ameaçado.
É provável que tenhamos aqui reminiscências de um cenário
ritual que implicava um sacrifício humano real. Essas reminis­
cências náo supõem, no entanto, que todas as sociedades agrá­
rias que pratiquem hoje a amarração e a ameaça de morte para
com o estranho apanhado nas imediações do campo ceifado te­
nham praticado outrora o sacrifício humano por ocasifio da co-
Ihetta. £ provável que todas essas cerimônias agrícolas se tenham
difundido, a partir de alguns centros — Egito, Síria, Mesopotâ-
tnia —, por grande parte do mundo c que muitos povos só te­
nham incorporado fragmentos dos cenários originais. Já na An­
tiguidade clássica o “ sacrifício humano” por ocasião da ceifa náo
era mais do que uma vaga recordação de tempos antigos, supe­
rados havia muito. Assim, uma lendu grega menciona um bas­
tardo do rei frtgio Midas. Lityersés. conhecido pelo seu fabuloso
apetite e pelo gosto apaixonado em ceifar o trigo. Iodo estran­
geiro que passasse por acaso perto dos seus campos era por ele
obsequiado e depois condu/ido ao campo e obrigado a ceifar com
de. Sc fosse vencido neste concurso, Lityersés amarrava o a um
feixe, cortava-lhe a cabeça com a foice c lançava o corpo para
o campo. Finalmcutc. Heraeles desafiou Lityersés, vcnccu-o,
cortou-lhe a cabeça com a sua foice e lançou o corpo no rio Mean­
dro, o que nos leva a supor que Lityersés fazia o mesmo com as
suas vítimas44. É provável que, muitos séculos antes, os frtgios
praticassem com efeito um sacrifício humano por ocasiào da co­
lheita; segundo alguns indícios, este sacrifício era igualmcnte fre-
qüente em outras regiões do Oriente mediterrànico.

131. Sacrifícios humanos e n tre os a stc c a s c os khonds — Te­


mos provas de sacrifícios humanos para propiciar colheitas entre
certas populações d a America Central e do Norte, cm algumas
regiões da África, cm certas ilhas do Pacífico c entre numerosas
populações drávidas da índia45. Limitar-nos-emos, para uma
mais clara compreensão da estrutura destes sacrifícios humanos,
a lembrar alguns exemplos, mas com detalhes suficientes.
Sahagun deixou-nos uma descrição rigorosa dos ritos do mi­
lho entre os astecas do México. Logo que a planta germinava.
273 IR A T A D O DF. H ISJÚ RJA D AS t £ L l C X ) t S

ia-sc ao campo “ procurar o deus do milho” , qucrdizet, um re­


bento que sc levava para casa c oo quai se apresentavam oferen­
das em alimentos, como sc ve tratasse de uma divindade. A noi­
te, a planta era lesada ao tetnplo da deusa das substâncias,
Chicomé-coatl, or.de sc reuniam moças que levavam, coda uma.
urn feixe de sete espigas dc milho de uma colheita anterior, num
invólucro vcnr.clho e borrifadas com cauchu. O rxxne que se da­
va a este feixe, chicomototi (a sétupla espiga), designava também
a deusa do milho. As jovens eram dc três idades difeietUes: pe­
quenas, adolescentes e grandes. e pctsor.ificavam, sem dúvida,
de uma maneira simbólica, as etapas do crescimento do milho;
tinham os braços e as pernas cobertos dc plumas vermelhas, cot
das divindades do milho. Esta cerimónia, que sc limiteva à ho­
menagem à deusa e à benção mágica da colheita ainda mal ger­
minada. não compófiáva sacrifício. Era somente três meses mais
tarde, quando a colheita já estuva madura, que uma jovem que
representava a deusa do ir.ilho novo, Xiloncn. cra decapitada; este
sacrifício abria o uso alinventar, profano, do milho novo. o que
faz su pôr que a sua função cra mais propriamente a dc um sacri­
fício dus primícias. Quando, sessenta dias mais tarde, acabava
a ceifa, tinha lugar um novo sacrifício. Uma mulher, que repre­
sentava a deusa Toei, “ Nossa Mãe" (a deusa do milho colhido
c utilizado), cra decapitada e esfolada imediatamente. Um sacer­
dote envolvia-se com a pele. um pedaço da coxa cra levado ao
Templo de Cinteotl, deus do milho, onde outro figurante fazia
com ele uma máscara. Durante algumas semanas, este cra trata
do como uma mulher panda, porque, provavelmente, o sentido
deste rito era que Toei. uma vez. morta, renascia no seu filho, o
milho seco, nos grãos que iam servir de alimento durante todo
o inverno. Seguia-sc uma série dc cerimônias: os guerreiros des­
filavam (Toei cra. ao mesmo tempo, como diversas divindades
orientais da fecundidade, divindade da guerra c d a morte),
executavam-sc danças e, por fim, o rei, seguido de todo o povo,
lançava à cabeça do que representava Toei tudo o que tinha â
mão, retirando sc imediatamente. Parece que Toei sc transfor­
mava, por fim, em bode expiatório c que tomava sobre si, quan­
do cra expulsa, todos os pecados da comunidade, porque o figu­
rante levava a pele ate um castelo da fronteira onde d e a pendu­
rava, de braços abertos. Era também para lá que levavam a más­
cara dc Cinteotl**. Em outros povos americanos, como, por
exemplo, os Pawnccs, o corpo da jovem sacrificada cra esquar-
A AGRICULTURA l i O S CULTO S D L FERTILIDADE 279

tcjado c os pedaços enterrados nos campos41. Encontra-se o mes­


mo costume de esquartejar c espalhar o corpo na terra arada em
cenas tribos da África*’.
Mas o caso de sacrifício humano agrícola mais conhecido é
o que era praticado, até meados do século XIX. por uma tribo
drávida dc Bengala, os khonds. Os sacrifícios eram oferecidos à
deusa da Terra. Taii Pcnnu ou Bera Penu, c a vítima, chamada
Mcriah, ora era comprada, ora era filha de indivíduos que tam­
bém tinham servido d e vitimas. Os sacrifícios tinham lugar em
festas periódicas ou cm circunstâncias excepcionais, mas as víti­
mas eram sempre voluntárias. Os Meriahs viviam aliás bastante
felizes durante longos anos c eram considerados como seres con­
sagrados; desposavam outras “ vítimas” e recebiam uma porção
dc terreno em dote. I>ez ou doze dias antes do sacrifício, cortava-
se o cabelo da vítima, cerimônia a que o povo assistia, pois que
o sacrifício cra oferecido, segundo criam os khonds. no interesse
de todos. Seguia-se um a orgia indescritível — sintoma que va­
mos encontrar cm muitas festas que se prendem à agricultura c
à fecundidade da natuieza — e conduzia-sc o Mcriah, cm procis­
são, desde a aldeia até o lugar do sacrifício, cm geral uma flores­
ta onde nunc3 entrara o machado. Aqui. era consagrado: ungi­
do com manteiga derretida c açafrão-das-indias, ornado de flo­
res. o Mcriah parcci3 idcntificar-sc à divindade, porque o povo
se comprimia em volta dele para lhe tocar c as homenageas que
lhe eram dirigidas dificilmente se distinguiam da adoração, A mul­
tidão dançava cm volra da vítima ao som de música c. dirigindo-
se à terra, exclamava: “ Oh. Deus, nós te oferecemos este sacrifí­
cio; dá-nos boas colheitas, boas estações, boa saúde!” Depois,
diria, dirigindo-se à vítima: “ Nós compramos-tc. nào tc toma­
mos à força; agora, sacrificamos-tc dc acordo com o costume e
nenhum pecado cairá sobre nós!" As orgias, suspensas durante
a noite, recomeçavam de manhã e duravam ate o meio-dia, quan­
do todos se reuniam cm volta do Meriah para assistir ao sacrifí­
cio. A morte podia ser consumada de diferentes modos: drogava-
sc a vítima com ópio e em seguida trituravam se lhe os ossos, ou
era estrangulada, ou cortada cm pedaços, ou ainda queimada len-
tamente na fogueira. Todos os que assistiam á festa, assim como
todas as aldeias que tinham enviado representantes, recebiam um
pedaço do corpo sacrificado. O sacerdote partilhava cuidadosa-
mente os pedaços, que rapidamente eram enviados a todas as al­
deias e enterrados nos campos com um certo ritual. Os restos,
28 0 TUA TA DO DF. H K T Ô A /A 0 4 S t. E U & Õ C S

cm particular a ca beca e cs ossos, era in á r m d e s e as cirttas es­


palhadas pela gleba, a fira de garantir ume òca c r liteira. Q.ian-
d o as autoridades britânicas proibiram os sacrifícios humanos,
os khonds substituiram os Meriahs por certas animais (Ixxle,
búfalo)4*.

132. Sacrifício e regeneração — O sentido desses sacrifícios


humanos deve ser procurado na teoria arcaica i a tcgcneracio pe­
riódica das forças sagradas. Evidcntemecte, todo rito ou cenário
dramático que pretende obter a regeneração de uma “ força” é,
e k próprio, a repetição de um ato primordial, do tipo cosmogô-
n k o . que teve lugar ob initio. O sacrifício de regeneração é uma
tepetiçào ritual da Criação. O mito cosmcgónico implica a mor­
te- ntual (quer dizer, violenta) de um giçanie primordial, d : cujo
corpo se constituiram os mundos, cresceram as plantas, etc. É
sobretudo a origem das plantas e dos cereais que sc acha era liga­
ção com tal sacrifício: vimos que as plantas, o trigo, a vinha, ger­
minaram do sangue c da carne de uma criatura mítica sacrifica­
da ritualmenie “ no principio", in illo tempore De fato, o sacri­
fício dc uma vítima humana para a regeneração da foiça mani­
festada na colheita tem por objeto a repetição do ato dc criação
que deu vida às sementes. O ritual refaz a criação-, a força ativa
nas plantas regcncra-sc por uma suspensão do tempo c pelo re­
to m o ao momento inicial da plenitude cosmogônica. O corpo es­
quartejado da vitima coincide com o corpo do scr mítico primor­
dial que deu vida às sementes pck> seu esqtiartcjamento ritual.
Tal c. poder-se ia di/er. o cenário ideal que se pode colocar
na origem dc qualquer sacrifício humano ou animal praticado com
a intenção de aumentar c dar vigor á colheita. O sentido mais unc-
d iato c mais evidente é simplesmente o da regeneração da força
sagrada que se encontra nas colheitas. A fecundidade c, cm si mes­
ma, uma realização, e poi tanto um esgotamento de todas as pos­
sibilidades ate então virtuais O homem “ primitivo" vive em per­
petua ansiedade de ver esgotaram-se as forças úteis que o rodeiam.
O medo dc que 0 Sol >e extinga definitivamente no solstício de
inverno, dc que a Lua não se levante mais, dc que a vegetação
desapareça atormentou o durante milhares de anos. Perante qual-
quer manifestação do "poder” a mesma inquietação xc apodera
dele; este poder c precário, corre o risco dc se esgotar. A ansie­
dade c partieularmente patética perante manifestações periódi-
A AGRICULTURA t OS CULTOS D E F E R T IL ID A D E 2Í\

cai do "poder” , como a vegetação, cujo ritmo conhece momen­


tos dcextinção aparente. E a ansiedade é ainda mais aguda quando
a desagregação da “ força” parece ser devida à intervenção do
homem: a colheita das primícias, a ceifa. etc. Neste caso,
ofcrcccrn-sc sacrifícios designados "primícias"; o ritual reconci­
lia o homem com as forças que atuam nos frutos c outorga-lhe
permissão para os consumir sem perigo. Tais ritos marcam, ao
mesmo tempo, o começo do novo ano. quer dizei, de um novo
período de tempo, “ regenerado” . Entre os cafres do Natal c os
zulus, após as festas do novo ano. tem lugar no Kraal do rei a
grande dança, durante a qual são cozidas diversas espécies de fru­
tos. num fogo novo aceso por mágicos, em potes novos que só
servem para esta cerimónia E só depois de o iei ter feito comun
gar cada um dos participantes nesta papa das primícias que pode
começar o consumo alim entar dos frutos50. Entre os índios
Crcck. o ritual da oferenda das primícias coincide com o da pu­
rificação e da expulsão dc todos os inales c pecados. Extinguem-
se todos os fogos e os sacerdotes acendem, por fricção, um fogo
novo; todos sc purificam com um jejum de oito dias. com vomi­
tórios, etc. Só é permitido consumir os grãos colhidos depois dc
o ano ser. deste modo. "renovado” 5'.
Nestes rituais dc primícias distinguem-sc vários elementos
constitutivos: I?. o perigo que acompanha o consumo dc uma
nova colheita, quer porque a espeoe vegetal possa esgotar-se, quer
porque aquele que a consome corra o risco dc atrair as represá­
lias da "fo rca" que está presente nos frutos; 2?, a necessidade
dc afastar esse perigo pela consagração ritual das primícias ou
pela purificação prévia (“ expulsão dos pecados” , tipo bode ex­
piatório) c a regeneração da comunidade; 3?. regeneração que tem
lugar pela “ renovação do tcrnpo". quer dizer, pelo recomeço de
um tempo puro, primordial (cada novo ano c uma nova criação
do tcrnpo — cf. $ 153). Vimos que entre os astecas a expulsão
do ano velho c ao mesmo tempo dc todos os males c dc todos
os pecados tinha lugat simultaneamente com o sacrifício à deusa
do milho. O cenário dramático compreende paradas militares, lu­
tas mimadas, etc., que também encontramos em outras cerimô­
nias agrárias (por exemplo, nos mais antigos rituais osíricos).

133. Rituais finais — Para concluir esta exposição sumária


das cerimônias agrárias, devemos mencionar alguns costumes com
282 TKA TAOO DE tliSTÜKlA DA $ KEUGtOES

os quais o ciclo sc fecha, os sacrifícios que têm lugar quando se


leva acolheita para as granjasc outros. Os finlandeses, locom e-
çarem a ceifa, sacrificam o pruivcito cordeiro nascido nesse ano.
Deixa-se escorrer o sangue para a terra e as vísceras sào dadas
cm "paga ao u n o " , "ao guarda campestre’*. A carne é assada
c comida em comum, nos campos, ficando no solo arado três pe­
daços para o "espirito da terra” Têm também o coMume de pre­
parar, no começo da ceifa, certos pratos, vaga reminiscência, pro­
vavelmente, deum festim cerimonial32. Uma informação estorna-
na menciona um lugar do campo dcnormr.ado "cova dos sacrifí­
cios", onde outrora sc punham, lodos o» arx>s, as primícias da
nova colheita” . Já vimos que a ceifa conservou, até os nossos
dias, um caráter ritual; os três primeiros feixes são ceifados etn
silêncio; os estonianos, os alemães c os suecos nào colhem as pri­
meiras espigas” , fiste último costume está muito espalhado c as
espigas que ficam como oferenda destinam-se, segundo diversas
crenças, "aos cavalos de Othtn” . "â vaca da mulher da flores­
ta” , "aos ratos", "ás sctc jovens das granjas" (Baviera) ou “ à
menina do bosque” 55.
Quando se leva o trigo para as granjas rea!izam-sc várias ce­
rimónias; por exemplo, lança-se, por am a do om bro esquerdo,
um punhado dc gràos, dizendo: •‘Estes sào para os ratos." O om­
bro esquerdo indica o sentido funerário da oferenda. Por outro
Jado, entre os alemães existe o costume dc moer os ptimeiros pés
dc feno levados para a granja, dizendo: ” É a comida dos mor­
to s!” Na Suécia, leva-se para as granjas pão c vinho, para se o b ­
ter a benevolência do espírito da casaM. Por ocasião d a debulha,
deixam-se de lado algumas espigas pata o espirito da eira. Os fi­
neses dizem que a oferenda é feita para "que o trigo cresça ainda
no próximo ano"” . Uma outra tradição finlandesa diz que a ga-
vela que fica por debulhar pertence ao espírito da terra (maanhai-
V a ). Lm outras regiões crê se que o espirito da leria U a lo n h a ltia )
vem, na noite de Páscoa, debulhar os três feixes que ficaram des­
de o outono. Chatnam-sc esses feixes, em alguns casos, "os fei­
xes dos espíritos” . Entre os suecos, o último feixe não é debu­
lhado mas deixado no catnpo ate a colheita seguinte, "para que
o ano seja abundante"58.
Não há dúvida de que muitas destas oferendas têm caráter
funerário. As relações entre os monos e a fertilidade agrícola são
bastante importantes c teremos ocasiSo dc voltar a cias. Note­
mos, entretanto, a perfeita simetria entre as oferendas feitas no
A AG RICU LTU RA E O S CULTOS DE TER71LIDADE 283

começo das sementeiras, da ceifa, da debulha ou do cnccleira-


mento. O ciclo fecha com a festa coletiva da colheita que se íca-
liza no outono (nas tegiôes do Norte, pelo S. Miguel) c que com­
porta um festim, danças c sacrifícios oferecidos aos diferentes
espíritos59. Com cs«a cerimônia termina o ano agrícola. Os ele­
mentos agrários presentes nas festas do inverno explicam se pela
fusão dos cultos da fertilidade com os cultos funerários. Os mor­
tos que vào proteger os grãos semeados na terra têm também de­
baixo da sua jurisdição a colheita cncclcirada, alimento dos vi­
vos durante todo o inverno.
A similitude entre os rituais agrários do começo c do fim c
digna de registro. Com ela, acentua-se o caráter de ciclo fechado
do cerimonial agrícola. O “ ano” torna-se uma unidade fechada.
O tempo perde a homogeneidade relativa que tinha nas socieda­
des prc-agránas. Já n io c xó dividido cm esiaçòes, mas delimita­
do cm unidades per Jeitamente fechadas: ” o ano velho" difere ni­
tidamente do "ano novo". A regeneração da força ativa da ve­
getação estende a sua eficácia sobre a regeneração da sociedade
humana pela renovação do tempo. A expulsão do "ano velho”
faz-se ao mesmo tempo que a expulsão dos males e dos pecados
de toda a comunidade (§ 152). Esta idéia da regeneração periódi­
ca penetra ainda em outros domínios, por exemplo, no da sobe­
rania. A mesma teoria central gera c aumenta a esperança numa
regeneração espiritual por iniciação. Finalmente, cm relação di­
leta com essas crenças da regeneração cíclica — realizada pelo
cerimonial agrário —, encontram-se também inúmeros rituais da
"orgia", da reatnali/açâo fulgurante do caos primordial, da rein­
tegração na unidade não diferenciada anterior á Criação.

134. Os mortos c as sementes — A agricultura, como técni­


ca profana e como forma de culto, encontra o mundo dos mor­
tos cm dois planos distintos. O primeiro é a solidariedade com
a terra: os mortos, com o as sementes, são enterrados, penetram
na dimensão ctônica só a eles acessível. Por outro lado. a agri­
cultura é. por excelência, uma técnica da fertilidade, da vida que
se reproduz multiplicando-se; e os mortos são particularmcntc
atraídos por esse mistério do renascimento, da palingenesia c da
fecundidade sem tréguas. Semelhantes às sementes enterradas na
matriz telúrica, os mortos esperam o seu regresso à vida sob uma
nova forma. Por isso se aproximam dos vivos, sobretudo nos mo­
2SA TR A TA D O D E HISTÓRIA D A S RELIGIÕES

mentos cm que a tensão vital das comunidades atinge o seu má­


ximo, quci dizer, tias chamadas festas da fertilidade, quando as
forças genéticas da natureza c do grupo humano sào evocadas,
desencadeadas, exacerbadas por ritos, pela opulência e pela or­
gia. At almas <los mortos estão sedentas de plenitude biológica,
«te excesso orgânico, porque este transbordamento vital compen­
sa a pobreza da sua substância e projeta-os numa corrente impe­
tuosa de virtualidades c de germes.
O festim coletivo representa justamente essa concepção de
energia vital; um festim, com todos os excessos que implica, é,
pois. indispensável, t anto para as festas agrícolas como para a
comemoração eles mortos. Outrora. os banquetes tinham lugar
pen o dos próprios túmulos, para que o defunto pudesse partici­
par do excedente vital desencadeado perto dele. Na índia, o fei­
jã o era oferenda levada aos mortos, mas era considerado, ao mes­
mo tempo, um afrodisíaco40. Na China, o leito conjugal
encontrava-se no canto mais sombrio da casa, local onde se con­
servavam as sementes e por cima de onde se enterravam os
mortos01. A ligação entre os antepassados, as colheitas e a sexua­
lidade 6 tão estreita que os cultos funerários, agrários e genésicos
se interpenetram às vezes ate a fusão completa. Nos povos nór­
dicos. o Natal era a festa dos mortos e, ao mesmo tempo, uma
exaltação da fertilidade e da vida. É no Natal que se realizam ban­
quetes copiosos c que, muitas vezes, se celebram os casamentos
e ac cuida dos túmulos02.
Os m onos regressam nesses dias para tomar parte nos ritos
de fertilidade dos vivos. Na Suécia, a mulher guarda r.o baú do
dote um pedaço do bolo de casamento, para levá-lo con sigo para
a cova. Da mesma forma, tanto nos países nórdicos como na Chi­
na, as mulheres são amortalhadas nos seus vestidos d e noiva"5.
" O arco de honra” que se ergue no caminho do par conjugal é
idêntico ao que se ergue no cemitério para acolher o morto. A
árvore de Natal (originariamente, no Norte, uma árvore a que
só se deixavam as folhas da copa. maj) é usada tanto nas núpcias
como nos enterros44. É inútil mencionar ainda os casamentos
p usi mortem, reais ou simbólicos — e aos quais nos referiremos
mais adiante —, e cujo sentido deve ser procurado no desejo de
assegurar ao defunta uma condição vital ótima c uma plenitude
genésica.
Se os mortos procuram as modalidades espermáticas e ger
minativas. nào c menos verdade que os vivos também precisam
A AGRICULTURA E O S CULTOS DE FERTILIDADE 285

delas para defender as suas sementeiras e proteger as colheitas.


Enquanto os grãos se acham enterrados, acham-sc, por isso, sob
jurisdição dos mortos. A 'T erra-M ae" ou a Grande Deusa da
fertilidade fiscaliza da mesma maneira o destino das sementes e
o dos mortos. Mas estes estão, ás vezes, mais perto do homem
c o lavrador diiige-se-lhcs para que eles abençoem e amparem o
seu trabalho (o negro é a cor da terra e dos mortos). Hipócratcs
diz-nos que os espiritas dos defuntos fazem crescer e germinar
as sementes, e o autor dos Geoponica sabe que os ventos (isto
é, as almas dos mortos) dão vida às plantas e a todas as coisas65.
Na Arábia, o último feixe, chamado " o Velho” , é ceifado pelo
próprio dono do campo, colocado numa cova c sepultado com
preces pelas quais se pede a ele que “o trigo renasça para a vi-
d a " 66. Entre os bambaras, quando se verte a água sobre a cabe­
ça do cadáver deitado na cova pt estes a ser coberta, implora-se:
“ Que os ventos nos sejam benfazejos, que soprem do Noite ou
do Sul. do Oeste ou do Leste! Dá-nos chuva! Dá-nos uma co­
lheita abundante!"67 Durante as sementeiras, os finlandeses en­
terram ossos de mortos (do cemitério, só os restituindo depois
da colheita) ou objetos que tenham pertencido a algum morto.
Sc uns ou outros lhes faltam, contentam-se com terra do cemité­
rio ou de um caminho por onde tenham passado os monos61. Os
alemães tem o costume de espalhar no campo, com as sementes,
terra de um túmulo recente ou palha que tenha servido de leito
a um defunto**. A serpente, animal funerário por excelência,
protege as colheitas. Na primavera, no começo das sementeiras,
ofereciam-se sacrifícios aos monos, para defenderem u colheita
c tomarem-na sob seus cuidados™.

135. Divindades agrárias c funerárias — Podemos observar


mais daramente a solidariedade dos mortos com a fertilidade e
a agricultura quando estudamos as festas ou as divindades que
se relacionam com um desses dois cenários cultuais. Geralmente,
uma divindade da fertilidade ctõnico-vegeial torna-se também
uma divindade funerária. Holika. originariainente representada
com a aparência de uma árvore, torna-se mais tarde divindade
dos monos c gênio cia fecundidade vegetal’1. Uma multidão de
gênios da vegetação e do crescimento, de estrutura c de origem
ctõnicas, são assimilados, até se tornarem irreconhecíveis, ao gru­
po amorfo dos mortos72. Na Grécia arcaica os mortos, como os
286 T M 7A D O D E HISTO RIA DA S A £ U G !Ô E S

cereais, cram posio» e n vasos de terra cozida. Às divin Jades do


mundo subterrâneo oferecíarn-se círios, tal como às divindades
da fertilidade73. Fcroria é chamada deu agrortim »ve mje*o-
rutn>i. Durgà, grande deusa d a fecundidade que agrupa um nú­
m ero considerável de cultos lo u is, c sobretudo dc citltoi da ve­
getação, torna-se também a divindade senhora dos espíritos tios
mortos.
No que diz. respeito às festa», registremos somente que a an­
tiga comemoração iixiiana dos mortos caía juMuincntccm plena
ceifa c era, ao mesmo tempo, a festa principal da colheita'5. Vi­
mos que o mesmo acontecia nos países nórdicos. Na Antiguida­
de, o culto dos mûmes era celebrado como o cerimonial da vege­
tação. As mais impoilunte* festas agrárias ou da fettiliiladc che­
garam a coincidir com as festas que comemoravam os mortos.
O utrora, o -São Miguel (29 dc setembro) era, ao mcsipQ tempo,
a festa dos mortos c da ceifa etn todo o norte c centro da Euro­
pa. E o culto funerário influencia ainda mais os cultos d3 fertili­
dade, apropriando-se dos ritos, que converte em oferend a» ou sa­
crifícios oferecidos ás almas dos antepassados. Os defuntos são
" o s que moram debaixo da terra" c a sua benevolência deve ver
captada. As sementes lançadas por cima do ombro esquerdo, ofe­
recidas em homenagem "ao ra to ", são destinadas a eles. Recon­
ciliados. nutridos e solicitados, cks protegem c multiplicam as
colheitas. O "velha" ou a “ velha", que os camponeses veem co­
mo personificação dos "poderes" c da fertilidade do campo, com
o tempo têm acentuado o seu perfil mítico sob a influência das
crenças funerárias: cies apropriam-se da estrutura e dos atribu­
tos dos “ antepassados", dos espíritos dos defuntos.
Este fenómeno é dc fácil identificação nas crenças dos po­
vos getmànicos. Odin, divindade funerária, chefe da "caça fu­
riosa" das almas que não têm repouso, apropria-se dc uma quan
tidade de ritos do conjunto dos cultos agrários. Na festa propria­
mente funerária dos germanos, o Jul. que cai no solstício dc in­
verno, do último feixe da colheita do ano faz-se uma figura dc
homem ou de mulher, dc mn galo ou dc um bode ou outro
animal76. É significativo o fato dc as formas animais sob as quais
se manifesta o “ poder" da vegetação serem as mesmas que re­
presentam as almas dos defuntos. Em certo momento da história
dos dois cultos nào é possível determinar se um "espirito” , ao
manifestar-se de maneira teriomorfa, representa as almas das que
já nào existem ou se é uma personificação animal da força telú­
A AGRICULTURA E O S CULTOS DE FERTILIDADE 287

rico-vcgetal. Esta simbiose deu origem a muitas confusões c as


controvérsias dos especialistas não terminaram ainda no que diz
respeito, por exemplo, ao caráter agrário ou funerário de Odin.
á origem das cerimônias do Jul. Trata-se, na realidade, dc con­
juntos rituais e míticos nos quais a morte c o renascimento se in­
terpenetram. se convertem em momentos distintos da mesma rea­
lidade trans-humana. As zonas de interferência entre os cultos
da fertilidade c os cultos funerários sáo tantas e tão importantes
que não é dc admirar que se chegue, após a simbiose c a fusão,
a uma nova síntese religiosa baseada numa mais ampla valoriza­
ção da existência do homem no cosmos.
Encontra-se essa síntese sob a sua forma dennitiva no segun­
do milênio a.C, no mundo cgcu-asiático, e foi cia que tornou pos­
sível a cflorescência dos Mistérios. A fusão dos dois cultos co­
meçou no norte da Europa c na China nos tempos pré históri­
cos7-’. mas é provável que uma síntese definitiva e formulada dc
maneira coerente só tenha tido lugar mais tarde. O fato é que o
solstício de inverno tem muito maior importância no norte da Eu­
ropa do que no sul mediterráiiico. Jul c a festa patética desse mo­
mento cósmico decisivo, e os defuntos reúnem-se então em volta
dos vivos, porque c então que se prediz a “ ressurreição do ano” ,
portanto da primavci a As almas dos mortos são atraídas pelo
que “ começa", pelo que “ se cria” : um novo ano (e. como todo
o começo, uma repetição simbólica da criação), uma nova explo­
são vital no torpor do inverno (banquetes sem fim, libações e or­
gias, fintas matrimoniais), uma nova primavera. Os vivos rrúnem-
se para estimular com os seus excessos biológicos a energia do
Sol cm pleno declínio: as suas inquietações e as suas esperanças
concentram-se na vegetação, no destino da próxima colheita. Os
dois destinos, agrário e funerário, cruzam-se e fundem-se, for­
mando por fim uma única modalidade da existência, a existência
larvar, pré-germir,ativa.

136. Sexualidade c fecundidade agrária — Os germes têm ne­


cessidade dc ser ajudados, ou pelo menos “ acompanhados” no
seu piocesso de crescimento. Esta solidariedade das formas c dos
atos da vida foi uma das descobertas essenciais do homem arcai­
co, c ele a fez frutificar dc maneira mágica pelo seguinte méto­
do: o que é feiro em comum ria melhores resultados. A fecundi­
dade da mulher influencia a fecundidade dos campos, mas a opu-
288 7 ff A TA IX ) DE H IS r ú /tlA D A S JtEUGJÓES

lència da vegetaçáo, por sua ve/, ajuda a mulher s conceber. Os


mortos colaboram nos dois casos, espetando dessas duas fontes
de fertilidade a energia c a substância que os rcattegrarâo no flu­
xo vital. Por isso, logo que se aproxima o momento cnt;co da
colheita c a cevada começa a germinar, os negros e\x« da África
Ocidental (Costa dos Escravos) tomam medidas òe precaução con­
tra os desastres, por meio de orgias i ituals. Uni número conside­
rável de mocas c oferecido, à guisa de noivas, ao ikus pilou. A
hierogamia consuma-cc no templo com os representantes do deus.
com os sacerdotes, e as jovens on esposas consagradas desse mo­
do continuam a prostituição sagrada duranie algum tempo no re­
cinto do santuário. Reconhccc-sc que a hierogamia i feita para
assegurar a fertilidade da terra e tios animais'*.
O papel dos sacerdotes traduz uma forma evoluída do ritual
que, originariaraeme, supunha somente a m á o do maior núme­
ro possível de casais no campo verdejante. Ê o que acontecia,
aliás, na China, onde os rapazes c as mocas se uniam , na prima­
vera, sobre a terra, convencidos de que o seu gesto contribuía para
a regeneração cósmica, favorecendo a germinação universal,
atraindo a chuva e abrindo os campos às obras férteis'*. Nas tra­
dições helénicas é também possível identificar vestígios de seme­
lhantes casamentos juvenis sobre o solo de germinações recen­
tes. sendo a união de Deméter e de Jasâo o protótipo. Os Pipilos
d a America Central dormem, nas quatro noites que precedem as
sementeiras, longe das esposas, a fim dc sc exceder na noite que
as antecede, lim certos casos a união sexual de marido c mulher
deve mesmo ser ativa no momento das sementeiras. Em certas
regiões, em Java, quando o arroz floresce, os cônjuges tem suas
relações no próprio campo”'. As núpcias consumadas ritualmen­
te nos campos, a ligação estreita da vegetação c do erotismo mar­
cada pela presença da árvore sagrada (Maj) na celebração dos ca­
samentos, são ainda frequentes nos r.ovsos dias. no norte e no
centro da Europa*1. Na Ucrânia, existia o seguinte costume: pe­
lo São Jorge, depois de o padre ter benzido a colheita, os jovens
pares rolavam sc pelo campo. Na Rússia, era o prõpiio padre que
era rolado na terra pelas mulheres, sem dúvida não só para con­
sagrar a colheita, mas também em reminiscência confusa da hie-
jogamia primordial**. Em outras zonas, u hierogamia ficou re­
duzida à dança cerimonial dc um casal ornado com espigas dc
trigo, ou ao casamento alegórico da “ noiva do trigo” com o "noi­
vo” . Tais casamentos são celebrados com muito aparato; na Si-
.4 AG RICU LTU RA E OS COL TOS DF FFJtTIU D AD F 289

lcsia, os jovens noivos eram conduzidos por toda a população,


num carro nupcial ornamentado, do campo para a aldeia9*'.
Lembremos que os costumes observados na Europa por oca­
sião da colheita são análogos aos que tini lugar na primavera,
quando se anuncia o aparecimento da vegetação. Nos dois con­
juntos rituais, o “ poder” ou o "espirito” c rcpiesentado. direta
mente, por uma árvore ou por um molho de espigas c por nin
par humano, e as duas cerimônias têm uma influência fertilizan­
te na vegetação, nos rebanhos e nas mulheres94: é sempre a mes­
ma necessidade sentida pelo homem arcaico de fazer as coisas “ em
com um ", "de estar cm com um ". O próprio par que personifica
o poder ou o gênio da vegetação c um centro dc energia, capaz
de aumentar as forças do agente que representa. A força mágica
da vegetação é aumentada pelo simples fato de ela ser "represen­
tad a", personificada, diriamos nós, por um par jovem, rico ao
máximo de possibilidades — até mesmo dc realizações — eróti­
cas. Este par. o "n o iv o " e a "noiva” , nào é mais do que um si­
mulacro alegórico do que, outrora, se passava na realidade: a re­
petição do gesto primordial, a hicrogamia.

137. Função ritual da orgia — Dc modo geral, a orgia cor­


responde à hicrogamia. A união do par divino deve correspon­
der, na terra, o delírio genésico ilimitado. A par dos jovens que
repeliam a hicroganna nos sukos arados devia produzir-se o au­
mento máximo de todas as forças da coletividade. Quando o po­
vo oraon celebra, no mês de maio. o casamento do deus Sol com
a deusa Terra, o sacerdote pratica o coito com a esposa, em pú­
blico. aio a que se segue uma org:a indescritível"'. Em algumas
ilhas situadas a oeste da Nova Guine c ao norte da Austrália (Le-
ti, Sar mata, ctc.) 3S mesmas orgias têm lugar no começo da esta­
ção das chuvas*6. Os homens não podem fazer melhor do que
imitar o exemplo divino, sobretudo se desta imitação depende a
prosperidade do mundo inteiro e. em particular, o destino da vi­
da vegetal e animal. Os excessos desempenham um papel preciso
e xalutai na economia do sagrado. Eles quebram as barreiras en­
tre o homem, a sociedade, a natureza e os deuses; eles ajudam
a fazer circular a força, a vida. os germes de um nível para ou­
tro, dc uma zona da realidade para todas as outras. O que estava
va/iò de substância ressarcia se; o que estava fragmentado
rcintegra-se na unidade; o que estava isolado futule-sc na grande
290 nuTAU o nr m st ô r f a das n r u c r te s

m atiiz universal. A orgia faz circular a energia vital c sagrada


Os momentos de crise cósmica ou de opulência st m i n , cm parti-
c ular, de pretexto para o desencadeamento de uma oeje a Em mui­
tos lugares as mulheres correm nuas pelos campes djrar.ee a se­
ca, a fim de despertarem a virilidade do Céu e p-ovjcarem a chu­
va. Em outras repões testejam-se os casamentos e o nascimento
de gêmeos cotn orgias: assim, por exemplo, enire os baganda da
África ou er.trí os habitantes do arquipélago F iji'1. As orgias
praticadas cm ligação com o drama da vegetado, c cspcc.alir.cn-
ic com as cerimônias agrarias, explicam-se air.da melhor. É pre­
ciso rcan.mai a re n a . excitar o Ccu. para qt»e a hierogania cós­
mica — a chuva — se faça r.as melhores condições, para que os
cercais cresçam e fruifiqucm , para que as mjlheres gerem filhos,
para que os animais se multipliquem c para que os mortos pos­
sam « ciar a sua vsmidade co n a torça vital.
Os kana do Brasil estimulam as forcas de reprodixjáo da ter­
ra. dos animais c dos homens por urna dança fálica que imita o
ato gerador: a dança c seguida de uma orgia coletiva1*. Podemos
entrever vestígios de simbolismo fálico nas cerimônias agrárias
européias; assim, representa-se, às vezes, o “ velho” ele maneira
falomortü e chama-se á última gavcla " a prostituta” ; ou, cntào,
faz-sc-lhe uma cabeça negra com lábios vermelhos, originalmen-
te as cores mágico-simbólicas tío órgão genital feminino*9. Há
que mencionar ainda os excessos que tinham lugar cm certas fes­
tas arcaicas da vegetação, por exemplo, nas FlorálÍ3s dm toma
nos — a 27 de abril — quando cortejos de rapazes e moças desfi­
lavam nus nas ruas, ou nas Lupercálias, cm que rapazes tocavam
nas mulheres para tomá-las fecundas, ou na Holi, a principal festa
indiana da vegetação, em que tudo c permitido.
A Holi conservou, até época recente, todos os atributos de
um a orgia coletiva, desencadeada para exacerbar c levar ao má­
ximo as forças de reprodução c de criação de toda a natureza.
Toda decência é esquecida, porque se trata de algo bem mais sé
rio do que o respeito das normas c dos costumes: trata se de as­
segurar ã vida a sua continuidade. Grupos compactos de homens
e de crianças circulam pelas ruas cantando, gritando c aspergindo-
se com o pó de holi c com água avermelhada, pois o vermelho
c cor vital c genésica por excelência. Sempre que se encontram
imtlheiêS O U que se as vislumbram por trás das cortinas, a tradi­
ção impõe que se dirijam a elas as mais violentas obscenidades
c injúrias. O valor mágico das injúrias obscenas é bem conheci-
A AGRICVLIVHA E 0 5 CVL ÍT K DE FERTILIDADE 291

do e era apreciado mesmo nos cultos evoluídos (casos das Tcs-


moforias atenienses). Os hindus permitem se também urna gran­
de liberdade sexual durante as festas dc Bali, em que, com exce­
ção do incesto, toda a união é llcilaw. Os hoscs do noroeste da
índia praticam formidáveis orgias durante a ceifa, justificando
estes desregramentos pelas tendências viciosas exacerbadas dos
homens c das mulheres, tendências que devem ser saciadas para
sc estabelecer o equilíbrio da comunidade. O deboche habitual
nas festas das colheitas, na Europa central c setentrional, foi es­
tigmatizado |Kif muitos concílios — como o de Ati.xerre em 590
— c por muitos autores da Idade Media, mas sobreviveu, apesar
disso, em certas regiões ate os nossos dias91.

13S. Orgia e reintegração — As orgias n io sc inserem cxclu-


sivamente nas cerimônias agrárias, sc bem que elas tenham sem­
pre coincidências precisas com os ritos da regeneração (o “ novo
ano") c da fecundidade. O sentido metafísico c a função psico­
lógica da orgia ficarão mais claros cm outros capítulos desta obra.
Podemos, no entanto, surpreender, desde já. uma perfeita ana­
logia entre o fenómeno agrícola e a mística agrária, de um lado,
c, dc outro, a orgia como modalidade da vida coletiva. Como
as sementes que |>erdem o seu contorno na grande fusão subter­
rânea, dcsagiegando-sc e tornando-se outra coisa (germinação),
os homens perdem a sua individualidade na orgia, fundindo-sc
numa única unidade viva. É assim que se realiza uma confusão
patética e definitiva cm que já não c possível distinguir nem “ for
ma” nem "lei". Experimenta-se outra vez o estado primordial,
pré-formal, "caótico” — estado que corresponde, na ordem cos-
mológica, à "indifcJcnciação" caótica anterior à criação —, pa­
ra promover, pela virtude da magia imitativa, a fusão dos ger­
mes na mesma matriz telúrica. O homem rcintegra-sc numa uni­
dade biocÓMitica, mesmo se essa unidade significa uma regressão
da modalidade dc pessoa à dc semente. Em certo sentido, a orgia
liansmuta o homem numa condição agrícola. A abolição das nor­
mas, dos ümites c das individualidades, a experiência de todas
as possibilidades telúricas c noturnas equivalem à aquisição da
condição das sementes que se decompõem na terra, abandonan­
do a sua forma para darem origem a uma nova planta.
A orgia, entre outras funções que desempenha na economia
espiritual c psicológica cfc uma coletividade, tem também a de tor-
292 TR A TA D O D E HISTORIA DAS R EIJC IÔ E S

iiar possível c de preparar a renovação. a regeneração da vida.


O despertar dc uma orgia pode ser assimilado ao aparecimento
do rebento verde na terra arada: i uma vida nova que começa
c. para esta vida. a orgia saciou o homem cie substância e de en­
tusiasmo. Mais ainda: a orgia, reatualizando o caos mítico ante­
rior à criação, torna possível a repetição dessa criação. O homem
regressa provisoriamente ao estado amorfo, noturno, do caos,
para poder renascer com mais vigor na sua forma diurna. A or­
gia. da mesma to m a que a imersão na água (g 64), anula a cria­
ção mas regenera a ao mesmo tempo; identificando-se com a to­
talidade nflo diferenciada, pré-cósmica, o homem espera voltar
a si restaurado c regenerado, nurna palavra, "um lromcm novo” .
Na estrutura e na fur.çâo da orgia, encontramos o mesmo desejo
dc repetir um gesto primordial: a criação organizando o caos. Na
alternância vida cotidiana-orgia (Satumais. o Carnaval, etc.) en­
contramos a mesma visão rítmica da vida, formada d a acão do
s*mo. do nascimento e da morte, e a mesma intuição cíclica do
cosmos, que nasce do caos c a ele regressa por uma catástrofe
ou uma maháprataya, uma “ grande dissolução” . Não ha dúvida
de que as formas monstruosas são degt.idações desta intuição fun
damental do ritmo cósmico c da sedr dc regeneração e dc reno­
vação. Mas não é dessas formas aberrantes que nó> devemos partir
para compreender a origem c a função da orgia. I o d a “ festa”
comporta a vocação orgiástica na sua estrutura.

139. Mística agrária e soteriologia — Temos dc sublinhar a


estrutura sotcriológica da mística agrária mesmo nas formas que
não são oigiásticas. A vida vegetal que se regenera p d o desapa­
recimento aparente (o enteiiai das sementes) c, ac mesmo tem­
po, um exemplo e uma esperança; o mesmo pode acontecer com
os mortos c com as almas. H verdade que o espetáculo dessa te
generação rítmica nào i um "dado", que ele não sc oferece dirc-
tamente â contemplação do homem; não deixa, no entanto, dc
ver nas crenças arcaicas um fato que sc produz graças aos ritos
c às ações humanas. ObiJm se a regeneração por gestos mágicos,
l>cla Grande Deusa, pela presença da mulhci. pela força do Eros
e pela colaboração do cosmos inteiro ;a chuva, o caJor. etc ». Mais
ainda, tudo isso só e possível como repetição de um g d to pri­
mordial, obtido quer pela hierogamia, quer pela rt*£neração do
tempo (o “ novo ano” ), quer pela urgia que rcniuaiua o caos ar-
A AGRICULTORA A* OS CVL TOS DE FERTILIDADE 293

quetfpico. Nada sc obtém sem esforço, só trabalhando se pode


ganhar a vida. isto é. agindo em conformidade com as normas:
repelindo os gestos primordiais. Portanto, as esperanças que o
homem da civilização agrícola pòc no exemplo da vegetação es­
tão, desde o começo, orientadas para o gesto, para o alo. Proce
dendo de certa maneira, agindo segundo certos modelos, o ho­
mem pode ter esperança na regeneração. O ato. o rito, é indis­
pensável. Teremos de ter presente este pormenor quando estu­
darmos os Mistérios antigos, que não conservaram só vestígios
de cerimónias agrárias, mas que não teria sido possível organizar
cm religióes imciáticas se nâo tivessem por trás um longo perfo-
do pré-histórico de mística agrária: quer dizer, se o espetáculo
da regeneração periódica da vegetação não tivesse revelado, mui­
tos milênios antes, a solidariedade do homem c da semente, c a
esperança de uma regeneração obtida apos a morte e pela morte.
H habitual dizcr-sc que a descoberta da agricultura mudou
radicalmente o destino da humanidade, assegurando-lhe uma ali­
mentação abundante e permitindo, desse modo. um crescimento
prodigioso da população. Mas a descoberta da agricultura teve
consequências decisivas por uma razão muito diferente. Nâo foi
o crescimento da população nem a sua supcralirnentação que de­
cidiram o destino d a humanidade, mas a teoria que o homem ela­
borou ao descobrir a agricultura. O que ele viu, nos cereais, o
que ele aprendeu nesse contato, o que ele compreendeu do exem
pio das sementes que perdem a sua forma debaixo da tetra, tudo
isso constituiu a liçflo decisiva. A agricultura revelou ao homem
a unidade fundamental da vida orgânica. A analogia mulher-
campo, ato gerador semeadura, assim corno as mais importan­
tes sínteses mentais, saíram dessa revelação: a vida rítmica, a mor­
te compreendida como regressão. Essas sínteses mentais foram
essenciais para a evolução da humanidade c só foram possíveis
depois da descoberta da agricultura. É na mítica agrária pré-
histórica que se encontra uma das principais raízes do otimismo
sotcnológico: tal como a semente oculta na terra, o morto pode
ter esperança de um regresso á vida sob urna forma nova. Mas
a visão melancólica, por vezes céptica. da vida tem. também, a
sua origem na contemplação do mundo vegetal: o homem é se­
melhante à flor dos campos...
X

O espaço sagrado:
templo, palácio, “centro do mundo”

140. Hk-mfaniax c repetição — Toda a cratoíania c toda a


hierofania. sem distinção alguma, transfiguram o lugar que lhes
serviu de teatro: de espaço profano que era ate então, tal lugar
ascende à categoria de espaço sagrado. Assim, para os canaqucs
da Nova Caledónia, ‘‘no mato, grande quantidade de rochedos,
de pedras furadas têm um sentido particular: tal concavidade t
propícia à chuva, outra i hábitat de um totem; certo lugar c fre­
quentado pelo espirito vingador de um homem assassinado. To­
da a paisagem está. desse modo. animada, os seus mais peque
nos detalhes tem uma significação, a natureza esta carregada de
história humana’“ . Dir-se-ia mais exauraente que. devido as era
tofar.ias e às hicrofanias, a natureza sofre uma transfiguração de
que sai carregada d e mito. Partindo das observações de A. K.
Radcüffe-Brown e dc A. P. Hlkin, Lévy-Biuhl esclareceu, de modo
feliz, a estrutura hicrofânica dos espaços sagrados: "fcntrc os in­
dígenas, nunca o lunar sagrado se apresenta isoladamente ao es­
pírito. tlc sempre faz parte de um complexo cm que entram tam­
bém as espécies vegetais ou animais que aí abundam em certas
estações, os herms míticos que aí viveram, vaguearam, criaram
c frequentemente foiam incorporados ao solo, as cerimônias que
aí se cdcbratam periodicamente c. enfim, as emoções suscitadas
por este co n ju n to ."2
O principal elemento desse complexo é. segundo Radcliffe-
Brown. " o centro local totèmico" e verifica-se. na maior parte
dos casos, uma ligação direta — uma "pwiivipaçào” , pata em­
pregar o vocabulário dc I évy-Bruhl — entre os centros totemi-
cos c ce ras figuras míticas que viveram na origem dos tempos
296 TRATAD O D E H/STÚ RIA IM S RELIGIÕES

e que criaram, ixsíc momento, centros totêmicos. Foi ai. nesses


espaças hicrafániros. que se operaram as revelações primordiais,
foi aí que o hciricm lo: inKiado na maneira de sc tiu'.rii, de avsc-
gurar a cor.tin tkJadt das suas reservas alimentares. Por isso to­
dos os rituais alimentares celebrados nos limites da área sagrada,
do centro totêmico, náo são mais do que a imitação e a reprodu
çVo dos gestes realçados m illo tempore pelos seres míticos. "É
dcvsa forma que os heróis do tempo tiravam, oulrota (no perío­
do mítico, bugari), dos seus buracos, os ‘bandicoots', os opos­
sums, os peixes e as abelhas."1
De fato, a noção de espaço sagrado implica a idéia da repe­
tição da Itierofania primordial que consagrou este espaço
transfigurando o, singularizando-o. cm resumo, isolando-o do cv
paço profano a sua volra. O capitulo seguinte mostrará como uma
idéia anakrga de repeiiçào serve de suporte a noção de tempo sa­
grado e fundaner.ta tanto o> inúmeros sistemas rituais como, de
maneira petal, as esperanças do homem religioso quanto á sua
salvação pessoal Lm espaço sagrado assenta a sua validade na
permanência da hicrofania que, em dada altura, o consagrou. K
por isso que certa tribo da Bolívia volta ao lugar que julga ter
sido o berço dos seu» antepassados sempre que sente necessidade
dc renovar sua energia c sua vitalidade4. A hicrofania náo teve.
pois. por úmeo efeito santificar urna determinada fração do es­
paço profano homogéneo; além disso, assegura p.iia o futuro a
perseverança dessa sacralidadc. Ai. nesta área. a hicrofania repete-
sc. O lugar transforma se, assim, numa fonte inesgotável dc foi­
ça c dc saci alidade que permite ao liomcnt. na condição de que
ali penetre, tomar parte nessa força e comungar nessa sacralida-
dc. Tornando-sc essa intuição elementar do lugar, pda h.croía-
nia, um "centto" permanente de sacralidade, d a orienta c expli­
ca todo um conjunto de sistemas muitas vezes complexos e den­
sos. Mas. pot muito variados e diferentemente elaborados que
sejam os espaços sagrados, todos des oferecem um traço comum;
há sempre uma área definida que torna possível (sob formas aliás
muito variadas) a comunhão na wcralidaik.
A continuidade das hicrofania«, tal é a explicação da pere­
nidade desses espaços consagrados. Peisisündo na conservação
dos seus lugares secretos tradicionais os australianos não pen­
sam roa pressão de tino interesse de ordem económica, visto que,
como nota Llkin. uma vez ao serviço dos brancos, os indígenas
passam a depender destes no que di2 respeito à alimentação e a
O ESPAÇO SA G R A D O 297

toda a sua economia5. O que eles vão pedir a estes lugares é que
os mantenham em solidariedade mística com o territôno c com
os antepassados que fundaram a civilização do clã. A necessida­
de que os australianos sentem de mantei o contato com os espa­
ços hierofánicos e de essência religiosa; e náo c outra senão a de
permanecer cm comunicacão direta com um “ centro” produtor
de sacralidade Por isso esses centros se deixam muito dificilmente
despojar dos seus sortilégios c passam, a guisa de herança, de um
povo para outro, de uma religião para outra. Os rochedos, as nas­
centes, as grutas, os bosques venerados no decurso da proto-
história continuam. sob formas variadas, a ser tidos como sagra­
dos pelas populaçócs cristãs de hoje. Um observador superficial
corre o risco de tomar por uma "superstição” este aspecto da
religiosidade popular c dc ver nele a prova dc que toda a vida
religiosa coletiva é constituída, em boa parte, por uma Herança
da pré-história. Na realidade, a continuidade dos lugares sagra­
dos demonstra a autonomia das hierofanias; o sagrado manifesta-
se segundo as leis da sua dialética própria c esta manifestação
impõc-sc ao homem de fora. Supor que a “ escolha" dos lugares
sagrados é deixada ao próprio homem é. ao mesmo tempo, tor­
nar inexplicável a continuidade dos espaços sagrados.

141. Consagração do espaço — Dc fato. o lugar nunca é “ es­


colhido” pelo homem; ele é, simplesmente, "descoberto" por
ele6, ou. por outras palavras, o espaço sagrado revela-se-lhe sob
uma ou outra forma. A "revelação” não se produz necessaria­
mente por intermédio dc formas hieroíãnicas diretas (este espa­
ço. esta nascente, esta árvore, etc.); ela c obtida, por vezes, atra­
vés de uma técnica tradicional saída de um sistema cosmoíógico
e baseado nele. A ortetilalio é um dos processos usados para "des­
cobrir" os lugares.
Evidentemente, como se verá, os santuários não são os úni­
cos que exigem a consagração dc um espaço. A construção dc
uma casa implica, lambem, uma transfiguração análoga do es­
paço profano. Mas, em todos os casos, o lugar é regularmente
indicado por alguma coisa diferente, seja uma hterofania fulgu­
rante. seja j>e!os princípios cosmológicos que fundamentam a
orientação c a sco m aiw ia, ou ainda, em forma mais simples, por
um “ sinal” carregado de uma hierofania, gcralmcntc um animal.
Sartori reuniu abundante documentação sobre a validação pelos
298 TX'lTADO DÜ HISrÕM * 1 P 4 S NEUG/ÔES

sinais animais da área «Icitinacla a uma instituiç&o hum ana1. A


presença ou a ausíncu de formigas, de ralos...« Lida como sinal
liierofãnico decisivo. Poc vezos, deixa-se em liberdade um ani­
m al doméstico, um louro, por exemplo, ao fim de alguns dias.
procura-se o animal c, no local onde c encontrado, ai è saciifica-
do: c aí que deverá erguer-se a cidade.
“ Todos os santuários são consagrados por uma icoíania",
escrevia Robertson Smith*. Mas a su.» observação n lo deve ser
considerada limitativa. Ilá que estendê-la ás mocadas dos eremi­
tas ou dos santos e, cm geral, a toda habitação humana. “ Se­
gundo a lenda, o marabu que fundou E!-Hcn»rl no fim do século
XVI parou para passai a noite perto da nascente e espetou um
pau na terra. No dia seguinte. ao pretender arrancá-lo para con­
tinuar a sua rota, viu que o pau tinha ganho r.iízc* e que nele
tinham aparecido rebertos. Vendo nisso um sinal da vontade de
Deus, a!i fixou a sua morada.” 9 Por seu lado os lugares nos
quais viveram, pregaram e foram enterrados o%santos são santi­
ficados c, a este título, isolados do espaço profano limítrofe pot
meio de muros ou batreiras de pedras10 . Já havíamos encontra­
do estes amontoados dc pedras nes lugares onde alguém pcrcçc
ra dc ntorte violenta (raio. mordedura dc serpente, etc.), tendo
então a “ morte violenta” valor de cratofania ou dc hitrofania.
O muro ou o circulo dc pedras que encerram o espaço sa­
grado contam-sc entre as mais antigas estruturas arquitetónicas
conhecidas no domínio dos santuários. Aparecem já nas civiliza­
ções protoindianas (por exemplo, em Mohcnjo-Daro) c cgéias11.
O muro ou vedação não implica e não significa apenas a presen­
ça continua de uma cratofania ou de uma hicrofania no interior
do recinto; ele tem. além disso, por objetivo preservar o profano
do perigo a que se exporia se ali penetrasse sem os devidos cuida­
dos. O sagrado é sempre perigoso para quem entra cm contato
com ele sem estar preparado, sem ter passado pelos “ movimen­
tos dc aproximação” que qualquer ato de religião requer. "Não
tc aproximes daqui — diz o Senhor a Moisés —. tira os teus sa­
patos. porque o lugar onde estás é terra santa.” i: Daí os inúme­
ros ritos e prescrições (como é o caso dos ptS r.us) relativos à cr.
irada no templo, atestados frequentemente tanto entre os semi­
tas como entre os outros povos meditcrrinicos". Quaisquer que
tenham sido as valorizações e interpretações dadas, no decurso
dos tempos, ã importância do ritual do limiar do templo ou da
casa, ela explica-se igualmcntc pela função separadora Jos limi­
tes tal como a definimos 4.
O ESPAÇO SA G R AIX ) 299

O mesmo se passa com as muralhas da cidade: antes de se­


rem defesa militar, são defesa mágica, visto que reservam, no meio
de um espaço ' ‘caótico", povoado de demônios e de larvas, um
espaço organizado, “ cosmicizado” , quer dizer, provido de um
"centro” . Assim se explica que. em petlodo critico — cerco, epi­
demia —, toda a população se reúna cm procissão cm volta dos
muros da cidade, reforçando deste modo a sua qualidade de li­
mite e proteção mágico-religiosa. liste envolvimento processio-
nal da cidade com todo o seu aparelho de relíquias, de círios, etc.,
reveste-se, às vezes, de uma forma mágico-simbólica: ofcrccc-sc
ao santo patrono da cidade um círio cujo comprimento é igual
ao perímetro do recinto. Essas práticas de defesa estavam muito
difundidas na Idade Média15. Mas encontram-se também cm ou­
tras épocas e cm outros meios. No norte da índia, por exemplo,
em tempo de epidemia, faz-se cm volta da aldeia um circulo des­
tinado a impedir aos demônios da doença a entrada no recinto14.
O "circulo m ágico", que goza de tanto favor em muitos rituais
mágico-religiosos, tom por principal finalidade estabelecer uma
compaitimentacào entre dois espaços heterogêneos.

142. "Conslrucüo" do espaço sagrado — £ ceno que os cs


paços sagrados por excelência — altares, suntuários — são “ cons­
truídos” segundo as prescrições de cânones tradicionais. Mas es­
ta "consirucào” baseia-se, cm última análise, numa revelação pri­
mordial que desvendou in illo tempore o arquétipo do espaço sa­
grado, arquétipo copiado e repetido depois indefinidaxncntc na
construção de todos os novos altares, de todos os novos templos
ou santuários. Dessa "construção" de um espaço sagrado a par
tir de um modelo ou arquétipo encontram se exemplos por toda
a patte. Limitar-nos-emos a alguns casos tirados do mundo orien­
tal. Citemos, por exemplo, o maga iraniano. IXsligando-se das
antigas interpretações deste termo* Nyberg liga-o ao maya do
Vidèvdâl'', que designa o ato de purificação realizado num es-
p3ço consagrado de nove covas c ve nele o lugar sagrado onde
a impureza c abo.ida c onde se torna possível a união do Céu e
da Terra". É nesra zona bem delimitada que se realiza a expe­
riência do grupo que Nyberg designa " a comunidade t^atha” ,,.

