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0. Introdução
1. A construção do conhecimento
Em educação, e nas áreas do conhecimento que dela fazem uso, como, por exemplo, a
lingüística aplicada, os métodos de ensino dialéticos procuram superar os problemas cruciais dos métodos
de ensino expositivos. Para a metodologia expositiva, o conhecimento pode ser transmitido de geração em
geração. O professor configura-se como transmissor do conhecimento e como o único elemento ativo do
processo; o aluno, por sua vez, é o depositário desse conhecimento e, desse modo, mero receptor passivo.
Uma postura expositiva, segundo Vasconcellos (1999: 22), não reconhece: a concretude do
estudante; a motivação como essência para a aprendizagem; a construção do conhecimento pela relação
ativa sujeito/objeto/realidade, por meio da mediação do professor e não pela transmissão; a construção do
conhecimento pela ação do educando e não pela ação do professor; os diferentes estágios de
desenvolvimento; a bagagem cultural do estudante; e, a dimensão coletiva do conhecimento.
A superação dessa postura pode se dar pela concepção dialética, onde o conhecimento só
adquire sentido quando possibilita ao educando compreender, usufruir e transformar a realidade. Só existe
construção no sujeito, quando ele opera, transforma e cria, a partir de representações mentais prévias em
relação ao objeto. Isso em mente, o conhecimento não pode ser depositado na mente do educando, nem é
espontâneo, isto é, proveniente do nada. O conhecimento tem de ser interpretado como do estudante e não
para o estudante. De nada adianta expor o conteúdo ao aluno, sem que ele trabalhe esse conteúdo e o
assuma como dele.
A metodologia dialética pressupõe três momentos: a síncrise, a análise e a síntese. A
síncrise consiste numa abordagem da realidade de caráter global, indeterminada, confusa e fragmentada.
Trata-se do chamado senso comum ou conhecimento popular. Os processos de análise consistem em
quebrar a realidade em partes significativas, nesse caso, nunca se esquecendo do todo de que essas partes
surgem. Por fim, os processos de síntese consistem na integração de todos os conhecimentos analisados,
num todo orgânico e lógico mais próximo do conhecimento científico.
Qual é o papel do docente nesse processo? O docente precisa dirigi-lo, estabelecer
estratégias de mediação que possibilitem a elaboração de uma visão sintética de mundo, por meio da
análise dos objetos, tendo sempre em mente a visão sincrética inicial.
Para Vasconcellos (1999: 46), a mediação opera a partir de três dimensões. Num primeiro
momento, deve ocorrer a mobilização para o conhecimento. Essa fase consiste nas estratégias que
possibilitam um vínculo significativo inicial entre o sujeito e o objeto, que permitirão ser o objeto de
ensino um objeto de conhecimento para esse sujeito. Após essa fase, propõe-se a construção do
conhecimento. A construção reflete o confronto entre o sujeito e o objeto, com vistas à apreensão de suas
relações internas e externas. Por fim, deve ocorrer a elaboração e expressão da síntese do conhecimento.
Trata-se do momento em que o estudante revela a sua capacidade de elaboração de uma construção
integradora, sistematizando esse conhecimento e permitindo ao educador avaliar o processo.
O raciocínio mediador segue, aqui, os princípios de tese, antítese e síntese do raciocínio
dialético. A tese, representada no método pela fase de síncrise, é apresentada com a intenção primeira de
ser questionada e, se possível, impugnada. Contra essa tese, levanta-se uma antítese, o conhecimento
científico, evidentemente oposto ao estado sincrético inicial. Com a inserção da antítese questionam-se os
pontos fracos da tese, provocando, nesse confronto, uma crise (Figura 1).
Figura 1 – Estágio de conflito gerado pelo contraste entre a visão sincrética trazida pelo estudante e a
visão sintética do conhecimento científico.
Que isso tem a ver com pesquisa? A resposta a essa questão encontra respaldo nas palavras
de Saviani (1983: 77), para quem
o movimento que vai da Síncrise (a visão caótica do todo) à Síntese (uma rica totalidade de
determinações mais simples) constitui uma orientação segura tanto para o processo de descoberta de
novos conhecimentos (o método científico) como para o processo de transmissão-assimilação de
conhecimentos (o método de ensino).
