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O texto A publicação no formato digital não é uma opção, é uma questão de sobrevivência
do editor e articulista editorial Carlos Carrenho abre um debate necessário. E polêmico.
Pensar sobre a questão do livro digital depende hoje de mais ousadia entre aqueles que
decidem no mercado. A iniciativa do blog Tipos Digitais não pode, nem deve ficar isolada.
Ao contrário, todos os atores do mercado editorial devem entrar nesta discussão,
internamente nas editoras e publicamente em todos os espaços do mercado.
Ponto de partida
Qual o ponto de partida? Apesar de jovem, comparado com tantos outros lugares do
mundo e mesmo da América, nossa indústria editorial já tem história e maturidade.
Exatamente por isso tem dificuldades de ver e entender o processo em curso.
Nada mais natural. Os copistas medievais devem ter passado por algo parecido quando
Johannes Gutenberg colocou sua tipografia para funcionar.
A média de idade dos editores do mercado editorial é alta. Não estou falando de
funcionários contratados, estou falando dos proprietários, daqueles que decidem. Pela
minha experiência de 12 anos trabalhando com livros, o mercado editorial brasileiro tem
uma média de idade 50 e 70 anos. É só lembrar dos jantares de final de ano da CBL, onde
há inúmeros ganhadores das bodas de prata e ouro do mercado editorial.
Essa geração não é dependente de internet. Não vive com ela. É diferente de toda a geração
que nasceu com internet. Hoje, já temos uma geração de jovens que nunca pagou por
música, diretamente. E escuta música o tempo todo com celulares, mp3 players e afins.
Baixo livros desde que entrei na internet em 1996/1997 (eu tinha um HD de 1,7GB, tenho
hoje mais do que isso no meu celular). Adorei ler o clássico Anarchy Cookbook e as linhas
do fanzine brasileiro mais bacana do início da web, o Barata Elétrica. Mas isso é
antiguidade da internet, afinal sou de uma geração pré banda larga, wi-fi, celular etc. Hoje
as pessoas vivem com a internet 100% do tempo. Alguns minutos na TV mostram a
publicidade sistemática das operadoras de telecomunicação incentivando você a viver
100% conectado. As crianças vão para escola com celulares permanentemente on-line.
Por isso, acredito que o trem da história vai atropelar quem não for rápido. Essa
esmagadora roda do progresso da tecnologia digital para os livros vai esmagar quem
acreditar que dá para fazê-la rodar para trás. Não dá.
Quando trabalhava na Conrad Editora no ano 2000, instalamos o falecido software
Napster. Foi inacreditável: em 48 horas havíamos baixado algo como 600 músicas, na sua
maioria temas de séries, trilhas de filmes e músicas obscuras. Ficamos nos divertindo por
horas. Se naquele momento tivéssemos um iPod ou se um celular com MP3 player, nos
fosse oferecido, pagaríamos o preço que fosse para ter os meios de escutar essas músicas
com facilidade. Meu primeiro MP3 player (de 128MB) eu recebi como brinde de uma
assinatura de banda larga que fiz. Usei aquilo até queimar.
Hoje, qualquer pessoa que anda de trem/metrô está com seu celular abarrotado de música.
Nunca se escutou tanta música na história da humanidade. E isso é bom. Muito bom.
Discos obscuros de bandas punk rock da Iugoslávia, cantos tribais africanos, música
clássica soviética, samba paulista com Plínio Marcos como mestre de cerimônias, discos da
banda Fellini... tudo disponível a dois ou três cliques! Coisas que a indústria musical nem
sabia que existia... Passam a ser escutadas.
O negócio vai mudar. Como mudou na música. Como mudou no cinema. A indústria do
cinema hoje, se perdeu dinheiro para a pirataria de DVDs, ganha dinheiro como nunca, nas
salas de Cinemas boas. Ninguém mais consegue assistir filme nos finais de semana sem
fila.
Como tornar viável uma editora com livros digitais? Esse é um problema que os editores
precisam se desdobrar para resolver. Não existe resposta pronta. O que tenho a dizer são
ideias e especulações. Pistas sobre o caminho e sobre os obstáculos.
Faz um ano, fui chamado por um selo editorial de uma grande editora para uma
consultoria para rascunhar um projeto de edições digitais. Comecei, desenvolvi uma parte
do estudo levantando oportunidades, viabilidades e afins. Mas não havia segurança em
investir no prosseguimento da pesquisa na editora. Entre o certo e o duvidoso, tive de
optar por me dedicar a minha outra área profissional (como professor).
Com raras exceções, é uma tendência do mercado em geral: esperar alguém ir na frente,
bater a cabeça, errar, se machucar... para depois o restante seguir a trilha já traçada sem
dificuldades.