• CodiK-r tts J s e ís i por "Bund. Gefccinibund" — “ Untlo «:•


c« :a uu «agrada'” . (V T F.)
300 TRATAD O D E HISTÓRIA D A S RELIGIÕES

A construção do altar sacrifical védicoé ainda mais instruti­


va a esse respeito. A consagração do espaço desenrola-sc secun­
do um duplo simbolismo. For um lado. a construção do altar c
concebida como uma criação do mundo20. A ág.ua na qual se
amassa a argila é assimilada á água primordial, u argila das fun­
dações do altar à terra, as paredes laterais à atmosfera e assim
saccssivamente-’1. Por outro lado, essa constmcão equivale a
uma integração simbólica do tempo, a sua “ materialização no
próprio corpo do altar” . ” 0 altar do fogo é o ano... As noites
são as pedras de vedação e destas há 360 porque há 360 noiles
no ar.o; os dias são os tijolos ya/usmatf. pois que estes são 360;
ora, há 360 dias no ano.” - O altar torna-se assim um microcos­
mos que existe num espaço c num tempo místicos qualitativamente
diferentes do espaço c do tempo profanos. Quem diz construção
dc aliar diz, ao mesmo tempo, repetição da cosmogonia. O sen­
tido profundo de tal repetição cm breve nos aparecerá (§§ 151 ss.).
O mesmo significado cosmogònico se verifica na construção
do mandala tal como a praticam as escolas tãniricas. A palavra
significa "círculo” e as traduções tibetanas traduzem-na quet por
"centro” , quer por "aquilo que rodeia” . Consiste numa série de
circulos, concêntricos ou não, inscritos num quadrado. No inte­
rior deste diagrama, desenhado no solo por meio dc um fio colo­
rido ou dc farinha de arroz colorida, constrocm-sc imagens de
diversas divindades tántncas. O mandala é, simultaneamente, uma
iittüRO mundi c um panteão simbólico. A iniciação consiste, cs-
scncialmcntc. para o neófito, em penetrar nas diferentes zonas
ou níveis do mandala. O rito pode ser encarado como uma equi­
valência do piadakshina, o cerimonial bem conhecido da volta
ao templo ou ao monumento sagrado {s(üpu), ou d a iniciação pela
entrada ritual no labirinto. A assimilação do templo ao mandala
i evidente no caso dc Barabudur-'J e dos templos indotibetanos
construídos sob influência das doutrinas lântricas2*'. Todas essas
construções sagradas representam simbolicamente o universo na
sua totalidade: os andares ou terraços são identificados com os
"céus" ou os níveis cósmicos. Em certo sentido, cada uma des­
sas construções reproduz, o monte cósmico, quer dizer, é consi­
derada como sendo construída no "centro do m undo". Pste sim­
bolismo do centro está implícito tanto na construção das cidades
como na das casas, como mostraremos cm breve: c "centro", com
efeito, todo espaço consagrado, quer dizer, todo espaço no qual
podem ter lugai as hierofanins e as teofanias c no qual se verifica
uma possibilidade de ruptuia de nível entre o Ccu c a Terra.
O ESPAÇO SA G R A D O 301

Qualquer nova instalação humana c, cm certo sentido, uma


rcconsti lição do mundo (§ 151). Para poder durar, para scr real,
a nova habitação ou a nova cidade devem ser projetadas, por meto
do ritual da construção, no “ centro do universo” . Segundo inú­
meras tradições, a criação do mundo começou num centro e, por
essa razão, a construção da cidade deve também desenrolar-sc em
volta de um centro. Depois de ter aberto um fosso profundo (/as­
sa), Rôrmilo enclicu-o de frutos, cobriu-o de terra, erigiu por ci­
ma dele um altar {ara) c traçou com o arado o sulco dos limites
de proteção (designai moenia sulco)'*. O fosso cra um inundus
e, como observa Plutarco*. ” deu-sc a este fosso, como ao pró­
prio universo, o nome de mundo” (mundus). Este mundus cra
o lugar de interseção dos três niveis cósmicos*’7. C provável que
o modelo primitivo de Roma tenha sido um quadrado inscrito
num círculo: a difusão exirem am enie extensa da tradição gêmea
do circulo c do quadrado leva a essa suposição7*.
Por outro lado, não devemos nos deixar iludir com a signi­
ficação ctônica dos monumentos circulares gregos (bolhros. iho-
los, thyméli*)• tão vigorosamente manifestada pelas investigações
recentes de F. Robcit7*. Resta saber se essa significação exclusi­
va não é, de fato, o resultado de um a“ especialização" egéia, dado
que os monumen tos sagrados de qualquer espécie, mesmo os mo­
numentos funerários <cf. o stúpa indiano), apresentam em geral
um sentido cosmológico mais vasto: o de uma interseção dc to­
dos os níveis cósmicos que faz de cada construção um “ centro".
A África oferece-nos, a este respeito, um exemplo instrutivo em
que o fator ctónioo não oculta a inspiração cosmogõttica. Trata-
se do cerimonial de fundação das cidades no povo mande, que
l-robcnius descreve e que Jcanmairc e Kercni comparam, com jus­
teza, ao cerimonial da fundação de Roma*0. Este ritual africa­
no, mesmo comportando elementos ctònico-agrários (sacrifício
dc touro e ereção dc um altat falomorfo por cima do seu órgão
gerador), repousa numa concepção cosmogônica. A fundação da
nova cidade repete a criação do mundo; com efeito, uma vez o
lugar validado rit ualmentc, ergue sc uma defesa em forma dc cír­
culo ou de quadrado, nela sc abrindo quatro portas correspon
dentes aos quatro pontos cardeais. Ora. como já Usener" tinha
mostrado, as cidades estão à semelhança do cosmos, repartidas
em quatro; em outras palavras, elas são uma cópia do universo.

*-Bolhros - ft» ta ; thoíos » abòhada. cúpula; iku m rtt - altar. (N.T.)


302 1RA TAn o DU U/S/OKIA DAS REUOIÕES

143. O "centro do mundo*’ — Dado que o simbolismo do


*'centro" e suas implicações cosmológicas já íorarr. objeto de vá­
rios estudos anteriores52, mencionaremos aqui apoias alguns
exemplos. Abarcando os fatos numa visão geral. pode se dizer
que o simbolismo cm questão se articula cm tris conjuntos soli­
dários c complementares: l f , no centro do mundo encontra-se
a “ montanha sagrada” , eé ai qucoC é.i e a Terra se encontram;
2 ?. qualquer templo ou palácio e. por extensão, qualquer cidade
sagrada c qualquer residência real são assimilados a «ma "m on­
tanha sagrada", sendo assim elevados a "centros"; 3?. por sua
vez. sendo o templo ou a cidade sagrada o lugar por onde passa
o A rò mundi, são por isso olhados como o ponto de junção do
Céu. da Terra c do Inferno.
É assim que na« crenças indianas o monte Meru se ergue no
meio do mundo c por cima dele brilha a estrela polar Esta con­
cepção é partilhada pelos povos uralo-altaicos, iranianos,
germânicos55; ela aparece até entre os "prim itivos", coxo os
pigmeus dc Malaca'*, e parece estar também presente no simbo­
lismo dos monumentos pré históricos55. Na Mesopotàir.ia, um
monte central — a "m ontanha das terras” — une o Céu c a Ter­
ra5*. Tabor, o nome da montanha palestina, poderia muito hem
ser tahbúr e significar "um bigo", ompha!osv \ o monte Geri rim
era designado " o umbigo d3 terra" (tabbúr eres)u . A Palestina,
graças à sua condição dc lugar m3is elevado — cncontra-se, efe-
tivamente, perto do topo da montanha cósmica —, náo foi inun­
dada pelo dilúvio5’ . Para os cristãos, o Cõlgota achava-sc no
centro do mundo: cru. ao mesmo tempo, o cimo d a montanha
cósmica c o lugar onde Adão tinha sido criado e enterrado. De
forma que o sangue do Salvador havia banhado o crânio de Adào,
enterrado precisamcntc ao pé da Cruz, c o resgatado45.
Sobre a semelhança dos templos e das cidudes com a monta­
nha cósmica, a terminologia mcvopotãmica é clara: os templos
chamam-xc o "monte casa", a "casa do monte de todas as ter­
ras". o "m onte das tempestades", a "ligação entre Céu c Ter­
ra " e outras designações41. Um cilindro do tempo do rei Gudca
diz que " a câmara (do deus) que ele (rei) construiu era igual ao
monte cósmico"42. Cada cidade oriental sc encontrava no cen­
tro do mundo. Babilônia era uma Bàb-iláni, uma "porta dos deu­
ses” , pois que era por ali que os deuses desciam â Terra. O rigu-
rate mcsopotámico era — parà dizê-lo com rif.or — uma monta­
nha cósmica (Si 31). O templo dc Uaiabudur, que c também uma
O ESPAÇO SAG RAD O 303

imagem do cosmos, c construído em forma de montanha4’.


Subindo-o, o peregrino aproxima-se do "centro do m undo" c.
no terraço superior, realiza uma ruptura de nível, transcendendo
o espaço profano, heterogêneo, c penetrando numa "terra pura” .
As cidades e os lugares santos são assimilados aos cumes das
montanhas cósmicas. Por isso Jerusalém c Siào nào foram sub­
mersas pelo dilúvio. Por outro lado. segundo a tradição islâmi­
ca, o lugar mais elevado da terra e a Kaaba. porque a estrela po­
lar indica que ela se acha em frente do centro do Céu14. Na ca­
pital do soberano chinês perfeito, o gnõmon núo deve projetar
sombra no dia do solstício de verão, ao meio-dia. Esta capital
acha-se, efetivamente, no centro do universo, perto da árvore mi­
raculosa “ pau erguido” (Kien-mou), no local onde se entrecru-
zam as três zonas cósmicas: Céu, Terra c Inferno45.
Efetivamente, por se situarem no centro do cosmos, o tem­
plo ou a cidade sagrada são sempre o ponto de encontro de três
regiões cósmicas. D ur-anki, “ ligação entre o Céu c a Terra” ,
era o nome dos santuários de Nippur, de Larsa e ccrtamcntc tam­
bém de Sippar*6. Babilónia possuía uma infinidade de nomes,
entre os quais “ Casa da base do Céu e da Terra” , “ Ligação en­
tre o Céu c a Terra” 47. Mas era sempre em Babilónia que se fa­
zia a ligação entre a Terra e as regiões inferiores, porque a cida­
de tinha sido construída sobre bâbapsí, “ porta de Apsu” 1*, e
apsu designava as Aguas do caos anterior à criação. Encontra­
mos essa mesma tradição entre os hebreus. O rochedo de Jerusa­
lém penetrava profitndamentc nas águas subterrâneas (tehôm).
Está dito na Mishna que o Templo se encontra jusiamenie por
cima de tehôm (equivalente hebraico de apsu). Ê, tal como em
Babilônia havia a “ porta de apsu” , também o rochedo de Jeru­
salém encerrava a “ boca do tehôm''49. Fncontrani-sc concepções
idênticas no mundo romano. “ Quando o mundas está aberto, é.
por assim dizer, a porta das tristes divindades infernais que está
aberta” , diz Varrâo3“. Também o templo itálico era a zona de
interseção dos mundos superior (divino), terrestre c subterrâneo.
Já observamos (§81) que o omphalos era encarado como
o “ umbigo da terra” , quer dizer, como o “ centro do universo” .
As valências ctônico-funerárias do omphalos nào lhe impedem
a priori toda a incidência cosmológica. O simbolismo do “ cen­
tro” abarca noções múltiplas: a de ponto de interseção dos tií-
vets cósm icos (de canal de junçüo entie o Inferno c a Terra)5',
a de espaço hierolânico e simultaneamente teal, a de esivaço “ cria-
iù i T f A T MM) DE HJSTÔHTA DA S RELlGtÔES

cional'' por exceéncia. o únicoonde a cranio porte começai. Pût


isso. \c n c ! n u diversas tradições a criação partir de uni "cen­
tro” . ^ jisç a c a q u i sc er.contra a fo n tedelodas rea.idadc e. por-
la.nlo, J a encryij tic vide. Aconlecc me>xo de v- trad.çôes cov-
indógicas exprimirem o simbolismo do centro cta term osque sc
diriam colhidos na embriologia: "O Santíssimo criou o mundo
corro um em brSo Ta! como o embrião cresce a partir do umbi­
go, também Deus começou a criar o nurxJo pelo umbigo c d.ili
d e expandiu-se em todas as directe*.” M Ycinit afirma: “ O mun­
do foi criado a coneçar por S iio ." 5' Tarnbcm r.o Kiz Veda o
universo é ccncchido como dilatando a sua c.ritnsán a partir dc
um ponto centra'■*
A tradição hudiüa apresenta-nos uma concepção idêntica:
a criação pane de m cume. quer diier, de um ponto qac c. ao
mesmo tempo, central c transcendente. “ Logo que nasce, o Itod-
hisattva assenta os pés côrttploumenie r.o cMo e voltado para o
Norte d.i sc:c passadas, atinge o pólo c exclama: ‘Sou eu que es­
tou no topo do mundo .. (aggo 'hjam asm. tokassa'), sou cu que
sou o mais vdho do mundo (jeit/to' hr.n asm! tokassa).' ”)S
Com efeito, ao atingir o cume cósmico. Buda torna-se comem-
poràneo d o começo do mundo. I>e maneira mágica — pelo pró
pr.o fato dc sc inserir no "centro" donde saiu o universo —, Bu­
da aboliu o tempo e a criação c encontra-se assim no instante atem­
poral que precede a cosmogonia**. Em bresc nos daremos conta
de que a abolição do tempo profano e a inserção cm itlo lempore
mítico da cosmogonia estão implícitas a n qualquer “ construção"
c cm qualquer contato com um "centro” .
Visto que a criação do mundo começa num certo centro, a
do liomctn só poderia ter lugar neste mesmo ponto, real e vivo
no mais alto grau. Segundo a tradição nicsopoiãmica o homem
foi feito no “ umbigo da 1 erra” cm L'cu (carne) Sae (ligação) Kt
(lugar, teria), no local onde sc encontra também D uran-ki, a "li­
gação entre o Céu c a Ferra” ” . Oiniu/d criou o boi primordial,
Evagdãth. assim como o homem primordial, Cayornard. no cen­
tro do inundo'1. O paraíso onde Adio foi criado a partir do bar­
ro encontra-se, bem entendido, no centro do cosmos. O paraíso
era o "umbigo da terra" c. segundo uma tradição síria, achava-
se "sobre uma montanha mais alia do que todas as outras” ” .
Segundo o livro sino A Caverna dos Tesouros, Adão toi criado
r.O centro da Terra, no próprio local onde mais tarde haveria de
sc erguer a C ru/ de Jesus00. As mesmas tradições foram cotiser-
o espaç o sag rad o 305

vadas pelo judaísmo*1. O Apocalipse judaico c os mlsdrashim di­


zem. dc modo preciso, que Adão foi criado em Jerusalém41. l en­
do sido Adão enterrado no próprio local onde foi criado, quer
dizer, no centro do mundo, no Gólgota, o sangue do Salvador
— como já mencionamos — resgatou o diretamente.

144. Modelos cósmicos e ritos dc construção — A cosmogo­


nia é o modelo dc todas as construções. Construir uma cidade,
urna nova casa, é imitar mais urna vez c, cm certo sentido, repe­
tir a criação do mundo. Com efeito, cada cidade, cada casa,
cncontra-sc no "centro do universo" e. nessas circunstâncias, a
sua construção só £ possível graças à abolição do espaço c do tem­
po profanos e à instauração do espaço c do tempo sagrados4-’ .
A casa é um microcosmos, do mesmo modo que a cidade c sem­
pre uma im vR Q m u n d i . Q umbral separa os dois espaços, o lar
c assimilado ao centro do mundo. O poste central da habitação
dos povos primitivos (Urkulnir da escola Gracbner-Schmidt) ár­
ticos c norte-americanos (samoiedos, ainos, caliíomianos do norte
c do centro, algonqwinos) é assimilado ao eixo cósmico. Quando
a forma da habitação varia (por exemplo, entre os pastores-cria­
dores dc gado da Asiu Central) c a casa £ substituída pela iurta.
a função mítico-religiosa do pilar central c assegurada pela aber­
tura superior destinada á saída da fumaça. l'or ocasião dos sa­
crifícios, introduz sc na iurta uma árvore cuja copa sai por aque­
la abertura44. A áivutc do sacrifício, com os seus sete ramos,
simboliza as sete esferas celestes. Assim, por um lado, a casa é
homóloga do universo e, por outro, £ encarada como estando si­
tuada no "centro" do mundo, achando sc a abertura para a saí­
da dc fumaça em frente da estrela isolar. Cada habitação, pelo
paradoxo da consagiução do espaço e pelo rito dc construção,
sc v i transformada num "centro” . Dc forma que todas as casas,
como todos os templos, palácios e cidades, se acham situadas num
único e mesmo ponto comum, o centro do universo. Trata-se,
como sc deixa perceber, dc um espaço transcendente, de uma es­
trutura diferente do espaço profano, compatível com uma multi­
plicidade c mesmo com uma infinidade dc "centros".
Na Índia, no momento dc se proceder á construção da casa.
o astrólogo determina qual pedra da fundação sc deve colocar
sobre a cabeça da serpente que suporta o mundo. O mestre pe­
dreiro Coloca uma estuca no local designado, de modo a "fixar”
Í0 6 TJLiTADO DF HISTORIA DAS REUCIÔES

hem a cabeça da serpcr.te ctónica c a evitar os tremores de


terra*5. Não só a construção da casa se situa no centro do mun­
do corno ela repete ainda, em certo sentido, a cosmogonia Sabe-
se. efetivamentè. que etn muitas mitologias os mun<to$ sairani do
desmembramento de um monstro primordial, geraimente cm for­
ma de serpente. Tal como todas as habitações se encontram ma­
gicamente no " a n tr o do mundo**, também a sua construção se
insere no m e m o mortcnio aurorai da criação dos mundos ($$
152 s.). O tempo mítico, conto o espaço sagrado, repeie-m• até
o infinito, por ocasião de cada nova obra do homem.

145. S im b o lism o d o " c e n t r o " — Grande numero de mitos


c de lendas fazem intervir uma arvore cósmica que simboliza o
um verso (os sete ramos correspondem aos sete céus), uma arvore
ou uma coluna central que sustenta o mundo, uma árvore da vi­
da ou uma árvore miraculosa que dá a imortalidade aos que pro­
vam os seus frutos (§5 9? s.). C'ad3 uin desses mitos e lendas veri­
fica a teoria do ' centro'*, no sentido de que a arvore incorpora
a realidade absoluta, a fonte da vida e da sactalniadc. c. nesta
qualidade, se acha no centro do mundo. Quer se ttatc de uma
árvore cósmica ou de uma átvorc da vida imortal ou do conheci­
mento do bem e do mal. o caminho que conduz até ela c *‘utti
caminho difícil’*, semeado de obstáculos: a árvoic acha-se cm re­
giões inacessíveis c é guardada por monstros ($ 108). Não é dado
a qualquer pessoa chegar ate ela nem. se acaso o conseguir, sair
vitorioso do duelo que terá de travar com o monstro que a guar­
da. Cabe aos “ heróis" vencer esses obstáculos c matar o mons­
tro que defende as imediações da árvore ou da planta da imorta­
lidade. dos txrmos de ouro. do velo de otuo, etc Como pudemos
verificar pelos capítulos anteriores, o símbolo que incorpora a rea­
lidade absoluta, a saciai idade c a imortalidade é de difícil aces­
so. Os símbolos dessa espécie situam-se num "cen tro ", quer di
zer, estão sempre bem defendidos c o chegar até eles equivale a
uma iniciação, a uma conquista ("heróica" ou “ mística” ) da
imortalidade.
Sem pretender fazer juízos prematuros sobre a significação
c a funçào originais do labirinto, nào há dúvida de que elas in
duíam u idéia de defesa de um "centro". ■ N inguàm podia ter a
pretensão tio penetrar num labirinto ou sair dele incólume: a cn
trada tinha o valor de uma iniciação. Quanto ao "centro", ele
O RSPAÇO SAGRAD O 307

comportava, cvidcniementc, figurações muito diferentes. O la­


birinto podia defender uma cidade, um túmulo ou um santuário,
mas em qualquer dos casos defendia um espaço mágico-religioso
que se pretendia tornar inviolável aos não iniciados'*1. A função
militar do labirinto era apenas uma variante da sua função es­
sencial de defesa contra o “ mal” , os cspíiitos hostis c a morte,
hm linguagem militar, um labirinto impedia ou. pelo menos, di­
ficultava a penetração do inimigo, mesmo permitindo u entrada
àqueles que conheciam o plano das obtas defensivas, hm lingua­
gem religiosa, impedia o acesso da cidade aos espítitos de fora,
aos demônios do deserto, à morte. O "centro” abarcava, então,
todo o conjunto da cidade, cuja configuração reproduzia, como
vimos, o próprio universo.
Mas. muitas vezes. o labirinto tinha por finalidade defender
um "cctiiro’’ na acepção inicial c rigorosa do tenno. quer dizer,
representava o acesso iniciático à sacralidade. à imortalidade, à
realidade absoluta. Os rituais labirínticos em que se ba>eia o ce­
rimonial de iniciação (por exemplo, cm Maickula) têm justamcnlc
como objetivo ensinar ao neófito, no decutso da sua vida neste
mundo, a maneira dc penetrar, sem se perder, nos territórios da
morte. O labirinto, tal como as outras provas iniciálicas, é uma
prova difícil que nem todos podem vencer. De certa maneira, a
experiência iniciática dc Tcscu no labirinto dc Creta equivalia à
expedição ao Jardim das llespéridcs em busca dos pomos de ou­
ro, ou á do velo de ouro da Cólquida. Cada uma dessas provas
se resumia, para falai cm termos dc morfologia, cm penetrar vi-
loriosamcnte num espaço dificilmente acessível c bem defendi­
do, no qual se encontrava um símbolo mais ou menos tratupa-
tente do fxxíer. da sacralidade c da imortalidade.
Mas este "itinerário difícil” não se verifica só nas provas dc
iniciação ou heróicas ja mencionadas. Vamos encontrá-lo em mui
tas outras circunstâncias. Mencionemos, a título de exemplo, as
circunvoluções complicadas dc certos templos como o dc Bara-
budur, a peregrinação aos lugares santos (Meca, Hardwar. Jeru­
salém), as tribulações do asceta sempre em busca do caminho para
cie próprio, para o “ centro” do seu ser... A estrada c penosa,
semeada dc perigos, |x>is se trata, de fato, dc um rito de passa­
gem do profano para o sagrado, do efêmero e do ilusório para
a realidade c para a eternidade, da morte para a vida. do homem
para a divindade. O acesso ao “ centro" equivale a uma consa­
gração. a uma iniciação. Ã existência dc ontem, profana e ilusó­
ria, sucede uma nova existência, real. durável e eficaz.
308 TRA TADO DE HISTÓRIA D A S RELIGIÕES

Examinada mais dc peito, a dialética dos espaços sagrados


c, em primeiro lugar, do “ centro” , parece contraditória. Todo
um conjunto dc mitos, dc símbolosc dc rituais sublinham a difi­
culdade dc penetrai, sem perigo, num "centro” , mas, por outro
lado, ama sóric dc mitos, de símbolos c dc rituais estabelece que
este "centro'* C facilmente acessível. A peregrinação aos lugares
santos ò difícil, mas qualquer visita a uma igreja ê uma peregri­
nação. A árvore cósmica c. pode-sc dizer, inacessível, mas é per-
feiumente legitimo mtioduzir-sc em qualquer iurta uma árvore
equivalente a cia. O itinerário que conduz ao “ cent ro” está cheio
de obstáculos, e, no entanto, cada cidade, cada templo, cada ha­
bitação se acha no centro do universo. Penetrar num labirinto
c regressar dele, tal c o ruo inictático por excelência, c no entan­
to toda existência, mesmo a menos movimentada, é suscetível dc
ser assimilsda ao caminhar tuim labirinto. O s sofrimentos w as
provações por que passou Ulisses são fabulosos e, no entanto,
qualquer regresso ao lar "vale" o regresso dc Ulisses a ítaca.

146. A "nostalgia do Paraíso" — Em resumo, todos os sim­


bolismos e assimilações que analisamos provam que o homem,
por diferentes que sejam qualitativamentc o espaço sagrado c o
profano, só pode viver num es;>aço sagrado desse gênero. E sem­
pre que este náo se lhe revele atrases de uma hierofania, c!c o
constrói aplicando os cânones cosniológkos c geomâr ticos. Des­
se modo, sc bem que o “ centro" seja concebido como situado
“ algures” , onde só alguns iniciados podem ter esperanças dc pe­
netrar, nâo deixa, por isso, dc sc julgar construída cada casa nes­
te mesmo centro do mundo. Poderiamos dizer que um grupo de
tradições atesta o desejo do homem de sc encontrar sem esforço
no “ centro do m undo", enquanto outro grupo insiste na dificul­
dade c, por conseguinte, no mérito que ha etn penetrar nele. Náo
nos interessa, por ora, fazer a historia de cada um a dessas tradi­
ções O fato dc a pnmeiia delas — a que facilita a construção
do “ centto" na própria casa do homem — se encontrar quase
por toda a parte leva-nos a encará-la, se não imexliatamenic co­
mo a mais primitiva, pelo menos como significativa, caractetisli-
ca do conjunto da humanidade. Ela faz ressaltar e trai uma con­
dição determinada do homem no cosmos a que poderíamos de­
signar “nostalgia do Paraíso“ . Emendemos com isso o desejo ex­
perimentado pelo homem de se achar sempre e sem esforço no
O ESPAÇO SAGRADO 309

coração do mundo, da realidade e da sacralidade c. em suma.


de superar de maneira natural a condição humana e recobrar a
condição divina ou, como diria uni cristão, a condição anterior
à queda.
Alem disso, a assimilação do pilar da casa ao eixo do mun­
do nas populações que pertencem às culturas primitivas, da mes­
ma forma que a crença estudada algures*7 relativa à junção mais
ou menos fácil do Céu e da Terra, auto:izam-nos a afirmar que
o desejo que o homem tem de se colocar, de maneira natural e
permanente, num espaço sagrado, no “ centro do mundo” , era
mais fácil de satisfazer no quadro das sociedades arcaicas do que
nas civilizações que lhes sucederam. Este resultado torna-se, com
efeito, cada vez mais difícil de conseguir. Os mitos de “ heróis” ,
que são os únicos que penetram num "centro” , tornam-se tanto
mais frequentes quanto as civilizações que os produzem ou pro­
pagam sào mais evoluídas. As noções de mérito, dc coragem, de
personalidade enérgica, dc provas iniciáticas, desempenham um
papel dc crescente importância e são sustentadas c servidas pela
crença cada vez maior na magia e na idéia dc personalidade.
Mas nos dois casos a nostalgia do Paraíso rcvcla-sc nos com
igual intensidade. Mesmo onde se verifica o domínio da tradição
dc um "centro" muito defendido, se encontram, ern grande nú­
mero. "equivalente»" deste centro situados em níveis cada vez
mais acessíveis. Poclcr-se-ia mesmo falar dc “ duplos fáceis" do
"centro", tal como vimos ($ III) que a árvore da vida c a planta
da imortalidade têm “duplos fáceis" na magia, na farmacologia
c na medicina popular, no sentido de que qualquer planta mági­
ca ou medicinal pod< fazer as vezes delas. Em resumo, qualquer
que seja o ângulo por que se encare, a dialética das espécies sa­
gradas denuncia sempre a "nostalgia do Paraíso".
São fatos ricos ile interesse: anunciam e dão mesmo uma con­
tribuição preciosa para o estabelecimento dc uma autêntica an­
tropologia filosófica. Eles têm, acima dc tudo, o mérito de reve­
lar, numa humanidade que está ainda, para usar uma expressão
alheia, “ ao nível etnográfico” , uma posição espiritual que só pela
pobreza dos meios cie expressão — tedu/idos a símbolos, ritos
e “ superstições" — sc distingue dos sistemas elaborados e logi­
camente coerentes d a teologia c da metafísica. Mas precisamente
esta indigência c esta vulgaridade dos meios de expressão dào um
pCSò párticular à atitude espiritual que exprimem. A sua autenti­
cidade, a função importante que eles desempenham ua vida dos
310 TRA TADO DB H ISTÓRIA D A S R E U G lõ E S

povos pr iinitiroí c semicivilizados provam, cm todo caso, que os


problemas da m etafiãea e da teologia esta o longe d e serem uma
invenção recente do espír.to humano ou de representarem uma
fase aberrante oa transitória na história espiritual da humanidade.
Mas a dialética paradoxal do espaço sagrado — acessível c
inacessível, único e tranw ndcntc por um lado, "repctivcl” sem
restrições por c u r o lado — deve ainda ser estudada de outro pon­
to de vista. Ela cabe sem dificuldade no que chamamos a ambi­
valência Uo sagrado <§§ 6 O . Vimos que o sagrado atrai c repele,
é útil c perigoso, tanto dá a morte como a imortalidade. F.ssa am­
bivalência desempenha também o seu papel na criação da mor­
fologia densa c contraditória dos espaços sagrados. As qualida­
des negativas dos espaças sagrados (inacessíveis, perigosos, guar­
dados por monstros) podem ser explicadas, sem dúvida alguma,
pela morfologia "icrrív d " Uo sagrado (labu, perigoso...) c vice-
versa.
Convêm, por fim, dizer uma palavra acerca dos “ duplos fá­
ceis do espaço sagrado” c. em particular, do “ centro” . A sua
fabricação cm série, e cm planos cada vez mais "baixos” , "aces­
síveis” (graças a múltiplas assimilações tudo c suscetível de se tor­
nar um "centro", um labirinto, um símbolo de imortalidade),
atesta unia reprodução, diriamos mecânica, de um único c mes­
mo arquétipo cm variantes cada vez mais “ localizadas" c mais
“ grosseiras” . Não podemos ocupar nos nitiis aqui da estrutura
c da função destes arquétipos, que já encontramos várias vezes
em outros capítulos deste livro: qualquer árvore c suscetível de
se tornar árvore cósmica, qualquer água é identificável com as
águas primordiais. Consagramos a este problema um estudo es­
pecial c teremos ocasião de voltar a clct,<. Hasta sublinhar que a
"dinâmica” c a "fisiologia” dos espaços sagrados permite cons­
tatar a existência de um espaço sagrado como arquétipo que as
hierofanias c a consagração de qualquer espaço procuram “ rea­
lizar” . A multiplicidade dos "centros” explica-se, como vimos,
pela estrutura do espaço sagrado que admite a coexistência de uma
"infinidade" de "lugares" num mesmo ceniro. Quanto á “ di­
nâmica” , â “ realização" dessa multiplicidade, claé possível graças
à repetição de um arquétipo. Que o arquétipo possa repetir-se ao
nível que se queira, c mesmo em formas grosseiras, já o vimos
(a árvore sagrada, as águas sagradas), e nào é aliás o fato de o
arquétipo ser suscetível ile Imitações (tepetições) grosseiras que
O F.SrAÇ O S.AGHAOO 311

parece significativo, mas o fato cie o homem tender, mesmo nos


mais baixos niveis cia sua experiência religiosa “ imediata” , a
aproximar se deese arquétipo c a realizá-lo. Se há um sinal reve­
lador do lugar do homem no cosmos, n3o é. por exemplo, a pos­
sibilidade de a árvore de vida set rebaixada a uma superstição
mágico medicinal qualquer, nem a possibilidade, para o símbolo
do centro, de se degradar num "duplo fácil", como é o do lar.
Não: c mais propriamente a necessidade que o homem experimen­
ta constantemente dc realizar os arquétipos até os niveis mais vis
c mais “ impuros" da sua existência imediata: é mais propriamente
esta nostalgia da» formas transcendentes — neste caso, do espa­
ço sagrado.
XI

O tempo sagrado e o mito do


eterno recomeço

147. H rterojw ncidade do tempo — O problema que aborda*


mos no presente capitulo ê dos mais difíceis da fcnonicnologia
religiosa. A dificuldade não está apenas numa diferença dc es­
trutura entre o tempo mágico-religioso c o tempo profano; ela
reside ainda no fato dc apropria experiência do tempo como tal
nos povos primitivos não equivaler sempre à experiência do tem­
po de um ocidental rnoderno. Por um lado, jvois, o tempo sagra­
do opõe-se à duração profana c, por outro lado. esta mesma du­
ração apresenta tipos difcicntes de estrutura, segundo se trate dc
sociedades aicaicas ou dc sociedades modernas. Ú difícil decidir,
dc momento, se esta diferença provêm do fato dc a experiência
do (empo profano, nos primitivos, não se ter ainda desligado das
categorias do tetnpo mltico-ieligioso. Mas c um fato que esta ex­
periência do tempo deixa, por assim di/er, ao primitivo uma
"abertura” permanente sobre o tempo religioso. Simplificando
a exposição c antecipando um tanto os resultados do nosso estu­
do. poderiamos di/cr que a própria estrutura da experiência tem­
poral do primitivo lhe facilita a transformação da duração em
tempo sagrado. No entanto, como esse problema tem interesse
em especial para a antropologia filosófica e para a sociologia, só
nos ocuparemos dele aqui na medida em que ele nos imponha
a discussão do tempo liierofânico.
O problema que aqui nos ocupa é. com efeito, o seguinte:
cm que sc distingue um tempo sagrado da duração "profana"
que o precede c que llic sucede? O termo "tempo hicrofãnico",
como veremos, abrange realidades muito variadas. Pode desig­
nar o tempo no qual se coloca a celebração dc um ritual c que
314 r#M TADO D E HISTORIA D A S HEUGIÕES

é, por isso. um tempo seguido, quer direr, utr. tempo esscndal-


mente diferente da duração profana que o antecede. Pede tam­
tam designar o tempo mítico, ora reavido graças ao intermédio
de um ritual, ora rcahrado pela repetição pura c siir.p'es de uma
ação provida de um arquétipo mítico. Enfim, pode ainda desig­
nar os ritmos cósmicos — por exemplo, as hkrofsr.iss lunares
— na medida em que esses ritmos são considerados revelações
— quer dizer, manifestação, ações — de uma sacralidade funda­
mental subjacente ao cosmos. Assim, ura momento cu uma por­
ção de tempo pode tornar-sc. a qualquer momento, hxrofãnica:
basta que se produza uma cratofarua, uma hierofania ou uma teo-
fania para que ele seja transfigurado, consagrado, comemorado
por eleito da sua repetição e. por conseguinte, “ repetive!" até
o infinito. Todo o tempo, qualquer que ele seja, se cltre para um
tempo sagrado on. por outras palavras, pode revelar aquilo a que
chamaríamos, em expressão cômoda, o absoluto, quer dizer-, o
sobrenatural, o sobre-humano, o supra-históneo.
Para a mentalidade primitiva, o tempo não e homogéneo.
Sem falar das suas eventuais hierofanizaçóes, o tem po como tal
apresema-.se cm várias formas, de intensidade variada e finalida­
de múltipla. Lévy-Bruhl, após Hardeland, distinguiu cr.tre os da-
yak cinco tempos diferentes cuja finalidade diversifica a duração
de um mesmo dia, neste caso o domingo: " I ? O nascer do Sol,
favorável ao começo de qualquer operação. As crianças que nas­
cem a esta hora são felizes. Convém, r.o entanto, n3o ir à caça,
à pesca nem partir cm viagem cm tal momento, pois quê não se
seria bem-sucedido. 2° Por volta das nove horas da manhã c um
momento dc infelicidade, pois que tudo o que se comece então
está voltado ao fracasso; no entanto, quem se meta aos caminhos
não terâ que temer os salteadores. 3“ Meio-dia: ‘tempo’ muito
favorável. 4? Três horas da tarde: momento da luta. propício aos
inimigos, aos salteadores, aos caçadores, aos pescadores, funes­
to para os viajantes. 5? O põr-do-Sol: momento feliz.” 1
Os exemplos são abundantes, rodas as religiões conhecem
dias fastos e dias nefastos, momentos ótimos no decurso dc um
mesmo dia fasto, períodos de tempo ‘‘concentrado’ ’ e de tempo
“ diluído” , de tempo “ forte" e de tempo “ fraco” ... Uma carac­
terística chama desde já a nossa atcncào. a saber, que o tempo
aparece como não homogéneo antes mesmo dc todas as vaioriza-
Cóes que ele possa receber no quadro dc um determinado sistema
ritual: alguns períodos são fastos, outtos nefastos. Por ou­
O 7FMPO SAGRADO E O M l TO DO ETFJtSO RFCOUEÇO 315

tras palavras, o tempo desvenda uma nova dimensão que pode­


mos designar de liierofãnica c graças à qual a duração cm si ad­
quire nâo só uma cadência partícula' mas também "vocações”
diversas, "destinos” contraditórios. Evidentemente, esta dimen­
são hicrofãnica do tempo pode ser revelada, "causada” , pelos
ritmos cósmicos, como no caso dos ctnco tempos dm dayak, ou
das crises solsticiais, das fases da Lua, como pode também set
"causada” pela própria vida religiosa das sociedades humanas,
sob a fornia, por exemplo, das festas de inverno concentradas
na estação morta da vida agrícola.
Alguns autores destacaram rcccntementc a origem social dos
ritmos sacrotentporais — por exemplo. Marcei Mauss e Marcei
Grauct. Não sc pode, por isso. contestar que os ritmos cósmicos
tenham também desempenhado um papel piepondcrante na “ re­
velação” c na organização destes sistemas. Basta lembrar a im­
portância das valorizações religiosas do drama lunar (§§ 4? s.)
ou vegetal <§ 139) no destino espiritual do homem arcaico. As
idéias de ntm o e repetição, a que voltaremos no decurso dote
capítulo, podem scr consideradas uma "revelação” das hierofa-
nias lunares, independente de eventuais exemplificações do rit­
mo e da repetição no quadro da vida social conto tal. Já sc disse
que a "origem” social do cômputo do tempo sagrado é confir­
mada pelo desacordo que sc verifica entre os calendários sagra­
dos e os ritmos cósmicos2. l>c fato, essa divergência não anula,
dc forma alguma, a solidariedade dos sistemas de cômputo e dos
ritmos cósmicos; ela prova simplesmente, por um lado, a incon­
sistência dos cômputos c das cronometrias primitivas e. por ou­
tro lado. o caráter não "naturalista” da religiosidade arcaica,
cujas festas não visam o fenômeno natural cm si mesmo mas seu
alcance religioso.
As hicroíanias vegetais deram-nos ocasião para sublinhar
quanto o lugar da (esta da primavera no calendário e variável.
Também mostramos que o que caracteriza esta festa da primave­
ra é a significação metafísico-religiosa do renascimento da natu­
reza e da renovação d a vkla, c não o fenômeno “ natural" da |wi-
mavera como tal. Não é porque um calendário não tem como mo­
delo o tempo astronômico que o tempo sagrado deve organizar-
se sempre indcpcndcruemcntc dos ritmos cósmicos. O que se passa
6 que esses ritmos são valorizados apenas na medida cm que são
hierofanias c quo é i « hicrofanizaçào os liberta tio (empo astro­
nômico que lhes serviu, por assim dizer, de matriz. Um "sinal”
31é TEA TAOO DE HISTÓRIA DAS REUCIÕES

da primavera pode “ levelar” a primavera antcscic a “ primavera


natural" se fazer sentir <§ 123». o que nJoitn pede o sinal dc mar­
car oío/neqode urra nova “era’’ q u ea “ primavera natural" lo­
go verificará, não tacto como fenômeno da natureza mas como
renovação, recomeço total da vida cósmica. Bem entendido, a
idéia de renovação comporta u.r.a renovação individual e social
concomitantes à restauração do cosmos. Não d a primeira vez que
nos d dado neste livro sublinhar que, aos olhos tia espiritualida­
de arcaica, todos os objetos se encontram c todos os planos sc
correspondem.

148. S o lid a rie d a d e e c o n tig u id a d e d o s te m p o s h ie ro fâ n ic o s


— A heterogeneidade do tempo, a sua divisão cm “ sagrado" e
“ profano” não implicam apenas “ c ó rt« " périósiiCOS praticados
na duração profana a Hm dc nela sc inserir o tctnpc sagrado, im­
plicam tarnbcm que essas inserções do tempo sagrado sejam soli-
dárias, diríamos mesmo continuas. A liturgia cristã de um deter­
minado domingo è solidária da liturgia do domingo anterior c
da do domingo seguinte. Não só o tempo sagrado que vê o mis­
tério da transubstanciaçào do pão c do vinho n o corpo e no san­
gue do Salvador é qualitativaineute diferente, como um cnclavc
entre o presente c o futuro, da duração profana de que se desta­
ca; não só este tempo sagrado é solidário do das liturgias prece­
dentes c seguintes, como pode. além disso, ser rido como conti­
nuação de todas as liturgias que se realizaram desde o momento
cm que foi criado o mistério da transubstanciaçào ate o minuto
presente. Pelo contrário, a duração profana que se escoa entre
dois serviços divinos nâo poderia apresentar contiguidade algu­
ma com o tempo hieroíânico do rito, dado que não foi transfi­
gurada em tempo sagrado: essa duração corre, por assim dizer,
paralclamente ao tempo sagrado que sc nos revela como um con-
tittuum que só aparentemente é interrompido pelos intervalos
profanos.
O que é verdadeiro para o tempo do culto cristão vale igual-
mente para todos os tempos que a religião, a magia, o mito c a
lenda conhecem. Um ritual não sc limita a repelir o ritual pre­
cedente — que é, ele próprio, a repetição dc uni arquétipo: ele
Hk c contíguo c continua v, periodicamente ou não. a colheita
das plantas mágicas faz-sc nos momentos críticos que marcam
uma ruptura de nível entre o tempo profano c o tempo mágico-
O TEMPO SAGRADO E O MITO DO ETERNO RECOMEÇO 317

religioso, por exemplo, à meia-noite do dia de S. João. Durante


alguns segundos — c o caso da “ erva dos ferros” , dos fetos —
as crenças populares pretendem que “ os céus se abrem” : as plan­
tas mágicas adquirem entào virtudes excepcionais, c aquele que
as colhe nesse momento pode tornar-se invulnerável, invisível,
etc...
Esses segundos hierofânicos repetem-se todos os anos. Na
medida cm que eles constituem uma “ duraçào” de estrutura sa­
grada — mas um a duraçào apesar de tudo —, pode-se dizer que
eles se continuam, que, ao longo de anos c séculos, eles formam
um único “ tempo” . Isto não impede que, aparentemente, eles
se repitam periodicamente. Poderiamos imaginá-los como uma
abertura "fulgurante” sobre o Grande Tempo, abertura que per­
mite a este paradoxal segundo do tempo mágico religioso pene­
trar na duraçào profana. As ideias de periodicidade e de repeti­
ção ocupam um lugar considerável náo só na mitologia mas tam­
bém no folclore. “ Nas lendas de castelos, cidades, mosteiros, igre­
jas desaparecidos, a maldição nunca c definitiva: ela renova-se
periodicamente — todos os anos, de sete em sete anos. de nove
em nove anos, à. data da catástrofe, a cidade ressuscita, os sinos
tangem, a castelã sai da sua reclusão, os tesouros abrem-se, os
guardiães adormecem: mas, na hora marcada, o sortilégio cessa
e tudo se extingue. Estas repetições periódicas bastam para mos­
trar que as mesmas datas reproduzem os mesmos fatos.

149. Periodicidade — eterno presente — Na religião como


na magia a periodicidade significa sobretudo a utilização indefi­
nida de um tempo mítico tornado presente. Todos os rituais tém
a propriedade d e se passarem açora, neste instante. O tempo que
viu o acontecimento comemorado ou repetido pelo ritual em ques­
tão c tornado presente, "rc-presentado” . se assim se pode dizer,
tão recuado no t-empo quanto se possa imaginar. A paixào de Cris­
to. a sua morte e a sua ressurreição não são simplesmente come
moradas no decurso dos ofícios da Semana Santa: elas sucedem
verdadeirameme entào sob os olhos dos fiéis. E um verdadeiro
cristão deve sentir-se contemporâneo desses acontecimentos trans-
históneos, visto que, ao repetir-se. o tempo tcofànico se lhe tor­
na presente.
0 mesmo se dirá da magia. Vimos a feilioéifá partir à pro­
cura dos simples, dizendo: "Vamos colher plantas para pò-las nas
3 18 TRA TADO DC HISTORIA DA S RELIGIÕES

chagas do Serhor.” Fcia virtude do rito tnàgxo. a feitkcira torna-


se contemporânea tia Paixão do Senhor; as piarvas que ela colhc
devem a sua eficácia ao fato dc que rão colocadas — ou cm todo
o caso podem x r colocadas — sobre as chagas do Salvador ou
ao pc da Cruz. O quadro temporal dc crcaniaçâo é da ordem do
presente. Contíi-se que a curandcira encontra a Virgem Santa ou
out tos santos, que a Virgem é informada da doença de X... eque
d a indica o remédio... Limitemo-nos a citar uni exemplo, reco­
lhido no tesouro partieularmente abundante do folclore romeno.
"Reuniram-se nove irmãos, de nove pais diferentes, todos com
a mesma roupa, com nove enxadas amoladas, com nove macha­
dos afiados; foram ate o meio da ponte dc bronze; ai encontra­
ram Santa Maria, que descia por uma escada de cera e se pòs a
perguntar-lhes: — Onde vão vocês, os nove irmãos, dc nove pais
diferentes, iodos corn a mesma roupa? — Vamos ao Monte da
Gahleia cortar a Arvoredo Paraiso. — Deixem a Arvore do Pa­
raíso. Vào à casa dc lor. por causa das feridas dele; retalhem-nas,
cortem-nas c deitem nas ao fundo cio m ar.” 4 A cena passa-se
num tempo mítico em que a árvore do Paraíso não estava ainda
cortada e, não obstante, d a tem lugar agora, neste momento pre­
ciso cm que alguém sofre das suas pústulas. A encantação náo
se limita a invocar o poder da Virgem Santa, porque todas os po­
deres. mesmo divinos, se diluem e se perdem desde que se exer­
çam na duração profana; ela instaura um outro tempo, o tempo
mágico-religioso, um tempo cm que os homens podem ir cortar
a árvore do Paraíso e em que a Virgem Santa desce em pessoa
por uma escada celeste. E esta instauração não c alegórica mas
real: lon e a sua doença são contemporâneos do encontro da Vir­
gem com os nove irmãos. Esta contcmporaneidade com os gran­
des momentos míticos c uma condição indispensável da eficácia
mágico-religiosa, qualquer que seja a sua natureza. Encarado a
esta luz, o esforço de Sórcn Kirkcgaard para traduzir a condição
cristã na fórmula "ser contemporâneo dc Jesus*’ mostra-se me­
nos revolucionário do que parece á pnmcira vista. Kirkegajrd náo
fez mais do que formular em termos novos um a atitude geral c
normal do homem arcaico.
Periodicidade, repetição, etetno presente: estas três caracte­
rísticas do tempo mágico-religioso concortem para esclarecer o
sentido da não-homogeneidade deste tempo cratofânico e hicro-
fânico em relação á duração profana. Da mesma forma que to ­
das as outras atividades essenciais da vida humana — pesca, ca­
O TEMPO SAGR.ADO E O MITO DO ETERNO RECOMEÇO 319

ça. colheita de frutos, agricultura — se tornaram, depois, se bem


que sempre incompletamcnte, atividades ‘•profanas", os ritos fo­
ram revelados por deuses ou por "antepassados” . Sempre que
se repete o rito ou um ato significativo — caça. por exemplo —,
imita-se o gesto arquetipico do deus ou do antepassado, o gesto
que teve lugar na origem dos tempos, quer dizer, num tempo
mítico.
Mas essa repetição tem, ao mesmo tempo, como efeito ins­
taurar o tempo mítico dos deuses c dos antepassados. £ assim
que, na Nova Guine, ao fazcr-sc ao mar, o chefe de um barco
personifica o herói mítico Aori: "Ele veste o traje que Aori ves­
tia segundo o mito c tem. como este, a cara escurecida c nos ca­
belos um /ovesemelhante ao que Aori arrancou da cabeça de Ivi-
ri. Ele dança e abre os braços como Aori estendia as asas... Um
pescador disse m e que quando ia pescar (com arco) se julgava o
próprio Kivavia. Não implorava a graça e a ajuda deste herói mí­
tico: idcntificava-sc com e le .'" Em outras palavras, o pescador
vive no tempo mítico de Kivavia, da mesma forma que o mari­
nheiro que se identifica com Aori vive no tempo trans-histórico
desse herói. Quer ele se torne a próprio herói, quer ele se torne
apenas seu contenifiorâneo, o mclanésio vive um presente mítico
que é impossível confundir com qualquer duração profana. Ao
repetir um gesto arquétipo, ele inscrc-sc num tempo sagrado a
histórico, e esta inserção só pode acontecer se o tempo profano
for abolido. Veremos adiante a importância que tem essa aboli­
ção para o homem arcaico.

150. Restauração do tempo mítico — Por meio de qualquer


rito e, por conseguinte, por meio de qualquer gesto significativo
— caça, pesca... — o primitivo insere se no "tempo mítico” .
Porque "a época mítica", dzugur, não deve ser pensada simples­
mente como um tempo passado, mas também como presente c
futuro: como um estado tanto como um período''. Este período
é “ criador", no sentido de que é. então, in illo tempore, que ti­
veram lugar a criação e a organização do cosmos, da mesma for­
ma que a revelação, pelos deuses, ou pelos antepassados, ou pe­
los heióts civilizadores, de todas as atividades arquetípicas. In illo
tempore, na época mítica, tudo cra possível. As "espécies" não
estavam ainda fixadas c as formas eram “ fluidas” . (A lembran­
ça dessa fluidez denuncia uma sobrevivência até mesmo nas tra-
1

320 T*A T ADO DE HISTORIA DA S RELIGIÕES

diçòcx mitológicas elaboradas: na mitologia grega, por exemplo,


a época de Urano, a dc Cronos. etc., § 23.) For outro lado, a
própria fluidez das “ formas” constitui, na outra extremidade do
tempo, uma das sfndromes do “ eschaton". do momento em que
" a história" chegará ao fim c em que o mundo começará a viver
num tempo sagrado, na eternidade. “ Então, o lobo- viverá com
o cordeiro, e o leopardo com o cabrito..."1 Lntào, ncc magnos
meiuent arménia leones, "as manadas dc bois nào temerão os
lc ó « " s.
NSo é demais sublinhar a tendência — observável cm qual­
quer sociedade, seja qual for o seu grau de evolução — para res­
taurar “aquele tem po", o tempo mítico, o Grande Tempo. Por­
que essa restauração c o resultado dc todo rito c dc lodo gesto
significativo, sem distinção. "Um tito é a repetição de um frag­
mento do tempo original"; "O tempo original serve dc moddo
para todos os tempos; o que sucedeu um dia repete se sem inter-
rupçào; basta conhecer o mito para compreender a vida.’*’ A
propósito da articulação c da significação do mito, avaliaremos
o grau exato dc verdade que há na expressão de Van der Leeuw:
“ basta conhecer o mito para compreender a vida". Registremos,
por oru, essas duas características do tempo mítico ou, segundo
os contextos, sagrado, mágico-religioso, hierofânico: 1°. a sua
“ tepetibilídade". no sentido dc que toda ação significativa o re­
produz; 2V, o fato dc que, se bem que considerado tratis-histórico,
situado além de ioda contingência, de certo modo, mesmo na eter­
nidade, este tempo sagrado tem. na história, um “ começo” , a
saber: o momento cm que a divindade criou o mundo ou o orga­
nizou. o momento em que o herói civilizador ou o antepassado
revelaram uma atividade qualquer...
Do ponto dc vista da espiritualidade arcaica, todo começo
é um illud lem pust, portanto, uma abertura para o Grande Tem­
po. para a eternidade. Marcel Mauss viu bem que “ as coisas reli­
giosas que se passam no tempo são legítima e logicamente consi­
deradas como sc se passassem na eternidade"10. Efetivamente,
cada uma dessas "coicav religiosas” repete sem fim o arquétipo,
quer dizer, repete o que teve lugar no “ começo” , r»o momento
em que, ao se revelarem, um rito ou utn gesto religioso sc mani­
festaram. ao mesmo tempo, na história.
Como moMiaiviiKtt mais poimetiorizadainemv na xqüèn-
cia desta obta. a história, na perspectiva da mentalidade primiti­
va, coincide com o mito: todo acontecimento (toda conjuntura
o m u r o sag rad o e o u n o do lte a so recom eço 321

dotada de sentido), pelo próprio fato de se te r p r o d u z id o n o tem -


(H). representa uma ruptura da duração profana e uma invasão
do Grande Tempo. Como tal, todo acontecimento, simplesmen­
te porque se verificou, porque teve lugar no tempo, é uma hicro-
fama. uma “ revelação". O paradoxo des* “ acontecimento-
hierofama" e desse “tempo hntorico = tempo mítico” é apenas
aparente: para dissipar o que há nele de aparência basta que nos
coloquemos nas condições particulares da mentalidade que os con­
cebeu. Porque, no fundo, o primitivo só cncontia significação
e interesse nas açòes humanas (por exemplo, nos trabalhos agri
colas, nos costumes sociais, na vida sexual, na cultura) na medi­
da em que elas repetem gestos revelados pelas divindades, pelos
heróis civilizadores ou pelos antepassados. O que não cabe no
quadro dessas açôcs significativas, dado que nào tem modelo
trans humano, nâo tem nome nem importância. Mas todas essas
ações arquet(picas foram reveladas entáo, in tilo te m p o r e , num
tempo que náo c possível situar cronologicamente, num tempo
mítico. Ao se revelarem, rasgaram a duração profana c introdu­
ziram nela o tempo mítico. Mas, ao mesmo tempo, criaram um
‘‘começo", um "acontecimento” que vem inserir-sc na perspec­
tiva triste e uniforme da duração profana — da duração na qual
aparecem e desaparecem os atos insignificantes — e constrói, desse
modo. a "história", a serie dos ‘‘acontecimentos dotados de um
sentido” , bem diferente da sequência dos gestos automáticos c
sem significação. De forma que, por paradoxal que pareça, aquilo
a que poderiamos chamar a "história” das sociedades primitivas
reduz-se e.vclusivamente aos acontecimentos míticos que tiveram
lugar in illo te m p o r e e que náo deixaram de se repetir desde en­
tão até os nossos dia s. Tudo quanto aos olhos do homem moder­
no é vcrdadciramcnfc "histórico” , quer dizer, único e irreversí­
vel, é considerado pelo primitivo como destituído dc importân­
cia, porque não tem precedente mítico-histórico.

151. Repetição náo periódica — Essas observações contri­


buem, cm igual medida, para a inteligência do tnito (ǧ 156 ss.)
c para a explicação do tempo mítico, hierofànico, mágico-reli­
gioso, que é o principal objeto deste capitulo. Estamos daqui cm
diante etn condições dc comprecndw por que razão o tem po sa­
grado. religioso, não sc reproduz sempre periodicamente. Sc de­
terminada festa (situada, bein entendido, num tempo hicroíà-
322 TRATADO DE HISTÓRIA D,1S AE l iCtÓES

nico) se repele periodicamente, há outras ações ajx*r<nicmcntc


profanas — mas só aparentemente — que, mesmo fazetxlo-ie pas­
sar por “ inauguradas” em um ittud tempus, podem ter lugar nõo
importa quando. É "não importa quando" que se pode partir
para a pesca, para a caça... c imitar tamhóm um herói mítico,
encarná-lo, restaurar assim o tempo mítico, saii da duração pro­
fana, repetir o mito-história. Para voltarmos ao que liá pouco
dizíamos, todo tempo è suscetível de se tornar um tempo sagra­
do; em qualquer momento, a duração pode ser (ransmutada cm
eternidade. Naturalmentc, como veremos, a periodicidade do tem­
po sagrado tem um lugar considerável nas concepções religiosas
da humanidade. Mas c um fato pleno de sentido que o próprio
mecanismo da imitação de um arquétipo e da repetição de um
gesto arquctipico possa abolir a duração profana c iransfigurá
Ia cm tempo sagrado e que o faça exteriormente áóti tifõS perió­
dicos. Itssc fato prova, por um lado. que a tendência para hiero-
fanizar o tempo é essencial, mesmo independentemente dos sis­
temas organizados no quadro da vida social, c dos mecanismos
destinados a abolir o tempo profano — por exemplo. o ' ano ve­
lho” — e a instaurar o tempo sagrado — o ano novo — aos quais
voltaremos cm breve; c, por outro lado. lembra-nos os "duplos
fáceis” que já mencionamos para a instauração do espaço sagra­
do (S146). Assim como um "centro do mundo" que se acha, por
definição, num lugar inacessível pode. não obstante, ser construí­
do cm qualquer parte sem se deparar com as dificuldades de que
falam os mitos e as lendas heróicas, lambem o tempo sagrado,
gcialmenic instaurado nas festas coletivas por via do calendário,
pode ser realizado seja quando fo r e por quem quer que seja, gra­
ças à simples repetição de um gesto arquctipico mítico. Conside­
remos desde já essa tendência para superar os quadros coletivos
da instauração do tempo sagrado, pois cia tem uma importância
que náo tardará a aparecer.

152. Regeneração do tempo — As festas passam-sc num tem­


po sagrado, quer dizer, como observa Marcei Mauss, na eterni­
dade. Mas há certas festas periódicas — ccrtamcnte as inais im­
portantes — que nos fazem entrever algo inais: o desejo de abo-
ür o tempo profano já passado c dc instaurar um “ tempo r.o
vo". Por outras palavras, as festas periódicas que encerram um
ciclo temporal c abrem outro empreendem uma regeneração to-
O T EM P O S A C R A n o E O M IT O D O E T E R N O R E C O M E Ç O 323

ta! do tempo. Como já estudamos com alguma minúcia os cená­


rios rituais que marcam o fim do ano velho c o começo do ano
novo. limitar-nos-emos, aqui, a uma abordagem sumária desse
importante problema.
A morfologia dos cenários rituais periódicos é de uma ex­
traordinária riqueza. As pesquisas de Fra/er, de Wcnsinck, de Du-
tnézil c de outros autores mencionados na bibliografia permitem-
nos resumir o essencial no esquema seguinte.
C) fim do ano c o começo do novo ano dão lugar a um con­
junto de ritos:

I? Purgações, purificações, confissão dos pecados, afasta


mento dos demônios, expulsão do mal da aldeia, etc.;
2? Extinção c reativação do fogo;
3? Procissões mascaradas ias máscaras representam as almas
dos monos), recepção cerimonial dos mortos, que sáo fes­
tejados (banquetes...) e que no fim das festas sáo recon­
duzidos aos limites da localidade, ao mar, ao rio, etc.;
4? Combales entre dois grupos inimigos;
5? “ E ntrem «” carnavalesco, satntnais. invcrsào da ordem
normal, “ orgia“ .

O cenário do fim do ano c do começo do ano novo em parte


alguma retine todos esses ritos, cuja lista, de testo, não tivemos
a pretensão de esgotar, pois que passamos em silêncio as inicia­
ções c, em certas tegiões. os casamentos por rapto. Todos esses
ritos não deixam, p o r isso, de fazer parte de um único e mesmo
quadro cerimonial. Cada utn deles pretende realizar — na sua
perspectiva c no seu próprio plano — a abolição do tempo pas­
sado durante o ciclo que termina. Deste modo. a purgação, av
purificações, a queima das imagens do "ano velho” , a expulsão
dos demônios, das feiticeiras e, de maneira geral, de tudo o que
tepresenia o ano acabado tem por objeto destruir a totalidade
do tempo passado, suprimi-lo. A extinção dos fogos equivale à
instauração das “ trevas” , da “ noite cósmica” , na qual todas as
“ formas” perdem os seu» contornos e se confundem. No plano
cosmológico. as “ trevas” são idênticas ao caos, como o reavivar
do fogo simboliza a criação, a restauração das formas c dos limi­
tes. As máscaras que encarnam os antepassados, as almas dos
mortos que visitam cerimomalmente os vivos (Japão, üermãnia)
são lambem o sinal dc que as fronteiras foram anuladas e substi­
324 T ftA 7 A Í » D £ HISTÓRIA D ASKBUG IÕ ES

tuídas pela confusão dc toda« as ir.odaüdadrs Neite Intervalo pa­


radoxal entre dois "tem pos” . isto é. enrt< dois coime*, a comu­
nicação torna-se possível m ire os vivos c os rnar.oi. quer dizer,
entre as “ formas” realizadas e o pré-formal, o larvar. Er. certo
sentido pode-se dizer que. nas "trevas" e no "caos" instaurados
pela liquidação do ano velho, todas as modalidades coincidem
e a coalescência universal ("noite" = “ dilúvio" - dissolução) pos­
sibilita sem esforço, automaticamente, mxii com ddenda oppoii-
torum cm todos os planos.
Esse desejo de abolir o tempo manifesta se mais claramente
ainda na “ orgia” que ve realiza, segundo uma cicala muito va­
riada de violência, por ocasião do Ar.c Novo. Também a orgia
< uma regressão ao "obscuro", uma restauração do c«os primor­
dial c, nessa qualidade, precede toda criação, toda manifestação
de formas organizadas. A fusão de iodai as ••formai” numa só.
vasta unidade indiferenciada, repete prec:san>er.te a modalidade
indistinta do real. Já assinalamos (§ 138) a função e a lignifica-
çào simultaneamente sexual c agrícola da otgia. No aspecto cos-
ntológico, a “ orgia” ó o correlato do caos ou da plenitude final
e. na perspectiva temporal, do Grande Tempo, do "instante eter­
n o ", da não-duração. A presença da orgia nas cerimônias que
marcam cortes periódicos do tempo denuncia um desejo de abo­
lição integral do passado pela abolição da mação A "confusão
das formas” é ilustrada pela perturbação das condições sociais
— nas Saturnais o escravo torna-se senhor c o senhor, escravo;
na Mesopotamia destrona-se e humilha-se o rei — pela coinci­
dência dos contrários —, a matrona c tratada como cortesã —
pela suspensão de todas as normas. O desregramento moral, a
violação de todas as interdições, a coincidência de todos os con-
liáiios nào tem outra intenção que não seja a dissolução do mundo
— cuja imagem é a comunidade — e a restauração de Hind tem­
p o s primordial, que é, cvidcntcmcntc, o momento mítico do co­
meço (caos) e do fim (dilúvio ou ekpyrósis, apocalipse).

