Possibilidades da Economia Solidária na Promoção do
Desenvolvimento Social Sustentável e Emancipatório
Taubaté 2009 Introdução
O presente artigo tem como objetivo refletir, através de revisões
bibliográficas e reflexões pessoais, sobre as possibilidades da Economia Solidária (ES) em contribuir para o desenvolvimento sustentável e emancipatório nas escalas local/regional. Para tanto, será primeiramente desenvolvida uma breve fundamentação teórica e conceitual sobre o tema, para, em seguida, inseri-lo no atual contexto de aparente reestruturação do sistema capitalista e dos imensos desafios impostos por esse processo. Nesse percurso, advogar-se-á sobre as potencialidades da ES em promover o desenvolvimento local/regional, nas seguintes perspectivas:
a) desenvolvimento sustentável: entendido basicamente como um modelo de
desenvolvimento social que considere os limites ambientais e que não produza discrepâncias sociais e econômicas;
b) desenvolvimento emancipatório: perspectiva na qual os progressos
sociais e econômicos se dêem num contexto democrático e, consequentemente, não alienado, de forma que os agentes envolvidos possam ter no trabalho um espaço para o desenvolvimento da cidadania e da autonomia. Tal análise se justifica diante das urgências desencadeadas pelo atual estágio do modelo de desenvolvimento adotado ao longo das ultimas décadas, essencialmente degradante e excludente. É importante salientar, desde já, que não se pretende aqui defender a idéia de que as praticas da ES sejam em si suficientes para mitigar todos os problemas sociais, muito menos de transgredir o sistema sócio-econômico vigente, mas sim que tal proposta pode contribuir valiosamente para a construção de uma nova cultura política e de trabalho, mais sustentáveis e culturalmente legitimadas, o que, por sua vez, poderá refletir na construção de novas possibilidades transformadoras. Economia Solidária: um paradigma
Encontramo-nos diante se um modelo sócio-econômico no qual o
desemprego e a exclusão social já se tornam estruturais, colocando crescente massa de cidadãos à margem dos circuitos formais da economia e dos direitos fundamentais. A presente crise do modelo capitalista, que começa a atingir até mesmo os próprios capitalistas, reforça a urgência em pensarmos alternativas mais humanas e sustentáveis. A idéia de Economia Solidária (SE) não cabe em uma conceituação delimitada. Ela se insere em um conjunto de propostas, iniciativas e experiências de produção, distribuição e consumo, criados e recriados periodicamente, nos quais os paradigmas norteadores, diferentemente daqueles que prevalecem no modelo capitalista, são em graus variados: a participação coletiva, autogestão, democracia, cooperação, auto-sustentação, responsabilidade social e preservação do equilíbrio dos ecossistemas. (MANCE, 2004) A perspectiva da ES, portanto, vai além da “cooperativa de produção” auto ou co-gestionada, e se amplia para um contexto não só econômico, mas também social, cultural e político mais amplo, possibilitando a criação de redes nas mais diversas escalas. A seguir estão enumeradas algumas entre tantas práticas que podem ser inseridas nessa modalidade:
- agricultura ecológica e familiar;
- comércio justo (fair trade); - consumo solidário e consciente; - difusão de software livre; - finança ética; - movimentos de boicote; - sistemas de intercâmbio local; -sistemas de microcrédito e de crédito recíproco, “bancos do povo”; - sistemas locais de emprego e comércio (LETS); - sistemas locais de troca (SEL); Para Singer (2000), as proposta de Economia Solidária constituem um conjunto de transformações e alternativas que precisam ser buscadas pelos trabalhadores vitimas das seguidas reestruturações do sistema capitalista, cada vez mais excludente. Para esse autor, ao criar os alicerces para uma nova lógica, a ES “permitirá, ao cabo de alguns anos, dar a muitos, que esperam em vão um novo emprego, a oportunidade de se reintegrar à produção por conta própria, individual ou coletivamente.”(SINGER, 1998, p. 138) Apesar do otimismo de Singer, sabe-se dos imensos desafios que se colocam à frente daqueles agentes envolvidos na construção desse novo paradigma produtivo e social. Desafios impostos não apenas pela esmagadora força do grande capital, mas também, muitas vezes, pela própria cultura política brasileira, ainda avessa às idéias de participação, autogestão, etc... Nessa condição, o próprio poder público, que poderia ser um fomentador das práticas da ES acaba se omitindo, dando maior ênfase a políticas assistencialistas do que emancipatórias, como as que são propostas por esse novo paradigma.
A Economia Solidária para Além da Geração de Emprego e Renda
Não é objetivo deste breve artigo aprofundar-se na discussão de cunho
mais econômico sobre as crises do sistema capitalista e suas origens. O que se pretende aqui é refletir sobre as possibilidades do grande leque de alternativas que permeiam o paradigma da Economia Solidária não só de gerar renda e emprego para aqueles excluídos temporariamente ou estruturalmente da economia formal capitalista. Como já foi apontado anteriormente, e apoiando-se na visão de alguns autores como o sociólogo Boaventura Sousa Santos, a Economia Solidária, ao mobilizar os cidadãos em prol de um desenvolvimento fundado na prática participativa e sustentável (humano e ambientalmente), pode contribuir para a tão proclamada construção de uma nova cultura política, fundamentada em novos valores. Para esse autor: a idéia de participação e da solidariedade concretas na formulação da vontade geral são as únicas susceptíveis de fundar uma nova cultura política e, em última instância, uma nova qualidade de vida pessoal e colectiva assentes na autonomia e no autogoverno, na descentralização e na democracia participativa, no cooperativismo e na produção socialmente útil. (SOUSA SANTOS, B., 1995, p.263)
É preciso ressaltar que, ao acreditar nessa possibilidade e lançando-se
mão da citação acima, não estamos, entretanto, afirmando que o tão buscado Socialismo finalmente se realizará, mas sim que teremos novos espaços para a ampliação da democracia, para a reversão do trabalho alienado, para a valorização de culturas e saberes locais e para a construção, enfim, de novas práticas e organizações sociais.