As exceções devem ser registradas como a Ediouro, com seu projeto Singular Digital e o
Grupo Positivo que aposta em um e-reader próprio e possivelmente unificará suas
estratégias de negócios editoriais e educacionais.
O problema é que, no geral, isso está muito devagar. E ninguém está disposto a errar. Isso,
numa empreitada nova, é um equívoco.
Fica óbvio que o que leva as editoras a não investir nos livros digitais é insegurança, medo.
Tratar livro como papel. E livro é conteúdo, não é forma.
Mas qual a razão dessa decisão? Simples, optaram por seguir o mercado: fechar-se, colocar
a cabeça na areia e rezar para o céu não cair em cima deles. Esperar que outros se
arrisquem, que outros façam o novo para só seguirem a onda.
O problema é que aqui não adianta rezar. Toda a fé do mundo não muda a realidade, se as
pessoas ficarem de joelhos. É preciso agir. Recordando as palavras de Goethe: “No
princípio era a ação”.
Vivemos uma nova transformação gutenberguiana. Aquilo que Gutenberg fez com seus
tipo móveis, mudou o mundo. Mas mudou o mundo não pela técnica em si, mas porque
essa técnica foi capaz de reduzir drasticamente os custos do acesso ao conhecimento e a
novas ideias que antes estavam isoladas e fragmentadas. Socializou, assim, o conhecimento
clássico e abriu as portas para novas ideias. Tornando possível mudanças na escala da
Reforma Protestante, do Renascimento e do Iluminismo.
Claro, ainda tudo parece um balcão de apostas. E ninguém quer colocar as fichas sem saber
onde é que elas vão ser jogadas. Nada de fazer como fez a AOL, quando distribuía CD-ROM
ou outras loucuras torrando o dinheiro da falecida “nova economia”. Não é isso.
Mas não dá para achar que as faixas de lucro vão ser as mesmas. A rentabilidade no novo
negócio do livro ainda está para ser descoberta. E creio que ninguém duvida que o
desenvolvimento do mercado vai depende de vários elementos, variáveis e fatores.
c) Da ousadia das editoras de recalcular integralmente os custos dos livros a partir da nova
realidade. De reduzir os esbanjamento e estudar drasticamente como produzir conteúdo
para os novos formatos. De recuperar todos os livros dos seus catálogos. E de entender a
cauda longa (o livro do Chris Anderson passa a ser leitura obrigatória).
d) De novos modelos de contrato. Novas formas de repartir resultados. Com esse formato,
fica sendo possível combinar direitos autorais para autores, tradutores, capistas e mesmo
editores de edições críticas. Isso fará os custos de investimento caírem e possibilitará mais
ousadia e apostas. E mesmo resgates de obras esquecidas e abandonadas. A possibilidade
de ótimos resultados com livros de domínio públicos em edições críticas de alto nível. De
definição de tempo menores para extensão dos contratos. De cálculos escalonados onde os
resultados de vendas ampliam os resultados de royalties, tornando os autores vetores
principais da divulgação e do marketing das obras. Tenho certeza que livros que façam
sucesso originalmente em e-books vão se tornar versões impressas, muito mais legais para
presentear (pois permitem dedicatórias, por exemplo) e para adornar as estantes de
bibliófilos. Além disso, seguem essenciais para as noites de autógrafos.
e) Esse processo ampliará drasticamente a base de leitores. O modelo digital vai ajudar,
como a música digital fez. Mais consumidores consumindo e descobrindo. E o consumo de
energia de um e-reader é tão baixo que um sistema de energia solar fará qualquer cidadão
no meio do deserto capaz de ler um livro usando o sol como fonte de sustento de baterias...
nem eletricidade vai necessitar. Programas públicos de acesso a internet como o Programa
Nacional de Banda Larga que o governo federal desenvolve com a nova Telebras serão
ferramentas importantes para ampliar o mercado leitor.
g) Como competir com a pirataria? Antes de tudo é preciso entender que ela existe e vai
seguir existindo. Para concorrer com ela, é preciso em primeiro lugar, preços justos e
competitivos. Como professor, incentivei meus alunos a comprar essa coleção de livros da
Folha “Livros que mudaram o mundo”. Até a edição 14, pelo menos 30 dos meus 250
alunos compraram. Por um sistemático incentivo meu que a cada semana apresentava a
importância de cada obra e comparava seu preço (15,90 reais) dela com as edições de
livraria. Um resultado impressionante, pois sem dúvida, muitos jamais chegariam a obras
como aquelas, se não fosse o preço.