153. Repetição anual da cosmogonia — Essa significação cos-


mológica da orgia carnavalesca de fim de ano é confirmada pdo
fato de o caos ser sempre seguido de uma nova criação do cos-
mv*. Em formas mais ou menos claras, os cerimoniai« periódi­
cos procedem todos a urna repetição simbólica d a criação.
Limitemo-nos a alguns exemplos.
O TEMPO SAGRADO E O MITO DO ETERNO RECOMEÇO 325

Entre os babilônios, no decurso do cerimonial do Ano No­


vo, akitu (que durava 12 dias), recitava « várias vezes no templo
de Marduk o chamado “ Poema da Criação” , Enúnut elish: era
um meio de reatualizar, pela magia oral c pelos ritos que a acom­
panhavam, a luta entre Marduk e o monstro marinho Tiamat,
luta que se travara in Uio tempore c que, pela vitória final do deus,
pusera termo ao caos. Os liititas praticavam um uso análogo: no
quadro da lesta do Novo Ano, recitavam e reatualizavam o due­
lo exemplar travado entre o deus atmosférico Teshup c a serpen­
te Iluyankash11. O combate singular entre Marduk c Tiamat era
representado pelo choque de dois grupos de homens'*'. Esse ri­
tual c encontrado também entre os hititas e os egípcios*1. A pas­
sagem do caos ao cosmos era reproduzida nestes termos: "Possa
ele continuar a vencer Tiamat e a abreviar os seus dias!” A luta,
a vitória de Marduk c a criação do mundo tornavam -«, assim,
coisas presentes.
Por ocasião do akitu, celebrava-sc também o zakmuk, a "fes­
ta das sortes” , assim chamada porque nela se tiravam as sortes
para cada mis do ano ou, por outras palavras, criavam-se nela
05 doze meses futuros «gundo uma concepção comum a muitas
outras tradições. A estes ritos juntavam-sc outros: desoda de Mar-
duk aos Infernos, humilhação do rei, expulsão dos males na fi­
gura de um bode expiatório, hicrogamia do deus com Sarpani-
tüm — hicrogamia que o rei reproduzia com uma hieródula na
câmara da deusa c que certamente dava o sinal dc um momento
de licenciosidade coletiva14. Assistimos, assim, a um regresso ao
caos (supremacia dc Tiamat, "confusão das formas"), seguida
dc uma nova criação (vitória de Marduk, fixação dos destinos,
hicrogamia - "novo nascimento” ). Ao mesmo tempo que o mun­
do antigo sc dissolvia no caos primordial, obtinha-se também im­
plicitamente a abolição do tempo antigo. Diriamos, hoje, que a
"história” do c:clo terminara.
Para a mentalidade primitiva, o tempo antigo é constituído
pela duração profana, na qual se inscreveram todos os aconteci­
mentos sem importância, quer dizer, sem modelos ou arquétipos;
a "história" é a memória desses acontecimentos, daquilo que,
afinal dc contas, podemos chamar não-valores ou mesmo "pe­
cados" —na medida em qut eles constituem desvios cm relação
às normas arqueiipicas Vimos que. para os primitivos, a verda­
deira história c, pelo contrário, uma mito-história, que ela regis­
tra tão-só a repetição dos gestos arquctlpicos revelados pelos deu­
326 TRATADO DE H tS IO X íA IM S RELIGIÕES

ses. pelos antepassados ou pcios hetois civilizadores durante o tem


po mítico, in illo tempore. Pata o primitivo, todas as repetições
dos arquétipos têm lugar fora da duração profana: segje se da­
qui que. por um lado. ações deste tipo bào poderias: constituir
“ pecados” , desvias em relação à norn-.a e q te. por outro lado,
tais ações nada têm a ser com a duração, com o "tempo antigo"
periodicamente abolido. A expulsão dos demônios c dos espíri­
tos. a confissão dos pecados, as purificaçõese, cm especial, o re­
gresso simbólico ao caos primordial, tudo isso significa a aboli­
ção do tempo profano, do tempo antigo no qua: « verificaram,
por um lado. os acontecimentos destituídos de ser tido c. ps>t ou­
tro. todos os desvios.
Uma vez por ano, o tempo antigo, o passado, a memória
dos acontecimento; não exemplares, cm resumo, &“ historia" no
sentido atual do tcnr.o. são abolidos. A repetição simbólica da
cosmogonia que se segue ao aniquilamento simbólico do inundo
velho regenera o tempo na stta totalidade. Nào sc trata .ir.icamcntc
de uma festa que sem inserir na duração profana o “ instante eter­
no“' do tempo sagrado: o que sc tem em vista c. aJetn disso, c
como jã dissemos, a anulação de todo o tempo profano escoado
nos limites do ciclo que sc fecha. Na aspiração cie recomeçar uma
vida nova no seio de uma nova criação — aspiração manifesta
mente presente cm todas as cerimônias de fim e de começo de
ano — transparece também o desejo paradoxal de se conseguir
inaugurar uma existência a-histórica, quer dizer, de sc poder vi­
ver exclusivamente no tempo sagrado, o que equivale a projetar
unia regeneração de todo tempo, uma transfiguração d a dura
çâo em "eternidade” .
Encontramos essa necessidade de regeneração total cio tempo
— realizável pela repetição unual da cosmologia — mesni o cm tra­
dições que não se podem qualificar dc "primitivas''. Já menciona
mos as articulações da festa do Ano Novo entre os babilônios. Os
ele mentos cosmogónicos são igualmente transparentes no cerimo­
nial judaico correspondente. Na "volta do ano", na “ salda do
a n o " 15 tinha lugar a luta de Jeová com Rahab. a derrota deste
monstro marinho (que corresponde a Tiamat) por Jcova c a vitó­
ria sobre as águas, que equivalia á repetição da criação dos mun-
dose, ao mesmo tempo, á salvação do homem (vitória sobre a morte,
garantia da subsistência alimentar para o ano que chega)1’1.
Wensinck assinala ainda outros vestígios da concepção ar­
caica da rc criação anual do cosmos que sc conservam nas tradi
O TEMPO SAGRADO F O MITO DO ETERNO RECOMEÇO 327

çòcs judaica e crístã17: o mundo teria sido criado durante os me­


ses de Tishri ou Nisan. quer dizer. durante o periodo das chuvas,
período cosinogõntco ideal. Para os cristãos, o mistério da bên­
ção das águas na Epifania tem. igualmcntc, um sentido cosmo-
gònico: "Deus criou cie novo os céus porque os pecadores adora­
ram os corpos celestes; criou de novo o mundo que tinha sido
manchado por Adão; realizou uma nova ciiaçáo com sua pró­
pria saliva."1* "A lá c aqude que faz a criação e portanto a re­
pete". diz o Corão19. Esta eterna repetição do ato cosmogõni-
co, que faz dc cada Ano Novo a inauguiaçáo de uma era, permi­
te o regresso dos mortos á vida e alimenta a esperança que as cien­
tes tem na ressurreição da carne. Es-sa tradição subsiste tanto nos
povos semíticos como nos cristãos20. "O onipotente desperta os
corpos e as almas no dia da Epifania.” 21
Um texto pehlevi. traduzido por Darincstctcr, diz que “ é no
mês Fravardin. dia Xurdhátli, que Orma/d fará a ressurreição
e o ‘segundo corpo’ e que o mundo será subtraído à impotência
com os demónios, os drugs... E haverá cm tudo abundância; não
haverá mais desejo dc alimentos; o mundo será puro, c o homem
ver-sc-á livre da oposição (do espírito mau) e será imortal para
sempre” . Qazwini diz que, no dia dc Natiròz, Deus ressuscitou
o> mortos, “ lhes deu as suas almas, e deu ordens ao Céu, que
fez cair uma chuva sobre eles, e é por isso que as pessoas adquiri­
ram o costume de despejar água nesse dia” *” . As estreitas liga­
ções entre as idéias de “ criação pela água” (cosmogonia aquáti­
ca, dilúvio que regenera periodicamente a vida "histórica” , chu
va), dc nascimento e d e ressurreição confirmam-se nesta ftase do
Talinud: “ Deus tem três chaves: a da chuva, a do nascimento,
a da ressurreição dos m orros.'” 5
O Naurõz, o Ano Novo persa, é ao mesmo tempo a festa
dc Ahura Mazda — celebrado no "dia Ohrmazd" do primeiro
mês — c o dia em que teve lugar a criação do mundo c do
hoinctn24. E no dia dc Naurõz que tem lugar a "renovação da
criação"15. Segundo a tradição transmitida por Dimasqi, o rei
proclamava: "Eis aqui um novo dia de um novo mês de um no­
vo ano; é preciso renovar o que o tempo consumiu!" Ê também
neste dia que o destino dos homens c marcado para um ano iti
leirc. Na noite de Nauíóz veem se fogos e luzes cm grande quan­
tidade c fazem sc purificações pela água c libações para se obte­
rem chuvas abundantes no ano vindouro-*.
Alem disso, por ocasião do "Grande Naurõz” , punham-se
328 T R A TA D O D E H IS T Ó R IA OA S R E U G JÓ E S

num jarro sctc espécies dc sementes c “ do seu crescimento


tiravam-se conclusões sobre a colheita do ano” . Trata-se aqui dc
um costume análogo à “ marcação das sortes” do A ro No>o ba­
bilónico. que chegou até os nossos dias nos cerimoniais do dia
do Ano Noso entre os mandeanos e os yézidis. E ainda porque
o Ano Novo repete o ato cosmogònko que os “ doze dias" que
separam o Natal da Epifania são considerados uaia prefiguração
dos doze meses do ano: os camponeses da Europa não cèm cutro
meio dc determinar a temperatura c a quantidade dc chuva que
caracterizarão cada um dos meses seguintes senão o dos “ sinais
meteorológicos" desses doze dias-7. Por ocasião c s festa tíos Ta­
bernáculos determinava-se, igualmcntc, a quantidade cc ácua que
caberia a cada mè$M. Entte os indianos védicot, os doze dias do
meio do inverno eram uma imagem e uma réplica do ano
inteiro^. c o mesmo tempo concentrado nesses doze dias reapa­
rece na tradição chinesa-•

154. Repetição contingente da cosmogonia — Todos Oi fa


tos que acabamos dc analisar tem uma característica comum: su­
põem a idéia da regeneração periódica do tempo pela repetição
simbólica da cosmogonia. Mas a repetição da cosmogonia não
está rigorosamente ligada ás cerimônias coletivas do Ano Novo.
Por outras palavras, o tempo “ antigo", profano, “ histórico” ,
pode ser abolido e o (empo mítico, “ novo” , regenerado, pode
ser instaurado, pela repetição do cosmogonia, no próprio decur­
so do ano e independentemente dos ritos coletivos mencionados.
Assim, para os antigos islandescs, tomar posse de um terreno
(landnãmá) equivalia á transformação do caos em cosmos’1, e na
índia vcdica a ocupação dc um território tornava-se válida
crigindo-sc um altar do fogo. isto c, r.o final das contas, pot meio
d a repetição da cosmogonia. Com efeito, o altar do fogo repro­
duzia a universo c crigi-lo correspondia á criação do mundo; a
construção dc um altar desse tipo repetia sempre o ato arquetípi-
co da criação c “ construía" o tempo’2.
Os fijianos chamam “ criação do mundo" à cerimônia da ins­
talação de um novo chcfc3’. A mesma ideia se encontra, não ne­
cessariamente expressa com tanta clareza, cm civilizações mais
evoluídas, em que toda a entronização tem o valor dc uma re­
criação ou dc uma regeneração do mundo.
O primeiro decreto que o imperador chinês promulgava ao
subir ao trono fixava utn novo calendário e, antes dc estabelecer
O TEMPO SAGRADO E O MITO DO ETERNO RECOMEÇO 329

uma nova ordem do tempo, ele abolia a antiga**. Assurbanipal


via a si mesmo como um regenerador do cosmos, porque, dizia,
"desde que os deuses, na sua bondade, me instalaram no trono
dos meus pais, Adah enviou a chuva... o trigo cresceu... a co­
lheita foi abundante... os rebanhos multiplicaram-se.
A profecia da IV écloga, magnusab integro saeclorum nas-
citur urdo... aplica-sc, cm certo sentido, a qualquer soberano.
Com efeito, com qualquer novo soberano, por insignificante que
fosse, começava um a "nova era". Um novo reinado cra consi­
derado uma regeneração da história da nação c ate mesmo da his­
tória universal. Unganar-sc-ia quem pretendesse reduzir essas ex­
pressões pretensiosas àquilo cm que elas sc transformaram nas
monarquias decadentes: presunção dos soberanos, adulação dos
cortesãos. A esperança de uma "nova era" inaugurada pelo no­
vo soberano não cra apenas autêntica t? sincera: se nos colocar­
mos na perspectiva da est>iriiualidadc da humanidade arcaica, essa
esperança parecer-nos-á também natuial. Aliás, não hã necessi­
dade de um novo reinado para abrir uma nova cra: basta um ca­
samento, o nascimen to de uma criança, a construção de uma ca­
sa... Sem interrupção c quaisquer que sejam os meios usados, o
cosmos c o homem regeneram-se. o passado consuma-se, as fal­
tas c os (secados são eliminados... Todos esses meios de regene­
ração têm a mesma fi nalidade, por diferente que seja sua formu­
lação: trata-se de anular o tempo passado, de abolir a história
por um iegresso continuo in illo ternpore•**.
Assim, os fijianos repetem a criação do mundo não só por
ocasião do coroamento do novo chefe, mas ainda cada vez que
as colheitas estão comprometidas’7. Quando os ritmos cósmicas
se tomam aberrantes e a vida na sua totalidade se acha ameaça­
da, des procuram a salvação num retorno in prinapium. isto é.
esperam a recuperação do Cosmos não por uma reparação, mas
por uma regeneração. Concepções análogas explicam o papel do
"com eço", do “ novo” , do "virginal” na magia c na medicina
popular ("a água não consumida", a "bilha nova” , o simbolis­
mo da “ criança", da "virgem” , da "im aculada"...). Já vimos
que a magia torna atual o acontecimento mítico que garante a
validade do remédio c a cura do doente. O simbolismo do " n o ­
vo", do "nào-eom eçado", também garante a contemporancida-
dc de um gesto atual com o acontecimento mítico arquctípico.
Como no caso de um a colheita que se acha cm perigo, obtém-se
uma cura, nào por meio de uma reparação, mas por meio dc um
330 TRATADO DE HISTÓRIA DAS RELIGIÕES

recom eço, que implica o retorno in i ll o te m p o r e . (Não c afcsolu


taracntc necessário que a feiticeira que pratica os ritos tenha cons­
ciência dos seus fundamentos teóricos — basta que os ritos em
questão impliquem estas teorias e delas resultem; cf. $ 3.)
Ideias análogas, ccrtamcntc desfiguradas por excrescências
aberrantes e por inevitáveis degradares, se manifestam nas téc­
nicas mineiras c metalúrgicas-'*. For outro lado. as cerimônias de
iniciação (isto i, a “ morte” do homem velho c o “ nascimento"
do hornent novo) assentam na esperança de que o tempo passado
— a “ história” — passa ser abolido c de que um tempo novo
possa ser instaurado. Se o simbolismo aquático (§S 63 s.) e lunar
desempenhou um papel tão importante na vida espiritual do ho­
mem arcaico, foi justamente porque tornava evidentes e trans­
parentes a abolição e o restabelecimento ininterruptos das “ for­
mas” , o desaparecimento e o reaparecimento cíclico, o eterno re­
torno — de fato, o eterno retorno ás origens. Fm todos os pla­
nos — desde a cosmologia à sotenologia — a idéia da itgenera-
ção se acha ligada à concepção de um tempo novo. quer dizer,
à crença num começo absoluto ao qual o homem pode, por ve­
zes, ter acesso.

155. A regeneração total — Essa obsessão pela regeneração


exprime-se ainda nos mitos e nas doutrinas do tempo cíclico que
estudamos cm Le mythe de l ’éternel retour. As crenças num tem­
po cíclico, no eterno retorno, na destruição periódica d o univer­
so e da humanidade, prefácio de um novo universo e de uma no­
va humanidade “ regenerada” , todas atestam sobretudo o desejo
c a esperança de uma regeneração periódica do tempo passado,
da história. No fundo o ciclo em questão é um "G rande A no",
para usarmos uma expressão, aliás, hem conhecida da termino­
logia grcco-oncntal: o “ Grande Ano" começava numa criação
e terminava num caos, quer dizer, numa fusão completa de to­
dos os elementos. Utn ciclo cósmico contem uma “ criação” , uma
"existência", isto c. uma "história” , uma consumação, uma de­
generescência — e um "retorno ao caos" (ekpyrôsis, rayna-rok,
pralaya, “ Atlântida” , apocalipse). Em termos de estrutura, um
"G rande A no" é para o " a n o " o que este è para o "mês.” c para
o “ dia". Mas o que nos interessa nesse contexto é, sobretudo,
a esperança numa regeneração total do tempo, evidente em to
dos os mitos c doutrinas que implicam ciclos cósmicos. Todo ci-
O TEMPO SAGRADO E O MITO DO ETERNO RECOMEÇO 331

cio começo de maneiro absoluta, visto que todo o passado c toda


a “ história'* foram definitivamente abolidos graças a uma ful­
gurante reintegração no “ caos".
Encontramos pois. no homem, a todos os níveis, o mesmo
desejo dc abolir o tempo profano c de viver no tempo sagrado.
Ou melhor, encontramo-nos perante um desejo c uma esperança
de regenerar o tempo na sua totalidade, quer dizei, de poder vi­
ver — “ viver humanamente“ , “ historicamente" — na eternida­
de. pela transfiguração da duração cm um instante eterno. Esta
nostalgia da eternidade c, dc certo modo, simétrica da nostalgia
do Paraíso que patenteamos no capítulo anterior (§ 146). Ao de­
sejo de se encontrar perpétua e espontaneamente num espaço sa­
grado corresponde o desejo de viver perpetuarnente. graças à re­
petição dos gestos arquetipicos. na eternidade. A repetição dos
arquétipos denuncia o desejo paradoxal dc realizar uma forma
ideal, o arquétipo, nn própria condição da existência humana,
de se achar na duração sem lhe suportar o peso, quer dizer, sem
sofrer a sua »reversibilidade. Tal desejo, noterno-lo, não pode
ser interpretado conto uma atitude “ espiritualista", para a qual
a existência terrestre, com tudo o que implica, se desvalorizaria
em proveito dc uma *‘cspiritualidadc” dc desapego ao mundo.
Pelo contrário, aquilo a que poderíamos chamar a "nostalgia da
eternidade" prova que o homem aspira a uni paraíso concreto
e crê que a conquista desse paraíso pode se realizar neste mundo.
na Terra, c agora, no instante atual. Nesse sentido, os mitos c
os ritos arcaicos ligados ao espaço c 30 tempo sagrados podem-
sc reduzir, ao que parece, a outras tantas rccordaçóes nostálgi­
cas de um “ paraíso terrestre” e de uma espécie de eternidade “ ex­
perimental” . a qual o homem julga poder ter ainda pretensões
dc alcançar.
XII

Morfologia e função dos mitos

156. Os milos cosmogônicos — mitos exemplares — No prin­


cipio, dizem os polinésãos, só existiam as águas primordiais, mer­
gulhadas nas trevas cósmicas. Da imensidão do espaço onde se
encontrava, Io. o deus supremo, exprimiu o desejo de sair do seu
repouso. No mesmo instante, apareceu a luz. Depois ele disse:
"Que as águas se separem, que os Céus se formem, que a Terra
surja!” Foi assim, pelas palavras cosmogônicas de Io, que o mun­
do passou a existir. Relembrando estes “ ancient and original sa-
yings... the ancient and original cosmological wisdom (y/anan-
ga), which causcd growth from the void, etc...” , um polinesio
dos nossos dias. Harc Hongi, acrescenta com uma eloqüente fal­
ta de jeito: “ Ora, meus amigos, hã três aplicações muito impor­
tantes dessas fórmulas antigas, tais como se encontram nos ritos
sagrados. A primeira tem lugar por ocasião do rito da fecunda­
ção de uma matriz estéril. A segunda, por ocasião do rito da ilu­
minação do corpo e d o espírito. A terceira c última diz respeito
ao tema solene da morte, da guerra, do batismo, de narrativas
genealógicas e de outros temas também importantes que são, em
especial, objeto da atividade dos sacerdotes. As palavras pelas
quais Io moldou o universo, quer dizer, graças às quais o univer­
so foi criado e levado a gerar um mundo de luz, essas mesmas
palavras são empregadas no rito da fecundação de uma matéria
estéril. As palavras pelas quais lo fez brilhar a luz nas trevas são
empregadas nos ritos destinados a alegrar um coração triste e aba­
tido, a impotência e a senilidade, a espalhar luz sobre coisas e
lugares escondidos, a itispitai os que compõem cantos, sendo tam*
bem usadas nas desgraças da guerra e em tantas outras circuns­
tâncias que levam o homem ao desespero. Para todos os casos
334 T R A T A M DE HISTORIA D A S RELIGIÕES

semelhantes, este rito. que tem por objeto espalhar a luz c a ale­
gria, reproduz as palavras de que lo se serviu para vencer e dissi
par as trevas tin terceiro lugar, vem o rsto preparatório que se
relaciona com as formações sucessivas que tiveram Uig.tr no inte­
rior do universo c da história genealógica do próprio hom em ."1
O mito cosmogónico serve, assim, aos polinésios. de mode­
lo arquctipico para todas .as "criações” , qualquer que veja o pla­
no cm que se desentalem: biológico, psicológico, espiritual. A fun­
ção mestra do mito i a de fixar os modèles exemplares de todos
os ritos c de todas as ações humanas significativas, como ali.ls
já foi constatado por inúmeros etnólogos. “ Entte os marind-anim
(Nova Guiné liolandcsaj” , escreve I*. Wirz. ” o initoc, na verda­
de, o fundamento quer de todas as grandes festas, cm que apare­
cem atores mascarados que representam os Dana, quer o dos cul­
tos secreto s . J á vimos que, fora dos aios estritamente religio­
sos, o mito setvc igualmente de modelo a outras açsSes humanas
significativas: à navegação e à pesca, por exemplo.
O lado interessante do mito cosmogónico poliiiésto é prcci-
samente a sua aplicação múltipla cm circunstâncias que. pelo me­
nos na aparência, náo questionam imediatamente a "vida reli
giosa” como tal: o ato de procriação, o reconforto dos desespe­
rados. dos velhos e dos doentes, a inspiração dos bardos c dos
guerreiros... Assim, a cosmogonia fornece o modelo, sempre que
se trata de Jazer alguma coisa, muitas vezes alguma coisa de "vi­
v o ". de "anim ado" — na ordem biológica, psicológica ou espi­
ritual —, como se viu nos casos citados acima, mas lambem al­
guma coisa de "inanim ado" em apaicr.cia. uma casa. um barco,
um Estado — lembremos, neste caso, o moddo cosmogónico da
construção das cosas, dos palácios, das cidades <$ 143).
F.sses modelos míticos náo se encontram somente nas tradi­
ções “ primitivas” : um tratado metafísico indiano, o fírhcdará-
nyaka-Upanishad, fez chegar até mis o ritual da procriação de
um rapaz. Assistimos aqui a uma transfiguração hicrogâmica do
ato da geração. O par humano é identificado com o par cósmi­
co: "Eu sou o C éu", di/ o marido, “ tu cs a T erra."' A concep­
ção torna-se uma construção de proporções cósmicas que mobi­
liza um grupo de deuses: "Que Vishnu prepare a matriz Que
7 vashtar modele as formas Que Prajápati faça correr o liquido.
Que Dhãtar deposite em li o germe.” * A hwrogamia Céu-Terra,
ou Sol-Lua, c muitas vezes concebida em tcriiH>S (Sc estritos co­
mo estes: "ut maritus supra feminam in coitionc iacet. sic cœ-
lum supra terrant” *.
MORFOLOGIA E FU N Ç ÃO DOS M ITO S 335

Seria um erro ver nessa concepção da hicrogamia uma con­


dição exclusiva da "mentalidade primitiva": o mesmo antropo­
morfismo se encontra até no simbolismo alquimico mais elabo­
rado, relativo á unido do Sol c da I na e cm outros casos de "co-
niunctio" entre princípios cosmológicos ou espirituais*. Km su­
ma, a hiciogamia conserva a >ua estrutura cosmológica iiide|>cn
dentemente dos contextos variados em que se situa c qualquer que
seja o grau de anttopom orfi/açào das íóimulas que a exprimem.
Quer ponha ou não cm jogo uma hicrogamia, o mito cos-
mogònico. além da sua importante função de modelo e de justi­
ficação de todas as ações humanas, forma também o arquétipo
de um conjunto de m itos c de sistemas rituais. Toda idéia de “ re­
novação", de “ recomeço” , de "restauração” , por muito dife­
rentes que se suponham os planos cm que se manifesta, c redutí­
vel â noção de “ nascimento" c esta, por sua vez. à dc “ criação
cósmica". Encontramos jã assimilações idênticas ao estudarmos
os rituais c o simboli sino do reaparecimento da vegetação (§ 118);
cada vez que volta, a primavera reatuali/a a cosmogonia, qual­
quer sinal da ressurreição da vegetação equivale a uma manifes-
taçfto plena do universo, c é por esta razão que, como vimos ($
123). o sinal — um ramo, uma flor. um animal — c levado em
procissão dc casa em casa e mostrado a todos: como uma prova
dc que "a primavera chegou": não necessariamente a primavera
"natural” , o fenômeno cósmico, mas a ressurreição da vida. As
representações ntuois que se realizam, quer por ocasião do Ano
Novo. quer à chegada da primavera (duelo da primavera c do in­
verno. expulsão da morte, execução do inverno ou da morte...),
revelam outras tantas versões fragmentárias c "especializadas"
dc um só c mesmo mito procedente do mito coxmogônico.
Todos os anos o mundo se faz de novo ( liega a acontecer,
como é o caso da Mcsopoiflinia, que a cosmogonia seja repetida
de urna maneira explícita (recitação do “ Poema da Criação").
Mas mesmo quando não nos è dito que sc trata de uma imitação
da criação, os vestígios da cosmogonia são bastante transparen­
tes (extinção e reavivar dos fogos, visitas dos mortos, combates
entre dois campos adversos, iniciações, casamentos, orgias, etc.
— § 152). É certo que nem todos esses rituais do Ano Novo ou
da prunavera estio expressamente ligados a um mito. como é certo
também que poJem estar integrados cm mitos laterais cm que a
tônica não c posta na função cosmogônica. No entanto, toma­
dos no seu conjunto, todos os atos sagrados c todos os "sinais"
336 T S tT A lK ) e t : j t n r o n t a d a s hf. u g i ô e s

atualizados por ocasião do A ro Novo oti 4a abertura da prima­


vera — quer sejam d e essência liir.fcólica ou ritual, rr.ttica ou len­
dária — se mostiam tíotadosdr uma estncura com um: eles ma­
nifestam. com desigual relevo, o drama de criação. Nesse senti­
do. participam todos do tnirocosmogó.mco, se bcir. que, cm mais
de um caso, ti5o sc trate de ir.kos propriamente ditos, mas de ri­
tuais ou de "sinais” . Assam, o ‘‘sinal'’ que anur.cia a primavera
pode ser encarado como u n irsto críptico ca. concentrado. visto
que mostrar este "sinal" equivale a proclamar a criação. Tal co­
mo o mito propriamente dito nana vcibalncrre um acontecimen­
to exemplar (neste caso. a cosmogonia), também o "sinal" (nes­
te caso, o ramo verde ou o anima!) evoca este acontecimento pe­
lo simples Í3to dc mostrá-lo. Km breve mencionaremos exemplos
que esclarecerão as relações cr.trc o mito propriamente dito c cs-
sa$ outras categorias de fatos n iág ico-relig iü sos a que podem os
chamar mitos “ crípticos" ou "concentrados".

157. O ovo cosmogõnico — Um mito cosmogõnico do


quipélago da Sociedade nxmra-nos Ta'toa. " o antepassado de
todos os deuses" e criador do universo, "na sua concha, no meio
das trevas, desde a eternidade. A sua concha assemelha-se a um
ovo que rola no espaço ilimitado"7. O motivo do ovo cosmogô-
nico, que sc encontra na Polincria, é comum à India antiga, à
Indonésia, ao Irã, à Grécia, à Fenícia, à Letônia, à Estônia, à
Finlândia, aos pangwe da Xfrica Ocidental, á América Central
c à costa oeste da América do Sul1. O centro de difusão deste mi­
to está provavelmente na índia ou na Indonésia. Muito impor­
tante para nós sao os paralelos míticos ou rituais do ovo cosmo-
gônico: na Oceünia. por exemplo, crê-se que o homem nasceu dc
um ovo9 — ou seja, a cosmogonia serve, aqui, dc modelo á an-
tropogonia, a criação do homem imita c repete a do cosmos.
Por outro lado, cm muitos lugares, o ovo aparexte junto aos
símbolos e aos emblemas da renovação da natureza c da vegeta­
ção. As chamadas árvores do Ano Novo, o "M a io ", a Arvore
do São Joâo, sáo decoradas com ovos ou cascas de ovos10. Ora.
é sabido que todos esses emblemas da vegetação c do Ano Novo
resumem, dc certa maneira, o mito da criação periódica. Ligado
à “ árvore", ela própria símbolo da natureza e da infatigável re­
novação, o ovo confirma todos esses prestígios cosmogònicos.
Dai o importante papel que ele desempenha, no Oriente, nas re-
MORFOLOGIA F F V N Ç A O DOS M ITO S 337

prcscntações do Ano Novo. Na Pérsia, por exemplo, os ovos co­


loridos constituem o presente específico do Ano Novo que con­
servou até lioje o nome de “ Festa dos ovos vermelhos” " E os
ovos vermelhos que se distribuem |>ela Páscoa nas regiões balcâ­
nicas tarem parte, provavelmente, de um sistema ritual análogo,
cuja finalidade c comemorar o principio da primavera.
Em todos os casos citados, como naqueles a que vamos ain­
da fazer referência, não se explica a virtude titual do ovo por uma
valorização empírico- tadonalista do ovo considerado germe: a sua
justificação está no sti nbolo que o ovo encarna e não se refere tanto
ao nascimento quanto a um re-nascimenfo repetido de acordo com
o modelo cosmogônico. De outra forma não se compreenderia a
importância dos Ovos na celebração do Ano Novo c nas festas dos
mortos. São conhecidas as ligações do culto dos mortos com o co­
meço do ano: no Ano Novo, quando o inundo é te criado, os mot-
tos sentem-se atraidas para os vivos c podem, ate certo ponto, ter
a esperança de voltai á vida. Em qualquer desses conjuntos mítico-
rituais. a ideia fundamental não está no “ nascimento” mas na re­
petição rio nascimento exemplar do cosmos, na imitação da cos­
mogonia. No decurso da festa hindu da vegetação. Holi, que é
lambem uma festa dos mortos, há o costume, cm certas regiões,
de acender fogos c lançar neles duas figurinhas humanas, uma ma­
cho. outra fémea, e que representam Kàmadeva c Kati. Ao mes­
mo tempo que a primeira figurinha, lançam-se também no fogo
um ovo e uma galinha viva11. Sob esta forma, a festa simboliza
a morte c a ressurreição de Kàmadeva c de Rati. O ovo confirma
e promove a ressurreição, que. repetimo-lo, não é um nascimen­
to. mas um “ retorno*', uma “ repetição” .
L'm simbolismo desse tipo aparece já cm certas sociedades
pré-históricas c proio-históricas. F-.m muitas sepulturas da Rús­
sia e da Suécia foram encontrados ovos de argila (Arne vê neles,
com razão, um emblema da imortalidade)"’. No ritual osirico,
a modelação dc uin ovo por meio de diversos ingredientes (poci-
ta de diamante, farinha de figos, perfumes...) desempenha um
papel acerca do qual não possuímos ainda informações suficien­
tes14. Todas as estatuetas dc Dior.iso encontradas nos túmulos
beócios têm um ovo na mão. sinal dc regresso à vida". Isso ex­
plica a interdição orfica de comer ovos. visto que o orlismo pre­
tendia alcançar, em primeiro lugar, a ntpiura do ciclo das reen-
carnações infinitas, ou, por outras palavras, a abolição do retor­
no periódico à existência'*.
338 IfiA T A tX J OC H tSTÓ KfA P A S REL/G/ÔES

Meneio daremos, pata terminai, alguns outros empregos ri­


tuais tío ovo. Era primeiro lugar, o s e j papel aos rituais agríco­
las que rc tem mantido ate a nossa época. Para assegurar o crcs-
cimento das sementes. ©camponSs finlandês deve guardar um ovo
na algibeira enquanto duram as icmcr.tnras. ou então colorar um
ovo na teria arada'7. Os estônios comem ovos durante o tempo
da lavoura "para teren forca” , os .suecos lançam ovos nos cam­
pos lavrados. Ao semearem o linho, os 3lcmàcs j untam-lhe. às
vezes, ovos, ou depositam um ovo tio campo, ou então conso­
mem evos dunr.tc o tempo das semente i r a s Também entre os
alemães há o costume de enterrar nos alqueives ovos de Páscoa
benzidos na igreja,v. Os ichercmisses e os votyaks lançam ovos
para o ar antes de começarem a semear c. outras vetes, enterram
um ovo na terra lavrada como oferenda à Terra-Mãe-’-1. O ovo
c. ao mesmo tetnpo. uma oferenda is divindades cónicas c uma
oferenda corrente r.o culto dos mortos*1. Mas, qualquer que se­
ja o conjunto ritual em que se insira, o ovo nunc3 perde o seu
sentido principal: assegura a repetição do ato de enacão que deu
origem iniHo tempere às formas vivas. Quando se colhe um sim­
ples. põe-se, no seu lugar, um ovo. de maneira a garantir o cres­
cimento compensatório de uma planta semelhante-2.
fim cada um desses exemplos, o ovo garante a possibilidade
de repetir o ato primordial, quer dizer, a criação. Pode-se por­
tanto falar, em certo sentido, de variantes rituais do mito cos-
mogònico. C preciso que nos habituemos a dissociar a noção de
■*mito” das de “ palavra” de “ fábula” (veja-se a acepção homé-
rica de mythos: “ palavra” , “ discurso” ), para a aproximarmos
das noções de “ ação sagrada", de “ gesto significativo” , de
“ acontecimento primordial". É mítico nào só o que se conta de
certos acontecimentos que se desenrolam e de personagens que
viveram in illo lempore. mas ainda tudo o que se acha cm rela­
ção direta ou indireta com tais acontecimentos e com persona­
gens primordiaisi '. Na medida cm que é solidário dos rituais do
Ano Novo c do renascimento da primavera, o ovo representa uma
epifania da criação e — no quadro não da experiência empiri-
co-racionalista. mas da experiência hicrofinica — um resumo da
cosmogonia.
L>e certo ponto de vista, todo mito è “ cosmogônico” , visto
que enuncia o aparecimento de uma nova "situação" cósmica ou
de um aconteci mento primordial, que se tornara desse modo. pe­
lo simples fato da sua manifestação, paradigmas para todo o tem-
MORFOLOGIA £ F U N Ç Ã O DOS M ITO S 339

po futuro. Mas não c sensato deixarmo-nos prender a fórmulas


c reduzir mos todos os tipos dc mitos a um protótipo único, co­
mo aconteceu há alguns anos, quando certos especialistas notá­
veis reduziram todu mitologia a epifanias do Sol ou da Lua. Mais
instrutivo ainda do que a classificação dos mitos c a procura das
suas possíveis “ origens" c, cm nosso entender, o estudo da sua
estrutura e da sua função na experiência espiritual da humanida­
de arcaica.

158. O que os mitos rev elam — Qualquer que seja a sua na­
tureza, o mito é sempre um precedente c um exemplo, não só cm
relação às ações — “ sagradas" ou “ profanas” — do homem,
mas também cm relação à sua própria condição. Ou melhor: um
precedente para os modos do real em geral. "N ós devemos lazer
o que os deuses fizeram no principio.” 14 “ Assim fizeram os deu­
ses. assim fazem os h o m e n s.A firm a ç õ e s deste tipo traduzem
perfeitamenie a conduta do homem arcaico, mas não se pode di­
zer que cias esgotem o conteúdo c a função dos mitos: com efei­
to, uma boa parte dos mitos, ao mesmo tempo que narra o que
fizeram In ilto tempore os deuses ou os seres míticos, revela uma
estrutura do real inacessível á apreensão empírico racionaltsia.
Citemos, entre outros, os mitos que poderiamos designar, cm pou­
cas palavras, mitos da polaridade — da biunidade — c da reinte­
gração c a que dedicamos um estudo especial^. Um grupo im­
portante de tradições míticas fala de “ fraternidade" entre deu­
ses e demônios — por exemplo, devas e asuras —, de “ amizade”
ou dc consanguinidade entre heróis e seus antagonistas — tipo
Indra c Namuci —, entie santos c mulheres diabólicas — tipo São
Sisinio c sua irmã Uerzelia. um dcmótiio fêmca. O mito que dá
um " p a i" comum a dois personagens que encarnam os princí­
pios polares sobrevive até nas tradições religiosas que acentuam
o dualismo, como sucede com a teologia iraniana. O zervanismo
tem Ormuzd e Ahriman por irmãos, ambos descendendo dc Zer-
van, e no próprio Avesta é possível encontrar vestígios de con
ccpçâo semelhante17. O mesmo mito transitou para as tradições
populares: muitas crenças e provérbios romenos afirmam que
Deus e Satã eram irmãos3 .
Uma outra categoria dc mitos e lendas esclarece não só a fi­
liação comum de personagens antagonistas mas também a sua
convertibilidade paradoxal. O Sol. protótipo dos deuses, recebe
340 TR A TA D O D F H ISTÓ RIA 0 4 S RFIJGIÕES

às vezes o nome de •‘Serpente” ($ 45» c Agni. c tícui do fogo


é, também, um “ sacerdote araira” . quer dizer, esscncialnicrte um
“ demônio” , descrito, por vezes, como “ sem pes e sem cabeça,
c escondendo as suas duas cabccas", exatamente como uma ser­
pente enrolada-. O Aiiartya Brókrnanc afirma que Ahi Budhn-
>13 é, de uma maneira invisível <pcrokshena). o que Agtii c de
uma maneira visível (prciyaksha), ou. por outras palav ras» a “ ser­
pente“ nada mais < que un a virtualidade do fogo. enquanto as
trevas sào a luz em estado latente. Na Vàjasaneye Samhità, V,
33. Ahi Budhr.yia c identificado com o Sol. O som a. a bebida
que confere a imortalidade, é, por excelência, • divina*', “ solar",
o que não impede que k lesa no Rig Veda que “ Soma'’, “ da mes­
ma forma que Agri. sai da sua velha pele” , expressflo que confe­
re á ambrosia uma modalidade ofídica'3. Varu/ra. deus celeste c
arquétipo do "Soberano Universal” <$ 21), ê, ao mesmo tempo,
o deus do oceano, morada das serpentes, como menciona o Ma-
hàbhârata: ele é c “ rei das serpentes" (nágaràja), c o Aíharva
Veda chama-lhe mesmo “vibora” .
Na perspectiva da experiência lógica, todos esses atributos
ofídkOS nào dev&iam convir a uma divindade uraniana como Va-
runa. Mas o mito desvenda uma região ontológica inacessível à
experiência lógica superficial. O mito de Vani/ia revela a biuni-
dade divina, a coincidência dos contrários, a totalizaçâo dos atri­
butos no seio d3 divindade. O mito exprime plástica e dramati­
camente o que a metafísica c a teologia definem dialeticamcntc.
lieráclito sabe que "Deus c o dia c a noite, o inverno c o verão,
a guerra c a paz. a saciedade e a fome: todas as oposições estão
nele” 31. Formulação análoga aparece no texto indiano que nos
diz que a Deusa “ c Shri (esplendor) na casa daqueles que prati­
cam o bem, mas que ela é Alakshml (o contrário d a Lakshtni,
deusa da sorte e da prosperidade) na casa dos maus” 32. Mas, por
seu lado. este texto explicita somente, ã sua maneira, o fato de
as grandes deusas indianas (como Kàli). como as grandes deusas
cm getal. acumularem tar.to os atributos da doçura como os do
terror. Elas são, ao mesmo tempo, divindades da fecundidade e
d a destruição, do nascimento e da morte (frequentemente, são
também deusas da guerra). Kàli, por exemplo, ccham ada " a do­
ce e a benevolente” , o que náo impede a sua mitologia e a vna
iconografia de serem terrificantes (kâli está coberta de sangue,
traz um colar de crânios humanos, segura um cálice feito de um
crânio) e o seu culto de ser o mais sangrento da Asia. Na Índia,
MORFOLOGIA £ F U S Ç jiO DOS MITOS 341

a par de uma "forma suave", cada divindade apresenta uma "for­


ma terrivcl” (krodha-múrtiI. A esve respeito. Shiva pode ser tido
por arquétipo de uma rica serie de deuses c de deusas, visto que
cria c destrói ritmicamente todo o universo.

159. Coincidentia oppositorum — modelo mítico — Todos


esses mitos nos apresentam uma dupla revelação:

I? Manifestam, por um lado, a polaridade de duas persona­


lidades divinas, provenientes de um único e mesmo princípio e
destinadas, em diversas versões, a reconciliarem-se num illud tem-
pus escatológico;

2? Manifestam, por outro lado. a coincidentia oppositorum


na estrulura profunda da divindade, a qual se revela alternada
ou concorrentemcntc benévola e terrivcl, criadora c destruidora,
solar e oíidiana, isto ò, manifesta e virtual. Nesse sentido, é jus­
to dizer-se que o mito revela, mais profundamente do que reve­
laria a própria experiência racionalista. a estrutura da divinda­
de, que se situa além dos atributos e reune todos os contrários.
A prova de que tal experiência mítica não é aberrante está no fa­
to de ela se integrar quase imiversalmcnte na experiência religio­
sa da humanidade, ató mesmo numa tradição tão rigorosa como
i a tradição judaico-cristã. Jeová c bom e colérico ao mesmo (em­
po. O deus dos místicos c dos teólogos cristãos é terrificante e
doce c e desta coincidentia oppositorum que partiram as mais ou­
sadas especulações de um pseudo-Dmis. de um Mestre Eckhart.
ou de um Nicolau de Cusa.
A coincidentia oppositorum é uma das maneiras mais arcai­
cas de exprimir o paradoxo da realidade divina. Voltaremos a es­
sa fórmula, a propósito das “ formas” divinas, quer dizei, da es­
trutura sui generis que revela qualquer “ personalidade" divina,
havendo que se entender que a personalidade divina não pode ser
tida, cm caso algum, por simples projeção da personalidade hu
mana. No entanto, se bem que tal concepção, na qual todos os
contrários coincidem — ou melhor, são transcendidos —, cons­
titua precisamente um a definição mínima »la divindade e mostre
até que ponto esta c "absolulamente diferente” do homem, a com-
cideniia oppositorum náo deixa por isso de se tornai um modelo
exemplar para certas categorias de homens religiosos ou para cer-
542 TRA TADO J>£ H J S rÓ /J A D A S R E U C IÒ eS

tas modalidades da experiência religiosa. A coirtcuienita opposi-


torjin ou a transcrotiétida de todos oi atributos podem ser reali­
zadas pelo hemetn de iodas as rnainnras. ú assim rf ie a “ orgia”
a apresenta ao nívd mais dementar da vida religiosa: pois não
simboliza ela o retorno ao amorfo e ao indistinto, a recuperação
de um estado no qual todos os utributos se anulam e os contrá­
rios coincidem?
Mas. por outro lado. desvendamos os mesmos ensinamen­
tos i>o próprio ideal do sage c do asceta oriental, cujas técnicas
e métodos contemplativos têm em vista transcender radicalmen-
tc todas as qualidades, qualquer que seja asna natureza. O asce­
ta, o sage, o místico indiano ou chinês estorça-se por suprimir
da sua experiência e ds sua consciência :cda a espécie de “ extre­
mos” , quer dizer, por adquirir utr. estado de neutralidade c de
indiferença perfeitas, ;x r se tom ar impermeável ao prazei e à
dor... por se tornar autônomo. Essa superação dos extremos por
meio da ascese c da contemplação conduz, também, à “ coinci­
dência dos contráiios": a consciência de tal homem deixa de co
nhccer conflitos e os pares de contrários — prazer e dor, desejo
e repulsa, frio e quente, agradável c desagradável — desapare­
cem da sua experiência, ao mesmo tempo que uma “ totalizacào"
se opera tvclc c emparelha com a “ totalizaçào” dos extremos no
seio da divindade. Aliás, como já vimos, na perspectiva oriental
a perfeição C* inconcebível sem uma totalizaçâo efetiva dos
contrários” . O neófito começa por tentar “ cosinicizar" toda a
sua experiência, assimilando-a aos ritmos que dominam o uni­
verso (o Sol c a Lua), mas. uma vez obtida essa "cosmicizaçâo” ,
ele orienta todo o seu esforço no sentido de unificar o “ Sol" e
a “ Lua", quer dizer, de assumir iodo o cosmos, ele refaz cm si
c por sua conta a unidade primordial anterior à criaçào, uma uni­
dade que náo significa o caos da pre-criação. mas o ser indife­
renciado no qual todas as formas são reabsorvidas.

160.0 mito da androginia divina — Um novo exemplo ilus­


trará mais claramcnte ainda o esforço feito pelo homem religio­
so para imitar o arquétipo divino revelado pelos mitos. Dado que
todos os atributos coexistem na divindade, c dc cs-pcrar que nda
coincidam, igualmcntc, sob uma forma mais ou menos manifes-
la, os dois sexos. A androginia divina nüo passa de uma fórmula
arcaica da binnidadc divina. O pensamento mitico c religioso, an-
MORFOLOGIA £ F U N Ç Ã O DOS MITOS 343

te$ mesmo de exprimir cstc conceito da biunidadc divina em ter­


mos metafísicos (esse — non esse) ou teológicos (manifestado —
nào-manifestado). começou por exprimi-!o cm termos biológicos
(bissexualidadc). J a tivemos ocasiào, mais de uma ver. de verifi­
car que a ontologia arcaica se exprime em termos biológicos. Mas
nâo devemos deixar-nos iludir pelo aspecto exterior dessa lingua­
gem, tomando a terminologia mítica no sentido concreto, profa­
no, “ moderno” das palavras. "A mulher“ num texto mítico ou
ritual nunca c a "m ulher” : ela rcmctc para o principio cosmoló-
gico que c!a incorpora. Por isso, a androginia divina, que se en­
contra em tantos mitos c crenças, tem um valor teórico, metafí­
sico. A verdadeira intenção da fórmula é exprimir — em termos
biológicos — a coexistência dos contrários, dos princípios cos-
mológicos — quer dizer, macho c fêm ea — no seio da divindade.
Nâo c este o lugar indicado pata reiomar um problema já
tratado no nosso M ylhede la réintcgraiion. Lembremos, simples­
mente. que as divindades da fertilidade cósmica são, na maior
parte, andróginas, ou fêmeas mim ano e machos no ano seguinte
(caso, por exemplo, do "Espirito da Floresta” dos esiõnios). A
maior parte das divindades da vegetação — tipo Attis. Adónis,
Dioniso — e da Grande Müc — tipo Cibele — são bissexuadas.
Numa religião tão arcaica como c a religião australiana, o deus
primordial è andrógino, como o ê. também, nas religióes mais
evoluídas, na índia, por exemplo — por vezes, mesmo Dyaus.
Purusha. o Macrantropo có$micoM. O par divmo mais impor­
tante do panteão Indiano. Shiva-Kâli. c. por vezes, representado
sob a foima dc um ser único (ardhanàrishvara). E a iconografia
tântrica c rica em imagens que nos mostram o deus Shiva enla­
çando estrcilamcntcShakti, a sua própria “ potência", figurada
como divindade feminina (Kálí). Aliás, toda a mística erótica in­
diana tent por objeto especifico a perfeição do homem pda sua
identificação com um "p ar divino” , quer dizer, por via da an­
droginia.
A bissexualidade divina c um fenômeno muito disseminado
nas religiões c — característica que deve ser sublinhada — são
andróginas até mesmo divindades masculinas ou femininas por
e x c e lê n c ia Qualquer que seja a forma cm que a divindade se
manifeste, cia c a realidade última, o poder absoluto, e essa rea­
lidade, cstc poder, negam-se a deixarcm-sc limitar por qualquer
espécie de atributos e de qualidades (bom. mau, macho, fêmea).
Alguns dos deuses egípcios mais antigos eram bissexuados-’®. En-
344 TR A TA D O DE HISTÓRIA D A S ftEJJGIÔES

trc os gregos, a androginia nâo deixou de ser admitida, mesmo


nos últimos séculos da Antiguidade*7. Quase todos os deuses im­
portantes da mitologia escandinava conservam ainda vestígios de
androginia: Odin. Loki, Tuisto. Nerthus**. O deus iraniano do
tempo ilimitado, Zervan, çue os historiadores gregos traduziam,
com razão. Cronos. c também andrógino, c Zervan deu origem,
como já dissemos, acj gêmeos Oimuzd c Ahriman, o deus do bem
c o deu» do ma!, o deus da luz c o deus das trevas59. Os próprios
chineses reconhecem uma divindade suprema andrógina, que era
precisainenteo deus d3 obscuridade c da luz*': o símbolo é cor­
rente, visto que a luz e as trevas sâo apenas aspectos sucessivos
de uma única craesrna realidade. Considerados isoladamente, es­
ses aspectos pttocei iam separados, opostos, mas aos olhos do sage
cies rcvdam-sc mais do que "gêmeos” (como Ormuzd c Ahri­
man): eles forniam uma única essência, ora manifestada, ora nào
manifestada.
Os “ pares divinos” — do tipo Bèl-Bêlit — sào, na maior par­
te dos casos, invenções tardias ou formulações imperfeitas da an-
droginia primordial que caracteriza toda divindade. Assim, cn-
ire os semitas, a dcus3 Tanit c ra cognominada ” a filha dc Baal”
c Astartê, ” o nome de Baa)” 41. -São muitos os casos em que a
divindade tinha o nome de "pai e tnâe” , c da sua substância, sem
qualquer intervenção, nasciam os mundos, os seres, os homens.
A androginia divina implica, como consequência lógica, a mo-
itogenia ou a autogenia: inúmeros mitos contam como a divin­
dade tirou a sua existência de si mesma, maneira simples e dra­
mática dc acentuar que a divindade se basta plcnameatc. O mes­
mo mito reaparecerá, baseado então numa metafísica refinada,
nas especulações ncoplatônicas e gnódicas do íim da Antiguidade.

