Primeiro grupo de regras para a comunidade de vida
As seguintes notas de discernimento são aplicação (ou re-leitura) das Regras de Discernimento inacianas (EE. 313-336) à experiência da comunidade universal de vida, e ajudam cada pessoa a entender os diferentes sentimentos interiores e motivações que se produzem ao tomar decisões relacionadas com a comunidade de vida. São dois grupos de motivações: o primeiro grupo nasce de dentro de nós e procede diretamente de nosso egoísmo e de nossa inclinação ao pecado na relação com todos os habitantes da Terra. O segundo grupo de motivações surge a partir de fora, e sua finalidade é ajudar cada pessoa a enfrentar o engano quando está tomando decisões pelo bem geral das comunidades de vida. 1- Na situação de pessoas que concebem a vida como fonte de prazer individual, duas moções espirituais se produzem: uma, a do “bom espírito”, e outra, a do “mau espírito”. Esta última intensifica o desejo de utilizar a natureza exclusivamente para o próprio prazer ou o próprio proveito, movido pela inveja, enchendo a imaginação de sensualidade e gratificações, e ignora deliberadamente o abuso e degradação que se faz da natureza com a finalidade de satisfazer uma vida de consumo exagerado. Em tais casos, o bom espírito remorde a consciência e leva a ponderar sobre o mal incisivo que reside neste modo de vida, revelando sua estrutura absurda e anti-social. O bom espírito intensifica o sentido de parentesco entre todos os habitantes da Terra e promove neles uma atitude relacional e amorosa, que os leva a arrepender-se dos pecados cometidos contra seus semelhantes e a tomar a resolução de melhorar a situação.
2- As pessoas que se esforçam seriamente em manter uma relação de
parentesco com a comunidade uni- versal de vida e ser instrumentos da presença amorosa do Criador no universo, seguem um método contrário ao da primeira regra, e, em consequência, o bom espírito e o mau atuam de maneira oposta. O mau espírito atormenta as pessoas produzindo-lhes ansiedade e tristeza por não poder alcançar o prazer que os hábitos exagerados de consumo proporcionam; utiliza falsas razões que conduzem à tomada de atitudes deliberadamente destrutivas, e atenta contra a fraternidade justa e amorosa com os habitantes da Terra. Pelo contrário, o bom espírito proporciona coragem, fortaleza, consolação, lágrimas, inspiração e paz, tornando fácil e amorosa a relação da pessoa com a natureza, enchendo-a de paz e ânimo.
3- Consolação espiritual. S. Inácio descreve a consolação como uma moção
interior pela qual as pesso- as ficam inflamadas no amor de Deus, como Criador de tudo o que existe, e como consequência, seu parentesco com todas as criaturas as aproxima de seu Criador. Também há consolação quando o amor da Trindade move as pessoas a derramar lágrimas de dor pelos seus pecados ou pela contemplação da Paixão de Jesus Cristo, pelo sofrimento de todos os habitantes da Terra, ou por outras coisas dirigidas diretamente a seu serviço e louvor no universo. Finalmente, consolação é todo aumento de fé, esperança e caridade que leva a uma alegria interna, ao agradecimento mais profundo pela inter-relação com todas as criaturas e, em definitiva, a uma sensação de paz e tranquilidade em Deus.
4- Desolação espiritual. S. Inácio descreve a desolação como um movimento
interior oposto à 3ª regra, que desfaz os vínculos com a comunidade de vida, que produz uma sensação de confusão, de inquietação interior e de desejos destrutivos; que recusa o convite que a Trindade nos faz a tomar parte da evolução do corpo, da mente e do espírito; que move à desconfiança, e que destrói a espe-rança e o amor na complexidade evolutiva da vida e da matéria, de modo que a pessoa deixa de lutar e fica triste e afastada de Deus seu Criador. E como a consolação é contrária à desolação, assim também os pensamentos que procedem da consolação são contrários aos da desolação. 5- Em tempo de desolação, nunca devemos fazer mudanças em nosso estilo de vida, mas mantermos firmes e constantes nos propósitos e decisões que nos guiaram antes, perseverar no amor à natureza e a todos os seres vivos, e respeitar as decisões que tomamos no tempo precedente, o da consolação. Porque, assim como na consolação somos guiados pelo bom espírito, que nos faz alcançar conselhos bondosos e acertados, assim também na desolação, ao sermos guiados pelo mau espírito, nossos conselhos serão incorretos e destrutivos. Em tempos de desolação, raramente tomamos decisões boas.
