“Pureza de coração: DESEJAR uma só coisa” (Kierkegaard)
Os desejos, nos Exercícios Espirituais, vêm em cadeia, numa linha de
continuidade; uns atraem outros de forma articulada, e estão totalmente implicados entre si formando um bloco que é, em seu conjunto, o mundo do desejo ao qual os Exercícios se abrem. A trajetória espiritual é medida em função de como se articulam e se integram os desejos. O primeiro recurso que S.Inácio utiliza para “processar” os desejos do exercitante, se refere ao conteúdo mesmo dos Exercícios. Oferece-se ao exercitante outros desejos distintos dos seus para que veja se o que os “novos desejos” lhe suscitam estão de acordo ou não com o mais profundo e melhor de si mesmo. Nos Exercícios, nossos desejos mais autênticos são cristificados, confrontados com os desejos de Cristo. Ao fazer isso, S.Inácio não está impondo desejos, mas elegendo alguns determinados desejos que não são outra coisa que os traços de Cristo. Na experiência espiritual a pessoa canaliza todas as suas energias para a pessoa de Cristo, movida pelo desejos. O elemento afetivo é o que qualifica a experiência. A petição que permeia os mistérios da Vida de Cristo nos Exercícios ( “conhecimento interno para mais amar e seguir), é uma indicação de que a saída de si, ou a perda de si mesmo, não tem como objetivo a negação do DESEJO, mas a sua transferência e transformação graças a um AMOR inquieto. A inquietação do Amor é o seguimento. É nesse seguimento de Cristo que a pessoa gradativamente se “perde” ou se “altera”, “enlouquece”... Se os DESEJOS nos levam a mais generosidade e entrega, se nos levam a mais radicalidade no segui- mento de Cristo, se nos levam a maior despojamento, se nos impulsionam a “deixar-nos levar” por onde o Espírito já está de fato nos encaminhando... então, claramente temos de acolhê-los e fazer alian- ça com eles.
Por isso o cume do desejo inaciano é a 3ª MANEIRA DE HUMILDADE (EE l67).
É o centramento em Cristo. Aspira à interiorização completa e perfeita de Cristo para convertê-lo em categoria definitiva de nosso comportamento, de nossas eleições. Trata-se de interiorizar Cristo e a partir d’Ele fazer a eleição.Como consequência “deseja-se entrar no desejo do Outro”. Esse Cristo pobre e humilde é o rosto concreto do “mais”: o cume do desejo cristão. S.Inácio examinava seus desejos com grande cuidado, descartando uns e descobrindo outros novos... experimentava-os como reveladores de suas aspirações mais latententes e profundas, como forças que tiravam o melhor do seu “eu”, lhe atraíam e arrastavam para a atitude de total liberdade e disponibilidade que suscitava nele o maior grau de Amor: 3ª maneira de humildade. O homem fechado em si mesmo, e que confunde seu próprio “eu” com o restante da realidade, consegue, no máximo, experimentar sensações passageiras, estimulações excitantes, mas sempre epidérmicas. Para desejar, é necessário que o homem se sobreponha à “realidade imediata” e viva no ápice de sua vida espiritual, onde a VIDA é definida como busca de sentido. Essa 3ª maneira de humildade só se justifica com aquela “razão do coração que a razão não entende”. Supõe uma afeição completa e total pela pessoa de Jesus Cristo (pobre, perseguido, humilhado...); um desejo ardente de identificação. Aqui há uma preferência por aquilo que Jesus abraçou e padeceu. Há um desejo ou “desejo de desejar” identificar-se radicalmente com Jesus, com a “kénosis” do Senhor. O desejo delas mobiliza nossas energias interiores para fazer-nos receptivos ao DOM. A mesma técnica empregava S.Inácio para en- contrar desejos autênticos apagados ou perdidos. Texto bíblico: Fil. 3,4-21
Os nossos desejos refletem certamente o mais tipicamente pessoal nosso, mas ao
mesmo tempo, quanto mais profundamente mergulhamos em nós mesmos, tanto mais manifestam estes desejos especificamente pessoais, um ponto de referência comunitário.