161. O mito da androginia humana — Ao mito da androgi­


nia divina — que revela o melhor possível, entte outras exprès
sòcs da coiitdclenlia oppositorum, o paradoxo da existência divi­
na — corresponde toda uma série de mitos c dc rituais relativos
à androginia humana. Aqui, o mito divino constituiu o paradig­
ma da experiência religiosa do homem. Muitas tradições enca­
ram 0 “ homem prim ordial", o antepassado, como um andrógi­
no, tipo Tuisto, e versões míticas mais tardias falam do> “ pares
primordiais” — tipo Yama, isto é, “ gêmeo” , c sua iirnà, Yamf.
ou o par iraniano Yima-Yimagh. Mashyagli-Maxhyánagh. Alguns
MORFOLOGIA E FU N Ç ÃO DOS M ITO S 345

comentários rabínicos dão a entender que Adão também foi, por


vezes, concebido como andrógino. O “ nascimento" de Eva não
teria sido, pois, mais do que a cisão do andrógino primordial em
dois seres: macho e fémea. “ Adão e Eva foram feitos dorso com
dorso, ligados pelos ombros. Então Deus separou os dando um gol­
pe de machado ou coitando-os em dois. Outros são de opinião di­
ferente: o primeiro homem (Adão) eta homem do lado direito c
mulher do lado esquerdo, mas Deus rasgou-o cm duas metades."42
A bissexualidade do homem primitivo forma uma tradição ainda
muito viva nas chamadas sociedades primitivas — por exemplo,
na Austrália, na Oceània4’ — e ficou mesmo no seu estado origi­
nário ou cm estado reformado numa antropologia tão avançada
conto a de Platão e a dos gnósticos4*.
Mais uma prova de que devemos ver na androginiado homem
primordial uma das expressões da perfeição e da toializaçáo está
no fato de o andrógino original ser frcqücntcmcntc concebido co­
mo esférico (AustráEiu, Platão): ora — é nina característica hem
conhecida —, desde as mais arcaicas culturas a esfera simbolizou
a perfeição e a totalidade. O mito do andrógino esférico encontra-
se assim como o do ovo cosmogòmco. Por exemplo, segundo a t ra-
dição taoísta, originariamente, os “ sopros” — que encarnavam,
entre outros, os dois sexos — confundiam-se e formavam um ovo,
o Grande-Uno, do qual se destacaram, m au tarde, o Céu e a Ter­
ra. Este esquema cosmológico set viu, evidentemente, de modelo
ãs técnicas de fuiologia mística dos taoistas45.
O mito do deus andrógino c do "antepassado" — o “ homem
primordial” — bissexuado é paradigmático em relação a todo um
conjunto de cerimónias coletivas que tendem a reatualizar perio­
dicamente esta condição inicial, considerada o modo perfeito da
humanidade. Além das operações de circuncisão e de subincisão,
que têm por finalidade a transformação ritual do jovem australia­
no ou da jovem australiana num andiõgino, há que considerar to­
das as cerimônias de "troca de trajes". que são apenas versões ate­
nuadas da androginta*4. Na índia, na Pérsia, e em outras panes
da Ásia. o ritual de "troca de trajes" desempenha um papel im­
portante nas festas agrícolas. Em certas regiões da índia, os ho­
mens usam mesmo seios artificiais no decurso de uma festa da deu­
sa da vegetação que é, naturalmente, também andrógina47.
Em resumo, o homem experimenta periodicamente a necessi­
dade de recuperar — nem que seja pelo tempo de um relâmpago
— a condição da humanidade pei feita, na qual os sexos coexistiam
346 7Jtj{ TAPO DE HISTÓRIA D A S R tllO IÔ E S

com o coexistem, a par <le tcxkis *is outras qualidades c de todos


o s outros atributos, na divi idade. O homem que usava roupas
de mulher não se torrava, por isso. mulher, como pareceria a unta
observação superficial, rrat realizava por um momento a unida­
de dos sexos, um estado que lhe facilitava a compreensão total
do cosmos. A necessidade que o homem experimenta de anular
periodicamente uma condição diferenciada c bem fixada, para
reencontrar a "tctahzacão'* primordial, explica-se pela mesma
necessidade da "oigia" periódica em que todas as formas sc de­
sintegram para terminarem na recuperação do “ Mesmo", do
•'Todo-Uno” anterior í. Criação. Acabamos dc descobrir aqui.
mais uma vez, a necessidade dc 3fcolir o passado, de suprimir a
“ história" e dc recomeçar urna nova vida por uma nova criação.
Morfologicamente, o ritual da “ troca dos trajes" é análogo à "o r­
gia” cerimonial. Acontecia, dc resto, frequentemente, que os dis­
farces fossem pretextos para orgias propriamente ditas. No en­
tanto. mesmo as variações mais aberrantes desses rituais nílo con­
seguiram anular-lhes a significação essencial, quer dizer, a rein­
tegração na condição paradisíaca do "homem primordial". 0 to ­
dos cies tem por modelos exemplares os mitos da androginia
divina.
Se quiséssemos ilustrar com mais exemplos a função para-
digmatica dos mitos, não teríamos mais do que retomar boa par­
te do piocesso reunido nos capítulos anteriores. Como se v:u. nem
sempre sc trata dc um paradigma destinado aos rituais, mas tam­
bém a outras experiências religiosas c metafísicas, tais como a "sa-
geza” , as técnicas dc fisiologia mística, etc Poder-se-ia mesmo
dizer que os mitos fundamentais revelam arquétipos que o ho­
mem se aplica a realizar muitas vezes alem da vida religiosa pro­
priamente dita. Um exemplo: a androginia è obtida não sò por
meio das operações cirúrgicas que acompanham as cerimônias aus­
tralianas dc iniciação, por uma “ orgia" ritual, pela "troca dc tra­
jes". mas também t>or via da alquimia — Rebis, fórmula da “ pe­
dra filosofal” também chamada a "andrógina hermética" —.por
casamento — por exemplo na Cabala — c até pelo ato sexual (na
ideologia romântica alemã)**. No fundo, pode-<< mesmo falar dc
uma "androginizaçào" do homem pelo amor. visto qi>e. no amor,
•cada sexo adquire, conquista as “ qualidades” do sexo oposto (a
.grava, a subm issão, o devotamemo adquirido pelo homem
amoroso...).
MOKf-OLOGIA E FUNÇÃO DOS MITOS 347

162. M ito s de re n o v a ç ã o , d e c o n s tru ç ã o , de in ic ia ç ã o , etc.


— Em caso algum pode o mito ser tido por simples projeção fan­
tástica de um acontecimento "natural” . No plano da experiên­
cia mágico-religiosa — já insistimos neste ponto — a natureza
nunca é “ natural” . O que parece à mentalidade empirico-
racionalista uma situação ou um processo natural revela se, na
experiência mágico-religiosa, como uma cratofania ou uma hie
rofania. E i unicamente por meio delas que a "natureza" sc tor­
na objeto mágico-religioso e, nesta qualidade, tem interesse para
a fenomenologia religiosa e para a história das religiões. Os mi­
tos dos "deuses da vegetação" constituem, a esse respeito, um
excelente exemplo de transmutação c de valorização dc um acon­
tecimento cósmico •"natural". Nâo c o desaparecimento nem o
reaparecimento da vegetação que criam as figuras c o.s mitos des­
ses deuses — do tipò Tammuz, Attis. Osiris...; m io ó, em qual­
quer caso, a simples observação empirico-racionalista deste fe­
nômeno "n atural". O aparecimento e o desaparecimento da ve­
getação sempre foram sentidos, na perspectiva da experiência
mágico-religiosa, como um sinal da criação periódica do cosmos.
A paixào, a morte e a ressurreição dc Tammuz, tal como se reve­
lam no mito c no que elas próprias revelam, estão táo longe do
"fenôm eno nafuraí' do inverno e da primavera como Madame
Bovary ou Ana Karenina estão do adultério. É que, como a obra
de arte, o mito é um ato dc criação autônomo do espírito: é por
este alo dc criação que a revelação se opera c não pela matéria
ou pelos acontecimentos que ela explora. Em resumo, é o mito
dc Tammuz que revela o drama da morte c da ressurreição da
vegetação, c não o contrário.
Efetivaincntc. o mito de Tammuz, como o dos deuses aná­
logos. desvenda uma modalidade cósmica que supera considera­
velmente a /.ona da vida vegetal. Ele desvela, por um lado, a uni­
dade fundamental vida-morte e, por outro lado. as esperanças
que o homem póe nesta unidade fundamental e que dizem res­
peito à sua própria vida depois da morte. Deste ponto de vista,
pode-se encarar o mito da paixão, da morte c da ressurreição dos
“ deuses da vegetação" como paradigmático em relação á condi­
ção humana, pois rw ela a natureza melhor e mais intimamente
do que o fariam a observação e a experiência empírico-raciona-
li.sus, e C para mauler C renovar essa revelação que o mito deve
ser celebrado c repelido. O aparecimento e o desaparecimento da
vegetação em st mesmos, como “ fenômenos cósmicos", nada mais
348 ZVM TA DO OH H ISTÓ RIA DA S R E L IG IÕ E S

significam do que aquifct q je são: um aparecimento c um desa­


parecimento periódicos d;i vida vegetal. Só o mito transfigura este
acontecimento cm ceuforia: por um lado, ccrtamenic, porque
a morte e a ressurreição elos deuses da vegetação se tornam os
arquétipos dr :oóos os mortos c de todas as ressurreições, quais­
quer que sejam, t qualquer que seja o plano em que se manifes­
tem, mas, pot muro lado, também porque das revelam o destino
da condição humana melhor do que o poderia fazer qualquer ou­
tro meio empinco-Tdckjnalijta.
Do mesmo modo. certos mitos costnogônicos que narram a
criação do universo a partir do corpo de um gigante primordial,
ou ate mesmo a partir do corpo e do sangue do próprio deus cria­
dor. tornaram-se o modela não só dos •’ritos de construção” —
que implica, como se sobe, o sacrifício de um ser vivo quando
se erige uma cata. unia ponte, um santuário — mas também de
toda espécie de “ criação” , na extensão mais ampla ilo termo. O
mito revelou a condição de todas as "criações" cujo processa­
mento requer uma "animação” , quet dizer, a comunicação dire­
ta da vida pot otna criatura que já possua essa vida: ele revelou,
ao mesmo tempo, a impotência do homem em criar para além
da sua própria reprodução, que, de resto, cm muitas sociedades
é atribuída a forças religiosas estranhas ao homem (as crianças
nascem das árvores, das pedras, das águas, dos “ antepassados",
etc.).
Muitos mitos e lendas descrevem as “ dificuldades" encon­
tradas por um semideus ou por um herói para penetrar num "d o ­
mínio interdito” que simboliza sempre um território transcendente
— o Céu ou o Inferno. Uma ponte coitantc como uma faca a
atravessar, um cipó instável a ver percorrido, doi< rochedos qua­
se contíguos entre os quais é preciso passar, uma porta entrea­
berta uma fração de segundo pela qual entrar, um a região ro­
deada de montanhas, de água, de um circulo de fogo e guardada
por monstros, ou ainda uma porta situada no lugar "onde o Céu
e a Terra se abraçam ", ou no local onde se juntam "os fins do
A no"4*. Algumas versões desses mitos das “ p ro v as* co m o os
trabalhos e as aventuras de Héracles, a expedição dos Argonau­
tas e outros tiveram mesmo uma brilhante can o ra literária na
Antiguidade, r.âo deixando de ser exploradas e refundidas pelos
mitógrafos e pelos poetas, e tendo sido, por sua vez. irritadas DOS
ciclos de lendas semi-históricas, como o ciclo de Alexandre Mag­
no, que erra pela região das trevas, busca a planta d a vida, luta
M O RFO LO G IA E FU N Ç Ã O DOU M ITO S 549

com monstros, etc. Muitos destes mitos constituem, incontesta­


velmente, o arquétipo dos ritos de iniciação10. Mas esses mitos
da "procura da região transcendente” denunciam ainda uma coisa
diferente dos rituais iniciátkos, e que é a modalidade “ parado­
xal" da superação dessa polaridade que e inseparável de qual­
quer mundo, de qualquer "condição” . A passagem pela "porta
estreita” , pelo "buraco da agulha", entre os “ rochedos que se
tocam ", mobiliza sempre um par de contrários — tipo bem-mal,
noite-dia, alto-baixo...11. Neste sentido è legitimo dizer que os
mitos da "procura*' e das “ provas iniciátteas” revelam, sob uma
forma plástica c dramática, o próprio ato pelo qual o espirito
transcende um cosmos condicionado, polar e fragmentário, para
reencontrar a unidade fundamental anterior ã criação.

lí>3. A e s t r a tu r a d e u m m ito : V a ru /ia e V rtra — O mito, c o ­


mo o símbolo, tem a sua "lógica" própria, uma coerência intrín­
seca que lhe permite ser "verdadeiro" em muitos planos, por afas­
tados que estes estejam do plano em que o mito originariamente
se manifestou. Dissemos já de que maneiras e cm que perspecti­
vas é “ verdadeiro” — c portanto aplicável, utilizável — o mito
cosntogônico. Lembremos, pura dar ainda um exemplo, o mito
c a estrutura de Varuna, deus celeste e soberano, todo poderoso
c, se for o caso, "ligador" pelo seu "poder espiritual", pela "m a­
gia". Mas o seu aspecto cósmico c mais complexo ainda: ele não
é só, como vimos, um deus celeste, mas também um deus lunar
e aquático. Houve cm Varu/ra, e talvez desde muito cedo, uma
cetta dominante “ noturna" que Bergaigne e. rcccntcmcmc, A.
K. Coomataswamy não deixaram de sublinhar. Bergaigne fazia
referência ao comentador de Taittiríya Sanibità, segundo o qual
Varuiia designa “ aquele que envolve como a escuridão"52. Este
aspecto “ noturno" de Varuwa não pode ser interpretado exclusi­
vamente no sentido uraniano de "Ccu noturno” , mas no sentido
mais amplo, verdadeirumente cosmológico c mesmo metafísico:
a noite e também vir tualidadc. getme. nSo-manifestação, e é jus­
tamente essa modalidade “ noturna" de Varunaque lhe permitiu
tornar-se um deus das águas e que abriu o caminho à sua assimi­
lação com o “ dem ónio" Vrtra.
Não podemos abordar aqui o problema “ ViUa-Vanma” ,
mas lembremos que há entre as duas entidades mais de um traço
comum. Mesmo que não se faça caso do parentesco etimológico
350 T R A T A D O D E H IS T Ó R IA D A S R E U G IÔ E S

provável dos seus nomes, c ím|K>riante salientar que am bas se re­


lacionam com as águas e, em primeiro lugar, com “ as águas reti­
das” (“ O grande Vai una escondeu o m ar...” )5-', e que Vrira, co­
m o Varuna. c. às veres, chamado mâyin. “ mago” -'4. Hm certa
perspectiva, estas diferentes assimilações de Vrtra e Varuna, co­
mo aliás todas as outras modalidades e funções de Varu/ia,
correspondem-se c justificam-se umas às outras. A noite (o nâo-
manifestado), as águas (o virtual, os germes), a “ transcendên­
c ia " e o "não-agir" (caracteres dos deuses celestes e soberanos)
têm uma solidariedade ao mesmo tempo mítica c metafísica com
os “ ligadores" de qualquer tipo, de um lado, c com o Vrtra, que
“ reteve", “ estancou” ou “ acorrentou" as águas, de outro lado.
No plano cósmico, Vrtra é também um "ligador” . Como todos
o s grandes mitos, o mito de Vrtra c, pois, multivalenie c a sua
interpretação não se esgota em ttm só scnlido. Pode-se mesmo
dizer que uma das principais funções do mito c fixar, legalizar
05 níveis do real que se mostram, tanto à consciência imediata
como à reflexão, múltiplos e heterogêneos. Assim, no mito de
V rtra, ao lado de outtos valores, nota se o de um regresso ao não-
inanifestado. de uma "parada” , de uma "ligação" que impede
a expansão das “ formas” , quer dizer, da vida cósmica. Nào é,
evidentemente. legitimo levar mais longe a aproximação de Vrtra
e de Varu/ia. Mas nào se pode negar o parentesco estrutural en­
tre o “ noturno", o “ não-atuanlc“ . o "mago” Varuna que prende
à distância os culpados — c o Vrtra que “ acorrenta" as águas.
A ação de um como a do outro tem por efeito parar a vida. tra­
zer a morte — no plar.o individual num caso. no plano cósmico
no outro.

164. Mito — “ história exemplar" — Todo mito, indepen­


dentemente da sua natureza, enuncia um acontecimento que teve
lugar in ilio lempore c constitui, por isso, um precedente exem-
pLar para todas as *;óes e "situações” que. depois, repetirão es­
te acontecimento. Executados pelo homem, todo ritual ou ação
dotnda de sentido repetem um arquétipo mítico. Ora, como vi­
mos. a repetição implica a abolição do tempo profano -c a proje­
ção do homem num tempo mágico-rdigioso que nada tem a ver
com a duração propriamente dúa, mas CÓQSUUli «ale "clcm u ptc-
sente” do tempo mítico. O que equivale a dizer que, paralela-
mente ás outras experiências mágico-religiosas, o mito («integra
M O R FO LO G IA E F V N Ç À O D O S M IT O S 351

o homem numa época atemporal que é, de fato, um tllud tem-


pus, quer dizer, um tempo aurorai, paradisíaco, alem da histó­
ria. Aquele que realiza um ruo qualquer transcende o tempo e
o espaço profanos: do mesmo modo, aquele que “ imita" um mo­
delo mítico ou simples mente escuta lituolmente (participando nela)
a recitação de um mito c arrancado ao devir profano e reencon­
tra o Cirande Tempo.
Na perspectiva do espirito moderno, o mito — c com ele to­
das as outras experiências religiosas — anula a "história". Mas
há que notar que a maioria dos mitos, pelo simples fato de enun­
ciarem o que se passou “in Ulo tempore", constituem, eles pró­
prios, uma história exemplar do grupo humano que os conser­
vou e do cosmos deste grupo humano. Não há mito cosmogôni-
co que não seja também uma história, visto que conta tudo o que
sc passou ah origine. Com uma reserva, no entanto, a saber —
que nào se tiata de "história” na moderna acepção do termo —
a de acontecimentos irreversíveis e nào repetiveis — mas de uma
história exemplar que pode repetir-se — periodicamente ou nào
— e que tem o seu sentido e o seu valor na própria repetição.
A história que fo i na origem deve repctir-sc porque toda a epifa­
nia primordial «1rica. ou. por outras palavras, nào sc esgota nu­
ma única manifestação. Por outro lado, os mitos são ricos pelo
seu conteúdo, que é exemplar e. como tal. oferece um sentido,
cria alguma coisa, anuncia alguma coisa.
A função da história exemplar dos mitos torna-se inteligí­
vel, alem disso, pela necessidade que o homem arcaico sente de
mostrar as "provas" do acontecimento inscrito no mito. Seja o
tema mítico bem conhecido: tendo sucedido tal ou tal coisa, os
homens tornaram-se mortais, ou então as focas deixaram de ter
dedos, ou ainda a I.ua apareceu manchada .. liste tema c perfei-
tamente “ demonstrável" para a mentalidade arcaica, |wlo fato
de que o homem é efetivameme mortal, de que as focas não têm
dedos c de que a Lua apresenta manchas. O mito que revela co­
mo a ilha Tonga foi pescada do fundo do oceano tem a prova
da sua veracidade no fato de sc poder mostrar ainda a linha que
serviu para pescá-la c o rochedo onde sc prendeu o anzol” . Es­
sa necessidade de provar a veracidade do mito ajuda-nos a des­
vendar o sentido que a "história” e os "documentos históricos”
tinham na mentalidade arcaica. Ela denuncia a importância que
o homem primitivo d.'i às coisas que verdadeiramente sucederam.
aos acontecimentos que tiveram lugar, concretamente, em volta
J52 THATA IX ) 1X1 fttSTÓ M A DAS H E U d Ô E S

dele. e o apetite que o seu espirito m in iftua pelo “ real” , pelo


que “ é” de modo pleno. Mas. ao mesmo tempo, x função exem­
plai que se ptende a estes acontecimentos de ifiud tem put deixa
adivinhar o interesse que o homem arcaico xote pelas realidades
significativas, criadoras, paradigmáticas. Interesse que sobrevi­
via ainda entre os pnmciros historiadores do rnurde antigo, pa­
ra os quais o "passado” só tinha sentido tu medida em que era
um exemplo a seguir c constituía, por isso. a rúmula pedagógica
dc toda a humanidade. Esta missão de "história exemplar" re­
servada ao mito tem de se aproximar — se a quisermos compreen­
der — da tendência do homan arcaico para realizar concrctamente
um arquétipo ideal, p3ra viver "cxperimentahneiite" a eternida­
de a partir deste mundo, aspiração que desvendamos por meio
d a análise do tempo sagrado (5 155).

165. Degradação dos mitos — O mito pode degrndar-se em


lenda épica, em balada ou em romance, ou crtãc sobreviver, cm
forma diminuída, nas "superstições” , hábitos, nostalgias, etc.,
nào perdendo, por isso, a .sua estrutura nem o seu valor. Temos
presente que o mito da árvore cósmica se mantem nas lendas c
nos ritos da colheita dos simples ($ 111). As “ provas*', os sofri­
mentos, as peregrinações do candidato à iniciação sobrevivem na
narrativa dos sofrimentos c dos obstáculos que o herói épico ou
dramático lem de suportai antes de alcançar o seu objetivo (Ulis­
ses, Enéias. Parsifal, certos personagens dc Shakcspcarc. Faus­
to...). Todas essas "provas” e “ sofrimentos” que têtn dado ma­
téria à epopéia, ao drama e ao romance, podem iacilmcntc se re­
duzir aos sofrimentos c aos obstáculos rituais do “ caminho para
t> centro" (§ 146). Sem dúvida o "cam inho” já náo se desenrola
no mesmo plano iniciático mas — falando era termos dc tipolo­
gia — as deambulações dc Ulisses ou a busca do Santo Graal
cncontiain-.se até nos grandes romances do século XIX. para não
fularmOisda literatura dc pacotilha cujas origens arcaicas são bem
conhecidas. Enquanto hoje o romance policial conta a luta de um
criminoso e de urn detetive (o “ gênio bom " e o "gênio m au".
o>dragão e o Príncipe Encantado dos contos...), há algumas ge­
rações havia um certo deleite cm mostrar um príncipe órfão ou
um a criança inocente vitimas de um "celerado” , e há uns cento
e clnqíienta anos estavam ern voga os romances "negros” c "fre­
néticos'*, com os seus "monges negros” , os seus “ italianos", os
M O R F O LO G IA E F V N Ç Ã O D O S M IT O S 353

seus "celerados” , as suas "meninas raptadas” , os seus "prote­


tores disfarçados” ... Mas. se as tonalidades da efabulação se ex­
plicam pela coloração c pela orientação variável da sensibilidade
popular, o tema não mudou.
Evidentemente. cada nova modalidade implica um "aden­
samento do conflito c dos personagens dramáticos, um obscure­
cimento da transparência oiiyiii.il, assim como a multiplicação
das notas específicas de "cor local” . Mas os modelos transmiti­
dos do mais longínquo passado não dcsairarecem nem perdem o
seu poder de rcat utilização, permanecendo válidos para a cons­
ciência "m oderna” . Um exemplo entre muitos: Aquiles c Sorcn
Kirkcgaard. Aquiles, como tantos outros heróis, não se casa, se
bem que lhe tenha sido vaticinada uma vida feliz c fecunda caso
se casasse; mas então teria dc renunciar a ser um herói, não reali­
zaria o “ único” , não conquistaria a imortalidade. Kirkcgaard pas­
sa exatamente pelo mesmo drama existencial a propósito dc Re­
gina Olscn: ele recusa o casamento para permanecer, ele próprio,
“ o único", para poder esperar o Eterno, repelindo a modalida­
de dc uma existência feliz para o "geral” . Confcssa-o claramcn-
tc num fragmento d o seu Journal íntimo: "E u seria mais feliz,
num sentido finito, se pudesse afastar de mim este espinho que
sinto na minha carne; mas. num sentido infinito, estaria perdi­
d o ." Eis aqui como um a estrutura mítica continua a ser realizá­
vel. e se realiza dc fato. no plano da experiência existencialista
c, neste caso particular, sem qualquer consciência nem influên­
cia do modelo mítico.
O arquétipo continua a ser criador mesmo quando sc degra­
da para niveis cada vez mais baixos. Tomemos, por exemplo, o
mito das Ilhas Afortunadas ou do Paraíso Terrestre, que não só
perturbou a imaginação dos profanos mas também a ciência náu­
tica até a gloriosa época dos grandes descobrimentos marítimos.
Quase todos os navegadores, ate mesmo aqueles que perseguiam
uma finalidade econômica precisa (caso do caminho marítimo da
índia), tinham também em vista o descobrimento das Ilhas dos
Bem-aventurados ou do Paraiso Terrestre. E toda a gente sabe
que não faltou quem imaginasse que cks unham, com efeito, des­
coberto a ilha do Paraiso Dos fenícios aos portugueses, todos
os grandes descobrimentos geográficos foram provocados por este
mito da região edênica. E foram só essas viagens, indagações e
descobertas as quais adquiriram um sentido espiritual c foram
criadoras de cultura. Sc a memória da viagem dc Alexandre às
Í5 4 T R A T A D O D E H IS T Ó R IA D A S R E L IG IÕ E S

índia« permaneceu imorredoura é que, assimilada à categoria mí­


tica, ela satisfazia a necessidade de "geografia mitica” , a única
que o homem nào pode dispensar. As bases comerciais dos geno-
vescs na Crimcia c no mai Cáspio, as dos venezianos na Sina e
no Egito, supunham uma ciência náutica muito avançada c, no
entanto, os itinerários comerciais em questão “ nào deixaram qual­
quer lembrança na história dos descobrimentos geográficos“ 56.
Em compensação, as expedições para o descobrimento das regiões
míticas não foram apenas criadoras de lendas: elas contribuíram
mesmo para o progresso da ciência geogtáíica.
Essas ilhas e terras novas conservaram o seu caráter mítico
muito tempo depois dc a geografia se ter tomado cienrifica. “ A
ilha dos Bem-aventurados" sobreviveu a Camões, atravessou o
século das luzes, a época do romantismo c não perdeu o seu lu­
gar no no v o tempo. Mas a ilha mítica j.1 náo significa, para o
futuro, o Paraíso Terrestre: ela é a ilha dos Amores (Camões),
a ilha do "bom selvagem” (Daniel dc Foc), a ilha de Eutanasius
(I-mincscu) ou a illta “ exótica", uma região de sonho com bele­
zas secretas, a ilha da liberdade, do jazz, do repouso perfeito,
das ferias ideais, dos cruzeiras em navios de luxo, e a que o ho­
mem moderno aspira pot influência da literatura, do cinema ou,
muito simplesmente, da sua imaginação. A função da regiào edê­
nica, privilegiada, permaneceu imutável, só a sua valorização so­
freu numerosos desvios, desde o Paraíso Terrestre (no sentido que
a Bíblia dá a este nome) até o paraíso exótico com que sonham
os nossos contemporâneos. “ Queda” , sem dúvida, mas queda
fecunda. Em todos os níveis da experiência humana, por modes­
tos que sc suponham, o arquétipo continua a valorizar a existên­
cia e a criar “ valores culturais": a ilha dos romances modernos
ou a ilha de Camões náo é menor valor cultural do que tantas
c tantas ilhas da literatura medieval.
Queremos com isso dizer que o homem. aind3 que escape
a tudo o mais, fica irremediavelmente preso às suas intuições ar-
quctípkas, criadas no momento em que tornou consciência da sua
situação no cosmos. A nostalgia do Paraíso denuncia-** nos atos
mais banais do homem moderno. O absoluto r.ào pode ser extir­
pado: d c c tão só suscetível de degtadaç.lo. E a espiritualidade
arcaica sobrevive, à sua maneira. não como ato, náo como pos­
sibilidade de realização real para o homem, mas com o uma nos­
talgia criadora dc valores autônomos: arte. ciências, mística
social...
XIII

A estrutura dos símbolos

166. Pedras simbólicas — Raros são os fenômenos mágico-


religiosos que não impliquem, de uma forma ou de outra, um
cerro .simbolismo. Prova-o largamcntc o material documental que
passamos cm revista nos capítulos anteriores. Não há dúvida de
que lodo fato mágico-religioso é uma cratofania, uma hicrofa-
nia ou urna teofania: não c preciso rever este assunto. Mas fre­
quentemente encontramo-nos cm presença de cratofania#, de Itic-
rofanias ou de teofanias mediatas, obtidas por meio de uma par­
ticipação ou de uma integração num sistema mágico-religioso que
c sempre um sistema simbólico, quer dizer, um simbolismo. As­
sim, para mencionar apenas um exemplo, vimos que certas pe­
dias se tornam sagradas porque as almas dos mortos — dos “ an­
tepassados" — encarnam nelas ou então porque manifestam ou
representam uma força sagrada, uma divindade, ou ainda por­
que um pacto solene ou um acontecimento religioso tiveram lu­
gar na sua vizinhança. Mas muitas outras pedras adquirem a sua
qualidade mágico-religiosa graças a uma hicrofania ou a uma cra­
tofania mediatas, quer dizer, por um simbolismo que lhes confe­
re um valor mágico ou religioso.
A pedra em que Jacó adormeceu c de onde ele viu, em so­
nho, a escada dos anjos só se tornou sagrada porque fora o lugar
de uma hicrofania. Mas outros bethelou om phaloisão sagrados
poique se acham no “ centro do mundo” e, por conseguinte, no
ponto de junção das três zonas cósmicas. Evidentemente, o pró
prio ' centro" é um a zona sagrada e. nesta qualidade, o objeto
que o çiicair.a ou o representa torna-se também .sagrado c pode.
por isso, ser encarado como uma hicrofania. Mas, ao mesmo tem­
po, c certo que um belhel ou um omphalos c um “ simbolo" do
556 TRATADO DE H IS T Ó R IA D A S R E IIO IÓ E S

“ centro*' na medida em que seja portador de uma realidade tran-


sespacuil <o “ centro” ) c o introduz num espaço profano. Do mes­
mo modo, certas pedras furadas tornam-se sagradas graças ao sim­
bolismo (iolar ou sexual) revelado pela sua própria for ma. Neste
caso. a hicrofanização faz-se por um simbolismo evidente, direta
m entí revelado pela própria "form a” da pedra (a "form a” enten­
dida naitralmente. tal como c apreendida pela experiência mágico-
relig/osa cnào pela experiência crr.pirko-raeionalista). Mas há ainda
mitras pedras mágicas, medicinais ou “ preciosas", cujo valor re­
side na sua participação num simbolismo nem sempre transparen­
te. Alguns exemplos tornarão mais claras as articulações de um sim­
bolismo cada vez mais denso e que em vão teríamos procurado nas
hicrofanias e nas cratofanias liticas acima mencionadas.
O jnde e uma "pedra preciosa” que desempenhou um papel
considerável na simbólica arcaica chinesa1. Na ordem social i en­
carnação da soberania e do poder, na medicina é uma panaceia e
toma-sc para se alcançar a regeneração do corpo. Mas 6 tamisem
encarado como alimento dos espíritos e os taotstas acreditavam que
ele podia assegurar a imortalidade, c daqui vem o papel importan­
te1do jade na alquimia e o lugar que serr.prc tese nas teorias c nas
práticas funerárias2. Lê-se num texto do alquimista Ko-Hung: “ Se
sccolocar ourocjade nas nove aberturas do cadáver, escc será pre­
servado da putrefação.” } Por outro lado, o tratado T'ao Hur.g-
Ching. do século V, dá as seguintes indicações: “ Se, ao abrir-se
um túmulo antigo, o cadáver parecer vivo, sabei que há, r.o inte­
rior e fora do corpo, uma grande quantidade de ouro c de jade.
De acordo com as disposições da dinastia I lan. os prircipcs e os
senhoi es eram enterrados com as roupas ornadas de pérolas c com
estojos de jade para preservar o corpo da decomposição.” 4 Esca­
vações arqueológicas recentes confirmam os textos relativos ao ja­
de funerário5.
Mas o próprio jade só encerra todas essas virtudes porque é
encarnação do princípio costno!õgico><zng c porque nesta quali­
dade. possui um conjunto dc qualidades solares, imperiais, indes­
trutíveis. O jade. como dc resto o ouro. contém oytrnj e. por uso,
torna-se um centro carregado dc energia cósmica. A sua mui: iva*
lência instrumental c a consequência lógica da mult: valência do prin­
cipio cosmdógico yang. E, mesmo supondo que procuraríamos
penetrar r.aprc-históna queantecedeu a formulasosninkWicavc/:?-
>70. esbarraríamos com uma outra fótmuia cosmoiOgicaccom um
oulro simbolismo que justificaria a aplicação do jade®.
A E S T R U T U R A D O S S ÍM B O L O S 357

Ir até a pré-história na busca dc um simbolismo arcaico é


possível no que diz respeito à pérola. Já o tentamos ruim estudo
anterior7. Encontrarain se pérolas e conchas cm sepulturas pre-
hislóncas; são utilizadas pela magia c pela medicina e oferecidas
ritualmcntc ás divindades dos rios; ocupam lugar de destaque cm
certos cultos asiáticos e são usadas pelas mulheres para dar sorte
c fecundidade. Houve tempo cm que a concha e a pérola tinham
uma significação mágico-religiosa, mas. pouco a pouco, o seu pa­
pel restringiu-se à feitiçaria c à medicina. Na época moderna c
para algumas classes sociais, a pérola não tem mais do que um
valor econômico e estético. Esta degradação da significação me­
tafísica do "cosmológico" para o ‘'estético” c, por si só, um fe­
nômeno interessante e ao qual voltaremos, mas é preciso, cm pri­
meiro lugar, responder a outra questão: por que apresentava es­
ta pérola uma significação mágica, medicinal ott funerária? Por­
que ela tinha ‘‘nascido das águas", porque d a tinha "nascido
da L ua", porque d a representava o principio yin, porque ela ti­
nha sido encontrada numa concha, símbolo da feminilidade cria-
doia. Todas essas circunstâncias transfiguravam a pérola num
"centro cosmológico” no qual coincidiam os prestígios da Lua,
da mulher, da fecundidade, do parto. A pérola estava carregada
da força germinadora da agua cm que se formara. “ Nascida da
Lua” , partilhava com ela as virtudes mágicas e é por isso que se
impunha como adorno da mulher. C) simbolismo sexual da con
cha comunicava-lhe todas as forças que ele implica. Enfim, a se­
melhança entre a pérola e o feto conferia lhe propriedades gené­
sicas e obstetriciais <o mexilhão pang quando está prenhe de pé­
rolas c semelhante à mulher que tem o feio no ventre, diz um texto
chinês citado por Karlgren). Deve tnplo simbolismo — Lua, água,
mulher — derivara todas as propriedades mágicas da pérola: me­
dicinais. ginecológicas, funerárias.
Na índia, a pérola é uma panaceia: boa contra as hemorra­
gias. a icterícia, a loucura, o envenenamento, as doenças de olhos,
a tisica*. A medicina européia serviu-se dela sobretudo para tra­
tar a melancolia, a epilepsia c a loucura. Como se vê, a maior
parte das afccçõcs cm causa são doenças “ lunares" (melancolia,
epilepsia, hemorragia...). As suas propriedades antitóxicas não
têm outra explicação: a Lua era o remédio para todas as espécies
de envenenamento*. Mas o valor da pérola no Oriente está so­
bretudo na sua qualidade afrodisíaca, fecundante c talismànica.
E quando é poda no túmulo, no próprio cadáver, ela solidariza
358 TRA TADO DE HISTORIA D AS RELIGIÕES

o morto com seu princípio cosmolófjeo: a Lua, a água. a mu­


lher. Por outras palavras, cia regenera o morto, inserindo-o num
ritmo cósmico que t- por excelência cíclico, e pressupõe — à ima­
gem das fases da Lua — nascimento, vida. morte, renascimento.
Ò morto coberto de pérolas adquire um destino “ lunar” , pode
ter esperança de entrar no circuito cósmico, visto que o penetram
todas as virtudes, criadoras de formas vivas, da Lua10.

167. Degradarão dos símbolos — É fácil compreender que


o que constitui o valor múltiplo da pérola é, cm primeiro lugar,
o simbolismo no qual se enquadra. Quer se interprete esse sim
bolismo valotizando seus elementos sexuais ou reduzindo-o a um
conjunto cultural pré-histórico, um ponto permanece incontes­
tável, a saber, a sua estrutura cosmológica. Os emblemas e as fun­
ções da mulher conservam em todas as sociedades arcaicas um
valor cosinotógico. Somos incapazes de determinar com precisão
o momento da prc-hlstória cm que a pérola adquiriu todos os va­
lores citados atrás. Pelo menos é certo que ela só encontrou o
seu caráter de "pedra mágica” no momento em que o homem
tomou consciência do conjunto cosmológtco água-Lua-devir c cm
que teve a revelação do ritmo cósmico dominado pela Lua. As
“ origens" do simbolismo da pérola não são, pois. empíricas, mas
teóricas, metafísicas. Esse simbolismo foi. depois, interpretado,
difcrcntcmentc "vivido” , para se degradar até nas superstições
e no valor econômico estético que representa para nós a pérola.
Completemos o nosso processo com a ajuda de algumas pe­
dras mágico religiosas, a comccar pelo lápis-iazúíi, a pedra azul
que gozava de certo prestígio na Mesopotámia c cujo valor sa­
grado se devia a sua significação cosmclógicn: ela representa, efe-
tivamente, a noite estrelada c o deus da Lua. Sin. Os babilônios
conheciam e estimavam certas pedias ginecológicas q uc passaram
depois para a medicina grega. Uma delas, a "pedra d a ptenhez"
(r>me-rie-?), foi identificada por lloson com o Iilhas sanuos de
Dioscorides; uma outra, ^""rânii, a “ pedra do am or” , da " fe ­
cundidade” , parece confundir-sc com o hihos setenifes de Dios­
corides. As pedras deste género assentavam a sua eficácia gine­
cológica na homologia com a Lua. O valor obsicrrkial do jaspe,
Jt'Mshup, tinha a sua explicação no fato ifc que, ao quebrar-se,
dava origem no seu “ ventre” a várias outras pedras. O símbolo
é, neste caso, «vidente. Doe babilónios, a função ginecológica do
A ESTRUTURA DOS SÍMBOLOS 359

jaspe passou para o mundo greco romano, onde se conseivou até


a Idade Média. Um simbolismo análogo explica, igualmentc, o
favor de que gozou na Antiguidade a "pedra das águias” , aeii-
tes: ulilis est, nota Plínio, mulicríbiK praegnantibus11; sacudin­
do a, ouve-se um ruido bizarro, como se ela escondesse no "ven­
tre” uma outra pedra. A virtude dessas pedras ginecológicas e
obstétricas deriva direiamcntc quer da sua participação no prin­
cipio lunar, quer ele uma conformação que as singulariza e que,
por conseguinte, só |>ode indicar uma proveniência excepcional.
A sua essência mágica c a consequência da sua "vida” , porque
cias "vivem ", tem um sexo, ficam prenhes. Aliás nào são uma
exceção. Todas as outras pedras c todos os outros metais "vi­
vem" igualmentc < são sexuados". Mas a vida destes últimos é
mais tranquila, a sua sexualidade é mais vaga: “ crescem" no seio
da Terra, segundo um rttmo sonolento, poucos “ chegando â ma­
turidade” (assim, para os indianos, o diamante c pakka, “ ma­
duro", enquanto -o cristal é kuccha. "não m aduro")".
Um exemplo excelente dc deslocação e de variabilidade do
stmbok) nos é dado pela "pedia da serpente” . Em muitas tegiócs
acrcditava-sc que as pedras preciosas tinham caído da cabcca das
serpentes ou dos dragões. Daqui a observação dc que o diamante
é venenoso c a recomendação de não o levar aos lábios, porque
esteve na boca de .serpentes (crença de origem indiana c que pas­
sou pata o mundo hclcnislico e árabe)1*. As crenças que fazem
vir as pedras preciosas da baba das serpentes estendem-se por uma
área muito vasta, desde a China até a Inglaterra1-'. Na índia, crê-
se que os nágas trazem na goela c na cabeça certas pedras mági­
cas, resplandecentes. Plimo racionaliza estas crenças dc origem
orientai quando refere que a dracontia ou dracontiies é uma pe­
dra que sc forma no cérebro (ccrebra) dos dragòes1*. O proces­
so dc racionalização é ainda mais acentuado em Filostrato17, pa­
ra quem o 0:ho dc certos dragões é uma pedra dc um “ brilho des­
lumbrante” , dotado de virtudes mágicas; os feiticeiros, acrescenta
Filostrato, depois dc adorarem os répteis cortam-lhes a cabeça
e dela rctitam pedras preciosas.
A origem c o fundamento teórico dessas lendas c de tantas
outras nào sáo obveuros: c o mito arcaico dos "m onstros" (ser­
pentes, dragees), guardiães da "árvore de vida", de urna zona
por excelência consagrada, dc uma substancia sagrada, dc valo­
res absolutos (imortalidade, juventude eterna, ciência do bem e
do mal, etc.). Como estamos lembrados, os símbolos dessa rcali-
J60 T R A TA D O D f H IS T O R IA D A S R E U G 1 Ô L S

Jad e abioluta estáo sempre guardados por monstios que iinpos-


i ifcilita.T o acesso aos não-eleitos: a "árvore dc vida” , a árvore
J o s pomos cte ouro ou o velo de ouro, os “ tesouros” de toda a
espécie (es perólas do fundo do oceano, o ouro da Terra. etc. >
j ào defendidos por um dragáo c aquele que quer apropnar-sc dc
am dos símbolos da imortalidade deve antes pôr a prova o seu
'*hcrocsmo” ou a sua "sabedoria" frente a todos os perigos e aca­
bando por matar o monstro reptiliano. Deste tema mftico arcai­
co derivaram, por múltiplos processos de racionalização e de de­
gradação, todas as crenças cm tesouros, pedras magicas c jóias.
A árvore da vida ou árvore dos ixunos de ouro, ou air.da o velo
de ouro — que simboliza um estado absoluto (o ouro igual à "gló­
ria” , á imortalidade) —, tornavam-se um "tesouro” escondido
na terra c guardado por dragões ou serpentes.
Os emblemas metafísicos guardados c defendidos por ser­
pentes transformam-se em objetos concretos que sc encontram
na sua cabeça, olho ou goda. O que era originanamente estima­
d o como sina!do absoluto toma, depois — para outras camadas
sociais ou por uma degradação de sentido —. valores mágicos,
medicinais, estéticos. Na índia, por exemplo, o diamante passa­
va por ser um emblema da realidade absoluta: o seu nome, vaj-
ra, era também o do raio. símbolo de Indra, emblema da essên­
cia incorruptível. Neste conjunto teórico — força, incorruptibi­
lidade. raio. manifestação cósmica da virilidade —, t» diamante
cra consagrndo na medida cm que, na ordem mineralógica, ele
encarnava essas essências. No quadro do outro conjunto teóri­
co. o da valorização "popular" da realidade absoluta guardada
por um monstro, o diamante cra apreciado pela sua descendên­
cia ofidica. lira a mesma descendência — degradada, agota, tia­
ra níveis cada vez mais baixos — que dava ao diamante as suas
propriedades mágicas e medicinais: defendia do envenenamento
e das serpentes, tal como tantas outras "pedras de serpentes" (car-
buncu/us, bórax, o bezoar...). Algumas dessas "pedias dc ser­
pentes” foram efetivamente extraídas da cabaça dc serpentes, onde
sc encontram, às vezes, concreções duras e pétreas. Mas se elas
J oram descaberias ah éporque a!i tinham sido procuradas. A cren-
ça tu» "pedra de serpente" encontra-se nutria área extensa c. no
entanto, sô reccmcmcnte sc observaram, em serpentes, concre­
ções resistentes c pétreas. Em suma, sú muito raramente uma “ pe­
dra de serpente” è mesmo uma pedra extraída da cabeça dc uma
serpente. A grande maioria da> outras pedras mágicas e mediei-
A ESTRUTURA DOS SÍMBOLOS 361

nais, quer tenham ou não uma nomenclatura ofidica. estão diver-


sameute relacionadas com a serpente cm virtude do mito original,
redutível, como dissemos, a um lema metafísico: “ o monsttoguar-
diâo dos símbolos d a imortalidade” . Não há duvida de que muitas
lendas e super st içóes- não derivaram diretamente da fórmula míti­
ca primordial mas das inúmeras variantes laterais ou "degradadas”
a que aquela deu origem.

168. Infanlilismo — Limitamo-nos, de propósito, a exemplo«


recolhidos num único setor a fim de esclarecer, por um lado. as
múltiplas ramificações do símbolo, c, por outro, os processos de
racionalização, de d-egradaçâo e de infanlilismo que um símbolo
sofre na sua interpretação nos planos mais baixos. Como sc reco­
nhece, achamo-nos muitas vezes cm presença de variantes “ popu­
lares" na aparência, mas cuja origem erudita — metafísica (cos-
mológica) cm última instância — e fácil dc descobrir (por exem­
plo, a "pedra de serpente” ) e apresenta iodos os sinais de um pro­
cesso dc infantihsmo. Este processo pode ter lugar, aliás, dc mui­
tas outras maneiras. Citemos dois dos mais frequentes:

IV Um simbolismo "erudito" acaba, com o tempo, por ser­


vir paia as camadas sociais inferiores, degradando assim
o seu sentido primitivo;

2 ? O símbolo é compreendido de modo pueril, quer dizer, cx-


ccssivamente concreto c isolado do sistema dc que faz parte.

Já mencionamos alguns exemplos da primeira categoria ("pe­


dra dc serpente” , pérola, etc.). Citemos ainda um caso bastante
sugestivo. Uma velha receita popular romena prescreve: "Q uan­
do um homem ou um animal sofrerem dc prisão dc ventre, escrevei
estas palavras mini prato novo: Fison, Oheon, Tigre, Eufraies, e
lavai-o com água limpa: se o doente a beber ficará bom; c sc for
o animal vcrtci-lha pelo nariz.” 1* O nome dos quatro rios bíbli­
cos que banham o Paraíso podem purificar, numa i>erspectiva
mágico-religiosa, qualquer "cosm os" e. portanto, o microcosmos
que é o corpo do homem ou do animal. Neste caso, o infanlilismo
denuncia-se de imediato pela maneira simplista, concreta, como
ó compreendido o simbolismo da purificação pelas águas paradi­
síacas: bebc-sc a água que lavou as quatro palavras escritas.
362 TRATADO DF. HISTÓRIA DAS REUGIÕES

No que diz respeito ao segundo tipo de infantilizaçào do sím­


bolo (que não implica necessariamente uma “ histó-ria**. uma
“ queda” de um meio eiudito num popular), encontram-se mui­
tos exemplos rxi belo livro de I.évy-Biuhl, l. ’(‘xpcrlence mysUque
e f les syrrboles chez k s primittfs19. A maioria dos documentos
citados peio sabio francês apontam o símbolo como substituto
d o objeto sagrado ou como ' ‘símbolo-penetra" e. quando se trata
de substituto c de participações, o processo de infanlilizaçâo é
inevitável, c não só entre os “ primitivos" mas nas sociedades mais
evoluídas. Para darmos um exemplo, seja este caso retirado da­
quela obra: "N a Áfric3 equatorial, no alto Ogooué, o antílope
a d i» só pasta — segundo um chefe bamba — durante a noite;
durante o dia, dorme ou rumina, sem mudar de lugar. Este hábi­
to levou os indígenas a fazerem dele o símbolo da fixidez. listão
convencidos de ciue iodos os que comerem, em comum, carne da­
quele anlilopc, por ocasião da inauguração de uma nova aldeia,
não trocarão esta por outra.” 211 No pensamento dos indígenas,
o símbolo cotnunica-sc por participação, de maneira concreta,
d o mesmo modo que as quatro palavras escritas no fundo de um
prato podem “ purificar", na magia infantilizada já citada, um
indivíduo obstipado. Mas essa diversidade de interpretação não
esgota nem o símbolo original r.em as possibilidades que têm os
••primitivos” de alcançarem um simbolismo coerente. Trata se,
repetimo-lo. apenas de uma amostra de um infantiUsmo cujos
exemplos são abundantes na experiência religiosa de qualquer po­
pulação civilizada. Que os “ primitivos" sejam capazes, também,
de um simbolismo coerente, quer dizer, articulado em princípios
cosmotcológicos, provam-no os muitos fatos já vistos nos capí­
tulos anteriores — o simbolismo do “ centro", por exemplo, nos
povos árticos, camiticos. íino-úgricos; a comunicação er.trc as três
zonas cósmicas nos pigmeus de Malaca, o simbolismo do arco-
íris, da montanha, dos cipós cósmicos e outros, entre os austra­
lianos, os povos da Oceania, etc.
Mas teremos ainda ocasião ce voltar a essa capacidade teo-
rética dos primitivos ou das populações primitivas. Por ora re­
gistremos a coexistência, tanto nas sociedades primitivas como
nas evoluídas, de um simbolismo coerente a par de um infantili-
zado. Deixemos de lado o problema da causa dessa infantil iza-
çáo, assim como a questão dc S3bcr se cia c ou não efeito da pró­
pria condição humana. Basta-nos aqui marcar com clareza que,
coerente ou degradado, o símbolo continua a desempenhar um
A ESTRLTVftA DOS SÍMBOLOS 363

papel importante em. todas as sociedades. A sua função permanece


invariável: transformar um objeto ou ato em algo diferente daquilo
por que este objeto ou ato sáo tidos na experiência profana. Para
nos referirmos, mais uma vez, a exemplos já citados — quer se trate
de um omphalos, símbolo do “ centro” , quer se trate de uma pedra
preciosa como o jade e a pérola, ou dc uma pedra mágica como a
"pedra dc serpente" —, cada uma ddas rcccbe um valor na expe­
riência mágico-religiosa do homem na medida em que manifesta um
simbolismo qualquer.

169. Símbolos e hicrofanias — Encarado deste ângulo 0 sím­


bolo prolonga a dialética da hicrofania: tudo o que não édiretamente
consagrado por uma hicrofania torna-se sagrado graças à sua parti­
cipação num símbolo. A maior parte dos símbolos primitivos dis­
cutidos por Lévy-Bmhl sàô as paitidpaçòes òu os substitutos dc ob-
jetos vagi ados, qualquer que seja a espécie destes últimos. Verifica-
se mecanismo idêntico nas religiões “ evoluídas". Basta que folhee­
mos um reiwMòi io exaustivo como é, por exemplo. Symbols o f the
Gods m Mesopotatnian Art, de E. Douglas Van Rurcn, para nos
convencermos de que toda uma série de objetos ou sinais simbóli­
cos devem o seu valor e a sua íuncào sagrada ao fato de se integra­
rem na "form a" ou na epifania dc uma divindade (ornamentos, ata­
vios, sinal dos deuses, objetos usados por eles...). Mas não estão
aí todos os símbolos: há outros que precedem a “ forma” histórica
da divindade: referimo-nos a muitos símbolos vegetais, á Lua. ao
Sol, ao raio, a certos desenhos geométricos, como a cruz, os pentá­
gonos, os rombos, a suástica, etc. Muitos deles vincularam-se às di­
vindades que dominaram a história religiosa da Mesopotâmia: o si­
nal do crescente a Sin, deus lunar, o disco solar a Shamash, c ou­
tros. Se alguns conservaram certa autonomia cm relação aos deuses
(por exemplo, certas armas, certos símbolos atquiteturais, certos si­
nais como o das “ ttês pontas” ), muitos outros, c sâo a maior pane,
foram solicitados, alternativamente, por numerosas divindades, o
que nos leva a crer que antecederam os diferentes panteões mesopo-
tânneos. De resto, a transmissão dos símbolos dc um deus para ou­
tro é um fenômeno corrente na história das religiões. £ assim que
na índia, por exemplo, vajra, simultaneamente “ raio" c "diaman­
te" — símbolo da soberania universal, da incorruptibilidade, da rea­
lidade absoluta, etc. —, passou de Agni para Indra ç depois paia
Buda. Seria fácil multiplicar os exemplos.
364 TftA TADO DE HISTÓRIA D AS RELIGIÕES

Dessas oociskíefaçõet resulta que a maior parte das hicrofa-


niíis <5o suscctiv^s dc sc tornarem símbolos. Mas nào 4 nesta con­
vertibilidade das hierofania«. em símbolos que há de se procurar
o papel importante desempenhado p d c simbolismo na experiên­
cia trágico-religiosa da humanidade. O símbolo nào C importan­
te apenas porque prolonga unia hierofania ou porque a substi­
tui, mas, sobretudo, porque pede continuar o processo dc liicro-
fanização c porque, no momento próprio, é e!e próprio uma hie-
rofartia, quer dizer, porque ele revele uma realidade sagrada ou
cosmoiógica que nenhuma outra "manifestação ‘’ revela. Assim,
para dar um exemplo de uma hierofania que se prolonga num
símbolo, todos as amuletos e todos os "sinais" nos quais a Lua
está presente — o crescente, meia lua, lua cheia — tiram desta
presença a sua eficácia: dc uma maneira ou de outra, participam
da sacralidade da Lua. Poder-sc-ia dizer que são epifanias redu­
zidas da Lua. Mas não é, com certeza, esta epifania reduzida e,
por vezes, indistinta (como quando o quarto crescente da Lua é
grosseuamente reproduzido cm pequenos pães votivo«)21 que ex­
plica a importância dos amuletos e dos talismãs: é no próprio sim-
bolo que está a explicação. O processo é evidente para uma multi­
dão dc desenhos c de ornamentos cerâmicos da proto-história chi­
nesa c curo-asiátka, que simbolizam as fases da Lua pela diversi­
dade dc oposições dc branco c dc negro, isto e, luz c obscurida­
de22. Estes desenhos c ornamentos têm uma função e um valor
mágico-religiosos2'. Mas a epifania lunar è neles quase irrceonhc-
civd, e o que lhes confere o seu valor c o simbolismo lunar.
Mais ainda: enquanto uma hierofania pressupõe uma des-
•continuidade na experiência religiosa — visto que existe sempre,
sob uma ou outra forma, uma ruptura entre o sagrado c o profa­
no e uma passagem dc um para outro, ruptura e passagem que
■constituem a própria essência da vida religiosa —. um simbolis­
mo realiza a solidariedade permanente do homem com a sacrali-
•dude (solidarização confusa, como è evidente, pois o homem só
■esporadicamente toma consciência dela). O qnc traz consigo um
talismã, o jade ou as pérolas 6 projetado por des, de forma per­
manente, na zona sagrada representada, quer dizer, simboliza­
d a, por utn ou por outro, rcspcctivamente. Ora. essa permanên­
cia nâo pode ser adquirida |ior meio de uma experiência mágico-
religiosa, que supõe previamente uma ruptura entre o profano
t o sagrado. Vimos que os "duplos fáceis” da árvore cósmica,
do eixo do universo, do templo, sào sempre representados pot
A ESTRUTURA DOS SÍMBOLOS 365

um símbolo do centro (pilar central, lareira). Cada habitação é


um "centro do m undo” porque, de uma maneira ou de outra,
o seu simbolismo reproduz o do ccntio. Mas, como já tivemos
ocasião de notar, uni "centro" é difícil de conquistar, c colocá-
lo à disposição de qualquer um denuncia aquilo a que chamamos
“ a nostalgia do P araíso", o desejo de se achar, permanentemen­
te, sem esforço e até, de certo modo, sem se dar conta disso, nu­
ma zona sagrada por excelência. Do mesmo modo se pode dizer
que o simbolismo denuncia a necessidade que o homem tem de
prolongar ate o infinito a hicrofanização do mundo, de encon­
trar constantemente duplos, substitutas e participações mima dada
hierofania, ou melhor, uma tendência para identificar esta hic-
rofania ao conjunto do universo. Voltaremos, no fim deste capí­
tulo. a esta importante função do símbolo.

170. Coerência dos símbolos — A rigor deveríamos reservar


o termo símbolo para o caso dos símbolos que prolongam uma
hierofania ou que constituem, eles próprios, uma “ revelação”
inexprimível de outra forma mágico-religiosa (rito, mito. forma
divina). Em sentido amplo, no entanto, tudo pode ser um sím­
bolo ou desempenhai o papel de um símbolo, desde a cratofania
mais rudimentar (que “ simboliza” , de uma maneira ou de ou­
tra, o poder mágico-rcligjoso incorporado num objeto qualquer)
até Jesus Cristo, que, de certo ponto de vista, pode ser conside­
rado um "sím bolo" do milagre da encarnação da divindade no
homem.
O vocabulário corrente da etnologia, da história das religiões
c da filosofia admite os dois sentidos da palavra “ símbolo" c.
como já tivemos ocasião de verificar, os dois sentidos apóiam-sc
na experiência mágico-religiosa de toda a humanidade. No en­
tanto, a estrutura c a função autenticas do símbolo podem ser
penetradas sobretudo jx!o estudo particular do símbolo corno pro­
longamento da hierof ania c como forma autônoma da revelação.
Já mencionamos antes o simbolismo lunar dos desenhos pré-
históricos e proto-históricos. Os desenhos deste tipo prolongam,
seguramente, a hierofania lunar mas. considerados no seu con­
junto, dizem mais do que qualquer outra epifania lunar. Ajudatn-
nos a destacar, de todas essas epifanias, o simbolismo lunar, que
tem a vantagem de poder "revelar", melhor do que todas as ou­
tras epifanias reunidas, c. ao mesmo tempo, revelar simultânea
26€ T R A TA D O J X H fíT ú X ÍA D A S K F U G /Ò E S

e panoratnicamertc o que as outras epifanias deivdam de modo


sucessivo c fragmentário. O simbolismo da Lua torna transpa­
rente £ própria estralara dat hicroíar.áiS lurares. O emblema de
urn cnanal lanar (.'Vo W , o u s e . ck .) cu um dc*ct ho em preto-
e-branco, no qual se integra a fígora de “ antepassado", revela
no tn etx o grau a totalidade dos sortilégios lanares e o destino
üc cosmos c do ho.Teir no seu devir nur.ico c perpétuo (cf. os
estudos de Hert2ê)
Tambéx. asacralidade das águas ca estrutura das cosmolo­
gias c dos apocalipses aquáticos $o poòcir. ser reveladas, integral­
mente, atiaves do simbolismo aquático, q u e é o único "sistema”
capaz de integrar todas as rc\elx& $ particulares das inúmeras
liierofanias. Namralir.ente este sirabalis.no aquático n.lo se ma­
nifesta ent parte alguma de modo concreto, r i o tem "suporte” ,
é constituído por um conjunto de símbolos interdependentes e sus
cctivcis dc sc integiaretn num sistema, raas nen. jhx r* o é menos
real. Basta que nos lembremos da coerência do smibolismo da
imersão nas águas (batismo, diluvio. “ Atlâmida” ). da purifica
ção pela água (batismo, libações funeráras). da pré-cosmogonia
(as águas, o “ lotos" ou a •‘ilha” , etc.), paru nas darmos conta
de que estamos cm presença de um “ sistema" bem articulado,
sistema que, evidentemente, está implícito em qualquer hierofa-
nia aquática, por modesta que soja, mas que sc revela mais ciara-
mente através de um símbolo (por exemplo, o “ dilúvio", ou o
“ batismo” ) e só sc rcvda totalmente no simbolismo aquático, tal
como sc destaca de todas as hieiofamas.
Um exame rápido dos capítulos anteriores mostra com sufi­
ciente evidência que nos encontramos. conforme t» casos, perante
um simbolismo edeste, ou perante um simbolismo telúrico, ve­
getal, solar, espadai. temporal, etc. Esses diferentes simbolismos
podem ser encarados como “ sistemas" autônomos na medida em
que manifestam m as dararrente. mais totalmcntc e com uma coe­
rência superior o que as hicrofanias manifestam de maneira par­
ticular, local, sucessiva. Por isso nos dedicamos, sempre que o
documento cm questão a tal nos convidava, a interpretar uma
dada hierofania li luz do seu próprio simbolismo, a fira dc po­
dermos atingir a sua significação profunda. É desnecessário di­
zer que não sc trata de “ deduzir" arbitrariamente um simbolis­
mo qualquer a partir dc uma hierofania dementar; tampouco não
sc ira u de racionalizai um simbolismo para torná-lo mais con­
sistente c mais transparente, como sc fez para o simbolismo so­
A ESTRUTURA POS SÍMBOLOS 367

lar no fim da Antiguidade (§ 46). A integração dc uma hicrofa-


nia no simbolismo que ela implica c uma experiência autêntica
da mentalidade arcaica c todos os que participam desta mentali­
dade vèem, verdadeiramente, este sistema simbólico cm qualquer
suporte material. E . se alguns já não o veem ou já nào têm aces­
so senão a um simbolismo infantil, a validade da estrutura do
simbolismo nâo fica. por isso, comprometida, pois que um sim­
bolismo é independente do fato dc ser ou não compreendido: ele
conserva a sua consistência, a despeito de toda a degradação, c
conserva-a mesmo uma vez esquecida, como o testemunham os
símbolos pré-históricos cujo sentido se perdeu durante milênios
para ser "rcdcscobcrto" mais tarde.
De resto, é per feitamentc indiferente que os primitivos con­
temporâneos compreendam ou não que uma imersão na água
equivale tanto a um dilúvio como i submersão de um continente
no oceano e que um e outro simbolizam o desaparecimento de
uma "form a envelhecida” a fim de reaparecer uma "form a no­
va” . Uma única coisa conta para a história das religiões: o fato
de que a imersão dc um homem ou de um continente, tanto co­
mo o sentido cósmko-escatolõgico dessas imersões, existe cm mi­
tos e rituais: c o fato de que todos esses mitos c rituais são coe­
rentes ou. por outras palavras, que formam um sistema simbóli­
co que, cm certo sentido, i anterior a cada utn tomado separada­
mente. Temos. pois. ra/ões para falar, como se verá mais clara-
mente dentro cm pouco, de uma "lógica do símbolo", dc uma
lógica que não tem a sua confirmação só no simbolismo mágico-
religioso, mas também no simbolismo manifestado pela ativida­
de subconsciente e iransconsciente do homem.
Um dos traços característicos do símbolo i a simultaneida­
de dos sentidos que ele revela. Um símbolo lunar ou aquático é
válido cm lodos os níveis do real e esta inultivalência rcvela-sc
simultaneamente. O díptico "luz-obscuridade” , por exemplo, sim­
boliza ao mesmo tempo o “ dia e a noite” cósmicos, o apareci­
mento e o desaparecimento de uma forma qualquer, a morte e
a ressurreição, a criação c a dissolução do cosmos, o virtual c o
munifesto... lista simultaneidade dos sentidos que utn símbolo
encerra verifica-se igualmente à margem da vida religiosa propria­
mente dita. Como sc mostrou (5 166), o jade desempenha ou anun­
cia. na China, uma funçáo mágico-religiosa, mas esta função não
esgota o simbolismo do jade: o jade tem, ao mesmo tempo, va­
lor de uma linguagem simbólica, no sentido de que o número,
J68 TRATADO D T HISTÓRIA D A S A C L IC lôrS
a cor e a dis»>i<ào<ias peita» de jade usadas por u n a pessoa
não sc limitam a solidarizar cita pcisoa c c n o coimes 01 cox
as estações, tnas urabém proclamam ta] ••kicrtidade'* c deter -
rr.inam. por exemplo, que >c tratado uma jovem, de ama mulher
casada ou de uiva vitva. pertencentes a tal cUsic social c a tal
família. a tai região, « cujo noivoon esposo * acha etn viagem,
ctc. l)o mesmo nuxla, na ilha dc Javu, o limbolismo dos drse
nhos c Jas cores do batik proclama o sexo e a situação social do
indivíduo que o usa, a cstaçàoc a "ocasião“ cm que c usader4
Sistemas idênticos são frceqiientes cm toda a Polincsia15.
A cs:c respeito, o simbolismo apresenta-se com o uma "lin
guagetr.” ao aicance de todos os membros da comunidade e sna-
ccssivcl aos estrangeiros, mas, cm todo caso, uma "linguagem”
que exprime simultaneamente no mesmo grau a condição social,
‘‘histórica’’ c psíquica da pessoa que usa o símbolo c as suai re­
lações com a sociedade e o cosmos (certos jades ou batiks são
usados na primascra, nas vésperas doí trabalhos agrícolas, por
ocasião do equinócio ou do solstício). Em suma. o simbolismo
vestimemar solidariza a pessoa humana, por um lado, com o cos­
mos c, por outro, com a comutududc de que ela faz parte, pro­
clamando diretamente aos olhos dc cada membro d a comunida­
de a sua identidade profunda. Expressão simultânea de uma mul­
tiplicidade dc significações, solidar izaçáo com o cosmos, trans-
parcnciu pelo que respeita à sociedade: tais são as funções que
denunciam o mesmo impulso e a mesma orientação. Todas elas
convergem para um fim comum: a abolição dos limites do "frag­
mento” que é o homem rio seio da sociedade e no meio do cos­
mos c a sua integração — por meio da transparência da sua iden­
tidade profunda e do seu estado social e graças à sua solidari/a-
ção com os ritmos cósmicos — numa unidade mais vasta: a so­
ciedade. o universo.