h) Vejo editoras vendendo livros digitais por preços praticamente iguais aos livros em
papel. É uma afronta à inteligência do consumidor. É um empurrão para o consumo de
livros por fora das editoras. Com a inesgotabilidade das obras, em alguns casos, as obras
vão ser gratuitas e as pessoas vão contribuir livremente para ajudar projetos editoriais
ousados. Um pouco como fez o Radiohead quando disponibilizou um disco no seu site para
as pessoas pagarem o quanto quiserem. Recentemente, um blog especializado em
digitalização de livros para uso de estudantes de uma grande universidade fez uma
campanha para comprar um HD extra e arrecadaram 400 reais em poucos dias com
doações voluntárias.
i) É provável que uma das formas para o acesso a conteúdos esteja ligado a sistemas de
assinatura. Isso possivelmente implicará que as editoras tenham de fazer acordos/negócios
com operadoras de telecomunicação (Teles em geral) e portais de internet. Algo como um
grande Círculo do Livro, mas agora digital. O sucesso das obras estará ligado à capacidade
de dar visibilidade (sites, TV e afins). Mas também ao boca a boca, em torno das redes
sociais. Nos EUA já há uma rede social dedicada só à leitura de livros: The Copia com
grande convergência para e-books.
Parece que o modelo desenvolvido pelo portal Scielo para os periódicos científicos, tende a
se generalizar no futuro numa espécie de Scielo Livros disponibilizando os acervos das
editoras universitárias ao público leitor sem custo ou a custos próximos do simbólico (ou
mesmo sistemas de assinaturas acessíveis).
Para dar um exemplo real deste problema, hoje, dos 11 livros exigidos no edital para a
prova de mestrado em História Econômica na USP de 2010, cinco títulos estão fora de
catálogo nas livrarias eletrônicas de edições novas (veja tabela de disponibilidade). Uma
parte destes livros só está disponível em sebos e sites de downloads ou na biblioteca da
própria USP.
l) Uma vasta quantidade de obras traduzidas que já foram editadas e publicadas, mas que
estão fora de disponibilidade do mercado, vão poder ser recolocadas no mercado graças ao
formato digital.
Os leitores digitais com toda a certeza vão fragmentar a edição. Não será necessário
capacidade de investimento para publicar. Será necessário capital para contratar autores
consagrados, isso é claro. Mas abrirá o caminho para uma ampliação da experimentação de
novos autores, novas formas narrativas, novas ideias...
m) Como lembrou um amigo, outro elemento que deve ser abraçado é a possibilidade de
casar os novos formatos digitais com mecanismos de publicidade de marcas. Porque
empresas que investem em prêmios literários e edições de livros via isenção fiscal
(Rouanet) não vão investir em projetos editoriais digitais disponibilizando livros
gratuitamente? É também um terreno aberto.
Imagine um capítulo de um e-book produzido para tablets, num livro de história, para
ensino médio sobre a Revolta da Chibata. Ele terá imagens, passeio pela planta dos navios,
a reprodução da música do João Bosco cantada pela Elis Regina, terá imagens do ex-
presidente Lula lançando ao mar o primeiro navio da Petrobras produzido nos estaleiros
navais de Pernambuco, batizado de João Cândido. Também terá depoimento em vídeo do
senador Paulo Paim, autor do projeto que propõe inscrever no Panteão dos Heróis da
Pátria e da Liberdade o nome de João Cândido entre tantos outros recursos de multimídia.
Para ficar apenas num exemplo. A produção de obras deste tipo vai exigir sem dúvida, uma
reforma da legislação de direitos autorais.
Mas diferente de décadas passadas, hoje o futuro dá medo. A ficção projeta atualmente a
um futuro, em geral trágico. Como explicou o crítico Fredric Jameson no seu Archaeologies
of the Future a tendência da projeção do futuro no terreno da ficção hoje, no capitalismo, é
a hecatombe apocalíptica ou mais do mesmo que já vivemos. E essas duas opções,
convenhamos, não são muito boas.
O futuro pode ser melhor. Mas desde já trabalhemos para isso. Frente às opções de
hecatombes ou mais do mesmo, prefiro um futuro melhor. Os livros digitais podem não
resolver os problemas do mundo, mas vão ajudar. Devemos ir para o futuro
“audaciosamente indo onde ninguém jamais esteve”.
Alexandre Linares
alexandrelinares@gmail.com
Editor, cientista social e professor. Foi coordenador editorial na Conrad Editora. Foi sócio-
fundador da Amauta Editorial. Trabalhou na Boitempo Editorial e na Editora Nova Palavra
e colaborou com várias outras editoras. Mantem o blog Ativando Neurônios para seus
alunos do pré-vestibular/ENEM.