A Economia Solidária e o Desenvolvimento Regional
Na perspectiva do Desenvolvimento Regional, as redes de ES podem ser
estimuladas pelo poder público comprometido com a idéia de emancipação social. A pressão dos cidadãos organizados pode contribuir para a instalação de vetores de força que contribuam para a adoção de políticas que viabilizem tais práticas. Essa pressão muitas vezes se faz necessária devido ao caráter ainda predominantemente clientelista existente entre o poder público e a sociedade civil brasileira. O apoio técnico e o desenvolvimento de capital social são ações com as quais o Estado e organizações do terceiro setor podem contribuir, bem como as Universidades. No Brasil temos diversas experiências com “incubadoras”, em sua maioria criadas por universidades públicas, nas quais, apesar do alcance ainda pontual, avanços têm sido obtidos. Essas universidades se aglomeram no PRONINC – Programa Nacional de Incubadoras de Cooperativas Populares, e nessas experiências também se enriquecem, uma vez que, atuando no seio da praxe social, conseguem superar o mero discurso academicista, compreendendo melhor a dinâmica dessa praxe e desenvolvendo tecnologias sociais úteis e aplicáveis. Na tabela a seguir, pode-se verificar a distribuição dessas incubadoras nas diferentes regiões do país, bem como o número de empreendimentos assistidos por elas:
Regiões Incubadoras Empreendimentos
Norte 2 18 Nordeste 8 82 Centro-Oeste 2 16 Sudeste 12 112 Sul 9 87 Total 33 315 Fonte: PRONINC
Como se percebe, a distribuição das incubadoras universitárias e do
número de empreendimentos é bastante desigual considerando todo o território nacional. Percebe-se claramente uma correspondência à concentração populacional e econômica de cada região. Apesar disso, não há dúvida de que tais empreendimentos poderiam se espalhar por todas as regiões caso políticas públicas com essa visão fossem adotadas. Em uma escala micro-regional, ou mesmo local, outros agentes poderiam contribuir para a viabilização dessas sinergias solidárias, tais como: associações de bairros, ONGs e ativistas do terceiro setor em geral, sindicatos, etc... Consórcios intermunicipais de Economia Solidária podem ser criados, estimulando a ampliação dessas pequenas redes.
Economia Solidária e Sustentabilidade
Além da questão da emancipação social e econômica, cabe destacar,
também, o caráter ambientalmente sustentável das práticas de Economia Solidária.
O incentivo para a organização dos trabalhadores rurais que cultivam
culturas orgânicas, sem uso de agrotóxicos, ou que estão envolvidos em atividades extrativistas sustentáveis, por exemplo, poderiam conquistar uma maior disseminação e poder de competitividade nas cidades através de “clubes de compra” e práticas do consumo consciente. Essas experiências já existem, mas poderiam ser ampliadas. Além da questão ecológica, é a própria questão da segurança alimentar, atualmente nas mãos de conglomerados do agrobusiness, que está em jogo, bem como a sobrevivência digna dos agricultores. A questão da agricultura sustentável é uma das mais relevantes, mas o caráter sustentável da ES, não se esgota nela. Temos, por exemplo, a questão do lixo urbano, que poderia envolver em escalas muito maiores do que atualmente, nas diversas etapas de seu tratamento (desde a coleta até a reciclagem) cooperativas organizadas em redes de ES. Na realidade, as possibilidades são inúmeras.
Considerações Finais
Nesse início de século XXI já são mais do que visíveis os sintomas de um
modelo de desenvolvimento socialmente excludente, humanamente alienante e ambientalmente degradante. Para muitos autores, vivemos, nesse alvorecer de milênio, em uma “sociedade de risco”, onde as conseqüências negativas de nossas intervenções no planeta começam a se fazer frequentemente desastrosas. Apesar disso, grande parte das nações e das sociedades continuam preocupadas com o crescimento econômico a qualquer custo. Após a derrocada das experiências socialistas, o Neoliberalismo e a Globalização, mundializaram também as conseqüências negativas da modernidade. Hoje temas como pobreza, poluição, conflitos culturais não são mais preocupações imediatas apenas do mundo “subdesenvolvido”. A nova crise financeira que tem abatido as principais economias do mundo tem o mérito de “democratizar” os grandes problemas mundiais. É como se a partir de agora ninguém mais pudesse se sentir completamente imune ou cego às graves questões que emergem. A “globalização como fábula” (SANTOS, 2000), ou seja, aquela com a qual todos seriam beneficiados caiu por terra. Nesse novo contexto de preocupação com os rumos que serão traçados para o mundo nas próximas décadas, não podemos nos esquecer da importância de se mudar as realidades locais. É nessa perspectiva que as quase infinitas possibilidades trazidas pelo paradigma da Economia Solidária, a partir de escalas locais e regionais, encontram ressonância com as atuais necessidades humanas e ecológicas em nível global. Referências Bibliográficas
MANCE, Euclides. Redes de Economia Solidária. In: Revista Thot, n. 81, p.
06-17, 2004. SANTOS, Milton. Por uma Outra Globalização. Rio de Janeiro: Record, 2000. SOUSA SANTOS, Boaventura. Pela Mão de Alice: o social e o político na pós-modernidade. São Paulo: Cortez, 1995. SINGER, Paul. Globalização e Desemprego: diagnósticos e alternativas. São Paulo: Contexto, 1998.