171. F u n ç ã o d o s sím b o lo s — Esta função unificadora é, ccr


tametue, de considerável importância, nào só na experiência má­
gico-religiosa do homem, mas mesmo para a sua experiência to ­
tal. Um símbolo revela sempre, qualquer que seja o seu contex­
to, a unidade fundamental dc várias zonas do real. Será preciso
lembrar as imensas "unificações” realizadas pelos símbolos das
águas ou da Lua, graças às quais um número considerável dc pla­
nos e dc zonas bio-amropocósmicas se identificam a alguns
A E S n tU T V R A D O S S ÍM B O L O S 369

princípios? Assim, jxir um lado. o símbolo continua a dialética


da hicrofania ao transformar os objetos cm algo diferente do que
eles parecem ser à experiência profana: uma pedra torna-se o sím­
bolo do "centro do m undo", etc., e, por outro lado, ao loinarcm-
sc símbolos, quer di/cr, sinais de uma realidade transcendente,
esses objetos anulam os seus limites concretos, deixam de ser frag­
mentos isolados para se integrar num sistema, ou melhor, eles
encarnam em si próprios, a despeito da sua precariedade c do seu
caráter fragmentário, lodo o sistema em questão.
Em último caso. um objeto que se torna um simbolo tende
a coincidir com o todo, da mesma forma que a hicrofania tende
a incorporar o sagrado na sua totalidade, a esgotar, por si só,
todas as manifestações da sacralidade. Qualquer pedra do altar
védico, ao tornar-se Prajápati, tende a identificar a si todo o uni-
versu, da mesma forma que cada doisa local tende a tornar-se
a Grande Deusa e, cm última instância, a anexar a si toda a sa­
cralidade disponível. Lite "imperialismo" das “ formas" religiosas
aparecerá mais claramcnte ainda no volume complementar que
dedicaremos a elas. Contentemo-nos em assinalar que o s a ten­
dência anexionista reaparece na dialética do simbolo. Não só por-
que todo simbolismo aspira a integrar e a unificar o maior nú­
mero possível de zonas e de setores da experiência antropocóv
mica, mas também porque todo o simbolo tende a identificar a
si próprio o maior nrimero possível de objetos. de situaçóes c de
modalidades. O simbolismo aquático ou lunar tende a integrar
tudo o que ê vida c morte, quer dizer, "devir" e "form as". Quan­
to a um simbolo como a pérola, ele tende a representar ao mes­
mo tempo estes dois sistemas simbólicos (da Lua e das águas),
encarnando por si só quase todas as epifanias da vida, da femini­
lidade. da fertilidade, etc. Esta “ unificação” náo equivale a uma
confusão: 0 simbolismo permite a passagem, a circulação de um
nível para outro, de um modo para outro, integrando lodos estes
niveis e todos estes planos, mas sem os fusionar. A tendência pa­
ra coincidir com o lodo deve ser entendida como uma tendência
para integrar o todo num sistema, pura reduzir a multiplicidade
a uma “ situação" única, de maneira a torná-la. ao mesmo tem­
po, o mais transparente possível.
Tratamos em outra obra do simbolismo das ligações, dos nós
c das redcs:\ Pudemos, entáo, dar-nos conta de que, desde a sig­
nificação cosmológica da "ligação” das águas por Vrtra e desde
a significação cosmocrática dos “ nós" de Varurra até as "liga-
370 TRATADO n r HfSTÓMA DAS RELIGIÕES

çõcs" do inimigo com ccrdas verdadeiras ou com ri»'« mágicos,


ate o acom ria;nca:o dos cadáveres c os mitos cru que divinda­
des funerárias prendem os homens ou as almas dos mortos numa
rede — passando peio simbolismo do homem "lidado" ou "acor­
rentado'’ (Índia, Piarão! c do "desatar" do fio labiríntico ou da
"solução" de ast problema fundamental... — erreontratno-nos
sempre cm prescr.ca de- um único complexo simbólico, tealizado
de maneira mais ou menos imperfeita nos múltiplos planos da
vida mágico-religiosa (cosmologia, mito do Soberano Tetrívtl.
magia agretsiva o t defensiva, mitologia funerátia. m uais iniciá-
tivos, etc ): trata se de um arquétipo que procura realizar-se etn
todas os piares da experiência mágico-religiosa. Mas luS algo mais
significativo- este simbolismo do "ligar" e do “ desligar" revela
uma situação limite do homem no universo, uma situação que
nenhuma outra hierof&nia isolada revelaria. Poder-se ia mesmo
dizer que c apenas por este simbolismo do liame que o homem
toma plena coavcxncia da sua situação no cosmos < cxpnme a
si próprio Je maneira coerente. Por oulro lado. as articulações
desse complexo simbóiicc desvendam ao mesmo tempo a unida­
de de situação de todo o “ condicionado", qualquet que ele seja
("cativo", "cm biuxado" ou, simplesmente, o homem frente ao
seu destino), c u necessidade "lógica” de todas essas liomologias.

172. Lógica dos símbolos — Pot conseguinte, é legitimo fa­


lar de uma "lógica do símbolo” , no sentido de que os símbolos,
qualquet que seja a sua naturc/a e o plano em que se manifes­
tem, são sempre coerentes c sistemáticos. Esta lógica do símbolo
sai do domínio próprio da história das religiões para enfileirar
nos problemas da filosofia. Com efeito — c ;á tivemos ocasião
de verificá-lo ao estudarmos o simbolismo da "ascensão” —, as
criações daquilo a que se chama o subconsciente (sonhos, " so ­
nhos acordados", cfabulaçócs, psicoputogenias, etc.) apresentam
uma estrutura e uma significação peifeiuiniemc suscetíveis de ho-
mologia, por um lado. com os mitos e os ritos ascensionais e, por
outro, com a metafísica da ascensão1'. Não existe, a rigor, solu­
ção de continuidade entre as criacòes espontâneas do subcons­
ciente (os sonhos ascensionais, por exemplo) e os sistemas teóri­
cos elaborados no estado de vigília <por exemplo, a metafísica
da elevação e da ascensão espirituais). Esta verificação desembo­
ca em dois problemas:
A ESTRUTU RA DOS SÍM BOLO S 371

I? Teremos ainda o direito de continuar a falar cxchisiva-


mcnte de um subconsciente? Não « ria preferível pressu­
por também a existência dc um transconsciente?
2C
. Terá fundamento a afirmação dc que as criações do sub­
consciente oferecem uma estrutura diferente das criações
do consciente? Mas esses dois problemas devem ser dis­
cutidos na sua perspectiva própria, que c a d a filosofia.

Sublinhemos, no entanto — c limitar-nos emos a esta obser­


vação —, que muitas criações do subconsciente apresentam um
caráter simicsco, de imitação, de cópia aproximada dc arquéti­
pos que. cm todo caso. não parecem ser a projeção exclusiva da
zona subconsciente. Acontece muitas vezes que um sonho, uma
cfabula*)o ou uma psicose imitem a estrutura dc um ato espiri­
tual que é. cm si, perfeitamemc inteligível, quer dizer, isento de
qualquer contradição interna, que é "lógico" e. por consequên­
cia, deriva da atividade consciente (ou transconsciente). Esta ob­
servação procura lançar alguma luz sobie o problema do símbo­
lo cm paiticular. c da híerofania cm geral. Podemos verificar a
existência, quase por toda a parte, na história das religiões, de
um fenômeno dc imitação ''fácir' do arquétipo, que designamos
por infantilismo. Também verificamos que o infantilismo tende
a prolongar até o infinito as hierofanias, isto é. tende a colocar
o sagrado ern qualquer fragmento, quer dizer, cm último caso,
a colocar o todo num simples fragmento. Esta tendência não é.
cm si. aberrante, visto que o sagrado tende, com efeito, a
identificar-se ã realidade profana, quer dizer, a transfigurar e a
sacralizar toda criacão. Mas o infantilismo apresenta quase sem­
pre uma nota dc facilidade, de automatismo, frequentemente mes­
mo de artificio. Poder-se ia, pois, estabelecer um paralelo entre
a tendência do subconsciente para imitar nas suas criações as es­
truturas do consciente ou do transconsciente e a tendência do in-
faritibsmo para prolongar até o infinito as hierofanias, para repeti-
las em todos os níveis c de maneira um tanto mecânica e grossei­
ra: tanto uma como outra tendência têm em comum os traços
característicos da facilidade e do automatismo. É possível desco­
brir outra coisa ainda neste contexto: o desejo de unificar a cria­
ção e de abolir a multiplicidade, desejo que é, também, à sua ma­
neira, uma imitação d a atividade da razão, visto que a razão ten­
de lambem para a unificação do real e portanto, cm última aná­
lise. para a abolição d a criação. No entanto, no caso das cria-
372 rR A T A D O DE HISTÓRIA D AS RELIGIÕES

ções do subconscienteou da infantilizaçáo da* hierofanias. depara­


mos mais propriaiEenie t«xn um movimento da vida que ter.de para
o repouso, que aspxa a rccupeiar o estado original da matéria: a
inércia. Em outro pano e no quadro de uma outra necessidade dia­
lética, a vida — ao tender para o repouso, para o equilíbrio e /vara
a unidade — irniia o espnito no seu movimento para a unificação
e para a estoNiidaete.
Para terem utn fundamento eficaz, essas observações exigiram
um a série de comentários que nào podemos sequer esboçar uqui.
Se lhes dedicamos algumas linhas é porque nos ajudam a compreen­
der. ao mesmo tempo, a tendência para a repetição/ d a l das hicro-
fanias e 0 papel extremamente importante que o simbolismo desetn-
penha na vida mágico-religiosa. Aquilo a que se poderi a chamar o
pensamento simbólico torna possível ao homem a livre circulação
através de todo; os níveis do real. ü v re cxrailaçüo é, aliás, dizer pou­
co: o símbolo. comosc viu, identifica, assimila, unifica planos hete­
rogêneos c realidades aparentemente iriedutivcis. Mais ainda: a ex­
periência mágico religiosa permite a transformação do próprio ho­
mem cm símbolo.
Todos os sistemas e todas as experiências antropocósmicas *ào
possiveisf nquanto o homern se toma. cie próprio, um símbolo. É
preciso acrescentar, todavia, que, neste caso, a sua própria vida é
consideravelmente enriquecida c adquire maior amplitude. O ho­
mem já não sc sente um fragmento impermeável, mas um cosmos
vivo aberto a todos os outros cosmos vivos que o rodeia m. As expe­
riências macrocósmicas deixam de ser para ele exteriores e, enfim,
"estranhas" c “ objetivas” ; das não o alienam de si mesmo mas,
pelo contrúiio. conduzcrr.-no a ele próprio, revehun-lhe a sua pró­
pria existência c o seu próprio destino. Os mitos cósmicos e toda
a vida ritual apresentam se assim como experiências existenciais do
homem arcaico: este último náo se perde, não sc esquece de si como
"existente” quando sc conforma com um mito ou intervém num
ritual. Pelo contrário, ek iecr.ccntra-sc e compreende-se. porque
esses mitos e rituais proclamam acontecimentos macrocósmicas, quer
dizer, antropológicos c, cm última instância, "existenciais” . Para
o homem arcaico tados os níveis do real oferecem uma porosidade
tào perfeita que a emoção sentida em presença de uma noite estrela­
da. por exemplo, equivale á experiência pessoal mais "intimista"
de um homem moderno, t isso porque, graças sobretudo ao símbo­
lo, a existência autêntica do homem arcaico não sc reduz à existên­
cia fragmentada e alienada do homem civilizado do n-osso tempo.
Conclusões

Se é certo, como adiantamos no começo deste nosso traba­


lho. que a maneira mais simples de definir o sagrado é ainda a
de opô-lo ao profano. a seqüência dos capítulos não deixou de
acusar a tendência da dialética hicrofânica para rcduzrr constan-
tcniente as zonas profanas e. no fim de contas, para aboli-l3s.
Algumas experiências religiosas superiores identificam o sagra­
do ao universo inteiro Para muitos místicos, a imegralidade do
cosmos constitui uma hierufania. "O universo inteiro, desde Bra­
ma ate um raminho dc planta, è as formas d'F£lc’\ exclama o Ma-
hânirvâna Ta/itra (II. 46). retomando uma fórmula indiana mui­
tíssimo antiga c bastante difundida. Este “ Fie", átman-Brahman,
manifesta-se por toda a parte: "H âm sa. ele reside no (Ccu) pu­
ro. (deus) brilhante c!c reside no éter, oficiante ele reside no al­
tar. hóspede cie reside na sua morada. Ele reside entre o homem,
reside no voto, reside na lei. restdc no firmamento.*’1 Que esta­
mos perante algo diferente de uma simples concepção qualifica­
da. com ou sem razão. dc "par.tcísla” , é o que sc prova com o
texto em que Lcon Bkvy fala do " ... mistério da vida que c Jesus:
Egosum Vita. Que a vida esteja nos homens, nos animais ou nas
plantas, c sempre a vida. e quando chega o minuto, o inapreensi-
vel ponto que se chama a morte, c ainda Jesus que sc retira, tan­
to de uma árvore como de um ser humano’’2.
É evidente que eslamos aqui em presença nào do “ panteís­
m o" no sentido corrente da palavra, mas daquilo a que se pode­
ria chamar "pan-omisnio". O Jesus dc Lcon Bloy, como o àtnian-
Brahman da tradição indiana, encontra-se cm tudo o que é, quer
dizer, cm tudo o que existe de maneira absoluta. E, como tive­
mos ocasião dc verificar por várias vezes, para a ontologia arcai-
374 7*4 T ADO DE HJSrôSlA IMS RFJ.IG1ÔES

ca o real c identificado sobrando s orna ‘'força' a uma " v i­


d a” , a uma fecundidade, a uma oixilência, roas também ao que
c estranho, singular — etr. outras palavras, a ludc o que existe
de maneira plena ou manifesta um modo de cxstcr.cia excepcio­
nal. A sacralidade é. em primeiro lugar, rtal. Quanto mais reli­
gioso c o homem, mais real clc c. c mais d e se desvia da itreali-
dade de um devir privado de significação. D ii a tcndrtxia do ho­
mem para “ consagrar" toda a sua vida As tiierofanias sacrali-
zam o cosmos, os ritos sacratizara a vida. Esta sacralizaçáo posle
também ser obtida de maneira indireta, isto e, p d a transforma­
ção da vida num ritual. A "fom e, a sede, a continência são no
homem (o que) a consagração é (no sacrifício), dikshà. A conti­
da, a bebida, o prazer correspondem paia ele ás (cerimônias cha­
madas) upasada: o riso, a boa mesa. o amor correspondem aos
cânticos e recitações (stiita-çàstra). A mortilicaçào (ta,’ms), a es­
mola. a honestidade, o respeito da vida (ahirnsâ) c da verdade
são nele as doações (feitas aos sacerdotes oílciantes)” , . Quando
abordarmos, no volume complementar, as articulações c a fun­
ção dos ritos, teremos ocasião de expor o mecanismo mediante
o qual as atividades fisiológicas podem transformar-se em ativi­
dades rituais. O ideal do homem teligioso é, evidcrtcmcntc, que
tudo o que ele faz se desenrole de maneira ritual ou, por outras
palavras, seja um sacrifício. Em qualquer sociedade arcaica ou
tradicional a obra da sua vocação consiste, para cada homem,
num sacrifício desse tipo. A esse respeito, todo ato se mostra ap­
to a tornar se um ato reliçloso, da mesma maneira que todo ob­
jeto cósmico se mostra apto a tornar-se unia hietofania. O que
é o mesmo que dizer que qualquer instante se pede inserir no
Grande Tempo e projetar o homem em plena eternidade. A exis­
tência humana realiza-se, pois, simultaneamente, cm dois planos
paralelos: o do temporal, do devir, da ilusão, c o d a aernidade,
da substância, da realidade.
Por outro lado, há que considerar uma tendência contrária,
a da resistência ao sagrado, resistência que se manifesta no pró­
prio âmago da experiência religiosa. A atitude ambivalente do ho­
mem perante um sagrado que simultaneamente atrai e repele é
benéfica e perigosa, tem a sua explicação não só na estrutura am­
bivalente do próprio sagrado, mas ainda nas reações naturais que
o homem manifesta perante esta realidade transcendente que o
atra: e aterroriza com idêntica violência. A resistência firma-se
mais nitidamente quando o homem se vê colocado perante uma
CONCLUSÕES 375

solicitação total do sagrado, quando cie é chamado a tomar a de­


cisão suprema: 3dotar, completamente e sem recuar, os valores
sagrados ou manter-se em relação a eles numa atitude equívoca.
Esta resistência ao sagrado tem como correlato, na perspec­
tiva da metafísica existencial, a fuga à autenticidade. Ao profa­
no, à ilusão ao não-significante, responde, sempre na mesma pers­
pectiva. o plano do “ geral". O símbolo da “ marcha para o cen­
tro” traduzir-se-ia no vocabulário da metafísica contemporânea
pela marcha para o centro da sua essência própria e pela saída
da inautcnticidadc- Acontece que essa resistência a uma confis­
cação radical de toda a vida pelo sagrado se manifesta até no seio
das igrejas: não é raro que estas tenham de defender o homem
dos excessos das experiências religiosas, cm especial das experiên­
cias místicas e do perigo de uma abolição da vida laica. Estes ca­
ses de resistência, cuja análise se fará no volume complementar,
denunciam, cm certa medida, a atração exercida pela “ história” ,
a importância crescente que tendem a adquirit, sobretudo nas re­
ligiões “ evoluídas” , os valores da vida humana, entre os quais
há que colocar, em primeiro plano, a aptidáo desta vida para es­
tar na história e pata fazer a liístói ia. Mencionamos a importân­
cia que os valores vitais têm tomado até nas fases mais antigas
da religião: lembremos a passagem a primeiro plano das divin­
dades dinâmicas, organizadoras e fecundantes (g 26). No decur­
so dos tempos, a atração exercida pelos valores vitais não deixou
de aumentar, cm especial sob a forma de um interesse cada vez
mais vivo pelos valores humanos como tais e, cm última instân­
cia, pela história. A existência do homem como existência histó­
rica adquire um valor, se nào imediatamente religioso, pelo me­
nos “ irans-lmmano". Examinaremos no volume complementar
até que ponto u "história” c suscetível de ser sacralizada c cm
que medida os valores religiosos foram historicizados. Mas po­
demos sublinhai desde já que a "nostalgia do Paraíso” e os "d u ­
plos fáceis” das experiências c símbolos religiosos principais nos
assinalam já cm que direção poderia ser encontrada a solução do
problema. Porque essa “ nostalgia” c esses “ duplos fáceis" de­
monstram tanto a repugnância natural do homem histórico a
abandon a r v lotalntciite ã experiência sagrada como a sua im­
potência a renunciar definitivamcntc a uma tal experiência.
No presente volume evitamos estudar os fenômenos religio­
sos na sua perspectiva histórica, limitando-nos a tratá-los cm si
mesmos, isto é. como hicrofanias. Por isso, a fim de elucidar-
376 TR A TA D O D E H ISTÓ RIA D A S RELIGIÕES

mos a estrutura das hicrofanias aquáticas, permitimo-nos apre­


sentar paraklamente o batismo cristão, por um lado. c. por ou­
tro, os mitos c os ritos da Oceánia, da América ou da Antiguida­
de gieco-oi iental, fazendo abstração de tudo o que OS separa, quer
dizer, numa palavra, da história. Na medida cm que a nossa aten­
ção se dirigia dirctamcnte ao problema religioso, ignorar a pers
pectiva histórica justificava-se por si mesmo. Não h á dúvida de
que — desde as primeiras páginas desta obra o reconhecemos —
não existe hicrofania que não seja "histórica" a partir do mo­
mento em que se manifesta como tal. Pelo simples fato de o ho­
mem tomar conhecimento dc uma revelação do sagrado esta re­
velação, qualquer que seja o plano cm que se realize, torna-se
histórica. A história intervém desde que 0 homem experimenta,
segundo a inspiração das suas necessidades, o sagrado. A mani­
pulação c a transmissão das hicrofanias acentua ainda a sua "his-
toricização” . No entanto, a sua estrutura não deixa por isso dc
ser idêntica a si mesma e c justamente a permanência dessa estru­
tura que pcrrmtc conhecê-las. Os deuses do Céu podem ter sofri­
do inúmeras transformações: a sua estrutura celeste não deixa dc
ser o seu elemento permanente, a constante da sua personalida­
de. As fusões c as interpolações que sobrevêm numa figura divi­
na da fecundidade são, talvez, numerosas: a sua estrutura telúri­
ca c vegetal nunca é por isso destruída. Mais ainda: não existe
uma fornia religiosa que não tendu a aproximar-se o mais possí­
vel do seu arquétipo próprio, quer dizer, a purifícar-sc dos seus
aluviões c dos seus sedimentos ‘'históricos” . Qualquer deusa tende
a tornar-se uma Grande Deusa ao incorporar todos os atributos
c funções que o arquétipo da Grande Deusa comporia. Dc modo
que podemos registrar já uni duplo processo na história dos fa­
tos religiosos: por um lado, um aparecimento continuo e fulgu­
rante dc hicrofanias c, por conseguinte, uma fragmentação ex­
cessiva da manifestação do sagrado no cosmos; por outro lado,
uma unificação dessas hicrofanias [>or efeito da sua tendência ina­
ta para encarnar o mais perfeitamente possível os arquétipos e
para realizar assim plcnamcnlc a sua estrutura própria.
Seria um erro ver no sincrelismo apenas um fenômeno reli­
gioso tardio que só poderia ter resultado do contato* entre diver­
sas religiões evoluídas. O que sc chama sincrelismo observa-se
inintcrrupiameme em iodo o curvo da vida religiosa. N ão há gê­
nio agrário rural nem deus tribal que não seja o resultado dc um
longo processo de assimilação c dc identificação às formas divi­
CONCLUSÕES 377

nas vizinhas. Há que .sublinhá-lo desde já: essas assimilações e fu­


sões náo podem ser imputadas exclusivamente às circunstâncias his­
tóricas (interpenetração de duas tribos vizinhas, submissão de um
território, etc.); o processo opera-se em virtude da própria dialéti­
ca das hicrofanias: quer ela se ache ou não em contato com uma
forma religiosa análoga ou diferente, uma hicrofania tende, na
consciência religiosa daqueles a quem ela se revela como tal. a
manifestar-se o mais totalmente, o mais plcnamentc possível. As­
sim se explica um fenómeno que se verifica de uma ponta a outra
da história das religiões: a possibilidade que toda a forma religiosa
tem de sc desenvolver. de se purificar, de sc enobrecer, a possibili­
dade pai a um deus tri bal. por exemplo, de se tornar, graças a uma
nova epifania, o deus de um monoteísmo, ou para uma humilde
deusa rural de se transformar em “ mãe do universo".
Todos esses movimentos aparentemente contraditórios, de uni­
ficação c de fragmentação, de identificação c de separação, dc atra­
ção c dc resistência ou de repulsão, poderão ser mais clarantente
apreendidos quando, examinadas as diferentes técnicas dc aproxi-
maçãoede manipulação do sagrado (preces, oferendas, ritos), pu­
dermos atacar o problema da história dos fenômenos religiosos.
Reservamos este estudo para um volume complementar. I)c mo­
mento, ao terminarmos este. hmitar-nos-cmos a afirmai que qua­
se todas as posições religiosas do homem lhe foram dadas desde
os tempos primitivos. De certo ponto dc vista, não existe solução
dc continuidade entre os primitivos c o cristianismo. A dialética
da hierofama mostra-se idêntica, quer se trate de um churinga aus­
traliano, quer sc trate da encarnação do Logos. lim ambos os ca­
sos, achamo-nos diante dc urna manifestação do sagrado num frag­
mento do cosmos: aqui como ali se acha implicitamente posto o
problema da “ personalidade" e da "impcrsonalidadc” da epifa­
nia. Vimos que no caso das hicrofanias elementares (mana. etc.,
§ S) nem sempre dispúnhamos de um mc:o dc determinar sc nos
encontrávamos perante uma revelação do sagrado cm estrutura pes­
soal ou impessoal: quase sempre as duas estruturas coexistem, vis­
to que o primitivo se preocupa muito menos com a oposição
"pessoal impessoal" doque com a oposição "real (poderoso, etc.)-
irreal". Teremos ocasião dc voltar a encontrar essa mesma polari­
dade. a propósito dc inúmeras fóimulas. nas religiões c nas místi­
cas nrnis "evoluídas’*.
Sc as principais posições religiosas foram assim dadas de uma
vez para sempre a partir do momento em que o homem tomou cons-
37S TUA TA DO DF. HISTÓRIA D AS H E I iC IÕES

ciência da sua situação existencial no seio do universo, isso r.ão


quer dizer que a “ história” não tenha nenhuma import&r.cia pa­
ra a experiência religiosa em si. Pelo contrário. tudo o que se peo-
duz na vida do homem, mesmo na sua vida material, letrt tam ­
bém ressonância na sua experiência religiosa A descoberta das
técnicas da caça. da agricultura, do metal não se limitou a modi­
ficar a vida material do homem: ela fecundou, além disso — c
talvez de maneira ainda mais considerável —, a espiritualidade
humana. Foi assim que a agricultura permitiu toda uma serie de
revelações que não poderiam produzir-se nassodctiaccs pré agrí­
colas. Bem entendido que as modificações econômicas c sociais
c, cm última análise, os acontecimentos históricos n io podem,
por si sós, explicar os fenômenos religiosos como tais. mas as
transformações operadas no mundo material (agricultura, meta­
lurgia) abrem ao espirito novos meios de abarcar a realidade. E
pode-se dizer que. se a história fez pesar a sua influência sobre
a experiência religiosa, c no sentido de que os acontecimentos ofe­
receram ao homem modos inéditos e diferentes de ser. de desco­
brir a si próprio c de dar um valor mágico-religioso ao universo.
Citaremos apenas um exemplo: um dos elementos fundamentai*
d a revolução religiosa empreendida por Zarathustra foi a soa opo­
sição aos sacrifícios sangrentos de animais4. li evidente que atra­
vés dessa atitude transparece, entre outros, o interesse econômi­
co de uma sociedade que evolui da vida pastoril para a vida agrí­
cola. Mas esse acontecimento histórico foi valorizado por Zara-
thustra num sentido religioso: a abolição dos sacrifícios sangren­
tos tornou-se, graças a ele, um meio de disciplina e de elevação
espiritual; a renúncia a este tipo de rito abriu uma nova perspec­
tiva â contemplação; em suma, o acontecimento histórico permi­
tiu uma experiência religiosa inédita c a descoberta de novos va­
lores espirituais. Ú desnecessário dizer que a evolução pode se­
guir uma marcha inversa e que elevadas experiências religiosas
das sociedades primitivas foram se tornando de cumprimento cada
vez mais difícil após modificações que a “ história” introduziu
nestas sociedades. Em alguns casos — a expressáo não c exage­
rada — pode-se falar de verdadeiras catástrofes espirituais (por
exemplo, a integração das sociedades arcaicas no circuito econô­
mico das sociedades colonialistas scmi-indiistriais).
Mas, se a história é capaz de promover ou de neutr alizar no­
vas experiências religiosas, não consegue nunca abolir definiti-
vamente a necessidade de uma experiência religiosa. Mais ainda:
CONCLUSÕES 379

a dialética das hierofnnias permite a redescoberto espontânea c


integral de todos os valores religiosos, quaisquer que eles sejam
c qualquer que seja o nível histórico em que possam encontrar-se
a sociedade ou o indivíduo que realiza essa descoberta. A histó­
ria das religiões vê-sc, a«im , rcduzrda, em última análise, ao dra­
ma provocado pela perda c pela rcdcscoberta desses valores, per­
da c rcdcscoberta que nfto sâo nunca, que não podem mesmo nun­
ca ser, definitivas.
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I. Aproximações: estru tu ra t morfologia do sagrado

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1914, p p . 3 3 5 -7 3 ); R . R . M A R E T T . Preantmisnc Religion ( “ F o lk ­
lo r e " , 9 . I*XX>. p p . 162-82); id.. Threshold o f Religion iLondics. 1909,
2* e d .. 1914); J . A B B O T . The Keys o f Power. A Study of Indian
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BlBU O O RÄflA 385

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und Manu (“Archiv f. Rcligionswiss.". vol. 29. 1931); V. GRON-
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gnp In / eile en TaoI der Romeineri ( A m s te r d ü , 1941, trad, injtkxa,
Roman Dynamism. Oxford, 194T); H. VAN OER VALK, Zum Horte
ouice (“ Mnemosyne", 1942, p p . 133-40); H . J E A N M A IR E , Issubs-
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Maire religieux ("Revue des Etudes Grecques*’, vol. 5 8 . 1945, p p .
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SIR JAMES GEORGE FRAZER. The Golden Rough. .4 Study in Com­
parative Religion (3? cd., 12 vols., Fondre». 1911 s ; trad. fr.. Paris,
1923-35, 12 vols., ediçâo resumida. Le rameau d ’or, Paris. 1924); | | .
HUBERT c MARCEL MAUSS, Esquisse d'une théorie générale de
lu magie {“Annie sociologique", 1902-1903, vol. V||,pp. 1-146); ui.
Origine des pou vôtres magiques {Mélanges d'histoire des religions,
Paris. 1909, pp. 131-87); A. VIERKANW. Die Anfänge der Reli­
gion und Zauberet ("Globus", vol. 22. 1902. pp. 21-5, 40-5. 61-5);
E. S. HARTLAND, The Relations of Religion and Magic (tepuhli-
cado cm Ritual and Relief. Studies in the History of Religion, Lon­
dres. 1914); CARL CLEMEN, Wesen und Ursprung der Magie ("Ar­
chiv fur Religions psychologie". 11-111. 1921. pp. 108-35); A BER-
THOLE T. Das H V sen der Magie ("Nachrichten d Gesell d. W issen d ! •
2J Got: ingen", 1926-27. Bei lim. 1927); B. MALINOWSKI. Argo-
nauts of the Western Pacific (Londres. 1922. pp. 392 463: magia e
f.u!a, o verbo migico, etc.); id . Coral Cardens (I ondres. 1935; II,
214-JO: "An Ethnographic Theory of Ibe Magic Word' ). R. At.LII-R.
l x non-civilisé er nous (Pans. 1927); id.. Magie el religion (Paris.
1935); F DE MARTINO, Pervezione exlrasensoria.'e e matismo el-
nologuo: C. H. RATSCHOW . Magie und Religion (1946); F.. E.
fcVANS-PRIFC’l IARD. The Morphology und function of Magic: A
Comparative Study of Trobnandand 7aide Rituals anil Spell* ( " Ame­
rican Anthropologist” , vol. 31, 1929, pp. 619-41); E O. JAMES. The
Beginnings o f Religion (L o n d r e s . 1948).

II. O Céu: d e th » u ra m anos, ritos e sím bolos celestes

Estado dos problemas e bibliografia

O problema do deus celeste das populações menos civilizadas fyj


apet ientado sobretudo em rclacâo aos seres supremos e ao "monorcis-
rao prirr.irlvo” . Por conscqiWncia. a maioria do» trabalhos acima cita­
386 ffA I a D O O E H IS T Ó R IA D A S R E U G IÔ E S

do*. estudam os teres na *»a lot-alidade. core ‘'formas'’ divinas, c só


subsidiariamente »c ocupair »k* **•* caracteres celestes (corn exceçlo.
cnlcr.da-sc. dos Iwos tit Patauuoai e dr Fraeer. quo ten*, precisamcnte
como objeto a soa ilustração oaustivai.
Estudos de conjunto icbrc o> sere« supremos primitivos: R. I’ET
TAZZONI. Allwissendehöchste Wesen bei primitivsten Völkern ("Ar­
chtv i. Religionswissenschaft", vol. 29. 1930. pp. 10S-29. 21» 43); C,
CLEMEN, DersogenartK/eMowRhevsntusder Primithen (ibid., vol. 28.
1929. pp. 290-333); RETTAZZONI. S/22> efi storio del/,- religion, c di
mitologia (Roma, I946),pp. XII ss.. I ss.; a., L'or.niscteniudi Dio (To­
rino, 1955; trad. Inglesa. Lcrdrc*. 1956); ia.. L'Esxre supremo nelte
rehgioni primitrie (Torino, I9J7|.
Sobrc Baiatnc: A. W. WOWITT. Tie Seine Trifles o f South-Fast
Australia (I ondtes. 1904). pp. 762 « .. *66 ss.; PETTAZZONI. Dio. I
(7.'tsscre Celeste netie credence do poprjti p-.ir.itht. Roma. 1922), pp.
2 ss.; X. SCHMIDT. Dir Urrf-rung Oer Gottesidee, vol. I, 2* cd. (Muns­
ter. 1926). pp. 416-118; ik , to:. Ill {Múuur. 1931). PT 828-990. corn
documentação complementar.
Sobrc Duramulf.n: HOVvITT. S'atn-e Tribes. 494 528 ss.; PET-
TAZZONI. Dm , 6 ss.; SCHMIDT, I. 410 ss.; 111. 718-827.
Sobrc Bundjil; R. II. MA THEWS, F.thrrAogica! S o fa on the Abo­
riginal Tribes o f Sew South Wales und Victoria (Sidney, 1905). pp.
84-134, 162-71; A. VAN GENNIlP. Myihts et legendes tJ'Aulrahe (\*n
Iis, 1906), pp. 178 ss.; PEITAZZONI. Dio, 16 ss.; SCHMIDT. I,
337-380; 111, 650-7l7 (que ter,la distinguir entre a história de Bundjil c
as suas transformações no mito).
Sobrc Munjan ngaua: HOWIFT. Native Trikes, 616 ss.; PETTAZ
ZONE 14 ss.; SCHMIDT, Ursprung. I. 380-97; III, 591-649. (Schmid!
considera Mungan ugata como o scr supremo australiano que menos
sofreu as influencias Ua mitologia naturisra.)
Para as controvérsias n respeito das :r:bos arand.i e loritja: W.
SCHMIDT, Die Stellung der Arawia unter àtn atnahsehen Stammen,
"Zcitschr. f. Ethnologie", 1908, pp. 866-901; Ursprung, I. 434-49; cf.
A. W. Nieuwenhuis, Der Geschlechistoietnismus ansieh und als Basis
der llci'atsklassen und des Gruppentoicmismus in Australien (••Inter­
nationales Archiv, f. Ethnographie” , vol. 29, 1928, pp. 1-321: contra:
SCHMIDT. Ursprung, III, 574 X6, e E. VATTER. Deraustralische To­
temismus ("Mitteilungen aus dem Museum Völkerkunde in Hamburg",
X. 1925). cspec pp. 28 vs., 150. A polémica A. l-ong-llaatland. em tor­
no do livro dc A. l.ang. The Making o f Religion (Lnndtes. 1898); HAR-
TLAND, The "High Gods" o f Australia ("Folk-Lore". vol. 9. 1908,
pp. 290-329); A LANG. Australian Gods (ibid., vol. 10, pp. 1-46); HAR-
TI.AND. High Gods a Rejoinder. Ibid., pp. 46-57; n icsptMa de A Lang.
ibid., 489-93. Longa análise critica de W. Schmidt. "Anthrópos", 111,
1908. pp. 1081 107.
B IB LIO G R A FIA 387

Puluga. E. H . M A N . On tke Aboriginal Inhabitants o f lhe Andaman


Islands (Londres. 1SS3); A . R. BROW N. The Andaman Islanders (Cam-
bridge 1922); um-i longa polêmica sobre a existência do sct .supremoentre
os andair.ancscs sc trav o u entre o padre W. Schmidt e A. R. Brown na
revivia Mon {XX, 1910, p p .2 ss.; 66 is.; 84 ss.); cf. W . SC H M ID T. S/W
lung der Pygmaensólker (S tuttgart. 1910. pp. 193 219; 2-1 67); id., Pie
Rehgiòsen Verhàhnisse der A ndamanesen-Pygmacn (" A nt hropos’’. v ol.
16-17, 1921 -22. pp. 97tt- 1005); id., Ursprungder GoUestdee, vol. 1. 2“ ed..
pp. 160-3; exposição dc conjunto. PETTA ZZO N I, Pio, l, pp. 92-101;
SCHM IDT, Ursprung. III. pp. 50-14}. que sc esforça por distinguir as
características de P u lu ça das influências exteriores (naturism o, anim is­
m o. magismo; o m a triaren d o . a mitologia lunar; de fato, Brown nào en­
controu entre os andam aneses do norte c d o c c n tro nenhum indicio de um
sei suprem o, mas som ente um a religião de estrutuia m atriarcal, o culto
dc Biiika; no passo ijuc estão confirm adas noticias de Man sobre Puluga,
no sul da liha). M as convirá ler a c rltk a dc Pcttazzoni. L 'onniscienza di
Pio, pp. 43? ss.
Sobre os pigm eus semang: P. SCHEBESTA, Religiose Anvhauun-
gen der Semang Ubcrdie Orang hidop, die "Unstcrblichen” ( “ A rch. f.
Religionswiss.". vol. 24. 1926. pp. 209-33); id.. Hei den Unvaldgwergen
t on Malaya (Leipzig, 1927); id., Orang Ulan. Bei den Urwaldmenschen
Mahyasund St/m a/suf(Leipzig, 1938):id . Lcs Pygmees (uad .fr .. Paris,
1940), pp. 93 ss.; exposição de conjunto. PF.TTAZZONI, Dio, 101 18;
id., ! 'onniscienzadr Dio. pp. 453ss.. SCHM IDT. Ulsprung, III, 152-279.
Sobre negritos d a s Filipinas; M O RICE VANOVERBERGH. AVg/f-
ros ofNorthern Luzon (" A itth io p o s", vol. 20.1925. pp. 148-99; 399-443;
sobre a vida religioso, pp. 434 ss ); SCHEBESTA, Les pygmees, 145 ss.;
cf. tam bém X. W. SK EA T e O . BLAGDEN. Pagan races o f the Malay
Peninsulo(L ondres. 1906); R. PE TTA ZZO N 1, L "onncscienzadi Dio, pp.
471 ss.
Sobre os deuses- edestes da Africa: exposição dc conjunto. PETT AZ-
ZONI. Dio, 186-259; SIR JAM ES FRAZER. 7 he Worship of Sature (l xsn-
dres, 1926). 89-315 (houveum a trad, franc., tem notas, cm \92~: LcsDieux
du Ciei): W. SCHM ID T. Ursprung. vol. IV; Diereiigionender L'rvolker
Afrit at (MUnster. 1933; cf. tam bém vol. I, pp. 167 ss .) vo). V II, 1940,
PP. 3 605,791-826;v o l. VIII, 1949, pp. 569-717; vol- X II, 1955,pp. 761-899;
M G R A . l.E ROY. La religion despriinittfsfl ‘ cd .. P aris. 192J); EDW IN
W . SM ITH , African Ideas o f God {l.ortdtct, 1950); cf. também R. PET-
TAZZON I, Miti e Lrggende, vol I (T o n n o , 1948) pp. 3-401.
J. SPIE T H , Dee Religion der Eweer (“ G ottingen ct Leipzig. 1911);
A . C . HOLLIS. The Masai {Oxford, 1905). pp. 264 E . W . SM ITH
e A. M. D A LE. The Ha— Speaking Peaking Peoples o f Xorthern Rhode­
sia (Londres, 1920). v o l.l l.p p . !9 $ ss.;L .T A U X IE R .L u reftg io n b o /rt-
bara (Paris. 1927). pp. 173 ss.
Sobre Nxambi (e contra a afirm ação dc P c tta n o r.i, p . 210, dc que
388 T R A T A M O K H IS 7 Ó * IA I M S R K U O IÕ ES

ele é indiferente aos assuntos humanos), ver tanibint: J. VAN WING,


L ‘Eire Supreme des Bakonfo ("Rev. Sciences Rehs t. X, pp. 170-SI).
Sobre os pigmeus da Africa. H. 1 KIELES, Les pyt.su'es dt la.forêl
érjuatoriole (Paris. 1932); Ul., L 'dme dupygmie J'AJrupje (Paris, ISMS);
'V. 1MMENROTH, Kultur u. t Umreit der Kltrtnüekjigen in Afrika
(Leipzig. 1933). cspec. pp. 153 ss.. SCHhBESIA. Lespy&vtes. pp. 13 ss.
W. WANGER, The Zulu notion oJG odV Ar.tlwor«", I92S. pp.
574 ss.). julga poder ligar o nome rie UrkuVmkuli ;i *ni prorótipo su
inírio. AN-ggal-çal (o Zulu un c idêntico ao sumíiio an. anu, ••heaven",
"God in Heaven"). GEO WIDENGREN. /fiHr^oiigtcuhe ini Allen Inin
(Uuppsala-Lcip7ig. 1938), pp. 5-93. fornece trnterurs copiosos (extra­
tos da rica bibliografia ctnogiáfica) sobre osocuscs celestes afucanos,
que compara aos deuses supremos iranianos.
Sobre as religiões da Indonesia e da Vdanesi»:
PETFAZZONl. Dio. 109 $5; CODRENGTON. TTte Melanesians
(Oxford, 1891), passim; A. LAMí, The MaKuig o! Redigam (3 * cd.,
19051. PP 200 ??.: ROl AND B DIXON, O c w ic M^Põlosy (Bôtton.
1916). passim; H. SCHÄRER. Die Goitesuieetkr Sped}* Da.iak m Sud-
Berr.eo (l.eiden, 1946), pp. 15 » ., 175 s*.
Sobre íangaroa. cf. E S. C. HANDY, Pchnesicn Rclifon (Ho­
nolulu, 1927), pp. 144 ss.. e passim; R. \V. W1LI I.A.MSON, Religions
and Cai mir beliefs o f Central Polynesia (Cambridge. 1933).
Sobrc Yehfaz: SIXTUS WALEESGR. ReUgioxAnstbauunt.cn und
Geleraitche der Reuvhner von Jap, DcuiM-heSUdsce ("Arilliropos". vol.
8. 1913, pp 607-629, etc.), espcc. pp. 613 si.
Sohie o culto c os mitos dc lo, ver E. S. CRA1GHI1.L HANDY,
Polynesian Religion, pp. 36 ss.. Id. The Hawaiian Cull o / lo ("The Jour­
nal of the Polynesian Society", vo|. 50. 1941, pp. 134 59); P. KENNETH
EMORY, Ihe Hawaiian liod lo (Ibid., vol. Í1. 19-12. r.f 3).
.Sobre o par mitico Céu-Terra, vet F. KIIC'HI NIJMAZAWA, Die
Hcllanfangc in der japanischen Mythologie (Eurem, I 946) e a biblio­
grafia do cap. VII.
Sobre os deuses do Céu na América do Notts':
PETTAZZONI, Dio. I. 260-323; R. DANGE1. Tiraisw. der Höchste
Gott der Pawnee (“Archiv f. Rciigionsivlsscnschaft". 1929. pp. 113-44);
W. SCHMIDT, Ursprung, II (Münster, 1929), 21 -326 (as tribos da Cali­
fórnia Central), 328-390 (os Indios do noroeste), 39I-S72 (os aljonki-
nos); sol. V, 1937. pp. I 773, vol. VI, pp. 167-207. Exposição dc con­
junto do mesmo autor: W. SCHMIDT, High Gods in North America
(Oxford, 1933); R. PETTAZZONI. Mittet l eggende, vol. Ill (Torino,
1953), pp. 38 sä.
Sobre ns divindades supremas na América do Sul: PETTAZONI,
Dio. 324-48 (contra: W’. KÖPPERS, Unter Feuerland Indianern. Stutt­
gart. 1924. pp. 139 157). SCHMIDT. II. (os md.os da Tara
do Fogo, especialmente segundo as pesquisas de Gam ide c Köppers);
MBL IOC RA EIA 389

M. G U S IN D E . Die Feuerland Indianern. Bd. I. Die Se/k’nam (.ktüdhng


bei If 'ten. 1931). Bd. II. D re Yanutna (ibid.. 1937); W . K Ö P P E R S . Sur
l 'origine de l 'idée de Drei/ A pro/xjs de lu croyance en Dieu chez 1rs in­
diens rie ta Terre de l eu (“ N ova cl V etcra” . F n h u rg o , 1943. pp. 260-91);
id.. Die EmbtsieeUung Amerikas im Uchte der teuer land Forschungen
("B u ll, d Schw eizerischen G e se lls c h a ft f. A n th ro p o lo g ic u. E th n o lo ­
gic” . vol. 21. 1944-45. p p . 115).
Os volumes II, V c VI do Ursprung der Coiiesidee de WILHELM
SCHMIDT contêm uma boa bibliografia c um vasto repertório dos fa
los religiosos relacionados com as culturas arcaidas das duas América».
Cf. Ursprung, vol. V. pp. *22 ss.. 716 ss.; vol. VI, pp. 520 ss. Mas ver
Iambim J. NI. COOPER. The Northern Algonquin Supreme Being ("Pri­
mitive Man". 1933. pp. 4| c 112). c R. PETITAZZONI, SUtiet Legten-
de. Ill, o pec. pp. 337 ss.
Sobre as religiões das culturas ànkas; xtstas tie conjunto,
SCHMIDT. U rsprungder Gottesidee. vol. III. pp 541 M: vol. VI. pp.
70-5, 274-81, 444-54; A. GAUS, Kopf-, Schädel-und Langknochenop-
fer gei Rentier-Völkern ( If. Schmidt-Festschrift, Wien. 1928. pp. 231-67).
Sanioiedos: A. CASTRES, Krisen im Norden in den Jahren,
1838-1844 (Leipzig. 1853). pp. 229 233; T. LEHTISAl O. Entwurf ei­
ner Mythologie der Jurak-Somoveden ("Mémoires de la Soc. Finno
Ougiienne", vol. 53. 1924); K DONNER. Bei den Samojeden in Sibi­
rien (Stuttgatd, 1926); expossydo, vista de conjunto c documentação com­
plementar cm W. SCHMIDT. Ursprung der Gottesidee. vol. III. pp.
34044.
Koryaks: 'V. JOCHELSON. The Toryak, 2 vols. (Leiden New York.
1905 1908; vol. VI da Jesup North Pacific Expedition); A. CZAPl.IC-
KA, Aboriginal Siberia 4 Study in Social Anthropology (Oxford. 1914),
espcc. pp. 261-69. 294 96; SCHMIDT. III. 387-426.
Ainus; J. BATCHELOR. The A:nu and their Folk l ore ( Londres,
1901); J. L0WENTHAL, /.urn Ainu-Problem ("Mitteil. d. Anthropo-
log. Ges. in W en", vol 60. 1930. pp. 13 9); DR. L. STERNBERG. The
Amu Problem ("Anthropos". vol. 24. 1929, pp. 755-801); SCHMIDT,
Ursprung. III. 427-92; cí. também: THOMAS OHM, Die Htmmelsve
rebrung der Koreaner ("Anthropos". 1940 41. vol. 35 36. pp 830-401.
Esquimós: FR. BOAS. The Central Esquimo (Cah Annual Report
of the Bureau of American Ethnology, 1884-85, Washington, IS88. pp.
409-670); KNL.'D RASMUSSEN, Intellectual Culture o f the Iglulik Es­
kimos (Copenhagen, 1930); id.. Intellectual Culture of the Caribou Es­
kimos (ibid.. :93l); FR. BIRKET-SMI H i. L'ebrr die Herkunft drr Es­
kimo und ihre Steifung m der /Clrkum/x/larcn KulturenIsmcklung ("Anth­
ropos", 25, 1930, pp. 1-23); W. THALBITZER, Die KulUithcn Ool-
theiten der Eskimos ("Archiv, f Religionswissenschaft” , 26. 1928, pp.
364430); SCHMIDT. Ursprung. III. 493-526.
390 TRATADO DE HISTÓRIA DAS RELIGIÕES

Ugrianos e turco-mongóis: K. F. KARJALAINEN. Die fteiigfc* der


Jugro-Volkcr, vo) 1-IH (Porvoo-Hclsinki, 1921, 1922. 1927; FP Com-
tnutiicacions Nr. 41. 44. 63>; Uno HolmNrrg-Harva, Die Religion der
Tcheremiven (Porvoo, 1926. FFC Nr. 61); ui.. Sibenun Mythohgy (“Tbc
Mythology of all rares", voí IV, Boston. 1927); id.. Du! Religiösen l'ors-
Leitungen der aituischen Volker (Helsinki. 19)9. FFC Nr. 125); \V.
SCHMIDT, Das Himmclsopfer hei den innerasiatischer. Pferdezuchter
Völkern (“Elhnos” , vol. 7, 1942, pp. 127-48); id.. Ursprung der üotie-
shlee. vol. IX (1949). pp. 3-67 (pr otoiureos). 71-454 (tártaros alta cos).
•457-794 (tártaros abskan); vol. X (1952). pp. I 138 (moegóis). 139-470
(bunatasi. 503-674 (tonguses). 675-758 (yukaghiiu): vol. XI (19541. pp.
1-398. 565-707 (yakutes). 399-467 (karagassc? c soycecs), 469-564.683-712
<ycr.isvcianos). W. Schmidt resumiu os scus poatoi de vbta sobre as rcli-
$tòcs dos povos pastores da Ásia Centra! nos volumes XI. pp. 565-704,
« XII, pp- 1-613; JOSF.F HAECKEL, Idolkult und Dualsystem hei den
Utguryn Tum Problem tltscurasioiiscken Totemismus (“Archiv f Völ­
kerkunde". I. Wien. 1947. pp 95-163).
Sobre Ulgen. W. RADl.OFF. Prober, der Vólksliteralur der türkis­
chen Stamme, 1 (São Perasburgo, 1866). pp. 147 ss.; M. ELIADE, Le
ehamuntsrne ei les teehniquesarchaitjues de l'extase (1951). pp. 175 ss.;
W. SCHMIDT. Ursprung, vol. IX. pp. 172-215.
Sobre os elementos lunaies ein Ulgen (e o seu duplo. Erlik), cf. W.
KÖPPERS. Pferdeopfer uw! Pferdekuh der buhgermanen (‘‘Wiener Bei­
trage «ir Kultutgesehichte und Linguistik", vol. IV; Salzburg- l^ip/ig,
1936. pp. 279-412). pp. 396 ss.; J. HAECKEL. op. eil., pp. 142 ss.
Sobre o culto de Tcnre entre os nômades de Kan-su, ei. P. MAT­
THIAS, Uiguten und Ihre neuentdeikicn Nachkommen ("Anthropos",
1940-41, vol. 35-6. pp. 7$ 99), espec. pp. S9 ss. (Tcnre é designado por
Xan Teure, o "Imperador do Céu” , ou simplesmente Tente. "Céu".
E criador do universo, da vida, do homem, p. 89. Ofcreecm-lhe .sacrifí­
cios. p. 90.)
N. PALLISEN, Die alle Religion des mongolischen Volkes H-’hh-
rend der Hersehafl der Tsehlngtsiden ("Micro-Btbliothcca Anlhropos",
vol. VII. Freiburg. 1953).
KAI DONNER. Lieber sothdiseh nom "Gesetz", undsamojedisch
noin "Himmel, Holt" ("Studta Oricntalia". I. Helsinki. 1925, pp. 1-6).
Mas ver também SCHMIDT, Ursprung. III, pp. 505 ss.; M. ELIADE,
Le chamaneune, pp. 2>% ss.
O deus cctcstc chinês; J. J. M. DE GROOT, The Religion of ike
Chinese (Nova York, 1910). pp. 102 MARCEL GRANET, La reli
gion deschimus (Patts. 1922). pp. 49 ss. Segundo F.. Cliavaimes, Chang-li.
o "Senhor supremo", o T’ien. o "Céu", teriam oríginariamente desig­
nado dois seres divinos diferem« (um pouco como Uranos e Zctis); cf.
l.e dieu du sol dans Pancienne rehgion chinoise ("Rev. Hist. Rclig.” .
101, vol. 43, pp- 125-46). Sobtc Cham-ti. cf. também N. SÖRDER-
M B IIO O K A F f A 391

BLOM, Das Werden des Gottes gtaubens (Leipzig, 1916), pp. 224 ss.,
que pöc admiravelmente ein evidincia os caracteres não naturistas do
amigo deus chinís. Vcr: W EBERHARD. “ Anthropos". vol. 37-40,
1942 1945. p. 977. sobre os trabalhos recentes. Ci. R. PETTAZZONI.
L'onniuienza dt Dir), pp. 400 ss.
Sobre uv relações pré-históricas enirc os picxotuicos e o Oriente Pró­
ximo: MAX EBERL, Reallexlkon der Vorgeschichte, vol. XIII, pp. 60
is., G. HERMES, Das gezähmte Pferd im alten Orient (‘‘Anthropos",
vol. 31, 1936. pp 364-94); \V. AMSCHLER, Die Ältesten Funde des
Hauspferdes ("Wiener BclUüge", IV. pp. 49$ 516); E. HERZFELD. Völ­
ker und Kidturzusam menhange im Alter, Orient ("Deutsche Forschung",
H. 5. Berlim, 1928. pp. 33-67). cspcc. pp. 39 m .; W. KÖPPERS, UrtUr-
kenturn und Unnrfogertnanentum in Lkhtc der völkerkundlichen
Universalgeschichte ("Belletcn", n? 2 den ayri bäum. Istambul, 1941,
pp. 481-525), pp. 488 « . Mas cf. também A. M. TAI.LGREN, Thecop-
per idols front GaUch and thelr relatives ("Studia Oricntalia. I, 1925,
pp. 312-41).
Sobre ns relações entre os prorotuicot e os indo^uropeiis. v. o es­
tado da questão nas duas ricas memórias de KOPPEKS. Die Indoger­
manenfrage mi Liehte der historischen Vòtkerkunde ('' Anihropos", vol.
30, 1935. pp. 1-31). cspcc. pp. 10 ss.; e Urtúrkentum, passim. Ainda no
mesmo sentido, o SCHRÄDER, Reallexikon der indogermanischen At-
teriurmkunrle, II (2* cd ), 1929. p. 24. Cf. também ALFONS NEHRING.
Srudicn Zur Indogermanischen Kultur und Urheimat ("Wiener Beiträ­
ge". vol. IV, pp. 9-229), cspcc. pp. 13 ss.. pp. 93 ss.. etc. Contra, J
W. HAUER, Zum gegenwärtiger: Stand der Indogermanenfrage (“ Ar­
chiv für Religionswissenschaft” , vol. 3, 1939. pp 1-63). cspcc. pp. 14
ss. Vcr também M. SCHMIDT, Rassen und Volker tri Vorgeschichte des
Abendlandes, vol. II (Luzern. 1946). pp. 17J ss., 192 ss . 208 ss.
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1932-1934); V»'. KÖPPERS. D.e Indogermar.enfrage im Lickte der his­
torischen VölkerKunde ("Anthropos". vol. 30. 1935. pp 1-31); A. NEH­
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Beiträge", vol. IV, pp. 9 229); J. W. HAUER. Zum gegenwärtigen Stand
der Indogermanenfrage: G. Dumcnl, I.e nom des "Atya" ("Kev. Hist.
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3 IV « . ; G E O R G W II.K E . /> < Religion de: hiacxerratnen in aurarlo-
Xivcher fífirociifimt ( M a n t i — B ib lio tS ei: n* 31. l . e t p á f , 1923). p p .
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kistorisvhen Bc;iebung*r ( " A a c h r o p o * " . v o l. 2 4 . 1929. r P 10T3 -1089);
td . Die IndogerrurK'i/rotc. p p . 1 1 sa ., 16 » ; S . S T U R T E V A N T H O P ­
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N I ’I I R I N G , S W i m . p f . IV} P . K R E IS C H M E iR , Dyaus.Zeut. TMes-
puer unddie AlKtrakta iru todogennanlschcn ( " 0 ) o n a ' \ v o l 13, 1924.
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Sobre a índia vedica: sobre os tcxlos. as !iadu<ô«s e a imensa bi­
bliografia crllica. <r I RENOU, Bibhograpkie Miqur (P*ari.s, 1931).
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BERGAIGNE ctxvsagrix: a La relit ion wkltque d'après irv tirm m du
Rig-Vnla (l’an*, lS^S-lPiv?) ExjKsiçóet exaijyivucdos ititox rdaveren-
ças cm HH I EHRANDT. Vfdisetu- Mylhoicgtc, 2* rJ. vol l-ll (lires
lau. 192?-1929)c A. R. KEITH. The P d it ion <rndPlrdosophy o] lie I eda
and Upanishxls, 2 vols. (Harvard Oncni.nl Scries. n*' 21-22, Cambrid­
ge, Mass.. 1925).
Sobic os dcuscs criauos de M.iani: cf. o eviado do problema « um
ensaio de inter ptciacto no vcnrklo da tripaniçào funcional. cm C. DU­
MÉZIL. S'aivance d'otchesnges (Paru. 194}). pp. 15 s».
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(Halle, 1923), rp. 97 ss.; G. DUMEZIL. Ouranos- Varuna (Paris. 1934);
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manas (Panv. IfcVS). E W. HOPKINS. Epie Mytliology (Strasbourg.
1920). P. Krrschmer cri. errad-metite. que Varuna se originou do hit»
ta Arunash c está imbuído de nocôcs asiàmcas e babilónicas, ci. Varuna
und d:c Vrgcsetuchte de' Ir.der ("Wiener Zeitschrift Í. die Kunde des
Morgtiilandes", vol. 33. pp. 1 ss ). Sobre Vaiu/ta "crleador ".cf Ll IA
DE", /.es "dieux h a m " et te symbolisme des moeuds. "Rev. Ilisl. des
Religions", I 134. 19-17-1948, pp. }-3Z>, c republicado cm Images et
symboles (Pari*. 1952), cap. III.
O mito indo-curopeu de u;n ciu de t'évita que se une à terra. milo
«econstituido p<st II. REICHEl T. De/ stememe Himmel ("Indoyerm
Forsch.". vol 32, 1913. p. 23-57), nào esta confirmado nos textos (cf.
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Sobre o lii: textos. exposiçOei de conjunto, enucas e bihlioyratia
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215-31; contra as opitm V s de Nybeig. no ir*e«no ser.tiJo. W. W EST,
ib id . pp. 2*449) Vcr também BETTY HEIM ANN. V aruna R ta K a n n a
(Fcstfcjbc H . Jacobi, pp. 201-14).
Sobre os laios gregos ha urn livro que sale uma biblioteca: A . I).
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ge. 1914. 1925. 1940). C f. pata uma sisdo dc conjunto. M A K I IN P.
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bre Zcm . Dect Pai. cf. G. CA I NOUN. Zeus thefather in Monter ("T ran ­
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l) e r r v n u u .h r J u p it e r (Frankfurt am M ain. 1937).
Ultra exposHÙo d e conjunto sobte as antigas telrgifles geim ânlcas,
coin rima vnwa bibliografia criricn, foi apresentada jror lANDL VRIES,
A li g e tm a n ii c h e R e lig io n s g e s c h ic h te . 1-11 iB crlunc l.cip/ig, 1935. 1937.
2* es!., 195b 57). Admiráveis análises dos mitos da soberania e dos mi­
tos dos guerreiros no pequeno livro de G D U M FZII , M y th e s e t d ie u x
île s G e r m a i n (Paris. 1939) <2‘ cd .. 1959). Ver tainbfm ERNEST TO N ­
NE! A T, e:n: l es R e lig io n s d e s c elles, d e s g e rm a in s e t d es a n c ie n s s la ie s
(" M a n a " . Paris. 194K. vol III, pp. 321 ss.) E ncontra *e uma penetran
te critica da» diversas orientas*"«» moderna» na interptctacao das reli­
giões germ ânicas e urr. ensaio construtivo para integrar o estudo dessas
religiões no m étodo crítico-cultura! da « c o la de Viena nos dois estudos
J c ALOIS CL.OSS. X f u c P to b le n is le llu n g e n u i d e r g c rm a m sc h c n R eli-
g io n sg e c h ic h ie ("A rttíiro p o s". sol. 29. 1934. pp. 477 96) e D ie R e lig io n
d es S c r n n o n c n s io m n ic s ( '' Wiener B citrãge", IV, pp. 448 673) Vcr tam
3*4 n u r a d o d l f u s ro jt/ A d a s r e l i g i ô í s

bím, psto ikhuo »xor: D a KeNgiou der Venaanen m ethnologischen


Sicht (in: Christvs nnde die RtUgkUtea der Erde, 1951. vol. II. pp.
267-363). Cf. também HILDEBRECHT HOVMEL. D a Haupigotthet-
len der Gerremet b d Tacilvs ("Archiv I. R«rLf»ajÄV/t«en!vchaft", vo).
37. pp. 144 ss.). R MUCH. De Gernj-xa des Teerus (Heidelberg. 1937);
R. 1‘i r r AZZON1, ■P egnaior omnium dem "C'StuJ. c Material» di Sio-
riadclle Rdlfia»)'*. to!. i *-20. 1*53^16, pp 142-5«); OTTO HOFI.ER.
Germumsche Sekrü!König;am, vel. i, 1952
Sobre T»r.«nU, cf. CARL CLEMEN. Die Reiigton der Kellen (“ Ar­
chiv I. Rdig ” , val. 37. 1941. p. 122); P. LAMBRECHTS. Contribu­
tions à l'itudc des divinités <eitic,ttcs (Btijjc , 1842). pp. 54 ss.
Sobre Pciub: T J. MANSIKKA, Die Religion der Ostsfaven. I (Hel­
sinki, 1922. F.F.C., n? 43». pp. 30-4. S4-7. 6Õ-Í, 379 s*.; A BRUCK­
NER. Mitologia sia\a (Bolonha. 1927), pp. 58 ss (q-ar dériva, p. 69.
PerhimPcniiidorveme do carvalho); L. NIEDERLE, Manuel de l'anti­
quité slave. Il (Paiií, 1926). 13* B. O. UNBEGAUN. in f er Reli­
gions des celles, des germains et des anciens dares (“ Mana". vo!. III,
194$, pp. 405-7).
Cf. umbciu A. H. KRAP PE, LespdUiodcs (“ Revue Archéologi­
que“ .!. 36,1932. pp. 77 w ); JANE HARRISSON. Themis i l ' cd.. Cam­
bridge, 1927). pp>. 9-1 si.
Sobre Indra vet lanihétn E. WASHRURN HOPPINS, Indra as God
oj T'ertitity (“Joumul of American Oriental Society“. vol. 36. pp. 242-68),
JARL CHARPENTIER. Indra Ein Versuch der Aufkläuruug, (Le Monde
Oriental. U|>p<ala. 1931. vol. 25. rr- 1 28); BENVEN1STE e RENOU,
op. eit., pp. 184 » . Kretschmer (“Kleinasiatische Forschungen”. 1.1929.
pp. 297 $s.) julgou encontrar no liittta innara o modelo do in d airaniano
indra. ina> Sommer provou que na realxlade se trata de uma dcusa hili-
ta, Inara (com um -er; tttna cf. Bcnvcrtstc-Rcnou. 186). J. PRZYLUS-
KI. Inara et Indra i“ Rcvucdc 1‘Hrsioire ancienne” , vol. 36. pp. 1-42-6),
pensa que “ a Indra védic* c a lr.ara hitna poderiam fazer parte de série
■de divindades bissexuacias que sáo os equivalentes da grande Deusa: Vé­
nus hermafrodita. Fortuna barbam, Zervan. Kúla” (op. cit., p. 146).
Mas essa rnar.eria de ver c demasiado sumária; não há a certeza de que
a Grande Deusa tenha “ sido substituída por um Grande Deus no pan-
teio dos povos svniittcús e mdo-earopeus“ (p. 142): a androginia divina
nem sempre é um fenômeno secundário (cf. } 160); o hermafroditismo
ritual náo se explica por cultos híbridos, intermediários ernte o de uma
Grande Deusa e o de um Grande lX*us. etc.
Cf. também V. MACHEK. A'ame und Herkunft des Gottes Indra
( “ Archiv Orientálni", vol. 12. 1941. n?‘ 3 4); G. DUMÊZIl., Tarpeta
<1947). pp. 117 ss. Referências abundantes vobre Indra, conto dcu» da
fecundidade, em J. J. MF.YER, Trilogie oUindisehcr Machte und Feste
der Vegetation, vol. I-Ill (Zürich-Leipzig. 1937). cspcc. o vol. III. 164 ss.
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La religion? babiionc.se-traira. 1, Il (Botonha, 1928-1929) corn uma bi­
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tes documents sumériens antérieurs a la dynastie d'Istr. (Paris, 1931); S.
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1961 ); G. FURLANI, La rctigione dcgli h ittiti (Bolonha. 1936); RENÉ
DUSSAUD. Les relisions des hittites e des hournies. des phéniciens et
des syriens (col. "Mana” , 11, pp. 333 414).
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(Wasliington. 1910); A. GÖTZE. Ktemasiens. Kulturgeschichte des Al­
len Orients, III. 1 (Munique, 1933).
Sobre os elementos de unidade entre os pré-semitas e os pré-indo-
europeus da Ásta Menor c da Egéia c as populações pré-arianas dos in­
dus, cf. as obras sugestivas, mas nem sempre convincentes, de I).
HROZNY, Die älteste Völkerwanderung u. die protoindische Zivilisa­
tion (Ptaga, 1939); Die älteste Geschichte Vorderasiens (Ptaga. 1940),
cos estudos publicados ent: "Archiv Oricntálni", 1941. Cf. também //«
toire de L ‘Aste antérieure, de t'Jnde e de la Crête (Payot, Parts, 1946).
Sobre os deuses da tempestade no Oriento Próximo e as suas rela­
ções com o touro, n Grande Mãe, etc., cf. !.. MALTEN, Der Stier in
Kult und mythischen Bild ("Jahrbuch des deutschen archäologischen Ins­
tituts", vot. 43, 1928, pp. 90-139); B. Ö1TO, Beiträge zur Geschichte
der Stierkultus in Aegypten (Leipzig, 1938); CH. AURAN. La préhis­
toire du christianisme. I (Paris, 1941), pp. 39 ss.: A. NAM1TOK. Zeus
Osogoa ("Res1. Hist. Rel.", 1941, n? 364, pp. 97-109), espoe., pp. 102,
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na índia, etc.); E. DHORNE. Les religions de BabyIonie, pp. 96 ss.; H.
SC I I1.0ni Eli, Das akkadische Wellergotl in Mesopotamien (Leipzig,
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katlischeGôUerepUhcta(Helsinki, 1938), pp. 246ss.; RENÉ DUSSAUD,
La mythologie phénicienne d ’après les tablettes de Ras Shamra ("Rev.
Hlst. Rel.”, 1931, t. 104, pp. 353-408); id.. Le sanctuaire et les dieux
phéniciens de Ras Shamra (ibid., 1932. t. 105, pp. 245-302); id., Le vrai
nom de Béa! (ibid., 1936, t. 113, pp. 5-20); id.. Les découverts de Ras
Shamra et 1‘Ancien Testament (2? cd.. Pans. 1911); id.. Peut-on identt-
fier l'Apollon de lftcrapolis? ("Rev. Hist. Rel.", 1942-43, n*.’ 368. pp.
128-49), espce. pp. 138 ss.; DITLEF NIELSEN. Ras Shamra Mytholo­
gie und biblische Theologie (Leipzig, 1936); A. NAMITOK, Le nom du
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im Totenglauben (Jahrbuch des kaiserlich deutschen archäologischen Ins-
ittuts. XXIX. Berlim, 1914, pp. 179-256); R. HINÜRINGER, H'eiihe-
ross undRossvreihe(Mtrnkjuc, 1932); WILHELM KÖPPERS, Pferdeop
fer undPferdekuit der ln.doxenr.anen (“ Die Indogermanen und Gcrma-
uenfrage. Wiener Beitrage 2ur Kulturgeschichte und Linguistik’*. Jahr­
gang. IV, Salzburg-Leipzig. 1936, 279-411); R BI EICH STEINER. Ross­
weihe u. Pferderennen irr. Totenkult der Kaukasischen Völker (tb
4(3-9?); contra a tese de Köppers, cf. Hauet, "Archiv. Religions.", vol.
36, 1939, pp. 2? ss.; J. WIESNER, Fahren, und Reiten in Alteuropa und
im Alten Orient ("Dct Alte Orient” . 38. 1939. Heft 3/4); id.. Fahrende
und Reisende Gütler ("Arch. f. Relig.” , 37, 1941, pp. 36-46). Cf. W.
SCHMIDT. Rassen und Volker, vol II. pp. 102 ss
Cf. larabtrn os ira balhos Jä ciiados de G. HERMES. Das gezähmte
Pferd irtt mtohtischen n. Frükbrongezeillichen Europa? ("Anthropos” ,
30. 1935, 805-823; 31, 1936. 1! 5-129); ze/.. Das gezähmte Pferd tm alten
Orient (“Aiuhropos”, 3 1, 1936. 364 39»); FR. FLOR. Das Pferd un seine
Kulturgeschichtliche Bedeutung ("Wiener Kulturhistorische Studien” ,
vol. I. 1930). Para o cavalo no culto na Asia Mcnof. ver Rosiovucff.
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In China and Japan (Leiden, 1935), espec. pp. 41 ss. Ver agora FRANZ
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arische H'eltköning, 253 ss.; RENDEL HARRIS. The Cult o f Heasenlv
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Griechen (Christiania, 1902); A. H. COOK, Zeus, II. pp. 1003 ss.; F.
CHAPOUTH1ER, Les dioscurcsau service d ’une déesse (Paris. 1935);
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vol. 13. 1929. pp. 31 46); J. VON NEGELEIN. Die abergläubische Be­
deutung der Zwillingsgeburt ("Archiv f. Religion” , vol 5. 1906. pp
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Sobre a sacraltdac!« e o simboltsmo da montanha. o «imbolismo do
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te". vol. 66, 1936, pp. 75 m ,); L'LIADE, Le chamanisme, pp. 175 ss.