6- Ainda que estejamos em tempo de desolação, não devemos mudar nossos
propósitos anteriores; no entanto, pode ser muito vantajoso expressar a alegria interior que sentimos ao favorecer à Terra e seus habitantes, já que este sentimento atua como um meio para superar a desolação. Quando meditamos sobre esta fraternidade e recordamos o amor da Trindade por cada minúsculo elemento de matéria cósmica, podemos examinar nossas atitudes e ações e mudar nosso estilo de vida de modo que revele nossa resolução e as decisões que levam à consolação.
7- Quando estamos em tempo de desolação, deveríamos ter a consciência de
que nos separamos da vida. Sentimo-nos sozinhos na tarefa de superar nossos desânimos e tendências destrutivas. Este momento pode ser uma oportunidade para amadurecer nossa relação com o cosmos, e devemos ser conscientes de que com a ajuda de nosso comum Criador poderemos resistir à desolação, mesmo que não percebamos claramente esta ajuda. Inclusive, mesmo que tenhamos perdido nosso sentido de parentesco com a comunidade de vida e enfraquecido o compromisso e o intenso amor por Deus, apesar de tudo, o amor do Criador nos ajuda neste empenho.
8- Quando estamos em desolação, deveríamos esforçar-nos em perseverar com
paciência, pois desta for- ma poderemos reduzir as preocupações que nos oprimem e ajudar-nos a pensar em nossa próxima consolação. Entretanto, temos de ser diligentes em contra-atacar os efeitos da desolação e dispor-nos a usar os recursos da 6ª regra. 9- Há três causas principais da desolação: I- Deliberadamente temos nos afastado de nosso compromisso de atuar com precisão para com toda forma de vida e de viver fervorosamente no Espírito; ou fracassamos em seguir as sugestões que nos deu a 6ª regra, e assim, por nossas próprias ações, se afastou de nós a consolação espiritual. II- A Trindade deseja preparar-nos para uma relação mais madura com a vida e a matéria. Na desolação podemos descobrir a força de nosso compromisso e o modo no qual podemos colaborar com o resto da criação e com o amor da Trindade para superar a falta de desejo ou de esperança numa boa relação com toda a criação. III- A Trindade quer que conheçamos e compreendamos verdadeiramente nossa necessidade de confiar e colaborar com Ela. Temos de reconhecer que não está em nossas mãos conseguir uma grande devoção, um amor intenso, lágrimas ou outra consolação espiritual em nossa relação com a comunidade de vida, já que tudo isso é um dom de Deus. Não podemos construir nosso próprio edifício ou atribuir-nos todo o mérito pelo amor e devoção descritos na 3ª regra.
10- Quando usufruímos da consolação, temos de dar-nos conta de como vamos
nos comportar na deso- lação que há de vir depois e temos de reunir novas forças para esse momento. 11- Aqueles que usufruem da consolação hão de procurar humilhar-se o quanto podem, e recordar o pou- co que podiam fazer em tempos de desolação, quando não tinham confiança nem consolo em Deus. Pelo contrário, em tempos de desolação devem recordar que se buscam força no Criador, encontrarão graça suficiente para resistir às suas tendências pecadoras e desordenadas. 12- Em nossos propósitos de levar justiça à vida e à matéria, reconhecemos que o mau espírito pode fa- zer com que nos tornemos permissivos e egoístas; mas, se nos mantivermos firmes, renunciará a seu envaidecido modo de agir. Nossa tática deverá apoiar-se na firmeza para tratar com semelhante espírito interior em nossas vidas, à medida que trabalhamos para a realização da comunidade universal de vida. 13- Em outros momentos, damo-nos conta de que o mau espírito atua em nós como se fosse um falso a- mante, ocultando suas ações e atuando sedutoramente com falsas promessas de poder, de posses e de abusos egoístas das pessoas, dos seres vivos e da matéria. Ao atacar-nos desta maneira, ajuda-nos compartilhar nossa luta com aqueles que podem ajudar-nos a reconhecer os floreados enganos que há em nós, projetando luz sobre eles. 14. Em outras situações, o mau espírito pode atuar utilizando as táticas de um chefe militar. Para conquis- tar ou avançar sobre uma posição que persegue, explorará as fortificações e as defesas de nossas convicções espiritualmente sadias sobre nossas relações com a vida. Ele atacará nossos pontos fracos. Estas forças interiores de temor e desânimo nos impedem atuar de uma maneira justa e compassiva para com todos os habitantes da Terra. Podemos experimentar um ataque interior a partir de todos os lados, perdendo as virtudes teologais, ou as virtudes cardeais que guiam nossa vida diária, ou as virtudes morais que nos ajudam a enfrentar nossas tendências pecadoras. Temos necessidade da comunidade de vida para que nos ajude a opôr-nos a estas atitudes e atividades enganadoras. Segundo grupo de Regras de Discernimento para a comunidade de vida