Síntese do Estudante
SÍNTESE
Figura 2 – Estágio de superação do conflito (construção da síntese) gerado pelo contraste entre a visão
sincrética trazida pelo estudante e a visão sintética do conhecimento científico, por meio da intervenção
mediadora dialética.
Anteprojeto
↓
Mobilização e Observação da Síncrise
↓
Revisão do Anteprojeto
↓
Construção do Conhecimento
↓
Elaboração da Síntese
↓
Considerações Finais
2.1 Mobilização
significar um objeto de conhecimento, para que o sujeito se debruce sobre ele, implica uma
ação educativa no sentido de provocar, desafiar, estimular, ajudar o sujeito a estabelecer uma relação
pertinente com o objeto, que corresponda, em algum nível, à satisfação de uma necessidade sua, mesmo
que essa necessidade não estivesse tão consciente de início.
O primeiro passo é o contato com o objeto. Se esse contato for adequado, surge uma
necessidade ontológica de conhecer. Por meio dela, advém a contradição entre o que se sabia, visão
sincrética, e o que propõe o conhecimento epistêmico elaborado. Na busca das relações, obtém-se o
conhecimento novo.
Na mobilização, uma das tarefas do investigador é conhecer a realidade do grupo. No ato
de conhecer o grupo de participantes, o pesquisador levanta subsídios importantes que permitirão uma
visão mais apropriada do estágio de síncrise. Esse conhecimento, porém, não pode ser reduzido à idéia de
pré-teste da metodologia experimental. Aqui, conhecer se estabelece numa postura dialética de
profundidade. Daí serem interessantes: as estratégias de discussão coletiva sobre os temas, a produção de
textos, a metodologia participante, entre outras técnicas qualitativas.
O pesquisador, então, coleciona todas as evidências empíricas dessa visão sincrética da
realidade e provê uma descrição e uma explicação. A descrição dos procedimentos de mobilização e a
análise dos resultados dessa mobilização deverão constituir os elementos para a comparação do
desempenho das práticas mediadoras.
No nosso exemplo, duas práticas seriam centrais. A primeira concerne à produção de um
texto no qual os estudantes apontariam argumentos sobre o aborto. Nessa produção, o pesquisador deve
simular situações de produção textual coerentes com a prática escolar da unidade escolar. A segunda
consiste numa coleta da visão que os sujeitos da pesquisa têm sobre a argumentação. Todavia, ressalte-se
que não se trata de fazer pesquisa de campo sobre o tema, dado que isso empobreceria a pesquisa, mas de
conhecer mesmo a visão sincrética que os participantes possuem na entrada do processo.
Nesse ponto do trabalho, fica mais evidente a idéia da revisão permanente do projeto,
porque a expressão da visão dos participantes pode ser até diferente de nossas expectativas anteriores,
agora percebidas como ingênuas. Diga-se de passagem que a própria eficiência da mobilização está
relacionada com esse conhecimento.
2.2 Construção
A fase anterior nos coloca numa situação em que mobilizamos a atenção do participante
para o objeto de conhecimento. Cabe, agora, propiciarmos a interação do sujeito com a visão mais
elaborada desse conhecimento. O pesquisador transforma-se em mediador da relação participante/objeto
auxiliando o surgimento da reflexão.
Para isso, Vasconcellos (1999: 70-83) defende que a construção deve levar à contradição, à
criticidade e à análise. Por meio da contradição, o trabalho do pesquisador provoca a necessidade de se
negar a visão sincrética e de se avançar para uma explicação mais apurada da argumentação. O
investigador deve não só propiciar a contradição, mas também as condições de sua superação. Isso não se
deve dar apenas verbalmente, mas por toda espécie de estratégias que permitam ao participante lidar com
o conhecimento, tais como, experimentações, pesquisas, trabalhos de grupo, dramatizações, construções
de modelos, entre outros, sempre propiciando o confronto, o desafio.