III. O Sol e os culto* solutes

Generalidades sobre os cultos solares;


F. BOI L. Die Sonne im GUtuhen und in der Weltanschauung der
alien Vblker (Stuttgart, 1922); A. H. KRAPPE. La genése des mythes
(Pafis. 19??), pp. 81 w.
FRAZFR. The Worship o f Sature. 1(Londres. 1926), pp 4-11 ss.;
J. DÉCHKLETTI;, Le culte du soldi aux temps préhistonques (Revue
Aichéologique. 1909). pp. 305 ss.; id., Manuel d ‘archéologiepréhistori-
que, cellique e galln romaine (Paris. 1908). II. pp. 413 ss.
Sobre os mitos solares;
P. EHRENREICH, Die Sonne im Mythos (Mythologlschc Biblio-
thcV. VIII, I. Leip/i*. 1915 1916); AGE OHI.MARKS. HeimdaHs Horn
und Odins Auge, I (Lund, 1937), pp. 32 257 ss. c passim.
Sobre a "solariração" do scr supremo:
R. PETTAZZONI. Dto, I (Roma. 1922). p. 367
Sobre a coexist£nci a dos elementos solares e vegetai? nos cultos e
deuses nicsoporànneos:
II. FRANKFORT, Gods and Myths on Sargomd Seals ("Irak", vol.
I, 1934, pp. 2-29). IVAN FNCiNELL. Studies in divine Kingship in the
Ancient Sear fast (Uppsala. 1943); A. GOT7F, Klemasicn (Leipzig,
1933).
Sobre Shamasb — materiais e bibliograf.a em G FUR LAM. La
rehgione babikmese-assiro (Botontia. 1928 1929). vol. I. pp 162-9. vol.
II. pp. 179-83; E. DHOKMF, Lrs religions dr Babylonia et d ’Assvrte
(Man*. II. Paris. 194$), pp. 60-7, 86-9.
Sobre SKamasJt — arte divinatória. A. HALDAR, Associarions o f
Cult Prophets Among the Ancient Semites (Uppsala. 1945). pp. I ss

Sobre os ekmentos solares nas religiões ánicas e norte asiáticas:


400 TRATADO D E HISTÓRIA D A S RELIGIÕES

T. I.F.HriSAÍ O .Fnvxurfeirter.Mythologieder Yurak Samoyrden


(Helsinki. I9ÍT); Al. GAMS. Kopf-, SchàtM — und l angkoocoenopfer
beiJUntiervùlkern (Fesischrifl W. Schmidt, Modling. 192S. pp. 213-68).
Sabre os cultos soiaiet nas populace*«' munda
Cf. F. T. DALTON, Descriptive Ethnology of Hcngjl (Calcutá,
1332); FRAZER. op. at., pp. 614 o.; P. O. BODD1NG. Somai Folk
Taies. MI ( O s k ) . 1925, 1927); R. RAHMANN. Gottheileei tier Prlml-
Jmlàmne irn rtordorstheben Votdenndien ("Anthropos", XXXI, 1936,
pp 37-96); W. KOPPERS, Ithagwan, The Supreme Deity o f the Bhils ■
<" Anthropos'*. XXXV VI. 1940-41, pp. 265-325).
Sobre os cultos solares na Oceania:
W. H. R RIVERS, Sun-cult and Megaliths In Oceania ("American
■Anthropologist” , NS XVII, 1915. pp. 431 id.. The History o f Mela­
nesian Society III (Cambridge, 1914); FRAZER. The Belief in Immor­
tality, l-III (Londres, 1913-1924); R. W. WILLIAMSON, Religious and
Cosmic Beliefs o f Central Polynesia l-II (Cambridge, 1933).
Sobre os “ Filho» do Sol":
W .J. PERKY, The Children o f the Sun (21 CÓKÜO. Londres. 1927);
A. M. HOCART. Kingship (Londres. 1927).
Sobre o cullo tolar no Egiro:
J. VANDIER. La religion égyptienne (Mana, 1. Pari* 1944), pp.
36 ss.; G. A. WA1NWRIGHT. The Sky-reltgion in Egypt (Cambridge.
1938); II. JUNKER, Dir Ooiierlcbre von Memphis (Berlin*. 1940); id..
Der sehende und blinde Cott (Si:;, d. b. Akad. d. Wissenseh., Muni­
que. 1942); J. SAINTE-FARF CARNOT. Rev. Hist. Rtl.. t . 128. julho-
de/embro de 1944, pp 166-8; id., ibid., t. 129. janeiro-junho Je 1945.
pp. 128 ss.; sobre o conBito Ra-Ostns, F. WE1LL. l e champ des ro­
seaux et le champ des offrandes dans la religion funéraire et la religion
générale (Paris. 1936).
Sobre o deu* do Sol entre os ir.do-arianos:
L VON SCHRODER.A nscheReligion, 11(Leipzig, 1916). pp. 3-J6I.

Idem entre o< méditerrànicos e os gregos:


Zeus. .4 Study in Ancient Religion. I (Cambridge, !9)4), pp 197
ss ; UBERTO PESTA LÛZZA, Pagine di religione mediterrâneo. Il
(Milao Messina. l94<). pp. 9 ss.; KARL KEREN YI. Caler JWios (Era-
ties Jahrbuch. X, 1943. Zurique. 1944. pp. 81-124); A. H. KRAPPE.
BIBLIOGRAFIA 401

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zotrg la u b e im allen. Ir a n (Upp^U, 1938), pp. 13S ss.; sobre os cultos
solares italianos arcaicos, cf. C. KOCH, Gesrirnvererur.g int allen Ita ­
lien (19331. pp. 50 ss.; F. ALTHEIM e E. TRAUTMANN, A'eue Fris-
btlder der Va! C a m o n u v . D ie S onne in K u lt u n a M v th o s ("Wôrter ur>d
Saclicn'’. XIX. 1938, pp. 1245).
Sobre os deuses solares da India vedica:
A. BERGAIGNE, L a religion s-édique d 'a p rè s les h ym n es d u Rig-
Veda. M il (Paris. 1S78-IS83); II. pp. 160 » .. 379 ss.: III. pp. 38 ss.

Sobre os elementos solai es na lenda de Buda:


B. ROWLAND, Buddka and the Sun God ("Zalntoxis". I, 1938,
pp. 69-84). sobre as unpiicaçOcs metafísicas dos mitos solares, cf. COO
MARASW AMY , The Porter o f ihtU arn (Snulhwnun Misccüa-
ncous Collection, sol. 94. nr. I. Washington. 1935): <d.. The Sun-Kiss
("Journal oI ibe American Oriental Socw:t>"), vol. 60. pp 46 ss.
Sobre o culto solar no Impcno tomano:
PAUL SCHMIDT. S o l In viclu s. R ctraehrungen zu spótróniischer
R eligion u n d P o h ltk (Ezanos Jahrbuch, X, Zurique, 1944). pp. 169-252.

Sobre a roda como símbolo entre os celtas:


GA1DOZ. L e d ie u gaulois d o soleil ("Revue Aicheolojique",
1884 1885); PIERRE L.AMHRECHTS. C onlrihuiiorvs à l'é tu d e d es di­
vinités celtiques (Btuscs. 19-12), pp. 71 ss.

Sobie os cultos c símbolos solaie* r.a pré-história none-européia c


nos folclores europeus:
O. ALMGREN. \'o r d ts c h e F etszeichnung als reügtôse U rkenden
(Frankfutt. 1934). pa.csiirt e c-specialtncntc pp. 343 ss.; O. HOFLF.K. K lu-
risehe C e h c u n b ù n d e d e r G erm a n rn (Frankfurt. 1934). pp. 112 ss.; R.
FO RRER. L es chars cu l m ets préhistoriques e t leurs su iv i vances a u x é p o ­
ques historiques ("Préhistoire", I, 1932. pp. 19 32); MANNHARDT.
W a ld -u n d F e id -F u ite (2? cd.. Berlim. 1904-5). I. pp. 591 ss.; FRAZFR.
B a'der le M a g n ifiq u e (ti ad. fr . Paris, 1931). I. pp. 142 ss.; G. DUME­
ZIL. L o la (Paris. 1948). p p . 225 ss.
Sobre o sinccismo ctînico-solai entre os japoneses:
AL SI. AWIK. Kulliithe Geheimbûnde der J apaner und Germunen
("Wiener Beitrage zur Kulturi«ch>chie und l.inguistik", IV. Salzburgo-
Leipzig. 1936), pp. 675-764.
402 Tr. A I A IX ) D£ HJSTÔBTA 0-1.5 R E U G fô t'S

valor i*a?5cs te c lfu ic a s c r ii .t s d o v n t » i . 3 i c s o la r


S o b re ax
HUCiO RAHNER. px; erst lient Myncnttri ran Sar.r* und Mond
(E ran o s Jahrbuch, X , 7-driq»c, I914. pp. 305 4041; A D tO N N A . £ e t
crucifix de la vallée de Sees i Y*\cts)\ Soi tV Zrt/te, Hisieirrr dun rheme
iconoxraphii/ue ("R e v u e d e l 'H i i t d r c des R d tg io u * . i . C X K X II, 1946.
p p . 5-47. CX X X 1I1, 1947-1941. pp. 4S-1Û2)

IV. A Lut < a miiticu tuen


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("Archiv tuer Relipoassvtsscnsciuft“. vd 23. 1925). pp. 1-14; W. ROS
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rts, 1942), pp. 182 ss., passim.
Sobre o antcpassaüo mùico de orisem lunar; NV KOPPE RS. l>er
Hund in der Mythologie der zirkumjHW/ischcn Völker (“ Wiener Ber-
iràec rur Kulturjtcschichrc und Linguistik” , 1,1930, pp. 359 vv); c(. tam-
bem P. SCHEBESTA, Les pygmées, p. 79.
Sobre asrelaciVs Lua-Aguas-Vcgctaçào: P. SAINTYVE.S, 1."astro
logie populaire, étudiée spécialement dans les doctrines et les traditions
relatives à l ’influence de la Lune (Parts. 1937). pp. 230 es., passim: MIR
CLA LLIAJXE. blotes sur le.symbolisme aquatique ("Zalmoxis", II, 1939.
pp. 139-52. republicado ein Images cl symboles, 1952, cap. IV); ! RI
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Sobre o papc! da s fases lunares na medida do lempo: WOl.FGANG
SCHULTZ, Zeitrechnung und Weltordnung in Ihren übereinstimmenden
Cnindzugen bei den indem, träniern. Hellenen. Italikern, Keltern, Ger­
manen, /,Hauern, S7tfv**vt(Mannus-Biblio«hck. nV33.Leipzig. 1924). pp.
I2 S1 ../Wssim (mas ver as criticas de Much. Mondmythologie); FRANZ
IX1RNSE1IT'. Das A Jphabet in Mystik und Magic (2*cd .Lei p/ig. 1925),
pp. 82 ss.. DR. WALTER HIRSCHBERG. Der "Mondkalender" in der
Mutterrechtskultur (“ Anthropos". vol. 26, 1931, pp. 461 ss.).
Sobre os vestígios dos cultos lunares em Ras-Shamra, cf. THEO
DOR GASTER, A Canaamte Ritual Drama ("Journal of American
Oriental Society", vol. 66. pp. 49-76), p. 60. sobte os cultos lunares en-
tic os caldeus e os atameus, v. E. DHORME. La rehgion de hibreux
nomades (1937), pp. 87 ss ; id., Les rehgions de Babylonieet d ’Aayrie
(“ Maua". 11. 1943). pp. 39 ss. e 85 ss.
Sobte os vestígios dos cultos lurares nas civilizações proto-indianas.
CÍ. E. J. H. MACKAY. Chonhu-Daro Excavations 1935-1936 ("Ameri­
can Oriental Series” . 20. 1943; sobre o número "16").
Sobre os elementos lunares de Var una: OLDEN BERG. Die Reli­
gion des Veda, pp. 178 ss.; II. I.OMMFL. l.es anctens uryent, pp. 83
ss.; mas ver também I.. WALK, "Aniliiopos". 1933. p. 235. c M. ELIA-
1)11, Le "dien lieur“ et le symbohsme des noeuds (“ Rcv. Hist. Rcl.’\
19-18). republicado cm bnaeens et syrr.boles, cap III.
Sobre os elementos lunares no tamrisroo- G TUCCI. Trace di cul­
to lunare in India (“ Rivista di Studio Orientali” , XII, 1929 1930, pp.
419-27); M. ELIADE. Cosmica! Homology and Yoga (" Journal ol the
Indian Society of Oriental Art” , junho-dezembro de 1937, pp. 188-203);
cf também S. DASGUPTA, Obscure Religious Cults as Background o f
Bengali Literaiure (Calcutá, 1946, pp. 269 ss.).
Sobre os elementos lunatcsnasteltgiöcsuaiiianas: G. WIDENGREN,
tfochgottglaube Im Alten Iran (Uppsala Leipzig. 1938). pp. 164 ss.
Sobre a esttutur a lunar dos ciclos côsmico-históricos. v. M. ELIA­
DE. Le rnythe de Teternel retour (Paris, 1949). pp 139 ss
Sobre o simbolismo lur.ar na iconografia cristã, ver HUGO RAH
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1946, pp. 5-47; I. CXXXII!, 1947-1948, pp. 49-102).

V. A» águas e o simbolismo aquático

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da vida"), etc.
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des aquáticas), pp. 363 9 (oráculo de Posidon).
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304-6 (ordilios entic os israelitas).
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à Rabat et Salé (Paris. 1920), pp. 3-25 (demonologia maiilima; o mar
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GASTON BACHELARD, L ’eau les rêves (Paris, 1942).

Sobre o simbolismo do batismo:


P. LUNDBERG, La typologie baptismale dans l'ancienne Église
(Uppvala-Leipzig, 1942).
Pc. DANIELOU. Rible et liturgie (Paris, 1951), pp. 29-173.
LOUIS BEIRNAERT, S. J ..La dimension mystique du sacrementalism
chrétien ("Eranos-Jahrbuch", 1950, XVIII. pp. 255-86).
MIRCEA El.IADE, Images et symboles, pp. 199 ss.
Sobre o simbolismo aquático da espiral:
L. SIRET, Origine et signification du décor spiralé (XV Congresso In­
ternacional de Anttopoksgia. Portugal. 1930. publicado cm Paris.
1931). pp. 465-82.
•Sobre o culto das nascentes, riachos e rios; sobre as atividades nc-
tunianas:
R. PIHTAZZONl. La rrUgioneprimitiva In Sodegna (Piacenza. 1912),
passim.
J. Df.CllEI.ETTE, Manuel d ’archéologiepré-historique, celtique et gallo-
romaine (Paris, 1908-1914), vol. II, a, pp. 166ss. (machadoscx-votos
encontrados perto das nascentes c das fontes), II, a, pp. 444-53 (o
culto das Aguas termais).
C. JUL1.IAN, Histoire de la Goule, Sî ed. (Paris, 1924 1926). vol. II.
pp 129-37 (divindades lofait-), vpl. V||J, pp. JIJ-J) (continuidade
dos cultos aquáticos).
J. TOUTAIN, Les fuites païens dans l'Empire romain (Paris, 1907-1920).
406 m a t a d o i x m s ro a ra d a s r e u g iô e s

vol. I. pp. 3*2-84 (JDindadcs aquatica» e cultos oficiais), III, pp.


193-467 (cukns indígena« :u Cil a rcrtana).
CLAUDIUS VAU LAT. Cr cuite dts roanvr riens la Gaule antique (Pa­
ris. 1934).
P. SAINTYVES, Cotf Act dufolklore des cofir en Froncee dans lei colo­
nies française. Introduction (Parts, 1934) — fcea bibliografia sobre
os cultos giu.lese-% c ftaloronanos. pp. 24 35.
LEITE DE VASCONCELOS. Rehgtûes da Ijuitânta. vol. Il (loboa.
1905), pp. 19? vi. (tkruses fluviais iu prcco-lústòra cclto-lusiiana),
vol. Ill (Lisboa, IVIA), pp 24? « (na ípoca romana).
ALFRED JEREMI AS, Handbuch der uiicitienteUsehen Getsteskultur (25
cd.. Berlim. 1929), pp. 39-40.
S. REINACH. CaUri. mythes et refilions, vol. V (Pans, 1923). pp 250 4
(o cavalo, as mnfas, as nascentes).
J. TOUTAIN, Le culte ries « a t (fourrer, Craves, hes) clans, la Grèce
antique (no tolurr.e Nouvelles études rie mythologie rt d'histoire des
religions antiques. Pans, 1935. pp. 268 44).
J. GRIMM, Teutonic Mvthology (ediedo ingle«*. Londres, 1888), pp.
583-60).
UNO HOLMBERG, IXe Wcssrrgottheilen der finmsch-ugnuhen l'ûl-
ker (Helsinki, 1913)
J NIPPGEN, l.n divinités des eaux chez les peu,niesftnno-ougnrns: os
tiaques et vogou!es C‘Rev yz d’EthnograoEie et des Traditions Popu
laites". VI. 1925. pp. 207-16).
Sobre o u&o funerário da água:
A. PARROT, Le ' 'rtfrigerlum" dans l'au-delà (Paris, 3937).
M1RCEA I LIADE. Locum re/rtgeni... ("Zalmoais". 1, 1938. pp. 203-6).
Sobre o cnllo das águas no cristianismo:
SAINTY VES, Corpus du folklore des eaux, pp 20-1 (boa bibliografia),
pp. 139-96 (te.xtos): De l ’immersion des idoles antiques aux baigna­
des des statues dans le christianisme (“ Revue Hi«. Rcl.” , 1933. t.
108. pp. 135-83. republicado cm Corpus, pp. 197 is.).
O fokloïc das águas:
R. C. HOPE. The Legendary Lore o f the Holy Weds o f England, inclu­
ding Rivers. Lakes. Fountains and Springs (Londres, 1893).
W. GREGOR, Guardian Spans o f HWb and Lochs ("Folk-Lore” . III.
1892, pp. 67-73).
L. J. B. BI RENGER-FTRALD, Suportidtora e: svrriyqitcrs euchres
au point de vue de leur origine et de leur transformations (Paris. 1895.
5 vols ), I, pp. 207-301 (dragios e serpentes míticos das nascentes,
B IB U O G R A h ïA 407

d o s lagos, e tc .). 11. p p . 1-58 <o$ "poderes*’ e o s gênios d a s águas),


111, p p . 167 214 (gestos rituais p a ia a ch u v a). IV . pp. 291 -360 (virtu­
des m iraculosas d a s fom es).
PAUL SCB11.LOT. Le /olklore de trance, vol. 11 (Paris. 1905), pp.
175-303.
J. C. LAWSON, Modern Creek Folklore and Ancrenl Creek Religion
(Cambridge. 1910). pp. 130 73 (sobrevivência das ninfas no folclore
grego contemporâneo).
J. RHYS, CeJnc Folklore (Oxford, 1901). pp. 354-400 (folclore dos
pocos).
k. WE1NHOI.D, Die Verehrung der Quellen ln Deutschland (Berlim.
1898).
ILMARI MÄNNINEN. Die dämonischen Krankheiten tm finnischen
Völksaberglauben (Helsinki. 1922), pp. 81-106.
DAN MCKENZIE, ln/ancy o f .Medicine (Londres, 1927), pp. 238 ss.
R. P. MASANI, Le folklon'des p tiils dam l'huieeisp fc ia le m n l ä ßnm-
hay ("R evue H ist. Rcligions", 1931. t. 104. pp. 221 -71); c f. tambtm
as bibliografias d o capitulo “ Vegetation” (" L a fontaine de Jouvan-
ec**, I*"A lbte de V ie").

Sobre os dragões na China e na Asta Oriental; descendência dos nâgí:

MARCEL GRANET, Danses et legendes de la Chine ancienne (Paris,


1926), 2 vols.
_____ _ La civilisation chinoise (Paris, 1929).
- La penu'e chinoise (Paris. 1934).
B. KARLGREN, Some Fecundity Symbols in Ancien! China ("The Bul­
letin of tbc Muséum of Far Eastem Antiqui»«'*, n? 2. Estocolmo,
1930. pp. 1-54).
F;O. CHAVANNE-S. Les mémoires historiques de Sse-Xfa-Tsien. vol. I,
Paris, 1897. vol. II. Paris. 1897, vol. III. 27 pane, Paris. 1899.
J. PRZYLUSKI. I.a Princesse à l'odeur de poisson et la .\'ûgt dans les
traditions de l ’Asie Orientale ("Études Asiatiques” , vol. Il, Pans.
1925. pp. 265-84).
Ib id .. Le Prolongue cadre des Mille el une nuits et te thème de svayam-
vitra ("Journal Asiatique". 1924, pp. 101-37).
G. OPPfcRT, On tho original inhabitants oj Bhûratavarsa or India (West­
minster. 1893)
NOBUSHIRO MATSUMOTO. Fssaisur la mythologie japonaise (Pa­
ns, 1928), pp. 46, 5.3 ss.
______ Le japonais et les langues austroasiatiques (Paris, 1928), p. .35.
MIRCUA ELIADE, Leyoga (l’iris, 1957, pp. 346 ss.); ptincipes nasci-
slos de princevis niga, no Siâo. na India e na África, cf. Dangcl, "Sut-
di c Matcnali di Storia slelle Religionl". XIV, 1938, p. 180.
408 TUA T ADO DE HISTÓRIA D AS K E U G rò tt

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K. ROENNOW, k'iràta ( 'l-e Monde Oriental". *’o!. 30. 1936. fxihlio-
do cm 1944, pp. 90-169), p. 137. no:a I; a o>remcSo votxc i fre­
quência do raotivo da omjwîi >1« (anuiu rc*i< ;la IrsJm do toile a
pariu das serpentes torna inuli: a hipbicsc de jn a infliiènua iuv.ro-
asiâflca. Ver tambem
CM. AU IRAN. L epoptt indor.e (Paris. 19461. p? 6Í 169.
J. PM. VOGé L. Serpent-worship in Ancien! cnei Moeiern fr.aia l"Aeta
Oricncalta", 11. 1924. pp. 279 312): rr.aiertüS c biN*o«rafi«» sobre o
aille das serpetitcs na India.
____ . Indien Scr/V’it Lore or the Sagas in Hindu LegtndandAd (Lon­
dres, 1926), pp. 33 ss.
Sobre o vrw da àgua com repuxo. s'mbolo de (eriilidadc aiu'to conhe­
cido no Oriçrte clàsvco:
E. D. VAN BUREN. The Flostmg Vase and the God vMih Streams (Ber-
Inn. 1933).
C. (lOMBAZ. l ’Inde et Portent classique (Paris. 1937). pp 174 «.
______ L 'évolution du stupa en Asie ("Mciantes chicots et bouddhi­
ques” , IV, Bruxelas. 19)6), pp. 93 si.

VI. As prdrjx tagradas: epifanias, « in ah c fo n a a s

S o b re a s p e d ta s fu n tra ria s e o s m cgäüto«:

R. HEINE-GELDERN. Die Megalithen Südostaslens und ihre Pedeu-


lung fur die Klärung d Megahthcnfrage in l'urofni und Polynesien
("Xnthropos” , W ill. 1928). pp. 276-315. O auioi tema cxplicar a
origem c a fjnfäo dos meghhiov scj'.undo crenca' amtla visas emre
as populacöcs da Asia sol-oriental: a “ fixafdo das alnias dos defun-
dos na pedra"
W. J. PERRY. Mexalithic Culture of Indonesia (Manchester, 1918).
A. RIESENFEl-D. The Megahthie Culture o f Melanesia (Leiden, 1950).
CARI. CI.EMEN. Urgeschic/illiehe Keiigion. vol I (Bona, 1932). pp.
95 ss. (extado d3 qucstAo. bibliografia. critiea).
R. PETTA/./.ON1. 1.a rehgioneprimitive in Sardegna (Piisccnra, 1912),
pp 185 ss. (megälitos c dolmens r.a Africa meditctrinica c atllntica).
VV. KOPPERN. Monuments to the Dead of the Phils and other Prinnit-
iv Tnhet in Central India. A Contribution to the Study o f the
Megaton problem ("‘Annali l.aterancnsi'*, vol. VI. 1942. pp 1I7 2D6).
E.M1LE METZCiLR. Les sepultures chrg les ptegerrnains cr les germains
des ages de iapurrett de bronze (Pam. 1933: boa bibliogralia i id-
diediörs sumacm sobre a d w rib u iv ä o dos nc$£li:os)
BIBUOGR.4FIA 409

G. WILKE. KOSINNA e BOSCH GIMPERA sio de opir.iio que « po­


deria locali/ar a origem da arquitetura megalítica na Península Ibéri­
ca: daqui ter-se ia espalhado po: toda a Europa — cf Hugo Ober-
m a ic r c Antonio Garcia y Bcllido. El hombre prehistory» y los on-
genes de la humamdad (cd. II. Madrid, 1911). pp. 171 u. Bom reper­
tório fotográfico on Paultno Montei, Historia da arquttectura pri-
mihva etn Portugal. Monumentos dotménieos(I isboa, 1912); reper­
tório. descrição c bibliografia cm Octobon, Statues-menhirs, stiles
grasées, dattes sculptées (extrato da "Revoe Anthropologique". 1931.
pp. 291-597).
PIA LAVIOSA ZA.MBOTT1 sustenta a origem egípcia da arquitetura
megalítica; ver Origini e diffusione delia civUlà (Milão. 1947). pp.
23S ss.
DR. J. IMBELLONJ. La première chaîne isogllossémantique oceano
américaine, les noms des haches lithujues ("Fesrschriff W. Schmidt” .
Wien. 1928. pp . 32i-?5).
Sobre o papel desempenhado pdas pedras pré-históricas (megili-
tos. dólmens, menires, "pedras dc raio", etc.) nas a encas populares:
SAINTYVES, Corpus du folklore préhistorique en France et dans les
coloniesfrançaises. Paus, I, 19.14. tonto II. 19J4. tomo III, 1936 (vasto
inquérito, engloba quase toda a documentação accsslvd ate a data
da publicação, ricas bibliografias regionais).
SALOMON REINA CH, /.rs monuments de pierre brute dans le langa­
ge et les crovuncespopulaires (in Culta. Mythes. Religions, vol. Ill,
1908, pp. 366 m .).

Sobre as pedras cultuais entre os "primitivos":

Cf. obras de FRAZER, LÉVY BRÜHL, NYOI’RG. HARTLAND, KOP-


PPRS. ciladas no texto, e também F. DAI1MEN, The Pahyans, a
Hill-Tribe o f lhe Palmi Hills (South India), cm "Anthropos", III,
1908, pp. 19 31 (espccialmcntc pdgina 28: "Mayflndl, the god of the
Palyans and Putlyans, is usually represented by a stone, preferably
one to wich nature has given some curious shape...” ).
LEENHARDT, Notes dVthnologie néo-calédonienne, Parrs. 1930, pp.
24.3-5.

Sobre a pedra como protetora, fetiche e amuleto:


RAFAEL KARSTEN. The Civibzation o f South Amencan Tndians, Lon­
dres, 1926, pp. 362 ss.
B. NYBERG, Kind und Erde (Helsinki, 1931). pp. 65 ss.. 141 ss.
410 TR A 7A DO D E W S TORIA DA S RELIGIÕES

Sobre o rrito <íos p#an:<s de pedra

ROBERT LEHMANN-NITSCHE, Eut MyCkenthemacus Fevertand unJ


Sord-A ntriks Der S'.d.irxsc (“ Anthropc*”. Î93S. vai. 33. pp.
267-73)

Sobre c rriio 4a “ pedra çcniirix" (:em* <)«: se encontra da Ásia


Mfl»i ao Euierao Oriente):

A.V. LÔWTSe MENAR. Sordkankasrsche Stei'igehertssager ("Archiv


í. Reiigionjwjssenscbaít” , M il, 1910. pp 5'>V-24>.
MAX SEMPEU, Raeurn ued ReUitoren im aíten Vciderasitn. Hcckrl
berg, 1936. pp 179-36.
G. DUMÉZIL, Léietuhfta Its runts (Paris, 1930), pp. 7S-7.
W. SCHMIDT. Grundiineit einer Vergleichung rter fleltgionen um!
Myiholoçien der ausrronetiwhen 1'ótker. Virna, 1910, §§ HJi s».
W. J. PERRY, The Chikhen o f the Sur (2‘ cd., Londres. 1926), pp
255 SS.
R. W. WILLIAMSON, The SoacJ end Potnktl System o f C&nrol Poly­
nesia. Cambridge. 1924, i. pp. *Ui. J7, M2: II, p. 304.
W. F. JACKSON KNIGHT, Cumaenean Gates, Oxford. 19)6, pp. 9 « .
JOHN LAYARD, Store Men o f Mdekuto. Londres. 1942, passim.

Sobic as relaçòcs entre as pedras e a fecundidade: a (chuva) entre


certas tribos da América do Sul:

C. HENTZE. Mythes et symboles lunaires, Anvers 1932, pp. 32 is.


Sobre a fecundação pelas pedras furadas, além dos trabalhos já in­
dicados no :exto:
S. SEL1GMANN. Der bòse Blick (Berlim, 1910). vol. II. p 27.
J. DÊCHELETTE. Manuel d'archéologie préhistorique, réhrjue el gallo-
romaine. vol. I, Pâtis, 1906. pp 520 m .
WAGENVOORT. Studi e material! di storia delie religion, XIV, pp.
53, nota, e 55.

Sobre as "pictre di coneezionc odi jravidanra” nas crencas popu­


lares italianas:

G. BELLUCCI, U fettasmoprimitivo (Petugia. 1907). pp. 36. 92 ss.


Oh omuleti (PcruEia. 1908), p. 19.

Sobre as “ pedras de chuva” :


B IB U O G K A F IA 411

FRAZER. The Maxie King, I. pp- 3(W-7; The Folklore in ihe Old Testo-
ment, II, pp. 58 ss.
R. EISLER. Kuba-Kubele ("PhiJotogus” , vol. 68. 1909). p. 42, n. 222.
G. A. WAINWRIGHT, The Sky-Religion In Eftypt (Cambridge, 1938),
p. 76.
G. F. KUNZ. The Magie o f Jeweis and Chanrts. (Filadclfia-Londres,
1915), pp. 5 ss.. 3-»
J. W. PERRY. Children o) ihe Sun, p. 392.
Sobre o mito da água que jofra do rochedo:
P. SA1NTYVES. Essais dr/olklore biblufues, Paris, 1923. pp. 139 ss.
Sobre as "pedras-testemunhas" na Nova Caledónia:

LEENHARDT, op. eit., pp. 30-1.


VAN GENNEP. Tabou et iolè/ricMé á Madagascar (antigo* Annmoiina).

Sobre a origem da lapidação:


R. PETTAZZONI, La grave mora (Studi e matenali di Sloria drlle Ke-
ligloni). 1. 1925, pp I ss.

Sobre os meteoritos:
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hiets de /almoxis” , 1, p. 3.
______ Forgerom et alchimisies, Paris, 1956. pp. 17 ss.
Sobre a mult ivalSncia simbólica e cultural da pedra:
ALFRED BFRTHOI.ET. Ueber Kultische Motivverscfoebungen ("Sitz.
Prems. Akademie Wiss. Phil. H:«. Klasse"). 1938. vol. 18, pp. 164 84
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Sobre «s pedras cultuais na índia:


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des nahen u . fernen Osten. P3ul Kahle /um 60Geburtsatg". l eiden,
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Sobre or bet.los, masseba e pedras cultuais «ntte os semitas:
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R. DUSSAUD. Les origines cananéennes du sacrifice Israélite, 2* cd..
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Sobre o devs Bethd e a divindade do Bcthel:
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1930)
A. VICENT, La religion desjudéo-ararnéerxs d'Eiephaninc, Paris. 1937,
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Sobre as pedras cultuais na Gtécia:
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Sobre as hipóteses de Perririret (o omphalós delfico seria uma apor-
taçâo cretense) c de HemoUc (influências egípcias):
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3. Ver também n bibliografia do capitulo "O espaço sagrado- tem­
plo, palácio, 'centro do mundo"".

VII. A Tm a, a mulher e a fecundidade

Sobre ç par divino Ciu-Tena:

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Sobre o "renascimento" dos antepassados nas crianças recém-


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Sobre o cmciro "em forma de embrião":


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Sobre as "mitologias literárias” da Terra:

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Cf. também as bibliografias citadas do capirulo “ Agricultura” . e.
em pnmeiro lugar. os trabalhos de Mannhardt. Fra«r e J. J Meyer.

Sobre a árvore sagrada:


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422 TRATADO DE HISTORIA D A S R EU C IÕES

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Sobrc a Tesla do Holi
W.CROOKE. The Holt: a Verna! Festival o f the Hindus, •'Folk-Lore",
vol. 25. pp. 55-83.
______ Popular Religion and Folklore o f Northern India, I-oixbes. 1894,
pp. 342 ss. (2? cdiv'io. vol. II. pp. 197 c 318).
S. J. MEYER, Trilogie, vol. I (Kama), pp. 16 ss.. com boa bibliografia.
Sobrc o enterro do Carnaval, a cxpulsäo da •‘Morte“ , a lota cntxc
o Verio c o Inverno:
FRAZER. The Dying Cod {trad, fiancesa "Le dleu qul iiseurl", Paris,
1931).
LIUNGMAN, Tradition!Wanderungen: F.uphan-Rhetn, vol. Ml, Hel­
sinki. 1934 1938. F. F. C. 118-119.
_____, TrarhtiotuWanderungen. RheinJemssei. Eine Untersuchung ultet
dal Winter und Torbustragen und einige hierhergehörige Bräuche,
vol. I. F. F. C. n? 129, Helsinki, 1941.
_____, Der Kampf zwlnschen Sommer und Winter, F. F. C. n? 130,
H elsinki, 1941.
J. J. MEYER. Trilogie, I. pp. 199 ss.

IX. A agricultura e os cultos de ferlUidadc


Estado d o s p r o b le m a s e b lb llo g ra tla
Uru data importante na história dos cultos da vegetado c da agri­
cultura e assinalada pek> aparecimento da obra dc W. Mannliatdt. Wald
und Feldkulte, I. II (Ikilim. 1875-1877. 2? edição. 1904-1905). É uma
verdadeira nuia dc documentos folclóricos c etnográficos recolhidos, clas­
sificados c intcrprciados |>cto sabio alemão cm apoio da sua hipótese so­
brc os “demónio» da vegetação” . Um volume de estudos complementa­
res. Mythologisehe Forschungen (Strasburgo. 18S4). apareceu pouco de­
pois da sua morte. Os contemporâneos não apreciaram devidamente a
importância das hipóteses dc Mannhardc. Como diz J. J. Mcycr r.o pos-
íácio da sua Tritonie, III. p. 28-1. o germanista Fr.mz Pfeiffer escrevera
que o autor da Wald-rtnd Feldkulte não passava de “um simpies cole
cionador dc fichas” , e n maior parte dos especialistas nem se deu notra
balho de lê-la. E provável que a teoria de Mnnnliardt nunca se tivesse
tornado popular sem o reforço qur lhe dm a obra de Sir James Frazrr.
Foi graças, em primeiro lugar, à imensa erudição dc Frazcr e ao seu real
talento literário <|uc a moda dos “demónios de vngeiaçSo“ conseguiu
dominar os estudos de etnografia e de história das religióee até as véspe­
ras da Primeira Guerra Mundial. Foi através de l-e Ramaau d'Or que
BIBLIOGRAFIA 423

as pesquisas de Mannhaidt desiancharatn. A primeita edição de The Cof-


den Bough foi publicada em dois volumes, cm 1891; a segunda edição,
em ttès volumes, em 1900, e a terceira, em 12 volumes, entre 1911 c 1918
(esta última reeditada inúmeras vezes e traduzida para o íraiMés por 1’ierre
Sayne H. Pcyre, Paris. P. Geuthner. 1927 a 1935). Uma versão abrevia­
da e sem notas apareceu cm 1924 (tradução francesa por Lady Prazer.
Geuthner. 1924). Em 1937 foi publicado um tomo complementar, AJ-
termaih. Os volumes da sétie I.e Rameau d ’Or »pie se ocupam mais cs-
pecialinenie dos ritos e dos mitos da vegetação e da agricultura sáo Ado
nis. Arriv. Osiris (2 volumes, trad. francesa. 1926. 1934). c Spirui o/ the
Com and o) the Wtld (tradução francesa tspnis dei bUs e; des bois,
2 volumes. 1935). Lembremos o veredicto de Goldcnweisei (Anihropo
logy, Londres, 193“, p. 531) sobre Le Rameau d'Or. “ Sem interesse co­
mo teoria, mas indispensável como cokçào dc materiais sobre a religião
primitiva." Cf. tarr.bímC. \V. Sydow, The Manr.kardiian Jheoricsabou!
lhe Last Sheaf and lhe Ferhhty Demons frntn a Modem Criticai Poinl
o f V,ew ("Polk Lorc". XLV. 1934. PP. 295-309).
O problema do sagrado na vegetação c nos rituais agrários continuou
aser discutido muito depsxvdoaparectmentodorozpusdeFrazcf. Limitar-
nos-emos a mencionar algumas das publicações mais importantes:
A. V. RANTASALO. Der Ackcrbou im Volksaberglauben der Fm-
nen und Esten mi: entsprechenden Gebiauchen der Germanen verglichen,
5 vols. (F. F Communkations. n?' 30. 31.32,55.62; Sonavala-Helsinki,
1919-1925), rico material cm parte Inédito.
JAN DE VR1ES. Conlribufions lo lhe Sludy o f Othin Especially
in his Relation lo Agricultura! Pracllcts in Modern Popular Lore <Hcl
sinki. 1931. F. F. C. n? 94).
J. J. MEYER. Trdogie ohindischer Machete und Feste der Vegeta-
uon, 3 vols., Zurique, Lcipzig. 1937. que utiliza cm primeiro lugar do­
cumentos purànicos e inúmeros paralelos etnográficos (cf. também o re­
latório de W. Rubcsi, “ Anthropos", 1939, pp. 463 ss).
WALDFMAR LIUNGMAN. Traditionswur.denir.gen: Euphraten-
Rhein, I II, Helsinki. 1937-1938, cespccialmcnte pp. 103 vi. c pp 1 02" ss.
O in t c T e s s e da obra dc Liungman reside menos nos materiais que utiliza
(no que depende quase cxclusrvamente da dsKumcntação d e Fra/er) do
que na crítica que faz à hipótese de Mannhardt Frazcr (continuando,
a este respeito, as criticas de A. Lang, Anitschkoíf. A. Habcrlandt. Von
Sydow c outros) e no seu esforço para isolar a ' ‘história” da ditusâo
dos ntos e dos mitos agrários desde o Oriente arcaico ate o Norte ger­
mânico. Há que acrescentar, no entanto, que esta "história" nem sem-
pte nos parece convincente
MANNHARDT Fcldkulíc, 2Í cdíiúQ. vol. I, pp. 1-155)
baseia a sua hipótese da existência de um “espirito da árvore" (Baum-
scclc) nos seguintes fatos: 1?. a tendência getal pata comparar o cosmos
424 TRA T a D Q D E //IST Ó SC A D A S R E L tC tõ E S

e o homem a uma érvofc 2V. o ccitjrac dc lisar <j eJcsti*a dc um Ik>-


ittctr. á vida de uma arvore; 5", a crença >rin to* .k qu: a árvore não
t só a morada do "espirito da r<xr!ia” (Waicjcst) ru> :am!jiSin a ha­
bitação dos ourros gêr.ios, bemjnov cu hostis, cleque alguns (poe exem­
plo, os hamadrgides) tôn» a vkta üyrida Jc j t j martara oigíènica á vida
d-a árvore; 4*. o eomune <U pumr oscn* inciso, r.osarvores. Os 'espiri-
tu?” individuais das árvote» lui>d<n-ie segundo Marx.hrrd; (iA*f.. 1,
p. 604). num espuito coletivo da fluiest».
Mas. como nota ljut.girur |I, i)6;.csla "coktiv,7»,io” oa “ tota-
lização" do» ••espirito«’' individuais aio rcsutia. d< modo aígum. dos
latos. Mannhardt procedia verxxk. a o r< ru ;i» nioonalisia, associa-
ciixtivta. da sua época I!lc iccrisva, à ma noive ra, por ama síric de
combinações artificiais, o fvtvínxro que «e propunha oplicar; o "espl-
tito da arvore” tuia dado orycm a um ‘‘esprite di f eicita ', que. por
ceu turno, se teria fundido com o ,'e»rír:to do verto” < ter;* produzido
um "espirito geral da vegetação". Mannha;dt Ut.d.. 1. pp 148 ss.i iul-
«a poder provar esta nova sinlesí pela (Vfterdn. itm caiilfVíK dí ttiçO,
de certos pê.nios florestai» —cctrv a» * Manias verdes” , a HolzfrauJcin.
etc Mas essas associações de tíxo» clvesires com "espentos” agrários
sio fortuitas c, no lim dc ccxua.s nada provam A teconstruçio arb trá
tia do grande espirro da vegetação tmo terniiií. al.aj. cotr. a coalcvrn
cia dos "esprntos’ agrario florestais. Mannhardt afirma que o gênio »c-
getal. quer dizer, a Boumseelc, que. como demônio da vegetação, en­
carna numa árvore, se transforma numa personificação da primavera
ou do verão e i tambrm designado por estes noo.es (iM .. I. p. 1ÍS).
Na ícalidade, todas essas estruturas míticas correspondem a intuições
originais e nao se dedu/em, analiticamente, unias das nutras. Cada um»
delas está dependente rle um ritual especifico e e-ac ultimo 6 jusiitlcado
por uma teoria religiosa geral. Liungman (op. cif., I. J-llitcm razão em
propor, ern vez do ”demònio da vegetação” dc Mannhardt. uma força
sagrada "especializada" na vegetação ou, diriamos nós. uma hwiofa-
nia vegetal. O sacnlicio das divindades da vegetação derivai ia, segundo
I iunginan, dc sacrificios feitos cm vista Ja tegeneração de ume força
sagrada c, em primeiro lugar, do “ sacrifício do filho” (ibirt., I. p. 342).
f: picc.so também considerar a critica que o sabic sueco faz ás hipóteses
rle Mannhardt e Frazer ropeitantes a existência de um "demônio da ve
netaçáo", de origem especificamente germânica; porqoe. pergunta cie.
como c.xphcar então o fato dc os ritos c as crenças que »c relacionam
com este "demônio” setem mais frequentes no sul do que no norte do»
ictritórios germânicos? l.iungman pensa poder tirar as crenças germâni­
ca» de um modelo oriental, cie ptôptio derivado de influências meridio­
nais que >e teriam exercido na cpsva das grandes migraçiries. tese que
ele não comeguc no entanto ptovar.
O sabio sueco crí que a origem dos sacrifi.Vts liuCViriO» féitiK cm
beneficio <ia colheita deve ser procurada no Egito, e sobtetudo nos ri-
MBUOGKAFIA 425

luai» pré-os»ricos. dc que ele reconstitui aí fornias mais antigas: nos tem­
pos prc hisiór:cos. um homem era amarrado a um molho dc papiro (pro
tótipo da coluna dal) e era lhe cortada a cabeça; o corpo cra cr.tâo jo­
gado a ag_a ou esmagado, ou enião lutava-se a um lago o órgão gera­
dor c enterrava se o corpo nos campos. Realizava se utr. combate ritual
entre dois grupos por ocasião do sacrifício. Uma forma mau recente do
ritual identificava Osiris, "o Velho", com o homem amarrado ao feixe,
decapitado ou lacei ado. e Seth. a personificação da seca, com aquele
que o matava ou o lançava â asua. Cumpria se a vingança dc Osiris sa-
ciificando um animal que representava Scth (bode. pato. porco, talvez
lebte). Essas cetitnôai&s tinham lugar no tini da colheita (meados de
maio). A subida das águas do Nilo começava a I? de junho —no plano
inllico, (vis procurava então O sins. Ov homens reuniam se então nas mar­
gens e choravam o deus mono. Era talvez nessa circunstância que se rea­
lizava o passeio ritual «ias barcas iluminadas no Nilo. No começo de agov
to. (sis ("a noiva do Nilo” ), texpreventada po» uma coluna cônica com
o topo guarnecido dc espigas, cia fecundada simboíicamerve pela des-
trujçâo das barragens do Nilo. A deusa concebia Hórui. Depois, Tolh
tcuR.a os fragmentos do corpo dc Osiris: o deus cra, as<im, reencontia-
do. Comemoras a-se o acontecimento cultivando periodicamente (no levo
francês: par "les jardins dOsiris", "os jardins de Osiris"). O trabalho
o as sementeiras rituais realizavamsc no começo dc novembro < a ger­
minação das sementes revelava o ler.ascimento dc Osiris.
P desses ritos, mais ou menos intcgralmcnte reproduzidos na costa
da Síria, na Mesopntãmia, Anatólia c Grécia, que todos os cenários e ce­
rimônias agrícolas do mundo inteiro se diiuiidiram, náo sô na Antigui­
dade como também, mais tarde, pela via do cristianismo e do islamismo
(l-iungman, Euphrat-Rhein, I, 103 ss.). As populações germânicas e es­
lavas leriam iccolhidoo ritiuil agrícola no contato com a Europa oriental
e balcânica (ver. na tnesma orientação. O Gruppe, Gric/tísvhe Culle. §
26. pp. 1SI ss., c Grsxhichte der Kloss. Mythologie, S 77, pp, 190 ss.).
A hipótese de Liunjman abre novas perspectivai ao estudo das ce­
rimônias c das ciença s agràiiai, mas. se ela poslc sei ver ificada no domí­
nio europeu e afro asiático, dificilmente pode explicar os cenários ame­
ricanos. O que nós podemos aceitar das pesquisas do especialista sueco
c a origem oriental (Egito, Síria, Mcsopotãmia) do cerimonial agricola
concebido como sacrifício de regenetaçáo integrado num cenário dra­
mático (ver também A. Morct, RiluHs agruites de Eaneien Oricni, "Mé
InngesCapart". Utuxclas, 1935, pp. 311 42; A. M. Blackman, Osiris as
lhe Síaker o f Corn,' ‘Studia Aegyptiaca” I. 1938; sobre os fatos india­
nos e sobre o simbolismo da "morte do trigo", vet Ananda Coomaras
wamy, Atnutyajná: S*If sacnfiee, “ Harvard Journal ol Asiatlc Studics” .
VI, HW2, especialmeme pp. 362-3).
Resta verificar se o costume quase universal dc identificar tiin ani­
mal (cabra, porco, cavalo, bode, gato, raposa, galo, lobo. ele. — Frn-
426 TH ATAD O D £ H lS tÓ R fA O A S M UJGIÔES

TC T , Spirús » fe tt C e tn .l. pp. 2CM05; Rartasal\ V , p p . 4 & « . ) ao últi­


mo feixe, de fazer ny* as uk.iuai opçois um boneco que i< astemetlia
a um animal tio qunl pesst n :er c nerne e que e nun» persom fia\ào do
poder dacofhttaedo'csjtíjkodoscerrais* — »<e«<» cotni mea c ritos
(a norte «nbdlfcr.i do animal) pedem ser derivado» do «iqtiélipo egíp­
cio ou oritxial. Sibe se que Frairer explica a identificação cio "espírito
do trigo" a uir. nviu! pela a\*xin;áo que o» primeiros lavradores te­
riam feito entre os arr.nicit Cseondkiiiaa plantação eqje ve poram em
fuga qua-xic Kimutasse a ceifa ias últimas opiwas c o poder mágico
da vegctaçíxi (7T*í liotdea Bxyjzt:. pp 447 « ; Sfitrut o f rí*? Corn, 1.
pp. 270ss ). Masc eradito irglcs aio vcr.ugue fazer-nos compreender
Como cixalos. bei». Icbo» e outros animai» leitui» podido eivo-tderse
nos carapos.
Também a st a hiporese de que i> div.riJades da veget do mun­
do antigo foríun concebidas origi-uriaxentt cortio a.u.maisCDicntso co
mo bode o« touro. Alt» e Adôni» Storno porco c outrot) é apenas uma
criação aro.trária den n espiritorar.ouaüuí.. .l,er sen lado. ( iungman
ciê que e»tes animai». que chegantr com o icrq-o a persom ficar o "po­
der” ou 'espirito" da co.lieiia. sáoapcra» formar tardia», em geral es­
vaziadas do »co sentfcio o-ieinal, dos anunai» sethunos sacr ficados em
beneficio da colheita pai3 vjr.gar a trotte de Oviri» pot Set ü. O especia­
lista sueco explica assirn a sacrifício do» animai-, vermelho», pait.cclar-
nteme dos touros no Fgito: os pêlos vermelhos eram jhi atributo de Seth
c. por conseguinte, o» qtc os possuíam eram com eie idc.itif içados, sen­
do imolados patti vingar a morte de Osiris O tomo vicriticado na Gré­
cia — pot exemplo, na» Rufónia» —. os votigio» dc forma taurina que
sc dá. na liuiopa, ao último feixe, ou á» soas designações taurinas, o
boi sacrificado e consumido na França na ocasião da colheita, a lacera­
ção ou o sacrifício dos bodes nas ceifas, o wcrificio do porco no Egito
<na Áustria e r.a Suíça n último feixe échamado "porca"), a morte ri­
tual dos càes de pêlo vermelho, da» raposas — tudo isvo seria devjdo,
segundo Lumginan. à transmissão direta ou indireta do »iK'nficio dos
animais setliiano».
Nâo nos parece que a» faies coafiinem sempre a liipót e»e. O sacri-
ficio do touro e do bo;. por exemplo, tem raízes na peé-história mediter-
rânka, etr que não i possível pensar-sc numa influência do cenário osi-
rico. Nào sc pode duvidar do »er.tico cosmogónico desses sacrifícios, c
a sua real:2aç3o no quadro do cerimonial agritio cxplica-se pela »ime-
tria mivica que se venfiea »empre entre qualquer ato de citação e a cria-
çáo como arquétipo, a cosmogonia. A forca genésica do touro. do bo­
de, do porco explica dc maneira satisfatória o sentido do sacrifício no
conjunto das cerimônias agrárias; a energia fcrtili/aoie. concentrada nes­
tes animais, liberta sc e espalha sc pdos campos O m.esrtio complexo
explica a frequência das orgias ou do» rituais eróticos por ocasião das
festas agrícola». No que diz respeito i tentatoa i!e Liungmar, de rocons-
B tB U O G R A H A 427

tituir o ritual pré osirico. cia nao explica rvent a divindade de Osins nem
a origem do mito osirico. A diferença entre o cenário dramático egípcio
que tinha lugar no momento ca colheita e o drania de (Htm é tâo gran­
de como a que existe entre um adultério e Madame Bovary ou Anna Ka-
renina O mito, como o romance, significa, cm primeiro lugar, um ato
de criação autônomo do espírito (cí. { 158).
Para uma interpretação diferente das cerimônias agrárias ver:
A. LOISY. Essai historique sur le sacrifice. Pans, 1920. pp. 235 ss.
WESTMARCK — L'origine et le développaient des Idées morales, ir.
fr.. vol. I. 1928. pp. 451 ss. — explica o sacrifício dos khonds pclo
"principio de substituição", fórmula cômoda mas sumária, que uáo
considera a complexidade do fenômeno.
Sobre o Mcriah:
!.. DE LA VALLÉE-POUSSIN, Indo-euro/ufens et indo-iraniens (Pa­
rti. 1936). pp. 375-99.
Sobre a influência dos mortos na agricultura:
FRA7ER, The BríieJ in Immoftahty, vol. I. Londres, 1913.
FRAZER, l a crainte des morts (tiad. fr.). I, pp. 75 ss.. 101 ss., lIOss.
Sobre as rclaçoes entre as f estas agfina.se o casamento, a sexualidade:
H. K. HAEBEERLIN, The Ideia o f Fertilisation in the Culture o f lhe
Pueblo Indiens, American Amhropological Association, Memórias,
vol. III. 1916. p. I.
M. GRANIfT, Fêtes et chansons anciennes de la Chine, Paris, 1920. pp.
177».
B. MALINOWSKI. Corai Gardens and their Magic, Londres, 1935, I,
pp. 110 ss., 119 (purc/a sexual c trabalhos agricolas), 219 ss. (magla
da prosperidade).
Sobre a analogia campo-mulher:
GASTER. "Archiv Orientai™", V. 1933, p. 119.
GASTE R. A Canaanite Kitua/ Drama. "Journal of American Oriental
Society” , vol. 66. pp 49 76.
Sobre a mfMica telúrica e a "mecânica espiritual" que obrigam
aqueles que aderem lolalmeme ao régime noturno do espirito a
se decomporem nos subterrâneos (como i o cavo. por exemplo,
da seita moderna dos "inochentistas" na Rússia c na Romônia).
M1RCEA ni.lADE, Mitul Netntegrarii. Bucarestc. 1942, pp. 24 ss.
Sobre os ritos obscenos em lelaçfio com a agricultura:
MANNHARDT. Myth. For.wh., pp. 142-3.
— M'ald und FHdkulte, I, pp. 424-34.
428 TUA T ADO Ü £ H ISVÓ W A D AS R B ttG fÔ B S

— “ Revue Hispanique", vol. 56, j>. 2f»S.