As seguintes notas de discernimento são uma tentativa de aplicar algumas das
Regras de Discernimento inacianas (EE. 328-336) à nossa experiência da vida e da matéria, e à relação com ela integrada na evolução cósmica. Esta série de regras se refere às forças externas (espíritos) que influem em nossa motivação interior. São mais sutis que a série anterior. 1- Um grupo de forças externas (espíritos) nos concedem uma profunda apreciação de nosso parentesco com a comunidade de vida a tal ponto que experimentamos grande prazer e felicidade espiritual. Esta experiência provém verdadeiramente do bom espírito. Este espírito afasta toda tristeza e perturbação procedentes de forças externas que rechaçam nosso parentesco com a natureza; enquanto que o mal espírito atua contra tal alegria e consolação, sugerindo argumentações falazes, sutilezas e contínuos enganos relacionados com nosso sentido de identidade com o resto da natureza. 2- Somente a Trindade pode dar-nos uma experiência de consolação espiritual que é imediata e sem ne- nhuma causa precedente. Isto é diferente da presença constante da Trindade em todas as coisas ou das ocasiões cotidianas de consolação que surgem diante da beleza de um flor, de um animal ou de uma cena surpreendente, ou por causa de nossos próprios atos de entendimento e vontade. Corresponde exclusivamente à Trindade provocar esta experiência de afeição pessoal em nós. Deste modo, sentimos que a Trindade pode entrar livremente em nosso ser, sair dele, atuar sobre ele, e atraí-lo plenamente ao amor de Jesus Cristo. Esta consolação espiritual muitas vezes é uma surpresa.
3- Se uma experiência formosa da criação, uma experiência da verdae, uma
demonstração de afeto, ou uma experiência de bondade se apresentam a nós como uma causa precedente de consolação, então o bom espírito ou o mau espírito podem estar ativos, mas com propósitos bem diferentes. O bom espírito atua para consolar-nos e incrementar nosso amor e compreensão do Criador em nosso universo. O mau espírito atua para consolar-nos, para depois levar-nos a uma atitude destrutiva para com a criação.
4- Essa é a marca do mau espírito: primeiro animar uma atitude generosa,
compreensiva ou de outra ín- dole beneficiente para com o resto da criação. Num primeiro momento, as pessoas de boas intenções são consoladas mas, em seguida, os pensamentos de consolação se convertem em arrogantes e desordenados; assim, o mau espírito começa com pensamentos e desejos que estão em harmonia com toda a trajetória bondosa da vida da pessoa, e gradualmente, se voltam contra a própria pessoa. Ao final, a pessoa comprometida vai se afastando, pouco a pouco, de sua convicção primeira sobre o parentesco com o resto da natureza e de seu compromisso de tratar como semelhantes e respeitar todos os habitantes da Terra. Então o desânimo e a desolação se apoderam de sua vida.
5- A partir deste conhecimento, damo-nos conta de que devemos observar
cuidadosamente o curso total de nossos pensamentos. Se no princípio, no meio e no fim deste processo os pensamentos são total-mente bons e dirigidos ao que é completamente ordenado, é um sinal de que procedem do bom espírito. Mas se o curso dos pensamentos que nos é sugerido termina em algo mau, confuso ou pior que aquilo que a pessoa havia proposto fazer em princípio, é um sinal da presença do mau espírito. Pode terminar em algo que faz enfraquecer a resolução, debilita a convicção ou diminui a consciência do amor transformador da Trindade para com todas as criaturas que surgiram de bilhões de anos de evolução cósmica. Assim, a pessoa sofre inquietação interna. Estes são claros sinais de que os pensamentos procedem do mau espírito que procura destruir a natureza e a nós mesmos.