Por meio da criticidade, o trabalho deve levar o participante a buscar as causas das coisas,
superar as aparências, romper a continuidade das mesmas coisas. Finalmente, por meio da análise, o
trabalho deve buscar a observação sempre mais profunda e articulada dos elementos que compõem a
realidade. A partir da análise, pode-se chegar, por aproximações sucessivas, a um nível mais abrangente,
à síntese integradora da totalidade.
No projeto de pesquisa mediadora, o pesquisador procura antecipar os principais
procedimentos que julga serem essenciais para propiciar essas ações. No relato da pesquisa, sua meta é
confrontar o plano com sua execução, ressaltando acertos e desacertos do processo. O critério de
qualidade é a possibilidade de se replicarem os procedimentos, isto é, propiciar a outro investigador
repetir os procedimentos, de forma semelhante, para que se possam estabelecer comparações, estas
mergulhadas nas concepções dialéticas de pesquisa.
Uma vez executada a pesquisa nos moldes colocados, o pesquisador deve relatar esses
momentos. Do ponto de vista estrutural, uma pesquisa mediadora pode ser construída com as categorias
textuais: introdução, visão sincrética, construção, visão sintética e considerações finais.
Na introdução, o pesquisador apresenta os elementos históricos de escolha do assunto e do
tema de pesquisa, até o momento em que são destacados: o problema central e/ou as questões de
pesquisa. Passada essa etapa, o investigador ressalta a relevância do trabalho, destacando intenções e
finalidades para a pesquisa. No final, descreve em quantos capítulos o relato científico foi organizado e
quais são os principais temas desenvolvidos em cada capítulo.
No capítulo destinado à visão sincrética, o pesquisador apresenta os resultados da descrição
e da análise da visão sincrética dos participantes antes da intervenção. Neste texto, ele não se limita a
olhar por si mesmo, mas busca elementos da literatura para aprofundamentos. Esse trabalho tanto será
melhor quanto mais concreto for o entendimento do leitor sobre a visão inicial dos sujeitos pesquisados.
No capítulo de construção, o investigador deve alternar os dados de seu planejamento com
os achados obtidos na execução da pesquisa. O fundamental, aqui, é propiciar ao leitor a possibilidade de
replicar os passos executados para realizar a pesquisa. Cumpre-se destacar os pontos fortes da
metodologia e não omitir pontos conflitantes. Esse capítulo é o ritual de passagem da visão sincrética para
a visão sintética que se sucede.
Na visão sintética, o pesquisador descreve e analisa os resultados obtidos, a partir da visão
sintética, fruto do trabalho de análise obtido da intervenção. No mesmo capítulo ou em capítulo diferente,
estabelecem-se comparações entre a visão obtida depois da intervenção e aquela obtida antes da
intervenção, sempre respeitando os princípios da metodologia dialética e da pesquisa qualitativa.
Por fim, nas considerações finais, o pesquisador revisa o trabalho, buscando sínteses
integradoras. O autor deve fazer uma varredura, buscando saber se o problema central e/ou as questões de
pesquisa foram respondidos. Não se pode deixar de estabelecer limitações e recomendar alternativas para
novas pesquisas. Finalmente, basta organizar um discurso de encerramento.
3. Considerações finais
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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DEMO, Pedro. Introdução à metodologia da ciência. São Paulo: Atlas, 1991.
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ciências humanas. Revisão técnica e adaptação da obra de Lana Mara Siman. Porto Alegre: Artes
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MERRIAM, Sharan B.. Qualitative research and case study applications in education: revised and
expanded from case study research in education. San Francisco, USA: Jossey-Bass, 1998.
RAUEN, Fábio José. Roteiros de investigação científica. Tubarão-SC: Unisul, 2002.
SAVIANI, Demerval. Escola e democracia. São Paulo: Cortez, 1983.
STAKE, R. E.. Case study methodology: an epistemological advocacy. In: WELSH, W. W. (Ed.). Case
study methodology in educational evaluation. Minneapolis: Minessota Research and Evaluation
Center, 1981.
VASCONCELLOS, Celso dos Santos. Construção do conhecimento em sala de aula. São Paulo:
Libertad, 1999. (Cadernos do Libertad, 2).