— “ Revue de; Étuis; Slaves". vot. 3. p. 56.
Sobre «ï fcTtüizncito do; campos petos corros sagiado».
fid. HAHN, Denver unci Baubo. Eubeque, 18%. pp. 30 ss.
U. HAHN, Die deuiycfcn Opfergebraxche bet Aeierbau mid Ciebtuch-
rc (“ Germanistische Al^ûivdJanpen", Je K. WeiiilioWt, Heft, p. 3).
E. A. ARMSTRONG. The Rituel o f the Plough (“ Folklore“ . vol. 54.
1943, D? !).
F. ALTHE1M. Terra Malet, Giessen, 19)1.
II. RYDH, Seasenci FettUhy Riles c/xi !he Death Cuit in Seandinavia
and China (“ Bulletin c i the Muîcii en cf Far Erstem Antiquities",
n? 3. Estocolmo. 1931. pp 6998).
Sobre a origan c » difusão das cultura; agrícola; européia;:
P. I.AVIOSA ZAMBOTTI. Le più entiche eu!turv-agneoie europie. Mi­
lão, 194).
________ Orogiin é diffusion* deT.û «WM, Mllâô. 1917. pp. 175
Ver também os biblioarafias dos capítulos “ A Terra", “A VcpctacUo” .

X. O opaço «irado: tcmplo, palado, “ erntro do mundo"


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Notas

PivHct* iki amor

1. Sul>linh»dos do ttod. fianoeva.


2. Sublinhadot da »ad fianoCM.

I. A p ro x im o « « » : « rfrw lu ro e m o ffo U ig h i d o so g ro d o

I Rig Veda. X . 18. 10


2. T i a d . c C il. p e r L É V Y - B R U H L , c m Le surnaturel fl b nature data la
mentant*1/ « v / m ove. pp. 1 3 -i.
J. K R U Y T . c ila d o po t L É V Y -B R U H L c m Surnaturel, p 219.

•I. Op (il., ix h L É V Y -B R U H L , p . 22 1 .
J. Ibid., p . 182
6 . C f. pof t k c n 'p l o L Ê V Y . B R L 'H L . La mentalité primiti**, p p 2 S -3 7 .

2 9 1 -3 3 1 . 4 0 5 4 3 ; H . W I-B S T liR . Taboo, p p 2 3 0 »».


7. AdAen. 1 1 1 . 7 3 ,
8. Ad Ihadem, I I I . 429.

9 . C f. H A R R IS O N . Prolegomena to the Study o f Creek Relation, e d . H i,


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16. Ibid., p 23.

17. V A N C E N N E I’. p. 37
18 Ibid, p 36.

19. V A N G E N N E P . p p 2 0 s i ; < (, to m b é s » R . L E H M A N N . Diepolyntsis-


chert Tabu at ten. p p 101 W E B S T E R . Taboo, p p . 261 ss
20 V A N G fcN N E P , p 194.
442 TR A TA D O D E HISTÓRIA D A S RELIGIÕES

21. Ibid.. pp. 19J a .


22. E WES1TRMARCK, Su/vrieuieej pcienrxs dam ta cMUsaiioti ntaho-
m itane, lr. fr . Parfc, 1935, p. 1*4
23. Ibid., p. 126
2*. Ibid., p. 156
25. N SODEKBLOM. IXeu rivant dons 1'histoê/e. Paris, 1937. p. 22.
26. Id., ib id . pp. 2<i ss.
27. CODRINGTON. The Melanestons, Oxford, 1891, p. 118.
28 Cf. O VAN DfcR LEEUW. Phanamenolozieder Rell£lon. Tubingen.
1933, pp. 5-6.
29. CODRINOTON. pp 119 u
30. Ibid., p. 120.
31. AliAs, o mana r i o ( um conceito pan-melaaésio. visto sei desconheci­
do tin O al 0fl£ Java (N E ric NdceniO). em Wogeo (Nova Guiné) (Hogbin, Afa ­
lia, pp. 268 ss), a n W açiaagu. TubetUhe. rtc. (Capell. TI# W ord "mana", p. 29).
32. L e i pygmccs. trail. ír.. p. 64.
33. HOGBIN, M úM . p. 274.
34. Religion o f lhe North American In d ia n , pp. 349-54).
35. The Melanesians, pp. 119-21.
36. HOC1BIN, S la m , p. 259.
37. Ibid., p. 2&4.
38. Ibid . p. .352.
39. HOC BIN, S la m . « 12 « .
US. Cl. bisna, i 14.
41. FRAZER, The Worship o f Nature, p 189; :r If. Les dteuxdu rid. p. 213.
42. I M ., 312; cf. RAOIN. citando SEL1GMAN, LatibtrynpritnU Et, p. » 5 .
43. I’odctftnics tentar salvar, na perspectiva do cristianismo, as htesofa-
niai que pcccedetam o miUsrv da cncatr» 4*io valoriaando-as coroo uma Wt >c de
prcflpuraçiW desia c ik w u c ío . Per cons*rqtir*.v« — cm vei i t coriuderarrros
as modalidades " pagiv" do saprado (os feitiços. os id oil's, etc.) como laves »Utt-
ranlcs e degenerada* d o trntliiicmo Kli(W H da humanidade decaída pelo peca­
do, poderiamos interpret,! las conto tentativas desesperadas de prefigurar o m:v
tério da enca maçam Deste pom o de vista, ioda a vida rchgiítsa da human dade
— vida tclieiov» expressa p d a dialética das hiccíanias — n ria somente uma ex­
pectativa de CtWlO.

II. O C é u : d e u s e s « r a a l a r o t . r ito s e s ím b o lo » c e le s te s

1. PETTAZZONI, Oto. I. 3H); SCHMIDT. D e r U nsp ru n g d e r G o tte sieh e .


p. 399.
2. PETTAZZONI, pp. 290 SCHMIDT. II. f«t 402-5. 648-52.
3. PETTAZZONI, p. 175.
4. I b id ., p 244.
5. I b id ., p. 358. n? 2.
6. Cf. SCHMIDT, 111. 1037; VI. *0. 2.
7. A, W, H O W irr, T h e L i e u m T r ib o s o f S O id h -e d fí PP W
s*.. 446 *s. PETTAZZONI. pp. 2 ss.; W. SCHMIDT. I. 4 Ié : III. 846 >4.
8. HOW1TT. T h e N a tiv e s T u b u s , pp 494 pp. 528 s».
9. I b td ., p. 490.
NOTAS 443

10. SCHMIDT, III. pp. 845, SÓS, 871.


11. /Wc/.. III. pp 656-71?.
12. Vet a bibliografia.
13. Mas n'ao poderiamos rcdun-lc«, como fax o padre Pciiaraoni, a unia
simple« personificação milica da abóbada celeste O elemento original é a esttu-
tura amropixósraica da sua personalidade. CH svorjobaluk, por exemplo, falam
de Birodjil corrvo de um "G rande Hom em" que ouirora andoo pcla Terra e se
encontra ajor* n o Céu (Howttt. 4S9). O i caracteres naturiyavuranlanos faltam
quase totaliiKíite na fteurade Mungar.gaua ("P ai Nosso"), Que rx> entanto i um
dos mais antigos seres supremos dos australiano» (cf. HowtU, pp. 616 t s ; Schmidt,
III, 591 ta.)
14. Cf. por exemplo C» svlradjurlkamilarai c os yuin kuri
15. GEDEN. Eucsc/evxrofia o / ftrligiou* and F.thics. VI. p. 289
16. RISLEV. Th« PeOi‘le o f In d a . Cafcuti, 1908. pp. 216 n .
17. SCHEBESTA. U i p y im & í, p. 161
18. Característica naturalista: oniseicnic-onlvklente; cf. PF.TTA7.ZONI.
p 96.
19. O aparecimento da vegetação; SCHMIDT, Orsprunf, |. pp. IM ss.; III,
pp. 122 sx.
20. Let p.itm A ts, p. 161.
21. Cf. MARTIN GUS1NDE, Dar Hochtte H'eror bei der Selk ’nam a u f
Feuerland, Festschriff Schn'.id:. pp 269-74.
22. FRAZER. The H'Ofshlp o f Nature. p. 99.
25. M. K1NTJSLEY, T r o tts In »V.sr Afrtco, l.ondrct. 1897, p. Í0B.
24. A. II. F l.U S , ein a ta c io de Frw cr, p 99
25. SCHMI DT e DAI.E, Th« Ilaifxvklnc Peoples. II. pp 198 vt.
26. FRAZER, p. 288.
2? I. SPIE TH. Die Religion* der Eurer, pp. 5 n ,
28 A C. I IOI I.IS, The M au», pp. 261 » .
29. PETTAZZONI. p. 2«7.
JO. PETTA ZZONI. h o , 565, da u w lista das divindades celestes primiti­
vas sem culto ou com somente alguns elementos cultuais, la ta que no entanto
é necessário cotri*.t após as materiais agrupados ceaxctv.ados por Schmidt nas
seis primeiros volumes do seu Unprur-x der Cortexlde« (pesquisas de Schebesta
entre o» psgnveus. de Gusrnde e Kopperv entte os sGknani. de Vaooverberph en­
tre as negritos da* Filipinas, etc.). V « algumas indk-açócs na t»N iografu critica
referente ao capsdulo.
51 SKf.-YI c BLAGDEN,P aganR aca o f the STatay Peníraula, ||. pi>.259,
29?. ?57 ss.
32. SCHEBESTA. U i py&rr.tn. p. 148.
33. Schebesla foi o primeiro curopesi testemunha desta cerimônia. Durante
uma tempestade, os semang farei» um corre numa perr.a com uma faca de bara
bu, derramam algumas gotas d< sangue sobre a terra - oferenda á deusa Ma-
noid — e iaiKam o resto na dirtvão dos quatro pontos cardeais, grilando: “ Va!
Va! Va!” , c invocam o deus do Ttovão: ‘T a Pcdn Eu ndo tenho o coração duro
e resgato as minhas culpas! Aceita a minha divida, cu a jxigo'” Ou: "O h !, Oh!
Da atenção, escu«a hem, espevita as tuas oeelhas, Ta Pcdn. que eu nJo te enga
no, pujo o roeu a r o c tenhe mtxlo do iro v io l" (SchctKbia, 149; Scnroitíi, 111,
rt> 178 ss.. 19-'i s*.). F.sta oferenda expiatória de sangue — |W nsew) da qual as
icnungs "pagam ” as suas culpas para com o deus (celeste) do Tros-io — é o re u
único aro cultual, pois n io poscuem qualquer outra p m t.
444 TRA TADO DE H K T V R tA O A S RELIGIÕES

34 FRA2ER. pp. 1 1 9 « .
35 p 135.
35. FZAZER. pp 142 » .
37 là r m , p. 149.
38 /«Jern. p I » .
J9. /Av»i. p. 168
40. p. 18Í.
41 FRAZER, pp. 205 cf. a bifclioy/âtia
42. PETTAZZONI, p 239.
11. SPIETH. D ie R e iie ío n ritr E e te tr . pp. 46 « .
44 LR ROV. l . j r r iifio n d n p tir n \l(fs , p 184
45 TRILLES. L e i p i g m t e i . p ?4.
45. I t i d . . p. 77
47. PETTAZZONI. p. 19*.
48 TSILLFS, l e i p r g m é e s . pp. 7S-9. L ' i m * d n p fg r tts e s , p. |09.
49. PETTAZZONI pp 1 3 0 «
50. I b i J ., pp 155 » .
51 CODRINGTON. T h e S M a n n i e n i . w 155 w.
52 PETTAZZONI. p. 161.
53. A. P. BROWN, The A n tiem o K h l e e d i , C am bridje. 1916. cad. 3.
54. PfTTTAZZONI. p. 134
55. I b í d . pp. 2 l0 t« .; FRA7.ER. pp 130 « .
56. CF. NUMA-ZAWA, l h e H r lte n fo n g e m d e r JapaniseH en M t i h o í o i * .
pp. 101 M.
57. SCHMIDT. II. p. 390.
5S. RENDEL HARRIS. B o M e ^ e s , pp. 13 « .; SCH M IDT. II. pp, 44
266 »*.; 299 <«.
59 PETTAZZONI. p. 290.
60. E n tly s io n dos grcjoí, / u l f u n t u m deu romaoos; í f USENER. R lein e
S c M f l e n , IV. p. 478.
61. ELI ADE. M e ia llu r x j. PP- > « F r t l t ai vlriai trib o i da África O o
dental, certas pcdrai «do venerada* pconjaaiente em tciivAo ceon o cnko dert deuse»
do Ceo. Aisim, pai exemplo. os Ic sM itu i-b tiu chamam L í a cita» pedra« (4 d
nome do icu deus d o Cíxi); Oi kiiU Bltl-fM « a d c tim n a i c faetm Ihci tacrilT-
clov. <r, ivibei oferecem aaciifioos t->i merarei. que c o n ó ie ra ri c o a o tendo ci*i
s incorporada a divindade celeste A rtm a. «I i i . na África. ad citam te c i "pedia»
de raio" (cf FRAZER, pp. 91 *vl.
62. FRAZER. p 190
63. I b id .. pp. 212 i».
64. I b id ., pp. 248 I».
65. SCHMIDT. III. p. 106.
66. PETTAZZONI. p. 174.
67. N io doerr.cn noí o * !« « « . tixU vu. de qoe a and:u$ir.ia i um caiAtcr
pfimitivo da divindade; cepiesen'.a unas fo in u U (<iro«ima'.Ka. c a n o a roâlor
porte 4ai fiirmuls» mítico«) da •'lotalidaJe". da 'T rlcarjK ío ifcí contrariai” , da
c a in d d e n lia o p p o s iro r u m 159).
68. A. CASTRES, R e iie r, !>» W p r d sn . pp. 231 « .
69. U n p r j r . f . 111. p. 3J7.
70 BATCHF.LOR. T h e A m e . pp. 2*5 « 1 258 «
71. SCHMIDT, III. p. 345.
NOTAS 445

72. H . O A H S . K opf-, S c h ú d e l u n d l a m k n o c h e n o p j t r b e i K en hervO lkern.


pp. 211 s t. F. assim , p o t escm plo. que os jurak-sarooiedas sacrificam um a icrv*
brune», nas m o n tan h as mais elevadas, cm h o n ra d o Deus celeste Num (o p . d l . .
p . 238). os lu iiiu se s ía/cm a tu a oferenda. d o nsettno m odo. a o E spirito d o Céu.
Bu*a (p. 243). e le . E nttc os koeyacs, os tchuktchrs e os esquimó-í. o antigo culto
d o Deus celeste encontra-se mesclado dc rletiterKOl totím icos-anim istas e m alriar-
cats. q u e O ahs considera coero secundários (p. 261)
73. Cf. Um Mm Terger, dos buriaias: Tangee. d » tártaros do Volga. Tlojir,
dos beltires; T an jara. dos lacutas, e. provaveimente, Tura. dos tchuvache»;
HARV.A-HOIMBERG. The relifiõitn 1'oeífef/ufer/ der oltaiKhen V o ik e m . pp.
141 a.
74. U O L M B LR O , R t i t t d o T u h e i e m i m n , p. 63.
7}. k .\R J A I.A IN f.N . D:e HtUgion der Jugra Voíkcr, II, p . 250.
76 tt- k t . I I . p 260.
77. Kai Duraoct tentou expíicar ,V u» pelo soçuediano n o rr, 'l e i ” (cf. o grego
/somos), term o q u e teria sido levado pelas populaç"<s da Asia C entral — nos tem
P0> da suprem aesa u iju re — até u extrem o N ofie Adm itindo que venha a ser
co n fitm a d j (o y o c nâo í o raso; v. a fctW joírafu), esla t ú n e l o c a xm tctifc \N < k-
riu provar um c o n trib u to lessc-.il. pois a c o tv e p c io de o n Deus celeste suprem o
t auUVionc em to d a s as religiões árticas e nottc-ASiâticas.
75. H A R V A . K d 1 'o ru , p. 144.
7S*. I b id ., p . 149.
W . M d . , p . 154.
8). K A R iA l.A IN E N , III. pp. 250 ss.
82. HARVA. |>. 284.
83. K A R JA I.A IN K N . II. p. 2)7.
84 Bai úlgen; cf. 33.
85. H A R V A . K efíg 1'orM. p. 154.
86. / N d .. p p . 156 ss.
8? /t “d . . p p . 155 ss.
88 I M . p. 152.
89. /bui . p . 144; K A R M L A IN E N . p. 262.
90. KARJALHAINEN. p. 254
91. H A R V A . p 144.
92. /dem . p . 150.
93. G R A N tT . f u retigion de* c h n u u s. p. 57.
94. H A R V A . R elig . F iv jr, p 151.
95. M d ., p p . 205 ss.
96. C f. Ni nu tirem. K A R JA 1A IN E N . II. p. 255.
97. N ú m l râ re m . KAR JA LEIN EN . II. p. 280.
98. M d ., p. 273.
99. Fr. tlncnm els estabeleceu rcbivdo eittte o s i i B i é r i o “ Deus ", "bri-
Ihstittc". e o tu rc o m on*ol te n g n . " C é u ” . "D e u s " . Por seu lado. P. A. lU rton
pensa q u e O deu» celeste Anu foi im portado — já perto d o fim d os 'rn ip .it prt-
hittórlciK — d a A sia C en tral para a M esopotám ia i S e m u w a n d H a m ilic O rlg ln t.
P hiladelphia. 19.34. p p. 245. 369). IX fato . desde o q u arto m ilénio se podem des-
cobilr certos cor, tato* entre os cultos paieorieniais (Elam ) e as culturas " c a tp ia "
e "a lia K d " fttlo C, cu p fo fo iu rt;« ; v « t u b ib b o v iifia « o tu d o í de M E*xtf,
G . H erm es. W . ArnvcMci. W . K oppers, E. Erzíeld). Ma» o c o r.trib e to prdprio
d é c a d a um a dessas culturas p té tiisldiicaj p m rariece ainda m uito tmpt cesso. Por
446 TRA TA DO DC HISTÓRIA D A S REUOÍÕES

O U ra lado, já :*> Cetceiro tm lcm o ví pcC ím sc*jli a i nfluênciai orietuaw aie o


r<*'< d a R j « i a tcf. os iraballVD* de T a l tt e n ) . S<ja onm o fox, t seno q tx : I?,
o d e a l d o Ceu p e n e o x i l camada» pj<xt<urcai m a j arcalcufc. 2V, as sem elhan­
ças c o n O Jeus celeste iado-curopea »40 n o tifia s . J?, c n je ral. a c»trm «ra da
rciitiw id ad e J o s mdo-e.:r<v,-cvii *pfiCTui»i-se mai» da dos p io to io rco s Co que da
ifc qualquer o u iro (v >'0 p ilco cittu al au méditerràr.ico.
100 lA S T R O W . Dt? Petition Babyloniens u. A rtyiit'ri, I, p. 84
UM F Ú R L A N I. Ul religion M ul0"eie-an.:ra. I . p. 1 10.
102. Ibid., p. 115.
103 Epopfr de « w i r » * , X II. p. 155.
104. D H O R M E . Religion, p. *7.
105. L A B A I , l.e oiros tire relisleux de la royauté assyro Ivbylvruenne, Paris.
IW ». evpec. pp 30 «
106. C ó d ijo de Hammurabi, pp. 4 ’ e 46,
10*. D H O R M E , I s i récitons de B A ylonie et d'A ssy n e , pp. 46-7.
IOS. D H O R M E . Rtfíttor». p. 6S.
I '» C f . pot exempla N E H R IN G , Studien sur Indogerraanischen Kultur
und. Urheimat, pp. 195 w .
HO. H lL L F .ß R A fc irr. Vediiehe Mythologie. III. p. W 2.
111. P it Veda, I. p. 60.
112 . A lharia Veda, VI, 4, J.
113. Idem, I. 32. 4.
114 Pig Veda, %, 4 1. 3.
115. Idem. 7. 86. I.
116. Idem. 7. 87. 2.
117. Idi'rn. 5. 63. 2 5.
118 H IL L E B R A N D T . Ved. M yth.. I ll, pp I »>.
119. C f. abundar.:«» retcrtncia» ein M E TE R . Trilogie. 111. pp. X)6 m , 269S»
120. A thar.o Veda. 4. 16. 2-7.
121. Pt£ Veda. 25. 7 » .
122. I Jem. 7 . 6 1. 3.
123. /dent. 7. 34. 10.
124. P E T T A /-Z O N I. Le ivrps parsemé d ’yeur, " Z a l n c x l s " , I. pp. I as.
125. P ti Veda. 1. 23. 3.
126. Ident. I. 79. 12.
127. Idem, 10. SO. I.
!2 i. f a urpirha Bréhmjnc. II, 52. 34; c f. M sttt., I, 6. I I.
129. Der crisehe tVHtkònig. p p. Ti n .
130. Oxranos-VenriB, r p 39 »».
131. Pig Veda. I, 25. I.
132. C l. O B K '.E R . Die A>nexi Spenia. p p. 154. 157.
133. P o i exem pij Mg Veda. 7. 86; A shierra Veda. 4 , 1 6. etc
134. Rre Vede. I . 2 L 15
135. p. 141 e D U M E Z IL . P- 49.
136. C t. B E R G A K jN E . PA. vdrf , III. 1 1 4 ;S . L E V I, D onriitt, pp 1 5 3 » .;
H O P K IN S. £[dc Mythology, p p l i t » .
137. V . D U M E Z IL 51. n* l ; c f . E L IA D E , La *\den h e v r " tt les.m bola-
me des noeuds, repufciead© <*i Images e l fynsbotos. cap IV .
138. Cf. A. CLÒÇS Die fte.Aycai des Semrumeasianmxt. p p . 123 u
139. O f. t t t . pp. 120 s».
■NOM S 447

140. O p. c i l . , p. JJ.
141. I b id ., p . 42.
142. R i t V e d o . VI. 68. .V
143. Ib id . p . 7. 82. 2. BLRGAIGNE. III. p. 140; DUMË7JL, p. 40.
144. N YIIP RG. Die Religionen d a A lle n Ir o n t, p. 9«.
145. Por exempio H . LOMME1.. L a ancient aryens, pp. 99 « .
146. No «ri» rsU-ilo V a tu n a u n d d u - A d /tv a s
147. D U M ÉZIL.... N a issa n ce d 'o r c h a n te s . p. $2,
14S. C i. BHN VENISTE-RF.NOU. V rtra e t V r th ta s n a . p. 46.
149. lilt S ty m ie u. M ith ra im A n essa , pp. 174 i».
130. Op. c i l ., p 99
151. I lo c h x o it-g la u b e im a llen Ira n . pp. 94 u .
IÍ2. V a rn a . 30Í 5; cf. Y acht, 13. 2-3.
15). V H ifv M t. J. 20.
154. Y a sh l. I. 12-13
155. I b id .. 14.
156. I b i d . 12. 1.
157. Y o sn a . 45. 4.
158. VidêvcJât. 19. 20. Y o sn a . 31. 13-14.
159. Y a ih t. 10. I 2.
160 I b id , 17. 16
161. P U T T A Z Z O N I. L e c r a p ! p a rs e m é d ‘y e u x . p. 9.
162. Y a stil. 10, 7.
163 WIDENGRfcN. op. c il., pp. 2 6 0 * .
164 I b id ., p. 253
165. I b id ., p. 3S6.
166 I b id ., p. 251.
167 NYBt RG. p 105 WIDENGREN. p. 394.
168 Y a sk !. 44. 7.
169. T h e o ç .. pp. 126 « .
170 No rm;o d e Heviodo. a Terra — Gai» — en*mdra U ric a t. o que i
um vfvGcio d ä rclieS o telùnca do totatrato pii-lieMnico.
171. R u i V e d a . 4. 17. 4.
172 I b id .. 1. 106. 3; 159. I; 185. 4; 4. 56. 2. etc.
173 O uranest- Varuna.
174 APOl.ODORO. H ib h o lh .. I. I
175. CMODORO. p 3. 57.
176. J a im ïn iv a B r .. !. p. 44; S. LL'VI. D o c trin e , pp. 100 » . ; DUMÉZIL.
P. 55.
177 ARO UODORO. B ib h o th .. 1. I . 2.
17». N a u tl fre u
179. Cf. 1. 160. 3; J. 36. 5; 5. 5». 6. CIC.
150. Cc4. liu Jc. 1924. pp. 2Í » .
181. S ln c r d i s . " b r ilh a r" , " d u " ; o» ctetetitct cham avam d ia ao d u ; Ma
crotHuí, 1. 15. 14; c f. CCX»K. Z nw , I. PP 1 **■
182. Cf. HLSIODO, Ch trabalM oi e o t (d o s. v 465
183. Cf. NILSSON. G e sc h ic h te , pp. 371 » .
184. N ILSSO N . G e s c h u h te , p . 369.
I » i S'ic-.tuf i f ., p . IJ.
186. P L A trrU S , A m p h ltr . pp 44 » .
448 TRATADO DE HISTÓRJA i>AS R iU G fO E S

•87. A « u i» I r.. |i. 33.


•88. Mitra- Voruna. p 33; Jupiter, Mar/, Qulrahss, p 8)
189. PLUTARCO. Romulus. 18; TITO l.tVIO. 1. 12.
190. Germania. p. 39.
191. C l. C L O S. D ie R e lig io n d e s S e rn u o ’K’t f t a a u u ts . p a ss im
192. HOMMEL. Die Hauptgottheiten der Gtraianen t»ei Tacitus
193. D rcvx d a G e rm a in s, pp. 19 o.
194. Eiscootransos também o mesmo dip«ico na mit<ik:>ej» hatxlrtniea: Fj,
a divindade di» águ» c tin tabcdotla, nfioluia •bcroicajuentc*'com o» montiroí
primordiais. Apsu c Munimu. ma* "eareda ca" por m ío d e <n«mlações irápi
cíc, a fim tie <n malar em seguida (Fnuma Flish. 1,60-74). Maiciik. np<Hter sido
investido dat pretrogati'AS d* soberania absNuia (atí emBo peit«n<enie «o 4eu»
ceksieAnu. iv ,4 c 7). pela »»scmMétadosdouíc*. eAricr rr<<Hdad<li o «t;o,
o trono e o p itu (IV. 29). começa a cixnbater o morsUoriaiiribo Tiaim»:. A«»
lime« «qui verdadeitanente a uma luta ,,bcrc*ea” . No emaato, a arma pr.ncioal
de Maiduk continua a ser "a rede” . um "dom de -eu p»j Anu*' (!V. 49j; ro cap.
I, 83. MafduL c Hlho J r Ea. mas. qualquer cj*e veia a sca putcinldade. esta t
a da «.'facia da soberania mágica. Marduk ‘‘«areiti', Tianui ÍIY.95). "apião-
nn-o" c iBW.-o (IV. 104). l>o mesmo medo apesiotu •.«<?■ os deuses e dera A
nica que tinliam auxilt&doTIama«. e Unça-os cm prisões e eat caosenus (IV. 111-4.
117. 120). Maiduk adquire a soberania pela sua lula ketúica. Cias conserva tam­
bém as prerrogativas da sobrraru mâgxa.
193, ÍXOSS. p. « 5 c not* 62.
196. H ã v a m à l. pp. 139-41.
197. C f. H A R R ISO N . T fie rn á , pp. 94 » .
19$. Rlg V ed a . VII. 102. 1.
199. Ailuinxi Veda. XU. I. 12. 42.
2C0. Rig Veda. VII. 101, 2.
201. I b i d . V. 83; VII. 101, 102
202. Ib id .. 83. I; V I, ?2. 16; V II. 101, I . 2.
203. Rrg V eda. I . 61. 8. 9.
204. Ib.d., I, 102. 8; 1. 32, II.
203. . I. 173, 6.
206, I b id .. VI, 17, II.
207. R ig V eda. I . 23. 12.
20$. I b id .. V. 33. 9; VII, 56. 17. etc.
2C9. HOPKINS. India art God ojFartiRiy.
210. No Rig V eda. VI. 46. 3. < chamado sahoiroinufkka, “ o do* mil tes­
tículos".
211. Atharvc Peek. XII. I, 6.
212. M EYER, Trilogia. I l l, pp. 134 » .
213. M a i n II, 5. J.
214. Uironyc'geeia OriboisTJ'a. I. 6. 20. 2.
215. MEYER. 111. pp. 161 ss.
216. F .su apresentação s u m iria d a hierofani* d e Itvdra. lal cceno nos t re
velada. gobretudo n o mho. *3o csgota a íunçSo quo ele dnempenha na iclifitlo
Indiana TcCat a * fiti.ia s divina* estão cm inum eráveis ritos, d o t quais
não p o d e m * f a i r t f c n u r a d jia s itt n o t p a f l g r i r * p r o m t « . (A ssim , p o t t u r n -
pio. seria necessário relcm arar que I rd r i c o seu séquito de M a ru ts são os arque-
tipos Aís • 'to e x d i4 e ;d e lto r » a is ‘'in l'-a rt3 n a * ,c o m p c a ifts (le jo v em que sesub-
NOTAS 449

metem a ccttas "peovas" durante a sua iniciação; c f. S l i j WikandCt, D er u riseke


M O n n e tb u n d . Lu n d , 1938. pp. 7$ «*.)• Este csclarecinictxo será válida para todas
as divindades que venhamos a mciKtotur
217. C f. os textos agrupados por O t.D EN B H R G . ReU gion des V eda. 2* ed.,
l>. 74: H IL L F .R R A N D T . V e d i x h t M y ih o lo g it. 21 ed.. 1929. V . I I . p. 148.
218 Por cw n ip lo Y a sk t, X IV . 7-25.
2J9. B E N V E N IS T E R E N O U . V n r a e t V rth r o tn o . p 33
220. R ig V e d o . I. 51. 1.
221 R ig V e d o . II. >4. 2.
222. I b id .. I I I . 3S. 8.
22J. A th a r /a V eda, X . 10.
224 I M . X . 10. 34.
225 O L D F N B E K G . R ei. des V edo. «1 II. p. 205
226. C f . K O F*P ER S, P fe r t h o p f e r u t d P /e rtíe R u tl d e r tfid o g erm a n e n . pp.
338 m .
227 C f. M A L T E N . D e r Stu-r tu R u ir u . m y ih u e b e m fílld .. pp- 110 « .
228. A U T R .V N . P ré h isio ire d u (h e in ia n iin te . I. pp. 100 SS.
529. I b id .. P . «».
230 lb td . p. • * .
231. Sobre o termo t f cf. N EM R IN G . rp 73 ss.
232. Y asna. 52. 12. 14: 44. 20. etc.
233 M A L T E S . P e r S n e r , p. 103.
234. I b id .. p. 120.
235. r U R I.A N I. L a reiig io n e d e g li k illiti, p. 35: contra. D U S S A U D , M a ­
n o . vc4. I I , p. .143.
236. CM , JE.A N . L o r e ttiio n sw n & te itn * . p. 101.
237. F U R l.A iN I. p. 36.
238. A U T R .V N , p. 74.
239. G O T Z E .. K lein a P e» . p. 133,
240. M A L T E N . D er S tíe r. p, 107.
241. R J R L A M I. pp. 86 w .; D U S S A U D , o p . l i l . . pp. 345-6.
2-12. F U R L A M I. p. 37.
243. F U R L A N I. R e i i t b n e b a b llo n e te -a sttra . I. p. 118
244. I b id .. p p . 118 ss.
245. I h id ., p . 120.
246. I b .d .. p. 121.
247. A l T R A N . P n ^ í u o i r e d u c h r iu ia n ts m e , I, p. 67.
24S. D U S5.Al.iD . L e s tléeo u vertes d e H a t S h o m ia . 2? cd .. p. 95.
249. M yiholo-gte p kérd eien n e, pp. 363 ss.; l.e ir a i n o m d e Raãl. povtinv. Ler!
d é e o u v e n s , pp. 98 ss.
250. S t y P o i c t l e p h e m a e n n e , p. 362
251. D U S S A U D , S a n ciu a H e. p. 258
252. D U S S A U D . L e vra i n o m . p. 19
253. id e in . .KJvihcloaie, pp. 307 ss.; A v o a r r rte r . pp. 115 ss.
254. D A ftA -C iA L e A U I.T R A N , P r M s tn lr e , I. pp. 69 » .
255. W A R D . S ea l C ilin d e n . p. 399
256. A U T R A N . o;», t i / . . I. p. S9.
257. Cf. AUTRAN. La floile ã 1'emeigne du pòiSsón. pp. 40 ü.
258. Asswtimo* tambem a um fenômeno inverso: um deus local, transfor­
mado cm deus tAipremo a r a * » 6 ••liMiòrm“ , aproprla-se dos preMijios da divin-
450 TR A TA D O DE H ISTÓ R IA D AS REIJGIÔES

J j l - celeste. A u j t . i v i j J i i f piocetaca ò i d d i i ; Co ntctmo to x .e. iJ q c irc oj


jin > jto» c o cr.ador, do S o l a n o jupccctc>. e ( « » a ass o u categotia de detrt
CtocCu (c l. Kr.uf Tallquiu. D t 'A i s ? r l n h e G o s i . Hcfelnkt, 1932. r n ♦I ti.) E r a -
m a E lish . cue íc lia na Babdccta no quarto <iu do novo an o. em p;esen; i de
M srduk, lia-ce na A « in a na presença da etutlua de Avsur l i ab ai. ívpoente<íe
tn CréOllO/i, P ath . 1935. p 59)
259 K O P P K R S . P fe r d c o p fe r , p. 376.
260 W cU ytseM ch tc ú t t S ie m r e r t. p. 143.
261 J tn d .. p .-U 8
262 M y th ts e t s y m M a lu n a ire t, pp. 95 m .
26}. K O P P F.R S , o p . cie . p. 387.
264 C ( . S o lm o l. 18. 15, etc.
265 Ê x o d o . IV. 16.
266 I b t d . IV. 19.
267. J u íz e t, 1, 4.
268 I. « c o . IV . 11 « .
269. I b id .. IS . 3S.
270 Gfnaru. 9. IJ.
271. Jô. 36. 22.
272. I d e m . 36. 32-3; 37. 1 4 .
273. / e m nào coiuegur faiei coei que Sarpédone escape da motte; Heads,
X V I , <77 » .
274 G U N JER T./W M -A e W e ltk tn is . | * 313 ti lC H H lS T U N S E N , L e pre­
m ie r h o m m e . 1. pp. 11 u . ; K O P P E R S . o p a t . , pp. 320 s>.
275. C f . K O P P E R S , r p . 31* t».
276 Ç a t. B r.. 4, * . I. 14. cf 6. 5. 2. 5. 17. etc.
277. C f. O T T O G o ith eí! d . A rie r . pp. 76 u .
27s. J E R E M IA S . H a n d O u ch , p. ISO.
27V K I R F E L . K O im o t’s p h le . *15.
230. H O L M B E R O . D er D c a m J t? U tr e n i. 0 <1
231. T ra in s em C a m : cnum. l e p re m ie r h o rn m e. I I . p. 42.
232 Cl tad.' por 5 V FN SIN K I. T U Vj w l o f i h t E a r th , p . 11; outroc textos:
B U R R O W S , cm l - i t y t , » r». p t4.
233. T e « o ú a J o de K itâ ’i. efe W E N S IN C K . o p c i f . , p. 15.
234. TM. O O M R A K I. D e r ScÁ T alturm . p M .
2SJ. Sum#nW>i arut A k t s d i j n V l e n i o f B ej(tnnim pi. j). 289.
286. O K A N E T . I a pen s* ? chino-se, p 32a
237. P aiao4e última incci/o, cí. V A N G E N N K P ,h f y í h e s e t t c t e m k s d ‘A u s ­
tra lis, ní* 17 e 66 e in p a t t v a i i«un>.
2*8, H . Z IM M E R N . / m i B o b v io n a r tie n N e u p ib n fe s i. II. 5. nata 2.
289. f t i t l t d * . X . 14. I
293. M1RCV.A E L I A O f , U c h a m a n h n e . pp 1<4 s»
291. 5V. B U D G E . F ro m T e to â !o G o a . p . 3*6.
292. V V f lI.L , O c a m p o d o s J u n c a is, p . 5 2
293 Ib*1., p. 28.
294. B U D G E . T h e M u r e m ? , pp 324. 326.
295. C f . E L I A D E . l . e c a o m a n a o v . pp. 404, 423 w .
i X , . V A N GI-N N & P. o p . c r i., c ? i2 .
297 I b p t . iT 44
298 V A N U E N N E P . Cp t i e . n7 49.
N O TAS 451

299. O K I V . P o lv n e iu in M rthototy. pp. I I u .


30U. C H A D W IC K . Growth o f Literature. I I I . p, 27?.
301 P t'T T A Z Z O N I. The Chain of Arrows. ••Folklore", v. 35. I J I «.
302. D IX O N , pp 116 » .
305. W E R N E R , p 135.
30», A I.K X A N D E R . p. 271.
305. T H O M P S O N . Motif Index. III . p. 7.
306. M O l I E R . p. 176.
307. W E R N E R , p 136.
30*. C H A D W IC K , p. '.81.
309. L A D Y A K S , C H A D W IC K , p. ■»86. l-e \o. M Ü L L E R , p. 176; A f r x * .
W E R N E R , pp. 136 tv
310. C l. T H O M P S O N , III . pp 8 9.
311. C f. C O O MA R A S W A N Y . S e o y o rn ltrrm d , p a rtim .
312. POLYAENUS. Stratatematon. VII. p. 22.
311. C f. C O O K , / . t u t , II. p. 2. 12-1 u .
314 O R K 3 E N E S . Contra Ce!rum. V I. 22
315. RADI.OF. AusSiNhfn. II. 19.51; HARVA. RH. Vorn, pp 55?
E L I A D E.Le chamanume, pp 176 i».
316 H O I \ I B F R O . Bauni der le b e n r . p. 136
317 H E R O D O T O . I . 98.
318. H O L .M B E R G . op dl .p p 25 *>.
119. T tn d .. p. 137 c fip 46
320 I M . . pp 30 « .
121. E L I A D E . L e ehamonisme. pp 116 ü
322. I I A K V A . ReUt Vom., pp. 546 ti.
323 C H A D W IC K . S h a m a n ia n , pp. 291 w.
324. C Z A I ’ L I K A . Aboriginal S iberia, p. 238.
325. K O l-R Ü L Ü Z A D fc . p. 17.
126. C H A D W IC K . Growth. 111. p. 204.
327. Ib id . p. 206.
328. Oerent. 28. 12.
329. A S IN P A l A C IO . Fsratoloria murulmana. p. 70.
330. P a r a d u v . X X I X X II.
331 V ila P l o t . p. 23.
332. II. Cor.. 12. 2.
333 C f. O O L S S E T . the H im m e is r e o r d er S e e le . "Arch, f R e i i g " . IV .
pp. 155 «.
,?U Aip V e d a . X . p 156. 2-3.
335. E I . I A D E . Le yoga. p. 197

III. O S*l II o* « H a i to lu rn

1. The Worship o f Nature, p 441


2. Vcr H. FRANKFORT <m Irai. p. 6.
3. Cf FVGNELL. P in n e Kmgxhrp, pp. 21 » . M W.
4 C f G O U T Z E . K in n a s ie n , p. 136
5 C f . E .V G N E L L . p. 61.
6 SCHMIDT. Vrsprune. ||. p. 938.
452 TRA TA D O D E H ISTÓ RIA D A S R E liC IÕ E S

1. IUJ . III. p . 1087.


8. Jf.rJ . p. *11.
9 . S O I M I D I , p . 844.
10. LEHTtS/VLO. Eniwipf. p r- 1 6 « .
II O A H S . Kopf Schiedel-und-Langknochenopftr, p . 246.
11 A car.tcer m urros v e r a de a " s D l a r t ^ i O ' ie ew roer d u e u tic iv e lotiie
a e v n n u r a do x i u i premo c o ib o tal. e iiJo co in o «tvitvUBlctSo O íu . M » i, como
n l o r t o f i l i w v t ainda a» "fo rra» » " divina». iatixiirao» d c preferência i»a prure»
m Oí »3<a(i»acãoòa> figura» urnniana». IvU» r i o im plica, evxteniciTicrirc de fo r­
n a »Ipim » q » e eua» li;u>av vejam a» «nicas a ic;irriti:lar us;>/ft>ttiros k * m tt
il> l•»> pcisonis q u e a h lttó tla c cn ltccw nora que nflo •« tcrihai policio. cm ou-
Itcn cu»<u, pairar Oirctaracntc d o »et supreta» ã dirm d ack u iU r «m i u i p ot in-
ic n n ú lio d o »cr »uprenio taram ano.
13. IR A Z E R . M'otshtp. p 315. »•> I c 2.
14. !U-i . p . 124.
15. FR A Z ER . Wonfup, p. 170.
16. /to«/., p. 171.
17. /h ú /., p . 27-».
18. Kttft*. II. M fiiuter, 1925. pp. 5B7 »
19. PE T T A Z Z O N I. Dco, pp. 223 « .
20. /to//., pp. 1 3 0 » .
21. /to</., p 266.
22. D A 1.TON. Dexriptire Elnoiexr of Bcr.fi!, p. 198.
23. /to«/ , p. 1*5.
24. /to -/ . p 296
25. S . O I A N D RA ROY. The Birvon. R aixt.i. 1925. p p 22} u.
26. ROY. op. ai., [T 373 s».
27. D A L TO N , op. <tt. p 256
28 FR A Z ER . p 631.
29. Bkaf*ar.. lhe Suprtrru Delty c f i»c B».H.
30 l u a in lfjá v ia . p , r paradoxal q n : paieca. iüo pede «rr cxcXrul» aprxui
U «c tentou esplacsr certo . wpevto» da »Riu iclicíc*»» i n i a r - a . ccltc-j ctônicoi-
tunerà: *.•», culto d» letp ente. do» aitnfcolco d m «xgã:« da getaedo. etc.. pela in ­
fluência de p o p u lac« » aborígene». n i o ariana». !• que x considerava POtt/vel
uma influência » r i lc f * d e s primitivo» ío b re os cio|i;»iio*. N o cntM tO , W n í o
m im o tem po um certo n ú n r i o <k «tròtucos n*£» que O» po»' c* aU dctones m a u
prirailivoi da ín d ia. cm particular ch m unda, tcn k im aignm » > « coah eo tio o»
Culto» crgiá>;»cci» e. p o rta n to . que o» indo-evaopeus pudcvvcai dc algum a m anei­
ra tê-lo» recebido dele»
31. FR A Z ER . cp <«ê K> 656 w.
32 FR A Z ER . op CR . p. 6 « '.
33. /to«/., pp. 661 2.
34. FR A Z ER . p. 662
35. /to«/ , p 65*
36. SPENCfcR G ILL EN . V* An**. II. p. 496.
3 \ S T R tM L O H . I. p. 16.
31. H O W i r r . Sú:m 7n!>a o / S . Auffrot*. p 427
39. Cl. S C H M ID I. Unpn ng, II. pp. « .2 . 729 u
40. FRA ZER , Uonüp.p. 516
41. S C H M ID T . Unprunt. III. p p I0Í6-7.
SO TAS 453

42. Ibid.
4*. Wil l IAMSON. BHlgloirt and Cosmic Beliefs. I. pp. 118. 218 ii.
44 FRA/EK, Belief in Immonalilj. I. p. *75.
45. ERA/.ER. Belief in Immortality, ||. p. 2*9
46. Ibid., II. p. 24|
47. EROBEJ*1US. Die H'eHurachasiungderSatureOlKer. Weimar. 159$, pp
1*5 M
48. FRAZER. Belief in Immortality, II. p. 242.
49 RIVERS, History of Melanesian Society. 11, p. 549
50 IM . I. p 289; 11, rr 429->0. 456-7.
51 I’tr.RY. Children of the Sun, pp. 1*8 vs.
52 IIOCART, Kingship, pp 12 w.
5.» MANU. V||. ?<\ V. %
54 A IIABl'RI.ANDT cm Buscbon't VdUctrkunde, I. p 567.
55 WILLIAMSON. 11. pp. *02 vs.. 322 IV.
56 VANDIER, la religion fgyptlenne. pp. 21 e 55.
57. Ibid , p 149
58 I’oc <m. PYR. 293. 913. 914, 14*2 ».; WEILL. Le Champ ties Bureaux
ft le Champ ties O/randes. pp. 16 vs.
59. Cl. poe c.x. o Lisor dot mvrloi.
60. PYR. 2 t' ; WEILL, p. 116.
61 PYR. pp U5-6; WEILL, p. 116
62. PYR. 13*1; WEILL, p 121
6J. PYR. 2175. WEILL, p. 121.
64 MI J5SNLR. Babyiorsten and ,lt<vn*rr, II, p 21.
65. t. DHORME. Les religions de Bab)limit ti d'Aayne, p. 87.
66. Ibid., p. M.
67 HAL l)AR. Cult prophets, pp I vs.
68 Pay.ne eh reiigione med.irrranea, IL pp 22 vs.
69 EliKiPEDES. Mrdrta. 1*21; APOLODORO, Biblioth . I. 9. 25
70 Pajiaruas, III, 20. 4
71 EES TVS. v. v. October cefuus.
72 KI.'RtN'YI. Vater Helios, p 91.
7*. Ktp 1’tda. X. *7. 2.
74. Ibid., I. 115. I. VII. 61. I; X. 37. I.
75. IM . X. W
76 Nig M u . VII. 63. 2.
77 Ibid.. 111. 4J. 6. I. 50. 9.
78. Ibid.. VII. 77. *.
79. Ibid.. I, 191. 9.
80. Ibid . V. 47, 3.
81 Ibid.. IV. 64. 2. etc.
82. Ibid.. 1. 110. J.
83 . 1km rm rr.iliOo. r.#o t alam os Ot rrfaede» ‘ h rtloex*» " nun de sim tlnav
tipo!6*ii*<. Antes <1* MvtOria, da eso lo ca o , da dilioO o. dav altcravoev da h x io -
fanta, ha uina e s tru lw a d a h itrofan ia. Dada a r alidade do» documcr.tot. e d ifk tl
— f . para o r-avvo objclivci, — dcterir.irsai cm q u f x .c c id i a cstr Jturi
d t uma hicrolan.a foi pnrrc-JO a pK tttdid a n o vtu coo/unlo f poe Sodas 0» mom
b u n dc u-T.a J a d a »«tedade. B a iu -n o j ia tim u .r o 40c *.nva h ia o U n ia p o d ia
q u e r tr d ite r 0 . rvjo podia q u e e r direr.
454 TRATAD O DP. H ISTO RIA D A S XEUOIÔES

*4. Rtg Yede. I . 115. 5.


85. I M ,. II, 38. •>; V, 82, *.
86. IM .. H. 38. 1-6
87. RiF Ko*t. IV. 53. 6.
88. IM.. VII. 45. I.
89. Ui rtUtfon \*xtu?i«>, III. pp, 56 »».

90. IM .. I. 35. I.
91. fir/iiirf. (//>.. I. 3. I.
92. m l . I. 24. 8.
93. I M . VIII. 101, 12.
94. I M . III. 10. 4.
95. Fitka. II. 2.
96. PatetDso. 22. 116.
97. fVwiçm vií« P'-, X X I, 2, I.
98. C f. reccntem ente, a este respeito. B. R O W LA N D , fiuddke and lhe Sun
Ood.
99. V « o nosso e studo Costniail flomolo&y and Yoga.
ICO. Por exem plo, p a i ocasiSo d a C a í* Fatitferlc». H O F .fl.P R . Kuiútche
Cehel/nbúnd, pp. 112 »*.
101. C f. o carro solar d e T nm dholnt.
102. Tal com o a b arca ritu a l J o m orro foi o prorocipo da borca profana.
O detalhe tem certa im portância, pois que perm ite com piu-ndcr m elhor a ongem
d as Iíciikms liumaiva» A quilo » que se tem cham ado a cotiq u n :» d a n a tu t& â pe­
lo hom em c m enos 3 coisvcvjííocia im cdisra Oe Jescobenas e a ip iria n c o q-a- o
fruto de diversas “ situações” d o hom em r o e c n ti« ,, i i t u a ç f o d e re m inadis peta
dialítk-a das liictofaiiiit» M etalurgia, acnculrur.-.. calendário. eic.. ti*Jo isso co ­
m eçou por ser a conveqOíiKs* d a pctcepç4o pelo s r r n t x o c u x a das soas situa­
ções tfctcrminndas i»o cosm os. V oltarem oí b csre assunto.
103. SLAW IK, Kuilitche GcAnmbundc. p. 370.
104. G R A E 8 N E K . Des WtUMd der Pr:mU:,en. M unique. 1924. p 65
105. Rep. S I», b . c.
106. Scwtnm s. I. XVII-XXIII.

IV . A L a i e ■ ra is tk u lu n a r

I F U R L A N I, l.artAgionebabiloftac-asairo, v o l I. B o to r h a . 1929. p . 155.


2. lifcuHli. cl IIENTZE, Mythes et syinbala tuneira. pp. 8« St , fi*s 59
c 60.
3. C f . O . SC H RADER. 5 / w . ' W r !. und (tetekPdAw. 2* ed . pp. 443
W . S C H U L T Z . i/Wr/erA/usnjr. pp. 12 sa.
4 TACT TO. (Frntvuc, II.
5. K uhn, cm H c u tJ c , op ed., p. 248.
6. Cf. WILKE. Die rtNiton der J/yitiermanen. p. 149, Eg. |63.
7. Rtf; Yeda. I , 1 0 5 . I .
S. Altar,?,, BriAmane, V I M , 2 8 . I S .
9 . Cttrieilorm Texts 1 5 . 17 ; 1 6 d .

10. Cit. ALBRIGHT. Some fVuow. oj <3ic lexigdom Epic. p. 68.


11. URIFPAULT. The Motion, II. pp. 632 «.
12. SELER. G/sani.vdie etbintniPunxcn, IV. p. 129.
SO TAS 455

13 K R A P P E . Genete des mythes. p 110.


14. W . S C H M ID T . Vrtpntn. III. P- 496.
15 H E N T Z E . Mvth*s e: svntbokt. pp. IS2 u .
16 H E N T Z E . Mythes el symbol*, p 24
I? . VAN G E N X E P . Mythes et légendes d'Australie, p p . 84 5
I* B R IF F A U L T . The Mother:. II. pp. &34-S.
19 Ibid.. K R A P P . Genise. p. 321. n? 2.
20. Unprung. II. pp. 3 9 * 5 .
21. Dos Zwygeschlechiemesan. Leipzig. 1928. pp. 179-81.
22 VAN G E N N E P . op. c.t . p. 46.
23. B R IF F A U L T . II. p . 573.
24. V A SH T . V II. p . 4.
23. BR IF F A U I.T , II. p . 629.
76. Ibid . p p . 62S-.V).
27. K R A P P E . p . IC».
28. T R IL L E S . Les pygmees de b forêt equatonaU. Paris. 1933, p. 112.
29 113
30. Ibid., pp. 115 » .
3 1 . 0 . M E N G H IN , Weltfesekiehte der Stcinznt. pp. 148. 448.
32. H F.NTZE. Mythes fi ttmboles. p. 96.
33. H E N T Z E . fies. 74 82.
34. A R IS IO T E L E S , Hist. Animal. II. p. 12: Hist. Sat.. X I. 82.
35. F R A Z E R . The Folklore in the (ltd Testament. *ol. I, pp. 66 « .
36. B R IF F A U L T . II. p . 585
37. VAN G E N N E P . Mytha. p p . 101-2.
38. K R A PH E. Gtm\w, p. 106.
39. F IN A M O R E . Dudiztonl /lopolad ahruizest. p. 737.
40. I'L U T A R C O . Vita Alex. II.
41. Scguncfc) o lesiem nnho de Pauiünliis, II, III, 3.
42. Duns Au 'ustos, p. 94
43. ltdd.. p . 55. I.
44. B R IF F A U L T , II. p . 664.
45. IM . P 665.
46. F R A Z l'R . Adonis, pp, *1-2.
47. Nat. Animal. VI. p . 17.
48. B R IFFA U L T. p . 66S.
49. D A N H A R D T , NcUrtagf/i, I, 211. 261.
50. I. A. E ISE N M E N G ER . Entdedtes Judentum. I, pp. 832 » . . BRIF­
FA U L T. II. p . 6*55.
51. B R IF F A U L T . ibid.
52. PLOSS e BARTELS, Das IVeitr, I. pp. *42 ss.
53. B R IF F A U L T . II. p. 668.
54. The my tile rot*, «i. lfctfem ian. I. r*>- 23 II. 17. 133.
55. H E N T Z E . Objet: rituels, figs. 4-7.
56. Ibtd. . fig . S, ct :.
57. H E N T Z E . Mythes, tlf. 136.
58. (&d„ p p . 14i) Objets 'UtKif, p p 27 » .
59. Ibid.. Objects, p p . 29 » .
60. N A T H A N M IL LE R . The Child in Primitive Society, l.o m lr« . 1928.
p . 16.
456 THA TA DO Diz HISTÚRJA D AS MLÍGIÕES

«1. P L C S S . I. 514
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(A. Mslhneee Rose in der Poradiest’tdhDng. “ A rthi*-. I. R ílig X, pp
345*7
*5. E j p . p p 359 s\.
66. PUDSS. I. »I? » .
«7. BKIFFAU1.T. II. p. 662.
t£, NÔLDEKE , Me V hJon/e roch arabtsrisem Volte*,'autxn. " Z a l . í. Vol-
U rptychPW íic tix i Spi;ieh»»ttvnscf>aíf\ I. p. 413; B R IF F A U L T . II. p . 663.
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31. IT L O ST R A fO S, Vtta Apod. Trôna. I.2 0 ;< f. t.. T H O R N D IK E , A lia-
Mr)’ of hfr;*. I. p. .761
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33. CT. p o r o c ra p io S f U 1U .O T. Lefolklorede Freme, II. pp- 2 0 6 .3 3 9 « .
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TÍ. L. W IEN ER. Mason andMexican ori$/nr, C om bi id^c. 1926. pi- XIV.
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36. Idxoi, ibidem, fi g 112 c.
77. Idem. fa;. 112
7$. Ohftn, pp. 32 »
79. V O O EL. Ddein Serpent Tort, p II
30. K R A P P E . Ge*é*. p. 116.
S I. T V L l.O R . Rnmilut Culture. II. 30; K R A PPE , p 117.
12. C f. HrhjJ .trj-n u A u L'p., VI. p 2. 16. ChCndOiea C'p.. V. p. 10. | .
S3. Dadhttn-l-Dinik, p .U; W EST, Pahtavi f e r « . 11. p 76
Î4 . C f. texte* <m F CO M O N T . Le symholimc (urxrarx, p. 139. n? 3.
S5. Ref. em C U M O N 7. p IW . n ï 4
16 FIR M ICU S M A TERNUS. De Errore. IV. I. I .
Î7 . C IC E R O , lie AVraOf . V!. 17. 17.
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P r r l s 1935. p p . Ü » . 143 m .
85 IM .. 944 f.
90. IM . 945 <. 4
91. Le synboirtme fa*etcot, pp 200 u .
92. “ Oráculo* cuide«»“ . op. cil . p 201.
93. F É 0 O N .
94. RrjwVW.. IV. 4 34c-441 <; X . 651 b -6 !2 i . Ttot*.. 69c-72-d
9 Í. V n isn P e 'ir OUY SO C R Y , Ixdémono'.opede Part*, I9l>.
p 185.
96. C i. CU M O N T . pp. 203 si.
97. Id., pp 211 » .
91. lé., r . 2 IÎ
99. PRA ZER . 1ht Bft'K/ ui ixuxortalaj. w d. I, p
HR). C f. F RAZER, Befef. 1. 6 5 » . Fol*lor*Ia lheOU TatvocM, I. 5 24$.
HH. Belief, jh>. <6 vv
‘VOTAS 457

10? S c rr ro . 361 .Demure. P . L . 3 9 . c o l . 1 6 0 5 ; c i . C U M O N T . p . 2 1 1 . n * 6 .


103. W . S C H M ID T . Vnpnint der Gotleiidet. « o l . I I I . p p . 7 5 7 **■
MM. C f . d i i c i : - . ! ù o o n I I L N T Z E , Mythes, p p . 1 6 » .
10J. S C H M I D T , Unsprung, I I . p . 2 3 5 .
IC * 6 . K c i u m i J i c m K O P P F . R S . P/trdeop/erund P/rrdeiull. p p . 3 1 4 - 7 .
107 C f. K R A P P E . U t » .
108. De lu.de.
1 0 9 I M .. 1 8 .
1 1 0 . De facie. p 943 b. d.
1 1 1 / litilùsjhczranânuj. i r r v o 2 5 5 .
1 1 2 . Trace di cullo iunare in India, p . 4 2 4 .
1 1 3 . C l . P L I A D E . L e yoga. p p . 3 5 6 » .
1 1 4 Upanishod. I . 5 , 1 4 .
1 1 5 I M .. V I . 7 . I » .
1 1 6 Rtj Vedo. I . 1 6 4 . 4 $
I P Der Unsprung dey Alphabets and die Mondxtationrm. I o j U i( . 1 9 1 3 .
1 1 8 . G r a r r f i » d a Gfogfaphk l/”J Qfxehtckte des a!<
<-, Orients, v o l . I . M u -
n iy « * . 1904, pp. 99 h .
119. H W I N C K l.E R . D * M>,<0»iM*eGeistoXultyr. 2 * c d . . 1 9 1 9 . p . 1 1 7
120 W O L F G A N G S C H U L T Z , Zeilrechnunt and H'rliordnunt, p # 9 .
121. S C H U L T Z iM .; c f . H E L M U T A R S T . Handtuch der Runerhur.de.
H a lle . 1 9 3 5 . P P - 2 3 2 » .
122. P p 4 9 1 .2 0 « .

OORNSEIFF. A > a r Aiphjhet in Met rit und Ma?*, p


1 2 .1 F 34
1 2 1 . Kimeii-l'tuarj Tàrâsàdhena, n V 9 8 d e S J J I u i i u i n i i â ; c f . E E IA D E ,
Coienlutl HomoUrt/ and Yoga. p . 1 9 9 .
1 2 5 . C a r y 3 I I , Knxhnapùtia.
1 2 6 . E L I A D E . op. cil., p 200

1 2 7 . C f . Le yoga, p p 2 5 4 » . ; Cosmleal Homology, p - 2 0 1 .