6- Quando o mau espírito, buscando destruir todas as relações sadias, é
detectado e reconhecido pelas tendências destrutivas que marcam sua atividade, será proveitoso, para aquele que foi enganado, revisar imediatamente o percurso total do engano; examinar as séries de pensamentos bons, como surgiram, como foram gradualmente mudando e o levaram a mover-se desde uma resolução e um sentido prévios de retidão e alegria espiritual até cair na negação de seu propósito e compromisso com a comunidade de vida. A finalidade desta revisão é que, uma vez que se compreendeu e observou cuidadosamente uma experi- ência, podemos precaver-nos no futuro das falácia habituais do mau espírito.
7- As pessoas que progridem no compromisso e na ação para recuperar a Terra
tem experiências de espe- rança e ânimo. Experimentam sua vida com a natureza como algo delicado, amável e agradável. O efeito disto pode-se comparar a uma gota de água que penetra numa esponja. A ação do mau espírito sobre tais pessoas é violenta, ruidosa e perturbadora; pode-se comparar a uma gota de água caindo sobre a rocha. As pessoas cujos compromissos e ações vão de mal a pior, experimentam a ação de tais espíritos de forma inversa. Assim, quando nossa disposição é contrária a alguma destas forças espirituais, produz-se ruído e comoção na pessoa. Quando nossa disposição é similar a qualquer dos espíritos, haverá amabilidade e tranquilidade, numa experiência parecida a quando se chega numa casa e as portas se encontram abertas.
8- Uma consolação, como a descrita na 2ª regra, não apresenta engano, já que
procede somente da Trin- dade. Alguém que recebeu tal consolação deve examiná-la atentamente e distinguir o momento atual de consolação dos momento seguintes. No 1º momento, a pessoa está ainda mergulhada na consolação e favorecida com a graça e os efeitos duradouros da consolação que passou. Numa 2ª fase, tomam-se frequentemente resoluções e fazem-se planos que não provém diretamente da Trindade. Podem provir de nossa própria resposta interior, de nossas argumentações, das consequências de nossos juízos, ou podem provir do bom espírito ou do mau espírito. Portanto, no deslumbramento de tal consolação, dever-se-á revisar cuidadosamente o percurso total dos pensamentos, usando a 6ª regra, antes de seguir com as sugestões dadas depois da consolação.
Pontos adicionais para aprofundar no discernimento de
espíritos a) Na compreensão inaciana do discernimento há vários pontos importante: - primeiro: a compreensão da consolação espiritual, da desolação espiritual e do engano espiritual; - segundo: seu princípio de que é no tempo da consolação espiritual quando se tomam as boas decisões. A consolação espiritual é, para S. Inácio, a experiência afetiva do amor à Trindade, e se entende como uma moção de confiança, de valor e de energia para o futuro, em comunhão com os outros e com a Trindade. A desolação espiritual é, pelo contrário, uma moção de desânimo, de solidão e de impotência diante da vida. O engano espiritual começa com aparentes experiências de consolação e acaba em desolação.
b) Em nossas relações com a Terra e seus habitantes, a consolação espiritual
é uma experiência subjetiva da beleza, da verdade, da bondade e da unidade (comunhão) com toda a criação. É uma relação de amor, que significa uma experiência de gratuidade e parentesco com todas as criaturas, uma experiência verdadeiramente subjetiva. Por outro lado, a desolação espiritual é uma experiência de separação, que é o resultado de uma atitude de dominação e de uso opressivo da natureza e da comunidade de vida.
c) Quando experimentamos a desolação espiritual, que nos chega através de
nossa presente cultura glo- bal, o discernimento inaciano pode ajudar-nos a descobrir o “porque” daquilo que está acontecendo. - Qual é a experiência da desolação? Como se desenvolveu? Qual é sua fonte? Como opôr resistência? Se refletimos sobre a ênfase que a ciência dá ao assumir como única visão objetiva da vida, ou seja, considerar que a vida não é mais que um produto de consumo ou que o significado da vida se limite ao DNA, compreendemos facilmente que isso significa sucumbir ao pessimismo e ao desânimo. Opomo-nos a isto voltando-nos para a consolação espiritual derivada da beleza, da diversidade e da interdependência dos ecossistemas e de tudo o que vive neles, sentindo-os como nossos amigos, benfeitores e companheiros, e prova da presença da Trindade entre nós.