1 2 8 C f . Cosmicjt Homntogy . p . 1 9 4 . n f 2 ,
129. A L a » m fU ic n a a o o f tio c tq u e r d o . e o S o l. o d lio d O c ilo ; F . C U M O N T .
L ’Égypte ties astrologues. B lin d a » , p 1 7 3 ; a I .u a c o S o l n o » m o n u m e M c n f u r .c -
r ir io t. îlm b o lo d .i e t c r n x t a d e . C U M O N T . L e symbolisme.tuneretire, p p . 94. 208,

e tc .
130. O V tD IO , Melamor/wes, V I . I » .
M l. C I. N O N N O S . IXomsKHVi. X L I , p p . De rap
294 « .; C L A U D IA N O ,
tu Provr/hiui, I. p p . 2 4 6 » ; A H . K R A P P E . Findex de mythologie grimant
que, p . 7 4 .
1 3 2 C f . K R A P P E . Iai tkesse lloldu. t m Élude*. p p . 101 » . ; L IU N C M A N .
fjuphrat R Heur, I I . p p . 6 5 6 » .
1 3 3 . Brhodàrtinyotj Up., 1 1 1 . p . 7 . 2
134 • f Z u « n t c c c t j r v i l c o l o p < 0 ? " . Alhcrta Yeda, X , P- 2 , 13.

1 3 5 . Athand Veda, X I . p . 4 . 1 5
136 H R IF F A U L T . II. pp 624 ».
137. Odifieuf. V I. p . 197.

138 K R A P P E . Cenhxe. p. 122.

139 IM., p . 103.


140. E L IA D E . Mdu! réintégrât!!, p . 33.

141. P IC A R D . Epktse et Cloras, p . 497.


U i TRATADO PT WSTÚJtlA D AS RELiCjCES

M Î. JA f r c riu stctina apioãxiutfc* entrec*ocfa « n « v J PR2V IU S


Kl. f r o n t rk c G reat G o tid r s s to K ã lã . " In d ia n Ql k ’’« ! / ' , 1938. PP
17 u .
1*3. E l.l ADE. L a c o n c e d e ste d t l h lib er :,i r , i p rr.n rrio l u c r e " A itilL
n ' -. 1 9 3 8 . p p . 3 4 « --5 * .
U 4. JIPNTZE. O b je t} n tu rl s. p. Si.
1*5. HENTZE. Enihckõtesisehe B/omen, (t 39.
I « . i U l . PT

V . A s *v»oo « o iJ a h o ltu B o a q n itic o

1 Bhattfvottarapvrina. p 31. 14.


2 Çotapatha ßrckmanc. VI, S. 2. 2; XII. 5, 2. 14
3 nit/.. III. 6. I. 7.
4 lord.. IV. 4. 3.13. etc.
i ÍM .. I. 9. 5. 7; XI. 5. 4. 5
6 Rlg y tria. I. 23. 19 X. 19. I s».
7. A th s r lu F tria . II. 3. 6.
8. Itiri , VI. 91. 3.
9. KUHN. Schwort, en HENTZE. p. 244.
10. W ..M .P 248.
11. Cf. [C|xodui'ô«> dcS<ili.»*un. de Codex Nul taI, etc.. rsovolimcdeLEO
WIENER. Maian und Mexican Origins, Ctmbcidie, 192ft, pp. 49 ss.. 84 ss,
12. B. M ALLINOWSKI. Ihr SexualLife 0 / Savates in Wort Western Mt-
lunessa, Londres. 1935. p. 155.
13 RÜSSEL, The Pirna Indians, c»n Annual Report oflkr Bureau 0/ Eth­
nology, vol. 26. WnsEiagion, 1908. pp. 239 ss.
14. RefciOtci« cm Cooni4f«t*iiny, lo fa is . II. p. 24.
15. Coomsintwany. p. 13.
16. Tfauiiriya, I, 1 ,3 , 5; Oriapotha Br. . XIV, I, 2, 11; cf. Ràmãyana,
Ayodhya-Kand». CX . *, Makatbdrat, Viai-Pxaru. CXLII. 28-62. CCLXXIt.
49-55; Wtägjveta Purina. Ill, 13, elf.
|7 ltnri., cf l:«!>lx>xrafu.
18 Ermma Elidi. I, 1-5. Jo a vct&Aodc I a h * , Ixpoê/ne babylonien
dr la erratum. Paris. 1915, p. T).
19. Rem«exno! o ledot para NaOmaftn dt DAHNHARDT (vol. 1, pp. 1 891
c, para ind>cacoei bcWxijyil’ica» tu pt<aient ares, para Mm if Inde* of Folk-
Liletotu/e de ST m i THOMPSON <vc4 1 , pp 121 m .).
20. NYUEKG. K M urtri />.<■ -. pp. 113 s»
21. Í KM.MUI.RG. Ose WamagottMelte/t tier Jlnnlsh-u£rkhen Vfriker, pp.
120. 126. 138. etc.
22. NYBERG. P- 5».
23. Germana p 12.
21. DIETERICH. Muller Frde, etí III. pp. 19. 126.
25, M CKEN ZIE, I n f a n t) e>f M e r i x l n t , p . 240.
26 Í. Í.
27 22, 1-2
28. C f. EZEQUIH, p. 4?
29 MCKENZIE. /*fa*t} e f MteTtetr*. rp. 231 ss
N O TAS 459

.30. S l'B ll l O T . Folklore. Il, pp. 256-91.


31. Ibid.. I l, pp. 230 u .
32. S fB Il I.O T . Folklore, II. pp. 460-6.
33. RO N N O W , Trila 4/Wiu, pp. 36-7.
34. MANNINI-.N, Oie diimomuncken Krankheiten. pp. RI ss.
35. 36. 25
36. 13. I.
37. YaOiiT. p . 65.
36. F.nei/la. Il, pp. 717-20.
39 E U R IPC D E S . Aheue. pp, 96-104.
40 Fonte d e C lito i. Ja Arcadia; VilruvIiM. De Anhiteetura, 8; Saintyves,
Corpus, p. 115.
41. JU ST IN O . I. Apoknr.. p 57. I.
42. Lmida. IV. pp 634-40; M A CROBIUS. Sal.. III. I. « c .
43. G R A IF L O T . Le onVe de lybele. p. 268, 2S I. n ' 4
44 Odin+a, VIII, pp 363 6
« II. 10. 3 .
46. /fi« o e, V. | . | 7 , 43-54.
47. PIC A K l». Ephèie el Cbvos. p. 31S.
48. H cn h a; c f T Á C ITO . OermJma. p. 40.
49. SAINT YVES. Coeptis. pp. 212 w . 215 »
50. L ix as, 3.
51. Idem. ï . 16
52 l'ptil. nom , VI. 3.
53. Rom , V I, 4 » .
54. D e B«/» , HI V.
5$. Homil. in John. X \V . 2; SAINTYVES. Coe/ne.s. p. 149.
56. Esl» concepcão insnlcvc se também tut especulavâo fllo»6la;o. "P. a morte
l'ara as aim as lornarcm -sc àgcua". die lle ric lito <fr. 68). f por isio Que " a aima
KO» 6 a mai« ta b ia c » m elhor" (fr. 74). O tem or de ijue a u n id ad e "dit-v'lscsse"
a» aim as d ctcn catn ad as. ta/cn dc-as xeemmar c projetando-av d e n ova noctrcui
lo d a t form as d e vida in lerlo rct. era frei; ilente r u v a te io lo ria íie ^ a Um lina-
UKnlo oefico lO e n ’cn tc. -Vécut.. VI, 2, 17. 1; Kent. 226) die nue " p a r a a a ln a
u -itu a e a m e tte " , c P o rfirio (XViWtrn? nymph.. 10-11) c sp lu a a leruVJrKia da»
a ln u s d efu n tas p a ra u utaidaiie pelo scti d e» :|o de u v n c s in * ;io . A eipcvuluean
postetKU depreciou a fui»;.*« getm m atisa d ut aguas, poti/uc situava a ielroU.tdc
p o u moritrn ufio fia rc in fc trx â o i»o urcuiro cùvinxn m at. p ria c o n lrin o , na o » \V j
»o m undo das f o r n a s o r/im o i-,, e v asio p ara o em píreo. pur» a i retyOes eoJestcs.
Dai * itnfviiiárscáa c«|»M) dada ao» itm cririm solares e Us c o tas secas.
57 Foca*. 16. 24
5R. O I Í N E T . Genre G ret. p. 62; SC H U I.F, Laformation de 1j perdre x'tY-
que. pp 119. n ? 2, e 2 :0 . n ' 2.
5V. PA R R O T. l e re /rif e/ru/u. pxv.nr. F.F1ADF. /obr.aets. 1. 1938. 203 ts.
60 Fl lA O E , Imut'i ,‘ui FuthjAjuus. p. 95; Z sfm o.ru. I. p. 205.
61. P A K K O I, 103. n" 3. /alwoxo. I. 336, com referências compRmeniaiCt.
62. A reaçHo com eçou no sécuks IV com S. C lrllo de Jeruualinr, Cateeh.,
V IS . 8. As p r o it <••*; < d « ü i:< C K f e iw tn i- « dtw lc o 2° Concilio Oc Arlc» —
44) ou 452 — a ie o Coocilm Je T i« * s cm 1227. .W in dlsso. grande núm ero de
ap o io tias. d : c a rta s épiscopats e cu rro s tcx'cn baiirara a lut» da Igreja corar n
0 culto das á*u*o; cf. SAINT YVES, Corpui. pp. |6 J » .
460 TRATAD O O f H ISTO RIA D AS RELIGIÕES

63. V A ILL V T. Lt iidte da tourcet riens 1rs Gaule onfique, pp. 9 7 Î .


64 Jlid.. p .
99.
6S. P fT T A Z Z O N I, Le reHaiorre primitive tn Sardegno, p 11)2
65. itvt.. p p 102 3.
6» SM N T Y V E S. Corpus, p p IÍ9-95
68. <1) SAINTYVF.S. Corpus, pp. 2 9 » . . 5*
69. SA I NT Y VES. Corpus. pp ICI » .
70 ibid. p. ICI.
71. Pjusar.ias. I, 34. 4.
71 JA M B I IC O . J * Myll, III. ii.
73 TÁCITO. Amis. II. p . 54; inh.-e o OMCuto de Claro« ci. PIC A RD . EpRR
se et CUtoi. Paris. 1922. pp. 112 s*.
7« T e a to t e x A. JE R E M IA S. Hardback. pp. 3944).
73. V III, 3$. 3-4.
76 Ver r«i<têr.::aa c b-.NiosrufiM, N ILSO N . GetcHU-kte. I . p. 220. n7 3.
77. SA IN T YVES. Corpus, p. 160.
78. Op.. TJ7 V3
T9 FRAZ.ER, Toll.It/r in she Oîd Tcssmenl, II, p p . 417 s».
Mi ilrada. X X I. pp. 124 i.
I l R eferto cu » cm N ILSSO N . I . p. 221. n? 10.
42 IM.. I. p . 222.
»3 N ILSSO N , pp 227 » .
14 Teognnia, v. 364
45. Ver, poc exem plo. E U R IPE D E S. Helen, pp. J . 624 s«.
46. C IO 6201. citad o p o t JF.ANM AIRE, Couro! el courHes, p. 29Í.
47. F etfu \cit* Jo pce R CA ILLO IS. Lesdtmerro du rmeh. "R ev. H i« . R el.",
l. 116. p? I . 1937. p 77
a». NILSSON. I, p. 416.
89. C f. Lokasenna.
90. C f. D U M EZIL, Ia' festin d'immortabise.
91. A. C BROW N, c i a d o poe K R A PPE . Ui gfnesv des mythes, p. 209.
92. O n chit*-»« n.ir.ca d isu n n rir« -ti ir iito b eta a K t pen'.e d o a riraa l x itic o
(Cl. G R A N E T . Dames es !..'tendes. II. 354)
93. G R A N E T . Id penfde chinoise. p. 135.
94. Ibid . Dama, I, 353 6. no:».
95. tO'd . 361; c i. FR A Z ER , Tbe Magic A'f and the Evolution o f Kings,
I. p. 297. jo b re eu t:taai» ch;aesei de c h u * «on» à ifig ie do diagAa.
96. C i. G RA N ET. ibrtses, I . pp 3 « 50; II. p. 555; K A R LG R EN . Soene
FecundJ,- Simbols. p. 37. etc.
97. G R A N ET . II. p. iiO .
■95. K ARLGREN. ? . 37.
99. CHAVANNF.S, Me/Kot-e.5 de Ssf-Ms- Tsien. I. p p . 3 a«.
100. SSF-M A-TSIFN. Mémoires. Il p. 325.
101. G R A N ET . CrtiAta.Von chinoise, p . 216.
102. IM.
103. SSE-MA TSIEN. MtmoL'éS. III. 2’ parle, pp. -4S8-9.
IM. PRYZI.L'SKl. in P'mctsc i Codai: dt poisson. 3. 2"iS.
105. E ce rx-tar » p c tiiila J e x :p c « :< ipeixe. n v m t r o i r i t m l o . i.rb c v o
d»« a t» » i. C i ob>cu:i Jade d n n ia -in a ra fe v a d o ) — Soi Ç"t31Eo d o S o i" ou t a
b rim a a e . e tc ., siiato lo dr. r u a fîtfaC c). p o a ild id c ib U iala pelo» c a u x e c to t
NOTAS 461

irltKO i que fu n d am um a diais*'*. q je r d ire r. que abrem o n a o o » i época hhtó-


rica. A fusáo cio» p ribcipx» corwritio» encontra « yrtnpre que te lenta " fo rm u ­
lai’' 3 á o - .u J jJ í (cf. h7UKjf, Mitul Reintegram. 52). No» mKOS m Jor.tiios c tudeue-
ai.aiico» aos q j a u aos reíeenttos, CVJ (Oinddentia oppositorum s:£ni!lca o Iint
d o Ctcio p d a I cgrewAo a unidade ptiinof d ial, teguida pela in au g u raçio de uma
" d in a u ia " . q w r d i M , Ce um novo ciclo hiilóiKO
106 O P P L R T . Onilncl mhotnranit, pp. 24, 67-68.
10? T exto cm O P P E R T . pp. 4’ S-6; cf. te yo/j. p. 546.
106 Poiler-íe-U explicar peia n w in u ÍOrmuta o rirucim entodo» heroe» pie-
goi a p ajti: d e tiinfA» c n iia J e t. divindades dx\ água»? Aquiles t f ilt» de T ítu .
niivlí m arinha. f I r cocar que o> herôtv h x a it descendem frequentemente d í rvâia-
<5o». tal COOO If.ro o e , Sotm os. etc. Um hei Cu local t m uiun >cim uiaa soêucvi-
»êoeia de um ctil’0 arcaico, pre lodo europeu: ele era o "sen h o r d o lugar” ,
li» . C f. p. eu. VOO E l . Serpenl torrthip. possua.
110. H K N T Z Í, U . 24. etc.

V I. A t pedra» sagrada»: epifania*, tlaal» e fo rn a s

1. I.es rroms des hoehes Iithujutx. p. 5)5.


2. O C T O B O N . Staiuts-rrtenhtry. p. 562.
-V IM.
4. W H S C H O O B E R T , The AboriginaS Trites of The Centra! Provinces.
cm O n r a r o! índia. 1 9 3 1 .1 (III. t>). p. 85; W. V. GR1GSON, The Mana Gonds
oj Bastar, L o n d res, 1958. pp. 274 »».
5. Este» trsuliado* çâo h a u a n te im portante», p oujue o cotlu m c de erigir
m onum ent!» funerário» nâo parece ser um a tradição a u lix to n e do» b ln li. a po-
pidacáo mais arcnica da índia C entral (p 156), mas um a influência devsda a o t
povos m egalltleos, tais conto os dr ávidas e o» inunda (cf. Kopper». Monuments
to tht Dtõdof lhe Bhits, p. 196). V«t<> que nem i» Ar ia» ttctn o» autore» d a civili­
zação p rcliisl-o áca d o Indo (III m ilênio a.C .) foeam povos niegalilicos, o piobíc-
11!» da origem da iraiíiçio m egalítica d o Indo perm anece cm aberto. Seria tal t r a ­
dição devida 6« Influência» m l -asiática», austro asiática». ou ha» era que cvplicá-ba
por telacòe» I«'»i 6ik '*». geisttieos (talvez m diteiai), eoen a cultora megalítica d a
peí história européia?
6. kO PFER .S, Monuments to lhe l\\td of llte hhds. pp. 154. 151. 188. 189.
197.
7. KOP l’E R S. Monuments.... p. 188.
8. SEL1G M A N . t\iton Tiitvs of the \iloric Sudan. Londie», p. 24.
9. W IL L IA M SO N , The Soeiat and Pohtnal Systems of Central Polynesia,
II, p |i. 242 s t .
II) L A V A RD , The Journey of the Dead. cm fssays Fresented to Üeliyman,
Londie». 1954. pp 1 1 6 «
11. .Vo:cr J'ethnolotie nf%*ak\iontennt. Pari». 1950. pp. 185 e 241
12. P i r 7 . v 7 ^ 0 \ I . Dio. p. 10.
13 HLITTON, Cersus. I. 1951. p. 88.
14. ]. W - L N O lí1, I j codueer et tasymbolique dravidienne indo-mcditer.
ranéer.ne. p 12.
15. lhe \ j t i \ a Tnbet of Central Au’traiu:, p. 357.
16 H A R IL A N O . Primitive Palernity, I. p p 124 st.
•462 TRATAD O DE H ISTÓ R IA D A S RELIGIÕES

I? FR A Z ER . Folidou in the Old Testament, II, p. ?5.


I S. GF.O RG W ILK E . Dx Refigron der Indogermaner In orvhisloxisclier Be-
trarhtunp, L cipnp. 1921. pp. 99 n .
19 FR A Z ER . The Folklore m the Old Teuamenr. v d II. pp 903-6. B.
NY BERG. Kind and E'de. Helsinki. 1931. pp. 66 j >. « p. 239.
20. N Y B ERG . op. a t. p. 66.
2 !. VAN G E N N E P , cm P . SAINTYVES. Co'pus. I I . p. 376
22 A . H U G U E S. IM . p. 390.
23. V A N OENNEI». Awl., p. 317.
24. Ibid., p. 332.
25 P E T T a Z ZO N I. Du>. pp l9$-200.
26 Evem ploi cm Corpus, II. M 7, etc ; SEB1LLOT, L*folklore de France,
I. 1901. pp. 335 A . L A N G . Myth. Ritual and Religion. I. pp. 96 »».; SAR-
TORI cm Hondworterbuch des deustch. Aderglaubens. verb, “ f ie rie r " ; L EITE
DE VASCONCELOS, Opdsadta. *ot. VII, Lisbon, 1938. p p 653 «
27. S E B ltL O T . op. at., pp. 339 40.
21. SAINTYVES, Corpus, vnl. I l l, p. 346.
29. C l. indice Cos trfcs volume» d o Corpus tiefolklore prekmoeujue, verb.
“ f tk tlo n "
30. Corpus. III. p. 375.
31. M C K EN ZIE. Infancy of methane, L ondres, 1927, p. 210. secundo irv
lo«nia(«>r» d o r jo rn aii
32. Le folklore dr France. IV. 1907, pp, 61-2; Traditions el superstitions
de h Haute-Bretagne, vol. I. p. 150.
33 8ËNARD I E PO N'TOIS, Le fUmterreprihtiuxttpue. P*ro. 1929. p . 268.
34. V. ELSLER. Kutxr-KyMe. " P I uI oIo ïlh " 1979, pp. MS-51. 161-209. C l.
C . H E N T Z E , Mythes et symboles lunaires. A nluccpia. 1932, pp. 31 ss.
35. SAINTYVES. Corpus. III. p. 431.
36. C f. o IrxlRc da IV lo m o d o Corpus, vcib. “ P ed r» <lc nm or, p o ll a dc
casam eato ".
33. H A R M .A N D . Primitive Pcterntiy, I . p. 130.
38, L E IT E DF. VASCONCELOS. De terra em terra. II. Lisbon, p. 205;
OptiSCvfot, V II. p . 652.
39. SAINTYVES. Corpus. III. p p . 36. 213. etc.
•10. Ibid.. II. p. 401.
41. P E R R A U L T D A B O T, reproduiklo em Corput, II, p. 403.
42. F R A Z E R . AiiorUs. Auis. Osins. J, p. 36 •
43. I bid.. Balder Ike beautiful. II. p !S7.
44. SAINTYVES. Corpus. II. p. 403.
45. Ih*i., II. p . 40).
46. IM ., varb. ••coodciikO ei".
47. H ANNA RYDH, Symbolism In Mortuary Ceramics, p 110.
4*. SIR JO H N M A RSH A LL. Mchenjo Daro and the Indus civilization.
I. p. 62.
49. MorrtiH.hr Feiszrelchnungen aLs rdlgrose Vrkanden, F ran k fu rt, 1934. p.
24«.
id. CQOMARASkVAMY, 7V DrktA SitkOfilK WaifontlOO, 1935,
p . 17. «5 22
51. UNO HARYA, Dxttxgterxn Vomeiungenderahawhen Vdlkcr, p . )53.
52 F R A Z E R . The M*t<c Km£, I. p. 308.
NOTAS 463

53. B ibliografia na ro ssa obra Aletathirgy. Magie and Akhemy, p. 3.


M Protreptco. IV. 46.
55 V IN C E N T , La religion des /udeo-aroméercs d'FJepbaniine. p. 591.
56. LA.WMHNS. Le <v lie des betyla et lesprocessions religieusesdans l'Ara­
bie pré-itlamu-)ue.
57. A. B E L , La religion musulmane en Bertufrie, I, Pari«. 1938, p. KO.
58. Ctnrsli. 28, 11-13. 16 19.
59. IXJSSAUD, Les origines (onaruvnnet du sacrificeàriufiite, 2‘ e d , 1941.
p 232.
60. Op fit., pp 234 st. Cl. J o c r a i » . 43. 13 M osb tcrâ vergonha de KC
m o t convo a C a ta ik Israël levé «crgor.ha de B ctbd?
61. D U S S A tll). Les cUcouveries de Ros-Shamra. 2? ed.. pp. 97 c I II .
62. V IN C E N T , op. rit.. P . 591.
63. M IRCHA Ë LIA D E. Insula lui Euthanaxius, p. 117
64. JO S U É . 24. 26. 27
65 Cif.NRSIS. 31, 44 u .
66. Lerfthf). 26. I
67. JJ. S2.
68. A. BI-.RTHOI.ET. Uber kutüithe Mottretrxhtebungm. pp. 7 t t
69. X. 16. 2.
70. V A R R A © . De língua latina. V II. 17. m enciona u t » uadiçAo segundo
a o ompJiahit « c i a o tum ulo da serpente saçrada de Delfo». Pilon: çuent
PylhonH eiunt tu/nutum.
*1. GexhidKe. I. p 189.
72. C ita d a p>oc M icró b io, SaturnaJs, I. pp 16. 18.
73 D U M É Z IL , Jupiter. Man. Qu."inus, p p 228-9.
74. C l. C É S A R . VJ. 13, media reyto.
75. SA IN TY V E S. Corpus. II. p. *28. com bibliografia.
76 Ibuf , II. p. 327.
77. Ibttf , II. p . 367.
78. V II. 22. 4.
79. C f. RAING ë A R O . Hermet psycluigogue. pp. 348 sa.
80 C l. DEMISE DP. LASSEUR. U t (Stents anrtfes, Paris, 1919. pp. 139 ts .
81. DH VISSER, pp. 65 « .
82. SOL.DLRS. cm "A rctil* (. R cligionv»M «nschaft'\ 1935. pp 142 w,.
83. Ocschkhte. I. p . 189.

VII. A T e r r a , a mulher » > fecundidade

1. H P S lO D O . Teogontu, v. 126 s t., « n u n d o a traduçAo francesa de P aul


M ju o o .
2. ,-i Ar terte, I vs.. trad . francesa le a n llu m b eit.
3. E s q u i l o , twjo/as. v 127-8.
4. x . 12.10
5 » 12 » .
6 L em brem os r;uc, n o miro dc H esioüo. Crotvos c a u r â veci pai, tr.at p a r
razões rntiilô d lfe fífit« : t w q « U rano dava Bripcra, «01 cif w itef. a criatura«
m onstruosas. que depois cscxxxlu n o c o ip o d c G aia. A . I.ang julga podei expli­
car o mito g reg o pelo raito roaoo. M m , enquanto crie ullim o i simpk-smcnl«
464 THATADO DE HISTÓRIA D AS REíJGJÕES

um m ito cnunoaiViKO q ue e n r ic a a diwânci» que h i catre o C ô j c a TerTi o


m ito uran ian o 'O t cx p S eiv d te te c o n u d c ta r o conjunto ritual i i d x i i .i x x da
soberania. coroo m ostrou G l> jm c."l. cm Ouronot- K jra r» iP a ilt. I»J4).
7 N UM AZAW A, lhe II'ehonliinge, p p . IJ8 303 m .
8 P E I T A Z /O N j. Dio, I, pp. 130 js.
9 K R A PE E. O / v . v d,s m/tha, p. 79
10 Itrid. . pp. 78-9, N unaeaw i, pp J |7 v».
11. PE T T A Z Z O N I. op. cu , pp. 210 2.
12. Id , Itrid. p . 2 « .
13. Id.. lb:d. . p. 24],
U . KRAPPE. op. «it.. p. 78.
15. PE T T A Z Z O N I. op tu . p. 279.
16 //>-'</ «/.
17. FL'Rl ANI, l.j reüpioite degii HUlili. BoiooKa, 1956. p ç . 18 c 15
18. N U M A ZA W A . op. ol.. pp. 9 J t».
19. D IE T E R IC H . Muter Erdt. p 14.
20. NVIIERG. Klitd un Erdc. p 62
21. D IH T liR IC H , op. dí.. pp. 19 *».
22. K A ECKHARDT, 1'disctre Urjicr&IUbtrit, penim.
21 JAMES MOONEY. 77wG A att IXi'«e Rehpioo andtbe Suiux Ojrirrcet
o f 1890 (W w h in jlo n , 1896). p. 72.
24. P R A Z E R . Adóntt. tra d f r.. p. 67.
25 NYBERG . A .nd urui Erdc. pp. 6? «
26. Mutrer Erdc, tio Ytnuch úher Yó<8srtEfum. l . a p r . |. BetLm. 2* ed..
1925. au m e n u d a c co n jp íctaia pof E. Fehrle.
27. Curtam tecart, 1914.
28. Cacftiehic. I. pp. 427 »*.
29. Promtltv. p 88
30 A Cidade de Deus. IV. cap. X I.
31 Op. dl., p . 7
22. N YBf.RG. Rlrut u.od Erdc, p Jl
J ) . f. o ea>o de R ute. Prnuulve Cvltvre :a Irelr. p. 133.
J4. SA M TER . CeEurr. p? 5 sa.
35. FONTES em Nilvtx. op. cr/., p. 131.
36. PLOSS-BARTELS. Des WVtb. II. pp. 36 .«.
37. Op. iif , p. 6.
38. Ver tam betn M O M O LIN A M A RCO N I. ft(/lessimrduerrana ntilapiú
a n a ta r c tizio n e ie v a te p p 254 st.
39. N IB E R G , <>p dl., pp. Ià> t v . c \irej. II. P- 266.
40. D IE T E R IC H . op eu., p p 14 u . : o tr.ho d o bomern T ctu de terra, en ­
tre a t a u s tis lo ix » ; e N J IIERG , op. dl., p . 61.
41. Id.. lOid.. p. 1)7.
42. fd.. ibid.. p 160
43. D ELCOUKT. Sttrdtts m vtíZrVvses. p. 64.
44. M IRCEA L I.IA D E. C c e rjn e n u iic i a '.a te je n d e d u Ma: Ire M inole, era
rom eno, p 54.
45. JUVENAI., XV 140
46. DrETT-RIGH. o p dl., p 22
47. S C H E 3 F S 7 A . Lts p;s>m V ), p 142.
48. VANDER LEEI.IW, ÍXj j topcra-Me HocktrtKTçrebpnH.
NOTAS 465

49. KYBF.RG. op (il., pp. 181 «-


50. FRa ZF-R. FoUthre in the Oui Testament, II. p. 33.
51. DIETERICH. op. ci:., pp 28 s ; NY BERG. op. ci/., p 150.
52. NYBFRG. op. «/.. pp. 144 M.
53 UIETERICM. op. ci'/., p 13. n. 13.
5-1. Y. 18. 10.
55. XVIII. 4 . «
56 Athcrra Veda. XII. I. Il e U.
î?. Çatapatha Broh . XIII. p. S. I.
58 Por exemples: "O :eu fcilito vai paia o vcnto. o leu oavido ;vra os pori-
Ici carde-ars, os tcu» otVo» »oltani par* a X m l" — Ailareya itrohrxinj II. p. 6 U
59. PREUSS. in ••Arch. ReU(. W m .-\ VII. p. 234.
60. VH. 25. 13.
61. DFUBNER. De incubations. paisim.
62. Cf. cwtnplas en Bedich. Aipetli délia morte, pp 36-7.
63. HARRISON, Proirton'ena. p. 599.
64. Edipo Fai, 25 M
65 Odirséa, XIX. 109 s*.
66. Of TrabaUva e os D\as. pp. 225-37.
67. Sete courra Tebas. pp. 750 « .
68 . Édtpa F,-i. 1210.
69. TriiQulnienirs. pp 30 m .
W. Op (il., p 47. rxxat I e 2; Cf. V. PISANI. Ia donna e b terra, p. 248.
7 |. K R A IT II. Etudes de mythokntit e dcfoMore t<rmankfœt. Pans. I9Î8,
p. 62
72. XIV. p. 2, 71.
73. U. PP.STALOZZA. L‘aratro e b donna, pp. 324 » .
74. BRIFFAC.11.T. The .Uolhers. III. p 55
75. LÊVY-BRliHL, I.'expérience mystique. p. 2S4.
76. TE..MPL K, Fncyc.'opacdia of Fe/ixion and Finies. IX. p. 362.
77. F’INAMORE. Tradizioni papoian abruzzest. p. 59.
78. H OSE c M A C D O U G A L L . Pcrtan tnbes o f Bornéo. I. 111 (v. I^vy.
Brühl, L’txpérience mystique, p 254).
79. FRAZEJt. Spirits of the Corn. I. p 105.
80. LEVY-BRUHL, op. cil., p. 254.
81. KARSTEN ci: j w Lévy-Bnihl. p 255.
82. VAN DE R LEEUW. Phénamenolocie. pp 78-9.
83. R. SMITH. Heiixion o f the Semites, eJ. 1923. pp. $36 ».
81. Id . iôfd„ p. 537; Ci. ÜHORMF. La m'ifion des Mveux nomades. 1937.
85. Corda. II. p. 223.
56. Çatapatha Bràhmana, VII. 2. 2. S.
87. Aifuina l'eda. XIV. p 2, 14.
88. C f PISANI. La donna e b terra, possim.
89. NYBERCJ. op. cil., p. 232. noi» 83
90 Cf. Pre-Aryan. p l i. MIRCEA EL.IADE. Le yofa, p 410.
91 Cf. reproduite* cm Dieterich, pp. 107-8.
92. A . JERF.MIAS, Handbuch der Alttvu'ntciaehen Gctwsiuitvr. fit. 214.
P. 3J57.
93. Carzantua, tivio II. cap. I.
94. RÀMÀY AN A. c h . 66; cf. ouïras rrfertacias en A Coonaras«*my.
The Fiy Céda ai larainàma book, pp. 15-33,
466 IEa TAIX/ CE HTSTÖR iA P A S K b/ IfítÕES

« S . 1 ANODON. Sum '/*- M j/h o ltfj. p. 9*


<*> D i n t RICH, 0}> c t. [* •«.
97. /lient. *ubet o *ru*1>* etótico d o P»“ . r£ J- J- M E Y liR . TrJogtt, 111.
[Q. 194 <*.
K vanitcraltio .-jitic* lil'.'i' VUnrtiardt, M'M-npd Etldkukte. I. pp.
533 F R \? f R. Tie \! ck;c Tut. I. IT - *69 u . . ^JO » .
9 Í Odmrh. V, p. 12$.
100 Becvitct. 274.
101 NY UfcKG, <1f . tit.. f. 2 ) I . « aiíõ «V c 72,

VIII. A legccação: M rliiil» ' i illm d r r c i o 'u i u

1. I'A l^ori. c*. Ze W. i q u i i l ) ) i r « l t < l a f i u c o a J c W A C N H U f l ( » i -


nun ntyiAe/ofk^ies dr I'Edrht. pp. R2-4.
2. 1. errer acre. p . 19
3. HÉLÈNE D A N irH IN E. U IxtntXr-doititl H let tfr.Vex Metis, p p 162-4
4. <;f. w/va, t. nta<Ao dc IldCnC Dfttillonc.
J . Le panktfrUton, p. 41,
6. "B ulletin ûe 1» S oiietf Etjuv-soe d< P U Iaio p h ir” . m airH u ah o de 1937.
p . 107
7. C f. ti<rspk>s cm C -oom aravxann, Yaksas. I. pp. 12 *»
5 . R. S M IT H . Levru’es, *1 III. p . 187.
9. NILSSON. CmbKlne. I. p 7/4)
IC. JE R IM I A S . 2. 20
II JE R E M IA S, I “ . 1 3 .
17. N i l 1. P A R R O r. op. rit . p. 45
13. SRtMKki a >ír%ío d.- L D horiae. CA(4i de texte/, ç. 98.
14. C f. V.IKCEiA I I IA D E. Cmmotoyk/ brbJoma-u. p p . >1 «a.
15. P A R R O T , op. til . p. 22. O le rtx lo tnitiK O do lorango p.xle w r ider.li
lie ad a a partir da to te m íitaleiK nie — r í . H E N T Z E . Mythes et symhoies luttai-
m . p . 124.
Ifl. C f., p a r ex., f iti 8 r V e ir Parrot, que rcjxoduATn docM inm o» de Elam,
d o tegnndo m ilênio. e toda a xtr<c d<n cilindro» habEôarco». fi f* 21 v».
I? Por exex.plo. P atto c. fret 35-6
18. Idem, fut». 110-1
19. Hg». KM. 104
20. C f traten » ; inventariado poc A J W eatinck r » « i a intciettdntc m r-
m à iij. The and BirdJ s Cosmotogtco/ Symbols in Western .4 « a . c que N e t P at
roc a i o uti&za.
21. Arhortv l'txiu. II. 7. 3. X . 7. 38.
22. R .r Veda. 1. 24. 7
2 ). Matin Up.. VI. p 7
24. Idem.
25- S egundo a > de S e iu n .
26. COOMARASWAMY. //iw v/ivf/av, 20. x k n lif k j ttvyekte *t/u/t,
W fi (joeiC refere Atharta Perh. X. 7. 21. A cil-s'ào ê feua a partir d r At'w»*
Porta. ciUfclo p o t C o o a ia iiu n jîiiy «avindo » vcrsào u iib u d a p « ÿ fD U r* no »eu
eom etw irlo a Bhagavod Oiti. XV. I.
27. Morut-t!Dteheb. 64. 6 . eilad o por lin o H oknbeig. Der Boum des Le
bent, 34,
N o r AS 467

28. Zahar. ( M u ' Alothefca. citado por Coosru.-avwamy. p. 21.


29. C f W E N SIN C K , T/*twnlBsd*tCwmotogietilSjmboit.p.3hASM
PA LA C lO , La esrorologlo musulmana «viliiDdina Comedm, 1' oi.. M adri. 1942,
p. 235.
30. PurodifO, X V Jll. pp 28 » .
31. II Quotlnrecio. liv. 4*. 2’ cup . Citadp p oi A. G R A F . MU. leggriulf
e supentiiiont Ur! nordio Evo, 1923. p. 152.
32. O p. c i/.. p . 55.
33. W o n ; c f . K AGAROW . Dor Umpctehne Schamanrnhavm. p . 183
31. W. S C H M ID T . Ursprung, III. PP- 1030 is.
15. C f. lam S em HPNT7.R, lilyihes ft *vmfooler, pp. 182 « .
36. H F.NTZE. VI, V II. VIII, e fi«. 148.
37. E n a ee-na figura n o Codtt Rtodonlcus, ilg. 149. Hcntcc.
38 M IR C E A E L IA D E , Le (homon)sme. pp. 244 ,»
39. Vo/ospti. p 19; GtitnmUmdl, p 31.
40 Md . p p 28-9
41. M IR C E A E L IA D E . Slilul RebtttgwH, pp 41 ss. c 52.
42. Vdlutjw, 45! cu io fc.
43. Die B e d e u lu n n der Exhe s r il tier Vortril f Leipzig, 1959).
11 PE S T A l.O Z X A , Pogine dt reJifione meditenanea, II. p. 260.
IS . M A K -S H A ll., pc. X II. fig. 18.
46 VII. U . 21; X . 64. 8.
47. C l. p o r etcm p lo , leiti/rjij SamMti. II. 5. 3-
4g. N o M u tc u dc Hcriim. H a n o i, fig. 69.
49 B E R C B M A . D c boom des f o n t» , lig i. 91-3; M A RCO N I. Ri/lessl >»<-
duetrone), f>cv. 41-2
50 PAL’SA N IA S. 111. 22. 12.
51 H A R R ISS O N . Prolegomena. pp. 425 1».
52. P A U S A N IA S. II. p . 27.
53. C ap. 9 2 . * . 131.
54. C f. M . L L IA D E . Le yoga. p. 376.
SS- C f. M E Y E R , f r r w jif . III. patsun
56. MAR.SHAI I.. I. fl*s. 63-7.
$7 IM I . p . 52.
58 1*01 M Cmplo. pf XII. f i ti 16, 20. 21. 25. 26.
59 IM , p r I. pp 48. 50
60 F R A Z E R . The Matte Art, II. pp. 3 1 6 * . c J . J. M EYER, III. p. 195.
61. C l. H IL1.E B R A N D T, Vedinke Mythoioxie. I . pp. 3 1 9 «
62. X X X III. 10.
6.3. Kausiataki Up.. I. 3.
64. E Z E Q U IG L , cap. 47. C f. ncisa obrn o 5 142.
65. X X II. 1-2.
66. Ginests, II. 9 10.
67. C O O M A R A SW A M Y . Yaktas, II, pp. 2-3.
68 P A R R O T , p 59
69. C f V A N BUREN. The Fkiwng E « c and the God »v/A Streams. ftef-
Um, 1933. tiff* 6 . 13. efc.
70. A v ii R u i i w . cap <9
71. Op. ctt . II. p 25
72. R c 'c iiiK ia ic n i M<-yct. III. 2Cf?, Fig Veda. I, 24, 7 .c l. C o o o iarv .u v n y ,
II. P 29.
468 TRA TA O O D E H IS T Ó R IA D A S RELIGIÕES

T3. V AL L IS QUDGE. Fren TtT-iR k> Gorf Oi Anotnt Eigypt. p. 58. op.
CU . II. p . 29.
74. M A X M U E L L E S . EíVritu p. 53.
75. H O L M 3 E R G . </•. dl.. p\ 97
76. A liT R A V R u/ftjn? di djrmAr.fi&Ttf. I. pp 142 t*.
77. /sAwi.
78. S . L A K O D O M . r> .n-*»j oiJ Idrer. O xford. 1914. p. 43.
79. A L B R IC H r . JTtt 6 o!»\'cnio* S ee^ W W qpuO rn nuiju.
« l. I. » ; V, 4 Í , 70. 135 »*.
81. C f. " tw j J c vle*\ o gaíl»P> •*»ti:*ey” . liie ra to c n te "w arcí o t litc "
( i g ia J f v^da). j p a i : Ktlfai-sMfM, , ‘bcl>»J8 d l Jtiv ep lu d e"; o m m crio jr«A-
fin. “ éiv o tc de v id » " — \l!>ri,O i. Tht CotítaWv cj Life and Wisdom , p. 276.
82. G 6 u $ * . II 9
*3. S i r i i i » . 7 > j .
84. A L 8 ftlG » ir . op. cü.. p . :s ? .
*J. P rovérltM «.'«• S R c n J o , t , i».
«6. A L 3 R IG IIT . or- (R.. p. 2«<.
87. IntieEan st Raspersun, CXX VII
18. A k » d í i » 'r a i t o v a m r a t ã o d o rectivo da CfkK^o da« f b « » dc-
po ii d o v ic n f r io d é u m «Svioiade o u d a aw r.c « ia tm ta d c um b ír d l — <f M1R-
C E A E I.IA D E . t o rranlrãfvrr eY feVmytha de la "nairv/uvmiraculnae". p . 25
»v. C f. NIELSSON. I . p r 17. 1
50. C O O K . Zeuf. I). 1. p 6*1. fíg. 620
91. N tLSSO N . pr. 1 ). 6.
92. IblJ , pr. 13. 5; t f . PA RSSO N , TKt RihglOA of C ' i w tn Prrkàlorit
rima. pp. 36 ti c f»j 3.
93 Gêimsm. 2 . 9 < IT.
9a PA U L H U M B E R T. Eluda tur le rfrit du Raruda, pp. 22 «s.
95. /<*m . p. 22.
96. GèiresA. J . 4-5.
97. Gê/tevs, 3. 22.
9*. T a b a in ta VIII, p g n a e e x citad a por VtroBcnid. Lf voyagt de Gtfgtr-
mesh iiu ParoJs. p . 204.
99. Yatma. X . pp. 3 4.
100. IM .. X. p . 10.
101. VkHvdil, XX. p. 4; Dundahahn. X X V II. p. 4.
102. Bundohishn. I. p. 1 ,5 .
103. Ihtd.. XX V II. p. 5.
KM IM ., XVIII. 2; cf. a lerpenle NiiVI»2u r dfliufi:s»Jo a rz iz d c Yjydraiil
105. ttu iw . IX . 3-5: Yasht. X IX . p p . 33 4.
106. A C M R Is rtN S E N . te prcm.-er homrmr. II. pp. 13 H
107. H O l.M D ER . Flnn&4.>tric Mstholagr, pp. 356 u
108 C A R C O PIN O . La basilique pyih«to/K<fnnt, p. 299.
109 H tR Ò D O T O . III. p. 116.
110. H A R TLA U B. Anona Artts. p. 294.
111. RÀ.MÂYANA. I W i A i Kdnda, p. 26. 6.
112. MAHÃBHÀRATA.!. 76.33; I. C. COYAJUE. S h a h u tlth U te n d s,
in Cuhs •»’»d Legendf o/ Andou India anJ tr-jn. Bomr<4 i». 1936. p p . 40 » .
113. P L ÍN IO , HM. Suturai. 25. S; C f para os rom eno* d a Maccdônia.
C an d rca. Lsrba Ftartio*. Buo»r««c. 1928. p. 20.
.VOTAS 469

114. C f..qiiantoa»-iiroR X -no% daM accd6nu, C undre*. torba Flartior, Bu-


c * r « tc , 1928. p 20
115. W U E N S C H E . Ubentbaum. pp. 15 « .
116. A 1.B IR U N I. Chronology. p. 292; W U EN SCH E, op. cil . p. 39.
11?. Vide b-IblioüfafM.
118. A. C R A E , Min, ktgerrdet superstition), pp. 5 9 « .: MIRC'EA E l.lA -
DE, Cosmologie si Aichimie babilotûarta, p. 53.
119. H O l.M B E R G , Boum des Lebens, p . 133; C A R T O JA N . Canilepom,.
lare, I. p . 123.
120. Çotainitha Br., IV , p. 1 .5 .
121. H O P K IN S . n e Fountain of Youth. p p . 19. 21); W A LLIS BUDGE.
Alexander tbe Greot, p. 93.
122. H O P K IN S , roumain, p 19
123. Ibid., p . 24.
124. H O P K IN S . Fountain, p. 19.
125. O H K T . Herthl, Gratta Plana, p. 17; M E LIA D E, La Mandragore,
P 24
126. O U R T . op. cit.. p. 18.
127. D E L A T T E , Hcrbartut. p . 9 ? . n o îâ 3.
128. Ibid., p p . 93 i».
129. Alharsxr \'eda. IV. 4. I.
130. Padnut /turâna, a t . J. J. M EY ER, Trilogie, I. p. 4*.
131. DEL A T T , p . I« l.
132. Ibid., v- 102.
133. Texte« antiso« c iu d o t por D elalle, p. 103.
134. Ibul.. f>. 103
135. Ibid., p . 103.
136. H O L M B E R G , Boum des Leheru, p. 52.
137. M . E L IA D E . Le chamanisme, pp. 245 «
138. H O l V3BL:KO, Flnno-UgrleMylhologj, p. 338; Boum des Lebens. pp.
26 Si ; M . E L IA D E . Le chamenitnte. pp. 120 m .
139. R U D O L F , v. Fulda.
141). A. C O O M A R ASWA M Y. Eléments of Buddhist Iconoçrapkr. p. 82;
P. M U S. Ro'abudur, 1, pp. 117 » .
141. M . G R A N E T . Là pensée Chinoise. p. 324.
142. H L N I /.F, Mythes es Symboles, pp 168 « .
1*3. VAN C E N N É P , Mythes es Légendes d’Australie, p. 14.
1*4 MATS U M O TO , Essai sur la mythologie japonaise, pp. 120 » .
145. R A M À Y A N A . I. 38; M a h âh h irala. III, 106, etc.
146. Mahàbbrjraia, I, M ». 2456 » ; cl PRZYLUSKI, Les Ampaies, p. 18.
117. l’ R ZY I USK1, Les Ubumbam. 36; "Z alitH M «", III. p. 30.
148 VAN C E N N E P , TutnHi et totémisme à Madagascar, p. 3Ü0.
149. C f. bibU ografia tm "Z altnoxM ", 111, 21.
150. lerburiScde sub Cruct e La Mandragoreet tes mythes de la ’’natuante
miraculeuse", Z alm oxis. III
151. Irrburile de sub Cruce. p. 16
152. S PE N C E R i G IL L E S , The norlhem Trtbes. p. JJ1 .
153. FR A Z IiR . TheMagicA’t and:he Emlutson of Klng, l l .t r . il pp. 26 il.
1SI. HART L A N D . Pnmltlve Parlernity, I, p 148
155. Santal,' folk Taies, vol III, O ilo , 1929. pp. 297 s s.
TK\ r I P O O f H n jÚ R L A DA S KELKHÕES

l!6 . C l. /ertur /f. | \ 15.


15". C í. IffbtrJe. p. I *; f f ji 34.
1 '5 . F .C O S O L I V í.f» OrtetJrvEeean (‘GcdJcrJ, P a r u . 1922, pp. W 5.
159. S A IN E A M J, forne'e r'A*U.nr. p p . J*W ii.
IM . U m \elh o q u i U ilu í c a r l o i.rn» r o ^ l , que lhe foi» dada pur Santa
St*!*-Feira, viu t i n a r»pnri£a itaiccr-lh.- <1* co-sn — S A IN E A N U . Kamele, pp
103. )P9
151. testas. V. p 255.
151. C í. tuW Kurafu
165. VAN DER I EF.UA'. Phiitontoofafi* (1er Hriiçhn, p 5*.
IS» NVIlCRO. A i/« unJ Erde, p. 77.
165. HAK VA. ö 't / r A j r f v t yorsufhutgu deriVitavhee Volker. p p 4M -I;
E M S H M M F R . S-*i/n<y.v//>>tM ifirr. Sckemueerbtum. p p . I M so.
166 VAN D H « 11 f-U W . op. rif . t> » .
167. H A R T L A N D . Prrrmbv* /mtmity. p 44, vul. I
MW. /tV/n, p 44. 901. I.
1fr> R N O ELM A N N . DC C r/m /f I*.' rie* Vtiiiitrn, Vit *ui. I*M . pp. 11
i l . ; N Y 3E R G , Kind ent FWe, pp 2U7 s»
170 N> I1F-RG. cf>. (II-, p p 710 sv
171. C T M A NNHARDT. Myth. ForscbuKçcn, p 369: D IE T E R IC H . Mut
irr. Erde, p p 101-4
172. H A S H NO. E niK t. Bei. t'ihlci „ II. p. M I; T R A 7.5R . Sp,rln o / the
corn.
173 A. JE R E M IA S, Handbuch, p. 345; Allgemeine ReEgtonigeschichte,
p 219.
174. M A S N H A R D T . H aUS u F.ltUxite. I. p p 32 »1
I "5 N Y B ERC . «r ci:., r 216.
176 Gtrxsis, p. 30. U »
177. F R A Z F R . The Mt^u Art. II. p p 24-5
BOCt S O IS . Le Caducée, pp. K » .
|7 F .
179. NYBHRG. » f cil.. ? 201.
1*0. C f ME V ER. Trilogie. 111. pp. 192 » .
1*1. M A SN H A R D T . U oui end Leid Kulte, I. pp 312 6 .; FRA ZER , The
MmK An, II. pp. 59 s t.; The Golden H<*.flh. <4 r e s - tc iJ a . pp. 120 M
M2. Anatomie of Abuvs. 1.nuire», 15S3
1 *.’ N io deflu'M »» C érulo pc* F n » i . The Moi»: Ail, II. p . 46; The Col-
den Bought. p 123
1>U. A . M A T H IE Z , Les ongmes Jen culm rtvofutioonouei. 190», p . J2.
135 M A N N H A RD T. op <</.. pp. 177 » . t IF6 u
ISh M EYER, I, p. 101. LkiHgnati. Euphrjt Phtm. I I . p 1ÍCT
117. CR O O K E. The Herb. r 59 ix jtio t esem pfo»«« Merer. I . p. 101. no-
u -
1*3 Idem: Idem, p 63. biem. Idem. p. 107
IS1). C l. a rira iVv«men: v - l o c a i i e ! « f ix » » de M cjcr, op. CM.. I , pp. 157».
193 FRA ZER . Th-Magic An. I l.p p .7 } »», IheG oU tn iioenhi, pp. 126»»
H I FRA ZER . Tflf Magic A't, |l . p a f * »'•
192. D R E C H SL ER . Sitten. Betuch. I. p-p. I » *: F R A ZE R. The Mm k
An. H. M
193 FR A Z ER . T V Metru Art, 11. 101 Du- Ch'Jdcr. p I3Í
194. CT m m iuéiio» grcco-orieotaiv
NOTAS 471

W F R A 7 J.R , M e Golden Bough, pp. 2 9 6 » .; The Dying God. pp. 215 vs,
196. E co n i r»r.V‘ que F ra/er vc tic«e coviunte uni paraldO com o ritual
tlo laccrdM r de N e n i; < d a m esm a m aneira que. na am iga Itália, o vaccrdcxc luta
pela vida e. ve eveapa. pode continuar na v ja lunçAo. O co t lum e da Boêmia lero
b ta t am bém o >exi/ugtum — cl FRA ZER . The Gotten South, 299. e The Dying
God. p . 21).
197. F R A /.I R. TheGolden Booth, pp VI2 v<; TheDying God. p p 220 n
I9S F R A Z E R , The Golden South:, p. 314. The Dying God. pp. )20 vv
199. Idem. ibid., p 314, e ihul, pp. 320 vv.
200. Idem, tbalem. p. 311; ver { I " ; T/»hoeiKtuvnlerunren: Rhein Jenissei,
passim
201. Ver | 5).
202 E IU N G M A N N . Rhetn-Jeentssei, p. 19.
203 C l. an tn e u n it ttadiccev na India. Meter. I. pp. S3 vv
204 Tam tV ni n o D oente — c í. I IU N G M A N . Euphmt-Rhtm, I. pp. 352
v*. — c t u A ntiguidade, do onde foi tranvm iiido. peio* B aleis. á E uropa ccntrnl
c setentrional -- Itnd., pp. IIOO u . ; <í. eursione na C rê c u , Ndvnn, Geufuchle.
I. p r l i ) »
205. I IU N G M A N . Rhem-Jeninel, pp. 44 u .
2IV*. Idem-. Der Kampf Zxvtchen Sommer und Winter, pp. 118 vv
207, F R A Z E R , M e Golden South, pp. 316 7; The Dtmg God. pp. 2 4 6 « .
2CS. DER K A M PF. p 159.
2tW. Ihíd.. p 151.
210. S e jjn d o A l.M G R EN . Nordischt Fehzewhnungen ais rehgtaw Ur-
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211. F R A Z E R . The Gotten Bough, p. 318; The Dying God. pp. 261 vv.
212 Ia» mitologia slasa. B olonha. 1923. p 128.
213 FR A Z ER The Goiden tíouyh, p. 318; The Dying God, pp 261-2
214 E IU N G M A N . Euphrot-Khein, II. p. 1027.
215 L IU N G M A N . t.uphrut Rhein, II. p 1051 ■

IX . A ■ g ric u R a ra e ov enH av tV fertilid ad e

I Det Aedertsau im iolktabergbuben der finnen und Esien mil enttpre-


cherukn Aebrgtechen der Germanen ivrgliehen. I-V. 1919 1925.
2. R A N TA SA LO . op «Ví . II. p. 7.
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4 Und . p. 124.
5. find . p. 125
6 . Ibid.. H I. p 6
7. R A N TA SA L O . o/>. clP . III. pp. 125 »
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12 Aiioeeryo Srahmana. I. I
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14. Und.. IV. p p 170 «
n i T t A TA D O D E Jf IS T Ô M 4 O AS M E ltG lö B S

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X F R .V /tR lhe Gvk&t / « > ; ) . p i X
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43. Ibid , pp 179 tl
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4J4 «
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51. Ibid , PC 72-5. M E LIA D E, Ip mythe de FOernri retour, pp. 83 n
52. R A N T A S A L O . V , pa. I « » .
53 Ibid., p . I « -
$4 Ibid., pp. 164 \»
55. Ibui . pp. 146 *»
N O TAS 473

56. Ibid.. p ? 191-7.


57. R A N TA SA LO . p 20!
5» IM , pp. M i-«.
59. Ibid., p 221
60. M E Y E R . TlliotK, I. p 125.
61. O R A N E T . Rdixton det (hiatus, pp. 27 n .
62. H R Y D H , Seasora! fertility R<its, pp. 81 u .
65. Ibid., p 92
64. Hxd.. P . 82.
65 H A R R ISO N . Prvietomma. p 180.
6«. L 1U N CM A N . op at.. I. p 249.
67. T. R. H EN RY . L t «'uUt da aprits cheZ Jr> bambaro, "A nlhrO pO i".
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6«. R A N TA SA L O . III. pp. 8 Vs.
69. Ibid., p M
70. Ibid.. p . 114.
71. M E Y E R . Tnloxie. I. i t 140 e 152.
72. Itod . II. p. ICU
73. F . A L T H F IM . Terra Alater, p 137
74 Ibid. . p . 107.
75 M EY ER, op at.. II. r . KM
76. RtferJrWrt» tin I>c Vrvr*. Odhin. p 2t
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78 IR A Z F R . A d o r n , p p 65 t \
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70. F R A Z E R . The Matte A't. II. pp. 98 si: The Holden Boue.kt. p. 156,
81 M A N N H A R D T . Uaid und Fdd hull. 1. pp. 4 » u
87 FR A Z ER , ibtd . pp. 103 »t ; iM . p. >«•-
81 F R A Z E R . Spirits . I. p. 163.
84 F R A Z E R . Adoni!. p p 46 6.
85 F R A Z E R . Adorns, p p 46 8
86. F R A Z E R , The Golden Bouxhl. p. 136
87. M E Y E R , o p at . I. p. 69. ncxs I.
88. Ibid . pp. 71 si
89 M A N N H A K D T . Mith f ont h , 19, 519; Handwoeterbuth d. ciruteben
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91. R c ic ic n c id 'o n ME.YFR. II. p 115.

X. O o p u f o iutirad o : U n p in , pikicio. " e m it* do n a n d o ”

I. LEENIHARDT. Not*} d'orcbeolofte neocslldonienn*. pp. 7 ) 4.


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8. l.tct<*'*S. p 416.
474 TR A TA D O DE HISTÓRIA D A S REU G tÔ ES

9. RENÉ BASSET, citado p oi S a ntyvct, Estais de fofkiO't bdXbfrt, P a ­


ris, 19’ }. p. :o>.
10. ExcrapkH m arioQ uinot W estm arck. Surrisarxes pah&tti dmi >V
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11 . C f. íV T c a s r« p ;o J u o jí» tíí an<K »niiróiconiofn«cos <t» A*K W . Per»
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17. 9. I - »
18. Yasnu. 53
19. NYBFRG, />.* Reiiguinrn des Alien Iran. pp. M 7 » .
20. Vet. p . ex.. Çaícpalka Bràhma.na. VI. 5. l »*.
21. Ibid.. I. 9 . 2. 29 t5.
22. Ibid.. X . J . 4. 10.
2}. P . M U S, Rarafn.dur. I. p 320.
24. G . T L C C I. Indo-Titelxa. voi. I II. IV.
25 O V ID IO . Fasten. IV. ÜC14C5.
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49. BURROW S, p. 55.
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NOTAS 475

51. C f. o hetksl dc Jacob. §?i 79 » .


52. T cxtos citado* por W emirKk. p. 19.
53. /b ttf.. p. 16.
54. C f. a cocicrv.irio dc K irfd , Kosmographic. p. IS.
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57. T cxtos i n Burrows, p 49
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59. W E N S IN C K . i>. 14
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X I. O tem po «»grado » » min» do etc mo rtvomepo


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20. L E H M A N < P ED E R SE N . Per Beuys!fUr die Aufer.stshung im Koran:
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21 EF R E M . O SI RIO. Ninos, 1. 1.
22. 7.crrdA vesta (1892-93). II. p. 6*0, n e la 13S; Cosmographie, citado p or
A. C hristensen. Lspremier homme et le prevruer roi, II, p. 147.
476 T7.A TADO D E HISTÓRIA DAS RELIGIÕES

23. T*'<i*1. fo i. : a. W ENSINCK. p K J


*■», C I. o t lo c o s rtu n d o -, per I M arquais. Vue Na»tôt. p p 16 «
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P- 1 « .
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5. 4101, " o altar d o fo jo tem cinco canu.D » lead* cam ada i uma cttavào), as
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38. C f M . ELIADF-, Metls/hirgr, Mutée oui Atthemy. pesaim.

X II. M orfnlotpa e fu n ç io d o t ■ * «

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4. Op. its . V I. 4, 21
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n* 1.
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Itaiu. Rom a. 1925. p 43. fit 49 C O JUN'O. PsycMapie un A Itkemte, Z uri­
q u e, 19*4. p 4*5, fit- 167; Ibid., p. 531. fis. 226; p. 6J*. fig 268.
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i. r - 20.
HO TAS 477

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XIII. A tslm lu r» d o i »'«îlxil«*

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cap. IM.
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SO TAS 479

CixicImtKs

1. AVJr/iu Vptwishod V, 2; irad. L. Rciwu.


2. Le mtrndion: ingral. II, p. 196.
J. Cimndogyo.llp, III, 17, I , 4.
4. Cf. o cloiyo do Rot pnmofdial. Yasno, 29; o rci;xno peto» bovinos, Yax-
m o . 12. I.
C £ N t:W J J 3 ó 5 -l|i- 5

‘ O n o s s o li v r o p o d e a d m it ir <» t ít u lo d c Tratado de
história dm ndigiôes 1....} tu m e d id a c m q u e in t r o d u z o

le i t o r n a c o m p le x id a d e la b ir ín t ic a d o i fa to s r e lig io s o s ,

o f a m ilia r iz a c o m s u is e s t r u t u r a s f u n d a m e n ta is e c o m a

d iv e r s id a d e d o s c ír c u lo s c u lt u r a is d c q u e c ie s d e p e n d e m .

P r o c u r a m o s d o ta r c a tla 'e 'á p ím [ b 'c te . u ir f ii a rq u U c tu m c s p e c ia J ,

p o r v e z e s a te d e u m ‘e s t ilo ’ p r ó p r io , a5n h r d e e o r iju r a r a

m o n o t o nüiaa q u e a m e a ç a q u a lq u e r e x p o s iç ã o d id á tic a . ”

M i r r e i E lia d e

L. "-Y o< .\ Jls*


M 4

Ui

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